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PARTE 1
SPRING 1960
Observações:
Esta obra foi traduzida pelo Prof. Dr. Petho Sándor, para uso restrito em grupos de estudos, em
forma de apostila datilografada.
Posteriormente o corpo do texto (os capítulos) foi gentilmente digitado pela psicóloga Nara
Santonieri visando preservar e partilhar esse precioso material de estudos. No entanto, os
números de páginas mencionados no sumário e no índice remissivo referem-se à paginação
presente no formato original da tradução feita por Sándor. Mesmo assim essas sínteses foram
adicionadas a este conjunto, pois podem ser úteis para orientar a sua leitura.
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Primeiro Livro
Bem, essa mulher entrou num buraco por volta dos trinta anos. Isto é muito
bom, obviamente seu destino é benevolente. Ele lhe deu uma chance aos trinta
anos. Outras pessoas têm essa chance apenas com 45 ou 50 anos. Tenho visto
pessoas de 60 anos que finalmente descobriram ter visto apenas a metade do
mundo, vivido apenas a metade das suas vidas o que, certamente, é uma
descoberta muito dolorosa nesta idade. Esta mulher, porém, chegou ao outro
lado do mundo aos 30 anos.
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Por isso ocorre comumente o amor à primeira vista, a mais compulsória forma
de amor. É natural que nossa paciente sofresse de alguns desses problemas,
que significam o conflito último entre seu pensar racional e sua natureza
primitiva. Eu omito intencionalmente detalhes pessoais, porque estes
importam pouco para mim. Todos nós ficamos encantados por estas
circunstâncias externas e elas distraem nossas mentes da coisa real que é o
fato de que somos internamente cindidos...
Então ela soube da minha existência e pensou que eu poderia ser um indivíduo
que conhecia alguma palavra mágica e então veio até mim, com muito da
atitude da mulher primitiva que procura o pagé e diz: “pois bem, aqui está
uma galinha preta e, se você quiser, eu lhe trarei como oferenda, um bonito
porco preto, e agora, por favor, atue com seus milagres sobre mim”.
Naturalmente, tratando-se de uma pessoa muito intelectual, eu não tive
problemas em lhe mostrar que cometera um engano com tal atitude. Ela logo
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estava no caminho certo e entendeu que isto dependia inteiramente dela e, que
nenhum milagre poderia ser realizado nela. Eu falei: “eu não sei o que fazer,
não tenho a mais leve idéia de como resolver tal problema... A única coisa que
posso dizer é que certamente os seres humanos passaram pela mesma situação
milhões e milhões de vezes em incontáveis milhões casos. É uma situação
típica, você sabe que estas situações amorosas são as mais banais, e em cada
geração as respostas conscientes diferem”.
Agora eu digo: se o inconsciente pode ajudar neste caso, por que não na
situação dessa mulher? Estou bastante certo que o inconsciente contém uma
solução, então eu proponho à minha paciente observar sua atividade como é
apresentada nos sonhos porque nós não “fazemos” sonhos, eles simplesmente
emergem do inconsciente. Não sabemos se são verdades ou não, e é uma
questão de experiência ver se eles são meramente insensatos. Ela concordou
com essa idéia e então nós começamos a análise. No início, como ocorre
usualmente, os sonhos continham mais material pessoal, todos os tipos de
pequenas resistências e atitudes inadequadas, mas quando tudo isso ficou
assentado, então começaram a trazer coisas fundamentais e a preparar muito
cuidadosamente a atitude mais favorável para a produção de símbolos que
forneceram a solução do seu problema. Começaremos agora com um sonho
que ela teve quando a primeira parte da análise, toda aquela parte pessoal,
estava praticamente encerrada.
A música interrompida
Os Senhores têm uma idéia do que este sonho significa: é muito simples. O
que é música? É claro: sentimento. A paciente é muito intelectual e tem o
sentimento muito “inferior”, assim é provável que nós iremos encontrar a
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Assim os Senhores vêem que minha paciente, podemos dizer, foi avisada para
tocar música... Mas quando ela tenta mostrar seus sentimentos, usar seus
próprios sentimentos, então repentinamente torna-se evidente que todos os
membros da família estão contra isto. “Tal coisa terrível não deve ocorrer em
nossa família!” Ela insiste que, a despeito dos membros desta “sagrada
família, ela continuará a “tocar” seus sentimentos; mas há um judeu rico que
toca muito melhor que ela e, portanto, ela desiste. Mas como estes sentimentos
podem se desenvolver se ela não pode usa-los? Ela tem que admitir
pateticamente que irá exercita-los justamente para aviventá-los , e
naturalmente tudo ao seu redor – todos os membros da sua família – será
contra isto, propondo a ela que não tenha seus sentimentos. Mas então algo
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sutil ocorre, isto é, a oposição da família não a faz parar, mas o fato de que
alguém toca melhor música, isto a faz parar. Então, o que o judeu rico
significa? Isto está um pouco oculto.
Dr. Jung: Mas qualquer pessoa que tocasse melhor que ela, teria autoridade.
Ele poderia ser, por exemplo, um grande artista.
Dr.Jung: Bem, há uma conexão muito mais imediata. A religião dele não é a
religião do Novo Testamento. E esta mulher é uma protestante da linha
puritana. Nós temos que nos aprofundar um pouco mais na psicologia da
religião protestante... Vejam, o protestante é como um judeu: em seu
inconsciente nós encontramos um judeu... Por exemplo, meu bisavô materno
era um protestante muito piedoso e ele acreditava que a língua falada no céu
era a hebraica e, portanto, ele era professor da língua hebraica... Vejam, ele
queria se preparar, ser um tipo de anjo guardião que entendia a língua da
comunidade celestial. Poderíamos dizer que, de outro lado, ele era um judeu
do Velho Testamento. E esta também é a razão pela qual eles deram, naquele
tempo, nomes judeus às crianças. Aquilo não tinha nada a ver com o Novo
Testamento. Era o judeu dentro deles. De fato, toda a configuração mental do
protestante mostrou que ele acreditava na autoridade, ele estava absolutamente
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Por exemplo, algumas vezes ocorre que uma mulher me mostre seus
sentimentos de uma maneira particularmente agradável – me dá algumas
flores ou algo do gênero. Mas quando ela tem outra vez o impulso para fazer
isso, emerge o pensamento: “Dr. Jung conhece tantas mulheres, todas gentis
para com ele, todas as mulheres têm transferências e lhe mandam flores,
portanto, por que eu deveria fazer isso?” e ela deixa passar. Isto é alimento
para o Animus. Pode ser coisa muito insignificante, uma quantité négligeable,
mas ela deveria ter dito algo, expressado um sentimento, me agradecido por
alguma coisa, por exemplo. Instantaneamente o sentimento afasta-se, vai para
o inconsciente e a omissão deste pequeno impulso de sentimento desenvolve-
se na mais mordaz discussão se se é suficientemente tolo para permitir isto. A
única coisa que um homem pode fazer é dizer sim, e puni-la com o
desapontamento. Então ela repentinamente descobre que tem sido a vítima de
um espírito seu.
Neste sonho a coisa muito sutil que ocorre é que ela não é interrompida em
sua música pelo impedimento real de seus parentes, ou por suas próprias
idéias expressas por eles, mas por um fator nela mesma – aquela figura de
Animus que emerge tocando uma música muito mais maravilhosa do que ela
poderia. Isto vem do fato de que. Psicologicamente, ela não domina sua
função inferior. Do mesmo modo, uma pessoa com o sentimento diferenciado
nunca está completamente de posse de seu pensar, mas é repentinamente
possuída por um pensamento; ele assenta no seu cérebro como um pássaro e
não vai embora quando ela assim o deseja, nem vem quando ela deseja que ele
venha.
tocar ele deva interrompe-la. Ela não deve permitir que ela a faça parar. Isto
foi o que eu disse a ela.
Sonho: “Eu ia à um médico que morava numa casa junto ao mar. Perdi
o caminho e desesperadamente pedia às pessoas que me indicassem o
caminho correto, de modo que eu pudesse chegar até ele”.
Naturalmente, quando ela sonha com o médico, todos se inclinam a pensar que
ele sou eu. Ela está sob os meus cuidados e, assim, isto se refere a mim. Bem,
é engraçado, no entanto, que o inconsciente não diga isto mais definidamente.
É natural que qualquer pessoa que analise sonhos de acordo com o ponto de
vista de Freud diria que ele era eu, mas eu não estou tão certo. Se o
inconsciente quisesse transmitir a idéia que este era o Dr. Jung, ele diria isso;
então o próprio sonho, o qual não podemos criticar teria me introduzido. Mas
o sonho diz “o médico à beira-mar”, e o lago de Zurique não é um mar.
Portanto, há uma mudança na situação inteira e nós vemos que atrás das
impressões da vida diária – atrás das cenas – outro quadro aparece coberto por
um véu fino dos fatos atuais. Para entendermos os sonhos, temos que aprender
a pensar assim. Não devemos julgar os sonhos pelas realidades porque, a
longo prazo, isto não conduz a lugar algum.
O sonho vive numa atmosfera que não é a nossa atmosfera neste mundo
consciente é pesada e não há véus e se não prestamos atenção às realidades
como tais, simplesmente elas nos tragam. Mas, por outro lado, tais realidades
significam pouco; elas são algumas vezes tão finos véus que de uma vez
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percebemos um quadro maior atrás dos véus dos fatos. Assim, os Senhores,
vêem o que achamos importante aqui: este fato estupendo de que ela está
realmente sob o meu tratamento, que eu tenho uma casa nas margens de um
lago onde ela vem quase diariamente para ouvir novidades desagradáveis,
tudo isto torna-se uma névoa. Podemos olhar através dela para outro quadro;
para aquele médico no sonho cuja casa é à beira-mar, um tipo de paisagem
heróica à beira-mar, diferente e grande. No sonho há a imensidão do oceano,
uma vista extraordinária. Aqui, temos uma vista de poucas milhar, que nem
vista, mas lá, é um horizonte tremendo. Também uma casa localizada à beira-
mar é muito diferente de uma vila aqui à margem do Lago de Zurique; capta-
se uma atmosfera inteiramente diferente. Além do mais, não se trata, na
realidade, dela perder seu caminho. Ela não erra o caminho quando procura a
minha casa. Ela está há dois meses sob o meu tratamento e mesmo que ela
errasse o caminho, não haveria desespero em perguntar por ele. Mas esta casa
é uma casa estranha, se este médico é um médico estranho, então ela pode
errar o caminho; este é um país extenso e ela tem que lutar quase
desesperadamente para encontrar o caminho para este lugar.
Podem ver que este é o tipo de imagem arquetípica que nos leva de volta à
épocas pré-históricas. Há um problema terrível... Ela sente-se enganada por
um demônio ou, pode-se dizer, por um deus hostil. Em tal situação arquetípica
ela não sabe o que fazer; procura, então, a ajuda de um pajé que tem estado lá
desde a eternidade. Geralmente ele mora sozinho e num lugar inacessível...
Vejam: o lugar escolhido é expressão da própria psicologia dela. Assim o pajé
escolhe um lugar extraordinário e, quanto mais difícil de ser encontrado,
melhor, pois certamente ele nunca está aí, ele está sempre em algum estranho
canto do mundo, além dos mares... Para encontrar o pajé, esta mulher tem que
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viajar longe, tem que labutar, tem que perguntar desesperadamente por seu
caminho para este lugar longínquo e desconhecido.
Vejam: esta sonhadora que agora fala da busca para encontrar o grande
curador, cometeria um grande erro vendo em mim o grande curador.
Naturalmente, sua primeira investida foi sobre mim. Mas eu disse: “Não,
obrigado!” Porque de outro modo ela grudaria em mim mais tarde, quando as
coisas andassem erradas, pois este médico certamente será duro, muito difícil.
Aqueles pajés primitivos fazem coisas terríveis, eles torturam! E então ela
dirá, aos berros: “Você disse que era o grande pajé, você me levou por este
caminho!” Assim, eu não assumo tudo isto. Desde o início eu declino, com
agradecimentos, da grande honra de ser chamado de pajé. Se um sonho
dissesse que alguém está indo até o Dr. C. G. Jung, que mora da Seestrasse em
Küsnacht, então eu admito que sou eu... Mas aqui o problema é muito maior
do que eu e é sábio ater-se às palavras que os sonhos nos dão, porque não
podemos esperar ser mais sábios que a natureza.
Freud diria – “Realização de desejos – uma resistência; ela não quer encontrar
o caminho até você porque as coisas estão ficando desagradáveis”. E isto é
verdade também, com certeza. Há dúvidas nela. É uma novidade para ela que
o inconsciente encontre uma solução onde ela não pode faze-lo... Pois somos
importunados pelo inconsciente. Temos um tremendo orgulho e imaginação
sobre nós mesmos e sobre o poder de nossa consciência porque somos tão
eficientes. Quem construiu essas máquinas poderosas? Nossa consciência, por
certo! E então acreditamos nela e pensamos neste lado inconsciente como
nada, um apêndice mais ou menos desacreditado da luz espetacular que temos
aqui em nossas cabeças!
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O curador é o Animus novamente, só que desta vez ele já não toca música, ele
aparece sob o disfarce do médico, e mais tarde vocês verão que ele toma
novamente diferentes formas. Nessa ocasião eu expliquei à senhora o que eu
entendia acerca do Animus, e a relação entre o Animus e o inconsciente.
Foto – pág 6
assim por diante. Eu senti o que ela queria dizer. Trata-se de novo de uma
experiência difícil para descrever, mas se os Senhores têm um coração
sensível, poderá compreende-la... Quando aparece aquela beleza deslumbrante
de cor, de forma e de luz, então tem-se a sensação que as coisas estão
desabrochando. É isto que o pavão representa na história do simbolismo: a
primavera e o levantar do sol. Houve até a idéia de que sua carne era
incorruptível. Na igreja cristã inicial e nos sermões de Sto. Agostinho e de Sto.
Antônio de Pádua, por exemplo, a figura do pavão era o símbolo da
ressurreição. Isto era assim, porque com a chegada do inverno ele perde suas
penas, mas as tem de novo com o sol, na primavera. Portanto, é o símbolo da
regeneração e como tal, podem percebe-lo na igreja inicial, como o símbolo da
ressurreição da alma. Também é o símbolo do Redentor porque traz de volta a
filiação divina pelo renascimento. Todo esse material, naturalmente, não era
consciente para a paciente, que tinha apenas uma idéia vaga de algum sentido
religioso, mesmo não sabendo qual.
Com freqüência a sombra vem por causas mais simples, mas é misteriosa e
não faz aquilo que nós estamos fazendo, tendo qualidades diferentes. Por
exemplo: pode estender-se muito longe, às vezes por várias milhas e às vezes
desaparece como um fantasma. Não é possível toca-la. Descrevem-na como
um vento frio e dizem que os fantasmas são sombras. HADES é o mundo da
sombra e as sombras têm lá sua moradia. Houve a idéia: se alguém morrer,
tornar-se-á uma sombra e vestirá asas e um invólucro de penas. Podem ler no
Gilgamesh sobre os lugares tristes onde as almas têm também tais invólucros.
que esse é o Animus de novo, que este homem está dentro dele e agora a visão
diz que atrás do seu homem, atrás do Animus, há um novo princípio que o
possea. É o seu gênio que está atrás dele, semelhante ao gavião do Rei ou à
águia de Zeus. Esse é o pavão-fantasma do desabrochar, da beleza, da
primavera – de tudo que é simbolizado pelo pavão. É quase uma visão
profética, difícil de ser traduzida. Por isso eu prefiro me ater bem à imagem
mesma.
o fogo; mas se eu quiser saber algo sobre a natureza verdadeira daquilo que
atua sobre mim, então devo conhecer o específico agente destrutivo.
Comentário: Mas eu acho que se o Sr. Teve apenas uma experiência na vida
real, por exemplo, a do fogo, então o sonho escolherá o fogo mesmo.
Dr. Jung: É possível sonhar todas essas coisas mesmo se nunca as
houvéssemos experimentado. Nós sabemos isto. Assim alguém pode sonhar
com animais peculiares, ou com serpentes tremendas nunca vistas, ou com
monstros horríveis que nem existem. Pode-se ter todas as emoções vendo um
dragão, mesmo que nunca tenha sido visto e se sentirá medo dele... Eu recordo
de suíços que nunca estiveram na guerra e nunca observaram um bombardeio
e mesmo assim, muitos deles sonharam com bombas que caíram e matavam as
pessoas. Eles leram descrições vivas e viram também fotos de revistas e assim,
naturalmente, podiam escolher este material. Tudo isso me mostrou que o
inconsciente possui a mais surpreendente faculdade de pegar o material
apropriado. Por exemplo, quando estava na África, nunca sonhava sobre ela.
Só uma vez apareceu um preto nos meus sonhos e eu pensei: “Agora, enfim a
África penetrou sob a minha pele” e depois comecei a ver mais nitidamente
que aquele preto era o meu barbeiro em Chattanooga, nos Estados Unidos e de
forma alguma um preto africano. São coisas que o inconsciente sabe fazer.
ver pessoas que não existem, ouvir vozes, até o próprio nome sendo chamado;
então estão simplesmente naquele estado de proximidade dos sonhos, onde
toda a sua vida psíquica começa a ser objetivada.
Por exemplo: em qualquer matéria consciente pode dizer que a obteve de tal e
tal fonte, talvez leu no jornal, mas quando se trata do inconsciente, só se pode
estar certo quando se assumir que se trata de uma produção genuína que brota
do solo como uma planta e não poderá dizer daquela planta (como pode fazer
no caso de uma produção consciente) que cresceu só porque um determinado
poeta escreveu um poema sobre uma tal flor crescendo em tal lugar. Essa flor
não está aqui por causa do poeta. Qualquer vento podia ter soprado a semente
lá, e assim é com os sonhos também.
Desta maneira podem ver que eu tenho pouca confiança na teoria de que as
impressões do dia são consideradas. Já vi, com freqüência, casos quando as
pessoas achavam-se profundamente impressionadas, mas o sonho seguinte
apresentava velhas titias ou primos como anteriormente e nenhuma impressão
duradoura. Então eles dizem: “Agora estou vendo!” “Agora estou
percebendo!” – Depois a reação seguinte é justamente a contrária, tudo
aparece através de um outro aspecto. Assim podemos ver que o inconsciente
não está ainda tocado, não está ainda atingido. Suas reações são as mesmas
como se nada tivesse acontecido. A grande importância dos sonhos e a razão
porque temos que analisa-los é para ver: onde estamos no nosso inconsciente...
No nosso consciente podemos estar sabe Deus onde, no topo do Monte
Everest pela nossa intuição – e no nosso inconsciente nem saímos do berço.
Dr. Jung: Quanto ao meu ponto de vista, eu insisto realmente no fato de que
tanto faz qual é a sua atitude consciente; o inconsciente está absolutamente
independente e pode fazer o que bem entender. Naturalmente, se o Senhor
assimila boas partes do inconsciente pelo consciente, haverá uma mudança.
Todos que fazem análise prática sabem que os paciente antes da análise, em
geral, têm sonhos lindos e ordeiros, perfeitamente apresentáveis, mas logo que
iniciam a análise tudo se desmonta e têm sonhos horríveis e tudo vai por água
abaixo. Isto decorre do fato de que as pessoas que chegam para análise estão
dissociadas. Estão, de vários modos desorientadas e da primeira lição obtêm
uma espécie de ordem no seu caos consciente. Então, instantaneamente, o caos
já está no inconsciente.
Essa mulher chegou ao seu colapso. Chegou até os confins da sua caixa
cerebral e seu sentir falou apenas coisas desairosas e inaceitáveis – as quais
ela não gostava de ouvir – e essas coisas foram ruins demais, loucas demais e
assim ela tinha que rejeitar o seu sentir pois não sabia como emprega-lo. Além
disto, nem se tratava de empregar porque o sentir não teria obedecido a ela e
isto é verdade quanto à função inferior... Eu posso propor para mim que agora
vou usar o meu sentir. Mas mal é tocado, ele já está me usando. Isto é: não
pode ser usado, é “queimoso” demais. Então você o deixa cair, afastando-se
encontrando-se numa completa parada e nada se move. Você está de novo do
lado da mente, completamente seco e estéril. Então você terá que tocar de
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novo o sentir e com isso reaparece o problema inteiro. Esse é o problema com
o qual a paciente me procurava e é bem lógico que depois de certo tempo o
inconsciente sugerirá lições de música. É semelhante à história de Sócrates e
da sua flauta. Aqui emerge a mesma situação e agora o menino suíço vem para
ensinar-lhe música, a arte de sentir e isso não seria uma música de tipo muito
erudito, de forma alguma clássica, mas é uma música camponesa, tocada em
acordeão. E já essa seria o bastante se ela possuísse o suficiente daquele modo
bem primitivo de se expressar, uma vez que ela é absolutamente inarticulada.
Mas agora gostaria de saber como interpretariam aquele menino suíço. Oh!
Não devem rir! Vocês não sabem... eu sei o que pensam, mas estão bem
errados.
Dr. Jung: É um novo animus,no entanto, não é uma atitude, mas uma função.
O menino é uma figura dentro dela. Tecnicamente é o melhor trata-lo côo está
sendo apresentado no sonho. E o sonho fala de um menino suíço, isto é, uma
figura mais ou menos pouco importante. Ela não sabe como ele é, um tipo
suíço de pessoa, um jovem. Seria um grande erro dizer que tal figura sou eu
porque nesse caso seríamos obrigados a concluir que o seu inconsciente estava
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Dr. Jung: Aprender a pensar analiticamente é muito impressivo para ela. Esse
é o menino suíço nela, recentemente criado... Esse menino suíço é uma
espécie de espírito, uma espécie de visão mental, um sistema de modo de ver,
uma forma de pensar que se originava na Suíça e que propõe música. Essa é a
maneira como o sonho está se expressando. Alguém poderia dizer que o
proceder analítico chegou a criar a impressão de que seria aconselhável prestar
mais atenção ao seu sentir. Isso é tudo. E se eu interpreto dessa maneira, deixo
a honra à sua função, deixo que fique com ela o mérito. Não estou reduzindo a
função dela no meu mérito, de modo que ela se esqueça totalmente que possui
uma função que é sua; porque com tal procedimento eu a ensinaria a fazer
projeções. E a gente já projeta bastante. Eu tenho receio de excesso de
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projeções. Assim o sonho, nessa altura diz que é o resultado de seu próprio
processo ideativo (pensar) o dever aprender a tocar acordeão.
E agora ela o deixa esperar. Isso significa que ainda durará certo tempo antes
que ela possa decidir a aceitar o fato de que deveria funcionar com o seu
sentir. Ela tem medo disso, embora não perceba seu medo. A função inferior
está sempre no estado de repressão ou de inconsciência, de modo que nunca
podemos avaliar plenamente o que realmente acha ou qual é a medida do
poder dela. Assim dura bastante tempo até que ela se vista e quando entra na
sala nem acabou de se vestir o que significa que a sua atitude ainda não é
aquela que deveria ser, anda não está inteiramente adaptada. Isto é bem
evidente porque ela entra dizendo: “Agora tocarei a melodia que eu aprendi”,
isto é, ela toca seu sentimento com a atitude “Agora te mostrarei o que eu
quero” – esquecendo-se inteiramente do fato de que se toca o seu sentimento,
ela fará o que este está querendo. Lembrem que o menino diz: “Você não faz
nada daquilo que eu queria”. Esta é a função inferior. Ela podia dizer ao seu
pensar: “Eu me sento e penso sobre algum assunto” – e olhem o milagre: ela
pode produzir um pensamento! Essa é a função diferenciada. Mas ela tem a
mesma atitude com o sentir. Ela diz: “Agora eu vou sentir...” e então nada
aparece ou se algo acontecer, toma-a pela mão e joga-a num caldeirão de óleo
fervente.
usada – que de forma alguma está sob o controle dela, que pode ser posto só
assim na bolsa e retirado de lá para brincar com ele. É um fator vivente na sua
psicologia que assume a liderança. Agora nós não sabemos se ele teve sempre
a liderança ou o controle sobre ela, ou só agora, neste momento, ou se assim
será para sempre. Só sabemos que por enquanto algo está segurando a sua
mão, esta forçando a sua mão. Ela tem que obedecer a algo que está dentro
dela, podem chamar uma idéia ou fantasia, tanto faz, o resultado é o mesmo:
sua mão está sendo forçada. O problema agora começa a trabalhar por ele
mesmo, espontaneamente. Ela pode fugir, mas ele a alcançará de dentro, já
que o fogo está aceso e o processo de desintegração está em andamento.
Sonho: Estava numa canoa com um homem. Ele disse: “Temos que ir
até o fim do lago onde convergem os quatro vales, onde eles fazem
descer os rebanhos das ovelhas à água”. Quando chegávamos lá ele
encontrou um cordeiro paralisado no rebanho e eu encontrei uma
pequena ovelha prenhe. Isto me surpreendeu porque ela parecia ser
nova demais para estar prenhe. Suavemente acolhendo os animais nos
nossos braços, os levamos à canoa. Eu os embrulhei e o homem disse:
“Podem morrer, estão tremendo tanto”. Então eu os embrulhei ainda
mais.
Dr. Jung: Sim, os argonautas à procura do Tosão de Ouro. Bem, receio que no
fim do lago não haverá o Tosão, mas carneiros. Podem ler nas aventuras dos
argonautas, por exemplo, que eles tiveram que passar pelas rochas onde a
pomba perdeu seu rabo e toda aquela história. Eles se empenharam numa
viagem extremamente psicológica. Sob qual denominação falariam sobre isso?
É a jornada noturna no mar. O lago é o inconsciente, se o tomam como
símbolo, e o mar, naturalmente, é símbolo também do inconsciente. Por que?
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Então esta viagem ao fim do lago é uma experiência séria, não apenas uma
excursão para entreter-se. É realmente uma jornada que leva até ao fim, onde
se espera encontrar algo definido, algo novo. E essa coisa tão nova e definida
é simbolizada pelos quatro vales que convergem, que se juntam, e rebanhos de
carneiros descem para beber a água da vida. É quase uma imagem bíblica,
algo que não encontramos na realidade. Eu nem me lembro do lugar onde
quatro vales convergem, e quando perguntei à paciente, ela estava
inteiramente perplexa. Sim, pensa-se nas quatro direções, entre os índios
pueblos fala-se dos quatro pontos cardinais do horizonte, e recordamos a
orientação dos templos de acordo com os quatro pontos cardinais. Nota-se
algo peculiar com esta imagem, há um elemento dinâmico nela, não é apenas
uma figura estática, porque rebanhos de carneiros descem de todos os quatro
cantos para chegar ao centro e beber água. Onde os Senhores vêem algo
semelhante, que cada pessoa civilizada de hoje conhece?
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Dr. Jung: Existe uma lenda que conta que quando Jesus nasceu, supostamente
três sábios chegaram dos quatro cantos do mundo; não foram três, mas quatro,
só que o quarto não chegou a tempo. Jesus é a fonte da vida e seus seguidores
são os carneiros. Este é o lugar das águas da vida, onde o povo procura sua
salvação. Essa é uma analogia. Eu conheço mais duas, como também os
Senhores foram ensinados. É a imagem reversa, sobre o centro e as águas
saindo e formando quatro rios. Onde está isto?
Dr. Jung: Naturalmente, no Jardim do Éden. São os quatro rios que saem do
paraíso. E a outra imagem, com o grande influxo de multidões de seres
humanos. Onde encontram isto?
Se algo emerge num sonho e pouca conexão tem com a vida cotidiana, se nele
não há estradas, ou bondes, ou casas, nem pais ou outros relacionamentos, mas
há dragões ou templos, ou algo que não existe no meio costumeiro, então
podem estar certos de que o inconsciente está tentando transmitir a idéia de
algo extraordinário, de algo incomum, e depende da natureza do simbolismo
para nos dizer; o que seria aquela espécie singular de coisa extraordinária. Se
sonham com um dragão, obviamente trata-se de uma idéia mitológica. E no
sonho da nossa paciente, sobre os quatro vales que convergem para onde
rebanhos de ovelhas estão sendo trazidas à água, percebe-se nitidamente que
deve haver um simbolismo particular.
É útil examinar tal imagem. Uma das razões pelas quais eu convido as pessoas
a fazerem desenhos é que isto ajuda a sua imaginação. Na medida em que
miramos apenas a imagem nos sonho, temos apenas uma impressão mais
flutuante que logo se esvai, mas fazendo um desenho da imagem, essa
permanece na imaginação, permanece no campo visual, fornecendo mais
possibilidades para imaginações e mais contexto. É às vezes surpreendente:
quando material associativo emerge desta maneira. Muitas vezes a pessoa nem
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sabe pintar, mas produz uma espécie engraçada de imagem que está
peculiarmente estimulando a sua imaginação em função de muitos erros
cometidos durante a execução. Parece inteiramente diferente e a ela de repente
esclarece-se o seu sentido real, justamente pelo fato de que, por tantos erros,
os conteúdos inconscientes associam-se ao desenhado.
Desenhar um conteúdo onírico não significa arte, mas sim auxílio; é como um
método de fazer um diagrama para explicar um assunto. Tal diagrama não
pretende ser arte, é apenas uma visualização dos pensamentos.
No caso atual não sugeri à paciente que desenhasse. Não era necessário,
porque ela é uma mulher de viva imaginação e alta inteligência e sentiu
imediatamente que aqui havia algo significante. Em comparação com o sonho
anterior, podem ver que estamos decididamente numa camada mais profunda.
Tal sonho significante toma uma forma épica. Estar com um homem
desconhecido numa canoa talvez não seja uma coisa incomum, mas aqui eles
têm que ir até o fim do lago; é como uma busca, uma aventura, e soa como um
texto hierático. Depois chegamos ao ponto onde se encontram os quatro vales
e lá ocorre algo extremamente simbólico: o homem encontra uma ovelha
paralisada e ela encontra uma pequena ovelha prenhe. Isto também aponta
uma tal simetria de visão que imediatamente nota-se: é altamente simbólico.
A ovelha
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Dr. Jung: Então o Senhor associa a ovelha e o rebanho com a atitude cristã.
Mas trata-se aqui daquela ovelha, porque uma entre tantas? Bem, se pensamos
na base da idéia de simetria, essa é a antiga idéia filosófica da
correspondentia, por exemplo, entre em cima e em baixo, ou a antiga
correspondentia entre direito e esquerdo. Assim a ovelha paralisada
corresponderia à figura do homem e a ovelha prenhe à ovelha da mulher. Se o
homem acolhe uma ovelha paralisada, então está acolhendo algo em
correspondência com ele mesmo, que expressa ele mesmo de algum modo,
porque essas figuras de configuração arquetípica estão atuando
simbolicamente, sabem, exatamente como os profetas do Velho Testamento
atuaram profeticamente ou simbolicamente. Podem ver que aqueles profetas
fizeram as coisas mais espantosas para – por assim dizer – atrair a atenção,
para expressar uma idéia simbolicamente. O caso mais extremo foi o do
profeta HOSEAH que, simbolicamente, casou-se com uma prostituta, porque
o Senhor assim ordenava, expressando dessa maneira que o povo prostituira-
se até com os pagãos, e assim mostrava ao povo o que era, casando-se com
uma prostituta por ordem divina. Esta é uma ação ou atuação simbólica, e num
sonho dessa categoria tais ações ou gestos são igualmente simbólicos. Quando
as figuras do sonho acolhem esses animais, é como se falassem por suas
ações, como se quisessem transmitir certa idéia, como se dissessem, por
exemplo “Isto eu faço para mostrar que devemos sentir compaixão”, ou algo
semelhante. Já mencionei que estas ovelhas devem ser de origem cristã,
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bastante esperado. Então, estão vendo alguma analogia ao falar sobre esse
simbolismo cristão?
Resposta: O pastor.
figura de CRISTO era bem nebulosa. Ao nosso modo de ver, Ele é uma
invenção absolutamente nova.
Naqueles tempos antigos, ele nem era uma pessoa e sempre foi tratado nesse
sentido simbolizado de acordo com a época. Assim, por exemplo, a forma de
POIMEN para eles era uma espécie de anjo tremendamente grande, muito
maior do que uma figura humana, um grande espírito invisível, um Deus bom,
e tal figura impessoal, nunca foi chamada CRISTO. Seu nome era tabu.
Denominaram-no Pastor de Homens – POIMANDRES, o grande líder dos
humanos, em ente dos mistérios, no entanto relacionado diretamente ao
“Pastor de Hermas”, que é uma escritura decididamente cristã e fez parte da
antiga literatura cristã até o quinto ou sexto século. Temos a sua forma pagã
num texto grego muito interessante e a melhor idéia que eu lhes poderia dar
sobre ele é que se trata de um livro que poderia ter sido escrito por um
paciente em análise, sobre suas visões: como POIMEN apareceu para ele (ou
para ela). Foi um homem que o escreveu, porque naqueles tempos os mistérios
eram predominantemente um assunto para homens. Hoje em dia são o das
mulheres. No texto podemos encontrar uma descrição de como apareceu
POIMEN para ele, qual era o seu ensinamento e como recebeu dele
orientação, do líder ou pastor dos homens.
A nossa boa senhora, naturalmente, não tinha menor idéia do que estava
sonhando. Para ela um homem desconhecido acolheu uma ovelha, mas podem
ver, de fato, como realmente ela retoma aqui à configuração arquetípica do
líder dos homens, semelhante a um espírito. Isto leva mais para trás, aos
líderes-espíritos das tribos primitivas, onde certos homens chamados pajés
(medicine men), de vez em quando eram posseados por espíritos,
43
Ocorre que tal arquétipo ainda existe dentro de nós sob a forma de imagens
oníricas. Podemos sonhar com o guia-espírito como uma pessoa importante,
um médico ou um professor, como um diretor superintendente ou até como
um grupo de diretores invisíveis. Por exemplo, aqueles que sabem algo sobre a
psicologia dos médiuns, sabem que eles, muitas vezes, são dirigidos pelos
assim chamados “controladores” (isso mais na área anglo-saxônica!) que é o
guia espiritual. Em circunstancias normais as pessoas não sabem da existência
de um guia espiritual, mas ao analisar seus sonhos, ele aparece. Aquele
homem na canoa é um desses casos; ele diz que têm que atravessar o lago e
revela-se como uma espécie de bom pastor. Não é possível vermos isso no
sonho, exatamente: apenas tem-se um palpite, mas eu lhes digo; ele é o guia.
Mais tarde entra mais e poderão ver que ele é aquela figura. Desenvolve-se
lentamente como guia-espírito que vê todas as coisas que ela tem que passar
mais tarde, exatamente como o esqumó-vidente que viu o caminho para a ova
terra e que estava lá em espírito, experimentando toda a viagem através do
gelo antes que realmente tivesse ocorrido, embora só depois quando conseguiu
convencer seus companheiros, chegou a ter a verdadeira experiência, Dessa
maneira costuma acontecer, desenvolvendo-se de modo que o guia-espírito
que anteriormente apareceu no sonho assume a liderança prevendo e
experimentando por antecipação, e ela passará pelo mesmo caminho e
experimentará isso na sua própria existência.
45
Agora, aqui no sonho, a mulher está com a ovelha, já que ela é ainda um
membro instintual da igreja cristã. Sua mente está paralisada e ela está grávida
(prenhe!). Ainda jovem demais par a gestação e mesmo assim está prenhe do
futuro. Isto significa que ela é jovem demais como pessoa, não é amadurecida,
não é madura, é prenhe do futuro,mas não pode levar adiante. Esta é uma
verdade quase geral para a época presente inteira. A maioria das pessoas não
agüenta. Suas mentes estão paralisadas demais e tornam-se neuróticas, não
podem levantar-se e ir adiante e isso é expressado por essas duas ovelhas
simbólicas – na medida em que a mente ou a psicologia da sonhadora ainda
constitui parte do rebanho cristão.
Depois desse sonho a paciente foi tomada por uma sensação extraordinária de
lassidão e cansaço. A condição paralisada e a doença da ovelha são fatos
viventes dentro dela. Costuma-se ter tal sensação de cansaço, uma espécie de
resignação, de desespero, quando se perdeu uma esperança, um modo como se
poderia ter vivido, por exemplo. Se tal possibilidade desaparece, a pessoa está
sendo dominada por esse tipo de cansaço psicogênico. É a conseqüência
direta do sonho ou a realização daquilo que ocorreu no sonho. E, olhem, essa
48
reação veio antes de termos analisado o sonho. Ela não sabia o que o sonho
estava propondo, mas sentia seu efeito, o que ocorre com bastante freqüência.
Visão: Agora ela vê uma outra figura, uma cabeça humana que escura
como uma sombra e em redor dela há um halo com raios como uma
roda.
Dr. Jung: Sim, o antigo nimbo cristão. Podem encontra-lo nas antigas
basílicas. É como o halo solar do antigo deus do culto mitraico. O nimbo dos
imperadores teve grande papel nos cultos de mistério – e isso inclui o
cristianismo. Podem ver essa forma particular de roda na cruz da arqueologia
cristã. Eu ainda não falei uma só palavra a esta mulher sobre POIMEN, mas
esta cabeça poderia ser encontrada nas catacumbas. O estilo poderia ser
romano da última fase ou da fase inicial normanda. Que a interpretação em
termos de POIMEN é certa parece ser confirmado por essa visão. A paciente
nem reconhecia que era um halo: ela estava espantada e pensava que era uma
roda comum, a cabeça de um homem com uma roda. Não sabia que era uma
roda solar, uma das primeiras formas do símbolo do Sol. E, naturalmente, o
49
Sonho: Fui de carro para minha cidade natal, terrivelmente ansiosa por
causa do medo de não ter bastante óleo ou gasolina. Tive muita
dificuldade em encontrar a estrada. Quando enfim consegui, um homem
disse: “Você devia ter sabido que esse era o caminho, porque há outros
carros e você andou bastante em vielas solitárias”.
Aqui o sonho diz que ela está na estrada que leva à sua cidade natal, ao lugar
de onde veio e está sua moradia. Isto é simbólico. Ela está retornando ao seu
lar. Isto é certo e imediatamente associamos: o lugar onde convergem os
quatro vales. Naturalmente isto não está particularmente indicado no sonho,
mas lembrem das associações ligadas aos quatro vales, o que foi falado antes:
a cidade edificada sobre o número quatro, a Jerusalém Celeste no Apocalipse,
que naturalmente é o “lar” para todos. Nesse caso é a cidade dela, aquela à
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qual ela pertence e não a Jerusalém Celeste que pertence a todos. Isto é
simbólico para ela, seu símbolo de individuação – para ela – a sua volta ao lar
– a si mesma. Isto explica porque ela está tão terrivelmente ansiosa para
chegar lá; no fundo essa é a sua meta. Mas ela duvida se tem bastante óleo ou
gasolina, o meio pelo qual o carro se movimenta. Óleo e gasolina são
absolutamente necessários para a vida do carro e se traduzem isto em
linguagem psicológica, indica muita coisa para ela mesma. Se ela não tiver o
óleo necessário ou o seguramente bastante, o motor esquentará demais e ficará
destruído, e se não tiver gasolina, certamente não andará. É a energia “líquida”
e naturalmente pode surgir a dúvida, na sua mente, se ela terá a paciência
necessária ou realização ou força de vontade, ou a energia para chegar lá, isto
é, se seu abastecimento será suficiente, neste longo caminho – para si mesma.
E lembrem, a doutrina cristã reza que o homem é mau desde o início e o seu
lugar de origem é o inferno, então porque deveria ele preocupar-se de ir lá?...
Nós achamos que não somos influenciados por tal espécie de ensinamento,
mas é ainda esse o nosso credo. Mesmo se alguém pensa que o Novo
Testamento inteiro é uma bobagem, parece para ele bastante ruim e mórbido
estar sozinho consigo mesmo. Se eu solicitasse a essa pessoa permanecer só
durante uma hora consigo mesma, ela me acharia um louco, porque se
considera uma espécie de monte de esterco, uma cesta de lixo e então por que
dedicar tempo a uma tal insensatez? Esse é o ensinamento cristão. A origem
do ser humano é má e ele necessita a intervenção dos santos e a graça de Deus
para poder chegar a qualquer ponto. Deixado a si mesmo ele é um verme
miserável, pronto para descer aos fogos eternos de onde veio. Uma punição
terrível no inferno não nos toca muito, mas setenta ou oitenta anos da nossa
vida fez parte daquela fórmula e nós, naturalmente, sofremos do efeito
psicológico de tal educação. E não há escapatória. Podemos ser bem liberais
quanto ao nosso ponto de vista, talvez até ateus, mas não podemos nos afastar
dela, porque está no nosso sangue. Na cabeça estamos libertos dela, mas
descendo um pouco mais para baixo, estamos bem no meio da Idade Média.
A toupeira e o canário
Aqui temos dois animais; um é a toupeira. Esse é um bicho noturno que vive
sob a superfície – e cava embaixo da terra. O outro é um pássaro, um habitante
do reino do ar. Assim esses dois animais são extremamente simbólicos. Um
poderia ser tipificado como uma espécie de tendência instintiva, uma
tendência inconsciente para mover-se para baixo, dentro da terra e o outro é
um similar movimento instintivo para cima, no ar, que é um símbolo do
espírito ou da idéia.
Quando o ser humano era menos desenvolvido do que hoje em dia, o processo
psíquico foi localizado em centros diferentes e nós ainda temos vestígios
daqueles centros. A cabeça, em nós, é predominantemente a sede das idéias e
dos processos de raciocínio, enquanto os nossos processos emocionais têm um
centro entre o de cima e o de baixo, no coração. E ainda temos a sensação de
um centro psíquico no abdômen, porque certas coisas apresentam-se bem
claramente nos processos abdominais; por exemplo, perturbações gástricas são
bem freqüentes em casos de neuroses e praticamente não há casos de histeria
sem sintomas no abdômen. O estômago funciona como se fosse um órgão
psíquico, que expressa determinados pensamentos ou emoções através de
certos distúrbios.
Como estão vendo, a toupeira representa uma função psíquica vital que se
move para baixo, embaixo, embaixo da consciência, ao passo que o pássaro
como que se movimenta para cima. Ele está na esfera cerebral ou acima desta,
já que o pensamento sai da cabeça como um pássaro e se nós seguimos o
pássaro, então elevamo-nos para cima, acima de nós mesmos e deixamos
atrás, por assim dizer, o nosso corpo ou a parte correspondente da nossa
psicologia, a nossa psicologia terrestre! É interessante que a toupeira é um
animal selvagem e o canário é, decididamente, o mais domesticado, sempre
mantido dentro da gaiola. A sonhadora está cortando a unha de ambos. Sabem
certamente que o canário mantido na gaiola tem sempre a tendência de ter
54
unhas tão crescidas que já nem saberá usa-las de modo adequado; por isso elas
terão que ser cortadas artificialmente. Mas para a toupeira nunca é preciso
cortar as unhas, porque as usa constantemente para cavar; por isso, de modo
algum tem sentido e é até ridículo cortar as garras ou unhas desse animal
selvagem; obviamente ela comete um erro tratando a toupeira como se fosse
um animal de gaiola, um canário.
Esta mulher, por exemplo, está repleta de uma tremenda emoção que é
temivelmente forte e a possui completamente ou, ela está da mesma maneira
tomada pela falta dela. Ela não pode faze-la emergir nem pode afasta-la com
sua vontade. A função inferior é como um animal selvagem com uma força
superior e alguém não pode abater um leão ou algo semelhante, porque ele
poderia come-lo. Mas ela, nesse sonho, lida com tendências instintuais do
mesmo modo. No caso do canário, sendo uma função inteiramente
domesticada, os sinais do crescimento autônomo (representado pelas unhas)
56
podem ser cortados e isto até pode ser uma vantagem. Mas, pegar uma
toupeira e cortar suas unhas é um erro, pois se trata de um animal selvagem.
Com outras palavras: a função que é “selvagem” não deve ser “podada”
porque assim nem poderá jamais funcionar de modo apropriado. Isto significa
que sua não domesticada função inferior pode atuar melhor se deixada livre e
é um erro se ela interfere. Pode culpar sua função cogitativa por um pensar
ilógico, pode fazer o que bem entender com a sua mente, mas não pode fazer a
mesma coisa com a sua função inferior do sentir. Querendo estabelecer
qualquer contato com um animal selvagem, temos que nos adaptar a ele,
estudando seus hábitos, e é a mesma coisa com a função inferior: temos que
estudar suas próprias leis e seus hábitos próprios devendo realizar que ela
funciona melhor deixada a si mesma. Já que está ligada a nós, devemos
estabelecer contato com ela, mas esse contato deve ocorrer ao longo das linhas
da função da mesma.
No sonho, esta mulher percebe que devia ter feito algo errado com os animais,
que poderia ter cortado as unhas muito curtas, com isso causando dor a eles.
Este é o fato para o qual o sonho chama sua atenção: que ela tem que ser
cuidadosa com isso, e então alguém menciona que a toupeira penetra bastante
baixo no solo. Esta, então, é uma verdade banal, mas o sonho insiste em tal
fato. Evidentemente ela já foi doutrinada no sonho sobre o que significa a
toupeira, e está sendo enfatizado que ela é aquela função que penetra
profundamente no solo. Isto agora parece ser novidade para a paciente.
Obviamente ela não realizou isto, porque cortou as unhas da toupeira, o que
atrapalhará o animal na execução do seu trabalho. Trata-se, evidentemente, da
idéia de que algo tem que ir para baixo, porque nada se move para cima. Ela
abre a gaiola do canário e este não vai embora. Esse é o problema com a nossa
57
Nós abusamos da nossa função diferenciada para nos proteger a nós mesmos,
com muita freqüência de uma maneira errada e a usamos para assassinar a
vida quando ameaça tornar-se incômoda. Até certo ponto essa proteção é bem
valiosa, mas quando chegamos àquela fase da vida em que o desenvolvimento
da personalidade torna-se um problema inevitável, já não é permitido
assassinar a vida. Então temos que aceita-la...
58
Na filosofia hindu existe a idéia de karma, o nosso destino. Até certo ponto
nós trabalhamos contra o karma, contra – por exemplo – o destino da família.
De outro modo a criança deveria ser absolutamente subjugada pelo destino
herdado, pela maldição da família e nunca começaria a viver, sendo sufocada
desde o princípio. Assim muitos jovens têm que trabalhar para descartar o
karma, têm que se diferenciar para poder viver, têm que se livrar do feitiço
familiar e estar em condições de rasgar todos os véus do estado inconsciente.
Mas depois de se libertar do oprimente destino familiar – pecado inato –
chegará o momento no meio da vida quando a sua tarefa torna-se difícil. A
tarefa última da vida, de acordo com a doutrina hindu, é assumir o karma e
perlaborá-lo, porque se isto não acontecer, o karma passado acumula-se e na
próxima existência haverá um inferno para passar. Mas, afortunadamente, é
possível fazer algo assumindo-o, aceitando-o. E, via de regra, as pessoas,
particularmente aqueles que estão em na´~alise, são simplesmente forçadas
pelo desenvolvimento lógico da análise, a assumirem seus destinos
individuais, sua situação particular com todas as suas desvantagens e
imperfeições. Podem chamar isto: individuação.
A nossa paciente estava num tal buraco. Sua mente científica não servia para
nada. O sentimento diferenciado poderia orienta-la, mas deste ela não tem
nada, apenas o sentir de um homem muito primitivo e naturalmente este não
estava de forma alguma à altura desta situação. Assim emergiu a necessidade
de seguir a função inferior no seu próprio campo, nas profundezas, para baixo
da sede abdominal da função inferior. Esse é o motivo para ir “abaixo”. Logo
chegaremos de novo a isso. E esta é a coisa que parece prometer vida – a sua
solução. Porque com o canário não há qualquer esperança.
“SEMINÁRIOS SOBRE VISÕES”
PARTE II
SPRING 1960
Primeiro Livro
2
O Santo e o Touro
Dr. Jung: Sim... porque a figura central do culto mitraico era o touro. O touro
aqui tem o papel do cordeiro da mitologia cristã, mas ainda mais do que isso.
Vejam, o cordeiro é meramente o culto da vítima sacrificial, foi simplesmente
levado à pedra e lá abatido, e isto não significa muito mas o touro mitraico
sim, significa bastante. É o poder criativo, o grande Touro do Mundo, o touro
do princípio, o Touro-Deus, o mais poderoso e admirável. E a sua sorte é a
causa imediata do renascimento, do renascimento natural... A idéia do culto de
Mitra (ou Mitras) era que Deus está sacrificando o Touro Divino, sua própria
libido, sua própria força vital e de fertilidade, para aumentar a fertilidade na
terra, como uma espécie de benção para a terra. A idéia mitraica, do ponto da
simbologia, é muito semelhante ao dogma cristão e é um fato que o culto
inicial dos cristãos emprestou bastante do ritual mitraico.
Mas, quando alguém sonha com um touro não significa necessariamente que
isto vem do mitraismo por qualquer canal desconhecido; é meramente a
mesma idéia natural que foi expressa originalmente no culto mitraico. Repito:
não é uma derivação do culto mitraico, se alguém, nos dias atuais, sonha com
touros. Por exemplo, neste sonho, é uma reprodução autóctone da mesma
idéia; a nossa mente pensa do mesmo modo e nós pensamos as mesmas coisas
que já foram pensadas antes e serão sempre pensadas. Por isso podem
encontrar o culto do touro ou o culto de animais semelhantes em todos os
recantos mais remotos da Terra, nas mais diferentes épocas, porque é
arquetípico. E o arquétipo é eterno, encontra-se fora do tempo.
Nesse sonho vê-se que o touro, com esse fundo de idéias mitraicas por trás
dele, está comendo os dedos do santo, o que significa que, de uma maneira
amistosa está começando a devorar um santo cristão. E a nossa paciente,
4
Dr. Jung: Então percebem o quadro? Como vêem, cada um disse uma verdade.
É fazer toda e qualquer coisa com “perfeição”, é a atitude de nos sacrificarmos
por uma “causa”, independente da categoria da “causa”. Alguém pode fazer as
coisas mais absurdas com uma “santa” atitude.
dificilmente resistem a ela. Eu vejo isto nas pessoas analisadas, é a coisa mais
difícil educa-las para sair da ilusão da “santidade”. É uma espécie de
preconceito, um efeito ancestral das antigas idéias cristãs. Não tem nada com
as convicções conscientes, mas é a fundação de toda a nossa atmosfera
mental... Nós supervalorizamos tremendamente a consciência... mas em certas
esferas da psicologia é possível ver que a consciência não significa nada.
Podem convencer alguém quanto a uma verdade psicológica, por exemplo, e a
pessoa responderá: “Oh, sim, eu percebo...” mas é como se tivessem dito a ela:
“Você tem uma pequena cobra no seu bolso” e ela responderia: “É mesmo,
que interessante”. Tal pessoa pensa que está perfeitamente convicta, acha-se
esclarecida, mas na realidade nunca poria sua mão no bolso se realizasse o que
significa ter lá uma cobra. E assim é na psicologia quando se chega a uma
atitude básica. Por exemplo, a nossa sonhadora certamente teria dito: “oh, eu
percebo exatamente o que o Senhor pensa”, mas ela exatamente não teria
percebido nada, porque aquele preconceito é demais forte, aquele preconceito
que se estende mil anos para trás ou mais além da sua existência individual.
Isto não pode ser tão facilmente removido, é algo formidável e significa um
longo trabalho até poderem chegar ao fundo de tal atitude, até realmente
conseguirem lidar com ela.
