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SINOPSE

Ela precisa encontrar o antídoto... mas não há cura para o amor.

Após um ano de casamento, Elena Falcone de repente se


viu viúva e à mercê de Konstantin Tarkhanov, Pakhan do
Tarkhanov Bratva.

Determinada a nunca mais voltar para sua cidade natal,


Elena faz um trato com o diabo: cure uma mulher doente e
receba sua liberdade... ou fracasse e retorne para sua família.

Konstantin Tarkhanov fez de tudo para construir seu


império. Agora, rei de Staten Island, seu poder nunca foi maior.
Mas mais um obstáculo estão à sua frente antes que ele tenha
tudo o que deseja - a selvagem e inteligente Elena Falcone.

Apanhados em uma trama complexa no mundo de venenos


e gangsters, Elena e Konstantin devem superar muitos
adversários enquanto lidam com a conexão inegável que
compartilham. Mas nem todos são confiáveis e, às vezes,
mesmo aqueles que você ama não são o que parecem.
LISTA DE PERSONAGENS

Elena Falcone – 23. La Cosa Nostra filha, esposa de Thaddeo


Falcone.

Konstantin Tarkhanov – 30. Pakhan (chefe) do Tarkhanov


Bratva.

Roman Malakhov – 24. Byki (guarda-costas) de Konstantin.

Danika Baltacha – 22. Interrogador da Bratva.

Artyom Fattakhov – 29. Obshchak (segurança) da Bratva,


marido de Roksana.

Roksana Fattakhov – 25. Esposa de Artyom Fattakhov.

Dmitri Gribkov – 29. Krysha (segurança) da Bratva, marido


de Tatiana e pai de Anton.

Tatiana Gribkov – 27. Esposa de Dmitri Gribkov, mãe de


Anton Gribkov.

Anton Gribkov – 2. Filho de Dmitri e Tatiana Gribkov.

Olezka – 32. Torpedo (assassino) da Bratva.


PRIMEIRA PARTE

Maçãs, balas e dentes

“Todas as coisas são veneno e nada é isento de veneno;

apenas a dose torna algo não venenoso”.

– Paracelsus
PRÓLOGO

Konstantin Tarkhanov

15 anos de idade

Entreguei a aranha de brinquedo à minha sobrinha. Os


seus dedos pegajosos agarraram-na, balançando-a
alegremente no ar.

— Kostya — ladrou meu irmão mais velho.

Levantei minha cabeça, erguendo minhas sobrancelhas


para meu irmão. Ele me lançou um olhar de advertência, sua
maneira de me dizer para prestar atenção e parar de idolatrar
sua filha.

Normalmente, eu estaria prestando atenção. Voltar da


escola para casa e ser convidado para uma reunião antes que
minha mochila caísse no chão era uma ocorrência comum –
uma que até esperava. Esta reunião no entanto, não estava
prendendo meu interesse; principalmente porque envolvia
homens velhos e sem imaginação discutindo o futuro de
Moscou.

A única graça salvadora que me impediu de adormecer foi


Natasha, minha sobrinha. A menina de dois anos estava
sentada em uma das cadeiras, rodeada de seus brinquedos.
Ela era estranhamente quieta, para uma criança, muito
diferente das outras crianças de nossa família, que exigiam
cuidado e atenção constantes.

Era a sua natureza reservada que sua mãe instável disse


que havia tentado afogá-la com algumas semanas de vida,
porém era também a razão pela qual o pai a levava a todas as
reuniões. Ele até fingia, às vezes que Natasha estava no
comando, deixando-a dar ordens aos homens.

O meu pai nunca foi tão complacente com seus próprios


filhos. Mesmo agora, meu pai, o Pakhan do Tarkhanov Bratva,
lançou a meu irmão e a mim um olhar frio da cabeceira da
mesa por conversarmos, mas deu um tapinha afetuoso na
cabeça de Natasha. Ela sorriu com a sua chupeta.

Retornei minha atenção de volta para a reunião.

— A Camorra entrou em erupção em meio a uma guerra


civil. Este é o nosso momento de nos mudarmos para a
Campânia1...

Alguém interrompeu, sua voz áspera. — Que uso


teríamos para as sobras do território da Camorra? Você sabe
como cultivar uvas, Viktor?

Gritos explodiram.

Quase desejei estar de volta à escola.

1-Éuma região no sudoeste da Itália conhecida por suas ruínas e litoral pitoresco. Nápoles, a capital
regional, é uma cidade movimentada com um cenário natural impressionante entre o cone cinza do
Monte Vesúvio e as águas azuis profundas do Golfo di Napoli.
Quando se é o Pakhan, não se deixa suas reuniões caírem
em tal caos.

O pensamento me veio silenciosamente e sem ser


convidado. Eu não era o próximo na linha de sucessão – não
era nem mesmo segundo ou terceiro na linha. Se eu quisesse
governar esta Bratva, teria que abater metade da hierarquia e
os homens de meu pai. Quem então sobraria para governar?

O meu pai cortaria minha garganta de orelha a orelha, se


eu expressasse tal ideia; se meu pai não cortasse, meus irmãos
ficariam felizes em cortar.

Os meus irmãos e eu, como uma ninhada de filhotes de


cachorro, estávamos pisando um no outro para nos impormos
desde o início. A cada movimento que fazíamos um contra o
outro tinha um objetivo, um jogo de poder ligado a ele. Era
muito diferente em comparação a minha relação com Artyom,
e a nossa camaradagem fraterna.

Eu olhei para Natasha mais uma vez. Ela agarrou uma


cobra de pelúcia e apertou sua cabeça com as mãos gordinhas.

Quando os gritos se transformaram em gritos violentos,


Natasha olhou para mim em busca de segurança. Eu sorri para
ela, e ela sorriu de volta estupidamente.

— Precisamos de mais investimentos na indústria


petrolífera — argumentou Feodor Rodzyanko. — É aí que está
o dinheiro.
— Bah! Ouçam todos vocês. Precisamos investir, para
construir relacionamentos. Vocês soam como políticos! —
atirou mais alguém. — Somos a Bratva, não oligarcas.

A discussão ficou mais intensa até que meu pai bateu na


mesa, o som ressoando no fundo da sala.

— Silêncio! — bradou. — Não nos rebaixaremos agindo


como o governo. Por décadas, sobrevivemos assim e
continuaremos a fazê-lo por muito mais tempo.

Você está errado, Pai, pensei. Aqueles que não se adaptam


às mudanças, são varridos pelas correntes do tempo.

Eu planejava permanecer por séculos.

Depois que meu tempo tivesse terminado nesta terra, não


haveria memória de mim que não se recordasse da minha
imponência. Os meus filhos, netos e bisnetos carregariam meu
poder em seu sangue e alma, me concedendo a imortalidade.

Os meus irmãos acenaram em uníssono, embora papai


pudesse ter dito que o céu estava amarelo e eles teriam
concordado; mesmo seus homens mais liberais concordaram
com a palavra final de meu pai sobre o assunto. Não havia
espaço para questionamentos ou desafios, depois que papai
tomava sua decisão, não havia nada que alguém pudesse dizer
ou fazer para mudar – mesmo que fosse uma escolha terrível.

Eu sabia que não deveria dizer nada, que deveria manter


a minha boca fechada, mas meus lábios ainda se separavam,
e disse — Os velhos métodos não estão mais funcionando.
Precisamos ser mais inteligentes.

Silêncio.

Até Natasha parou de chupar sua chupeta.

Todos os homens me olharam, com suas mandíbulas


caídas e bigodes se contorcendo. Dois dos meus irmãos
sorriram levemente para mim, já gostando da surra verbal que
estava prestes a receber por falar fora de hora.

A expressão do meu pai escureceu. Era a mesma


expressão que ele tinha antes de erguer o braço acima da
cabeça e baixá-lo sobre a dos meus irmãos ou sobre a minha
pele.

— O que foi isso, Kostya? — Perguntou asperamente.

Ele estava me dando uma segunda chance, uma chance


de me render a frente de seus homens. Feodor tentou chamar
minha atenção, sobre a mesa. Recue, ele implorava.

Encontrei o olhar do meu pai. — Não podemos continuar


nos comportando como em nossa era de ouro. A União
Soviética acabou – devemos nos adaptar a esta nova era ou
correremos o risco de perder tudo.

Alguém murmurou uma oração a Deus baixinho.

A expressão do pai não mudou. — É mesmo, Kostya?


Você tem muita experiência na gestão de uma organização
criminosa? — Ele abriu as mãos zombeteiramente. — Se eu
soubesse que meu filho de quinze anos era um especialista,
teria prestado mais atenção em você.

Alguns dos homens deram risadas forçadas. O meu irmão


mais velho parecia que agarraria a Natasha e fugiria. Ela era a
única que parecia remotamente calma – na verdade, a criança
parecia estar se aliviando em sua fralda.

— Não é minha intenção desrespeitá-lo pai — rebati,


incapaz de recuar, de reprimir o desejo natural de ser o mais
poderoso da sala. — O que estamos fazendo agora não está
funcionando. Estamos perdendo território e dinheiro,
claramente, algo precisa mudar.

O meu pai contraiu o maxilar, me olhando com o mesmo


olhar que um leão dirigia a uma gazela antes de arrancar sua
garganta. — Se alguma vez crescer bolas em você e matar os
seus irmãos, talvez um dia consiga tomar decisões como esta.
— Ele mostrou os dentes ligeiramente. — Até então, Kostya,
cale a boca sobre o que você não entende.

Isto não estava chegando a lugar algum. Uma parte de


mim queria continuar insistindo, continuar discutindo meu
ponto de vista, mas tudo o que eu queria dizer já foi dito e eles
tinham optado por não ouvir; o que aconteceria depois era por
conta deles.

Se alguma vez crescer bolas e matar os seus irmãos... As


palavras ecoaram em minha cabeça enquanto corria meus
olhos sobre meus irmãos. Não haveria sentido em matar todos
eles, onde um caísse, o outro surgiria em seu lugar.
Todavia... era uma ideia sedutora. Eles poderiam estar
relacionados a mim pelo sangue, mas não havia amor entre
nós. Matá-los seria fácil – muito mais fácil do que matar
Artyom. Artyom e eu éramos amigos desde que sua família se
mudou de Kyzyl para Moscou.

Baixei minha cabeça ligeiramente para o meu pai, um


aceno silencioso de minha bandeira branca. Todos os meus
irmãos sorriram com a minha rendição.

Logo a reunião chegou ao fim. Levantei-me, com toda a


intenção de sair preambulando pelas ruas com Artyom,
causando problemas e brincando com traficantes de baixo
nível, como gatos e ratos, quando meu pai gesticulou diante
dele. Eu me sentei novamente.

Alguns homens me pouparam olhares presunçosos,


enquanto outros pareciam compassivos. Os meus irmãos me
lançaram olhares curiosos enquanto saíam, indicando que não
sabiam por que meu pai me chamou de lado. Interessante.

Apenas Natasha acenou para mim ao sair, quase como se


ela suspeitasse que esta seria a última vez que me veria e
estivesse se despedindo.

O meu pai não disse nada quando a porta se fechou,


apenas se recostou na cadeira e me avaliou. Eu parecia
fisicamente com a minha mãe, ganhando os seus cabelos
claros e olhos castanhos claros; um fato que sempre irritou
papai e agradou mamãe, que gostava de tudo o que tinha e que
o marido não gostava.
Enquanto meus irmãos e eu podíamos ter lutado com
unhas e dentes por atenção e favoritismo, minha mãe e meu
pai estavam em uma competição própria. Uma que fez com que
seus filhos fossem jogados como peões no jogo de xadrez que
chamamos de vida.

— Kostya — meu pai começou. — Sirva uma bebida para


seu pai, sim?

Podia ver claramente o jogo de poder, mas joguei junto.


Peguei-lhe um copo de sua amada vodca e o coloquei a sua
frente.

Papai afrouxou a gravata verde e deu um gole. — Ah,


perfeita. — Ele me observou por cima do copo. — Decidi que
você aprendeu tudo o que podia na escola.

— Mamãe insiste que eu me gradue.

Ele revirou os olhos. — Você é um Vor, um Tarkhanov,


não um acadêmico. Não precisa de mais educação. Já sabe ler
e escrever, não é?

— Sim, senhor.

— A sua mãe sempre foi tão insistente. — O meu pai deu


uma risada. — Mulher estúpida. Nunca se case, Kostya.

Eu balancei a cabeça, fingindo concordar.

Papai abriu uma caixa de charutos e acendeu um. A


fumaça flutuou em direção ao teto, o aroma familiar e
repugnante.
— Viktor disse que precisa de ajuda em seu território.
Nenhum dos rapazes quer passar a juventude nos Montes
Urais2. — O meu pai sorriu friamente para mim.

Ninguém queria ir para o território de Viktor, ou para


qualquer parte da Sibéria. Eu ouvi as palavras mundano e
chato usadas para descrevê-lo. O oposto da vibrante e
excitante Moscou.

Havia também a questão do Viktor. Cruel, vingativo e


enraizado em seus modos tradicionais, era agonizante ouvi-lo
por mais de cinco minutos. Ficar preso na Rússia rural com
ele deixaria qualquer um maluco.

— Acho que seria um bom ajuste para você, Kostya —


disse ele. — Tornou-se muito... idealista. Não creio que a culpa
seja totalmente sua. Eu deveria ter tirado você da escola mais
cedo.

Enfiei minhas mãos nos bolsos para esconder meu


primeiro instinto, que era socá-lo no rosto. Uma resposta tão
violenta não levaria a lugar nenhum, embora me trouxesse
alguma satisfação. Quase pude ouvir Artyom manifestar o seu
aborrecimento com o meu raciocínio.

— O que você acha? — O meu pai perguntou, incapaz de


esconder sua alegria com minha punição.

2-É uma cordilheira de montanhas na Rússia que normalmente definem a fronteira entre a Europa e
a Ásia. A região dos Urais é rca em jazidads de minérios, que produzem minério de ferro, cobre,
cromita, ouro, prata e platina. As indústrias locais fabricam produtos de metal e químicos, além de
maquinário. As enormes florestas de Urais fornecem madeiras valiosas; os agricultores que vivem no
sul cultivam trigo, trigo-sarraceno, painço, batatas, legumes e verduras.
Acho que você deveria esconder melhor suas emoções, pai,
pensei.

— Quem cuidará da mamãe? — Perguntei. — Receber o


dinheiro de nossos associados nas ruas?

O meu pai acenou com a mão descuidada. — Um de seus


irmãos cuidará de tudo isso.

Eu gostaria de vê-los tentar. Lidar com mamãe era uma


habilidade, e eu tinha reputação suficiente na escola e nas
ruas para que os traficantes não ficassem felizes com uma
mudança. Nenhum dos meus irmãos tinha tato suficiente para
lidar com qualquer uma das questões que levantei –
especialmente minha mãe. Ela os manipularia facilmente.

— Não vou para os Montes Urais — disse com calma.

— Por que? — Perguntou. — Você acha que está em


posição de desobedecer a uma ordem direta do seu Pakhan?

Balancei minha cabeça. — Não. Dediquei muito tempo e


esforço às ruas. Não perderei isso porque se sente desafiado.

Os seus olhos brilharam e soube que fui longe demais.


Papai apagou o charuto. — Os seus amiguinhos obedecerão a
quem eu lhes disser para obedecerem. Podem cooperar com
você, mas trabalham para mim.

— A mamãe? Realmente acredita que um dos meus


irmãos pode ser mais esperto do que ela?
— A sua arrogância é impressionante para sua idade e
estatura, Konstantin. Eu te darei este crédito, mas no final do
dia, ainda é uma criança, quase um homem. É um Vor há
menos de dois anos, pouquinho tempo em comparação as
minhas décadas.

— Você está certo — arrisquei. — No entanto, como me


tornarei mais experiente se estou preso limpando cocô de vaca
na Sibéria?

— Homens como você vêm e vão, Kostya, mas são homens


como eu que ficam, que sobrevivem.

Eu sorrio levemente. — Posso lhe garantir pai, que não


conhece nenhum homem como eu.

O meu pai se levantou, sua postura endurecendo. A


curvatura de seu punho me disse o que aconteceria antes de
seu braço esticar.

Inclinei minha cabeça para trás bem a tempo. O seu


braço passou voando, mas ele se recuperou rapidamente e deu
outra estocada para mim. A mesa impediu de me mover e os
nós dos seus dedos bateram na minha traqueia, o ar deixando
meus pulmões em um instante.

— Você é uma criança arrogante — disse papai


sombriamente.

Eu não era uma criança há muito tempo, por definição


convencional. Biologicamente sim, mas passei minhas noites
navegando pelo mundo dos narcóticos ilegais e meus dias
escutando as reuniões da Bratva. Não havia tempo para lidar
com garotas bonitas e deveres de casa matemáticos.

Respirando profundamente, firmando minha cabeça. —


Pelo menos não perderei meu reino devido à minha teimosia.

Estava preparado esta vez, quando papai veio até mim.


Peguei o seu pulso e o balancei para trás, usando os segundos
de seu desequilíbrio para assumir a ofensiva. O meu punho
pegou a parte inferior de seu queixo, forçando sua cabeça para
trás.

O meu pai se apoiou a mesa, me lançando um olhar


furioso. — Eu vou matar você — prometeu. — Isso ensinará a
vocês, porra de crianças a não crescerem muito mais que suas
botas...

Ele fez um movimento para me empurrar para trás, mas


dancei fora de seu alcance. A minha liberdade durou segundos
antes que meu pai conseguisse segurar meu blazer da escola e
me arrastasse para mais perto dele. Bati meu punho em seu
estômago, ganhando um grunhido em resposta. Fui atrás dele
de novo, mas meu pai saiu do caminho e, em vez disso, peguei
sua gravata. Já estava solta e saiu facilmente.

Papai me atacou novamente, batendo com o punho na


minha bochecha. A dor floresceu no lado direito do meu rosto,
causando um hematoma futuro – ou mandíbula quebrada.

Eu caí para trás com a colisão, meu olho direito vendo


preto brevemente quando o impacto ressoou pelo meu corpo.
— Você acha que pode ir contra mim, garoto? — Papai
rosnou. — Vou preparar uma refeição com seus ossos.

Recuei quando seu próximo golpe veio. Ele errou por um


fio de cabelo, me permitindo segundos para me abaixar sob
seu braço e apontar para a carne vulnerável. Ele grunhiu
quando meu punho atingiu suas costelas.

— Você!

Eu fui para o seu outro lado, quase não conseguindo me


agarrar. Alguns de seus dedos pegaram meu cabelo e
puxaram, mas a dor não foi suficiente para me distrair de
golpear meu punho em sua garganta.

O meu pai caiu de costas sobre a mesa, as pernas se


estilhaçando sob seu peso, afundando com ela. Fui com ele,
com a intenção de causar mais danos. Batemos no chão com
um estrondo, com meus dedos ao rdor da sua garganta.

— SAIA DE CIMA DELE! — Uma mão agarrou as costas


do meu suéter e me puxou de volta. O cheiro de vodca e
charutos indicava que era Viktor. — Seu rapaz imundo! Este é
o seu Pakhan!

Papai se levantou. Ele viu Viktor me segurando e deu um


golpe em mim, sempre o oportunista.

Sem honra, pensei quando seu punho colidiu com meu


estômago.
Ofeguei por ar, incapaz de esconder o instinto natural do
meu corpo para respirar – mesmo que isso me fizesse parecer
um peixe ofegante nas mãos de Viktor.

O meu pai agarrou meu queixo, me segurando imóvel. Os


seus dedos cravaram com tanta força que sabia que
machucariam ou quebrariam meu queixo ao meio. — Achou
que poderia me vencer, garoto? Você pode ser ambicioso, mas
ainda não é páreo para mim!

Eu balancei minha cabeça para frente, nossas testas


batendo uma contra a outra. Os meus ouvidos zumbiram
quando me afastei, filtrando o som de meu pai me
amaldiçoando.

Viktor me puxou de volta, brevemente me tirando o


equilíbrio.

— Diga a Viktor para me soltar e eu mostrarei a você um


oponente em pé de igualdade — zombei. A minha raiva se
apoderando de mim, inflamando o meu sangue e a necessidade
de destruir este homem patético a minha frente. Eu era o mais
forte nesta sala e todos precisavam saber disso – especialmente
o homem que chamava de pai. — Com medo de uma luta justa?

— Você tem o meu temperamento — meu pai respondeu,


suas palavras equilibradas, apesar da expressão furiosa
tomando conta de seu rosto. — Segure-o, garoto, ou ele vai te
matar.

— Duvido.
Papai veio a mim novamente. Eu me virei nas mãos de
Viktor e meu pai colidiu com seu Brigadier3. Viktor gritou
quando caímos para trás, seu aperto em mim afrouxando
levemente.

Eu arranquei, meu suéter rasgando atrás de mim; na


minha mão, ainda estava com a gravata... A ideia me veio como
um raio, infectando meus pensamentos e veias.

Fui atrás do meu pai, mirando os seus joelhos, dando


dois pontapés duros no osso fizeram com que ele grunhisse e
caísse. Viktor tentou intervir – mas com um golpe limpo, o
derrubei, e o velho caiu contra a parede com um estrondo e
depois caiu imóvel.

A gravata era de seda em minhas mãos, valendo mais do


que a sala em que estávamos. Era da cor de esmeraldas, com
pequenos detalhes dourados.

O meu pai tentou me empurrar enquanto me aproximava,


mas ele estava no chão, incapacitado contra todos os ataques.
Eu cheguei por trás dele e enrolei a gravata em seu pescoço,
quase como se quisesse amarrar por ele e ajeitar seu terno.

Os meus dedos ficaram brancos quando puxei a seda com


mais força, enquanto os músculos de seu pescoço se contraíam
na seda. Papai estendeu a mão para a gravata, tentando puxá-
la de volta, engolindo em seco e ofegando enquanto sua

3-Também chamado de Avtoritet (Autoridade), é como um capitão encarregado de um pequeno


grupo de homens, semelhante a um Capo nas famílias criminosas da máfia ítalo-americana e clãs da
máfia siciliana.
circulação era interrompida. Os meus músculos se contraíram
conforme eu puxava mais e mais.

Os seus lábios ficaram azuis, seus olhos saltaram, sua


garganta sufocou por ar, então seus dedos pararam, caindo no
chão em rendição.

Eu senti o seu corpo morrer antes de vê-lo. A espiral de


seus músculos relaxou, seu peso caindo dos joelhos e para o
chão, incapaz de resistir à gravidade.

Afrouxei meu aperto na gravata, permitindo que ela


deslizasse em seu pescoço facilmente.

Papai bateu no chão com um baque.

Ouvi Viktor lutando em pé atrás de mim, se preparando


para me atacar por matar seu Pakhan, mas seu ataque nunca
aconteceu.

Virei-me para ver Feodor Rodzyanko retendo-o, avaliando


os danos que eu havia causado com uma expressão fria.

— Desculpe-me, Feodor — disse calmamente.

Feodor me conhecia desde que eu era criança e adivinhou


meu próximo movimento imediatamente. — Este não é o
momento de matar os seus irmãos — disse, segurando Viktor,
que lutava em seus braços. — Você ainda não está pronto para
assumir o controle.

A adrenalina trovejando em minhas veias exigia ser


alimentada. Os meus dedos coçaram para envolver a garganta
dos meus irmãos, para puni-los por todos os pecados nojentos,
e mundanos, que cometeram contra mim.

— Talvez — disse, as palavras muito dóceis para


transmitir os impulsos animalescos em meu estômago. — Eles
também não.

Feodor me implorou com os olhos. Ele estava tentando


me dizer algo, mas o sangue correndo em meus ouvidos, as
batidas do meu coração tornavam difícil me concentrar por
tempo suficiente para entender. — Você não é idiota. Nunca
será aceito como Pakhan aqui. É muito jovem, muito idealista.
Este não é o seu reino.

— Não se trata disto — disse.

— Tudo o que você faz é sobre o seu futuro, Konstantin.


Nasceu com mais ambição do que Deus. — Feodor conseguiu
nocautear Viktor, o velho Brigadier caiu inconsciente no chão.
— Não arrisque tudo isto sobre o seu temperamento, este seu
temperamento que mantém sob controle. Espere, seja paciente
e planeje.

Olhei para meu pai. — Eles me matarão por matá-lo —


disse claramente. — Talvez pretenda me defender.

— Então, corra.

Virei minha cabeça para Feodor. — Não fugirei de


ninguém. Nunca.
— Então qual é o seu próximo passo? Ser morto? —
Feodor perguntou. — Você se tornará o Pakhan que esperei
minha vida inteira para servir. Não arriscarei isto deixando-o
fazer tal coisa.

Eu me senti acalmando. Pensamentos calculistas e ideias


racionais se tornando fáceis de entender e acreditar.

— Talvez esteja certo. — Enfiei a gravata entre as mãos,


sentindo a seda acalmar minha raiva.

Feodor examinou meu rosto. — O que você fará em


seguida?

Finalmente, um sorriso cresceu em meu rosto. Planejei


por anos, minha saída, deixando meus irmãos famintos
lutarem pelos restos do império caído de nossos pais como as
bestas vorazes e sem imaginação que eram. O tempo todo, eu
ficaria mais inteligente, mais rico e poderoso.

Imaginava Natasha em minha mente, vendo o futuro que


ela tinha pela frente. Não, não tinha desejo de tomar a pátria,
um investimento temporário. Não era – nunca foi – o meu
destino.

Eu não queria que as memórias da outrora grande


Bratva, a era de ouro da Mãe Rússia, conduzissem meus dias
cheios de neve. Eu tinha outras ambições, outros desejos.

Que se afoguem em sua nostalgia, pensei. Porque


enquanto fazem isso, enquanto Natasha cresce, eu construirei
meu império.
Construiria um império que nunca cairia, nunca seria
ridicularizado ou esquecido. Um que o meu futuro filho teria
medo de governar – tanto medo de que nunca ousaria me
estrangular até a morte com uma gravata.

Enrolei a seda ao redor do meu pescoço, dando um nó


perfeito, contra o meu suéter rasgado e meu uniforme
amarrotado, parecia quase cômico.

— Chegou a hora de construir nosso império. — Passei


por cima do corpo caído do meu pai. — Vamos começar.
1

Elena Falcone

Eu sonhei com meu pai novamente.

Estava deitado diante de mim, com boca aberta e olhos


arregalados. A cor da morte manchava seu rosto, veias
cinzentas esfumaçadas visíveis sob sua pele. Rastejando por
entre seus lábios, se torcendo em torno de sua língua e dentes,
havia trechos de videiras, espinhosas e frondosas. Fora de seu
nariz, suas orelhas, e olhos, crescendo de algum lugar que não
conseguia ver.

O seu peito começou a se agitar rapidamente, vulgar em


sua morte imóvel. As costelas racharam, a pele se rasgou, os
botões de sua camisa se abriram e, esticando-se cada vez mais,
havia uma flor desabrochando, sangue escorrendo de suas
pétalas e folhas.

Estendi a mão, agarrei o caule e o arranquei de seu peito,


tão facilmente quanto tirar da terra. Não havia espinhos me
furando, nenhum perfume floral quando a levantei até o nariz.

Claro, não há, pensei, olhando para o meu pai morto. Isto
é um sonho.

Acordei.
Registrei o mergulho do colchão, em seguida, o cobertor
pesado e o travesseiro macio sob minha cabeça. A ascensão e
queda do peito de Thaddeo, seus roncos. A luz suave se
espalhando por entre as cortinas.

Esfreguei meus olhos, irritada.

Outro sono ruim, pensei. Outro sonho ruim – bem, memória


ruim.

Eu nem precisei olhar o calendário para saber qual era a


contagem. Vinha anotando a pontuação meticulosamente,
embora fosse um número que jamais esqueceria. 334 dias
desde a última vez que dormi a noite toda.

Que coincidência, pensei, era o tempo em que estava


casada, até a minha voz interior gotejava sarcasmo.

Thaddeo estava me irritando, mesmo durante o sono. O


movimento de seu peito, o som de seus roncos, a forma como
sua boca estava aberta, com a baba escorrendo no
travesseiro...

Acordamos puta hoje, não foi? Eu me perguntei enquanto


esfregava meus olhos, como se não fosse assim que acordava
todas as manhãs.

Virei minha cabeça, olhando para o relógio. Cinco horas


da manhã.

Eu não estava caindo no sono – aquele navio havia


zarpado. Uma vez que minha mente estava acordada e em
movimento, voltar a descansar era quase impossível,
especialmente com a imagem gráfica do corpo de meu pai
ainda visível em minha mente.

Saí da cama, sem me preocupar em acordar Thaddeo, e


comecei minha rotina matinal.

A casa de Thaddeo estava silenciosa, como sempre. A


maioria dos Falcones ficava em suas respectivas casas, não
passando tempo nas casas uns dos outros a menos que fosse
absolutamente necessário; até mesmo eventos familiares eram
celebrados em restaurantes e parques, em vez de quintais e
salas de jantar.

Era diferente de como cresci... de alguma forma mais fria.

Os meus livros estavam empilhados na porta dos fundos


da cozinha, encostados num pote de cravo – onde os tinha
deixado. Desgastados e rasgados, alguns revestidos de sujeira
e poeira. Agarrei o que estava em cima, mal olhando para o
título.

O jornal de ontem foi jogado descuidadamente no balcão.


Quando Thaddeo acabou de ler, o tirei da mesa, incapaz de
conter a curiosidade. A plataforma política global,
normalmente não me interessava – afinal, podemos viver na
mesma Terra, mas estávamos em dois mundos muito
diferentes.
A primeira página, no entanto, o título dizia: EITHNE
MCDERMOTT, ESPOSA DE SUPOSTO MAFIOSO,
ENCONTRADA ASSASSINADA.

Eu nunca conheci ninguém da família McDermott, mas a


sua morte chamou a minha atenção. Quem a assassinou? Era
seu suposto marido mafioso ou outra pessoa? Por quê?

Eu não sabia por que tinha ressoado tanto com esta


mulher, me importado tanto com a sua morte. Talvez tenha
sentido algum tipo de irmandade fantasma com ela, sendo
ambas esposas de supostos mafiosos. Talvez porque muitas
vezes me surpreendesse todas as manhãs ao acordar,
ligeiramente aliviada, mas ainda assim desapontada, que
Thaddeo não me matou durante o sono.

Deixei o jornal onde estava, refletiria sobre a imagem de


Eithne McDermott mais tarde.

O ar fresco da manhã foi direto para os meus ossos


quando saí, causando arrepios em meus braços.

Outubro havia varrido New York, trazendo com ele uma


bela flora vermelha e laranja e o espírito do Halloween. Não me
importava com o frio, mordaz no ar; sempre achei que clareava
a minha cabeça.

Continuei me movendo pelo jardim, respirando


profundamente, como todas as coisas que Thaddeo possuía, o
jardim era perfeito, com flores de formas perfeitas, caminhos
limpos e estátuas brilhantes. Apesar do cuidado óbvio, era
simples, tradicional. Eu não me importava – contanto que fosse
quieto.

Estava silenciosa aqui fora, vazio de distrações e ruídos


irritantes; sem respiração pesada, sem ronco. Ninguém além
de mim.

Eu cavei meus pés na grama molhada, com minhas


pálpebras tremulando fechadas. Uma brisa gelada deslizou
pela minha pele, o cheiro do orvalho da manhã enchendo meu
nariz, pássaros cantando ao longe.

Eu me separava das pessoas desde criança, dos sons,


estimulantes, para ganhar um pouco de paz e sossego –
embora fizesse isto nas árvores. Ano passado, vinha fazendo
isso cada vez mais, especialmente porque minha capacidade
de dormir estava começando a se deteriorar.

A minha hora favorita do dia era de manhã cedo – quando


o mundo estava quieto. O sol nascendo, mas o ritmo de nossas
vidas ainda não tinha começado. Tudo parecia mais calmo,
mais suave; sem sol forte do meio-dia ou queimaduras oleosas
da tarde. Apenas um silêncio nebuloso.

Um galho se partiu.

O som interrompeu minha folia.

Virei minha cabeça em sua direção, os olhos abertos e


alertas.
Havia uma estreita faixa de ávores ao redor da
propriedade de Thaddeo, uma espécie de floresta. Oferecia
outra forma de segurança – bem, se Thaddeo se desse ao
trabalho de tirar o máximo proveito dela. Eu sugeri câmeras
ou soldati nos galhos uma ou duas vezes, mas meu marido riu
da ideia.

Eu não conseguia distinguir nada entre as sombras dos


troncos, mas os cabelos da minha nuca começaram a se
arrepiar.

Apertei meu livro com força em minhas mãos, como uma


arma improvisada se necessário. Lentamente, recuei. Nenhum
outro som veio da floresta, nenhuma mudança nas sombras.
Ainda assim...

Dei mais um passo para trás, outro galho se quebrou.

Uma sombra de repente, se formou entre as árvores,


antes que pudesse compreender quem era – o que era – um
barulho estrondoso alto veio atrás de mim.

Eu me virei para ver vários veículos pretos chegando à


casa, rasgando o gramado e destruindo as flores imaculadas;
até uma cerca caiu com a confusão.

Homens saltaram dos carros, armas em punho, rostos


escondidos. Gritos foram lançados, não em inglês, ou
italiano...
Estávamos sendo atacados, ou pelo governo ou por um
outro sindicato. Eles estavam aqui para atacar, seja quem for,
e eu era um excelente alvo.

Recuei, pronta para correr, tentando descobrir o melhor


caminho.

Algo pressionou minha cabeça, frio contra meu crânio.

Eu soube imediatamente. Uma arma.

Você não foi criada em La Cosa Nostra e não reconheceria


a coronha de uma arma pressionada contra sua cabeça.

Pensei que fosse Thaddeo, por um momento. O meu


marido finalmente teve coragem e decidiu me matar. Quase
fiquei orgulhosa, mas então, uma voz com forte sotaque disse
— Não queremos machucá-la. Comporte-se e você viverá.

A voz era russa, e não era cruel.

O som de botas se aproximando veio da minha esquerda,


e um homem enorme entrou no meu campo de visão. O corte
de cabelo curto, olhos castanhos, rosto enrugado, com uma
expressão que quase parecia um pitbull furioso. As tatuagens
manchavam a parte superior de sua bochecha, jurando
fidelidade à sua organização.

— Elena Falcone? — perguntou, com um sotaque mais


leve do que o homem atrás de mim.

Concordei. A arma não se moveu.


— Levem-na para a van.

Pingentes de aço começaram a se formar em meu sangue.

Eu não era estúpida. Claramente, esses russos estavam


aqui para representar uma ameaça para Thaddeo, para os
Falcones, e para mim; embora como mulher, o meu
envolvimento com a máfia nunca tenha garantido atenção
suficiente para me tornar uma ameaça, eu ainda era
propriedade dos Falcones e estava sujeita a punições
destinadas a eles.

Engoli em seco.

Hão havia maneira de eu ser punida pelas ações de


Thaddeo – seja lá o que diabos pudessem ser.

— Thaddeo está lá em cima — disse, chamando-lhes a


atenção. — Ele escapará, se você se incomodar comigo.

A diversão passou pelo rosto do pitbull. Ele me deu um


sorriso selvagem, a curva de seus lábios mais como uma
careta.

— Van. Agora.

O homem atrás de mim tirou a arma da minha cabeça,


mas agarrou meus pulsos, prendendo-os dolorosamente as
minhas costas. O meu livro caiu no chão com um baque.

Assim que percebi que estava presa sob suas garras, meu
cérebro se inundou com planos.
Um, vá de boa vontade e seja morta, ou coisa pior, por
estes gângsteres russos.

Dois, dê um jeito de correr e fugir – até me pegaram e me


mataram.

Três, revide. Provavelmente será morta.

Se fosse de boa vontade, poderia muito bem estar


levantando a bandeira branca. Parecia equivalente a apenas
abrir meus braços e dizer para fazerem o que quiserem comigo.
Já tinha feito isso antes; não faria isso de novo.

Não havia como escapar e, se o fizesse, teria segundo –


segundos – para disparar para as árvores. Eu conhecia os
caminhos da propriedade melhor do que eles; meu
conhecimento da terra era a minha única vantagem.

A última opção significava morte certa, além de enfrentar


minha falta de forças. Eu era uma mulher alta, mas minha
habilidade física me permitia abrir potes, na melhor das
hipóteses. Posso ter meu pescoço quebrado, mas seria devido
às minhas ações – de mais ninguém.

Escolhi a segunda opção.

— Deixem-me ir! — Deslizei um braço em uma explosão


repentina de força, jogando-o para trás. As minhas unhas
arranharam o rosto do pitbull e ele se afastou, xingando em
russo.
PitBull atacou, agarrando minha mão e puxando-a para
trás. Ele se inclinou perto do meu rosto, mostrando os dentes.
— Ouça sua vadia, estamos te fazendo um grande favor do
caralho...

— É o suficiente, Roman — uma voz fria chamou,


flutuando ao vento.

O pitbull deu um passa atrás, como se um interruptor


fosse acionado, acenando com a cabeça em respeito. As mãos
que me seguravam se soltaram e tropecei para frente, incapaz
de parar o impulso que havia construído.

Eu não hesitei, fui imediatamente para as árvores,


conseguindo apenas dois passos antes de uma mão áspera
agarrar meu braço e me puxar para trás.

— Onde você pensa que vai? — Roman, o pitbull, zombou.

— Sra. Falcone, tem que prometer não fugir, ou Roman a


manterá sob controle — disse aquela voz dominante, porém
diplomática, novamente.

Olhei para o pitbull, que estava olhando para mim como


se esperasse que eu escolhesse correr. Eu assobiei de volta
para ele, mostrando meus próprios dentes.

— Isso é um não? — a voz solicitou.

— Tudo bem — rebati. — Não correrei.

Eles poderiam me deixar viver, se jogasse junto.


Roman me soltou.

Virei-me e senti meu estômago cair de joelhos.

Diante de mim estava... Konstantin Tarkhanov.

O meu primeiro pensamento foi que definitivamente


morreria hoje.

O meu segundo pensamento foi, merda, é Konstantin


Tarkhanov.

Konstantin era mais conhecido como O Cavalheiro Russo,


ou o homem que matou seu pai com a própria gravata. O seu
rosto bonito e sorriso carismático eram adorados pela mídia, e
até mesmo minha amiga de infância, Sophia, parecia bastante
atraída por ele.

Tudo o que eu sabia sobre ele era que nos últimos anos
tinha vindo da Rússia para os Estados Unidos e se tornado
cada vez mais popular com a já estabelecida Bratva, ganhando
apoio de todos os Estados Unidos. Eu só sabia disso porque
Thaddeo tinha deixado escapar – e Sophia confirmou.

Eu o considerava apenas mais um mafioso brincando de


político, em minha mente. Outro homem bonito, mas violento,
que tinha as mesmas visões das mulheres que os outros
homens em meu mundo, portanto, tronando-o sem interesse
para mim.

Pessoalmente...
Konstantin Tarkhanov era uma bela criatura.
Fisicamente, seu cabelo loiro penteado para trás, sem um fio
fora do lugar, combinado com olhos castanhos inquisitivos e
uma forte estrutura óssea. Podia se ver o russo em suas
feições, desde o formato das maçãs do rosto até a curva do
queixo. Por baixo de seu terno impecável (com gravata e colete
valendo mais que meu carro), pude ver as sugestões de
tatuagens: tatuagens que prometiam sua lealdade a sua
Bratva e à Rússia.

A sua aparência embora fosse de tirar o fôlego, havia


mais...

Ele comandava a si mesmo com tanta força e fascinação


que todos não conseguiam evitar olhar para ele, não podiam
deixar de observar seu próximo movimento ou ouvir as
próximas palavras que saíam de sua boca. Um rei, pensei. Ele
se impõe como um rei.

Eu tinha visto Thaddeo tentar se comportar com uma


atitude que exigia respeito durante anos, cacarejando sobre
suas tentativas como se eu pudesse fazer melhor, mas
Konstantin... Konstantin o fazia parecer um pajem cujas bolas
ainda não tinham caído.

Konstantin não precisava tentar se comportar como um


rei – ele era o Rei.

Eu poderia no entanto, dizer que sob seu exterior


carismático e belo, um monstro espreitava. O que fez minha
pele se arrepiar.
Konstantin Tarkhanov sorriu para mim como se fôssemos
velhos amigos, em vez de, bem, inimigos.

— Sra. Falcone — disse, em tom nada além de educado e


cortês — deve perdoar Roman. Ele perde a calma facilmente.

Eu não respondi. As palavras que cresciam na minha


garganta não eram aquelas que sairiam comigo e minha vida
ainda intacta.

— Se seguir Dmitri, será escoltada de volta para Chicago.


Sã e salva.

Chicago. Não.

O meu corpo inteiro ficou tenso. — Não vou para Chicago.

As suas sobrancelhas se ergueram. — A pedido de sua


família, e em respeito à minha própria lealdade à Outfit, seria
imprudente você ficar em New York e sofrer os mesmos
destinos que seus companheiros Falcones.

Não havia como eu voltar para aquela cidade. Se voltasse


para Chicago, seria num saco de cadáver, ou numa urna.

O que quer que Thaddeo tenha escolhido – provavelmente


a opção mais barata dos dois.

— Eu não...

A agitação irrompeu da casa. Momentos depois, dois


grandes homens saíram, carregando um Thaddeo furioso entre
eles; ainda em seu pijama, parecia lamentavelmente fraco
comparado a Konstantin, mas mesmo que ele estivesse vestido
com o melhor terno e gravata do mundo, Thaddeo nunca seria
capaz de exalar o poder natural do chefe Bratva.

— Thaddeo — Konstantin cumprimentou, sua atenção se


desviando de mim. Isto não significava que estivesse livre para
correr; o pitbull que ele chamava de Roman ainda me
observava. — Já faz muito tempo.

Thaddeo cuspiu nele. — Vá para o inferno, seu bastardo


russo.

Konstantin franziu os lábios ao ouvir as ações de


Thaddeo. — É assim que você quer morrer, Don Falcone?
Saliva pingando de seus lábios? — Ele endireitou as algemas.
— Como os poderosos Falcones caíram.

— Você nunca será bem-vindo à mesa — disse Thaddeo,


uma última tentativa de arranhar a pele de Konstantin. — Você
e sua espécie imunda não podem tomar este território.
Pertence à La Cosa Nostra há décadas.

— Já fizemos isto — disse Konstantin. Ele deslizou a mão


para a parte de trás da calça, puxando uma arma. Ela brilhava
na crescente luz da manhã, vulgar contra as flores coloridas e
gramados cortados.

O meu estômago apertou.

Thaddeo empalideceu diante da arma, mas não implorou.


O seu olhar deslizou para mim. Observei enquanto ele notava
minha estatura ilesa, como estava cercada por homens russos.
As suas narinas se dilataram. — Sua puttana4 traidora!

Pelo menos não sou uma puttana morta, pensei.

— Isto é o suficiente — disse Konstantin, a voz dura. Ele


engatilhou a arma. — Onde está a chave, Thaddeo?

Chave para o quê?

Thaddeo mostrou os dentes. — Eu nunca contarei, seu


bastardo imundo. Vaffanculo5!

Olhei brevemente para Konstantin, examinando seu rosto


em busca de qualquer sinal de que entendesse as maldições
italianas de Thaddeo. Embora, emendei, pelo tom de Thaddeo,
tenho certeza de que conseguia entender.

— Você já é um homem morto, Thaddeo — observou


Konstantin. — O que faço no entanto, para você antes de enviá-
lo ao Inferno pode muito bem ser com você.

— Mangia merde6 e Morra! — Thaddeo zombou.

Konstantin pareceu ligeiramente desapontado com


Thaddeo. — Muito bem. — Ele passou a arma entre as mãos,
calmamente apontou para a cabeça de Thaddeo.

Eu esperava algumas palavras finais, uma última


tentativa de tirar informações dele, mas o tiro ecoou pela

4 Prostituta.
5 Foda-se.
6 Coma merda e morra.
manhã, silenciando os filhotes de passarinho e a brisa.
Thaddeo caiu no chão, com um buraco na testa.

Konstantin o tratou de maneira limpa e civilizada, apesar


do ato ser tão atroz.

Uma pena, pensei, se fosse eu, teria lentamente


desmontado Thaddeo até poder enrolar a sua pele e ordenar os
seus ossos em pilhas.

Konstantin enfiou a arma de volta no coldre, alisando o


blazer sobre ela, e se virou para ir embora.

Um dos homens perguntou-lhe algo em russo.

— Não — Konstantin disse em resposta. — Não há mais


nada importante aí. — Ele olhou por cima do ombro para mim,
gesticulando para frente com a mão. — Venha agora, Sra.
Falcone. O seu voo para Chicago a aguarda.

— Não voltarei para Chicago — respondi. — Ficarei aqui.

— Se ficar aqui, será presa — disse ele. Assim que as


palavras saíram de sua boca, sirenes começaram a distância.
— Ah, estão adiantados. — Os seus olhos encontraram os
meus, suas sobrancelhas arqueando graciosamente. — O que
será? Nós ou eles?

Dei um passo à frente.


2

Elena Falcone

Espremida entre dois gângsters russos, sentei de frente


para Konstantin Tarkhanov; mesmo no banco de trás do carro,
sendo conduzida como uma criança, Konstantin se portava
com uma arrogância intocável. Parecia incorreto dizer que
qualquer outra pessoa neste veículo estava no comando,
incluindo o motorista.

O motorista se quisesse nos tirar do acostamento, seria


ao comando de Konstantin.

Konstantin lançou seus olhos castanhos claros aos meus,


a diversão faiscando neles. Ele estivera folheando o jornal
durante a longa viagem, casualmente e despreocupado, como
se não tivesse acabado de cometer um golpe de Estado, como
se os resíduos de pólvora não estivessem manchando suas
abotoaduras.

— Sra. Falcone? — Perguntou. — Posso te oferecer algo?


Água, vodca?

Senti minhas feições se contorcerem em uma carranca


antes que pudesse detê-las. — Eu não quero nada de você.
Ele dobrou o jornal com um movimento suave. — Isto não
é verdade, é? Você quer que eu permita que você fique em New
York.

— Não precisa ser New York. — Simplesmente não pode


ser Chicago.

Konstantin sorriu brevemente, mas não disse mais nada.


Eu não desviei o olhar dele; só um idiota daria as costas a um
predador.

O Pakhan estava contente em me observar também, ao


que parecia. Os seus olhos vagaram por mim, observando o
cabelo emaranhado e o roupão enrugado; comparado a ele, eu
parecia meio selvagem. A única reação que mostrou foi um
erguer de sobrancelhas quando percebeu minhas mãos
manchadas de tinta.

Estive escrevendo sobre mim mesma, desde que me


lembro. Costumava deixar minha mãe louca quando localizava
palavras e desenhos cobrindo meus braços e pernas. Passava
horas no banho, apenas sendo esfregada e repreendida, mas
isso nunca me impediu.

A minha mãe não entendia o que era ter pensamentos


transbordando, se não os escrevesse, os esqueceria. Thaddeo
também não gostava, chamou de juvenil e uma passagem só
de ida para o envenenamento por tinta, mas mesmo a ameaça
de ficar doente não me impediu.
Esperava que Konstantin dissesse algo, ter uma opinião
sobre isto. Os homens tinham opiniões sobre tudo,
principalmente sobre o corpo das mulheres, mas ele apenas
me olhou por um momento antes de voltar ao seu jornal.

Fiquei estranhamente desapontada por ele não ter dito


nada. Eu teria gostado de falar com ele mais algumas vezes.

O barulho do cascalho sinalizou que o carro estava


começando a desacelerar. Virei em meu assento, tentando
evitar esbarrar nos gângsteres. Através da janela escurecida,
pude ver que os subúrbios haviam se reduzido a campos.

Um caroço começou a crescer na minha garganta.

Racionalmente, eu sabia que Konstantin não se atreveria


a pôr as mãos em mim. Eu sabia que minha família em Chicago
poderia não gostar de mim – ou eu, deles – mas o insulto não
ficaria sem vingança. Os Rocchettis não eram conhecidos por
sua capacidade de perdoar, nem minha amiga de infância,
Sophia, de quem eu era mais próxima do que qualquer outra
pessoa da minha família.

O meu corpo ainda assim, e sabendo disso endureceu


ansiosamente. Algo sobre estar no campo, cercada pela
maldosa Bratva, imagino que seria a razão por trás da reação.

Vi, no meio da floresta, uma criatura parecida com um


urso; enorme, peludo e rosnando para o carro.

Resisti ao desejo de rosnar de volta para ele.


Estava prestes a me virar para Konstantin, incomodada
por ficar de costas para ele por muito tempo, quando as
árvores se abriram em um enorme gramado que cercava uma
mansão. Conduzimos por portões reluzentes e parte do
caminho ao redor de uma estrada circular antes de desacelerar
até parar.

— Sra. Falcone. — Konstantin estendeu a mão para mim.

Eu não toquei nele.

— Muito bem — disse ele. — Rapazes.

Os dois gângsteres russos, estando um de cada lado de


mim, pegaram um braço respectivo e me puxaram para fora do
carro. Eu torci as suas mãos, mas sua força facilmente
dominou a minha e me deixaram cair facilmente sobre o
cascalho como um saco de batatas.

Fiquei de pé no momento em que Konstantin


elegantemente saiu do carro, com o jornal dobrado sob o braço.

— Você está bem? — ele perguntou, com a voz divertida.

Não tirei a sujeira do roupão. — Tudo bem — disse.

Olhei em volta e me surpreendi. Para um homem tão bem


vestido, sua propriedade estava...desgrenhada. Samambaias
cresciam na entrada da casa, galhos pendurados sobre cercas,
flores transbordando de seus vasos. Era um agrupamento de
verde e selvageria, o oposto do jardim de Thaddeo, perfeito para
a paisagem.
Eu nunca admitiria em voz alta, mas na verdade era
muito bonito.

Konstantin tinha meu jardim dos sonhos, claro, pensei


amargamente. Konstantin era o tipo de homem que tinha tudo
o que sonhava, mas o conquistara sem esforço.

O jardim me deixou com um pouco de ciúme, a casa me


deixou direto na inveja. Construída no estilo de uma velha casa
inglesa, a casa de tijolos cinza pairava sobre a propriedade. As
janelas clássicas permitiram que se espreitasse o interior,
emparelhado com detalhes quase franceses ao redor das
bordas; sobre os tijolos e passando pelas varandas, as vinhas
de wisteria7 cresceram de forma selvagem, escondendo a maior
parte da arquitetura sob suas folhas.

Dei uma olhada em Konstantin. Eu o odiava e a sua


propriedade perfeita.

— Por aqui, Sra. Falcone — gesticulou para mim. — Um


dos membros da minha família fará companhia a você
enquanto espera o avião.

— Apenas me deixe no ponto de ônibus mais próximo —


respondi.

Um lampejo de diversão passou por seu rosto. — Não


torne isso mais difícil para você. — Ele deu o conselho como se
fôssemos velhos amigos, apesar de ser uma ameaça velada.

7-Popularmente conhecida pelo nome glicínia, é uma trepadeira volúvel, lenhosa de florescimento
muito decorativo. As mais frequentes no paisagismo das espécies de glicínias são a Wisteria
floribunda, nativa do Japão e a Wisteria sinensis nativa da China.
Eu não era uma criança, prestes a grudar os calcanhares
no cascalho e fazer uma birra, mas a realidade da minha
situação estava começando a surgir para mim. Estava voltando
para Chicago, e a minha única esperança de não ser mandada
de volta estava na forma de um Pakhan russo que acabara de
matar meu marido.

Relaxando, segui Konstantin até sua casa. Vi atrás de


mim, os seus homens saltando dos carros e movendo armas
para outra parte da casa; alguns nos seguiram para dentro,
incluindo Roman, o Pitbull, os seus lábios puxados para trás,
mostrando seus dentes.

O interior era lindo, se não um pouquinho espaçoso. A


decoração favorecia um francês muito clássico misturado com
um toque russo. Desde o candelabro até o piso de madeira
quente e paredes brancas com detalhes, a influência europeia
era óbvia; no entanto, quase nenhum móvel estava à vista, a
maior parte coberta por lençóis brancos.

Tinham acabado de se mudar, pelo que parecia.

— É ela? — disse uma voz feminina.

Virei-me para ver uma mulher da minha idade flutuando


escada abaixo. Antes que pudesse responder, a mulher
aterrissou em um degrau desajeitadamente, instantaneamente
caindo no corrimão, cabelos e pernas voando.

— Pare de tropeçar, mulher! — estalou Roman. Ele


caminhou com raiva até a garota caída. Antes que ele pudesse
fazer um movimento para ajudá-la, ela se levantou, lançando
lhe um olhar feio.

Resisti à vontade de sorrir.

— Oh, vá se danar, Roman. — A mulher se virou para


mim e desceu em segurança o resto da escada. — Você deve
ser Elena! Oi! — Ela colocou os braços ao meu redor.

Eu não sabia o que fazer, então apenas fiquei sem jeito


em seu abraço.

— Danika — disse Konstantin — leve a Sra. Falcone ao


banheiro para se arrumar, sim?

Este foi um comentário dissimulado, se já tivesse ouvido


algum.

— Claro, Kostya. — Danika me puxou para trás,


segurando meus ombros e examinando meu rosto. O seu
movimento mais contido, me permitiu absorvar o seu rosto;
características delicadas, com olhos castanhos doces, um
nariz fino e arrebitado e lábios de arco de cupido. Não havia
animosidade em sua expressão, apenas uma simpatia
acolhedora. — Eu sou Danika. Prazer em conhecê-la. Ouvi
muito sobre você.

Pisquei. O que esta mulher ouviu sobre mim? Não podia


imaginar que pudesse ser algo lisonjeiro.

Danika agarrou meu pulso, me puxando para frente. —


Venha, vamos refrescar você. Posso até ter uma muda de
roupa, assim não precisará sentar-se em um avião em pijamas
sujos.

Afastei-me ligeiramente de seu aperto, me voltando para


Konstantin.

Konstantin me lançou um olhar, sobrancelhas


levantadas como se dissesse que você deveria aceitar sua
oferta.

Agarrei a barra do meu roupão, sacudindo-o. A sujeira


caiu no chão.

Enviei-lhe um sorriso zombeteiro antes de virar para


Danika. Ela estava olhando para a bagunça que eu tinha feito
como se estivesse se convencendo de que era real.

— Uma muda de roupa seria bom — disse.

Danika olhou de volta para mim, piscando rapidamente.


— Oh, sim, claro. — O seu calor voltou, o sorriso se alargando.
— Siga-me...

Deixamos a coleção de homens no átrio. Resisti ao


impulso de voltar e observar Konstantin. Eu queria descobrir
o que estava acontecendo em sua cabeça, por trás daquela
fachada agradável. Ele poderia ser convencido a não me
mandar para Chicago? Talvez seja a hora de enfrentar os
lobos?

Ele me forçar a entrar em um avião, não é o fim do mundo,


Elena, disse a mim mesma. Você terá tempo em Chicago para
escapar e fugir, ou talvez, se eu fosse paciente, de alguma
forma conseguisse escapar...

O que viria depois? Nunca tive um emprego, nunca estive


sozinha. Eu tinha uma pequena renda secreta... mas estes
lucros não seriam suficientes para sobreviver.

A minha mente se agitava com possibilidades, mas foi a


voz suave de Danika que me puxou para fora do meu cérebro.
— Sinto muito pelo seu marido.

Chegamos ao topo do patamar, revelando uma


arquitetura de estilo mais clássico e uma decoração
minimalista. Danika não soltou meu pulso; talvez ela fosse
meu primeiro obstáculo se eu decidisse fugir.

Eu considerei suas palavras. Sinto muito pelo seu marido.

— Não sinta — disse. — Eu não lamento.

Danika acenou com a cabeça em compreensão, mas não


pressionou.

Enquanto íamos para o corredor, olhei por cima do


ombro. Os gângsteres russos se agruparam, conversando
animadamente.

Konstantin estava com eles, relaxado e confiante. Estava


ouvindo algo que Roman o pitbull estava dizendo, com uma
expressão distante. O cabelo loiro pegou a luz suave da manhã
enquanto acenava com a cabeça.

Autoritário.
A palavra ficou em minha mente, ansiosa para ser solta.
Quase pedi uma caneta a Danika.

Como se pudesse sentir minha atenção calculista sobre


ele, Konstantin ergueu a cabeça.

Eu me virei antes que nossos olhos pudessem se


encontrar.

Danika não disse nada, mas seus olhos castanhos


sondaram minha expressão por algo. Quando terminou sua
busca, agarrou meu pulso com mais força. — Por aqui.
Esperemos que eu não me perca. Estou sempre me perdendo
aqui dentro.

Nós nos perdemos.

Danika parou cerca de três voltas e dois corredores


depois, em um quarto vazio. A espessa camada de poeira em
tudo fez com que ambas espirrássemos.

Ela colocou as mãos nos quadris. — Onde estamos...


descemos pela ala esquerda e depois... Oh, Babushka8!

Eu me virei, esperando ver uma velha entrar no quarto,


mas em vez disso um enorme gato malhado marrom com olhos
verdes brilhantes entrou, com a cauda espessa balançando
irritadamente atrás dele.

8-É o mesmo que "babushka" que em russo quer dizer vovózinha.


A atenção da gata foi diretamente para mim, não
parecendo nada satisfeita com a minha presença. Ela miou
para mim.

Danika juntou as mãos. — Babushka está aqui, estamos


perto do quarto de Tati. O que significa que os quartos de
hóspedes são... oh, não tenho ideia. Vamos perguntar a
Tatiana.

— Há quanto tempo você mora aqui? — Perguntei, sem


saber se Danika estava apenas conhecendo o ambiente ou se
era realmente tão inepta nas direções.

— Oh, não muito. — Ela se abaixou para acariciar


Babushka quando passamos pela gata. Babushka moveu a
cabeça para fora do caminho, dando a Danika um olhar feio
por até mesmo ousar tentar tocá-la. Essa foi uma reação que
entendi. — Cerca de uma semana.

Uma semana? — Onde estava antes?

— Aqui e ali. Kostya nos separou para nos manter


seguros. Eu estava com Roksana em... — conteve-se de
repente, me dando um olhar incerto.

Procurei não parecer ameaçadora, mas duvidei que


minhas feições estranhamente moldadas permitissem que
minha expressão transmitisse isso.

Danika se recuperou rapidamente. — Você não quer ouvir


tudo isso. — Ela parou de repente em um par de portas duplas,
uma ligeiramente entreaberta. — Oh, estamos aqui.
Babushka tinha nos seguido, nos perseguindo pelos
corredores. Agora, saltou para uma mesa do corredor, sua
cauda balançando sobre a beirada, e me olhou de relance.

— Ela é assim com todo mundo — Danika me assegurou,


como se eu estivesse preocupada.

— Babushka é a rainha por aqui — veio uma voz suave


de dentro do quarto.

Danika empurrou a porta suavemente. — Está acordada,


Tati? — Enfiou a cabeça no quarto antes de olhar para mim.
— Só fique aqui por um segundo. Pedirei informações a Tati –
em minha própria casa!

Ela entrou no quarto, abrindo a porta. Danika me disse


para ficar parada, mas não disse que eu não poderia espiar
para dentro do quarto.

Incapaz de evitar minha curiosidade, me aproximei,


absorvendo o espaço, ao contrário do resto da casa, estava
cheia de móveis, mas não sofás e mesas elegantes; em vez
disso, as máquinas hospitalares se alinhavam, apitando
baixinho.

Havia uma cama grande no meio do quarto e das


máquinas, com um corpo magro enfiado sob as cobertas. Uma
mulher pálida olhou para mim, com manchas escuras sob
seus olhos azul-acinzentados e cabelos oleosos pendurados
frouxamente ao seu redor. Apesar de sua doença óbvia, a
mulher ergueu o queixo enquanto me observava.
— Você deve ser Elena Falcone — disse a mulher, com a
voz fraca, mas clara.

Danika acenou com a cabeça, aproximando-se da


mulher. Ela alisou o cobertor, apesar de já estar sem fissuras.
— Sim, esta é Elena. Estou tentando ajudá-la a encontrar o
quarto de hóspedes para que possa se trocar e descansar, mas
não consigo encontrar...

— O meu filho possui um senso de direção melhor do que


você, Danika — ponderou a mulher doente.

— Eu sei — Danika concordou com uma risada. — Aposto


que até Elena tem uma ideia melhor do que eu. — Ela olhou
para mim e sorriu. — Tudo bem. Tenho certeza que pegarei o
jeito.

— Eu também — a mulher disse gentilmente.

Danika apareceu. — Oh, que rude! Elena, conheça


Tatiana Gribkov.

— É um prazer conhecê-la — Tatiana me disse, suas


pálpebras fechando ligeiramente. Ela estendeu a mão delicada
e esfregou a barriga. Foi então que notei o leve inchaço. Ela
está grávida, eu percebi. — Espero que os meninos não
tenham sido cruéis com você.

— Eles mataram o marido dela — ressaltou Danika.


— Há coisas piores no mundo — foi a resposta da outra
mulher. Ela virou a cabeça para o lado de repente, tossindo
alto.

— Oh, Tati, me deixe pegar um pouco de água. — Danika


correu para o canto do quarto, encontrando uma jarra e um
copo. Ela nem deu um passo antes de o vidro escorregar e se
espatifar no chão. — Oh, Merda!

Entrei no quarto. Tatiana ainda estava tossindo. — Deixe-


me ajudar.

Danika me olhou com gratidão. Ignorei o olhar,


silenciosamente despejando um pouco de água em um
segundo copo e pairando sobre Tatiana com ele. Aproximando-
me, o cheiro crescente de desinfetante e remédio tornou-se
quase insuportável.

A tosse de Tatiana diminuiu e ela pegou a água de mim


com gratidão. Quando seus dedos envolveram o vidro, avistei
suas unhas. Perto das camas, a unha escureceu em uma cor
cinza turva.

— Qual é o seu problema? — As palavras saíram mais


rudes do que pretendia, fazendo-me soar como uma criança
grude no parquinho. — Eu quis dizer...

— Eu sei o que quis dizer. — Tatiana tomou um gole


d'água. — Eles não têm certeza. Sabem apenas que o
tratamento está mantendo eu e o bebê vivos. — Piscou os olhos
ao redor do quarto, passando pelas máquinas. — Bem,
mantendo ambos sobrevivendo.

Danika mudou de pé, os olhos arregalados de


preocupação. — Você está indo muito bem hoje — disse ela. —
Aposto que o novo medicamento está funcionando.

— Eu também. — Tatiana não parecia tão convencida. —


Obrigada pela água, Elena.

Eu recuei, olhando suas unhas e murmurei algo educado.


O meu cérebro estava tendo problemas para formar palavras
quando toda a atenção estava em suas unhas. Observei sua
aparência, catalogando os outros sintomas familiares.

— Vamos, Elena — disse Danika. — Acho que seu avião


partirá em breve e me sentiria péssima se você estivesse nessas
roupas sujas.

Tatiana deitou-se nos travesseiros, quando saímos com


olhos tremulando. Eu duvidava que ela se sentisse tão bem
quanto havia levado Danika a acreditar.

Danika localizou o quarto de hóspedes, por um golpe de


sorte. A sua empolgação e orgulho eram contagiosos – e quase
me fizeram rir junto com ela.

— Sou péssima com direções — disse enquanto entrava


no banheiro. Ela parou a porta, encostada no batente. — Você
não dirá nada, certo? Eu não me importo de Kostya saber...
mas não suportaria a soberba de Roman. Toda vez que estrago
tudo, ele vê isso como uma conquista pessoal.
Eu não gostava de Roman, então concordei. — Claro.
Foda-se aquele cara.

O sorriso de Danika ocupou a maior parte de seu rosto.


— Foda-se aquele cara — disse ela com um aceno de cabeça.

Ouvi uma batida a porta, assim que liguei o chuveiro.


Danika parecia muito apologética quando me disse que era
hora do meu voo. Eu não me dei ao trabalho de mudar, mesmo
por insistência dela. Se eu fosse forçada a voltar para Chicago,
apareceria coberta de sujeira e fúria.

— Eu sinto muito — disse Danika. — Se não tivéssemos


perdido você teria tempo para tomar banho e se trocar e talvez
até tirar uma soneca...

— Está tudo bem, Danika — eu disse.

À porta, um rosto familiar esperava. Ótimo, pensei,


observando o gângster meio selvagem à minha frente, o pitbull
veio para me irritar.

Roman sorriu maldosamente para mim. — Está pronta


para voltar para Chicago, Elena?

— Eu quero falar com Konstantin.

— Sim, isto não está acontecendo. O chefe tem coisas


muito mais importantes a fazer do que falar com uma viúva
mal-intencionada.

Olhei para ele. — Diga ao seu chefe que sei o que há de


errado com Tatiana.
Danika olhou por cima do meu ombro. — Você sabe?

Os olhos de Roman brilharam, mas ele disse a Danika —


Você a deixou ver Tatiana? Dmitri vai te matar, porra.

— Eu duvido — disse, friamente. — Leve-me para


Konstantin ou deixe Tatiana morrer. Depende de você, Pitbull.

Roman cerrou sua mandíbula, o seu olhar acusatório


ainda em Danika. Como se ela estivesse atrás de mim
significava que apoiava as minhas ações. Danika, mesmo ela,
estava me olhando com incerteza.

— Roman, se ela tiver uma pista... — começou.

— Ela não tem — respondeu. — Está apenas tentando


evitar voltar para Chicago. As esposas de La Cosa Nostra não
sabem nada sobre nada.

Quase revirei os olhos com sua dispensa, e arrogância.


Eu duvidava que Roman também fosse muito educado. — É
realmente uma oportunidade que está disposto a correr? — Eu
perguntei.

Roman estalou os dentes para mim. — Porra, tudo bem,


tanto faz. Vamos lá. — Ele agarrou meu braço, me arrastando
pelo corredor.

Eu puxei seu aperto, mas era muito mais difícil do que as


mãos delicadas de Danika.

— Solte-me, seu animal!


Roman me empurrou para frente, diretamente por duas
portas abertas. Eu tropecei, tentando encontrar meu
equilíbrio. Quando o fiz, me vi olhando diretamente nos olhos
castanhos claros de Konstantin Tarkhanov, ambos cheios de
diversão.

— Sra. Falcone — ele cumprimentou. — Pensei que


Danika tivesse levado você para se limpar.

Eu me endireitei, olhando para ele. — Não voltarei para


Chicago.

— Sim, você vai — murmurou uma voz atrás de mim.

Eu me virei, observando o escritório enquanto o fazia


(simples, clássico, empoeirado) e avistei Roman parado a porta
com outro homem. O segundo homem tinha cabelos pretos
tingidos, combinados com a pele branca como a neve e olhos
azuis lacrimejantes. Olhar para ele era como segurar cacos de
vidro.

Olhei para ele e voltei minha cabeça para Konstantin. —


Eu sei o que há de errado com Tatiana.

A diversão nos olhos de Konstantin morreu, sua


mandíbula se contraiu levemente.

Uma mão agarrou meu ombro com força, me puxando de


volta. O homem de cabelo preto estava olhando para mim, suas
maçãs do rosto afiadas o suficiente para cortar minha pele. —
Como você se atreve!
— Acho que você é Dmitri — murmurei. — Agora, me
solte.

Ele não se mexeu.

— Solte-a Dmitri — veio a voz dura de Konstantin.

Instantaneamente, o bruto russo me soltou.

Esfreguei meu ombro, tentando não mostrar o quão forte


ele tinha me agarrado. Voltei-me para Konstantin. Não
adiantava tentar defender meu caso a Dmitri – Konstantin era
o rei por aqui, mesmo em relação à esposa doente de Dmitri.

— Não estou mentindo — disse, odiando que eu tivesse


que dizer isso. Mentir não era minha disposição natural.
Costumava me causar muitos problemas: sempre dizendo o
que estava pensando. Lembro-me de minha mãe agarrando
minha língua uma vez e ameaçando cortá-la, mas não parei de
movê-la. — Eu sei o que há de errado com Tatiana.

Konstantin entrelaçou os dedos, recostando-se na


cadeira. — Qual é o problema com Tatiana?

— Eu não vou te contar.

Dmitri sibilou ao meu lado. — Como você ousa...

— Chega Dmitri. — Konstantin ordenou. Para mim, ele


disse: — Por que isso, Sra. Falcone?

Engoli, minha garganta seca. Talvez devesse ter bebido


um pouco de água quando estava com Tatiana também. — Se
não voltar para Chicago e me prometer a liberdade, vou curar
Tatiana.

Ele levantou uma única sobrancelha loira escura. — É


isso mesmo?

Eu levantei meu queixo. — Sim.

Konstantin me examinou.

— Você não está realmente considerando isso, Kostya? —


Dmitri disse, soando como se não pudesse acreditar.

Konstantin ergueu a mão e Dmitri ficou em silêncio. —


Estou inclinado a aceitar sua oferta, mas quero negociar as
condições.

Cruzei meus braços sobre o peito, a palavra ninharia


brilhando para mim. — Aposto que sim.

Um sussurro de sorriso passou por seu rosto. — Vai


diagnosticar e curar Tatiana. Todos os recursos de que
precisar serão fornecidos a você. Se curar a Tatiana, então
apoiarei a sua mudança e darei a você... sua liberdade,
digamos assim.

Eu concordei. Liberdade, liberdade, liberdade. A palavra


saltou em minha cabeça. — Concordo com estes termos.

— Há também a questão da Outfit e de sua família —


disse Konstantin. — Não deixarei nossa comunidade pensar
que a sequestrei. Isso daria à sua maioria a munição de que
precisam para me declarar seu inimigo. Espero que mantenha
contato com sua família e se junte a mim em público, como
qualquer outra pessoa em minha casa.

Konstantin não arriscaria sua reputação, especialmente


logo depois de assumir o controle da Staten Island. Manter a
viúva Falcone deixaria as outras famílias italianas chateadas,
talvez até algumas das famílias não italianas. Se eu fosse
tratada e agisse como uma convidada, não teriam motivos
suficientes para enfrentar Konstantin.

Eles eram políticos, apesar de toda a coragem e glória do


mundo da máfia. Notável, as armas eram mais preferidas do
que os discursos, mas um gângster ensinado tanto na violência
quanto na burocracia subiria muito mais alto do que um
gângster que só sabia matar.

— Mais uma coisa — disse ele. — Não vou permitir que


você vagueie por toda Staten Island. Você morará aqui na
propriedade enquanto ajuda Tatiana.

Ninguém na sala gostou da ideia.

Dmitri deu um passo à frente, olhos elétricos. — O meu


filho mora aqui. Ela é a esposa do inimigo.

— Um inimigo morto — corrigiu Konstantin. — Imagino


que Elena não será uma ameaça para seu filho. — Os seus
olhos foram para mim. — Ela quer muito sua liberdade para
fazer algo tão irracional.

Ele estava certo. Eu trocaria fraldas e daria banho em


todos os filhos de Dmitri se significasse que eu estava um
passo mais perto de minha liberdade, um passo mais longe de
Chicago.

Não fiquei feliz com a ideia de ficar com Konstantin e sua


pequena família. Não queria ficar perto de Konstantin mais do
que precisava, mas esta era minha chance.

Eu podia ver minha liberdade – e ela estava na palma da


mão de um violento cavalheiro russo. Um movimento errado e
ele poderia esmagar minhas ambições em migalhas.

Eu acenei. — Concordo com seus termos.

Konstantin sorriu, mas não havia calor como havia no


sorriso de Danika. Não havia nenhum ódio como no de Roman
também, em vez isso, parecia praticado, ensinado; mas parecia
muito melhor do que o meu sorriso, que lembrava mais uma
careta. — Boa sorte em encontrar seu antídoto, Sra. Falcone.
Que você tenha sucesso, tanto para o seu bem quanto para o
de Tatiana.

Ele não disse o que aconteceria comigo se eu falhasse.


Mesmo imaginando isto foi o suficiente para me fazer sentir
mal.

Agora, eu só tinha que descobrir o que diabos havia de


errado com Tatiana.
3

Konstantin Tarkhanov

Artyom ficou quieto até que desliguei o telefone.

— O que disse The Godless? — ele perguntou.

— Ele deu sua bênção para eu ficar com ela. — Eu não


expandi o resto da conversa. Artyom estivera lá na primeira vez
quando perguntei uma coisa semelhante do Outfit.

Artyom esfregou a testa. — Você tem certeza de que ela


pode curar Tatiana? A última coisa que Dmitri e Anton
precisam é uma falsa esperança.

Olhei para minha mesa, rastreando a pilha de papéis


diante de mim. OS Meus homens enviaram olhares curiosos
ao longo dos anos, mas nenhum deles jamais perguntou sobre
isso. Eu podia ver Roman lutando contra o desejo às vezes, de
forma divertida.

— Você não acredita que ela possa? — Perguntei.

