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Educação e felicidade na cultura do consumo metem.

A busca da felicidade pautada nos ideais consumistas tem nos


levado, com muita freqüência, à situação oposta.
Solange Jobim e SOUZil Adorno (1995), citando Freud, diz que a civilização, por seu turno,
origina e fortalece progressivamente o que é anticivilizatório. Esta ob-
Sendo a felicidade, então, uma certa atividade da alma conforme à excelên- servação perspicaz nos oferece um ponto de partida para discutirmos o
cia perfeita, é necessário examinar a natureza da excelência. (... ) É evidente
sentido da felicidade nos dias de hoje. A técnica, uma das principais metas
que a excelência a examinar é a excelência humana, pois o bem e a felicida-
de que estam os procurando são o bem humano e a felicidade humana. A
da civilização ocidental, é responsável pela expansão da cultura do con-
excelência humana significa, dizemos nós, a excelência não do corpo, mas sumo, criando tendências à fetichização. O amor é absorvido por coisas,
da alma, e também dizemos que a felicidade é uma atividade da alma. máquinas, mercadorias enquanto tais, incapacitando as pessoas de amar
(Arisróteles, em ttica a Nicômacos) pessoas. Ele, então, nos alerta sobre a dificuldade de atuarmos contraria-
mente a isto, posto que esta tendência está vinculada ao conjunto da
Nosso primeiro desafio na abordagem deste tema é compreender o civilização, e combatê-la significa ser contra o espírito do mundo. É ur-
sentido da felicidade nos dias de hoje. Quando nos referimos à felicida- gente adquirirmos consciência das razões geradoras deste espírito do
de, é comum haver um acordo de que ela é um bem supremo que todos mundo, pois desacreditá-lo é salvar a condição humana do seu próprio
almejam conquistar. Entretanto, quando nos indagamos o que é real- deperecimento. Adorno (1995) nos chama a atenção para o movimento
mente a felicidade para cada um de nós, as divergências são inúmeras e de expansão do que ele muito apropriadamente denominou "consciência
poucos são aqueles que sustentam a sabedoria dos filósofos, definindo- coúificada", exemplificando-a com a seguinte frase: "... No começo as
a como a atividade da alma que visa à excelência humana. O sentido da pessoas desse tipo se tornam por assim dizer iguais a coisas. Em seguida,
felicidade não escapa aos atravessamentos culturais e vem sofrendo urna na medida em que o conseguem, tornam os outros iguais a coisas" (p.130).
radical mutação antropológica no contexto da cultura do consumo. Como Esta reificação dos sujeitos tem uma história que deve ser contada a par-
definir tal mutação e suas conseqüências nos sujeitos contemporâneos é tir das transformações nos modos de produção no capitalismo tardio!.
O nosso propósito inicial. Entretanto, discutir o que é possível à educa- Vale lembrar que tanto os processos de produção quanto os processos de
ção para promover felicidade, nos termos que a sabedoria filosófica sem- consumo são integrantes da organização do capitalismo. Entretanro, a
pre procurou apontar, é a nossa preocupação principal. própria concepção de trabalho na sociedade ocidental vem sofrendo mu-
A mutação radical na vida do homem contemporâneo revela o en- danças radicais, posto que a tecnologia (informática, robótica e outras
fraquecimento dos sentimentos essenciais. Em contrapartida, observa- áreas afins) enfraquece as forças de trabalho tal como eram concebidas
mos o recrudescimento de necessidades fabricadas no contexto de uma nos primórdios do capitalismo, enquanto contribui para a expansão das
nova universalidade ocidental, a cultura do consumo. Através dos obje- forças de consumo. O sistema já não precisa tanto do trabalhador, mas
tos, o mercado cria imagens que prometem a felicidade e nos induz a não pode prescindir do consumidor.
acreditar que acabaremos conquistando-a se tivermos acesso aos bens que Na passagem de uma ordem social produtiva para uma que seja
ele coloca à nossa disposição. A imagem da felicidade do homem atual reprodutiva está o cerne da cultura do consumo. Esta nova ordem sócio-
está indissoluvelmente relacionada à posse de objetos descartáveis. Con- cultural implica a "educação" - termo utilizado aqui no sentido de do-
tudo, não é difícil perceber que a expansão do consumismo não tem sido mesticação - de novos públicos consumidores que se habituem rapida-
garantia da felicidade, pois permanecemos constantemente frustrados men te com a velocidade com que as relações se criam e se desfazem. Na
com os objetos, porque nunca coincidem com os sonhos que nos pro- medida em que se reduz o tempo da experiência e a qualidade das rela-