E o fato importante com a “santidade” é que não é uma coisa que ocorre por si
mesma, não está simplesmente lá, mas é questão de um treinamento ou auto-
educação; é um produto cultural, é um ideal. Por exemplo, o pajé não quer ser
pajé e fará tudo para evitar isto. Um santo cristão tem uma face inteiramente
diferente, uma figura diferente de um sábio chinês ou hindu, mas
naturalmente, o ponto que eles têm em comum é a diferenciação intencional
do tipo. Eles até constroem sistemas mais complicados como yoga ou ritos
6
inefetiva, não pode criar, não pode fazer nada; então, se as mãos do santo
estão sendo comidas, ele não pode mais manter-se efetivo.
Agora, obviamente, esse touro não é apenas o animal no ser humano, teria que
ser algo mais. Acho, então, por assim dizer, que não é a consciência animal
versus a consciência espiritual ocidental. Como vêem, tem que haver algo
especial em relação com esse animal. Não é um touro comum. A paciente
mesma, instantaneamente, associava-o com Mitra; assim, não podemos
assumir que seja como qualquer outro bovino. É o Touro Divino, como o
santo é também divino. Assim, é um princípio divino colocado contra um
outro princípio divino, o que, naturalmente, faz uma grande diferença.
O touro divino é um touro abstrato. Por isso, se falam da força dos instintos ou
de uma atitude instintual, não seria isso em alguém meramente uma
inconsciência animal, uma falha? Tem que ser em relação com um princípio...
algo universal. Deve ser da mesma maneira bom ou eficiente como a
santidade, porque o touro está em condições de comer o santo. Assim, deve
significar uma atitude instintual que é equivalente a uma atitude cristã... temos
que tentar entender essa atitude instintual e, ainda mais, uma atitude instintual
baseada num princípio. Podem imaginar o que eu acho quando estou falando
de uma atitude instintual baseada num princípio?
Resposta: Fecundidade.
Dr. Jung: Esperamos que seja o princípio da fecundidade, mas por enquanto
está comendo o santo – uma atitude que obviamente solapa a idéia cristã de
santidade. Então como compreenderiam isto? É o simbolismo da primavera. O
touro é Taurus, o signo de maio. Não é o verão, é realmente o pleno
8
Contra essa atitude o touro seria a atitude instintual baseada num princípio e é
bastante difícil para nós entender o que significa, porque a atitude cristã
sempre dirá que é o “laissez faire, laissez aller”, um sistema de desorganização
individual. E podem ver que aqui nós tropeçamos na nossa mentalidade cristã.
Esquecemos que o animal é a coisa mais piedosa que existe. É a única coisa,
excetuando-se as plantas, que realmente consuma o seu destino ou a vontade
superior – a vontade de Deus – se quiserem colocar isto em linguagem
religiosa. Nós somos do diabo, porque estamos sempre desviando, porque
sempre estamos vivendo algo do nosso jeito e não cumprimos a vontade
divina. Os animais são piedosos, já que vivem exatamente como são
destinados.
9
Aparentemente a atitude de santidade tem que ser reprimida por um fator real,
simbolizado pelo touro, que é a força criativa ainda indiferenciada. Compara-
se ao touro mitraico que é o touro do começo, o touro do mundo,
ABUDABAO (de origem persa). Como vêem, o touro do começo é a cega,
inconsciente força criativa, nesse caso representando um grande valor, porque
a atitude de santidade é uma culminação, é um fim. Porque qualquer coisa que
é diferenciada e atingiu a sua completude é, naturalmente, linda e respeitável e
boa e nobre – e estéril. Depois de certo tempo mostra-se “seca”. Pode-se
admitir: “Sim é lindo, é maravilhoso”. No entanto não funciona mais. Como
se tivesse perdido a sua eficiência e, em tal caso, o inconsciente faz emergir o
contrário, um cego e indiferenciado impulso, um signo de primavera na
astrologia. A astrologia é a psicologia do inconsciente projetada e nós vemos
aqui Taurus, o touro, como o signo da primavera, o tempo criativo, a parte
criativa do ciclo inconsciente.
A cabeça do Carneiro
Vejam: esta visão é muito semelhante a um sonho, mas não inteiramente. Não
sabendo se era um sonho ou uma visão, o que diriam? Qual é o critério?
Bem... Nesta visão ou nesta série de imagens nada há que a sonhadora pudesse
experimentar na vida cotidiana. Se fosse um sonho... seria aquilo que os
primitivos chamam de grande sonho, um sonho visionário, um sonho de
importância, de longo alcance. Então esse é o critério. Quando as séries de
imagens não contêm o material costumeiro da vida, vamos dizer, carros,
parentes, titias, e assim por diante, sendo em todo caso não costumeiro, é bem
provável que seja um sonho visionário. Mas nós temos também outros
critérios, além da falta de material da vida cotidiana...
a participação pessoal, ao passo que nos sonhos a pessoa não é tão excluída.
Está “dentro” mesmo só que como expectadora. Por exemplo, é possível ter
sonhos nos quais... não há sujeito. Não aparecemos dentro do sonho mas os
conteúdos emocionais estão lá, assim estamos no sonho. Se a sonhadora
tivesse dito que se sentiu triste quando o cavalo morreu ou se o índio tivesse
sentido isso, não faria diferença, teria sido sua própria emoção; mas aqui não
há nada disso, na ocorrência inteira não há emoção. Assim pode-se ter a
peculiar impressão como se se tratasse de séries de “flashes” ou de um filme.
Não existe a participação do sentimento. Qual seria a razão disso?
DR. Jung: está certo. Então esse é o critério positivo para o fato de que deve se
tratar de uma visão. Recordem seus sonhos: estavam repletos de emoção. Ela
era ansiosa, excitada, tocou música. O último sonho sobre o cemitério na
França está repleto disto, existe lá uma extraordinária atmosfera emocional,
mas nessas séries de imagens falta inteiramente o sentimento. Isto só pode
ocorrer pelo fato de que esta visão não era um trabalho exclusivo do
inconsciente; é como se houvesse nele um certo estado de ânimo. É a atitude
consciente que exclui seu sentir e, sabendo disto, podem ver: como estão
sendo produzidas essas fantasias. Antes de tudo, seu inconsciente está
operando; ela não sabe o que está por acontecer. Se eu tivesse perguntado: “O
que chegará a ver em seguida?”, ela não saberia, nem teria a mínima idéia; as
coisas que acontecem são repentinas e inesperadas, o que prova a atividade do
inconsciente. Mas o inconsciente, como estávamos vendo nos seus sonhos, é
muito emocional, está repleto de sentimento, mas aqui isto não aparece. A
razão é que um outro fator está operando, isto é, a sua consciência. E sua
13
O rápido e potente movimento aponta aqui que entrou energia nas visões ou
imagens... Isto significa já um tremendo progresso, porque então elas têm a
sua própria vida e querem continuar a se desenvolver, mas enquanto estão
estáticas, podemos ficar quase certos de que não terão qualquer continuidade e
são apenas uma chance de que a paciente obtenha um vislumbre da vida, de
vez em quando uma espécie de “flash”. Mas logo que há movimento pode
ocorrer um pleno fluxo de imagens que se desenvolverão em uma seqüência
lógica e isto, naturalmente, conduz ao drama. Não haverá apenas um fluxo
inconsciente de imagens: haverá drama. E logo que vem o drama, pegará o
indivíduo, o indivíduo será como que sugado para dentro e entrará no jogo. A
paciente mesma começará a representar o papel a ela assinalado no drama, ela
realmente estará dentro do drama-mistério, fará parte deste e será
transformada. Enquanto está apenas observando a continuidade ou o fluxo de
imagens, ela é destacada, só olha, como se costuma olhar os filmes; talvez
esteja interessada, ou “mexida”, mas não está representando um papel
assinalado. Logo que somos uma figura no drama-mistério, então servimos o
drama, somos parte dele e ele se apossa de nós e nos transforma. Então
chegaremos a conhecer um poder superior, o poder do drama. Essa é a idéia
do drama antigo, isto é, era uma espécie de ritual que poderia ser chamado um
mistério ou transformação. O drama antigo apossava-se do indivíduo ou o
indivíduo assimilava-o e ficava transformado; era como o mistério da
14
O último sonho, como recordam, era sobre o santo e o touro e toda aquela
atmosfera de guerra e nesta seqüência de fantasias e imagens não vemos
conexão com aquele sonho. Isto é devido ao fato de que os sonhos vêm
realmente da esfera inconsciente e não em virtude de qualquer impressão
consciente da vontade, embora naturalmente, haja uma certa quota de
atmosfera consciente em qualquer sonho; de outro modo não poderíamos ser
conscientes deles. Mas nunca estamos inteiramente certos de que o sonho que
vemos ou que recordamos é realmente aquilo que de fato era no inconsciente.
Aquele assunto no inconsciente nunca saberemos. O que podemos saber é algo
associado à consciência; e assim, se alguém sugere a teoria (e olhem, ela foi
sugerida) de que os sonhos ocorrem pela interferência de um resíduo da
consciência ou seriam distorcidos por aquela interferência da consciência, eu
diria: “Bem, certo, isto poderia ser assim”. No entanto, tal mescla da
consciência é muito pequena em comparação com a mescla do inconsciente
nestas imagens: por isso podemos supor que os sonhos se originam realmente
de conteúdos que se encontram muito mais embaixo do que os conteúdos de
tal fantasia.
15
E lembrem agora que a primeira visão era o pavão e depois veio o símbolo do
sol nascente, o homem solar, o homem com halo ou nimbo. O pavão é o
desabrochar do sol, o levantar do sol, e por isso é o símbolo da primavera e da
ressurreição. Isto tudo era um modo de antecipar as coisas que estão
acontecendo agora; assim, sob tal aspecto podemos entender o primeiro
movimento que se apresenta nas novas séries como uma espécie de
simbolismo da primavera ou de ressurreição.
Simbolismo astrológico
Resposta: O Animus.
Na imagem seguinte o índio deita-se junto a sua lança. Poder-se-ia dizer que
agora seu trabalho foi executado e ele descansa. Não se sabe o que isto
significa, mas é obviamente uma situação passiva. Podem observar que, com
bastante freqüência – quando o Animus reagiu e tudo foi arrasado até cerca de
20 quilômetros de circunferência – ele descansa, e as pessoas ficam
intensamente perturbadas, porque não sabem o que ocorreu e porque tudo é
tão morto e tão parado. E o que pode fazer o Animus, sozinho? Sente um tédio
mortal e vai dormir. Mas não por muito tempo, porque quando o Animus
consegue matar o impulso criativo, não pode descansar muito porque o
impulso criativo entra nele. Sabem que certas tribos de peles-vermelhas têm o
costume de comer o cérebro ou o coração do inimigo morto para assimilar a
força ou a sabedoria ou a astúcia dele.
Sugestão: Não seria a idéia de um poder elementar que pode ser destrutivo?
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Dr.Jung: Sim, nenhum outro animal vem em vez do cavalo, mas essa energia
entra diretamente no Animus e este começa a atuar. Assim a única figura que
ainda age aqui é o índio; ele está à beira do lago e procura o sol. Mas o sol já
21
Aqui podemos ver que o poder do cavalo que entrou o índio é um poder
ctônico, é um poder elementar, que, com toda a certeza, está procurando a
terra. As montanhas pretas, naturalmente, são terra preta e o lago preto é um
buraco profundo na terra, poderia ser chamado o ventre na terra; cavalo preto
é o poder que conduz o índio para entrar no submundo, no lago, e o
transforma num chinês – a raça que provavelmente está mais próxima da terra,
isto é, absolutamente idêntica com aquela terra amarela, tendo a mesma cor
amarela e cuja filosofia, poder-se-ia dizer, é a filosofia da terra. E o chinês
coloca sua testa no solo, isto é, abaixa a sede da sua consciência, da sua
mente, até o solo, estabelecendo uma conexão próxima com a Mãe-Terra.
Pássaros brancos
Eu chamo sua atenção par o gesto peculiar do índio, segurando sua cabeça, o
que não está inteiramente explicado pelos conteúdos da primeira visão. Pode
ter algo com isso o ato de tocar o solo com a testa, durante sua transformação
em chinês, mas eu não sinto que tal gesto esteja totalmente justificado por
aqueles conteúdos. Mas aqui estamos vendo porque segura a cabeça. É porque
o pássaro branco desceu e pousou na sua cabeça e o índio, obviamente, tomou
isto como algo desagradável – tirou o pássaro de lá e o esmagou com os seus
pés, o que é um feito bastante brutal. Desse ato temos que concluir que aquela
ave devia ser muito desagradável para o índio. O que pensam sobre isso? O
que é o pássaro branco?
Dr. Jung: Sim, a energia saiu de novo do índio. Poder-se-ia dizer que o poder
gerador foi exaurido no fim da visão. É aconselhável encarar essas visões em
séries como algo semelhante a sessões espíritas. A paciente mesma
denominava essas condições como transes. Certamente a mesma palavra está
sendo usada no oriente nas escolas tântricas: THYANI, que significa transe e
constitui uma das técnicas de Tantra-Yoga. Podem sempre observar em
24
sessões espíritas que se fala muito de um certo poder, um poder criado pelo
pensamento eu se manifesta movimentando objetos físicos no espaço...
Interessantes experimentos foram feitos para acertar: o que é esse poder, mas é
muito misterioso, muito elusivo; embora tenhamos fatos definidos, ainda
estamos longe de entender do que se trata. Psicologicamente diríamos: era a
libido, uma forma de energia psicológica. Energia psicológica evidentemente
não existe, é um conceito, mas no equivalente físico – ou fenomenal – da
energia, nessas condições podem encontrar a mesma peculiaridade, isto é, que
esse poder criativo depois de certo tempo exaure-se e então tudo volta à
condição em que estava anteriormente...
Dr. Jung: Bem, poderia ser dito que o índio é uma figura nada santa, um
Animus nada santo e o Espírito Santo descendo sobre ele não poderia ser vem-
vindo porque contrasta demais. Isto é, se interpretam aquele pássaro branco
como sendo o Espírito Santo, têm perfeitamente o direito de fazer isso, porque
é um elemento cristão; o Espírito Santo é uma idéia cristã, e do índio não se
supõe que seja cristão. Ainda mais: está montando um cavalo preto e parece
estar num lugar preto, por isso temos razão para crer que o Espírito Santo seja
algo quase hostil para ele. Assim o índio destrói tal forma. O que ocorre em
seguida, quando ele o esmaga com seu calcanhar: desce uma escuridão como
se o pássaro branco tivesse significado uma fonte de luz; e depois que ele
matou o pássaro segue-se uma completa escuridão, exatamente o que poderia
ser esperado, porque ao extinguir a luz do Espírito Santo, ele já eliminou
também o elemento espiritual.
Agora essas duas figuras, o índio e o chinês andam em redor do lago preto. Na
visão anterior o índio transformou-se em chinês, perdendo de repente a sua
identidade. Aqui ele permanece índio mas o chinês torna-se uma figura
independente: assim, podemos supor que são duas formas do Animus, o índio
primitivo e o chinês civilizado. Isto vem do fato de que a paciente leu muito
material chinês. Gosta especialmente de LAO TSÉ e da filosofia taoísta
chinesa e isto, naturalmente, produz uma determinada espécie de Animus,
uma certa forma de opinião. É muito engraçado: quando lemos filosofia
oriental, inclinamo-nos a ficar tremendamente encantados; os
pronunciamentos de LAO TSÉ são muito impressionantes e gostamos de cita-
los, sem perceber de fato que estamos vestindo uma roupagem que não nos
pertence. Como podemos expressar-nos por LAO TSÉ? É absolutamente
impossível, perfeitamente grotesco porque não somos chineses. O que ocorre
é que ela forma opiniões (tipo Animus) que não são genuínas, não surgiram
dela mesma e não expressam o fato claro na sua psicologia... Esta é a razão
porque a visão apresenta aqui o primitivo, o índio. Este é um artigo genuíno,
sabem, já que ela é uma mulher norte-americana. O oriental é um Animus
filosófico – uma Assumpção. Representa seu papel – e isto não é uma mera
cavilação, naturalmente – mas aquilo que ele representa é uma opinião, uma
coisa que pode ser mudada, que pode desaparecer; opiniões são apenas
27
Agora essas duas figuras estão interessadas naquele lago misterioso. Sua
mente primitiva preocupa-se com a descida ao submundo, com as
possibilidades de ir mais a fundo na água preta, o que significa no ventre, no
lugar do renascimento. E o oriental é interessado na sua opinião filosófica,
porque interessar-se pela filosofia chinesa de LAO TSÉ significa algo,
expressa algo do seu inconsciente, porque a filosofia chinesa sabe formular
certos conceitos do inconsciente; mas não era ela que os formulava, apenas
tomou-os emprestado.
Agora, de repente, pelo efeito de mirar a água, essa se torna animada por certa
idéia, o cisne. Vejam: um lago, um olho d’água, é como um espelho; olhá-lo é
como mirar um cristal com transformações e andando em redor expressa
interesse – as duas figuras estão interessadas na água, contemplando-a,
concentrando-se nela. De modo semelhante as pessoas, adorando um relicário
ou um recinto sagrado, andam em redor dele... Essa era a cerimônia usada
pelos romanos quando fundavam uma nova cidade. Aravam um sulco ao redor
dela – a circum ambulação – e andavam em círculo pra a direita, no sentido do
relógio. Depois, no centro, um buraco no solo, chamado fundus e acima disto
faziam sacrifício. Aqui, essas duas figuras, pela circum-ambulação, fertilizam
o centro e pela contemplação, carregam-no com vida...
com este rito mágico de novo emerge, transformado, e não é mais um pássaro
do ar mas uma ave aquática .
E atrás do cisne emerge uma mão. Bem, isto é obscuro. Eu não me proporia a
qualquer interpretação daquela mão... embora, mais tarde, esse simbolismo da
mão ocorrerá de novo, tanto como a idéia de puxar algo para baixo como de
criar algo.
Bem, o cisne emprega uma fraseologia peculiar, quase bíblica. Ele diz: “Eis,
eu cheguei a ti”. Então, naturalmente, trata-se do Espírito Santo, sem dúvida,
porque não é possível mata-lo, mas aqui podemos ver que o elemento
espiritual aparece de baixo da escuridão das águas, de Hades. O que significa
isto? Neste caso é de tremenda importância psicológica.
[Aqui segue-se uma discussão: como foi empurrado o índio para as águas
pretas. Está sendo enfatizada a idéia de que o Animus cumpre a sua função
mais apropriada quando relaciona uma mulher com o inconsciente coletivo. O
caráter às vezes predatório do pássaro que representa o Espírito Santo,
também foi tratado e mencionou-se o trajeto destrutivo em que a inflação pelo
espírito pode quebrar uma normal adaptação psicológica individual.
EDITOR.]
índio emerge da água preta, coberto de limo, e aparece no lado do grou, o que
indica que ele se move na direção da representação do Espírito Santo,
afastando-se do oriental, que é um sistema da filosofia chinesa. O grou é o
espírito vivente – uma espécie de forma animal – porque o animal, sendo não
humano é o símbolo do super-humano, do divino. É como se o índio tivesse
sido empurrado numa ponta da água e emergisse na outra ponta pelo Espírito
Santo, o grou, que agora fala a ele dizendo: “Enxuga as lágrimas da tua face”.
Mas nada foi dito em conexão com o seu choro, é como se o grou interpretasse
as águas pretas como lágrimas. Mas essa água preta é uma condição, uma
escuridão profunda, é uma espécie de curta viagem em baixo do mar a qual,
vendo externamente ou observando pela nossa própria consciência, parece
uma profunda depressão em que as coisas são pretas e a água já cobriu a
cabeça e sente-se de modo infernal; uma terrível depressão, melancolia, e isto
significa lágrimas.
Depois o índio saiu da água. Ele “sentou na beira do lago com a cabeça
abaixada e apoiada nas mãos, porque estava muito preocupado”. Isto é
simplesmente a case posterior da sua melancolia. E depois de certo tempo algo
novo acontece – vem um camelo, o índio monta nele e sai galopando. O
camelo, naturalmente, é o animal que carrega o fardo. É um instinto
Agora, tais experiências não podem ser inventadas, e desta ela aprendeu que
toda a sua melancolia não valia mais do que 50 francos. Deste modo aprendeu
a agir objetivamente contra aqueles ataques da água preta. Era um tipo de
camelo que veio e a carregou para fora da situação. Era perfeitamente um
instinto animal, uma coisa altamente pueril, mas o fato era que ela entrou
naquelas condições pretas porque não sabia seguir as indicações da natureza.
Houve uma porção de camelos ao redor dela mas ela nunca deu atenção a eles,
estava se atendo a uma convicção consciente e assim despencou no escuro
porque não queria seguir os instintos. Logo que seguia a indicação instintiva –
um par de sapatos lindos é instintivo – ela ficou instantaneamente curada. Para
32
ela era como uma espécie de bruxaria, era tão simples – já que seguia aquela
pequena, fútil intimação.
Isto é como as figura dos animais prestativos nos contos de fadas. Quando o
herói está num aperto e não sabe como sair, aparecem um ou dois animais que
o auxiliam bastante e mostram-lhe o caminho, às vezes bastante próximo e
muito evidente, o que ele não percebera. Essa é a função do instinto e ajuda
em situações nas quais nada mais ajuda e quando a mente nos abandonou
completamente. Há certas situações difíceis na vida quando tudo que foi
aprendido e edificado se esvanece e não ajuda mais e então vem uma pequena
idéia ou palpite mais bobo e a gente o segue. E assim, aqueles que seguem
seus instintos estão melhor protegidos do que com toda a sabedoria do mundo,
naturalmente se não têm outra coisa, apenas instinto; sim, eles seriam
protegidos numa floresta virgem, mas não o seriam numa situação civilizada,
onde a mente está sendo necessitada.
levado por eles a uma inconsciência mais profunda e então a conexão com o
ego consciente seria interrompida, o Animus pode começar a deleitar-se
demais no mundo animal. Isto nunca deve ser mal entendido como, vamos
dizer, fantasias sexuais. Vejam, a terra tem o seu próprio espírito, a sua
própria beleza e bastante coisa com o que se deleitar além da sexualidade. A
mente natural realmente tem para si o mundo da beleza terrestre. Como vêem,
nada permanece excluído. Então não é tão terrivelmente materialista como se
pressupõe, porque o animal pode – isto nós não sabemos – ter um
conhecimento melhor da deidade do que o ser humano, embora se trate,
evidentemente, de um conhecimento inconsciente e esse é o perigo: o estado
inconsciente. Se o Animus torna-se demais semelhante ao animal, torna-se
demais inconsciente e então a conexão não funciona mais e ainda está
animando o inconsciente coletivo em tal extensão, que é muito difícil lidar
com ele; este é sempre o caso quando há uma falta de conexão entre o
consciente e o Animus.
Assim eles viajaram pelo deserto até chegar a um “wigwan” onde o índio
estava entre os seus e foi dormir. O índio, naturalmente, está no seu lugar
adequado, no “wigwan”, a isto pertence; então o Animus chegou a uma
posição onde devia estar. Ele é a mente natural. O instinto levou-o de volta à
sua condição natural, acima da água; não se trata de viver nas profundezas do
inconsciente, na escuridão, mas sim na superfície da terra. Tem que estar em
contato com a consciência, não deve desaparecer da consciência e deve
sempre saber onde está a mente natural. Logo que se torna invisível qualquer
coisa pode acontecer. Que está no seu lugar adequado é instantaneamente
mostrado na visão pelo fato de que quando alvoreceu ele veio para fora e viu
três cruzes flamejantes no céu. Aqui o Animus está funcionando de modo
34
adequado. O Animus precisa ter a visão, ele tem que ver o que está ocorrendo
no inconsciente e agora informa o consciente que viu as cruzes flamejantes,
algo que o consciente não vê.
nos mistérios eleusianos, só que lá não houve um grão de trigo mas uma
espiga de trigo que o sacerdote mostrou na cerimônia da meia-noite. Poder-se-
ia dizer que aquela cerimônia representava a mesma coisa que o Natal – a
situação é a mesma. O Filho nasceu da Grande Mãe que é a Terra e o filho é a
espiga de trigo. Assim, essa visão poderia ser uma espécie de antecipação...
(É para saber que quando a paciente tinha essas visões eu nunca as explicava.
Apenas escutava e tínhamos bastante trabalho com os sonhos; assim, as
visões, via de regra, permaneceram absolutamente intocadas).
Há, por exemplo, no inconsciente, um touro, um índio e todo aquele povo que
olha o ocorrido, uma espécie de auditório em si, e esse auditório são todas as
partes e partículas e átomos do inconsciente coletivo. Existe lá um líder, o
Animus e um poder, a libido renovada, para o inconsciente esses são fatos
importantes. Como se existisse no inteiro inconsciente um desejo tremendo de
ser conduzido – talvez também renovado – porque aquilo que esperam do
touro e do índio é o renascimento, o milagre da primavera, e é interessante ver
como visivelmente o inteiro inconsciente coletivo está esperando que tal
milagre aconteça.
Isto nos leva a uma idéia muito paradoxal – vejam: aqui neste plano da
consciência nós nos sentimos sós e como se a coletividade fosse uma espécie
de oposto para nós. Dentro é diferente, lá há uma multitude e de novo algo
similar ocorre, mas de modo revertido, como se nós fossemos uma multitude e
como se o índio sobre o touro estivesse nos confrontando. Poderiam dizer que
é um tipo de teatro particular, se não fosse tão desagradável; quando entram
nessas coisas no inconsciente coletivo, podem sentir como são horrivelmente
reais e expressadamente ingovernáveis e logo afastarão a idéia do teatro
particular, porque nunca assistiram algo tão ingovernável em qualquer teatro
anteriormente. A idéia do teatro faz isto um pouco leve demais. Mas pode ser
uma forma de drama antigo, uma “performance” entre gente primitiva em que
as pessoas são realmente exterminadas, realmente torturadas. É algo
semelhante a uma seqüência num mistério em que até podem realmente
derramar sangue. É como se cada um fosse um pequeno universo dentro, um
pequeno microcosmo no macrocosmo. Mas como se dentro existisse também
um macrocosmo contendo muitos microcosmos...
Bem, então aqui há uma parte de tal seqüência nos mistérios. Essa mulher está
antes na posição do povo nesse caso, porque o índio e o touro são os
redentores ou aquilo que significa a mesma coisa, e este Salvador com seu
touro é, naturalmente, a figura de Mitra. Mas ela não tem idéia de que esse
índio, sendo um guerreiro, é Mitra. Estou certo que se ela tivesse conhecido
essa possibilidade o teria adornado com qualquer símbolo de Mitra ou o teria
chamado diretamente por esse nome. Mas ela não fez isto e ele permaneceu
um índio e o touro, um touro, apesar da sena em que eles aparecem
positivamente divinos. Agora a visão continua. Ela não entendia o ocorrido e
por isso as imagens seguem-se como num filme.
Ela será ativa nelas, ela é parte do jogo de mistério e isto ocorre no momento
em que o índio desce da montanha e bebe. Agora isto está muito próximo da
terra. Omo se ela deixasse as esferas do mistério divino, descendo às fontes da
libido da vida e essas estão nas profundezas do corpo. Podem ver: ele se torna
quase físico e desse modo ele a acorda, esse é o ponto em que ele a pega, e o
meio que usa é o beber água.
velada, indica que ela não vê e não está sendo vista – ela é inconsciente. É
uma forma de nascimento. Como sabem, o ser velado nos mistérios significa o
morrer do iniciando e o desvelar significa ressurreição; como, por exemplo, o
tomar o véu para uma freira significa morrer para o mundo porque ela se torna
velada para o mundo; já não está sendo vista nem tem mais qualquer efeito...
Assim, o levantar o véu significaria ressurreição, entrar em ação, ter efeito. O
mirar um o outro expressa que ele tem um efeito sobre ela e ela sobre ele. Isto
significa uma associação próxima desde então, com aquele princípio que
conduz, que primeiramente encarnou-se no índio, e o propósito óbvio de uma
união tão próxima é que ela agora deve adquirir do Animus a função de
conduzir. O Animus não deve mais conduzir, não é bastante humano para essa
tarefa, é apenas uma figura parcial e merece ser conduzido por algo que seja
mais igual a ela do que ele.
Então essa é uma coisa bastante complicada. O movimento para trás, na Idade
Média, é um tipo de regressão no passado do inconsciente coletivo. Tal
regressão ocorre... quando na frente há um obstáculo. Então voltam, e
regridem a uma cidade medieval que não é uma cidade especial, mas
simplesmente exemplifica a atmosfera medieval, i. é, o modo medieval para
resolver um tal problema.
Bem, a visão continua, eles sacrificam uma criança, eles oferecem a criança à
cruz. A mulher que oferece a criança é, evidentemente, Maria; foi ela que deu
à luz uma criança para ser sacrificada na cruz. Isto significa que qualquer
coisa que brota na mente e se estende para o futuro tem que ser sacrificada.
Por isso não há progresso algum... A nossa paciente está sendo mostrada a ela
mesma como a mulher medieval, está sendo mostrado a ela o que fez a mulher
medieval e, naturalmente, ela tem uma “participação mística” com aquela
figura, e ela oferece a criança à cruz. Mas o índio vem, i. é, aquela coisa que
agora está aviventada nela, o princípio condutor, com frieza põe-se diante da
cruz e diz: “Nada disso para ti não funcionaria”. Então, sob a forma daquela
mulher, ela fica com raiva e joga a criança para o índio, o que significa que ela
a oferece àquela coisa peculiar que ela representa. Como se ela dissesse: “Eu
sou essa mulher medieval e eu ofereci a minha criança à cruz, mas desde que
tu atuas desta modo, então maldito, podes tê-la. E agora, leva-a contigo”.
Como vêem, ela se rebela contra aquela nova coisa dentro dela, que não é
respeitosa e desconsidera a sua medieval intenção cristã. Então,
instantaneamente, o futuro, a criança transforma-se e toma um aspecto
44
[No resto da visão ela joga uma rosa vermelha ao índio e um avestruz está se
juntando ao grupo. EDITOR].
O avestruz indica que ela põe sua cabeça na areia para não ver. Não ver o que?
Bem, a situação inteira, porque ela se entrega ao índio de corpo e alma, e é
melhor não ver isto, porque ela tem medo, o que é perfeitamente
compreensível. Como percebem, as coisas estão se movimentando, o grupo
vai adiante, o sonho volta no tempo e eles chegam a templos gregos.
Ela olha a alma do animal e essa é uma experiência que ela devia ter, senão
está desconectada da natureza. Essa é uma experiência que cada um deveria
ter, para encontrar de novo a conexão com a natureza dentro de si; isso é como
a sua própria natureza e como o Deus dos primitivos. Da mesma maneira
poderiam dizer: esses são os olhos do principiar, do criador que era
inconsciente, porque no princípio tudo era inconsciente; nós não sabemos o
que é isto em si porque certamente, se estamos dentro do animal não nos
sentimos inconscientes, mas essa é exatamente aquela coisa que, do nosso
ponto de vista, denominamos estar inconsciente. Não posso entrar num
argumento filosófico sobre isso, mas podem ver que é vem possível: naquilo
que nós chamamos estar inconsciente – isto é, a soma de conteúdos
autônomos – cada conteúdo tem uma consciência em si. Por que não?
Agora essa visão tem o valor de uma tal experiência e a grande emoção que
ela sentiu quanto viu aquela coisa, prova a sua realidade, o que quer que ela
signifique. Nós apenas tentamos entende-la em termos psicológicos, mas
naturalmente não podemos indicar sua profundidade, a não ser que a
tivéssemos tido. Mas ao menos podem imaginar que chegando a essa
profundeza, bem abaixo de toda a história, nas regiões do nosso sangue, deve
ser mesmo uma experiência sobrepujante, porque entra-se numa esfera mental
ou psicológica que é ainda uma com a natureza, a qual, evidentemente, é uma
coisa inteiramente diferente da nossa consciência
fazem nada a ele. Mais tarde fica ferido por uma flechada e retorna à sua tribo.
Lá todos os animais o saúdam com grande alegria. EDITOR].
E agora ela tem que voltar. Ter tocado o animal é, naturalmente, algo que
podia tê-la retido embaixo, podia ter sido aprisionada pelo animal, e assim
agora ela tem que aprender o sentido de todas as religiões, de todos os cultos,
e tem que mover-se para cima, desde o início da consciência até os tempos
modernos. Primeiro ela atravessa aquele grupo eu adora o Sol, e o Animus
agora é submetido a uma tortura, o que poderia significar um antigo culto
índio...
embora, para o seu povo. E quando volta a eles, liberado daquela tortura,
ocorre o “apocatastasis”. Trata-se de novo de uma antecipação... Os animais
alegram-se, tudo é reconciliado, o ser humano com o animal, o animal com o
ser humano, um tipo de condição paradisíaca.
O conflito da paciente vem do fato de que ela tocou o fundo, olhou nos olhos
do animal e assim a alma animal entrou nela; ela foi unida ao animal, à parte
mais profunda, ao inconsciente coletivo, e essa, evidentemente, é uma
experiência inesquecível, a qual prender-se-á a ela e causará, inevitavelmente,
um tremendo conflito na sua vida.
Talvez dirão que esse é um efeito bem deplorável; mas devem saber, se não
sofrem tal conflito, estão apenas inconscientes dele, porque quer o
experimentem conscientemente quer não, ainda está lá. Em um dos casos,
experimentam algo que não entendem, não sabem porque sofrem e estão
absolutamente insatisfeitos com o modo pelo qual Deus leva o mundo adiante,
achando que é muito estúpido da parte dele tortura-los dessa maneira; no outro
caso, sabem porque sofrem porque há um sentido nisto. Quando se tem esse
tipo de experiência como a paciente teve, então sabem contra o que estão se
arvorando, sabem que sentem o animal em si mesmos do mesmo modo como
sentem também a pessoa civilizada, sabem que o conflito vem do querer ser
um animal do mesmo modo como querem ser um ente espiritual e então não
podem culpar ninguém por estarem em tal provação...
Assim, esse conflito da paciente não é tão deplorável; ela é muito feliz
sabendo do que se trata, porque então sabe que é a responsável, “mea culpa,
mea culpa”, “é o meu pecado”. E ela, ao menos, deixará em paz os outros, ao
51
passo que aqueles que não sabem do seu próprio conflito, sempre estão
querendo melhorar os outros. Então andam por aí, bufando sobre educação, ou
são ralhões habituais ou atuam representando a consciência pública. Sempre
interferem em assuntos dos outros e, naturalmente, estão numa condição
miserável, porque é uma neurose, não perceber seu próprio conflito. Assim,
ela é bem sucedida, apesar do fato de que é bem difícil não ser mais criança.
uma idéia muito antiga. É uma antecipação daquilo que poderia tornar-se essa
pequena criança se continuassem no nível antigo. A jovem, a antecipação do
futuro, agora pega a criança e a joga ao ar como se fosse uma bola, o que
significa que a nova personalidade, nessa fase, está absolutamente nas mãos
da tendência antiga. Bem, isso é um tanto perigoso e essa é a razão pela qual
as pessoas temem o inconsciente coletivo: porque são vítimas absolutas dele,
tornando-se tão desamparadas como crianças e então tais visões podem jogar
com elas, empurrando-as como se fossem bolas, e não há defesa contra isso.
Agora ela tornou-se o filho do sol, do Deus na forma antiga, uma estrela ela
mesma, o que significa que ela agora está continuando sua união ou comunhão
com a natureza num nível muito mais elevado, num nível quase universal,
cósmico. Isso não é poesia, vejam, é história, é psicologia. Não pensem que as
coisas que falo são metáforas poéticas. Se conhecem a história dos cultos e
mistérios e as religiões comparativas, então sabem que se trata de metáforas
sagradas nas quais a psicologia humana expressava-se desde tempos
imemoriais; elas não teriam vindo à existência se não correspondessem a fatos
psicológicos viventes e reais, e na medida em que fatos psicológicos são fatos
reais, tais metáforas são igualmente reais, salvo se forem usadas meramente
como palavras. Se os atingem apenas como palavras poéticas, meramente
53
como metáforas, então a falha está nos senhores. Cada um que teve
experiências correspondentes saberá que tais palavras são as tentativas
inadequadas para caracterizar fatos psicológicos altamente poderosos, os quais
podem transformar completamente seres humanos.
E agora, a visão continua. O Animus conduz de novo. A mulher saiu por certo
tempo do mistério, como que deixando o papel ativo para o Animus, porque
transformou-se em um jovem que está num bosque sagrado, quando um sátiro
aparece e pergunta: “Por que estás aqui?” Então o sátiro é a razão pela qual ela
saiu de repente do processo, porque encontrar-se com um sátiro é algo
embaraçoso, até desagradável e como sabem, ela é uma mulher educada, e
assim quando o sátiro emerge, ela, mui naturalmente, retira-se com muita
decência, deixando seu lugar a um homem, isto é, manda seu Animus para a
frente e diz: “Agora vá você. Sinto o cheiro de um rato, então vá você por
mim. Lá dentro há um sátiro...”
Já que a situação é embaraçosa, como sabem, algo tem que acontecer. Então,
de repente, avista aquele jovem em pé, irracionalmente, na proa de uma canoa,
com uma lança levantada.
FIGURA DA PÁGINA 40
na água seguindo-a, e
chegou a uma caverna em
que haviam três bruxas;
elas disseram que haviam
vindo da terra do
abençoado. Ele tirou um
dente da boca de uma das
bruxas e saiu correndo da
caverna. Depois foi
atacado por animais
selvagens e bravios e
chegou a sangrar de muitas
feridas. Depois apareceu
um velho que expulsou os
animais selvagens.
Embrulhou o jovem num
cobertor e deitou-o na rocha com o rosto voltado para o céu, e nesta noite
houve um círculo de fogo que desceu e ardia numa roda flamejante em redor
dele. Então o jovem disse: “Eu sou o sacrifício” e o fogo o consumou. Do seu
peito elevou-se um pássaro branco que voou além das chamas.
Agora, essa coisa que ocorre depois, explica plenamente porque tivemos tanto
vexame anteriormente. Como vêem, o sátiro é uma alusão ao Deus-bode, ou
55
porque a sina contém a vontade divina e ninguém deve opor-se a esta. Mas ele
é salvo pelo ancião. Isto é, de novo um motivo típico dos contos de fadas:
sempre, no momento supremo, alguém aparece para ajudar; ele teria sido uma
vítima, sem qualquer recurso e os animais selvagens o teriam destruído se não
tivesse acontecido a intervenção daquele velho. Ele é o velho sábio, o pagé,
que entende a fala dos animais, que é o senhor dos animais e assim pode
mante-los domados. Dessa forma o jovem é salvo, mas salvo para algo
melhor, para o sacrifício divino. Não é capaz de escapar da necessidade de
tornar-se a vítima dos deuses, mas numa forma diferente. Assim, durante a
noite, aquele círculo de chamas desce do céu e o consome, o que é o sacrifício
sobre o altar.
Percebam: esse é o efeito do velho sábio que faz dele um sacrifício voluntário,
não um sacrifício às paixões desenfreadas mas um cumprimento consciente do
destino. Ele é consumido por chamas mas o pássaro branco sai do seu corpo e
eleva-se no céu; esta é a libertação da alma imortal, representada desde
tempos imemoriais pela alma-pássaro. Agora mostrarei o desenho. Podem ver
o círculo de chamas descendo de cima e a idéia é que aquele círculo
flamejante desce sobre ele e o consome, e está lá o pássaro branco voando
para cima, para o céu.
Deixo agora a visão seguinte que lida com a união com o Deus belo. É
realmente a união com o Animus, aquele jovem que, pelo fogo, passou por
uma transformação – no fogo adquire qualidades divinas; ele é sacrificado e
por isso alcança a divindade. Então ela é unida a ele o que significa que o
papel do Animus por enquanto terminou. Cumprindo o ritual de auto-
sacrifício, mostrando-lhe o que ocorrerá, entregou a ela toda a sua força,
57
entrou nela e agora ela é ENTHEUS, o que significa que ela está infundida por
Deus. Estando nossa condição, naturalmente, terá que encarar aquilo de que
recuou e... a visão continua.
Agora podem ver, essa experiência com o sátiro toma um rumo interessante,
diferente do que ela esperava. Porque se eu dissesse a algum dos senhores:
“Há um sátiro lá, vá então”, provavelmente ele não faria isso, a não ser que
fosse psiquiatra ou policial. Ela estava com medo, naturalmente, então recuou
e deixou o lugar para o homem, para o Animus. Mas agora confronta-se com o
sátiro e a situação é totalmente diferente das suas expectativas. O que ela
esperava era algo indistinto, algo sexual, e naturalmente é Deus. Esse é o
preconceito quando falamos de animais. É difícil dizer a alguém que deve
assimilar o seu animal, tornar-se familiar com seu animal, porque as pessoas
58
logo pensam em um asilo para psicóticos, pensam num animal que pula sobre
os muros e cria uma situação infernal na cidade inteira. Mas o animal é um
cidadão bem comportado na natureza, é devoto, segue seu caminho com
grande regularidade e nada faz de extravagante. Só o ser humano é
extravagante, o animal nunca. Assim, se assimilam a natureza do animal
tornam-se cidadãos que permanecem peculiarmente dentro da lei, que andam
mui lentamente e na medida em que podem, que fazem tudo de modo
razoável, porque é muito difícil ser razoável. Isto é bem diferente daquilo que
supõem ser o animal, porque só o ser humano pode comportar-se de modo
ultrajante. Já viram um animal ficar bêbado em coquetéis? Esse é o homem, só
o ser humano pode fazer isto. Nós temos uma idéia inteiramente errada sobre
o animal.
FIGURA PÁG. 42
Esse é o desenho do seu
confronto com o sátiro.
Podem ver que o os olhos
verdes e as chamas que
caem sobre seu peito; são
símbolos da emoção, ela
justamente tem
‘cocegazinhas’ de emoção,
muitas pequenas chamas
estão prontas para
inflamarem numa grande
labareda, as esperanças
que querem fazer dela uma
59
A paciente mesma, com o manto azul e o colar de pérolas. E esse sátiro, bem
peculiarmente, está sem genitais, o que evidentemente é bastante incomum
num sátiro, porque a forma costumeira é andar com genitais bastante vistosos,
como conhecemos de pinturas antigas. Assim, agora podem ver como é
realmente o animal “dentro” e que Deus é o espírito do animal. Ela esperava
algo muito repugnante mas o que aquele espírito de animal faz é colocar um
manto celestial sobre ela, o manto azul de Maria e doar a ela um colar de
pérolas que são, naturalmente as lágrimas de Maria, a tristeza junto à
divindade. Ele a coroa para os mistérios. Isso é que faz o espírito do animal.
“SEMINÁRIOS SOBRE VISÕES”
PARTE III
SPRING 1962
2
Iniciação
Essas séries de visões avançaram agora para um ponto muito importante, isto
é, até a visão do sátiro, que é o Deus Pan. Lembrem, eu comparei essas séries
de visões com o decurso dos fenômenos mentais que ocorrem durante uma
iniciação. Agora, naturalmente, o processo da iniciação é algo do qual muito
pouco é conhecido. Lendo sobre a iniciação dos primitivos, pensa-se que se
está lendo alguma coisa inteiramente nova; e lendo sobre os mistérios antigos
sente-se que se chegou ao fim do conhecimento e da compreensão humana,
porque se depara com a mais espantosa psicologia. E esses assuntos não são,
geralmente, conhecidos embora os especialistas, naturalmente, saibam sobre
eles. Os fatos psicológicos correspondentes, com os quais estamos lidando
aqui, são também pouco conhecidos – ainda não foram descobertos – mas eu
encontrei uma boa quantidade de coisas sobre eles...
Dr. Jung: Sim. Por causa dos seus preconceitos puritanos, ela, na sua mente
inconsciente, anda com uma concepção muito peculiar sobre o supremo fator
psicológico – que, evidentemente, é chamado Deus – e assim, é absolutamente
necessário que ela realize essa forma inteiramente diferente como uma
compensação. Porque, como podem ver, a definição usual de Deus parece ser
algo terrivelmente abstruso e remoto, e a definição é altamente importante do
ponto de vista psicológico, porque expressa a idéia suprema sob a qual nós
agimos. Naturalmente, não podemos supor que, se há um Deus, ele seja da
maneira como nós o definimos. Ele prefere ser Si-mesmo e aquilo que nós
dizemos sobre Ele não conta mais do que o que as formigas diriam sobre o
Papa ou sobre Mussolini. Do mesmo modo como permanecemos intocados
pela opinião pública do formigueiro, assim Deus, certamente é o que é, e não
aquilo pelo qual nós definimos o que Ele é. Mas aquilo que o formigueiro diz
sobre o seu próprio princípio superior, sobre seu fator supremo, é de extrema
importância, porque mostra o conceito do formigueiro sobre si mesmo e
podemos estar certos de que mesmo um formigueiro está sendo influenciado
por uma tal concepção. Porque se o homem formula seu princípio mais alto,
isto é ele mesmo, ele formulou-se a si mesmo. Mas isto não é necessariamente
verdade. Nós falamos que o nosso Deus é amor, e podemos estar certos de que
se trata de uma compensação. Sabemos que não é verdade. Nós dizemos isto
para compensar o fato de que não amamos o bastante, que odiamos demais. O
4
companhia, que sabe entreter, se querem treinar-se para tomar tais coisas
como objetivas... Naturalmente, toda a gente moderna sente-se sozinha no
mundo da psique, porque supõe que nada existe lá que não ela mesma
organizava. Esta é uma ótima demonstração da nossa onipotência divina, e
que simplesmente vem do fato de que achamos que formos nós que
inventamos tudo que é psíquico – que nada teria sido feito se nós não
tivéssemos feito, porque essa é a nossa idéia básica e esta é uma suposição
extraordinária. Porque cada um está sozinho na sua própria psique, exatamente
como o Criador antes da criação... Mas através de certa exercitação, por certo
treinamento – o que é, evidentemente, uma prática de Ioga – de repente algo
acontece, que não foi criado por nós, algo objetivo, e ninguém está mais
sozinho. Esse é o objetivo dessas iniciações, treinar as pessoas para
experimentar algo que não é a sua intenção, algo estranho, algo objetivo, com
o qual não podem identificar-se. Então eles dizem: “Aqui está o objeto. Aqui
está a realidade”.
Depois da visão do grande Deus Pan vem uma nova revelação quanto à
relação entre o homem e a mulher. É como se o relacionamento entre o
homem e a mulher tivesse sido regenerado (já que o escaravelho, no Egito
simbolizava a regeneração do sol) e a dupla regenerada está agora aparecendo.
Qual seria a idéia: porque poderia ter sido afetada, por tudo que aconteceu a
relação entre homem e mulher?
Resposta: Do mesmo modo como a idéia de Deus vem em uma nova forma,
assim a idéia de amor e relacionamento tem que aparecer em uma nova forma
e esta talvez fosse um modelo inaceitável para suas idéias convencionais?
Dr. Jung: Sim, e podem ver que a forma convencional é idêntica à atual
suposição da consciência de que está sozinha e de que todo que acontece
psiquicamente seria uma invenção arbitrária sua. Se alguém pensa o mesmo
sobre o amor, então existe apenas uma relação amorosa dentro das formas
convencionais, nada mais existe, nada mais ocorre. Assim, se ela tiver uma tal
7
experiência da realidade psíquica, em geral, isto é, se algo acontece que ela fez
e que não é responsabilidade sua, então, naturalmente ela tem que admitir
também a possibilidade de que algo pode acontecer nos seus sentimentos que
não tenha sido inventado por ela e que se encontra fora dos moldes do
convencional. Isto, naturalmente, projeta uma luz inteiramente nova sobre
tudo, e a renovação do relacionamento entre homem e mulher constitui
apenas uma aplicação desta nova luz... Qualquer coisa pode ocorrer e não
pode ser negada, percebem? Ao passo que a consciência convencional sempre
parte da suposição de que é possível negar o sentimento, da maneira como está
fazendo, porque não quer sentir “daquele jeito”. A convenção lida com tal
problema como se assumíssemos a responsabilidade pela maneira como
sentimos, mas isto é absolutamente impossível, porque nós não inventamos tal
espécie de sentimento. É como se eu dissesse: “Não me levem a mal pelo fato
de que o tempo hoje é inclemente...” O fato é que eu não sou responsável pelo
tempo. Assim, sair do escaravelho é como o levantar do sol... É simplesmente
a chegada da luz... Ela está, de certo modo, “iluminada”. Agora ela está dentro
do quadro – e já sabem como é importante isto – e vê os seus relacionamentos
de um modo novo... Está vendo seu sentimento sob uma luz nova e essa
renovação é devida à visão do Doador da Vida, do Deus da Vida, do Grande
Pan. Assim, podem ver, a realização que ocorre aqui está dentro da
experiência do mistério, é uma parte da experiência do mistério.
pólos que indicam até que ponto é possível arriscar-se no nível das visíveis,
isto é, nesse mundo convencional. Mas há uma outra maneira de
relacionamento entre homem e mulher que, obviamente, pertence a uma
ordem diferente das coisas. Pertence à condição exaltada.
dois pode ser cinco ou seis ou talvez quatro, mas não tinha certeza, e daqui
para diante sabe que duas vezes dois é quatro, e nunca esquecerá disto. Tal
iluminação ou realização tem aquele caráter inesquecível. Por isso, têm todas
essas experiências o caráter do divino, da imortalidade. É como se tivesse
acontecido algo de natureza eterna.
Dionisíaco e Apolíneo
FIGURA PÁG. 45
Visão: Eu vi um belo
jovem com címbalos de
ouro, pulando alto no ar
com alegria e
despreendimento. Era
seguido por cachorros que
também pulavam. O
cabelo do jovem era preto
e em redor de suas virilhas
havia pele de leopardo. Ele
foi ao encontro de um
velho com turbante e uma
foice, parado com os
braços estendidos. O
jovem parou e os címbalos
cairam. O velho mirou a terra e flores brotaram aos seus pés. O jovem caiu ao
solo e enterrou sua face nas flores. O velho ergueu o rosto. Suas faces eram
escuras, mas seus olhos eram brancos. Ele era cego.
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Este princípio está expressado pelo velho, obviamente uma espécie de Velho
Sábio. Ele faz parar a manifestação dionisíaca, o que significa, simplesmente,
que o raciocínio inconsciente da paciente passa por uma alteração, já que
ambos estes aspectos do Animus, na realidade representam opiniões
inconscientes sobre o trajeto que o seu futuro desenvolvimento interno deve
tomar... Agora o velho mostra o seu trajeto, que é bem diferente daquele do
jovem; ele está parado, como que enraizado, e mira o solo, do qual flores estão
brotando. O jovem, então, cai no chão e enterra o seu rosto entre as flores.
Como percebem, isto é simplesmente a demonstração de dois movimentos
contrastantes; o primeiro seria o modo dionisíaco, isto é, extravertido, pulando
sobre as coisas ou dentro das coisas, saltando sobre obstáculos ou passando
13
por cima dos fatos difíceis; e agora o outro princípio, apolíneo, intovertido,
que seria o não fazer nada, o não se mover, não se entusiasmar, permanecendo
contemplativo. Assim o velho mira o solo, utiliza a contemplação, e isto
produz alguma coisa, produz flores para desabrocharem e crescerem. E o
jovem, o movimento dionisíaco, acaba nessas flores. Não sei se entendem essa
fala simbólica do inconsciente. Como interpretariam aquilo que o velho está
fazendo?