— Nenhum de nós é o que parece à primeira vista — disse


ele — mas ela não tem educação formal, nem diploma de
medicina. Duvido que sua família tenha permitido que ela
assistisse a dramas hospitalares enquanto crescia.
Recostei-me a cadeira. — Acho que descobriremos, não
é? — Perante a sua expressão, disse — Relaxe, Artyom. Não
tenho a intenção de parar nossa própria busca por tratamento.

Embora a busca tivesse sido mais infrutífera do que bem-


sucedida nas últimas semanas. Tatiana adoeceu, parecia, do
dia para a noite. Rapidamente, ela ficou cada vez mais doente,
agora acamada na maioria dos dias e incapaz de ficar acordada
por mais de algumas horas. Havíamos trazido os melhores
médicos que o dinheiro poderia comprar, trazendo-os de longe,
e nenhum tinha uma explicação para todos os seus sintomas.

Dmitri estava ficando louco com o passar do tempo. Às


vezes ficava dias sem dormir – só dormia quando Roman o
deixava inconsciente com um soco na cabeça.

A porta se abriu com estrondo antes que Artyom pudesse


acrescentar mais alguma coisa. Roman entrou com uma
garrafa de vodca. Mesmo depois de anos tentando ensiná-lo
boas maneiras, Roman se recusava a bater antes de entrar nas
salas. Ele só batia a porta de Roksana, que começou depois
que ele tinha invadido Artyom e sua esposa, e quase se viu
brutalmente morto.

— Estamos comemorando. — Ele ergueu a vodca. —


Finalmente matamos aqueles malditos Falcones e tomamos
nosso território.

Um sorriso brincou em meus lábios. — É um pouco cedo


para comemorar. As outras famílias não entraram em contato.
— Provavelmente estão com medo. — Roman mostrou os
dentes. — Devemos tomar seus territórios também.

— Não — disse. Já havíamos tido essa conversa antes. A


luxúria de Roman por sangue nublava sua racionalidade com
frequência. — Nenhuma família pode governar a cidade de New
York.

— Veremos. — Roman puxou os copos, servindo a vodca.


Batemos nossos copos, a voz de Roman retumbando — Chtoby
stoly lomalis ot izobiliya, a krovati ot lyubvi!9

Artyom revirou os olhos, mas ambos bebemos, a bebida


escorrendo pela minha garganta. Uma boa garrafa de um de
meus negócios mais exclusivos, que um Roman terminaria
facilmente.

Roman caiu em uma cadeira sobressalente, apoiando as


pernas na minha mesa e pressionando a garrafa de vodca
contra o peito como um travesseiro. — Então, o que você acha
da garota Falcone? Ela é tudo o que você sonhou?

— Só você sonha com mulheres, Roman — disse uma voz


fria. Dmitri entrou no escritório, fechando a porta atrás dele,
olhos azuis gelados aguçados com seu humor.

Artyom sorriu para o copo; Roman revirou os olhos.

— A Chicago Outfit deu sua bênção — eu disse a todos os


três.

9 Para que as mesas se rompam com a abundância e as camas com o amor.


— Então isso está resolvido. — Dmitri encostou-se à
mesa, pegando meu copo vazio e servindo-se de uma bebida.

Artyom abanou a cabeça. — Nada jamais foi tratado. Eles


podem mudar de ideia amanhã.

— Especialmente se aquela sua mulher entrar em seu


ouvido — Roman acrescentou. Ele puxou um cigarro.

— Não fume dentro de casa — Dmitri disse. — Tatiana


está lá em cima.

Roman parecia espantado. — Não está falando sério,


cara? Acabei de passar a manhã lutando com soldati e lidando
com Danika. Eu preciso fumar.

Dmitri não recuou. — Vá lá fora...

— Não fume dentro de casa, Roman. Se está tão


estressado, tome outra bebida — disse a ele calmamente. —
Agora, vamos falar de negócios.

Os três homens se concentraram com essa única frase,


sem mais discussões, sem mais camaradagem. Quando se
tratava de negócios, não havia jogos. Todos eram violentos em
seus próprios modos – eu não me importaria com eles se não
fossem.

Artyom Fattakhov era o membro mais graduado da sala,


um dos meus Two Spies10. Responsável pela segurança e

10-Cuidam da ação dos Brigadiers para garantir a lealdade e que nenhum se torne muito poderoso.
Eles são o Sovietnik "Grupo de Apoio".
inteligência, era mais comumente conhecido como
Obshchak11. Nós crescemos juntos sob a dura liderança de
nossos pais, nos tornamos Vory12 juntos, e provavelmente
iríamos para o túmulo juntos.

Dmitri Gribkov e Roman Malakhov faziam parte do meu


grupo de elite, ambos com suas respectivas funções. Dmitri era
meu krysha, um executor em todos os sentidos da palavra.
Considerando que Roman era um byki, meu guarda-costas.
Apesar de toda a sua ferocidade, levava seu trabalho
extremamente a sério, sua lealdade incomparável.

O meu torpedo estava faltando. Olezka estava ocupado


em Staten Island, mas logo voltaria.

Os Falcones finalmente resolvidos, chegou a hora de o


Tarkhanov Bratva povoar Staten Island. Os próximos meses,
meus homens e suas famílias chegariam, cimentando nossa
organização e território.

Levou quase um ano a preparação para derrubar os


Falcones. Não por falta de força. Não, meus homens poderiam
facilmente derrubar todos os mafiosos Falcone cinco vezes,
mas ser fisicamente capaz de dominar alguém não significa
que ganhou.

Poucos da minha espécie deixaram de considerar os


outros tipos de força do mundo. Os Falcones tinhamm.

11-Obshchak "Grupo de Segurança".


12-"Vor" (plural: Vory) (literalmente, "ladrão") é um título honorário análogo a um homem feito na
máfia ítalo-americana e siciliana.
Foi fácil cavar meus dedos em Staten Island, por meio de
investimentos e relacionamentos. Entediante, quase. Se
tivesse decidido derrubar os Lombardis, teria havido mais uma
luta, mais um desafio, mas o prêmio no final não teria sido tão
doce.

— Por que está sorrindo, chefe? — Dmitri perguntou.

— Por causa do nosso sucesso. — Virei-me para Artyom.


— Feodor já entrou em contato com você?

Artyom baixou a cabeça, tentando esconder a irritação. O


meu Obshchak e Sovietnik13 não eram os melhores amigos,
mas ambos deixaram de lado suas diferenças de personalidade
para fazer seus trabalhos. Eu não permitiria nada mais, ambos
eram muito úteis.

— Ele entrou. Os cavalos estão em trânsito. Estarão


aqui... — O toque estridente do telefone de Artyom
interrompeu-o. Silenciosamente, se desculpou, franzindo a
testa levemente para o nome na tela. Provavelmente um de
seus homens.

Dmitri observou Artyom recuar para trás enquanto


deixava o escritório. — Ele não gosta que esta garota esteja
aqui. — Virou-se para mim. — Eu também não.

Levantei uma sobrancelha com seu tom.

— Cuidado, Dima — Roman alertou.

13 Conselheiro mais próximo do Pakhan.


A sua mandíbula se estreitou, mas baixou a cabeça em
desculpas. — Eu não quis desrespeitar, chefe, mas minha
esposa e meu filho estão aqui, e também duas outras
mulheres. Eles não podem se proteger se a viúva de Falcone
trouxer problemas à nossa porta.

— Entendo suas preocupações, Dmitri — eu disse a ele.


— Mas ela fica. — Avaliei meu krysha. Bolsas escuras sob seus
olhos mancharam suas bochechas pálidas. — Vá descansar
um pouco. O resto do dia será de espera; não precisa estar
acordado para isso.

Dmitri não cedeu. — Você não está preocupado com ela


nos espionando? Realmente acha que o seu desejo de ser livre
venceu o ganho monetário? Ou a satisfação de ver o homem
que matou seu marido morrer?

As suas perguntas vieram de preocupação e proteção,


impulsionadas por exaustão e estratégia. Foi por isso que não
reagi ao seu tom, em particular, ficava feliz em debater e
discutir com meus homens, nossa irmandade era muito forte
por anos de luta pelo poder para ser ameaçada por alguns
comentários rudes.

Afinal, eu não os valorizava por sua obediência passiva –


para que serviria um guerreiro sem dentes?

Talvez se Thaddeo tivesse acreditado no mesmo mantra,


ainda tivesse o seu território e sua vida, e a sua esposa.
— Não estou preocupado — foi a minha resposta. — Ela
fará de tudo para ficar longe de Chicago e ganhar sua
liberdade.

— Como sabe disto? — Dmitri perguntou.

Até Roman ergueu a cabeça com a pergunta, olhos


sedentos por respostas.

Eu não me incomodei em olhar para os papéis a minha


frente. Poderia convocar a maior parte dele de memória, a cópia
impressa não era mais necessária. Os artigos acadêmicos eram
conhecidos por serem documentos não tendenciosos, mas se
lesse nas entrelinhas, poderia descolar o autor. Resolvendo-os
como uma equação.

Isto sempre foi metade da diversão de aprender.


Desvendando o autor, descobrindo o que o moveu, apesar de
seus melhores esforços para permanecer anônimo e levar
adiante suas ideias. Aqueles que não queriam ser encontrados
eram sempre os mais gratificantes de apanhar.

Como eu sabia que Elena não seria uma ameaça para


minha casa, para minha família? Como eu sabia que ela não
nos espionaria e enviaria todos os nossos segredos para
Chicago? Não tinha dúvidas de que, se a Rainha de Chicago
pedisse algumas informações à amiga de infância, Elena ficaria
feliz em atendê-la.

Recostei-me a cadeira, sorrindo ligeiramente. — Vai ter


que confiar em mim. — Com a contração da mandíbula de
Dmitri, me inclinei para frente mais uma vez, chamando sua
atenção e dizendo seriamente — Não deixarei nenhum mal
acontecer à sua esposa e filho.

Ele curvou a cabeça em resposta, parecendo um pouco


mais aliviado, mas não muito.

Roman se balançou na cadeira, apoiando-se na perna.


Quando era mais jovem, havia caído e aberto a cabeça dezenas
de vezes, mas não com a mesma frequência que havia
amadurecido. — Danika gosta dela — disse ele. — Mas Dani
gosta de todos.

— Ela não gosta de você — Dmitri cortou.

Antes que ele pudesse voltar, a porta do escritório fez um


clique e Artyom entrou com uma expressão sombria. Os nós
dos seus dedos ficando brancos com a força com que ele
segurava o telefone.

Suspeitei do que se tratava antes que ele dissesse


qualquer coisa.

— Outra mulher foi morta.

Roman se levantou de um salto, a cadeira caindo no chão


atrás dele. Dmitri praguejou em russo, em tom áspero e frio.
Fiquei sentado, imóvel, mas senti minhas feições se
contorcerem.

A raiva bárbara começou a ferver, bem dentro de mim.

Perguntei — Quem?
Artyom deu um passo à frente, largou o telefone e
empurrou-o para o meio da mesa. A foto de uma mulher bonita
com um colar de pérolas e olhos escuros encheu a tela.

— Mallory Nicollier. Filha de um alto membro da União


da Córsega.

— Qual União? — Roman perguntou.

Artyom acenou com a cabeça. — A gangue de Lefebvre.


Estendem-se de Winnipeg a Grand Forks.

A União da Córsega consideravelmente forte, que


geralmente se mantinha à distância, desde que seus
investimentos não estivessem ameaçados. Eles não tinham um
local desejável, então foram capazes de evitar conflitos mais do
que o resto de nós.

— Como? — Perguntei, a dureza do meu tom fazendo com


que as costas dos meus homens se endireitassem.

— Ela foi baleada e morreu devido à perda de sangue.

— O post mortem14?

Artyom não pareceu afetado, mas apanhei Roman


franzindo o cenho de nojo, já adivinhando a resposta antes de
Artyom a dizer. — Todos os seus dentes foram removidos.

O meu guarda-costas reagiu imediatamente, xingando


em russo. — Estes filhos da puta! — Rugiu.

14 Após a morte.
— Acalme-se — disse a ele. Roman ficou quieto, mas
permaneceu tenso. — Como Lefebvre reagiu?

— Não reagiram. Os seus homens estão quietos.

— Isto não é nada — observei, olhando pela janela. Eu


podia ver a hera selvagem na parte inferior da janela. Se a
deixasse por mais alguns anos, a planta poderia cobrir toda a
janela, uma cortina natural. — Lefebvre poderia ter optado por
fazer acusações ou atacar seus vizinhos. Ficou em silêncio, em
vez disso. Por quê?

A pergunta ficou sem resposta.

— Alguma conexão com as outras mulheres? —


Perguntei.

Artyom abanou a cabeça. — Não à primeira vista, exceto


que todas eram parentes de alguém da máfia.

— Estão todas faltando os dentes — Roman murmurou.


— Esta é uma conexão muito boa.

Dmitri torceu o lábio para Roman, mas interrompi antes


que ele pudesse dar uma resposta congelante.

— Temos três mulheres – pelo que sabemos. Todas


mortas nos últimos três meses, todas com conexões com a
máfia e tiveram seus dentes removidos post mortem.

As primeiras mulheres foram Letizia Zetticci, casada com


um capo da família Lombardi. A sua morte foi interessante
para dizer o mínimo; era muito raro o corpo das mulheres ser
alterado após a morte. O nosso mundo, o corte da língua ou
dos olhos post mortem enviava mensagens, mas as mulheres
nunca eram o alvo.

A causa oficial da morte de Letizia Zetticci foi


envenenamento, mas não foi a forma como foi morta que nos
interessou. Foi a remoção de seus dentes.

Então, cerca de uma semana atrás, Eithne McDermott foi


encontrada morta, morta com um golpe na nuca. Só isso
poderia não ter chamado nossa atenção se não fosse pela
remoção de seus dentes. Ela havia sido encontrada em sua
sala de estar, sem dentes.

Mallory Nicollier, agora. Uma terceira vítima com trauma


post mortem idêntico.

— Quem está fazendo isso é o mais doentio dos fodidos


— disse Roman. — Visando mulheres... — cuspiu em desgosto.

Eu concordei. As mulheres geralmente não eram o alvo


da violência em nosso mundo. Era muito mais provável que
fossem feridas por suas famílias e maridos, mas regras não
ditas as impediam de serem alvos de organizações inimigas. O
que mudou?

— Ainda acho que são suas famílias — disse Dmitri. —


Letizia Zetticci era casada com um filho da puta doente, e os
maridos de Eithne e Mallory se inspiraram nele.

— Mallory não era casada. — Artyom respondeu.


Dmitri encolheu os ombros. — O seu pai então. Estas
mulheres sendo machucadas por seus maridos e pais é muito
mais provável do que um assassino em série desenfreado à
solta visando esposas da máfia e arrancando seus dentes.

Eu vi o mérito do ponto de Dmitri. Era uma ideia bizarra


que houvesse uma pessoa – ou grupo de pessoas – procurando
essas mulheres, mulheres que não tinham nenhuma conexão
óbvia umas com as outras. Quem teria animosidade suficiente
com três famílias diferentes, todas localizadas em partes
diferentes da América do Norte, para machucar essas
mulheres?

— A remoção dos dentes é um estratagema para desviar


as pessoas de outras coisas — acrescentou Dmitri.

— Quando alguém já tentou esconder o fato de que é um


assassino neste mundo? — Perguntou Artyom razoavelmente.
— A maioria dos gângsteres o usa como um emblema de honra.

Considerei seus pontos, meu próprio instinto me dizendo


para observar esta situação. — Vamos ficar de olho nisto.
Estou interessado em saber como Lefebvre reage.

Tanto os Lombardis quanto os McDermotts tinham feito


uma grande demonstração de raiva, ameaçando seus vizinhos
e o governo. Estava curioso para ver como Lefebvre reagiria. Se
ficasse quieto, talvez Mallory tivesse sido outra triste vítima da
violência doméstica, mas se mostrasse a mesma raiva que as
outras duas famílias... talvez tivéssemos um problema muito
maior em mãos.
O telefone em minha mesa começou a tocar naquele exato
momento.

As minhas primeiras congratulações, pensei, ou minha


primeira declaração de guerra.

A sala estava silenciosa quando peguei o telefone. —


Konstantin Tarkhanov.

— Konstantin — veio uma voz familiar do outro lado da


linha. — Creio que os parabéns são devidos.

Eu sorrio.

Mitsuzo Ishida era o chefe da Ishida Yakuza, seu território


localizado em New Jersey. Os Ishidas governaram em New York
por décadas, uma família velha e respeitada. O seu
reconhecimento por mim como o novo rei de Staten Island não
significava muito.

Antes da hora do almoço, mais dois chefes ligaram. Chen


Qiang, chefe da Tríade Chen, localizada no Queens. Thomas Ó
Fiaich Sr, chefe do Ó Fiaich Mob, localizado no Brooklyn. Os
meus novos vizinhos, suponho.

O único chefe que não me deu os parabéns foi Vitale


Lombardi. Não fiquei surpreso; os Lombardis eram dedicados
à tradição. A tradição ditava que derrubar La Cosa Nostra e
substituí-los pelos Bratva era inaceitável.

Apesar do silêncio de Vitale, meus homens


comemoraram. Três reis de New York me chamaram para dar
as boas-vindas em seu rebanho, dando boas-vindas a Bratva
à mesa.

Os meus homens não seriam mais desprezados ou


considerados mafiosos sem cérebro. Não jurava mais lealdade
à minha família na Rússia ou sobrevivia temporariamente em
lugares diferentes.

Era hora de construir meu império, de cumprir minhas


ambições.

Eu só esperava que ela decidisse se juntar a mim.


4

Konstantin Tarkhnov

Os estábulos se estendiam ao longo da área cultivada,


separados da casa por quilômetros de árvores. Seria uma longa
caminhada da propriedade até os estábulos, tornando muito
mais fácil ir e vir de carro. Roman vetou instantaneamente a
ideia de caminhar.

Havia uma arena fechada e externa ao redor dos


estábulos, bem como trechos de pastagens verdes frescas,
prontas para o pasto. Centenas de milhares de dólares foram
investidos na criação deste paraíso para cavalos; até o celeiro
havia custado uma bela fortuna.

Os meus cavalos se adaptavam ao sol do meio-dia, ao seu


novo ambiente. Basil já havia começado a pastar. A baia15
escura estava relaxada em seu novo ambiente, mais
preocupada com seu estômago do que com o ambiente. Os
meus outros dois cavalos de corrida não compartilhavam de
seus sentimentos.

Odessa estava comigo junto à cerca, procurando comida


em minhas mãos e nos bolsos. O Dapple prateado gostava mais

15-Cor castanho-amarelada, especialmente do cavalo de pelo castenho com crina e extremidades


pretas.
de atenção do que os outros dois e odiava ter seu dia
perturbado fora de sua rígida rotina, mas ela não era tão ruim
quanto Hilarion. Hilarion galopou ao redor do seu padoque,
orelhas espetadas para trás. Parava abruptamente de vez em
quando, para inspecionar alguma coisa – uma planta
desconhecida, uma cerca estranha – antes de se erguer em
fúria e voltar aos seus movimentos erráticos.

— Você acha que eles estão prontos para entrar em seus


estábulos? — Roman perguntou enquanto coçava o nariz de
Odessa.

— Basil e Odessa devem ficar bem. Hilarion, não. Não


confio nele para não destruir o lugar e a si mesmo no processo.

Como se soubesse que estávamos falando sobre ele,


Hilarion virou a cabeça para nós. O seu manto castanho
brilhava à luz do sol enquanto se movia.

— Dmitri acha que você deveria abatê-lo — Roman


observou.

— Se eu começar a abater todo mundo aqui com um


temperamento ruim, não sobrará ninguém — pensei, dando a
Odessa um punhado de aveia. Ela os devorou.

Roman sorriu. — Seria apenas você e Artyom. — Ele se


encolheu. — Deus, imagine como isto seria chato.

Eu ri baixinho. — De fato.
No final da propriedade, um carro começou a subir até os
estábulos. Imediatamente, Roman ficou em alerta, agarrando
sua arma e parando protetoramente a minha frente. Dois dos
meus homens que estavam jogando cartas perto da cerca
abandonaram o jogo de durak e se aproximaram do carro, as
mãos apoiadas nas armas.

O carro parou e Olezka saltou com um movimento suave,


sorrindo em saudação. — O último, Boss. Encontrei-o
escondido na ponte Bayonne. Estava tentando fugir para o
território de Ishida.

Nenhum dos meus homens relaxou com o rosto familiar.


Fiz um gesto com meus dedos. — Traga-o para fora.

Olezka abriu o porta-malas, puxando a trava. O homem


caiu no cascalho, com as mãos e os pés amarrados. A fita
adesiva sobre sua boca abafou seus gritos furiosos. Era um
dos primos de Thaddeo, um membro do alto escalão da família.
Ele conseguiu fugir antes que meus homens invadissem sua
casa. Normalmente, Olezka não trazia suas capturas para casa
– vivo – mas pedi que ele fizesse desta vez.

Staten Island pode agora estar completamente sob meu


controle, mas os Falcones estão aqui há décadas e suas raízes
demorariam um pouco para serem arrancadas.

— Sr. Falcone — pensei, avaliando o lamentável mafioso


diante de mim. — Espero que sua viagem tenha sido
confortável.
Ele olhou para mim com olhos furiosos e disse algo por
baixo da fita.

Acariciei o nariz de Odessa. Ela relinchou feliz com a


atenção.

— Deixe-me apresentar-me. — Coloquei a mão no meu


coração. — Konstantin Tarkhanov. O novo Rei de Staten
Island.

O primo de Thaddeo gritou outra coisa, mas a fita não


permitiu nenhuma clareza.

Fiz um gesto para Olezka. O meu torpedo se abaixou e


removeu com cuidado a fita adesiva do rosto do homem. Aposto
que se checasse as gravatas, seriam nós lisos e confortáveis.
Apesar de ser um assassino, Olezka não era naturalmente
cruel ou vingativo.

Assim que a fita foi removida, o Sr. Falcone começou a


gritar. — Seu russo estúpido!

— Cuidado com a boca — Roman cuspiu, arma na palma


da mão.

— Olezka — disse.

Olezka colocou a fita adesiva de volta na boca, reduzindo


seus gritos raivosos a abafos mais uma vez.

Eu me agachei, examinando-o. Os Falcones nunca foram


muito interessantes. Eles seguiam as mesmas regras e
tradições de todas as outras famílias italianas. Este não era
diferente, exceto que meu respeito por ele era minúsculo. Só
um covarde abandonaria sua família para salvar seu próprio
traseiro.

— Chega — disse a ele. — Acho que minha paciência está


diminuindo a cada minuto.

Algo em meu tom foi registrado na parte primária de seu


cérebro. O homem se aquietou. Nenhum dos meus homens
desistiu com sua obediência repentina. Duvidava que o
fizessem até que eu estivesse em segurança de volta à minha
propriedade e este primo Falcone estivesse enterrado a sete
palmos.

— Onde Thaddeo guardou a chave?

Os seus olhos se arregalaram.

Tirei a fita, o som ecoando pela área.

Ele começou a falar imediatamente. — Não sei nada sobre


uma chave...

— Sim, você sabe — disse a ele. — Onde está?

— Thaddeo nunca me disse...

Fiz um gesto para Roman por cima do ombro. Como um


chicote, Roman deu um passo à frente, balançando a arma por
cima do ombro e direto na rótula do homem.
Cobri a boca com a fita adesiva para esconder seu uivo e
me virei para Olezka, instruindo — Mate-o e faça o que quiser
com o corpo.

Sr. Falcone em meio à dor, ouviu minhas ordens e


começou a contestar.

Eu me levantei, dando a ele um olhar. — Diga-nos onde


está a chave e posso poupar a sua vida.

Olezka removeu a fita mais uma vez, revelando apenas o


homem gaguejando de dor e sua falta de conhecimento.

Eu me virei, com meus homens se movendo comigo.

— Espere, espere! — o homem gritou.

Mantive-me de costas para ele, mas virei a cabeça para o


lado, vendo-a choramingar no cascalho como um verme.

— A chave... Thaddeo mencionou uma vez... ele... — O


homem tossiu. — Ele disse algo sobre isso quando o
paisagismo era... Algo sobre enterrá-la...

Roman revirou os olhos e olhou para mim. —


Conveniente. Está escondido abaixo do solo na porra do
enorme jardim de Thaddeo. — Para o homem, ele disse — Não
poderia ser mais específico, hein, pizdobol16?

Eu não me incomodei em me virar. Este homem não nos


diria mais nada. — Olezka — ordenei baixinho.

16 Mentiroso.
A arma disparou. Endireitei minhas abotoaduras e peguei
meu telefone. Feodor atendeu ao primeiro toque.

— Chefe, como New York está tratando você? — Veio a


sua voz rouca e profunda. — Melhor ainda, como a viúva
Falcone está tratando você? — O seu tom malicioso deixou
claro o verdadeiro significado por trás de suas palavras.

Eu não me diverti com seu bom humor. — Envie um


grupo para a mansão de Falcone e diga a eles para destruir o
jardim.

— Alguma parte específica?

— A coisa toda. — O jardim parecia ter sido recentemente


plantado, por isso duvidava que fosse difícil arrancá-lo. —
Quero esta chave encontrada antes que os outros chefes da
máfia decidam que a querem.

Feodor grunhiu em concordância. — Sim, chefe.


Considere feito.

— Rifat já entrou em contato com você? — O meu


derzhatel obschaka, também conhecido como meu contador,
tinha a tendência de desaparecer em seu cérebro por dias,
sobrevivendo de cochilos e café. Para um contador, era
estranhamente excêntrico. Uma pequena parte de mim se
perguntou o que ele faria com Elena – ou o que Elena faria com
ele.

— Não. Devo mandar alguns meninos para ver como ele


está?
— Vou enviar Danika em alguns dias. Ele não gosta de
mais ninguém. — Olhei para longe, o horizonte interrompido
por manchas de árvores. — Você ouviu sobre a terceira
mulher?

— Sim — Feodor respondeu, a voz escurecendo.


Normalmente, Feodor era o epítome da alegria, mas a violência
contra o sexo mais fraco sempre o aborreceu. — A sua krysha
acredita que é um trabalho interno.

Afastei-me do carro enquanto Olezka se afastava, com o


Falcone morto no porta-malas. Odessa enterrou o nariz nos
meus bolsos, procurando cenouras.

Para Feodor, eu disse — Estou interessado em ouvir o que


você acha.

Eu nasci e cresci neste mundo, tinha compreendido os


costumes e a violência há trinta anos, mas Feodor tinha o
dobro da minha idade, as coisas que ele viu e experimentou
moldaram a sua visão. As suas opiniões muitas vezes
desafiaram as opiniões de meus homens mais jovens, sua
sabedoria da velhice permitia mais clareza nas situações.
Artyom podia não gostar dele, mas Feodor era fundamental
para garantir que não seríamos vítimas da nossa juventude
idealista.

Quando matei meu pai aos quinze anos, foi Feodor que
raciocinou comigo e me trouxe de volta à Terra. Eu me sentia
invencível, pronto para matar meus irmãos e levar a coroa,
mas Feodor tinha aconselhado contra isso.
Espere, ele disse, seja paciente e planeje.

Eu esperei.

Feodor falou depois de alguns segundos, interrompendo


meu devaneio. — A ideia de algum lunático saindo por aí e
alvejando estas mulheres é insana... é mais provável que sejam
disputas domésticas.

— Se não forem?

Ele suspirou. — Então, temos um problema muito sério


em nossas mãos.

Nós nos despedimos e me virei para Roman. O meu


guarda-costas observava os arredores com cuidado, seus olhos
percorrendo a floresta como se pudesse ver os cães espreitando
nas sombras.

— Está enviando Dani para verificar Rifat? — perguntou


casualmente.

Resolvi me divertir um pouco. — Vou mandar Dmitri com


ela amanhã.

Previsivelmente, os olhos de Roman endureceram. —


Dmitri? Sério? Ele não é um cadáver ambulante neste
momento?

— Estou esperando que Danika consiga convencê-lo a


dormir. Você sabe como ela pode ser persuasiva.
Roman grunhiu. — Eu a levarei. O pobre coitado já está
passando por muito. A última coisa que precisa é ouvir a
conversa fiada de Dani.

— Se você insiste — cedi, tentando não rir.

Odessa jogou a cabeça por cima da cerca, tentando


chamar minha atenção. Escovei sua crina com meus dedos.

— Você acha que ele estava falando a verdade sobre a


chave? — Roman perguntou.

— Acho que pensa que está dizendo a verdade — observei.


— Não saberemos com certeza até que tenhamos revistado a
propriedade de Thaddeo.

Roman me olhou, percebendo algo em meu tom. — Você


acha que a sua viúva sabe onde está?

— Não conscientemente.

— Porra, Kon! — Esfregou o rosto. — É por isso que


concordou que ela curasse Tatiana? Está tentando descobrir o
que ela sabe?

— Tudo que eu faço geralmente tem uma ou mais metas,


Roman. — Afastei-me de Odessa e acenei com a mão do
estábulo. — Encontrar essa chave é imperativo para nos
estabelecermos em Staten Island, e se alguém mais a encontrá-
la antes de nós...

Roman fez uma careta. — Podemos muito bem dar um


beijo de adeus em todo o seu trabalho duro.
— Exatamente. — Coloquei uma mão reconfortante em
seu ombro. — O primeiro dia foi um sucesso, mas devemos
planejar os próximos.

— Especialmente para Tatiana e Dmitri.

Fechei meus olhos brevemente com a menção de nosso


membro da família doente. — Especialmente para eles.

Roman não gostava de se demorar em tópicos sombrios,


especialmente os relativos à sua família. Apesar de toda a sua
raiva e réplicas desagradáveis, Roman se importava com
Dmitri e Tatiana e estava lidando com a doença de Tatiana o
melhor que podia. Portanto, não fiquei surpreso quando
Roman tocou no assunto da próxima corrida de cavalos.

— Artyom mencionou que está pensando em convidar


Ishida para a corrida?

Sorrio ligeiramente para Roman — Você e Artyom não são


melhores do que duas velhas fofoqueiras. — Diante de sua
carranca, rio e digo — Será uma boa chance para Ishida e eu
conversarmos. Há rumores de que ele nunca foi fã dos
Falcones.

— Alguém era?

— Vitale Lombardi.

— Ele ainda não lhe deu os parabéns? — Roman exigiu.

Afastei-me de Odessa enquanto o cavalariço a conduzia


até sua baia, bajulando-a com guloseimas e tapinhas. Quando
ela saiu, Hilarion avançou em nossa direção, com raiva nos
olhos. Antes de colidir com a cerca entre os piquetes, cravou
os cascos na grama e parou repentinamente, respirando com
dificuldade. Ele teve a reação que queria; o cavalariço se
assustou e deixou cair uma cenoura em estado de choque.
Antes que Odessa pudesse furá-lo, Hilarion enfiou a cabeça
pela cerca e a agarrou. Ele parou, parecendo terrivelmente
satisfeito consigo mesmo.

— Hilarion — ordenei baixinho.

Ele fez uma pausa ao som da minha voz.

O cavalariço murmurou algo sob sua respiração sobre


como o garanhão deveria ser abatido, mas ficou quieto quando
percebeu que eu estava ouvindo. As suas bochechas ficaram
vermelhas quando percebeu que tinha acabado de insultar
meu campeão na minha frente.

Eu avaliei Hilarion, mesmo em sua juventude, havia sido


o potro mais indisciplinado do padoque. O seu dono estava tão
cansado dele que alegremente o vendeu para mim, me
avisando para dobrar a força de minhas cercas e vigiá-lo com
os outros cavalos. O meio demônio, seu dono me disse no dia
em que mostrei interesse no potro castanho. Esse cavalo é meio
demônio. Talvez Hilarion tenha carregado algum demônio em
seu sangue, mas até mesmo os cretinos do inferno tinham que
servir a um mestre.

Levantei a mão para o cavalo e Hilarion me observou


atentamente.
— Já chega — disse a ele.

Hilarion sacudiu a cabeça, descontente, mas obedeceu à


minha ordem. Não acreditei que pudesse entender inglês ou
mesmo russo, mas ele foi intuitivo o suficiente para saber a
mudança em meu tom, o timbre de advertência em minha voz.

Tinha sido o meu tom que contribuiu para treiná-lo.


Ainda hoje, em sua vida adulta, Hilarion não ouvia ninguém
além de mim. Sempre que eu o apresentava a um novo
cavaleiro, tinha que estar lá ou arriscar que Hilarion ficasse
agressivo.

Apenas uma vez, seu treinador tentou prepará-lo para


um novo cavaleiro sem mim. Tinha acabado com dois narizes
quebrados e os dois braços torcidos, mas Hilarion escapou sem
problemas.

— Ele dá mais problemas do que vale — destacou Roman.

— Engraçado — disse. — Muitos me disseram o mesmo


sobre você.
5

Elena Falcone

Quando o sol nasceu no dia seguinte, eu já estava


acordada.

Eu me pressionei contra as vidraças frias da janela,


procurando movimento no jardim. Uma parte de mim ansiava
por escapar do quarto e se aventurar lá fora. Precisava sentir
a sujeira sob meus pés, acalmar meus sentidos e cérebro após
uma noite de sono estressante e agitada, mas não ousei tentar.
Se fosse pega, poderia me encontrar em perigo – ou pior,
conversa fiada.

O quarto de hóspedes era agradável, mas não tinha


percebido o quanto eu tinha deixado para trás até que
estivesse jogando e virando os lençóis. Não só foi estranho não
adormecer ao som dos roncos de Thaddeo, mas a ausência dos
meus livros e roupas tinha me feito sentir estranha e
deslocada.

Estava com tanta vontade de sair do quarto que quase


podia explodir de minha pele. Queria ler ou escrever algo ou
simplesmente sair correndo pela floresta, deixando que a terra
me tomasse em seus braços.
A palavra agitada veio à mente, quicando em meu
cérebro.

Então, na vegetação rasteira, entre os troncos das


árvores, houve outro movimento lento. Avistei um enorme
traseiro peludo antes que a criatura desaparecesse na
vegetação.

Tinha que ser algum tipo de cachorro, embora o tamanho


indicasse que era um lobo ou urso. O que quer que tenha se
escondido na floresta teve minha atenção a noite toda. Quando
não consegui dormir, sentei perto da janela, tentando ficar o
mais perto possível do jardim, e avistei alguns animais peludos
espreitando nas sombras.

O nascer do sol, as criaturas ficaram menos ativas, o que


significa que minhas chances de ver exatamente o que estava
escondido nas sombras foram reduzidas a cada minuto. Se
alguém apenas pisasse na luz dourada da manhã, seria capaz
de ver o que estive observando por horas...

A batida a porta me assustou.

— Elena — veio a voz familiar de Danika. — Quer café da


manhã?

O meu estômago roncou. Eu mal tinha tocado na comida


que Danika me trouxe na noite anterior, no entanto, se visse a
refeição preparada a minha frente, eu a comeria. O meu corpo
precisava disso.
Não conseguiria encontrar a cura com o estômago vazio,
não é?

Abri a porta para Danika. A seus pés, tão grande que


quase chegava aos joelhos de Danika, estava Babushka. Ela
me avaliou friamente, sua cauda espessa balançando atrás
dela.

— Esteve a sua porta a noite toda — riu Danika. — Estou


surpresa por ela não ter matado você.

Foi dito com bom humor, mas as palavras me deixaram


tensa. — Você e eu.

Danika percebeu minha reação e seu rosto se suavizou.


— Oh, Elena, sinto muito. Eu sei que só se passaram vinte e
quatro horas. — Ela deu um tapinha no meu braço
confortavelmente.

Ela estava se referindo à morte do meu marido, mas não


foi por isso que reagi.

Konstantin não colocará a mão em você, disse a mim


mesma racionalmente. A reação de Chicago seria muito severa.
Além disso, ele precisa de você para curar Tatiana.

— Não estou chateada. Só nervosa — disse a ela.

— Não posso dizer que te culpo. Lembro-me de minha


primeira noite sozinha com estes homens. Eu era um pouco
mais jovem do que você, sendo justa, mas ainda estava muito
nervosa... — parou de falar, seus olhos turvando levemente
enquanto ela desaparecia em sua mente.

Eu conhecia um episódio de estresse pós-traumático


quando via um e pressionei levemente seu braço, para não
assustá-la. — O que há para o café da manhã? Danika?

Danika piscou, voltando para a Terra. — Oh, desculpe...


— Apesar de estar pálida, ela me deu um sorriso brilhante.
Uma parte de mim se perguntou o quanto os sorrisos e piadas
escondiam o trauma em sua mente, mas não a cutucaria. Ela
devia sua privacidade, assim como eu devia a minha.

Eu também tinha problemas suficientes em minha vida,


e não precisava encarar o da outra, no momento.

— Café da manhã? — Repeti.

Danika acenou com a cabeça e começou a liderar o


caminho, o Gato Siberiano nos seguindo. Só nos perdemos
algumas vezes, mas os desvios permitiram que eu visse mais
da casa, embora a falta de móveis tornasse difícil catalogar
onde estávamos exatamente.

Foi o cheiro de bacon e ovos que acabou ajudando Danika


a encontrar a cozinha.

Eu estava esperando que o café da manhã consistisse


apenas em Danika e eu, em vez disso, quando chegamos à
cozinha, vozes e o barulho de pratos jorravam. Danika não
parecia incomodada ao empurrar as clássicas portas francesas
e declarar — Chegamos! Espero que não tenha comido todos
os croissants, Roman.

— Eu o impedi — alguém respondeu.

Danika me puxou para o espaço.

Percebi Konstantin primeiro. Ele estava sentado na ponta


de uma pequena mesa, recostado na cadeira e parecendo
estranhamente relaxado. O seu cabelo loiro estava penteado
cuidadosamente para trás, seu terno imaculado e seu relógio
de pulso brilhando zombeteiramente na luz da manhã. Um
verdadeiro cavalheiro, pensei.

Konstantin chamou minha atenção e sorriu lentamente.

Eu me virei, observando os outros membros da cozinha.


Reconheci Dmitri com sua pele pálida e olhos azuis gelados,
assim como Roman com suas bochechas tatuadas e expressão
de cachorro. Os dois rostos desconhecidos eram um homem e
uma mulher sentados ao lado de Konstantin à mesa.

A mulher graciosamente se levantou de onde estava


sentada, com o cabelo comprido que era uma sombra longe de
suas características brancas e delicadas. Ela sorriu
educadamente para mim. O homem permaneceu sentado, seus
olhos escuros me observando de onde estava. Como
Konstantin, também vestia um terno.

— Você dormiu bem, Sra. Falcone? — Perguntou


Konstantin.
— Muito bem — respondi. — O gato não me matou.

Olhei para seu rosto para ver um brilho de humor


florescer em sua expressão. — Sempre uma vantagem. — Ele
gesticulou com a mão ao redor da cozinha. — Você já conhece
Dmitri e Roman, mas não acredito que tenha conhecido
Artyom e Roksana Fattakhov. Artyom, Roksana, conheçam
Elena Falcone.

Roksana deu um passo à frente como se fosse apertar


minha mão, mas não ofereceu. — É um prazer conhecê-la. Está
com fome?

— Estou — disse.

Danika me arrastou para a mesa. Por cima do ombro, vi


Roman me lançando um olhar severo. Eu devolvi com um meu.

Acabei ficando entre Roksana e Danika, perto o suficiente


para sentir o peso do olhar de Konstantin sobre mim. Uma
parte de mim desejava ainda estar lá em cima, no meu quarto,
com fome, mas sozinha. Agora me sentia como se tivesse
entrado em algum café da manhã familiar.

Para minha total surpresa, Roman e Dmitri trouxeram a


comida para a mesa. Senti minha mandíbula afrouxar ao vê-
los colocar as pilhas de panquecas e bacon no meio da mesa.

— É a vez de Roman e Dmitri cozinhar — disse-me Danika


— então fique animada com sua futura intoxicação alimentar.

— Aconteceu apenas uma vez! — Roman atirou de volta.


Ela o ignorou e me deu um olhar significativo.

— Uma vez é o suficiente — digo para concordar com ela.

Danika se iluminou. — Exatamente, Elena! Penso


exatamente assim. — Ela olhou ao redor da minha cabeça,
dando a Roman um olhar zombeteiro. — Ouviu o que Elena
disse, Roman?

Roman murmurou algo em russo baixinho.

— Não vamos brigar — Roksana interrompeu, sua voz


flutuando acima da de todos. — Pobre Elena, não precisa ouvir
todas essas brigas.

Eu não me importei. Uma parte de mim achou


interessante ouvi-los discutir, especialmente Danika e Roman.
Se fosse intrometida, poderia ter perguntado a Danika sobre
isso, mas meu marido mal tinha esfriado, então não estava em
posição de entrar na vida amorosa de outra pessoa. Ouvi-los
discutir era suficientemente satisfatório.

Fiquei quieta enquanto conversavam sobre seus planos


para o dia, uma mistura de sotaques americanos e russos. Era
estranho ouvi-los falar sobre os mantimentos e a tinta que
precisavam comprar para a sala de estar. Alguém mencionou
que o encanador chegaria às três, então alguém tinha que estar
aqui para recebê-lo.

Claro, eles falaram de todas as questões domésticas da


casa; em minha mente, eu tinha-os construído como máquinas
mafiososas que só falavam de tráfico de drogas e extorsão.
— A que horas termina o dia de Anton? — Roksana
perguntou em um momento.

Dmitri olhou para o relógio. — Em três horas. Vou pegá-


lo.

Anton, imaginei, era filho de Dmitri. Não tinha visto


muitos sinais de que havia uma criança correndo pelo lugar,
mas não estava aqui há muito tempo. Talvez fosse uma criança
anormalmente tranquila.

Fui pegar uma segunda fatia de torrada, mas a voz fria de


Dmitri estalou — Isso não é para você.

— Dmitri — alertou Artyom.

Olhei para Dmitri, seus olhos azuis elétricos me


encarando. Mantendo contato visual, peguei o pedaço de pão
e coloquei no meu prato.

Alguém praguejou baixinho.

A fúria fria que tomou conta de seu rosto deixou a cozinha


mais fria. Os seus lábios se separaram, preparando-se para
entregar um insulto devastador, então...

— A Sra. Falcone é nossa convidada, Dima. — Era a voz


de Konstantin comandando a mesa; até mesmo o fragmento de
garfos e sons de mastigação pararam sob suas palavras.

Como se um interruptor tivesse sido acionado, os lábios


de Dmitri pressionaram, e se recostou na cadeira, recuando.
Passei manteiga na torrada, mas não tirei os olhos do
homem. O resto do café da manhã continuou sem problemas.

À medida que ia diminuindo, as pessoas começaram a


sair. Roksana flutuou para longe, dizendo algo sobre Tatiana,
com Dmitri e Artyom os seguindo com a intenção de ir
trabalhar, mesmo Danika saltou de pé, tropeçando no
processo.

Ela apertou meu ombro ao sair, olhando para Konstantin


e Roman com cautela.

— Vá cuidar de seus deveres, Danika — Konstantin disse


gentilmente.

Para minha surpresa, Danika me lançou um olhar de


desculpas ao sair. Por que se importou em me atirar aos lobos?
Mal nos conhecíamos.

Estreitei meus olhos para Konstantin. Ele estava


enxugando o canto da boca com um guardanapo, com os olhos
fixos em mim.

— Já que você ficará aqui indefinidamente, é apropriado


que eu lhe dê um tour — disse Konstantin, pondo-se de pé.
Roman também se levantou.

— Você não tem nada melhor para fazer? — Exigi. Estar


sozinha com Konstantin e seu cão guarda-costas não estava
no topo da minha lista de coisas que queria fazer.
— Claro — ele disse. — Eu seria negligente em deixá-la
vagar sem noção. Odiaria que você se perdesse e perdesse o
almoço.

— É uma casa grande, Konstantin — respondi. — Não é


um labirinto do minotauro.

Roman se afastou; poderia jurar que ele estava


engasgando com uma risada.

Konstantin riu. — De fato. Venha agora, Sra. Falcone.

Konstantin foi primeiro a sair da cozinha, buscando algo


que não consegui decifrar, antes de apontar para as portas
clássicas que levavam aos jardins.

— Você pode nos deixar, Roman — Konstantin disse


enquanto segurava a porta aberta para mim. O ar fresco da
manhã fez cócegas em minhas bochechas. — A Sra. Falcone
não me deseja mal. Não é?

— Saberá quando eu fizer isso — atirei, saindo.

Roman não queria ir embora e o ouvi trocar algumas


palavras com seu chefe. Konstantin deve ter vencido porque se
juntou a mim do lado de fora sem seu Pitbull. A sua palma
permaneceu fechada.

— O que você está segurando? — Perguntei.

Os seus olhos brilharam. — Curiosa?

— Eu não teria perguntado se não fosse.


As sobrancelhas de Konstantin se ergueram ligeiramente.
— Seu desrespeito é quase admirável, Sra. Falcone. O seu
marido apreciava?

Não. Os primeiros meses de nosso casamento foram uma


lição para eu morder a língua. Eu cresci com as minhas tias
beliscando minhas bochechas quando dizia algo sarcástico,
mas era mais fácil me controlar perto de alguém com quem não
vivia lado a lado. Tinha acordado, comido e vivido ao lado de
Thaddeo.

Esperavam-se alguns deslizes sarcásticos – e muito


rapidamente resultaram em punições. A dor fantasma apertou
meu braço, a sensação de seu aperto ainda proeminente em
minhas memórias.

Está tudo em sua cabeça, disse a mim mesma com


severidade. Supere isso.

A dor não diminuiu.

— Não? — Konstantin respondeu à sua própria pergunta.


— Thaddeo deveria ser mais paciente do que eu pensava. — A
sua cabeça se virou para mim, seus olhos muito conhecedores.
— Ou não.

— Poderia perguntar a ele se não estivesse morto. — Fiz


um gesto para o jardim indisciplinado, as flores crescidas e
raízes selvagens. Os caminhos eram apenas pedras soltas
pontilhando espaços abertos entre as plantas, sem forma ou
entalhada. — Por que estamos aqui?
— Para sua própria segurança, precisa estar
familiarizada com os cães. — Konstantin me conduziu pelo
jardim, em direção ao aglomerado de árvores. À medida que se
aproximava, a vegetação rasteira se mexeu e uma enorme
cabeça peluda apareceu.

Aproximei-me mais, minha curiosidade superando meus


instintos de sobrevivência. — Eles não são ursos ou lobos.

Konstantin abriu a palma da mão, revelando uma coleção


de guloseimas em forma de osso para cães. — Estenda sua
mão.

Estendi e ele jogou as guloseimas nela.

— Não os deixe roubarem de você. Se suspeitarem que


você é um capacho, não hesitarão em tirar vantagem. — Ele
lançou seus olhos para a floresta. — Precisa ter certeza de que
eles sabem que você é o alfa, e um amigo.

— Tenho certeza que eles já sabem quem é seu alfa —


murmurei.

Konstantin sorriu, mas não disse nada. Ele levou os


dedos aos lábios em vez disso e assobiou alto.

A cabeça peluda saiu do arbusto e...

Eu me afastei. — É enorme.

Não admira que eu tivesse suspeitado que eram ursos ou


lobos. Diante de mim estava o maior cachorro que já tinha
visto. Eu era alta, mas o cachorro ultrapassou facilmente meu
quadril, seu nariz alto o suficiente para alcançar meu pescoço
se quisesse. Ele tinha pêlo quase preto, com exceção de
manchas marrons mais claras ao redor do nariz e patas.

— Eles são matadores de ursos — disse Konstantin. —


mais comumente conhecido como Cães Pastores Caucasianos.

O enorme cachorro se aproximou de mim, seus olhos


escuros treinados nas guloseimas em minha mão. Eu as
agarrei mais forte por instinto. Se ele fosse atrás delas,
provavelmente poderia levar todo o meu braço com elas.

Konstantin ficou ao meu lado, sua presença


momentaneamente me distraindo do cachorro. — Eles
guardam a propriedade e os seus habitantes. Vão protegê-la
também – se você provar seu valor.

— Por provar meu valor, você quer dizer alimentá-los com


alguns doces com sabor de frango?

— Sabor de carne. Eles não ligam muito para frango.

Olhei para ele. Ele parecia estranhamente confortável


neste jardim, apesar de estar vestido com um terno de mil
dólares com sapatos mais limpos e mais caros do que qualquer
coisa que eu já tivesse chegado perto. Konstantin sentiu meu
olhar e olhou para mim.

Percebendo de repente, o quanto ele era mais alto do que


eu.
Sempre fui mais alta do que a maioria das pessoas que
conhecia. Eu tinha parado de crescer a um metro e setenta e
sete, para desgosto da minha família. A minha altura, que
obtive dos homens da família, me tornou capaz de
subconscientemente (ou conscientemente) condescender com
aqueles mais baixos do que eu, e se havia uma coisa que os
homens da minha família odiavam, era ser condescendente;
afinal não podiam ter nenhuma competição.

— Por que você está com uma expressão tão estranha no


rosto? — Ele perguntou. Os seus olhos dispararam para as
palavras ao longo dos meus braços e mãos, como se elas
pudessem fornecer uma pista do que estava acontecendo
dentro da minha cabeça.

— Não é da sua conta — disse.

As sobrancelhas de Konstantin se ergueram. Duvidava


que alguém tivesse usado um tom assim com ele por um longo
tempo – ou nunca. — Oh, é mesmo? — Ele se virou para o
cachorro. — Você é bem-vinda com seus segredos, Sra.
Falcone. Mesmo que suas maneiras sejam atrozes.

Ninguém nunca me permitiu ter os meus segredos. Eu os


tinha, cuidava deles e os regava, mas era outra parte de mim
que minha família e meu marido deveriam ter.

— Elena — disse antes que qualquer outro pensamento


pudesse se formar em minha mente.
— Elena? — ele repetiu, o seu sotaque acariciando as
sílabas tão intimamente que quase esqueci o resto da minha
frase.

Eu me recompus, endireitando minhas costas e


encontrando seus olhos de frente. — Preferiria ser chamada de
Elena. Odiava ser uma Falcone e odeio ser chamada de Sra.
Falcone.

— Claro... Elena. — A maneira como disse meu nome me


fez lamentar a minha decisão. Ele fez soar como se fôssemos
amigos, quando certamente não éramos.

Estar tão perto dele, olhando para ele – não gostei.

Para tentar amortecer a estranha aceleração do meu


coração, mudei de assunto e perguntei — Estendo minha mão?

— Ele não é uma alpaca — disse Konstantin. — Jogue


para ele uma guloseima ou os outros vão pegar.

Enquanto ele dizia essas palavras, as sombras da floresta


mudaram e mais cães saíram. Agruparam-se como uma
matilha de lobos, olhos escuros fixos em Konstantin e em mim.
Alguns até procuraram seu mestre por um arranhão e
lambida, mas o cheiro atraente de suas guloseimas fez com
que sua atenção se voltasse para mim muito rapidamente.

Um cachorro enterrou o nariz no meu estômago, o seu


cheiro úmido me fazendo franzir o rosto.
— Diga a eles para recuarem, Elena — Konstantin me
lembrou.

— Deixa comigo. — Empurrei suavemente o rosto do


gigante. — Sente, sente.

Este comando o fez recuar um pouco, mas não o


suficiente para me dar qualquer espaço pessoal real. Peguei
uma guloseima e joguei para um dos cachorros mais longe.
Agruparam-se ao redor do sortudo, mas ele engoliu a
guloseima antes que pudessem alcançá-la, com o rabo
balançando tão rápido que raspou alguns dos arbustos
embaixo dele em novas posições.

Eventualmente, aprenderam que se recuassem, teriam


maior probabilidade de receber um lanchinho.

Não foi tão ruim, na verdade.

A verdade, os cachorros eram meio fofos, apesar de seu


tamanho assustador. Estavam cobertos de penugem, fazendo
com que parecessem enormes ursinhos de pelúcia, exceto
pelos dentes afiados que apareciam de vez em quando,
arruinando a ilusão.

Tinha ouvido algumas pessoas mencionarem como


achavam que alimentar patos ou peixes era relaxante. Para
alguém que nunca relaxou, alimentar esses cães foi bem...
agradável.

Embora não fosse revelar isso a ninguém, especialmente


ao Pakhan russo.
— Estou impressionado — disse Konstantin quando
minha palma estava vazia. — Você não alimentou nenhum
deles duas vezes, até eu fico confuso sobre quem é quem às
vezes – alguns detalhes são idênticos.

Revirei meus olhos. — Não me trate com


condescendência.

— Não estou. — Gesticulou de volta para a casa. — Deixe-


me fazer um tour oficial, agora que os cães aceitaram você no
rebanho.

— E se eles não tivessem?

— Então não teria me incomodado — respondeu, dando


um passo à frente. — Qual seria o objetivo de perder tempo por
aí?
6

Elena Falcone

Ser chefe da Bratva não desse certo, Konstantin poderia


ter um futuro muito promissor como guia turístico. Ele me
conduziu ao redor da casa, através dos cômodos elegantes,
mas vazios, apontando a história e as melhores rotas de fuga.
Deixou claro em quais áreas da casa eu não era bem-vinda sem
permissão; quartos específicos, corredores e escritórios.

Eu morreria de tédio se meus instintos de sobrevivência


não estivessem em alerta.

Andando pela própria casa, relaxado e seguro,


Konstantin fazia os pelos da minha nuca se arrepiarem. Algo
nele parecia perigoso, parecia alerta. Como uma cobra deitada
ao sol, quieta e calma, mas com suas presas venenosas sempre
prontas.

Que exaustivo, pensei.

— E aqui termina nosso tour — disse, diminuindo a


velocidade a frente de duas portas. — Eu guardei o melhor para
o final.

— Outra sala vazia? Estou chocada.


Konstantin sorriu ligeiramente, mas não respondeu.
Empurrando as portas, revelando a sala para mim.

Deve ter sido um salão de baile ou até mesmo uma sala


de jantar formal, mas agora as estantes de livros cobriam as
paredes, iluminadas pelo telhado de vidro. Apenas algumas
das estantes no entanto, continham livros, com a maior parte
da biblioteca empilhada em pequenas montanhas.

A excitação floresceu dentro de mim.

A biblioteca tinha sido um dos meus lugares favoritos,


enquanto crescia. Eu costumava vagar pelas prateleiras, em
busca de qualquer conhecimento ou fato vago que pudesse
absorver e guardar para sempre. A minha mãe costumava me
repreender quando saía com uma pilha de livros nos braços.

Elena, coloque um pouco de volta, ainda posso ouvi-la me


repreendendo. Você não lerá todos eles.

Eu dei um passo à frente, pegando a pilha de livros mais


próxima. Os Títulos russos misturados com inglês me
saudaram, alguns familiares, alguns estranhos. A maioria
eram contos de fadas, mas alguns textos acadêmicos foram
filtrados. Um baque forte chamou minha atenção.

Descendo de uma estante alta, Babushka pousou em


uma torre de livros. Ela se sentou nele, seu rabo balançando
irritadamente enquanto me observava.

— Ah, Tsaritsa Babushka — cumprimentou Konstantin.


— Estava me perguntando para onde tinha ido.
Ela manteve seu olhar fixo em mim.

Eu a ignorei. Já tinha problemas suficientes sem


adicionar um gato temperamental à lista.

— O que acha da minha biblioteca, Elena? — perguntou


o Pakhan atrás de mim.

A sua pergunta me lembrou que eu estava de costas para


ele e me virei para encará-lo. — Não é uma biblioteca ainda —
disse a ele. — É uma coleção de poeira.

Os olhos castanhos de Konstantin brilharam. — Penso


exatamente assim. Talvez possa catalogá-los, como
compensação por morar em minha casa sem pagar aluguel.

— Você disse que eu tinha que morar aqui — retruquei.

— Disse.

— Além disso, não pode alterar as condições do nosso


acordo depois de concordarmos com ele. Não é assim que os
contratos funcionam.

Isto o fez rir. — Posso fazer o que eu quiser, Elena. Esta


é minha casa, meu território, e você é uma convidada.

Percebi de repente – estúpida e tardiamente – que


Konstantin não tinha motivos para atrasar sua parte no
negócio. Por que iria? Ele comandava agora toda Staten Island
e seus habitantes. O que era uma viúva sem um tostão para
ele?
Precisava fazer um movimento com Tatiana, provar meu
valor e ganhar alguma posição. Eu me sentia agora, como uma
menina ingênua, implorando a este chefe russo para ter
misericórdia de minha terna alma.

O que não foi o caso. Eu não permitiria que fosse o caso.

Eu tinha estado à mercê de alguém antes, e não tinha


terminado bem para eles. Ambas as vezes.

— Preciso examinar Tatiana — disse. — Você já


desperdiçou o suficiente do meu tempo.

As suas sobrancelhas se ergueram. — Você acha que


aprender a configuração da sua nova residência é uma perda
de tempo, talvez não seja tão inteligente quanto pensa que é.

Eu apertei minha mandíbula, mas mordi minha língua.

— Sem resposta? — Por um segundo, pensei que ele


parecia desapontado. A sua expressão suavizou rapidamente,
me fazendo pensar que era um truque da minha imaginação.
— Muito bem, por aqui.

Konstantin me conduziu por corredores familiares até o


quarto de Tatiana. Chegando lá, ele se virou para mim e disse
— Eu seria negligente se não perguntasse, mas seu falecido
marido alguma vez mencionou algum tipo de chave?

Mantive minha expressão clara. — Uma chave?

— De fato. — Os seus olhos examinaram minha


expressão.
— Não — forcei para fora. Os meus apertaram as minhas
palmas. — A menos que você queira dizer a chave da porta da
frente. Então sim.

Konstantin não acreditou em mim. Claro, ele manteve


sua expressão perfeitamente suave e educada, mas o brilho em
seus olhos me disse que ele sabia que eu estava mentindo.

A minha mente formou uma imagem daquela porra de


chave. Esta coisa tinha me colocado em mais problemas do que
valia – e pretendia me colocar em um pouco mais.

Limpei minha mente da imagem, como se Konstantin de


repente tivesse se tornado telepático.

— Bem, se você se lembrar de alguma coisa, me avise.

— Por quê? — Perguntei antes que pudesse me impedir.


— Por que você se preocupa com algumas chaves?

Eu não pude ler sua expressão. — Esta chave é muito


importante, Elena. Odiaria que caísse nas mãos de alguém
com intenções menos que nobres.

— Então, devemos orar para que não coloque as mãos


nela, certo?

Ele riu baixinho, perigosamente. — As ferramentas dos


homens não são inerentemente más; é como são usadas.

O meu cérebro parou por alguns segundos enquanto


absorvia suas palavras, acrescentando definições e
compreensão a elas.
As ferramentas dos homens não são inerentemente más...

Não havia nenhuma maneira. Estava fora de questão.


Como ele poderia saber disso? Era impossível.

É como são usadas...

Palavra por palavra. Idêntico. Como se estivesse lendo


diretamente da página.

— Algo errado, Elena? — Konstantin perguntou, sua voz


cortando minha crescente confusão.

É apenas uma coincidência, disse a mim mesmo. Como ele


poderia saber?

— Não, não há nada de errado. — Endireitei meus


ombros.

Konstantin sorriu ligeiramente e gesticulou para a porta.


— Tatiana está esperando por você. Se precisar de alguma
coisa, é só pedir. Não há gastos muito altos para a saúde de
Tatiana.

Com isso, Konstantin saiu, caminhando pelo corredor


como se as portas e janelas estivessem se curvando para ele.
Se eles tivessem sido animados, talvez sim.

— Tatiana — disse enquanto batia suavemente a porta,


espiando minha cabeça para dentro. — É Elena.
Tatiana estava na mesma posição de ontem, encostada a
cabeceira da cama e rodeada por máquinas bipando, embora
frágil e exausta, havia um sorriso brilhante em seu rosto.

— Elena, você conheceu meu filho?

Olhei para o seu lado. Deitado de costas, pernas


levantadas, era uma criança de dois anos de idade. Era uma
imagem cuspida de Dmitri, embora pudesse ver Tatiana em
suas feições. Estava vestindo uma camisa com um super-herói
e sorriu bobo para mim quando entrei.

— Ello, Lena — cumprimentou, o seu discurso


atropelando a pronúncia do meu nome.

— Olá, Anton. — Entrei no quarto, e o cheiro insuportável


de produtos de limpeza passou por mim. Fazendo-me pensar
em hospital.

— Elena vai ajudar mamãe — Tatiana disse a ele,


alisando seu cabelo preto como breu.

— E irmãzinha?

— E irmãzinha — Tatiana confirmou. Ela me chamou


para frente, seus olhos permaneceram brilhantes. — Espero
que Kostya não tenha te enfurecido muito. Ter uma conversa
com Konstantin é como jogar uma partida de xadrez.

Esta talvez fosse a declaração mais verdadeira que já


ouvi. Eu bufei em concordância. — Nada que não possa lidar.
Ela sorriu e coçou a barriga de Anton. Ele riu em protesto,
balançando-se sobre a cama e se jogando com cuidado no
chão. Ele soltou um alto — Oopsie! — enquanto caía no chão.

— Você está bem, querido? — Tatiana perguntou.

Ele usou o lado da cama para ajudá-lo a se levantar. —


Sim, sim. — Os dedos gordinhos, empurrando o cabelo para
trás, mas voltou a avançar segundos depois, bloqueando seus
olhos.

Tatiana riu, o som iluminando a sala. — Garoto bobo,


olhe para você!

— Posso voltar mais tarde — arrisquei. Eu não era muito


sentimental, mas algo sobre terminar este momento entre esta
mãe doente e seu filho parecia muito cruel – até mesmo para
mim.

Ela olhou para mim como se tivesse esquecido que eu


estava no quarto. — Oh, não, está tudo bem. Você está aqui
agora.

Examinei o quarto, a minha atenção pegando uma pasta


no final da cama.

— Os meus registros médicos — Tatiana respondeu antes


que eu perguntasse. — Achei que poderiam ser úteis.

Seriam, e isto me pouparia ter que brincar de médico.

— Posso dar uma olhada em suas unhas?


Ela estendeu sua mão e vim me sentar ao seu lado na
cama. Anton, para não ficar de fora, subiu de volta e se
arrastou até nós.

As unhas de Tatiana estavam como no dia anterior, com


a cor cinzenta e turva nos cantos. A descoloração era
frequentemente um sintoma de envenenamento, seja da
língua, dos lábios ou das unhas.

— Quando você... — olhei para Anton. Ele deveria estar


ouvindo isso?

— Está tudo bem — Tatiana disse. — Adoeci há alguns


meses, muito rapidamente. Senti como se tivesse acontecido
durante a noite.

— Quais foram seus primeiros sintomas?

— A princípio, senti que estava resfriada — explicou. —


Estava grávida, por isso considerei uma doença no primeiro
trimestre, mas então... piorei.

Verifiquei novamente seus lábios e língua, ambos ainda


cor de rosa. Se não fosse pelas unhas, Tatiana não apresentava
nenhum outro sinal de envenenamento, mas meu instinto
dizia que foi veneno e meus instintos geralmente estavam
corretos.

— Eu sei que isso pode soar estúpido, mas experimentou


algum alimento novo? Ou comeu qualquer coisa que não viu
ser preparado?
Tatiana balançou a cabeça. — Normalmente, vamos a
restaurantes, mas temos nos escondido desde que chegamos a
New York. Tenho comido exclusivamente refeições caseiras
desde fevereiro.

Mordi meu lábio inferior. — Você tem comido muita carne


vermelha?

As suas sobrancelhas se franziram. — O quê?

— Bem, as unhas cinzentas são um sintoma de


envenenamento por zinco. — Soltei a sua mão. — Uma
pequena quantidade é boa para você, mas muito pode ser
perigoso.

— Konstantin nunca nos alimentaria com nada além do


melhor — respondeu. — Eu testei negativo para
envenenamento por zinco.

Anton ficou entediado conosco e enterrou o rosto na


barriga inchada de Tatiana, murmurando algo sobre sua
irmãzinha.

Eu não tinha certeza do que havia de errado com Tatiana.


Se ela tivesse sido envenenada com arsênico ou algo tão
comum, os sintomas seriam muito mais óbvios; de erupções
cutâneas, diarreia e hiperpigmentação. Talvez fosse
envenenamento por prata? Por que uma mulher rica nos
Estados Unidos seria exposta a grandes quantidades de prata
e só teria unhas cinzentas para mostrar?

— Quais são os seus outros sintomas? — Perguntei.


— Exaustão, tosse, dores nas articulações... — Tatiana
parou. — Porém, os médicos nunca possam decidir o que é um
sintoma de gravidez ou minha doença.

Tratá-la seria difícil. As mulheres grávidas não podiam


tomar certos medicamentos, ou então arriscavam a vida do
bebê.

— O bebê? — Perguntei. — Está crescendo normalmente?

— Ela é um pouco pequena — disse Tatiana. — Anton era


muito maior nesta fase, mas está crescendo sucessivamente.
— Os seus olhos se arregalaram de repente e Anton ergueu a
cabeça de alegria — Mamãe, ela chutou!

Tatiana agarrou minha mão. — Quer sentir? — Ela não


esperou pela minha resposta e pressionou minha palma em
sua barriga inchada.

Senti uma forte pressão contra minha mão, em segundos,


como se alguém tivesse me dado um pequeno soco.

A palavra florescendo derrapou em meu cérebro.

— Oh — arranquei minha mão do aperto de Tatiana. —


Ela parece bem.

— Dmitri e eu a chamamos de Nikola — disse


afetuosamente, esfregando seu estômago redondo. — Será tão
bom ter uma garota.

— Irmã Nika — murmurou Anton, pressionando seu rosto


contra o estômago de Tatiana mais uma vez. — Nika, Nika!
Senti um buraco começando a se forma no fundo do meu
estômago. Tatiana significava algo para as pessoas ao seu
redor. As pessoas a amavam e precisavam dela.

Se ela morresse...

Eu me levantei abruptamente, o movimento foi tão


surpreendente para Tatiana, que Anton saltou. — Vou ler seu
arquivo. Apenas, uh, me deixe saber se alguma coisa mudar.

Os seus olhos calorosos me avaliaram, vendo algo que


não queria mostrar. — Obrigada por me ajudar.

Tentando ajudar, queria corrigir. Tentando, porque não


tenho a menor ideia do que há de errado com você e não quero
ser o motivo de seu filho ficar órfão, ou deixado sozinho com
Dmitri.

Peguei o arquivo em vez disso, disse um adeus vazio e saí


rapidamente. A voz jubilosa de Anton me seguiu.

Encostei-me a parede no corredor, respirando


profundamente.

O que eu me meti? O que estava fazendo?

Eu nunca fui a pessoa mais carinhosa do mundo, nunca


fui aquela que desistiu do último pedaço de bolo ou se levantou
para idosas no ônibus, mas esta mulher doente...

Podia sentir as paredes desabando, o chão subindo, o


telhado pressionando...
— Elena?

Respirei fundo, virando minha cabeça. Danika estava no


final do corredor, seu suéter rosa brilhante tornando-a difícil
de perder.

— Você está bem?

Acenei com a cabeça. A minha mente clareou e percebi o


quão forte estava segurando os arquivos médicos de Tatiana, e
afrouxei o meu aperto. — Bem.

Ela olhou para a porta de Tatiana, ouvindo Anton e sua


mãe dentro. A sua expressão se suavizou em compreensão. —
Sei que é difícil.

— O que é difícil? — Eu não tinha a intenção de soar tão


dura, especialmente porque Danika era aparentemente minha
única aliada – no sentido mais amplo do termo, mas realmente
não queria discutir isso. — Estava procurando por mim?

Danika acenou com a cabeça. — Konstantin quer nos


informar sobre o terceiro assassinato. Está esperando por nós
em seu escritório.

— Terceiro assassinato? — Afastei-me da parede. — Do


que você está falando?

— Você não sabe? — Os seus olhos procuraram minha


expressão. — Thaddeo realmente nunca disse nada?

Eu balancei minha cabeça.


— Estranho... — suas bochechas de repente ficaram
rosadas. — Desculpe, sei que ele está morto, e não é certo falar
mal dos mortos. — Danika deu um tapinha no meu braço. —
Vamos, sim? Vou te acompanhar.

A minha mente voltou para o jornal que havia deixado no


balcão da cozinha. Parecia uma vida inteira atrás, apesar de
ter sido ontem. — Tem algo a ver com Eithne McDermott?

— A segunda vítima — confirmou Danika. Começamos a


caminhar em direção ao escritório, Danika descrevendo tudo
que eu precisava saber. — Três mulheres foram assassinadas
nos últimos meses. A primeira foi Letizia Zetticci – foi
envenenada. Depois, Eithne McDermott. Acho que foi atingida
na nuca. Kostya nos contará sobre a terceira, uma mulher
chamada... bem, Roman a chamava de Melanie, mas acho que
ele estava tentando me enganar.

Franzi a testa. — Então? Mulheres morrem o tempo todo,


Danika. Por que o seu Pakhan se preocupa com estas?

Chegamos ao escritório de Konstantin. Danika


pressionou a porta, me dando um olhar estranho. — Não
mencionei? Todas as mulheres tiveram os seus dentes
removidos post mortem. — Com isso, ela entrou no escritório,
comigo logo atrás.

— O que quer dizer com todos os dentes foram


removidos? — Exigi.
— Ela quis dizer — veio a voz ronronante de Konstantin
— que os corpos das três mulheres foram encontrados
desdentados.

Sentado à escrivaninha, Konstantin estava recostado a


cadeira, com a porra do gato Babushka confortável em seu
colo. Encostado a parede atrás dele, Roman estava nas
sombras, o lábio superior enrolado. A outra pessoa no
escritório era Roksana, sua cabeça de cabelos loiros brancos
visíveis por cima de uma cadeira.

— Sentem-se, senhoras. — Konstantin acenou com a


mão, a outra acariciando Babushka. — Danika, atualizou
Elena?

Danika piscou para Konstantin como se algo a tivesse


surpreendido. — Sim, atualizei Elena. — O seu olhar se moveu
para mim em questão, mas não disse nada.

Roksana olhou por cima da cadeira em que estava


sentada, seus olhos cinzas me observando. Ela me deu um leve
sorriso, como se não tivesse certeza do que fazer por eu estar
aqui.

— Uma terceira mulher foi encontrada morta — disse


Konstantin, indo direto ao assunto. — Mallory Nicollier, filha
de Claude Nicollier. O seu pai faz parte da União de Lefebvre.

— Você disse Melanie — Danika dirigiu essa acusação a


Roman.
O seu escárnio desapareceu por um segundo para sorrir
para Danika. — Eu disse? Opss.

Konstantin não considerou suas brigas. — O Sindicato


ainda não reagiu, mas quero que fiquem em alerta. Incluindo
você, Elena.

Examinei sua expressão, a realização se estabelecendo


em meu intestino. — Você acha que alguém está matando
essas mulheres e removendo seus dentes?

— Pensei que havia dito que eram trabalhos internos. —


Isso veio de Roksana. Ela parecia muito mais preocupada do
que eu.

— Talvez sejam — disse Konstantin. — Mas até que


tenhamos certeza, não vamos correr nenhum risco. Artyom irá
dizer-lhe, Roksana, mas terá de levar Mikhail consigo ao ballet.

Roksana não pareceu satisfeita com o comando de


Pakhan, mas assentiu. — Claro, senhor.

— Vou me certificar de que ele use um terno —


Konstantin a assegurou.

Ela forçou um sorriso, mas ninguém no escritório se


convenceu.

A antipatia de Roksana por este “Mikhail” ou o ato de ter


um guarda-costas me interessou. As mulheres que cresceram
na máfia estavam acostumadas a ter mais proteção, pois se
acreditava que não poderiam se defender contra um inimigo se
a situação surgisse. Roksana não parecia ser do tipo que
quebrava o molde – embora realmente não a conhecesse.
Então, que era eu para dizer?

— O Sindicato respondeu? — Danika perguntou.

Olhei para ela. A sua expressão permaneceu brilhante e


amigável, mas seus olhos se endureceram em uma expressão
de cálculo.

Você a subestimou, Elena, disse a mim mesma.

— Não, continuam quietos — respondeu Konstantin, sem


esconder nenhuma informação.

Danika enfiou as pernas sob ela. — Estranho —


murmurou. — Embora Lefebvre nunca tenha reagido
rapidamente.

Como ela sabia disto? Ouvindo trechos de conversas ao


longo dos anos, eu sabia que Lefebvre era o líder de uma União
da Córsega localizada ao redor da Dakota do Norte e
Minnesota. Eu não conhecia nenhum de seus traços de
caráter. Nunca tinha tido acesso a eles.

Por que Danika tinha?

— De fato — Konstantin concordou. Os seus olhos


castanhos claros focados em mim. — O seu marido mencionou
alguma coisa?

— Não. Eu só sabia que Eithne McDermott estava morta


por causa do jornal. — Peguei os arquivos médicos de Tatiana
no meu colo. — Thaddeo nunca compartilhou muito sobre seu
trabalho comigo.

Roman bufou. — Eu te falei isso.