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ções materiais e interpessoais, mudam também os sujeitos. Objetos e tos e crianças, alterando, por assim dizer, as relações interpessoais que
coisas são, com freqüência, utilizados para demarcar relações sociais, passam igualmente a sustentar a descartabilidade entre as pessoas.
estilos de vida, hábitos e preferências entre as pessoas. As relações entre Uma criança que foi entrevistada por nós disse "... quando todo mun-
crianças, e também entre os adultos e as crianças, são demarcadas pela do tem uma coisa, dá vontade de ter também, porque se você não tem, você
"cultura das coisas", ou seja, pelos bens materiais e simbólicos que circu- é diferente". Uma outra criança continuou a conversa dizendo "... quan-
lam entre nós, originando noções de bem-estar, felicidade, prazer e, tam- do você tem um amigo na sala e ele tem algum brinquedo legal assim, aí
bém, o seu oposto, a infelicidade e o desprazer. A cultura do consumo é o você sempre quer ter, você quer ter mais que ele... "Estas cenas, m ui to sim-
alicerce da expansão sem fronteiras da consciência coisificada. ples e corriqueiras, não têm tido a atenção que merecem por parte de
Diante deste contexto, a economia da descartabilidade tomou o lugar nós, adultos e educadores. Por que somos indiferentes, ou melhor, coni-
da economia da permanência, tornando mais vantajoso substituir do que ventes, ao admitirmos que a única felicidade possível está na posse dos
consertar, onde o novo fica velho no instante que tomamos posse da objetos sem história e sem alma que circulam em nossa cultura? Talvez
mercadoria. Na sociedade de consumo, os objetos não têm história. Man- porque este sentimento tenha se naturalizado de tal forma entre nós que
temos com eles relações fugazes, dinâmicas, descartáveis. Diferentemente nos tornamos todos, crianças e adultos, absolutamente iguais na volúpia
das mercadorias geradas em série na produção auto matizada, o artesão do consumir. Esta é a ordem a que todos, inconscientemente, obedecem,
imprime no objeto o tempo da criação e; deste modo, o objeto materia- sob pena de se sentirem infelizes. Constatamos, assim, que estas duas
liza um pouco da sua história. Melhor dizendo, detém a alma do seu categorias sociais, adultos e crianças, se diferenciam apenas porque al-
criador. Clarice fala sobre este tema com beleza exemplar: gumas vezes seus objetos e desejos variam. Nada além de uma superfi-
Nunca lhe ocorreu ter pena de um objeto? Tenho uma caixa de prata de cialidade material demarcando o tato e o contato entre as gerações.
tamanho médio e sinto por ela piedade. Não sei o que nesse silente objeto Vale observar que as diferenças entre adultos e crianças são cada vez
imóvel me faz entender-lhe a solidão e o castigo da eternidade. Não ponho menos enfatizadas. Com isto, a necessária dimensão alteritária na for-
nada dentro da caixa para que ela não tenha carga. mação do jovem perde suas referências. A tensão que sempre existiu en-
tre as gerações assume, hoje, um caráter novo. Por um lado, observamos
E a tampa encerra o vazio. Eu sempre ponho flores nas suas vizinhanças
uma infância esprimida entre uma adolescência precoce e uma juventu-
para que elas suavizem a vida-morte da caixa - as flores são também uma
homenagem ao artesão anônimo que esculpiu em pesada prata de lei uma de que se prolonga. O próprio corpo da criança e do jovem, os modos
obra de arte (Clarice Lispector, 1978, p.112) de se vestir, de circular pela cidade, são signos que refletem a nossa épo-
ca. Por outro, observamos também um adulto infantiJizado, com difi-
Os objetos são signos e, como signos, exigem ser decifrados por nós.
culdade de exercer sua liderança diante da sua prole. Há nisto tudo uma
Entretanto, são necessárias sempre novas leituras dos objetos que cria-
inversão de papéis que precisa ser amplamente discutida por pais e pro-
mos e passam a circular em nossa cultura. Eles são, por assim dizer, jane-
fessores, pois as crianças e os adultos de hoje são moldados, através do 4;-
las da nossa alma, ou, se quisermos utilizar um sentido equivalente, modos
consumo, para o culto do prazer efêmero e sem restrições. A própria pu-
de acesso à nossa subjetividade em permanente transformação. O que os
blicidade, e mesmo a programação televisiva direcionada ao público in-
objetos sem alma e sem história estão a dizer sobre a nossa cultura às crian-
fantil, apresenta a imagem de uma criança líder, capaz de tomar deci-
ças, aos jovens e aos adultos? O que dizem sobre nós? Entendemos que
sões, resolver problemas, algumas travestidas de intelectual mirim, ou-
o que deve ser o foco de nossa atenção é o modo como esta cultura vai se
tras precocemente erotizadas. Em contraposição, assistimos a imagens
tornando central no processo de construção social da identidade de adul-
de um adulto atônito e dependente, incapaz de assumir o seu suposto