Dr. Jung: Absolutamente certo. É a questão dos dois trajetos aqui. Um seria a
ação entusiasmada; o outro, o reflexivo, contemplativo, que também causa
algo, para ocorrer ou desenvolver-se. O velho está com turbante, o que aponta
o oriente; esse é o modo inconsciente de dar palpites sobre as coisas.
Há um outro pormenor no fato de que o velho mira o solo. Isto significa que
ele está se concentrando na terra, o que indica que esta é de particular
importância neste caso. Como se ele dissesse: “Não ande pulando por aí, não
se torne bulhento. Contemple agora a terra, porque da terra virá a última
solução”. Depois as flores emergem da terra, indicando que a solução não
ocorrerá por qualquer espécie de excitamento, ou por grandes saltos ou por
qualquer coisa deste tipo, mas por desenvolvimento lento, por um modo lento,
impessoal de crescimento.
brancos e ele não pode enxergar. Este é, então, um símbolo. Na nossa mente
ocidental, quando vemos uma coisa, quase temos uma concepção intelectual a
respeito. Por isso falamos: “Não está vendo? Não está entendendo? O “ver” é
uma força de entendimento intelectual. Mas na visão consta que o velho não
vê, não tem uma compreensão intelectual, ele olha a terra sem entendimento.
Evidentemente, se traduzem isto para uma real consciência psicológica, isto
significa que, se o problema chegar à paciente, ela sentará e o contemplará
sem compreensão, com uma espécie de contemplação cega, não sabendo e não
pré-vendo e sem qualquer intenção a respeito das coisas que estarão se
desenvolvendo. E isto é importante, porque se entendem – isto é, se opinam
que sabem – se têm um modo de ver as coisas, isto é errado, porque as estarão
matando. Côo se tivessem um mau olhado, que envenena as coisas atingidas...
O olho branco significa uma condição extática, em que a pupila vira para cima
e desaparece embaixo da pálpebra; quando estão virando o olho para dentro,
impedem a si mesmos ou ao seu intelecto, por tal condição, de ver as coisas de
muito perto ou de modo muito agudo, dessa maneira destruindo-as. Nunca
devemos olhar as coisas, se queremos que cresçam. É muito melhor ser surdo
de um ouvido e cego de um olho do que ter uma percepção aguda e consciente
das coisas. Assim matam-nas. O olho agudo do nosso intelecto tem a
qualidade do olho do basilisco (lagarto ou dragão fabuloso, ao qual, na
antiguidade, atribuiram a capacidade de matar com seu olhar. Fala-se isso de
certos sapos “mágicos” também). Esse é o ensinamento do inconsciente para
essa nossa paciente que possui um intelecto muito vivo e um olho muito
agudo.
A renovação do Animus
Mas esta é uma verdade geral a respeito da gente moderna. É possível tratar
casos nos quais há bastante terra, mas não bastante espírito e nesses casos
encontraremos uma insistência constante no ar, no espírito. Mas aqui a terra
está enfatizada, e na nossa civilização e no mundo da nossa consciência, o
inconsciente insiste na terra, dando-lhe, em geral, maior importância. Por isso,
digo que esta é uma verdade geral – não apenas um caso individual – que a terra
está depreciada e mal compreendida, e assim o inconsciente regularmente
enfatiza muito mais o fato do ctônico (telúrico). NIETZSCHE expressa isso de
modo muito bonito: “Dedeis tornar-nos de novo amigos das coisas mais
próximas”. E as coisas mais imediatas são a terra, esta vida. Durante bastante
tempo os nossos ancestrais – e nós mesmos – ensinávamos que esta vida não é
real, apenas passageira e só vivemos pelo céu. Era assim, porque toda a nossa
moralidade baseava-se na negação da carne e por isso o nosso inconsciente atua
freqüentemente para convencer-nos quanto à importância de viver aqui e agora.
No decurso dos séculos o ser humano repetidamente experimentou que a vida
não estava sendo vivida aqui, e que esta vida aqui vivida é apenas provisória, o
que é inteiramente insatisfatório e leva à neurose... Na medida em que se
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Isto mostra que ele é como o Sol, o Sol renascido; quando mergulhou no
inconsciente, mobilizou um tipo de mecanismo de renascimento pelo qual ele
passou por uma mudança e agora emerge com cabelo dourado. A visão relata
uma certa movimentação do inconsciente; anteriormente o assunto era bem
espiritual, era o nascimento do homem e da mulher exaltados, do escaravelho, e
isto foi seguido pela visão de Deus, o espírito da natureza: tal visão causa,
evidentemente, uma exaltação. Olhar a imagem da deidade tem o efeito mágico
da deificação. Esta é a razão pela qual existem, por exemplos, ícones, porque
mirando a imagem sagrada produz-se a deificação... Nesse caso resulta uma
inevitável exaltação. A imagem de Deus teve o efeito deificante sobre essa
mulher, na forma do sátiro divino, um tipo de sátiro espiritual. Ela mesma
tornou-se assim, uma entidade divina e isto está em relação com o tipo
particular de pulo do Animus... Esta é a parte dela deificada. Como vêem, ela
não realizou inteiramente ainda que se tornou deificada pela visão de Deus,
apenas o Animus, e por isso comporta-se como o homem-bode divino, dando
pulos como se fosse um ente da natureza...
rito mágico está sendo executado para renova-la. Então, se a condição semi-
divina do jovem fosse satisfatória, não necessitaria passar por uma renovação,
mas aparentemente não é satisfatória, porque o princípio apolíneo está contra
ele, e por isso é forçado a passar pela renovação. Esse momento de pular na
água tem a conotação de uma forma de ablução ritualística, de um renascimento
pela água... Isto significa que ocorrendo a deificação de um rite de sortie tem
que ser celebrado para tira-lo da condição de semi-divindade, já que a
deificação é algo bem perigoso; é uma exaltação que eleva a pessoa a um tipo
de estado divino em função do qual pode fazer coisas bem violentas como, por
exemplo, rasgar com os dentes corcinhas ou bodinhos (como fizeram as
Mênades, sacerdotisas de Dioníno), como se ela mesma fosse um animal
feroz...Depois de estar em tal condição é necessário uma “rito de saída”...
Assim o Animus dionisíaco tem que baixar para que seja purificado e lavado
nas águas. Por isso também, o seu cabelo, que era preto – com a conotação do
noturno, de desgraça – torna-se dourado, depois de estar na água.
O cabelo está sendo encarado como se fosse uma emanação da cabeça, tendo
ligação com a mente e com forças espirituais e mágicas. O cabelo preto levanta
a idéia de escuridão, idéias negras ou uma mente obscurecida e o cabelo
dourado significa consciência ou idéias claras. E, decerto, no estado de
exaltação perde-se a própria consciência e a mente se torna obscura. Mas depois
do rito de saída, supõe-se que apareça o cabelo brilhante, o cabelo luzente,
radiante...
esfera corpórea onde se mescla com ela e assim, quando emerge de novo com
cabelo dourado, ele entra na cena. Ele cumpriu sua tarefa como uma espécie de
arauto.
O papel do Animus
Aqui o Animus está no lugar certo. Funciona como ponte, ajudando-a a passar
para uma nova área no inconsciente. Está naquele lado da paciente que é o
inconsciente coletivo, e não em frente a ela, não no lado do mundo óbvio, assim
chamado material.
Visão (continuação): Eu o segurei pela mão, mas ele não podia passar.
Lutava para manter seu equilíbrio, e depois caiu na água, no fundo da
fenda.
Há sempre o perigo de que o Animus abandone o seu ponto, como que indo
para trás e querendo desaparecer no inconsciente coletivo e depois, durante
certo período, a conexão com o inconsciente será cortada. O Animus é como
uma ponte móvel, ancorada no inconsciente. Quando levantada, fecha a porta
ao inconsciente coletivo. Essa é, mais ou menos, a imagem acertada do Animus,
porque, se posicionado adequadamente, na realidade pertence mais ao
inconsciente do que ao consciente. Vejam: o Animus não é criado realmente
20
Repito: a Anima e o Animus não foram inventados pelo consciente, mas foram
achados por este. Não é assim como se fizéssemos alguma coisa no consciente
com o intuito de edificar uma ponte para o inconsciente: aconteceu, antes, que o
inconsciente coletivo aproximou-se de nós na forma de Anima ou Animus e,
evidentemente, quando foi percebido seu aparecimento, fomos ao seu encontro
e assim estabeleceu-se o relacionamento.Todas estas introvisões quanto às
peculiaridades do inconsciente coletivo não foram originalmente produzidas
pelo consciente, porque o nosso consciente é, de modo peculiar, passivo e
incompetente. Todo aquele mundo interno, na realidade aparece para nós pela
sua própria atividade contínua. Se estudarem a atividade da mente humana,
ficarão impressionados sempre e de novo pelo fato de que os pensamentos não
foram feitos pelo indivíduo, mas apareceram para ele. Eles se manifestavam de
tal modo que, com freqüência, nem eram percebidos como pensamentos. Por
exemplo: os primitivos vêem fantasmas ou obtêm revelações sobre assuntos
mentais que nós já sabemos pensar conscientemente. É a mesma coisa com os
sonhos, nos quais recebemos intimações sobre idéias as quais não teríamos
pensado conscientemente.
Esse é o ponto de vista freudiano: alguém tem um desejo, mas afasta-se dele e
então isto pode produzir um sonho. Mas isto na verdade não é assim. Já em
1904 escrevi uma vez para Freud comunicando a ele que aquilo que ele
chamava repressão não era exatamente repressão, porque há casos nos quais
não é possível encontrar qualquer traço de repressão. Eu disse que a produção
do sonho era uma função automática que tem suas raízes no inconsciente e, em
relação a isso, o consciente é um espectador perfeitamente destacado. Ele
respondeu que isso é verdade, que ele observara a mesma coisa, mas isto nunca
apareceu na sua teoria e ele manteve sempre seu antigo ponto de vista. Isto foi,
no entanto, uma das primeiras insinuações da minha própria convicção de que o
inconsciente tem as suas próprias idéias e pode produzir mudanças espantosas
no consciente, tirando coisas dele e pondo coisas nele, e o consciente pode
interferir vem pouco em conexão com isso. Porque a nossa consciência, na sua
origem gera uma mera atenção passiva e tudo aquilo que nós denominamos
concentração e pensar ativo ou qualquer convicção intencional, veio bem mais
tarde. É de ato, uma aquisição bem recente. É quase chocante, por exemplo,
perceber como uma pessoa primitiva só pouco pode pensar ou atuar ativamente.
Não sabe concentrar-se, não tem atenção...
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Como percebem, isto completa as coisas. Estar junto significa estar junto com
os seus instintos inferiores, isto é, terrenos, com os instintos do seu corpo, com
todos os fatos imagináveis do animal, com percepção completa da sua
existência ctônica, isto é evidentemente, um tipo de profunda humilhação; um
ser humano degrada aos animais, estando entre os animais como se fosse um
deles. E isto causa o aparecimento do seu ser superior: é a única coisa possível
de ocorrer. Porque o Self nessa forma divina é o balanço e a contra-parte
necessária ao instintual, do animal. Assim, essa figura do Self, juntada, é o
divino em cima e animal embaixo, como a visão do Sátiro-Deus.
Termina assim, então, essa visão particular. Na última parte observaram que
ela conseguiu por o Animus em seu lugar adequado, fazendo-o funcionar de
modo adequado, como ponte. Então, ela passou pelo Animus-ponte para o
outro lado, estabelecendo dessa maneira uma conexão com o inconsciente
coletivo. No momento em que isso ocorre, poder-se-ia dizer que o objetivo foi
atingido e então o Animus pode submergir, voltando ao inconsciente coletivo.
Agora a ponte está levantada, a porta fechada, e ela permanece sozinha na
escuridão, com os animais, o que é perfeitamente certo. Estar com os instintos,
estar entre os animais significa, evidentemente, estar conscientemente na
escuridão... Quanto mais voltamos às épocas anteriores, tanto mais sentimos o
animal e temos a intuição: o que é o animal...
Depois, do outro lado, ela tem a visão da Grandeza, do Self no seu aspecto
divino, o que é absolutamente aquilo que devia ser, porque ela nunca pode
esperar ser mais ou ter mais do que a visão do Self. Ela é glorificada ou
deificada. Entra no domicílio dourado do Sol e produz um arco-íris, que é o
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halo que pode ser visto em redor da cabeça dos santos. Aquele símbolo de
halo ocorre várias vezes no decurso de suas visões. Assim, é uma completa
santificação ou deificação no sentido dos antigos mistérios... Isto é tudo que
pode ser desejado aparentemente. E agora, o que esperariam? Como poderiam
as visões ter uma continuidade?
Lembram daquilo que eu falei sobre o olhos nos olhos do animal? Ela atingia
o fundo e chegou lá embaixo, através de todas as civilizações. Agora ela está
retornando. Lembrem, ela estava com os adoradores do Sol, e depois alcançou
a esfera dos mistérios dionisíacos. Agora, quanto aos cultos-mistérios ela está
no segundo ou terceiro século a.C., porque ela é o Sol, o propósito dos antigos
mistérios era tornar-se Hélios. O remate total das cerimônias dos mistérios era
ser o Sol mesmo, como no Asno Dourado de APULEIO. Mas, decerto, essa é
uma condição absolutamente sobre-humana; o elevar-se da escuridão às
alturas tremendas do Sol. E ela, além disso, é apenas uma mulher comum.
Essa é meramente a sua experiência numa condição exaltada. Então, qual é a
conexão de uma tal condição com a nossa vida? Isto está faltando ainda,
porque o problema está estacionado, como se tivesse ocorrido dois ou três mil
anos antes. Naquele tempo era suficiente para eles estar quase inconsciente
para ser aquele que, em certos tempos na vida ficava exaltado em inefáveis
profundezas e inefáveis alturas; isso era tudo e essa experiência era suficiente
naquele tempo. Ao=inda temos fragmentos de confissões de iniciandos de
Eleusis que relatam algo do que experimentaram lá, e que maravilhosa
experiência tiveram. Aparentemente, naquela época, era suficiente, mas com o
decorrer do tempo já não era. A consciência humana desenvolveu-se e
surgiram novas necessidades com soluções novas. A solução seguinte era a
Cristandade.
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Agora, então, algo tem que acontecer nas visões mais próximas da
Cristandade. Já estamos tocando os princípios dela e algo deve acontecer em
que ela descobrirá o sentido e a estrutura interior da cristandade inicial, do
mesmo modo como descobriu o sentido e a estrutura interior dos cultos
pagãos. Temos que esperar que ela continue no seu caminho através das
épocas para chegar aos tempos modernos.
O castigo divino
Resposta: Para que possa encontrar o caminho do meio ela tem que sacrificar.
Dr. Jung: Exato. Enquanto ela é o Sol, ela é o Deus Supremo, e lá embaixo,
nas profundezas, ela é o animal. Ela estende-se além de si mesma em ambas as
direções, tanto em cima como embaixo; ela não é mais humana. Ela é quase
rasgada em pares-opostos, ela está sendo distendida até um grau assombroso.
Essa é exatamente a situação descrita por um antigo filósofo cristão, SINÉSIO
DE EDESSA, um velho bispo. Ele viveu entre o quarto e o sexto século e
26
desvantagem disso era que assim atingiam uma esfera sobre-humana e isto se
tornou para eles, de certa maneira, impossível e por isso cairam. Então
sentiram que o único modo pelo qual podiam curar o padecimento causado por
essa ascensão e descida era o sacrifício. Eles precisavam matar algo. Assim
ocorreu que escolheram um símbolo que realmente significa o sacrifício do
animal, a ovelha, a qual ao mesmo tempo é Deus... o Deus-animal...
Por isso tem o culto cristão uma grande vantagem espiritual sobre o culto
mitraico, porque não sacrificava apenas a parte animal, mas também a forma
humana-divina do homem, na imagem do crucifixo. Isto indicava que não
apenas as coisas inferiores ao homem têm que ser sacrificadas, mas também as
coisas superiores. Este é um modo peculiar de interpretação; eu estou
perfeitamente ciente disto, e se um teólogo estivesse aqui, provavelmente
arrancaria a minha cabeça. Mas, agora, naturalmente, temos que ver o que isto
significa... O que foi realmente sacrificado?
valores. Eu acho que o tempo é tal que parece quase chegado...) Podemos
certamente acreditar que para o indivíduo pagão, realmente religioso, era um
horrível conflito moral e espiritual o sacrifício da experiência que para ele era
a mais sagrada. Porque essa experiência da divindade é a essência real da
religião, e eles tiveram que sacrifica-la. Tiveram que aceitar o fato de que
todos somos desajeitados, miseráveis, repletos de pecado, perante o humilde,
pobre Deus na cruz. Essa é uma coisa que não podiam entender e eu posso
entender que eles não podiam...
Dr. Jung: Sim. As entranhas tiveram sempre um papel notável nos sacrifícios
de sangue. Eles necessitavam as entranhas para todos os tipos de propósitos
proféticos, supondo que elas e particularmente o fígado continham a
imprimadura do destino. Do mesmo modo como nós temos livrinhos sobre
interpretação de sonhos ou sobre as linhas da mão, e livros astrológicos, assim
na antiguidade eles profetizavam com base na particular condição do fígado
ou no tamanho das entranhas. Naturalmente, essas podem alterar; há grandes
diferenças individuais quanto à sua forma e tamanho e isto basta,
aparentemente, para oferecer uma oportunidade de atribuir-lhes,
intuitivamente, um sentido. Ainda, o fígado era particularmente importante
porque, supostamente, era a sede original da vida, como seu nome indica. No
inglês “liver” indica a coisa que vive.No alemão é “leber” (o vivente), que
significa a mesma coisa – fígado; higado, higides, higiene!
que são a sede da vida psíquica e do conhecimento secreto.... Como vêem, nós
identificamos, mais ou menos, o cérebro e a consciência, supondo que a nossa
consciência está localizada no cérebro, mas consciência de pessoas muito
primitivas não estava localizada lá; era decididamente mais embaixo... E nos
nossos dias ainda é possível conscientizar aquela forma primitiva da mente
que estava locada nas entranhas. Como já mencionei, há muitos poucos casos
de neurose nos quais as vísceras não estão perturbadas. Por exemplo, depois
de um certo sonho pode ocorrer uma diarréia ou aparecer espasmos no
abdome. Sei sobre um bom número de casos quando as pessoas não sabiam o
que deviam fazer, gente que ficou na indolência quando deveriam ter
organizado suas vidas numa escala um tanto mais ampla, que se omitiram
quanto aos seus deveres e tentaram vives como galináceas e que depois
tiveram espasmos medonhos nas tripas... Assim, se alguém que já analisei
anteriormente, volta com tais sintomas, eu pergunto: “Então, o que significa
isso? Sobre o que está falando este sintoma? Espero que você tenha a
necessária imaginação para me dizer o que está tentando apontar o sintoma,
exatamente como um primitivo o faria”...
sacrifício significa: “Então, corta isto fora. Não viva mais cegamente como
uma ovelha no rebanho”. Não é possível só existir num rebanho. Se alguém
vive como uma ovelha, saberá só aquilo que uma ovelha sabe, indo apenas
junto com a grei. Assim, sacrificar a ovelha significa o abandono do
preconceito coletivo de que uma pessoa é uma entre milhares. É verdade que o
ser humano é gregário, mas se não passa de ser apenas gregário, então não é
humano. Gregarismo inconsciente é apenas animal e com isso ocorre aquela
espécie famosa de pensar que faz as pessoas se preocuparem dia e noite: o que
seria bom para onze mil virgens – mas não se preocupam com elas mesmas...
Com isso podemos perceber que a coisa tornou-se muito positiva. Já que a
paciente entre na cerimônia, agora ela é aceitável. Antes era uma forma
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primitiva de rito de sangue para ela, de certo modo, horrível, mas no momento
em que ela nota que essas coisas são preciosas, ela já pode até aceita-las.
Como vêem, a inconsciência coletiva que nos força cegamente a aderir
cegamente à grei e ser como todos os outros (aqui simbolizada pelos
conteúdos da ovelha) é uma força que tem um grande valor quando revelada à
nossa consciência. Primeiro encontram-se conteúdos bastante crus e
repugnantes, mas depois eles revelam seu valor interior e nota-se que são, na
verdade, jóias preciosas. Na aplicação prática isso indicaria que a força
extraordinária que faz com que todos se assemelhem a todos, que mantém
cada ser humano tão baixo quanto possível – baixo na sua consciência, baixo
na sua qualidade, baixo a todo respeito – essa força, se elevada ao estado
consciente, revelará conteúdos de qualidade sem preço. Aplicando isto à vida
psicológica, significaria que até este momento a paciente estava distante
demais da sua própria realidade. Ela viu as coisas de certo modo na forma de
uma visão destacada – e mesmo essa ainda poderia ser uma visão mais ou
menos destacada – mas já está se aproximando do problema central, com
numa espiral, vendo as coisas no decorrer do tempo, sempre mais próximas.
Agora ela está já bastante perto para ser capaz de perceber o grande valor na
crueza e na primitividade, embora no início ela tenha se retraído delas.
que matar a ovelha dentro de si mesma para fazer-se consciente. Então ela
obterá os conteúdos daquela inconsciência, as jóias preciosas.
Dr.Jung: Sim. Sangue é sempre força vital, o símbolo da alma. Nas crenças
primitivas o sangue é a sede real da vida; por isso ao beber o sangue do
inimigo supõe-se receber seu mana. A magia sempre trabalhou com sangue.
Assim, quanto ao sangue está bem claro, mas o que há com aquelas jóias que
aparecem das entranhas?
Temos que trazer à superfície essas qualidades inferiores nas pessoas, porque
contém a jóia inestimável da vida, coisas que elas não quereriam perder para o
mundo; porque o que é mais precioso para uma coisa vivente do que a vida?
Se alguém vive só a metade ou a terça parte da vida, para que serve o viver?
Qual é o seu sentido?A vida só vale se está sendo realmente vivida. De outro
modo, é semelhante a uma pereira que floresce em cada primavera, mas nunca
produz sequer uma pêra. Sabem que Cristo mesmo amaldiçoava
simbolicamente a figueira que não produzia frutos. Pessoas que vivem de
modo infrutífero são como aquela figueira que tinha que ser amaldiçoada,
porque tais pessoas não cumprem a vontade do Senhor. Se querem viver, têm
que viver com a totalidade do seu ser. Muitas vezes elas não podem aceitar
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isso, porque suas entranhas começam a murmureja; elas são demais estéticas,
ou como denominam isso, demasiadamente morais. Mas então elas não vivem,
elas não cumprem o sentido de suas vidas, e não resolvem o problema do seu
próprio existir.
Dr. Jung: Esta sugestão vale para ser discutida, mas não haverá talvez uma
outra possibilidade? Pode ser que o “Tu violaste o sangue” não se refira
verdadeiramente à cerimônia. Ela não matara a ovelha, mas os índios, e assim
tais palavras talvez se refiram a uma outra coisa: pode significar que ela
violara o sangue de uma outra forma... Percebem, para responder uma tal
questão temos que olhar sempre para trás, para as coisas que aconteceram
antes, embora eu admita que essas coisas criam uma perplexidade,
naturalmente, é muito fácil perder a orientação.O que ocorreu antes foi a
deificação e, é certo, esta eleva a pessoa da condição ordinária; e isto a infla, o
que é uma violação da qualidade humana. E a qualidade humana significa a lei
da terra, que está contida no sangue. Isto vale para qualquer pessoa que
imagina que é mais do que é, e todos nós tentamos ser melhores do que
somos. A idéia geral é: “Como podemos nos tornar melhores do que somos?”
Mas nós somos tão bons quanto podemos ser e nem um centímetro mais. Do
mesmo modo como não podemos acrescentar nem um centímetro ao nosso
tamanho físico, assim temos também o nosso tamanho moral. Nós tentamos
viver acima do nosso nível, como milionários ou príncipes, mesmo não tendo
um tostão para o pão cotidiano. É apenas inflação. Mas vejam, isto não
significa que não podemos melhorar. Tentar ser aquilo que se é...
Então, é claro do que se trata quanto à violação do sangue? Ela não é natural,
Ela vive acima de si mesma e acha que é melhor do que na realidade é. Ela
separou-se da sombra e por causa disso seu Animus casou-se com a sombra e
foi para o inferno. Porque dá poder ao Animus para se comportar como
quiser... Querendo controlar a Anima ou o Animus, temos que trazer a sombra
para junto da consciência e assim libera-la da possessão da Anima ou do
Animus. Se a consciência continua sem conexão com a sombra, então ocorre a
violação acima da própria cabeça e esta é uma ofensa contra a terra. Se
alguém vive próximo à terra, se alguém vive com o sangue, então
simplesmente não pode fazer ou imaginar certas coisas...
40
A descrição era como se ela ouvisse o ruído de sangue nos ouvidos ou o pulsar
do coração. Evidentemente, ela sente o movimento do sangue, a vida
específica e rítmica do sangue. Podiam observar que sua linguagem, aqui,
altera-se um pouco e seu estilo torna-se mais abstrato. Ela descreve,
obviamente, uma sensação bastante física. Quando ela me falou sobre essa
particular seqüência da visão, insistiu na realidade extraordinária da
experiência; era como se ela estivesse nas suas próprias artérias, no seu
próprio coração. Quando uma pessoa tem uma experiência sensorial tão viva,
é como se o inconsciente enfatizasse isso, aumentando a qualidade da
sensação para tornar a coisa mais real. O fato de que podia ter sido muito real
está de acordo com a tendência natural do inconsciente de insistir na realidade
do sangue.
matar a mim mesmo”. Nesta altura já estão loucos. É quase como se, para a
maioria das pessoas, o descobrimento da realidade causasse pânico. É
interessante que, se falamos uma coisa dessas para aquelas pessoas eu vivem
uma existência provisional, elas acenam sabiamente com a cabeça, e sabem
tudo sobre isso. Depois passam adiante como se tudo estivesse certo, e
continuam adormecidos.
Dr.Jung: E aquele movimento do sangue? Não se dirige para baixo, mas flui
para cima. Assim é bem possível entrar no movimento para cima e não no
movimento para baixo.
44
Dr.Jung: O vinho mais tarde terá um papel, mas por enquanto trata-se do
sangue. Às vezes é permitido pelos deuses substituir o sangue pelo vinho, mas
não agora. O que estou querendo saber é o segredo da espiral.
Dr, Jung: Certamente. Como percebem, a sua idéia sobre Deus é uma
concepção mais pálida, fantasmagórica, o anêmico conceito cristão das
últimas épocas, mas ela está sendo carregada para além disto, o que é muito
significante. E agora vê o Sol.
Dr Jung: Sim. Certamente mais primitivo, mais real e mais concreto. Mas,
além disso, esse é o caminho que ela percorria. Nas visões anteriores ela
46
Dr.Jung: Sim. O ouro significa valor. Mas primeiro tentem visualizar o rosto
de Deus; nas pinturas antigas Deus é representado com um halo bem pálido
em redor de sua cabeça – aparentemente um sol bastante palito. Ela ave na
seqüência o sol real, que é também um disco dourado, depois um lago de ouro,
um disco de ouro. A idéia é sempre a mesma, mas a qualidade altera-se
consideravelmente... O lago de ouro é o retorno à terra. O ouro é um metal
pesado e tem que estar, naturalmente, no ponto mais baixo. Deus está muito
longe, o sol está mais perto, mas o lago de ouro está encamado na terra, ao seu
pé e é muito concreto. Pessoas que têm essa visão inconscientemente essa
visão, podem ficar emperrados aqui, por exemplo, desenvolvendo um grande
desejo de dinheiro, de ouro. Sabem que toda a filosofia dos alquimistas estava
imbuída com a idéia de fazer ouro; simbolizava a substância preciosa feita da
substância sem valor.
Sugestão: Sol e ouro são idênticos na Alquimia. Assim, o ouro seria talvez o
sol terrestre.
47
Bem podia ser que tudo isso devesse ficar no inconsciente. Enquanto ela é
idealista e atualmente se encontra nas nuvens, não está seguindo a lei da terra;
por isso seus valores mais altos escoam para o ouro. Esta é a razão pela qual,
pessoas muito piedosas costumam estar muito bem de vida. Nesses casos a
avaliação espiritual foi solapada, porque eles justamente proclamam demais
que só crêem no espírito... Isto é uma depreciação dos valores espirituais pelo
uso demais freqüente. Assim ficaram desgastados e todo o valor está no ouro.
Comentário: Isso me parece uma coisa muito boa para a mulher em questão. O
ouro é materialistico; ela agora percebe o grande valor no materialismo.
Dr.Jung: Sim, mas só é bom se ela for consciente disto. Se for inconsciente,
acumula-se uma resistência inconsciente contra todo valor consciente. Ela
acreditava que seu Deus era um espírito no céu, ao passo que seu Deus estava
escondido num cofre, no Banco. Ela vivia na terra, o que foi uma descoberta
terrível. As pessoas têm mais medo de perder seu dinheiro do que perder
48
Deus. Ele não é, de forma alguma, o valor mais alto para elas... De fato, a
idéia de Deus tornou-se muito abstrata e irreal. Não age como um verdadeiro
determinante, mas sempre há um valor supremo, um centro de gravidade que,
no fim, decide. Assim como vêem, esta mulher, enquanto inconsciente do fato
de que seu Deus está no cofre, é uma materialista e realmente impede a si
mesma de viver, porque sacrifica, mais ou menos, seus ideais de vida por seu
dinheiro. Mas aqui ela descobre que seu Deus é um lago de ouro, e é um deus
poderoso, porque o fato se torna consciente. Ela sabe onde está o seu “temer a
Deus”, já que tudo isto nela está conectado com dinheiro. No momento em
que isto se torna consciente, ela tem que admitir que isto é chocante. É
inteiramente errado, de acordo com suas idéias, o ouro ser para ela, na
realidade, o valor supremo... e, naturalmente, isto causa um conflito terrível
com seu idealismo.
Mas ela não pode livrar-se do fato de que o ouro é mana, tanto faz se o
desprezamos ou não. Já o fato de desprezo indica que é mana, que é valor. O
ouro é uma coisa soberba, maravilhosa e muito insinuante; é como o sol, que é
uma fortuna de luz. É desejável e tem-se que admitir que é desejável. Há um
mana especial para o ouro, como há um mana especial para a prata, e um
mana especial para as pedras preciosas. Todos têm um valor intrínseco que
não pode ser negado... Agora ela perceberá o valor do ouro em dinheiro e,
fazendo isso, descobrirá que o ouro tem mais valor do que tantos e tantos
dólares e que é um erro pensar que o ouro pode ser avaliado por dinheiro,
porque há lá sempre um valor místico. Justamente em função do conflito, ela
descobrirá que no mana do ouro há um valor além do valor do dinheiro. Esse
lago de ouro é um símbolo. Sabem o que simboliza? Esta é uma “virada”
muito peculiar e inesperada da estória.
49
Dr. Jung: Sim. Podemos chegar a uma interpretação com relativa facilidade,
pela teoria do valor supremo. O valor supremo é Deus, depois o Sol, e depois
o lago de ouro. Agora surge a questão: “Será que esse lago de ouro é eu
mesmo? É um valor bem embaixo dos meus pés – talvez a terra...” O sangue é
a vida da terra e vivendo na terra é possível descobrir o tesouro nela encamado
e assim facilmente, poderia ser feita a descoberta de que o valor mais alto está
em nós mesmos. Esse é o passo seguinte.
Então essas tais visões com as quais lidávamos não passam de impressões
fugazes, apenas “flashes” e a paciente mesma é absolutamente desinformada
quanto ao sentido nelas envolvido. Como provavelmente perceberam, é difícil
propor que tais coisas tenham até qualquer sentido. Mas se alguém medita
sobre essas impressões fugazes, é possível ver como descem, enriquecendo-se
com todos os tipos de associações. Então descobre-se que são, na realidade,
elos muitos importantes no processo inteiro, são como um texto à margem que
explicam o que está acontecendo se a paciente entre no remoinho de sangue.
Ela torna-se uma árvore
FIGURA PAG. 59
Destino e seu desenvolvimento.
Mas agora torna-se árvore, e se é
verdade que de um lado a vida da
planta é a condição mais baixa da
vida, de outro, as plantas são a
única forma de vida que pode
alimentar-se a si mesma. Nesse
sentido são autônomas e é isso
que ela tem que aprender.
Dr. Jung: É como se ela houvesse entrado aqui em algo inteiramente estranho
para o mundo animal. No mundo animal a espiral é coisa praticamente
desconhecida. Mas, no mundo das plantas é todo-importante para o
desenvolvimento e para o crescimento. Enquanto ela está no sangue – isto é,
na substância animal do seu corpo – descobre, de repente, um princípio
inteiramente diferente. E este é também um princípio vital, mas não aquele no
sangue. Já tivemos várias visões nas quais houve um pular em alguma coisa:
52
Estando a vida do espírito em absoluto contraste com a vida animal, vê-se que
sempre que o espírito se manifestou ele tem sido hostil a muitas formas da
nossa vida animal, a muitos dos nossos costumes e convenções. Qualquer
nova forma de manifestação do espírito tem sempre significado uma voa dose
de confusão. Pensem nas manifestações do espírito no Islamismo, no
Cristianismo – quantas toneladas de sangue derramado, porque a vida da
planta cresce diferentemente da vida animal. Vejam: a vida animal é um
crescimento que primeiramente ascende e depois descende. Também não é
regular: há diferentes estações na vida animal: as estações de acasalamento, os
períodos de cópula, e mudanças em conexão com as migrações sazonais. E é a
mesma coisa com o homem. Ele experimenta elevações e abaixamentos,
porque o desenvolvimento animal é sempre crescente e decrescente. A vida de
54
O círculo mágico
Dr.Jung: É uma proteção enquanto não nos identificamos com ele. Mas se isso
acontece, isto é, se colocamos o pé dentro dele, seremos consumidos pela
chama e dissolvidos. Da mesma maneira como a madeira pode ser consumida
pelo contato com o fogo, assim também podemos ser consumidos. Por isso
tem essa mulher que realizar que pode viver sem o fogo, sem o sangue; de
outro modo seria simplesmente a vítima de ilusões, a vítima de desejos, de
doença e de crime, e da ilusão - de fazer o bem e fazer o mal.
FIGURA PÁG. 61
Tentando visualizar isto,
chegarão a alguma coisa
assim. Farei um desenho
(fig. 1). Ela estaria aqui,
como uma árvore, no
centro, com as outras
árvores em redor dela, e o
56
Tais assuntos são difíceis de explicar; é bem difícil entender a estrutura do Si-
mesmo, em virtude do fato de que seus conteúdos são de natureza coletiva e
mesmo assim pertencerem ao indivíduo. Daí se origina o erro bem comum de
acreditar que o inconsciente coletivo está dentro de nós mesmos. Todos falam
do meu inconsciente coletivo, o que é uma insensatez total – alguém poderia
dizer também “minhas estrelas, meus planetas, meus continentes”. Nós nunca
supomos conter o mundo inteiro, porque o estamos vendo; podemos ver esta
sala, mas não supomos, por causa disso, que ela está lá, dentro do nosso olho.
Naturalmente está fora de nós. Mas, psicologicamente, o centro aqui é um
olho... o famoso olho de Horus. É este olho que determina o que vemos dos
conteúdos do inconsciente coletivo, no nosso campo visual psicológico.
Podemos dizer que essas coisas são nossas na medida em que as vemos, mas
não são nossas a ponto de dizermos que fazem parte de nós mesmos.
deve ser o mais desejado, e todos os esforços da filosofia oriental têm como
propósito produzir esse lago de ouro ou esse círculo mágico. É considerado o
mais alto conseguimento, por exemplo, em toda a yoga tântrica, e na filosofia
lamaísta e chinesa.
Desenhos de Mandala
Desenhos especiais, como aqueles que lhes mostrei, são usados como
instrumentos para produzir essa espécie de centralização. Também alguns
estão reproduzidos em O Segredo da Flor de Ouro. Qualquer mandala é um
tipo de mapa bidimensional da atual condição psicológica. Porque há
condições em que se vê mandalas perturbadas em vez das normais. Nelas um
adequado círculo mágico acaba de repente; ocorrerá uma quebra, perturbando
toda a configuração, e então é justamente como se tivesse ocorrido um efluxo
ou influxo de forças, ou como se um quarto ou um terço daquilo que pertence
ao todo tivesse sido cortado fora e substituído por elementos estranhos. Tal
desenho (fig. 2) reproduz um estado de possessão ou obsessão em que as
pessoas abrigam estranhos fantasmas em sua psicologia. Esta é uma das razões
porque os primitivos têm sua teoria sobre fantasmas; eles explicam todas as
possíveis peturbações do corpo ou da mente como uma possessão por espíritos
malévolos, o que simplesmente descreve o fato de que conteúdos autônomos
do inconsciente coletivo entraram e tomaram posse de uma parte do ego...
Estes conteúdos peculiares são sentidos como pensamentos estranhos.
Por exemplo, às vezes uma pessoa não pode livrar-se de uma determinada
idéia ou convicção. Ela sabe que é completamente errada, mas a coisa tomou
conta dela e não pode ser afastada. Tomem um caso muito simples: uma certa
60
Voltando à mandala representada na Fig. 1 (pág. 54) [no original, pág. 61],
podemos ver que contém um pequeno círculo (a) no centro. Este pequeno
círculo (a) é visto novamente na Fig. 3, onde ele parece como uma secção
transversa do tronco da árvore no centro da Fig. 1. Olhando para baixo desta
secção transversa estaríamos olhando na direção das raízes da árvore e para o
lago de ouro que estaria, por assim dizer, embaixo. Mas olhando para cima
vemos o Sol, que ela descreve. Pode-se imaginar os ramos e o disco do sol
acima, quando ela ergue seu rosto para o sol. Esta parte da mandala, portanto,
é como um corte transversal em alguma coisa que continua para cima e para
baixo. O que se experimenta aqui é a especial tendência da árvore para
desabrochar, a sensação dos galhos abrindo-se para cima dela e as raízes para
baixo. Assim, visto de outra dimensão, o pequeno círculo no centro da Fig. 1,
na sua forma mais simples, mais abstrata, lamaística, é na realidade o símbolo
cunha de trovão (Fig. 4). Pares de opostos estão unidos neste símbolo; é o
sinal de energia concentrada, porque a função que une pares de opostos é
energia; o choque de opostos produz energia.
Agora lhes mostrarei uma mandala tibetana com o símbolo cunha de trovão
bem no centro e emanando dele há oito pétalas, exatamente como as pétalas de
uma flor, cada uma contendo de novo o mesmo símbolo, o que significa o
desabrochar da energia concentrada do centro. Isto é chamado a Cunha de
62
Diamante, por causa de sua consistência dura, sua força extraordinária e seu
grande valor. Como o diamante emite raios de luz, assim essa energia
concentrada emana a energia radiante que agora forma a Flor de Ouro. Isto é
como um desenho da libido; se querem visualizar a fonte de libido ou energia
do inconsciente, essa seria a imagem adequada...
E já que esta energia concentrada nem sempre estava lá, significa que pode ser
vertida lá, ou que foi vertida lá. Assim, uma tal mandala lamaística sempre
tem portões (entradas) e em cada uma dessas entradas está o mesmo signo da
cunha de trovão, significando que este é o caminho, ou a entrada. Muita
energia pode, assim, deixar o círculo mágico por estas portas e expandir-se no
mundo – ou no infinito. Energia pode também ser atraída para dentro por estas
portas e expandir-se no mundo – ou no infinito. Energia pode também ser
atraída para dentro por estas portas, por concentração e contemplação, dessa
maneira produzindo o tesouro no centro, o qual é simbolizado pela Cunha de
Diamante ou pelo Lago de Ouro – porque o ouro, também, é energia
concentrada. E onde quer que haja energia concentrada, há a possibilidade de
soltá-la; então temos de novo emanação.
Podem ver, então, que o símbolo da Flor de Ouro representa o atrair da libido
e a possibilidade de emana-la e já que tudo isto é o equivalente de um corte
transversal no tronco da árvore, isto significa que ela pode movimentar-se para
cima e para baixo. Se se dirige para baixo, a energia será pesada, será
semelhante à terra, formar-se-á o lago de ouro; se se move para cima, teremos
o disco solar, porque a energia manifestar-se-á na forma de radiação, luz e
calor. É bem claro? Trata-se de um tipo bem difícil de filosofia, porque
63
Dr. Jung: Bem, na idéia oriental o centro da mandala não é a secção transversa
de uma árvore. Isto é algo que eu tirei da visão desta paciente e de outras
fantasias de meus pacientes. No oriente poderiam ver este símbolo na forma
de um lótus. A própria flor de lótus corresponde ao corte transversal. Este é o
símbolo universal da taça. E deste cálice de lótus aparece o Deus... O lótus
tem a peculiaridade de emergir acima da água, isto é, a flor não pousa apenas
na superfície da água, mas eleva-se dela... Assim, é como uma coisa que se
eleva das profundidades do inconsciente e se desdobra, e no meio está o centro
dourado, no qual se supõe que o Deus apareça – ou onde o sol se ergue. Por
isso o sol é mágico. Assim como o lótus emerge das escuras profundezas
lodosas de baixo, e vem à superfície da água, assim levanta-se o Sol. Pelo fato
de ser o lótus a imagem do sol nascente, tornou-se o símbolo mais comum no
Oriente para o receptáculo de nascimento do Deus. Conhecem este símbolo: a
figura de Deus sentado na flor... E se olhamos o lótus de cima, percebemos a
mandala...
As portas
Na visão seguinte ela está de novo perante um muro preto, está perante o
mesmo obstáculo, ainda é o mesmo muro com a estrela e o olho.
O olho é como uma peculiar forma de passagem; ele vira-se para si mesmo e
olha. Ela faz o mesmo, então tem uma visão e vê uma árvore em crescimento,
o que é. Evidentemente, um símbolo de desenvolvimento.
dele, ela vê o que ele vê. Esse homem, naturalmente é de uma idade lendária –
eu não sei qual é a sua idade. Personifica o inconsciente coletivo, que é de
uma idade imensa, e naquele olho ela vê o modo de ver do inconsciente
coletivo...
Dr. Jung: Sim. O sol significa a luz do dia e é também o símbolo da deidade. E
a estrela é o destino individual, consciência da vida individual e da deidade,
essa é a idéia. E o velho disse: “tu percebeste?” e depois desapareceu. Então, o
que estava ela percebendo?
Resposta: Para mim, quando ele diz “tu percebeste?”, sem qualificação,
significa eu ela percebeu tudo.
Dr. Jung: Essa visão é uma espécie de reconciliação consigo mesmo, com seu
ponto de vista, com o grande contra-senso do mundo. Fornece-lhe uma
71
explanação filosófica: “Está vendo”, diz, “aquele rio inteiro só tem um sentido
se alguns escapam e tornam-se conscientes”. O propósito da existência é:
tornar-se consciente. O estar consciente nos redime da maldição do eterno
fluxo. Essa é uma idéia extremamente importante. É um outro paralelo com a
central doutrina budista. Então, percebam, essa mulher não tem nenhuma
educação particular nesses assuntos que vêm diretamente da cozinha do
inconsciente. E está sendo mostrado a ela de uma forma bem impressionante:
qual é o sentido da existência humana.
De acordo com essa visão, o significado real da vida é que umas pessoas
devam tornar-se conscientes. Esse estado consciente redime da maldição do
fluxo contínuo no rio do inconsciente. Parece quase como se pelo estar
consciente assegura-se uma posição fora do tempo. E isso é exatamente o que
as filosofias lamaístas e budistas ensinam: que a consciência forma uma ponte
sobre a morte. O indivíduo que morre nunca deveria perder sua consciência,
deve reter sua continuidade, de modo que o renascimento não deve toma-lo
inesperadamente.
Dr. Jung: Mas naturalmente. Vale a pena, altamente, o trabalho pelo estar
consciente e aceitar a vida como é: porque isso é que dá o sentido acima de
tudo.
73
“SEMINÁRIOS SOBRE VISÕES”
PARTE IV
SPRING 1962
2
O que parece ser a real condição das coisas simplesmente não tem
conseqüência, porque se nossa atitude é certa, as coisas são certas; elas serão
as coisas pertinentes. Se, de um outro ponto de vista, elas são sadias, ou
morais ou erradas, simplesmente não importa; porque esta é a nossa
experiência subjetiva no momento, e assim como experimentamos a nossa
vida no mundo, assim é. Naturalmente, de um ponto de vista, poder-se-ia dizer
que é a vida mais miserável, ou que é a mais linda que se pode imaginar. Mas
tais especulações são perfeitamente inanes; a única questão é: como vivemos a
nossa vida, como a experimentamos. Se nossa atitude é acertada, as coisas,
então, são acertadas...
Aqui a vida está sendo encarada como um rio no qual seres humanos flutuam
e são arrastados – todos completamente inconscientes – porque estão
submersos na água, o que significa no inconsciente. Um pequeno grupo na
margem é consciente, e estes chamam os que estão no rio, de modo que alguns
deles emergem e também tornam-se conscientes e distintos, mas eles são
poucos, apenas. Nas palavras do Novo Testamento: “Muitos são os
chamados, mas poucos os escolhidos”. A crença central budista é que
continuamos a circular interminavelmente na roda da morte e do renascimento
enquanto não somos conscientes, mas se pela meditação adequada e pelo
modo de viver adequado – seguindo o Caminho Óctuplo, como o expressa o
budismo – nos tornamos conscientes, então, eventualmente, alcançaremos a
emancipação. Assim, se juntam duas convicções centrais, a cristã e a budista,
e esta é a sabedoria do velho. Mas nossa paciente não inventou ou excogitou a
idéia, ela simplesmente a viu como imagem...
4
O que ela tira disto é um modo de ver muito universal quanto ao propósito da
vida. De acordo com a colocação do inconsciente, muitos estão sendo levados
pelo rio, mas uns poucos ouvem as vozes que chamam e saem da água; eles se
tornam conscientes, eles já não mais são arrastados pelo grande movimento
inconsciente. Assim, tornar-se consciente está sendo mostrado a ela como o
sentido de sua vida, e isto a reconcilia com o fato de que ela mesma estava se
sentindo completamente em desacordo com suas condições. Em virtude de
seus problemas, ela cresceu distante da atmosfera de sua família e de seus
amigos, das convicções de seu meio, e, naturalmente, sente-se isolada. Com
certeza lhe será dito que é neurótico e errado estar isolada, mas o inconsciente
diz que exatamente assim é que ela deve permanecer. Uma tal visão pode
ajuda-la a reconciliar-se com sua particular tarefa na vida. Porque todo aquele
que se empenha em viver a vida individual confrontar-se-á com uma situação
como esta, isto se repete eternamente...
Visão: Depois que o velho falou, minha roupa tornou-se verde e depois
branca. Em redor de minha cabeça pairavam chamas brancas.
Atravessei campos ondulantes de trigo.
A imagem que ela pintou para ilustrar este estado, muito obviamente
simboliza iluminação. Isto é tipicamente simbolismo oriental. Na Yoga
Tântrica Kundalini, quando a introvisão (ou compreensão dos conteúdos
inconscientes) atingiu o centro mais alto (a sede da consciência), então
irrompe a luz – uma luz branca. O fato de que sua vestimenta se torna verde,
primeiramente, refere-se simplesmente à vegetação; indica que ela se torna
vivente, que ela é parte da vida. Quando se torna branca, significa que a vida,
anteriormente inconsciente, agora torna-se luz; e luz é, evidentemente,
5
Sugestão: Mestre ECKHART diz que o trigo é a mais alta forma de semente.
Dr. Jung: Sim. O trigo é muito simbólico porque é pão, o fruto da terra. Por
isto diz Mestre ECKHART: “A natureza mais íntima de todos os grãos
comporta trigo, de todos os metais, ouro, de todos os nascimentos, homem”.
FIGURA PÁGINA 68
Assim, o trigo seria quase a
essência da vida vegetativa, da
vida da planta. E já que a vida da
planta é o símbolo das qualidades
espirituais da vida humana, o que
simbolizaria o trigo?
Resposta: Ressurreição.
O gigante do passado
O gigante reaparecerá em outra visão posterior na qual ela carrega sua grande
figura. Mostrarei o desenho que ela fez então. Foi feito muito mais tarde,
quando houve de novo um movimento para a frente e ela de novo feriu-se em
conflito com o passado. Só então ela compreendeu o que deveria ser feito com
o passado – que ele deve ser carregado. Este desenho é a contra-parte da idéia
histórica do TRANSITUS (trânsito, passagem) – o carregar o símbolo – que
fazia parte de muitos mistérios antigos. No culto de ATIS, era o carregar da
árvore o símbolo da mãe. Usualmente era um pinheiro que se carregava para
9
FIGURA PÁG. 69
uma caverna. Atravessar um
rio ou passar por um
obstáculo pode ser também
o “transitus”. MITRAS é
muitas vezes representado
carregando sobre seus
ombros o touro morto e isto
também é o “transitus”; o
touro é a sua própria vida e é
o mundo, é o assim chamado
‘touro-do-mundo’. Há uma
antiga lenda de que o mundo
foi feito por Deus na forma
de um touro e esta lenda
ainda existe na África...
Foi um pouco do antigo misticismo persa absorvido pelos místicos
maometanos que se transferiu ao sufismo e assim estendeu-se da costa
africana até Zanzibar. Menciono isto porque na visão a paciente chama o
gigante “o mundo” e o touro mitraico é o mundo, é a vida da terra, porque o
sacrifício do touro fez crescer toda espécie de víveres. A forma mais
conhecida do “transitus” é CRISTO carregando a cruz, sendo a cruz, outra
vez, a árvore. É o mesmo símbolo no Cristianismo como no culto de ATIS, e
tem o mesmo valor: significa carregar a mãe – o mundo é a mãe, MÃE
TERRA.
10
Yang e Yin
No caso desta mulher, o progresso não conduz a mistérios espirituais; ela tem
que tomar o caminho descendente, o caminho Yin e aqui Yin é alguma coisa
muito impessoal. Se eu falo em seguir o caminho descendente, nenhum
julgamento moral está implicado; não significa arruinar-se, degeneração, ou
completa autodestruição moral ou estética. Nada desse tipo. Ela está no
caminho para Yin, literalmente; ela acabou de se iniciada pela Grande Mãe.
Isto é o simbolismo ctônico e não apenas a terra: Yin não é apenas a terra.
Antes, ontem a terra, a escuridão da humanidade – e talvez a caverna, talvez a
serpente. Isto tudo que se pode dizer, mas contrasta caracteristicamente com
Yang. Como vêem, a mente oriental sempre pensa nestes pares de opostos, ao
passo que nós estamos sempre tentando estabelecer a univocidade das coisas.
Se construímos uma imagem completa do que cerca um objeto é para
diferencia-lo como um fato único, para destaca-lo do seu meio. Mas a mente
oriental não pode pensar um Yin definitivo sem ter, ao mesmo tempo, o
conceito de Yang em mente; tanto assim que no TAI-GI-TU – aquele símbolo
circular contendo duas formas semelhantes a peixes, uma preta e a outra
branca – o peixe preto que é Yin, sempre tem um olho branco e o peixe
branco, que é Yang, um olho preto. Em cada forma plenamente desenvolvida,
está sempre a caminho o germe do oposto. Este é o paradoxo chinês, o nascer
do sol inicia-se à meia noite...