Eu não tinha certeza a quem se dirigia até que Konstantin


acenou com a cabeça — você falou.

Obviamente, estavam discutindo sobre mim a portas


fechadas. Eu era, tecnicamente, uma ameaça à segurança,
mas ainda saber que estavam decifrando quanto conhecimento
eu tinha sobre a organização Falcone me incomodava. Tive
vontade de dizer a eles que sabia muito mais do que pensavam,
mas mantive minha boca fechada.

— Isso é tudo? — Perguntei. — Tenho coisas para fazer.

Roman deu um passo à frente, pronto para dizer algo,


mas Konstantin levantou a mão. Imediatamente, seu Pitbull
voltou ao seu posto.

Eu dei a ele um sorriso venenoso.

Roman mostrou os dentes em resposta.

— Estão todos dispensados. Danika, se me permite ter


uma palavra...

Saindo, olhei para os arquivos médicos e pensei: o que


diabos devo fazer agora?
7

Konstantin Tarkhnov

Os profundos buracos cavernosos perturbaram o outrora


perfeito jardim da propriedade Falcone. Os meus homens
espalharam a terra, pás na mão, pingando de suor com o
passar do tempo.

— Estamos ficando sem lugares para procurar — digo.

Feodor Rodzyanko assentiu ao meu lado. — Falcone pode


ter sido mais inteligente do que pensamos. — Ele riu assim que
as palavras saíram de sua boca. — Ha! Duvido. Ainda não
verificamos o terreno sob a estufa.

— Aquela estufa existe há muitas décadas. Seríamos


capazes de dizer se Thaddeo a tivesse corrompido. — Examinei
os buracos, como se entre a terra e as raízes pudesse localizar
o tesouro que procurava.

— Você já perguntou a sua linda viúva? — Feodor


perguntou. — As mulheres gostam de ouvir conversas. Tenho
certeza que ela sabe de alguma coisa.

A linda viúva de Thaddeo sabia de algo. A verdade, a


reação de Elena quando mencionei isso para ela me mostrou
não só que sabia da chave, mas a tinha visto. A sua mentira
foi sutil, quase imperceptível se não estivesse procurando por
ela, mas por trás de seus olhos verdes escuros havia um
lampejo de familiaridade... Um lampejo de medo.

— Ela sabe — digo.

Ele virou a cabeça para mim. — Sabe? — Perguntou. —


Ela sabe onde está?

— Elena negou saber qualquer coisa sobre. — Olhei para


a mansão Falcone, onde Elena viveu por quase um ano.
Haveria provas lá de que ela construiu um lar? Era tão frio e
perfeito quanto o jardim?

— Você conseguiu que sua pequena interrogadora


perguntasse a ela?

Eu sorrio com sua descrição de Danika. Pequena


Interrogadora era um dos nomes mais condescendentes que os
homens mais velhos lhe deram ao longo dos anos. Incomodava
Roman muito mais do que incomodava Dani; ela sempre riu do
título.

Para crédito de Feodor, era bastante preciso. Danika não


era muito alta e era uma das melhores interrogadoras do
mundo.

A única pessoa que alguma vez foi imune a seus encantos


e inteligência foi Roman. Talvez ter crescido nas ruas o tornava
mais difícil de quebrar do que qualquer outra alma média, ou
talvez sua atitude significasse que Danika nunca quis chegar
perto o suficiente para realmente tentar dissecar informações
dele.

Seja qual for o motivo, ambos muitas vezes se


encontraram em lados opostos. Lutando como crianças no
parquinho.

— Danika — digo — mal começou a interrogar Elena. Ela


até agora, decifrou o casamento e a relação de Elena com os
Falcones. Qualquer outra coisa levará tempo. Elena não é
muito acessível.

— As mulheres adoram conversar — disse Feodor. —


Tenho certeza que ela começará a compartilhar em breve.

Desconsiderando suas visões estereotipadas sobre as


mulheres, Feodor tinha razão. Danika nunca falhou uma
única vez, e com o tempo, era garantido que Elena acabaria
compartilhando uma informação que seria vital.

— Veremos — respondi.

Uma parte estranha de mim esperava que ela não


sucumbisse a Danika, que mantivesse seus segredos bem
trancados. Apesar de não ser para meu benefício ou a minha
Bratva.

Feodor estreitou os olhos para mim. Ele me conhecia


quando era criança e ainda me conhecia como um chefe da
máfia. — Artyom mencionou que a viúva de Thaddeo mora na
casa.
— Elena insiste que sabe o que há de errado com Tatiana
e pode curá-la. — Olhei para Feodor. — Há algo que queira
dizer?

Ele não perdeu tempo. — Agora, mais do que nunca, você


precisa se afirmar como uma figura poderosa e uma pessoa
disposta a jogar bem com as outras organizações. Desfilar com
a viúva do seu inimigo não é...

Eu rio. — Desde quando você se tornou um publicitário e


tanto? — Em sua expressão, digo — Elena é minha convidada.
Tem a bênção dos Rocchettis e eu de ficarmos em New York.
Não há razão para se preocupar, Feodor.

— Os Rocchettis... o Don de Chicago deu permissão?

Havia apenas uma permissão à qual Feodor estava se


referindo.

— Chefe! — Gritou uma voz antes que eu pudesse


responder.

Imediatamente, Feodor e eu nos viramos, esperando por


boas notícias; em vez disso, um dos meus homens apontou
para um buraco, sua expressão tensa. — Batemos em um
tubo.

A água estava enchendo o buraco em questão, lamacenta


e opaca. Se a chave estava lá, estava a metros debaixo d’água
nojenta e a dias de ser útil para mim.

— Precisamos encontrar esta chave, Kostya...


— Estou ciente. — Cortei Feodor e gesticulei para os
homens. — Continuem. Não deixaremos esta propriedade até
encontrarmos a chave.

Cerrei minha mandíbula. Deveria ter mantido mais


Falcones vivos. Derrubar a família teria sido mais difícil, mas
haveria mais pessoas que sabiam onde estava essa chave.

Você tem uma Falcone sobrando, disse uma vozinha no


fundo da minha cabeça. A imagem de Elena veio à mente, seus
longos cabelos castanhos lisos emoldurando suas feições
afiadas, mas selvagens. Mesmo em minha mente, seus olhos
se estreitaram com irritação e seus lábios se separaram
enquanto ela dizia algo sarcástico.

Eu me virei e me dirigi para a mansão, afastando meus


homens que tentavam me acompanhar. Roman cagaria um
tijolo quando descobrisse que eu tinha entrado na casa de
nossos inimigos sozinho, mas todos os nossos inimigos
estavam mortos, ou aqueles que não estavam em breve
estariam.

Como esperava, o gosto de Falcone ia do mundano ao feio.


O layout não era complicado – uma falha de design por parte
dele – e facilmente encontrei seu escritório. Enquanto o resto
da casa era simples, o escritório de Thaddeo era o mais
intrigante e interessante. Obviamente seria onde ele passava a
maior parte do tempo, apesar do fascínio de Elena lá fora e lá
em cima.
Homem estúpido, pensei examinando a sala, mas a perda
de um homem é o tesouro de outro.

Os meus homens já haviam invadido a mansão Falcone,


vasculhando todos os documentos e cofres. Não havia mais
nada para ser lido ou visto.

Thaddeo viveu na Terra durante trinta anos e não deixou


qualquer marca real. Levou apenas uma hora para aprender
tudo o que podíamos sobre ele, memorizar seu legado e depois
jogá-lo fora com sua carne e ossos, mas nada sobre aquela
chave foi encontrado.

Um segundo olhar em seu escritório se mostrou inútil,


com os únicos objetos notáveis sendo seu telefone e um frasco
de medicamento para o coração. O telefone foi vasculhado, mas
não havia nada que já não soubéssemos.

Eu me vi andando pela casa. Gostava de correr as mãos


ao longo das paredes de Thaddeo e caminhar pelo chão com
meus sapatos. Isto era tudo meu agora – não queria nada
disso.

Muitos dos meus homens, especialmente Roman,


estavam ansiosos para queimá-la. O último ato final contra
nossos inimigos; mas gostava de mantê-la aqui, gostava de
mostrar a todos que invadira o local de descanso de Thaddeo
e atirei em sua cabeça.

Ele não estava seguro, e nem eles.


Os atos violentos e barulhentos nem sempre eram o
caminho certo a percorrer. Lembretes silenciosos e
assustadores, às vezes, serviam melhor a um Rei.

Saindo, atravessei a cozinha. Para minha surpresa, foi o


primeiro lugar em que encontrei qualquer sinal de que Elena
havia morado aqui. Uma pilha próxima à porta dos fundos, que
dava para o jardim, havia uma torre de livros gasta e um vaso
de flores cheio de uma flor lilás vibrante.

Peguei o livro no topo da pilha, jogando-o entre minhas


mãos. Estava gasto e velho, dedicado a outra pessoa com uma
caligrafia desbotada.

A porta se abriu de repente trás de mim, e Feodor entrou


como um furacão, sua voz estrondosa entrando na sala antes
dele. Raiva e nojo dominaram suas feições.

— Kostya, outra mulher foi encontrada.

Eu não me virei. — Quem? — Perguntei sombriamente.

— Annabella Benéitez.

Virei-me lentamente para observar a expressão de


Feodor. Parecia como me sentia. — A neta de Eleazar.

Feodor acenou com a cabeça. — Foi encontrada fora da


escola. Como ela morreu não foi confirmado, mas seu corpo foi
encontrado sem dentes.

Coloquei o livro de volta na pilha, de forma precisa e lenta.


— Eleazar?
— Nada ainda.

Eu fixei meus molares. Agitando-se bem dentro de mim,


como uma cobra em uma flauta, a raiva visceral começou a
crescer.

— Entendo — disse calmamente.

O meu Sovietnik mudou de posição, sua expressão


geralmente brilhante amortecida. — O que faremos, chefe?

Os meus olhos avistaram um jornal no balcão da cozinha.


A foto de Eithne McDermott manchou a primeira página.

— O que fizemos sempre que estivemos sob ataque —


respondi. — Vamos a guerra.

Eleazar Benéitez, chefe do tráfico do Cartel Benéitez,


antes que o dia acabasse, havia agido. Se não estivesse
prestando atenção, talvez não notasse, mas com o passar das
horas após a morte de sua neta, tornou-se claro.

Benéitez protegeu as mulheres, qualquer mulher


relacionada ou associada ao Cartel foi levada sob sua proteção,
transferida para casas de alta segurança ou seguida por
guarda-costas o tempo todo.

Eleazar acreditava que estávamos sob ataque – por que


outro motivo tomaria tais medidas?

— Eles estão acelerando — Dmitri observou enquanto


discutíamos a morte em meu escritório. Os meus homens e
mulheres se espalharam pela sala, e até Babushka havia
mostrado seu rosto. A única pessoa faltando era Elena. — Algo
os assustou.

— Ou talvez se sintam mais confiantes — argumentou


Roman, se sentando no chão e encostado em uma estante. —
Eles mataram com sucesso quatro mulheres sem deixar
nenhuma evidência. Também estaria me sentindo muito
confiante.

— A reação de Eleazar é interessante. — Veio de Artyom.


Ele se sentou em uma cadeira, Roksana em seu colo, seu
cabelo branco emoldurando seus ombros.

Todos olharam para Danika. Enrolada em uma cadeira,


se equilibrando nos tornozelos, Danika tinha uma expressão
calculista. — Estas são ações de precaução que ele está
tomando, mas acho que seria ousado presumir que não sabe
de nada. A rapidez com que agiu... é a linha do tempo de um
homem que sabe algo mais do que o resto de nós.

Eu concordei com Danika. Benéitez não era tolo – não se


governava um cartel por mais de seis décadas sendo um idiota.

Feodor falou, encostando-se nas costas da cadeira de


Danika. — Benéitez é conhecido por sua alta segurança. Há
uma boa chance de um de seus homens ou câmeras ter
capturado algo.

— Ou talvez até uma criança na escola — disse Olezka,


parecendo triste com o fato.
Eu balancei a cabeça, processando a informação e
chegando a uma conclusão.

— Fique de olho nos Lombardis, McDermotts e Lefebvres.


Não há dúvida de que estão observando Benéitez também, e
estou curioso para ver como responderão.

A minha família começou a se dispersar, com essa


declaração final. Danika esticou as pernas. — Você quer que
eu diga a Elena?

— Não é da conta dela — Dmitri disse bruscamente.


Estava com um humor particularmente azedo depois que
Tatiana expressou que gostava de Elena para seu marido;
Dmitri viu isto como um ataque pessoal. — Ela está aqui para
ajudar minha esposa, não nos aconselhar sobre questões de
máfia.

Roman concordou com a cabeça, até Roksana parecia


concordar – embora tenha certeza de que seus motivos eram
diferentes dos homens.

Eu os ignorei e disse a Danika: — Eu contarei a Elena.

— Já conseguiu alguma coisa dela? — Roman perguntou,


olhando para Danika do chão. Nenhum deles sabia como usar
os móveis corretamente.

Danika balançou a cabeça, olhando brevemente para


mim. — Não, ainda não. Ela é...

— Uma vadia? — Roman disse.


— Roman — avisei.

Ele percebeu minha expressão e rapidamente murmurou


um pedido de desculpas.

— Ia dizer distante — Danika interrompeu. — Ela é


apenas um pouco mais difícil do que todos os outros, com as
limitações. Vou quebrá-la, não se preocupe.

Discutimos mais algumas questões urgentes antes de


encerrar a reunião. Artyom nos informou sobre a segurança da
corrida de cavalos em poucos dias, enquanto Feodor nos
atualizava sobre como o laboratório estava progredindo e
quando a próxima remessa estaria pronta.

Procurei por Elena após a reunião. Ela não estava em seu


quarto ou com Tatiana; em vez disso, encontrei-a na biblioteca.

Elena ajoelhou-se no chão, livros espalhados à sua frente


que parecia estar organizado. A sua cortina de cabelo castanho
caiu para frente, escondendo seu rosto de vista.

Esticando-se para pegar um livro fora de alcance, me


dando uma bela visão de seu traseiro; desde a sua bunda doce
em forma de pêssego até seu pescoço longo e sem manchas,
Elena era a definição de tentação. Era uma mulher alta e ágil;
perto o suficiente da minha altura para ser capaz de beijá-la
enquanto a penetrava. As suas cavidades e curvas foram as
personagens principais de todos os meus sonhos molhados no
ano passado.

— Elena — disse.
Ela ergueu a cabeça, seus olhos verdes pousando em
mim.

Desde o momento em que a vi pela primeira vez, ela


sempre me lembrava uma ninfa de uma fábula de infância.
Linda, etérea, sobrenatural. Combinando com suas
características peculiares, mas bonitas, Elena foi a fonte de
muitas fantasias, provando ser tão fora de alcance quanto uma
fada de uma floresta mítica.

Quando ela estava alimentando os cães, parecia tão à


vontade no jardim, mais confortável perto de plantas e animais
do que humanos. Eu tinha visto a mesma reação na manhã
em que matamos Thaddeo, quando estava sozinha no jardim,
aliviada e calma.

Diante de mim, envolto na forma de uma linda mulher,


estava o primeiro mistério que nunca consegui resolver. Não
importava o quanto soubesse sobre o seu passado ou suas
ações, Elena era difícil de ler, de decifrar. Apesar de toda a sua
honestidade, ela era um enigma.

Não havia muitas pessoas neste mundo que não pudesse


desvendar, caso existam.

Tornando Elena fascinante, atraente.

Sedutora.

— O que está fazendo aqui? — ela exigiu.


Eu sorrio com a arrogância de sua pergunta. — Esta é a
minha casa, não é?

— É — Elena cedeu. — Mas tenho certeza de que você


tem coisas melhores a fazer do que ficar em uma biblioteca
empoeirada.

Eu me agachei, nivelando nossos olhos. Ela piscou


surpresa. — Tenho certeza que você tem coisas melhores para
fazer também. Você visitou Tatiana.

Não é uma pergunta – nada acontecia nesta casa que eu


não soubesse.

O rosto de Elena ficou tenso. — Sim, visitei; mas


precisava de mais informações, e como esta biblioteca é muito
desorganizada para ser usada, tenho que organizá-la.

— Posso ajudar?

Isso a fez olhar para mim. Resisti à vontade de sorrir. —


O que um Pakhan sabe sobre catalogar livros?

— O que uma viúva sabe?

Um músculo em sua mandíbula se contraiu. — Mais que


você. — Em seguida, acrescentou: — E não sou apenas uma
viúva.

— O que mais você é então?

Por uma fração de segundo, pensei que ela poderia me


dizer. Poderia revelar um de seus segredos – um segredo que
eu tinha, mas guardaria como tesouro até que ela mesma me
contasse, mas Elena se conteve rapidamente e apenas olhou
para mim. — Agora, estou chateada.

Elena ficou sem palavras, mas surpreendentemente não


respondeu. Ela mordeu a língua por medo de represálias. Uma
ação que fez meu sangue ferver. O que Thaddeo fez? Queria
perguntar a ela. Qual foi sua punição por ter falado demais?

Eu o matei muito rápido?

— Você está aqui apenas para me irritar? — perguntou.


— Ou tem um propósito real para me interromper?

Quase ri de seu tom, mas a natureza sombria do assunto


me impediu. Não adiantava ficar medindo as palavras, então
disse — Outra garota foi morta e teve seus dentes removidos
post mortem.

Os olhos de Elena se arregalaram. — Quem?

— Annabella Benéitez. Neta de Eleazar Benéitez.

A compreensão tomou conta de sua expressão


rapidamente. — Ela é uma criança.

— Realmente. Onze anos, para ser exato. — Endireitei


minhas abotoaduras. — Ela foi encontrada fora da escola.

— Como Benéitez respondeu? — Elena tinha uma


expressão quase ousada em seus olhos, como se pensasse que
eu não diria a ela.
Isto não era La Cosa Nostra. Eu não tinha nenhuma
desavença com as mulheres, nem com os negócios. Afinal de
contas, como poderíamos esperar que se protegessem dos
inimigos se não soubessem quem eram esses inimigos?

— Poucas horas depois de sua morte, Benéitez enviou


todas as mulheres associadas ao Cartel para proteção de alta
segurança. Esposas, filhas, mães – todas elas desapareceram
dos olhos do público.

A mente de Elena se moveu por trás de seus olhos,


calculando teorias e respostas. Eu não conseguia ver o que ela
estava pensando, a conclusão a que estava chegando.

Olhei para seus braços, identificando novas palavras


contra a tinta desbotada. Com uma caligrafia rabiscada,
consegui distinguir algumas palavras. Autoritário, florescendo.

A sua expressão endureceu. — Isso é tudo?

— Não. — Levantei-me. Ela olhou para mim, os lábios se


separando enquanto atingia minha altura máxima. Olhando
para ela assim, de joelhos, enviou meu cérebro direto para a
sarjeta. Podia imaginá-la com os lábios inchados, sua língua
quente ao redor do meu pau, e as suas mãos delicadas
esfregando para cima e para baixo...

As narinas de Elena dilataram enquanto percebia minha


expressão, o brilho escuro em meus olhos. Um rubor enfeitou
suas bochechas.

O meu sorriso cresceu. — Calor, Elena?


— Vá provocar outra pessoa.

— Eu não ousaria. — Coloquei a mão no meu peito. —


Você é minha convidada.

A sua carranca se aprofundou. Elena não gostava que


brincasse com ela. O que era uma pena, já que ela era um
adversário tão interessante.

Não querendo deixar nosso jogo acabar tão cedo, disse —


Em alguns dias, um dos queridos balés de Roksana vai
começar. Você precisará pedir a ela um vestido formal
emprestado.

Elena apertou os lábios. — O balé?

— Pelos termos de nosso acordo Elena, espera-se que


você se junte a mim em algumas saídas públicas. Não
permitirei que o nosso vizinho acredite que sequestrei você.

Podia vê-la lutando para replicar, dividida entre saber que


havia concordado com o contrato e seu instinto natural de
retrucar.

— Tudo bem — Elena cortou. — Mas não ficarei acordada


o tempo todo.

— Não é fã das artes?

— Não — disse friamente. — Eu não sou.


Não fiquei surpreso. Elena não parecia valorizar a história
e a criação acima dos fatos e da ciência. — Roksana fará todos
os esforços para mudar sua mente, tenho certeza.

Elena não parecia convencida.

— Mantenha-me atualizado sobre o seu progresso em


relação a Tatiana — disse, me afastando.

Ela fez um ruído de concordância baixo em sua garganta.

— Elena — disse, forte o suficiente para que ela olhasse


para mim. — Tatiana é muito importante para esta família. A
sua recuperação é muito séria para nós.

A compreensão brilhou no rosto de Elena. — Eu sei. — A


sua voz era suave. — Eu sei disso.

— Todos os recursos de que precisar, é só pedir.

Elena olhou para fora da janela e depois de volta para


mim. — Eu preciso de algo, na verdade.

Inclinei minha cabeça para o lado, pedindo-a para


prosseguir.

— Preciso de um laboratório.

Eu sorrio. — Então você terá um.


8

Konstantin Tarkhanov

Greenridge Orchards foi um dos primeiros pedaços de


terra que comprei fora da metrópole ao garantir meu reinado
sobre Staten Island. As macieiras se estendiam por dez acres,
suas folhas eram uma mistura de marrons e laranjas. Os
galhos e troncos eram tão grossos que dificultava a visão ao
longe, oferecendo uma sensação de privacidade ao que
mantivemos escondido entre o pomar.

Elena olhou em volta enquanto eu gesticulava para ela


andar à frente. Estava vestindo um suéter de segunda mão de
Tatiana, a qualidade do tecido verde mal a mantendo aquecida.
Elena não parecia incomodada com o frio de outubro, para seu
crédito.

— Não sabia que você investia na agricultura — disse com


sarcasmo.

— A comida é muito lucrativa, Elena.

Ela revirou os olhos, em vez de responder.

Caminhamos lado a lado por entre as frestas das árvores,


Roman rondando atrás à distância.
— Greenridge Orchards foi um dos meus primeiros
investimentos aqui — esclareci a ela.

Ela olhou para mim, insegura. — Oh? — Em seguida —


Por que?

— A agricultura oferece um certo anonimato a todos os


envolvidos.

— E os chefes da máfia amam o anonimato — Elena


murmurou.

Eu levantei minhas sobrancelhas para ela. — Assim como


você.

A sua expressão vacilou, e ela me avaliou, como se


estivesse tentando entender o significado por trás de minhas
palavras. Fiquei imaginando se pegaria o significado ou se me
seria concedido mais algumas semanas do meu orgulho.

— É fácil se mover por meio de empresas de fachada na


agricultura, — disse a ela, distraindo-a de seus pensamentos.
— Contanto que pareça legítimo e a comida seja boa, o governo
fica feliz em olhar para o outro lado. Especialmente se lhes
promete dinheiro.

— Idiotas gananciosos — disse ela.

— A sua avareza torna meu trabalho mais fácil —


reconheci — mas quem sou eu para julgar?

Elena bufou em concordância.


Caminhamos um pouco mais por entre as árvores, com
as folhas esmagando-se sob nossos passos.

— Thaddeo sabia? — Elena perguntou.

Mordi meus molares quando ela disse o nome dele, as


sílabas saindo de sua língua com familiaridade, mas respondi
— Duvido.

Elena parecia estar de acordo. — Thaddeo tinha o hábito


de ignorar coisas com as quais não queria lidar.

— Incluindo você?

Ela olhou para mim. — Confie em mim, se alguém estava


ignorando alguém em meu casamento, era eu ignorando-o.

Eu não acreditava totalmente nisso, mas permiti a Elena


sua dignidade. Provavelmente havia alguma verdade em sua
declaração. Elena não era de embelezar.

— Para sua sanidade, imagino.

Por um segundo, quase pensei que ela fosse sorrir. Os


seus olhos brilharam como esmeraldas e seus lábios macios se
curvaram levemente, mas a diversão estava lá e desapareceu
em instantes.

— Parece muito interessado no meu casamento — Elena


acusou.

Mais do que ela imagina. — Não é todo dia que se tem a


oportunidade de aproveitar o cérebro da viúva de seu inimigo.
O seu rosto se contorceu. — Se estiver procurando por
segredos, terá uma chance melhor se falar com a sua família.
— Ela me olhou. — Se ainda não matou a todos.

Inclinei meu queixo. — Você é a última Falcone.

Elena olhou para mim por um segundo, com uma


expressão ilegível, antes de encolher os ombros e continuar em
frente.

Eu senti meu sorriso crescer. — Não temos muita


empatia, não é, Elena?

Ela me dispensou. — Tenho empatia. — Ela disse isso da


mesma forma que alguém diria que pegou um carro novo ou
achou um bom cabeleireiro. Como se fosse algo para marcar
uma lista e seguir em frente com a vida.

A capacidade de ser apático era fundamental para a


construção de um império, para governar a Bratva e navegar
em nosso mundo sanguinário. A capacidade de ter empatia, no
entanto, também era muito importante. Se não se importava
com seu povo ou seu poder, o que o motivava?

Senti-me tentado a perguntar a Elena o que a


impulsionava. A razão de ela sair da cama. Era o medo de
voltar para Chicago, ou algo maior?

Antes que pudesse perguntar, chegamos ao nosso


destino. As árvores se separaram, revelando um edifício longo
e moderno. Guardas e seus cachorros vagavam pelo perímetro,
endireitando-se em alerta assim que me viram.
— À vontade — disse, acenando com a mão para eles. Eles
voltaram às suas posições.

Elena fez uma pausa, olhando o prédio. Ela fungou uma,


duas vezes, antes que a compreensão alcançasse seus olhos.
— Um laboratório de drogas.

— Nossa instalação de desenvolvimento. — Gesticulei


para frente. — Você disse que precisava de um laboratório, não
disse?

— Não para fabricar cocaína, Konstantin — murmurou,


mas se juntou a mim em direção do prédio.

Passamos pelo sistema de segurança, um par de portas à


prova de bala que precisava de prova de identidade para
passar. Elena ficou perto de mim, seu cheiro de mirra e canela
fazendo cócegas em meu nariz. Ela examinou os corredores
com olhos curiosos.

Inclinei-me para seu ouvido, a respiração fazendo cócegas


em sua bochecha. — Impressionada?

Elena saltou, girando para me dar um olhar feroz. — É


um laboratório de drogas — sibilou. — Fiquei mais
impressionada com o pomar.

— É difícil competir com o pomar, mas talvez isso mude


sua mente. — Empurrei a última porta, entrando na sala
principal.
Longo e novo, o funcionamento interno do laboratório se
estendia diante de nós. Mesas iluminadas por luzes azuis
alinhadas ao longo da sala, todas dedicadas a um trabalho
específico. Uma sala separada ao lado, enormes panelas
fervendo, com trabalhadores em trajes hazmat17
supervisionando; da criação, embalagem, contagem de
dinheiro, estocagem e distribuição da mercadoria tudo
começava e terminava aqui.

Algumas cabeças surgiram quando entramos, as


expressões por trás das máscaras e óculos se alargando em
choque quando registraram seu chefe.

Pressionei a mão nas costas de Elena, incitando-a a


seguir em frente.

Elena saiu do meu aperto e seguiu em direção à mesa


mais próxima, seus olhos vagando pelos béqueres e tubos de
ensaio com um interesse que nunca a tinha visto usar antes.

A senhora que trabalhava na estação olhou para mim


timidamente, antes de olhar nervosamente para Elena. Filippa
Kozlov, me lembrei, prima mais nova de Olezka.

Elena estendeu a mão e apontou para um frasco. — Está


muito quente.

17-É um equipamento de proteção individual (EPI) que consite em uma roupa impermeável para todo

o corpo usada como proteção para materiais perigosos.


Um momento de compreensão, e Filippa abaixou
rapidamente o bico de Bunsen, suas bochechas ficando
vermelhas como as chamas. — Obrigada — disse ela.

Os olhos de Elena continuaram analisando a mesa


avidamente, vendo mais do que eu. Ela apontou para os
produtos químicos com os quais Filippa estava trabalhando —
Importa-se...

— Elena — disse, segurando um par de óculos de


proteção. — Seria uma pena se você danificasse esses seus
lindos olhos.

Ela arrancou os óculos de proteção das minhas mãos,


esses mesmos olhos apontaram para mim com um olhar
ofuscante. Rápido, colocou os óculos sobre a cabeça,
prendendo o cabelo durante o processo.

— Ai...merda...

Ela tentou arrancar o cabelo, mas a ação só fez piorar.

— Posso?

Ela apertou os lábios, segurando os óculos


desajeitadamente sobre a cabeça, deve ter sentido muita dor
por ter seu cabelo puxado porque cedeu, balançando a cabeça
bruscamente.

Fiquei atrás dela, gentilmente desembaraçando seus fios


castanhos e sedosos do grampo.
— Você pode puxá-lo — ela me disse, com a voz firme. —
Eu tenho o suficiente.

— Não há necessidade disso. — Com um último puxão


suave, o cabelo se soltou, com nós, mas soltou.

Alcancei ao seu redor, posicionando os óculos e


afivelando-os com segurança.

A sua respiração ficou presa.

Os meus dedos não se moveram de seu cabelo.

A minha frente assim, mais baixa, mas ainda alta o


suficiente para que eu pudesse agarrar seus quadris
facilmente, poderia empurrar dentro dela em um movimento
suave, fodê-la contra esta mesa, até que tudo que ela soubesse
dizer fosse meu nome.

— Obrigada — Elena murmurou, sua mão pairando sobre


sua nuca. Um segundo depois, se afastou, voltando sua
atenção para Filippa.

Filippa apenas observou com fascinação enquanto Elena


assumia, suas mãos movendo-se habilmente sobre o
equipamento. Ela salvou o produto químico da destruição, em
instantes.

— Eu não sabia que era uma cientista, Elena — eu disse.

Elena não pegou a piada, mandando-me um olhar feroz.


Por trás dos óculos, seus olhos pareciam comicamente
grandes. — É preciso um diploma para ser um cientista,
Konstantin — disse friamente.

— Talvez consiga um quando finalmente estiver livre.

— O que mais farei? Não terei mais que perder meu tempo
sendo legal com os chefes da máfia.

As minhas sobrancelhas se ergueram. — Acha que é legal,


Elena?

Ela me lançou um olhar venenoso — Se soubesse o quão


má poderia ser, então não estaria perguntando algo tão
estúpido.

Eu sorrio. — Como você pode ser má?

Elena foi responder, mas ficou estranhamente quieta. A


incerteza passou por seu rosto.

Filippa olhou rapidamente entre nós dois.

Recuperando-se rapidamente, Elena virou a bochecha


para mim, sua maneira de me dizer para me foder sem
realmente dizer as palavras, pena que eu não tinha planos de
estar em outro lugar – bem, em qualquer lugar quase tão
divertido.

— Vamos deixar a senhorita Kozlov trabalhando — disse.


As bochechas de Filippa ficaram rosadas.

Elena apertou os lábios, mas não discutiu. Estava muito


ansiosa para se aprofundar no laboratório.
Deixamos Filippa – a mulher agradecendo
silenciosamente a Elena por sua ajuda – e entramos na sala.
Elena correu os olhos pelo laboratório, franzindo a testa
enquanto observava os tijolos de mercadoria.

— Este laboratório produz heroína — respondi antes que


pudesse perguntar.

— Eu sei — disse Elena. — Consegui sentir o cheiro das


sementes de papoula.

Chegamos ao final da sala, que por acaso também era a


área mais silenciosa. Uma mesa sobressalente descansava
contra a parede, itens meio esquecidos espalhados por ela,
mas ainda perto o suficiente da pia e pontos de gás para ser
útil.

— Você não me disse por que precisava de um laboratório


em primeiro lugar — disse enquanto ela inspecionava o
equipamento.

Elena respondeu, sem levantar os olhos — Não quero dar


muitas esperanças.

Duvidava que este fosse o seu raciocínio. — Embora


aprecie sua preocupação, não sou um idiota. Entendo a
gravidade da condição de Tatiana.

Elena baixou o copo que estava segurando. — Se lhe


dissesse, qual seria o seu incentivo para me manter em New
York?
— Eu acho que te surpreenderia.

Ela olhou para mim por cima do ombro. — Eu não estou


dizendo.

Ela me contaria eventualmente; não adiantava assustá-


la. O medo de voltar para Chicago era demais.

— Muito bem. Contanto que me mantenha atualizado —


disse. — Não me engane com a mercadoria.

Elena bufou. — Acredite em mim, não tenho interesse


nessa merda.

— Não é usuária de drogas recreativas? Uma das regras


de Thaddeo ou sua?

— Pessoas que usam essa porcaria são loucas – e


claramente não sabem o que há nisso — Elena cortou.

— Ah, talvez tenha razão — pensei. — Mas de que outras


formas relaxariam ou se sentiriam energizados? De que outra
forma esqueceriam o aluguel que venceria no dia seguinte,
seus corações partidos, seu desejo inútil de fazer algo
importante?

A boca de Elena ficou tensa.

— Talvez tenha mais em comum com eles do que pensa.

— Talvez ambos tenhamos — ela cortou, os olhos verdes


fixos em mim. — Está compartilhando características com as
pessoas comuns abaixo de você?
Senti minha própria irritação agitar levemente. Ela
realmente pensava que eu era um deles? Algo menos que um
Rei? — O que sabe sobre o povo comum, Elena?

— Mais do que você.

— Disso sinceramente duvido. — Sorri para ela. — Talvez


um dia lhe diga o quanto mais sei.

Ela revirou os olhos. — Não perca seu fôlego. Não quero


ouvir isso.

— Veremos. — A arrogância em meu tom a deixou tensa.


— Até então, aproveite seu laboratório. A minha oferta original
permanece; se precisar de alguma coisa, me avise.

Elena voltou para a montagem. Muito silenciosamente,


tão silenciosamente que quase pensei ter imaginado,
murmurou — Obrigada.

Parecia que a ciência era o caminho para o afeto de Elena.


Arquivei este pensamento, disse adeus à equipe e saí do
laboratório. Roman já havia falado com os guardas no local e
dito a eles para ficarem de olho nela. Mantendo-a a salvo e
longe de qualquer conhecimento que possa comprometer
minha operação. Roman estava estranhamente silencioso
enquanto caminhávamos pelo pomar.

— Diga, Roman — disse acima da brisa fria de outubro.

— Não tenho nada a dizer.


Eu ri. — Conheço-o desde que era jovem. Você tem algo a
dizer.

Roman se aproximou de mim, a expressão dura. — Ela


distrai você, Kostya.

O meu sorriso congelou no meu rosto. — É mesmo?

— Você nunca levou uma mulher ao laboratório, ou em


excursões. Certamente nunca deixou ninguém falar com você
da maneira que Elena faz.

O meu byki veio de um lugar de preocupação, de


proteção, mas a sua preocupação foi perdida.

— Elena não é outra mulher — disse a ele friamente. —


Eu sei que está tentando cuidar de mim, mas isto não diz
respeito a você.

— Você nem mesmo a conhece de verdade — insistiu


Roman.

— Eu sei — disse. — É fascinante.

Dois dias depois, Tatiana se sentiu forte o suficiente para


se juntar a nós no café da manhã.
Dmitri pairou ao seu lado enquanto ela descia lentamente
as escadas – ela o avisou que se tentasse ajudá-la, iria chutá-
lo nas bolas – e foi sozinha para a sala de jantar. Como de
costume, Anton dançou em torno de seus tornozelos, muito
feliz por sua mãe ter saído do quarto.

Até Babushka decidiu se juntar a nós, pulando em cima


da geladeira e nos observando com atenção.

A minha família se sentou ao redor da mesa, com Elena


aninhada entre Roksana e Danika. As mulheres pensaram que
estavam protegendo Elena da atenção cruel dos homens.

Elena relaxou apenas um pouco nos últimos dias.


Passava a maior parte do dia no laboratório ou com Tatiana, e
a maior parte das noites examinando a biblioteca. Distante e
reservada – ainda não desvendada por Danika.

— Tio Kostya — Anton chamou enquanto subia em uma


cadeira. Ele se recusou a sentar em uma cadeira alta; Anton
gostava de copiar seu pai e tios.

— Anton — cumprimentei.

Anton se levantou, firmando-se na mesa para se apoiar.


Artyom envolveu as costas da cadeira com o braço, pronto para
agarrar a criança se caísse. As chances eram de que cairia.

— Sente-se, Anton — falou Tatiana. Dmitri estava


enchendo seu prato com frutas frescas brilhantes, favorecendo
morangos, os favoritos de Tatiana.
Anton sorriu descaradamente para sua mãe, mas não se
sentou. Ele estendeu a mão, em vez disso, e pegou um pedaço
de melão, empurrando-o em seu rosto. Os sumos escorreram
e mancharam seu pijama.

— Anton, você está fazendo uma bagunça — disse a ele,


passando um guardanapo. Ele olhou para mim com os olhos
arregalados. — Que tal fazer o que sua mãe diz e se sentar?

Imediatamente, Anton se estatelou em seu traseiro, sua


cabecinha espiando por cima da mesa. Ele olhou para mim em
busca de elogios.

— Muito bom.

Tatiana suspirou do outro lado da mesa, mas o sorriso


em seu rosto nos impediu de acreditar que estava realmente
zangada.

— Fiz o seu favorito, Tatiana — Danika disse, passando


um prato de panquecas roxas pela mesa. Dmitri o pegou dela.
— Estavam com uma liquidação de mirtilos e Artyom e eu
exageramos um pouco.

— Eles compraram 5 quilos de frutas vermelhas, Tat —


Roksana riu.

— Foi um bom negócio — interrompeu Artyom. —


Economizamos 45 dólares, dorogaya18.

18 Querida.
— Oh, estão praticamente se pagando — brincou.

Artyom contraiu o maxilar, mas surgiu um leve sorriso.

Roman riu. — Onde está mantendo todos eles?

— A geladeira externa — respondeu Artyom.

— A geladeira de bebidas? — Roman exigiu, quase


pulando sobre a mesa para golpear meu Obshchak. — Você
não pode colocar frutas lá – está tirando espaço das coisas de
que realmente precisamos.

Danika se intrometeu — Quantidades ridículas de álcool?

— Exatamente. — Roman lhe apontou um garfo. —


Incluindo o seu próprio.

— Tenho uma geladeira no meu quarto — disse ela.

O seu queixo caiu e se virou para mim — Dani tem


permissão para uma geladeira no seu quarto, mas eu não?

— Por causa do incidente, Roman — o lembrei.

— Isso foi uma vez!

— Incidente? — veio a voz de Elena. Ela olhou para


Roman e eu com curiosidade. — O que aconteceu?

As vozes se chocavam enquanto todos tentavam contar a


história, com Roman tentando mudar fatos exagerados
veementemente. Levantei a a mão e ficaram quietos, embora
ainda houvesse alguns murmúrios e ataques silenciosos a
Roman.

— Roman — disse a Elena — decidiu que estava cansado


de compartilhar comida. Mantinha todas as suas refeições em
sua geladeira pessoal; no entanto, não cuidou muito bem dela
e quebrou. Roman não percebeu que havia quebrado até
alguns dias depois.

Elena se encolheu, imaginando o que aconteceu. —


Aposto que fedia.

— Oh, Deus, fedia — Danika choramingou.

— A casa inteira fedia a peixe durante uma semana —


concordou Artyom.

Roman se recostou na cadeira, cruzando os braços. — Se


vocês, animais gananciosos, não tivessem roubado minha
comida, não a teria guardado no meu quarto.

Sorri, dizendo a Elena — Isso foi antes de fazermos as


refeições comunitárias. Agora toda a comida fica aqui embaixo.

Anton tagarelou algo que parecia o nome de Elena. —


Lena, Lena — murmurou.

Ela se virou e ele estendeu a mão pegajosa, um mirtilo no


centro.

— Oh — disse ela enquanto o pegava, tentando muito não


sujar as mãos — obrigada, Anton.
Ele sorriu.

Tatiana sorriu, se inclinando para frente. — Muito bom


trabalho compartilhando, Anton. Você compartilha melhor do
que seu pai.

Dmitri bufou, mas não negou a acusação.

A conversa recomeçou, embora a política e os negócios da


máfia fossem evitados. Era uma regra tácita no café da manhã
não discutir nossa organização e, em vez disso, falar sobre
questões domésticas. Eu sabia que eles preferiam ter alguns
minutos por dia onde pudessem fingir que éramos uma família
normal.

Tatiana puxou Elena para uma conversa. — Aquele tônico


que você me deu fez maravilhas — disse suavemente. — Eu me
sinto muito melhor.

Elena não se gabou com o elogio. — Fico feliz — disse ela.

Eu não sabia que Elena havia administrado alguma coisa


a Tatiana. Pela expressão fria de Dmitri, ele também não.

— Elena — chamei.

Ela se virou para mim, o rosto se contraindo de


aborrecimento. — Konstantin — retornou.

— Espero uma atualização sobre o seu progresso.


Um músculo na mandíbula de Elena se contraiu com o
pensamento de compartilhar suas descobertas, mas inclinou a
cabeça em rendição.
9

Elena Falcone

Roman me encontrou na biblioteca. — Boss quer falar


com você — disse. — Sobre Tatiana.

Suspirei e me afastei da estante que estava enchendo


lentamente. Pratiquei o que diria, durante toda a manhã.
Redigir e editar o meu discurso como se Konstantin fosse um
juiz que precisava impressionar. Ele era, de certa forma – se
não estivesse impressionado, minha bunda seria enviada de
volta para Chicago.

Roman olhou ao redor da biblioteca com interesse.

— Isto se chama biblioteca — disse a ele.

Ele me lançou um olhar furioso. — Eu sei disso. — Os


seus olhos percorreram os livros, a testa franzida de
frustração.

Eu o avaliei. — Você sabe ler?

— Claro, que sei ler — Roman rosnou. — Venha, vamos.


Não tenho o dia todo.

Eu o segui para fora da sala e pelos corredores. Roman


continuou a andar mais para dentro da casa, em vez de ir ao
escritório de Konstantin – nas áreas que não tinha permissão
para ir, a menos que fosse convidada.

— Para onde você está me levando?

— Para as masmorras. — Ele me lançou um sorriso


maldoso. — Para que possa matar você em paz.

Atirei a ele um sorriso venenoso de volta. — Você não


ousaria. Konstatin e Danika ficariam zangados com você.

Os olhos de Roman brilharam. — Você não sabe do que


está falando.

— Não sei?

— Você tem sorte de estar aqui para ajudar Tatiana —


murmurou — ou então essa sua boca teria te matado há muito
tempo.

Revirei meus olhos. — A minha boca e eu sobrevivemos à


La Cosa Nostra e aos Falcones. Tenho certeza que ficaria bem.

O sorriso de Roman poderia ser um escárnio, cheio de


dentes e maldade. — Se realmente acredita que a ira do seu
falecido marido é qualquer coisa comparada à de Konstantin
Tarkhanov, então você é uma idiota.

A dor irrompeu do meu braço, despertada de memórias e


nostalgia.

Não é real, disse a mim mesma.


Os olhos zangados de Thaddeo passaram pelos olhos da
minha mente, sua mão se esticando, sua voz furiosa ressoando
em meu crânio...

— Você está bem? — Roman perguntou de repente.

Voltei-me ao presente, enviando ao guarda-costas um


olhar furioso. — Eu simplesmente não tenho tempo para suas
besteiras. Estamos quase lá?

Os seus olhos castanhos âmbar analisaram minha


expressão. Empurrei as memórias e o terror, e encontrei seu
olhar mortal. Roman me deu um sorriso áspero, mas não disse
mais nada.

Paramos em frente a um par de portas duplas clássicas


de madeira. Vozes suaves vieram de dentro.

— Boss — Roman bateu a porta. — Estou com sua


pequena científica.

— Cientista, idiota — corrigi. — A palavra certa é cientista.

— Eu não dou a mínima — retrucou.

A porta se abriu e um homem desconhecido apareceu


diante de nós; mais velho, com cabelos grossos e grisalhos e
uma fita métrica em volta do pescoço.

— Bom dia, Boris — Roman cumprimentou.

Boris estreitou os olhos para ele. — Ainda se vestindo


como um animal, pelo que vejo.
Eu bufei.

— As mulheres não deveriam bufar — Boris me disse.

Desta vez, Roman bufou.

— Consigo ouvir todos vocês brigando — veio a voz


lacônica, mas firme de Konstantin de dentro da sala.

Boris deu um passo para o lado, gesticulando para que


eu avançasse. Quando Roman tentou se esgueirar, o alfaiate
levantou a mão — Não deixarei você quebrar todas as minhas
coisas.

— Uma vez — Roman reclamou, mas não fez nenhum


esforço para empurrar Boris.

Entrei. A minha primeira impressão foi clara e nítida.


Compartilhando o mesmo design clássico russo e francês que
o resto da casa, diante de mim havia um quarto grande. Limpo,
arrumado, com a parte mais bagunçada do quarto sendo a
escrivaninha coberta de papel.

A outra extremidade do quarto, uma enorme cama de


dossel apoiada na parede de trás, iluminada pelo sol brilhando
através das cortinas de tule marfim. Um terno foi colocado
sobre o cobertor, e uma gravata verde brilhante contra os
lençóis brancos.

— Elena.

Virei a cabeça, avistando imediatamente o corpo alto de


Konstantin.
O meu cérebro parou por um segundo, tentando entender
o que meus olhos estavam vendo. Konstantin estava diante de
um espelho, calças escuras baixas na cintura e gravata frouxa
sobre os ombros. O seu cabelo loiro estava estranhamente
bagunçado, alguns fios longos caindo sobre sua testa, e não
estava usando sapatos; mas a falta do sapato não foi o motivo
de minha pausa.

Konstantin não estava usando camisa. A extensão de seu


peito tatuado me saudou, as cordas de seus músculos duros e
visíveis. Bíceps fortes, abdômen rasgado, v mergulhando em
suas calças.

A minha boca secou.

As tatuagens sobre sua pele era uma arte incrível.


Imagens que contavam histórias e compartilhavam memórias.
Podia ver sua tatuagem Bratva, bem como imagens de
pássaros, crânios e escalas da justiça, acompanhadas pelo
Kremlin e longas citações cirílicas.

Magnífico.

Aproximei-me, incapaz de resistir à minha curiosidade.


Os meus olhos se fixaram em seu braço, onde uma lista de
nomes era visível, em letra pequena, consegui distinguir
Natalia, Artyom, Roman, Olezka, Tatiana, Danika, Dmitri,
Roksana e Anton. A sua família.

Quem diabos era Natalia?

— Elena?
O calor subiu pelo meu pescoço e bochechas, e levantei
minha cabeça para encontrar seus olhos. O rosto inteiro de
Konstantin estava iluminado de diversão.

— Você está olhando — falou lentamente.

Desejei que minhas bochechas parassem de arder e enviei


a ele um olhar furioso.

Boris se ajoelhou ao lado de Konstantin, segurando sua


fita métrica, alfinetes entre os dentes. Ele disse algo que não
consegui entender.

— Tenho certeza de que Elena está impressionada com


minhas novas calças — observou Konstantin. — Você quer um
par, Elena?

Finalmente encontrei minha voz. — Prefiro usar minhas


calças com camisas.

Assim que as palavras saíram da minha boca, desejei


poder sugá-las de volta.

Sério, cérebro? Exigi. De tudo que você poderia ter dito, se


concentrou no fato de que ele não está usando uma camisa?

Konstantin sorriu. — Espero não estar incomodando


suas sensibilidades delicadas. — O seu tom era educado, mas
zombeteiro, como costumava ser o tom de Konstantin quando
falava comigo.

— Não estou incomodada.


Até Boris me lançou uma olhada nessa declaração.

Eu me endireitei, segurando meus ombros. — Você queria


me ver?

— Sim, sobre Tatiana. — Konstantin olhou para Boris. —


Mais solto. — Então se virou para mim, com sua diversão
desaparecendo. — O que você deu a ela?

— Um remédio caseiro que fiz no laboratório.

— Isto não é uma resposta — disse-me.

— É seguro para mulheres grávidas — disse. — Porém


não é uma cura.

Os olhos de Konstantin se endureceram. — Você não a


curou ainda.

— Uh, a cura está sendo feita... — Inferno, o diagnóstico


ainda estava sendo investigado. — O tônico que dei a Tatiana
foi para desacelerar o... — Veneno. — a Doença. É como colocar
pressão em uma ferida.

A sua mandíbula se apertou, mas ele baixou a cabeça. —


Eu vejo.

O nome de Tatiana em seu braço parecia me encarar.

Eu abri minha boca para tentar oferecer alguma garantia,


mas nenhuma palavra saiu. O que poderia dizer que
possivelmente melhoraria a situação? Tatiana estava muito
doente e eu não tinha ideia do que havia de errado com ela. Eu
não tinha ideia de como ajudá-la, porra.

— O laboratório tem beneficiado você, então?

Em mais de uma maneira. — Sim. Tem sido muito útil.

As horas que passei no laboratório me deixaram mais feliz


do que em muito tempo. Cercada por ciência e familiaridade,
meu cérebro foi estimulado e desafiado, classificando
hipóteses e produtos químicos. O que me fez ansiar pela
ciência do ensino médio ou mesmo o meu jardim de infância,
onde tinha feito muitas misturas.

Eu tinha até dormido um pouco melhor nas últimas duas


noites, meu cérebro exausto e mais fácil de acalmar até a
inconsciência depois de um longo dia de pesquisa. Não
mencionei nada disso a Konstantin, e duvidava que se
importasse de qualquer maneira.

Konstantin passou as mãos pelos cabelos – a primeira vez


que o vi fazer algo tão casual – e acenou com a cabeça para
mim. — Você já falou com sua família?

Eu me encolhi interiormente. — Não. Ainda não.

— Certifique-se de falar — disse. — Está livre para usar


o telefone em meu escritório.

Para quem eu ligaria? A última coisa que queria fazer era


falar com alguém com o sobrenome Agostino. As minhas
amigas de infância, Sophia e Beatrice, estavam ocupadas com
os filhos e com a vida, mas quem mais havia para ligar? Eu
não tinha nenhum outro vínculo com Chicago, nenhuma outra
pessoa com quem me importasse.

— Farei isso — murmurei.

Konstantin disse algo a Boris em russo e o alfaiate


ajustou alguns alfinetes.

Aanalisei seu quarto mais uma vez, enquanto ele estava


distraído. Não sei o que estava procurando, mas fosse o que
fosse, não encontrei.

Vi então um par familiar de olhos verdes redondos,


debaixo da cama, nas sombras.

Foda-se, murmurei para Babushka.

— Babushka não reage bem a ameaças — advertiu


Konstantin.

A gata gorda, ao ouvir o seu nome se esticou e escapuliu


de debaixo da cama. Ela se dirigiu a Konstantin.

— Para algo tão grande, se esgueira muito bem —


observei. Babushka saltou passando por Boris, dando-lhe um
silvo ao fazê-lo, e se esfregou nas pernas de Konstantin. Boris
jogou as mãos para o ar.

— Ah, não, você não. — Konstantin a pegou com uma das


mãos e gentilmente a moveu para o lado. Para mim, disse —
Ela é muito boa em esgueirar-se quando quer.
A gata empoleirou-se na mesa, lambendo as patas.

— Onde você a conseguiu?

— Moscou — disse. — Ela tentou matar um dos


cachorros.

Pensei nos enormes assassinos de ursos do lado de fora.


— Foi bem-sucedida?

— Não exatamente. Ela permitiu que Roksana limpasse


seus cortes e está conosco desde então. Danika acredita que é
nossa santa padroeira.

Bufei. — Tatiana acredita que ela é a rainha.

Konstantin riu. O som ricocheteou nas paredes, brilhante


e encantador.

Eu cruzei meus braços sobre meu peito, meu coração


estranhamente acelerado. — Precisa de mais alguma coisa de
mim?

— Não, isso é tudo. — Os seus olhos dançavam sobre


mim, pegando os rabiscos em meus antebraços e mãos.

Tentei enfiá-los ainda mais em meu peito. — Está


tentando ler as minhas palavras? — Exigi.

— De que outra forma saberia o que está acontecendo em


sua cabeça?
A mortificação passou por mim e dei um passo apressado
para trás, quase recuando contra a parede. Konstantin me
observou com uma expressão intensa.

— Não bata...

— Não baterei na parede — rebati, virando-me nos


calcanhares. — Eu tenho coisas para fazer. Adeus.

— Adeus, Elena — gritou atrás de mim.

Homem estúpido do caralho! Pensei enquanto invadia o


corredor. Como ele ousa tentar entrar no meu cérebro? Tentar
entender o que estou pensando? Que porra de negócio é da
conta dele, afinal...

— Ah, Merda!

Corri direto para alguém, ambos caindo para o lado. Eu


me segurei antes de bater no chão, mas a outra pessoa caiu
com um splat, me dizendo quem era antes mesmo de eu
registrá-la.

— Danika? — Olhei para baixo. — Você está bem?

Ela se levantou rapidamente, esfregando a testa. — Deus,


sua cabeça é dura, Elena. Acho que amassei meu crânio.

Reprimi um sorriso. — O seu crânio está bem.

Danika esfregou mais algumas vezes para garantir, antes


de me olhar criticamente. — Você está vermelha. Está tudo
bem?
— Bem.

Os seus olhos dispararam atrás de mim, observando o


corredor de onde eu vinha. A compreensão tomou conta de seu
rosto. — Ohhh.

— O que isto quer dizer?

Danika fingiu inocência. — Nada.

— Eu não me intrometo em seu relacionamento com


Roman; gostaria da mesma consideração.

A sua expressão congelou. — Você pode ser um pouco


chata às vezes, Elena.

Sim, poderia. Era injusto ser cruel com Danika, afinal ela
tinha sido muito acolhedora comigo, mas não era estúpida;
Danika não foi gentil comigo pela bondade de seu coração.

Ela encolheu os ombros. — Não podemos todos, porém?


Eu vou ver Rifat Denisyuk. Você quer vir?

— Rifat Denisyuk?

— O contador de Konstantin. Derzhatel obschaka. —


Diante da minha expressão de dúvida, Danika insistiu — Ele é
muito excêntrico, mora no antigo galpão de jardinagem nos
arredores da propriedade.

Isto chamou minha atenção. Sair era o remédio de que


precisava para curar minhas bochechas coradas e meu
coração acelerado. — Lidere o caminho.
Rifat Denisyuk morava em um galpão decadente entre as
árvores e arbustos crescidos. A mansão ainda podia ser vista
por cima das árvores, mas estava isolada aqui, silenciosa.

Eu respirei mais fácil, até que uma voz soou — QUEM


ESTA AÍ!

— Sou eu, Rifat — chamou Danika. — Trouxe Elena


Falcone comigo.

A porta da frente lascada chacoalhou, e um velho colocou


a cabeça para fora, sua longa barba grisalha foi a primeira
coisa em que me concentrei. Ele pingou no chão, pegando terra
e folhas. — Danika Baltacha... e Elena Falcone, senhoras da
mansão. — Ele desapareceu de volta para dentro e o som de
fechaduras clicando soou por toda a floresta.

Danika parecia despreocupada enquanto se aproximava.

A porta se abriu, quase caindo das dobradiças, e um


homem velho e enrugado apareceu na porta. Ele me lembrava
um mago esquivo de um conto de fadas, mas em vez de criar
feitiços e lutar contra dragões, esse mago guardava os livros de
um Pakhan.

— Eu disse a Tyoma que não queria ser incomodado —


resmungou Rifat.

Levei um segundo para entender que Tyoma era um


apelido de Artyom.
— Estou aqui apenas para verificar você — Danika
murmurou, a doçura de seu tom tornando suas palavras muito
fáceis de acreditar. — Eu trouxe Elena para conhecê-lo.

Rifat me acolheu, esticando a cabeça para trás. — Você é


muito alta.

— Você é muito baixinho — respondi.

Uma risada estremeceu em seu peito e deu um passo


para o lado. — Entre, então. Antes de pegar um resfriado.

O galpão de Rifat era... maníaco. Pilhas de livros e papéis


espalhados pelo espaço, o ar tão denso com poeira que mal se
conseguia ver sua mão a frente. Havia também o cheiro
distinto, mas fétido, de algo que havia apodrecido.

Danika torceu o nariz.

— Um rato morreu em algum lugar aqui — respondeu


Rifat antes que pudéssemos perguntar. — Eu não consigo
encontrá-lo...

— Ele provavelmente morreu de contaminação —


murmurei.

Danika ergueu um pedaço de papel e Rifat gritou. — Não


toque em nada! Tudo está exatamente onde deveria estar.

— Como você pode trabalhar em um lugar tão


bagunçado? — Danika perguntou.
— Nem todos nós podemos trabalhar a hora que
quisermos, Danika — Rifat respondeu. — Alguns de nós
precisam de materiais. Elena entende.

As minhas sobrancelhas se ergueram. — Entendo?

— Claro que sim. Não é o seu trabalho curar a Sra.


Gribkov? — Perguntou. — Você não pode fazer isso com nada
além do seu charme, pode?

— Eu acho que não. — Olhei para Danika. — Precisa de


muito charme no seu trabalho, não é?

Rifat bufou e murmurou algo, enquanto Danika apenas


riu. Houve uma centelha de nervosismo atrás de seus olhos,
mas desapareceu tão rapidamente que poderia ter imaginado.

Danika gesticulou para Rifat. — Elena e eu não


impediremos você de trabalhar. Eu só queria ter certeza de que
estava bem.

— Tudo bem — bufou. — Sou um homem adulto. Eu


posso cuidar de mim mesmo.

Olhei ao redor da sala, passando pelas refeições meio


comidas e cantos mofados. — Claramente não — comentei.

— Claramente não — zombou Rifat. Ele então olhou para


mim, apertando os lábios. — Sem ofensa, Sra. Falcone.

— Não estou ofendida.

— Não é com você que estou preocupado — murmurou.


Danika interrompeu antes que eu pudesse perguntar o
que ele quis dizer. — Você deveria ir lá em casa para o café da
manhã. Nós nos preocupamos com você aqui sozinho.

— Vou considerar isso — disse, mas parecia secretamente


satisfeito por ser procurado. — Só se Dmitri assar aqueles
pastéis novamente.

Dmitri assa pastéis? Não podia imaginar aquele pedaço


de gelo em em forma humana fazendo algo tão doméstico.

— Vou repassar o pedido — confirmou Danika. — Posso


lhe trazer alguma coisa enquanto estou aqui? Chá, jantar...?

— Saco de lixo? — Adicionei.

Ela me deu um sorriso. Rifat apontou um dedo nodoso na


minha direção. Ele abriu a boca, preparando-se para
responder, antes que sua expressão fechasse de repente.

— Leve sua amiga de língua de prata embora antes que


me meta em problemas — disse a Danika.

Danika não perdeu tempo, agarrando meu braço e me


puxando de volta para fora. A brisa aumentou, o ar frio
vibrando sobre minha pele e meu cabelo.

— Eu sabia que ele gostaria de você — foi a primeira coisa


que Danika disse.

Eu ri. — Este era Rifat gostando de alguém?


— Muito mesmo — disse. — Ele pode até te deixar cavar
em seu cérebro se gostar o suficiente de você. Pode não
parecer, mas é muito inteligente. Ele pode até ser capaz de
ajudá-la com a doença de Tatiana – ou você poderia ajudá-lo.

— Talvez — concordei.

Danika deu um tapinha afetuoso no meu braço. — Você


está se acomodando bem, certo?

— Isto não é um acampamento de verão, Danika.

— Eu sei disso, mas... me lembro como era ser nova e ter


que tentar encontrar meu lugar dentro da família.

A minha coluna se endireitou. — O meu lugar aqui não


importa — lembrei-a. — Vou embora assim que Tatiana estiver
saudável novamente.

— Claro que vai — Danika não parecia nem um pouco


convencida. — Que tal tudo o resto? Eu não conseguia
imaginar perder meu marido e depois ter que lidar com Roman
diariamente.

Examinei sua expressão. — Não tem sido fácil.

— Aposto que se não soubesse qual era o problema com


Tatiana, Kostya ainda te libertaria. — Os seus olhos castanhos
brilharam em mim. — Você teria que oferecer a ele algo
realmente bom, sabe? Algo que ele ainda não tem.

— É mesmo?
Ela assentiu. — Sim, mas Kostya já tem tudo...

— Exceto aquela chave que ele deseja desesperadamente.

Danika virou a cabeça para mim, o olhar em sua


expressão diminuindo ligeiramente.

— Eu sei que está tentando me apertar para obter


informações — disse a ela. — Não me importo, mas não minta
para mim.

— Às vezes, mentir é a única defesa que nos resta — foi


tudo o que ela disse. — Você sabe algo sobre isso, imagino.

Ela estava certa. Foi por isso que disse — Não sei onde
está a chave. Não desperdice sua energia comigo.

Danika sorriu. — Eu não me importo, mas não minta para


mim — repetiu minhas palavras anteriores.

Eu me encontrei retribuindo o seu sorriso.

— Direi a Kostya que você é inquebrável — meditou. —


Tenho certeza que ele ficará feliz em ouvir isso...

Um segundo Danika estava lá, no próximo não estava.


Com um estrondo, ela tropeçou e bateu no chão, seu tornozelo
preso em uma raiz velha.

Eu não ofereci ajuda a ela; Danika se levantou sozinha.

— Você está bem? — Perguntei porque parecia educado.


Danika limpou a sujeira das palmas das mãos e riu, o
som mais brilhante do que o sol brilhando no céu. — Não é um
dia, a menos que eu caia no chão. — Ela se levantou,
sacudindo-se. — O que estava dizendo?

— Você ia dizer a Konstantin que sou inquebrável — disse


com a mesma convicção que tinha na declaração.

Ela riu — Oh, sim.

— Isto impedirá você de tentar roubar os meus segredos


de mim? — Perguntei.

Os olhos de Danika brilharam. — Claro que não. Eles não


me chamam de Pequena Interrogadora porque sou muito
rápida em desistir.

Chegamos aos jardins do solar, casa e responsabilidades


à vista.

— Você é bem-vinda a eles — disse a ela. — Eu não os


quero mais.
10

Elena Falcone

O som ecoante de asfixia ressoou em meu cérebro.

O meu pai estava agachado no chão, diante de mim, com


a mão no coração. Os seus dedos ainda estavam machucados
por causa do último ataque. Ele estava ofegando alguma coisa.

Ataque cardíaco, pensei que ele estava tentando dizer,


estou tendo um ataque cardíaco.

A mamãe gritava pedindo ajuda, seus gritos eram altos e


estridentes.

O papai não conseguia respirar; estava lutando para


respirar. O seu corpo estava fazendo tudo o que podia para
mantê-lo vivo, para mantê-lo sobrevivendo.

As videiras começaram a derramar de seus lábios, flores


roxas e rosa brilhantes brotaram das hastes, iluminando a sala
de jantar escura. As cores eram sedutoras e atraentes, um
alerta venenoso e brilhante para todos aqueles que ousassem
se aproximar.

Os seus ouvidos, os seus olhos; papai começou a se esticar


e a torcer, as flores cobrindo sua carne e ossos, matando-o
lentamente.
A mamãe ainda estava gritando.

Estendi a mão, incapaz de resistir ao puxão, e agarrei um...

A consciência veio a mim como um tapa na cara. Sentei-


me na cama, respirando com dificuldade. Levei um segundo
para entender onde estava.

Propriedade de Konstantin, disse a mim mesma.

As minhas pernas estavam torcidas nos lençóis, o meu


cabelo emaranhado por ter rolado sobre meus travesseiros.
Uma fina camada de suor me encharcou.

Esfreguei meu rosto, respirando com dificuldade.

Foi apenas um pesadelo, disse a mim mesma, ignorando


as memórias que me ameaçavam a cada momento. Acabou
agora.

Quando me virei para verificar a hora, gemi alto.

Quatro da manhã

Não tão ruim quanto poderia ser, mas depois de ser capaz
de dormir até cerca das seis nos últimos dois dias, acordar tão
cedo foi como um chute na cara.

Desabei de volta no travesseiro, mas era tarde demais. O


meu cérebro ganhou vida, se movendo a mil quilômetros por
hora. As palavras e teorias me bombardearam. Verifique se há
envenenamento por tálio em Tatiana, analise a biblioteca, evite
Konstantin e seus olhos do quarto...

Eu senti como se fosse arrancar minha pele, meus ossos


e inconveniências de carne e obstáculos para o meu
relaxamento.

A inquietação não era uma emoção nova para mim, mas


geralmente tinha um remédio.

Virei minha cabeça em direção à janela, nenhuma luz


espreitava, nenhum som ecoava; mas meu coração pulsou um
pouco mais rápido com a ideia de sentir o ar fresco na minha
pele, cavando os dedos dos pés na terra. Estar sozinha, estar
relaxada.

Se eu fosse pega?

Você não está fazendo nada de errado, disse a mim


mesma. Os cães sabem quem você é, assim como os guardas.

Havia algo inerentemente vulnerável em ser pego


tentando relaxar, mas meu raciocínio havia vencido. Saí da
cama, enrolando o cobertor ao meu redor, e desci as escadas.
A casa estava quieta e silenciosa, os únicos sons vindos da sala
de cinema.

Espiei pela porta enquanto passava. Dmitri e Anton


estavam assistindo desenhos animados; bem, Anton estava
assistindo. Sentado no colo do pai, estava muito interessado
nos personagens coloridos e brilhantes na tela. O seu pai
estava com a cabeça inclinada para trás e roncava baixinho.
Continuei me movendo, deixando Anton com seu
programa.

A porta dos fundos estava trancada, mas a chave estava


em um gancho atrás da cortina. Konstantin fez questão de me
mostrar quando me levou para um tour.

Assim que saí, me acalmei.

O ar fresco correndo ao longo da minha pele exposta e


bochechas coradas trouxe minha frequência cardíaca para
baixo em segundos; misturado com a falta de estimulantes e a
calmaria suave da brisa farfalhando entre as árvores, quase
adormeci no local.

Avancei para o jardim coberto de vegetação, saltando


sobre raízes expostas e galhos malcuidados. O outono
sinalizou o avermelhamento das folhas, fazendo com que
algumas plantas parecessem um conjunto de chamas e joias.

Encontrei um local tranquilo, a mansão ainda à vista,


mas fora disso oculta de todos. Um suspiro profundo, deitei no
chão, ignorando a ameaça de sujar o cobertor.

Os meus pensamentos e respiração desaceleraram,


permitindo-me classificá-los.

Tatiana recebeu o tônico que a deixou muito bem. O


suficiente para que eu tivesse a certeza de que estava
exagerando um pouco, se esforçando para fazer parecer que
estava melhor do que estava. A sua frustração por não poder
brincar com o filho ou estar com o marido deve ser difícil.
Não era uma cura – ainda não tinha ideia do que estava
errado com ela, que veneno havia injetado, ou inalado ou
absorvido. Era mais com um anti-histamínico sobre esteroides
ao invés disto; retardava o movimento do veneno, a rapidez
com que seu corpo o absorvia.

A gravidez de Tatiana tinha reduzido os componentes que


eu podia usar; em cima de Tatiana, também estava Konstantin.

Ele está apenas brincando com você, Elena, disse a mim


mesma. Você é o novo rato brilhante e ele o gato entediado.

Eu tinha razão. Konstantin não tinha interesse em mim


além do que poderia oferecer a Tatiana, do que poderia oferecer
a ele. Ele matou meu marido na minha frente e queria a chave
de Falcone. Eu não era nada além de um meio para um fim,
uma fonte inesperada de segredos; mas a reação do meu
corpo...

Esfreguei meu rosto, sentindo meus músculos tensos


mais uma vez.

O meu corpo estava exagerando, me traindo da pior


maneira imaginável. Nunca antes minhas bochechas ficaram
vermelhas, meu coração disparou, minha boca encheu de
água...

É medo, tentei raciocinar. Você está com medo dele, nada


mais.

A minha consciência interior até parecia duvidosa.


Desejando-me pensar em outra coisa, meus pensamentos
de alguma forma acabaram nas mulheres mortas.

Annabella Benéitez era uma criança e tinha sido uma


vítima no mundo da máfia. Isto me deixou estranhamente
zangada, mesmo que tivesse certeza de que a justiça seria feita.
Crianças estavam fora dos limites, e quem quer que estivesse
fazendo isso precisava cuidar da sua retaguarda.

Letizia Zetticci, Eithne McDermott, Mallory Nicollier e agora


Annabella Benéitez.

Todas foram mortas de formas diferentes, mas todas


tiveram seus dentes removidos após suas mortes.

Eu já tinha o suficiente na minha vida, mas o mistério


chamou minha atenção. Quem teria sido capaz de chegar a
todos esses lugares diferentes e perto de todas essas mulheres
em poucos meses? Todas as quatro mulheres teriam guardas,
pessoas protegendo-as, não teriam deixado ninguém se
aproximar muito delas.

Talvez fossem questões domésticas feitas para parecer um


estranho, pensei, mas em quatro ocasiões diferentes? E uma
criança?

E se fosse assim, então por que Eleazar Benéitez reagiu


daquela maneira?

Eu não me preocuparia com isso. A justiça seria feita e


tinha outras coisas com que me preocupar. Tinha uma mulher
grávida para curar ou arriscaria ser mandada de volta para os
braços da minha família.

Devo ter adormecido porque os raios quentes do sol


espreitando por cima das árvores me fizeram abrir os olhos.

O meu estômago roncou, me avisando que era quase hora


do café da manhã. Eu me encolhi com a ideia de ficar presa na
mesma sala que Konstantin e sua família.

A familiaridade entre eles fez com que os cabelos da


minha nuca se arrepiassem. Todos os apelidos e piadas
internas, os esforços que faziam para se acomodar.

A maioria dos cafés da manhã, ficava sentada em silêncio


entre Roksana e Danika, apenas falando para pedir algo ou
provocando Roman.

Virei a cabeça para o lado, distinguindo o telhado da


mansão por cima dos arbustos.

Todos estariam acordando agora, se preparando para o


dia.

À minha direita, um galho se partiu e virei a cabeça. Um


dos cachorros me viu e veio investigar, seu enorme focinho
farejando o chão ao meu redor.

Inclinei-me no cotovelo, estendendo a mão. O cachorro o


lambeu antes de desaparecer de volta no mato. O cachorro teve
a ideia certa.
Abandonei meu cobertor, não me incomodando mais com
o frio da manhã, apesar de estar vestida com meu pijama.

Os últimos dias, aprendi melhor a configuração do


terreno. Eu podia navegar pela propriedade facilmente agora,
desde o portão da frente até a pequena cabana de Rifat. Se
prestar atenção, poderá identificar os caminhos não oficiais
desgastados por entre as árvores e plantas.

Corri minhas mãos ao longo dos troncos das árvores


enquanto mergulhava mais fundo na floresta. Alguns dos cães
enfiaram a cabeça para fora dos arbustos para me examinar
antes de voltarem ao trabalho.

Os pássaros cantaram ao longe, as folhas farfalharam


com a brisa. Sob meus pés, sujeira e galhos eram esmagados
suavemente; de vez em quando ouvia um dos cachorros, mas
quase sempre estava quieto.

Eu tinha toda a intenção de voltar atrás, então cheguei à


cerca ao redor da propriedade. Estranho, pensei, mas não
suportava me virar. Há um portão, mas não há cerca.

O pensamento me fez rir de mim mesma.

O sol tinha subido mais alto, rosando o céu. As nuvens


cinza começaram a se formar, me dizendo como o tempo
estaria durante o dia.

Eu não me importava com a chuva, só esperava não ser


pega por ela.
Entre as árvores, pude distinguir um espaço aberto,
indicando o fim do bosque. Apressei-me, intrigada com a ideia
de encontrar o limite da propriedade. A cerca seria escalável?

Conhecendo Konstantin, provavelmente não.


Provavelmente havia um bando de gatos ferozes que o
impediam de escalar – e fio elétrico.

O caminho entre as árvores se abriu e...

Cercados verdes rolantes me saudaram; cercas brancas


delineavam a área, todas conduzindo de volta a um estábulo
de aparência luxuosa. Havia um edifício interno tipo fábrica ao
lado do estábulo, com uma arena estacionada ao lado. Deve
ser a arena interna, pensei, impressionada.

Ao lado do estábulo estava um edifício de fábrica interior,


com uma arena situada ao seu lado. Deve ser a arena interior,
pensei, impressionada.

O padoque mais próximo de mim, um cavalo cinza com


manchas brancas na garupa pastava. Quando me aproximei
da cerca, o cavalo ergueu a cabeça e imediatamente veio me
examinar.

Eu não fui tocá-lo, só um idiota tocaria em um animal


com o qual não estava familiarizado.

O cavalo jogou a cabeça por cima da cerca, esticando o


nariz, provavelmente procurando algo para comer.
— Eu não tenho nada para te dar — disse, levantando
minhas mãos. — Veja? Nada.

O cavalo não deu um passo para trás, pressionando a


cabeça em meu estômago. Eles não pareciam cruéis...

Lentamente, cocei a testa do cavalo, passando os dedos


pela franja e pela crina.