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saber e que desconhece profundamente a criança que ele gerou. Estas con- sa cultura do que o gasto com a educação pública e que, portanto, a pu-
cepções de adulto e de criança veiculadas pela mídia revelam os modos blicidade veiculada pela mídia é hoje mais formadora de nossa subjetivi-
como a cultura produzida no campo social nos constitui subjetivamen- dade do que o ensino escolar. Não podemos deixar de nos indignar quan-
te, controlando nossos modos de ser e agir.~~_~!.:!!.~.ie.ste do nos damos conta de que o consenso da razão contemporânea é cons-
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sej ~.?'l <;~.ltJ,lrª.g!:1~e_j.r~Y.Sl"1
tal11o~(<tq,:e .nos. <;orlstit~i. tituído pelas imagens dos sonhos publicitários. Entretanto, é prudente
. Quando falamos de subjetividade, é inevitável considerar a cultura como que nossa análise vá além do reconhecimento da ameaça que os novos
um modo de expressão da nossa interioridade. Não há dentro e nem há meios de comunicação apresentam para nós, fazendo com que possamos
fora, mas o sujeito se constituindo na grande temporalidade histórica. enxergar nestes instrumentos culrurais a possibilidade de criação de di-
Neste contexto é que observamos a mídia invadindo o cotidiano e versas formas de expressão que podem ser constirutivas de outros "devires"
alterando o modo como as pessoas passam a se comunicar. Grande parte de homens, mulheres e crianças, capazes de enfrentar com lucidez o mal-
do tempo que dedicávamos às conversas são agora dedicadas aos apare- estar da civilização. Será que temos analisado o modo como nos relacio-
lhos. Vale lembrar que num passado recente as informações chegavam namos com a mídia em geral? Será que temos observado com o devido
às crianças pelo crivo dos mais velhos. Hoje, pela janela da TV, tudo é cuidado a qualidade do que nos chega pela janela da TV? Será que sabe-
para todos, não havendo distinção entre gerações ou classes sociais. Hoje, mos como a criança compreende o mundo midiático? Será que, alguma
todos assistem a tudo o tempo todo. "É uma coisa que vicia, diz Viviane vez, nos sentamos simplesmente junto à criança para indagar a respeito
de 10 anos, você chega em casa e já vai na teLevisão. Se vou tomar banho, de sua experiência como espectadora? Afinal, o que é possível à educa-
deixo a TV ligada. Até pra dormir, durmo escutando a TV É por causa do ção? Que lugar devemos ocupar junto às novas gerações diante das mu-