Lembrem-se: isto foi escrito por um pagão, não por um cristão. Mostra a
necessidade psicológica da época; mostra que se alguém vive a vida natural
inteiramente, torna-se um animal, e por isso necessita uma iniciação espiritual.
14
a coisa preciosa, a nova luz, em perigo de ser tragada pelas forças escuras, por
Yin. Mas esta idéia seria um engano, porque aqui, outra vez, a mente oriental
tem um tipo peculiar de objetividade. A mente oriental está absolutamente
ciente do fato de que Yang é tão perigoso quanto Yin – é preconceito nosso
pensarmos que Yang é todo o bem e Yin é todo o mal. Assim, talvez, o dragão
poderia bem engolir a pérola; de modo algum é certo, como encara isto a
mente oriental, que engolir a pérola seja particularmente perigoso ou
indesejável. Vejam, a pérola representa a unicidade, o pequeno corpo, o
grande valor, o qual é perfeitamente indefeso contra o dragão, e não se
compreende de forma alguma porque durante toda a eternidade, aquele dragão
não a engoliu. Minha idéia é que a pérola simboliza a unicidade do indivíduo,
o indivíduo imperecível que está sempre lá. É o herói, realmente, que é
tragado pelo dragão, mas sempre reaparece, tendo destruído de dentro o
dragão.
Enantiodromia
Assim podemos entender que, quando nossa paciente desafiou o gigante (que
era o mundo, do qual ela, equivocadamente, clamava não ter medo), então o
mundo agarrou-a. Ela caiu no abismo, agitado por formas e vultos horrendos,
e foi arrastada de volta ao rio de sangue do qual havia emergido. Aqui o
gigante não está mais estendido no chão, como Golias abatido pela pedra de
Davi, mas ergue-se acima dela e produz uma sombra tão grande que ela não
pode ver as estrelas ou o céu: toda orientação foi perdida; a escuridão é
completa; ou, como diria o I Ching, ela está “perto do coração das trevas”. E
ela está sendo puxada ainda mais para baixo, porque relata: “Estava sendo
sugada para dentro do grande fluxo fervente e soltei um grito de agonia”. Esta
é a morte do herói, indica o desaparecimento do herói na barriga da baleia-
dragão. Então, na escuridão sobrepujante mesmo o gigante desaparece.
Poderia parecer ilógico supor que o poder que dominava alguém totalmente,
desapareça quando este é eliminado. Mas insto é verdadeira filosofia chinesa.
Se Yin consegue tragar e abolir Yang completamente, então Yang penetra na
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escuridão e incendeia tudo e a luz de novo vem para fora. Por isso, se Yin quer
superar Yang, ou Yang Yin, se um homem quer dominar uma multidão ou se
um rei quer governar seu povo, ele tem que ser engolido pela multidão, ele
tem que se entregar completamente a eles, porque só assim ele pode aparecer
em cada um deles. Esta verdade está simbolizada na comunhão cristã. Lá
supõe-se que Cristo está sendo literalmente comido; ele penetra na escuridão
de cada um e reaparece em cada um... Aqui é como se o gigante fosse
engolido pela sua própria escuridão; mas então o Yin no auge do seu poder,
supera-se a si mesmo e pela lei da ENANTIODROMIA transforma-se a si
mesmo no seu próprio oposto. Este é o famoso conceito que significa o
cruzamento para o oposto, criado por HERÁCLITO que dizia que todas as
coisas movem-se para o seu oposto. Esta é uma lei psicológica extremamente
importante que pode ser encontrada em todo lugar. Provavelmente já
perceberam que na seqüência dessas visões as coisas se desenvolvem de novo
e de novo através da ENANTIODROMIA. Sempre que uma certa coisa chega
a um topo, ao cume, então decai e transforma-se no seu oposto.
Dr. Jung: Sim, a morte do grão de trigo para produzir o novo germe.
Naturalmente ele não morre, simplesmente transforma-se, mas isto é usado
como um símile – como um cadáver é colocado na terra e se entende que
ressurgirá no dia do Juízo Final.
Para o primitivo, um Deus é algo original, um princípio das coisas como têm
sido feitas ou criadas até aqui, e isto é justamente como se essa coisa toda não
tivesse cabeça; e então o homem individual chega, com sua consciência
individual, e é como se este homem fosse a cabeça, como se ele tivesse dado
uma cabeça à Divindade. Esta é a criação da luz. É como se ele estivesse
fazendo a Divindade toda contrair-se em um ovo, o qual se torna uma nova
luz. Ele se perde mas o que ele produz é eterno.
O Ovo
Nada está indicado nesta visão em conexão com a serpente; só sabemos que
no lugar do gigante aparece um ovo. Sabem porque desaparece o gigante? Isto
é muito importante. Lembram-se que o gigante simboliza o poder
sobrepujante do seu mundo do passado. Como dissolveu-se aquilo?
Dr. Jung: Sim, mas como seria aquilo dissolvido?... A resposta aparece
claramente aqui, mas não a notamos; o estilo telegráfico destas visões nos
vendo os olhos. Vejam, os eventos imediatamente anteriores foram, na
verdade, a culminação do poder do gigante... Agora ela está completamente
entregue... (Ela solta um grito de agonia) e é neste ponto que o gigante
desaparece... Poder-se-ia supor que o gigante permaneceria lá por toda a
eternidade e que ela simplesmente seria sugada e desapareceria. Mas não,
gigante desaparece. Como é isto?
O poder do sofrimento
Dr. Jung: Exatamente, é seu grito lancinante que mata o monstro; é sua agonia
que o supera. Isto mostra o valor criativo do sofrimento. Mestre ECKHART
diz assim: “O sofrimento é o cavalo mais veloz para levar-te à perfeição”. É o
sofrimento que transforma; ela se permite sofrer agonias e, expressado como
está no seu estilo telegráfico, podemos toma-lo no seu pleno valor. É o
momento de absoluto sofrimento e isto faz desaparecer o gigante. Agora, este
é um ponto muito importante. Naturalmente, para a psicologia masculina isto
soa muito brando e fraco. Não podemos entender como poderia ser isto, e
assim, o homem, quando é o herói, toma uma lança e mata realmente o
monstro, de dentro. Lembram-se da minha “Psicologia do Inconsciente”? Mas
a mulher o mata através do sofrimento. Podem entender uma tal coisa?
Dr. Jung: Sim, exatamente. E isso é o que não podemos entender. É a mesma
idéia, o efeito mágico do sofrimento... Sofrimento agudo tem o efeito
extraordinário de que, subitamente o passado inteiro não importa em
comparação com a dor... Pessoas que não possuem seus centros, que estão um
tanto fora deles, necessitam uma grande dose de sofrimento antes que possam
sentir-se a si mesmas – elas quase inflingem a si mesmas situações nas quais
têm que sofrer. Mas ninguém pode impedi-las, porque é uma necessidade. Só
através da dor podem elas sentir-se a si mesmas, ou perceber certas coisas, e
se nunca perceberem, nunca poderão progredir.
25
Se a humanidade não tivesse sofrido por viver em cavernas ou nos galhos das
árvores, casas nunca teriam sido inventadas. Então, mesmo se o sofrimento
não é infligido de fora, é infligido pelas pessoas a si mesmas, com o propósito
inconsciente de sentirem-se a si mesmas. Se temos uma dor de dente
torturante, o mundo inteiro não importa; se no mar estamos enjoados, é
indiferente se o navio afunda ou não; ficamos desmoralizados. Mas o efeito
positivo disto é que nos sentimos a nós mesmo, adquirimos uma percepção e
aprendemos a nos afirmar contra o gigante.
Assim, através de uma agonia tão aguda a paciente percebe a si mesma e isso
é exatamente o que ela necessita. Naquele momento, tudo que antes era
sobrepujante torna-se um ovo; ela diz: “Eu vi um grande ovo, ofuscante na sua
brancura”. Ela o representa na pintura que fez, como se estivesse acima dela e
ela estende seus braços para ele como se fosse uma aparição divina. Parece
uma invocação.
FIGURA PAG. 75
“O Reino do Céu está dentro
de vós; e todo aquele que
chega a se conhecer o
encontrará. Esforçai-vos,
portanto, para vos
conhecerdes a vós mesmos e
perceberais que sois os
filhos do Pai; sabereis que
sois a Cidade de Deus.”
Assim, quando o Si-Mesmo
afirmou-se através do
sofrimento, isto significa
que o Reino do Céu se estabeleceu, e este era o propósito do martírio e a razão
pela qual os cristãos foram doutrinados para buscar a arena.
Agora prosseguiremos até a abertura do ovo. Ele contém algo e a paciente está
bem curiosa para saber o que é.
Visão: Eu disse: “Abre, para que eu possa saber o que está dentro de ti”.
O ovo abriu-se em toda a sua extensão e dentro eu vi uma antiga
escultura preta de uma cabeça. Tirei-a para fora e limpei dela a poeira
de épocas. Ao fazer isto, línguas de fogo saíram dos lábios e a cabeça
disse: “Beija-me, mulher!” Eu disse: “Não posso, me queimarei.” A
cabeça ordenou de novo, e eu a beijei. Então senti o fogo espalhar-se
dentro de mim. Eu me levantei, a cabeça caiu no chão e se partiu em
fragmentos.
Antes de tudo temos que voltar e encontrar a origem dente ovo. Certamente
veio do passado, está no lugar do passado, ou poderíamos dizer que estava
dentro do passado, um ovo que esteve escondido dentro do gigante; isto é, o
mundo até então estava prenhe com um ovo invisível, agora este aparece,
enquanto o mundo desaparece. É um germe que talvez remonte às idades
passadas; porque ela diz que a cabeça estava coberta com a poeira de épocas.
No passado remoto um ovo foi posto, ou originou-se o germe de um novo
mundo, que permaneceu oculto dentro do gigante, mas quando ele desaparece
o ovo torna-se evidente e dentro está aquela cabeça preta. A cabeça tem que
simbolizar a coisa que permaneceu oculta no passado, e isto nos fornece a
chave quanto ao seu sentido...
28
Sugestão: É o Yin.
Dr. Jung: Sim, é um germe do Yin, mas esteve escondido nas eras. Preto
sugere o mal, e as línguas de fogo saindo daquela cabeça não são
particularmente amistosas, lembra-nos o fogo do inferno...
Vejam, é importante realizar que para nós, hoje em dia, Yin ou a terra, muito
freqüentemente tem o caráter de mal. A que referir-se-ia aquela cabeça?
Alguém tem a conexão?
Dr.Jung: Bem, ouviram a sugestão de que seria um negro e sabem sobre o lado
instintivo que não foi aceito. Mas, na realidade, precisamos ter uma conexão
simbólica; estamos interpretando sem considerar o que houve anteriormente.
Lembram-se do Deus sem uma cabeça, de que falávamos antes? O Deus sem
cabeça é o gigante e aqui, quando o gigante desaparece, a cabeça aparece
dentro do ovo. O gigante é branco, a cabeça é preta. Isto é espantoso. O que
estaria transmitindo?... Naturalmente, não dito em nenhum momento que o
gigante não tinha cabeça, mas eu digo isto, falando do pesado fardo que tem
que ser carregado. Nós, no presente, somos a cabeça do passado. Nós
“encabeçamos” o passado, literalmente e somos os olhos “pré-videntes”, os
cérebros criativos, que dão uma cabeça ao passado. Pelo menos, isso é o que
deveríamos fazer. Se não nos afirmamos, se não criamos uma nova cabeça, o
29
Dr.JUNG: Bem, sim, eu diria que cada cabeça doada ao passado é luciferiana,
porque traz luz. Mas aqui é, muito obviamente, uma cabeça de negro, e isto é
confirmado numa imagem posterior onde o negro aparece inteiro... aqui
estamos lidando com um simbolismo vivente. Esta mulher está em busca de
uma atitude que a ajudará a enfrentar os problemas de sua vida; ela não
encontrou a convicção ou a atitude que a ajudaria a aceitar seu próprio destino
individual. Para isso ela necessita uma espécie de atitude religiosa que ela não
pode encontrar de outro modo senão pela análise. (FIGURA PÁG. 76).
Minha razão para lidar com estas visões é que elas nos proporcionam uma
introvisão realmente maravilhosa quanto às operações secretas do
inconsciente. Elas nos mostram como elabora o inconsciente certos símbolos,
através dos quais ela é ajudada para adquirir uma atitude que lhe possibilita
viver, não convencionalmente como nós o entendemos, mas sua própria
específica vida individual.
30
Agora, a grande dificuldade é esta cabeça sem o corpo, ou este corpo sem a
cabeça. Eu lhes afirmo que é extremamente difícil tanto entender como
explicar este simbolismo... Mas deixem-me mostrar-lhes esta imagem do
Cristo sem a cabeça, na Catedral de Autun. Vejam que Ele não está realmente
sem uma cabeça, um sol simbólico é a cabeça; isto não significa apenas o
disco solar, significa um sol espiritual. E o sol espiritual no Cristianismo é a
sua verdade específica, é o Logos, e ele é simbolizado como o círculo com a
cruz, o que no Oriente é chamado uma mandala. É o símbolo da individuação,
do completamento do indivíduo humano, ou sua entelequia (finalidade
inerente) e, ao mesmo tempo ele representa a nova luz do Logos, isto é, a nova
luz que brilha nas trevas, como está dito no início do Evangelho de são João.
Agora, esta mulher fez o gigante desaparecer pelo seu sofrimento. Ela tornou-
se intensamente consciente de si mesma e isto causou o aparecimento de uma
nova idéia que agora está se imprimindo sobre ela. Naturalmente, ela ainda
não compreende, mas é bem óbvio, naquele simbolismo, o que está sendo
significado. A cabeça que não pertence ao corpo é como o disco solar que não
pertence ao corpo de Cristo. Nós, naturalmente, esperaríamos uma cabeça
humana em Cristo, mas não, é um símbolo abstrato, o sol espiritual. O corpo é
o passado, a nossa terra, o mundo como tem sido até agora; mas, dele emerge
uma nova luz, que não é idêntica ao corpo; do enorme corpo branco do
gigante surge um ovo que contém esta cabeça. E vejam, aqui ela tem um novo
significado, nada abstrato, ela é muito concreta, uma cabeça de negro – preta;
mas, aparentemente ela dá vida. É, naturalmente, de muita idade, como o
homem primitivo é de muita idade. Na realidade, em lugar da palavra “negro”,
poderíamos dizer aqui “primitivo”, já que a qualidade da condição primitiva é
o que a cabeça preta expressa nesta visão...
Então, a coisa que sai do ovo é, na realidade, uma mente primitiva, o Logos
primitivo, e ele pronuncia palavras de fogo – são as línguas de fogo que saem
da sua boa. Isto é como o simbolismo da espada flamejante que sai da boca de
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Certamente, alguém poderia perguntar aqui, porque aquilo deveria ser assim,
mas em vez de especular sobre isto agora, eu tenho que dizer que isto é assim,
simplesmente; o principal é entender ou aceitar como um fato, que as coisas
primitivas são as mais sugestivas, e para o nosso inconsciente, as mais
aceitáveis, enquanto tudo mais, todas as coisas belas, são menos
estimuladoras. Não há nada mau com elas, certamente, mas parecem ter se
esgotado, enquanto as coisas primitivas conservam um peculiar poder de
sugestão, uma espécie de encantamento.
Nossa paciente diz que foi permeada pelo fogo que saia da cabeça; isto é, as
palavras de fogo mágico a atravessavam. São as línguas de fogo do milagre de
Pentecostes; é o Espírito Santo, o Logos outra vez, como desceu sobre os
discípulos. Aqui, em vez de descer sobre ela, a está permeando; é algo como a
serpente preta, mas não é a serpente preta, é o fogo mágico da graça; a graça
tem sido sempre representada como luminosa. Não vem do céu, neste caso,
mas de baixo; ela segura a cabeça e o fogo sai dela.
33
Dr. JUNG: Mas veja, esta não é a qualidade primitiva como nós a entendemos.
Este é o homem primordial que era no princípio, mas ele é uma força
inteiramente espiritual... No primeiro século, eles não enfatizavam a qualidade
primitiva, eles enfatizavam o homem primordial que era realmente um Deus-
homem, o Theos Anthropos dos gnósticos do Oriente. Cristo, o filho de Deus,
chamava-se a si mesmo o filho do homem. Mas o filho de homem é o Deus-
homem... o ser espiritual, enquanto esta coisa aqui tem que ser tomada sob o
aspecto do primitivo, não do homem primordial. É o homem primitivo dela e
só quando for aceito nesta forma revelará sua intenção – sua irmandade ou
identidade com o homem primordial, o atemporal, inespacial, o Theos
Anthropos. Mas nós estamos ainda longe disso.
Agora, quando ela foi permeada pelo fogo, ela ergueu-se e a cabeça caiu no
solo e partiu-se em pedaços. Como vêem, ela agora aceitou esta peculiar
manifestação do homem primitivo. Ela está permeada pelas palavras ígneas,
pelo mana emanado do Logos. Agora esta forma pode quebrar-se porque ela
aceitou-a – ao menos na visão.
aceitar que alguém dissesse coisas blasfemas sobre Cristo. Mas, há uma
verdade eterna na afirmação de ISAÍAS e outros profetas de que o salvador
sempre vem de um lugar de onde menos o esperamos. Justamente onde não
esperamos vida, lá ela estará; porque a vida que nós conhecemos está quase
exaurida, a nova vida sempre vem de algum canto inesperado. Por isso, a idéia
paradoxal do Messias negro é, certamente, uma expressão simbólica que
coaduna com a nossa psicologia.
O fato de que a cabeça se parte em fragmentos significa que esta forma pode
ser abandonada pela mulher porque ela absorveu o fogo que emanava da
cabeça, e isto é uma grande coisa. O fogo que a atravessava é a essência da
visão; é inspiração, força dinâmica; instiga para ação ou para empreendimento
– como o fogo de Pentecostes que inspirou os discípulos para sair à rua e falar
diferentes línguas...
O exorcismo do fogo
Mas fogo, como foi dito, é também luciferiano. Naturalmente não esperariam
que esta cabeça preta difundisse uma influência particularmente espiritual. É
uma influência duvidosa. Ela diz:
Ele me disse que ajoelhasse perante o altar e deu-me água para beber,
mas eu disse: “O fogo, dentro de mim, ainda queima”. Ele
desembainhou sua espada e golpeou as paredes do templo de modo que
elas, com ruído de trovão, desabaram. O homem, então, colocou a mão
na minha testa e disse: “Mulher, está perdoada. Levanta-te e comunga
com o povo”. Eu vi muitas pessoas em redor de nós. Caminhei até elas e
elas me tocaram com as mãos. Por fim eu disse> “O fogo já não está
dentro de mim, estou purificada”. Ergui meus braços para o céu
enquanto os raios do sol desciam sobre mim.
A serpente é, aqui, uma indicação de que ela tem que ser cautelosa, tem que
estar alerta, mas que a conduz para o rio da vida. A bela figura do homem que
ela encontra lá refere-se ao homem que é o obstáculo na sua estória pessoal.
Isto indica que no rio da vida real, no curso dos acontecimentos, aquela
imagem reaparecerá e ela terá que encontrá-la. Aqui podem ver algo referente
à parte da mente primitiva que ela descobriu no ovo e que diz a ela> “Esta é a
tua pedra de toque. Esta é a coisa que, eventualmente, tens que encarar.” E
porque, as pessoas muitas vezes me pergunta, isto tem que ser rebaixado a um
tal teste? Porque as coisas têm que entrar na realidade? ... Porque se a coisa
permanecesse simplesmente como um pensamento, então, o ovo não conteria
vida; ele seria praticamente uma casca vazia. Neste caso, o jogo não valeria a
pena, não teria sentido abrir o ovo, ou incomodar-se, absolutamente, com tais
fantasias. Mas temos que nos preocupar com elas porque elas realmente
contêm os germes da vida, sem os quais aquela vida em particular
permaneceria mutilada ou estéril... Por isso, quando ela abre o ovo, quando
aquela cabeça fala com ela, quando o fogo entra nela, ela inevitavelmente será
37
Agora ela entra na água; ela se entrega ao curso dos acontecimentos e segue o
homem. Já vimos antes que o Animus geralmente a precede em situações onde
as coisas são obscuras e onde ela não confia em si mesma – antecipando-a ou
cumprindo o rito de entrada, assumindo de novo o papel de condutor de almas,
do HERMES psichopompos , ele a toma pela mão e, deixando o rio, entra num
templo na ribanceira... Esta mulher não sabe o que está à sua frente; ela
simplesmente permite que ele tome a liderança... e pede q ele que retire dela o
fogo. Ela está repleta do fogo que saiu daquela cabeça, mas não sabe como
aplicar sua nova aquisição...
Assim, o rito no templo serviria o propósito de unir duas coisas que até então
eram incompatíveis; há uma idéia de adultério nesta fantasia, que tem que ser
aceita no todo do seu sistema sem queimá-lo. Ela não pode, simplesmente,
destruir a idéia toda – porque esta é a vida do fogo eterno; ela tem, portanto,
que mudar seu sistema de adaptação. Isto foi o que Cristo fez pela mulher
adúltera, e como ele era o filho de Deus, teve efeito; Ele a mudou tanto que ela
pôde aceitar isto no seu sistema, e pôde manter-se firme e não mais ser
moralmente destruída.
excluem muitas das suas melhores qualidades... O que o senhor fez pela
mulher adúltera foi alterar o seu sistema, de modo que ela podia aceitar o fato
e sentir-se, mesmo assim, redimida. Ninguém é redimido por arrependimento,
continuamos o mesmo velho Adão, porque por arrependimento não mudamos;
podemos estar batizados ou algo como isso, mas esta não é uma mudança
verdadeira. Tem que haver uma mudança do sistema, uma aceitação das coisas
que anteriormente eram inaceitáveis. Quando aceitamos o fato da nossa
inferioridade, ela vive conosco; somos ela também, mas não exclusivamente.
Não somos apenas brancos; uma parte é preta, mas ambas fazem o homem
todo. Não estamos eliminando a substância branca quando podemos aceitar a
preta – ao contrário, só quando não o podemos é que as coisas vão mal,
quando não há outra coisa a não ser apenas branco ou apenas preto. Isto é
simplesmente neurótico.
Dr. JUNG: Sim, é justamente isso. Podem observar pessoas com sentimentos
de inferioridade que não são aceitas, porque elas não se aceitam a si mesmas.
Se querem ser apreciados ou amados, apreciem a si mesmos, amem a si
mesmos, sejam justos consigo mesmos, e todo mundo fará o que for justo para
os senhores. Às pessoas que dizem: “Oh! Eu estou muito interessado nas
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Comungar com o povo significa: reconhecer que somos todos iguais, que
sofremos pelos mesmos problemas; não permanecer mais isolado, mas antes
ser humano entre seres humanos. Isto é, evidentemente, uma tremenda
aquisição que remove os sentimentos de inferioridade desta mulher; ela é
aceita, ela está na humanidade, ela está sobre o solo que é comum a todas as
coisas vivas. Ela é justamente uma árvore entre muitas que conseguiu
enraizar-se; não há sentimento de inferioridade... Apenas as nossas mentes
causam tais sentimentos e fazem aquela tremenda e blasfema suposição de que
sabemos melhor do que a vontade dentro de nós...
Disto podemos tirar a conclusão que não deveríamos interferir, para que a
coisa possa funcionar. Se apenas pudéssemos aprender a arte de não interferir!
Nós nos atrapalhamos demais pela interferência intelectual, sempre sabendo
melhor; este é o obstáculo. O que devemos fazer na análise é remover essas
opiniões conscientes, ajudando a natureza para que ela possa trabalhar no seu
modo quieto, através dos seus símbolos, sem a nossa muito detestável
intervenção. Vejam que este rito mágico agora atuou. O fogo está extinto e ela
confessa num estilo realmente antigo: “Estou purificada”, como se
confessasse: “Eu estou renascida”. Através da aceitação, não cortando fora a
coisa – isto não ajuda – mas aceitando-a, ela está purificada e é trazida de
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volta ao regaço da humanidade. E então, ela diz: “Ergui meus braços para o
céu enquanto os raios do sol desciam sobre mim.” Sendo humana,
comungando com a humanidade, ela pode receber a benção do sol que é, sem
dúvida, uma experiência religiosa.
Só aquelas pessoas que realmente podem tocar o fundo, podem ser humanas.
Por isso, Mestre ECKHART diz que não devemos nos arrepender demais dos
nossos pecados, pois isso poderia nos manter afastados da graça. Só se
confronta com a experiência espiritual aquele que é absolutamente humano...
Uma boa dose de antiga verdade religiosa está colocada aqui, de uma forma
muito incomum; por esta razão, a paciente não a reconhece, e isto ajuda muito
– porque ela não pode destruí-la... Este é um belo exemplo de uma verdade
eterna que se introduz furtivamente no seu sistema, quando ela não está
percebendo isto, e assim pode atuar...
Visão: Eu vi um negro deitado sob uma árvore. Nas suas mãos havia
frutas. Ele cantava com uma voz cheia, ressonante.
Resposta: Mithras, Osíris, Adonis, Odin trespassado pela lança. Jacchos, que
na realidade é Dionísio de novo, a forma específica nascida na peneira.
No entanto, pelo desenvolvimento, ele percebeu que não era a primavera fora
que lhe dizia respeito; assim, o processo destacou-se dos eventos externos...
Agora, nesta visão, o negro tomou o lugar daquela figura arquetípica do deus
da vegetação, o deus que morre cedo. O relacionamento dele com a vegetação
é perfeitamente óbvio pelas frutas. Na América temos Mondamin, o deus da
semente, em estreito paralelo com Jacchos ou qualquer um dos outros, porque
todos são deuses da colheita. Por isso tem este negro fruta em suas mãos. E ele
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está sob uma árvore, o que mostra que a árvore é, de certo modo, um atributo
seu. (Neste sentido, esses desenhos são como as antigas representações dos
deuses, sempre apresentados com seus atributos particulares.)... Também o
sangue que jorra, seria uma manifestação da fertilidade da terra: a vida da
planta espalha um rio de opulências sobre a terra, os campos férteis são como
uma correnteza de trigo dourado – essas são figuras poéticas bem conhecidas.
Resposta: Vinho.
Dr. JUNG: Sim, vinho e trigo sempre caracterizam a fertilidade da terra e são
também símbolos na comunhão cristã; assim, o sangue pode muito bem ser
uma correnteza de vinho. Daí, este gesto absolutamente dionisíaco do negro.
Todos estes atributos e o inteiro contexto mitológico confirmam uma idéia que
tivemos sobre este negro. Qual era?
Dr. JUNG: Sim, ele é um mediador. Todos aqueles deuses foram mediadores,
porque participaram da destinação humana. Deuses, em geral, não morrem,
mas aqueles deuses morreram. Por isso, nos períodos posteriores da história
egípcia, Osíris era simplesmente uma designação ou uma palavra técnica para
a própria alma, a parte imortal do homem. O Osíris do rei ou do Faraó era
encarado como uma substância imortal, como uma coisa que ele tinha em com
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um com o Deus que morreu como homem e que podia superar a morte pela
ressurreição. Este negro, como um mediador, está realmente representando
algum papel arquetípico desta espécie; ele indica a reconciliação entre o
homem e a coisa que está contra ele, ou da qual ele se tornou destacado. Neste
caso, ele é uma espécie de mediador psicológico... Poder-se-ia dizer que ele
está mediando entre o moderno ponto de vista dela, com sua exclusividade e
unilateralidade, e o instintivo e natural ponto de vista que compensa aquele...
Os senhores sabem, já encontramos o Animus indo à frente, fazendo a ponte
para o passo seguinte, e aqui, ele atua do mesmo modo outra vez, para a nossa
paciente, ele mostra a ela o símbolo reconciliador. Que atitude pode ela
aprender deste gesto particular?
Dr. JUNG: Sim, mas é exatamente isto o que as pessoas não entendem...
Sugestão: Um sacrifício?
Dr. JUNG: Sim, mas muito involuntário. Ele é natural, um sacrifício dentro do
propósito da natureza. Uso outra vez uma frase de GOETHE, “A natureza
exige uma morte”. É natural, ninguém a estava impondo. Como uma casca
que se rompe, ou uma fruta caindo da árvore, assim o vinho ou o sangue flui.
É um fluxo natural, uma manifestação natural, não uma morte imposta, nem
um sacrifício auto-infligido. E a atitude é de... alegria, ou o amor pelo seu
próprio destino – amor fati. Uma espécie de entusiasmo... por seguir o
caminho da natureza, por seguir a lei que está dentro de nós mesmos. O negro
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mostra um completo abandono às leis que estão operando nele, e isto conduz à
fertilidade...
Vejam como as coisas se desenvolvem aqui; esta mulher não se desvia, nem
um pouquinho. Poder-se-ia esperar, que se alguém foi entregue às suas
próprias fantasias, isto resultaria, como diz FREUD, apenas em satisfação de
desejos, e tudo iria para o inferno, completamente. O teólogo pensa que o
homem é do diabo, que todo mal vem do próprio homem; então, ele pensa que
não se pode confiar na própria lei. Mas, se não confiamos na nossa própria lei,
temos que nos contentar com uma neurose. Temos que confiar em nós
mesmos com a nossa própria experiência porque, de acordo com a lei natural,
seremos conduzidos a um estado de inteireza; não falo de um estado de
perfeição – isto é preconceito – mas de inteireza, que parece ser uma espécie
de crescimento e que contém todos os valores espirituais que se possa desejar.
Como percebem, esta visão não conduz a qualquer coisa destrutiva; conduz a
uma natural fertilidade.
Pergunta: Faz parte também de nós, não apenas aceitar a nossa natureza, mas
também julgá-la, modificá-la?
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Dr. JUNG: Sim e nós fazemos isto com maior ou menor sucesso. A questão é:
são bons os nossos critérios?...
Que o negro, de fato, tem um certo interesse por ela, vê-se pela sua resposta,
em que ele explica que canta para a escuridão, para os campos flamejantes,
para as crianças do seu ventre. Ela diz “canta para”, mas o termo técnico mais
adequado seria sem a preposição – como os pescadores escoceses quando vão
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Tais símbolos têm que ser conscientizados, pois do contrário, seus efeitos
permanecem ou invisíveis ou quase nada. É como se alguém tivesse uma
cédula em algum canto do bolso mas não soubesse dela; ela não teria valor,
seria como se não existisse. E assim é na natureza. Certamente, mesmo não
sabendo dela, ela produzirá certos efeitos, mas estes serão avessos, interferirão
em nós; porque não saber do inconsciente significa que nos desviamos dele,
que não estamos em harmonia com ele, e assim, ele trabalha contra nós. É
bem possível que se esta mulher não estivesse consciente dessa figura, ela
simplesmente formaria um complexo que atuaria contra ela. De fato, esta
figura sempre trabalhou contra ela, e ela só pode perceber o poder positivo de
tais figuras, tornando-se consciente delas. O valor destas visões é que elas a
ajudam a perceber os conteúdos inconscientes , porque eles não podem atuar
de modo adequado se não são admitidos à consciência. Mas, se alguém pode
perceber conteúdos inconscientes, isto em si mesmo já é valioso, porque já
está próximo na natureza, e então, o próximo passo é admiti-los. De outro
modo, o consciente não tem suporte, não tem raízes, a natureza assume uma
atitude contrastante e torna-se mesmo um oponente. O inconsciente, então,
não se interessa pelo homem, rola nos seus próprios ciclos, e o homem é
largado em qualquer parte, abandonado, encalhado.
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Por exemplo, eu citei o caso daquela pessoa psicótica que sonhava com os
mais magníficos mitos de morte e ressurreição, mas nada acontecia ao seu
consciente; ele não era afetado. Se ela tivesse sido capaz de entendê-los, o
inconsciente teria sido atraído, teria emergido e aumentaria sua consciência.
As pessoas, muitas vezes, apontam que a escola freudiana encara o
inconsciente como algo estranho, selvagem, oponente e criminoso. Mas,
mesmo supondo que o inconsciente tenha tal atitude, isto tem que resultar do
fato de que a consciência era hostil com o inconsciente; tem que ser porque a
consciência tomou um rumo muito diferente e, por isso, evocou o aspecto
negativo do inconsciente. Mas, se alguém aproxima-se do inconsciente de
maneira amistosa, ele perde seu aspecto perigoso, e o que era inteiramente
negativo, torna-se positivo. Vê-se isso nos sonhos. Muitas vezes, pode-se ter
sonhos e considerá-los destrutivos e ruins, os quais apresentam a coisa que
não se pode aceitar, mas isto é devido, meramente, ao fato de que a atitude
consciente é inadequada. Se alguém diz: “Isto parece bem errado e preto, mas
talvez, eu tenha que aceitá-lo”, instantaneamente a coisa muda de cor e torna-
se compatível com a consciência.
Visão: A corrente me levou mais e mais para baixo. Por fim, encontrei-
me numa caverna rochosa, embaixo da terra. Era muito escuro. Vi um
fogo em brasa. Acima do fogo eu vi uma fênix que, constantemente,
elevava-se e batia a cabeça contra o topo da caverna. O fogo criava
pequenas serpentes que desapareciam. Ele criava, também, homens e
mulheres. Eu perguntei à ave: “Para onde vão eles?” A ave respondeu:
“Embora, embora.” A ave disse: “Entra no fogo, mulher.” Eu disse: “
Não posso, me queimará.” A ave mais uma vez me ordenou. Assim, eu
fiz e as chamas subiram, queimando minha roupa. Por fim, eu estava
nua.
Resposta: O abdome.
Dr. JUNG: Sim, ela é levada para baixo... para a cavidade abdominal, que é,
aqui, uma localização psíquica... Significa que ela alcança em baixo, com a
sua intuição, por assim dizer, a região abaixo da consciência; e lá ela encontra
um fogo já incandescente... Agora, o que é este fogo? Eu mesmo, durante
muito tempo, não sabia dele.
A Kundalini Yoga
Resposta: Espírito.
Mas agora o produto daquele fogo, ou o produto da paixão, neste caso, não
pode escapar para a consciência; está preso no inconsciente. Porque não pode
ele subir para o ar, tornar-se visível? Obviamente, a consciência não está
pronta para aceitá-lo, mas porque não? Uma fênix pareceria ser antes
agradável.
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Talvez a ave não possa elevar-se até a consciência devido ao fato de que seu
consciente supõe que lá embaixo há apenas serpentes, e estas são encaradas
como perigosas e venenosas. Mas, como vêem, o fogo produziu ambos; as
serpentes seriam o contra-peso para a ave inofensiva. Então, ela diz que o
fogo criou também homens e mulheres. É um fogo extraordinariamente
criativo; parece ser o criador do mundo. E isto coaduna exatamente com a
idéia na filosofia tântrica de que o fogo é o criador... Finalmente a ave disse:
“Põe-te no fogo, mulher!” Ela replicou: “Não posso, ele me queimará.” A ave
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ordena de novo. Ela obedeceu e as chamas queimaram sua veste e, por fim, ela
está lá, nua.
O fogo da purificação
Isto explica porque permanece ela embaixo, com aquele fogo vivente; é o fogo
da purificação... Aparentemente, ela agora é a própria fênix e entra no fogo
para arder. Mas o que acontece? Só suas roupas se queimam e ela permanece,
nua – uma evidência, novamente, de que ela está se tornando ela mesma. Esta
passagem significa, simplesmente, que através do fogo da paixão, na condição
pré-psicológica, quando não se consegue e não se raciocina, quando se entrega
completamente e se permite que a dor ou a emoção domine totalmente, ocorre
a purificação, tornamo-nos nós mesmos. Este é o teste do ouro: o verdadeiro
ouro mostra sua qualidade no fogo. Esta é também uma idéia alquímica – ela
se torna a substância verdadeira. Então, o fogo se extingue e a ave desaparece,
porque ela mesma é, agora, a ave. Esta consciência superior é a consciência do
Si-Mesmo. E ela chegou a perceber o fogo falando com o preto Negro...
Porque é tão importante que a nossa paciente tenha sido forçada de tal forma a
uma absoluta nudez? Porque ela não pode tolerar, pelo menos em certa
medida, uma leve condescendência à persona?
Resposta: Porque assim, ela tomaria apenas meias medidas; ela não encararia
a situação inteira.
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Dr. JUNG: Isto é exato, mas há aqui um outro ponto. Naturalmente, ela tem
que se ver como realmente é; ela já encarou uma boa parte, mas agora ela é
chamada a uma ainda mais intensa consciência de si mesma. Vamos supor,
por um momento, que ela já se convenceu realmente de seu problema. O que
mais pode haver aí?
Dr. JUNG: Exatamente. Estar consciente de si mesma como ela está, ajuda-a a
encarar seu próprio problema, porque neste caso ela está convencida de que se
trata de seu próprio problema individual. A maioria das pessoas não acredita
nisto. Elas supõem que é apenas um engano quando se confrontam com certos
problemas na vida. Por exemplo, uma pessoa me diz que no ano tal e tal
cometeu um erro fatal. Mas não existe uma coisa assim – isto é o destino e não
há erros no destino. O destino é maior do que nós. O que ocorreu com esta
pessoa, então, era apenas o que tinha que acontecer; não houve erro, olhando
do lado da sua estrutura interna. Se esta pessoa se conhece saberá que o erro é
ela mesma e que portanto, tem que encará-lo.
Assim, neste momento, quando as coisas ficam mais e mais quentes, nossa
paciente é outra vez, enfaticamente, chamada de volta ao conhecimento de si
mesma; sua imagem é colocada diante de seus olhos, de modo que quando as
visões avançarem, ela nunca perderá outra vez de vista a si mesma; ela sempre
saberá quem ela é. Porque as figuras do inconsciente coletivo que aparecem
nestas visões poderiam facilmente insinuar que ela é bem outra coisa do que
aquilo que é, e então, ela perderia a convicção sobre si mesma e perderia seu
caminho. É uma tremenda tentação porque naquele caminho as pessoas fazem
descobertas espantosas, descobrem coisas com as quais nem sequer
sonharam...
Para todos os efeitos, aqui está ela na cavidade abdominal, na região onde se
inicia o fogo e onde não há absolutamente, pré-concepções. É exatamente
como se a vida estivesse começando outra vez, como se nada tivesse
acontecido ainda.
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Naturalmente, de um certo modo nada acontece a nós, nunca, que nós não
somos. A vida que vivemos é a nossa vida. Todas as nossas experiências são
nós mesmos – aquilo é exatamente o que somos. Assim, quando alguém se
queixa de ter sido vítima de um ataque sexual, digamos, na primeira
juventude, e explica toda a sua vida por aquela ocorrência, tem-se que dizer
que isto é lamentável, mas ainda assim era ele mesmo, ele o experimentou.
Veja, se uma tal coisa aconteceu a uma pessoa, mas não foi sua própria
experiência, não deixaria qualquer impressão. Geralmente, pacientes
neuróticos pensam que uma coisa ou outra teve tal e tal efeito, mas outras
pessoas passam através de numerosas experiências potencialmente
devastadoras que não deixam impressão porque não eram delas. Mesmo
assim, algumas vezes as experiências são traumáticas, e temos que ser
acrobatas mentais para explicar porque – e era porque um cachorro abanou seu
rabo para nós, ou algo semelhante.
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Mas essa experiência da Kundalini não deve ser confundida com a nossa
consciência cotidiana; esta nada tem a ver com ela. Alguém pode ser
perfeitamente consciente sem ter o tipo de consciência que é causado pela
serpente. Todo esse processo de yoga é algo adicional ao desenvolvimento
mental normal. Eu sempre tento deixar claro que este desenvolvimento da
consciência não é um processo normal; poderia ser dito que é um
desenvolvimento anormal, uma consciência adicional. Possivelmente não se
pode dizer qual poderia ser o resultado de tal coisa; de certo modo será
diferente de tudo que conhecemos. Como vêem, a experiência do despertar da
serpente não é meramente uma experiência sexual; há milhões de experiências
sexuais e não há uma verdadeira experiência de yoga entre elas. Isto é alguma
coisa à parte, é um tipo particular de experiência sexual. Assim, o processo de
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yoga é realmente algo que acontece num plano diferente, por assim dizer, e há
perigos e riscos que não atendem ao desenvolvimento usual da consciência. Se
alguém, por exemplo, alcança o ponto mais baixo, muladhara, poderia ser
preso nas raízes. Tais experiências são tão reais, que pessoas sem o mínimo
conhecimento da filosofia oriental pintaram figuras humanas presas nas raízes
de uma árvore; há uma em “O Segredo da Flor de Ouro”, uma figura feminina
deitada, adormecida nas raízes – em muladhara.
Comentário: Mas aquilo que ela faz é mais do que psicologia normal?
Comentário: Então, o neurótico deveria usar sua neurose para fazer dela
alguma coisa?
Dr. JUNG: “Muitos são chamados mas poucos são escolhidos”; esta é uma
verdade esotérica. É verdade que o neurótico só pode ser realmente curado por
uma psicologia supranormal, uma psicologia adicional; e se isto não pode ser
efetuado, ele ficará simplesmente mutilado. Ou são aleijados ou são
supranormais...
Esta conexão com as raízes é uma experiência nova e muito peculiar. Como
disse, é como se todo o processo do tornar-se consciente fosse repetido; assim,
ele é expressado como um segundo nascimento, e aquele que passou por isto é
chamado duas-vezes-nascido e supõe-se que entrou numa condição que é
mana, ou tabu, ou redimido – qualquer que seja o termo religioso. De qualquer
forma, é uma experiência que cria um novo tipo de consciência, que poderia
ser caracterizado psicologicamente como uma consciência destacada, uma
consciência que não está mais em participação mística. Não quero avançar em
tudo isto agora, mas menciono-o para explicar-lhes a experiência pela qual
nossa paciente está passando, o seu medo de insanidade...
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Como vêem, ele é aquele que abre caminho para ela. Qual é o significado
dele estar acima, enquanto ela está embaixo no inconsciente, dele estar fora,
enquanto ela está dentro?... É porque ele é aquele poder que está no fogo da
serpente, aquela parte que ela não podia suportar e que, por isso, estava
projetada. Ele vive, ele carrega os frutos da terra, e ele está fazendo jorrar seu
sangue. Agora, esta é uma idéia cristã, a idéia do herói. Nós não somos
capazes de viver isto; assim, se temos um fardo, nós o jogamos sobre o herói o
mais depressa possível e nos livramos dele. Pensamos que o herói pode
carregá-lo e, mais ainda, ele promete redimir-nos – e esta é exatamente a razão
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Visão (continuação): Ele riu ao ver-me. Ele disse: “Agora tu estás unida
comigo”. Subimos os degraus para a luz do dia. Ele disse outra vez:
“Agora tu estás unida comigo.”
Isto significa que eles estão em uma união inquebrantável. Como diriam os
cristãos: Cristo tornou-se meu irmão e meu irmão sou eu mesmo, assim eu sou
Cristo. Mas isto, naturalmente, é a mais blasfema suposição; qualquer um que
dissesse isso seria considerado insano. Mas não, Cristo era simplesmente um
indivíduo moderno. Ele apenas viveu sua própria mentalidade. Ele carregava
um tipo interessante de convicção e fez uma experiência: ele identificou-se
com seu próprio caminho contra todas as tradições, contra todas as pessoas
respeitáveis da Palestina. Isto era o que ele tencionou fazer e pagou por isso. E
isto é o que esta mulher está destinada a fazer, nada mais, apenas isto. É como
um cristão dos primeiros tempos indo para a arena, ou como o próprio Cristo
que teve suas dúvidas sobre côo a coisa toda terminaria e assim teve seus
maus momentos no jardim, antes de ser crucificado.
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Vejam, essas coisas são tão sérias como nos primeiros tempos do cristianismo.
Tertuliano ensinou seus discípulos a buscar a arena, e esta é a idéia aqui –
tornar-se si mesmo, arriscando até ser jogado aos cachorros ou ser feito em
pedaços. Isto é o que espera esta mulher e, por isso, ela necessita uma
consciência supra-normal.
“SEMINÁRIOS SOBRE VISÕES”
PARTE V
SPRING 1964
2
Procurando as raízes
No fim da visão, o Negro diz: “Agora está unida comigo”, e repete esta frase.
Obviamente isto significa que ela, agora, está unida ao novo salvador, aquele
estranho espírito dionisíaco. E se ela está realmente unida com ele, aquele
espírito atuará como uma espécie de instigador dentro dela; ele continuará a
atuar e a conduzirá através da vida num caminho especial. Porque sem aquele
espírito dionisíaco ela encararia os problemas de sua vida, do recente ponto de
vista cristão, daquele desvitalizado, quase triste, empoeirado ponto de vista
que a deixou neurótica anteriormente. Mas agora, ela tem esta outra forma de
vida que está longe de ser desvitalizada; esta vida tem um “largar-se”, um
espírito de abundância, que a influenciará singularmente. Assim, ela
confrontar-se-á com os mais espantosos problemas no seu caminho, e nas
visões subseqüentes podemos esperar que passará por sérios obstáculos,
continuando no caminho com o Dionísio preto.
O potro preto
Visão: Eu vi um potro preto. Com seus cascos ele tirava fogo das
rochas. Eu estava no mar e chamei por ele, perguntando como
4
Dr. JUNG: Ele é preto, como o inferno, e potros pretos são considerados,
particularmente, geniosos ou nervosos. Lembrem-se da famosa comparação de
Platão: ele diz que o homem é como um cocheiro que tem que guiar dois
cavalos: um é branco, um dócil e meigo cavalo, o outro é preto, desobediente,
sempre teimoso e rebelde. Esse é, obviamente, o cavalo mau, porque em
épocas passadas os potros pretos foram encarados como maus, não apenas
devido à sua cor, mas porque realmente são quase sempre perigosos e
geniosos. E o que significa este aqui?
Dr. JUNG: Sim, é uma força do animus... significa que o animus está na posse
de sua libido. É idêntico a ela, é o potro preto... Assim, sua visão a está
5
Dr. JUNG: Espero que não! Não estou bem certo de que poderia aceitá-la.
Coloquem-se no lugar desta mulher. Suponham que se confrontaram, na
realidade, com um potro preto. Não estariam nem um pouco certos de que ele
era os senhores. Vejam, a suposição geral é que isto é a psicologia pessoal
dela, mas não é. É bem possível que isto seja algo estranho que está chegando
a ela, uma manifestação do não-ego. Este potro preto não pertence a ela e isto
faz toda a diferença no mundo, se ela o assume para ser usa psicologia pessoal
ou não.
Dr. JUNG: Certamente ele está lá. Mas a questão é: qual será sua atitude?
Identificar-se-á com ele e dirá “Isto é eu mesmo”?
6
Dr. JUNG: Suponha que o diabo lhe ofereça um cavalo preto. O senhor
montará?
Dr. JUNG: Bem, é realmente um problema mesmo. Como pode ela confiar-se
a ele? Não deveria ela recusar?
Observação: Mas ela estava no mar e teria sido desejável para ela sair.
Dr. JUNG: O senhor chegou lá... Esse cavalo vem como um tipo de libertador;
é o único meio pelo qual ela pode sair. Num caso destes, partiríamos numa
tartaruga ou mesmo no diabo se ele próprio se apresentasse. ... Mas, o que
significa ela estar no mar? Na última visão, ela subiu da caverna subterrânea
para a luz, para a superfície da terra, e agora, ela está no mar. Naturalmente,
isto se refere ao inconsciente, assim poderíamos, da mesma forma, perguntar:
“Porque está ela, de repente, no inconsciente? O que poderia ter acontecido
depois que conheceu o Negro salvador?”... Quero que se lembrem,
7
Resposta: Que ela está possuída por ele e teria que segui-lo.
Dr. JUNG: Sim, ela se tornaria inconsciente como aquela figura primitiva, que
estava num estado de êxtase, de “largar-se”. Isto foi o que aconteceu entre esta
visão e a anterior, e por isso ela está no mar; ela acabou numa condição
inconsciente. É isto, exatamente, que observamos numa tal situação
psicológica. Se uma pessoa segue o espírito dionisíaco de “largar-se”, vai
embebedar-se, por exemplo, além de qualquer proporção razoável, até tornar-
se inconsciente, até que se encontre no mar; então, algo parece chegar e tira-a
de lá. Ainda mais, estar no mar significa estar abaixo do nível da terra, sito é,
estar numa condição demais baixa; ela deveria ser elevada até uma condição
mais alta, e para isso nada é melhor do que a força instintiva. Porque com
muita freqüência, quando estamos num estado inconsciente, nossa vontade nos
abandona; não podemos empregar a força de vontade e, então, alguma coisa
tem que nos dar o necessário empurrão para tirar-nos do inconsciente. Aqui, o
instinto é representado pelo potro; o único caminho para fora desta condição
que se apresenta a esta mulher é subir nas costas do cavalo.
8
O gigante de novo
Comentário: Pensei que o senhor havia dito que ele significava o passado, que
ela tentava carregar todo o passado.
9
Dr. JUNG: Sim, eu disse isso. Nossa sociedade humana, todas as nossas
funções, a opinião pública inteira, é o resultado do passado; portanto, ela é
gigantesca. Todas as coisas velhas são grandes. As coisas novas são
extremamente pequenas e fracas e delicadas. Assim, podem observar que ela
enfrenta um grande poder. O gigante representa a opinião pública de todo o
mundo dela, as convicções da nossa atual sociedade. E aí o potro se dissolve.
Agora, porque deveria aquela libido desaparecer exatamente quando ela a
necessita? Parece bastante lamentável que ela devesse ser abandonada pelo
poder instintivo que a estava carregando. Porque deveria um animal
tremendamente forte e vital, de repente, desfazer-se completamente?
Pergunta: Será que ela voltou para trás, para sua antiga atitude?
Dr. JUNG: O senhor pensa que isto é realmente uma regressão? Então, temos
que explicar porque ela recua.
Sugestão: Medo.
Dr. JUNG: Sim, mas o que acontece a este potro preto, a este animal de
combate, que de repente é vencido e se desvanece? Um potro é muito
corajoso.
Ninguém pode forçar-se além de um certo ponto. Tem-se que viver dentro dos
limites do ponto de vista convencional, se se quer seguir aquela libido
coletiva; se tentamos o caminho individual, ela nos deixará. Podemos nos
confiar ao padrão convencional apenas enquanto permanecermos sob o padrão
do homem normal fictício. Se tentamos ir além disto, erguemo-nos contra o
gigante e o cavalo se esvanece, simplesmente nos deixa; somos abandonados
por aquilo que se poderia chamar o instinto coletivo.
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Surge, então, um problema inteiramente novo: o que pode nos ajudar quando
somos abandonados pelos nossos instintos? Quando somos carregados pelos
instintos as coisas são relativamente fáceis, a vida é cômoda, tudo anda;
cometemos muitos erros, mas eles pouco importam, porque estamos com
nossos instintos e permanecemos mais ou menos inconscientes. Mas, o que vai
ajudar quando nos erguemos contra o gigante, contra a opinião pública? Não
há mais “tu deves”, nem admonições, e ninguém nos sustentará, porque já não
se trata de assunto coletivo. Se vamos em frente, é uma empresa inteiramente
individual. O que nos ajudará então? Deixarei que a fantasia responda.