— Você não é tão ruim — disse.

O cavalo empinou as orelhas como se concordassem


comigo.

— Qual será o seu nome — disse.

— Kuksha de Odessa.

O cavalo e eu nos assustamos.

Konstantin riu. — Porém, apenas a chamamos de


Odessa.

Ele vinha do padoque, parado a alguns metros de


distância do cavalo e de mim. Konstantin usava uma camisa
polo verde enfiada em suas calças creme com um par de botas
marrons brilhantes, segurando um chicote frouxamente em
uma das mãos.

— Tentando escapar, Elena? — Perguntou.

— Não. Fui dar uma volta.


As suas sobrancelhas se ergueram. — Uma longa
caminhada. Gostou?

— Gostei até você aparecer — respondi.

O sorriso de Konstantin cresceu. — Que tal vir conhecer


os outros cavalos?

Não pude resistir e pulei a cerca. Konstantin ofereceu sua


mão, mas a empurrei, pulando na grama. O orvalho da manhã
batendo em meus tornozelos me fez perceber que ainda estava
de pijama.

Comparada com Konstantin em sua roupa de montaria,


eu parecia terrível.

— Tudo bem? — Konstantin perguntou quando me pus


de pé.

— Tudo bem.

Os seus olhos percorreram minhas pernas e braços nus.


A atenção causou arrepios em toda a minha pele. — Você não
está com frio?

— Não enquanto continuar me movendo.

Odessa nos seguiu enquanto descíamos o padoque. Ela


continuou enfiando o nariz nas minhas costas e pescoço.

— Ela quer atenção — Konstantin me disse na terceira


vez que fez isso. — Não é, Odessa? — Ele deu um tapinha no
seu pescoço.
— Não sabia que tinha cavalos — falei, coçando o nariz
de Odessa.

— Você nunca perguntou.

Eu olhei para ele. — Você corre com eles? Ou são para


fazer cola?

Konstantin sorriu, a diversão fazendo seus olhos


brilharem. — Corrida. Embora os dias de corrida de Odessa
tenham acabado, não é, menina?

Odessa sacudiu a cabeça como se estivesse concordando.

Chegamos ao fim do padoque e Konstantin abriu o portão


para mim. Quando Odessa tentou me seguir, gentilmente a
empurrou para trás, prometendo feno e ração se ela
obedecesse.

Um barulho alto de batida desviou minha atenção de


Odessa e dos estábulos. Alguém praguejou, lá dentro alto e em
russo, antes que houvesse outro estrondo.

— Hilarion — grunhiu Konstantin, caminhando na


direção do barulho.

Eu o segui, correndo para acompanhar.

Os estábulos eram incrivelmente claros, com pedras


revestindo as paredes e painéis de madeira escura separando
os cavalos; no meio do estábulo, um enorme cavalo cor de
damasco havia se libertado de suatrela e estava saltitando pelo
local, cabeça erguida e orelhas espetadas para trás.
— Hilarion — gritou Konstantin.

Instantaneamente, o cavalo parou e voltou sua atenção


para seu dono. Rápido como um chicote, ele se lançou sobre
Konstantin.

Konstantin me empurrou para o lado. Hilarion parou


diante dele, os cascos cravando-se no chão.

Konstantin resmungou algo em russo, o timbre de seu


tom baixo e ameaçador. Não é a voz de alguém que se queria
contrariar. O cavalo concordou e parou onde estava.

Konstantin agarrou seu cabresto, segurando-o no lugar e


se virou para mim. — Ele assustou você?

— A maioria das pessoas racionais tem medo de cavalos


de meia tonelada vindo em sua direção, Konstantin — rebati.

Hilarion virou a cabeça para mim, com as narinas


dilatadas. As suas orelhas ficaram para trás enquanto me
olhava.

— Comporte-se — advertiu Konstantin. — Hilarion é


nosso garanhão, e o único cavalo de corrida atual. Ele tem o
temperamento de um adolescente.

Não tirei os olhos do cavalo. — Prefiro Odessa — disse


simplesmente.

Hilarion jogou a cabeça para trás, mas Konstantin o


segurou.
— Muitos preferem — disse, dando um tapinha afetuoso
no nariz de Hilarion. Eu não teria colocado meus dedos tão
perto dos dentes do garanhão. — Venha conhecer Basil.

Basil acabou por ser um cavalo castrado descontraído e


pesado que praticamente adormeceu sob meus arranhões e
tapinhas; mesmo quando Hilarion relinchava, Basil nem se
deu ao trabalho de abrir os olhos.

— O nosso cavalo de melhor comportamento — disse


Konstantin. — Eu nunca vi Basil estressado ou em pânico.

— Ele parece alto — rio enquanto Basil revirava os olhos.

Konstantin virou a cabeça para mim com o som. Um


pequeno sorriso cresceu em seu rosto. — Você tem muita
experiência com cavalos?

— Exceto passeios de pônei de parque de diversão, não.

— Posso te ensinar a cavalgar, se quiser.

A palavra sim tentou rastejar para fora da minha


garganta, mas a segurei. — Não, obrigada. Não estarei aqui por
muito mais tempo.

— É mesmo? — Perguntou Konstantin. Ele gesticulou


para minha mão, espiando a nova escrita. Resisti ao desejo de
colocar minha mão em meu peito. — Magnífico — leu. — A que
se refere?

— Não é da sua conta.


Os seus olhos brilharam. — Então, tem algo a ver comigo.

— Alguém já disse que é o homem mais arrogante que


existe? — Exigi.

— Alguns — observou Konstantin. — Nenhum


interessante o suficiente para se lembrar.

Revirei os olhos para não rir. — Touché.

Aborrecido por ser ignorado, Hilarion soltou um relincho


estrondoso. Segundos depois, Odessa respondeu de fora,
parecendo tão irritada quanto.

— Você tem muitos animais de estimação — comentei. —


Cavalos... cães. Roman.

— Gosto de animais — disse Konstantin. — Eles são mais


fáceis de treinar do que os humanos.

— Claro que gosta deles com base em seu treinamento —


murmurei. — O que você faz com seus animais de estimação
rebeldes?

As suas sobrancelhas loiras se ergueram. — Ainda não


encontrei um animal de estimação rebelde — disse. — Apenas
os humanos se comportam dessa maneira.

Continuei a coçar o nariz de Basil, o ato reconfortante


para ambos.
— Se não partirmos em alguns minutos, perderemos o
café da manhã — disse Konstantin após alguns momentos de
silêncio.

— Eu não estou com fome. — Assim que as palavras


deixaram minha boca, meu estômago soltou um gorgolejo.

Konstantin riu suavemente. — Não?

— Bem. — Deixei cair minhas mãos de Basil, que havia


adormecido.

Depois que Konstantin deixou Hilarion sair para o campo,


me levou até seu carro, insistindo que eu não voltasse descalça
até a mansão.

— Você nunca disse por que estava aqui — disse


Konstantin quando me sentei no banco de trás. Um de seus
homens sentou-se no banco do motorista, o charuto
pendurado na janela.

— Eu queria dar um passeio.

Konstantin assentiu. — Claro.

Ele não tocou no assunto de novo, mas a facilidade com


que o deixou cair não me enganou e pensei que estava
satisfeito com a minha resposta.
11

Konstantin Tarkhnov

Território neutro é uma coisa difícil de encontrar.

Os cinco chefes de New York decidiram, depois de horas


de ida e vinda, que a Governors Island era o melhor lugar para
se encontrar; embora a ilha estivesse tecnicamente em
território Ó Fiaich, era acessível via água – todos os chefes
poderiam escapar se precisassem.

Nenhum espaço fechado foi acordado, deixando a reunião


ao ar livre.

Eu e os meus colegas chefes da máfia fizemos fila,


olhando para o East River. Os nossos homens vagavam atrás
de nós, não chegando muito perto, mas observando todas as
ameaças possíveis como falcões. Roman e Artyom me
acompanharam.

Quando o sol atingiu seu pico mais alto, foi Mitsuzo


Ishida quem disse — Obrigado por concordarem em se
encontrar, senhores.

Mitsuzo Ishida era o Oyabun da Yakuza de New Jersey,


desde que imigrou para os Estados Unidos em meados do
século XX, Ishida reinou sobre New Jersey ferozmente, mas de
forma justa; apesar de algumas jogadas de poder ao longo das
décadas, seu controle sobre o poder nunca vacilou. Ishida
tinha visto chefes irem e virem, visto territórios subirem e
descerem, e veria muitos mais.

— Este encontro está muito atrasado — disse Thomas Sr


Ó Fiaich, chefe do Brooklyn Irish Mob, Thomas Sr havia tomado
recentemente o manto de seu tio, mas rapidamente provou ser
tão feroz e sanguinário quanto seu antecessor, garantindo que
o Ó Fiaich se mantivesse dono do Brooklyn por mais algumas
décadas.

Foi Chen Qiang quem disse — Concordo, muito atrasado.

Qiang era o Shan Chu da Tríade Chen, seu território se


estendendo sobre o Queens e subindo até Hempstead. Qiang
havia construído sua sociedade do zero, junto com sua esposa,
Chen Suyin. Juntos, ambos trouxeram estabilidade e comércio
para New York.

— É muito raro, no entanto ganharmos um novo membro


— ponderou Mitsuzo. Ele acenou com a cabeça para mim em
respeito. — Bem-vindo, Konstantin.

Eu sorrio ligeiramente. — O prazer é meu.

Foi Vitale Lombardi quem bufou. Olhamos para o Don da


Lombardi La Cosa Nostra, sua família governando Manhattan
e o Bronx. Ele se afastou do grupo, com sua expressão severa
e cruel.
Vitale deixou bem claro seu desdém por minha posição,
enquanto todos os outros chefes me ligaram para dar os
parabéns, Vitale permaneceu em silêncio. Velho e tradicional,
Vitale não gostava de se desviar das regras. A sua visão da
máfia ainda estava enraizada na Idade de Ouro, antes das leis
RICO19, incapaz de mudar para a era moderna.

Seria sua queda.

— A Bratva não pode deter nenhum território em New


York — disse Vitale. — Eles são brutos sem educação, nada
mais.

O meu sorriso era baixo e frio. — Interessante, considero


a La Cosa Nostra da mesma forma.

Vitale desviou seus olhos escuros para mim. — Você vai


pagar por matar Thaddeo — retrucou. — Você e todos os seus
imundos...

— Lute em seu próprio tempo, Vitale — disse Qiang,


cansado. — Estamos aqui para discutir as mortes sem
coração.

Eu levantei minhas sobrancelhas para Vitale. Não


esqueceria suas ameaças, mas não tinha interesse em brigar
com uma figura tão inútil.

19-Racketeer Influenced Corrupt Organization Act, ou em português, Lei Fderal das Organizações
Corruptas e Influenciadas pelo Crime Organizado. A lei tem como objetivo e é empregada para
impedir atividades de cárteis e máfias.
Eu duvidava que Vitale tivesse seu território por muito
mais tempo. O tempo para o tradicionalismo estava morrendo
lentamente.

— Eu sei — disse Vitale, sombriamente. — Uma dessas


mortes pertencia à minha famiglia.

Letizia Zetticci. Assassinada por envenamento.

— Suponho que tenha conduzido uma investigação sobre


a morte — disse Mitsuzo.

Vitale fez uma careta para o Oyabun. — Claro. Letizia não


era uma mulher combativa – sua morte foi uma surpresa.

O que significava que não havia motivo para seu marido


matá-la.

— Imagino que o mesmo possa ser dito sobre as outras


vítimas — observei. — Incluindo Annabella, de onze anos.

As expressões escureceram e os lábios se estreitaram. A


morte de uma criança não era algo que nosso mundo aceitava.
Podemos ser cruéis e sem coração, sanguinários e belicistas,
mas crianças estavam fora dos limites. Qualquer um que fosse
atrás de uma não era um homem popular.

— A reação de Eleazar foi... interessante para dizer o


mínimo — observou Mitsuzo.

— Eu concordo — disse Thomas Sr, acendendendo um


charuto, o cheiro soprando com o vento. — Ele sabe algo que
nós não sabemos.
— Eleazar tem um histórico de superprotetor — disse
Vitale. — Lembra como agiu quando Don Piero foi baleado?

— Não foi visto em público por alguns meses depois —


confirmou Qiang. — Sim, Eleazar pode ser excessivamente
cauteloso, mas não é um idiota.

Eu lancei meus olhos sobre o rio, observando as balsas e


os navios passando. — Ele viu algo ou reconhece algo sobre o
crime.

— Exato. — Thomas Sr deu outra longa tragada em seu


charuto, desta vez, uma pitada de cravo soprou em meu
caminho. — Eu não me lembro de nada assim antes. Não na
Irlanda ou nos Estados Unidos. Quanto a vocês?

Nenhum de nós jamais tinha experimentado algo


parecido em nossa pátria, ou mesmo ouvido falar de tal coisa.

Estes assassinatos foram sem precedentes.

Encontrar algo novo e único era uma raridade, em um


mundo contruído sobre tradição e dever, incluindo os tipos de
violência.

— Apesar da falta de informação, todos podemos


concordar que as mulheres associadas às nossas organizações
estão sendo visadas. Aparentemente, por acaso. Todas foram
encontradas sem dentes — disse Qiang.
Mitsuzo assentiu. — Eu nunca vi nada parecido antes,
mas estou por aí há tempo suficiente para saber que pessoas
que removem dentes nunca são as pessoas mais saudáveis.

Todos concordamos com essa afirmação.

À distância, uma buzina soou, ecoando sobre o rio.

— Alguém está fazendo isso — enfatizou Vitale. — Seja a


máfia, o governo ou alguma outra entidade, mas estamos sob
ataque. Matar nossas mulheres é um ataque direto à nossa
honra.

Provando a sua falta de habilidade para protegê-los.


Embora os homens tivessem menos expectativas em seu
trabalho como maridos do que as mulheres como esposas,
esperava-se que a protegessem e sustentassem, se falhassem
em fazer um desses, nunca pareceriam muito bons para os de
fora.

Incluindo sindicatos inimigos. Afinal, se as mulheres


pudessem ser atacadas, quão difícil seria derrubar os homens?

Quando a reunião terminou, uma longa conversa em que


cada palavra era como mover uma peça de xadrez pelo
tabuleiro, o sol começou a se pôr. Tentamos provar por horas,
que éramos os únicos a temer, os mais sanguinários de todos
nós.

Não me teste, vizinho, nossos olhos avisaram nossos


colegas chefes. Eu sou a cobra na grama, o rei da colina. Posso
não ser a ameaça atual, mas sou uma ameaça do mesmo jeito.
Eu respeitava Mitsuzo, Thomas Sr e Qiang; no entanto,
achei Vitale arrogante e estúpido. A sua insistência nos valores
da Idade de Ouro me lembraram da minha família na Rússia e
de como essas ideias funcionaram para eles.

Não demorará muito, pensei enquanto o ouvia tentar


afirmar o domínio, até que alguém mais jovem e inteligente
apareça para pegar sua coroa.

Há dois anos atrás, era eu com esta ambição em mente,


mas o território Lombardi não tinha o que eu queria.

Não tinha uma mulher de olhos verdes com uma língua


prateada e mais segredos do que ela sabia.

Quando fui embora, Mitsuzo me puxou de lado.


Caminhamos juntos até nossos respectivos barcos, nossos
dois homens por perto nos dando privacidade.

— Os Rocchettis podem ter apoiado sua reivindicação a


Staten Island — disse — mas você terá muito mais adversários
até que esse território seja verdadeiramente seu.

Eu sorri. — Eles podem tentar.

Os seus olhos escuros brilharam, reconhecendo a


proteção carnal e ambição em minha expressão. — Eles
tentarão, de fato. — Inclinou a cabeça. — Diga... você não é
casado. Se quiser consolidar seu poder, case-se com uma
garota de uma família poderosa. Tenho duas lindas filhas, é
bem-vindo a qualquer uma delas.
— É uma oferta muito gentil, senhor — não queria
ofendê-lo, mas também não queria que ele pensasse que estava
em posição de me cafetinar. — Devo recusar, contudo.

— Claro. — Mitsuzo sorriu levemente. — Estou ansioso


para sermos vizinhos, Konstantin.

— Assim como eu.

Apertamos as mãos, ambos apertando nosso aperto


levemente no domínio, antes de seguirmos nossos caminhos
separados.

Olhei para o horizonte, enquanto o barco viajava de volta


para Staten Island. Os prédios altos e brilhantes refletidos na
luz fraca, gigantes que pairavam sobre todos nós.

— Todos os outros chefes pensam que alguém está por


trás das mortes. Um terceiro, se preferir — disse.

— Você acredita neles? — Perguntou Artyom. Não


descrente, apenas inseguro.

Balancei a cabeça lentamente. — Acredito. — Lanço meus


olhos para casa, para o meu território, para ela. — Por
enquanto.
12

Elena Falcone

Danika abriu a porta antes que eu batesse, seus olhos


brilhantes e seu sorriso largo. — Oh, Elena! — Pegou meu
pulso e me arrastou para o quarto. — Eu não pensei que
viesse.

— Preciso de um vestido — disse. Originalmente, quando


Danika me convidou para me arrumar com Roksana,
acompanhada por ela e Tatiana, recusei, mas sentada a frente
do espelho, sozinha, e em território desconhecido, me fez
reconsiderar a oferta de Danika.

Roksana e Tatiana já estavam no quarto. Roksana estava


arrumando o cabelo na penteadeira, enquanto Tatiana estava
deitada na cama, apoiada nos meus travesseiros, mas
parecendo corada e mais saudável.

— Elena. — Tatiana foi a primeira a me notar. — Venha


e experimente alguns dos vestidos que comprei para você.

— Você ficaria tão bonita com o verde — Danika me disse.


Rastejando sobre a cama e se sentando ao lado de Tatiana, de
pernas cruzadas. — Vamos, dê-nos um show.

— Deixe-a em paz — Roksana chamou.


— Está tudo bem — disse, me aproximando dos vestidos
pendurados na porta do banheiro. A maioria estava protegida
por sacos, então abri o zíper de todos e escolhi os que mais
gostei.

Tatiana riu de repente, acariciando seu estômago. —


Nikola está chutando. Ela sempre fica tão animada quando
Elena está aqui.

— Nikola sabe que Elena está ajudando sua mãe — riu


Danika. Ela colocou a mão na barriga de Tatiana, ambas
quietas enquanto esperavam pelo próximo chute. Segundos
depois, as duas riram novamente. — Mal posso esperar para
ter outro bebê em casa.

— Eu também — Roksana saltou. — E uma garotinha!


Será bom não estar em desvantagem numérica.

Tatiana sorriu amplamente. — Eu sei, eu sei. Dmitri acha


que ela será a filhinha do papai, mas não estou tão convencida.

Danika acabou acertando sobre o vestido verde. A cor


esmeralda do tecido complementava meus olhos e cabelo
castanho. Dando definição à minha forma esguia, adicionando
algumas curvas e linhas à minha cintura e seios.

— Você está linda — Danika admirou da cama quando


saí do banheiro.

Ajustei a alça por cima do ombro e me examinei no


espelho comprido. — Mmm.
— Dê-nos um sorriso — riu Dani.

Enviei-lhe minha melhor careta dentuça e sua risada


dançou pelo quarto.

— Seu sorriso é terrível, mas tem dentes lindos — Tatiana


observou.

— Vocês duas são tão más — Roksana disse da


penteadeira. Dizendo para mim — Você está linda.

Escondi meu sorriso, continuando a avaliar meu reflexo.


— Talvez consiga alguma atenção. — Corri meus dedos pelo
meu cabelo, me distraindo momentaneamente do fato de que
ninguém riu.

Olhei para cada uma das mulheres. Eu tinha acabado de


perder meu marido; podia ver por que minha piadinha parecia
terrível.

Abri a boca para oferecer algum tipo de justificativa, mas


Roksana disse — Não faça piadas como esta ao redor de
Konstantin.

— Por que não? — Perguntei, meu temperamento


aguçando meu estômago.

— Konstantin é um homem muito territorial —


murmurou Tatiana. — Apenas divirta-se esta noite. Não se
preocupe com mais ninguém.
As perguntas borbulharam em minha garganta, mas as
segurei. Uma parte de mim não queria a resposta às minhas
perguntas, mas saber o significado por trás de suas palavras.

Apenas cure Tatiana e vá embora, disse a mim mesma.


Isto é tudo que precisa fazer, e então estará livre.

Livre.

— Quando fui ao balé pela primeira vez, Roman me disse


para levar um livro de colorir para me entreter — disse Danika,
mudando de assunto.

— Não sei onde encontraria um livro para colorir — disse.

Roksana bufou. — Ela está apenas sendo um idiota,


Elena. — Acrescentando em seguida — Ninguém nesta família
valoriza a arte, exceto Kostya, é claro.

— Os dois conhecem todas as danças e técnicas — disse-


me Danika. — Você vai querer se livrar da multidão.

Tatiana deu uma risadinha. — Pode pegar emprestado


um dos livros de colorir de Anton, Elena.

— O balé é lindo — Roksana me disse. — Ignore essas


duas. — Lançou-lhes sorrisos afetuosos, contudo.

Quando chegou a hora de sair, abri a porta para Artyom


encostado na parede. Ele parecia severo, mas no momento em
que avistou Roksana atrás de mim, todo o seu rosto se
iluminou.
— Ah, está linda, dorogaya.

Artyom nem sequer olhou para mim enquanto estendia


os braços para a esposa, me obrigando a apertar contra a porta
para que Roksana pudesse cumprimentá-lo.

— Obrigada, marido — colocou os braços ao redor do


pescoço, sorrindo em sua boca.

Juntos, formavam um par perfeito. O cabelo loiro e


branco de Roksana contrastava com o preto como tinta de
Artyom, seu corpo esbelto e baixo encaixava perfeitamente nos
braços altos e musculosos.

A intimidade e a familiaridade de seu casamento nunca


foi algo que compartilhei com Thaddeo. Tínhamos mais
probabilidade de apontar armas um ao outro do que nos
abraçar.

Os beijos, o sexo, os toques, tudo foi proposital e com uma


agenda clara em mente. Thaddeo era afetuoso em público
porque fazia nosso casamento parecer forte, e transava comigo
porque precisava de um herdeiro.

Eu considerava o afeto em nosso casamento como uma


lista de verificação. Abraço, confere. Beijo, confere. Deite-se de
costas e abra as pernas, confere. Sem emoção, sem amor, sem
parceria. Apenas expectativas e deveres, apenas regras e
compromissos.

Eu não me importava de ficar sozinha – na verdade,


preferia. Fazia-o desde criança, o que levou minha família a me
chamar de indiferente e antissocial durante a maior parte da
minha vida. Se eu preferia tanto, por que sentia cólicas no
estômago ao ver Artyom e Roksana? Por que meus dedos se
fecharam em punhos?

— Eu te encontro lá embaixo, Roksana — disse,


afastando minhas saias.

Roksana fez um barulho de concordância, mas estava


encantada demais com seu marido e seus doces elogios para
perceber que eu estava saindo. Eu olhei para eles mais uma
vez quando cheguei ao final do corredor, antes de desviar meus
olhos.

Você não precisa de um parceiro, disse a mim mesma,


tentando acalmar a besta verde rosnando no meu estômago.
Só precisa curar Tatiana e ganhar sua liberdade.

— Elena — chamou uma voz familiar.

Olhei escada abaixo, os olhos indo diretamente para


Konstantin. Ele se ergueu no hall de entrada, parecendo
resplandecente em seu terno e cabelo penteado quase para
trás. Os seus olhos castanhos claros estavam trancados em
mim, escurecendo quando me olhava.

— Você está linda — disse simplesmente, como se fosse


um fato e não um elogio.

Recusei-me a reconhecer o rubor subindo por minhas


bochechas. — Peguei emprestado o vestido de Tatiana.
Os olhos de Konstantin se arrastaram sobre mim. — Não
é o vestido.

— Roksana está chegando. — Puxei minha saia e


cuidadosamente desci as escadas.

Ele riu suavemente. — Vi Artyom subir para buscá-la.


Pode demorar um minuto antes que ela se junte a nós.

Quando cheguei aos últimos degraus, Konstantin


estendeu a mão. A sua palma e dedos eram ásperos, marcados
por sua vida como mafioso – ou um Vor, como Danika me disse.

Por um segundo, quase estendi a mão e peguei.

Quase.

Desviei de sua mão estendida. — Posso descer as


escadas, Konstantin.

— Sei que pode — reconheceu. — Eu sempre fui ensinado


a ajudar uma senhora com saltos perigosos, porém,
especialmente aquelas tão bonitas quanto você.

— Você só ajuda mulheres bonitas? Inovador.

Konstantin realmente riu. — Não são todas as mulheres


bonitas, Elena?

Eu não estava caindo nessa. Enviei-lhe um olhar feroz,


fazendo-o rir novamente. O som ecoou pelo hall, refletindo no
lustre e no piso de madeira.
Os seus olhos caíram para minhas mãos e suas
sobrancelhas uniram-se. — Você escondeu seus pensamentos.

Eu tinha. Esfreguei-os com sabão até que desbotassem,


depois apliquei base nas palavras que não desapareceram. As
minhas mãos não pareciam tão limpas há anos, e odiava.

— Duvido que o prestigioso balé me deixasse entrar com


tinta nas mãos — disse.

— Você está comigo — disse. — Poderia entrar com um


ninho de pássaro na cabeça e teriam que deixá-la entrar.

— O pássaro incluído?

Ele sorriu suavemente. — Teríamos que ser plausíveis, é


claro.

— Chato. — Inclinei minha cabeça para o lado. — Que


coincidentemente é a mesma palavra que Danika usou para
descrever o balé.

— O balé é tudo menos enfadonho — disse Konstantin.


— Requer força e beleza trabalhando juntos para criar uma
história. — Os nossos olhos se encontraram, a intensidade de
sua expressão me atraindo. — É uma forma de arte construída
sobre dor e autodisciplina. Poucos esportes hoje podem dizer o
mesmo.

— Refere-se às bailarinas, não é mesmo?


Konstantin sorriu em confidência. — Já que não estou
mais a par de seus pensamentos, você não é bem-vinda aos
meus.

Eu quase coloquei minhas mãos nas dobras do meu


vestido antes de lembrar que as palavras não estavam mais lá.
Ele não conseguiria ler o que estava acontecendo em minha
mente. — Como se já tivesse me dito o que está pensando.

— Disse. — Os seus olhos não se moveram do meu rosto.


— Se acreditou em mim ou não, é motivo de debate.

A curiosidade tomou conta de mim. — Que pensamentos


você me disse?

— Não me parece justo revelar todos os meus segredos


enquanto você mantém sua privacidade.

Franzi meus lábios. — Tenho certeza de que seus


segredos são chatos de qualquer maneira.

O sorriso de Konstantin era nada além de predatório


quando disse — Posso te assegurar, Elena, são tudo menos
chatos.

A maneira como ele disse meu nome me disse exatamente


que tipo de segredos tinha.

Disse aos meus pés para recuar, meu coração para parar
de disparar, mas meu corpo não ouviu. Estava enraizada no
lugar, presa sob o intenso apreço de Konstantin.
— Você não tem nenhuma outra mulher para zombar,
Konstantin? — Tentei soar ameaçadora, mas em vez disso soei
desesperada.

— Claro que sim, mas nenhuma é tão divertida quanto


você — riu. — Ou engraçada.

— Engraçada? — A palavra saiu de mim. — Acho que


ninguém nunca me chamou de engraçada em minha vida.

Uma de suas sobrancelhas arqueada para cima. — Não?

— É mais provável que eu seja chamada de vadia —


murmurei — ou puttana. — Um apelido particularmente
favorito de Thaddeo.

Houve uma centelha de escuridão na expressão de


Konstantin. — Recentemente?

— Não na minha cara — disse. — Você pode


honestamente dizer que Roman não disse pior nas minhas
costas?

— Tenho certeza de que você tem dito coisas igualmente


devastadoras sobre ele.

Eu rio, o som surpreendente e abrupto. — Nada que ele


não mereça.

Konstantin não respondeu, em vez disso, olhou para


mim, como se seus olhos estivessem se desgrudando da
maquiagem e da pele e espiando meu cérebro.
Ninguém nunca me olhou assim antes. Como se
estivessem... apaixonados.

Levantei a mão até o rosto, sem graça.

— Quando você ri, o sol nasce em seus olhos — disse


Konstantin.

O mundo caiu sob meus pés.

Eu abri minha boca, mas nenhuma palavra saiu. Fiquei


com raiva, envergonhada e ruborizada ao mesmo tempo, um
coquetel de emoções que só este homem poderia extrair de
mim.

Konstantin estendeu a mão e pegou uma mecha do meu


cabelo, passando-a pelos dedos.

Quando não resisti, ele delicadamente traçou minha


clavícula. O seu toque me enviando eletricidade a disparar em
minhas veias. O sangue correu pelos meus ouvidos; meu
coração batia forte no meu peito. O ar ficou difícil de respirar;
pensamentos eram difíceis de formar.

Se já reclamei antes de ser excessivamente estimulada,


então não tinha ideia.

A expressão nos olhos de Konstantin, a pressão de seu


dedo, sua presença imponente. Tudo... era demais.

Afastei-me, buscando distância e clareza. Eu não era uma


garota estúpida, apaixonada pelo chefe mafioso sedutor.
Eu sabia exatamente do que aquelas mãos eram capazes.

Konstantin olhou para mim, deixando cair as mesmas


mãos lentamente. — Eu sei que sente isso também, Elena. —
O seu tom era baixo.

— Não, não sinto — soei rouca. — Você é apenas um


bastardo arrogante.

— Oh, definitivamente, mas não significa que esteja


errado — respondeu Konstantin. — Você não é mais uma
mulher casada, nem está sob o olhar vigilante de sua família.
Por que negar prazer a si mesma?

A raiva conseguiu limpar minha mente da névoa


luxuriosa. — Prazer? O que há com os homens e sua crença de
que são bons em dar prazer? — Enviei-lhe um sorriso. —
Acredite em mim, se alguma vez ouviu uma mulher
descrevendo suas habilidades, ela não seria tão gentil com a
sua descrição.

Os seus olhos brilharam. — Eu não teria tanta certeza.

— Eu tenho — assobiei. — Sexo não é tão bom quanto os


homens fazem parecer.

Sexo com Thaddeo levava três minutos comigo pensando


nos livros que queria ler e nas plantas que queria cultivar.
Aborrecido, doloroso e nunca tão bom quanto a cultura pop
dizia ser.
O sorriso de Konstantin foi baixo e sombrio. — Você é
uma cientista. Por que não testa sua hipótese?

Abri minha boca para responder, mas fui cortada.

— Desculpa! — Roksana desceu correndo as escadas, sua


pele pálida de um vermelho brilhante. Cachos soltos caindo do
coque. — É melhor irmos, senão vamos nos atrasar. — Ela
parou e olhou de Konstantin para mim. A sua expressão
congelou. — Estou interrompendo algo?

— Não. Vamos — disse.

Konstantin acenou com a cabeça e gesticulou com a mão,


acenando para que liderássemos o caminho. Senti o olhar de
Konstantin em minhas costas, durante todo o trajeto até o
carro.

Eu sabia agora como o coelho se sentiu quando avistou


um par de olhos de raposa nas sombras.

A Ópera e Ballet House de Staten Island é uma grande


obra de arte, com uma arquitetura latina colossal e belas
pinturas colorindo o teto. O dourado percorria os tetos
ornamentados e as arcadas, como se alguém tivesse
delicadamente delineado a estrutura.

Um funcionário nos levou a um camarote particular, no


momento em que chegamos. Olhando todo o palco e a sinfonia,
local privilegiado. Os assentos de veludo vermelho eram
almofadados, e nos foi oferecido champanhe e uma tábua de
queijos segundos depois de nos sentarmos.
A empolgação de Roksana era óbvia. Ela abriu o
programa entre nós duas, discutindo os dançarinos principais
e os diferentes atos. Era um balé que já vira muitas vezes, mas
pelo qual nunca perdera o amor.

A maneira como falava sobre a música e a história era


com familiaridade e compreensão suficientes que perguntei —
Você já foi bailarina?

Roksana ficou tensa e tive minha resposta


imediatamente. — Uh... quando era muito jovem. — Ela
dobrou o programa. — Sou uma espectadora muito melhor.
Não sou, Kostya?

Konstantin respondeu, do outro lado de Roksana — Uma


espectadora brilhante. Uma das melhores.

Ela sorriu, satisfeita. — Konstantin é um grande


bajulador. — Os seus olhos dançaram para mim. Parecia que
estava prestes a acrescentar algo, mas o teatro escureceu,
fazendo com que os murmúrios da multidão parassem.

A cortina subiu e belas dançarinas fluíram para o palco.


Os seus trajes brilhavam quando se viravam e saltavam, a
dificuldade física de seus movimentos parecendo fáceis e
rítmicos.

Durante todo o balé, no entanto, consistentemente após


os solos de partir o coração e da dança de ritmo rápido do corpo
do ballet, senti Konstantin atento a mim.
Fisicamente, fomos separados por Roksana – que estava
encantada demais com a dança para notar qualquer outra
coisa – mas sua presença estava cimentada em meu cérebro.
Sempre que levantava as mãos para bater palmas ou se mexia
em seu assento, minha atenção imediatamente se voltava para
ele.

As suas palavras se repetiam em minha mente.

Você é uma cientista. Por que você não testa sua hipótese?

Quando virei minha cabeça para olhar para ele, já estava


me olhando.
13

Elena Falcone

Roksana e eu nos dirigimos para o banheiro, após a


emoção do final. As mulheres passavam apressadas em suas
nuvens de perfume, risadas e vozes agudas ecoando pelos
banheiros e corredores.

Eu não me importei. Só precisava ficar longe do Pakhan.

Roksana e eu nos juntamos ao final da fila. O guarda-


costas de Roksana, Mikhail, pairava perto do final do corredor,
com uma expressão feroz, mas muito consciente de que não
era permitido entrar no banheiro feminino. Ele até foi castigado
pelas mulheres mais velhas por estar nas proximidades dos
banheiros.

— Você gostou? — Roksana perguntou.

— Foi agradável. — Eu não me lembrava de quase nada.


Era irritante como o público deveria juntar as peças, juntar as
próprias histórias e cronogramas. A ciência não esperava que
fizesse tudo isso. — Achei as fantasias legais.

Roksana riu. — Agradeço o esforço.


Forcei um sorriso, surpresa comigo mesma por suavizar
meus verdadeiros sentimentos para impedir Roksana de se
sentir chateada.

Você acabou de assistir a duas horas de música clássica,


disse a mim mesma. O seu cérebro está frito.

Poderia ser isso, ou talvez seja porque pude ver o amor de


Roksana pelo balé, o desejo em seus olhos enquanto olhava
para as bailarinas.

Entendia este sentimento de algumas maneiras. O meu


amor pela ciência sempre esteve fora do alcance, tirado de mim
por causa das regras tradicionais da minha família; sem
incentivo, sem faculdade.

Até...

Eu o afastei da minha mente, não querendo ir lá ainda.

— Pelo menos você não saiu no meio do caminho — disse.


— Quando convenci Roman a vir comigo uma vez, ele nem
chegou ao segundo ato antes de se levantar e sair.

— Roman não parece ser do tipo de balé.

Roksana riu. — Não. Não é, nem mesmo a adorável


Danika gosta de balé. Ela finge, porém, o que é muito gentil da
sua parte.

Avançávamos na fila, espremidas enquanto o corredor


ficava mais lotado com mulheres precisando se aliviar.
— Pelo menos tenho Konstantin para me acompanhar.

Eu fiz uma careta ao seu nome. — Pelo menos.

Roksana buscou minha expressão. — Sei que


definitivamente isto não é da minha conta, e bem, somos
estranhas, mas posso perguntar o que está acontecendo entre
você e Konstantin?

Eu não respondi. Não que não quisesse; era mais o fato


de que eu não sabia como colocar em palavras o que estava
acontecendo comigo e com Konstantin.

— Se seus avanços não forem correspondidos, posso


alertá-lo para recuar.

Encontrei seus olhos. — Por que faria isso?

— Lembro-me de como era ser o foco principal de um


destes homens. Pode ser... intenso. — As suas bochechas
ficaram rosadas. — A sua atenção pode ser... intensa demais.

Foi a minha vez de pesquisar sua expressão. — Foi isso


que aconteceu com você e Artyom?

— Sim e não. — Roksana acalmou sua voz, permitindo


que a conversa alta do corredor nos oferecesse mais
privacidade. — Não sou como você, ou as outras mulheres. Eu
não cresci na máfia. Escolhi Artyom e a vida que ele leva.

Eu não pude evitar minha reação de choque. — Você


escolheu? Tudo o que quero fazer é ir embora.
A sua expressão se suavizou. — Escolhi, escolhi Artyom,
o homem que amava, e esta vida faz parte dele. Você não pode
escolher quais partes das pessoas você ama.

— Era uma bailarina antes? — As palavras saíram antes


que pudesse detê-las, alimentadas pela curiosidade e o meu
choque remanescente.

Roksana fez uma pausa, antes de responder baixinho —


Sim. Sim, era.

— E agora você não é. — A finalidade da minha


declaração cimentou o que acreditava anteriormente. As
mulheres não podiam florescer neste mundo; nossos objetivos
não eram alcançáveis. Éramos esposas ou estávamos mortas.

Roksana pegou meu pulso e me puxou para fora da fila


do banheiro, em vez de responder. Eu a segui enquanto
entrava em uma alcova privada. Erguendo a perna na parede,
puxando o seu vestido para cima.

— Você está bem?

Avistei o joelho de Roksana. Onde deveria haver pele


imaculada, o joelho de Roksana era uma coleção de cicatrizes
brancas e rosadadas, até a rótula parecia desajeitada, quase
amassada.

A brutalidade disso fez meus lábios se abrirem.


— Não. Eu não sou mais uma bailarina — murmurou,
deixando cair a saia. — Não pelos motivos que você pensa,
qqqqqqqqqqqqqqqqporém.

As perguntas borbulhavam. Eu queria saber tudo, queria


saber o que havia acontecido e como lidou com isso, mas
principalmente eu só queria saber se ainda doía.

A minha dor não me deixou – e a sua?

— O que aconteceu? — Perguntei.

A expressão de Roksana se contraiu, mas continuou


dizendo — O meu pai contraiu dívidas. Muitas dívidas e
quando o agiota veio buscar seu dinheiro e meu pai não pôde
pagar... — piscou rapidamente. — o meu pai se quebrou muito
facilmente, então voltaram sua atenção para sua filhinha.

Roksana ficou em silêncio.

— Por que você me mostrou? — Perguntei.

Roksana encolheu os ombros. — Amo minha família. Amo


minha família mais do que tudo neste mundo. — Ela sorriu
tristemente para mim. — Eu sei que você não quer estar aqui.
Sei que está curando Tatiana porque tem um acordo com
Konstantin. O que é bom, mas não julgue o que não entende.

— Eu entendo o mundo da máfia.

— Você não conhece o mundo da Bratva, ou Konstantin


Tarkhanov. — A expressão de Roksana me implorou. — Ele é...
é um bom homem. Violento, mas bom.
— Eu não me importo.

— Eu disse algo semelhante uma vez — observou. — Você


não sou eu, contudo, e eu não sou você.

Eu inclinei minha cabeça em concordância.

O silêncio caiu sobre nós, não desconfortável, mas


pensativo.

Quando finalmente fiz a pergunta que estava em minha


mente, longos momentos se passaram. — Os agiotas?

— Mortos.

— Ótimo — afirmei.

Roksana sorriu brevemente, como se estivesse se


lembrando de algo com carinho. — Artyom amarrou-os pelos
calcanhares e alimentou-os com os dedos dos pés. — Ela
passou os dedos pelos cabelos. — Foi quando aceitei a sua
oferta.

Eu bufei. — Razoável.

Ela me lançou um sorriso e saímos da alcova. A conversa


tinha morrido no corredor, e imaginei que se voltássemos para
o banheiro, estaria quase deserto.

Eu me virei para Roksana. — Onde está Mikhail?

A cabeça de Roksana voou para o lado, batendo na parede


com um baque forte. Uma grande mão agarrou seu cabelo. Ela
soltou um grito de choque e dor tão penetrante que me chocou
profundamente.

— Solte-a!

Um homem enorme com olhos redondos saiu de trás de


Roksana, deixando-a cair no chão como uma boneca de pano.

Terror e raiva explodiram em mim como um vulcão.

— Vá se foder!

O homem agarrou minha garganta, a segurando


facilmente com uma das mãos. Arranhei seu pulso, cravando
minhas unhas com tanta força que senti sua poça de sangue.

— Cadela! — Ele me empurrou contra a parede, o impacto


escurecendo momentaneamente minha visão.

O segundo de desorientação permitiu ao homem aplicar


mais pressão no meu pescoço, prendendo-me na parede. Os
meus pulmões se contraíram enquanto lutavam por ar.

Algo passou por cima da cabeça do homem, atingindo-o.


Ele me soltou, cambaleando para trás e xingando
furiosamente.

Roksana agarrou um vaso decorativo e o segurava como


se fosse uma arma de destruição em massa.

O homem investiu contra Roksana, jogando o vaso para


longe como se não fosse nada além de uma mosca e jogando-a
no chão. Ela caiu, mas imediatamente começou a se afastar,
os tornozelos ficando presos em seu vestido.

Quando ele foi para ela novamente, ataquei. Cavei meus


dedos em seus olhos, pressionando com tudo que eu tinha. Os
seus olhos pareciam duros e moles quando meus dedos os
cortavam.

Uma arma engatilhada. — Solte-o ou vou atirar na Sra.


Fattakhov.

Eu levantei minha cabeça para ver um novo homem de


pé sobre Roksana, arma apontada diretamente para seu
crânio.

Eu nem pensei sobre isso, e soltei o homem, e tropecei


para trás, com meus dedos cobertos de sangue.

O homem gritou de dor, cobrindo o rosto.

— Você causou danos autênticos, não foi, Sra. Falcone?


— observou o recém-chegado. — Uma pena, Vik era um dos
nossos melhores soldados. Não importa. — Ele ergueu a arma
com silenciador, em uma fração de segundo, e atirou em Vik,
antes de apontar rapidamente a arma de volta para Roksana.

Vik caiu como um saco de pedras, olhos ensanguentados


olhando para o teto.

Roksana amordaçada.

Olhei para o recém-chegado. Estava vestido todo de preto,


barbeado e com olhos azuis brilhantes, e parecia estar em seus
quarenta e poucos anos, com cabelo cobre e tatuagens
padronizando sua pele exposta.

Mafioso. Vor. Soldado.

Qualquer que seja a porra do nome que o chamavam.

— Quem é você? — Cuspi.

— Você não tem acompanhado as notícias? — Perguntou.


— Pelo que ouvi, você é uma mulher muito inteligente.

Estreitei meus olhos para ele. — Onde você ouviu isso?

— Um passarinho me contou — disse, pressionando a


coronha da arma ainda mais na cabeça de Roksana. Ela fechou
os olhos brevemente, regulando a respiração. — Eles também
mencionaram que você tinha dentes muito bonitos.

Os olhos de Roksana se estreitaram. Ela sabia quem nos


atacou. Eu também sabia quem.

A mesma pessoa que havia matado mulheres associadas


à máfia nas últimas semanas.

— Eu sei sobre você também — disse calmamente. — O


assassino de crianças.

— Oh, está se referindo à pequena Annabella? — Os seus


olhos brilharam. — Ela não parava de gritar. Papai, mamãe,
Abuelito. Foi muito irritante.
— Ela era uma criança — Roksana saltou. Ela ergueu os
olhos. — Ela não participou de nenhuma rixa ou vingança. Ela
era inocente.

— Ninguém é inocente, Sra. Fattakhov — retrucou o


homem. O seu aperto na arma aumentou.

Uma sombra se moveu, no final do corredor, tão sutil e


familiar que sabia que só poderia ser uma pessoa.

Falei então — Você não vai matar a nós duas. Eles o


encontrarão antes que retire todos os dentes.

Ele riu. — Não subestime seus adversários, Elena. Acho


que descobrirá que são tão inteligentes quanto você. Se não for
mais inteligente.

— Eu acho que sou mais inteligente do que você.

Os seus olhos se estreitaram. — Tenho certeza que sim...

Konstantin pressionou uma arma contra sua cabeça, no


segundo seguinte, agarrou o pulso do homem e puxou-o,
permitindo a Roksana segundos de segurança para escapar da
linha de fogo. Ela imediatamente veio para o meu lado,
segurando meu braço com força.

O homem largou a arma, com choque em seus olhos. —


Você não deveria estar aqui.

— Claramente — Konstantin ronronou. Não havia nada


de flerte ou charmoso em sua voz. Era o tom de uma criatura
muito perigosa, que brincava com sua presa antes de devorá-
la.

O homem tentou atacar Konstantin, mas foi muito lento.


Eu só consegui assistir enquanto Konstantin esperava para
agarrar seu pulso e jogá-lo contra a parede. O homem tentou
se recuperar, mas Konstantin lhe deu um soco na garganta
com o mesmo movimento de uma cobra que ataca sua presa.

Konstantin endireitou as algemas, enquanto tentava


respirar. — Para quem está trabalhando? — Perguntou
baixinho, mas todos ouvimos.

O homem agarrou a parede para se firmar. — Eu não direi


merda nenhuma a você!

Konstantin cravou o cotovelo no estômago do homem,


fazendo-o se dobrar e ficar de joelhos.

Ele se agachou, equilibrando a arma na coxa. — Esta é


apenas uma fatia da dor que posso lhe causar — sibilou, o
primeiro sinal do monstro por baixo começando a assumir o
controle. — Há senhoras presentes, então devo jogar bem, mas
não se engane, você falará e não parará de falar.

O homem ergueu os olhos, olhos e nariz escorrendo de


dor. — Tão... po...deroso agora. — Engasgou. — Contudo...
Titus... virá... atrás de você.

— Titus. — Konstantin disse o nome pensativamente. —


Um Imperador Romano da Dinastia Flaviana. Não me lembro
dele matando mulheres inocentes, no entanto.
— Titus vai te matar... — O homem engasgou. — Todos
vocês se curvarão.

— O seu Titus quer dominar o mundo. Não é o mais


interessante dos objetivos — respondeu Konstantin. — Onde
está o seu Titus?

Ele balançou a cabeça, ainda lutando para respirar. —


Nunca... direi...

— Oh, acho que dirá.

O homem inclinou a cabeça, encontrando meu olhar. Ele


sorriu lentamente. — Cuidado com as costas, Falcone. Titus
tem você bem onde...

Konstantin golpeou o homem, com a parte de trás da


arma em seu ponto de pressão. Instantaneamente desmaiou,
não mais tão convencido e ameaçador.

Erguendo-se em sua estatura, Konstantin considerou o


homem com desinteresse, como se fosse um inseto
inconsequente que precisava matar.

— Elena, Roksana. — Konstantin olhou para nós por


cima do ombro.

— Estamos bem — disse.

Roksana concordou com a cabeça, incapaz de falar.


Konstantin nos esquadrinhou em busca de sua própria
confirmação. Os seus olhos passaram por Vik, com seus olhos
ensanguentados. — Mikhail está morto — disse.

— Oh — Roksana engasgou. — Oh, meu Deus... —


pressionou a mão contra o peito. — Artyom. Preciso do Artyom.

— Ele está a caminho — disse Konstantin, suavizando a


voz para Roksana. Os seus olhos vieram para mim, segurando
meu olhar. Ele parecia que ia dizer alguma coisa, mas gritos
russos explodiram no corredor.

Artyom e Roman vieram trovejando pelo corredor,


segundos depois.

Artyom não olhou para o seu Pakhan nem para os corpos


caídos. Foi direto para Roksana, me empurrando para fora do
caminho para chegar até ela. As palavras russas se
misturaram, mas sabia que ele estava perguntando se ela
estava bem. Roksana acenou com a cabeça em lágrimas.

— É o que acontece quando sai de casa sem mim — disse


Roman, pisando forte pelo corredor. Ele pegou os corpos. —
Merda, merda. — Então, para minha surpresa, perguntou —
Você está bem, Elena?

Eu pisquei. — Bem.

— Há sangue em seus dedos — apontou.

— Não é dela — disse Konstantin. Empurrou seu queixo


para Vik. — É dele.
Roman não vacilou para o homem sem olhos, em vez
disso, parecia... impressionado.

Konstantin apontou para o outro. — Entregue-o para


Dmitri e Olezka. Quero saber tudo que este homem sabe, tudo
o que viu e fez durante toda a sua vida; quero saber.

— Sim, Pakhan. — Roman olhou para Konstantin com


um lampejo de preocupação, mas não disse nada enquanto
fazia seu trabalho.

Artyom segurou Roksana junto ao peito — Quem diabos


é ele?

— Ele trabalha para o nosso assassino de mulheres —


observou Konstantin. — Um homem a quem ele se refere como
Titus.

— Titus? — Artyom baixou os olhos para o corpo. — Não


há nenhum chefe chamado Titus nos Estados Unidos, ou em
qualquer outra parte do mundo.

— Estou ciente — respondeu Konstantin. Ele enfiou a


arma de volta no coldre, antes de alisar o blazer. — Artyom,
quero que todas as mulheres sejam enviadas sob custódia
protetora. As que não puderem permanecer trancadas por
causa do trabalho, receberão guarda-costas.

Artyom endireitou-se. — Sim, senhor. Considere feito.


Konstantin encontrou meus olhos novamente, a cor
castanha clara escura e fria. — Chega de esperar — disse. —
Agora, nós caçamos.
SEGUNDA PARTE

Rei do Crime de Elena

“O veneno da cobra é vida para a cobra;

é em relação ao homem que significa morte”.

– Rumi.
14

Konstatnin Tarkhanov

Hilarion ganhou por meio segundo.

— E o vencedor é... Hilarion Troitsky dos Estábulos


Tarkhanov!

A multidão explodiu em vivas de celebração ou gritos de


irritação. Ouvi o barulho de pés enquanto as pessoas
chegavam em seus corretores, desesperadas para saber
quanto haviam ganhado. Hilarion era um dos favoritos, então
a soma não poderia ser muito alta.

A área VIP, decorada com brancos e pratas, os


proprietários e clientes perambulavam. O resultado da corrida
foi a meu favor – e não deles. Mitsuzo Ishida se juntou a mim
na primeira metade da corrida, mas teve de sair para tratar de
assuntos urgentes.

— Quando está pensando em procriar Hilarion? —


Alguém me perguntou. Era geralmente a primeira pergunta.

Eu dei minha resposta usual — Quando conhecer uma


garota que ele goste.
As mulheres riram em resposta, os homens riram, mas
seus olhos gananciosos não vacilaram. Um potro ou potranca
de Hilarion seria algo valioso para se possuir.

É por isso que não tinha intenção de desistir de um.

Os meus homens e eu começamos a sair, para nos


juntarmos a Hilarion e seu jóquei, quando Dmitri disse — Boa
sorte a qualquer um que queira um potro de Hilarion. Seria o
cavalo mais mal comportado da história.

Somente Dmitri se juntava a mim nas corridas por prazer.


Artyom alegava que era ridículo, sem fundamento. Roman
detestava ter que usar gravata, algo que lhe era exigido para
entrar na área VIP; algumas vezes as senhoras se juntavam a
nós – Roksana e Danika desfrutando do uso de chapéus
ridículos – mas não hoje.

Não, atualmente.

Tomei um gole do meu champanhe. — Talvez os genes da


égua deem ao potro um temperamento melhor.

Dmitri bufou. — Claro.

Compartilhamos uma risada.

As mulheres bem vestidas com chapéus extravagantes e


homens com ascotes20 de cores vivas enchiam o caminho para
os estábulos. Passando, as suas cabeças se viraram, tanto em
admiração quanto em compreensão. Aqueles que sabiam quem

20-Um ascote é uma gravata larga que se assemelha a um pequeno lenço.


eu era se afastavam rapidamente, não querendo que seus
rostos ficassem gravados em minha mente. Tarde demais.

— Era assim que as pessoas costumavam me olhar em


Moscou — disse a Dmitri. — Senti falta disso.

— Tatiana mencionou. — Os olhos azuis de Dmitri


examinaram a multidão. — Ela disse que faz você se sentir
poderoso.

Olhei pelo canto do olho. — Você?

Quando olhou para mim, tudo que pude ver foi o jovem
com olhos azuis gelados e pele da cor da neve que apareceu a
minha porta e declarou sua lealdade. Já servi a muitos
Pakhans, disse, mas você será o último.

— Vou me sentir melhor quando tivermos a sujeira que


precisamos de todas estas pessoas. — Ele olhou para trás, por
onde viemos, para os investidores e a elite. — Precisamos
encontrar essa chave.

— Estou ciente — disse friamente.

Dmitri baixou a cabeça em respeito. — Elena mencionou


mais alguma coisa?

Eu não tinha tocado no assunto desde a primeira vez que


falamos sobre o assunto. Tinha sido um assunto delicado para
ela, sobre o qual afirmava não ter qualquer conhecimento.

— Ainda não — disse. — Ela não está pronta para dizer


nada ainda.
— Ela sabe?

— Ela sabe mais do que pensa — confirmei. — O quê, no


entanto... bem, não é essa a pergunta de um milhão de dólares.

Dmitri cerrou sua mandíbula, se impedindo de dizer algo.

— Diga, Dmitri. Tenho certeza de que não é nada que


Roman já não tenha dito.

Ele apertou os lábios. — Tatiana me disse que Roksana


contou a Elena sobre como... sobre o que lhe aconteceu.

Raiva animalesca subiu pelo meu estômago com a


menção do passado de Roksana. Outrora a bailarina mais
talentosa de Moscou...e em seguida, não. Por causa do
fracasso de seu pai em protegê-la e provê-la.

Ele tinha conseguido o que merecia; assim como aqueles


que tinham ferido Roksana.

Artyom certificou-se disso.

— A decisão é de Roksana com quem ela compartilha seu


passado — disse.

Dmitri não conseguia esconder sua raiva fria, sua


proteção gelada. — As mulheres estão cada vez mais apegadas
a ela; Danika a adora, Roksana compartilhou seu passado com
ela e Tatiana está convencida de que Nikola sabe quando Elena
está no quarto. Porra, até Anton a chama de tia Lena.
Eu tinha ouvido Anton chamar Elena assim. Estava
brincando com seus caminhões no chão da cozinha e a
cumprimentou quando ela se juntou à família para o café da
manhã com um alegre, “Tia Lena!” Tatiana não reagiu, ou
parecia tão surpresa, mas Dmitri quase engasgou com seu
café.

— Está preocupado com Anton quando ela for embora?


— Perguntei.

Dmitri balançou a cabeça. — Quando ela for embora,


estarei preocupado com você.

Virei a cabeça para ele, com expressão avaliativa. — É


isto? Poupe as suas preocupações irmão. Estão equivocadas.

— A minha lealdade está com você primeiro — arriscou.


— Se ela for uma ameaça, mesmo por um segundo...

Eu o cortei. — Se você quiser continuar respirando, não


termine essa frase.

Eu podia sentir minha raiva agitando-se em seu sono, no


fundo do meu estômago, escondida e mantida bem trancada...
até que fosse necessário.

— Desculpe — Dmitri disse resignado.

Inclinei minha cabeça em advertência quando


alcançamos nossos estábulos privados.

O treinador de Hilarion conduziu o garanhão ao redor de


um quintal para acalmá-lo. Hilarion ficava turbulento e cheio
de adrenalina, depois de uma corrida. Precisava ser resfriado
e depois alimentado, caso contrário, ficaria louco quando
colocassem a coroa de flores em seu pescoço.

— Hilarion — cumprimentei.

O meu cavalo jogou a cabeça em minha direção, forçando


o treinador a conduzi-lo, com o jóquei ainda montado.

— Ele foi lento na curva oposta — o jóquei me disse. — A


sua corrida no último trecho contudo... quase decolei contra o
vento.

Se Roman estivesse aqui, ele teria feito uma pequena


piada.

Esfreguei o nariz de Hilarion. — Bom menino.

As suas narinas se dilataram em concordância.

O zumbido do meu telefone me fez verificar meu bolso e


quando vi o nome de contato familiar, me afastei dos ouvidos
curiosos do jóquei e gesticulei para Dmitri me seguir.

— Olezka — cumprimentei.

— Oi Boss. Hilarion ganhou?

— Sim.

Olezka soltou um ruído de aplauso indiferente. Havia


apenas um motivo para o meu torpedo ligar e não era para
discutir corridas de cavalos.
— O homem? — Perguntei.

Os olhos de Dmitri escureceram. Ele passou a noite com


o homem que atacou Elena e Roksana, mas não conseguiu
arrancar nada dele.

— Nada. — Olezka grunhiu. Ambos os meus homens


levaram seus insucessos para o lado pessoal. — Artyom
descobriu que o seu nome é Edward Ainsworth, mas não está
convencido de que seja o seu verdadeiro.

— Parece algo saído daqueles livros que minha esposa lê


— Dmitri murmurou.

Eu concordei. — O que ele disse?

— Nada demais, Boss — disse Olezka. — Ele apenas grita.

Eu olhei para o campo. Hilarion havia se acalmado um


pouco, deixando seu jóquei um pouco triste. Alguns
cavalariços foram ajudar.

— Deixe-o por algumas horas — instruí. — Está na hora


de ele e eu termos uma pequena conversa.

O monastério ainda parecia assustador, apesar de não


ser utilizado há séculos. Outrora usado para defender a ilha
do mar, o Forte era agora um lugar para crianças e turistas da
região se entreterem, mas de vez em quando, permanecia
tranquilo e sem vigilância.

Foi então que se tornou um playground para mim.


A noite caiu sobre o local, o campo escuro só se desfez
por luzes e lanternas da cidade. As sombras se estendiam e
tremeluziam enquanto meus homens e eu nos movíamos ao
longo da propriedade, chegando e saindo. O som dos grilos era
o único ruído que acompanhava nossos pés.

Sombrio. Silencioso. Perfeito.

Amarrado a uma cadeira, no terceiro andar estava


Edward Ainsworth. Ele foi colocado ao lado dos arcos sem
janelas que apontavam para o chão, uma ameaça silenciosa
que, com um movimento de mão, poderia despencar até sua
morte. Cortes e contusões romperam sua pele outrora clara,
prova de que todos os meus homens haviam tentado quebrar
seu silêncio.

Os meus homens recuaram para as sombras quando


entrei na sala, seus olhos ficando mais brilhantes quando a
promessa de violência se tornou uma realidade. Acenos
respeitosos foram inclinados em minha direção, mas ninguém
se atreveu a falar.

— Sr. Ainsworth — disse suavemente.

Ele virou a cabeça para mim, sondando minha forma na


escuridão. O sangue escorria de seus lábios – sem dúvida era
obra de Dmitri. Puxar e cortar línguas era uma das suas
técnicas de tortura favoritas.

— S... seu bastardo... — gaguejou.


Eu pisei na luz fraca, com as mãos nos bolsos. Não havia
necessidade de ser ameaçador. Não precisava entrar na sala
com armas em punho e uma faca entre os dentes. Às vezes, a
falta de armas era mais assustadora do que a presença delas.

— Posso te chamar de Edward? — Perguntei.

Ainsworth respirou pesadamente, mais sangue


escorrendo de sua boca. — Eu não vou... — engasgou. — ...te
contar. Merda...

Eu sorrio lentamente. — Oh? É isso mesmo? —


Aproximei-me de Ainsworth. O medo cintilou brevemente em
seus olhos enquanto me aproximava. — Fale-me sobre o seu
Titus.

A devoção iluminou-se nos olhos de Ainsworth. — Titus


vai matar todos vocês.

— Como ele pretende fazer isso?

Ainsworth sorriu como se soubesse de algo que eu não


sabia. — Um homem que não pode proteger sua mulher não é
um homem.

As minhas sobrancelhas se ergueram. — Não me diga que


Titus é um defensor dos direitos das mulheres. Se for, parece
que está agindo da maneira errada — observei.

— Você nem sabe... — os olhos de Ainsworth estavam


brilhantes, seu sorriso arrogante. — Conte seus malditos dias,
Tarkhanov... Titus está vindo atrás de você.
— Sério? — Perguntei. — Então por que ele não mostra o
rosto?

Ainsworth tossiu mais sangue, a substância pegajosa


manchando o concreto. Ele errou meus mocassins por um
centímetro. Por sorte.

Repeti a minha pergunta.

Ainsworth enxugou a boca ensanguentada no ombro,


estremecendo. — Já... já... — respirou fundo.

Eu levantei uma sobrancelha. — O seu Titus não deve ser


muito memorável então. Nunca esqueço um rosto.

Ainsworth respirou fundo.

— O que ele quer com as mulheres? — Perguntei. — E


seus dentes?

Ele encolheu os ombros. — Não... me diz... nada.

— Ah, mas você deve saber de alguma coisa — disse. —


Foi enviado para matar duas mulheres... com o seu Vik sem
olhos.

Ele não disse nada.

O movimento rápido do meu pulso, quebrei seu nariz. O


osso quebrou facilmente sob meu aperto, como o osso de um
canário.

Ainsworth gritou de dor, curvando-se, mais sangue


espirrando no concreto, sangue que teria que ser limpo. Não
podíamos arriscar que alguns adolescentes entrassem e o
encontrassem.

— Por que duas? — Eu me perguntei. — Este não é o


padrão que tem mostrado.

Ele não respondeu.

— A menos que... não esperasse que uma das mulheres


estivesse lá.

Os olhos de Ainsworth piscaram.

O meu sorriso cresceu. — Ah, é isto, não é? Então, de


qual delas estava atrás? — Eu balancei a cadeira em suas
pernas, causando pânico em seus olhos.

— Não, não!

— Qual. Uma? — Repeti.

Ainsworth regulou sua respiração, tentando


desesperadamente recuperar algum controle. Não adiantava –
todo o poder pertencia a mim, e ninguém foi capaz de me tirá-
lo. Não nesta vida, e certamente não por algum soldado sem
nome.

Os olhos inchados de Ainsworth se enrugaram quando


forçou um sorriso. — Titus conhece seu rosto, Tarkhanov... e
de sua pequena Elena.

A raiva brutal me alimentou enquanto agarrei as costas


de sua cadeira e o segurei ao lado. Instantaneamente, começou
a se contorcer e gritar, a ameaça de cair o deixou um pouco
menos corajoso.

Inclinei-me perto de seu ouvido, não cedendo ao meu


aperto nele. — Chega de jogos — assobiei. — Onde está Titus?

— Eu nunca lhe direi...

Eu o inclinei ainda mais para o lado, meus músculos se


contraíram com a tensão. Ainsworth gritou, fazendo com que
alguns dos meus homens rissem nas sombras.

— Onde está Titus?

— Não...

Inclinei-o ainda mais. As pernas da cadeira derraparam


no concreto, ameaçando escorregar e levar Ainsworth com
elas. — Não seja tímido — persuadi. — Você quer viver, não é,
Edward?

Ele respirou rapidamente, os olhos grudados no chão,


assentindo.

Levantei a cadeira. — Diga-me onde está Titus e viva para


ver outro amanhecer, ou não, e morra.

Ele não respondeu.

— A escolha é sua, Edward. A vida... — Inclinei a cadeira


ainda mais sobre a borda. — Ou morte.

Edward estremeceu outra respiração ruidosa. Olhou para


mim, olhos machucados e azuis. — Eu morreria por Titus.
Eu sorrio. — Você morrerá.

Os seus olhos se arregalaram quando joguei a cadeira


para o lado. O som de seus ossos esmagando o solo ecoou
durante toda a noite, silenciando a brisa e as ondas.

Um Bratok21 no chão correu para verificar. Os segundos


se passaram até que gritou — Ainda tem pulso, Boss. Quer que
eu acabe com ele?

Sorrio gesticulando para os homens. — Peguem-no e o


levem para o podzemel'ye22.

— Eles precisarão de uma pá — Roman murmurou


enquanto vinha atrás de mim. — Tudo bem, Boss?

Afastei-me da forma desintegrada, mas viva de Edward.


— Tudo bem. — Endireitei minhas abotoaduras. — Envie
Danika para cuidar dele. É hora de este homem saber o que
realmente significa se quebrar.

Roman sorriu cruelmente. — Considere feito, Boss.

21-Bratok - também chamado de Patsan, ou Brodyaga trabalha para um Brigadeiro com uma
atividade criminosa especial para executar, semelhante a soldados em famílias criminosas da Máfia
Russa.
22 Masmorra.
15

Konstantin Tarkhanov

Vi sua figura esguia esticada no alto de um galho grosso,


os galhos da árvore oferecendo uma aparente privacidade; nas
raízes, dois cães estavam deitados, olhando para ela de vez em
quando – não furiosamente, mas com curiosidade e
preocupação. A maioria dos cães gostava de Elena,
especialmente porque era a que passava a maior parte do
tempo fora.

Elena não notou quando me aproximei. Ela se encostou


ao tronco, livro na mão, e longos cabelos escuros presos sobre
a casca. Parecia que pertencia a um livro de contos de fadas, a
bela ninfa da madeira que vivia entre as árvores e os animais
selvagens e levava homens insuspeitos às suas mortes.

— Elena — chamei baixinho para não assustá-la.

Ela olhou para mim, com olhos verdes brilhantes. — Por


que você está acordado tão cedo?

Sorri, normalmente eu me levanto antes do sol. Passava


a maior parte do amanhecer com os cavalos; entretanto, nas
poucas vezes em que fui ao escritório, conseguia localizar
Elena na grama abaixo. Ela geralmente lia ou cochilava,
parecendo relaxada e calma.

Eu ainda não tinha dormido, muito carregado de


adrenalina ao interrogar Edward Ainsworth. Passara a manhã
em meu escritório, procurando por Elena no jardim de vez em
quando.

Quando não consegui encontrá-la, vim procurá-la.

— Preocupada? — Perguntei.

Ela revirou os olhos. — Mais para me perguntar por que


está me incomodando.

— Ah, então, vou deixá-la com o seu livro — disse. — Eu


só estava me perguntando por que está em uma árvore. Os
cães estão incomodando você?

— Não — Elena respondeu secamente. — Faz anos que


não subo em árvores. Estava curiosa. — Ela disse isso de forma
tão simples e factual que deu a entender que eu era o idiota
por perguntar.

Elena era muito talentosa em insinuar que a pessoa que


fazia as perguntas era uma idiota e a resposta era óbvia.
Levava Roman à loucura – eu achava brilhante. Era uma
habilidade especial ser capaz de fazer as pessoas ao seu redor
se sentirem inferiores usando apenas o tom de sua voz.

— Não havia muita escalada em árvores em seu


casamento?
Ela me lançou um olhar irritado. — O que você acha?

Eu ri. — Só não se machuque.

— Não vou. Eu não sou idiota. — Elena colocou uma


mecha de cabelo atrás da orelha. — Você não respondeu minha
pergunta.

Os seus olhos me seguraram no local. A cor das folhas


musgosas depois da chuva da primavera, mas com a mesma
crueldade dos olhos de um lobo.

— Sou bastante madrugador. Como você.

Ela apertou os lábios. — Nunca vi você no jardim antes a


esta hora.

— Imagino que seja difícil ver alguém quando está


cochilando entre os arbustos — disse a ela.

Aborrecimento misturado com surpresa cruzou suas


feições. — Você está me espionando?

— Claro que não, mas... — apontei para a mansão. — O


meu escritório fica bem ali. É difícil perder você.

Elena parecia um pouco envergonhada antes de puxar


seu queixo para cima, olhando para mim como se eu fosse um
inseto que não parava de zumbir ao seu redor. Como se eu
fosse algo que ela precisava esmagar.
Eu não me importaria de ser golpeado por ela, mas só se
pudesse golpear de volta. O pensamento me fez sorrir
levemente, o ato apenas fazendo-a parecer mais irritada.

— Você não tem mais ninguém para provocar,


Konstantin? — perguntou, mas a ferocidade usual por trás da
pergunta caiu por terra.

Pelo rubor de suas bochechas e pescoço, sabia quais


pensamentos ocupavam sua mente. Aquela conversa da noite
do balé também estava em minha mente, assim como minha
provocação, a minha pergunta.

Você é uma cientista. Por que não testa sua hipótese?

Convidá-la para minha cama... na época, seria uma oferta


alimentada pela luxúria e aquele vestido cor de esmeralda.
Fiquei por ela – eu queria Elena. Queria Elena mais do que
quis qualquer coisa em muito tempo. A sua recusa não foi uma
surpresa, mas a expressão em seus olhos depois disso, foi.

Tinha confirmado uma ténue esperança que eu havia


mantido: Elena me queria também.

O conhecimento não tinha feito nada de bom para o meu


ego. Artyom tinha me chamado de insuportável duas vezes
desde que me dei conta.

Elena, contudo queria muito sua liberdade, e com Tatiana


ficando mais saudável a cada minuto, estava mais perto do que
nunca esteve antes.
Eu não a deixaria ir tão facilmente.

Desejei o corpo Elena, desejei-o de uma forma que a


aterrorizasse. Os meus sonhos se concentravam ao seu redor
molhada, querendo sexo, meus dentes mordendo sua pele,
seus gritos de prazer ecoando por horas; mas o meu desejo por
seu corpo não era nada comparado com o quanto eu a
cobiçava. A sua mente, a sua atenção, o seu tudo.

Eu queria tudo e não queria compartilhar. Chega de


pensamentos sobre Thaddeo, não mais Falcone como seu
sobrenome. O meu.

Cuidado, lembro-me de que a Rainha de Chicago havia


avisado, depois que pedi permissão ao Don Rocchetti. Elena
não é do tipo que sucumbe. Ela pode morder também.

Eu estava contando com isso.

— Tantos — disse. — Mesmo assim, continuo voltando


para você.

Ela me olhou feio. — Presumo que Ainsworth ainda não


acordou.

Eu tinha informado a todas as mulheres ao voltar para


casa do interrogatório de Edward Ainsworth. Roksana ainda
estava abalada com o ataque, sugada de volta para as
memórias violentas de seu passado. Elena fez alguns
comentários sarcásticos antes de sair.
Eu tinha contudo, visto o lampejo de pânico em seus
olhos, as memórias. Idêntico ao olhar de Roksana.

Esperava que Thaddeo não estivesse se sentindo muito


confortável no Inferno. Porque quando eu chegasse, passaria
uma eternidade punindo-o por machucá-la.

— Não, ele não acordou — respondi honestamente. Havia


uma centelha de surpresa em seus olhos, como sempre. — Ele
pertence a Danika agora.

— Isso soa alarmante — observou ela.

Eu rio suavemente. — E é.

Elena quebrou nosso olhar, pegando seu suéter. Ela não


estava limpando as folhas e a sujeira – em vez disso, estava
puxando um pedaço de fio solto. Fiquei aliviado ao ver que
suas palavras voltaram às suas mãos, pensamentos aleatórios
que transbordaram de seu cérebro ao longo do dia.

Peguei apenas algumas. Suspeita, desequilibrada,


enucleação23.

— Você me deu para Danika — acusou.

Danika tinha me avisado que Elena viu através dela,


entendido o que estava tentando fazer. Não fiquei surpreso;
não esperava nada menos dela.

23-É uma técnica cirúrgica para remoção (excisão) de uma massa inteira, sem dissecação.
— É a viúva do inimigo. — As palavras bastaram para me
irritar.

— O que significa que conheço todos os seus segredos?


— Os seus olhos verdes voltaram para mim. Alguma parte sua
parecia querer descer de seu nicho e gritar comigo cara a cara,
mas não se moveu. Talvez preferisse ficar mais alta pelo menos
uma vez. — Bem?

Dei de ombros. — Você?

— Não. Sabe que as mulheres neste mundo não têm


conhecimento dos segredos de seus maridos.

Eu não mencionei Danika – ou Roksana e Tatiana, em vez


disso, perguntei — Você ficaria se elas tivessem?

O corpo inteiro de Elena ficou tenso. A sua mente parecia


ir a um milhão de quilômetros por hora atrás de seus olhos.
Podia vê-la absorvendo a pergunta, calculando as respostas e
implicações. Ela agarrou o livro com tanta força que os nós dos
dedos ficaram brancos.

O seu silêncio me fez sorrir zombeteiramente. — Ah,


minha garota empática, é claro que ficaria.

Ela fez uma careta. — Eu não sou seu nada, Konstantin.

Ainda não. — Se quiser ficar depois de curar Tatiana,


poderia lhe oferecer uma posição. Não uma interrogadora como
Danika, mas outra coisa. Que tal nossa cientista residente?
Tenho certeza de que Rifat adoraria ter alguém com seu
intelecto por perto. Receio que o aborrecemos.

Elena abriu a boca, então fez uma careta e fechou


novamente. Retrucando então — Não ficarei.

— Depende de você — respondi. — O que planeja fazer


com a sua liberdade?

— O que eu quiser — disse. — É isto o que a torna tão


atraente. Pode me oferecer todos os empregos do mundo, mas
nunca mais servirei a homem.

