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Abstract: In this brief essay I will address some similar perspectives in publications by
some Brazilian intellectuals (historians) from the beginning of the 20th century. I
believe that, among the works of some of these authors, there was a melancholic atitude
and the production, at different levels, of some “ethics of solidarity”. The reflections in
this text are in line with the researches of Eliana Dutra, Patrícia Hansen, Angela de
Castro Gomes and Marcelo de Mello Rangel.
Keywords: solidary ethics, melancholy, intellectual history
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Doutor em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Pós-Doutorado em andamento
pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Professor do Curso Preparatório Luísa Mahin. Este texto é resultado de meus primeiros estudos durante o
estágio de pós-doutorado. Agradeço ao supervisor Prof. Dr. Marcelo de Mello Rangel e a leitura atenta da
Profa. Ma. Helena Azevedo Paulo de Almeida.
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classes sociais diferentes, portanto, não é neutra, e pode favorecer certos grupos
enquanto é nociva a outros.
Uma ética, digamos, que mais adequada à coexistência das diversidades, seria
aquela empática “ao outro”, mais solidária àqueles que se diferem uns dos outros, que se
encontram em complexas teias sociais.2 É dessa forma que, com uma “ética da
solidariedade”, me refiro a reflexões contidas nas obras destes intelectuais (claro,
limitada, mais ou menos intensa em alguns autores e inexistente em muitos) que busca
indicar a necessidade de constituir uma cultura da sociabilidade e da relação solidária
entre os sujeitos, grupos e setores sociais diversos, inclusive daqueles responsáveis pela
administração pública.3
De início, é preciso mencionar que, nas escolhas polissêmicas de alguns destes
letrados, está presente a linguagem que concilia estratégias pragmáticas lógico-formais
e estéticas, ou ainda, aquilo que hoje Gumbrecht (2010) chama, respectivamente, de
efeito de sentido e efeito de presença. O sentido seriam aqueles recursos associados ao
lógico-formal, a concatenação de argumentos e narrativas, aos métodos. A presença diz
respeito ao material, o afetivo, o sensível, o sensorial, o estético. A partir destes dois
movimentos, houve uma vontade por parte de muitos daqueles autores em impactar,
agir intensamente na realidade que faziam parte: “O dilema entre o impulso de
colaborar para a composição de um acervo literário universal e o anseio de interferir na
ordenação da sua comunidade de origem assinalou a crise de consciência maior desses
intelectuais” (SEVCENKO, 1989, p. 22).
A linguagem se predispõe em seus textos a esforços pragmáticos e estéticos,
ambos com preocupações políticas, mas também éticas. Com muita constância, a
exemplo do ensaio Retrato do Brasil (1928) de Paulo Prado (1869-1943) ou A América
Latina (1905) e O Brasil na História (1930), ambos de Manoel Bomfim (1868-1932),
encontraremos em seus trabalhos uma crítica visceral ao egoísmo, ao arrivismo, a
luxuria, à apatia - “Assim, abstratos universais como os de humanidade, nação, bem,
verdade, justiça operavam como os padrões de referência básicos, as unidades
semânticas constitutivas dessa produção artística” (SEVCENKO, 1989, p. 22).
2
Um debate complexo e rico a respeito deste tema se encontra na tese de doutoramento A Construção do
outro como não-ser como fundamento do ser, da importantíssima intelectual negra Sueli Carneiro.
(CARNEIRO, 2005). Para melhor tematização da(s) ética(s) nas práticas do historiador, ler o trabalho de
Andre de Lemos Freixo (FREIXO, 2019).
3
Entendo a categoria “intelectual” como uma forma abrangente de sujeitos que produzem reflexões,
interlocuções e mediações das mais diversas em diferentes espaços sociais, em suas formas escritas, orais,
educacionais, políticas, populares, acadêmicas, militantes, etc.
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A crise econômica conhecida como “encilhamento” ocorreu entre o final da monarquia e início do
império, e foi resultado de medidas econômicas liberais de crédito livre a iniciativa privada industrial
junto com a excessiva emissão de papel moeda, resultando em grandes níveis de inflação e especulação
financeira (TANNURI, 1981).
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Neste sentido ético, é interessante apontar que, segundo Dutra, em História do Brasil, Ribeiro
desenvolve o que chama “ética da atualidade”: “onde o presente é justificado pelo passado que se atualiza
naquele, e que, acreditamos, se faz presente no Almanaque Garnier” (DUTRA, 2005, p. 226).
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Muitos outros, como José Veríssimo, também criticavam o federalismo como uma escolha a qual
poderia culminar no esfacelamento da nação em formação e do território.
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(...) a língua tem que ser capaz de permitir ao povo se identificar com a
forma de expressão [capturar os elementos populares e linguísticos variados
da sociedade]. E essa identificação não se da ao largo da afetividade, do uso
rotineiro, das crenças e tradições vigentes, que fazem parte do conjunto das
ideias e sentimentos das gentes, que tem na língua uma forma de expressão.
É preciso conhecer o povo para o sucesso do projeto de integração (DUTRA,
2005, p. 121-122).
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No caso específico deste apontamento, a autora se refere a importância do IHGB (somado a outros
espaços de sociabilidade) como “sociedade do discurso” já que, primeiro, o início do XX é um período de
revisão da disciplina, e, segundo, a Primeira Guerra produz um impacto nos valores ocidentais (GOMES,
2009, p. 66).
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É preciso ressaltar que, pelas pesquisas de autores como Marcus Vinícius Fonseca, sabemos que a
população de baixa renda e marginalizada pelo Estado (como grande parte dos afro-brasileiros) criaram
redes de solidariedade (seja através dos ofícios, associações, alfabetização, educação comunitária e
escolar) para resistir às violências sociais e estatais.
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O determinismo é a perspectiva filosófica que tematiza se as ações humanas são determinadas, limitadas
por elementos metafísicos, históricos, físicos, biológicos, geográficos ou outros de origem natural.
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Considerações finais
Para a produção de pragmáticas ético-políticas, de alguma capacidade de
superação do individualismo e da insociabilidade era preciso uma reflexão que
matizasse as tensões deterministas tanto da natureza, da realidade social e política
quanto, especialmente, da herança histórica colonial. A partir da estruturação de uma
base teórica no que tange as condições da ação humana foi possível a eles a elaboração
de projetos para a orientação em uma experiência de tempo instável. Deste modo,
através das sínteses históricas traçadas por estes letrados, surgiam em seus ensaios às
possibilidades de intensificação da distância histórica em relação às experiências
passadas de caráter aparentemente determinista e negativa e, também, a redução da
distância histórica a respeito das dimensões passadas as quais indicavam
potencialidades solidárias à sua temporalidade.
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Referências Bibliográficas:
BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem. Rio de Janeiro: Topbooks,
1993.
FONSECA, Marcus Vinícius. População Negra no Brasil: O perfil racial das escolas
mineiras no século XIX. Belo Hosrizonte: Mazza Edições, 2009.
RIBEIRO, João. Historia do Brazil. 1ª Ed., Rio de Janeiro: Livraria Cruz Coutinho.
1901.
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