Agora, o que é esta cidade branca que ela vê além do gigante? O que significa,
psicologicamente, este vislumbre à frente? É um encorajamento, uma
esperança, como se ela visse além do obstáculo, algo que se seguirá, quando o
obstáculo for superado. É uma promessa e por isso, é uma cidade branca.
Podem reconhecê-la?
Dr. JUNG: Sim, a Jerusalém celeste é uma cidade branca. E há outro exemplo.
Como sabem, o cristianismo não abrange o mundo inteiro; há religiões
maiores que o cristianismo em números e, talvez, também em idéias; o
bramanismo, por exemplo. A cidade de Brama é a cidade mais alta no mundo;
é uma cidade imensa, no cume do Himalaia. Eu penso que ela é feita de
diamantes – alguma coisa branca brilhante – e está sobre uma montanha cujos
lados são sustentados por quatro outras montanhas ... estas idéia da cidade de
Brama – que significa naturalmente, o próprio Brama – [e muito mais antiga
do que o cristianismo ... Agora, o que é esta cidade?
Dr. JUNG: Sim... a branca cidade celeste transmite a idéia da condição final,
definida e completa, a idéia da meta.
“Qual é a luz pela qual um homem sai, faz seu trabalho e volta?”
E o sábio responde: “Pela luz do sol”. “Mas se a luz do sol se
apaga?”, pergunta o rei. “Pela luz da lua.” “E se a luz da lua se
apaga?”, pergunta o rei. “Pela luz do fogo.” “E se o fogo se
apaga?”, insiste o rei. “Então”, replica o sábio, “o homem sairá e
fará seu trabalho e retornará ao lar pela luz do Si-mesmo (Self)”.
Não se necessita nem sol, nem lua, porque a própria cidade é feita de pura luz.
perguntam como entrarão no Reino dos céus e ele explica isto naquela
maravilhosa passagem sobre os animais, conduzindo-os para lá. Depois Ele
diz: “Esforçai-vos, portanto, para conhecer-vos a vós mesmos, e tereis a
consciência de que sois os filhos do Pai; sabereis que estão na cidade de Deus
e que sois a Cidade.”
Isso concorda com aquilo que eu disse anteriormente: que estas visões são
processos psicológicos que nada têm a ver com a vida do ego consciente; elas
são manifestações do não-ego psicológico. Poder-se-ia dizer que é um
alargamento para fora da consciência do ego e, entrando na visão da
consciência absoluta ou consciência não-individual, a consciência que está
além do homem. Isto soa terrivelmente abstrato e metafísico, mas de modo
algum é metafísico. Significa, simplesmente, o desenvolvimento de uma
consciência mais ampla e mais abstrata, a qual está relacionada com a outra
consciência mais estreita e mais concreta, de mesmo modo como a álgebra
com a aritmética, por exemplo, ou o pensamento abstrato com o comum
pensamento cotidiano. Assim, a visão de nossa paciente da cidade além do
gigante é a intuição de uma consciência além da consciência comum do ego,
uma consciência mais completa, mais perfeita, mais destacada. Porque na
cidade branca, estamos, certamente, num estado que é fortificado contra a
destruição circundante; a cidade transmite sempre a idéia de um lugar
fortificado, cercado por muros e torres e fossos, centro do qual estamos
protegidos. Neste ponto, não quero dizer mais nada sobre o símbolo do Self
como um símbolo coletivo; nosso texto, no momento, não justifica irmos tão
longe.
Dr. JUNG: Os anões são peculiares. Eles são mais do que apenas instintos.
Dr. JUNG: Sim, mas o anão é também mitológico. O anão contra o gigante.
Davi e Golias, o Polegar contra o grande homem. Na antiguidade, os anões
eram “polegares” e foram chamados também “dactyl”, que significa “dedos”.
Como vêem, eles são mais que apenas instintos; animais de todos os tipos
podem simbolizar instintos, mas os anões são mitológicos, o que é algo mais.
Os instintos saem da terra, muitas vezes sob a forma de serpentes ou outros
animais, mas os seres mitológicos também saem da terra. Agora, os anões
arrancam suas roupas até deixá-la nua... Para elucidar uma coisa dessas,
necessitamos certo conhecimento, é preciso estudar a literatura sobre anões. O
que fazem eles na mitologia?
Resposta: Os anões são inteligentes. Eles são criativos. Eles são capetas. E são
também os úteis cabiri.
18
Resposta: Porque ela hesitou em ser autêntica consigo mesma contra a opinião
pública.
Dr. JUNG: Sim, ela manteve as aparências, usou certas roupas, adotou certas
atitudes externas – ela conservou tudo isso para manter-se simpática junto à
opinião pública. Mas, nua, ela é natureza. As coisas mudarão, a opinião
pública desmoronará quando ela tiver do seu lado as forças da natureza, o
espírito inato das coisas.
Pergunta: Porque o senhor diz que eles são o espírito inato das coisas?
Dr. JUNG: Bem, uma das conexões é que eles são as assim chamados
KANOPOI, os espíritos de vasos, ânforas, potes e outros. Havia uma idéia de
que os espíritos ancestrais viviam nos vasos das casas. Isto, provavelmente,
veio do fato de que nas civilizações antigas, os mortos eram enterrados em
19
Talvez, seja essa a origem racional de tal idéia, mas nós temos outra
explicação psicológica muito melhor do porque podem os anões ser
considerados o espírito nas coisas, e é o fato peculiar de que, de acordo com a
lenda, eles sempre faziam o serviço doméstico. Por exemplo, se uma mulher
era bondosa e colocava alguma coisa afastada, para eles – um pouco de leite,
talvez – e se não fosse curiosa, especialmente quanto aos pés deles, então
durante a noite, eles limpavam a casa com água e escova. Quando ela se
levantasse, pela manhã, tudo já estaria feito, tudo limpo pelos bons duendes,
os anões – a palavra alemã para eles é heinzelmünner. Há um lindo drama
intitulado “O dia Morto”, escrito por um artista alemão BARLACH – que não
é um escritor, mas um escultor ou pintor – sobre o espírito das coisas; ele lhes
dava nomes, chamando aqueles que limpam a casa durante a noite por um
nome alemão que significa “pernas de vassoura”.
Qualquer país com tradições antigas tem sobre si esta rede de inconsciente;
nós temos, ainda, lugares na Suíça com lendas ligadas a elas. Se dizemos a um
camponês que lhe daremos vinte francos se ele nos contar todas as lendas do
lugar, ele não saberá de que estamos falando. Mas à noite, entre um copo de
cerveja e um cachimbo, ele poderá dizer: “Lá adiante é um lugar ruim. Um
homem construiu um estábulo lá, mas ele não deveria ter feito isso. Ele vai ter
problemas.” Se perguntarmos porque, ele repetirá que o lugar não é bom, há
algo mau com ele. Isto é folclores, lenda local. Eles concordaram em projetar
uma parte de sua psicologia, um certo efeito psicológico, sobre um certo lugar,
e se, por acaso, alguém compra aquela terra e constrói lá um estábulo, associa-
se com tal efeito e ele se torna um fato psíquico. Ele é parte do inconsciente
geral das pessoas que ainda vivem.
Assim, para o primitivo, não apenas sua terra, seus rios, suas florestas e
montanhas são vivos, mas também seus pertences pessoais, lanças, espadas,
canoas, tudo que pertence a ele, e isto vai tão longe que se expressa mesmo na
linguagem. Em todas as línguas primitivas há prefixos e sufixos para expressar
se um objeto é vivo ou morto. Em vez de falar simplesmente de “um
cinzeiro”, mostrando que é um cinzeiro masculino ou feminino ou neutro,
vivo ou morto. Mesmo em alemão ou francês (e também em português) tem-
21
Tudo isto mostra a origem nos anões; eles são o espírito dos objetos... Os
anões são os últimos representantes daquela original condição mental em que
os objetos eram a minha vida, ou onde a minha vida era os objetos. E aquelas
partes psicológicas, os anões, tornaram-se personificados porque cada um é
parte da psique... Os lunáticos ouvem vozes vindas dos objetos, das menores
coisas, até mesmo de fósforos, como se fossem pequenos seres humanos. Por
isso é extremamente difícil convencer estas pessoas de que as vozes não são
reais, o que os torna quase incuráveis. Se elas conseguem deixar atrás esse
estágio, se a personalidade torna-se de novo sintetizada, elas podem perceber
que as vozes eram alguma coisa fora; mas, enquanto as vozes continuam
falando, elas se aferram à convicção de são reais... Podemos ver a mesma
coisa em médiuns ou pessoas muito sensitivas. Neles, uma porta ainda está
aberta, uma parte de suas mentes não é deles, está fora, em um objeto e sabe o
que o objeto sabe. Uma pessoa assim pode produzir os pensamentos de
alguém, como se estivesse na posse dos bens daquele indivíduo, por assim
dizer. Da experiência destas pessoas, pode-se tirar conclusões a respeito das
condições nos primeiros tempos, quando a mente humana estava ainda nos
objetos. O homem, então, só tinha que perceber e aplicar o que lhe era
sugerido pelas próprias coisas. Ouvem-se observações deste tipo de artistas,
22
ainda agora, se eles são um pouco primitivos: que certos materiais sugerem
tais e tais formas e assim por diante.
Agora, destes fatos surgiram as idéias em relação com os anões. Num nível
mais alto – nos tempos modernos – os anões, como espíritos domiciliares,
foram suprimidos, mas psicologicamente eles ainda estão presentes; isto é,
eles ainda não fazem parte da consciência do ego. É questionável se em algum
momento eles poderiam vir a fazer parte dela. Mas já não mais se encontram
nos objetos; estão agora, no nosso inconsciente, onde são o equivalente dos
objetos e lá funcionam psicologicamente da mesma forma como os objetos
funcionaram anteriormente, isto é, como sugestões espontâneas , as quais
podem ser tanto úteis como perniciosas. Certamente poderíamos dizer que,
nada nos foi sugerido, que apenas aconteceu de vir à nossa mente; uma vez
que não podemos traçar a origem da sugestão, somos inclinados a negar que
foi sugerido; pensamos que parece quase patológico e que seremos acusados
de ouvir vozes ou de depender de coisas que não podemos admitir. Mas são
vozes, tanto faz como as entendemos. Aqui temos um caso assim: esses
poderes auxiliares estão sugerindo que esta mulher apareça nua. E dissemos
que estar nua significa estar como ela realmente é, sem adornos especiais, sem
especiais exageros e arranjos convencionais, para enganar outros ou a si
mesma. Ela deveria ser como é, sem véus. Agora, porque seria isso
necessário? Lembrem que ela quer passar pelo gigante, que está no seu
caminho para a cidade branca.
Dr. JUNG: É isto mesmo. Suas roupas são também uma persona, e jogar fora
aquele véu ou engano seria aquilo que se chama magia de simpatia – um
feitiço por analogia. Para produzir chuva por magia, borrifa-se água ou leite
ou sangue sobre o solo; ou imitava-se o som do vento ou da chuva para criar a
disposição de chuva... Assim, jogando fora a coisa que, nela, é como o
obstáculo, ela estaria jogando fora ou superando o obstáculo.
Blefe
Dr. JUNG: Nada menos! Mas isto não impressiona o gigante e a razão é que
isto não passa de uma bobagem, não é real. Ela nunca poderia ser uma deusa
da lua, isto é mera inflação. Ela está tentando blefá-lo. Os senhores conhecem
certas pessoas que, quando confrontam o seu próprio medo ou a opinião
pública, imediatamente se identificam com uma divindade qualquer, na
esperança de receber ajuda; mas não há ajuda, porque é apenas uma farsa.
Assim, a identificação com a Deusa da lua prova ser inútil...
É como se uma espécie de fascinação tivesse tomado conta dela; ela está presa
nos seus próprios conceitos, nas suas próprias palavras; ela tem uma sensação
de divindade por uma inflação vinda do inconsciente. Sua contínua
preocupação com estes conteúdos inconscientes deu-lhe um senso de poder e
importância, que está bem afastado dos pequenos efeitos usuais, daquela
pequena vaidade de ser capaz de produzir algo que interesse ao analista. Esta
outra coisa, a inflação que atinge quem se ocupa com o inconsciente coletivo,
é muito mais forte. Depois de um certo tempo, a pessoa sente que tudo é
bastante simples e muito lindo; que ela tem que ser muito dotada para ver
coisas tão maravilhosas, que um influxo divino deve estar atuando nela e
imbuindo-a com tais imagens. Também a idéia de que tudo está vindo das suas
próprias profundezas criativas indica que ela mesma é, talvez, a origem de
tudo; assim, lentamente, uma identificação com a deidade infiltra-se na sua
psicologia, quer ela goste disso ou não. Com a devida modéstia ela pode dizer:
“Naturalmente eu não sou um Deus, mas afinal, é maravilhoso o que se pode
fazer, que coisas lindas se pode ver.” ... então, aparece uma dificuldade e a
pessoa se recolhe em Napoleão ou alguma coisa semelhante. É uma espécie de
prontidão inconsciente para o blefe.
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Isto é bastante legítimo, até um certo ponto, mas aqui não ajudará, porque o
gigante não é humano e não pode ser morto com um blefe comum. Porque o
blefe é feito da mesma matéria que o gigante, que sabe tudo sobre ele. Mais
uma vez ela usa uma roupagem, um véu divino; desta vez é uma divina
nudez... Muita gente faria o mesmo num momento destes.
Dr. JUNG: E mais tarde voou para baixo, até a figura da Grande Mãe. Aqui
nós temos aquele pássaro outra vez, depois do intermezzo dionisíaco... Ele
aparece, não como posse dela, mas como o típico animal auxiliar,
aparentemente porque ela seguiu o fauno e acenava. Beber o sangue significou
uma re-identificação com a natureza... e depois disse a natureza provou ser
útil, enviando o pássaro branco. Na moderna psicologia cristã, um pássaro
branco está sempre associado com o Espírito Santo, mas é difícil entender
como pode, de algum modo, entrar aqui em cena o Espírito Santo... quando foi
celebrado um mistério dionisíaco.
Pergunta: O senhor pode encarar isto como o resultado da união entre ela e o
dionisíaco?
27
Dr. JUNG: Nós temos que encarar assim: este é o resultado. Os animais se
tornam úteis porque ela se reconciliou com a natureza, mas como é possível a
entrada em cena do espírito Santo, depois do episódio do fauno? Isto é difícil
de explicar.
Dr. JUNG: O senhor está consciente daquilo que diz? O espírito como uma
parte da natureza! Espero que não tenhamos teólogos aqui! Mas eu sou
exatamente da sua opinião; estou certo de que não existiria espírito se ele não
fosse uma parte da natureza.
Dr. JUNG: Por qual princípio os senhores explicariam isto, ou tornariam isto
plausível? Bem, não podemos nos esquecer que “os extremos se tocam”, e que
significa que quando alcançamos um extremo, no minuto seguinte
encontramos o outro. É a lei da enantiodromia, a lei de Heráclito, que quando
as coisas atingiram sua culminação, transformaram-se no seu oposto. Este é o
ensinamento do I Ching. Assim, esta mulher vai até um extremo com aquele
fauno, para trás até um culto pré-cristão e, naquele momento, começa a volta...
28
“Jesus disse, vós perguntais quem são aqueles que nos levam ao reino se o
reino está no Céu? As aves do ar e todos os animais que estão embaixo da
terra ou sobre a terra, e os peixes do mar, estes são os que vos levarão ao
Reino. O Reno do céu está dentro de vós, e todo aquele que conhecer a si
mesmo o encontrará”.
Sem realizar o animal que está dentro de nós, como é possível algum dia
compreendermos nós mesmos? Ainda assim evitamos o conhecimento de nós
mesmos. E, se perguntam por que, a resposta é: por causa do gigante. Só
podemos chegar a nos conhecer se realmente entramos em nós mesmos e só
podemos fazer isso se aceitamos a condução do animal... Assim é possível
dizer que através daquela regressão ao ponto de vista dionisíaco, através do
contato com a terra, ocorreu o milagre de ANTEU. O gigante ANTEU, como
o filho da terra, era tão forte quando em contato com ela, que não podia ser
vencido, mas quando HÉRCULES o ergueu ele perdeu a força e Hércules
venceu-o facilmente. Descer à terra significa força; então, tocam-se fatos que
não podem ser negados. E imediatamente, quando a terra é tocada, o outro
fenômeno que pertence à natureza emerge; o fenômeno compensador é o
espírito. Por isso, os encontramos juntos no culto dionisíaco...
29
Nada existe sem espírito, porque o espírito parece ser o interior das coisas.
Dionísio está em relação com o exterior das coisas, com as formas tangíveis,
com tudo que é feito da terra, mas dentro é o espírito, que é a alma dos
objetos. Se isto é a nossa própria psique ou a psique do universo, nós não
sabemos, mas, se tocamos a terra, não podemos evitar o espírito. E se a
tocamos no modo amistoso de Dionísio, o espírito da natureza será útil; se de
um modo inamistoso, o espírito da natureza se oporá a nós. Por isso há tantas
lendas sobre pessoas que ofenderam o espírito das coisas.
Agora, é necessário ter convenções; nada seria mais insensato do que destruí-
las. Elas nunca teriam chegado a existir se não fossem realmente necessárias.
30
Quando o gigante desmorona, ela caminha sobre o seu corpo e entra na cidade
branca, isto é, ela chega ao Si-Mesmo (SELF) e poderíamos esperar aqui, algo
muito impressionante. Mas a luz ofusca e as pedras brancas ferem seus pés.
Assim, sua chegada à cidade branca, que deveria ter sido uma espécie de
entrada triunfal, não é tão maravilhosa.
Sugestão: Ela ainda não suporta isso. Ela não está pronta para isso.
31
Dr.JUNG: Mas porque não? Provavelmente ela tinha uma ilusão. Quando ela
viu, de longe, a cidade branca, ela naturalmente pensou, como todos fariam:
“Lá está o lugar do descanso, o lugar da completude, a verdadeira meta”. Mas
a visão diz: “De forma alguma.” Bem, freqüentemente este é o caso. É o
preconceito cristão que conecta a idéia de uma condição perfeita, quase
paradisíaca, com a idéia de redenção... Mas, na realidade, não é tão simples
assim. O SELF pode ser, e freqüentemente é, a tarefa mais difícil; é quase
insuportável. Por isso as pessoas o evitam; elas empregam seus melhores
esforços para não se encontrarem consigo mesmas, porque tudo mais parece
ser mais fácil.
É como se as pessoas tivessem uma noção muito clara do Si-Mesmo e por isso
muito cuidadosamente o evitassem, porque se chegassem a conhecê-lo,
provavelmente entrariam em dificuldades. Isto foi também antecipado na
lenda cristã – aprendemos isto lá – porque, para nós, JESUS foi o primeiro
homem que mostrou o que acontece quando alguém se torna si-mesmo. E nós
não estamos prontos para ir tão longe. Ele entrou numa terrível confusão e
seus verdadeiros seguidores também entraram; eles morreram na arena ( e de
outras formas desagradáveis)... Nossas arenas são de uma natureza muito mais
sutil. No nosso tempo, as coisas estão se tornando muito psíquicas, muito
menos visível – dentro e fora dos quintais e pelas esquinas – a tortura é muito
mais refinada. Mas, de qualquer modo, a vida não se tornou mais fácil.
O fato de que as pedras ferem seus pés e a luz a ofusca, mostra simplesmente
que ela de modo algum está pronta para encontrar a luz ou aceitá-la; ela não
está em condições de agüentar esta consciência ofuscante. Alguém poderia ter
32
pensado – e ela certamente deve ter esperado – que, tendo superado o gigante,
que parecia ser o obstáculo maior, sua entrada na cidade branca seria como a
entrada de um cristão na Jerusalém celeste... Mas o céu, de forma alguma é
adequado para todos... Requer-se algum conseguimento ou realização
particular para tornar satisfatórias as condições celestes. Em todo caso, ela
achou a nova situação pouco simpática. Mas então, subitamente, ela viu
alguma coisa e o que ela viu provavelmente explica sua condição: porque não
estava, ainda, a altura daquela cidade branca e não se sentia particularmente
redimida.
SELF, evidentemente nada tem a ver com um tal culto, realmente ctônico e
arcaico. Veja, isto simplesmente aponta o fato de que alguma coisa nela, de
uma natureza bem telúrica, está resistindo à idéia da cidade branca. Agora, o
que diriam de uma pessoa que teve uma visão como esta?
Dr. JUNG: Sim, há enorme lacuna entre sua intuição introvertida, de longo
alcance, e sua situação real. Este cálice, contendo a substância doadora da
vida, o sangue ou o vinho, enfatiza o culto do touro e sugere alguma coisa em
total contradição com a idéia de uma cidade celeste... O que fica fortalecido
nela, quando ela bebe o sangue do touro – aquela libação?
Assim, este touro aconselha nossa paciente a beber do cálice da vida, o que a
retira inteiramente da cidade branca – ainda não é o tempo para a cidade...
Ninguém entra na Jerusalém celeste com seu corpo, e ela ainda não está
morta; portanto, é melhor para ela viver na terra e beber o vinho da vida. Se
ela viver sua vida, em tempo hábil estará apta para alcançar a condição
celeste, mas ainda não agora. O tipo intuitivo muitas vezes se esquece disto;
quando ele vê pelo seu telescópio o topo da montanha distante, acredita que já
está lá; sua intuição – seu telescópio – o leva lá; mas ele está à milhas de
distância, quatro ou cinco mil metros abaixo do topo, e todo o trabalho da
subida ainda tem que ser feito.
Depois que ela bebeu do cálice, o touro desce do seu pedestal e deita-se ao
lado dela... O poder divino está, agora, domesticado e, através do que ele se
domesticou?
Resposta: Aceitação. Ela bebeu outra vez o que significou que ela aceitou a
vida.
Dr. JUNG: Sim, pela aceitação da vida como ela é, este poder divino torna-se
domesticado. Não é uma idéia peculiar?
Dr. JUNG: Bem, eu diria, exatamente como somos capazes de comer a Hóstia,
somo capazes de comer o Deus. Comer os Deuses era uma prerrogativa real
dos Faraós, a idéia tornou-se o mais familiar rito religioso, a Comunhão... Isto
iniciou, na realidade, nos repastos totêmicos, onde se comia o animal-totem, e
no decurso de milhares de anos, degenerou-se na idéia de comer o Deus de
uma forma mais comum. Em estágios posteriores desenvolveu-se na idéia de
matar e comer o rei, e a idéia de matar os reis conduziu naturalmente à lenda
cristã de matar o filho de Deus. Aí, as duas coisas vêm juntas, comer o animal-
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totem e matar i réu; Cristo é o rei que foi morto, por isso Jesus Nararenus Rex
Judaeorum, INRI, está em todos os crucifixos, e então Ele é comido. Uma
antiga idéia canibalística torna-se a idéia central da comunhão... O Deus não é
apenas morto, Ele é também distribuído entre a multidão e assimilado...
Esta é a razão pela qual muitas pessoas sonham com touros, talvez um touro
selvagem que os persegue, e é sempre quando eles se levantam contra um
instinto – qualquer que seja. Não é sempre sexualidade. As pessoas entendem
que, quando sonham que estão sendo perseguidos por um touro, trata-se de
sexualidade reprimida, mas isto de modo alguém é verdadeiro. Quando se
peca contra o instinto coletivo, por exemplo, contra a própria adaptação à
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O touro foi sucedido agora pó uma árvore, e o que significa isto?... Bem,
primeiro o touro é o princípio divido, e lá ela o aceita, bebe o sangue e torna-
se uma amiga do touro. Ela agora é apenas uma vaca, um animal. Esta idéia
muitas vezes foi expressada em cultos antigos. Por exemplo, os seguidores de
ARTEMIS denominavam-se a si mesmos arktoi (ursos) porque o urso era um
dos animais de caça da deusa. Depois, no culto mitráico os iniciados eram
divididos em quatro classes ou graus separados (os mais baixos deles eram
chamados leões e águias)... Praticamente em todas as religiões há tais
hierarquias, mas as designações por animais ocorreram apenas em cultos
antigos. Assim, esta mulher seria uma vaca divina, o que explica sua
identificação anterior com ISIS, a Deusa-lua que, como HATHOR, foi
coroada com cornos no formato de lua crescente...
38
Muitos pássaros
Não sei se podem apreciar plenamente o real significado de uma tal analogia.
Veja, como eu venho repetindo, não se trata do ego, na psicologia desta
mulher, mas do não-ego; é com o não-ego que ela está lidando. Trata-se aqui
de uma psique impessoal, não da sua psicologia pessoal; é o desenvolvimento
– ou a transformação, se poderia dizer – de seu inconsciente, mas ela não é
este inconsciente. O inconsciente vem a ela e é sua tarefa corresponder a ele –
fazer o que for necessário – de forma que ele possa transformar-se através da
sua atitude consciente. É como se ela tivesse a sagrada tarefa de mudar certa
parte do inconsciente – uma espécie de missão, poder-se-ia dizer – a tarefa de
domesticar ou transformar o inconsciente. E o que ela vê nestas visões é uma
parte deste grande trabalho, que é feito nela e através dela, de transformar as
forças cegas do inconsciente coletivo em algo consciente, algo como o homem
– ou como na direção do homem. Mas ele nunca se torna humano, ele mesmo;
ele transcende o humano.
relação com os animais, e olha nos olhos de uma cava, pode perceber nela
uma peculiar expressão de tristeza. Projetamos nossa melancolia nos olhos dos
animais e temos razão de nos sentirmos tristes, porque nada mais vemos lá do
que o animal. Por outro lado, este “nada mais do que”, é também uma grande
coisa Na realidade, vê-se alguma coisa divina nos olhos do animal, porque se
vê ali a expressão da vontade criativa e do espírito criativo. Assim, sendo uma
vaca, ela seria apenas como era a mulher arcaica – nas apenas um animal, mas
também uma participadora da divindade.
Dr. JUNG: Sim, não se trata apenas de aceitar o fato de ser uma vaca, mas
também de tornar-se dócil como uma vaca, o que é uma forma mais alta da
mesma idéia; para os chineses ser dócil como a vaca é o caminho do TAO. Por
isso, a aceitação da docilidade da vaca – que para qualquer mulher moderna é
uma idéia abominável, mesmo assim é o caminho mais próximo da perfeição.
A aceitação desta mulher, através da participação do sangue ou no vinho, a
conduziu para dentro da condição animal, dentro do ritmo do reino animal.
Mas depois do touro aparece a árvore. Assim agora, a única coisa que ainda é
divina para ela, que significa força – que está ao lado dela e a compensa – é a
planta, a árvore. E isto simboliza um princípio inteiramente diferente do
animal...
grande parte dos excertos da Parte Três contém bastante material a este
respeito. Aqui ele lembra o que foi dito lá. EDITOR]
Nossa paciente parece invocar os pássaros que vivem nos ramos da árvore,
porque agora eles descem sobre ela. O que seriam os pássaros?
Dr. JUNG: muitos pequenos Espíritos Santos! Eu penso que isto seria
depreciar um pouco o Espírito Santo; se existem tantas pequenas edições, ele
perde sua unicidade.
Dr. JUNG: Penso que isto é um pouco lindo demais; eles deveriam ser
pássaros muito comuns Ela diz: Eu ergui minhas mãos para eles e eles
desceram sobre mim.” Lembram-se daquele famoso indivíduo no Jardin des
Tuileries com os pardais? Ele estende migalhas de pão para eles e eles descem
sobre ele, mas não há nada lá com o Espírito Santo. E terão visto muitas vezes
pinturas onde pombos pairam sobre mulheres e não presumimos que são
41
Espíritos Santos; nós temos antes uma idéia mundana e carnal sobre eles,
porque estes pombos brancos são o que?
Dr. JUNG: Oh! Mr. FORD foi o causador principal desta idéia de paz – o
famoso navio com as pombas brancas.
Dr. JUNG: Sim, o pombo é a ave de ASTARTE, a Deusa do amor – é uma ave muito
pouco santa. Lembro-me de uma mulher que vivia no Hotel Sonne, em Küsnacht e ela uma
vez se queixou do comportamento muito indecente dos pombos de lá; ela descobriu porque
eram eles chamados de aves de Vênus. Eles são realmente muito eróticos. Por isso é
engraçado que uma tal ave seja o Espírito Santo; mostra algo muito interessante sobre a
natureza feminina, também um pouco da estória do Espírito santo, originalmente chamado
de Sophia.Sophia é a palavra grega para a sabedoria, e na igreja dos primeiros tempos o
Espírito Santo era entendido como Sophia, o correspondente feminino do Deus masculino,
a esposa de Deus e a mãe do Redentor. Mais tarde este modo de ver foi considerado
heresia, mas ainda há traços dele. E um é a pomba.
Agora, esta figura de sabedoria é uma figura materna; é a mais alta forma da
Anima, poder-se-ia dizer – a mulher espiritual ou a mãe universal; ainda, de
acordo com o ensinamento gnóstico, Sophia foi a última a tomar forma numa
série antes escandalosa de mulheres... Houve quatro estágios nesta série.
Chawwa ou Eva, a mãe terrestre primordial, é a primeira; a segunda é Helena
de Tróia – como sabem, uma mulher com reputação um tanto má, mas
42
... Agora nossa paciente está se movendo em algum ponto entre Helena e
Maria, mas no sentido oposto. Ela não se desenvolveu de Eva, mas está
realmente descendo. A situação é invertida, ela está indo para baixo porque a
nossa civilização só desce mais ou menos até Maria, e para baixo disto tudo é
inconsciente; imaginamos que tudo está no céu e não tem raízes na terra. E
porque as coisas não têm raízes na terra não têm viço, e secam junto com o
viver; mas através da análise, ou abrindo os portões de Hades, a seiva começa
a emergir de novo... É como se todos os canais se enchessem com o líquido
original; quando o contato com a terra é reestabelecido, o sangue volta a
circular, a seiva emerge e preenche os galhos mais distantes da árvore, uma
vez mais. Certamente esta árvore tem que ser vivente, porque está viva com os
pássaros, e eles são símbolos, entes alados, que desde tempos imemoriais têm
significado fatos psíquicos, aquilo que chamamos pensamentos, ou idéias ou
intuições. Qualquer coisa que tenha a ver com a mente possui uma qualidade
airosa. Como os peixes são sempre conteúdos do mar, o inconsciente, assim os
pássaros são os conteúdos da mente ou do espírito ou do ar – fatos mentais.
43
A árvore é a mesma que encontramos numa visão anterior. Lá, nossa paciente
foi transformada em árvore, era idêntica com ela, enquanto aqui, a árvore
aparece como uma visão destacada. Esta é a árvore da yoga, o crescimento
natural do relacionamento entre o consciente e o inconsciente – ou a árvore do
conhecimento, da sabedoria, que naturalmente contem pensamentos. Assim,
quando seu desenvolvimento atinge o estágio da árvore, ele começa a
funcionar através dos pássaros – os resultados da vida da árvore. Esta visão
termina com a constatação de que ela agora está imbuída com pensamentos.
Mas nós não sabemos com que pensamentos.
Dr. JUNG: sim, muitos pássaros ou muitos pensamentos são aqui muitos
homens; e muitos homens significam, evidentemente, o animus, que é, como
44
Dr. JUNG: Sim, há atração. Quando as coisas estão representadas como tendo
o sexo oposto, então haverá atração; assim, os pensamentos serão atrativos.
Porque enquanto eles forem pássaros, haverá muito pouco “rapport” psíquico.
Eles serão muito “tímidos” e a qualquer momento podem voar para longe.
Mas, quando os pássaros tomam formas humanas, particularmente do sexo
oposto, isto significa que uma união é possível. O inconsciente usa este
simbolismo para expressar a idéia de união ou reconciliação, exatamente
assim como a assim chamada transferência sexual é usada pelo inconsciente
como uma ponte. Onde há uma grande distância entre analista e paciente,
aparece uma transferência sexual para pontear o abismo; esta transferência
desaparece como um fenômeno compulsório assim que se estabelece o
contato.
Dr. JUNG: Bem, estes são sinônimos: estar frio e estar só é o mesmo. Estar no
rebanho ou estar cercado por seres humanos tem sempre alguma coisa daquele
tempo muito remoto quando éramos macacos e nos sentávamos num galho,
bem juntos um do outro. Esta é a razão pela qual as pessoas muitas vezes se
sentem particularmente bem numa multidão, especialmente quando estão
pressionados um contra o outro – isto as lembra daqueles dias. Isto é assim
quando não apenas por causa do instinto gregário, mas pelo calor físico em si.
A maioria das pessoas não admitem esta peculiaridade, comumente, mas é um
instinto animal gostar do calor físico de outros corpos peludos... Assim, ser
deixada sozinha no topo de uma montanha, isolada na neve, significa
simplesmente ausência de qualquer contato humano, significa que ela está
privada do calor animal. Naturalmente, o Animus é capaz de conduzir uma
mulher a uma região inumana, onde não existe nenhum calor humano, porque
o animus não é humano...
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[Para entender porque esta visão vem a ela agora, precisamos voltar à sua
incapacidade de suportar a cidade branca, e à visão do touro e ao beber do
sangue, a libação, que ocorreram logo antes. EDITOR]
O leão aparece
Isto nos leva de volta ao fato de que os homens em marcha gritavam: “Nós
somos o caminho.” O que significa isto?
Dr. JUNG: Sim, que não era o seu caminho, era o caminho da multidão...
Aqueles homens em marcha gritavam um sistema de opiniões que afirmava
ser o caminho. Nós conhecemos isto muito bem. Mas, quando as coisas
chegam a uma culminação, um tal sistema de idéias simplesmente desaparece
e nos vemos abandonados numa situação desagradável... Neste caso,
particular, ela deve ser criticada por seguir a sugestão dos homens. Eles a
conduziram para fora da atmosfera humana, e de qualquer modo foi um erro
dela deixar-se conduzir por eles. Agora chega o leão como uma espécie de
compensação para o sistema de idéias. O leão representaria os instintos.
Entretanto, um símbolo como este nunca deveria ser designado por uma
palavra tão extremamente vaga – sabe Deus o que entendemos nós por
instintos. É melhor seguir a intimação do inconsciente e tentar caracterizar o
símbolo. Porque não uma águia ou uma serpente ou qualquer outro animal?
Porque justamente um leão?
Pergunta: Terá algo a ver com duas diferentes formas de ritual que se
sucederam, primeiro um touro pertencente ao culto da Magna Mater e depois
o leão no culto mitráico?
grade e sobre esta grade o touro era sacrificado. Sua garganta era cortada e o
iniciado, em baixo, untava-se com o sangue que jorrava para baixo através da
grade; este sangue representava o sangue do nascimento, e assim, de
renascimento, do batismo. Depois o iniciado era retirado de lá e alimentado
com leite e lhe davam uma nova vestimenta branca, sendo tratado como
QUASE MODO GENITUS, o renascido, porque era duas vezes nascido;
agora ele tinha uma alma, ele tinha acesso aos Deuses. Assim, o touro está
muito ligado ao culto da Magna Mater.
leão tem sido encarado como o animal mais forte, com exceção do elefante, e
para os ocidentais era muito mais conhecido do que o elefante, o que é
possivelmente a razão pela qual ele era considerado o animal real...
[Aqui Dr. JUNG interrompeu sua interpretação para mostrar algumas imagens
de um livro medieval sobre alquimia que apresentavam uma combinação
simbólica de leão, pássaro e árvore. Para perceber o estreito paralelo dessas
imagens com o material da paciente basta lembrar que, depois que ela aceitou
o vinho e assim entrou em comunhão com a terra, uma árvore cresceu no
pedestal onde antes estava o touro e apareceram os pássaros, seguidos pelo
simbólico do leão.
Aqui os pássaros elevam-se e descem num movimento peculiar que não consta
ainda nas nossas visões, mas mesmo assim, a imagem tem uma estreita
analogia com a nossa situação. No lado esquerdo da imagem da mulher está o
símbolo do sol, no lado direito a lua referindo-se à união de masculino e
feminino (na realidade, àquele processo alquímico) e o texto correspondente
diz que à esquerda os pássaros do sol estão morrendo a morte branca e à
direita os pássaros da lua estão morrendo a morte preta.
Uma paciente certa vez desenhou algo que é um outro paralelo. Embaixo há
um recipiente onde queima um fogo com chamas azuladas, e dessas chamas,
como um tronco de árvore, cresce uma coluna brilhante que se ramifica em
uma linda cascata de luz; esta desce então até o fogo que se eleva de novo para
encontrá-la. Este é o processo circular, a árvore crescendo do fogo, depois
soltando suas folhas que caem e alimentam o fogo, que assim se eleva de
novo... Esta é uma fórmula simbólica que encontramos também na antiga
filosofia grega, onde está dito que o touro é o pai da serpente e a serpente é o
pai do touro – eles são então, o pai um do outro.
53
[Na segunda figura alquímica só os ramos do topo da árvore podem ser vistos
no centro, emergindo de trás de um muro protetor circundante. Acima deles os
pássaros ainda voam para cima e para baixo, para cima e para baixo; mas
agora o leão aparece duas vezes em primeiro plano: à esquerda ele em sua
forma natural, e à direita com as patas cortadas. O texto em baixo reza: “Todo
aquele que bebe o sangue do leão e se comporta correspondentemente, todo
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aquele que incinera o corpo de seu pai no fogo incandescente e depois joga
água benta nas cinzas, produzirá disto um ungüento que cura todas as doenças,
e assim adiante. – EDITOR.]
A posse do poder da vontade causa uma espécie de inflação, uma hybris, que
dá um valor excessivo ao lado consciente... A vontade do homem, então, o
carrega, como pode ser visto nas nossas presentes condições culturais – onde
as máquinas que inventamos se tornaram nossos senhores... Sua vontade
torna-se o seu Deus, e é um Deus terrível que o arrasta consigo como um leão
fugindo com sua presa. Por isso devem ser cortadas as suas patas.
A idéia de incinerar o corpo do pai tem uma específica conotação mística, mas
psicologicamente significa a destruição do que era o corpo do pai e da
condição que prevalecia antes da condição presente; o touro é o nosso pai e
tem que ser sacrificado para que possamos nos libertar, isto é, temos que
sacrificar o passado para iluminar o futuro... Se podemos fazer esta mudança,
se podemos destruir o corpo do pai, se podemos cortar as patas do leão,
podemos produzir o remédio da vida eterna; isto é, podemos ajudar a vida a
continuar...
Percebam: sempre que uma mulher faz alguma coisa que parece ser errado
(indo longe demais, de uma ou de outra maneira) de modo a tornar-se
extremamente perplexa, então é seguro que o animus virá e expressará alguma
opinião tradicional – e ela concordará, para um lado ou para o outro. Isto foi o
que aconteceu neste caso, e então ela está agora encarando o leão, um poder
instintivo que é, aparentemente, a essência do Animus, e que também
representa o poder da vontade – na medida em que se é vítima do próprio
poder da vontade. Poder-se-ia dizer, o pensamento-Animus de que se está
numa condição humilhante quanto embaixo, na terra, se tem um certo poder e,
seguindo-o, se assegura um poder sobre os poderes da terra. É como se
estivéssemos livres para dizer: “Eu não quero esta comunhão com a terra, ela é
demais bárbara e primitiva. Portanto, eu me elevo para fora dela.” Esta é a
vontade de poder.
oscilação para lá e para cá; primeiro, ela é conduzida pelo inconsciente para
baixo, para a terra, e depois, subitamente, ela é elevada outra vez por aquela
fora instintiva que está por trás do Animus. Porque o Animus está baseado
numa força instintiva; todas estas forças foram liberadas pelo homem vem
instintivamente. Tanto faz se alguém vive a vida do corpo ou se suprime o
princípio do corpo e se torna um espírito.; o trajeto da vida desenvolveu-se ao
longo das linhas estabelecidas por forças instintivas. Primeiramente, os
homens eram as leis da natureza humana, eles eram essas forças; só mais tarde
eles deram nomes a elas, e só muito mais tarde pensaram nessas leis como
princípios morais ou filosóficos.
Por exemplo, a repressão do sexo, da qual tanto ouvimos falar nos nossos
tempos, de forma alguma é uma invenção moderna de certas pessoas bem ou
mal intencionadas. É um fenômeno da natureza, a natureza mesmo força as
pessoas para ela; a interferência de outros instintos produz tal repressão... É
uma reação muito natural que esta mulher fosse forçada para fora da terra
quase antes de ter entrado nela; é uma reação dos poderes históricos dentro
dela que a puxaram automaticamente para fora do buraco em que havia caído.
Dr. JUNG: Sim, mas esta decisão é apenas uma parte do procedimento inteiro;
muito antes ela começou a tomar o caminho. O início real foi bem no começo,
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quando ela se decidiu a observar suas visões; esta foi a sua aceitação. Ela teve
sonhos no começo nos quais o inconsciente chegava mais e mais perto dela e
começou, finalmente, a desenvolver uma certa atividade autônoma. Quando
esta chegou a ser percebível e ela começou a vê-la como um fator objetivo,
decidiu-se a continuar a observá-la. Ofereceu-se uma espécie de hipótese de
como viver. Porque, como podem se lembrar, ela não sabia o que fazer com
sua vida nem como continuá-la, ela tinha se arvorado contra um problema
impossível. Então, ela disse a si mesma: “Eu devia seguir aquele caminho.”
E então ela pergunta ao pássaro: “Porque estou aqui, nas neves eternas? Eu
desejo calor.” Ela acabou de chegar do sangue e já está tão fria, ela quer agora
voltar, ela já está idêntica com o ritmo. O pássaro diz: “Segue-me”, e a conduz
diretamente para baixo, da neve eterna para o deserto tórrido e lá ela chega à
esfinge (Parte 6). Uma parte da descida está feita mas verão que ela irá
adiante.
PARTE VI
SPRING 1965
A Esfinge e a Árvore
Até aqui, não ocorreu esta união nas visões; houve vários animais e pássaros,
mas esta mulher, ela mesma, foi sempre um ser humano destacado. Os
senhores viram que o ritmo do inconsciente a influencia, mas ainda assim, ela
tem uma divergência com ele; ela não pode aceitá-lo e ainda se pergunta
porque ele não se move numa linha reta como um ser humano. Evidentemente,
ela não está com os animais e assim, o inconsciente faz , pelo menos, uma
tentativa de união, e isto é simbolizado pela esfinge. Poder-se-ia, também,
dizer que neste caso o animal está prestes a transformar-se em um ser humano,
uma vez que já tem uma cabeça, ou vice-versa, que o ser humano está para
mudar em um animal. Mas, precisamos entender mais sobre o simbolismo da
esfinge...
Pergunta: ela não é uma guardiã do morto? Ela é sempre conectada com as
pirâmides que são túmulos.
Dr. JUNG: Ela está próxima das pirâmides mas não sabemos se serviu em
qualquer cerimônia de sepultamento, embora possa ter servido. A esfinge, na
realidade, é uma espécie de dragão – o animal que devora o animal – podendo
assim, ser um símbolo do grande enigma, da morte. Se fossemos capazes de
resolver o mistério da vida, viveríamos eternamente, mas já que não podemos
resolver o enigma da esfinge, ela nos devorará. E há algo mais... A esfinge é
um objeto religioso, existe lá um templo e um altar entre suas patas anteriores;
isto mostra que ela não é apenas um dragão ctônico ou um monstro devorador,
mas também um fato espiritual. Não sabemos que espírito estranho pode estar
contido na esfinge, mas talvez encontraremos mais sobre isso na elucidação
posterior destas visões. Seria melhor deixarmos esta questão, por enquanto, já
que é de uma natureza que só pode ser entendida quando a união entre o
homem e os instintos perdidos tiver sido estabelecida. Provavelmente tem a
ver com a sabedoria da serpente.
Dr. JUNG: Sim. Podemos supor que ela está num estado de inflação.
Sugestão: É parte das características do leão.
Dr. JUNG: Mas há uma outra razão também... Quando uma pessoa está
inflada como um balão, é uma compensação. Significa que ela confrontou-se
com algo desagradável que nem quereria tocar, que preferiria olhar “de cima”.
Mas o que é triste é que nenhum balão pode permanecer no céu para sempre.
Ele tem que descer... Nossa paciente tenta sair de alguma coisa. Esta é a razão
porque assume esta atitude “de Deusa”. Então ela diz:
De novo está aqui a árvore. Nós a vimos pela última vez sobre o pedestal onde
antes estivera o touro. E agora ela a vê nos olhos da esfinge. O que fazem os
senhores com isso?
Dr. JUNG: É verdade. A árvore é uma combinação de, ou pelo menos uma
ponte entre, as coisas em cima e as coisas embaixo. A temática geral, aqui,
parece ser o conectar aqueles opostos, sangue e espírito, calor e frio. A
tentativa foi feita para encontrar aquela união na esfinge, no nível do ser
humano e do animal, mas agora, nos seus olhos ela vê a árvore, que parece ser
uma conexão melhor e bastante real.
Resposta: A alma.
Dr. JUNG: Sim. Deste modo a árvore é realmente a alma da esfinge, e é o que
resolve o enigma da esfinge. É a união dos opostos que, de certo modo, foi
interrompida na vida humana e animal... A melhor tentativa do homem é a
esfinge, e esta é um monstro, mas a planta é humilde... Não está sempre
correndo atrás de uma meta, devorando tudo que pareça ser bom; ela cresce
muito silenciosamente, em absoluta submissão às leis da terra. Mesmo assim,
uma árvore pode crescer até uma enorme altura. Por isso a árvore aparece
como um símbolo, sempre que se torna necessário um desenvolvimento
espiritual para reconciliar opostos ou decidir um conflito.
Dr. JUNG: Sim. Ela se refere à vida humana em geral: primeiro, ao curso da
vida – juventude, maturidade e velhice – e depois a movimentos particulares, à
habilidade de mover-se. Para os homens primitivos o movimento é sempre o
símbolo da vida... a vida é o destacamento do solo, exatamente o oposto da
vida da planta. Mas, o enigma da esfinge e o ponto crucial do nosso problema
é que o princípio meramente animal na nossa vida tem que ser compensado
por um modo diferente de viver, e a planta simboliza isso, porque é o único
exemplo que temos... Se acompanhamos o simbolismo, entendemos o
problema de nossa paciente e lembramos as ocasiões anteriores em que a
árvore apareceu, vamos que ela é invariavelmente o símbolo do caminho que
ela deveria tomar para reconciliar os pares-opostos, e decidir o problema
impossível com o qual ela ainda se confronta na vida...
Dr. JUNG: Isto é verdade, funcionou, e não é fácil explicar por que.
Deveríamos encarar de outro modo. O que pensa o senhor sobre isso?
Resposta: Porque é o caminho certo.
Resposta: O inconsciente.
Dr. JUNG: Exatamente... Temos que viver nos dois extremos; como a
serpente: para cima e para baixo, para a direita e para a esquerda. Não é
possível tomar o caminho da vida sem tomar ambos os lados dela, porque um
lado apenas levaria a uma parada; se queremos viver temos que suportar os
opostos, porque o caminho é duplo.
[Agora uma serpente a conduz a uma caverna profunda e escura, onde ela
vê a múmia de um antigo rei, incrustada em ouro. Há aqui, um paralelo com
seu primeiro encontro com a árvore da YOGA, depois de sua imersão na
corrente de sangue. Naquela fase do sangue, ela emergiu para o sol, na forma
de uma árvore, e mais tarde, desceu para a iniciação à Grande Mãe na terra
(Parte Três). Aqui, temos de novo a árvore erguendo-se do sangue, seguido da
sua descida – através da esfinge, um símbolo da mãe que, no começo, dá a luz
e que também como o sarcófago (sarx = carne e phagein = comer), no fim
devora a vida. Mas agora ela encontra a múmia de um rei. EDITOR]
A Múmia de um Antigo Rei
Nossa paciente já foi iniciada pela Grande Mãe do reino feminino, tanto
espiritual como fisicamente, mas não havia Grande Pai, e o que ocorreu,
então, era uma partenogênese, um nascimento de uma virgem. A ausência do
Grande Pai era, naturalmente, uma grave omissão e, na realidade, foi isto que
a perturbou desde então. Por isso, tem ela que descer de novo, para encontrar
o que perdeu ou não percebera. Desta vez, o antigo rei que ela descobre,
simboliza não o pai humano mas, o pai divino, o pai da humanidade, uma
espécie de Criador... Mas este pai está morto, ele é uma múmia.
Aqui está outra vez uma conotação egípcia, porque ela conhece alguma coisa
sobre mitologia egípcia... O Deus que é adorado predominantemente sob a
forma de munia é OSIRIS. Como rei do submundo ele atingiu seu maior poder
somente através de sua morte. Lembram-se, ele foi desmembrado por SET e
novamente juntado pela MÃE ISIS, mas ele era um espírito e, em particular,
seu falo estava faltando. Mesmo assim, ele foi capa\z de gerar como um
espírito – espiritualmente...
Este estranho mito mostra uma tendência na mente inconsciente para destronar
o óbvio Deus do mundo – o visível princípio da existência, é isto – e substituí-
lo por um princípio espiritual, algumas vezes um princípio do submundo, que
só pode prosperar com segurança na escuridão e no segredo, escondido do
olho do sol e tendo realmente mais a ver com a lua. Isto é porque o espírito do
homem não é masculino, ele pertence à mãe, ao inconsciente lado feminino. O
homem quereria que isto não fosse verdade, e está sempre tentando fazer do
espírito algo intelectual e masculino. Mas o espírito na sua forma original é
sempre feminino, ele vem da Grande Mãe...
Obviamente, este é o princípio que ela tentou manter sob controle. Ela mesma
executou o serviço com o corpo, envolvendo-o em longas faixas de linho de
múmia. Ela está no papel da MÃE ISIS que trouxe a morte ao Deus, mas
agora lhe dá um enterro decente e o prepara para uma nova vida. Este
envolver em faixas tem alguma coisa a ver com o enfaixar ou vestir uma
criancinha. Também o caixão da múmia é uma espécie de forma maternal.
Esta é a razão pela qual encontramos às vezes representações da Grande Mãe
dentro do sarcófago; no fundo ou na parte inferior do sarcófago de madeira
está pintada uma mulher com braços estendidos, segurando o sol. Assim, o
homem morto realmente jaz na mãe. Os etruscos tinham um rito similar: as
cinzas do morto eram colocadas numa ânfora e postas dentro de uma estátua
de barro da mãe. E os cristãos nos tempos medievais punham seus mortos em
solo sagrado dentro da igreja, como mãe, para lhes dar a possibilidade de
ressurgir na vida eterna.
Dr. JUNG: Sim. A assim chamada mente natural, que diz as coisas de modo
absolutamente direto e inclemente.
Vêem que a figura agora tem atributos... Ela desenhou o bastão na forma de
uma crux ansata (cruz de alça), mas parece-se com o bastão de pastor. Ele
significa orientação; com freqüência encontramos o bastão no Velho
Testamento – nos salmos e também nos livros proféticos – significando um
guia... Deus providencia um bastão seguro no qual se pode apoiar. Assim, isto
dá à mente natural a qualidade de guia, o poimen ou pastor. Depois ela olha
dentro da taça seja um espelho, mas desde que aqui ela funciona como ambos,
podemos ter certeza de que duas funções vêm juntas neste símbolo. O que
indicaria o espelho?
Resposta: Auto-exame.