— Quem falou em servir?

Elena me deu uma olhada. — Oh, por favor. Como se eu


pudesse falar do jeito que falo agora, se trabalhasse para você.
Claro, isto vai funcionar. — Ela revirou os olhos como se eu
fosse um idiota.

Ergui minha sobrancelha. A sua recusa feroz não


escondeu o fato de que por um segundo havia considerado.

Pressionei a mão no tronco grosso da árvore. — Ah, mas


quais são as hierarquias do homem para uma árvore que existe
há milhares de anos?

Elena respirou fundo, quebrando os olhos para mim. Não


precisava ser um telepata para saber o que ela estava
pensando. Será que ele sabe? Certamente não. Como ele
saberia? Ele não podia. O que é que ele saber? Nada.
As minhas próprias perguntas surgindo em minha mente.
Será que ela descobrirá? Será que tenho um pouco mais de
tempo para desfrutar do meu segredo? O meu orgulho?

— Árvores não têm pensamentos — disse as palavras


carregadas de confusão. — As hierarquias do homem não são
nada para elas.

Sorrio. — Achei que você diria isso.

— Por que? — Exigiu. — Por que, Konstantin?

Uma voz flutuou sobre os jardins, antes que eu pudesse


responder — Café da manhã! Rápido – antes que Roman roube
todo o melaço!

Elena seguiu para o seu lugar de costume, assim que


entramos na cozinha, como se não aguentasse mais estar em
minha presença. As suas mãos e pés estavam sujos de subir
em árvores, mas ninguém disse nada. Quase todas as manhãs,
vinha para o café com algo do jardim deixado sobre ela, fossem
pés sujos ou gravetos presos em seus cabelos.

A minha atenção mudou de Elena quando Tatiana


entrou. Dmitri a seguia de perto, preparado para pegá-la se
precisasse, mas Tatiana não precisava. As suas bochechas
estavam vermelhas, e seus olhos brilhantes.

Ela parecia saudável e forte, embora ainda não parecesse


com o seu estado normal.
Beijei sua bochecha em saudação enquanto tomávamos
os nossos lugares. — Parece que você está se sentindo melhor
— disse.

Tatiana acenou com a cabeça, sorrindo brilhantemente.


— Estou, Kostya.

Elena notou sua paciente também. — Você está tomando


a dosagem que prescrevi?

— Claro — cantou Tatiana, sua voz como música em vez


de rouca e fleumática. Ela pressionou uma mão afetuosa na
cabeça de Elena; Elena quase quebrou o pescoço tentando sair
dela. — Obrigada — disse suavemente.

— Não me agradeça — Elena respondeu firmemente.

O resto da família veio se sentar, incluindo Anton, que


assumiu a posição no colo de Dmitri. O fato de a sua mãe se
sentir melhor significava que seu pai estava de melhor humor
– algo que Danika estava convencida de que Anton podia
sentir.

Pensei que ela pudesse ter razão.

— Guarde um pouco do melaço para o resto de nós,


Roman — ralhou Artyom, tirando-lhe o jarro.

Roman fez uma careta e tentou pegar o melaço de volta.


— Comece a fazer mais melaço se todos insistirem em comer.
— Coma menos, Rom. — Danika apontou um garfo para
ele. — Se todos nós afogássemos nossos waffles em melaço
como você, haveria uma escassez nacional.

Peguei Elena abrindo um sorriso. O movimento iluminou


seu rosto, mesmo seu humor incapaz de esconder de sua
natureza honesta.

— Oh, ha, ha — Roman zombou. Ele tentou tirar a jarra


de Artyom novamente, mas meu Obshchak se esquivou
facilmente e despejou um pouco no prato da esposa.

Um baque forte chamou nossa atenção. Babushka subiu


na mesa, causando gritos de indignação. A sua pata foi direto
para um prato de manteiga.

— Calma, gata. Esta é a mesa de jantar — advertiu


Artyom, enquanto Roksana tentou uma abordagem mais
amável. — Oh, não, querida, a sua comida está ali...

— Não olhe para o meu melaço, Babushka — Roman


ameaçou.

Anton se alegrou ao ver Babushka, batendo palmas. —


Baba! Baba!

— Não, não Baba — Dmitri disse. — Ela come em outro


lugar.

— Baba! — Anton gritou novamente.


Danika estava mais perto e foi pegar a gata, mas
Babushka foi mais inteligente. Ela saltou fora do caminho,
indo direto para o prato de waffles.

Roman avançou, mas Babushka o conhecia também. Ela


derrapou sobre a mesa, pegando um copo de suco de laranja,
derramando sobre tudo, fazendo Roksana gritar e pular para
trás, agora encharcada.

Artyom interpretou isso como um ataque pessoal,


estendendo a mão para agarrar Babushka. Ele pegou seu pêlo,
mas a gata se moveu muito rapidamente para suas mãos.

Tomei um gole do meu chá.

— Uma ajudinha, Kostya — sibilou Artyom.

— Se Babushka quer comer na mesa, é mais que bem-


vinda — ri.

— Gatos não comem a mesa de jantar — disse Elena.

Artyom concordou com a cabeça.

Quando Babushka chegou perto de Tatiana; Tatiana


estendeu a mão e pegou a gata, enorme e furiosa em suas
mãos, Babushka imediatamente começou a lutar, com as
garras para fora.

— Desculpe, Babushka! — Tatiana tentou.


O rabo de Babushka atingiu o pote de melaço, jogando-o
sobre a mesa. Tatiana engasgou quando Danika gritou,
permitindo que Babushka escorregasse de seus braços.

A gata saltou para o chão e disparou para fora da cozinha,


em vez de ficar admirando o estrago que havia causado.

Eu poderia jurar que ela parecia orgulhosa.

— O melaço — Danika gemeu. — Roman, você tem que


compartilhar agora.

— Não estou fazendo tal coisa. — Ele lambeu a poça de


melaço em seu prato, ganhando exclamações de nojo. — Veja?
Lambi, é meu.

Danika pegou a colher em seu prato, pegou um pouco de


melaço e colocou diretamente em sua boca. Ela deu a ele um
olhar ha, ha e se sentou de volta em sua cadeira, lambendo a
colher para limpar. — Não tenho medo de seus piolhos, Roman
— ameaçou. — Passe o melaço.

— Eu não quero se ele lambeu — disse Tatiana.

Dmitri acenou com a cabeça. — Deus sabe onde essa


língua esteve.

Tatiana pressionou as mãos nos ouvidos do filho, dando


a seu marido um olhar de advertência. Ele sorriu – até mesmo
os shows de humor de Dmitri foram gelados e cortantes – e
murmurou um pedido de desculpas para sua esposa. Anton
olhou para sua mãe, confuso.
— Papai disse uma palavra feia? — Perguntou.

— Ele disse, meu garoto — Tatiana agitou-se. — Ele tem


que pedir desculpas agora.

Dmitri lançou um olhar para ela, mas não pôde evitar o


sorriso que cresceu em seu rosto. — As minhas mais sinceras
desculpas.

Ela sorriu. — Mmm.

Roman deu uma mordida em seu waffle encharcado de


melaço e fingiu gostar.

— Há um pouco de mel na despensa — Roksana disse, se


levantando.

— Roman pode obtê-lo — disse Artyom bruscamente.

Roman suspirou, mas obedeceu.

Assim que ele saiu, Danika agarrou seu prato e o


estendeu para nós. — Alguém quer melaço?

Todos balançaram a cabeça.

— Como quiserem. — Ela despejou um pouco em seu


prato antes de devolver o café da manhã de Roman a seu
assento.

Roman voltou com o mel e soube imediatamente. — Sério,


Dani? A próxima vez, vou cuspir.

— Adiciona nutrientes — raciocinou. — Não é, Elena?


Elena bufou. Ela optou por não comer nenhum melaço
coberto de saliva de Roman. — Não, mas pode te deixar doente.

— Por que não está no meu time? — Danika


choramingou, mas seus olhos brilhavam com humor. — Se
está no time de Roman agora, atirarei em você. — Encerrou
sua ameaça dando uma mordida em uma torta de morango.

— Ugh, se alguma vez concordar com Roman, atirarei em


mim mesma.

Roman mostrou os dentes para Elena, que retribuiu o


gesto.

Artyom passou o mel a Elena. — Por concordar que gatos


não comem a mesa de jantar — disse em seu olhar
questionador.

Roksana olhou entre os ambos, não com ciúme, mas com


curiosidade. Eu me vi fazendo a mesma coisa.

Artyom não era um grande fã de Elena – na verdade, a via


como uma ameaça para sua família e para seu Pakhan.
Oferecer um pouco de mel a ela não era exatamente uma
aceitação em suas boas graças, mas já era uma coisa.

Dmitri talvez estivesse errado quando disse que eram as


mulheres que se apegavam, talvez mais de nós também
estivéssemos.

O café da manhã continuou sem outro ataque de


Babushka. Apesar das brigas, não houve mais confusões,
exceto quando Danika falou da calda pela segunda vez; mas
Roman e Danika geralmente brigavam um com o outro. Seria
um dia estranho se não brigassem.

Artyom verificou o telefone, enquanto os pratos vazios


eram empilhados para serem lavados e a sua expressão ficou
tensa. Conhecia Artyom desde que éramos crianças; conhecia
seu humor e emoções tão bem quanto conhecia os meus.

Fiz um gesto com a mão para o telefone e ele o passou


para mim. Roksana tentou olhar para a tela enquanto o fazia.
O seu rosto empalideceu ao ler as palavras.

Era uma mensagem de um de seus batedores.

A Old Lady do Hell’s Henchmen foi encontrada


morta esta manhã. Dentes removidos post
mortem.

O telefone rangeu em meu aperto quando minha mão


apertou ao seu redor.

— Está tudo bem? — Foi Elena quem perguntou.

Eu olhei para ela, sentindo minha mão relaxar. Ela olhou


para mim com a testa franzida, e pareceu surpresa consigo
mesma por perguntar.

— Não — disse. Ela piscou. — Reunião em meu escritório


em cinco. Artyom, comigo, agora. Dmitri, ligue para Olezka e
Feodor.
Anton acenou para mim quando saí — Tchau, tio Kostya.

Segurando meu temperamento por alguns segundos,


baguncei seu cabelo em adeus. Anton merecia mais alguns
anos de inocência.

Mesmo que a inocência fosse impossível para qualquer


pessoa com o sangue do Tarkhanov Bratva nas veias.
16

Elena Falcone

Isto estava errado.

Moralmente, o que eu estava prestes a fazer estava


incorreto. Foi tudo o que meu pregador da Escola Dominical
me advertiu de fazer. O que todas as lições sobre ética dadas
por meus tutores e professores advertiram.

Parei do lado de fora de sua porta, respirando


profundamente.

Não faz sentido, disse a mim mesma. Você precisa ver se


sua teoria está correta.

Você precisa saber se está em perigo.

Eu bati suavemente.

— Entre Elena — Tatiana chamou. Ela parecia forte,


saudável.

Respirei fundo novamente e entrei em seu quarto. Ela


estava encostada a cama no chão, brincando de trem com
Anton. Anton sorriu para mim quando entrei, segurando um
trem azul para eu admirar.

— Muito bom — disse a ele. — Este é o seu favorito?


Ele assentiu com entusiasmo.

Tatiana acariciou sua barriga arredondada e sorriu para


mim. — Veio me entregar mais poção mágica?

Balancei a cabeça e me agachei a sua frente. — Como está


se sentindo?

— Incrível — disse. — Eu me senti forte o suficiente para


levar Anton para um passeio esta manhã. Fomos brincar nos
balanços, não é, meu querido?

Anton acenou com a cabeça, falando rapidamente sobre


como a caixa de areia e o trepa-trepa tinham sido
emocionantes.

Tirei o pequeno tônico do bolso. Não revele nada, instruí


meu rosto ao passá-lo para Tatiana. — Se continuar
melhorando assim tão rápido, talvez possamos colocá-lo em
uma dosagem menor.

— Isso seria bom — riu. — Estou ficando cansada de


misturar com chá. Só há um limite de chá que uma garota
pode beber, sabe?

Eu balancei a cabeça, forçando um sorriso de


concordância. — Eu sei.

Tatiana não inspecionou o tônico muito de perto. Parecia


idêntico ao outro.

— Tenho que ir arrumar a biblioteca, mas volto para ver


como está mais tarde — falei.
A mãe e o filho acenaram para mim, antes de voltarem ao
jogo dos trens. Eu pairava fora do quarto, ouvindo a conversa
jubilosa, antes de sair.

Gostaria de tê-la confrontado ou não ter suspeitado tanto.


Uma parte de mim gostaria de ter coragem suficiente para
buscar a resposta sem truques e decepções. Eu era muito
calculista para ser corajosa. Era um fato que eu sabia sobre
mim desde criança.

Aprendi sobre mim mesma ao ver meu pai desabar no


chão depois de beber seu melhor uísque. Enquanto segurava
seu coração e lutava para viver, percebi no fundo que não era
valente ou destemida.

Eu era inteligente, calculista e sem coração, em vez disto.

Calculista demais para ser corajosa, murmurei para mim


mesma. Não fazia sentido ficar com raiva de mim mesma –
foram esses mesmos atributos que me mantiveram viva por
tanto tempo.

Ansiava pelo laboratório naquele momento. Queria criar


algo, agir como alquimista, botânica ou química; mas... estava
ficando muito perto do laboratório. Eu conhecia todo mundo
lá, quais eram os equipamentos, e até a hora e os fundamentos
das entregas de heroína.

Estava chegando perto demais. Muito perto.


Não se preocupe, Elena, disse a mim mesma. Assim que
descobrirem o que você está fazendo com Tatiana, não ficarão
tão felizes em deixá-la entrar.

Quando cheguei à biblioteca, vi uma forma curvada sobre


uma mesa perto dos fundos. Sob a luz empoeirada, Roman se
sentou, apoiando-se em uma das mãos e olhando carrancudo
para o livro aberto à sua frente. Babushka deitou-se de costas
ao seu lado, cochilando sob o sol.

Ele praguejou de repente em russo, o som atrapalhando


minha biblioteca normalmente silenciosa.

— O que você está fazendo?

Roman virou a cabeça para mim. Os seus profundos


olhos azuis se estreitaram. — O que você quer?

— Quero saber o que você está fazendo aqui — comentei.


— Achei que minha pergunta deixasse isso bem óbvio.

Ele mostrou os dentes. — Esta é a minha casa.

— A biblioteca ou aquela mesa em particular? —


Racionalmente, sabia que Roman era perigoso – Konstantin
não o manteria tão perto se não fosse. Eu não podia deixar de
puxar e cutucar sua pele e nervos vulneráveis.

Roman se levantou, cerrando e abrindo os punhos, em


resposta. — Caia fora — estalou. — Eu não tenho tempo para
suas besteiras.
Aproximei-me dele, olhando o livro. Ele cobriu as páginas
com uma mão tatuada, mas era tarde demais, havia absorvido
o suficiente do conteúdo para decifrar o que ele estava lendo.

— Eu não sabia que você era uma cadelinha de romance


histórico, Roman — sorrio. Oh, isto foi bom. Isto era bom
demais.

— Eu não sou — rosnou, a expressão feroz de


constrangimento e raiva.

Não pude evitar meu sorriso. — Você ao menos sabe como


ler?

— Não preciso saber — zombou Roman. — Posso


realmente fazer um bom sexo, ao contrário da sua bunda.

— Não sou eu que estou lendo romance de corpete —


murmurei, meu temperamento aumentando com seu
comentário. — Como você poderia saber que não estou fazendo
um bom sexo?

Ele sorriu. — Então, finalmente cedeu a Kostya? Dmitri


me deve 20 dólares.

Eu cruzei os braços sobre meu peito. — Não estou


fazendo sexo com Konstantin. — Estou pensando nisso.

Roman não precisava saber disso.

As suas sobrancelhas se ergueram. — Então você não


fará sexo.
— É assim?

— Sim. — Afundou na cadeira, os olhos brilhando de


presunção. — Ninguém se atreveria a tocar em você. Kostya
mataria-os.

— Oh, por favor, me dê um tempo — murmurei. — Como


o assunto foi parar em minha vida sexual? Você é quem está
lendo sobre isso. — Eu me inclinei, pegando uma frase. — O
seu membro pulsante a encheu...

Roman fechou o livro com força.

Sorrio. — Espero que não esteja usando esse livro como


um guia para Danika.

— Não! — A sua resposta rápida fez minhas sobrancelhas


subirem.

— Deus me livre estar no banco das testemunhas,


Roman. Você é um péssimo mentiroso. — Caí na cadeira a sua
frente. Babushka ergueu o rabo em saudação. — Este livro
disse para você parar de ser um idiota? Ela poderia gostar mais
de você.

— Agora é a especialista? Isto é ótimo. — Bufou. — Não


derramou lágrima quando seu marido morreu.

— Tenho certeza que Danika não derramará uma lágrima


quando você for morto. — Sorrio maldosamente.

— Você não sabe nada sobre Dani e eu.


Dei de ombros. — Eu sei mais do que você pensa.

Ele devolveu meu sorriso desagradável, desta vez. — Eu


sei mais sobre Konstantin e você, do que você.

— Nada que me interesse, tenho certeza.

Ele encolheu os ombros. — Acho que nunca saberá.

— Acho que sim — cerrei os dentes. — Acho que você


nunca saberá ler. A menos que me deixe te ensinar.

Assim que a oferta – embora coberta de insultos – saiu da


minha boca, a surpresa me atingiu. Eu não tinha considerado
ensinar Roman, mas aparentemente meu subconsciente tinha
outras ideias.

A palavra decente veio à mente.

Não era uma que eu tinha pensado antes.

Roman estreitou os olhos em suspeita. Com razão. Eu


nem tinha certeza do por que tinha oferecido. — Por que faria
isso?

— É uma oferta. — Joguei meu cabelo sobre o ombro


indiferente. — É pegar ou largar.

— Você vai me ensinar as palavras certas? — Perguntou.

Franzi a sobrancelha. — O quê?

— As palavras corretas — enfatizou. — Não vai me


ensinar que pênis significa olá ou algo assim? Eu matarei você.
— Não, não farei isso. Não sou uma idiota — disse a ele.
— A verdade, nem falaremos sobre isto. A única hora em que
podemos falar sobre isto será aqui.

Roman estreitou os olhos. — Não quer suas boas ações


sejam espalhadas pelos corredores?

Não, de forma alguma. Principalmente porque não tinha


cem por cento de certeza se era uma boa ação. Qual era a
sensação de boas ações?

Se fossem tão ambíguas, como alguém sabia se estavam


fazendo uma boa ação? Onde estava aquele sentimento de
realização de que todos falavam?

— Não. Portanto, guarde-o para você.

— Contanto que faça o mesmo. — Roman empurrou o


romance para mim. — Tudo bem, então me ensine, oh,
grandiosa mestra.

Revirei meus olhos. — Começaremos com os livros de


Anton.

Ele bufou, mas não discutiu.

Só quando o forcei a escrever palavras em um pedaço de


papel, apenas palavras simples: andar, falar, olá, tchau, que
ele jogou a caneta e estalou.

— Você não quer saber por que não sei ler?


— Realmente não me importo. — Não é verdade, estava
realmente curiosa, mas uma conversa com Danika poderia
esclarecer tudo. Eu não precisava importunar Roman por isso.

Roman examinou minha expressão, em busca de alguma


lasca de mentira. Quando não encontrou nada, comentou —
Você realmente não se importa com ninguém além de si
mesma, não é?

— Com quem me importaria? — A pergunta soou menos


triste na minha cabeça; em voz alta, quase soou como um
apelo escondido sob uma réplica farpada.

— O seu marido — arriscou.

Uma memória se estilhaçou em minha mente como uma


bola de demolição. Eu podia ver os olhos furiosos de Thaddeo,
sentir seu aperto, os gritos...

Balancei minha cabeça, limpando minha mente. — Ele


não merecia.

Roman concordou. — Algumas pessoas não merecem


nossa preocupação — concordou, e voltou às suas palavras.
Algo sobre a conversa o havia acalmado um pouco e pegou a
caneta, pronto para começar de novo. Depois de alguns
segundos, disse — Kostya se preocupa com muitas pessoas.
Ele disse que é o que todo bom rei faz.

— Eu não sou um rei, então como isto se aplica a mim?


— Dobrei um livro infantil em frente de Roman. Era uma
história pitoresca sobre um cachorro tentando encontrar o
caminho de casa. Infantil, esperançoso, fácil de ler. — Comece
do topo.

Ele não seguiu minhas instruções. Roman se recostou na


cadeira, me observando. — Eu tinha quinze anos.

Franzi a testa. — Não é isso que o livro diz.

Ele me ignorou. — Eu tinha quinze anos quando


Konstantin me encontrou. Garoto de rua, órfão, criado nas
sarjetas de Moscou, por assim dizer.

Eu me inclinei em minha própria cadeira. — Órfão?

— Acho que sim, ou talvez meus pais ainda estejam vivos,


fumando e cheirando tudo o que podem. Não importa. Tudo o
que importa é que não estavam lá — disse Roman. — Era só
eu, meu desejo de viver e meu estômago vazio. — Olhando para
trás, ele parecia divertido, mas eu duvidava que fosse como se
sentia na época.

— Konstantin procurava você?

Ele riu asperamente. — Não, eu tentei roubá-lo.

— Tentou? — Tentei reprimir minha diversão, mas não


adiantou. — Ele tentou matar você?

— Não. — Roman olhou pela janela, pensativo. — Ele


poupou minha vida e até me comprou um pouco de comida e
um cobertor.

— Então como você se tornou seu byki?


Ele sorriu, mostrando os dentes. — Bem, depois disso,
vamos apenas dizer que era um pouco protetor com meu
benfeitor. Quando outro garoto tentou roubá-lo, esmaguei o
seu braço no chão. Konstantin me contratou na hora. Disse
que tinha um talento natural para perceber ameaças e me
livrar delas.

— Comovente — murmurei.

— Eu faria qualquer coisa por Kostya — disse. — Ele é o


Pakhan do século. Merda, do milênio. Ele vai liderar a Bratva
para uma nova era.

Fiz uma careta. — Soa como se fosse parte de um culto.

— Talvez faça. Talvez você faça. Não importa. Isto é minha


vida; esta é sua vida, e nesta vida, existem Pakhan se existem
byki. Eu sou byki e Kostya é Pakhan.

— Estas são as duas únicas posições? — Perguntei.

Os olhos de Roman brilharam ferozmente. — Não. Não,


não são. — Ele inclinou a cabeça para o lado. — Por quê?
Pensando em enviar seu currículo? Recomendo roubá-lo em
vez disto.

— Hilário — digo. — Não. Só estou perguntando. O único


trabalho que uma mulher pode ter é de esposa.

— Conheceu Danika, Roksana e Tatiana. Deixarei você


decidir por si mesma. — Roman se apoiou nas pernas traseiras
de sua cadeira. Ele fez uma careta de volta com as palavras. —
Ler é uma merda.

— Não, não é. Você pode até gostar. — Bati no romance


que estava olhando antes de termos jogado para o lado.
Babushka o reivindicou como um travesseiro improvisado. —
Tenho certeza de que Konstantin deixará você comprar todo o
erótico que quiser.

Roman bufou. — Ele é bom assim.

Isto me fez sorrir. Rapidamente tentei esconder minha


reação, mas Roman percebeu. Ele zombou chocado.

— A insensível e indiferente Elena Falcone pode sorrir?

A minha mente voltou às palavras de Konstantin, em vez


de responder.

Quando você ri, o sol nasce em seus olhos.

Ainda podia sentir seu dedo traçando minha clavícula,


ainda sentia seu cheiro enquanto estava tão perto, ainda ouvia
o timbre de sua voz em meus ouvidos...

— O que ele fez? — A voz áspera de Roman cortou a


memória.

— Quem? — Foi uma pergunta estúpida, ambos


sabíamos quem.
— O Pakhan — disse. — Eu conheço esse olhar em seus
olhos. Você tem a aparência de uma mulher que foi seduzida
por Konstantin.

Eu fiquei tensa. — Não fui seduzida por Konstantin, e


certamente não tenho a aparência de uma mulher que já foi.

— Não soe tão zangada — Roman meditou. — Eu nunca


o vi tão interessado em uma mulher quanto está por você.

— Obrigada — disse friamente. Não pude evitar que meu


cérebro entrasse em frenesi. Konstantin estava interessado em
mim? Estava pensando em mim da mesma forma que eu
estava pensando nele?

Controle-se, disse a mim mesma. Você não é uma


adolescente e Konstantin não é o vizinho. Ele é um chefe da
máfia russa, pelo amor de Deus!

— Você deveria estar orgulhosa. — Ele sorriu


amplamente. — Então, o que ele fez com você? Regar você com
joias caras? Jantares no topo do edifício Empire State
Building?

— Não.

O prazer brilhou nos olhos de Roman. — Escreveu um


poema para você – ou matou seu valentão de infância e fez um
colar com os seus ossos para você?

— Você é doente da cabeça? — Exigi.


— Definitivamente, mas essa é uma característica comum
por aqui — riu. — Ele não fez nada disso? Está bem, está bem.
Claramente, meu homem está usando grandes armas... vamos
pensar... alugou o teatro inteiro e acompanhou você a um show
privado?

— Nada disso — cerrei.

Roman balançou a cabeça. — Estou confuso então. O que


ele fez para te seduzir?

— Nada. Porque não fui seduzida. — Sorrio friamente. —


Assim como Danika.

— Dani e eu temos nossas próprias coisas — fez uma


careta para mim. — Anos de história que você não conhece.

— Eu sei o suficiente — respondi. — Sei que você nunca


fez um movimento – e que você finge odiá-la. Porque é melhor
para ela do que não te ver de jeito nenhum.

Roman bateu com a caneta na mesa e se levantou. Eu


sabia que tinha acertado em cheio. — Você acha que...

— Parem de brigar.

Ambos viramos nossas cabeças para o tom de comando.


Konstantin entrou na biblioteca com as mãos nos bolsos e
parecendo relaxado, e até Babushka ergueu a cabeça para
cumprimentá-lo.

— Podia ouvir ambos brigando do final do corredor —


disse. — Como irmãos.
Roman fez um ruído zangado baixo em sua garganta.

Enquanto ele tinha a atenção de Konstantin, coloquei o


papel que Roman estava praticando sob a pilha de livros.

— Roman estava se intrometendo no meu tempo na


biblioteca — contei.

— Ah, bem, receio que devo fazer a mesma coisa, Elena


— Konstantin disse. — O Presidente dos Hell's Henchmen MC
solicitou uma reunião.
17

Elena Falcone

Diante de meus próprios olhos, observei como Konstantin


tornou-se o Pakhan de Staten Island. O Cavalheiro Russo. O
homem que sufocou seu pai até a morte com a tenra idade de
quinze anos.

Só conseguia encarar enquanto descíamos a pista de


decolagem.

Konstantin sempre teve alguma forma de comando para


si mesmo, mesmo nas manhãs casuais de café da manhã em
família, mesmo quando pegava seu sobrinho e jogava-o sobre
seus ombros como um macaco.

Aqui... este comando saiu com toda a força. Ele parecia


estar mais alto, mais assustador, até a sua gravata parecia
brilhar em aviso: matei meu pai, parecia dizer, imagine o que
farei com você.

Konstantin não era o único que parecia abandonar sua


civilização.

Artyom tornou-se mais severo, Roman tornou-se mais


cruel, Dmitri tornou-se mais frio. Eles se transformaram nos
mafiosos russos que eram, os sanguinários Vory que
destruíram o império Falcone e reconstruíram o seu próprio
em seu vazio.

O sol começava a nascer sobre o hangar do aeroporto,


dissipando a névoa que soprava sobre as pistas. Uma brisa
fresca soprou sobre nós, despenteando o cabelo e estimulando
arrepios.

— Será um inverno frio — observou Artyom. A sua voz


cortando o silêncio.

— Realmente — Konstantin concordou, sua voz se


transformando em névoa branca ao ar livre.

Roman examinou a área, olhos escuros. — O ETA está a


três minutos. — Olhou para trás, para o jato particular de onde
havíamos saído. — Prefere esperar no avião, Boss?

Konstantin negou com a cabeça. — Não há perigo,


Roman. — Enfiou as mãos nos bolsos. — Ainda não, de
qualquer maneira.

Um estrondo fraco começou a se formar, além da névoa.


Ele ficava cada vez mais alto à medida que se aproximavam, os
seus motores ecoando por todo o aeroporto. O som me lembrou
do rugido de um dinossauro, baixo e ameaçador.

Os homens de Konstantin se espalharam, alguns


desaparecendo nas sombras, enquanto outros formaram uma
parede ao redor de seu Pakhan. Descansaram as mãos nas
armas, preparados a qualquer momento para proteger o seu
rei.
Eu me enterrei ainda mais em meu casaco.

Konstantin percebeu o movimento. — Está com frio?

— Não.

Ele sorriu levemente, quebrando sua máscara


aterrorizante por apenas um segundo, antes de se virar para
frente mais uma vez.

Através da névoa, formas começaram a se formar. As


motos escuras e elegantes avançaram, seus motores tão
barulhentos que não conseguia ouvir meus pensamentos. Eles
pararam no que parecia uma ordem aleatória, mas eu sabia
que era proposital. Proteger o rei era uma mentalidade comum,
aparentemente.

Os homens desmontavam de suas motos. As suas vozes


roucas se misturaram, tornando difícil ouvir uma única frase.
Todos usavam coletes de couro, decorados com emblemas e
palavras que eu não conhecia.

Um único homem saiu da multidão. Ele tinha uma longa


barba grisalha, combinada com óculos escuros e uma
impressionante barriga de cerveja. Pude distinguir, em
pequenas letras em seu colete, a palavra Presidente.

— Tarkhanov — o homem cumprimentou, com sua voz


áspera.

Konstantin curvou a cabeça em saudação. — Hatchet.


Hatchet tirou os óculos escuros, revelando um par de
olhos castanhos inquisitivos. A sua pele podia estar danificada
pelo sol, a sua barba e cabelo rebeldes, mas a inteligência era
óbvia em sua expressão.

— É um prazer conhecê-lo — disse.

— Você também. — Comparado com o exterior áspero de


Hatchet, Konstantin parecia ainda mais assustador. —
Embora seja em tristes circunstâncias.

Hatchet bufou em concordância. — Claro. — Gesticulou


para alguns outros homens. — O meu VP, Jaguar, e o Road
Captain, Mad Dog.

Jaguar tinha olhos verdes chocantes, que contrastavam


com sua pele morena e seu cabelo preto como grãos elétricos,
enquanto Mad Dog parecia com seu presidente, com as
mesmas características desgastadas e o cabelo comprido.
Ambos acenaram com a cabeça em saudação.

— Cavalheiros — observou Konstantin. Ele baixou a


cabeça para Artyom. — O meu consultor de segurança, Artyom
Fattakhov, e a Srta. Falcone.

Não fiquei surpresa por ele não ter apresentado Dmitri e


Roman. Fiquei mais surpresa por ele ter me apresentado.

Tentei manter o choque longe do meu rosto, mas não


pude evitar de me virar para avaliar sua expressão, tentando
reunir uma única dica sobre o que estava acontecendo em seu
cérebro. Ele tinha feito isso para perturbar a gangue? Para me
perturbar?

Por que ele disse Srta. Falcone em vez de Sra. Falcone?

— Prazer em conhecer todos vocês — disse Hatchet. A


minha atenção mudou de Konstantin para o motoqueiro. —
Vamos falar de negócios.

— Para o que viemos. A sua mulher?

— Flowerpot. — Esfregou a boca. — Ou bem, Bethany


Norden. Era a esposa do meu tesoureiro.

Atrás dele, alguns dos homens mudaram de posição.


Desconfortáveis.

— Como isso aconteceu? — Perguntou Konstantin. Eu


tinha certeza de que ele já sabia, só queria ouvir de novo.

Hatchet não pareceu satisfeito quando disse — Nós a


encontramos na sua cozinha, espancada até a morte. Os seus
dentes foram removidos... — A sua testa franziu em um flash
de fúria. — Os covardes provavelmente se esgueiraram dela.
Flowerpot não deixaria ninguém entrar em casa; não era
estúpida.

— Alguém viu algo estranho?

Ele balançou sua cabeça. — Não. A maior parte do clube


estava na estrada. O passeio anual de Halloween, e nenhuma
das outras Old Ladies viu nada.
Konstantin olhou ao longe, a expressão quase pensativa.
— Entendo.

— Ouvi dizer que você tem um bastardo — disse Hatchet.


Os seus olhos dispararam brevemente para mim. — O boato é
que algumas de suas mulheres foram atacadas.

— Temos um homem chamado Edward Ainsworth —


disse Konstantin. — Ele é um jogador de baixo nível, no
entanto. Trabalha para um homem chamado Titus – esse nome
lembra alguma coisa?

Hatchet balançou a cabeça. — Nada. — Voltou-se para


seus homens. — Alguma coisa?

Todos balançaram a cabeça, mas aquele a quem chamava


de Jaguar disse — É o nome de um imperador romano, Prez.

— Então, provavelmente não é seu nome de batismo —


Hatchet concordou. Ele se voltou para Konstantin. — Edward
falou muito?

— Além de delírios devotados por seu mestre, não — disse


Konstantin.

— Foi apenas um homem?

Konstantin sorriu fracamente. — Havia outro, um homem


chamado Viktor Eristov, Vik para os seus amigos. —
Gestucilando para mim. — A srta. Falcone o matou, no
entanto.
O motoqueiro me avaliou novamente, tentando ver o
assassino em mim. Olhei de volta para ele. Eu não era um
inseto a ser inspecionado ao microscópio.

— Como você consegui isto? — Hatchet perguntou quase


cautelosamente. Como se eu estivesse a um segundo de atacá-
lo e matá-lo também.

— Eu arranquei seus olhos.

Os dentes de Konstantin brilham de alegria quando os


motoqueiros se mexeram mais uma vez. Eles não estavam
desconfortáveis, desta vez, mas cautelosos. Vigilantes.

O motivo pelo qual Konstantin me convidou para esta


reunião estava começando a fazer muito mais sentido.

Uma fúria fraca acendeu meu estômago. Como ele se


atreve a me trazer aqui para me segurar como um animal de
estimação selvagem? Aqui está a Srta. Falcone, nossa
especialista em enucleação residente. Cuidado ou ela arrancará
seus olhos também.

Talvez fique com o seu, Konstantin. Perfurei meus olhos


no lado de sua cabeça como se estivesse enviando minha
ameaça telepaticamente.

Os seus olhos deslizaram para mim brevemente, suas


sobrancelhas levantando levemente, antes de ele olhar de volta
para o presidente motoqueiro. — Condolências por sua perda,
Hatchet — disse.
— Não quero as suas condolências, Tarkhanov —
retrucou o motoqueiro. — Quero vingança.

Konstantin sorriu, desta vez. Não havia nada de


encantador; era pura compreensão animalesca; de um alfa
para outro.

— Você a terá — assegurou. — Um presente meu para


você.

Hatchet sorriu, os dentes cintilando em sua barba como


presas de um lobo. — Veem, meninos? — Olhou de volta para
seus homens. — É um presente bom pra caralho.

Risadas fracas soaram entre os motoqueiros.

— Vou te dar um também, Tarkhanov — disse Hatchet.


— Ouvimos rumores de que um chefão italiano no Maine está
de olho em New York.

O interesse brilhou nos olhos de Konstantin. Você não


teria notado se não estivesse procurando por ele. — Você
parece ouvir muitos rumores, Hatchet — disse.

— Cavalgo com o vento e ele carrega muitos segredos —


respondeu o presidente.

— É o que parece — observou Konstantin. Ele curvou a


cabeça para o motoqueiro — Até a próxima.

Konstantin não deu as costas aos motoqueiros até que


estivessem fora de vista, com seus motores rugindo no
amanhecer crescente. Voltamos para o avião quando ficou em
silêncio.

Lentamente, os homens de Konstantin voltaram para


nós, parando protetoramente enquanto Konstantin caminhava
para o avião.

— Depois de você — murmurou.

Subindo no avião, senti Konstantin atrás de mim. A sua


presença me seguiu, seu olhar queimando em minhas costas.
Arrepios escorreram pelo meu pescoço e espinha. Quase
tropecei nas escadas.

A palavra devassa se formou em minha mente.

A luz fraca iluminava as pilhas de livros à minha frente,


sombras dançando nos cantos e fendas. Os únicos sons eram
os assobios do vento e o roçar das capas de romance.

Sozinha. Quieta. Exatamente como eu gostava.

Há dias, vinha percorrendo a biblioteca. Eu tinha


categorizado e registrado até que o alfabeto estivesse
constantemente se repetindo em minha mente; ordenado por
gênero e sobrenomes, esta biblioteca estava lentamente se
tornando minha maior conquista. A minha humilde opinião,
ela poderia rivalizar com o Bodleian24.

24-ABiblioteca Bodleian é a principal biblioteca de pesquisa da Universidade de Oxford, uma das


mais antigas da Europa e na Inglaterra só perde em tamanho para a Biblioteca Britânica.
Passos suaves me fizeram virar a cabeça para o lado. —
Danika?

— Não é Danika. — Konstantin saiu das estantes, as


sombras dançando sobre suas feições enquanto rondava em
minha direção.

Eu me endireitei. — O que você está fazendo aqui?

Ele se agachou, os seus olhos brilhantes me enraizando


no lugar. — Você tem me evitado. Por quê. — Não era uma
pergunta, era mais uma exigência.

Olhei de volta para os livros. — Não estou evitando você.

— Mentirosa.

O rosnado de seu tom me fez olhar para cima. — Estive


ocupada, Konstantin — disse com naturalidade. — Tenho
tentado ajudar Tatiana e arrumando esta biblioteca.

A sua sobrancelha se ergueu. — É mesmo? Tatiana está


melhor; a biblioteca... — gesticulou um braço ao redor da sala.
— Está quase completa.

— Estas tarefas aconteceram porque estava evitando você


— zombei. — Tatiana não está melhor.

— Engraçado. Pensei que teria aproveitado a primeira


chance para declarar Tatiana tão saudável quanto um cavalo
e fugido. — Ele me avaliou.
Não gostei de olhar em seus olhos. Estava com medo que
pudesse ver algo que eu não queria que ele visse.

— Eu não deixo um trabalho inacabado.

Havia um lampejo de conhecimento em sua expressão. —


Não, você não deixa — concordou. — Falando em Tatiana,
Dmitri quer saber se ela está melhor.

Não revele nada. — Não encontrei a causa subjacente de


sua doença. — Não revele nada. — A sua boa saúde agora é
temporária. — Não revele nada. — Deixarei você e Dmitri
saberem quando descobrir.

Konstantin inclinou a cabeça, mas não se levantou para


sair. Os seus olhos capturaram minha mão de repente, as suas
profundezas escurecendo avidamente. — Devassa — leu.

Resisti ao desejo de esconder minha mão. Isto só me faria


parecer culpada.

— É uma palavra — rebati. — É definido como ser


sexualmente desenfreado ou ter muitas relações casuais, dos
quais não sou nenhum.

Um sorriso apareceu em seu rosto. — Por que escreveu


esta palavra sobre você, então?

Por sua causa. As palavras cresceram na minha garganta,


prontas para explodir, mas não consegui. Havia muitos
emaranhados, armadilhas, e muitas consequências.
Se ele tivesse você, nunca a deixaria ir, Elena, eu me
alertei. Homens como Konstantin não deixam suas mulheres
partir.

Mudei meu cabelo por cima do ombro, levantando meu


queixo. — Qual é o seu problema? Você não é meu marido.

Algo mudou em sua expressão. — Não, eu não sou. Você


parece estar sem marido atualmente.

— Graças a você — rebati.

— O seu marido... — A atenção de Konstantin tornou-se


mais intensa. — A chave, ainda não a encontramos.
Destruímos a mansão Falcone e ainda permanece oculta.

— Não é problema meu.

Konstantin se aproximou, capturando toda a minha


atenção. O seu cheiro era avassalador. — Oh, Elena —
acariciou meu nome em sua boca, tão íntimo quanto um
amante — penso que será.

Ele não tem ideia, pensei comigo mesma.

— Thaddeo não me disse nada. Incluindo onde guardava


seus itens preciosos.

— Veja, sempre fica dizendo isso, Elena, mas cada vez


que o faz... — O dedo de Konstantin se esticou, acariciando
minha bochecha com muita delicadeza. — Eu vejo a mentira
em seus olhos. Os segredos.
Engoli. — Não há segredos em meus olhos.

Um sorriso lento apareceu em seu rosto. Não havia nada


de encantador ou amigável – era o sorriso de um gato que
pegou um rato pelo rabo. — Você se orgulha de sua
honestidade — murmurou.

— E a sobrevivência — respondi. — Eu me orgulho da


honestidade e da sobrevivência.

— Sabe que eu não deixaria nada acontecer com você.


Com chave ou não. — O dedo de Konstantin caiu da minha
bochecha, agarrando mechas do meu cabelo antes de se
afastar. — É por isso que não me dirá? Você teme por sua vida.
— A raiva brilhou em seu rosto, deformando suas feições
momentaneamente.

Os olhos de Thaddeo brilharam em minha mente, sua


mão se esticando e machucando minha pele. A dor era
diferente de tudo que já havia sentido antes. Ele tinha me
seguido dia e noite, às consultas médicas e ao quiroprático...

— Elena? — A voz de Konstantin interrompeu as


memórias. A sua mão subiu, segurando minha bochecha. Eu
não conseguia me afastar, não conseguia resistir ao calor
reconfortante. — Nunca mais ninguém lhe machucará
novamente.

A fúria suave em sua voz me lembrou quem ele era. Não


era um cavalheiro encantador que ouviu minhas opiniões e
valorizou meu intelecto, que riu de minhas observações
sarcásticas. Ele era o Pakhan do Tarkhanov Bratva, o homem
que matou seu pai com sua própria gravata antes de completar
dezesseis anos.

Eu me afastei, sua mão caindo. O meu coração gritou com


a perda de contato, mas ignorei.

— Não direi porque não sei onde está sua preciosa chave
— rebati. — Incomode outra pessoa.

Os seus olhos examinaram o meu rosto. — Esta chave é


mais importante do que imagina — alertou. — Se alguém
colocar as mãos nela antes de nós, pode causar um grande
perigo.

Eu encontrei seus olhos. — Eu não me importo.

Um músculo em sua mandíbula se contraiu. — Não.


Claro, que não. — A sua cabeça se inclinou ligeiramente para
o lado. — Não se importa muito, não é, minha Elena?

Abri minha boca, pronta para voltar a ser sua, quando


uma vozinha suave falou — Tia Lena? Tio Kostya?

Ambos nos viramos, assustados, para ver o pequeno


Anton parado a poucos metros de nós. Estava vestido para
dormir, o seu cabelo despenteado e seu ursinho pendurado
frouxamente em sua mão. Sentada perto de seus tornozelos,
irritada e chateada, estava Babushka.

— Anton — Konstantin voltou sua atenção para seu


sobrinho. — O que está fazendo acordado?
Anton esfregou os olhos. — Monstros — resmungou.

— Ah, claro — Konstantin concordou. — A sua mamãe ou


seu papai estão acordados?

Ele balançou sua cabeça.

— Que tal voltarmos a dormir, sim? — Konstantin se


levantou. Olhou-me para dizer que esta conversa não acabou.

Sim, acabou, olhei de volta.

Ele gesticulou para seu sobrinho. — Vamos, Anton.


Colocarei você na cama.

Os olhos azuis brilhantes de Anton olharam para mim. —


Tia Lena?

— Tia Lena está trabalhando — raciocinou Konstantin.

As suas bochechas rechonchudas se enrugaram de fúria.


— Tia Lena, por favor. — Estendeu a mãozinha, mexendo os
dedos. — História?

Franzi os lábios, ignorando os olhos de Konstantin sobre


mim. — Claro, uma história. — Era o mínimo que poderia fazer
por este menino.

Anton esticou os braços para Konstantin, que o ergueu


facilmente. Ele deitou a cabeça no peito do Pakhan, seu cabelo
escuro contrastando como penas de corvo contra a camisa
branca de botão de Konstantin.
Eu os segui para fora da biblioteca, apenas para que
Anton estendesse a mão.

— Você quer segurar a mão da tia Lena? — Konstantin


me lançou um olhar, as sobrancelhas erguidas. Vai realmente
negar a criança sonolenta? Perguntou.

Atirei-lhe um olhar furioso. Claro, que não. — Aqui está.


— Eu segurei a sua mão suavemente. O aperto de Anton
aumentou, não me deixando e a chance ds sua história de
ninar escapar.

Nós nos movemos pelos corredores, Anton cochilando no


peito de Konstantin e segurando minha mão enquanto me
arrastava atrás deles, até Babushka o seguiu, mantendo uma
distância vigilante.

O quarto de Anton era uma das áreas acabadas da casa.


A sua pequena cama em forma de um carro de corrida, e os
brinquedos espalhados por uma esteira em forma de pneu. As
estrelas verdes brilhavam no teto, combinadas com a luz
noturna da lua crescente ao lado de sua cama. Como
conseguia dormir com a luz tão clara estava além de mim.

Konstantin deitou Anton na cama, envolvendo-o com o


cobertor. — Dê-me Teddy... obrigado. — Ele colocou o ursinho
de pelúcia de Anton ao seu lado. — É hora de ir para a cama
agora, Anton.

Anton acenou com a cabeça, sorrindo sonolento. Apesar


de sua exaustão, não esqueceu que eu tinha prometido uma
história para dormir e virou sua cabeça para mim com
expectativa. — História?

Peguei uma de suas favoritas e me sentei ao lado da


cama. A cama estava muito perto do chão para sentar em uma
cadeira.

Anton torceu a cabeça para ter uma visão melhor e


levantei o livro. Babushka saltou para cima de uma caixa de
brinquedos e examinou nós três com seus olhos redondos.

Olhei para Konstantin. Você pode sair agora.

Ele balançou a cabeça, sorrindo. Não.

— Comece, por favor, tia Lena — Anton murmurou.

— Claro. — Limpei a garganta e fui para a primeira


página. A atenção de Konstantin não fez nada para acalmar
meus nervos. — Era uma vez...

Ao longo de toda a história, Konstantin permaneceu.


Talvez não confiasse em mim sozinha com Anton ou talvez só
quisesse me ver lendo sobre carros e ursos falantes. Seja qual
for o motivo, ele se encostou na parede de trás, com os olhos
treinados em mim o tempo todo.

Quando a respiração de Anton se aprofundou e começou


a ressonar, Konstantin murmurou — Para alguém que não
acredita que é uma pessoa carinhosa, você é muito empática.
Eu não respondi. Konstantin não sabia tudo sobre mim
e, se soubesse, provavelmente estaria dizendo algo muito
diferente.

Algo mais na linha de cadela egoísta e calculista.


18

Konstantin Tarkhanov

O rosto de Natasha encheu a tela, olhos idênticos aos


meus, já brilhantes, e divertidos. Ela havia prendido o cabelo
loiro em um coque em ambos os lados da cabeça e ainda vestia
o seu uniforme escolar. A sua mão estava estendida, com uma
tarântula enorme descansando na palma da mão.

— Conheça Evgeni — foi a primeira coisa que disse.

Eu sorri. — Depois do meu pai?

— Conheço cem Evgenis — respondeu ela — e nem todos


têm o nome de Dedulya.

— Será este?

Natasha aproximou a aranha do rosto. — Sim, é. Ele se


parece com ele, não acha?

— Peludo, oito olhos e pernas?

— Exatamente — ela riu.

Eu ri também. — Bem, então, nesse caso, são uma


imagem cuspida um do outro.
— Tente não matar este — comentou, piscando os olhos
para mim.

— Estou a milhares de quilômetros de distância, Natasha.


Esta Evgeni está segura.

Natasha sorriu e apoiou o queixo no punho, conseguindo


se aproximar da aranha, nenhum medo cintilou em sua
expressão; minha sobrinha era fanática por insetos e répteis.
O número de vezes que meu irmão foi obrigado a remover
cobras e aranhas venenosas de seu quarto era infinito.

— Como está a Big Apple25? — perguntou. — Como é que


os americanos dizem... onde os sonhos são feitos?

— Realmente. A Staten Island pertence a Tarkhanov


Bratva agora.

O prazer brilhou em seus olhos. — Sempre soube que


teria sucesso — disse ela. — Assim como seus irmãos. É por
isso que eles têm tanto medo de você.

— É por isso que eles têm medo de você também.

Natasha assentiu, não surpresa. Não era nada que não


tivesse ouvido antes. — Papai tem estado bastante tenso
ultimamente — disse. — Algo está acontecendo. Ele não quer

25-A cidade de New York é conhecida como Big Apple, não se sabe ao certo a sua origem e ouvirá
histórias diferentes, dependendo para quem perguntar ou onde pesquisar. A expressão é encontrada
pela primeira vez no livro The Wayfer in New York (O Viajante e Nova Iorque), é citada uma metágora
em relação a má distribuição de renda entre os estados americanos. No início dos anos 1920 a palavra
apple era utilizada como referência ao prêmio que se ganhava nas corridas de cavalos – uma vez que
adoram maçãs. As corridas de cavalos eram conhecidas em New York como Big Apple, pois os
prêmios na cidade envolviam mais dinheiro.
deixar mamãe ou eu sairmos de casa, nem mesmo para ir ao
jardim.

— Você não foi informada?

— É óbvio.

Levantei minhas sobrancelhas em seu tom. Natasha pode


ser Rainha um dia, mas agora ela ainda era minha sobrinha e
falaria com respeito.

Natasha enrolou um cacho o redor do dedo. — Posso


saber, por favor? — O seu tom suavizou consideravelmente,
educado em vez de sarcástico.

— Claro. — Recostei-me na cadeira, olhando brevemente


para fora da janela. O sol nasceria em breve, trazendo consigo
outro dia de intriga e violência; e Elena. — Mulheres
associadas a organizações criminosas estão sendo
assassinadas. Uma esposa La Cosa Nostra, uma esposa Irish
Mo, uma filha da União da Córsega, uma neta do Cartel e agora
uma Old Ladie de um MC.

Os seus olhos de corça piscaram, sua pouca idade


aparecendo momentaneamente. — Estou em perigo?

— Não. O seu pai a manterá segura. A ameaça, até agora,


está apenas nos Estados Unidos.

— Oh. Você tem certeza? — A testa de Natasha franziu.

— Claro. — Examinei suas feições por qualquer sinal de


que deveria parar de lhe dizer, mas a minha sobrinha acenou
para que continuasse. — Os seus dentes foram removidos post
mortem.

As suas narinas se dilataram. — Dentes? Oh, que


nojento.

— Diz a garota segurando uma tarântula.

— Evgeni não é nojenta — fungou.

— Não, só tem oito olhos — respondi.

Natasha franziu a testa com a piada. Ela levava seus


insetos muito a sério, incluindo todas as piadas feitas sobre
eles.

Ela não defendeu a honra de Evgeni, em vez disso,


perguntou — Foi encontrado algum dos dentes?

Pisquei com sua pergunta. — Por que pergunta?

Natasha ergueu Evgeni, nivelando os seus olhos. As suas


perninhas se levantaram, mas não a tocaram. — Remover
dentes não é coisa da Máfia — observou. — É uma coisa de
psicopata, porém. Se encontrasse alguns dentes, talvez seja
uma coisa da máfia.

— O que te faz dizer isso?

— Um serial killer ficaria com os dentes como troféus, não


perderiam nenhum. A máfia faria deles um símbolo público —
disse Natasha. — Acho que você tem um serial killer nas mãos.

— Assim como eu, e os outros Reis de New York.


Natasha abaixou Evgeni, os seus olhos vagando em
pensamento. Eu podia ver atrás dela, o interior do seu quarto
incluindo o grande aquário que abrigava a sua amada píton,
Anna Karenina. Eu havia escolhido o nome da cobra; Natasha
nunca me amou mais.

— Não foi isso que aconteceu com aquela governanta? —


Natasha perguntou.

Vasculhei meu cérebro em busca de qualquer menção a


uma governanta desdentada, mas não encontrei nada. — O
que você quer dizer?

— Eu... — os seus lábios se apertaram em pensamento.


— Foi há mais de uma década... mais tempo ainda. Lembro-
me de voltar da escola e minha babá estava conversando com
sua amiga sobre isso ao telefone. Os dentes de uma mulher
foram removidos – acho que ela morreu de perda de sangue,
ou de dor.

Nada sobre essa história tocou um sino, mas a essa


altura, estava construindo meu pequeno império nas ruas de
Moscou, sem me preocupar com as fofocas de babás e mortes
de mulheres aleatórias. Talvez devesse.

— Você se lembra de mais alguma coisa?

— Não. Vou ligar para a babá Anya. — Natasha uniu as


mãos, permitindo que Evgeni cruzasse os dedos como uma
ponte. As suas pernas listradas de laranja e preto se esticaram
enquanto viajava. — Talvez tenha imaginado.
Duvido. — Seria muito útil se fizesse — eu disse. —
Qualquer pista sobre quem está fazendo isso seria um presente
bem-vindo.

Os olhos de Natasha se voltaram para mim. — Você não


sabe quem está fazendo isso?

— Não. Capturamos um dos agressores... um homem


chamado Edward Ainsworth. Ele afirma que seu mestre, Titus,
está por trás de todos os ataques e é intocável.

— Ninguém é intocável. Especialmente para meu tio —


respondeu. — O que Ainsworth disse?

— Nada. — Senti meus molares cerrarem, mas mantive


minha expressão suave. A minha sobrinha não precisava ver
minha raiva cegante. — Dani vai arrancar algo dele em breve.

Natasha acariciou as costas de Evgeni suavemente. — Tia


Danika pode conseguir qualquer coisa de qualquer um — disse
com afeto e conhecimento. — Como conseguiu este Ainsworth?
Duvido que ele apenas se entregou.

A raiva agitou-se no meu intestino enquanto me lembrava


da noite. Como eu encontrei Mikhail morto e soube
imediatamente que Elena estava em perigo. Fazia muitos anos
desde que meu temperamento assumiu o meu controle... mas
naquela noite, cheguei bem perto. Eu me perguntei o que Elena
pensaria de mim quando conhecesse a besta sob minha pele.

— Não. Ele atacou Roksana e Elena no balé — disse.


— É por isso que não deve ir ao balé. — Os seus olhos
dispararam para mim com interesse. — Elena, você disse?

— E Roksana.

— Eu conheço a adorável Roksana, a bailarina que não


pode dançar; mas Elena... — o prazer chamejou em sua
expressão. — Você nunca mencionou uma Elena antes, nem
uma vez. Ela é nova?

— Ela é. Está ajudando a curar Tatiana Gribkov.

Dizer o nome de Tatiana imediatamente fez Natasha


revirar os olhos. — Eu já sinto por esta Elena — murmurou.

— Tatiana é uma boa mulher — disse.

Por alguma razão, Natasha nunca gostou de Tatiana. A


minha sobrinha, para ser justo, era muito peculiar sobre quem
ela gostava e não gostava.

Tatiana sempre caiu na categoria de antipatia, enquanto


o resto dos meus homens, sempre tidos em alta opinião pela
minha sobrinha. Artyom suspeitava que era porque me
protegiam, me serviam. Considerando que a única lealdade
verdadeira de Tatiana era para Dmitri.

— Não pense que não sei que você está tentando me


distrair — disse Natasha. — Eu quero ouvir mais sobre Elena.
O que a diferencia dos médicos de sucesso, sem dúvida está
pagando-a generosamente para ajudar... ugh.
— Tatiana ainda não está bem, apesar destes médicos –
bem, não estava bem. Ela fez melhorias significativas desde
que Elena começou a tratá-la.

Natasha ignorou isso. — Ela é uma médica?

— Não, mais como uma cientista.

— Uma cientista? — Ela riu. — Você a pegou no campus


de uma faculdade, Konstantin? Não está muito velho para ficar
perto de universitários?

— Engraçado — comentei. — Não. Ela é a viúva de


Thaddeo, e nós temos um acordo. Se ela curar Tatiana, poderá
ficar livre e viver com a minha bênção.

Os olhos de Natasha dançaram. — E se não fizer?

— Então ela não fez.

A minha sobrinha deixou Evgeni rastejar para a mesa,


escondida da vista. Apesar de ela estar fora de vista, a direção
afetuosa de seu olhar me permitiu saber onde estava. — Então,
ela é linda.

— O que te faz pensar isso?

Ela me olhou de volta. — Nunca te ouvi fazer um acordo


tão misericordioso. Especialmente em relação a alguém que
você considera da família.

— Faz muito tempo que você não me vê. Talvez agora eu


seja um homem misericordioso.
Isto a fez rir, o som ecoando pelo microfone. — Se você é
um homem misericordioso, então sou uma garota
misericordiosa.

Compartilhamos um sorriso de Tarkhanov, uma


compreensão.

Eu amava minha família escolhida, apesar da falta de


sangue nos conectando. Lutar lado a lado por décadas
construiu um vínculo entre nós que nunca poderia ser cortado.

A conexão que compartilhava com a minha sobrinha,


contudo, era incomparável. Era a conexão de dois Tarkhanovs,
dois descendentes de um Bratva outrora poderoso e que, ao
contrário de nossos pais, ainda tinha a ambição e o poder de
Reis e Rainhas em nossas almas.

Os dois últimos governantes Tarkhanov. Não são


aspirantes ou usurpadores.

Eu soube disto, desde o dia em que ela nasceu. Reconheci


nela a mesma majestade que via em mim mesmo.

Demoraria mais alguns anos até que ela estivesse pronta,


mas o tempo passava-se continuamente e, antes que
percebesse, a minha sobrinha que gostava de insetos e de
provocar o tio seria a Imperatriz da Rússia. Talvez então eu
permitisse que ela me respondesse.

— Realamente — disse, respondendo a sua piada


anterior. — Falando dos misericordiosos, como está meu
irmão?
Natasha suspirou. — Estúpido e arrogante como sempre,
tio Kostya. — Ela esticou as costas. — Às vezes gostaria que
meu pai fosse você; assim não teria dor de cabeça toda vez que
jantasse em família.

— O que ele fez agora?

A minha sobrinha me contou sobre a nova ideia de meu


irmão de derrubar um magnata do petróleo americano. O
magnata em questão desrespeitou meu irmão – ele apertou a
mão na soleira de uma porta. Embora apenas um erro cultural,
meu irmão considerou isto um insulto pessoal e agora estava
planejando a morte do magnata.

A minha sobrinha, no entanto, enfatizou que o magnata


tinha três irmãos; todos dispostos a herdar a empresa se seu
irmão morresse. O meu pai passará por metade da família e de
repente perceberá que não tínhamos mais aliados querendo nos
vender petróleo? Perguntou-se. Ele está arriscando comércio
por um erro. Como um idiota.

— Mal posso esperar até que ele morra — com que ela
terminou sua história. — Talvez eu mate todos os Tarkhanov
para evitar qualquer herança. — Um pequeno sorriso surgiu
em seus lábios. — Exceto você, é claro, tio Kostya.

Não acreditava que ela não me mataria se tivesse a


oportunidade, mas fingi que sim. — Quando estiver pronta,
você saberá — disse a ela. — Aguarde o seu tempo, até lá.
— Eu vou. — Natasha pegou Evgeni novamente,
segurando a aranha para a câmera. — Evgeni acha que eu
deveria matar todos agora e lidar com as consequências mais
tarde.

— Tenho certeza que a aranha pensa.

Ela suspirou e baixou as mãos, Evgeni desaparecendo de


vista. — Posso visitá-lo quando for seguro? Eu quero ver o seu
novo território.

— Você é sempre bem-vinda — assegurei-lhe. — Assim


que eu considerar seguro.

— Assim que eu considerar seguro — repetiu. — A torção


nas letras miúdas. Será que alguma vez considerará o mundo
em que vive como seguro?

Eu não respondi.

Natasha sorriu. — Vou esperar. Como uma cobra na


grama. — O seu olhar caindo para seu colo. — Como uma
aranha em uma teia.

Uma batida a porta do escritório chamou minha atenção.

— É o tio Artyom? — Natasha perguntou. — Deixe-o


entrar.

— Entre — gritei.

Não era Artyom, contudo quem entrou no escritório.


Elena deslizou para dentro, seu cabelo balançando ao seu
redor como uma cortina. A sua expressão sempre indiferente
endureceu quando percebeu que eu estava ocupado.

— Posso voltar mais tarde... — ela foi embora, mas eu


gritei.

— Absurdo. Elena venha conhecer minha sobrinha,


Natalia.

Natasha arrulhou de alegria e disse em inglês — Eu não


mordo.

O interesse despertou nos olhos de Elena e lentamente se


aventurou. A sujeira manchando os seus pés, que percorreu
sobre o tapete. Quase o mencionei, mas quando ela se
aproximou da câmera, Natasha exclamou — Do que você está
falando, Konstantin? Elena é linda.

Elena olhou para mim. — Você disse que eu não era?

— Nunca. — Virei-me para minha sobrinha e avisei —


Não pregue peças...

Natasha riu e ergueu Evgeni. — Elena, gosta do meu


animal de estimação?

Ela se inclinou para mais perto da tela, o seu cabelo


caindo sobre a mesa. Os fios sedosos captavam a luz crescente
da manhã que entrava pelas janelas.

— Tarântula mexicana de joelho vermelho — comentou


Elena. — Sim, muito linda.
Natasha congelou. Quase verifiquei se a vídeo chamada
falhou, mas então de repente, ela disse — Sim, é. — Ela trouxe
Evgeni para mais perto de seu peito, quase a abraçando. —
Você gosta de insetos?

— Prefiro plantas — disse Elena. — Aprecio, porém, um


bonito inseto.

Natasha parecia completamente apaixonada por Elena.


Entendia o sentimento. — Qual é o seu favorito?

— Borboletas monarcas. — Elena nem hesitou.

— Estava combinado, não é mesmo? — Eu refleti.

Ela olhou para mim. — São incrivelmente venenosas, mas


não aparentam ser. — Ela olhou de volta para minha sobrinha.
— É uma dicotomia interessante.

— Eu possuo muitas monarcas — disse Natasha. — Darei


o seu nome à próxima que nascer.

Natasha nem mesmo deu o meu nome a uma criatura.


Ela aceitava as sugestões de nomes, mas nunca fui
homenageado com um homônimo.

Elena parecia vagamente divertida com a oferta de


Natasha. — Obrigada, Natalia.

— Chame-me de Natasha. — Fiquei surpreso que minha


sobrinha tivesse convidado uma quase estranha a se referir a
ela pelo apelido.
Os seus olhos piscaram entre Elena e eu. — Você precisa
do meu tio? Não me deixe interromper.

— Fui enviada por Danika. — Os olhos verdes de Elena


brilharam para mim. — Algo sobre Ainsworth.

— O removedor de dentes? — Natasha perguntou. —


Então você deve ir, tio Kostya. Falaremos mais tarde, sim?

— Claro.

Despedimos-nos – Elena recebendo um aceno pessoal de


Natasha e uma promessa de que receberia uma foto de seu
homônimo.

— Gosto da sua sobrinha — disse Elena no momento em


que a tela ficou preta.

Sorri e olhei para ela. Os nossos olhos se encontraram. —


Ela gostou de você também.

— Qual a idade dela?

Não respondi a Elena imediatamente. A sua expressão era


brilhante de interesse, o mesmo olhar que tinha quando algo
cativava a sua atenção; desde um comentário astuto de Roman
para Danika aos enormes cachorros no jardim, aquele olhar
era reservado apenas para coisas que considerava
interessantes.

Interessar Elena era difícil, mas prender sua atenção era


quase impossível.
— Dezessete. Muito jovem — disse. — Ela é filha do meu
irmão mais velho.

— Moscou?

Concordei, inclinando minha cabeça para baixo,


aproximando nossos rostos. O seu cheiro, mirra e canela, se
instalou profundamente em meus pulmões enquanto respirava
fundo.

— A mesma família que você deixou? — Elena perguntou,


com sua voz firme. Ela não quebrou nosso olhar, não se
afastou.

— Eu matei o patriarca — disse. — Este comportamento


não me tornou muito popular.

Algo cintilou em seus olhos, algo como compreensão. —


Por que veio para os Estados Unidos... em vez de tomar
Moscou?

— A Rússia nunca me pertenceu. Pertenceu sempre a


Natasha.

— Ela parece muito jovem para ser uma Pakhan — Elena


disse suavemente.

— Ela é, mas ainda não é Pakhan — respondi. — Ainda,


não está pronta.

Ela afundou os dentes no lábio inferior pensando. O


sangue rugiu em meus ouvidos.
Elena estava perto demais para ignorar, muito perto para
afastar as imagens imundas que cintilavam através do meu
cérebro. Eu já podia vê-la inclinada para trás sobre a mesa,
com a cabeça e o pescoço inclinado para trás, enquanto a
tomava. Os seus gritos de prazer ressoavam através do meu
cérebro. Gemidos e ruídos que só pertenciam a mim. Nenhum
outro homem os teve. Nem mesmo Thaddeo.

— A sua família quer que Natasha seja Pakhan? — Elena


perguntou, alheia ao que estava acontecendo dentro da minha
mente.

— Não — murmurei, a voz baixa e rouca. — Eles não têm


escolha contudo...

Ela registrou minha expressão. Esperava que ela se


afastasse, que me negasse novamente, mas seus lábios se
separaram, deixando sair um suspiro ofegante.

— Elena — cerrei. — Não me olhe assim se não pretende


aceitar minha oferta.

As suas bochechas ficaram rosadas, mas a teimosia em


seus lábios significava que tentava ignorá-la e esperava que eu
fizesse o mesmo. — Eu... — engoliu em seco. Os seus olhos
dançaram até suas mãos, lançando-se para a palavra devassa.
— Eu não estou olhando para você de uma determinada
maneira. Este é apenas o meu rosto.
Eu rio suavemente. O barulho fez suas narinas dilatarem.
— Se esta fosse a sua expressão constante, eu teria que matar
metade de New York.

— Já não matou? — perguntou.

Estendi a mão e peguei uma mecha de seu cabelo,


deslizando facilmente pelos meus dedos. — Nem mesmo perto.
— Inclinei-me para mais perto dela, a respiração fazendo
cócegas em sua orelha. — Por que veio ao meu escritório?

Elena de repente percebeu porque estava aqui e jogou sua


cabeça para longe de mim, cortando nosso olhar e a tensão
crescente. — Danika quer falar com você. — Ela ergueu o
queixo, tentando recuperar algum controle. — Ela disse algo
sobre estar sob os banhos?

— Onde estamos mantendo Ainsworth. — Fiz um gesto


para ela andar a minha frente; um ato de cavalheirismo e uma
desculpa para eu olhar seu traseiro. — Você se importaria de
se juntar a mim? Ou o ataque ainda está fresco em sua mente?

— Não — disse com firmeza. — Quero ver este bastardo.


Eu quero ouvir o que ele tem a dizer.

Senti um sorriso crescer em meu rosto. — La Cosa Nostra


encoraja tamanha sede de sangue em suas mulheres?

A sua expressão não vacilou. — Eu acho que você ficaria


surpreso.
Abri minha boca para responder quando uma cabeça
apareceu pela porta do escritório. — Oh, desculpe interromper
— Tatiana jorrou, seus olhos dançando entre nós dois. A cor
havia voltado às suas bochechas. — Estava me perguntando
se eu poderia ir com você para ver Ainsworth? Roksana não
quer.

Roksana não queria ouvir mais nada sobre Ainsworth. A


escuridão de seu passado ainda não havia libertado o seu
poder sobre ela. Eu conhecia Roksana e superaria esse revés.
Apesar de toda a sua delicadeza, Roksana era a mais forte de
todos nós.

— Você é sempre bem-vinda, Tatiana. — Peguei um


lampejo de incerteza na expressão de Elena, mas passou em
segundos. Fiz um gesto para as mulheres. — Vamos?

Elena suspirou. — Vamos perder nosso tempo com esse


pedaço de merda.
19

Konstantin Tarkhanov

O vapor e a umidade provenientes dos banhos acima de


nós fizeram com que a sala de interrogatório ficasse pegajosa
e quente demais para o conforto.

Isto era de propósito. Um prisioneiro confortável não era


um prisioneiro que compartilhasse facilmente seus segredos.

Movíamos pelos túneis úmidos, o som de nossos pés e


respirações ecoando. Tatiana gritava ao ver um rato, de vez em
quando, mas nada mais era dito além de palavras suaves de
conforto.

Eu sabia que era por minha causa.

Para visitar Edward Ainsworth, não podia ser o homem


que se dedicava ao filho de Tatiana ou aquele que flertava com
Elena. Eu era o Pakhan de Staten Island, Konstantin
Tarkhanov. O homem que matou seu pai com sua própria
gravata antes que pudesse dirigir um carro.

Não haveria fraqueza em minha fachada, em minha


máscara.

Eu era o Rei; eles se curvariam.


Chegamos à sala, visível apenas por uma porta gravada
na parede de concreto. Bati uma vez e Roman abriu. Ele olhou
sobre o meu ombro, olhos protetores — Deus — disse e olhou
por cima do ombro — convidou a todos. É como a porra de uma
reunião de família.

— Deixe-os entrar — veio a voz saltitante de Danika.

Roman se afastou quando entrei, me cumprimentando


com um “Boss” antes de voltar sua atenção para Tatiana e
Elena atrás de mim.

Iluminado por um único raio de luz, no centro da sala,


Edward Ainsworth estava amarrado a uma cadeira; suor e
sangue o encharcaram, mas o cabelo sem nós e o rosto limpo
me disseram que Danika estava trabalhando em sua magia,
fazendo-o confiar nela.

Ela tinha feito um ótimo trabalho, pela maneira como


seus olhos a seguiram ao redor da sala.

— Edward — cumprimentei.

A sua cabeça virou para mim, olhos arregalados. Ele


ainda estava um pouco lento após a queda, mas Danika estava
injetando nele uma alta dosagem de analgésico. Os seus ossos
quebrados e músculos torcidos pareceriam nada além de uma
leve pulsação.

— Você — respirou, e começou a lutar contra suas


restrições.
— Ei, ei, Eddie — sussurrou Danika.

Ele se virou para ela imediatamente, bebendo a sua visão.


Ela passou a mão reconfortante por sua cabeça, como um pai
acalmando uma criança.

Vi Roman mudar de um pé para o outro, pelo canto do


olho.

— Disse que tinha algo para me dizer — murmurou


Danika. — Você pode me dizer, por favor?

Os olhos de Edward turvaram enquanto olhava entre


Danika e eu. Ele não era uma anomalia; a maioria dos
pequenos projetos de Danika ficaram presos entre seu amor
por ela e seu medo de mim.

— Você precisa, Eddie — encorajou. — Ou então


Konstantin terá que machucar você. Eu não quero que ele faça
isso. Você quer?

Edward balançou a cabeça, a clareza lavando seu rosto.


— Eu... eu... — Ele piscou rapidamente. — A próxima vítima...

Danika acariciou seu cabelo novamente, incentivando-o


a continuar.

— A próxima vítima... — a sua testa franziu e olhou para


Danika. Ela murmurou algumas palavras vazias de conforto,
mas pareceram funcionar em Edward. — Marzia Vigliano.
Marzia Vigliano. O nome parecia familiar. A imagem de
uma menina escondida sob o braço de Giovanni Vigliano, o
senhor da droga do Maine.

— Ela é uma criança. — Engoli meu rosnado. Atrás de


mim, Elena fez um ruído agudo de desgosto.

— Qualquer homem que não pode proteger suas


mulheres não é homem — Edward respirou. Ele olhou para
Danika. — Eu fiz bem?

Ela sorriu afetuosamente. — Sim, fez. Você... sabe de


mais alguma coisa?

Ele balançou sua cabeça. — A próxima é a Vigliano. Isto


é tudo que eu sei. Tudo que me foi dito. — Ele piscou
sonolento. — Titus queria... disse algo sobre afogamento...

Cerrei meu queixo, mantendo meu temperamento sob


controle. Eu podia imaginar estender a mão e rasgar sua
garganta com minhas mãos, a sensação do esôfago e do sangue
já queimando em minha mente.

Não seria por seus crimes passados, no entanto. Eu faria


isso porque ele quase matou Elena.

O meu temperamento rugiu dentro de mim com esse


pensamento.

Ainda não, disse a mim mesmo. Danika colocou muito


tempo e esforço em Edward para você destruí-lo. Apenas seja
paciente.
— Como ele entrava em contato com você? — Danika
perguntou.

— Ele... — A testa de Edward franziu em confusão. —


Titus... havia um telefone. Um número.

— Temos o seu telefone? — Perguntei a Roman


calmamente.

O meu guarda-costas balançou a cabeça. — Não estava


com ele ou no corredor quando atacaram Elena e Roksana;
nem mesmo Vik sem olhos, tinha qualquer identificação.

Danika pegou nossa conversa e perguntou — Onde está


seu telefone agora, Eddie?

— Não sei... — Edward olhou ao redor da sala com medo.