ruído. "Este depoimento confirma algo que não é propriamente uma danças nos processos de informação e produção de conhecimento?
novidade, mas exige uma tomada de consciência em relação ao fato de Em primeiro lugar, é necessário tomarmos consciência de nossas li-
que a cultura da mídia invadiu inexoravelmente nosso planeta, transfor- mitações e trabalharmos no sentido de aperfeiçoarmos as qualidades
mando nossa experiência temporal e espacial. Este acontecimento his- humanas. Isto requer olhar para dentro de nós a partir de nossas experi-
tórico chamou a atenção de Neil Postman (1999), autor que se tornou ências de vida, de nossas histórias, que precisam ser reconhecidas como
conhecido por advogar que a mídia é responsável pelo desaparecimento parte das histórias que antecedem a história da criança. É neste momen-
da idéia de infância, pois ela rompeu definitivamente com a possibilida- to que nos convencemos de um outro sentido possível para a felicidade,
de de haver segredos e sentimento de vergonha do adulto frente à crian- ou seja, de que ela pode estar na satisfação que experimentamos no ato
ça. Sem cairmos nas armadilhas de uma discussão moralista e ingênua de contar e ouvir histórias, enfim, na sociabilidade advinda deste privi-
sobre esta questão, vale destacar que a cultura do consumo é a Linguagem légio que os usos criativos da linguagem nos concedem.
da mídia, e que este fato não é de menor importância quando nos da- Com esta constatação, outras questões se colocam para nós. Que
mos conta de que a televisão é um dos mais eficazes instrumentos de for- tempo dedicamos às conversas com as crianças? Como conversamos com
mação das novas gerações. E o lugar do adulto na relação com as novas elas? Escutamos o que elas dizem? Sabemos o sentido que as crianças dão
gerações? Será que estamos assistindo passivamente às crianças nos subs- para as palavras que elas escutam de nós? Ao buscar repostas para estas
tituírem pela TV, pelos jogos eletrônicos, pela lnternet. .. ? questões, percebemos que o tempo compartilhado entre pais e f-llhos é
Numa entrevista concedida a Contardo Calligaris1, Oliviero Toscani, cada vez mais escasso. Trabalha-se cada dia mais para o aumento do po-
fotógrafo conhecido por ser autor das polêmicas imagens publicitárias der aquisitivo e, conseqüentemente, do consumo. Pais chegam tarde em
da Benetton, nos lembra que o gasto com a publicidade é maior em nos- casa, e as crianças estão atarefadas e solitárias. A família se reúne cada vez