Dr. JUNG: Sim. A taça seria a forma feminina e o bastão a forma masculina, o
que significa a união dos opostos; masculino e feminino estão juntos neste
POIMEN. Também significa nem masculino, nem feminino. Isto está
expressado naquilo que se chama o Evangelho de acordo com os egípcios
(apócrifo) citado por CLEMENTE de Roma na conversação entre Jesus e
Salomé. Salomé pergunta a Jesus quando as profecias serão consumadas e
Jesus diz: “Quando houveres pisado sobre a vestidura da vergonha, e quando
os dois se tornam um e quando o macho com a fêmea nem é macho, nem é
fêmea...”
Agora temos que admitir que esta paciente tem uma particular capacidade para
perceber a assim chamada mente natural. Nesta figura de OSIRIS ou PAN,
está expressado isto. O que significa ele mostrar a ela, no espelho, que seu
rosto é preto, que ela parece um negro?
Dr. JUNG: Sim, ao negro que duas vezes disse a ela: “Agora tu estás unida
comigo.” Esta era a declaração de uma união muito íntima, o que significa que
a negridão entrou nela, que ela se tornou preta. E se tomamos a cor como
simbólica, o que indica ela?
Dr. JUNG: Sim, é a cor da terra... Ela é agora extremamente feminina e muito
no lado Yin; seu rosto é preto porque ela é nada mais que terra... Mesmo
assim, ela tem um halo branco.
Pergunta: Isto não significa que a luz sai da escuridão?
Dr. JUNG: Sob certas condições... É verdade que o dia nasce da noite, mas
não é tão certo que a ausência de luz produz luz Isto é, outra vez, um
paradoxo. Temos que supor que o preto e o branco existem simultaneamente.
Nesse caso, o halo indicaria que ela é uma santa, mas uma santa preta; que ela
está santamente na sua negridão...
Dr. JUNG: Sim, mas os opostos não teriam aparecido se ela não se tornasse
absolutamente preta; é porque ela foi para um extremo que o outro se
constelou... De outro modo o branco não teria aparecido, e ela teria se mantido
cinza. Se não somos capazes de ir para um extremo, nunca podemos constelar
ou produzir o outro extremo. Por isso, está dito nas Escrituras, “Assim, porque
tu és morno, e nem quente nem frio, eu te cuspirei para fora da minha boca...”
(Rev. 3:16)
[O espírito estranho agora desaparece depois de lançar a taça ao solo,
quebrando-a, e um bode, não uma serpente, a conduz de volta à superfície. Dr.
JUNG explica que agora, que ela adquiriu a “mente natural”, ambos os
animais lhe dão melhor orientação do que as figuras de Animus que ela
costumava seguir. Era natural ser conduzida, quando descia, por uma serpente,
e agora seguir um bode, ao subir, já que os bodes costumam sempre subir
muito alto. (Capricórnio) – EDITOR]
Lembram-se: quando a estranha figura de PAN apareceu pela primeira vez, ela
lhe perguntou quem ele era, e ele respondeu: “Eu sou aquele que habita
embaixo da própria esfinge.” Agora, quando ele desaparece, podemos ver que
é como se ele se tivesse tornado uma parte dela, como se o renascimento
tivesse ocorrido dentro dela. O que significa que a mente natural, ou o Deus-
homem, que antes estava fora como sempre esteve, agora está dentro? O fato
de que ele teve eu nascer fora antes de poder tornar-se uma coisa dentro
explica a necessidade do ritual de renascimento? Qual é o significado
psicológico disto?
Resposta: Esta parte dela estava projetada, antes, e agora está assimilada.
Dr. JUNG: Sim. Agora não está mais projetada. É o Animus, que sempre
esteve fora dela. Psicologicamente, a projeção tem sido a condição costumeira
das coisas, desde o começo do mundo. Mas agora chega o grande momento do
renascimento, quando ela assimila o animus e começa a entender que ele é
uma função psicológica. |Pela primeira vez na história o Animus está
aparecendo agora como uma função humana. Antes disso, Animus e Anima
nunca tinham sido parte da psicologia humana, eram sempre projetados. Esta é
a razão pela qual eu uma vez disse que me parecia como se a mente humana
tivesse crescido de objetos externos no mundo inteiro. É como se nossa
consciência tivesse realmente começado com as estrelas, não no cérebro, e
como se nós houvéssemos apenas começado esses fatos psicológicos no nosso
tempo. Na Idade Média, quando um homem descobria uma Anima, ele a
aprisionava e o juiz mandava queimá-la como uma bruxa. Ou talvez uma
mulher descobria um Animus e este homem era condenado a tornar-se um
santo, ou um salvador ou um grande mago.
Os magos são feitos por projeção. Muitos tornaram-se líderes bem contra a
sua própria intenção, eles são forçados a isso porque o papel de líder é
projetado sobre eles. Os coitados tornam-se vítimas das expectativas de outras
pessoas. Só agora, através do processo analítico, Anima e Animus – que antes
sempre estiveram fora – começam a aparecer transformados em funções
psicológicas...
Mas é muito difícil ver a mente natural... como uma parte integrante da nossa
própria psique. Vejam, quanto mais nós assimilamos tais funções, tanto mais
duvidamos da existência de uma mente ou psique humana. Tivemos que
assimilar tantas coisas que tenho receio de que isto esticou demais a “malha”
da nossa capacidade mental... Estivemos comendo os Deuses e existe o perigo
de ficarmos demais empanturrados e explodirmos... Isto explica a nossa atual
inflação; nosso tamanho aumentou enormemente porque estamos hospedando
os Deuses de cima e de baixo. A consciência humana tornou-se quase divina,
e as pessoas acreditam que estamos de fato no topo do mundo. Em vez de
duvidar mais e mais da nossa própria identidade, realmente pensamos que
somos Vênus e Marte e todo o céu astrológico.
Os primitivos teriam medo de fazer isto, eles esperariam até que o espírito o
tivesse deixado. E num plano superior, o analista deve fazer a mesma coisa;
quando um paciente fica fora de controle, deve-se dizer: “Agora vamos apenas
esperar. Você está possuído por um espírito mau, um pensamento que o está
cegando. Esperaremos até que a tempestade tenha passado.” Eu não o faço
identificar-se com sua raiva, porque ele tem que aprender que ele não é
necessariamente idêntico às suas emoções. Nenhum de nós responsabilizaria
alguém por uma tempestade, e é igualmente impossível responsabilizar
alguém por sua psique. Só quando aprendemos que a alma ou psique é
realmente um mundo com suas próprias leis, como o muno no qual vivemos e
nos movemos, desceremos às nossas proporções naturais. Enquanto nos
identificamos com nossa psique, somos apenas megalomaníacos e as coisas
andarão muito mal para nós... Mas continuemos com a próxima visão.
Aparece a Gárgula
Aqui está uma situação nova. Nós nos movíamos numa atmosfera antiga e
pagã, e agora, de repente, vem o motivo cristão. Isto é muito natural. Quando
alguém esteve profundamente imerso no paganismo, pela lei do contraste o
posto se constela...
Comentário: Talvez a catedral cristã apareça aqui apenas para mostrar que não
é adequada para ela, porque ao mesmo tempo entra a gárgula.
Dr. JUNG: A gárgula mostra que alguém ainda está representando o papel do
diabo, mas a cena cristã está constelada pela sua face negra... sua aceitação
incondicional de um ponto de vista antigo, ctônico. (O paganismo não é,
necessariamente, ctônico, ele pode muito bem ser espiritual. Mas para nós ele
tem, usualmente, um caráter ctônico quando ocorre nessas visões
inconscientes, porque tudo o que a antiguidade produziu de natureza
espiritual, foi assimilado pelo cristianismo... Os elementos ctônicos do
paganismo foram excluídos e suprimidos e por isso estão no inconsciente;
quase todos os produtos inconscientes estão saturados com qualidades ou
alusões ctônicas.) Então, emerge a reação histórica... E quando costumam
cantar o Te Deum?
Dr. JUNG: ele faz parte, usualmente, de um rito para celebrar um particular
conseguimento, uma vitória, por exemplo, sendo assim uma espécie de ação
de graças – TE DEUM LAUDAMUS. Faz parte de todo momento que
celebra o triunfo da igreja, ou a solene entrada de um cardeal ou do Papa.
Significa sempre uma culminação de alguma espécie; pode ser a culminação
do próprio rito. Aqui significa o triunfo da igreja cristã. E neste momento, que
expressa o extremo oposto daquilo que a negridão de sua face representa,
aparece o animalzinho grotesco como uma gárgula. Já viram aquelas figuras
nas igrejas góticas. São, frequentemente, escoadouros para a água, e os
assentos góticos dos coros muitas vezes são belamente decorados com
pequenos gnomos e anões, sapos e lagartixas, e todos os tipos de criaturas
estranhas. Tais animais grotescos representam as raízes ctônicas e por isso
supõe-se que vivam em covas ou entre as raízes de árvores; são os animais da
escuridão, das profundezas da terra, e são sempre um tanto cômicos – em vivo
contraste com o mundo da luz. De onde vem esta idéia?
Dr. JUNG: Sim. A linha gótica, essa maravilhosa elevação, esse efeito
ascendente, é naturalmente interrompido por esses espíritos zombeteiros...
Também os encontramos na poesia, na segunda parte do Fausto aparecem
entes grotescos, os Lêmures. Lá eles são fantasmas malévolos do morto,
chamados pelo diabo para cavar a sepultura de Fausto... Tais figuras podem
ser vistas também no Egito. O ctônico Deus BES é uma figura arquetípica; ele
é um anãozinho extremamente grotesco, mas é também o instrutor de
DORUS, do mesmo modo como MIMIR é o instrutor de SIEGFRIED. Assim,
a aparência mais grotesca é associada com sabedoria. Foi apontado muitas
vezes que o busto de SÓCRATES é como um fauno ou como SILENUS;
mesmo para a gente da antiguidade aparecia grotescamente feio, e no entanto,
era o pai da sabedoria.
Dr. JUNG: Sim... Algumas vezes há um grupo especial dentro de uma tribo
índia cuja tarefa particular é ridicularizar os Deuses. São os palhaços dos
Deuses e são chamados os “deleitadores”. Na igreja Católica, ainda no século
XIII, celebrava-se uma missa burlesca na qual canções vulgares e obscenas
eram cantadas como respostas, para que uma vez por ano a estrutura
hierárquica da Igreja fosse interrompida...
Dr. JUNG: Muitas vezes eles eram personagens importantes, como também a
fonte da maior sabedoria que o rei poderia ouvir...
Estes exemplos mostram que a sabedoria ctônica tem sido sempre associada
com uma forma grotesca. E isto não é apenas lenda; é um fato que o anão é
especialmente sábio. Isto é assim porque um anão ou uma pessoa de alguma
forma deformada ou mutilada é em geral muito ambiciosa – ela, de outro lado,
realiza um desenvolvimento compensatório – como WAYLAND, o ferreiro,
cujos tendões eram cortados, e VULCÃO (HEFAISTOS), o Deus dos
ferreiros, que era manco. E o vidente é muitas vezes cego, MELAMPUS, por
exemplo, o famoso vidente da antiguidade. Provavelmente, os primeiros
intelectuais, num tempo em que os homens eram, principalmente, guerreiros,
foram aqueles que tinham que ficar em casa, por serem aleijados por nascença
ou incapazes devido a doenças. Ainda mais, pessoas anãs ou mutiladas sempre
exercem um fascínio porque há algo estranho nos seus olhos; muitas vezes são
reconhecidos por uma peculiar expressão do rosto, embora não se saiba que
são mutilados. E sabem como as crianças reagem a estas pessoas, como têm
medo delas...
Quando o sacerdote subiu ao altar e foi atacado pela gárgula, isto significava
que o fator ctônico estava se afirmando; embora parecesse ser completamente
superado pela qualidade espiritual da mentalidade gótica, não foi reprimido
mas começou a perturbar a cerimônia. A pequena criatura manteve-se
agarrada às roupas douradas do sacerdote, que tentava livrar-se deste fator
pagão, mas não o conseguia. Então, quando o sacerdote ergueu o cálice
sagrado no ritual, pequenos animais e sapos pularam para fora dele...
É bem possível que a paciente, aqui, esteja aludindo a alguma coisa que leu,
como é muitas vezes o caso, nessas visões. Ainda mais, é provável que ela
tenha visto no meu “Psicologia do Inconsciente”, a reprodução de uma pintura
muito famosa de SÃO JOÃO por QUENTIN MATSYS. Muitas vezes SÃO
JOÃO é representado como um cálice, mas esta pintura é incomum por haver
um pequeno dragão com pés e asas no cálice. Isto se refere a uma lenda de que
foi dado um cálice de vinho envenenado a SÃO JOÃO, mas ele fez
desaparecer o veneno fazendo sobre o cálice o sinal da cruz. Provavelmente,
esta é uma lenda explanatória, já que muitas vezes inventam-se lendas para
explicar algo de outra forma inexplicável. Mas ela realmente não explica esta
pintura, porque se tivesse havido uma serpente real no cálice, SÃO JOÃO a
teria visto. Portanto, a serpente deve simbolizar o veneno. E quando ele anula
o poder do veneno, a eficácia da poção, porque surgiria do cálice uma cobra
ou dragão?... Provavelmente isto tem a ver com o antigo simbolismo; no início
da cristandade, muitos motivos foram tomados de antigas ilustrações e modos
de pensar.... Assim, o cálice na visão pode originalmente ter parecido
diferente, como o cálice com a serpente.
Desde tempos imemoriais, o plexo solar tem sido associado com o sistema
nervoso “simpático”; a palavra “simpático”, significando “sofrer com”, vem
do grego “sympatheia” (syn=junto, com e pathos=sentimento, sofrimento).
Paradoxalmente – já que ele não tem órgãos do sentido nem cérebro e é
representado por um animal de sangue frio, a serpente – é através do sistema
nervoso simpático que, principalmente, nós sentimos. Nossa experiência de
“participação mística” vem através deste sistema psíquico interno,
profundamente no inconsciente. É como se estivéssemos conectados com
todos os demais através desta região hipocondríaca. Nos livros dos antigos
médicos alemães, como JUSTINUS KERNER, ou no livro de PASSAVANT
sobre magnetismo, o sistema simpático tem papel importante, (o sistema
simpático é denominado, hoje em dia, “sistema autônomo”. Incluía também a
parte parassimpática! Atualmente começa a aparecer de novo esse antigo
modo de ver, só fazendo didaticamente, uma diferença entre simpático e
parassimpático) e particularmente a região hipocondríaca – que é o triangulo
bem acima do estômago, em frente do plexo solar. A paciente de KERNER, a
famosa vidente de PREVOST, dava especial importância a esta região; tudo
que ela queria ler ou entender ou com que queria entrar em contato
“simpático”, ela colocava neste ponto altamente sensitivo.
Que CRISTO era uma serpente curadora é uma idéia gnóstica. Seu sangue é a
essência de sua vida, e o veneno curador para o mundo.Somente quando
CRISTO põe esta gota mágica de sua essência no cálice, o vinho se torna o
sangue, só então ele se torna mágico, o remédio da imortalidade... É bastante
curioso que não há dificuldade em identificar o dragão ou a serpente com
CRISTO, mesmo dentro da iconografia cristã; porque o que se vê usualmente,
no cálice é a Hóstia como o sol nascente, e a Hóstia é o corpo de Cristo – é o
Cristo no cálice. Assim, quando encontramos o dragão ou a serpente lá,
podemos estar certos de que significa CRISTO. A interpretação gnóstica foi
adotada, mais ou menos inconscientemente, no início da Igreja... Porque
embora a igreja perseguisse os gnósticos como herejes, absorveu tanto, se não
mais, das heresias como da antiguidade.
Resposta: Eles vêm do elemento ctônico que estava nela, depois foi para a
gárgula e de lá para a serpente.
Dr. JUNG: Sim. A gárgula é a serpente. Ela mantém-se agarrada às roupas do
sacerdote, ele não pode livrar-se dela e ela entra também na cerimônia
sagrada. A gárgula rasteja para dentro do cálice e reaparece transformada –
embora não muito transformada, porque o sapo e outros pequenos animais são
muito similares. Provavelmente há, também, no fundo da mente da paciente
aquela figura da “Psicologia do Inconsciente” que mostra o pequeno dragão
alado, como uma gárgula, saindo do cálice. Estas criaturas são como a gárgula
também, mas menos grotescas – presumivelmente apenas pequenos animais
de sangue frio. A única coisa que ela viu realmente com clareza foi um sapo
pulando para fora do cálice... O sapo também aparece na alquimia sob a forma
de rã – eles não prestavam muita atenção a pequenas diferenças zoológicas,
naquele tempo; assim, podemos juntá-los e chamá-los por um único nome...
Na alquimia a rã bebe leite dos seios da Virgem. E há uma fonte em Nürnberg
onde a água jorra dos seios de mulheres para dentro da boca de sapos. A rã é
também um símbolo medieval para o útero. E há aquele lindo conto de fadas
do sapo e da princesa:
“A princesa brincava com uma bola dourada que caiu dentro de um poço de onde ela não
podia retirá-la. Mas no poço havia um sapo que disse que ele poderia levar a bola se a
princesa cumprisse três desejos dele: sentar-se na sua mesa, comer do seu prato e dormir na
sua cama. Ela prometeu tudo porque estava muito desgostosa com a perda de sua bola.
Assim, o sapo a trouxe para cima, mas então, é claro, ela quis esquecer as condições e ele
teve que lembrá-la de sua promessa. Cada vez ela obedecia com relutância, porque o sapo
era tão terrivelmente escorregadio e frio e repulsivo, que cada exigência era pior que a
anterior. Estar na mesma sala, tudo bem, mas comer na mesa e do mesmo prato! A última
condição, então, de que o sapo dormisse na sua caminha, esta então, nem ouvir falar; ela
não permitiria isso. Mesmo assim, o sapo introduziu-se na cama dela, de onde ela o retirou
e o jogou contra a parede. Nesse instante o sapo desapareceu e em seu lugar surgiu o
Príncipe Encantado.”
Esta é uma verdade eterna e ao mesmo tempo uma quota de sabedoria que tem
muitas aplicações práticas. Eu tenho que dizer bem a mesma coisa umas três
ou quatro vezes ao dia. Há também um grande simbolismo religioso nisto: o
sol, a luz do dia desaparece; nosso mais alto valor – porque a bola dourada é o
nosso mais alto valor – desaparece na escuridão, e não sabemos o que fazer.
Somos deixados em uma total escuridão, na tristeza do desespero. Então,
ouvimos as vozes das profundezas e elas apresentam condições das quais não
gostamos nem um pouco. Mas, se podemos cumprir essas condições, a luz da
divindade retornará, o super-homem. Porque o Príncipe encantado é sempre
um homem superior, um modelo de virtude, e representa a renovação do
homem, sua própria ressurreição.
A idéia aqui é semelhante> isto é, os sapos que aparecem não significam uma
profanação do cálice sgrado, indicam a substância curadora ou símbolo
curador que emana do ventre do cálice. Esta é a conexão entre a Virgem e o
cálice: a Virgem é o vaso, o vas insigne devotionis, como a chamam na
ladainha de Loreto, o excelso vaso de devoção no qual é lançada a devoção
dos fieis. E a Virgem é, ao mesmo tempo, o signo astrológico VIRGO,
indicando a terra; assim, a terra é a taça, o receptáculo ou vaso de devoção no
qual é lançada a devoção dos fiéis. E a Virgem produz o Príncipe Encantado, o
homem superior, e belo jovem, uma espécie de mediador de qualidade pagã
(já que os contos de fadas são inteiramente pagãos) ou ela produz o amado rei
espiritual, CRISTO. De outro lado, a virgem dá à luz ou nutre a rã ou o sapo.
Mas, o sentido geral do sapo é bem claro ... Ele simboliza um estágio
transitório... e representa seres bem definidos – crianças, naturalmente.
Talvez, nunca tenham pensado que o sapo é a primeira tentativa da natureza
para produzir uma criatura como o homem, um animal com duas pernas, duas
mãos e sem rabo. Mas, quando as mães dão banho em seus filhos, chamam-
nos pequenos sapos ou girinos na água; também uma criança anã ou
moleques de rua são chamados rãzinhas. E aqui na Suíça dizemos também que
uma garota (“flapper”) é uma rãzinha. Assim, o sapo é uma espécie de
criança; é uma tentativa “infantil” da natureza de produzir algo como o
homem no nível dos animais de sangue frio; é um homemzinho de sangue frio.
O sapo no conto de fada poderia ser chamado uma espécie de homem
embriônico no qual o belo príncipe ainda não é reconhecível. Este conto de
fada, em certo sentido, é muito profundo.
O Homem como Ele é: a Pedra Rejeitada pelos Construtores
Assim, a idéia nesta visão é que o remédio redentor que emerge do cálice
sagrado é meramente o homem como ele é, incompleto, uma primeira
tentativa da natureza de fazer, no nível daqueles de sangue frio, o homem de
sangue quente. E porque seria o homem, a última idéia do Criador? ... Tantas
coisas na sua estrutura e disposição são tão tolas e impróprias, não apenas no
seu corpo, mas também na sua mente. É bem possível que aqueles que
existirão no futuro distante, isto é, uns cem mil anos à frente, olharão para trás
como nós olhamos para o pitecantropo e dirão: “Isto não era homem, era uma
besta!”. E ainda assim, o pitecantropo, se de algum modo pensava, poderia
também ter assumido que estava no topo da criação.
O Advento do Anticristo
Dissemos que o sapo é, de certa forma, um símbolo de redenção, mas aqui não
havia um sapo, havia muitos... A multitude sujere uma multitude de seres
humanos; poder-se-ia dizer que assim como uma multitude de sapos salta do
charco depois da transformação do estágio de girino, assim do cálice emergem
símbolos para muitas pessoas, e para o indivíduo também, na medida em que
faz parte de uma multitude. Então, quando cada um aceitou sua imperfeição
individual, a serpente aparece e enrola-se no lugar do redentor, indicando que
a serpente é o equivalente do redentor.
E agora nos desenvolvemos tanto ao longo dessas linhas que já nada mais
existe a não ser o homem. Os céus ficaram inteiramente despovoados... todas
as hierarquias de anjos e arcanjos, e o próprio Deus, entraram no homem ... e o
homem foi deixado inteiramente sozinho com uma tremenda inflação.
Mas agora temos que aceitar a nós mesmos. A completa aceitação do homem
como ele é parece ser a conclusão necessária da era dos Peixes. Já que ele se
julga divino e comporta-se como se fosse, ele tem que assimilar a si mesmo,
conhecer-se a si mesmo. E entender-se a si mesmo é um terrível choque...
Resposta: Ela passou pela face de Deus e então chegou à poça de ouro.
Dr. JUNG: O sol em cima tem sido símbolo de uma divindade espiritual desde
tempo imemorial... Mas aquela poça de ouro caracterizava um valor muito
concreto, não um valor espiritual. Era a face de Deus, por assim dizer, mas
materializada sob a forma de ouro... Nesta visão o disco de ouro tem o sentido
de matéria versus espírito. O ouro realmente indica a substância concreta; não
é apenas emblemático, é o verdadeiro material valioso, que agora assume um
valor quase espiritual. Ele substitui o valor espiritual porque o espírito está
como que exaurido; nestas visões há uma nova consideração da matéria como
uma espécie de objeto religioso.
Resposta: Agora ela tem uma aparência dionisíaca e seus olhos são verdes.
Dr. JUNG: Exatamente, a grinalda de folhas de parreira na sua cabeça é
dionisíaca. E o grande Deus PAN tinha olhos verdes na pintura que ela fez
dele. Assim, agora, ela se reconhece como um ser semelhante à natureza,
porque PAN era o Deus da natureza, de acordo com a última interpretação...
Há uma lenda muito simbólica que parece referir-se a um fato real – que no
fim dos tempos antigos espalhou-se um rumor nas ilhas gregas de que PAN
havia morrido. Tomado como um sintoma da mentalidade daqueles dias, isto
significaria que o inconsciente sentiu a necessidade de informar as pessoas
que o grande PAN morrera, que aquele princípio tinha chegado a um fim – e
realmente foi o tempo quando PAN, como a deidade da natureza, chegou ao
fim.
O melhor exemplo para isto é aquele poeta, um dos mais místicos e ingênuos,
ANGELUS SILESIUS. De modo muito inocente, ele confessava sua
identidade com Deus, mas ele só podia fazer isso numa condição mais ou
menos sonâmbula... Ele foi sobrepujado pela visão e ficou incapaz de vivê-la
plenamente, de assimilar a tremenda verdade que havia descoberto... Nele
pode-se ver que, mesmo sem qualquer particular perseguição, passar por tal
mudança nas suas convicções religiosas pode matar um homem.
Poder-se-ia quase dizer que numa certa fase da história, quando as pessoas
olham as coisas de um ponto de vista humano, os Deuses se tornam humanos;
e quando elas olham o mundo do ponto de vista da natureza, as formas
materiais ou as formas animais aparecem. Assim, depois desta recognição,
quando a paciente volta à catedral e diz à serpente que ela agora entende,
alguma coisa deste tipo pode estar sendo sugerido.
Dr. JUNG: Sim. É o motivo que encontramos muitas vezes antes: sempre,
quando se torna necessário um novo empreendimento que ela não pode
encarar, o Animus a precede, ou sozinho ou como uma multitude... Estes
soldados sugerem uma disposição para se empenhar... Há alguma coisa
triunfante nisso... Usualmente o Animus é uma opinião coletiva, e esta
costuma dirigir-se contra ela, mas esse é apenas o Animus negativo... Como
função involuntária da mente, o Animus não é necessariamente negativo;
algumas vezes ele é muito positivo... Assim, o fato de que estes soldados
jogam ao chão seus elmos, poderia indicar, antes, uma ação amistosa, e a
inscrição dentro do elmo que ela apanhou poderia ser para proveito dela...,
sugerindo que tome as necessárias precauções contra o mundo cobrindo sua
cabeça com um elmo. Agora, porque precisamente isto?
Dr. JUNG: Sim. Se ela aparecesse no mundo com olhos verdes, lábios
escarlates e folhas de parreira no cabelo, ela não seria vista como deveria.
Seria pouco reputável sair com olhos de PAN. Ninguém deve suspeitar que
alguém é um ser da natureza... Não esqueçam que o diabo medieval era
representado com chifre e rabo, justamente como PAN. É perigoso expor-se
no mundo como um ser da natureza. Seu Animus está lhe dando uma boa
advertência quando lhe diz que cubra sua cabeça, que a esconda, porque é ela
que o mundo mais certamente irá vergastar. Mas, ela não percebe contra o que
está se movendo. Como os soldados, ela também joga o elmo ao chão e vai
adiante para encarar as dificuldades corajosamente, sem se proteger, o que é
antes, temerário. Seria melhor permanecer perfeitamente quieto em toda essa
situação... mas a disposição de Animus toma a forma de uma espécie de
atitude beligerante; como propor uma afirmação absurda para lutar por ela,
como se a luta fosse por Jerusalém.
Então, um cavaleiro desce como se viesse ajudá-la. Isto é, uma parte do grupo
de figuras e animus condensa-se ou concretiza-se num homem, e quando o
animus se torna um, é muito provável que esteja projetado sobre um homem
real... Neste caso ela o vê perante o fantasma de uma velha mulher,
evidentemente uma bruxa, porque há um caldeirão no fogo e isto sugere
sempre uma bruxa. Expressando psicologicamente, o Animus dirige-se agora
ao inconsciente; o fantasma indica o inconsciente; o inconsciente coletivo é o
mundo do fantasma e a bruxa é uma figura do inconsciente coletivo. Esta
mulher estava saindo para encarar o mundo, mas uma vez que o seu Animus
se volta para o inconsciente coletivo, ela tem que ficar com ele. O seu
procedimento temerário fez seu Animus desmontar; em vez de continuar, ele
volta antes para trás, para o inconsciente. Agora, quem seria a bruxa?
Dr. JUNG: E quais as razões psicológicas para isso? Antes de tudo, o Animus
não deveria normalmente, estar conectado com a sombra, porque nesse caso
há dois contra um: a sombra mais o Animus, contra a consciência. Isto é
demais: ou a consciência escapa de “pinta e borda”, ou sucumbe à
inconsciência predominante e se apaga. Então, ocorre a possessão pelo
Animus. Ela deveria estar relacionada com o Animus, exatamente como
deveria ser a proprietária de sua própria sombra.
Vejam, aqueles que não estão na posse e não percebem seu lado inferior
sombrio, podem aparecer como pessoas maravilhosamente boas, ninguém
pode descobrir neles qualquer falha, são brancos como leite. Eles mesmos nos
dizem que nada há de errado com eles. Todos os outros são errados, mas eles,
nunca. Mesmo assim, porque negam suas sombras, tais pessoas são
absolutamente possuídas por diabos; as mulheres são todas devoradas pelo
Animus. Reforçado por este excelente alimento, ele cresce tão forte que é
capaz de possuir a consciência, de dirigi-la. Em tal caso, a conexão entre o
Animus e a sombra deveria ser quebrada e aqui está sendo mesmo quebrada
pela sombra.
Quando vemos nosso lado inferior, podemos nos destacar do Animus ou da
Anima, mas enquanto não o percebemos, não temos uma chance. Assim, o que
a bruxa faz é muito útil; ela tenta casar o Animus com o eu consciente,
jogando fogo sobre eles, uma espécie de procedimento de fusão.
A Sombra
Pergunta: Como ocorre que a sombra assuma um papel tão positivo? Será que
cansou-se do Animus?
Dr. JUNG: A sombra nada fez, na realidade... a própria paciente adquiriu uma
atitude ativa. Ela se mostra num papel muito masculino, até mesmo jogando
fora o elmo que o animus lhe oferecera para sua proteção. Como resultado, um
dos cavaleiros desce e vem para o seu lado; em outras palavras, ela força o
Animus a descer até ela; ela destaca o Animus da sombra e com isto faz da
sombra um fantasma, uma coisa irreal, ainda que com a qualidade positiva do
fogo. Uma bruxa pode ser uma bruxa, quer seja real ou um fantasma, ela pode
jogar fogo sobre eles, e a questão é se o fogo é positivo. Minha suposição é
que se trata de uma má vontade destrutiva...
Tem que ser feita uma diferença entre a sombra e o inconsciente pessoal... O
conceito freudiano do inconsciente é apenas o inconsciente pessoal, na media
em que FREUD supõe que, praticamente falando, a existência do inconsciente
está baseada em repressões. Esta, ao menos, é a sua principal hipótese de
trabalho. De acordo com sua idéia, o inconsciente existe apenas como uma
função do consciente, ele não tem qualquer virtude própria, nenhuma
existência por si mesmo. FREUD supõe que se alguém muda sua atitude
pessoal consciente, não terá mais um inconsciente; que se a sua interpretação
do simbolismo neurótico fosse amplamente conhecida, os neuróticos estariam
curados, que eles só têm neuroses porque não sabem o que é tudo isto. Diga a
um homem que ele tem um complexo de incesto; tão logo ele sabe isto, não
mais será neurótico. Mas isto está errado, porque baseia-se, para começar, na
idéia de que a neurose é causada por repressões, o que FREUD simplesmente
tem como certo; ele está convencido de que necessariamente se estará bem de
novo se se conhecem os conteúdos das próprias repressões. Mas isto não é
verdade.
Aqui não estamos falando de tais suposições, mas da sombra como geralmente
ela é na realidade, isto é, a parte inconsciente da personalidade – e esta é uma
coisa extremamente real. Dizer que a sombra é meramente a ausência de luz é
como a famosa definição que as pessoas otimistas dão do mal – que ele não
passa da ausência do bem, apenas um engano. Mas quando se vê como as
coisas se desenvolvem no mundo, vê-se que o diabo está realmente nelas, que
há um mal abismal em atuação. Não se pode explicar a tendência destrutiva
que há no mundo como uma mera ausência do bem ou como um erro
cometido em alguma coisa originalmente boa. As pessoas dizem que no fundo
o homem é bom, mas isto não é verdade; poder-se-ia da mesma forma dizer o
oposto...
E assim, a nossa sombra realmente existe. Ela é tão má quanto nós somos
positivos e construtivos na consciência... Quero dizer: quanto mais
desesperadamente tentamos ser bons e maravilhosos e perfeitos, tanto mais a
sombra desenvolve uma definida vontade para ser escura e má e destrutiva. As
pessoas não podem ver isso; estão sempre se esforçando para serem
maravilhosas, então descobrem coisas terríveis e destrutivas acontecendo e
não podem entendê-las. Elas podem negar que tais coisas tenham algo a ver
com elas ou, se as admitem, tomam-nas como aflições naturais, ou tentam
minimizá-las e transferem a responsabilidade para alguma outra coisa. O fato
é que se alguém tenta ser perfeito além da própria capacidade, a sombra desce
ao inferno e torna-se o diabo. Porque é tão pecaminoso do ponto de vista da
natureza e da verdade estar acima de si mesmo como abaixo de si mesmo...
Agora me perguntarão se esta velha mulher, a sombra que tenta jogar fogo
sobre a paciente e seu Animus, está se comportando de um modo positivo,
fazendo alguma coisa boa para a psique toda. Isto não é tão simples. Temos
aqui que nos lembrar do texto: a paciente vê um dos cavaleiros postar-se
diante do fantasma de uma velha mulher, e diante da mulher há um caldeirão
com fogo fervente. E como dissemos, o caldeirão indica que a velha mulher é
uma bruxa. Não há nada muito positivo nisso. Ainda mais, ela nem mesmo é
uma bruxa real, ela é o fantasma de uma bruxa, o que a torna ainda mais
negativa, é muito fantasmagórico... Aquele fogo vem do lado inconsciente, é
um fogo telúrico das entranhas da terra.... Assim, evidentemente, a sombra
não se tornou positiva, a despeito do fato de que ela casa a paciente com o
Animus.
Mas esta união da paciente e seu Animus cria uma situação diferente, é claro;
ela agora está separada da sombra, ou em oposição a ela e ainda assim casada
com o Animus. Isto significa que ela gora tem uma conexão imediata com o
inconsciente coletivo; isto fornece uma possibilidade ao inconsciente coletivo
de mesclar-se com o consciente, e os dois podem unir-se e produzir,
naturalmente, uma nova condição. Porque o mundo consciente e o mundo
inconsciente são o principal par-oposto; quando os dois se juntam, é como se
homem e mulher se juntassem, como a união de masculino e feminino, de luz
e trevas. Então, ocorrerá um nascimento.
No Oriente, onde eles pouco sabem deste nosso tipo de amor, existe um belo
símbolo para ele em KWANNON, a Deusa da benevolência. Ela alimenta
todos os seres vivos, mesmo os maus espíritos no inferno, e para fazer isso ela
deve descer ao inferno; mas assustaria os demônios se ela aparecesse lá na sua
forma celestial e, como Deusa da benevolência ela não pode permitir que isso
aconteça; assim, com tal extraordinária consideração pelos sentimentos dos
diabos, ela se transforma num espírito mau e sob esse disfarce ela desce com o
alimento. Há uma bela pintura tradicional onde ela está representada no
inferno como um diabo entre os diabos, alimentando-os; mas há um fino fio
subindo da sua cabeça até um ser celestial acima, que é ela mesma em todo o
seu esplendor.Esta é a atitude psicológica que o amor verdadeiro sugere...
Mas, pra que se realize a união dos opostos na nossa paciente é necessário,
antes de tudo, que tanto o princípio Yang como o princípio Yin sejam ativos
na sua psicologia. Ela precisa conter o princípio de luz e não perder a
consciência e a compreensão; de outro lado, ela precisa ter também o poder da
escuridão; isto é, a chama no seu peito.
Coisas como esta foram apontadas antes, quando influências escuras chegaram
até ela e quando o seu Animus transformou-se no princípio escuro, como no
Negro. Aqui está na forma da chama de EROS emanando do seu coração e na
chama de LOGOS saindo da cabeça do homem. Estas chamas não são
sagradas e têm a ver com os fogos do inferno mais do que com o calor e a luz.
Elas mostram a intensidade do propósito escuro. E a velha bruxa diz: “Vão e
vejam se eles encontrarão tremendos obstáculos, porque agora eles têm que
lidar com a muito imediata e notável resistência da terra.”
Esta é uma situação típica, o herói e sua dama numa busca. É provável que
apareça um dragão, ou eles entrarão numa floresta escura, ou qualquer coisa
deste tipo. E agora começam as aventuras na caminha até a meta distante. O
dragão segura uma faca na boca, o que é bastante inusual. Não há paralelo
mitológico, mas ela leu “A Psicologia do Inconsciente” e provavelmente viu lá
uma antiga lenda cristã sobre um dragão que vivia numa caverna e ao qual se
sacrificavam virgens. Um antigo santo cristão entrou na caverna e destruiu o
dragão que ele descobrira ser um aparelho mecânico. Sua língua era uma
espada que se projetava, e as moças eram lançadas pela espada para dentro do
rabo do dragão. Nossa paciente provavelmente referia-se a esse dragão, tendo-
o adotado porque o simbolismo era uma expressão adequada para o seu caso
particular. Porque o que representaria um dragão com uma espada na boca?
Ela tem que encarar isto. Assim o homem, que é a sua mente, tira a espada –
ou a faca – do dragão e, arrancando seus dentes, joga-os para trás, indicando
que a mente dela arranca o ferrão do mexerico. Como sabem, na análise,
naturalmente é preciso lidar com mexericos todo o tempo, e pode-se perceber
que, geralmente, há uma ferroada neles, porque contém um elemento de
verdade. Ainda mais, eles picam porque, na medida em que somos coletivos,
temos também opiniões coletivas; assim, quando ouvimos de fora alguma
coisa que já temos dentro, isto nos “ferra” por trás, ficamos momentaneamente
dominados e nosso raciocínio nos abandona. Por isso costumo dizer a todos
que são atingidos por mexericos: “Vamos então pensar sobre isto. O que
aconteceu realmente e que importância tem isto?”... Como sabem, o pensar é
uma atividade do LOGOS que discrimina entre as coisas, enquanto uma
mulher que outra coisa não tem senão a atitude de EROS está ligada às coisas
que aguilhoam e é aguilhoada de novo e de novo. Ela não tem absolutamente
armas contra isto porque seu princípio EROS sempre tenta estabelecer um
relacionamento nesse sentido; mas se começa a pensar, isto cria um espaço
entre tal situação e ela mesma. Assim, ela fica relativamente salva. Então, aqui
nossa paciente tem que aprender a desarmar mexericos e observações ferinas
da forma como um homem chega às suas próprias convicções, isto é,
independentemente da opinião pública...
A Jóia dentro do Gelo
O que é este bloco de gelo com a jóia vermelha dentro? Como vêem, o
simbolismo aqui enfatiza a importância do corpo. Quando uma mulher está
casa com o Animus, ela usualmente é alçada a uma esfera mental onde se
ocupa apenas com coiss espirituais, como se tudo pudesse ser feito por uma
atitude espiritual. Mas esta é a forma errada da espiritualidade, porque há uma
secreta alegria por trás do fato de escapar do problema complicado do corpo.
E esta visão diz que somente o calor do corpo derreterá o gelo que contém a
jóia vermelha. Uma patente influência do Animus que, de outra maneira, a
elevaria demais para a esfera espiritual, está aqui contrabalançada pela ênfase
no corpo, ao fato de que o gelo não pode ser derretido sem ele, que o corpo
tem um papel decisivo ao seu futuro desenvolvimento. Agora, obviamente,
muita coisa depende da interpretação desta jóia vermelha.
Mas o coração humano tem a ver com o corpo, ele não é feito de ar, e ela só
pode obter a jóia usando seu corpo para derreter o gelo, porque o calor, aquela
chama, está no corpo, e ele vem do lado escuro. Se ela tentasse ser
maravilhosa e perfeita, sua sombra conteria as chamas do inferno, mas ela
mesma não as conteria. Ela seria um puro bloco de gelo, ela teria um coração
vermelho-ardente dentro, mas seu calor não atingiria ninguém. E os raios
quentes do coração de alguém mais, teriam que passar através do gelo para
alcançar o dela, mas o gelo os aniquilaria, eles se extinguiriam
completamente. A existência de um coração no gelo nada significa, ele tem
que chegar ao próximo.
Ideais são adequados e maravilhosos, mas eles podem transformar uma pessoa
em um fantasma abstrato que não emana qualquer calor... Uma gota de fogo
do inferno é absolutamente indicada. Ela está sempre lá, mas se alguém
negligencia o corpo, negligencia aquela gota de fogo do inferno, e ela não
funciona.
Isto não é invenção minha, a idéia vem de uma antiga lenda judaica sobre
Jezer Horra que é o espírito mau da paixão. A história é que havia um homem
muito sábio e piedoso, que percebeu que todos os pecados do mundo eram
causados por esse espírito mau. Então, sendo um homem piedoso e portanto
em muito bons termos com Deus, subiu ao telhado de sua casa, certa noite, e
implorou a Deus que removesse do mundo o mau espírito da paixão. Deus
atendeu seu pedido e o homem piedoso agradeceu-Lhe e sentiu-se muito
contente e desceu para o mundo agora redimido do mau espírito. Mas quando
foi ao seu jardim, embora as rosas estivessem belas como sempre, ele não
pode usufruir a beleza e o perfume; elas pareciam muito comuns e seu
perfume de algum modo não era bom. Ele disse a si mesmo: “Deve haver algo
errado comigo,” e lembrou-se de um maravilhoso sinhô velho de sua adega;
então desceu até á para se deliciar com ele, e era o mesmo vinho mas não
tinha sabor, não estimulava. Lembrou-se, então, de que tinha no seu harém
uma bela e jovem esposa e foi até ela e beijou-a, mas sem nenhum prazer. Já
estava desesperado quando lhe ocorreu a idéia de que aquilo podia ter algo a
ver com Jezer Horra. Então ele subiu ao telhado e rogou a Deus, suplicando-
lhe que deixasse Jezer Horra livre de novo no mundo. E já que era um homem
piedoso, Deus libertou o espírito da paixão e desde então ele tem estado no
mundo.
Como vêem, esta é a gota de fogo do inferno, a chama, e sem ela nenhum
gelo pode ser derretido. Não haverá calor, coração não tocará coração, e
nenhum fogo será despertado.
Bem, esta mulher consegue derreter o gelo e ela dá, então, a jóia ao
homem, que a coloca no seu peito. Isto é, o Animus agora atinge o seu
coração, há uma união entre o animus e o sentimento. Ele já não é mais
meramente a função LOGOS, ele contém sentimento, o que é um tremendo
acervo. Porque então, o pensamento da mulher, sua concepção das coisas, não
é mais uma mera abstração; é ajustada e adaptada pelos valores do sentir, o
que corrige os erros do Animus.
Dr. JUNG: Não. Ela é elétrons descendo do espaço. Por isso está estreitamente
ligada com tempestades magnéticas; quando há uma tempestade, muitas vezes
a aurora boreal pode ser vista ao mesmo tempo, mas ela vem realmente dos
espaços cósmicos. Isto calha particularmente bem aqui porque a situação é
agora muito terrena, o LOGOS agora está conectado com o sentimento, com
aquela gota de fogo do inferno no seu coração, e assim ela está inteiramente
na terra e na escuridão. Então, vem a visão da luz dos espaços cósmicos.
Agora, psicologicamente, o que é esta luz?
Resposta: A luz do TAO.
Dr. JUNG: Sim. Esta última parte da visão contém um pleno reconhecimento
do Yin, e da psicologia essencial de uma mulher. Então chega o fenômeno
cósmico, em outras palavras, uma iluminação, um esclarecimento que só é
possível quando alguém está nas profundezas da escuridão. Só então pode esta
luz não terrena ser vista. A aurora boreal é particularmente impressiva porque
ocorre nas quase intermináveis noites de inverno das regiões árticas; é um
fenômeno de brilho extraordinário, de beleza quase metafísica, uma luz muito
espiritual e mística.
;
PARTE VII
SPRING 1966
2
Hoje iniciamos uma nova série de visões. No começo, ela se encontra de novo
em uma catedral. A aurora boreal preparou o caminho para que o movimento
dessa série começasse num contexto espiritual; uma aparição de cima, já que
ela estava vindo de baixo, onde terminou a última série. Mas que espécie de
espírito esperariam os senhores numa catedral?
Dr. JUNG: Obviamente, e isto não combina com a aurora boreal, que é o
espírito natural, uma espécie cósmica de espírito. Já encontramos este conflito
entre o espírito cósmico da natureza e o espírito cristão. Lembram-se de um
exemplo?
Resposta: PAN.
outras vezes, não podemos explicar porque somos tomados por um medo
animal. É o grande Deus PAN que causa terror, causa pânico. Mais tarde,
através de uma transformação no significado do nome, esse “daimon” da
natureza tornou-se um grande Deus filosófico. A palavra grega PÂS significa
“tudo”, o todo, e PAN, o neutro, significa o universo; este sentido ficou ligado
ao Deus – que se tornou o espírito universal da natureza.
cidades. Mas isto pode ser exagerado e produzir um efeito negativo, pode
deixar as pessoas demais primitivas.
Tenho visto muitos casos em que a influência da natureza teve que ser
combatida, casos de pessoas que estavam sempre evitando certos assuntos e
escapavam para a natureza, esquecendo-se completamente de si mesmas,
usando a natureza como uma espécie de entorpecente. Assim, era no começo
do cristianismo, na Idade Média, e muito mais tarde também. A natureza tinha
que ser amaldiçoada como ímpia para que os homens percebessem o poder e a
importância do espírito. Isto aconteceu porque o grande Deus PAN não estava
realmente morto, o fascínio ainda existia.
diferença: ela chegou a uma manifestação do espírito natural que está além da
desnaturalização do cristianismo, assim se ela volta agora ao cristianismo, será
uma regressão. E tal regressão, podem estar certos, terá que ser trabalhada de
novo; terá que ser transformada em uma nova tentativa de aproximar-se do
espírito da natureza de um modo consciente.
A visão seguinte conta uma estória muito coerente, por isso apresento-a toda
de uma vez:
Dr. JUNG: Ela não disse preto, mas escuro. O Cristo escuro significa obscuro,
baço, referindo-se talvez à antiguidade da madeira eu penso que aqui é melhor
encarar Maria antes no seu significado cristão medieval do que idêntica com a
terra. Como vêem, Maria não concorda com a paciente. Ela diz: “Não devias
pronunciar tais palavras.” Ela chama a multidão ameaçadora e desaprova a
8
paciente, não quer ser identificada com ela. Ela não quer saber que trouxe
Cristo ao mundo só para ser crucificado. Ela o criou supondo que fosse para
uma vida feliz e exitosa, não para uma morte cruel... Em contraste com Maria,
a paciente diz que o criou para o sofrimento e que se ela o fizesse uma
segunda vez, seria de novo para a crucifixão.
Sugestão: Não se trata da idéia coletiva sobre mães de que elas devem sofrer?
Dr. JUNG: Que as crianças são sempre filhos da dor, certamente é verdade, é
o eterno destino. O sofrimento do mundo continua através do fato de que mães
têm filhos; cada mulher que tem um filho está continuando o sofrimento do
mundo. É um ponto de vista muito consciente, muito maduro, dizer: Estou
criando esta criança para o sofrimento do mundo...
Dr. JUNG: Sim, percebemos progresso aqui. Ela obviamente atingiu uma
certa consciência, já que é capaz de dizer: Não há nada particularmente divino
9
em Maria, nós todas somos como Maria, dando à luz filhos que irão sofrer, até
é nosso propósito fazer assim. É melhor supor que se procriará sofrimento do
que a eterna mentira de que todos serão felizes. Uma consciência madura não
pode assumir tal insensatez. Assim, aqui ela toma a iniciativa, ela fala com
Cristo como se ele fosse seu filho e, colocando-se no lugar de Maria, ela
praticamente se coloca no lugar de Cristo. Cristo é o símbolo do homem que
carrega a cruz, que vai para a morte com uma consciência deliberada, uma
clara visão consciente de que as coisas têm que ser como são, e que temos que
aceitar o nosso sofrimento individual. E quando ela diz que o está fazendo
nascer uma segunda vez, isto significa que ela está fazendo assim com a
mesma finalidade; ela está, então, fazendo o que Cristo fez, quando
deliberadamente caminhou para sua morte cruel.
cumprir a vontade do Pai; e na medida em que fez isso, ele é o filho do Pai, ele
é a manifestação visível de Deus, e como tal ele morre. Por isso, aquela alusão
no Novo Testamento “Vós sois deuses.” (João 10:34).
Vejam, Cristo fez tentativas desesperadas para ensinar seus discípulos que eles
não deviam imitá-lo, que eles deviam viver suas próprias vidas, que só então
eles seriam como ele. Mas eles não entenderam: eles o tomaram como Deus, e
sua vida como um mistério divino, o qual eles deixavam para ele muito
alegremente; eles preferiam esconder-se atrás dele, organizar uma igreja onde
tais eventos, como Cristo, nunca aconteceram. Ninguém tentou viver sua
própria vida, como Cristo viveu a sua...
Agora temos outra vez o símbolo do véu. Lembram-se que ele apareceu numa
das visões anteriores... Lá o véu cobria a parte posterior de sua cabeça e
destinava-se a cobrir o seu inconsciente. Aqui ela oculta seu rosto, o que
indica que, como um proeminente indivíduo social, ela tem necessidade de
ocultar-se; usar o véu agora tem a ver com a sua renúncia do seu respeitável
papel. Assim, ela sai da igreja e se vê frente à multidão hostil. Naturalmente,
todo aquele que é suficientemente corajoso para viver sua própria vida de um
11
Em seguida ela chega a um rio, que é natureza, e ajoelha-se junto dele porque
ele agora é um objeto de adoração para ela. Ela está suficientemente
consciente, já sofreu o suficiente, para agüentar a influência da natureza, para
ser capaz de, conscientemente, adorar a natureza. Eu não pretendo com isso
transmitir a impressão de que a paciente atingiu realmente essa tal maturidade;
isto é meramente uma antecipação intuitiva.
Dr. JUNG: Nós temos a história escandalosa de Leda, e... o cisne está um
pouquinho ligado com isto... O cisne é uma espécie diferente de espírito, ele
raramente voa, mas prefere viver entre a água e o ar. Assim, é o símbolo dos
dois elementos, alguma coisa entre a água, o inconsciente, e o ar ou a luz da
consciência; ele é mais ctônico do que o pombo. Então, numa cesta, que
aparentemente foi trazida pelo cisne, ela viu um bebê recém-nascido. O que é
isto?
Dr. JUNG: Sim, uma nova tentativa, como se ela fosse um bebê recém-
nascido. É como Cristo, sendo de novo erguido, nascido mais uma vez,
quando a voz disse: “Tu és meu Filho; neste dia eu te gerei.” (Hebreus 1:5).
Dr. JUNG: Sim, na arte medieval o Espírito Santo é muitas vezes representado
como um pombo trazendo o Cristo infante...
Agora espero que a idéia principal desta visão esteja clara porque é de
fundamental importância. Realmente é a continuação lógica da idéia
protestante. Como sabem, a Igreja Protestante, como uma instituição de
intercessão entre o homem e Deus, lenta mas muito decididamente vem se
esfacelando. Ela já está dividida em mais de quatrocentas denominações, e
finalmente cada um será sua própria igreja... Cristo estava sozinho com a
divindade e todo aquele que vive sua vida como Cristo está só com seu Deus,
ele é sua própria igreja.