— Não está aqui. — Os seus olhos encontraram as mulheres
atrás de mim e se arregalaram. — Aqui...

— Ele não ficará lúcido novamente por mais algumas


horas — disse Danika. — Posso ligar para você a próxima vez
que estiver, ou não é mais útil?

Avaliei Edward, correndo meus olhos sobre sua mente


como se pudesse olhar em seu cérebro e ler os segredos que
guardava. — Ele é valioso demais para matar ainda. Afinal, é
a única pessoa que conhecemos que falou com esse Titus.

Os olhos de Edward clarearam com o nome. — Titus —


disse e então começou a repetir continuamente — Titus, Titus,
Titus.
— Cale a boca, hooy morzhovy26, — Roman disparou. A
sua voz áspera ecoou pela sala, quase fazendo Danika pular.
— Nunca para de falar, porra — murmurou baixinho.

Eu tinha aconselhado Roman a não estar aqui enquanto


Danika fazia seu trabalho, mas meu byki era teimoso e insistiu
que ficaria bem. Eu tinha razção, como de costume, e agora
teria que lidar com um Roman agitando Danika pelos próximos
dias porque não estava pronto para admitir seus sentimentos.

— Danika, faça uma pausa. Deixe Edward descansar.

Danika pareceu aliviada e feliz nos acompanhando para


fora da sala. Roman não perdeu tempo, dizendo — Você cheira
a esgoto.

Elena e Tatiana enviaram olhares para ele. Porém,


Tatiana era mais carinhosa, maternal mesmo? Considerando
que Elena parecia dizer você está falando sério?

Elena se virou para mim, enquanto os dois discutiam, e


estreitou os olhos. — Como você está tão limpo? Estamos
cercados por sujeira e fungos há quase uma hora. Estou
imunda.

— Consigo ver. Você tem um pouco em seu cabelo...deixe-


me... — Quando ela não resistiu, estendi a mão e tirei um
pedaço de sujeira de seu cabelo. Ela levantou a mão para ele,
como se estivesse verificando se realmente tinha sumido.

26 Pênis de morsa.
Elena fungou e tirou a mão. — Você não pode ter
masmorras mais limpas ou mais frias, Konstantin?

— Desde quando odeia sujeira? — Perguntei. — Eu a vi


caminhar pela floresta com nada além de seu pijama.

Tatiana, que caminhava à nossa frente, se virou com as


sobrancelhas erguidas. Ela me deu um sinal de positivo antes
de olhar para a frente mais uma vez.

O seu apoio silencioso era cômico, mas não refutado.

— Não é o que você pensa, Tatiana — Elena disse. —


Estava dando um passeio e Konstantin estava lá por acaso.

— Eu não disse nada — Tatiana gritou de volta, com um


leve humor na voz. — Tenho certeza de que Dmitri e eu demos
algumas caminhadas na floresta enquanto estávamos de
pijama.

— Nove meses depois, eu era um tio — Roman disse atrás


de nós.

Isto fez com que Tatiana e Danika caíssem na risada.

Elena revirou os olhos e lutou contra um sorriso, mas não


conseguia diminuir o brilho em seus olhos, o humor fazendo
seu rosto brilhar. — Espero que você não planeje dizer isso a
Anton.

Tatiana riu. — Não, não. O meu filho nunca passeará na


floresta de pijama.
Foi a vez de Roman e eu rirmos.

Quando chegamos do lado externo, o ar puro e fresco foi


um alívio. Elena segurou o cabelo para cima do pescoço,
tentando se refrescar, enquanto Danika abriu os braços, mas
com muita energia, e acabou caindo no chão.

— Pelo menos está fresco na grama — murmurou quando


eu a ajudei a se levantar.

Eu me segurei enquanto iam em direção aos carros.

Elena se virou, com os olhos afiados. — Você não vem


com a gente?

— Não. Eu tenho que fazer uma ligação.

A compreensão suavizou sua expressão. — Boa sorte —


murmurou.

Boa sorte, de fato.

Fiquei a borda do cais, com vista para os Narrows. À


distância, a ponte Verrazzano-Narrows se erguia, alta com
buzinas e gritos enquanto os nova-iorquinos tentavam navegar
no tumultuoso tráfego.

Eu senti meus homens atrás de mim, prontos para


qualquer ameaça, mas não podiam me proteger de um
telefonema.
Quatro toques depois, a voz suave com sotaque ítalo-
americano me cumprimentou. — Konstantin Tarkhanov —
cumprimentou. — A que devo o prazer?

Giovanni Vigliano era o senhor da costa do Maine. Se


houvesse importação ou exportação para o Nordeste, Vigliano
sabia – e provavelmente permitiu. A sua habilidade para
transportar drogas, armas de fogo e outras mercadorias era
altamente cobiçada, e estava feliz em fazer isso, por um preço.
Fizemos apenas alguns negócios até agora, mas teríamos mais
à medida que meu império se expandisse. Caso decidisse usar
uma parte de New York.

Ele era um dos bastardos de Lorenzo Vigliano, e o único


que ousava reclamar o nome do seu pai, apesar de não ter
verdadeiro direito de primogenitura. Ser ilegítimo significava
que foi cortado da fortuna da família quando Lorenzo morreu,
mas eu duvidava que Vigliano se importasse. Ele tinha mais
dinheiro e poder do que qualquer um de seus meios-irmãos
legítimos.

— Temo trazer más notícias — disse combinando seu tom


dominador com o meu.

— Oh?

— Como você sabe, Edward Ainsworth está atualmente


sob nossos cuidados — disse. — O meu pessoal tem trabalhado
com ele dia e noite, e arrancaram dele o nome de sua próxima
vítima.
Giovanni estava mortalmente silencioso do outro lado da
linha.

— Ele nomeou sua filha, Marzia Vigliano, como próximo


alvo.

— Sério? — disse friamente.

— Mencionou afogamento, mas parece um pouco confuso


com os fatos. Como a maioria daqueles que sofreram tortura,
se me entende. — O meu tom deixou claro o que eu pensava
sobre Edward Ainsworth: suave, fraco, incapaz de suportar a
tortura.

— Eu devo acreditar em você?

Eu sorrio levemente. A suspeita e paranoia eram


características de um chefe da máfia, o que eu tinha certeza de
que Vigliano seria um dia. Aqueles que se tornaram
complacentes encontraram-se mortos muito rapidamente. O
meu sorriso desapareceu quando disse — Já perdemos um
filho por causa dessas mortes. O nosso mundo é sangrento,
mas não matamos crianças.

— Não. — O tom de Giovanni foi firme. — Não matamos.


— Matamos todo mundo, porém não foi dito.

O silêncio caiu sobre ambos.

O vento assobiou sobre Narrows, as ondas ficando


maiores e mais fortes.
— Dizem que está de olho em New York, Giovanni —
disse.

— Os rumores têm o hábito de serem corretos —


respondeu.

Eu rio suavemente. — Certamente, têm. Espero que sua


arrogância não exceda seu poder. Não tenho paciência com
estes homens.

Giovanni fez um barulho de acordo. — Assim como eu.

Eu sabia antes da confirmação que seria Vitale Lombardi


o alvo de Giovanni. Os Chens, Ó Fiaichs e Ishidas ainda eram
poderosos, muito proeminentes, mas os Lombardis estavam
ficando mais fracos – especialmente desde que seus aliados
mais próximos, os Falcones, foram erradicados.

Seria interessante ver se a Família Lombardi aceitaria o


filho bastardo de Giovanni Vigliano.

A julgar pela forma como reinou sobre o Maine, ele seria


um Don formidável, mas um Don não era apenas um homem,
e sem o apoio de seus homens e mulheres, não duraria muito.

— Se Ainsworth disser mais alguma coisa sobre sua filha,


será informado.

Dissemos adeus, mais ameaças agourentas do que votos


de felicidade.

Quando voltei para a propriedade, Elena estava estendida


no gramado da frente, com um livro nas mãos. Ela não estava
sozinha; Anton corria ao seu redor na grama, chutando uma
bola, acompanhado por um dos cachorrinhos mais amigáveis,
porém menores. Ela levantava a cabeça, de vez em quando,
para ver como ele estava antes de voltar ao livro.

A grama rangendo sob meus pés a alertou da minha


presença.

— Então, Giovanni não enviou um drone para matar você


— disse ela. — Pena.

Eu sorrio me agachando ao seu lado. Anton acenou para


mim. — Eu não poderia morrer e não ver você como babá. Não
deveria brincar com a criança?

— Tatiana está cansada — Elena disse, o tom sugerindo


que eu era um idiota. — O bebê a está deixando exausta.

Lancei meus olhos para a mansão, como se pudesse ver


Tatiana dormindo dentro de casa e verificar se estava bem.
Enviei uma mensagem rápida para Dmitri, para a
incredulidade de Elena.

— Ela está bem.

— Dmitri se preocupa. Ele tem permissão? — Perguntei a


ela.

Elena bufou e voltou para seu livro, dispensando-me.


Quando me pus de pé, perguntou — O que Giovanni disse?

— Não muito, mas está claro que ele não está satisfeito
com a ameaça contra sua filha.
— Deveria estar?

— Claro, que não — disse. — Ele também confirmou sua


intenção de conquistar de New York.

Elena usou seu livro para proteger os olhos do sol. Dei


um passo para o lado, bloqueando os raios para ela. — Ele
disse onde?

— Não, mas a escolha mais lógica seriam os Lombardis.

Ela inclinou a cabeça para o lado. — Escolha mais lógica?


Por que você diz como se soubesse disso? Achei que os
Lombardis eram fortes.

— Fortes, mas não o mais forte. A verdade, em


comparação com as outras três famílias, os Lombardi têm
muito pouco poder — confirmei. — Uma mudança na liderança
é inevitável.

A realização dançou em sua expressão. Elena nunca foi


lenta em entender o significado por trás das minhas palavras
– ou de qualquer pessoa. — Você tomará o território dos
Lombardis. Por que não fez isso?

— Eles não tinham tudo que eu queria. — Encontrei seus


olhos, pairando sobre ela. A sua respiração ficou presa. — Os
Falcones tinham.

— A chave?

— Uma razão — murmurei. — Não a principal.


Elena engoliu em seco. — Konstantin, tenho que te dizer
uma coisa...

Anton veio saltando, interrompendo nós dois com um alto


— Tio Kostya, Tia Lena. — Ele se jogou ao lado de Elena, com
as bochechas coradas de prazer. — Onde está mamãe?

— Ela está tirando uma soneca — disse Elena. — Acho


que devemos deixá-la descansar.

— Irmã Nika?

— Ela também está cochilando — confirmei, quando a


testa de Elena franziu na falta de compreensão de Anton sobre
bebês no útero.

Anton se levantou, algo capturando sua atenção. — Ok!


— Disparou de volta para o jardim coberto de vegetação.

Eu fiquei mais ereto, procurando por ele. Eu podia ver


sua cabecinha escura movendo-se entre as flores,
acompanhada por seu companheiro cachorrinho.

Elena se firmou nos cotovelos, procurando por ele. Uma


nova palavra apareceu em seu pulso: filo.

— Não sabia que Danika tinha tanto sucesso com os seus


interrogatórios — disse passando de um assunto para outro
com a velocidade de um raio.

— Ela pode tirar qualquer coisa de qualquer um —


concordei. — Apenas alguns conseguiram permanecer imunes
ao seu charme.
— Roman?

Eu sorrio, capturando seus olhos. Ela quase sorriu de


volta. — Roman, sim.

— Eu tenho uma teoria de que é porque ele é muito


teimoso.

— Oh? Talvez você esteja certa.

Ela sorriu ligeiramente desta vez. — Você é imune a


Danika?

— Não tenho certeza. Ela nunca tentou me encantar –


sempre fomos amigos antes de chefe e interrogador. — Eu
segurei seu olhar. — Você é imune a ela.

— Não sou. Eu só sei quando ela está tentando arrancar


algo de mim.

— Resistência não é o mesmo que imunidade?

Elena olhou para Anton, suas risadas subindo acima das


plantas. Algo cintilou em sua expressão e disse baixinho: —
Não, não é.

Uma voz gritou através do jardim, e Tatiana se juntou a


nós. A sua mão descansando em seu estômago inchado,
embalando-o da mesma forma que fazia quando estava grávida
de Anton.

— Ele está se comportando? — Tatiana perguntou.

— Sempre — disse. Elena concordou com a cabeça.


Tatiana levou as mãos ao estômago e riu baixinho. — Ela
está chutando novamente. Honestamente Elena, é você. —
Sorriu para ela. — Você conhece sua tia Lena, Nikola?

A expressão de Elena se contraiu, mas não negou o seu


título de tia Lena.

Analisei suas belas feições, pele morena sardenta e os


olhos da cor de samambaias. Elena nunca mencionou uma
ligação profunda com sua família e odiava Thaddeo com fervor,
mas se adaptou bem a esta família, ganhando a confiança e o
amor de Danika e Roksana facilmente, seguidos por Tatiana,
Roman e até mesmo Artyom.

Babushka e Dmitri são os únicos resistindo, sem saber o


que fazer com a recém-chegada.

Quanto a mim, Elena já fazia parte de mim, merecedora


do meu amor e confiança, desde o dia em que peguei seus
sentimentos sob a forma de um artigo acadêmico.
20

Elena Falcone

Eu estava de pé na sala de jantar da minha infância.

Odiava aquele lugar enquanto crescia, odiava as cadeiras,


o lustre e a mesa com uma ferocidade que os objetos íntimos não
mereciam. Passei horas de tédio vasculhando furiosamente as
paredes, contando todos os buracos (37) e amassados (17). Eu
tinha colocado 54 ervilhas no lustre e escondido 12 brócolis sob
a cadeira.

Como outra parte da minha memória, o meu pai se formou


a partir da parede e em sua cadeira. Ele sempre se sentava no
mesmo lugar e comia as mesmas três refeições. Tomava sempre
um gole de vinho antes de cada mordida e comia sua carne
antes dos vegetais.

Eu o odiava também.

— Elena, como foi a escola? — perguntou, suas palavras


distorcidas e parecidas com um sonho.

Abri minha boca para responder, mas nada saiu.

O meu pai olhou para mim, seus olhos verdes ficando cada
vez mais brilhantes. — Elena, como foi a escola? — Repetiu.
O seu rosto, de repente, começou a mudar. O seu nariz
cresceu, a sua pele se contraiu e o cabelo cinza escureceu para
castanho. Observei seu queixo mudar de forma, e os seus olhos
se transformarem em um castanho familiar.

Thaddeo agora me olhava do outro lado da mesa. — Elena,


onde você estava?

Mais uma vez, não pude responder.

Ele repetiu sua pergunta. — Elena, onde você estava?

As suas palavras ecoaram em minha cabeça, ficando mais


altas e silenciosas, mais duras e mais suaves. Não consegui
formar uma resposta, não consegui controlar as palavras...

— Elena, por que você faria isto?

Voltei meu olhar para Thaddeo, mas não me olhava mais;


em vez disto, um rosto feminino me olhou do outro lado da mesa,
cabelos dourados caindo sobre seus ombros e olhos azul
acinzentados frios.

Tatiana segurava uma flor entre os dedos, a familiar cor


lilás e pétalas em forma de chifre indicavam o que era
imediatamente. Dedaleira.

— Elena — disse novamente, a voz muito má e


desagradável — por que você faria isso?

Acordei assustada.
O meu corpo levou um segundo para me dizer que eu
precisava vomitar agora. Pulando da cama, derrapei para o
banheiro e me agachei na banheira. Havia passado pelo vaso,
mas não havia tempo de voltar.

Enquanto pressionava a minha testa contra os azulejos


frios, desconfortável com a sensação de náusea queimando em
minha garganta, tudo que podia ouvir eram as vozes de
Tatiana ecoando em minha mente.

Elena, por que você faria isto? Por que você faria isto?

Por que eu fiz isso?

O suave tilintar do laboratório me acalmou à medida em


que meus pensamentos ficavam cada vez mais selvagens.
Ouvir o borbulhar dos béqueres e o ruído do pó ajudou a
estreitar meus pensamentos, dar-lhes a direção adequada.

Eu mexia com o termômetro em meus dedos, usando-o


para rastrear respostas invisíveis e teorias no ar. As opções
estavam diante de mim, nenhuma delas sendo a ideal.

O tempo forçou minha mão, a ameaça do mundo ao meu


redor forçou minha mão.

Se fosse completamente honesta... Konstantin tinha me


pressionado para a ação, não porque quisesse tanto ser livre,
ou porque quisesse ter a vantagem.

Não. Era algo totalmente diferente.


Esfreguei minha testa, mas me forcei a me concentrar
enquanto contemplava minhas opções.

Primeiro, dar a Konstantin os instrumentos de que precisa


para descobrir tudo por conta própria.

Para fazê-lo, eu indicaria a direção certa, daria algumas


dicas, mas já havia muitas variáveis associadas a essa ideia.
Será que Konstantin chegaria a essa conclusão por conta
própria? A sua devoção à família poderia impedi-lo de ver a
verdade.

Além disso, como daria estas pistas? Alguns comentários


maliciosos ou pegá-la em flagrante? Como poderia fazer isso?

Segundo, não diga nada, reivindique sua liberdade e vá


embora.

Estaria mentindo se dissesse que não é uma opção


tentadora. Deixá-los por conta própria, seus próprios
traidores, poderia me poupar muito sofrimento e tempo. No
final do dia, estas pessoas não eram minha família – e
certamente não me consideravam sua.

Então, por que razão era meu trabalho desvendar o erro


no meio deles?

Contudo... uma parte minha fisicamente não poderia


fazer isto. Não sei para onde foi meu egoísmo, minha natureza
calculista, mas quando o invoquei para me tornar apática, se
recusou a responder. O meu coração e intestino, em vez disso,
doíam fisicamente com a ideia de ir embora sem dizer nada.
Deixando-os em perigo.

Por último, mas não menos importante, a terceira e


última opção.

Terceiro, diga a Konstantin.

A primeira opção era incerta demais e a muito duvidosa e


a segunda opção me deixava fisicamente perturbada; mas a
terceira opção... se contasse a Konstantin abertamente, quem
diria que ele acreditaria em mim? Ele poderia reagir de
infindáveis maneiras, poderia confiar em mim, aceitar as
evidências e lidar com a situação como bem entendesse, ou
poderia me considerar uma mentirosa e me tratar como os
traidores da Bratva eram tratados.

A minha língua enrolou com o pensamento.

A terceira opção era a única opção imediata. A única que


poderia garantir que a verdade fosse exposta.

Desenhei pequenas colunas no ar com o termômetro,


escolhendo as opções. Vantagens e desvantagens foram
marcadas e anotadas.

Eu não me via como alguém que se esquivava da verdade.


Neste momento, entretanto, teria feito qualquer coisa para
acreditar na mentira, para ser ignorante e feliz. Ser varrido por
mentiras e falsidades nunca foi quem eu era. Andei ao redor
do mundo em que nasci, capaz de ver nas sombras e saber
exatamente o que estava olhando.
Não era a bênção que você pensaria.

A palavra punição veio à mente, trazendo consigo uma


série de lembranças.

O punho forte do meu pai, batendo minha cabeça na


parede; a bofetada de meu tio, minha bochecha ardendo; O
aperto de Thaddeo, meu braço doendo.

Eu sabia no fundo de meus ossos, em minha matéria


primordial, que Konstantin nunca me tocaria; mas a violência
não era a única maneira de me machucar.

Tive a repentina e horrível compreensão de que


Konstantin não só segurava minha liberdade na palma da mão,
mas também tinha a capacidade de me machucar, e com um
único movimento, poderia fechar o punho e quebrar meu
coração em pedaços.

Ironicamente, foi Tatiana quem me deixou no Balneário


Russo27. Ela ia para o consultório de um pediatra, com dois
guarda-costas, é claro, e ficou feliz em fazer um pequeno desvio
depois dos banhos.

— Não deixe que te envergonhem — ela me disse quando


chegamos.

— Envergonhar-me?

27-Casa de banho. É
considerada uma parte importante da cultura rusa com raízes eslavas. O banho é
realizado em uma pequena sala ou prédio projetadao para sessões de calor seco ou úmido – tipo
sauna.
Tatiana acenou com a cabeça. — Os homens pensam que
seus pênis são mágicos e esperam que todas as mulheres
sintam o mesmo.

Quase abri um sorriso. — Não se preocupe. Não é nada


que não tenha visto antes.

— Isso — pensou — é algo que duvido seriamente.


21

Elena Falcone

Não dei a ninguém a satisfação de proteger meus olhos.


Mantive meu queixo erguido, ombros retos, e passei direto pela
casa de banho. Alguns homens gritaram à minha chegada,
enquanto outros me convidaram para suas piscinas
aquecidas.

Ignorar os homens me permitiu observar os azulejos


russos e o design da casa; uma coleção de banhos de vapor,
decorados com fontes e azulejos modernos. Era um velho
passatempo russo, me disseram algumas vezes, tomar banho
em público e com seus amigos.

Passei por um grupo que gritou de alegria ao me ver. —


Venha se juntar a nós, malishka28!

— Cale a boca, cara — alguém sibilou. — Esta é Elena


Falcone.

A zombaria parou imediatamente. Ignorei-os a todos e


segui para Konstantin.

Separado dos outros, mas ainda parte da área pública,


Konstantin e seus homens sentaram-se ao redor de uma

28 Gracinha.
banheira. Estavam relaxados, conversando e rindo, todos
vestidos com nada além de uma toalha baixa em volta da
cintura.

O suor escorria pelo peito de Konstantin e desaparecia


sob a toalha, o cabelo caindo desordenadamente, os fios
grudando na testa.

O meu cérebro se turvou em uma sopa confusa de


imagens. O peito nu de Konstantin, seu pescoço longo, o pomo
de Adão balançando sob seu queixo...

Controle-se, Elena, disse a mim mesma.

O ar fumegante e pesado da casa de banho


automaticamente elevou minha temperatura, mas ver
Konstantin quase nu e pingando de...

RECOMPONHA-SE!

— Konstantin!

Ele ergueu a cabeça, os olhos brilhando. — Elena. — Ele


não pareceu surpreso em me ver. — A que devo o prazer?

Roman e Artyom também ergueram a cabeça. Como seu


chefe, usavam apenas toalhas, revelando suas tatuagens e
peitos musculosos. Roksana e Danika eram mulheres de muito
sorte.

Mantive minha atenção em Konstantin. — Tive uma


descoberta da... doença de Tatiana. — Engoli, o vapor quente
secando minha garganta.
Sim, zombei de mim mesma, é o ar quente que está me
deixando com sede.

— Disse que se houvesse algum desenvolvimento era para


falar imediatamente — acrescentei.

— Sim, disse. — Konstantin se pôs de pé, toda a sua


forma dourada musculosa em perfeita exibição. Os meus
lábios se separaram. — Por aqui, Elena. Falaremos em
particular.

Em particular. Péssima ideia.

Você veio aqui para falar com ele em particular, Elena,


rebati para mim mesma. Pare de agir como uma adolescente
com tesão e controle-se.

— Posso apenas esperar lá fora...

— Isto não pode esperar. — Konstantin pressionou a mão


nas minhas costas. A sua presença me oprimiu, seu cheiro
pressionando para baixo

É apenas a umidade, pensei comigo mesmo.

— Só levará um momento — disse enquanto Konstantin


me conduzia para longe dos banhos. — Você poderá voltar ao
banho de testosterona em um segundo.

Ele sorriu.

Konstantin me acompanhou até uma sala separada, com


banheiro privativo. Não tão quente ou lotado quanto a área
pública, mas ainda quente e enevoado. O som das fontes
passou rapidamente, misturado com a música russa relaxante
tocada por todo o local.

Fora do banho silencioso, o vapor subiu.

Uma parte de mim queria mergulhar, sentir a água


quente contra minha pele exposta. Seria tão relaxante, uma
pausa do meu constante estresse e medos.

— Elena — Konstantin pisou na água, olhando para mim.


— A sua descoberta?

— Eu... — as palavras morreram na minha garganta.

A realização me atingiu de repente. Eu precisava, neste


momento, contar a Konstantin o que sabia. O que eu descobri.
Isto quebraria seu coração.

— Tatiana... — tentei puxar as palavras de mim. Basta


dizê-las Elena, disse a mim mesma. Apenas diga e deixe ser
feito. Não arraste para fora. — Tatiana...

A preocupação tomou conta de seu rosto. — Ela está


bem? — Ele tirou o pé da piscina e veio em minha direção. O
seu peito ondulou enquanto se movia. — Elena, Tatiana está
bem?

Engoli.

— Eu te disse. Tudo o que precisa está ao seu serviço —


disse. — Não há nada que não possamos fazer para ajudar
Tatiana.
Eu não conseguia olhar para ele, não conseguia
encontrar seus olhos.

— Eu... — virei minha cabeça para a piscina, bebendo a


água como se ela pudesse oferecer algum relaxamento.

As uas palavras passaram pela minha cabeça, a


preocupação nelas tão perceptível.

Tudo o que precisa está ao seu serviço. Não há nada que


não possamos fazer para ajudar Tatiana.

O barulho saiu da minha boca antes que pudesse detê-


lo. — Encontrei a cura — disse. — Eu... encontrei a cura.
Preciso de alguns ingredientes...

O sorriso de Konstantin se alargou e me beijou em ambas


as bochechas. Calor disparou por mim com o contato. —
Brilhante, Elena. Você fez o que nossos melhores médicos não
puderam.

— Eu... ela ainda não está completamente melhor —


murmurei, nervosa com sua reação. — Preciso de mais
algumas coisas.

A palavra covarde ressoava em minha cabeça


repetidamente, como um sino balançando em um trenó.
Covarde, covarde, covarde.

— Faça uma lista e entregue ao Feodor. Ele conseguirá


tudo que precisa.
Balancei a cabeça, envolvendo meus braços ao meu
redor. Devo estar tensa porque Konstantin perguntou — Por
que não se junta a mim para um mergulho? A banya29 é para
ajudar a relaxar, socializar.

Apertei meus braços sobre meu peito. — Eu não trouxe


maiô.

Ele sorriu. — Não se usa maiô no banho, Elena.

O meu corpo inteiro ficou tenso. — Então não vou entrar.

— Com medo, Elena?

Revirei meus olhos. — De um banho? Eu não sou uma


criança.

Konstantin parecia nada além de divertido. Ele gesticulou


atrás de mim. — Há roupões ali no armário.

Mudei de posição, pesando as decisões em minha mente;


dar meia volta e partir seria tão fácil, mas o olhar na expressão
de Konstantin, a ousadia em seu sorriso...

Fui direto para os roupões, mergulhando em uma


pequena alcova para me despir com privacidade. O tecido
felpudo do robe era bom contra a minha pele excessivamente
sensível e, estando fora meu jeans e suéter, permitiu que meu
corpo esfriasse. Eu tirei meu cabelo do pescoço e o prendi, me
refrescando ainda mais.

29 Banho de banheira.
Quando voltei para a sala principal, Konstantin havia
abandonado sua toalha ao lado da banheira. Ele ficou de pé na
água, de costas para mim, a água parada me permitindo ver a
curva de sua bunda, o comprimento de suas pernas. Se ele se
virasse...

— Não sei nadar — disse.

Konstantin se virou. Obriguei-me a manter meus olhos


acima de seus ombros.

— Não é muito profundo — me assegurou. — Não se


afogará, e se acontecer, vou salvá-la.

— Boca a boca, tenho certeza. — Deixei-me cair ao lado


da banheira, segurando o robe para que não molhasse
enquanto mergulhava minhas pernas. A água tostada era
desconfortável contra minha pele, mas depois de alguns
segundos, senti meus músculos começarem a afrouxar e
relaxar.

Konstantin se aproximou, causando ondulações na água.


O vapor fez com que os fios de seu cabelo enrolassem
levemente, fazendo-o parecer mais jovem de alguma forma.

— Não é fã de banya? — perguntou.

— Está tudo bem — disse com desdém.

Konstantin estava perto o suficiente agora e se estendesse


meu pé, eu o tocaria. Eu não me mexi.
— Há tempos diferentes para mulheres e homens —
disse. — Você pode se sentir mais confortável durante o tempo
somente das mulheres.

— Acho que ficarei mais confortável sozinha no banheiro


de casa.

Os olhos de Konstantin brilharam. — Casa. — Ele não


colocou isso como uma pergunta.

Encontrei seus olhos. — Casa — confirmei.

Os seus olhos dançaram sobre minha pele. Apesar do


manto modesto, podia sentir sua atenção na parte superior do
meu pescoço e nas pernas expostas.

— Será uma pena quando for embora — disse. — Danika


gosta muito de você, assim como os outros. Babushka,
incluída.

Eu bufei. — Babushka me odeia.

— Posso ter exagerado — riu Konstantin. — Eu só disse


isso para te convencer a ficar mais um pouco.

Eu não respondi. Uma decisão se formando em minha


mente, alimentada pela água quente, pela umidade e pela
nudez de Konstantin.

Ele inclinou a cabeça para o lado, os olhos brilhando


quando viu o escurecimento da minha expressão, a fome que
permiti mostrar.
— Estou pronta para testar minha hipótese.

Ele ficou tão parado que a água parou de ondular. — É


mesmo?

Encontrei seu olhar de frente. — Sim.

Konstantin se aproximou, com as mãos apoiadas em cada


lado de minhas coxas. Podia senti-las pressionando levemente
contra minha pele, provocando e infalíveis.

— Qual equipamento acha que devo usar para nosso


experimento? — ronronou. Os seus olhos ficando tão escuro,
tão pesado, que o marrom fulvo estava mais próximo da cor da
nogueira.

Engoli com minha garganta seca. — Tudo o que tiver em


mãos.

O seu sorriso tornou-se mais amplo, os dentes brilhando


perigosamente. Muito lentamente, Konstantin estendeu a mão
e afastou meus joelhos. O ar roçou contra mim imediatamente,
trazendo com ele uma sensação de cócegas entre minhas
coxas.

As suas mãos ásperas repousavam em cada joelho, sem


se mover ainda.
— Agora, lyubimaya30 — murmurou — existem algumas
regras para um experimento, não existem? Você se importaria
de me dizer quais são?

Eu não tinha certeza se conseguia falar ou pensar, mas a


resposta veio até mim. — Variáveis controladas. — Estava
ofegante, como se tivesse acabado de correr uma maratona.

— Variáveis controladas — repetiu, seu sotaque pairando


sobre as palavras. — O que elas são?

— Não sabia que era um teste. — Tentei soar sarcástica,


mas meu tom soou muito rouco.

Konstantin entendeu de qualquer maneira. — Não é um


teste, é um experimento. — Os seus dedos cravaram mais
fundo em meus joelhos, a sensação indo diretamente para o
ápice das minhas coxas. Ele sorriu com a minha reação e
perguntou — Variáveis controladas?

— Elas... certificam-se de que o experimento é válido... —


Engoli ar.

— Quais são as nossas variáveis controladas?

— As variáveis controladas... — minha mente revirou a


situação, mas continuava presa na sensação dos dedos de
Konstantin pressionando em minha carne, seu peito à mostra,
seu cabelo colado a testa... — Temperatura... é uma constante.

30 Querida.
— Temos isto coberto. O que mais?

O que mais? Os meus olhos dispararam para seus dedos.


— Os assuntos envolvidos têm que permanecer os mesmos.

O seu sorriso não era nada além de perigoso. —


Definitivamente permanecerão os mesmos.

Os seus polegares começaram a se mover em círculos


lentos. O estímulo roubou minha atenção, a pressão suave de
seu polegar, os arrepios subindo ao longo da minha coxa...

Estava tão perto de uma pulsação fraca, tão perto e ainda


tão longe.

— Já cobrimos todas as nossas bases?

Tecnicamente, não, mas estava cansada de jogar seu


joguinho. Eu queria sentir seus dedos dentro de mim. Agora.

Acenei com a cabeça.

Konstantin sorriu como se tivesse visto diretamente


minha mentira. — Bem, então, vamos começar? — Esticou
minhas pernas ainda mais, pressionando-as nas laterais da
banheira.

O meu coração começou a acelerar, um tamborilar rápido


no meu peito. Eu podia sentir meu estômago se contorcer em
antecipação, minhas coxas tremerem em previsão. Ele
levantava suas mãos cada vez mais alto, mais perto e mais
perto, até se tornarem perigosas perto de mim.
— Lyubimaya — ronronou, colocando as mãos em
minhas coxas. As suas tatuagens se destacavam fortemente
contra minha pele imaculada, imagens de pássaros e adagas
olhando para mim.

— Konstantin — respirei fundo.

Os seus olhos se fixaram nos meus, um pequeno sorriso


brincando em seus lábios. — Relaxe, lyubimaya. A banya é
para relaxar.

Pensei que nunca mais relaxaria. Os meus ossos estavam


prestes a serem arrancados da minha pele, minhas pernas
tremiam, a pulsação estava aumentando.

Konstantin se inclinou sobre minha coxa esquerda,


pressionando seus lábios em meu joelho, macio e quente,
arrastando seus lábios mais e mais alto até que pudesse
respirar meu cheiro, ver os efeitos de sua provocação.

O seu sorriso me disse que sim, mas não foi para onde
minha coxa o direcionou. Ele se levantou, em vez disso, e
prestou atenção ao meu joelho direito; mais uma vez, traçando
beijos pela pele sensível, só que desta vez senti a raspagem de
dentes, a pressão de seus incisivos.

O meu coração acelerou ainda mais.

— Konstantin — ofeguei, uma advertência e um apelo.

— Paciência, lyubimaya. As coisas boas levam tempo.


Eu não queria que ele demorasse. Queria sentir seus
lábios em mim agora.

Os polegares de Konstantin não pararam de esfregar,


apenas crescendo mais enquanto pressionava seus lábios
contra mim. As suas mãos se esticaram de repente, me
prendendo ao lado da banheira. A força era firme, mas suave.
A água espirrou quando ele se agachou, seus músculos tensos
e enrugados enquanto se posicionava. Estava fundo o
suficiente para que a água batesse em seus ombros,
escondendo sua forma nua de mim.

— Lyubimaya — murmurou, pressionando outro beijo na


minha coxa. Estava tão perto agora, tão perto que podia sentir
seu hálito quente contra minha nudez.

Os dentes de Konstantin pressionaram levemente minha


pele, me fazendo gritar com a sensação. A mistura de dor e
expectativa era demais para ficar quieta. Ele deu um beijo no
lugar que havia mordido, esfregando o nariz com cuidado.

— Konstantin, por favor — choraminguei. O orgulho que


se dane; a única coisa em minha mente era seu toque, a sua
sensação enquanto ele...

Konstantin aproximou-se do meu centro. O seu hálito


quente soprou contra o ponto sensível da parte interna das
minhas coxas. O latejar ficou maior.
— Lyubimaya — murmurou, seus lábios dançando sobre
minha carne sensível enquanto dizia meu nome. O seu nariz
se aninhou mais perto, sentindo a umidade e o calor.

Ele rosnou baixo em seu peito, suas mãos me segurando


com mais força.

— Konstantin...

Ouvindo o pedido em seu nome, soprou no meu sexo


molhado novamente. A sensação enviou calafrios pelo meu
corpo, agarrando meus seios em pesadas agarras fantasmas e
forçando meu coração a correr mais rápido no meu peito. Senti
seu cabelo fazer cócegas na parte interna da minha coxa, seus
dedos pressionando com mais força, seu hálito quente.

Ele então pressionou seus lábios contra mim, macio no


início, saboroso. Eles me provocaram suavemente com beijos
de borboleta. Os seus lábios contra os meus.

Eu inclinei minha cabeça para trás, respirando com


dificuldade. — Konstantin...

A pressão de sua língua estendeu-se. Um grito saiu da


minha garganta enquanto sua língua me acariciava; para cima
e para baixo, de um lado para outro, o movimento lento e forte.
Os seus lábios pegaram meu clitóris, sugando-o.

Outro gemido veio de mim. A sensação era demais, muito


vulnerável, quente e úmida. Podia sentir seus lábios e língua,
acalmando e aumentando a sensação que ameaçava me
oprimir. O aperto de Konstantin ficou mais forte, mantendo-
me prisioneira.

Eu não me importava, era incapaz de me mover, de


respirar, de fazer qualquer coisa que não fosse me concentrar
na sensação que estava me proporcionando.

A água espirrava conforme seus movimentos


aumentavam mais rápido, enquanto meus pés vacilaram em
seu aperto. A minha força saiu quando ele mergulhou sua
língua em mim, deliciosamente procurando a parte do meu
corpo que era tão reativa ao seu toque.

Eu caí sobre um braço, o outro se estendendo para frente


e agarrando seu cabelo. A umidade aderiu aos fios, mas meus
dedos cravaram fundo, usando o cabelo como uma forma de
mantê-lo no lugar.

Konstantin rosnou.

Ele continuou a chupar e lamber, até que a pulsação


ficou mais forte e mais alta. Ameaçou consumir todo o meu
corpo. Quando pegou meu clitóris com os dentes, rolando-o
suavemente em sua boca, um raio atingiu meu corpo.

Ofeguei por ar, mas o único barulho que ouvi foi o seu
nome, alto e suplicante.

— Konstantin!

As minhas costas arquearam à medida que o prazer me


rasgava. Os meus quadris balaçaram, minhas pernas
estremeceram, mas Konstantin me manteve no lugar enquanto
gritava. O meu braço cedeu e caí no chão.

O meu peito subia e descia rapidamente conforme o


resultado do meu orgasmo gotejava para fora de mim. O ar
apertou meus pulmões e o calor envolveu meu sangue.

— Elena — veio a voz suave de Konstantin. Levantando-


se, me permitindo vê-lo por cima dos meus quadris. As suas
mãos lentamente soltaram minhas coxas, mas seu corpo entre
as minhas pernas me impediu de ser capaz de pressioná-las.

Ele estendeu a mão e tirou uma mecha de cabelo da


minha testa pegajosa. Os seus dedos roçaram levemente
minhas bochechas.

— Minha Elena, você está bem?

Balancei a cabeça, encontrando forças em mim mesma


para me erguer nos cotovelos. O manto tinha se desfeito,
revelando a extensão nua do meu estômago e parte superior
do peito. Os meus mamilos não eram visíveis, mas as pontas
arrancadas podiam ser vistas através do tecido.

As sensações começaram a voltar para mim rapidamente.


A água fazendo cócegas em minhas pernas, o vapor
pressionando minha pele, Konstantin nu entre minhas pernas.
O pau de Konstantin nu pressionando entre minhas pernas.

Eu teria pensado que meu corpo não aguentaria mais,


mas o calor me atingiu. Imagens encheram meu cérebro de seu
pau deslizando entre meu sexo molhado, a sensação dele
pressionando contra a carne quente...

— Lyubimaya — rosnou.

Lembrei-me de sua pergunta anterior. — Estou bem.


Apenas... — pressionei-me contra o seu comprimento duro.

Konstantin rosnou baixo em seu peito, as feições se


contorcendo de fome.

— Os experimentos têm várias tentativas — respirei. —


Ou então não são considerados válidos.

Os seus dentes brilharam enquanto sorria. — Bem,


então, é melhor seguirmos as regras da ciência para testar sua
hipótese corretamente.

Eu me inclinei, procurando por algo. Konstantin abaixou


a cabeça, seus lábios tão perto dos meus.

— Boss! Há um... oh, inferno!

Konstantin envolveu meu manto ao meu redor em um


segundo, escondendo o recém-chegado de ver qualquer coisa.
Ele virou a cabeça para o lado, mostrando os dentes. — O que
você quer, Artyom?

Nunca tinha ouvido Konstantin falar assim antes. Voz


gotejada e carnal.

Recusei-me a ficar confusa e virei-me para ver Artyom


pairando junto à porta, com um ar bastante embaraçado. Bem,
tão envergonhado quanto o razoável e racional Artyom jamais
poderia parecer.

Ele virou a cabeça para a parede, nos oferecendo alguma


privacidade. — Sinto muito, Kostya, mas há uma situação.

— A menos que alguém esteja morto, pode esperar —


Konstantin rosnou.

— É por isso que estou aqui... — murmurou Artyom. —


...Edward Ainsworth foi encontrado morto em sua cela, e todos
os seus dentes foram removidos.
22

Elena Falcone

— Quero saber quem fez isso — disse Konstantin


friamente. Apesar de seu tom, não o confundiria com nada
além de furioso.

Ele apoiou os braços na mesa, os olhos examinando todos


na sala. Espalhadas sobre a mesa, imagens gráficas do corpo
de Edward Ainsworth. Foi baleado em sua cadeira, depois teve
seus dentes removidos. O sangue escorria de sua boca em
todas as fotos.

Os homens de Konstantin estavam espalhados pela casa


e pelo escritório, de Babushka a Rifat Denisyuk. Ninguém
falou, alguns nem ousaram respirar.

Edward Ainsworth foi encontrado morto em sua cela, a


boca ensanguentada e desdentada. Não era hora de conversar.

— O bratok31 foi nocauteado, senhor — disse Artyom da


sua posição atrás da cadeira de Roksana. — As câmeras de
segurança voltadas para a masmorra de Ainsworth
escureceram. Ninguém foi visto entrando ou saindo.

31 Pirralho.
— É difícil ver as pessoas entrando ou saindo se as
câmeras não estiverem funcionando, Artyom — respondeu
Konstantin.

— Foi obviamente esse Titus — Feodor disse do outro lado


da sala, encostado a mesa.

Konstantin virou a cabeça, fixando o olhar em Feodor. Ele


se moveu da mesma forma que uma cobra ao escolher sua
presa. Era ameaçador e assustador.

Feodor ficou em silêncio por um segundo, preso sob o


olhar de Pakhan, antes de encontrar sua voz. — Precisamos
descobrir quem ele é. Algum traficante de baixo escalão ou um
de nossos vizinhos. Atacou nossas mulheres e matou um de
nossos prisioneiros. Precisa ser destruído.

— Como você propõe que façamos isso? — Konstantin


perguntou suavemente.

— Espiando cada chefe, ameaçamos cada soldado. Todas


as famílias que foram atacadas estarão conosco.

— Então, porque não temos suspeitos, acusamos todo


mundo? — Perguntou.

— Estaríamos sem aliados antes do fim do dia — disse


Artyom.

Danika apoiou a cabeça no meu ombro, ao meu lado.


Estávamos ambas sentadas no chão, encostadas em uma
estante. Depois de dias interrogando Ainsworth, todo o seu
trabalho duro foi destruído em uma tarde.

Mudei meu braço para que ela pudesse ficar mais


confortável.

Roman balançou nos calcanhares, ficando atrás de uma


das cadeiras, agitado demais para se sentar. Ele andou e
xingou parecendo a segundos de explodir de sua pele.
Entendia o que ele estava sentindo. — Está nos provocando.
Ele está nos mostrando o quão vulneráveis somos, o quanto
sabe sobre nós.

— Isso não é verdade — Dmitri disse bruscamente.


Estava sentado muito quieto na segunda cadeira, Tatiana em
seu colo. — O ataque a Roksana e Elena seguiu o mesmo
precedente que os outros assassinatos antes deles. A morte de
Ainsworth foi porque ele era um dos homens de Titus e nos
contava informações.

Roksana ergueu a cabeça, os olhos disparando para


Konstantin. Ela estava aninhada em uma cadeira com
Babushka dormindo em seus braços. — A criança – Marzia?

— Giovanni foi avisado — disse Konstantin. — Imagino


que a segurança ao seu redor pode rivalizar com a da Rainha
de Chicago.

Sophia Rocchetti, a Rainha de Chicago e minha amiga de


infância, não era vista em público desde o início dos
assassinatos em série, nem mesmo para dar entrevistas ou
cortar fitas; o público de Chicago sentia muita a sua falta, mas
sabia que seu marido não correria o risco.

— Manter as mulheres trancadas é uma solução


temporária — disse Artyom. — A única opção é matar Titus.

Artyom estava certo. Seria impossível manter todas as


mulheres associadas à máfia trancadas ou seguidas por um
punhado de guarda-costas o tempo todo. Não era uma opção
viável.

Quem diabos era Titus? Como ele poderia ser morto?

Ninguém tinha ideia de quem ele era, ninguém conhecia


seus motivos ou sua história. Os seus motivos...

Eu gentilmente cutuquei Danika — Dani? — Sussurrei.

Ela virou a cabeça para mim, piscando com sono. — Mm?

— Quando você interroga alguém, como você faz?

Os olhos escuros de Danika clarearam com a pergunta.


— Como eu faço? — Ela soltou um pequeno bocejo. — Bem,
suponho... faço um perfil deles. Precisam de uma figura
maternal ou de um amigo? Alguém para temer ou confiar?
Depois de saber o que precisam, é muito fácil.

— O que você acha de Titus? — O meu tom foi alto o


suficiente para que todos na sala se virassem para nós.

Danika se encostou na estante, o rosto tenso em


pensamentos. — Não há arrogância nos assassinatos. Este
Titus não os reivindica – ou se manifesta. Só descobrimos seu
nome por causa de um de seus seguidores, mas o ato de retirar
os dentes post mortem... é indolor para a vítima, mas vulgar
para os espectadores.

Roman parou de andar. — Então, estamos procurando


um psicopata não arrogante. Isso deve ser fácil.

Konstantin se ergueu em toda sua estatura. — A sua


capacidade de permanecer anônimo é impressionante — disse.
— Ninguém se move por este mundo sem ser visto. Não nos
dias de hoje.

— Ele deve estar morando em algum lugar, interagindo


com alguém. Não é um fantasma — Roksana concordou. — Se
encontrarmos aqueles que o seguem, talvez tenhamos uma
chance melhor de atraí-lo para nós.

— Como faríamos isso? — Roman perguntou. —


Precisaríamos conhecer todos os malditos mafiosos dos
Estados Unidos.

Uma imagem passou pela minha mente. As pilhas de


caixas, as dezenas de USBs. Todos os segredos e conhecimento
em uma sala, adquiridos por décadas de observação e
espionagem. À medida que a imagem se formava, também
crescia a dor. O meu braço doía dolorosamente, um contraste
estranho com a dor prazerosa que senti no início do dia.

O sexo... podia sentir a pressão dos lábios de Konstantin


contra o meu feixe de nervos, ainda sentia o agradável
resultado do orgasmo, e não sabia o que fazer com isso. Foi
bom, foi uma amostra do que estava por vir, mas a estranha
conexão que se formava entre nós parecia tenra.

Você vai embora logo, Elena, disse a mim mesma, mas não
parecia tão determinada quanto antes.

A mandíbula de Konstantin se contraiu em resposta ao


que Roman havia dito. — A minha sobrinha mencionou algo
semelhante acontecendo na Rússia — disse. — Uma mulher
foi morta e teve seus dentes removidos.

— Alguma conexão? — Tatiana perguntou. Ela ergueu o


olhar para Dmitri, como se não pudesse suportar a atenção
comandante de Konstantin sobre ela.

— Não tenho certeza ainda — respondeu. — A


coincidência é grande demais para ser ignorada. — Konstantin
lançou os olhos pela janela, vendo algo que não podíamos. —
Ele também deixou claro seus planos para New York. Cuidado
com ele.

— Sim, Boss.

— Serial killers, chefes de máfia rivais — Roman


reclamou baixinho. — Nunca acaba, porra.

— Você ficaria entediado, Roman — disse Artyom.

Isto fez um sorriso brilhar em seu rosto. — Ah,


provavelmente você está certo. Se não tivesse que me
preocupar com Konstantin, o que faria?
— Roubar melaço — Danika murmurou.

— Sério? — Girou nos calcanhares. — Você ainda não


acabou...

— Basta. — A palavra cortou a sala, a voz de comando de


Konstantin se recusando a ser negada. O silêncio caiu. —
Ainsworth deve ter se encontrado Titus em algum lugar. Eu
quero saber cada lugar em que esteve, cada sala em que já
entrou. Titus pode ser invisível, mas seus homens não.

Artyom acenou com a cabeça. — Sim, senhor.

— Diga a Olezka que ele voltará ao negócio de


rastreamento — complementou. — Dê a ele tudo que tínhamos
de Ainsworth. Incluindo seu corpo.

— Sim, senhor.

Ainda não resolvido, mas agora com um propósito em


mente, a tensão na sala havia mudado consideravelmente. O
medo de Titus pairava sobre todos nós, obscurecendo cada
movimento nosso, e agora tínhamos perdido nossa única
conexão com o homem – nos deixando de volta à estaca zero.

O perfil de Titus de Danika me deixou com apenas uma


garantia: Titus não era um chefe da máfia. A arrogância
alimentava os reis da máfia; vinha com o território. Portanto,
Titus não era um deles.

Ele era algo totalmente diferente. Talvez um soldado


desiludido ou herdeiro furioso. Talvez até uma esposa com
cicatrizes, mas quem quer que fosse Titus, era sanguinário e
inteligente, cruel e calculista. A vida das crianças e a
homenagem a cadáveres não significavam nada para ele.

Titus era perigoso, não representava apenas uma ameaça


a mim, mas para todas as outras mulheres associadas à máfia.
A sensação de irmandade que senti com Eithne McDermott foi
replicada com todas as outras mulheres no mesmo mundo que
eu. Sophia, Beatrice, Danika, Roksana... até a pequena Marzia
Vigliano.

Estendi a mão para sentir meu braço. Não houve dor real,
estava tudo em minha cabeça, mas serviu como um lembrete
do que meu cérebro havia descoberto.

Depois de discutir mais algumas coisas, a reunião foi


encerrada. Roksana se virou para mim enquanto as pessoas
começaram a sair, sorrindo elegantemente. — Obrigada —
sussurrou — por me dar aquele tônico. Eu me sinto muito
melhor.

— Fico feliz.

Roksana estava tendo pesadelos horríveis, o ataque


desencadeando seu passado violento. Eu tinha feito para ela
um remédio para dormir, que aparentemente funcionou.

Deu certo. Aparentemente, não. Funcionou.

Os meus passos diminuíram, ouvindo meu


subconsciente antes de eu fazê-lo. O seu olhar questionador,
acenei para ela à frente. — Vou falar com Konstantin.
A compreensão faiscou em seus olhos, mas ela
desapareceu, seguida por seu marido e o restante da família.
A porta se fechou suavemente.

Eu me virei para encarar Konstantin. Ele não se moveu


de sua posição, me olhando com olhos brilhantes. Parado e
intenso, esperando e pronto.

Engoli em seco, tentando controlar a reação que meu


corpo tinha sempre que Konstantin me olhava assim. Inferno,
sempre que olhava para mim.

— Elena. — A sua voz era baixa e perigosa, mas curiosa.


— Precisa de algo?

Eu me movi em direção à mesa, seus olhos nunca se


afastando de mim. — Eu preciso te contar uma coisa. — Estava
perto o suficiente para que pudesse estender a mão e me tocar.

— O que é? — A preocupação escureceu suas feições.

Konstantin estendeu a mão e gentilmente segurou meus


quadris, com movimentos que não combinavam com sua
expressão. O toque enviou calor através de mim.

— Eu... — peguei o som de vozes no corredor. O tom


brilhante de Danika era o mais alto, seguido pelo rosnado
áspero de Roman.

— Lyubimaya? — Perguntou.
Pressionei minha mão na dele, sentindo a pele áspera sob
a minha. As palavras encruzilhada e satisfação brilharam para
mim.

— A chave.

O corpo de Konstantin ficou imóvel. — A chave — repetiu.

— Eu sei onde está.

— Onde está?

Eu hesitei. A última vez que me envolvi com esta chave,


acabei machucada e arruinada. A expressão de fúria de
Thaddeo ainda era visível em minha mente, como se fosse uma
foto física à minha frente.

— Posso ser um pouco mais paciente — murmurou


Konstantin. — Mas não para sempre.

Eu olhei para baixo em seu ombro. Através do traje não


consegui ver a lista de nomes, mas sabia que estavam lá.
Permanentemente lá.

— Está nele — respirei.

A sua testa franzida. — Nele, lyubimaya? O que você quer


dizer?

Encontrei seus olhos. — A chave está em Thaddeo.

As visões passaram do sangue, a casca da pele.


— Como você sabe disso? — Perguntou, apertando meus
quadris suavemente.

Eu fiz uma careta. — Quem você acha que colocou nele?

Eles não haviam enterrado o corpo de Thaddeo muito


fundo. Foi o trabalho de um bratok, então as autoridades não
o encontraram. Ele havia sido enterrado em uma cova sem
identificação, sem funeral ou velório para lamentar sua
ausência.

Era o que ele merecia.

A noite havia caído, engrossando as sombras da floresta.


A luz vinha das enormes lâmpadas que os homens de
Konstantin trouxeram para iluminar o cemitério. A terra solta
foi chutada para longe e seus homens começaram a trabalhar
com pás.

Konstantin e eu ficamos a beira do terreno, evitando o


borrifo de sujeira. A sua mão descansou em minhas costas,
sua mandíbula tensa.

— Abre um cofre no banco — disse. O ar frio roçou minha


pele, o beijo de inverno me lembrando que novembro tinha
chegado e dezembro estava a caminho.

— Sabemos, obrigado. — Konstantin baixou a cabeça


para mim. A luz iluminou apenas metade de seu rosto, fazendo
com que suas feições se deformassem e escurecessem, mas
nenhuma escuridão poderia esconder a fome em seus olhos
quando ele olhava para mim.
Senti um arrepio percorrer meu corpo, mas mantive meu
nível de voz — Vou precisar de uma faca emprestada. Para tirar
a chave.

— Onde está localizado em seu corpo?

— Você verá.

Ele se aproximou de mim. O meu coração saltou. — Você


já esteve no cofre?

Tentei manter minha expressão clara enquanto as


memórias passavam. A dor começou a latejar no meu braço,
como se a mão fantasmagórica de Thaddeo ainda o estivesse
segurando. — Uma vez — murmurei. — Estive uma vez.

Os olhos de Konstantin analisaram meu rosto, captando


algo. Ele abriu a boca para dizer algo quando um de seus
homens gritou — Encontrei-o!

Ambos nos viramos e vimos um par de bratok puxando


com força o corpo de Thaddeo para fora do buraco e jogá-lo no
chão. Os insetos e a deterioração começaram a consumi-lo,
enrugando sua carne e pele, mas dava para ver seu rosto,
distinguir suas feições.

— Onde você o quer?

Levei um segundo para perceber que os homens estavam


falando comigo.

— Está tudo bem. — Eu me virei para Konstantin. —


Posso...
Konstantin me passou uma faca, a navalha capturada
pela luz do lampião. Era pesada em minhas mãos, mas não
desconhecida.

Thaddeo foi muito específico sobre onde gostaria que a


chave fosse mantida. Ele foi tão longe a ponto de circular o
local com caneta azul, então sabia exatamente onde colocá-la.
Lembrei-me da sensação da carne se partindo sob a lâmina, o
fluxo de sangue.

Eu me perguntei se cortar um cadáver seria muito


diferente.

Quando me agachei ao seu lado, Konstantin se juntou a


mim. As suas feições eram marcadas por linhas duras, um
contraste com sua expressão perplexa de costume.

Procurei com os dedos ao longo do braço de Thaddeo,


surpresa com o quão frio seu corpo estava agora. Parecia quase
borracha. Então, no meio de sua coxa, sob as roupas com as
quais foi enterrado e a pele, senti a forma da chave.

— Você achou? — A voz de Konstantin estava


estranhamente tensa.

Olhei para cima. As suas sobrancelhas estavam baixas,


seu lábio pressionado em uma linha fina. Os seus olhos não
estavam em mim, mas sim em minha mão pressionando a
perna de Thaddeo.

— Sim. — Eu olhei de volta para baixo.


Cortei com cuidado o tecido de sua calça, dando-me
espaço para trabalhar. Eu apertei a chave entre dois dedos,
então abaixei a lâmina. A pele cortou facilmente sob a pressão,
dividindo-se como as páginas de um livro. Nenhum sangue foi
derramado, apenas uma pequena máquina.

O tamanho do meu polegar, o objetivo da máquina era


gerar e cuspir um número aleatório a cada nove minutos.
Copiava o cofre, que também gerava um número aleatório a
cada nove minutos, sem o código da “chave”, o cofre era
impenetrável.

Eu o segurei para Konstantin, ignorando os estranhos


fluidos corporais que o revestiam. — Aí está sua chave,
Konstantin.

Konstantin trouxe um lenço, que presumi ser para a


chave, até que ele o passou para mim e pegou a chave. Ele não
piscou com a sujeira cobrindo-o.

— Deus, ele tinha isso dentro dele? — Veio de Roman. —


É nojento pra caralho.

Observei enquanto Konstantin erguia a chave contra a


luz, com os olhos brilhando. — Inteligente — observou. — Não
imaginava que Thaddeo tivesse isso em si.

— Ele não tinha. Foi ideia minha.

Konstantin voltou a cabeça para mim. Um sorriso


graciosamente alcançou seu rosto, mas peguei a mordida cruel
por trás dele. — Isto faz muito mais sentido. Thaddeo era um
idiota, mas minha Elena está longe de ser.
23

Kontantin Tarkhanov

O gerente do banco nos cumprimentou na porta, depois


de ver nosso carro entrar no estacionamento. Estava na porta
de um dos mais antigos e prestigiosos bancos de New York,
com arquitetura colossal e uma clientela exclusiva. O gerente
enxugou a testa com preocupação enquanto nos observava.

— Sr. Tarkhanov, não sabia que você tinha um


compromisso... não que precise...

Eu sorrio com seu nervosismo. — Não importa. Estou


aqui por um motivo totalmente diferente.

Quando disse a ele para nos levar ao cofre de Falcone, o


gerente do banco hesitou. Pude ver o lampejo de medo em seus
olhos, resquícios do que Thaddeo havia deixado para trás, mas
então se lembrou de que eu era o novo Rei, e teve mais
problemas com Elena se juntando a mim.

— O Sr. Falcone deu instruções rigorosas de que a Sra.


Falcone não tinha permissão para entrar no cofre — disse. Os
seus olhos fixos em Elena quase acusatoriamente.

Ela olhou de volta.


Senti meus dentes rangerem. — Elena é bem-vinda para
entrar no cofre a qualquer hora que escolher — disse, minha
voz era suave, mas meu tom era firme. — Ou será que o
controle de um homem morto ainda o segura?

O gerente do banco se deslocou. Pude ver seus instintos


primordiais lutando com seu cérebro. Ele queria me obedecer
– por que não deveria?

Thaddeo pode estar morto, disse minha expressão. Eu


estou muito vivo, e não hesitarei em reuni-lo com seu antigo
chefe.

O seu medo de mim venceu e gesticulou para que


continuássemos. — Claro, senhor. Por aqui.

O cofre estava localizado quilômetros abaixo do solo,


envolto em concreto e segurança. Décadas, desde que o
primeiro Falcone saiu da Ilha Ellis, lentamente reuniram
informações e segredos sobre o mundo ao seu redor. Eles
reuniram todas as informações em um mesmo lugar, como
idiotas. O seu raciocínio provavelmente era que ninguém
jamais colocaria as mãos no gerador de números, mas minha
Elena provou que essa teoria estava errada.

Eu me virei para avaliar a mulher em questão. Ela não


parecia nervosa desde que chegamos, mas sabia que a
antipatia do gerente do banco por ela tinha sido a razão pela
qual manteve suas paredes erguidas. Por baixo de sua
expressão retraída, mas afiada, pude detectar uma centelha de
incerteza.
Medo.

Os meus sonhos muitas vezes eram repletos de


imaginações de como matar Thaddeo novamente. Eu o via
como um mafioso mesquinho, mas estúpido, que provaria ser
uma presa fácil, portanto, o matei com eficiência, mas se
soubesse todas as marcas que ele deixou na psique de Elena...
oh, sua morte teria sido longa e sangrenta.

Nunca se teria mencionado, apenas sussurrado.

Lamentar o passado era um desperdício de energia,


mesmo que imaginar Thaddeo gritando e uivando sempre
melhorasse meu humor.

Elena virou a cabeça para mim, irritação brilhando em


suas feições. — Para onde você está olhando, Konstantin?

Eu senti um sorriso crescer em meu rosto. — Você, com


certeza.

Ela bufou.

Inclinei-me perto de seu ouvido, descansando minha


palma na parte inferior das costas. Sob meu aperto, senti um
estremecimento agitá-la. O meu sorriso só aumentou.

— Especificamente — murmurei baixinho — Estou


olhando para você e me lembrando de nosso tempo juntos na
banya mais cedo.

As suas narinas dilataram-se. A sensação de Elena ainda


era proeminente em minha mente. Os ruídos, o cheiro e a
umidade eram constantes em meu cérebro. Foi muito
agradável, tudo o que pensei que seria – além da interrupção
irritante, mas compreensível de Artyom.

A sua imagem inclinada para trás, pescoço inclinado,


seios nus visíveis e mamilos enrugados marcou minha mente.
Nenhuma outra mulher, nenhum outro sexo, foi tão prazeroso
ou memorável quanto comer a boceta de Elena na banya, mas
foi apenas um gostinho... literalmente. Havia ainda muito mais
para descobrir, possuir e devorar. Ruídos que ainda tinha que
provocar e reações que ainda precisava desvendar.

Paciência, disse a mim mesmo, tentando esfriar o calor


no meu sangue, o endurecimento do meu pau. Você tem muito
tempo para desfrutar de Elena.

Chegamos ao cofre após vários minutos de escadas,


portas seguras e elevadores. Os meus guarda-costas estavam
ficando cada vez mais impacientes enquanto passava por um
terreno desconhecido. A única ameaça, no entanto era o
gerente – e de certa forma, Elena.

Não deixaria nenhum dos meus homens colocar as mãos


sobre ela.

— Aqui estamos — murmurou, gesticulando para frente.

Havia diante de nós uma enorme porta de aço, um teclado


brilhante à esquerda. Parecia três tijolos densos, seguros e
protegidos, no meio da porta, um emblema era visível. Uma
águia em voo com uma cobra entre as garras, com o lema da
Família Falcone abaixo. Nulli prœda – A presa de ninguém.
Exceto para mim.

O meu sorriso se alargou e toquei no emblema — Isso


pode ser alterado?

— Sim, senhor. — Olhou nervosamente para a porta, mas


não comentou mais nada.

Eu pesquei a “chave” do meu bolso, e alguns cliques


revelaram um conjunto de números. Elena me avisou que
trocariam a cada 9 minutos, de acordo com a fechadura do
cofre. Digitei o PIN, em segundos, houve um barulho alto e
forte, como se a porta tivesse levantado seu peso e o bloco
brilhasse em verde.

Foi tão fácil – fácil demais. O interrogatório não nos levou


a lugar nenhum, a perseguição e a espionagem não nos
trouxeram mais perto.

Elena... ela nos deu o cofre em um único dia.

Os meus guarda-costas pairavam enquanto eu girava a


válvula rotativa, e a porta se abria.

Era tão caótico e gratificante por dentro como eu


esperava. Caixas sobre caixas, arquivos sobre arquivos, áudios
digitais e gravações de vídeo. Décadas de vigilância e
patrulhamento permitiram aos Falcones preencher este cofre
com todas as informações que conheciam. Este cofre não tinha
preço, e não apenas por causa de toda a chantagem. As joias
da família – roubadas – eram mantidas bem trancadas, mas
acessíveis. Podia ver o brilho delas através de suas caixas de
vidro, facilmente adivinhando seu valor sem dúvida
monstruoso.

Elena me seguiu, os olhos vasculhando o local


freneticamente. Sabia que ela não estava vendo o que eu
estava, mas em vez disso, seus olhos estavam perscrutando o
passado.

— Elena — chamei-a. os seus olhos se moveram para os


meus, a clareza os preenchendo. — Você não precisa entrar no
cofre se não quiser.

Era para ser uma oferta educada, mas ela franziu os


lábios. — Estou bem.

Não esperava nenhuma outra reação. Baixei a cabeça,


escondendo meu sorriso.

Roman assobiou alto ao entrar no cofre e parecia muito


satisfeito consigo mesmo. — Está vendo isso, Boss? Estas
informações nos permitiriam pegar qualquer coisa que
quiséssemos.

— Qualquer coisa que quisesse? — Elena repetiu.

— Eu já te disse, Roman, e direi mais uma vez, não


estamos usurpando nenhuma outra família.

O meu byki encolheu os ombros. — Sim, mas poderíamos.

— Só porque pode fazer algo, não significa que deva —


Elena disse a ele. — Leva tempo para cultivar a mão de obra e
a riqueza necessárias para dominar o território de outra
organização.

Roman lançou seu olhar para ela. — O que você sabe


sobre mão de obra e riqueza, pequena viúva?

— Roman — avisei. Elena poderia se defender, mas o


apelido de pequena viúva fez meus molares rangerem.

Elena não era tão facilmente comandada. — Se você pode


descobrir Roman, tenho certeza de que posso.

Ele lhe mostrou a língua; ela mostrou a língua para ele.


Balancei minha cabeça, quase encantado ao ver a briga
fraternal entre eles, antes de voltar para o cofre. A quantidade
de informações era quase esmagadora. Levaria tempo para
cavar, tempo que eu não tinha.

Abri a caixa mais próxima de mim, puxando o primeiro


pedaço de papel solto. Foi datado de mais de 20 anos atrás,
uma transcrição da guerra da União da Córsega versus
Chicago Outfit. Uma discussão entre o falecido Don de Chicago
e Charles Pelletier, o mafioso francês que tentou arruinar
Chicago e falhou; ambos estavam discutindo a paz, mas
mesmo as palavras escritas transmitiam as ameaças em seus
tons.

Outra caixa foi dedicada aos Lombardis. Folheei uma


pilha de imagens, surpreso ao ver o funeral da primeira filha
de Vitale fotografado. Fotografar o velório de uma criança
parecia antiético – inaceitável.
Parecia que as organizações nos Estados Unidos haviam
começado a esquecer como as crianças eram e deveriam ser
tratadas. Eles não eram apenas nossos herdeiros e futuro, mas
a prova de que a inocência ainda vivia neste nosso mundo
sombrio.

Encontrei também, para minha surpresa, os registros


médicos de Thaddeo. Encontramos um medicamento para o
coração em sua casa, mas os registros médicos explicavam
mais sobre sua condição. Ele tinha aparecido de um dia para
o outro, alguns meses atrás – Olezka tinha me contado o
momento.

O cheiro de Elena tomou conta de mim, e ela olhou em


volta do meu braço. O seu pescoço apareceu de seu suéter. O
meu sangue esquentou ao vê-la, meu pau não mais inteligente
do que em minha juventude. Eu queria marcar sua pele
imaculada, marcá-la. Já podia sentir a pele quebrando e
inchando sob meus dentes, já ouvia o eco de seus gritos em
meus ouvidos. Os papéis rangeram quando meu aperto
aumentou.

Os olhos de Elena se voltaram para mim. Ela captou


minha expressão, uma respiração solta escapando por entre
seus lábios. Eu a vi olhar por cima do meu ombro, avistando
Roman e meus outros byki.

Larguei os registros médicos e me inclinei para mais perto


dela, colocando-nos em nosso próprio círculo privado. — Por
que não gosta de estar aqui?
Ela olhou para mim, as narinas dilatadas. — Talvez eu
seja claustrofóbica.

— Se fosse, eu teria carregado você para fora daqui há


muito tempo, — murmurei. — O verdadeiro motivo,
lyubimaya?

As suas feições endureceram enquanto ela lutava


internamente consigo mesma. Uma parte dela queria confiar
em mim, mas outra parte também queria manter sua
privacidade. Eventualmente, respondeu — Eu não gosto daqui.
— A finalidade de seu tom indicava que não falaria mais sobre
isso.

Eu cedi, deixando-a acreditar que havia vencido essa


batalha. O desconforto de Elena neste cofre não era por um
motivo tão simples. Sabia que tinha algo a ver com o motivo
pelo qual ela continuava segurando seu bíceps, como se
estivesse aplicando pressão em uma ferida.

— Roman — chamei — ligue para Rifat. Diga a ele que


ganhamos um presente de aniversário antecipado.

Uma batida suave na porta me interrompeu do meu


trabalho.

— Entre — chamei.

Não fiquei surpreso quando Tatiana entrou com a


bandeja do café da manhã na mão. Tanto Artyom como Dmitri
batiam com força, ao passo que nem Danika nem Roman se
davam ao trabalho de bater. Roksana evitava o meu escritório
quando Artyom não estava com ela, como se evitasse o farol da
Bratva. Tatiana parecia alegre e saudável, seu estômago
inchado e o cabelo brilhante. Quando sorriu, parecia como que
era antes.

— Kostya, trouxe um pouco de chá. — Ela ergueu a


bandeja em suas mãos, dois chás fumegantes sobre ela. —
Estou interrompendo?

— Tanya — devolvi o apelido carinhoso. — Não está


interrompendo nada. Por favor, sente-se.

— Você tem certeza? Parece ocupado. — Gesticulando


para as pilhas de papéis que eu estava separando.

Rifat os havia presenteado para mim do cofre de Falcone,


uma coleção de transferências de drogas. Tinha revelado pouco
sobre os Falcones que não conhecia, mas havia me informado
que os Lombardis e os Falcones obtinham suas drogas dos
mesmos fornecedores.

— Não é nada que já não saibamos.

Tatiana colocou a bandeja no canto da mesa, antes de


colocar uma xícara a minha frente e se sentar com o segundo
chá entre as mãos. O cheiro de ervas do chá pairou sobre mim.

Ela correu os dedos pelos cabelos antes de tomar um gole


do chá. — Eu... vim te agradecer. Sei o quanto se esforçou para
me ajudar, tanto você quanto Elena.
Balancei minha cabeça e tomei um gole de chá. — Tanya,
você é minha família. Não tem que me agradecer por ajudá-la.

Ela sorriu e recostou-se a cadeira. — Lembra-se de


quando nos conhecemos?

A pergunta me pegou desprevenido, mas sorrio em


nostalgia. — Claro.

Tatiana era a secretária da legítima frente de negócios da


Bratva, mas sua tenacidade com os números e estratégia era
desperdiçado. Quando a convidei para os lados mais sombrios
dos negócios, ela não hesitou. Éramos ambos tão jovens, tão
ansiosos para provar nosso valor. Éramos apenas Tatiana,
Artyom e eu, no ínício. Um trio imundo, mas ambicioso, com
sede de sangue e inteligência suficientes para construir o
nosso próprio império.

— Lembra-se de como éramos jovens? — Tatiana repetiu


meus pensamentos. — Pensávamos que estávamos no topo do
mundo.

— Agora estamos.

Ela sorriu calorosamente. — Agora estamos. — Traçando


os detalhes da cadeira. — Alguns de nós são casados ou pais.
Não mais aquelas crianças sujas correndo pelas ruas de
Moscou.

— Estamos muito mais limpos agora — pensei.


— Você já sentiu falta? — Tatiana perguntou. — Dessa
liberdade, dessa... energia?

Recostei-me na cadeira, avaliando-a. — Não. Olho para


trás, para aqueles tempos, com carinho, mas sem saudade.
Você, Tanya?

Ela encolheu os ombros. — Às vezes. — A sua voz se


suavizou. — Não pelos motivos que você pensa.

A melancolia em sua expressão e a ternura em seu tom


me fizeram perguntar — Tanya, está tudo bem?

Tatiana sorriu para mim, mas parecia forçado. — Claro.


Sinto muito. Ultimamente, tenho sentido apenas minha
mortalidade.

— Não precisa mais — assegurei-lhe. — Elena te curou


milagrosamente.

— É um milagre — concordou. — Ela disse que o tônico


seria como pressionar uma ferida até que fizesse a cura para a
doença real, mas me sinto fantástica. A doença se foi.

— Estou muito aliviado em ouvir isso. — Eu estava,


mesmo que isso significasse que Elena poderia muito
possivelmente me deixar.

— Se não for muito incômodo... — Enviei-lhe um olhar


que implicava que nada era incômodo demais; ela riu. — Posso
ser examinada por um médico? Apenas para a paz de espírito
de Dmitri – e de Elena.
— Claro que pode. Terei um aqui antes do final do dia.

Tatiana sorriu, mas seus lábios caíram de repente, e ela


olhou para seu estômago. — Oh, Nikola, que grande chute. —
Ela sorriu para mim, puro deleite irradiando de todos os seus
poros. — Acho que ela está dizendo, olá ao tio Kostya.

— Eu digo olá de volta — murmurei.

Estava animado para ter outro bebê em casa. Anton


trouxe vida e vitalidade tão necessárias para esta família, nos
lembrando da inocência em nossos momentos mais sombrios.
Outra criança só poderia ser outra bênção; até minha sobrinha
se tornar adolescente. Então, as regras de guerra podem ser
aplicadas – especialmente em relação a meninos adolescentes.

Tomei outro gole de chá.

— Você achou algo interessante no cofre? — Perguntou.

— Algumas coisas, mas Rifat encontrará muito mais do


que jamais poderia — respondi. — É engraçado o quanto os
Falcones espionavam seus aliados.

Tatiana bufou. — Isso é lealdade da máfia para você.