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menos para conversas cotidianas. Este afastamento da criança do mundo que a educação para a felicidade supõe o combate aos mecanismos atra-
do adulto, ou, melhor dizendo, a falência do diálogo entre as gerações, vés dos quais criamos as condições da nossa miséria espiritual. Neste sen-
favorece a expansão do contato da criança com o mundo virtual e em- tido, a tarefa da educação, hoje, é assumir o compromisso de alterar sig-
pobrece aquelas experiências de vida pautadas nas trocas interpessoais. nificativamente os sentidos e os valores hegemônicos do consumismo,
Os adultos deixam de contar suas histórias às crianças. Quando não con- enfim, questionar as representações simbólicas que predominam na so-
tamos mais nossas histórias, estamos contribuindo para a extinção da- ciedade contemporânea e que deturpam o ideal de felicidade como ati-
queles que sabem escutar. Sem as histórias, desaparece com elas a comu- vidade da alma voltada para o bem comum. Adorno afirma de modo
nidade dos ouvintes. Sem narradores e sem ouvintes o individualismo peremptório: './1educação tem sentido unicamente como educação dirigida
a uma auto-reflexão crítica" (p. 121). Mikhail Bakhtin (1992) reforça di-
recrudesce.3
O mero questionamento sobre como as pessoas se tornam assim já zendo que "... quanto maú o homem compreende que é determinado
encerraria um potencial esclatecedor, diz Adorno. É necessário compre- (reificado), mais perto está de compreender também, e de realizar, a sua ver-
ender o que se passa para promover o desenvolvimento do que está se dadeira Liberdade"(379). A consciência crítica é a arma para enfrentar-
deteriorando. Nossa convicção é de que a consciência destes mecanis- mos com lucidez o mal-estar da civilização na cultura do consumo.
mos que deturpam o ideal humano de felicidade está presente no coti- Retomando Aristóteles através de Walter Benjamin, afirmamos que
diano das práticas sociais e sua compreensão pode ser atingida se estiver- ''a imagem da felicidade está indissoLuvelmente ligada à da salvação '~. É
mos disponíveis para uma auto-reflexão crítica. urgente viver cada presente na plena consciência da nossa frágil força
Nossa análise sugere olhar a criança e ler no seu modo de brincar, messiânica. Existe um encontro secreto marcado entre as gerações pre-
agir, falar e se vestir, enfim, na maneira como ela circula na cidade, na cedentes e a nossa. A educação não pode negligenciar este fato, sob pena
casa e nas imagens produzidas pela mídia, os sinais do que aqui denomi- de abdicar de sua função mais fundamental, qual seja, educar as novas
namos mutação antropológica proporcionada pela cultura do consumo. gerações para ter inveja do futuro. Aristóteles e Walter Benjamin sabem
Uma nova subjetividade infantil emerge, não mais sustentada apenas pela disto e nos transmitem a sabedoria necessária para acreditarmos na pos-
família e pela escola, instituições que até bem pouco tempo eram res- sibilidade de criarmos, no presente, um futuro melhor. Terminamos dei-
ponsáveis pelos mecanismos de socialização da criança e dos jovens. Hoj e, xando livres as palavras dos filósofos, na intenção de que suas reflexões
não temos mais dúvida em relação ao papel exercido pela mídia e pela continuem a reverberar em nós, tal como as ondas concêntricas geradas
cultura do consumo na produção da infância. Mas, se enfocamos a criança por uma idéia lançada no fundo do pensamento.
prioritariamente, é para entender os rumos de nossa civilização e, neste "Entre os atributos mais surpreendentes da alma humana, diz Lotze, está,
sentido, estamos todos incluídos, adultos e crianças, e submetidos a uma ao lado de tanto egoísmo individual, uma ausência geral de inveja de cada
nova ordem cultural que precisa ser profundamente avaliada. Esta avali- presente com relação a seu futuro." Essa reflexão conduz-nos a pensar que
ação é urgente, pois é cada vez mais cmcial educar as novas gerações para nossa imagem da felicidade é totalmente marcada pela época que nos foi
atribuída pelo curso da nossa existência. A felicidade capaz de suscitar a
serem capazes de resgatar os sentimentos essenciais. Quando nos con-
nossa inveja está toda, inteira, no ar que já respiramos, nos homens com os
vencemos de que a felicidade é a mercadoria, nos tornamos vazios de
quais poderíamos ter conversado, nas mulheres que poderíamos ter pos-
histórias para as gerações futuras, abdicamos de trocar experiências que suído. Em outras palavras, a imagem da felicidade está indissoluvelmente
desencadeiem nos mais jovens sonhos e utopias. ligada à da salvação. O mesmo ocorre com a imagem do passado, que a
Mas, o que é possível à educação? O que é educar para a felicidade história transforma em coisa sua. O passado traz consigo um índice miste-
nos termos defendidos por Aristóteles em nossa epígrafe? Entendemos rioso, que o impele à redenção. Pois não somos tocados por um sopro do