Dr. JUNG: Um rio sempre significa vida natural, as águas da vida, e atravessar
a correnteza da vida é um motivo muito importante. Em sonhos de pessoas
modernas muitas vezes se encontra o mesmo motivo expressado em outros
símbolos; um fio de alta tensão, por exemplo, em vez da corrente de água...
13
Pergunta: Se uma pessoa assimilou esta corrente de força natural até um certo
ponto – suficiente para alcançar outro estágio de desenvolvimento consciente
– o Senhor diria que ela, então é uma com Deus?
Dr. JUNG: Naturalmente. Sempre temos que ser, de outro modo seríamos o
Deus mesmo. A questão é que temos que assimilar a nós mesmos e não
projetar metade de nós mesmos em outras pessoas ou instituições. Certamente,
estamos longe de sermos perfeitos, ou perfeitamente conscientes. E tornando-
nos integrados podemos ser tão inconscientes quanto antes, só que não nos
projetaremos mais; essa é a diferença. Nunca deveríamos pensar do homem
como capaz de atingir a perfeição, ele apenas pode almejar inteireza. E
inteireza seria uma condição necessária e indispensável, se em geral se
levantasse a questão da perfeição. Porque como é possível tornar perfeita uma
coisa que é incompleta? Primeiro temos que torná-la completa, então vemos o
que ela é... então a polimos, se nos sobrou tempo e fôlego... Agora
continuaremos.
14
O Vulcão e o Oásis
Agora que o bebê foi trazido a ela na correnteza da vida pelo cisne
(simbolizando o Espírito Santo numa forma natural)... esperaríamos encontrá-
la numa condição redimida. Em vez disso, ela está à beira de um vulcão
prestes a entrar em erupção. Obviamente, é um lugar dos mais perigosos, e
este é um momento bastante crítico. Mas a rápida enantiodromia que ocorre
aqui expressa uma profunda verdade... Como vimos, ela se retirou do seu
mundo coletivo e lá deixou um vácuo. Agora o espaço vazio está sugando
tudo para dentro. É uma catástrofe semelhante a uma explosão...
Esta verdade tem sido reconhecida em muitos lugares sob diferentes formas.
(Há um mito hindu sobre tesouros obtidos do mar). Entre estas está MÂNI,
que significa a jóia em sânscrito. MÂNI é o título de BUDA no budismo
MHAYANA, e a famosa oração tibetana ÔM MÂNI PADME HÛM significa
Ó Jóia no Lótus... Agora, quando a jóia e os outros tesouros são trazidos à
superfície do mito, poder-se-ia supor que tudo estaria certo, mas um veneno
destrutivo emerge do mar e ameaça destruir o mundo. Este é um exemplo
desta rápida enantiodromia... De modo semelhante depois do nascimento de
Apolo, o terrível dragão PYTHON tentou tragá-lo. E Cristo, logo depois de
nascer, por pouco escapou de ser morto no assassinato em massa dos infantes
15
E então uma cruz aparece na fumaça sobre a cratera. A cruz cristã significa
sacrifício, mas esta é a crux ansata, a cruz com a alça na parte superior, o
símbolo egípcio da vida. Este sinal indica que a cratera não é apenas
destrutiva; a crux ansata, também chamada ankh, sempre denota vida, ou dada
pelos Deuses aos Faraós ou pelos Faraós aos Deuses; há representações de
ambos... A fumaça de um vulcão realmente cria uma tal figura; quando há
bom tempo o ar quente sobe e esfria-se, expandindo-se numa espécie de forma
de cogumelo; se a forma então é um pouco mais abstrata, torna-se a crux
ansata.
Assim, a cratera aqui é a cratera da vida. O sinal mostra que ela não significa
extinção. Esta cratera é como uma pia batismal; é como uma cratera no antigo
sentido místico da palavra, isto é, uma vasilha em que diferentes constituintes
são misturados para criar um novo ser... Seu sentido positivo é a vasilha de
amálgama...
Resposta: Ela não se identificou com a situação, e isto a manteve acima dela.
Dr. JUNG: Mas como teria sido destruída? De que forma específica?
Dr. JUNG: Uma psicose pode muito bem ser descrita dessa forma. Num caso
de demência precoce a primeira eclosão da doença está muitas vezes ligada a
visões cósmicas de terremotos e outras coisas que correspondem aos
fenômenos observáveis numa cratera. O paciente pode cair numa tremenda
agitação emocional; as chamas da paixão em explosão são como forças
vulcânicas, como uma lava de fogo fervente, caótica, jorrando das entranhas
da terra. Em termos psicológicos elas seriam a insanidade, uma eclosão de
loucura...
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O fato de que ankh, o sinal egípcio da vida, aparece aqui, sugere que a
paciente lembrava-se inconscientemente do simbolismo em “Ela”; mas não é
uma influência direta e inconsciente, está oculta no significado. Esta analogia
indica que a descida para dentro do vulcão não é apenas um mistério de
renascimento psicológico, mas alguma coisa mais, porque relativa
imortalidade significa divindade. Podem lembrar-se que “Ela” muitas vezes
aparece como uma pessoa divina, a despeito de muitos traços mortais de
caráter. Deste modo RIDER HAGGARD imaginava algo como uma Deusa
grega...
O fato de que essa mulher no fundo da cratera é uma Deusa ou, em todo caso,
uma pessoa de competência e autoridade, prova-o a atitude da paciente. Ela
pede à mulher que a oriente, mostrando que imediatamente reconheceu sua
superioridade, e a mulher responde questionando se ela terá força para descer
ao mais fundo do poço.
Observem a posição embriônica dos corpos. Quem são eles? O que pensam
desta estranha descoberta no fundo do poço?
Sugestão: eles poderiam ser SHIVA e SHAKTI. E esta poderia ser a serpente
KUNDALINI antes de elevar-se.
Dr.Jung: Sim, então aquele canal ou escavação que ela desceu seria
SHUSHUNNA, o canal através do qual KUNDALINI se eleva. Aqui temos
um fato muito notável: que ela está descendo. Aqui se vê a tremenda diferença
entre a Índia e o Ocidente... Ela já está em cima, e o que ela tem que assentar
está embaixo, ela tem que descer de lá de cima... Assim, podem ver o grande
erro que as pessoas fazem quando imitam as práticas da Yoga oriental, porque
elas servem uma necessidade que não é a nossa; é o maior erro para nós subir
21
mais e mais alto. O que deveríamos fazer seria estabelecer a conexão entre em
cima e embaixo. Mas nós nos lançamos avidamente à prática da Yoga que,
naturalmente, não funciona... porque a nossa necessidade é justamente o
contrário.... Eu nunca vi um caso (de prática de Yoga) que não fosse aplicada
com o propósito errado de chegar ainda mias para cima – de adquirir mais
poder ou mais controle, ou sobre o próprio corpo, ou sobre outras pessoas ou
sobre o mundo...
Dr. Jung: A paciente diz: “Mas eu estou só”, como se a serpente então fosse
responder: “Oh, bem, neste caso eu não me enrolarei ao redor de ti, porque
faço isso apenas com casais...” Mas vejam bem, a serpente enrola-se ao redor
dela como se ela fosse um casal.
Pergunta: Ela está se enrolando ao redor das partes masculina e feminina dela?
Há sempre essas duas partes para começar e elas estão ainda dentro dela.
Dr. Jung: Podemos super que aquele par estava lá desde o começo dos tempos,
um tipo de símbolo eterno daquilo que a serpente, enrolando-se em redor de
uma imagem de masculino e feminino, realmente significa. Como tal seria
uma sugestão de que a inteireza vem da compreensão pelo enrolar da serpente,
de que masculino e feminino estão unidos formando Um, por aquele abraço.
Isto é nada mais que óbvio, simbolicamente.
Como vêem, a função essencial da cratera, sua qualidade mágica de doar vida,
está expressa na serpente que jaz no fundo dela: quem quer que seja envolvido
pela serpente é tornado inteiro, masculino e feminino juntam-se lá. Alguma
coisa semelhante está indicada em “Ela”, quando AYESHA tenta fazer LEO
23
entrar com ela no pilar de fogo... Também podemos nos lembrar do rito nos
mistérios eleusianos, onde o iniciado tinha que beijar uma serpente; isto
significava uma espécie de união. E havia outro rito representando união ao
qual uma serpente dourada era introduzida pela gola e descia sob as
vestimentas do iniciado, sendo retirada por baixo; isto simbolizava uma
completa penetração pela serpente divina. Supunha-se que o iniciado fora
então criado ou gerado como um homem duas-vezes-nascido e obtinha a
imortalidade...
Confiando na Serpente
A cerimônia a está fazendo inteira... mas ela mesma não está fazendo nada.
Usualmente ela é bem ativa, mas aqui ela está passiva e a serpente é ativa.
Sugestão: Isto não tem a ver com a aceitação do princípio divino? A parte
adormecida no útero poderia ser conectada com fé no princípio divino. É
possível conectarmos a serpente com o rio da vida?
Sua aceitação da serpente indica que ela está fazendo amizade com o elemento
que antes ameaçava destruí-la completamente. Quando ela consegue isto,
experimentará um efeito muito peculiar. Por isso mencionei o paralelo com os
mistérios eulesianos, onde o iniciado tinha que beijar a serpente, o que era
asqueroso e terrificante. Isto era feito porque significada união com a serpente
o que por sua vez significava a entrada de Deus. Deus entrava no corpo do
iniciado que então era chamado entheus, significando Deus dentro. Um dos
títulos de DIONISO era ENKOLPIOS, que significa “na vagina”. DIONISO
entra nos iniciados como se ele fosse o falo e cada iniciado uma vagina. Ele
está, então, contido nos iniciados, seus seguidores, e como tal é chamado
ENKOLPIOS.
Desta seqüência podemos ver que a loucura que ameaçava nossa paciente era
na realidade um pânico pela proximidade imediata de Deus... Se alguém se
identifica com tal emoção simplesmente explode em pedaços e a conexão com
Deus não se acaba. Mas se podemos nos destacar deste pânico, se podemos
25
suporta-lo, podemos penetrar nele, e então Deus entra no iniciado. Por isso a
paciente é vista aqui numa atitude passiva, entregando-se completamente e
aceitando a atividade do inconsciente, que se enrola nela como uma serpente.
Isto, em si mesmo, é um momento terrível: nada poderia ser mais terrível do
que ser atacado por uma sucuri – pode-se morrer de medo. E sem erguer um
dedo, ela tem que agüentar aquele momento supremo, quando o próprio medo,
a serpente, enrola-se em volta dela. Agora, se ela é capaz de fazer isso, ela
será capar de suportar o medo, e com isso obter muitas vantagens. Porque é
um momento supremo quando alguém pode suportar a investida de um tal
pânico, e este é o modo como ela poderia ultrapassar o perigo que a ameaçava
no começo. Está claro?
Vejam: se ela fosse capaz de realizar esta visão, ela adquiriria uma espécie de
proteção: qualquer outro poderia se perturbar, mas seria como se a serpente
estivesse enrolada em redor dela e ela nunca mais se perturbaria
profundamente. As coisas poderiam ainda atingi-la, mas ela estaria numa
profundidade mais profunda do que a mais profunda emoção.
Dr. Jung: Sim, Cibele é a lua, e o crescente é seu emblema...Que a própria Lua
devesse descer e tirar nossa paciente do perigo é um simbolismo bem
fantástico, mas psicologicamente significa que a sua completa rendição aos
poderes inconscientes os tornou seus amigos: agora o inconsciente funciona de
modo proveitoso e produz um milagre em seu favor. A mente ocidental nunca
aceita a possibilidade de que o inconsciente possa ser outra coisa além de um
terrível estorvo, que ele possa fazer outra coisa além de causar neuroses do
estômago ou do coração, ou trazer sonhos ruins; ela nunca supõe que o
27
As pessoas normais
Dr. Jung: Eu não acho que eles reprimem suas emoções, especialmente. Eles
são pessoas muito confiantes que nunca chegam muito perto do fogo, apenas
pessoas comuns para quem o mundo nada significa em particular. Para eles
aquela montanha é inteiramente inofensiva, ela é chamada a Grande Mãe só
por causa da sua forma um tanto massuda; e a atividade vulcânica não tem a
menor importância. É a velha avozinha fumando seu cachimbo. Naturalmente
fica-se queimado chegando muito perto. “Nós nunca vamos lá”. Como vêem,
eles são as pessoas comuns que nada encontram no mundo para se maravilhar,
para eles a história inteira do mundo é uma história “só assim”. Esta paciente
ficou espantada que tais pessoas pudessem existir, que lhes fosse permitido
existir sem ficaram neuróticos. Mas eu me lembro de ter dito a ela: “Você não
deveria se espantar, porque de certo modo você é “diferente”. Diferente de
outras pessoas, está fora da ordem usual, assim tem certas experiências
peculiares: por isso tem que saber mais do interior da montanha”. Outras
28
pessoas não sabem disso porque elas nada encontram em suas vidas que as
force a saber; elas vivem num mundo de todo dia onde nada extraordinário
acontece.
O que é isso? Temos que nos lembrar sempre do fim da visão anterior para ter
uma pista que nos permitirá decifrar a seguinte. Ela acaba de chegar da aldeia
de pessoas normais, onde o mundo é uma história “apenas isto”, e agora está,
provavelmente, bastante perplexa, não sabendo se eles são loucos ou se ela é
louca... Esta é a situação na qual começa a nova fantasia.
29
Comentário: o peixe traz a ela uma pedra que se transformará outra vez em um
jóia e assim ela percebe que ela própria não era uma daquelas pessoas comuns,
que ela com certeza ganhou alguma coisa...
Dr. Jung: Mas que deve ter sido perdida, uma vez que o peixe a trouxe de
volta. Como foi isto perdido?
Resposta: Depois que ela esteve com as pessoas comuns, por certo tempo ela
perdeu sua crença naquelas experiências.
Dr. Jung: Exatamente, foi isto que aconteceu. As pessoas podem ter as mais
extraordinárias experiências no curso da análise, mas quando elas saem para o
mundo, esquecem-se delas. Quanto mais elas se afastam daquela montanha,
menos impressiva ela parece; ela apenas fumega e a experiência é esquecida.
O que eles ganharam é perdido, como o anel de POLYCRATES, que teria
sido perdido no oceano se o peixe não o trouxesse de volta. Sob a influência
desta gente da aldeia, a mulher perdeu sua preciosa experiência, que na
realidade é um tesouro se como tal é conservada na consciência.
Dr. Jung: Sim, o âmbar é uma substância muito preservativa; as mais tenras
algas e os mais delicados órgãos de insetos microscópicos podem ser
conservados nele. Reminiscências de milhões de anos atrás estão
maravilhosamente preservados no âmbar.
O Âmbar
Dr. Jung: Poderia ser a dela mesma, a lembrança do seu próprio sofrimento.
Vamos ver. Ela diz:
Dr. Jung: Isto é verdade. Primeiro, ela foi ameaçada com imediata destruição
pelo vulcão, depois salva de um modo miraculoso... Ela tinha tido uma
tremenda experiência... e o mundo em que ela chegou depreciou-a... Ela saiu
33
Visão: (cont.) Senti que tinha que livrar a face de dento do âmbar,
mas não podia.
Resposta: a feitura de uma tal pedra está sempre conectada com grande
sofrimento.
Dr. Jung: Esta é, realmente, a idéia; ela não pode entrar na posse do “lápis”
sem sofrer. Ele significa individuação, que só pode ser obtida através do
sacrifício. A lembrança do sofrimento torna uma pedra particularmente
preciosa; uma jóia que não carrega a lembrança de muito sofrimento, de
muitos medos, dificilmente tem um valor, porque as coisas boas bem cedo
34
O Animus aprisionado
Comentário: É o Animus.
Dr. Jung: E obviamente o Animus positivo, porque ele aparece aqui como uma
absoluta contraparte masculina. Isto também explica o grande sofrimento; o
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permite que sua disposição cegue sua mente, mas pode reconhecer que ela é
característica e deixá-la de lado, este é o começo do aprisionamento da Anima.
Depois de certo tempo ele será capaz de dizer à sua disposição de ânimo:
Você não tem direito de existir, vou colocá-la num tubo de ensaio para
analisá-la. Isto certamente importa num enorme sacrifício... engarrafar a
Anima exige um esforço sobre-humano, então eu reconheço a extraordinária
proeza que é para uma mulher por de lado o Animus... para análise.
hábito, é uma pedra. Quanto mais se torna um hábito, mais dura e mais forte
será a pedra. Quando esta atitude torna-se um “fato consumado”, a pedra será
um diamante.
Dr. Jung: O senhor nunca deve fazer tais perguntas. – se já vimos um salvador
ou uma virgem santa. É absolutamente certo que não... mas talvez algum dia
alguém possuirá um diamante. Se alguém fala dessas coisas não a possui; e
quando alguém a possui, porque falar?
Agora o Animus real sai da pedra – e ele não deveria ser engarrafado.
Conservar o Animus num tubo de ensaio é um expediente temporário. Tem
que ser feito até estarmos a salvo, até que nada foi deixado da velha
concupiscentia, ou o espírito mau tomará posse outra vez. Mas estando
suficientemente livres e se a pedra foi feita, podemos tirar o lacre e deixar
aparecer o novo Animus. Então poderemos ver o que ele faz, como se
comporta.
Neste caso, o homem que surge está amarrado com correias e atravessado por
flechas, e isto é bem compreensível, é o resultado do que ela já fez. Ela tinha
que acorrentar o Animus para suprimir suas opinações sobre coisas e descobrir
o que elas realmente eram. Ela tinha que submetê-lo para chegar a uma
experiência imediata. Como vêem, o Animus é como um filme entre a
realidade e a mente de uma mulher...É como uma névoa ante seus olhos... Um
39
Visão: (cont.) Ele fugiu de mim com grande rapidez. Até que
chegou a um enorme precipício. Lá ele gritou como ÍCARO: “Eu
vou voar.” Eu respondi: “E como ÍCARO, serás morto.”
Lentamente e com grande pesar ele voltou para mim e ajoelhou-se
ao meu lado.
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O Animus tenta retomar sua antiga posição no mundo dos objetos, ele quer
saltar para o espaço outra vez e enchê-lo com ilusões. Ele quer atingir o
impossível, o SOL. Mas ela lhe dia: nem mais uma chance de voares por aí
criando mais ilusões. Nada de opinações aqui. Então ele deita obedientemente
ao lado dela... Este é um grande momento nas suas visões... é um enorme
conseguimento ser capaz de dizer ao Animus: Couche toi... Mas e agora? Qual
é a situação de uma mulher com um Animus obediente, ou de um homem que
controla sua Anima?
estar certos de que se ela controla seu Animus, ela entrará numa situação
extremamente difícil; ela será testada...
Visão: Desci muitos degraus para dentro da terra preta até que, por
fim cheguei a uma catacumba onde jaziam muitos mortos.
Estamos de novo numa viagem HADES adentro. Como emergiu esta situação
da anterior?
Dr. Jung: O precipício sugere uma descida, uma queda... As tumbas são
HADES, ou o submundo, o lugar das sombras; e HERMES PSICOPOMPO, o
guia das almas, está conduzindo... à morada dos mortos... Em “Ela”, a Anima
mora nas tumbas, cercada por múmias; o corpo do seu anterior amante grego,
KALLIKRATES, mantém “Ela” na tumba. Encontra-se uma idéia similar em
“Atlantide” de BENOIT: ANTINEA, a rainha, vive num lugar onde ela tem
um enorme mausoléu de todos os seus amantes anteriores...
Visão: (cont.) Passei por eles até que cheguei a um homem morto
cuja carne era vermelha. Ele era muito bonito e pensei que fosse
um índio.
42
Dr. Jung: Sim, dentes são, em geral, amuletos, uma proteção contra o mau
olhado ou “perigos” da alma. Esta é outra variação do tema da jóia.
isto significa um desafio para a ordem antiga, então nem bem se livra ele de
um demônio, já os outros estão contra... tentando trazê-lo de volta ao redil da
Mãe Natureza...
Porque temos que estar cientes de que nos arriscamos a uma solidão incomum
se controlamos o Animus ou a Anima. Porque cria-se uma participação
mística se não os controlamos; quando alguém permite que uma parte de si
mesmo ande por aí e se projete em outras pessoas, isto dá uma sensação de
estar “conectado”. E a maior parte das conexões no mundo é desse tipo. A
participação mística oferece esta aparência de conexão, que nunca é realmente
uma conexão, um relacionamento; ela apenas dá a sensação de ser uma ovelha
no rebanho. E isto é, certamente, alguma coisa; porque se alguém se
desqualifica como ovelha, estará forçosamente fora do rebanho e terá que
sofrer uma certa solidão. Mas então terá a chance de restabelecer uma
45
conexão, e desta fez ela poderá ser um relacionamento consciente que é muito
mais satisfatório.
Por causa de alguma dificuldade como esta, um índio aparece agora, e não
está completamente vivo. Ele ainda tem a potencialidade da vida, e se assumir
um papel de guia, saberemos que ela desistiu de sua responsabilidade e de
novo está se submetendo ao Animus. Assim, é importante ver o que ocorre em
seguida. Quando ela toma o colar de dentes do pescoço do índio e continua
andando, isto mostra que ela não entra aqui numa regressão, que ela não se
submete ao Animus. Pelo contrário, ela tira dele o talismã.
Depois nossa paciente continua dizendo que ela chegou a um fogo com
chamas azuis e que manteve os dentes sobre ele e eles se transformaram em
jóias vermelho-sangue que queimavam suas mãos. Porque ela os manteve no
fogo?
Dr. Jung: A chama azul seria adequada para tal propósito, azul é a cor
geralmente usada para expressar o espírito. Mas porque deveriam os dentes ser
espiritualizados?...
Dr. Jung: Exatamente isso, mas agora ele já não controla seu sentimento. Ela
tem o seu poder – os dentes.
vítima inocente. Mas aqui este sentimento está simbolizado por uma jóia
vermelha, então aí deve haver alguma coisa mais para isto, do que poderia ser
expressado por um quente coração vivo. Para o quê aponta esta jóia?
Dr. Jung: Esta pedra preciosa tem a ver com o centro da mandala; encontra-se
nela, de novo, a idéia do cristal, e desta vez acontece que é vermelho. Uma
gema é uma coisa verdadeiramente imutável, poder-se-ia dizer uma coisa
quase eterna, e sendo semelhante a uma estrela na sua qualidade, é o
equivalente de uma estrela. Assim, refere-se ao centro da mandala, refere-se a
SI-MESMO (SELF), que aqui aparece no sentimento. Naturalmente, quando o
Animus está na posse disto, ele tem um poder quase místico, ele está
circundado pelo tabu de algo quase divino... Se um homem primitivo
transgride seu tabu, ele morrerá; ele se sente tão só e rejeitado que prefere
morrer. Acontece o mesmo com o Animus ou a Anima, eles são tabus
viventes, se nós os violamos, provavelmente nos encontraremos num diabo de
situação cheia de transtornos; necessitamos uma força tremenda para controlar
o Animus e a Anima. Isto explica porque ter a força para fazer isso é
geralmente simbolizado pela posse de um precioso talismã – um feitiço
apotropáico para afastar o mal que resulta da violação do tabu. Depois nossa
paciente disse que as jóias queimavam sua mão. Por que isto?
49
Dr. Jung: Mas dificilmente é possível que sua libido fosse suficiente para
aquecer as jóias ao gosto de queimar sua mão. O corpo não poderia produzir
tanto calor
Pergunta: Não é como as pedras na cidade branca que feriram seus pés?
Dr. Jung: Justamente. Na cidade branca havia tanto resplendor que ela não
podia suportá-lo e agora ela está numa situação semelhante. Estas jóias
vermelhas não são tão insuportavelmente brilhantes como a cidade branca,
mas são tão não naturalmente quentes que são quase mais do que ela pode
lidar... Agora, porque são elas tão quentes? E porque era a cidade tão
resplandecente?
ser conduzida a um outro teste. Aqui temos o teste das jóias vermelhas. Se ela
puder suportá-lo, saberemos que ela pode quebrar o tabu do Animus. Ela
estará em condição de segurar sua própria jóia. Até aqui o Animus tem tido
que carrega-la, ela não podia suportar a dor da queimadura.
Dr. Jung: Não, isso de modo algum é difícil. Eu lhe digo: quando chegamos a
algum lugar próximo deste calor e não podemos toca-lo, simplesmente
viramos as costas, instintivamente. Quando nos deparamos com a coisa
inacessível, sabemos disso... Naturalmente, as pessoas muitas vezes são tão
venturosamente inconscientes, que julgam nunca ter encontrado uma tal coisa,
mas isto é apenas a névoa do Animus. Se elas abrissem um pouquinho os
olhos, saberiam que haviam encontrado o tabu vivente – quer sob a forma de
uma introvisão ou compreensão que teria sido possível, ou como um
sentimento, uma emoção, uma experiência que era intocável.
Dr. Jung: eu não sei qual era a sua situação consciente... Mas se ela tivesse
percebido que isto era um teste, ela certamente teria feito o melhor que
pudesse para agüentá-lo... Se alguém está agarrado à própria vida, se
empenhará mais do que se estiver apenas segurando seu guarda-chuva; se
estamos pendurados à beira do telhado de um edifício de seis andares,
51
Dr. Jung: Decididamente. Mesmo que ela não saiba conscientemente o que
está acontecendo nesta visão, a visão mostra que ela adquiriu mais força, mais
consciência como pessoa, porque agora ela leva a coisa adiante. Ela pode
apoiar-se na pedra. Como percebem, estas coisas são muito sutis, mas da
maior importância prática. Elas simbolizam as decisões fundamentais que
ocorrem dentro dos seres humanos – e estas são as decisões importantes.
“SEMINÁRIOS SOBRE VISÕES”
PARTE VIII
SPRING 1967
2
Dr. Jung: Sim, um anel sempre significa uma união, assim ela está se
comprometendo quando usa o anel, e ele está transmitindo a ela sabedoria,
desta forma. Sabem, pelos contos de fadas, que muitas vezes a sabedoria é
transmitida na forma de um anel mágico. Há uma estória sobre um Boy (um
tipo de Conde) da Tunísia que certo dia pediu ao Grão Vizir que lhe dissesse a
palavra que muda o prazer em dor e a dor em prazer. Ele disse que mandaria
cortar a cabeça do Vizir se ele não encontrasse a palavra dentro de três dias e
três noites. O Grão Vizir viu-se num tremendo embaraço. Foi à Academia da
Mesquita mais próxima para saber se a palavra era conhecida lá, mas todos
sacudiram a cabeça: era absolutamente desconhecida. Ele foi então para o
3
Tao é o Caminho
Dentro do anel está escrito: “Este é o caminho para aqueles que conhecem”.
O que significa isto na realidade?
Caos! Ó Caos!
Entendem isto? Ele não pode viver por nenhum outro tabu. Como vêem, tabus
são modos de viver. Pessoas que estão sob um tabu podem viver de acordo
com as linhas prescritas pelo tabu, mas uma vez que o transgridem só podem
viver de acordo com as suas consciências. E se violam este caminho, estão
completamente perdidas, porque então terão violado o inconsciente, a mãe
todo-doadora e, depois disso, nada mais lhes resta... Como podem ver, a mãe
todo-doadora era o tabu de LAO-TSÉ. Agora, como poderia esta paciente
violar seu próprio caminho?
Dr. Jung: Sim, a coisa mais comum é que a pessoa se sente mais ou menos
no deserto, em absoluta desolação, e então volta para a multidão, perdendo a
compreensão do TAO. Isto é fatal, é aquilo que não se deve fazer. Porque
então se perde o grande valor que uma vez foi tocado, e se alguém perde
isso, alguma coisa muito ruim acontece, alguma coisa destrutiva. Com
freqüência tem os mais destrutivos efeitos sobre a saúde também.
7
Sem falar dos casos que vi na minha prática, temos o famoso exemplo
histórico de ANGELUS SILESIUS, o poeta místico do séc. XVII, que já
mencionei várias vezes. Ele era um protestante, e como um protestante ele
concebeu a série de poemas místicos que compõem seu belíssimo livro “Der
Cherubinische Wanderamann” (O Andarilho Angelical). Neste livro ele quebrou
os tabus da sua época, ele criou uma inteiramente nova compreensão da
relação do homem com Deus... indo além do protestantismo para uma
compreensão quase psicológica da experiência mística. Mas isto estava muito
à frente do seu tempo... Ele se viu sozinho no deserto e aí perdeu a coragem.
Sentindo uma muito natural necessidade humana de companhia, buscou isto
no passado (da Igreja). Porque no futuro nada se vê, não vemos ossos amigos
no futuro, ou nossos companheiros espirituais: só podemos vê-los no passado
– atrás de nós. Assim, ANGELUS SILESIUS converteu-se do protestantismo
para o catolicismo, e teve então uma terrível neurose, perdendo por completo
seu dom poético. Ele escreveu cinqüenta e duas polêmicas venenosas contra o
protestantismo e morreu miseravelmente num monastério. Como podem ver
ele foi um homem que se voltou contra o TAO. Ele deveria ter tido a coragem
de sustentar seu isolamento sob todas as condições; tendo tocado uma coisa
tão preciosa, deveria ter permanecido na solidão que estava designada. Todo
aquele que chega a tocar um tesouro como este está forçado a uma certa
solidão.
Caem as estrelas
Resposta: O fogo.
Dr. Jung: Sim, nós já o encontramos na cratera. Era uma antecipação. Agora
ela tem que passar através do fogo como uma purificação; o fogo significa
uma grande eclosão de paixão que ela tem temido... Porque o fogo da paixão
pertence à natureza animal... Qualquer coisa com a qualidade da intensidade
animal, ou da rapidez, ou da impulsividade é expressa metaforicamente pelo
fogo... e passar através do fogo é o símbolo do superá-lo; não se extingue o
fogo, porque ele não pode ser extinto, mas agüenta-se a provação. Esta é a
razão pela qual certas seitas hindus secretas valorizam a arte de caminhar
sobre brasas incandescentes sem se queimar. É uma aplicação concreta deste
simbolismo... Também DANTE teve que atravessar o fogo para queimar os
últimos resíduos do amor terreno; só então ele pode entrar no céu. Assim,
este fogo é uma explosão de paixão, da mais indomada concupiscentia, e isto
fará descer sobre ela a lei eterna. Então ela encontrará seu destino, então ela
estará no seu próprio lugar, ela será exatamente aquilo que está destinada a
ser. Concupiscentia é a expressão do Si-Mesmo (SELF) enquanto estamos na
consciência do Ego.
Pergunta: Mas por que estas chamas podem atingir as estrelas e trazê-las
para baixo? As estrelas deveriam estar fora do alcance da concupiscentia.
Dr. Jung: É verdade. Elas estão acima da nossa concupiscentia. Mas elas são a
consumação daquele fogo...
O que é isto?
Resposta: Um mandala.
Dr. Jung: Sim, é como um mandala oriental. No centro há uma poça, que
poderia ser o disco de ouro, o grande vazio, a vesícula germinal, o lugar do
9
Vi certa vez uma mandala que sugeria isso. A figura do paciente estava no
centro, e caiam estrelas no centro, também, significando que mesmo as
estrelas são constituintes do SI-MESMO. Este pensamento é muito difícil
porque tem a ver com as correspondências cósmicas do homem, uma idéia
inteiramente não científica, saída do inconsciente... Ainda assim, a idéia de
almas transformando-se em estrelas, ou descendo de estrelas, é muito antiga.
A estrela de Belém era a alma de CRISTO que desceu sobre a terra. Outra
idéia bem conhecida que para nós parece quase infantil, era que depois da
morte as almas viajavam para suas estrelas, que elas eram então como
estrelas...
deveria estar consciente de que ela está imbuída com as estrelas... Vejam:
isto carrega aquilo que é chamado o aspecto eterno, o encarar as coisas sub
specie aeternitatis; encaramos, então, a vida humana, não na sua perspectiva
pessoal comum, mas na perspectiva impessoal de um decurso cósmico...
certo modo o mesmo... No fim ela se deita para dormir. Isto indica que todo o
seu recente desenvolvimento está se esvaecendo, tornando-se inconsciente. É
um fim bem negativo de uma visão que começou de modo tão esperançoso...
Na visão seguinte, veremos uma tentativa semelhante outra vez, sob
diferentes condições.
O que é isto?
Dr. Jung: Sim, o sacerdote é o Animus... E aqui ele faz uma proclamação
pentecostal. Ele desempenha um papel importante... tendo se tornado de
novo poderoso pela posse do tesouro que caiu no inconsciente coletivo.
Porque o tesouro é poder... no sentido de que representa a força instintual do
inconsciente coletivo.
Dr. Jung: Sim, para que possam atuar de novo... Penso que terem estado
juntos no templo refere-se à mesma coisa que a estátua chinesa na última
visão. A paciente sabia que a principal idéia na filosofia chinesa era a união de
pares de opostos. Ela disse a si mesma: “O alto é edificado sobre o baixo. O
direito é tão bom quanto o esquerdo. A noite é dia e o dia é noite”. Ela tomou
este ponto de vista e ele provou ser um ponto de vista de Animus, porque foi
meramente adotado. Tal colocação tem que ser adquirida por experiência, e
isto significa fogo e dor. Não pode haver fogo, nem sofrimento, se os pares de
opostos estão unidos. Quando conseguem legitimamente juntar os opostos,
chega-se de uma vez a um nível onde não há dia nem noite, onde tudo é
relativo, nem isto nem aquilo. É o estado que os hindus chamam ananda, a
consciência na bem-aventurança, a condição de BRAHMAN. Mas ela não a
mereceu, na realidade ela se apavorou com ela. Assim, os pares-opostos têm
que ser separados, para que a batalha possa começar outra vez.
Aqui o Animus está realizando, como se numa dança cerimonial ou num “rito
de entrada” o que ela mesma deveria fazer... O escaravelho, o khepera,
simbolizou, e ela sabe disso, o renascimento do sol. Verde significa o verdor, a
vegetação, a primavera é um renascimento espiritual. Ainda mais, o
simbolismo do renascimento sempre implica uma nova união dos opostos no
processo de transformação. Mas junta-los numa condição estática é um
compromisso lastimável. Pode-se dizer tristemente: “Infelizmente, sim, preto
é branco e branco é preto”, mas isto produz uma mistura indiferente, uma
parada apática. A união só é correta quando os opostos crescem juntos num
processo vivente. Os jovens aqui quase arruínam a si mesmos, eles se ferem
até que seu sangue jorre sobre a terra; deste modo eles são sacrificados
14
Agora veremos até que ponto ela está em condição de apreender o significado
do escaravelho... Ele representa o renovar da libido, e a questão é qual era
sua atitude em relação a ele. Tomará a libido novamente o seu próprio
caminho como um desempenho do Animus? Ou aparecerá ela mesma em cena
na visão seguinte e continuará sua aventura?
15
Preto e Branco
Sim, ela retomou o caminho. O fato de que esta corrente de metal derretido
corre paralela a ele, significa que agora ela está perto de uma corrente que
poderia ser a corrente da vida. Mas, neste caso, ela é perigosamente quente.
A nova libido está incorporada nesta correnteza derretida que poderia ter
fluido de um corpo cósmico a uma temperatura tremendamente alta.
Visão: (cont.) Bati à porta de uma grande casa preta com muitas
bandeiras esvoaçantes... e uma estranha criatura com duas
cabeças de animal abriu-a para mim. Passei através da casa e
cheguei a um jardim além dela.
Talvez este seja um templo, com bandeiras de templo. Não sabemos. Uma
criatura com um corpo humano e duas cabeças de animal sugere,
obviamente, o diabo... Onde estamos nós agora, o que pensam?
Resposta: No inferno.
16
Dr. Jung: Mas passamos para um jardim; isto sugere a idéia de Paraíso.
Inferno pode ser a margem do fogo que se tem que atravessar para chegar ao
jardim.
Porque uma coluna, um símbolo fálico no lugar da poça, que era um símbolo
materno? E poder-se-ia dizer também, que a poça significava uma descida,
era uma cavidade no chão, e a coluna significa uma subida. Porque isto se
elevaria justamente agora?
Dr. Jung: Sim. Ela está no fundo do inferno. Ela só pode subir. E porque é
branca a coluna?
Dr. Jung: É a luz na escuridão do inferno, o princípio oposto. O fato de que ela
está lá, nos dá a chave para saber como é a nossa estrutura interna. Tivemos
uma cidade branca com uma poça preta e agora uma cidade preta com uma
coluna branca. Isto sugere o T’AI CHI, o signo chinês dos dois peixes, um
preto com um centro branco e ou outro branco com um centro preto. Ela
simplesmente cai da condição de um lado para a condição do outro... e a
criatura que abriu a porta para ela parecia ser uma espécie de diabo, ou
elemento ctônico... Devemos entender esta coluna branca como a idéia de
subida, simplesmente. É o Yang no Yin; ela está agora em Yin, e a coluna é
Yang, o poder masculino celestial em contraste com as escuras profundezas
aquosas...
17
Resposta: Ela tem que desistir de si mesma para encontrar a si mesma, como
deveria ter feito na poça.
O verbo inglês “to look at” não transmite esta idéia esta idéia, mas o alemão
corresponde, “betrachten”, também quer dizer “tornar prenhe”. “Trächtig”
significa estar “prenhe”, “carregar crianças”, mas só é usado para animais,
não para seres humanos. Assim, olhar par ou concentrar-se num objeto
transmite para ele a qualidade da prenhez. E se está prenhe, está vivo,
produz, multiplica. Este é o caso com qualquer imagem fantasiosa. Concentra-
se nela, depois já é difícil conserva-la quieta; ela fica inquieta, altera-se,
alguma coisa se acrescenta a ela ou ela se multiplica; a pessoa a imbui com
poder vivente e ela torna-se prenhe... Mesmo seres humanos se comportam
assim... Se queremos saber algo de um paciente devemos olhá-los
firmemente. Então ele pensa que sabemos tudo sobre ele, embora não
saibamos nada.
Quando esta mulher olha para o mar... é como se o germe de alguma coisa
latente no inconsciente aparecesse quando ela o fita intensamente. Ela
simplesmente olha dentro do espaço vazio – isto é, dentro daquilo que é
chamado inconsciente – e aparece o navio.
Dr. Jung: Sim, e lá a vela preta era um augúrio sinistro, significava morte, a
morte de TRISTÃO. Ele esperava em vão. “Tristão e Isolda” é a história de um
grande amor, por isso os anéis; um anel sempre indica uma união. A figura na
proa enfatiza o fato de que o navio é feminino – a figura de uma mulher na
proa é freqüente – mas aqui o navio é uma mulher com velas pretas. O que
sugere isto?
19
Resposta: A Anima preta, mas uma mulher não devia ter uma Anima.
Dr. Jung: No caso de um homem seria uma Anima preta; na realidade, aquele
navio estava trazendo ISOLDA; que era a Anima de TRISTÃO, apenas as velas
pretas a ocultavam. Mas já que uma mulher não tem uma Anima, aqui é a
parte “sombra” da paciente. Seria natural para tal navio vir do inconsciente,
porque a cidade preta da visão anterior significava o Self preto nas
profundezas. Assim, logo que ela olha para dentro do inconsciente, ela vê
assomar este navio.
Resposta: Seria outra vez como o Yang e o Yin no símbolo chinês, o T’Ai Chi.
Dr. Jung: Sim, como as duas figuras semelhantes a peixes e com olhos
contrastantes, outra vez... Ao meio-dia, quando o dia está no seu cume, o
germe da escuridão aparece, e similarmente, à meia-noite o germe do novo
dia já começou. Este quarto em que ela entra é o germe da nova luz.
Dr. Jung: Mas a pele não é um animal vivo, é a pele preparada de um animal.
Dr. Jung: Sim, é um animal abstrato, porque a pele foi destacada, retirada.
“Abgezogen” significa alguma coisa “retirada”, mas significa também alguma
coisa destilada ou abstraída.
Dr. Jung: Bem, é um animal que foi desnaturalizado; ele foi esfolado. Mas
esfolar fazia parte de um famoso rito sacrifical... No México todo ano um
criminoso era esfolado, depois o sacerdote entrava na sua pele para
representar o Deus. Simbolicamente, isto significa que o homem tem que ser
desnaturalizado para chegar a Deus. Desnaturalizar o homem em favor dos
Deuses tem sido sempre uma idéia religiosa. Poder-se-ia dizer que os
monastérios foram grandes instituições esfoladoras e que as práticas ascéticas
dos eremitas cristãos eram tentativas de sair de suas velhas peles – como se
eles fossem lagartas, e esfolando-se, poderiam tornar-se borboletas.
Como disse São Paulo, é a idéia de descartar o velho Adão para revestir-se de
Cristo. Ou como a primitiva idéia africana sobre a chegada da morte ao
mundo; eles pensavam que, originalmente, os seres humanos eram como
serpentes que trocavam suas peles uma vez por ano: mas então uma velha
mulher distraída entrou de novo na sua pele antiga e assim veio a morte ao
mundo. A idéia de esfolar é realmente arquetípica. Assim, o tapete de pele
refere-se, provavelmente ao animal esfolado, significando a consciência
animal que foi transformada numa consciência destacada. Agora, um animal
consciente é uma consciência instintiva, e, portanto compulsória, uma
consciência que é sempre dependente, sempre em participação mística com
as circunstâncias – como a consciência de uma pessoa que não pode imaginar
21
algo além do que está debaixo do seu nariz, que não pode pensar
hipoteticamente ou levantar suposições, que não pode dize o que faria se...
Agora aqui a paciente está prestes a descobrir alguma coisa que até agora
operou inteiramente no escuro, alguma coisa que pode explicar muitas. Esta é
a serpente enrolada sobre o tapete de pele... A serpente de sangue frio
significa alguma coisa inconsciente. Como um símbolo está localizada (pela
Yoga-Kundalini, por exemplo) na espinha inferior, que é profundamente
inconsciente. Isto faz com que a serpente, muito obviamente, pareça
representar Yin, embora aqui nós a encontremos representando Yang, isto é,
já que ocupa o centro da área Yang na escuridão do navio Yin. Como é
possível isto? Como pode Yang, o brilho e a claridade do dia, em que tudo é
evidente em si mesmo, existir também na escuridão, como um demônio do
sub-mundo, como uma serpente? No entanto é isto que nos está sendo
mostrado aqui.
No início da análise muitas pessoas encaram seus sonhos como uma atividade
imaginativa, sem nenhum real significado. Elas admitem que se pode tirar
22
Isto é que torna interessante interpretar e analisar visões como estas, que se
fossem apenas pessoais, seriam insuportavelmente maçantes. Inicialmente,
lendo-as sem qualquer elaboração, é possível ficar impressionado apenas pelo
seu caráter subjetivo, que é fastidioso além de qualquer descrição. Não posso
dizer-lhes como me aborreceram, como as achei desinteressante. Durante
muito tempo elas me enervaram e eu não podia tocá-las... Somente quando
se pode ver atrás do subjetivo e do pessoal nelas, pode-se perceber que estas
visões são uma expressão de um problema muito geral, que elas estão
demonstrando diferentes aspectos do desenvolvimento inconsciente para
trazer esse desenvolvimento um passo à frente, um passo mais perto do
destacamento da consciência...
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Dr. Jung: Não é apenas uma repetição, embora tudo que já dissemos sobre a
serpente esteja aqui também, esteja resumido aqui outra vez... A serpente,
como vimos, é geralmente a encarnação do princípio Yin, frio, úmido, escuro e
assim por diante, mas agora nós a encontramos no meio de Yang. Assim,
aqui, a serpente simboliza alguma coisa que é Yin e também Yang. O que é
isto?
Dr. Jung: E na filosofia chinesa é TAO. Em TAO “sim” e “não” são o mesmo;
eles são expressos em um símbolo reconciliador. Aqui o símbolo reconciliador
aparece no inconsciente sob o aspecto negativo da serpente. Isto confirma
uma vez mais o estranho fato de que em Yang as coisas são contra-atuadas
por um princípio que, embora pareça negativo, é mesmo assim na realidade,
de suma importância, porque efetua a união dos opostos – isto é, TAO...
Resposta: inconsciente.
24
Para ela, este símbolo central tão importante nada mais é do que uma
serpente enrolada sobre um tapete de pele. Ela procura um ser humano e não
o encontrando, diz:
No Livro Tibetano dos Mortos está relatado que, imediatamente após a morte,
o morto percebe a Luz Clara, o Corpo Divino de Verdade, o Dharma Kaya. Mas
a luz é tão ofuscante que o homem morto geralmente vira sua cabeça e
procura luzes menores, mas opacas e mais turvas, e estas são as ilusões.
Mas, se ele é capaz de reconhecê-las como ilusões, cada passo que ele dá em
direção a elas, oferece-lhe a possibilidade de voltar para a clara luz branca. De
outra forma, no fim da série de ilusões ele uma vez mais encontra as fantasias
de concepção e renascimento; então desaparece num útero e nascerá outra
vez. Como vêem, é a mesma idéia; se os mortos pudessem apenas apegar-se
à luz perfeita que encontraram no começo, eles se salvariam de todos os
sofrimentos envolvidos num novo nascimento. Da mesma forma poder-se-ia
dizer: se a paciente pudesse apenas entender o significado daquela serpente,
ela não necessitaria ler a tábua, nem precisaria buscar mais. Mas ela joga fora
essa possibilidade, porque é demais, muito difícil, e ela não sabe de forma
alguma o que está enfrentando. Assim, ela tem que seguir a verdade menor.
Isto acontece muitas vezes com pacientes no curso regular da análise. Para
começar eles têm sonhos muito importantes, e se eles pudessem saber, então
o que eles significam, poderiam saber tudo aquilo que estão trabalhando para
encontrar. Mas eles não podem, assim têm que seguir o caminho da ilusão e
tentar verdades menores, até mesmo talvez, erros palpáveis. Em cada estágio
o paciente tem uma chance de ver a ilusão, mas são não a vê, tem que
continuar e continuar mais para baixo no caminho do erro até que encontre
uma verdade menor que ele possa alcanças. Então poderá subir de novo. Mas
a lei sempre se confirma: que no começo está a maior possibilidade e no fim,
a menor.
Dr. Jung: É isto mesmo. TAO é o caminho certo, e conhecer o caminho certo
seria navegar! Em mares desconhecidos encontra-se o caminho certo
calculando a longitude e a latitude, e para isso precisa-se um compasso e uma
esfera. E para encontrar a posição exata de alguém, é necessário ainda algo
mais.
Sugestão: Inteligência.
Assim, pode-se ver que as muitas formas dogmáticas de religião são variações
diversificadas da verdade. Tomem os exemplos escolhidos por CRISTO para
explicar o Reino dos Céus: cada um é uma pequena parte da verdade, nunca
a verdade inteira, mas apenas um aspecto dela. Quando ele compara o Reino
do Céu a uma pérola preciosa, a palavra pérola associa-se nas mentes de seus
ouvintes a idéias que nada têm a ver com o Reino do Céu; assim, isso poderia
na realidade desvia-los. Colocar a jóia sobre o altar e adorá-la é idolatria, e
isto certamente é contrário a tudo que pretendia o ensinamento original.
Mesmo assim, há um cerne de verdade atrás de todas essas analogias: se o
Reino do Céu é chamado uma pérola preciosa, ou o tesouro enterrado no
campo, ou um grão de semente de mostarda, não importa: é ainda uma e a
mesma coisa. Se entendermos isso, podemos usar as analogias sem nos
confundirmos, mas a mente simples é apanhada por isso. Vejo isso sempre e
de novo, quando uso muitos exemplos para explicar uma verdade psicológica.
Uma pessoa é pega por um aspecto, outra por outro, e essas são
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Descer da luz original significa então entrar no erro; mas quanto mais alguém
está no erro, maior é a sua oportunidade de descobrir a verdade. É como se
alguém fosse agraciado com suporte ou uma escada. Vejam, quando CRISTO
fala da pérola preciosa, todos sabem o que é, e se não está absolutamente
cegado pela paixão do valor na forma de dinheiro, entende que é um símbolo.
Ainda assim, pensar que o Reino do Céu é a coisa de valor, ou que valor é a
verdade, é também um erro: valor não é a verdade, porque o Reino do Céu é
ao mesmo tempo sem importância; de outro ponto de vista é a semente de
mostarda, que é nada, e não tem valor algum. Isto parece uma absoluta
contradição, mas se alguém entende o conceito de CRISTO do Reino do Céu,
sabe que isto não é uma contradição.
No caso desta mulher, vemos que a primeira luz foi rejeitada, porque ela não
conseguiu apreende-la; a segunda, a tabuleta que explicava TAO, é rejeitada
também; e assim ela tem que ir mais para baixo, para o porão absolutamente
escuro do navio... Isto significa o acontecimento atual. Se não podemos
compreender o que nos é dito, se não podemos percebê-lo, então acontecerá
e acontecerá às cegas. Como vêem, esta escuridão é a culminante negra
escuridão do acontecimento. O acontecimento pode abrir os nossos olhos – há
pessoas que aprendem com a experiência, mas em geral não; elas dizem:
“Que engraçado!”, mas não tiram nenhuma conclusão. Podemos supor, então,
que ir ainda mais para baixo levará esta mulher a alguma experiência
pertencente à esfera da ação.
Dr. Jung: E o que significa que ela depara com estas figuras primitivas
acorrentadas?
Dr. Jung: Sim, ela depara com suas próprias tendências primitivas
acorrentadas. E o velho é primitivo também: porque certamente a idéia de um
feiticeiro é muito primitiva. Agora, como está ele conectado ao TAO?
Dr. Jung: Então agora ela chegou a uma figura capaz de lhe falar sobre TAO.
(LAO-TSÉ significa “Velho Homem”, não como um nome individual, mas como
um título: assim ela chegou do TAO TEH CHING a LAO-TSÉ). Sob condições
primitivas, se ela não compreendeu algo, ela naturalmente iria até o pajé, o
sábio da tribo, e ele lhe explicaria. Este é um desenvolvimento perfeitamente
lógico, mas certamente é um erro. Que erro está envolvido aqui?
Dr. Jung: Sim, mas além deste, há o erro ainda maior de pensar que algo
pode nos ser dito sobre o TAO; é preciso experenciá-lo para entender. Mesmo
assim, ouvir falar é a única possibilidade: se ela alguma vez tem que chegar a
algum lugar perto de TAO, será através de LAO-TSÉ. Mas porque deveria ela
ser lembrada aqui de seus instintos acorrentados?
Dr. Jung: Penso que o Sr. está certo. Ela possivelmente não poderia
experimentar TAO se os instintos primordiais estivessem soltos à sua volta;
eles a distrairiam. Eles colocariam TAO fora de questão, porque TAO é o
oposto absoluto. LAO-TSÉ diz: “Ele é tão quieto, tão quieto”. Antes que essa
quietude possa ser experimentada, os instintos têm que ser acorrentados, e
na imagética da visão isto significa que a primitiva mente-Animus tem que ser
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acorrentada. De outra forma ela não entenderia nem siquer ouviria o que o
velho dia... Assim, ela saberia melhor! Agora, que livro está lendo o velho?
Dr. Jung: Sim, o livro das cinco mil palavras, que contém a essência da antiga
sabedoria chinesa. Ele simboliza sabedoria formulada, sabedoria cunhada, a
sabedoria que pode ser transmitida... Um livro é um grande símbolo tanto no
Ocidente como no Oriente: o sábio sempre escreve um livro contendo todos
os segredos da vida. Os escritos de HERMES TRISMETISTOS, por exemplo,
constituíram um livro de sabedoria perdida que tinha que ser redescoberto;
que continha grandes segredos também, uma tentativa de formulação da
verdade última...