Todos são amigos até a hora de serem inimigos.

Isso me fez rir baixinho. — Exatamente.

O meu telefone tocou, de repente, e o nome de Natasha


apareceu, uma foto sua como uma criança vestida de libélula.
Tatiana olhou por cima da mesa. — Irei agora. — Ela
conhecia o desprezo de Natasha por ela.

— Obrigado pelo chá.

Quando fechou a porta suavemente atrás dela, respondi


a Natasha.

— Tio Kostya? — perguntou. Podia ouvir os sons de


Moscou atrás dela, o barulho de carros e o vento soprando.
Parecia que estava se movendo pelas ruas, provavelmente
fazendo nada de bom.

— Natasha, onde você está?

— Só dando um passeio. — O atrevimento em seu tom


implicava que ela estava fazendo um pouco mais que isso. —
Liguei rapidamente para você para dar-lhe algumas –
CUIDADO, IMBECIL! – boas notícias.

— Não dá para esperar até você sair da rua? — Perguntei.

Natasha respirou pesadamente, murmurando algo sobre


motoristas estúpidos, antes de responder — Não, não. É
importante — assegurou-me. — Eu investiguei a mulher de
quem falei. A desdentada.

— Eu me lembro.

— Liguei para Nanny Anya. Ela disse que foi o marido da


mulher que a matou. Ele era um pouco psicopata – se não
soubesse. — Eu podia ouvir a voz automatizada da estação de
trem ecoando em sua extremidade.
— Natasha, você está no trem?

Ela riu. — Você parece um esnobe.

— Eu sou — concordei. — Também entendo que você está


muito vulnerável para estar no trem sozinha. O seu pai a
deixou sair?

— O meu byki está comigo. — Natasha deve ter se sentado


porque sua respiração começou a se acalmar. — De qualquer
forma, a Nanny Anya disse que o marido queria um filho, mas
a mulher só lhe deu uma filha. Então ele a matou. Arrancou
seus dentes e a deixou sangrando até a morte. Não é doentio?

— Onde isso aconteceu?

— Saratov — respondeu.

— Onde ele está agora?

Ela soltou uma risada ondulante. — Já se foi, tio Kostya.


Tenho certeza de que o carma o afetou.

Poderíamos apenas esperar.

— A mulher tinha algum parente com quem falar?


Alguém que pudesse procurar vingança? — Perguntei.

— Não tenho certeza, mas o seu nome era Nikolina


Feodorovna – o nome de solteira era Smirnovna. Não consegui
descobrir o nome do marido... — Natasha ficou quieta,
pensando.

— Nikolina? — Repeti. — Mundo pequeno.


— Por que você diz isso?

Eu avistei movimento fora da minha janela. Podia ver


Elena, nos jardins, se movendo em direção à floresta. O seu
cabelo pegou o vento, selvagem e solto como sempre. Estava
carregando um livro. Não fiquei surpreso quando a vi
desaparecer em uma árvore, desaparecendo atrás de galhos e
folhas.

— Não há razão — disse, sem realmente ouvir. A minha


atenção foi direcionada para onde Elena estava, tentando ter
outro vislumbre dela. — Obrigado, Natasha. Deixe isso agora.

Ela suspirou. — Eu não sou um bebê, tio Kostya.

— Eu sei disso — concordei. — Mas Titus é muito


perigoso. Ele é alguém que não tem escrúpulos em ir atrás de
mulheres ou crianças.

— Não tenho medo dele — retrucou Natasha. — Ele está


matando mulheres secretamente. Ficarei com medo quando
derrotar exércitos de gângsteres em um combate corpo a corpo.

Balancei minha cabeça. — Não, você será cautelosa


agora. Não deixe sua arrogância te matar.

— Você está certo — suspirou. — A morte por arrogância


é a maneira de um homem morrer. Guardarei a minha morte
para algo mais feminino.

Rir de sua piada quebraria o alerta que tentava


transmitir, mas não pude evitar deixar um pequeno sorriso
crescer em meu rosto. — Como deveria. — Afastei-me da
janela, a seriedade crescendo em mim. — Antes de ir, coloque
seu byki ao telefone.

— Tio Kostya — lamentou. — Não seja constrangedor.

— Faça agora ou ligarei para o seu pai.

Natasha bufou, mas ouvi o barulho do telefone sendo


passado. Algumas coisas foram ditas antes de uma voz
masculina responder — Sim, senhor?

Eu reconheci a voz. — Pyotr Plotnikov. Quando foi


designado para o destacamento da minha sobrinha?

— Há dois meses, senhor — respondeu rapidamente.


Pyotr era um homem leal, sem dúvida leal demais. Ele não
tinha coragem de contestar e defender decisões, o que significa
que nunca subiria na hierarquia da Bratva. Ele também não
era alguém que teria escolhido para proteger minha sobrinha.

— Eu vejo. — Rastreei os detalhes da minha mesa


distraidamente. — Sugiro que se você quiser ficar em seu
destacamento, evite o transporte público.

— Ela insistiu...

— Natasha é sua chefe?

Ele hesitou, então — Não, não, senhor. Ela não é.

— Não, ela não é — concordei. — Desça na estação mais


próxima e entrarei em contato com alguém para buscá-lo. Se
alguma coisa acontecer com minha sobrinha, será
pessoalmente responsabilizado.

— Sim, senhor. Entendo, senhor.

— Ótimo.

Pyotr ficou quieto com a finalização do meu tom. Confuso,


perguntou — Você quer que eu coloque Natasha de volta...?

— Sim.

Ele rapidamente colocou minha sobrinha de volta ao


telefone. Natasha já estava irritada. — Você está enviando
alguém para nos buscar?

Coloquei o telefone no viva-voz enquanto mandava uma


mensagem para um velho e leal mafioso. Eu ainda tinha alguns
contatos na Rússia. Apenas no caso de meu irmão ficar com
muita fome de poder ou segredos.

— Sim, estou — disse.

Natasha suspirou, mas não discutiu.

Despedimos-nos, ela prometendo descer do trem. Eu


confiava nela – até certo ponto. Mesmo assim, garanti que meu
contato me enviasse uma foto de Natasha e Pyotr no banco de
trás, sãos e salvos.
24

Konstantin Tarkhanov

O sono me evitou por horas.

Acabei desistindo antes das 3 da manhã e fui trabalhar.


A minha cabeça latejava e meu estômago parecia
estranhamente apertado. Rezei silenciosamente para que não
tivesse pegado alguma coisa. A última vez que alguém adoeceu,
toda a família adoeceu na mesma semana. Quase esgotamos a
indústria de ibuprofeno.

Enquanto caminhava para o meu escritório, passei pela


biblioteca. A luz se espalhou por baixo das portas; ou Elena
havia deixado as luzes acesas ou ainda estava catalogando os
livros em um frenesi.

Passaram-se alguns dias desde que o médico veio e


liberou Tatiana. Ele chamou sua recuperação de milagrosa e
falou com Elena por algumas horas sobre seu trabalho. Elena
parecia desconfortável e tensa o tempo todo, não reagindo
calorosamente ao seu elogio. Quando disse que ela deveria
trabalhar na área médica, o encarou até que ele fosse embora.
Um estranho limbo se instalou sobre a casa. Eu ainda
tinha que oferecer a Elena sua liberdade, e ela ainda tinha que
pedir por isso.

Tatiana estava curada – mas Elena não foi embora.

Ela queria ficar? Não podia deixar de me perguntar. A


realidade de estar totalmente sozinha pela primeira vez em sua
vida finalmente se estabeleceu?

Duvidava dessa segunda razão. Além de todos neste


mundo, Elena tinha mais probabilidade de prosperar do lado
de fora. Tinha inteligência para trabalhar no mundo dos
acadêmicos. Já havia provado que era mais do que capaz de
escrever artigos para jornais e completar pesquisas.

Entrei na biblioteca em silêncio. À primeira vista, não a


localizei, mas quando me aproximei do conjunto de sofás, vi
seu corpo. Elena estava enfiada sob um pequeno cobertor, que
mal a mantinha aquecida e dormindo profundamente. Por sua
cabeça, Babushka também dormia, sua forma peluda
escondendo o rosto de Elena.

Havia alguns livros abertos deixados espalhados. Mudei-


os para o lado para que ninguém tropeçasse.

Aproximei-me de Elena, tentando não acordá-la, quando


ela soltou um grito repentino.

Nunca a tinha ouvido fazer tanto barulho, mesmo quando


foi atacada ou viu o marido morrer. Foi um ruído agudo de
terror.
— Elena — disse suavemente, agachando-me ao seu lado.

O seu rosto se contorceu de horror, sua mente presa em


um pesadelo. Ela deixou escapar outro soluço, seu corpo
inteiro tremendo enquanto o fazia. A sua mão subiu,
agarrando seu braço.

— Elena — descansei minha mão em seu ombro,


sacudindo-a suavemente. — Lyubimaya, é um pesadelo.

Até Babushka havia acordado. Ela saltou do sofá, mas


não saiu correndo. Os seus olhos redondos examinaram Elena.

Quando Elena deixou escapar outro soluço, a sacudi com


mais força. Eu não queria tirá-la do sono, mas parecia não
haver outra maneira.

— Elena — disse bruscamente.

Os seus olhos se abriram, embaçados enquanto olhava


ao seu redor. A confusão passou por seu rosto quando me viu,
mas com algumas piscadas, pareceu mais desperta. O seu
corpo relaxou e suas feições suavizaram.

Ela esfregou os olhos. — Kon?

Corri uma mão calmante por seu cabelo. — Você estava


tendo um pesadelo. Está tudo bem.

— Mmm? — Elena piscou mais algumas vezes. Quase


pude ver o momento em que sua mente começou a funcionar
novamente, o momento em que as engrenagens começaram a
girar. Ela se sentou de repente, olhando para mim. O cobertor
escorregou, expondo sua camiseta do pijama; e os mamilos
duros.

— Por que você está aqui? — Perguntou bruscamente.

Levantei minhas sobrancelhas. — Vi a luz e vim


investigar. Encontrei-a chorando e tremendo. — Examinei sua
expressão. Os resquícios do pesadelo ainda grudados em seu
rosto, empalidecendo suas bochechas. — O que te assustou
tanto?

Elena não se mexeu do meu aperto, mas disse


teimosamente — Nada.

— Então por que você está segurando seu braço?

Ela deixou cair a mão de repente, como se a tivesse


queimado. Os seus olhos dispararam para o braço, a dor
faiscando neles, antes que voltasse seus olhos verdes para
mim. — Eu tive um pesadelo — respondeu com um pouco mais
de honestidade desta vez. — Não é nada.

— Discordo que não seja nada. Estava chorando.

— Então por que minhas bochechas não estão molhadas?

Quase sorrio. — Não com lágrimas, apenas chorando.


Como um passarinho.

Isso a fez revirar os olhos. — Tenho certeza que sim —


disse sarcasticamente. — Babushka teria me arranhado se
estivesse.
Nós dois nos viramos para olhar a gata. Estava lambendo
a pata, parecendo relaxada. À nossa atenção, sua cauda
começou a balançar de um lado para o outro em irritação.

— Gata maldita — Elena murmurou.

— Vocês duas estavam enroladas — informei-a. — Foi


muito adorável.

Ela bufou. — Provavelmente estava julgando meu


tamanho para que pudesse me comer. Como as cobras fazem.
— Elena lançou a Babushka um olhar como se a prevenisse de
dar uma mordida.

— Acho que não — engoli minha risada. — Babushka é


muito mais caçadora do que carinhosa.

— Como você?

As minhas bochechas se esticaram enquanto sorria. —


Você sabe que sou muito bom em ambos.

As bochechas de Elena coraram, mas não reconheceu o


repentino constrangimento. — Como quiser.

— Não pense que conseguirá me distrair, lyubimaya —


disse. A minha mão agarrando uma mecha de seu cabelo,
envolvendo-a como uma fita em volta do meu dedo. Ela não se
afastou. — Com o que estava sonhando?

As sobrancelhas de Elena franziram. — Por que eu tenho


que dizer?
Os meus olhos caíram para as suas mãos. A palavra
desonesta traçada varias vezes.

Relutantemente, deixei cair seu cabelo. Ela observou com


curiosidade enquanto dobrei minha manga, revelando minhas
extensas tatuagens, contos e memórias da minha vida. Peguei
a sua mão e pressionei contra a imagem de um machado.

— Quando tinha sete anos, era muito atrevido.

— Então, nada mudou?

Eu acenei o seu comentário com um sorriso. — O meu


irmão decidiu que já estava farto do meu orgulho. Ele roubou
um machado do galpão e veio até mim com ele, pela casa e
jardins, me caçou como um porco de Natal.

Os olhos de Elena se estreitaram. — Onde estavam seus


pais?

— Reinando seu império, tentando matar um ao outro. O


que quer que estivessem fazendo, estavam ocupados. Portanto,
minha segurança dependia inteiramente de mim. Se
confrontasse meu irmão, ele me machucaria com o machado.
Se diminuísse a velocidade, ele seria capaz de me pegar, mas
não poderia correr para sempre.

Os seus olhos brilhavam de interesse, incitando-me a


continuar.

— Achei que só tinha que ficar escondido até que se


cansasse. Então escondi. Durante quatro dias, esperei debaixo
das camas e me enfiei em armários. Dormia em períodos de
minutos, nunca descansando de verdade, sempre
antecipando. O meu irmão foi ficando cada vez mais irritado
com o passar do tempo. Ele destruiu a casa, destruiu o jardim
da minha mãe. Mesmo assim, permaneci escondido.

— Ele encontrou você?

Eu sorrio. — Ele se cansou, no quinto dia. Parou na sala


de estar, largou o machado e descanso; e por aquela fração de
segundo, ele estava vulnerável, estúpido. — Os meus dentes
brilharam enquanto contava o final da história. — Então,
naquele momento, me esgueirei para cima dele, roubei seu
machado e lhe bati nos tornozelos. Demorou semanas para
curar.

Os seus olhos brilharam. — E o que você aprendeu?

— Que existe um momento perfeito para atacar. Eu não


acho; não hesito. Espero, planejo, e quando o momento for
perfeito... — inclinei-me para mais perto dela, os narizes quase
se tocando. — Ataco.

Algo escuro faiscou em sua expressão. — Eu também


posso ser paciente.

— Não tenho dúvidas de que possa ser. — Soltei minha


mão da dela, mas ela manteve seus dedos pressionados na
tatuagem. — Eu te contei um segredo. Agora, você deve me
dizer um.
A expressão de Elena ficou firme, mas, para minha
surpresa, cedeu. Afinal de contas, sempre valorizou um bom
acordo. — Alguns meses depois de nos casarmos, ouvi falar
sobre o cofre. Escutei uma reunião entre os homens, onde ouvi
dizer que o cofre estava guardado no banco. Já suspeitava e
não fiquei surpresa... mas não sabia exatamente o que havia
nele. Thaddeo nunca tinha dito.

Fiquei quieto, ouvindo, mesmo que a menção de seu


casamento anterior me fizesse querer rugir.

— Um homem veio até a casa. Disse que fazia parte da


famiglia. Ele até tinha a tatuagem para provar. Eu declinei e
disse-lhe para esperar até Thaddeo regressar para casa. — Ela
engoliu em seco. — O homem não aceitou essa resposta. Ele
era muito maior do que eu e me dominou facilmente.

Pressionei minhas mãos sobre os seus ombros, firmando-


a à medida que as lembranças se tornavam mais obscuras e
sombrias. O toque não foi apenas para Elena, no entanto. Se
não sentisse sua presença calorosa sob minhas mãos, me
acalmando, poderia ter me tornado balístico. Dominaram-me...

— Naquela época, Thaddeo mantinha a chave na mesa...


escondida, mas lá. O homem sabia onde estava e a encontrou.
Ele também decidiu que eu era a melhor pessoa para levá-lo
ao cofre. O homem pressionou uma arma contra minha cabeça
e me levou até o banco.

Uma estranha frieza se apoderou dela. Ela contou a


experiência traumática como se estivesse checando uma lista.
— Eu era uma Falcone, então o banco não podia negar
que eu queria ver o cofre da minha família. Os homens Falcone
surgiram do nada, Antes de entrarmos no cofre... incluindo
Thaddeo. — Estendeu a mão e pressionou-a em seu bíceps, a
dor passando por seu rosto. — Ele estava furioso comigo.
Rompeu meu úmero de raiva. — Havia um desafio em seus
olhos quando me olhou. — É por isso que eu estava tendo o
pesadelo.

Acariciei levemente seu braço. Ela estremeceu.

A raiva desenfreada ameaçou tomar conta de mim. Um


forte puxão de vermelho invadiu o limite da minha visão. Seria
tão fácil entrar na fúria, deixar que ela ultrapassasse meu
controle e decretar vingança sobre aqueles que haviam
agredido minha Elena. Aqueles que ousaram colocar as mãos
no que era meu.

Elena estendeu a mão e pressionou sua mão na minha,


segurando-a no lugar. O seu toque era suave, um contraste
com minha pele marcada pela batalha.

Por meio da onda de raiva, consegui formar as palavras


— Ele merecia morrer pior do que morreu.

— Sim — disse. — Ele merecia morrer, não é?

Ela quase parecia tentar se convencer.

Eu me levantei do chão e me sentei ao seu lado no sofá.


Podia sentir seus joelhos pressionando minhas costas. Elena
tentou ajustar sua posição, mas acabou trocando seus joelhos
por suas coxas, empurrando-as contra mim.

Os nossos rostos estavam perto o suficiente para que


pudesse me inclinar e beijá-la, saboreá-la contra minha língua.
O seu cheiro rodopiou ao meu redor.

Deixei cair ambas as mãos, pressionando-as em sua


cintura. A camiseta fina não fez nada para impedir a sensação
de sua pele. Eu senti sua respiração acelerar.

Elena inclinou o pescoço para o lado, olhando para mim.


— Podemos escandalizar Babushka — murmurou. A
perversidade em seus olhos me disse que ela não se importava.

— Babushka, xô — eu disse a gata.

Babushka me olhou como se eu tivesse crescido uma


terceira cabeça.

Elena riu, o som estranho, mas deslumbrante o suficiente


para iluminar a sala inteira. Sorrio para ela, apaixonado.

— Pensei que você fosse o rei por aqui? — Perguntou.

— Infelizmente, Babushka não reconhece nenhuma


autoridade além da sua própria.

Outro brilho de diversão passou pelo rosto de Elena. —


Então, temos mais em comum do que pensava inicialmente.

Ri humildemente. — Acho que sim.


— Eu ainda prefiro os cachorros. — Foi dirigido mais a
Babushka.

A gata assobiou para Elena.

— Ah, ah, já chega disso. — Acenei com a mão para


Babushka. Ela não parecia satisfeita, mas seguiu meu
comando silencioso, desaparecendo nas sombras das estantes.

Elena sorriu ligeiramente. — Então, talvez ela siga seu


comando. — Olhou para mim. — Isso não muda o que sinto.

— Não acha afortunado que eu ache seu desrespeito tão


atraente? — Perguntei. O meu dedo pegou o seu cabelo
novamente.

— O que acontece com aqueles cujo desrespeito não acha


atraente? — Ela já sabia a resposta, mas a provocação em seu
tom indicava que queria outra.

Eu sorrio, feliz em obedecer. — Eles não podem se juntar


a mim na banya.

A alegria brilhou em seu rosto. — É mesmo? Está


afastando muitas pessoas da banya, então? — O seu tom era
provocador, mas percebi o sarcasmo em suas palavras.

Talvez não fosse o único a me sentir tão possessivo.

— Sou muito exigente quanto a quem deixo entrar em


meu território, — ponderei. — Até agora, apenas uma foi bem
sucedida.
Os lábios de Elena se inclinaram para cima. — Você
espera que eu acredite nisso? Aposto que as mulheres estão
fazendo fila a porta do Cavalheiro Russo.

Tracei um dedo em seu braço. Ela observou,


estremecendo ligeiramente. — Como disse, lyubimaya, sou
muito exigente sobre com quem compartilho a banya.

— Então a sua escolhida deve ser uma mulher e tanto.

O meu sorriso cresceu. — Ela é, de fato.

Elena tentou esconder seu sorriso, mas o brilho em seus


olhos não pôde ser disfarçado. — Eu também permiti que
entrasse em meu território.

— O seu território?

— A biblioteca — explicou. — O meu sanctum


sanctorum32.

— Mesmo? — Inclinei-me mais perto dela, respirando-a.


os seus olhos piscaram para os meus lábios antes de olhar de
volta para os meus olhos. — O seu território infelizmente está
em minha casa. Parte dele, na verdade.

Elena encolheu os ombros. — O governador de New York


reivindica a propriedade sobre o seu território, embora o que é
dele seja parte do seu.

32 Sagrado dos sagrados.


— Eu também reivindico o governador como meu
território — meditei.

Ela riu. — Ele pode discordar dessa afirmação.

— Não muito alto.

— Suponho que seja verdade. — Os seus olhos dançaram


até minha testa. Uma mecha de cabelo se desfez e voou sobre
minha cabeça. Fui correr meus dedos por ele, quando seus
dedos o alcançaram e o pegaram. — Você tem o cabelo mais
comprido do que pensava originalmente.

Penteado para trás, muitas vezes parecia mais curto do


que era.

— Você ainda vence a competição de cabelos compridos


— disse. O cabelo de Elena atingia a parte inferior das suas
costas.

— Não estou preocupada — respondeu. Elena prendeu


seu cabelo e o enrolou em volta do meu pescoço como um laço.

Sorri, segurando uma das mãos. — Poderia me enforcar


com este cabelo.

— Não é esta a sua assinatura?

Uma risada surpresa saiu de mim. — Realmente. Talvez


eu deva deixar meu cabelo crescer tão longo quanto o seu e
sufocar meus inimigos com ele.
Os seus olhos brilhavam. — Acho que os laços são mais
fáceis de manter.

— Temo que você esteja certa.

Elena soltou seu cabelo e caiu, uma onda de seda cor de


mogno. Ela olhou para mim, olhando para mim através dos
cílios escuros.

O meu pau endureceu imediatamente.

Ela viu e suas sobrancelhas se ergueram ligeiramente. —


Você não está cansado?

— Para você, nunca.

As suas bochechas formaram covinhas com a minha


resposta, e gentilmente colocou a mão na minha coxa,
perigosamente perto da minha cabeça menos inteligente.

— Já que você foi tão acolhedor em seu território —


murmurou — é justo que eu receba você no meu.

O fogo parecia trovejar através de mim, apertando e


endurecendo meu corpo.

O meu sorriso ficou mais sombrio. — Parece a coisa certa


a fazer.

Elena jogou o cabelo por cima do ombro, julgando-o no


caminho, antes de desabotoar minha calça. Eu a ajudei a
abaixá-los, passando meus dedos por seus cabelos.
Tantas vezes, tinha imaginado este cenário, Elena de
joelhos, suas mãos e língua me adorando. O cenário mudava
a cada vez: quarto, escritório, estábulos, a banya. A coisa real
é muito melhor.

— Você parece orgulhoso de si mesmo — observou. O seu


hálito quente soprou no meu pau, apenas me inflamando
ainda mais.

— Eu? — Inclinei-me contra o encosto do sofá, curvando


minha cabeça para que pudesse vê-la. Corri minha mão sobre
sua cabeça, colocando nas suas costas. — Eu não tinha
percebido.

A maldade brilhou em seus olhos. — Vamos ver quanto


tempo dura.

— Eu acho que nós...

Elena me levou em sua boca, lábios, dentes e língua. O


prazer balançou através de mim enquanto ela balançava a
cabeça para cima e para baixo, trabalhando-me em
movimentos longos e lentos.

A minha cabeça tombou para trás por conta própria. —


Lyubimaya.

Eu senti seu sorriso ao meu redor.

As suas mãos acariciaram minhas bolas, seu polegar


esfregando em círculos lentos. Os seus dedos, de vez em
quando, pressionavam o lado do meu pau, intensificando o
toque e a sensação de sua língua.

Ela parecia contente em brincar, em provocar. O toque de


seus dentes causou um rosnado baixo no meu peito.

— Seja boazinha — avisei.

— Oh, sim, claro! — murmurou em torno do meu pau.

Eu torci meus dedos por seu cabelo, tentando recuperar


algum controle, mas era tarde demais. Elena ganhou este jogo,
me tinha sob seu comando, um servo em seu território.
Quando pressionou a língua na ponta, o prazer rugiu por mim
e o jogo de Elena chegou ao fim, mas quando ela olhou para
mim, com seus lábios brilhando e os olhos arregalados, quase
gozei de novo.

Esta mulher me tem na palma de suas mãos, pensei,


liberando meu aperto em seus cabelos.

Elena sorriu e enxugou a boca. Porra pingou no sofá.

— Que presente de boas-vindas — murmurei. — Espero


que nenhum outro hóspede receba tal presente.

Ela encolheu os ombros, com um desafio em sua


expressão. Eu poderia jogar mais um jogo.

Estendi a mão em uma explosão de força, puxando-a para


mim. Ela estava corada contra mim, a sensação de seus seios
quase me distraindo. Presa em minhas garras, tudo o que
podia fazer era dar um olhar ofuscante, não contente de ser
puxada.

Pressionei os meus dentes em seu ouvido, inspirando-a.


— Ninguém mais neste mundo receberá um boquete de você,
Elena. — Sem eufemismos, sem provocações. — Vou
massacrá-los e obrigar você a assistir de joelhos.

Tudo o que ela disse foi — Idem.

Ficamos lá até que os primeiros raios de sol escurecessem


o horizonte em tons de rosa e roxos. Ela cochilou em meus
braços, sua mente se acomodando pela primeira vez. Não
encontrei o sono, o latejar da minha cabeça retornando sem
Elena para me distrair.

Elena se torceu em meus braços enquanto ficava mais


brilhante, piscando com os olhos turvos para mim. — Você
está pálido. — Mesmo cansada, sua voz manteve seu tom
factual natural.

Esfreguei meu nariz em sua cabeça. — Não é nada —


murmurei.

— Temos que ir tomar café logo — disse.

Ela estava certa. Podia ouvir a família acordando ao nosso


redor, as risadinhas de Anton ao cheiro de panquecas. Nós até
ouvimos um estrondo alto, seguido por Danika gritando que
estava bem; mas nenhum de nós se mexeu.

Artyom começou a gritar que o café estava pronto.


Elena foi a primeira a se afastar. Levou nosso calor
consigo. Observei enquanto enrolava o cobertor em volta dos
ombros.

— Vamos comer — me levantei, endireitando minhas


calças.

Uma onda de tontura tomou conta de mim, borrando


momentaneamente minha visão.

— Kon? — A voz de Elena vazou. — Você está bem?

— Estou bem...

A escuridão tomou conta de mim de repente.

A última coisa de que me lembro foi o chão subindo para


me cumprimentar.
25

Elena Falcone

O meu aperto sobre a cama aumentou.

— Konstantin gostaria que ficássemos calmos — dizia


Artyom atrás de mim.

— FODA-SE A CALMA! — Roman gritou. — Kostya está


morrendo e você espera que eu esteja calmo?

— Não podemos saber nada até o médico chegar aqui —


Roksana acalmou.

— Você não é cega, Roks, porra. Consegue ver o que eu


vejo.

Artyom rosnou. — Cuidado como você fala com ela.

Roman deixou escapar um ruído frustrado. Pode estar


mostrando raiva, mas todos sabiam que era a mágoa que
dirigia suas palavras.

— O médico está chegando agora — veio a voz fria de


Dmitri. Ele estava quieto, sentado nas sombras.

— Eu vou recebê-lo — sussurrou Danika. Eu ouvi o


tapinha suave de seus pés quando ela saiu. Ouvi um baque,
no corredor, indicando que ela havia atingido algo, mas não fui
investigar.

Roman murmurou — Eu vou. — E foi embora.

Pelo canto do olho, vi Tatiana se aproximando. Ela olhou


para a cama com preocupação.

Não olhe para ele, eu queria explodir. Não chegue perto


dele.

Diante de mim, estendido na cama, Konstantin dormia.


As suas bochechas estavam pálidas, a testa suada, sua
pulsação muito lenta. Ele soltava de vez em quando, um
suspiro gaguejante, antes de cair novamente na inconsciência
profunda.

Envenenado.

Era o meu instinto, minha primeira reação, então sabia


que era a correta.

Konstantin foi envenenado.

Quando Tatiana chegou muito perto, me afastei do meu


posto no final da cama e me aproximei de seus travesseiros.
Uma tigela cheia de água e uma toalha foram deixadas para
tentar combater a febre de Konstantin. Enxaguei a toalha,
esfregando suavemente em seu rosto, antes de colocá-la sobre
sua testa.

— Deixe-o, Elena — Dmitri disse friamente.


Eu me virei para ele lentamente. — Desculpe?

Ele sacudiu o queixo bruscamente. — Você não faz parte


desta família. Isso não é da sua conta.

— Dima — Tatiana chamou suavemente.

— Onde estava essa atitude quando sua esposa estava


sob meus cuidados? — Assobiei. — Cuide da porra da sua vida.

Dmitri deu um passo à frente, mas foi Artyom – Artyom –


quem lhe agarrou o braço e avisou — Não o faças. Kostya iria
matá-lo. — Artyom acenou com a cabeça para mim. — Elena
tem todo o direito de estar aqui.

Dmitri recuou, mas não afastou seu olhar vigilante de


mim.

A porta se abriu e o médico entrou. Roman estava em


seus calcanhares, protetor mesmo em torno de associados de
confiança. Atrás dele, taciturna e assustada, Danika o seguia.
Ela não disse nada, apenas se misturou nas sombras com
Dmitri. Ele não se opôs quando ela descansou a cabeça em seu
braço.

O médico gesticulou para que eu me afastasse,


permitindo-lhe espaço para examinar Konstantin.

Todos nós observamos atentamente enquanto testava a


pressão arterial, frequência cardíaca e temperatura. Quanto
mais ele fazia seus testes, mais profunda ficava a carranca do
médico.
Um caroço começou a se formar em minha garganta.

— O que há de errado? — Perguntou Artyom.

O médico apertou os lábios. — Preciso tirar sangue para


ter certeza.

— Você não pode dizer apenas olhando para ele? —


Roman exigiu.

— Não, sr. Malakhov, não posso — disse o médico


simplesmente. — No entanto, posso ter os resultados de volta
no mesmo dia.

— Hora — disse Artyom suavemente. — Resultados


dentro de uma hora.

O médico piscou. — Isso simplesmente não é possível...

— É melhor você tornar isso possível — alertou. — Tenho


certeza de que o forro de seus bolsos pode tornar o processo
mais rápido.

— Claro, senhor.

O médico tirou o sangue de Konstantin e saiu


rapidamente. Ele recomendou que elevássemos Konstantin
sobre travesseiros, algo que o impediria de engasgar com o
próprio vômito, caso seu corpo tentasse lutar contra a própria
doença.

Dmitri parecia que esfaqueria o médico por sugerir que


seu Pakhan puderia ter uma morte tão mundana e grosseira.
Fiquei ao lado de Konstantin com o passar das horas.
Roksana trouxe-me uma cadeira e um pouco de chá, sem falar
muito, mas a gentileza de suas ações falando alto.

Embrulhei-me em um cobertor e me enrolei, em uma


postura inconscientemente protetora. Olhando para
Konstantin assim... doía. Fazia tudo dentro de mim doer. As
minhas células e ossos doíam com algo semelhante ao terror,
meu queixo tremia com uma emoção quase de luto.

Konstantin nunca pareceu tão... vulnerável. Se alguém


quisesse machucá-lo agora, poderiam. O próprio pensamento
fez meus músculos ficarem tensos.

Eu não dormi, nem fechei meus olhos. Racionalmente, eu


sabia que Roman e outros byki estavam parados a porta e
embaixo das janelas, armados até os dentes e prontos para
atacar qualquer coisa que considerassem uma ameaça, mas
alguma parte primordial da minha psique havia assumido o
controle. O sono, foi decidido, era desnecessário para a
sobrevivência neste momento.

A porta se abriu depois de algumas horas. Eu pulei de pé,


mas era Dmitri quem entrava no quarto. — Sou só eu, Elena.

Não voltei a sentar.

Dmitri não pareceu ofendido e ao invés disso deu mais


alguns passos para dentro do quarto. — Eu trouxe um material
de leitura para você. — Ele ergueu as mãos, revelando uma
pilha de romances antigos que não tinha notado.
— Por quê?

— Então, você não adormece — disse friamente. — Quer


ou não?

Empurrei meu queixo em vez de dizer sim.

Dmitri colocou os romances na cama, me permitindo


inspecioná-los melhor. Eram velhos e gastos, com desenhos
intrincados detalhando as capas e lombadas. Palavras em
cirílico33 pontilhavam a frente.

— Isto não é da biblioteca.

— Não — disse. — Eles são da minha coleção particular.

Apenas alguns eram em inglês. Os seus títulos eram


Father Frost, Vasilisa the Beautiful e The Golden Slipper.

— São contos de fadas — disse.

— Antigos russos de Alexander Afanasyev. — O sotaque


americano de Dmitri diminuiu quando pronunciou o nome do
autor.

Eu mostrei os em russo. — Não sei ler russo.

— Agora é um momento melhor do que qualquer outro


para aprender.

33-Sistema alfabético de escrita utilizado para represetar a língua russa, e outras na Europa Central e
Ásia central. É também conhecido como azbuka, cujas variantes são utilizadas para a grafia de seis
línguas nacionais eslavas (biolorrusso, macedônio, búlgaro, russo, sérvio e ucraniano). O seu noe é
uma referência a dois santos, Cirilo e Metódio, diáconos em Constantinopla.
Os meus olhos se estreitaram. — Por que eu preciso
aprender?

Algo faiscou em seus olhos azuis. Nada malicioso... mas


divertido. Bem, tão divertido quanto este pedaço de gelo
humano poderia ser. — Você sabe porquê, Elena.

Eu não tinha resposta para isso.

Quando Dmitri saiu – com um aviso para cuidar de seus


amados romances – me acomodei de volta a minha cadeira e
abri o Father Frost. O interior tinha pequenas imagens ao lado
das palavras, belas obras de arte de florestas cobertas de neve
e camponesas adornadas com joias.

Era uma história miserável, um aviso para as mulheres


serem gentis e educadas, ou então correr o risco de morrerem
congeladas. Achei a história interessante e me fez companhia
e aos meus nervos enquanto o tempo passava sem uma
palavra do médico.

Konstantin permaneceu imóvel. Ele estremecia, de vez em


quando, ou sua expressão ficava distorcida, mas então voltava
ao sono.

A sua cor ficou mais fraca com o passar do tempo, seu


pulso diminuindo.

Reconheci a morte, especialmente quando instrumentada


por veneno. Os seus sintomas não me eram estranhos. A
verdade, comecei a verificá-los com o passar do tempo; pulso
lento, pele tingida de cinza, tremores. A lista permitiu controlar
minha sanidade. Especialmente porque podia me sentir
amarrada à beira da loucura, pronta para explodir a qualquer
momento.

Ele ficará bem, disse a mim mesma, mas o conforto caiu


em minha mente. Quando não acreditava em si mesmo, algo
estava muito errado.

Quando o médico ligou com seus resultados, toda a


família entrou no quarto. Espalhados pelo chão e pelas
superfícies, foi Artyom quem se colocou no centro e ergueu o
telefone, com o alto-falante o mais alto possível.

— Acabamos de receber seu sangue de volta — o médico


parecia solene. — Existem altos traços de glicosídeo, que é um
veneno encontrado em espirradeira e...

— Dedaleira — respirei fundo. Podia ver meu pai


tombando no chão, segurando seu coração. Eu podia ver o
buraco na cabeça de Thaddeo, o vazio em seus olhos. — O
glicosídeo é encontrado na dedaleira.

Os olhos escuros de Artyom se fixaram em mim. — Qual


é a cura?

— Digoxina-Fab — respondi.

O médico confirmou minha resposta. — A quantidade em


seu sangue é... altamente preocupante. A verdade, é uma
quantidade fatal, mesmo que recebesse a cura...
Faixas quentes envolveram o meu coração, apertando-o
dolorosamente. Algo como um soluço ou um grito estava
subindo pela minha garganta. A palavra carma lutava para
entrar em meu cérebro. As vozes continuaram ao meu redor.

— Onde podemos conseguir um pouco dessa merda? —


Roman exigiu. — O hospital?

— O hospital terá recursos para fazer a cura — arriscou


o médico. — Leva tempo para fabricar, e eles simplesmente não
entregarão a digoxina-Fab sem...

Roman rosnou. — Eles nos darão tudo o que pedirmos.


Somos donos da merda do hospital.

— Pode levantar questões — disse Artyom de forma


racional. O pânico ainda não tinha se apossado dele – ou talvez
tivesse e era apenas melhor do que o resto de nós em escondê-
lo. — A última coisa de que precisamos é que nossos inimigos
saibam que Kostya está doente. Precisamos descobrir quem fez
isso e matá-los.

— Podemos lidar com isso depois! — Roman gritou. — Eu


não posso nem acreditar que isto é a porra de uma discussão.

— Artyom está certo. — Esta declaração gelada veio de


Dmitri. — Quero Kostya saudável novamente, mas uma vez
que uma pessoa fora desta família saiba, os nossos inimigos
sabem.

Roman fez um barulho incrédulo.


— Eles estão certos, Ro. — A voz de Danika veio do chão.
Ela trouxe os joelhos até o queixo, fazendo-se parecer tão
pequena quanto possível. — Existem protocolos de Kostya
colocados em prática para situações como esta. — Enxugou os
olhos com uma manga.

— Foda-se o protocolo — Roman disparou. — Eu não me


importo com os planos de apoio de Kostya ou quem herda
depois dele – porra, nem me importo com quem fez isso. Ele
está doente, precisa de uma cura. Encontraremos a cura,
porra.

— Assim que se espalhar a notícia de que Kostya está


doente, que a Bratva está vulnerável, toda a organização estará
em perigo. Não dá nem para começar a investigar como isso
aconteceu, quem o atingiu aqui no nosso santuário, sem
chamar a atenção para a situação — disse Artyom com calma.
— Eu também não estou feliz, Roman, mas não arriscarei o
império de Kostya porque você é incapaz de racionalizar.

Roman rosnou para Artyom. — Vocês...!

— Eu faço.

O silêncio caiu sobre o quarto. Algumas piscadas foram


enviadas em minha direção, como se tivessem esquecido que
eu estava ali.

Penteei o cabelo de Kostya para trás com a mão e repeti


minha oferta — Eu faço.
O médico tossiu. — Uh, é um processo químico
complicado. Não pode ser feito em seu quintal...

— Se Elena diz que pode fazer, então ela pode. — Foi


Roksana quem falou, a voz elegante e quebradiça de
preocupação.

Artyom desviou os olhos para mim. — O que você precisa?

— É uma mistura de fragmentos de imunoglobulina anti-


digoxina... — O médico começou, mas Roman o interrompeu.

— Que porra é essa?

— É de ovelhas imunizadas com DDMA — respondi.

— Então encontrarei para você a porra da ovelha mais


saudável do mundo, Elena — Roman disse, não entendendo
totalmente, mas tentando ajudar.

Pressionei a mão na testa de Konstantin. Era estranho


demonstrar afeto na frente de sua família, mas meu coração
estava tremendo com algo que não conseguia reconhecer, mas
não podia negar.

O meu queixo vacilou quando sussurrei — Voltarei em


breve, Kon. Se você morrer enquanto eu estiver fora, vou matá-
lo.

Mesmo em seu estado inconsciente, poderia jurar que


seus lábios se contraíram em um sorriso.
Ninguém me incomodou, ou talvez sim, e não os ouvi
através da minha concentração. Uma névoa se instalou sobre
mim, me sugando para um túnel de bactérias, células e
nanogramas. A minha mente usava a sua capacidade máxima,
aprendendo anos de conhecimento em poucas horas.

Se não estivesse piscando para conter as lágrimas a cada


passo, poderia ter gostado.

Roman e Danika me acompanharam. Ambos


estranhamente silenciosos – então, novamente, talvez
estivessem conversando, e não os estivesse ouvindo – mas
podia sentir a pressão de seus olhos nas minhas costas.

Eu não estava preocupada com a ira deles se estragasse


a cura. Só estava pensando em Konstantin.

Senti sua presença enquanto trabalhava. Ouvi sua voz


em meus ouvidos, senti seus lábios contra minha pele. Às
vezes, quando prendia meu cabelo, sentia seus dedos se
enroscarem nas mechas, ou quando puxava meu suéter pelo
pescoço, eram suas mãos que eu sentia passando pelos meus
ombros.

Uma intimidade que nunca tive, nem mesmo quis, foi


cultivada entre nós dois.

Como uma planta de glicínia, a conexão começou lenta e


cansativa, o primeiro galho se formando a partir de muito
pouco, mas com o passar do tempo, alimentado por desafios e
compreensão, as vinhas ficaram mais fortes e maiores,
subindo em meu coração, alma e mente. Agora não havia como
escapar, nenhum único galho que pudesse ser cortado para
encerrar a ligação entre nós.

Uma palavra se formou em minha cabeça. Quatro letras,


uma sílaba, mas me recusei a verbalizar em voz alta; até evitei
dizer isso em minha mente.

Duvidava que Konstantin se sentisse tão inclinado a mim


uma vez que soubesse todos os meus segredinhos sujos.

Afastei os pensamentos sobre esses segredos,


empurrando para baixo as imagens de meu pai e Thaddeo; e
Tatiana. Haveria tempo mais tarde para enfrentar as
consequências de minhas ações, mas agora precisava ajudar
Konstantin, salvar Konstantin. Nada mais importava.

A medida que media e derramava, senti a ironia da


situação. Quantas vezes havia executado esses mesmos
conjuntos, mas com uma intenção diferente em mente? Em vez
de causar danos, estava usando meu cérebro para ajudar e
curar. Salvar.

Horas depois que o sol se pôs, a droga ficou pronta.

Enrolei a seringa em um pano, desesperada para não


deixar nada acontecer com ela, antes de apresentá-la a Roman.
Ele apenas disse — Vamos.

O médico estendeu a mão para pegar o medicamento,


mas me recusei a dar a ele.
— Estou fazendo isso — rosnei.

Ele piscou por trás dos óculos, como se estivesse


surpreso com minha ferocidade, antes de assentir
apressadamente. — É claro, é claro. Deixe-me explicar...

Todos se aglomeraram ao redor enquanto eu


administrava a digoxina a Konstantin. O médico me ajudou a
posicionar a agulha e injetar com segurança em sua veia.

A quantia era crucial. Muita digoxina e ele poderia sofrer


de arritmia cardíaca, pouca e poderia morrer.

Os segundos se passaram. Eu podia ouvir meu batimento


cardíaco em meus ouvidos. Cada baque era mais um segundo.

Outro segundo...

Eu precisava confessar. Os segredos e mistérios se


apoderaram de mim com suas garras, não querendo me deixar
ir. Precisava ser livre. Livre de mentiras e pesadelos.

Outro segundo...

Os meus olhos dispararam para Tatiana. Ela se inclinou


contra Dmitri, com os olhos arregalados de preocupação.

Uma parte primitiva de mim rosnou ao vê-la, furiosa por


ela estar tão perto de Konstantin, furiosa por ser considerada
inocente e inofensiva.

Outro segundo...
Quando o som do meu osso quebrando ecoou por todo o
cofre, soou como se tivesse pisado em um galho.

Mesmo em meio à agonia, me lembrei de ter pensado: vou


te matar por isso, marido.

Outro segundo...

O cabelo de Konstantin estava novamente grudando a


sua testa. As minhas mãos tremiam enquanto me doía para
pentear para trás.

Outro segundo...

O meu cérebro ainda não tinha se acalmado de tanto ser


usado. Tive a mesma sensação de adrenalina que senti ao
escrever aquele artigo. Como se todo o conhecimento em meu
cérebro estivesse girando e girando, esperando para ser
escolhido e usado.

Outro segundo...

— O seu pulso acelerou — disse o médico. — O seu


coração agora está batendo em um ritmo normal.

Abaixei minha cabeça em minhas mãos e respirei.

Do canto do olho, entre os dedos, vi um flash de raiva no


rosto de Tatiana. O olhar de uma mulher que não conseguiu o
que queria.
26

Elena Falcone

Dez dias.

Passaram-se dez dias desde que Konstantin iniciara o


processo de recuperação. Não acordava com frequência no
início, o seu corpo trabalhando arduamente para controlar os
sintomas. Ele acordou no quarto dia, com explosões de clareza,
e pedindo água ou algo para comer, antes de cair novamente
na inconsciência.

Sentei-me ao seu lado o tempo todo, um formato


permanente de mim agora desgastada na cadeira. Comi
apenas para sustento e tomei banho por necessidade, mas a
cada dois segundos do dia, estava com Konstantin. Eu lia para
ele, falava com ele, dormia ao seu lado. Sempre que se movia,
eu ficava em alerta, observando e esperando.

A maioria dos dias passava como um borrão, nada mais


do que horas de luz e escuridão onde Konstantin ainda não
estava bem.

A minha voz ecoava pelo quarto, o conto de fadas russo


caindo facilmente de meus lábios. A história seguiu o filho
mais novo de um rei que atirou uma flecha para encontrar seu
verdadeiro amor. A flecha havia caído por um sapo, que foi
amaldiçoado por algum maldito criptídeo russo. Eu não tinha
certeza de qual era o aviso, mas estava...

— Elena?

Levantei minha cabeça.

A cabeça de Konstantin estava voltada para mim, seus


olhos brilhantes de energia. Um sorriso suave enfeitou suas
feições.

— Você está bem? — Coloquei o livro de lado. — Precisa


de um pouco de água?

— Não, não, — respirou. — Apenas sente-se comigo.

Eu não me movi, examinando sua expressão. A cor total


não tinha voltado ao seu rosto, mas parecia a melhor do que
tinha em mais de uma semana.

— Lyubimaya — repetiu, quase como um aviso.

Eu cruzei meus braços. — Não tenho certeza se você está


bem.

Konstantin virou a capa do livro. — Estava lendo em


russo?

— Sim.

Os seus olhos castanhos claros brilharam de alegria. —


Desde quando você lê e fala russo?
— Desde a semana passada. Você saberia se não tivesse
sido envenenado — disse bruscamente. A questão de quem fez
isto pairava no ar, mas não consegui me fazer expressar em
voz alta.

— Estava me perguntando por que minha cabeça está um


pouco dolorida — disse Konstantin. — Sente-se, Elena. Você
parece exausta.

Eu relutantemente retomei minha posição. — Tem


certeza?

— Perguntei ao seu Don se poderia me casar com você há


dois anos.

A frase foi dita tão abruptamente que demorei alguns


minutos para entender todo o significado de suas palavras.

Senti minhas feições enrugarem. — Kon, não tenho a


menor ideia do que está falando.

Konstantin se levantou, recusando mais travesseiros. Ele


parecia quere sair da cama, mas foi aí que limitei, enviando-
lhe um olhar de advertência.

Ele sorriu fracamente. — Tão preocupada, lyubimaya. —


Ele rolou o pescoço, estalando as juntas. — É verdade. Pedi
sua mão em casamento antes de se comprometer com Falcone.
Foi-me negado, é claro.

Esfreguei minha testa. Certamente ele estava mentindo,


mas por que Konstantin mentiria sobre algo assim? — Nós nem
nos conhecíamos — disse a ele. — Por que você gostaria de se
casar comigo?

— Você não me conhecia, mas eu conhecia você. —


Konstantin virou a cabeça para mim, nossos olhares se
encontrando. Uma intensidade agarrou suas feições, nos
mantendo como reféns no momento. — Eu conhecia você,
Helen A. Strindberg.

Os meus lábios se separaram.

As ferramentas dos homens não são inerentemente más; é


como são usadas.

As memórias de pesquisa e digitação passaram pela


minha mente. A minha permissão para ir a faculdade foi
negada, por isso, em rebelião, escrevi e publiquei um artigo em
um jornal. Estava sob o pseudônimo de Helen A. Strindberg.

Quais são as hierarquias dos homens para uma árvore que


existe há milhares de anos?

Eram citações. Eu sabia, no fundo das minhas


entranhas, de onde eram; mas me recusei a acreditar que ele
pudesse saber... Que alguém pudesse saber...

— Como você poderia... — O choque tomou conta de mim,


tornando difícil terminar minha frase. — Por quê...

Konstantin sorriu fracamente. — Quase três anos atrás,


encontrei um artigo. “Botânica como arma: Discutindo o
passado, o presente e o futuro do veneno”, era brilhante. Fiquei
apaixonado pela informação e pelo autor. Quando tentei
procurar a Sra. Strindberg, no entanto, não havia informações
sobre ela; nenhum outro artigo, recorte de jornal ou mesmo
uma universidade.

Eu não conseguia pronunciar as palavras. Mantive esse


segredo tão perto, guardando-o como minha maior realização.
Quando fui vendida, espancada e menosprezada, foi o
conhecimento do que meu cérebro realizava que me manteve
viva.

— Então... Olezka conseguiu uma pista. O nome Helen A.


Strindberg era um pseudônimo, e a verdadeira autora era uma
mulher chamada Elena Agostino, residente em Chicago. — A
expressão de Konstantin tornou-se melancólica. — O que o
destino teria? Ela fazia parte do Chicago Outfit, filha órfã de
um capo.

— Então, você pediu minha mão em casamento.

— Pedi. Perguntei ao falecido Don Piero, mas ele recusou.


— Um músculo em sua mandíbula se contraiu. — Considerei
muitas outras opções. Eu te seduziria, me apresentaria a você
em público. Considerava, às vezes condenar boas alianças e
roubá-la diretamente da Outfit, mas não. Esperei, observei...
mas então... você ficou noiva de Thaddeo Falcone. Um homem
estúpido cuja mente nunca se igualaria à sua. — Konstantin
me lançou um olhar sombrio. — Foi fácil mudar meus planos.
Planejava tomar o território dos Lombardi, mas os Falcones
ofereceram um acordo muito mais doce. A primeira noite em
que esteve aqui, pedi a Alessandro sua mão em casamento.

— O que disse o Don da Chicago Outfit? — Perguntei.

Não havia nada comprometedor em sua expressão.


Apenas o olhar de quem venceu. — Ele disse sim.

Inclinei-me em minha cadeira, levantando minhas


sobrancelhas. — Então, perguntou a todos menos a mim se eu
queria me casar com você?

— As mulheres tendem a não ter muita escolha — disse


Konstantin. — Sim, teria perguntado a você. Eventualmente.

Inclinei minha cabeça para o lado. — Você não me


conhece, Kon. Não realmente. Há coisas que fiz...

— Eu também fiz coisas horríveis — respondeu. — Eu


conheço você, Elena. Conheço cada parte sua; toda sua
inteligência e sarcasmo, conheço e amo. Não me compare com
aqueles que a rejeitaram – não sou um deles.

Ama.

A palavra sacudiu em meu cérebro. — Você não sabe tudo


— foi tudo que pude dizer. — Há algumas partes de mim que
até eu tenho medo. Que nem eu mesma amo.

Os olhos de Konstantin me incentivaram a prosseguir. —


Eu serei o juiz disto.
— Você é muito tendencioso — disse, um vislumbre de
humor crescendo em mim com suas palavras. — Deixaria-me
sair impune.

Algo animalesco brilhou em suas feições — Certamente,


deixaria —respondeu, a voz baixa em seu peito.

Quando ficou claro que Konstantin ainda queria ouvir


alguns de meus segredos, fiz uma pausa. Havia muitos, e
embora soubesse sobre minha vida secreta como acadêmica,
este era um dos meus segredos mais domesticados. Os
outros...

Corri meus olhos por suas tatuagens, observando as fotos


de armas e as histórias de violência que estavam sem dúvida
associadas a elas. Cicatrizes também cobriam a pele, feridas
das muitas batalhas que lutou.

Eu não estava me confessando a um pastor; estava me


confessando ao Cavalheiro Russo.

Olhei-o novamente nos olhos. O seu olhar não havia se


movido de mim, ainda tão intenso e revelador.

— A minha mãe cultivava dedaleira — comecei. — Não


muito, apenas um pequeno vaso ao lado de seus tomates. A
sua lógica era que se uma criatura roubasse seus lindos
legumes, então também poderiam pegar um pouco da
dedaleira e morrer por seus crimes.

Konstantin acenou com a cabeça para que eu


continuasse. Quase conseguia ver a planta em minha mente,
o vaso pintado a dedo em que estivera, a forma curva do caule,
a cor vibrante das pétalas.

— O meu pai... — olhei para minhas mãos. Nenhuma


palavra distinta foi proferida, tendo a minha tinta desbotado
enquanto cuidava de Konstantin. — Era um homem mau, um
homem violento. Ele voltava para casa e espancava a minha
mãe; ainda me lembro de esfregar o chão antes de os vizinhos
nos visitarem para tirar o sangue.

Não ergui os olhos para ver sua expressão, mas podia


sentir a ira de Konstantin. Ele disse sombriamente, mas
suavemente — Entendo.

— Eu... ele nunca colocou a mão em mim. A minha mãe


suportou o abuso, até que... até que um dia ele me bateu. Eu
não me lembro o que aconteceu, só me lembro da sensação de
seu punho colidindo com minha bochecha. — Respirei fundo.

As mãos quentes envolveram meus braços e Konstantin


me puxou para seu peito. Ele me deixou assumir o controle de
como me sentei em seus braços, oferecendo meu arbítrio, mas
seu conforto era necessário. Eu descansei minha cabeça na
curva de seu pescoço, respirando-o e continuando com minha
história.

— Ele não deveria ter me batido — murmurei.

— Não, não deveria — Konstantin rosnou.

— Não porque seja errado, obviamente — disse. — Porque


eu herdei sua maldade. Ele deveria ter mantido as mãos para
si mesmo... sabe que se envenenar alguém lentamente por um
longo período de tempo, não aparece em um relatório
toxicológico?

Konstantin pressionou seus lábios contra minha cabeça,


respirando profundamente. — Mesmo?

— Sim. — Eu tracei uma de suas tatuagens; uma aranha


no centro de uma teia. Uma ode à sua sobrinha,
provavelmente. — Envenenei-o lentamente. Costumava
amassar as folhas de dedaleira com as folhas de chá e servi-
las ao meu pai. Demorou alguns meses, mas acabou morrendo
de ataque cardíaco. Ninguém foi mais sábio.

Konstantin esfregou a mão para cima e para baixo em


meu braço lentamente — Ele mereceu.

— Sim, mereceu. — Engoli. — Eu só o matei porque me


bateu. Não me importei com o quanto ele batia em minha mãe,
Kon.

— Você era uma criança.

— Eu era uma assassina.

Konstantin deu outro beijo em minha cabeça. —


Thaddeo?

— Não gosto que me batam — foi tudo o que disse.


Konstantin tinha visto a planta dedaleira e o medicamento
para o coração. Ele sabia que se não tivesse matado Thaddeo,
seria eu.
Não havia mais nada a dizer.

— Não se preocupe, lyubimaya — disse. — Já fiz coisas


muito piores em minha vida. Coisas que fariam você correr
para as colinas.

— Tenho certeza de que eram todas por sua família —


respondi. — Eu nunca protegi ninguém. A minha vida inteira
tem sido uma tentativa de me manter segura.

Konstantin passou a mão pelas minhas costas. — Eu


deixarei você continuar acreditando nisso — murmurou. Ele
não disse a que parte das minhas frases estava se opondo.

Vozes soaram do lado de fora do corredor, o byki


discutindo algo com um pouco mais de ênfase. Eles não
sabiam que Konstantin acordara.

— Precisa ir e ser o seu Pakhan novamente — disse. —


Todo mundo está muito preocupado com você.

— Mais tarde — disse Konstantin. — Há apenas uma


coisa que quero fazer, no momento.

Levantei minha cabeça — Que seria?

Konstantin pressionou seus lábios nos meus. Gentil, a


princípio, esperando minha resposta. Os seus lábios eram
macios e quentes, e se encaixavam perfeitamente contra os
meus. Eu o beijei de volta, sentindo o calor passar por mim ao
senti-lo contra minha boca. Éramos lentos, provocadores. O
nosso primeiro beijo – tardio, mas valeu a pena esperar.
Lentamente, Konstantin me empurrou de volta para a
cama, estendendo-se sobre mim. Podia sentir a sua pressão
contra meu estômago e coxas, suas mãos me segurando firme
e em posição.

Envolvi os meus braços ao redor do seu pescoço, torcendo


meus dedos por seus cabelos.

— Lyubimaya — ofegou, se separando do beijo. Os seus


lábios percorreram meu pescoço, tão leves e doces, mas
acendendo um fogo quente em minhas veias.

Apertei meu controle em seu cabelo. — Kon...

A porta se abriu, quase voando das dobradiças. — Boss,


está vivo! — Roman aplaudiu e depois riu. — Merda, você está
realmente vivo, hein?

Konstantin não falou, apenas lançou a Roman um olhar


que poderia ter arrancado sua pele. Eu me mexi embaixo dele,
tentando enviar a Roman um olhar também.

— Roman — Konstantin disse pacientemente, mas


friamente. — Você tem três segundos para sair.

O sorriso de Roman era enorme. — Deus, estou feliz por


estar vivo...

— Dois — Konstantin avisou.

O byki não entendeu a dica. — Você realmente nos pegou


por um momento, Boss. Pensei que Artyom seria Pakhan e eu
estava realmente enlouquecendo...
— Um.

Konstantin agarrou meu livro e o atirou em Roman. Ele


voou pelo ar, acertando o guarda-costas direto na testa.

— A próxima coisa que lançarei será uma bala — sibilou


Konstantin.

Roman entendeu a mensagem, com a mão na testa. —


Estarei lá fora quando precisar de mim. — Os seus olhos
brilharam. — Qualquer coisa. Cinegrafista, cara do lanche...

Konstantin rosnou.

— Certo, certo. Estou fora. — Roman fechou a porta atrás


de si, mas assim que estava no corredor, o ouvimos gritar —
BOSS ESTÁ ACORDADO!

Konstantin suspirou profundamente e pressionou sua


testa contra a minha.

— Eles estarão todos aqui em um segundo — disse. —


Podemos escandalizá-los nesta posição.

Ele beijou meu nariz. — Estou disposto a correr o risco.

Sorri quando ele se inclinou para me beijar. Este beijo foi


lento e lânguido, a sedução de nossas bocas...

Alguém bateu a porta. — Kostya? Está acordado? — Foi


Roksana quem falou, mas também consegui distinguir as
vozes profundas de Artyom e Dmitri.

— Posso matar sua família — observei.


Konstantin sorriu e apertou meu quadril. — Tente se
conter, lyubimaya. Já houve envenenamento suficiente hoje.

O comentário era uma piada, mas um humor sombrio


tomou conta de mim.

Oh, Kon, pensei. Você não tem ideia.

Não pude evitar de me perguntar se Konstantin ainda me


amaria depois que lhe contasse o que Tatiana tinha feito.
TERCEIRA PARTE

Coração de Dedaleira

“É humilhante pensar que todos os animais,

incluindo os seres humanos, são parasitas do mundo vegetal”.

– Isaac Asimov
27

Elena Falcone

Odessa relinchou quando me viu, jogando a cabeça por


cima da cerca. Estava equipada com um cobertor e
aquecedores de tornozelo, uma tentativa de lutar contra o frio.

Eu a cumprimentei com uma coceira no nariz. — o seu


Pakhan está aqui?

A julgar pelo par de byki tocando durak34, armas à


mostra, era exatamente onde Konstantin estava. Eles
acenaram para mim enquanto eu passava.

Os estábulos estavam quentes, aquecidos para manter os


cavalos confortáveis à medida que novembro ficava mais frio.
O final do trajeto, Konstantin se levantou, alimentando Basil
com punhados de cevada. Ele se recuperou rapidamente,
embora eu suspeitasse que estava ignorando qualquer
desconforto persistente para que voltasse a ser o Rei do
Tarkhanov Bratva.

Konstantin usava um terno casual, as mangas da camisa


enroladas até os cotovelos e revelando suas tatuagens. Parecia
relaxado enquanto cuidava de seus cavalos, mas não me

34 Idiota.
enganei pensando que sua guarda estava baixa. Konstantin
poderia, em um segundo se agarrar ao temido Pakhan que era.

— Lyubimaya. — Ele se virou para me cumprimentar. Os


seus olhos dispararam para os meus pés descalços, os cantos
de sua boca puxando para cima. — Caminhando, não é
mesmo?

— Não é tão longe quanto se pensa.

Konstantin inclinou a cabeça.

— Não deveria estar descansando?

— Estou perfeitamente bem. — Os seus olhos brilharam.


— Graças a você, Elena.

Dei de ombros e me coloquei ao seu lado. Basil me


cheirou com interesse, mas quando ficou claro que eu não
tinha comida, voltou sua atenção para seu mestre.

Konstantin arrancou um galho de meu cabelo,


segurando-o entre os dedos. — Como você se tornou tão
deficiente em esconder sua selvajaria, Elena — disse.
Pressiono-o, partindo-o ao meio.

— Azar para você.

Um sorriso rápido apareceu em seu rosto. — Discordo. A


sua selvageria é refrescante para nosso juramento de dever e
segredos.
— Você não precisa mais flertar, Kon — disse. — Já
conseguiu um boquete de mim. O jogo acabou.

Konstantin não riu. A fome tomando conta de seu rosto,


em vez disto, deformando e escurecendo suas feições. — O jogo
ainda não acabou, lyubimaya.

O meu batimento cardíaco se acelerou. — Oh?

Ele se inclinou, os olhos nivelados com os meus. Tão


perto era fácil se perder no seu poder. — Há ainda mais
algumas coisas que quero fazer com você antes de reivindicar
minha vitória.

— O que te dá tanta certeza de que vencerá? — Perguntei,


levantando uma sobrancelha com sua arrogância.

— Você é uma oponente digna — ronronou — mas nunca


ninguém me derrotou.

Eu sorrio, sentindo meu plano se entrelaçar em minha


mente. — Oh, sim? — Inclinei meu rosto mais perto dele,
nossos lábios próximos. — Então me pegue.

Os braços de Konstantin se esticaram, mas seus dedos


mal conseguiram me roçar enquanto escorregava para fora de
seu aperto. A minha risada subindo ao teto enquanto cantava
— Muito lento, Kon.

Ele não se mexeu, me olhando com um pequeno sorriso


no rosto. — Corra, então, lyubimaya — murmurou. — Veremos
se consigo pegar você.
Eu não perdi tempo. Girei nos calcanhares, as pernas
bombeando debaixo de mim enquanto fugia dos estábulos,
para os padoques. A linha da floresta surgia, à distância.

Momentos depois, senti Konstantin em meus


calcanhares. Ele não estava tão rápido quanto podia, deixando
o jogo antes que chegasse ao fim.

Quando cheguei na bagunça da floresta, ele gritou — Não


se perca, lyubimaya.

Eu ri e escorreguei ao redor de uma árvore, mal evitando


uma colisão. Galhos e folhas sombreavam o caminho,
escurecendo o mundo ao meu redor. Folhas esmagadas e
galhos quebrados enquanto corria sobre troncos e curvas.

Podia sentir Konstantin se aproximando, atrás de mim.


Ele se foi, então.

Eu cavei meus calcanhares no chão, girando e


procurando a floresta atrás de mim. Um galho solto, um ninho
de pássaros vazio, um pastor caucasiano cochilando, mas
nenhum Konstantin.

Os meus ouvidos se aguçaram enquanto escutava, além


do farfalhar das folhas e do riacho balbuciante à distância, não
havia som de passos ou galhos sendo esmagados.

Uma sensação desconcertante cresceu em mim,


acelerando meu coração e pulmões.

— Elena.
Vire-me. Konstantin estava diante de mim, com olhos
escuros. — Peguei você — murmurou.

— Ainda não. — Virei-me em uma curva fechada a


esquerda, quase torcendo meu tornozelo no processo. A sua
risada, cruel e sombria, me seguindo enquanto fugia.

Pulei em uma pequena vala, meus joelhos gemendo com


a força. O ar estava mais úmido, indicando que o riacho estava
próximo.

Eu tropecei nele, momentos depois, o rio que cortava a


propriedade. Pequenas pedras atravessavam a água,
funcionando como uma ponte improvisada.

Olhei por cima do meu ombro. Pude ver o seu porte alto
se movendo pela floresta, suas pernas devorando o chão
enquanto me caçava.

Sorrindo, entrei no rio. A correnteza ameaçou me varrer


do chão, mas atravessei, conseguindo chegar ao outro lado. A
sujeira úmida grudou na sola dos meus sapatos, meu coração
batia forte no peito.

Virei-me assim que Konstantin alcançou a margem.


Esperava que fizesse uma pausa, que esperasse, mas em vez
disso entrou direto na água, sem se importar com suas calças
e sapatos de mil dólares.

Ah, Merda.
Comecei a correr novamente, mas sem um destino em
mente. Pensei que o rio o faria hesitar, mas Konstantin não
prestou atenção, tratando-o apenas como mais um obstáculo
a ser vencido.

Árvores piscavam enquanto continuava correndo, minha


velocidade interrompida por obstáculos geográficos aleatórios.

Konstantin estava se aproximando agora.

Podia sentir seus passos atrás de mim, a terra tremendo


enquanto se aproximava.

Vá mais depressa...

Uma mão agarrou meu braço, me puxando para o chão.


Konstantin amorteceu minha queda, seu braço envolvendo
minha cintura e me trazendo para ele.

Ele pairou sobre mim, o predador olhando para sua


presa. — Eu ganhei.

Soltei o ar. — O que fará comigo... agora que me pegou?

Konstantin rasgou minhas calças ao meio, as suas mãos


indo diretamente para o ápice de minhas coxas. O prazer rugiu
através de mim com a força, a ousadia de seus dedos
pressionando minha umidade.

— Tenho certeza que encontrarei algo para fazer com você


— rosnou em meu ouvido.
Ele me empurrou para a terra, as folhas embalando
minha queda.

Não havia ar suficiente no mundo para me manter viva,


nem gelo suficiente no universo para me refrescar.

Os lábios de Konstantin se pressionaram contra os meus,


queimando em sua colisão. Os nossos dentes se chocaram;
línguas torceram. Não havia mais nada ao nosso redor, exceto
a sensação de sua boca contra a minha, me devorando como
se eu fosse seu banquete pessoal.

O ar frio pressionou minha pele conforme ele


descuidadamente jogava os restos do meu jeans para longe. O
seu dedo enrolou ao redor da cintura da minha calcinha,
puxando.

Konstantin rosnou em minha boca. — Está vestindo


roupas demais.

O tecido se soltou facilmente sob sua força e Konstantin


se soltou para segurá-lo. Ele gostou do laçinho.

— Não sabia que tinha uma calcinha tão bonita,


lyubimaya — ronronou.

— Não é minha — falei em retorno.

Konstantin as jogou descuidadamente por cima do


ombro, antes de trazer sua boca de volta para a minha. Uma
agarrando a minha cintura enquanto a outra se aventurava em
meu sexo agora nu, passando um dedo pela umidade.
Um grunhido retumbava baixo em seu peito — Tão
pronta, Elena. Tão molhada da perseguição.

Os seus dedos apertaram meu quadril, ameaçando deixar


hematomas. Ofeguei.

Konstantin se inclinou em meu ouvido, seu hálito quente


enviando arrepios pelo meu pescoço e espinha. — Vou te foder
na terra, Elena.

Curvei minha cabeça para trás, os lábios se alargando —


Faça, então.

Konstantin agarrou minhas pernas, mantendo-as no


lugar, à medida que abaixava as calças. Senti sua ponta
pressionada contra mim.

Eu assobiei com o contato, assim como ele rosnou.

Com um único golpe, Konstantin me penetrou. Senti todo


o seu comprimento, me esticando e pressionando contra
minhas paredes.

Um grito saiu de meus lábios.

Konstantin empurrou minhas pernas para os lados,


pairando sobre mim enquanto empurrava mais fundo. —
Lyubimaya. — Ele nem parecia mais ele mesmo, tão envolvido
em luxúria e carnalidade.

As suas estocadas aceleraram, um ritmo constante e forte


que me pressionou mais e mais fundo na terra e na insanidade.
Cravei minhas unhas em seus bíceps, com tanta força que
rasgaram a pele.

O prazer era avassalador. Eu só podia me concentrar no


tapa de seus quadris contra os meus, a sensação de seu pau
entrando e me esticando. Qualquer outra coisa e teria
explodido, deixando como nada mais que pedaços de
estilhaços para serem soprados pelo vento.

Konstantin se inclinou, então, pressionando os dentes na


curva do meu pescoço. A pele formigando de dor enquanto
mordia.

O prazer me chocou, outro gemido fluindo de meus


lábios.

— Kon! — Gritei.

Ele beliscou um dos meus mamilos através da minha


camisa, rindo profundamente enquanto eu deixava escapar
outro grito de prazer.

— Lyubimaya — disse contra meu pescoço. — Gostamos


da dor, não é?

O meu cérebro não conseguiu formar uma resposta


coerente. Eu só respondi choramingando alto, desesperada por
mais e menos.

Konstantin se esticou acima de mim, levantando meus


quadris. As minhas costas arqueadas enquanto me
posicionava mais alto, seu impulso crescendo mais rápido,
mais forte e mais áspero. Senti as estocadas balançarem meu
corpo, me empurrando mais fundo no chão.

— Kon — gemi, inclinando a cabeça para trás.

Os meus músculos se contraíram à medida que o meu


prazer começava a atingir o seu auge.

— Ainda não, Elena — rosnou.

Engasguei no ar. Nenhum comando poderia parar o


choque do orgasmo que sacudia por mim, empurrando meus
quadris e fazendo com que um grito escapasse da minha
garganta.

Konstantin parou de repente, olhando para mim. — Não


disse ainda não? — perguntou. — Você ainda assim teve um
orgasmo de qualquer maneira? Danadinha.

Alguns músculos se contraíram como consequência, mas


consegui dizer — Não consegui parar.

Konstantin enterrou os dedos entre minhas coxas,


beliscando meu clitóris. Gritei, a sensibilidade ainda
aumentada devido ao orgasmo.

— Meu Deus, lyubimaya — murmurou. — O que farei com


você agora?

Fiquei muito feliz em deixar Konstantin fazer qualquer


coisa comigo, mas levantei meu queixo, permitindo que visse o
desafio em meus olhos.
Os seus dentes brilhavam enquanto sorria. — Bem,
então...

Rápido como um chicote, Konstantin saiu de mim e me


virou de bruços. O ar deixando meus pulmões em um grito de
surpresa.

Konstantin puxou meus quadris para cima, se


posicionando a minha entrada. Os seus dentes arranharam
meu pescoço, provocando e alertando.

— Desta vez não gozará até que eu diga — disse


Konstantin contra a minha pele. Calafrios subiram e desceram
pela minha espinha. Não conseguia ver sua expressão, mas a
mordida em seu tom, o rosnado em sua voz, me disse que ele
não seria negado.

Balancei a cabeça, não tendo a certeza se poderia formar


palavras.

O aperto de Konstantin aumentou em meus quadris


enquanto sua ponta pressionava contra minhas dobras. —
Diga sim, lyubimaya.

— Sim — engasguei.

— Sim, o quê?

— Isto é um teste? — Exigi. — Sim, não gozarei até que


você diga.

A sua risada retumbou em seu peito. — Veja, lyubimaya,


isso era tudo que eu precisava.
Konstantin empurrou em mim com um golpe, atrás de
mim. Os meus dentes batiam enquanto ele ganhava
velocidade, batendo contra os meus quadris. Cravei meus
dedos na terra para me equilibrar, mas Konstantin era mais
forte, sua força me mandando para os cotovelos.

Konstantin se arqueou sobre mim, arrastando seus lábios


e dentes pelo meu pescoço e ombros. Estava se movendo
rápido demais para cravar os dentes...

Engasguei quando ele atingiu o local de prazer. Sujeira e


musgo encheram meu nariz e pulmões.

— Kon — ofeguei.

Ele mirou novamente, fazendo meu pescoço perder força


e cair no chão.

Outro grito animalesco saiu de meus lábios enquanto seu


ritmo crescia mais rápido e mais forte. Foi tudo demais. Eu
mal conseguia sentir ou pensar, o prazer atravessando meu
sangue como uma onda.

Konstantin pressionou o nariz na minha nuca, seus


dentes provocando a carne sensível. — Goze agora, lyubimaya.

Não precisei ouvir duas vezes. Assim que meus músculos


se contraíram, seus dentes afundaram no meu pescoço.

Gritei. Os pássaros voaram de seus galhos, os insetos


ficaram em silêncio. O barulho aumentou, alertando qualquer
um de onde estávamos.
Eu o senti rosnar. O segundo seguinte, o seu pênis se
contraiu e senti sua semente quente derramar em mim. A sua
mordida ficando mais dura à medida que o seu prazer atingia
seu ápice.

Juntamos-nos em uma explosão final, cercados pelos


troncos musgosos, e pela brisa de novembro, nossos membros
entrelaçados em um aperto de videira – para nunca serem
rasgados.