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ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de ARlSTÓTELES. Ética a Nicômacos. São Paulo, Martin CIaret, 2001.
vozesque emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos irmãs que
BAKHTIN, MikhaiI. Estética da criaçào verbal. São Paulo, Martins Fon-
elas não chegaram a conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto,
marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Alguém na terra está à tes, 1992.
nossa espera. Nesse caso, como a cada geração, foi-nos concedida uma frá- BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa, Edições 70,
gil força messiânica para a qual o passado dirige um apelo. Esse apelo não 1991.
pode ser rejeitado impunemente. O materialista histórico sabe disro".
(Walter Benjamin, em "Sobre o conceito de história", 1994, p. 222) BAUMAN, Zygmum. O mal-estardapós-modernidade. Rio de Janeiro,
Jorge Zahar Editor, 1998.
"Parece que a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como este
bem supremo, pois a escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa _______ Globalização. As conseqüências hUrlJanas. Rio de
de algo mais; mas as honrarias, o prazer, a inteligência e todas as outras Janeiro,Jorge Zahar Editor, 1999.
formas de excelência, embora as escolhamos por si mesmas (escolhê-ia-ía- BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas.Magia e técnica, arte epolítica. VaI.
mos ainda que nada resultasse delas), escolhemo-Ias por causa da felicida-
1, Rio de Janeiro, Brasiliense, 1994.
de, pensando que através delas seremos felizes". (Aristóteles em Ética a
Nicômacos, p.23) CAIAFA, Janice. Nosso século XXI. Notas sobre arte, técnica e poderes.
Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2000.
Notas
CALLIGARIS, Comardo. Crônicas do individualismo cotidiano. Ática,
IFredric ]ameson adota este conceito de Ernest Mandei para definir a chegada São Paulo, 19%.
da sociedade pós-industrial, também denominada sociedade das mídias, socie-
CASTRO, Lucia Rabello. Infância e adolescência na cultura do consumo.
dade da informação, sociedade eletrônica ou high-tech, como um terceiro está-
Rio de Janeiro, NAU, 1998.
gio na evolução do capital, considerando-o, inclusive, como o estágio mais puro
do capitalismo, quando comparado a qualquer dos estágios que o precederam. JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: A lógica Cultural do Capitalismo
Ver ]ameson, E, "Pós-modernismo: A lógica cultural do capitalismo tardio", Tardio. São Paulo, Ática, 1996.
1996, São Paulo, Atica.
)OBIM E SOUZA, Solange. Subjetividade em questão. A infância como
2Esta entrevista está no livro Crônicas do individualismo cotidiano, Contardo
Calligaris, São Paulo, Ática, 1996.
crítica da cultura. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2000.
3 Este tema é desenvolvido por Walter Benjamin especialmente nos seguintes ________ Mosaico: Imagens do conhecimento. Rio de Ja-
textos: "O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov" e "Experi- neiro, Rios Ambiciosos/FAPERJ, 2000.
ência e pobreza", ambos publicados em WaIter Benjamin. Obras Escolhidas, voI.
1, São Paulo, Brasiliense, 1996.
________ . Infância e Linguagem. Bakhtin, Vygotsky e Ben-
j~min. Campinas, Papirus, 2000.
WaIter Benjamin, tese 2 do texro "Sobre o conceito de história", publicado em
4

Walter Benjamin, Obras escolhidas, vol. 1, Brasiliense, São Paulo, 1994. LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio. Ensaio sobre o individualismo con-
temporâneo. Lisboa, Relógio d'Água, 1983.
Referências Bibliográficas
MORIN, Edgar. Os sete saberesnecessáriosà educação doftturo. São Pau-
ADORNO, Theodor. "Educação após Auschwitz". ln: Educação e eman- lo, Conez Editora, 2001.
cipação. São Paulo, Paz e Terra, 1995.

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PASOLINI, Pier Paolo. Osjovens infelizes. Antologia de ensaios corsdrios.
São Paulo, Brasiliense, 1990.
POSTMAN, Neil. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro,
Graphia, 1999.
SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna. Rio de Janeiro, Editora
UFRJ, 1997.

PARTE II

Ficções científicas

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