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ARTIGO DO PROFESSOR PAULO

NUNES
Neste artigo, o professor faz uma consistente reflexão sobre a fragmentação da literatura. Vale
a pena ler.

Literatura Paraense Existe?

Paulo Nunes (1)

Os dois Josés — o Guilherme Castro e o Arthur Bogéa — que me perdoem, mas, hoje,
sinceramente, não creio na existência de uma literatura paraense. Minha afirmação pode
parecer contraditória aos olhos do leitor. Ainda mais vinda de uma pessoa que, juntamente com
Josebel Akel Fares, Josse Fares e Rey Vinas, escreveu o Texto e Pretexto: experiência de
educação contextualizada a partir da literatura feita por autores paraenses, livro didático
adotado na disciplina Literatura Paraense, ministrada na rede municipal de ensino no ano de
1987, graças a um convênio firmado entre SEMEC e U.F.Pa. Pois aos que vêem em meu
argumento uma contradição, considerem minha fundamentação.

A expressão literatura paraense, além de ser acanhada demais, fere a universalidade, princípio
básico a qualquer manifestação que se deseje artística. Talvez o fato de aceitarmos esta
denominação — literatura paraense — para a manifestação literária dos autores nascidos no
Pará, signifique que caímos numa armadilha fácil, montada por aqueles que tentam perpetuar-
nos como frutos de uma cultura exótica, regional, incapaz de difundir sentimentos
universalistas.

Aproveitando-se disso, dirão os incautos: "Literatura menor!" (2). Será?


Ora, meu caro leitor, um poema como "Alma e Ritmo da Raça", hino à negritude, criado por
Bruno de Menezes, é expressão tão-somente paraense? Os versos de "Chão d´Água II", do
vigiense José Ildone, que aborda as angústias do pescador que envelhece e não pode mais
ver/ter o rio, é sentimento exclusivamente dos ribeirinhos da Amazônia paraense? A fé que
emana de "Senhora das Águas", poema pós-moderno de Salomão Larêdo, se restringe apenas
às nossas fronteiras? Será que as angústias existenciais de Alfredo e dona Amélia,
personagens do marajoara Dalcídio Jurandir, ficam circunscritas à esfera do regional?
Evidentemente que tanto os textos aqui listados quanto outros que aqui não foram
relacionados, rompem os limites do meramente regional para se fazerem universais, tão
universais quanto o sol, que nasce para todos, quanto a água dos mares, quanto o ar —
poluído ou não — que respiramos. Isso tudo demonstra, penso, que a expressão literatura
paraense tornou-se anacrônica. Estamos já bastante crescidinhos para aceitarmos fórmulas
facilitadoras que, em nome da defesa do regional, põe-se a misturar palavras azedas que
provocam estranhamento a olhos e ouvidos, rimas do tipo açaí X bacuri, vatapá X mapará,
beiju X cupuaçu etc, etc.
Alguns poderão contra-argumentar, apontando minha posição como radical demais. Poderiam,
assim, acusarem-me de oportunista, ou mesmo de ingrato; alguém que hoje "cospe no prato
que comeu". Bem, penso que a "adjetivação pátria", "paraense", tão em moda para alguns, já
teve seu tempo e espaço. Espaço que eu situaria historicamente até o início da década de 90,
quando a redemocratização do Brasil já era realidade, e não mais corríamos o risco de um
retrocesso político (portanto a educação precisava fazer-se desalienante). Daí que na SEMEC-
Belém da década de 80, Josebel, Josse, Rey e eu, em conjunto com professores municipais,
optamos por denominar a disciplina recém-criada de Literatura Paraense. Aquele momento
político, é necessário que se diga, era demarcado por um clima de tensão e incertezas. E uma
disciplina reveladora, de enfoque freiriano, poderia nos idos de 87/88, causar mal-estar (como
de fato causou algum!) aos mais conservadores. Foi neste contexto que recebemos, em carta,
o alerta de João Luís Lafetá. Ele nos dizia então: — Cuidado, o mar ainda não está para peixe!

Da década de 80 para cá, ficou-nos a necessidade, cada vez mais premente, de superar as
fronteiras que a nós se impunham. Não nos restava outra ação senão a de buscarmos o limiar,
a terceira margem. Afinal, somos amazônidas, sujeitos em incessante busca do entre-lugar do
discurso amazônico na cultura nacional(3). Precisamos, hoje, mais do que nunca, deixar de
pensar acanhadamente. Até mesmo porque se formos aplicar a denominação pátrio-adjetiva
para as literaturas regionais, teremos uma superfragmentação da chamada Literatura
Brasileira. Sob esta ótica fragmentária, pensemos em alguns nomes paradigmáticos. Carlos
Drummond de Andrade, por alguns considerado nosso poeta maior, nesta ótica, seria um
expoente da literatura mineira? E Manuel Bandeira faria parte da literatura pernambucana?
Jorge de Lima seria estudado somente por alagoanos? Oswald de Andrade é exclusivamente
paulista? Os gênios, Machado de Assis e Guimarães Rosa, seriam classificados como
pertencentes, respectivamente, às literaturas carioca e mineira? Será que nossa expressão
literária nacional sobreviveria diante de tão incisiva fragmentação?

Por essas e outras — embora sendo professor de Literatura da Amazônia —, tenho optado por
uma expressão que considero mais conseqüente em se tratando de literatura da/sobre a nossa
região: literatura brasileira de expressão amazônica. Afinal, está na hora de (como fizeram os
primeiros modernistas) os demais brasis redescobrirem este Brasil que está ao norte, e é
demarcado pela linha do Equador. E a literatura, penso, é mais que pretexto, ela é, sem
trocadilhos, o passaporte. E que ela não seja somente paraense, seja brasileira, quiçá,
universal!

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