Konstantin me segurou em seus braços, os dedos


penteando meu cabelo. Não tínhamos saído do chão, ainda
deitados seminus entre o musgo e as árvores. Uma brisa fria
deslizou sobre nós, me fazendo enterrar ainda mais em seu
peito, em busca de calor.

A dor entre minhas pernas se atenuou em um latejar


agradável, uma suave lembrança de como Konstantin havia me
levado. Eu nunca tinha feito sexo assim; nada em minha vida
tinha qualquer tipo de semelhança. Como dois animais,
perdidos na névoa da luxúria e incapazes de ficar longe um do
outro até que se separassem.

Eu queria fazer isso de novo.

Ele esfregou a mão nas minhas costas e deu um beijo no


topo da minha cabeça. — Se estiver com frio, lyubimaya,
podemos entrar.

Eu não queria me mover. Queria ficar nos braços de


Konstantin, ouvindo as batidas de seu coração, até que as
raízes da floresta crescessem sobre nós, solidificando nosso
abraço para sempre.

— Não estou com frio — murmurei contra seu peito.

Os seus braços se apertaram ao meu redor. — Se você


diz.

O silêncio caiu, interrompido apenas pelos ruídos da


floresta. A constante subida e descida de nossos peitos
sincronizados enquanto ambos nos acalmávamos após nosso
sexo selvagem.

Konstantin foi o primeiro a quebrá-lo. — Outra reunião


foi convocada entre os chefes de New York — disse. —
Importaria-se de se juntar a mim?

— Não sou um chefe.

— Não, não é; mas você seria bem-vinda como minha


convidada.

Levantei minha cabeça, captando seu olhar. — Que tipo


de chefe leva um convidado para uma reunião de mafiosos?

Ele sorriu. — Ficou mais do que feliz em se juntar a mim


quando falei com o MC Hell's Henchmen. Já não está feliz por
ser minha convidada?

— Não deveria estar?


— Não seja tímida. — Os seus lábios se contraíram. — Se
insiste, eu poderia apresentar-lhe como outra coisa além de
minha convidada.

— Viúva de Thaddeo? — Zombei.

A expressão inteira de Konstantin endureceu. — Não.

Inclinei minha cabeça para o lado com a sua intensidade.


— Relaxe, Kon. Estou feliz em ser apresentada como sua
convidada.

— Não, não. Acho que merecia outro título. — Os seus


olhos castanhos claros analisaram minha expressão.

Uma certa seriedade se instalou nessa conversa. Tanto


um convite quanto uma oferta.

Pressionei meus lábios. — Konstantin...

— Vou apresentá-la da maneira que quiser — disse. —


Mesmo que eu tenha outras coisas em mente, gostaria de
apresentá-la.

A estranha sensação de lágrimas se formando brotou


atrás dos meus olhos. — Konstantin... não posso ir a essa
reunião. Você não pode me apresentar como sua amante,
namorada ou convidada.

— Precisa de um título melhor? — As suas sobrancelhas


se ergueram.

— Não — disse com firmeza. — Não quero nenhum título.


As feições de Konstantin piscaram. Poderia dizer que não
era o que queria que eu dissesse. — Por que isso, lyubimaya?
— perguntou suavemente.

A verdade estava na ponta da minha língua, mas não


consegui dizer. Podia sentir a ameaça de perder o que eu tinha
pairando sobre minha cabeça. Poderia perder Konstantin, os
seus braços, cuidado e respeito. Também poderia perder
Danika, Roman, Roksana, Artyom, Dmitri e Anton.

Qual era a alternativa? Ficar em silêncio para sempre?


Sentar-me ao seu lado no café da manhã, lhe passaria a
manteiga, enquanto conhecia seu segredo? Apertei meus olhos
com força, meus pensamentos ficando cada vez mais altos.

— Elena. — A mão de Konstantin segurou minha nuca,


seu polegar traçando minha bochecha. — Qual é o problema?

Empurrei as palavras — Preciso te dizer uma coisa.

— Abra os olhos e me diga.

Obriguei-me a abri-los. O olhar preocupado em seus


olhos quase me fez enterrar a cabeça no chão. Eu não era de
me acovardar quando chegava o momento certo.

Não havia outra alternativa, não havia mais espera e


observação. Era hora de contar a verdade.

— Tatiana nunca ficou doente de verdade.

Konstantin fez uma pausa, franzindo as sobrancelhas. —


O que você quer dizer?
Assim que a acusação foi lançada, as evidências seguiram
mais facilmente. — Ela estava se envenenando. Os seus
sintomas combinavam com alguém que tomou uma overdose
de medicamentos prescritos. — Engoli. — O primeiro tônico
que dei a ela foi para controlar sua doença, me dando tempo
suficiente para realmente descobrir o que estava errado, mas
quando ela se recuperou milagrosamente... eu... fiquei
desconfiada.

— Isso é o suficiente, Elena — avisou. — Este


comportamento mesquinho não é quem você é – nem tem lugar
nesta família.

Balancei minha cabeça e continuei falando — Dei a ela


um placebo, um remédio falso; nada mais do que água e
amido. Continuava melhorando. Ela estava mentindo,
Konstantin. Toda a sua doença – não havia nada de errado com
ela. Não sei se é de Munchausen ou se é outra coisa...

Konstantin se sentou, o que me fez cair de joelhos


também. A fúria dominou sua expressão. — O seu primeiro
tônico poderia ter funcionado, mesmo quando não pretendia
— disse. — Isto não faz de Tatiana uma mentirosa.

— Não funciona assim, Konstantin. A medicina não faz


coisas que não deveria milagrosamente. É como dizer que
tomar ibuprofeno acidentalmente curou o câncer. Não
acontece!
Ele se levantou, puxando as calças. Podia senti-lo se
afastando cada vez mais longe. — Esta é a sua única prova? —
perguntou perigosamente.

Também me levantei, sem me preocupar em esconder


minha nudez. — Por que acha que as centenas de médicos que
você chamou não conseguiram encontrar nada, Konstantin?
Porque não havia nada para encontrar. Ela inventou – a coisa
toda!

— Então, por que de repente ela está melhor? —


perguntou. — Por que ela escolheu você para curar sua doença
falsa em vez de qualquer outra pessoa?

— Bem, imagino que seja porque ela provavelmente


pensou que eu não notaria — retruquei.

Konstantin se ergueu, a fúria emanando de todos os


poros. Eu nunca tinha visto seu temperamento tão
abertamente, tão facilmente identificável. — Tatiana faz parte
desta família desde os dezoito anos. Nenhuma vez agiu de
forma desonesta ou desonrosa.

— Isso não significa que ela não possa fazer coisas ruins,
Konstantin. — Disse.

— Tatiana não é perigosa — alertou. — É uma boa


mulher, que não foi nada além de gentil e carinhosa com seu
marido e filho. Ela nunca fez mal a ninguém...

— Diferente de mim? — murmurei.


Konstantin estendeu a mão. — Sabe que não foi isso que
eu quis dizer. — Os seus olhos encontraram minhas pernas
nuas, arrepios se formando na pele exposta. Para minha
surpresa, ele desabotoou e tirou a camisa. — Cubra-se —
rosnou. — Vamos encerrar essa conversa aqui.

Recusei a camisa. — Esta conversa não acabou. Não serei


um peão no jogo de Tatiana. Nem deixarei você ser.

— Chega, Elena — repetiu. — Estas acusações não estão


fundamentadas em nada...

— Elas estão fundamentadas de fato! Abra seus olhos.


Ela fingiu estar doente, fingiu estar melhorando. Não é
realmente o comportamento de uma boa mulher, é?

As suas feições se distorceram, provocando a besta sob


sua pele. — Eu disse basta.

— Eu disse que não.

Konstantin me olhou. — Então acho que estamos em um


impasse — rosnou. — Eu ainda sou Pakhan e quando ordenar
que você mantenha estas teorias para si mesma, obedecerá.

Cruzei meus braços sobre meu peito, protegendo meus


seios. — Quando eu quiser manter minhas teorias para mim,
manterei. Até lá, vá se foder.

— Chega de rebeldia — avisou. — Estou ordenando...

— Então, quando minha rebeldia é contra todos menos


você, está tudo bem? — O meu tom assumiu um som quase
selvagem, equivalente a um lobo gritando para sua presa. —
Eu não me tornaria mais apetitosa, por isso sou mais fácil para
você engolir. Você pode se engasgar por tudo o que eu quiser.

O seu lábio se curvou para trás. — Muito bem. Você


tomou sua decisão. — Os seus olhos não eram nada além de
raiva enquanto me prendiam no local. — Espero que possa
lidar com as consequências, lyubimaya.
28

Konstantin Tarkhanov

— Eu acredito nela.

A frase que saiu da boca de Roman me fez parar de andar.

O vento de novembro girou ao nosso redor, trazendo o frio


sobre os Narrows. Tínhamos percorrido o habitual ponto de
encontro via barco, a viagem foi dura e desconfortável, mas as
ondas agitadas não foram a única razão pela qual a tensão
estava alta.

Os meus homens andavam sobre cascas de ovos ao meu


redor. Como deveriam estar.

Não havia palavra equivalente a como estava me


sentindo. A raiva e a fúria eram muito suaves para descrever a
fervura do meu sangue e o vermelho da minha visão.

Canetas e papéis se partiram sob meu controle, o bratok


se encolheu sob meu olhar, e até o oceano pareceu estremecer
sob minha atenção.

Roman porém, ao que parecia, havia perdido seus


instintos de sobrevivência por enquanto.
Eu me virei para ele lentamente. Ouvi alguns de meus
homens xingar baixinho contra Roman, mas não liguei.

— O que você acabou de dizer? — Perguntei baixinho.

Roman se mexeu, mostrando que não era um idiota


completo. Ele lançou alguns olhares furiosos para seu colega
byki, o que significava que queria que eles nos oferecessem um
pouco de privacidade.

Não havia necessidade. As notícias se espalharam


rapidamente pelos homens. O meu escritório para Artyom e
Feodor, seguido por Roman e Olezka. Logo, toda a Bratva,
incluindo as mulheres da minha casa, ficaram sabendo das
acusações contra Tatiana.

Ela não as negou. Não pediu desculpas nem se


comprometeu. Suportou as consequências, o dar as costas e
os comentários mordazes com seu queixo erguido.

Se eu não estivesse com tanta raiva, teria ficado


impressionado.

Roman pigarreou ao dizer — Eu acredito em Elena.

Elena.

O seu nome atravessou o vento, tão exigente e selvagem


quanto a própria mulher.

— Por que — perguntei — você acredita nela?

— Só não vejo por que ela inventaria.


Levantei uma sobrancelha. — Você acredita que Tatiana
inventou isto? A mulher com quem você viveu lado a lado por
quase uma década.

Roman esfregou a boca. — Acredito em Elena — repetiu.

— Temo que sua confiança esteja equivocada.

— Como você sabe disso?

Eu cortei meus olhos para Roman. Ele olhou para o chão


em submissão. — Lembre-se de com quem você está falando.

O meu byki, pela primeira vez, ficou quieto, apenas


inclinando a cabeça em respeito.

Dois outros chefes da máfia chegaram antes de mim.


Thomas Sr Ó Fiaich e Chen Qiang. Falaram baixinho em um
par, olhando para o East River.

Os soldados deles perambulavam pelo espaço,


levantando a cabeça enquanto me juntava à festa. Os meus
próprios homens enviaram olhares e advertências, antes de
assumirem suas próprias posições. Quase duas dúzias de
mafiosos se espalharam ao redor da Governor’s Island, seus
contingentes chamaram mais a atenção do que a reunião dos
chefes.

— Konstantin — Qiang cumprimentou primeiro.

Apertamos as mãos, trocando saudações vazias mas


educadas. Tomas Sr e eu nos cumprimentamos da mesma
maneira, discutindo o tempo, e a viagem e a saúde de suas
esposas. O tópico em discussão foi sugerido, mas nunca
explicitamente dito. Teria que esperar até que todos os cinco
chefes estivessem aqui.

Mitsuzo Ishida, chegou logo depois.

— Esperando Vitale, não é? — perguntou enquanto nos


cumprimentávamos. — Ele é sempre o último, não?

Os ruídos de concordância flutuaram sobre o grupo.

— Konstantin, conseguiu sua segunda reunião — disse


Mitsuzo.

Concordei. — Tenho certeza de que conseguirei chegar a


muitos mais.

Os seus olhos escuros brilharam e ele assentiu.

Um estrondo se espalhou pelos guarda-costas, um


estremecimento de fúria. Eles se levantaram rapidamente,
armas em punho. Guarda-costas pessoais fugiram para seus
chefes; Roman veio para o meu lado.

— O que está acontecendo? — Perguntei.

— Um intruso chegou.

Passando a estrada, um bando de homens desconhecidos


se aproximou de nós. O preto de seus uniformes afastava a luz
do sol.
O ânimo e os guardas se levantaram. Thomas Sr e
Mitsuzo foram embora, seus guarda-costas numerados ao
redor deles de forma protetora.

— À vontade — chamei. Olhos hesitantes piscaram em


minha direção. — Nós conhecemos este intruso.

Assim que as palavras saíram da minha boca, os guardas


se moveram, revelando o Rei do Maine.

— Giovanni Vigliano — disse Mitsuzo, rolando o nome


sobre a língua como se o homem finalmente merecesse ser
conhecido pelo nome. — O bastardo de Lorenzo.

Giovanni alcançou nosso grupo e tirou seu chapéu de


feltro. Os seus olhos percorreram os chefes recolhidos. —
Vitale está morto — disse. — Agora sou o Don de Manhattan e
Queens.

A maioria de nós, monstros, escolheu outro rosto para


usar. Seja um rosto de carisma ou de violência, de um idiota
ou de um político. Era importante se mover pela sociedade sem
resistência, interagir com quem não era monstro. Se não
cobríssemos nossas almas podres, temia que o resto do nosso
mundo viesse com forcados e tochas. Chegávamos até a usar
estes rostos diante de nossos homens, que eram quase tão
terríveis e cruéis quanto nós.

Eu usava o meu desde o nascimento. Era imperativo para


minha sobrevivência.
Se minha família soubesse por um segundo, quando eu
era pequeno e vulnerável, que eu tinha a mente de um líder, a
alma de um imperador, nunca teria chegado ao meu oitavo
aniversário.

Eu havia protegido minha sobrinha do mesmo problema.

Havia apenas alguns chefes da máfia que eu poderia


lembrar como homens que frequentemente mostravam a besta.
Alessandro Rocchetti, o Don de Chicago, era um deles. O seu
temperamento e natureza violenta nunca foram nada que
tivesse escondido sob o pretexto de civilidade.

Giovanni Vigliano porém, era uma forma diferente de


chefe da máfia. Ele não escolheu ser impetuoso ou
sanguinário. Não, Giovanni não usava máscara. Ele mostrava
o monstro sem emoção que temperava seu sangue com pouco
remorso ou incômodo.

A sua frieza era diferente da de Dmitri. Enquanto Dmitri


era afiado e gelado – sua atitude mais parecida com um lago
negro congelado com uma serpente monstruosa embaixo – a
frieza de Giovanni vinha de um lugar de apatia.

Ele foi considerado frio simplesmente porque não havia


emoção para mostrar.

— É mesmo? — Qiang perguntou.

Os seus olhos se voltaram para o Shan Chu da Tríade


Chen. — Reamente, é.
Nós o avaliamos; ele nos avaliou.

— Estamos aqui para discutir a ameaça que Titus


representa — disse. — Você tem algo a acrescentar que seu
antecessor não tenha feito?

Os olhos azuis de Giovanni brilharam. — Tenho. — Ele se


virou, gesticulando com a mão para seus homens. Os seus
números mudaram, e dois avançaram, carregando entre eles
um homem com fita adesiva. — Este homem tentou matar
minha filha em nome de Titus.

A tortura que este homem suportou foi brutal. Havia uma


falta de vitalidade em seu rosto e seus olhos pareciam espelhos
– vazios e reflexivos. O seu coração ainda poderia estar
batendo, mas não restava mais nada a este homem.

Ótimo.

Aqueles que machucavam crianças mereciam ser


arrancados de suas almas e forçados a viver como cadáveres
ocos pelo resto de sua existência. Qualquer pessoa que tenha
se esquecido de tal coisa pode se ver cara a cara com o monstro
que guardei sob minha própria pele.

— O seu nome é Elmir Smirnov — disse Giovanni. — Ele


nasceu em Saratov, uma cidade na Rússia.

— Ele te contou isso?

— Sob coação, mas sim.


Levantei uma sobrancelha. — Que maneira educada de
dizê-lo.

Mitsuzo sorriu. — É, não é? — Ele gesticulou para o


homem. — Onde você o encontrou?

A escuridão cintilou brevemente no rosto de Giovanni. —


Ele entrou em minha propriedade e rapidamente foi pego. —
Os seus olhos encontraram os meus brevemente, um
entendimento passando entre nós.

Sem o aviso que eu dei a ele, não estariam esperando por


Elmir Smirnov e a situação poderia ter terminado de forma
muito diferente para Marzia Vigliano.

— Ele disse alguma coisa sobre Titus? — Thomas Sr


perguntou.

— Muito pouco — disse Giovanni. — A sua lealdade a


Titus é incomparável.

— Um problema que também encontramos com Edward


Ainsworth — observei.

Thomas Sr balançou a cabeça e estreitou os olhos para


Smirnov. — Todo mundo tem um preço.

Eu me perguntei se ele sentia o mesmo em relação a seus


próprios homens e sua lealdade.

Se algum dia suspeitasse que um dos meus homens


poderia ter um sinal de dólar vinculado à sua lealdade, não me
importaria em mantê-los tão perto. A verdadeira lealdade era
difícil de encontrar, e ainda mais difícil de manter. Não era
impossível contudo, e as recompensas superavam em muito as
desvantagens.

— Ele apenas admitiu ser leal a Titus e que minha filha


era seu alvo, — disse Giovanni. — O resto foi conversa inútil
sobre sua vida em Saratov e sobre a vingança de sua irmã. —
Ele olhou para Elmir Smirnov com desgosto.

Algo nas palavras de Giovanni chamou minha atenção.


Com um movimento do dedo, instruí Roman a se aproximar de
Elmir.

Giovanni acenou para seus homens deixarem Roman


passar. O meu byki agarrou a cabeça de Elmir e puxou seu
pescoço para trás, revelando toda a sua tez.

Um músculo em minha mandíbula se contraiu, mas me


recusei a revelar a súbita turbulência de emoções que
invadiram meu interior. Homens como meus colegas chefes
saltariam ao primeiro sinal de fraqueza – assim como eu faria
com eles.

— Irmã, você disse? — Comentei. — Nikolina


Feodorovna?

Havia uma centelha de reconhecimento, no fundo dos


olhos de Elmir. Olhos que eram a mistura híbrida de cinza e
azul.
A expressão de Roman também tremulou, revelando que
tinha visto o que eu tinha, e entendido as implicações do que
isso poderia significar.

Uma emoção semelhante ao medo ferveu dentro de mim.


Medo e traição.

— Com licença, senhores — disse, meu tom ficando mais


sombrio enquanto a raiva que mantinha enterrada sob minha
civilidade ameaçava escapar. — Sou urgentemente necessário
em outro lugar.

Através da névoa de raiva e traição, a voz de Elena veio a


mim de forma clara e distinta. Mesmo em minha mente, seu
tom saiu sarcástico e mais sagrado do que você.

Não serei um peão no jogo de Tatiana. Nem deixarei você


ser.

Era tarde demais, eu temia. O movimento final foi feito.


Xeque-mate.

Como compartilhamos o poder da telepatia, encontrei os


olhos de Roman e ele entendeu imediatamente o meu
significado.

Ligue para Artyom e diga-lhe para reunir os homens.


Temos um intruso em nossa névoa.

Ele acenou com a cabeça uma vez.


29

Elena Falcone

Fiquei surpresa com o quanto a frieza que estava


recebendo realmente me incomodou.

Enquanto crescia, desejava anonimato e isolamento. Eu


tinha brigado propositalmente com meus primos, sendo a mais
antagônica possível com meus colegas de classe. Tudo com o
propósito de ficar sozinha, de ser tão odiada que ninguém
ousasse se esforçar para gostar de mim.

Agora... meu coração apertava quando Danika não me


oferecia melaço, ou quando Roksana passou por mim nos
corredores como se eu fosse um móvel; até ser ignorada por
Artyom foi doloroso. Dmitri e Tatiana, esperava essa reação, e
me encontrei mais chateada por Dmitri me ignorar do que
Tatiana.

Anton, felizmente, sabia pouco sobre os acontecimentos


entre os adultos e era o único que não me ignorava.

Havia me refugiado na biblioteca, acompanhada por


Babushka. Uma parte de mim desejava se aventurar fora, mas
as lembranças de Konstantin me tomando entre a grama e as
árvores só me lembrava da consequência mais dolorosa de
minha acusação: Kon estava me ignorando. Ele estava com
raiva de mim.

Racionalmente, sabia que ele tinha que superar a si


mesmo. Estava certa em minha convicção – tinha certeza
disso. Se queria continuar me punindo, então que fosse. Não
havia nada que eu pudesse fazer; mesmo que houvesse um
período de tempo não dito para sua fúria.

A parte muito menos inteligente do meu cérebro estava


infeliz com sua raiva. Eu me preocupei como uma criança
insegura a noite toda. Deveria revogar minha crença? A minha
acusação? Deveria forçar Konstantin a falar comigo, mesmo
que seja para brigar?

Todas essas emoções e reações estranhas giraram ao


redor do meu corpo. O meu estômago parecia estar cheio de
chumbo, meu coração parecia estar sendo constantemente
apertado. Estava à beira das lágrimas todas as noites antes de
adormecer e acordava todas as manhãs com a cabeça no vaso
sanitário.

Não gostei disso. Eu sentia como se estivesse aprendendo


sobre meu corpo pela segunda vez. A sensação de novidade
tomou conta de mim, como se meu corpo inteiro tivesse
cortado uma unha muito perto da cama.

Vozes explodiram de fora da biblioteca, altas e


estridentes. Eu peguei o tom de Danika, mas não consegui
distinguir a segunda.
Lentamente, coloquei meu livro de lado e fui até a porta.
As vozes se dissiparam.

— Indo? — Danika estava dizendo. — Não entendo. O que


ele está dizendo?

A clara angústia em sua voz me fez empurrar a porta,


espiando pelo corredor. As duas figuras se levantaram, Danika
e Roksana. Danika tinha os braços ao redor do estômago e
seus olhos arregalados. Roksana estava ao telefone, de frente
para ela, seus traços contraídos.

— Roksana... — Danika tentou novamente.

Roksana enfiou um dedo em sua orelha para bloqueá-la.


A sua expressão se tornou intensa, reagindo ao que quer que
a outra pessoa ao fim da linha estivesse dizendo.

Eu me aproximei, um esforço inútil para ouvir o que


estava acontecendo, mas só acabei chamando a atenção de
Danika. Os seus olhos brilharam de dor e seus braços se
apertaram ao seu redor.

— Isto não diz respeito a você, Elena — disse. As palavras


deveriam ser ásperas, mas seu tom caiu, soando mais como
um apelo.

Fechei a porta atrás de mim, consolidando minha posição


no corredor. — Você parece chateada.

— Uma observação astuta — disse secamente.


Engoli meu comentário sobre ela ter roubado meu show
sendo a sarcástica, mas fiquei quieta. Duvido que ela achesse
engraçado.

Roksana estava ficando cada vez mais preocupada. Ela


olhou entre Danika e eu. — Sim, estão aqui. Estamos saindo
agora.

Estamos? — Onde estamos indo? — Perguntei.

Roksana afastou o telefone de sua orelha — Precisamos


pegar Anton...

Um tiro ricocheteou pela sala. Alto e assustador, um eco


de terror, antes do som da parede rachando com o impacto.

Gritamos de surpresa, olhando para o buraco que agora


marcava a parede.

— Receio que não vá a lugar nenhum — veio uma voz


desconhecida, mas familiar.

Os saltos estalaram, tão inquietantes quanto o som do


tiro.

Lentamente, virei minha cabeça e senti meu estômago


embrulhar. Não de surpresa... não, não de surpresa. Mais
como pena – por Danika e Roksana.

Danika gritou de surpresa. — Tatiana, o que está


acontecendo?
Tatiana estava no final do corredor. Não usava mais
pijamas confortáveis e não tinha a pele de um cadáver. Agora,
estava vestida como uma mulher de negócios, em um vestido
cinza elegante com sapatos de salto alto. Sem o inchaço em
seu estômago, poderia nem ter percebido que era a mesma
mulher que tratei semanas atrás.

Roksana estava assustadoramente parada. Parecia triste,


mas não surpresa. Através dos olhos de um estranho, duvido
que ela tenha ficado surpresa com qualquer coisa horrível que
viu seus amigos mafiosos fazerem. Provavelmente era uma
expectativa, um sintoma de como fomos criadas.
Eventualmente, faríamos coisas horríveis.

Danika contudo... estava olhando ao redor do corredor


rapidamente, de nós para o chão e para as janelas. — Eu não...
Tatiana?

Tatiana moveu o braço, revelando a arma em sua palma.


Segurando-a habilmente. — É o suficiente, Danika. — A sua
voz... era a voz de Tatiana, mas mais dura e fria. Como se
tivesse puxado uma lâmina de gelo sobre suas palavras.

O queixo de Danika tremeu. — Por que você tem uma


arma?

— Caso de tentarem fugir — Tatiana observou. Apontou


a arma para Roksana, o ar deixando todos os nossos pulmões
com a ação. — Desligue Artyom, Roksana.
— Eles sabem, Tatiana — disse Roksana. — Você tem
minutos – minutos – antes que os homens caiam sobre você.

Ela riu. — Receio que eles encontrem alguma resistência


de meus próprios homens, Roksana. — Os seus lábios se
contorceram. — Aposto que gostaria de ter dito não a esta vida
quando teve a chance.

Roksana não refutou sua afirmação.

Os olhos de Tatiana dançaram sobre mim, estreitando


enquanto atingiam seu alvo. Ela não moveu a arma de onde
estava apontada, apenas aproximou o dedo do gatilho.

A minha garganta se apertou.

— Ah, desagradável Elena, a viúva do estúpido Thaddeo


e agora o joguete do arrogante Konstantin.

Eu rosnei — Tatiana, a mãe de Anton e Nikola.

Nenhuma reação apareceu em seu rosto. — Você deveria


ter saído quando teve a chance, Elena — disse apenas. — Não
fazê-lo será o maior arrependimento de sua vida.

— Veremos — estreitei meus olhos — Titus.

Tatiana sorriu lentamente, seu rosto inteiro se


transformando. A mãe carinhosa que adorava sua família e
lutou bravamente contra sua doença se foi. Agora parada
diante de mim estava um chefe, um monstro, alguém que
poderia entrar em uma sala e silenciá-la.
Danika também viu. — Diga-me que não é verdade — ela
quase implorou. — Eu teria visto... teria sabido...

A atenção de Tatiana mudou-se para Danika, com a arma


se inclinando enquanto se movia. O meu cérebro pegou o
movimento, ganhando vida como um plano formado. — Você
nunca me interrogou, Danika. Talvez se não tivesse confiado
tanto em mim, saberia.

— Confiei em você? — sussurrou. — Eu te amo. Conheço


você desde a minha adolescência. Você me ensinou sobre
meninos e como passar batom. Eu sou a madrinha do seu
filho. Somos uma família; te amei. — Danika engoliu em seco.

— O amor não tem lugar neste mundo, Danika — disse


Tatiana.

Tão rápido como um chicote, ataquei. As minhas mãos


envolveram a arma, a força fazendo com que as mãos de
Tatiana se soltassem. Ela atingiu a parede, saindo do nosso
alcance.

— Nem hesitação — assobiei.

Tatiana mostrou os dentes em resposta, me empurrando


para longe. As suas unhas cortaram minhas mãos, ardendo
em erupção. — Nem as mulheres, Elena — avisou. — Fique
fora do meu caminho.

— Não ficarei.

— Bem. — Ela olhou por cima do ombro — Rapazes!


Quatro figuras emergiram, cada uma aterrorizante à sua
maneira. As suas tatuagens indicavam lealdade a La Cosa
Nostra e aos Bratva e outras famílias, respeitosamente. Eles se
separaram; dois indo para Roksana e dois indo para Danika.

Roksana se afastou, mas atingiu a parede, permitindo


que a prendessem entre suas garras. Danika deu um soco, que
não atingiu nada além do ar e rapidamente se viu presa
também.

— Não lute — Tatiana disse.

— Deixe-as em paz! — Rosnei. Comecei a avançar, sem


saber o que fazer, mas precisava fazer algo, quando Tatiana
segurou meu braço.

Ela disse, em um italiano perfeito — Se vuoi que loro


rimangano in vita, comportati bene.

Se quer que elas vivam, comporte-se.

Eu parei.

— Não vou a lugar nenhum! — Roksana disse, uma


súbita maldade tomando conta dela. Ela tentou se livrar das
garras de seu carcereiro, mas a seguraram com força. Ela
gritou em fúria. — Você não vai se safar com isso, Tatiana!

— Eu já me safei — observou. Com um movimento de seu


pulso, os homens arrastaram as outras duas mulheres para
fora da sala.
Danika cravou os calcanhares no chão, mas não era
fisicamente forte o suficiente. Roksana definitivamente não
era, não com sua lesão.

O meu estômago embrulhou.

Roksana olhou para mim enquanto era carregada para


longe. Vamos ficar bem, seus olhos imploraram. Todos nós
ficaremos bem.

O otimismo de Roksana foi deslocado, neste caso.


Nenhuma de nós sairia bem desta situação.

Tatiana estalou a língua assim que elas estavam fora de


vista. Podia ouvi-las gritando enquanto eram arrastadas, as
suas vozes ficando cada vez mais fracas.

— O que você quer de mim, Tatiana? — Perguntei.

Os seus olhos brilharam. — Não perguntarei como sabe


que quero algo de você. A resposta é muito óbvia, infelizmente.
— Ela passou a mão pelo estômago pensando. — Foi a única
que descobriu. Enganei minha família, médicos, profissionais,
mas você viu através de mim.

— Não foi difícil — zombei.

Um leve sorriso cresceu em seu rosto. — Não para você,


não é. — Ela olhou para mim. — Quero oferecer uma
oportunidade, Elena.

Eu rio, o barulho ecoando pelo corredor. — Foda-se. Não


quero nada de você.
— Oh, acho que você quer. — Tatiana me avaliou com
seus olhos azuis acinzentados. Ela foi capaz de ver algo em
mim e seja o que for, a fez sorrir. — Não farei rodeios. Eu quero
vingança e quero poder. A era atual está chegando ao fim e
pretendo sobreviver ao abate.

A era atual da máfia estava chegando ao fim. Podia sentir


isso; todo mundo podia sentir. Era hora de se adaptar ou
perecer.

— O que isso tem a ver comigo? — Perguntei.

— Os seus talentos são desperdiçados, Elena. Eu sei


disso e você também sabe disso. Uma mente como a sua
poderia ser cobiçada... e teria sido, se tivesse nascido homem.

Levantei meu queixo. — Se tivesse nascido homem, não


seria tão inteligente.

Os seus olhos brilharam. — Verdade, mas o fato


permanece. Você nunca terá o respeito que merece. Sempre
será apenas uma mulher neste mundo. Uma máquina de fazer
bebês que funciona como moeda de troca por alianças.

— O seu mundo, não é esse o caso?

Tatiana balançou a cabeça. — Você seria um dos meus


conselheiros mais próximos, uma posição que merece, e teria
se não fosse mulher. — Os seus olhos me convidaram. — Não
quer isso, Elena? Notoriedade? A sua inteligência superior
reverenciada?
Alguma parte de mim queria isso, mesmo depois de
publicar um artigo de jornal aleatório sob um pseudônimo,
ainda ansiava pela validação de meus colegas. A minha
aparência e personalidade nunca foram algo que me
importasse, mas meu cérebro? A minha inteligência? Eu o
levantei ao mais alto grau e esperava que outros fizessem o
mesmo. Arrogante, sim. Verdadeiro, porém.

Se não tivesse nascido neste mundo, minha vida seria


muito diferente. Eu teria me formado no ensino médio mais
cedo, ido para a faculdade de minha escolha. Teria passado
meus anos pesquisando e discutindo, sentada em laboratórios
e digitando em computadores. Teria havido prêmios e
medalhas, mas este não era meu destino. Nem nunca seria.

— Sim — disse honestamente.

A expressão de Tatiana aguçou. — Posso dar tudo isso a


você — disse. — Eu também fui subestimada, Elena. — Ela
com certeza foi. — A vingança será minha. Você se juntará a
mim?

— Por que terá a vingança? — Perguntei.

Os lábios de Tatiana se estreitaram. — Os homens neste


mundo... só sabem tomar, e de quem eles tiram mais? As
mulheres deste mundo. Tudo o que fazemos é dar: nosso
ventre, nosso tempo, nossas vidas. Eu me recuso a dar mais,
e você, Elena, continuará dando? — A diversão faiscou em seus
olhos. — Sempre se preocupou com você mesma, disso eu sei.
Por que parar agora?
Eu só me preocupava comigo mesma.

Cada movimento que fiz foi para me manter viva e


sobrevivendo. Quando meu pai colocou as mãos sobre minha
mãe, não fiz nenhum movimento; mas quando ele colocou as
mãos sobre mim? Eu o matei. O mesmo com Thaddeo. Não me
importei com os inocentes que sofreram nas mãos de seus
crimes, mas quando veio atrás de mim? Era apenas uma
questão de tempo antes que sua morte fosse minha.

Que lugar uma criatura sem coração como aquela


ocupava em Tarkhanov Bratva? Monstros, sim, mas eles se
amavam. Além das presas e da violência, se viam em seu
âmago e os amavam ferozmente. Ninguém ficava sem e todos
sempre ficavam felizes em dar.

Por um breve tempo... apenas um momento... fiz parte


disto. Eu tinha recebido e dado, sido tratada e cuidado em
troca.

Olhei para Tatiana.

Durante toda a sua vida adulta, Tatiana foi amada e


adorada em troca.

Eu temia que o dano tivesse sido causado muito antes de


ela conhecer Dmitri. Duvidava que mesmo seu amor por ela
tivesse sido suficiente para combater a escuridão em sua alma.

— Por que eu? — Perguntei. — Porque sou tão apática e


inteligente?
Tatiana sorriu. — Claro. Por que mais? — Ela olhou para
mim. — Você foi a destruidora dos meus planos e agora será a
sua redenção. As coisas que alcançaremos juntas, Elena... oh,
entraremos para a história.

História. A palavra ficou em minha mente, brilhante e


potente.

Olhei para minhas mãos. Palavras rabiscadas sobre os


nós dos dedos e nas palmas das mãos. Os meus pensamentos
se resumiram em uma mistura de letras caóticas. Frieza,
solidão, náusea, miséria.

Entre o polegar e o indicador, uma pequena palavra de


quatro letras foi escrita – delineada o suficiente para ficar mais
escura do que os outros rabiscos.

— Não.

Tatiana ficou imóvel. — Não?

Encontrei seus olhos, erguendo meu queixo. — Não. Não


ajudarei você, assassina de crianças. Quando meu trabalho for
tido em alta estima, não terá nada a ver com alguém além de
mim.

Os seus lábios se curvaram para trás. — Bem. Faça do


seu jeito. — Ela agarrou meu braço e me arrastou até a janela.

Entre os arbustos selvagens e plantas crescidas, no


jardim, Roksana e Danika estavam ajoelhadas. Os quatro
homens que as haviam levado ficaram ao redor. Dois
seguraram armas, e estas armas foram apontadas diretamente
para Roksana e Danika.

O meu estômago caiu.

— Oh, Elena — Tatiana arrulhou. — A coisa mais


estúpida que já fez foi se preocupar com alguém além de você.
Não é tão inteligente agora, é?

Eu disse, em uma voz que soava como a minha, mas não


era — Se algum mal acontecer a alguma delas, você pagará.

— Sim. Sim. Artyom e Roman me caçarão. Não tenho


medo deles — riu. — Eu praticamente criei Roman. Ele será
fácil de prever e derrotar.

Virei minha cabeça para ela lentamente. — Nunca baixe


a guarda, Titus — murmurei. — Porque no dia que fizer, eu
estarei lá. Pode não me ver, mas estarei lá. Seja na sua comida
ou bebida, talvez até um lindo buquê de flores que receberá.
Eu estarei lá.

Tatiana não gostou da minha ameaça, um músculo em


sua mandíbula se contraindo. — Poderia ter tudo — disse,
quase pensativa. — Receio, Elena, que se você não estiver
comigo, estará contra mim.

— Obviamente — rosnei.

Ela sorriu fracamente e acenou com o dedo.

Os homens lá embaixo engatilharam suas armas, ao seu


comando.
O meu estômago caiu como um balão de chumbo.

— Eis o que acontecerá — disse. — Você está indo


embora. Eu não me importo para onde vai, mas você vai
embora.

— Eu não vou a lugar nenhum — sibilei.

Tatiana encolheu os ombros. — Bem. — Ela acenou com


a mão.

Agarrei seus dedos no ar antes que o tiro soasse. — Não.

— Então concorda em ir embora — disse. — Então pode


dizer adeus à sua preciosa família.

— Eles também são sua família.

Os olhos de Tatiana escureceram. — A minha família foi


morta quando eu era criança. Embora não vá saborear suas
mortes, são necessárias para conseguir o que desejo.

Eu a avaliei. — Eles dizem que eu sou fria.

— Tome uma decisão, Elena — disse.

— Por que não me matar? — Perguntei.

As sobrancelhas de Tatiana se ergueram em leve alarme.


— E perder uma mente tão afiada quanto a sua? Não, não.
Você cairá em si — disse. — Por que você é tão resistente? Não
queria sair o tempo todo? Por que ficar agora?

Por que ficar agora?


Eu olhei para Roksana e Danika, ainda na mira de uma
arma. Os meus olhos continuaram se movendo, descansando
em meu abdômen.

Por que ficar agora?

Tatiana riu suavemente. — Oh, estou vendo.

Quando olhei de volta em seus olhos, ela sorria


conscientemente como se entendesse. A sua mão acariciou seu
estômago, o movimento muito amoroso para combinar com
sua expressão sedenta de sangue.

Eu não respondi.

— Estou lentamente perdendo minha paciência, Elena —


Tatiana disse. — Fique e seja a razão pela qual Roksana e
Danika serão mortas ou saia e salve suas vidas.

Eu coloquei um braço ao redor do meu estômago de forma


protetora, como se a pressão fosse impedir o poço de dentro de
mim.

Abri a minha boca. — Eu...

— Mamãe? Tia Lena?

Nós duas nos viramos, com meus lábios se separando de


horror. A poucos metros de distância, vestido com seu pijama
do Homem-Aranha, Anton se levantou. Embrulhada em sua
mãozinha gordinha estava a arma descartada.
30

Elena Falcone

— Anton, baby. — Tatiana gesticulou para ele com uma


mão gentil. — Dê a arma à mamãe.

Eu dei um passo à frente, chamando sua atenção. —


Anton, fique aí. Não se mexa.

A confusão encheu seu rosto com as instruções


conflitantes. Os seus olhos azuis dispararam entre nós,
esperando que tomássemos uma decisão coerente.

— Querido — instigou Tatiana. — Dê a arma à mamãe.


Venha agora, não é seguro.

Anton aproximou a arma de seu peito, tão banal em suas


mãos inocentes. — Mamãe? — A sua voz parecia insegura.

Até mesmo seu filho percebeu uma mudança.

Tatiana fez um esforço para suavizar sua expressão,


colocando a máscara que usava por décadas. — Anton, filho...

Um barulho alto ressoava por todo o salão. Sacudiu as


janelas lustres, rugindo através dos pisos de madeira e
paredes de gesso. Seguiram-se gritos, depois dois tiros.

Voei para a janela, desesperada para ver.


Danika estava de pé, com uma arma na mão sobre um
homem caído, com Roman à sua esquerda. Artyom tinha um
braço enrolado na cintura de Roksana, atrás dela, cuja
expressão era monstruosa. O bratok de Konstantin atravessou
os jardins, dirigindo-se para a casa.

Eu me virei para Tatiana. — O jogo acabou, agora.

— Ainda não — ela sibilou. Virando-se para Anton. — Dê


a arma para a mamãe! — Ela foi pegá-lo, mas Anton começou
a recuar.

A arma caiu.

O que se sucedeu em seguida aconteceu num piscar de


olhos, mas de alguma forma também ao longo de cem anos.

Ouvi mais do que vi a bala sair da câmara, mas vi Tatiana


se curvar, agarrando seu abdômen.

O seu grito estilhaçou a sala.

A minha mente parou antes do meu coração. Descrença


e horror seguraram minhas mãos em volta do meu peito,
apertando com força.

Não tinha como...

Anton começou a gritar também.

Tatiana se recostou, estendendo as mãos.

Como se tivessem sido pintadas recentemente, suas mãos


estavam manchadas de vermelho.
Sangue.

— Anton! — Fui agarrá-lo. Ele caiu em meus braços, seu


pequeno corpo moldando-se no conforto oferecido. O seu choro
não parava, soando em meu ouvido como um alarme.

Tatiana caiu contra a parede, choque espalhando por


seus olhos e boca aberta.

O seu estômago... estava sangrando.

— Coloque pressão sobre isso — ordenei. Anton em meus


braços, tentei ir até ela, tentei pressionar minhas mãos sobre
a ferida.

Tatiana me empurrou para longe.

Antes que qualquer outra coisa pudesse ser dita, meu


nome rugiu pelos corredores.

— ELENA!

O meu Konstantin.

Gritei seu nome de volta.

Um segundo depois, ele deu a volta no corredor, com


arma em punhos e uma expressão mortal. Os seus olhos
castanhos claros escureceram com a posse e suas feições
estavam distorcidas pela fúria. Não era mais o político
encantador... agora a besta sanguinária que subia ao poder
nas costas de cadáveres.
Ele apontou sua arma para Tatiana imediatamente. — Já
chega, Titus — sibilou. — A sua pequena conspiração chegou
ao fim.

Ela riu, o som tenso de dor. — A minha conspiração está


apenas começando, Kostya.

Konstantin olhou para mim. Eu o senti me avaliar em


busca de ferimentos, antes que pegasse a criança gritando em
meus braços.

Os seus olhos dispararam para o abdômen sangrando de


Tatiana.

Lentamente, Konstantin baixou a arma, e uma breve


centelha de humanidade visível em sua expressão, mas não o
suficiente para ele parar de apontar a arma para Tatiana
completamente.

Houve um flash e Dmitri se curvou no corredor. Os seus


olhos observaram a cena.

— Tati — ele deu um passo à frente, seus olhos avaliando


sua expressão ferozmente.

Ele não parecia um mafioso ou um krysha do Tarkhanov


Bratva. Parecia um homem que acabara de ter seu coração
despedaçado.

— Dmitri — Tatiana disse friamente.

— Diga-me que não é verdade. — Dmitri até mesmo


parecia não acreditar, se ela tentasse se defender.
Eu me perguntava o quanto havia visto ao longo do seu
casamento e eliminado como uma coincidência ou não
relevante. Ninguém no mundo esteve tão próximo de Tatiana
do que Dmitri.

Tatiana ergueu o queixo. — O que você fará se for,


marido?

Ele encontrou os seus olhos. — Matarei você.

Um lento sorriso meloso cresceu em seu rosto, superando


a dor. — Oh — riu. — Eu não acho que chegará a este ponto.

A janela estilhaçou. Vidro voou em todas as direções.

Curvei-me sobre Anton, protegendo-o dos estilhaços. A


sua cabecinha enterrada em meu peito, suas lágrimas
encharcando minha camisa.

Nenhum vidro bateu. Olhei para cima.

Konstantin ficou parado diante de nós. Eu não conseguia


ver seu rosto, mas estava olhando para Tatiana e seus novos
amigos, então duvidei que estivesse sorrindo e rindo.

Dois homens se juntaram a Tatiana. As suas armas


apontavam para Anton e para mim.

— Não se mexa, Kostya. Ou então Elena levará uma bala


— Tatiana disse. Enrolou uma corda no braço e subiu no
parapeito da janela. O sangue continuou a ensopar sua
camisa, mesmo que a adrenalina anestesiasse a dor.
Dmitri fez menção de dar um passo à frente, mas
Konstantin agarrou seu braço. — Não — rosnou.

Os olhos de Tatiana encontraram os meus. — Prendi una


decisione, Elena. O loro o tu? — Tome a sua decisão, Elena. Eles
ou você?

Então ela se foi.

Konstantin foi para os homens com as armas, mas eles


moveram muito rapidamente. Os tiros dispararam, mas ao
invés de apontar para Anton e para mim, tinham apontado
para seus ouvidos.

Ambos caíram como sacos de areia, com cérebros


vazando dos buracos em sua cabeça.
31

Elena Falcone

Eu me despedi de Roman e Danika primeiro; ambos


haviam adormecido no corredor do lado de fora da biblioteca,
Danika descansando sua cabeça sobre o ombro de Roman.
Enrolados, faziam um par impressionantes.

Eu os beijei na testa e os deixei aos seus sonhos.

— Elena? — Roman acordou, os olhos turvos e a voz


grogue. — Você está bem, irmã?

— Estou bem. Volte a dormir. — Saí sem dizer mais nada.

Roksana e Artyom vieram a seguir. Artyom examinava


papéis atentamente, a mão esfregando distraidamente a coxa
de Roksana, deitada graciosamente ao seu lado, elegante
mesmo em seu sono.

Os seus olhos negros como carvão me seguiram enquanto


beijava a cabeça de Roksana.

— Já esperava isto — disse, o tom racional nunca


vacilando. — Você não poderia ter provado que eu estava
errado?

Eu não disse para responder. — Cuide-se, Artyom.


— Você também, Elena.

Eu o deixei com seu trabalho.

Escondido no andar de cima, em meio ao luto pela


inocência de sua esposa, filha e filho, encontrei Dmitri. Ele se
sentou ao lado de um Anton adormecido; ambas as expressões
estavam distorcidas pela tristeza.

Entreguei os livros dele. — Obrigada. Koschei, o Imortal,


era o meu favorito.

Dmitri não disse nada enquanto me agachava ao lado de


Anton, acariciando seu cabelo uma, duas vezes, antes de
murmurar palavras suaves que pareciam uma oração.

Quando fui embora, Dmitri disse — Você aprendeu russo


por um motivo. Não se esqueça do porquê.

Eu parei a porta. Os meus dedos cravaram na madeira.


— Cuide de seu filho, Dmitri.

A minha última parada seria a mais difícil. O obstáculo


mais difícil de superar.

Konstantin estava ao lado de sua mesa, o kit de primeiros


socorros aberto ao seu lado. Estava limpando cuidadosamente
suas feridas.

Eu tinha a intenção de manter minha distância, ficar


junto à saída, mas meus pés tinham mente própria. O seu
abraço me chamou, a sensação fantasmagórica de seu braço
amarrado ao meu redor já aquecendo meu coração. Quando
estava perto o suficiente para tocá-lo, parei.

— Pensei que seu sangue seria negro — disse, uma


tentativa de me distrair de precisar tanto dele.

Ele sorriu antes de erguer os olhos. — O meu sangue é


tão vermelho quanto o de qualquer homem. — Quando me
olhou, seu sorriso sumiu. Murmurando, perguntou — Por que
tem uma bolsa com você, lyubimaya?

Presa a minha mão estava uma mochila que roubei do


quarto de Danika. Enchi-a de livros, roupas e dinheiro;
nenhum dos quais era meus, mas coisas das quais não
suportava me separar.

Já havia planejado meu discurso, praticado minhas falas


no espelho como uma atriz ambiciosa. Felizmente, meu
desempenho foi convincente o suficiente.

— Era esse o acordo, Konstantin — disse. — Curo Tatiana


e você me dá a minha liberdade.

As suas narinas dilataram-se. — É isso que você


realmente quer?

Não. Não. Não. — Sim.

Konstantin me olhou fixamente, os olhos avaliando


minha expressão. Eu sabia o que estava procurando e me
recusei a mostrar.

— Dê-me sua mão — disse.


Eu as coloquei nas minhas costas, escondendo minhas
palavras. — A minha decisão está tomada, Konstantin. Quero
minha liberdade.

Ele se levantou, deixando cair o antisséptico. — Precisa


de um convite oficial, Elena? Isso a impedirá de partir? —
Gesticulando com o braço, como se estivesse apresentando seu
reino a mim. — Case-se comigo – ou torne-se minha
conselheira. Torne-se ambos, minha esposa e Sovietnik, ou não
faça nada. A escolha é sua.

As lágrimas começaram a rolar no fundo dos meus olhos,


mas me recusei a revelar a miséria que se abateu sobre mim.
— Não quero nenhuma dessas coisas. Eu quero partir.

— Não. — Konstantin rosnou. — Algo assustou você.


Compreensível, as revelações nos últimos dias foram...
devastadoras, para dizer o mínimo, mas fugir não resolverá
isso, Elena.

Eu balancei minha cabeça, lutando contra o soluço que


ameaçava escapar de mim. — Eu quero ser livre, Konstantin.
Não quero essa vida.

Um músculo em sua mandíbula se contraiu. — Esta vida


é a sua vida, Elena. Esta é... esta é a nossa vida.

— Não — respirei. — Esta vida é sua.

— Você gostaria que eu fosse com você? — Perguntou.

Algo como uma risada saiu de mim.


Konstantin não riu. — Eu não estou brincando, Elena.

— Você não sabe o que está dizendo — disse, me


recusando a deixar as implicações de suas palavras se
estabelecerem em meu cérebro. — Vou-me embora, sozinha.
Irei para a faculdade estudar botânica, me preocuparei com
aluguel e vizinhos barulhentos, não com guerras de gangues e
chefes da máfia.

A sua expressão se contraiu. — Escolha a faculdade que


deseja ir e pagarei por ela, Elena — disse. — Fique aqui com
sua família. Fique aqui comigo.

— Eu não posso.

Os olhos de Konstantin escureceram. — Porque não?

Forcei as palavras para fora da minha boca, como se as


estivesse arrastando para a existência com um gancho. —
Porque não te amo, Konstantin.

Ele se calou. O meu coração começou a se partir, no


fundo do meu peito.

— Isso não é verdade — ele disse calmamente.

Levantei meus ombros, impondo mais bravura do que


sentia. — Sim, é. — Eu disse.

Ele ficou quieto por um momento. Perguntava-me se o


seu coração estava despedaçado no peito, assim como o meu.
— Entendo — Konstantin disse finalmente, com a voz
distante. — Tem certeza disso?

Concordei com a cabeça, todas as minhas palavras me


escapando.

Konstantin voltou a pegar o antisséptico, retomando sua


tarefa com uma casualidade forçada. — Bem, então, não há
mais nada a ser dito, não é?

Não havia, mas parei por alguns segundos. Isto era tudo
o que havia desejado durante toda a minha vida. Ser livre, ir
embora; mas se era tudo que sempre quis, então por que
estava doendo tanto?

— Cuide-se, Konstantin.

As suas mãos pararam, mas apenas acenou com a cabeça


em resposta. Saí silenciosamente.

O meu peito estava desabando, minha garganta


obstruída. Tive vontade de chorar, gritar e uivar, de esfaquear
Tatiana no peito e depois fazer o mesmo com Konstantin por
me fazer sentir assim.

Se ser altruísta era assim, por que as pessoas eram tão


obcecadas em ser antiegoístas? Esta agonia... esta agonia
resultou de amar mais do que a mim mesma.

Protegi alguém além de mim, pela primeira vez na vida.


Destruí a minha própria felicidade para manter o ar nos
pulmões da minha família. Embora sentisse que minhas
entranhas estavam sendo despedaçadas, sabia que faria isso
uma e outra vez se isso significasse mantê-los seguros.

Quando cheguei ao limite da propriedade, percebi que


tinha uma cauda ao meu lado.

— Xô, Babushka. — Acenei para a gata.

Ela continuou atrás de mim. Quando dei alguns passos à


frente, também deu alguns passos à frente. Mesmo quando saí
da propriedade, Babushka continuou me seguindo. Só quando
cheguei ao ponto de ônibus que tentei assustá-la. Babushka
observou meus esforços com irritação.

— Estou indo embora, Babushka — tentei implorar,


minha realidade se estabelecendo. — Você não pode vir
comigo. Ninguém pode.

Ela continuou a ficar comigo.

— Estou falando sério, Babushka. Xô!

Se Babushka tivesse sobrancelhas, ela as teria levantado,


em vez disso, continuou lambendo a pata e me observando com
leve desinteresse, como se estivesse irritada com o atraso do
ônibus.

Quando o ônibus surgiu ao longe, me ajoelhei. Babushka


se empurrou contra mim, ronronando feliz.

Passei meus braços ao seu redor e ela não ofereceu


resistência. A gorda malhada caiu feliz em meus braços,
descansando sua cabeça contra meu peito e vibrando.
Enterrei meu rosto em seu pelo e deixei uma lágrima
deslizar, mas agora não era hora de chorar.

Quando o motorista do ônibus perguntou quantas


passagens, quase disse três.

Uma para mim, uma para Babushka... e uma para o


bebê.
32

Konstantin Tarkhanov

Fiquei parado na escuridão, observando sua figura ficar


cada vez menor conforme deixava a propriedade.

— Boss? — Olezka havia convocado minhas ligações.

— Quero seus melhores homens ao seu serviço — disse.

— Sim, senhor.

Quando meu torpedo saiu, estava sozinho novamente,


mas não sozinho. A besta vivendo dentro de mim era mais do
que companhia suficiente.

Tatiana era Titus. Anton tinha indiretamente matado sua


irmã. Dmitri estava quebrado pela dor.

A minha família foi dividida ao meio, o amor e a lealdade


que nos limitavam sendo testados sob suspeita e angústia; e
agora Elena tinha me deixado.

A mulher por quem estava apaixonado desde que li seu


artigo sobre botânica viu o que tinha a oferecer e recusou. Ela
havia deixado sua família, deixado as pessoas que a amavam.

Ela me deixou.
No fundo da minha alma, uma decisão foi tomada. O meu
império foi ameaçado, minha família foi destruída. A mulher
que amava quebrou meu coração.

Alguém sofreria por estes crimes. Todos sofreriam por


estes crimes.

Afastei-me da janela, sorrindo fracamente.

Vim para os Estados Unidos para ser o Rei de New York


e era isso que pretendia fazer.

Não importa o custo pessoal.

Deixei a máscara cair, deixei a minha besta interior


assumir o controle. Eu era Konstantin Tarkhanov, filho do
Império Tarkhanov e Pakhan de Staten Island.

O meu reinado seria longo, inesquecível, glorioso.

Sangrento.
EPÍLOGO

Elena Falcone

3 anos depois...

O meu patrão espreitou por cima do meu ombro. — Bom


trabalho, Elena.

Acenei com a cabeça agradecida, ansiosa para que ele


saísse. O Dr. Melrose não era o pior chefe do mundo; era
apenas intrometido. Gostava de saber tudo o que acontecia na
farmácia, desde os clientes até os funcionários. Infelizmente,
eu estava na categoria dos funcionários, por isso não podia
dizer a ele para ir à merda sem arriscar meu trabalho.

— Vejo que você pediu para sair mais cedo hoje —


observou.

Já havia sido aprovado. A Dra. Vielle não era tão


intrometida quanto seu colega e não se importava com o que
fizéssemos, desde que não causássemos nenhum problema a
ela.

— Sim.

Dr. Melrose encostou-se ao balcão. — Algum problema


em casa?
— Não. Somente uma consulta. — Fiz um gesto para onde
estava inclinado. — Com licença. — Ele se moveu o tempo
suficiente para eu pegar um punhado de folhetos.

O Dr. Melrose abriu a boca novamente, mas gritei — Hart!

Um segundo depois, uma velha mulher frágil veio agitada


até o balcão. Ela sorriu em saudação, gesticulando para os
remédios como se estivesse tentando provar que era a sua
legítima dona.

Passei suas receitas, contando-lhe sobre nossas vendas e


desejando-lhe um bom dia.

A farmácia não estava cheia hoje – um dos motivos pelos


quais a Dra. Vielle me deu permissão para sair mais cedo, mas
também significava que não tinha uma fuga fácil do Dr.
Melrose. Levaria pelo menos trinta minutos de perguntas
intrusivas antes que ficasse entediado e passasse para a
próxima pessoa desavisada.

— Se houver problemas em casa, minha esposa e eu


estamos sempre felizes em ajudar...

Tenho certeza que está, queria sibilar, mas mantive


minha réplica de sorriso para os clientes.

Dr. Melrose não entendeu a dica. — Deve ser difícil fazer


tudo sozinha. A minha esposa e eu temos muito tempo...
— Estou bem — disse brevemente, minha irritação
levando a melhor sobre mim. Uma olhada no relógio revelou
que faltavam três minutos para que eu pudesse sair.

Olhei para o Dr. Melrose, que não parecia ir a lugar


nenhum e decidi que arriscaria a ira do meu outro chefe. Podia
mentir e dizer que o relógio andava rápido, ou simplesmente
dizer a ela que Melrose estava me dando nos nervos. Dr. Vielle
provavelmente entenderia.

Com um adeus apressado para Melrose, entrei na sala de


descanso. Tirando o meu jaleco de trabalho antes de pegar
minha bolsa, batendo o ponto e saindo correndo da farmácia.

Os adornos de Natal decoravam as ruas, de postes


embrulhados em enfeites de Natal a Papai Noel de papelão
balançando nas janelas. Uma fina camada de neve havia
enfeitado a cidade, transformando as estradas em lagos
gelados, em vez do país das maravilhas do inverno.

A minha pobre desculpa para um carro – 4.000 dólares


em dinheiro do Craigslist – estava congelando por dentro. O
aquecedor não funcionava, mas esfregava as mãos em cada
parada, tentando criar um pouco de calor.

Morávamos fora da cidade, à beira de uma estrada de


terra, dentro de uma floresta selvagem. A pequena e humilde
cabana fora originalmente a casa do zelador quando a cidade
tinha mais alguns habitantes ricos, mas com o tempo foi
transformada em uma pequena casa disponível para aluguel.
Plantas em vasos pontilhavam todas as superfícies
disponíveis, até mesmo alinhando as escadas até a varanda.
As paredes e janelas estavam cobertas de videiras enrugadas,
o inverno fazendo minhas lindas flores murcharem. Um trajeto
muito usado conduzia à casa, com pequenas pegadas na terra.

Bati a porta do carro, animada para entrar na casa


quente, quando algo chamou minha atenção.

Entre as árvores ao redor, percebi um veículo. Havia


algumas outras cabanas espalhadas pelo terreno, com suas
próprias calçadas, mas nenhum à esquerda, ou tão perto da
minha.

Dei um passo à frente, meu coração disparando enquanto


a neve esmagava sob meu pé.

Alguém poderia ter se perdido, disse a mim mesma. Talvez


seja uma entrega para os habitantes mais rurais.

A minha mão coçava para discar para as autoridades ou


para o xerife local. Alguém com status suficiente para assustar
quem esteja no veículo.

Se fosse quem eu pensava que era, então algum xerife


pequeno não iria intimidá-los.

A porta bateu. — Mamãe!

Virei-me para ver meu filho descendo as escadas


correndo, sem se segurar no corrimão, mas sim se arriscando.
Parou com um oomph, mas não se deteve e continuou correndo
em minha direção.

— Desculpe, Srta. Strindberg! — A babá chamou da


varanda, bufando de tentar pegar o pequeno. — Ele é muito
rápido.

O meu filho colidiu com minhas pernas, agarrando-as


com força. — Mamãe está em casa!

Eu alisei seu cabelo loiro. — Sim, estou. Agora entre, você


nem está de casaco.

Ele balançou a cabeça.

Tirei seus braços de cima de mim e me agachei a sua


frente. — Nikolai, você morrerá de frio se ficar aqui.

O meu filho me deu um sorriso bobo. Sabia que ele


entendia o que eu queria dizer, mas fazer com que se
importasse era o verdadeiro desafio.

— Vamos lá — persuadi, me levantando. — Estou


entrando. Quer ficar aqui sozinho?

Isso o convenceu. Nikolai disparou à frente, quase


derrubando sua babá no caminho. Ela o seguiu de volta para
dentro, incitando-o a tirar a neve de seus pés antes de
caminhar por toda a casa.

Verifiquei a floresta novamente, mas não encontrei


nenhum veículo.
A paranoia foi minha companheira mais próxima nesses
poucos anos, mas sabia que não estava enraizada na loucura.
Se eu me sentia insegura, havia um bom motivo para isso.

O interior era adorável e quente, mesmo que fosse uma


confusão. Nikolai e eu não éramos pessoas organizadas, então
a casa poderia ficar nuclear antes de decidir limpá-la. Os seus
brinquedos e meus livros enchiam o espaço, assim como
sapatos e lenços, xícaras vazias e pelos de gato. Caótico, mas
em casa.

Nikolai se sentou no sofá, pescando uma vara. Por causa


do gelo ainda grudado nele, deve ter pego em uma caminhada.

A minha mente se voltou para o veículo. Será que viram


Nikolai?

— Mamãe, olhe! — Ele ergueu sua bengala.

— Muito legal. — Eu dei uma pequena palmada.

A babá, uma menina doce que estava de férias da


faculdade e visitando sua casa, estava ansiosa para ir embora.
Ela não me deu muitos detalhes sobre por que não poderia
cuidar de Nikolai a noite toda, mas pelo rubor de suas
bochechas, suspeitei que um menino estava envolvido.

Observando-a sair, incapaz de ver o veículo, mas incapaz


de me impedir de ter certeza de que ela saiu em segurança.

— Teve um dia divertido? — Perguntei ao meu filho assim


que a babá saiu.
Nikolai acenou com a cabeça, com os olhos brilhantes.
Ele começou uma série de histórias sobre passear, brincar de
carro e fazer biscoitos. As suas pequenas palavras se
atrapalhavam, mas sua fala era boa e clara.

Ele completou dois anos em agosto passado, parecendo


crescer durante a noite. Eu ainda me lembrava dele quando
bebê, tão pequeno e dependente de mim. Mesmo quando
neném, era inquieto, mas conforme suas habilidades motoras
se desenvolveram, também aumentou minha incapacidade de
mantê-lo seguro e no chão.

O número de quedas que já sofreu em sua curta vida era


infinito.

— Então... — Os seus olhos se desviaram enquanto


tentava terminar o final de sua história. — Então... então Baba
comeu biscoito.

— Babushka comeu um biscoito, não é? Ela gostou?

Nikolai balançou a cabeça — Nããão.

Ouvindo seu nome, a gata gorda saltou de cima dos


armários para a bancada da cozinha. Ela não mudou nos
últimos 3 anos; ainda era a mesma siberiana fofa com um
comportamento ruim.

Ela gostava de Nikolai, no entanto. Se não fosse por meu


filho, Babushka teria me deixado anos atrás.

— Baba!
Babushka trotou até ele, ronronando profundamente.

— Cuidado — o avisei. — Acariciamos Baba suavemente.

— Suavemente — murmurou enquanto acariciava seu


pelo com sua mãozinha. — Gentilmente, Baba.

Sorrio para ambos, o meu menino loiro e sua gata


malvada. Os dias e as noites eram solitários, tristes, mas
sempre fui capaz de acordar para aqueles dois, sempre fui
capaz de voltar para casa para eles.

Mesmo quando estava grávida de Nikolai e ainda frágil de


coração partido, foi Babushka quem me carregou pelos meus
dias. Ela dormia ao meu lado, comia ao meu lado. Quando
estava lenta e sofrendo, se aninhava em meus braços ou me
observava enquanto dormia.

Babushka porém não era quem me lembrava meu...


Nikolai era uma imagem esculpida de seu pai; além dos meus
olhos verdes, que herdara. Se não fosse por seus olhos ou
personalidade, o teria considerado um clone. Eles
compartilhavam o mesmo cabelo loiro, pele quente e pálida e
nariz.

Sorrindo às vezes, ou fazia algo e eu paralisava. A


genética de Tarkhanov era forte e prevalecia em meu filho.

— Mamãe — a vozinha de Nikolai me afastou de meus


pensamentos – como sempre acontecia. — Estou com fome.

— Oh? Bem, é melhor alimentá-lo então.


As suas bochechas formaram covinhas enquanto sorria.

Estava ansiosa para me sentar no sofá com um livro e


vinho, depois de correr atrás de uma criança à tarde e à noite.
Nikolai odiava a hora de dormir. Odiava a ideia de que estava
fazendo algo sem ele, que estava sendo excluído, então se
levantava mais sete vezes – sob o pretexto de fazer xixi, copo
d'água, precisava do Teddy – antes de finalmente adormecer.

Sentei-me ao lado de sua cama, pela sétima vez,


esfregando suas costas. Babushka dormia no fim da cama,
provavelmente acostumada com seus movimentos constantes.

Nikolai bocejou, lutando para ficar acordado.

— Vá dormir, querido — murmurei.

— Mamãe — disse cansado. — Não... cansado...

Sorrio. — Oh, mesmo? — Coloquei minha cabeça ao lado


da dele, colocando seu ursinho em seu cobertor estampado de
Peter Pan. — Estou cansada, então vou dormir.

Ele deu um tapinha na minha bochecha. — Vá dormir,


mamãe — copiou minhas palavras.

Foi difícil não quebrar meu truque abrindo meus olhos e


sorrindo. Eventualmente, a respiração de Nikolai desacelerou
e pequenos roncos começaram a sair dele.

Os meus ossos estalaram quando me levantei, meu corpo


nunca se recuperou totalmente da gravidez e do parto, e
silenciosamente deixei o quarto. Enquanto saía, apaguei as
luzes e chutava coisas para fora do caminho, abrindo espaço.

Estalei minhas costas quando entrei na cozinha. Deus,


estava tão cansada. As últimas noites, o sono sed esvaiu,
especialmente porque fiquei ansiosa pelo Natal. Nunca foi
divertido explicar a seu filho por que as outras crianças de seu
grupo de recreação tinham muito mais brinquedos do que ele
debaixo da árvore.

Havia um novo documentário sobre botânica que gravei...

Havia um vaso de flores sobre a minha mesa.

Por um segundo, nem percebi a nova peça de decoração.


Estava no centro da pequena mesa de jantar de madeira que
tinha comprado em uma venda de garagem, agora coberto com
os rabiscos e restos de comida de Nikolai.

Um vaso transparente, com um lindo buquê vibrante de


dedaleira. As flores estavam estranhamente maduras para
uma planta fora da estação, as pétalas lilases um aviso
surpreendente do veneno que continham.

Eu não coloquei isso aí.

Nikolai e sua babá não poderiam ter colhido enquanto


estava no trabalho. A flor não crescia perto de nós –
definitivamente não teria sobrevivido à neve e ao frio de
dezembro Ninguém no trabalho ou no playground de Nikolai
os teria me enviado como um presente.
A minha mão subiu para minha boca, segurando o grito
que ameaçava explodir.

O meu cérebro se recusou a acreditar, tentando oferecer


concessões e explicações. É impossível, tentei argumentar
comigo mesmo. Eles não poderiam ter nos encontrado.

Dei um passo mais perto, minha respiração ficando mais


pesada.

Os meus olhos encontraram o vaso. Suspeitava que


fossem pequenos seixos que abrigavam os caules das flores,
mas não eram; em vez disso, pilhas de dentes, brancos, creme
e amarelos, encheram o vaso.

O vômito cresceu em mim forte e rápido.

— Que porra é essa. — Foi tudo o que pude dizer.

Eles nos encontraram. Ela nos encontrou.

Os meus instintos de sobrevivência assumiram. Eu mal


me lembrava de correr para o meu quarto até que puxei a
mochila que mantinha escondida embaixo da cama, cheia de
dinheiro e roupas. Uma arma repousava entre a estrutura da
cama e o colchão.

Eu a agarrei e enfiei na parte de trás do meu jeans.

Precisava ligar para o trabalho. Precisava encher o carro.

As pessoas perceberiam nosso desaparecimento.

Elas me dedurariam? Em quem poderia confiar?


Ninguém, eu sabia. Não confio em ninguém além de mim.
Sou a única pessoa que pode manter Nikolai seguro.

O meu filho estava exatamente onde eu o havia deixado,


o rosto em paz e inocente. Nenhuma escuridão ameaçava seus
pesadelos ou dias. Eu tinha mantido tudo isso sob controle,
me recusando a deixar qualquer coisa além da luz e do amor
tocar meu bebê.

Acariciei seus cabelos, tentando tirá-lo do sono. —


Querido, precisa acordar...

Ele se moveu, o rosto se contraindo quando a consciência


assumiu o controle.

— Nikolai, acorde, querido...

Nikolai piscou para mim com olhos verdes sonolentos. —


Mamãe?

— Sim, sou eu, mamãe. Venha agora. — Eu o peguei.


Estava suado e corado contra o meu peito, seus bracinhos ao
redor do meu pescoço. Peguei seu cobertor e ajustei sobre el.
— Está tudo bem, querido.

Nikolai ergueu sua cabecinha loira, confuso. — Mamãe, é


hora de dormir.

— Eu sei, amor. Vamos só dar um pequeno passeio. —


Peguei seu ursinho. A cauda de Babushka começou a balançar
de aborrecimento. — Vamos, Baba.

— Baba está vindo?


Joguei uma mochila no ombro e peguei Babushka no
braço livre. Saí cambaleando da sala, tentando não bater na
cabeça de Nikolai. A casa estava às escuras e não ousei
acender nenhuma luz sobressalente. Saí pelos fundos, sem me
preocupar em trancar. Não voltaríamos.

— Mamãe, está frio.

— Shh, shh. — Acalmei-me, abrindo a porta do carro e


me agachando. Babushka se arrancou dos meus braços,
pulando no banco do passageiro. Afivelei Nikolai em sua
cadeirinha, cobrindo-o com seu cobertor. — Volte a dormir.
Olhe, aqui está o Teddy.

O pequeno braço de Nikolai envolveu seu urso de pelúcia.


Ele parecia tentar lutar contra o sono, mas suas pequenas
pálpebras não o deixavam.

Alisei seu cabelo, sentindo as lágrimas também.

Não é hora de chorar, me amaldiçoei, enxugando os olhos.

Era hora de correr.

Continua...
AGRADECIMENTOS

Primeiramente e acima de tudo, devo agradecer aos meus


leitores. Sem o seu apoio, esta jornada teria terminado logo
após seu início. As suas edições, comentários e entusiasmo
geral significam tudo para mim, e mal posso esperar para ver
o que pensam sobre Kingpin’s Foxglove.

Tenho que agradecer à minha incrível editora, Sheri, da


Light Hand Proofreading. Sei que lhe entrego um manuscrito
repleto de erros suficientes para que duvide se eu realmente
passei no ensino médio, mas seu apoio e paciência significam
mais do que poderia transmitir. Também tenho que agradecer
por usar dois chapéus. Se não fosse por sua gentileza e ajuda
quando tudo estava indo uma merda, provavelmente teria
fugido para o mato e vivido como um gigante.

Para Harim, também conhecido como o maior leitor BETA


do mundo. Sempre gentil e solidário, mas ao mesmo tempo
fazendo as críticas que anseio. Sem isto, este livro faria muito
pouco sentido – bem, menos do que faz.

Para Laura, meu anjo do design gráfico! Muito obrigado


por toda a sua linda arte e por ser a melhor de todas. Eu
também tenho que te agradecer por ser um leitor BETA
incrível, sem você essa história não seria o que é. Vejo você na
Ikea no corredor das almôndegas (na Rússia?)
Para V Domino, autor extraordinário e maior fã de
Konstantin. Obrigado por sua gentileza quando entrei pela
primeira vez na comunidade – e obrigado por ler o primeiro
rascunho deste livro. Não deve ter sido fácil.

A JM Stoneback, meu melhor autor até o fim.

À minha equipe Street, obrigado por toda sua incrível


gentileza e apoio. Ler seus comentários e ouvir sua empolgação
me traz tanta alegria – obrigada por tudo que vocês fazem!

Para o Bookclub de Bree Porter, adoro cada um de vocês.


Vivo por suas edições, teorias e entusiasmo geral pelo meu
trabalho. A minha parte favorita do dia é entrar no FB e sair
com vocês.

Para Val, Mary e Julie da Books and Moods PR. Obrigado


pela capa incrível e por ser tão útil! Salvaram-me em um
momento de necessidade, e mal posso esperar para trabalhar
com vocês novamente!

Para mamãe e papai. Obrigado por seu apoio e


compreensão. Se não tivessem me permitido a liberdade de
explorar minha paixão, não estaria onde estou ou quem sou
hoje.

Às minhas irmãs. Pare de pegar minhas coisas!

A Alison Cole, obrigado por seu apoio nos bastidores. Faz


meu dia sempre!
Por último, mas não menos importante, para Imogen. Não
tenho mais palavras para dar, mas esta é para você.

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