Dr. Jung: O porão não é um símbolo de TAO, ele apenas aponta o TAO.
Começando lá, no fundo, ela aprenderia primeiro, que os instintos têm que ser
acorrentados para que, aquietados o suficiente, possa ser ouvido aquilo que o
velho está lendo no livro da sabedoria. Ouvindo isto, ela ganharia certo
conhecimento e, seguindo-o se elevaria até o convés superior, onde
encontraria a tabuleta e então leria aqueles símbolos nela que indicavam
navegação com a cabeça. E o trajeto que ela tomaria seria o da serpente,
seria o caminho certo, TAO. Descendo o porão, ela volta à verdade do
começo, mas o porão é também um erro, porque quanto mais ela se afasta de
TAO, mais ela está em erro. Mesmo assim, se ela não tivesse sido capaz de
ouvir as palavras do sábio (se os instintos primitivos não tivessem sido
acorrentados), ela teria que recuar ainda mais e cair em mais erros, em uma
situação totalmente diferente de TAO. Agora, entretanto, se ela seguir a
sabedoria dele, no caminho certo, ela poderia chegar a TAO.
31
O Conceito de TAO
É muito difícil explicar o conceito de TAO para uma pessoa que não tem
alguma idéia dele. Um professor inglês que eu conheço teve a seguinte
experiência quando pediu a um filósofo chinês que lhe explicasse TAO. O
chinês começou com todas as espécies de abstrações: ele disse que TAO era o
todo das coisas, o caminho certo em concordância com as leis do Céu, e assim
por diante... Mas para a mente do ocidental suas explicações nada
significavam, eram demais “... ar”. Mesmo assim o professor insistiu até que
por fim o chinês perdeu sua paciência angelical e levou o professor à janela.
“O que está vendo lá?” ele perguntou. “Eu vejo casas, bondes, pássaros
voando”. “E o que mais?”. “O rio”. “E que mais?”. “Sopra um vento forte”.
“Bem”, disse o chinês já bastante desesperado: “aquilo é TAO”.
Assim, ele conduziu o professor mais e mais para o erro; porque, para a
mente ocidental o vento sopra porque há uma depressão barométrica, os
bondes passam porque a Administração mandou construí-los corretamente, e
as árvores estão lá porque a Prefeitura mandou planta-las para embelezar a
cidade. Não há nenhuma lei eterna governando essas coisas, elas são apenas
banalidades da existência comum. Mas o chinês as vê como uma: para ele
elas pertencem uma à outra e expressam o continuum da vida. Custou dois
mil anos de educação filosófica para que ele visse as coisas dessa maneira;
mas a mente ocidental está absolutamente excluída deste modo de ver. O
ocidental fica mais e mais objetivo sobre as coisas quando elas são trazidas
para baixo até a realidade... e naturalmente, os objetos são os nossos piores
“desencaminhadores”... O professor simplesmente pensou que o chinês era
muito idiota e não deveria ser tão concreto para explicar TAO. Ter explicado o
seu processo por uma teoria cognitiva teria sido permitido, mas falar de
bondes nada tinha ver com conceito.
Dr. Jung: Sim. Ele poderia ter pensado: “Aqui está um tolo fazendo perguntas
que um sábio não responde”.
32
Dr. Jung: De certo modo ele não é humano. Mesmo assim ela está lá para
aprender alguma coisa com o velho. O que seria?
Dr. Jung: Exatamente. Ela deveria aprender dele que ela não pode atingir TAO
sem ter seus “primitivos” acorrentados. Como vêem, ele está absolutamente
indiferente à situação toda, ele até ignora a pergunta, mostrando que esta é a
33
atitude que ela deveria aprender. Ela deveria aprender a não se interessar
nem mesmo por um fato lamentável como aqueles pobres homens em
correntes. Naturalmente cada ser humano tenta fazer alguma coisa por eles, e
a idéia geral é que eles deveriam ser libertados... Mas é melhor resolver os
próprios problemas e não se preocupar com os deles. Entramos numa
condição de participação mística quando espalhamos nossos problemas sobre
outras pessoas: quando nos interessamos pelo que eles deveriam fazer para
resolver seus problemas, o problema já não é mais nosso. Num estado de
participação mística como este, nós infestamos todo mundo com a nossa
própria inferioridade, nossos próprios defeitos, e isto não faz bem a ninguém.
Podemos fazer muito pouco bem para os outros. A idéia de que fazemos bem
às pessoas, dando, por exemplo, é uma delusão. Nós os estragamos com isso
e só estamos dando prazer a nós mesmos. Pensamos que somos
maravilhosamente generosos e nunca pensamos nas pobres vítimas da nossa
generosidade. Somos bondosos com os outros sem nunca perguntar se é isso
que eles merecem. Algumas pessoas merecem que não sejamos bondosos.
Quando nos damos a elas estamos nos favorecendo auto-eroticamente,
estamos nos aquecendo com o pensamento da nossa maravilhosa bondade,
mas as estamos prejudicando, conduzindo-as mais ainda ao erro. Assim,
precisamos uma certa dose de crueldade. Se estivessem livres, aqueles
homens acorrentados poderiam matar outras pessoas e nós também... A
verdadeira bondade pergunta: “A quem estou fazendo esta doação?”... De
outra forma trata-se de amor e bondade indiscriminados, o que é apenas
vício.
Aqui nossa paciente deveria aprender a ter uma atitude reservada. Poder-se-
ia dizer que isto é desumano, e perguntar por que deve ela sê-lo. Mas porque
está o velho reservado? Ele está reservado com um propósito. Seu objetivo
não é tratar bem outras pessoas, mas desenvolver-se e completar a si
mesmo, e aperfeiçoar-se. Os Senhores nem sabem como as pessoas ficam
agradecidas se nós nos afastamos; muitas pessoas agradecerão a Deus por
não as estarmos importunando. E que esperança para o futuro!
Podemos voltar amáveis e completos, enquanto antes éramos uma
sanguessuga, uma peste medonha. Quando alguém se afasta pode nos
alegrar, ele poderá curar-se. Ou talvez ele esteja morrendo, desaparecendo,
34
Resposta: Uma espécie de verdade que não vem através do intelecto, mas do
inconsciente e da natureza.
Dr. Jung: Sim. Ela também significa imagens, ilustrações; este livro contém
desenhos que demonstram as coisas simplesmente aos olhos e aos sentidos.
Tais desenhos emergem muito naturalmente do inconsciente, da natureza
tanto de dentro como de fora. Eles não são pensamentos dirigidos nem
abstrações construídas por uma mente com propósitos, eles são revelações da
natureza. Os desenhos e visões desta mulher são também repletos com
revelações da natureza e não com pensamentos conscientes propositais. A
referência aqui, podem observar, é para o livro de visões que ela escreve e
ilustra com sua própria experiência. Qual é o outro sentido da palavra
“iluminação”?
Dr. Jung: Oh, sim, quase me esqueci do gato. Usualmente o que são gatos?
Resposta: Aqui eu penso que o gato significa uma espécie de instinto; mas
uma forma domesticada; os homens primitivos têm que ser acorrentados,
mas o gato não.
Dr. Jung: Isto é certo. Vejam o gato é instinto feminino e não está
acorrentado, está livre, indicando que o instinto feminino está absolutamente
em paz com o velho. Mas aqueles homens tinham que ser acorrentados,
porque eles são poderes masculinos selvagens que poderiam sobrepujar o
feminino, se postos em liberdade. Eles representam o poder mental do
Animus, enquanto o gato é instinto feminino que está de acordo com a
sabedora... Mas o gato aqui é também uma alusão a alguma coisa
mandraqueira no mundo consciente da paciente. Porque se ela não
percebesse o velho – e isto quase acontece de novo – se ela passasse por ele
sem entender, qual seria a situação? Disto podemos ver o que está o gato
pressagiando. Se uma mulher apenas de apossa do velho, se assimila
inconscientemente aquela figura de sabedoria, de modo que ele é meramente
uma espécie de “subentendido” dentro dela, qual será o efeito?
Dr. Jung: Sim, pela mente natural, pela sabedoria da serpente. Então ela
desceria ao mundo animal, ela seria uma bruxa. Poder-se-ia dizer que uma
bruxa é semelhante a uma mulher intelectual. Evidentemente, ela não é
intelectual na realidade, é a sabedoria da natureza falando através dela, e não
a dela mesma. Fala através dela do modo da serpente, o mais dúbio e
insinuante, e ajuda em coisas que não deveriam ser ajudadas. Toca em
pontos vulneráveis das pessoas, diz inteligentemente coisas que não deveriam
ser ditas. Mas se de algum modo ela toca pontos vulneráveis, nunca deveria
fazer isto sem preâmbulo; ela deveria ser muito cuidadosa para introduzir
este assunto todo... de forma que a pessoa para quem ela fala perceba que
ela está consciente do que faz... Se ela simplesmente deixa escapar as coisas
sem saber o que está fazendo, significa que ela está numa condição de
feiticeira, e isto tem um efeito que cega e confunde, é como fazer magia
negra. Porque o arquétipo do velho é muito poderoso, como é poderosa a
sabedoria. Conhecimento significa poder e se esse conhecimento permanece
inconsciente, ele opera como a natureza, e a natureza é cruel, absolutamente
36
Agora continuaremos com a nova série de visões. Tendo adquirido uma certa
idéia do TAO nesta série, não podemos imaginar bem como será a próxima
seqüência. Vejamos.
A casa do feitiço
Resposta: O intelecto.
Dr. Jung: Sim, a mente discrimina e corta e é, por isso, simbolizada por um
instrumento cortante, uma faca ou uma espada. A faca está no chão e, depois
de pegá-la ela desce por um longo caminho na montanha. Este é, outra vez,
um movimento descendente, assim o chão, a terra, está enfatizada. A questão
é se um sacrifício deve ser esperado ou se a faca – sua mente discriminadora
– será usada para cortar ou dissecar alguma coisa...
Dr. Jung: Sim, a situação é análoga. Ela atingiu certa compreensão de TAO
certa introvisão – a compreensão é sugerida pela altura, já que ela estava no
topo da montanha – e agora há de novo um movimento da luz em cima para
as coisas que estão embaixo. Ao pé da montanha há uma cidade e ela a
atravessa até chegar a uma casa em cuja porta o sinal da cruz está feito com
sangue. Isto é bastante singular.
Dr. Jung: Sim... ela indica sacrifício; assim, esta é a casa de sacrifício, bem
como também uma casa cristã, muito provavelmente, uma casa cristã. O que
lembra os Senhores a cruz escrita em sangue na porta?
Dr. Jung: As ombreiras da porta pintadas com sangue eram então um feitiço
apotropáico contra a peste; aquele sinal pretendia indicar que a casa devia ser
poupada. Da mesma forma, a cruz na porta sempre foi uma magia contra o
mal.
O perigo que ela correu quando desceu a montanha pela primeira vez foi o
perigo de contaminação pela mentalidade coletiva. E aqui há a alusão a uma
epidemia. Sonhar com uma epidemia é bastante comum, e geralmente
38
simboliza contágio pela mente coletiva. Assim, ela está descendo de novo a
uma atmosfera coletiva, e a primeira coisa que encontra é a cruz, que tem
aqui o valor de um encantamento apotropáico [solvente] contra a infecção
coletiva. Agora ela diz:
Resposta: Esta é a casa da bruxa, o que mostra que sua introvisão foi apenas
parcial, apesar de tudo.
Dr. Jung: Exatamente. Ela tomou conhecimento de alguma coisa, mas não da
coisa em si: assim, a atmosfera agora é mandraqueira. A faca parece ser
mágica, porque quando ela toca a porta com ela a porta se abre. É como a
raiz mágica de mandrágora que abre todas as portas; se tocamos a fechadura
com mandrágora, a porta se abre. A posse de uma faca mágica a caracteriza
como bruxa; ela entra na casa por magia, e encontra uma sala escura.
Também o sinal pintado com sangue sobre a porta é estranho e os corpos
carbonizados das serpentes sugerem bruxaria; queimar os corpos de
pequenos animais como sapos ou serpentes sugere um cerimonial de
bruxaria. Aparentemente houve um sacrifício aqui, mas um sacrifício de
serpentes.
Pergunta: Isto tem alguma coisa a ver com a fênix que ressurge de suas
próprias cinzas?
Esta idéia é muito uma parte de nós mesmos e a encontramos mesmo hoje
em dia entre os espiritualistas. Há uma teoria interessante num livro de SIR
OLIVER LODGE intitulado “Meu Filho RAYMOND”. O rapaz foi morto na guerra;
aparecendo posteriormente como espírito, respondeu a todos os tipos de
perguntas sobre a vida após a morte. De suas respostas concluíram que
aquilo que chamamos matéria, no mundo do além consiste de moléculas
exaladas da substância na superfície da terra. Certo calor causa um
movimento das moléculas, que são então exaladas para a atmosfera como
odores; pode-se cheirar um tijolo, por exemplo, como se pode cheirar um
cigarro. Estas moléculas estão sendo levadas para cima, para a atmosfera
mais rarefeita, onde são coletadas por espíritos, cujas asas, construídas de
odor de tijolos, têm a mesma forma que tiveram na terra,
Do mesmo modo como os mortos eram queimados para que suas almas
pudessem elevar-se ao céu, todas as suas vasilhas e pertences eram, ou
queimados junto com ele ou quebrados e abandonados. Isto porque também
têm almas que vão para o céu quando são quebrados e servem outra vez seus
donos mortos. Esta idéia deu origem a terríveis sacrifícios humanos feitos
muitas vezes quando reis pré-históricos morriam... (Em Ur, no Egito, e entre
os hunos, por exemplo).
Aqui a vida da serpente está misturada com a vida do fogo (e qualquer alma
ígnea que possa ser o resultado, evaporou-se no ar). Mas a bruxa interessa-se
pelos resíduos queimados. As cinzas desempenham um grande papel na
atuação mágica, porque a qualidade mágica ainda está nelas... Esfregando as
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cinzas na sua mão esquerda, ela está tentando trazer o mana específico de
renascimento ou lidando aqui com a mescla de duas formas de mana, as
quais, juntas, produzem o espírito volátil. Certamente ela não sabe o que está
fazendo, isto apenas ocorre com ela... O lado esquerdo representa o
inconsciente, porque o direito é mais associado com a consciência, assim o
que ela faz é esfregar este espírito no inconsciente. (Por isso o caminho
mágico no tantrismo chama-se caminho da mão esquerda). Depois ela usa o
fogo para tornar a faca vermelho incandescente...
Dr. Jung: Sim, porque o calor dá energia. Ela está provendo com libido a
mente natural que brota do seu inconsciente, a fim de trazê-la mais para a
vida. Na prática, isto significaria prestar menos atenção às opiniões artificiais,
ao costumeiro intelecto racional, e mais atenção às revelações naturais de
dentro. Embora ela tivesse certa noção da natureza do TAO, ela não a
entendeu. Mas agora, seguindo a mente natural, ela é capaz de perceber
melhor do que se trata, porque a mente natural vem de TAO. Em seguida ela
disse que tocou o teto da casa com a faca e a casa inteira desmoronou, e ela
se viu sozinha no deserto à noite, com o fogo ardendo ao seu lado. Como
veem, a coisa que perdura é o fogo; ela está de novo associada ao fogo, fonte
de libido e de calor. Ela parece estar em contato, com o poder ardente da
natureza. E não está mais numa casa, esta livre dela; então agora temos que
42
Dr. Jung: Sim era apenas uma associação. Agora as duas coisas separaram-
se, e são então, pares-opostos; de um lado está a religião coletiva,
plenamente conhecida e altamente valorizada, e de outra lado está a bruxaria,
que é tida como muito má, e também uma insensatez tão abstrusa e indigna
de remédios tão abstrusa e indigna de crédito que sua existência parece
demais estúpida. Mesmo assim, a visão afirma que ela tem sido praticada
nesta casa.
43
Magia e Símbolo
Dr. Jung: Sim. Enquanto um símbolo tem vida, de modo que realmente
oferece soluções – de modo que funciona – toda a magia está contida nele e
não há bruxaria. O conflito entre a fé cristã e a bruxaria pode ser visto nos
Atos dos Apóstolos no que está dito sobre Simão Mago. De acordo com a
lenda ele era um gnóstico e foi chamado Simão, o Feiticeiro, mas o relato
sobre ele nos Atos é unilateral, uma distorção: na medida em que foi uma
pessoa histórica, tratava-se presumivelmente de um sábio, mas lá ele aparece
como um mero feiticeiro, querendo apenas assombrar pessoas tolas. Há
referências a Simão Mago em outros textos cristãos antigos, não incluídos na
Bíblia, que falam dele como oposto aos Apóstolos; estes faziam milagres em
nome do Espírito Santo, enquanto ele os realizava por magia negra. E no
Velho Testamento, na estória dos milagres dos bastões transformados em
serpentes e depois outra vez em bastões, há a mesma oposição (Moisés
perante o Faraó).
havia com certeza, alguns verdadeiros taoístas, e nos últimos anos tem
havido um movimento religioso na China que muito curiosamente corre
paralelo ao que está em andamento na Europa; isto é, a decadência da Igreja
oficial – na China seria a decadência do Confucionismo – e a volta ao Taoísmo
numa forma renovada e muito mais positiva. No curso da história,
repetidamente vê-se a contaminação do símbolo mais alto pelas baixas
práticas de magia: é como se o símbolo, na sua altura, atraísse a si toda a
baixa magia, e mais tarde – quando fica fraco e desgastado e não mais é
portador das forças da vida – ele afunda e se fragmenta e aparece nessas
formas inferiores. No Cristianismo esse período crítico foi atingido quando
ocorreu o grande cisma na época da Reforma; então feitiçaria, bruxaria,
magia negra sob todas as formas brotaram.
Processos contra a bruxaria não apareceram até o quinto e sexto século, que
foram períodos críticos na transição da Igreja Universal; desde então,
entretanto, tais desenvolvimentos têm sido cada vez mais evidentes. O
espiritismo – que equivale, hoje em dia, a uma religião – é uma destas formas
inferiores de magia, e a clarividência é outra; mesmo assim, essas coisas são
agora mais ou menos reconhecidas.
Dr. Jung: Sim, ela volta à mesma visão, mas desta vez ela vê através de seus
próprios olhos... Poder-se-ia pensar que essas almas estivessem na corrente
da vida, que elas estão no lugar certo lá. Mas ela diz que elas são
“apanhadas”, o que soa como uma crítica, como se elas não devessem ser
apanhadas, nem arrastadas na água. A que alude isto?
Dr. Jung: Naturalmente, o que ela vê lá é ela mesma, ela vê que está sendo
arrastada na corrente. Pode-se estar na corrente da vida de várias formas:
pode-se nadar ou ir de bote, ou afogar-se. Estes modos representam
condições muito diferentes. A alma humana aparece para ela como uma
vítima na corrente; isto significa, em uma condição inconsciente, apanhada
inconscientemente na correnteza dos eventos. Obviamente ela agora está
chegando a um certo problema. Qual é?
Resposta: Seriam chamas de consciência, tendo mais a ver com sua mente do
que com suas emoções.
Dr. Jung: Sim, eram chamas de paixão antes e agora a luz é branca.
Dr. Jung: Há uma bela evidência para isto no Livro Tibetano dos Mortos, em
que a Clara Luz do Vazio, o Dharma Kaya, visto primeiro no Chikhai Bardo, é
chamado o “Corpo Divino da Verdade”. Então, este é um verdadeiro símbolo,
é a luz da visão, do entendimento; uma forma de símbolo na qual o fogo
mágico pode ser contido, não mais como o fogo ctônico da bruxaria, que é
puramente emocional, mas como a pura luz da verdade. Porque a verdade é
um caminho de compreensão, um caminho que contem o fogo. O que
geralmente se chama verdade dissolve-se nas chamas da paixão,
simplesmente não suporta o fogo nem contem a água. Mas o critério para a
verdade real é que ela agüenta a fúria de ambos, do fogo e da água. Em uma
das primeiras visões, podem lembrar-se, ela estava entre as chamas e a
água. Esse era o teste.
Dr. Jung: Aquela cidade branca foi o primeiro vislumbre da luz branca; no
tantrismo, a perfeita luz branca é também associada com a idéia de uma
morada, de uma cidade, o lugar sagrado. Assim, podemos esperar que ela
esteja certamente se aproximando de uma experiência central, aqui. Agora a
cena muda.
Dr. Jung: Sim, o fogo ctônico da paixão queima no animal, mas porque ela
está no caminho certo, mesmo o fogo da paixão ou o desejo entra no ritmo
adequado, e segue o caminho.
Dr. Jung: ...A questão dos animais é importante, tão importante que nos
primeiros ensinamentos – não da Igreja, mas provavelmente do próprio
CRISTO – os animais não eram omitidos. Para os membros novos do
seminário vou citar mais uma vez a passagem do famoso papiro
OXYRHYNCHUS, que já mencionei muitas vezes:
JESUS disse, vós perguntais quem são aqueles que nos levam ao reino
se o reino está no céu? Os pássaros do ar e todos os animais que estão
50
Dr. Jung: Sim. Podem ver que os animais que a seguem colocam o problema:
o que deve ser feito com os animais? E a sugestão que se segue é o sacrifício
do touro. Agora, por que mitraismo e não cristianismo? Por que não o
sacrifício do cordeiro?
Dr. Jung: Isto é verdade... Agora ela só pode regredir a uma solução anterior,
ou progredir para uma contemporânea. Este é muitas vezes o caso. Nos
sonhos de pessoas que nada conhecem de MITRAS, observa-se este dilema, e
51
Dr. Jung: Elas vêm diretamente da antiguidade e isto explica o fervor religioso
que encontramos nelas. A tourada de modo algum é meramente um esporte,
ela é quase como uma festa religiosa; tal tremendo entusiasmo aponta
alguma coisa religiosa. E isto é compreensível porque se trata de um
desempenho muito masculino, cujo ponto principal é demonstrar a completa
superioridade do homem sobre suas emoções. Poder-se-ia dizer que o
toureiro, sempre arriscando sua vida simboliza CRISTO; ele tem o valor de um
antigo símbolo religioso. Por esta razão MITRAS foi representado como um
toureiro.
Dr. Jung: Sim, e ela critica aqui o aspecto horrível dos comungantes – suas
faces untadas com sangue. Imaginem um verdadeiro taurobolium, com
sangue verdadeiro jorrando sobre alguém! Era terrivelmente bárbaro. E uma
idéia horrível subjaz na comunhão cristã; tomada literalmente, é uma festa de
canibais. A doutrina da transubstanciação nos obriga a crer que realmente
participamos do sangue e da carne. Mas isto é pesado demais, demais ligado
à terra; é isto que nossa paciente está criticando.
Isto os faz lembrar do cortejo de animais que a seguiu em uma das primeiras
visões? Lá ela voltava ao passado, e quando desceu ao submundo, passou por
templos romanos, gregos e egípcios; depois emergiu novamente, através
dessas antigas religiões, vendo e experimentando seu valor como pré-
estágios. Agora, ela passou pelo culto de MITRAS e está lançando um olhar
para trás sobre todo o desenvolvimento. Anteriormente ela descobriu vida
naqueles templos, mas agora ela vê que eles estão desertos. Ela recebeu tudo
que se poderia ter deles e rejeitos isso.
Comentário: O inconsciente.
Dr. Jung: O mar é o símbolo das coisas que não podemos ver, da extensão
imensa das profundezas insondáveis, das possibilidades sem conta, e a isto
ela está chegando agora, ao inconsciente.
Comentário: Ela não pode levar a tribo inteira através da experiência que a
espera.
Dr. Jung: A questão, originalmente, era o que fazer com os animais, com a
natureza instintual. A proposição do culto de MITRAS foi matá-los, comê-los e
beber seu sangue, e assim assimilá-los, mas depois disso é necessário
assimilar aqueles que assimilaram os animais. Então ela continua até que
chega ao inconsciente, e lá o passado não pode entender o futuro, assim
simplesmente afasta-se dela; isto já não é um problema, porque agora tudo
está dentro dela. Aquelas formas externas, os matadores e suas vítimas
afastam-se e ela é deixada só à beira-mar. Qual seria a coisa sensível que ela
poderia fazer?
Isto é o que ela devia fazer. Enquanto ela estiver em dúvida quanto a esta
possibilidade desconhecida, não deve apenas lançar-se nela, ela não deve sair
nadando, nem há muita chance, diante desta possibilidade desconhecida, de
haver lá um navio esperando para levá-la através do mar sem garantias. Em
geral, nada há, absolutamente, a não ser um paredão vazio e a coisa mais
sábia a se fazer em relação a um paredão vazio é sentar e fixá-lo
intensamente. Olhando para o mar, forçando a própria libido para dentro dele,
nós o engravidamos e então seguir-se-á um renascimento.
Por ter sido para ela uma experiência muito impressionante, ela fez uma
pintura a respeito. Aqui está um nascimento do mar. Teriam uma
denominação para esta mulher?
Dr. Jung: Ela é a dama casada com o mar e, evidentemente, AFRODITE, que
emergiu do mar, que nasceu da espuma, seria uma boa mãe para ela, ela
mostrou o caminho... Tudo depende de como entendemos AFRODITE:
AFRODITE URANIA representa o amor celeste e nada tem a ver com VENUS, a
mãe de todos os amantes. O amor tanto está em cima como embaixo.
Dr. Jung: Mas ela dificilmente pensaria de si mesma como possuindo a aura
de uma santa ou elevando-se das ondas de um modo tão celestial.
56
Resposta: Ela estava perto de TAO, assim eu penso que ela agora está no
ponto em que pode desenvolver o corpo sutil. Este é seu corpo sutil, seu
SELF.
Dr. Jung: Oh, se o Senhor está pensando no SELF, isto é diferente. O Senhor
está correto: esta é a sua primeira experiência de SELF, de alguma coisa
emergindo nela, nascendo do seu inconsciente, que não é ela mesma, que ela
meramente contempla. Esta é a resposta para todos os seus problemas. Como
formulariam isso?
Dr. Jung: Oh, não! Está além dos opostos, como a imagem indica. As duas
ondas separadas sugerem um par oposto, direita e esquerda, e o símbolo
conciliador está no centro. EROS está aqui e LOGOS está lá, mas isto está
além; é o que se poderia designar psicologicamente como a Função
Transcendente. A figura que aparece é a idéia de SELF, o SELF objetivo, que
não é idêntico ao ego; é o não-ego psicológico...
Porque acham que ela teve esta visão do seu futuro SELF neste momento? Em
geral é necessária uma situação muito especial para que o SELF apareça: ele
só poderá aparecer se ela está constituída como uma totalidade; se ela não
está integrada, é completamente impossível. Então temos que constatar que
um processo de integração esteve ocorrendo. Ele foi simbolizado, primeiro,
pelo aparecimento dos animais, depois por aqueles resíduos fragmentados de
mentalidade antiga; assim, sua mentalidade parecia consistir de muitas
figuras dissociadas, parecia estar numa espécie de condição esquizofrênica.
Mas sua condição não era patológica: estas figuras eram como as vinte e
cinco figuras que, podem lembrar-se estão descritas em “O Segredo da Flor
de Ouro” e que aparecem no decorrer da prática da yoga chinesa. Lá, quando
certo estado de concentração e contemplação foi alcançado, os constituintes
da mente inconsciente começam a dissociar e separam-se numa série de
figuras. O número vinte e cinco é apenas simbólico; o que indica é
simplesmente uma multitude de figuras, e isto mostra a atual condição da
mente.
57
Isto está sendo mostrado na visão pelo fato de que ela estava sozinha e que o
inconsciente parecia estar vazio quanto a quaisquer imagens de seus
componentes anteriores; ficaram tão pálidas que se tornaram inefetivas. Ela
poderia ter suposto que nada era para ser visto lá. Mas então ela teve a
sensação de que depois de tudo alguma coisa podia ser vista; então
contemplou o oceano e dele surgiu aquela mulher branca com halo dourado,
que representava a idéia da sua própria totalidade. Agora pensam que estas
visões poderiam terminar aqui, que esta figura representa o sumo de tudo
que pode ser alcançado?
Dr. Jung: É difícil imaginar o que poderia haver além disso. Nunca se deveria
esperar chegar exatamente ao SELF, porque o ego consciente ainda
permanece. Se esta mulher pensou que era idêntica ao SELF, simplesmente
estaria sofrendo de inflação e deveria ir imediatamente a um analista para ser
deflacionada. Mas tal visão de completude é tudo que se desejaria? O que
pensam?
Dr. Jung: Exatamente. Ela poderia ser obtusa, sem coração nem sentimento e
não perceber o que a figura significava; então, possivelmente, teria que pagar
por isso, que enfrentar as conseqüências.
Dr. Jung: Sim, quando nós encontramos a idéia de TAO, ela era bem obtusa,
como viram; então ela desceu a verdades menores, mais errôneas, porém
mais acessíveis... Esta é uma visão esotérica, é a verdade, se ela pudesse
recebê-la. Mas pode ser que ela tenha que sair do interior do templo para as
cirunvizinhanças, por assim dizer onde a mesma coisa será repetida de novo e
de novo, em formas menores. Ela pode ter que se expor ainda inúmeras vezes
ao erro, a outras ilusões, mas cada vez a verdade se tornará mais acessível.
Daquilo que ela diz aqui é difícil ver qual será a próxima dificuldade.
Dr. Jung: Seu gesto de adoração é muito clássico; podemos estar certos de
que seja o que for que ela esteja elevando, trata-se de uma oferenda preciosa
aos Deuses, ou o que quer que esteja acima. Isto é tudo que podemos
concluir, ainda assim somos forçados a supor que deve ser alguma coisa
destinada a alcançar além dela mesma. É antes, como se ela estivesse
justamente ajudando alguma coisa que tem estado submersa embaixo,
elevando-a aos céus. Então, talvez nossa interpretação desta figura como o
futuro SELF seja questionável. Talvez seria mais seguro dizer que a preciosa
59
Sugestão: Poderia ser alguma coisa que ela tem que formar com suas mãos.
Dr. Jung: Esta é uma boa idéia. Embora seu gesto não sugira
necessariamente formar alguma coisa – vejam eu não formei esse cinzeiro,
mesmo assim posso eleva-lo – mas chamá-la um produto seria unir a idéia da
jóia e da criança, alguma coisa que ela produz quando a eleva à luz.
Sugestão: Poderia ser a coisa desconhecida que emergiria da sua vida: sua
função inferior, a parte inferior dela mesma que não é reconhecida nem
apreciada.
Dr. Jung: A idéia de que o último será o primeiro, de que o que estava oculto
virá à luz: uma enantiodromia muito adequada. Isto seria adequado e
explicaria o gesto de invocação desta figura. Aqui, a coisa mais ínfima está
sendo erguida para a luz como a mais preciosa. Mas o que é, permanece
obscuro.
Dr. Jung: Poderia ser o centro diamante, ou a Jóia no Lótus, e a Jóia no Lótus
é o BUDDHA criança... E agora devemos tentar de novo caracterizar a mulher
que está atuando aqui como intermediária.
O Não-Ego
O não-ego então, aparece como uma parte do nosso ego que não podíamos
admitir antes... Então, aqui, um aparente não-ego junta-se ao ego, já é mais
um oposto. Mas aquele não-ego nunca foi o não-ego real, era apenas um fator
62
Então levanta-se a questão se esse fator não deveria ser assimilado em uma
nova e mais extensa consciência do ego. Se temos alguma experiência
telepática por exemplo, ou sonhos proféticos, isto parece indicar que o nosso
ego estaria muitíssimo estendido no tempo e talvez também no espaço, até
que chegamos a uma compreensão do ego que é absolutamente inconcebível:
63
ele se estende tão longe que finalmente somos todas as coisas, somos o
próprio Criador, somos tempo e espaço. Mas esta é uma terrível inflação: é
uma condição neurótica. Tornamo-nos inteiramente irreais, já não somos
seres humanos...
Não existe tal extensão, porque o ego está ali mesmo, uma coisa única,
limitada no tempo e no espaço e aparecendo só uma vez. Se nós
experimentamos alguma coisa que indica tal enorme extensão, então eu digo
que é como uma onda de rádio que começa em algum lugar e que nós não
percebemos, mas que não é nossa propriedade, ou uma parte de nós
mesmos. De certa forma, certamente ela pode tornar-se parte de nós
mesmos, como uma carta que eu recebo da Austrália pode tornar-se uma
parte minha, na medida em que eu a coloco no meu bolso e a uso como
melhor me agradar. Mas ainda assim não sou aquele que a escreveu. Assim, o
conceito que formamos do ego deve ter limitações definidas, e as limitações
são bastante óbvias; elas são espaço e tempo. Estas são as fronteiras da
extensão do ego, além das quais tudo é impessoal. Sempre foi assim e
sempre será. O que quer que esteja além é o inconsciente coletivo.
sombras; elas ainda não foram capazes de experimentar o fato de que suas
sombras são reais, elas têm o maior problema com isto. Mas só quando
houverem entendido isto, poderão encontrar o não-ego mais amplo. Esta é a
razão pela qual “Conhece-te a ti mesmo” é a pré-condição para experimentar
os mistérios. Se conhecemos a nós mesmos, podemos reconhecer alguma
coisa mais. De outro modo não temos medida. Se somos uma quantidade
desconhecida, como podemos reconhecer outra quantidade desconhecida?... O
verdadeiro encontro com o inconsciente coletivo só pode acontecer depois que
integramos a sombra, completando deste modo o ego. Então o ego
completado pode perceber-se a si mesmo como uma unidade frente ao não-
ego, e então ele pode sentir que o não-ego tem um caráter psíquico da
mesma forma que o ego completo tem um caráter psíquico. O não-ego é
sentido como um oposto só enquanto as suas intenções são opostas às
nossas...
A idéia de ego, por exemplo, seria dizer: “Há algo bom no topo daquela
montanha. Seguirei uma linha reta até lá”. Mas o caminho arquetípico não é
assim; é um caminho serpenteado que segue em zigue-zague e espirais até o
topo. Muitas vezes sentimo-nos frustrados por ele e levados a uma parada. As
pessoas ficam extremamente impacientes e mesmo desesperadas quando
nada acontece e elas chegam a lugar nenhum. Elas se sentem impedidas o
tempo todo; não entendem que isto é exatamente como deveria ser, que isto
é realmente sua única oportunidade de chegar ao topo. Porque é a única coisa
que têm que fazer é crescer para isto. O que eles estão tentando alcançar é
uma ilusão deles mesmos, não o fruto do crescimento e do desenvolvimento.
É por isso que o budismo afirma que nunca podemos atingir a redenção, o que
quer que façamos; temos que crescer para isto; mesmo o próprio BUDDHA
teve que passar por mais de quinhentas encarnações para atingir o NIRVANA.
mas estão contidos nele; seus corpos, suas funções, estão maravilhosamente
adaptados à natureza da água, água e peixe formam um continuum vivente.
Este ponto de vista é usado na biologia moderna para explicar os instintos,
porque os fatos mais notáveis foram descobertos sobre a adaptação de uma
forma viva a outra...
Quando aceitamos este ponto de vista temos quês supor que a vida é
realmente um continuum e destinado a ser como é, isto é, toda uma tessitura
na qual as coisas vivem com ou por meio uma da outra. Assim, as árvores não
podem existir sem os animais, ou animais sem plantas, e talvez animais não
possam ser sem o homem, o ou homem sem animais e plantas, e assim por
diante. E sendo a coisa inteira uma tessitura, não é para admirar que todas
as suas partes funcionem juntas, exatamente assim como as células nos
nossos corpos funcionam juntas porque são parte do mesmo continuum vivo.
O não-ego, deste ponto de vista, é quase uma conexão; ele é um meio que,
num modo peculiar, é também ele mesmo. Porque como o peixe pode dizer:
“Eu sou o mar”, assim o mar pode também dizer “Eu sou o peixe”. Pode
definir o indivíduo como sendo aquela Mônada, aquela unidade ou concreção,
que é aparentemente destacada da tessitura do inconsciente coletivo. E talvez
seja apenas o modo pelo qual ele é destacado, apenas o tamanho ou a forma
como é cortado, que indica o indivíduo particular, um tendo mais desta
substância e menos da outra, esta forma ou aquela forma. Mas todos são
sempre feitos da matéria do inconsciente coletivo; daí o extraordinário
relacionamento e semelhança entre o inconsciente coletivo e o SELF.
Individuação
TAO
Muitas pessoas nunca sentiram tal realização natural em toda a sua vida,
porque são completamente distorcidas. Mas elas a experimentariam
instantaneamente se pudessem libertar-se de suas distorções. Neste
momento elas experimentariam TAO.
69
“SEMINÁRIOS SOBRE VISÕES”
PARTE IX
SPRING 1968
2
Dr. Jung: Sim. Eu concordo com o Senhor. – Pégaso está muito bem,
enquanto significa fogo, entusiasmo divino, intuição de palavras e
pensamentos divinos. Mas a situação torna-se questionável quando ela
monta nele. Isto não é uma coisa tão simples, uma vez que ela é feita de
matéria mortal. Entretanto, não quero ser cético. Temos que esperar para
ver como progride a fantasia. O que pensam do vôo deles?
Comentário: A negridão em volta deles mostra que ela não perdeu de vista
o perigo da sua posição.
Dr. Jung: Sim, era a sombra do Espírito Santo. Podemos dizer que as
nuvens pretas são a sombra do cavalo branco, simplesmente o aspecto
inconsciente dele. Toda essa negridão seria uma insinuação do fato de que
este cavalo branco, o que quer que ele signifique, projeta uma sombra
bastante negra. Mesmo assim, por enquanto, ela supera a sombra.
Ela jaz sobre a cruz. Vou mostrar-lhes a pintura que a paciente fez disso.
Dr. Jung: Sim. O Senhor está certo quando interpreta a figura crucificada
no chão e incapaz de erguer-se como o ser pessoal e subjetivo. Ela é a
vítima sacrificial, a oferenda à estrela, a vítima daquele que se elevou com
Pégaso. Aqui vemos alguma coisa do conflito e da tragédia humana: de um
lado, a figura semi-divina elevando-se com Pégaso à cidade branca da
promessa; de outro, a figura sendo crucificada nesta cidade, sendo
inteiramente destruída. Agora, o que é a estrela ou jóia no fim do bastão?
5
Dr. Jung: O Senhor a compararia a uma planta, sendo a jóia a flor num
caule que cresce do seu coração? É possível fazer esta analogia, mas na
experiência dela não ocorreu deste modo; era antes como se a jóia ou
estrela houvesse descido sob a forma de bastão e atravessasse seu
coração. Aqui, de repente, ela vê todo o problema daquele SELF exaltado
sob uma luz inteiramente diferente, do outro lado. As nuvens desceram, a
negridão revelou-se, esta é a sombra da individuação; de um lado é a
liberação ou síntese de um ser superior, e do outro, esta sombra terrível, o
sacrifício do ser pessoal e terreno.
Comentário: Para atingir a estrela ela tem que matar seu si-mesmo pessoal.
Dr. Jung: De certo modo, sim. Ou poder-se-ia dizer que na medida em que
aquela estrela se manifesta, ela será necessariamente crucificada; em
outras palavras isto a força a tornar-se CRISTO... Como regra, a idéia
motivadora de uma nova religião, vem do simbolismo da religião que a
precedeu. Por exemplo, a idéia motivadora de uma nova religião para
suceder a era cristã seria que todos são CRISTO, que CRISTO é meramente
a projeção de um mistério inteiramente humano e que na medida em que
tomamos de volta para nós a projeção de CRISTO, cada um de nós é
CRISTO.
Não sou o único a ter tido esta idéia, outros pensaram nisso também:
JAMES JOYCE, por exemplo. Na cena do bordel, em ULYSSES, o profeta
prega em gíria americana, sua linguagem é ultrajante, blasfema, mas há
algo de extraordinário nela. “Apressem-se!” ele diz, “Unam-se aqui mesmo
para a Junção da Eternidade!” ou: “Agora estão íntimos com CRISTO e
SATÃ!”. Há seis pessoas lá, três meretrizes e três homens, e ele se dirige a
cada um pelo nome, KITTY CRISTO, FLORRY CRISTO e assim por diante. Ele
faz de todos eles um CRISTO.
6
No Egito, a alma imortal era projetada no Faraó, como OSIRIS. A idéia era
que só ele era imortal; todos os outros deviam morrer e desaparecer, se
não podiam subir na barca do Deus-Sol quando ele atravessava os céus. O
Cristianismo descendeu desta antiga idéia religiosa. Mas CRISTO disse que
todos tinham um OSIRIS, uma alma imortal; assim, aquilo que antes
pertencia só ao Deus tornou-se propriedade de todos. Depois da crucifixão,
entretanto, as pessoas comportaram-se como crianças irresponsáveis, elas
se livraram dos seus fardos e os despejaram sobre CRISTO. Mas agora
vemos que todos têm que se tornar adultos responsáveis, todos têm que
viver suas próprias vidas do seu próprio modo, sem imitar ninguém mais,
ou acreditando que é algum outro que não ele como é realmente. Então
agora seremos sacrificados. Agora cada um é um CRISTO e na medida em
que é um CRISTO, é sacrificado.
O que pensam desta passagem? Há uma analogia cristã, embora não deva
ser considerada muito literalmente.
Resposta: A ressurreição.
Dr. Jung: Sim. A lança foi retirada da ferida. CRISTO morreu, foi enterrado
e então veio a ressurreição. Temos que discutir esse simbolismo cristão,
porque ele está no nosso sangue; sempre o tomamos como certo e nunca
pensamos que poderia ser psicologicamente simbólico...
7
Não há muito tempo conversei com uma pessoa muito original que está
passando por experiências espirituais muito estranhas – não sob minha
influência, mas por ela mesma. Ela é, na realidade, um caso limítrofe, e ela
me disse: “Pensar sobre Deus é muito lindo, mas há algo de terrível nisto;
9
Dr. Jung: Sim. Seria a libido biológica da manhã da vida. Podem ver que a
mulher que está crucificada viveu apenas a primeira parte da vida, e o
outro aspecto dela mesma é viver a segunda parte. A frutificação da terra
expressa aquele tipo biológico de vida meramente pessoal, e a outra pessoa
nela, como vimos muitas vezes no curso destas visões, simboliza a segunda
parte, o resultado último, a forma impessoal de vida. Assim, quando a
mulher crucificada reconhece o fato de que seu tempo acabou, ela está
superada, e isto é simbolizado pela cruz. Porque deveria ser assim?
Conhecem a simbologia da crucifixão de CRISTO? Quando ocorreu?
Dr. Jung: Sim. Mas em particular era o sacrifício “dos primeiros”, das
primeiras frutas do campo, dos primeiros vegetais, dos primeiros cordeiros
e outros animais jovens. E CRISTO, o primogênito de Deus, é também
sacrificado no tempo do equinócio vernal. Este sacrifício de jovens era
chamado em Roma o versacrum, a primavera sagrada. O que simboliza
isto? Por que deveria a juventude ser sacrificada nesta época? Por que
devia, afinal, ser sacrificada?
Dr. Jung: Aquilo era projetado. Esses sacrifícios ocorreram muito antes das
projeções astrológicas.
Dr. Jung: Sim. Poderíamos dizer que as melhores coisas do momento eram
sacrificadas para propiciar os Deuses do futuro, para assegurar uma fértil
continuação do ano.
11
Comentário: A visão diz que ela fecundou a terra durante um tempo muito
prolongado. O que quer que seja sacrificado agora não deve ser para a
terra, mas para os Deuses.
Dr. Jung: Sim. Isto tem o valor do sacrifício vernal. A coisa nova nasceu na
primavera. Aquela mulher emergindo das ondas simboliza o nascimento de
uma nova existência, de uma nova parte da vida, e ao mesmo tempo é a
morte daquilo que era anteriormente. E tal morte é um sacrifício, no sentido
de ter que ser uma morte voluntária. É por isso que, no simbolismo cristão,
a morte de CRISTO é voluntária, um auto-sacrifício. Assim, há muitas coisas
o simbolismo desta visão que a tornam análoga ao sacrifício cristão, e
também fazem dela uma ocorrência não natural como o sacrifício vernal da
antiguidade. Nessas associações está apresentada uma das coisas mais
naturais, mas antigas e pagãs, e ao mesmo tempo uma das mais cristãs.
Isto mostra que mesmo quando se tenta afastar-se de tais idéias, se é
conduzido de volta a elas, muito naturalmente, porque este é o caminho da
natureza. Aqui tenho que repetir as palavras de GOETHE que já citei em
outra ocasião: “A Natureza demanda uma morte”. É uma necessidade que
as coisas devam ocorrer deste modo. Assim, quando a paciente, consciente
e voluntariamente, cumpre esta lei, ela está em concordância com a lei
natural. Psicologicamente, isto significa que ela agora chegou ao momento
quando a primeira parte da vida definitivamente termina, e ela tem que, por
isso, sacrificá-la consciente e voluntariamente. Isto agora é passado e um
novo período começa. É através de tal introvisão e de tal decisão que ela
produz a ressurreição da mulher que foi crucificada.
Porque o sacrifício não significa que a vida do corpo deva ser morta para
sempre e que nunca deva retornar; está destinado apenas a indicar uma
transformação. Esta idéia também ocorre – ou pelo menos a ela alude – no
dogma cristão da ressurreição do corpo, porque embora o corpo deva ser
mortificado no sacrifício, a ressurreição corporal inclui a idéia de que o
próprio corpo retornará. CRISTO foi enterrado, seu corpo era um cadáver,
mas ele ressurgiu dos mortos e nada deixou na tumba; seu corpo nunca
12
esteve morto, ele estava vivo e CRISTO voltou com seu corpo. Isto levou ao
dogma da completa ressurreição do homem, e se meditam sobre aquele
símbolo cristão, naturalmente chegam à conclusão de que ele antecipou um
futuro ponto de vista, uma futura ênfase na importância do corpo. Está
chegando um tempo em que se dirá: “Basta desta mortificação, isto omite e
menospreza o corpo”. Ele tem que ser sacrificado no equinócio vernal, mas
ele deve voltar, ele deve continuar a representar o seu papel. Assim, o
sacrifício da psicologia da primeira parte da vida não significa que depois
disso o corpo e sua psicologia ficam inteiramente excluídos. Antes,
continuamos com ele, temos um diferente conceito dele. Porque embora ele
não tenha mais o mesmo propósito, ele precisa viver e viverá. Se
continuamos a psicologia do sacrifício, não prestamos atenção ao corpo ou
tentamos esquecê-lo, então sofreremos sempre de uma dissociação. Mas
quando reconhecemos que o corpo agora está curado, então é realmente
como a ferida de AMFORTAS, estamos sintonizados com ele. Agora, alguma
coisa bastante esquisita ocorre.
Vejam, ambas fazem a mesma coisa, mas a mulher que chegou à cidade
branca montada no cavalo branco, carrega a lança que feriu a outra. Nunca
sabemos o que foi feito da outra mulher, ela se afasta como uma sombra
vazia. Esperar-se-ia que as duas formas se tornassem uma, e que ela
viveria no seu corpo renovado, mas nada disso ocorre aqui; aparentemente
as duas se separam, e aquela com o cavalo branco, segurando a estrela, o
símbolo da individuação, e conduzindo o cavalo, toma seu próprio caminho.
Com isto, esta série de visões chega a um fim e ficamos na dúvida a
respeito do que teria ocorrido com sua sombra, com seu pobre corpo. O que
esperariam depois disso?
Dr. Jung: Aparentemente, tudo leva a uma união, mas o resultado é uma
dissociação. Agora, qual é a analogia histórica? O corpo de CRISTO ficou
inteiro e saudável, mas o que aconteceu então?
Dr. Jung: Ele cumpriu seu destino individual; isto não é a mesma coisa que
a vida pessoal.
Dr. Jung: Não podemos fazer disso uma teoria. Há certas pessoas cuja
tarefa individual não é a comum vida pessoal; por exemplo, certas pessoas
são destinadas a ser monges... Esses casos existem e ocorrem no mundo
inteiro... Também é um fato que muitas pessoas casadas não têm vida
pessoal.
Dr. Jung: Mas ele foi crucificado, seu corpo teve um papel muito grande...
Mesmo assim tenho que confessar que fiz a mim mesmo essa pergunta:
como se teria desenvolvido historicamente o cristianismo se CRISTO tivesse
se casado, tivesse tido sete ou oito crianças para alimentar e uma família
para sustentar? As coisas poderiam ter tomado um aspecto diferente,
então. E outras pessoas fizeram a mesma pergunta também, embora talvez
não numa forma tão direta.
Isto implica certo criticismo, mesmo assim não podemos encarar a vida de
CRISTO de tal ângulo pessoal; só podemos afirmar que ele cumpriu sua
tarefa individual, e por isso sua vida – que foi sua tarefa individual –
tornou-se um símbolo tão importante... As necessidades psicológicas dos
seres humanos de dois mil anos atrás eram totalmente outras do que as de
hoje; uma vida espiritual unilateral era então uma necessidade absoluta;
enquanto aos nossos dias uma existência ascética já não carrega vida, está
morta.
15
Para nós, entretanto, parece haver uma necessidade histórica para que
fossemos ensinados como fomos. Se nossos ancestrais não estivessem
prontos para aceitar tal ensinamento, ele nunca teria funcionado. Porque a
efetividade de um ensinamento está condicionada da mesma forma que o
poder da sugestão. Muitas pessoas pensam que qualquer um pode ser
hipnotizado, que só é necessário dizer “Você não tem dor de cabeça” ou
“Você já não sofre desta ou daquela dor”. Elas não levam em consideração
o fato de que para que a sugestão funcione já deve haver dentro da pessoa
uma prontidão inconsciente para isto. Mas se o sujeito não está pronto nem
inclinado a aceitar a sugestão, pode-se fazer o melhor para hipnotizá-lo,
sem sucesso. E as condições que tornam as pessoas prontas são muito
específicas.
O Poder da Sugestão
Veio à tona que ela tinha um filho idiota que estava na minha enfermaria,
na clínica. Eu não sabia disso, porque ela se casara novamente e tinha
outro nome. Mas este era seu único filho, e naturalmente, ela procurara
sempre um mais satisfatório, um filho que “prometesse” e fosse inteligente.
Eu era um jovem médico e então ela me tomou como um segundo filho e
disse a si mesma: “Eu farei um milagre para ele. Vale bem a pena para mim
fazer algo por ele”. E foi isso o que ela fez: criou uma grande “onda” de
reputação em torno de mim e isso me trouxe os primeiros pacientes: minha
prática psicoterápica começou com uma mãe que me colocou como
substituto para seu filho insatisfatório. No seu caso minha sugestão
funcionou perfeitamente, porque ela estava absolutamente madura, ela
estava pronta para explodir como uma bomba e ser curada de uma forma
espetacular.
Às vezes médicos tentam em vão curar pessoas que se curam mais tarde
em Lurdes ou outro lugar como esse. Geralmente são pessoas que não
acham que vale a pena ser curadas por um simples médico, mas sim pela
glória da igreja, para demonstrar a glória da graça de Deus ao mundo
inteiro. Essa foi a psicologia dos primeiros santos, como SÃO SIMEÃO
ESTILITA, que se equilibrou sobre um só pé em cima de um pilar durante
sete anos. Naturalmente ele se sentava e dormia a intervalos, mas toda a
sua ocupação consistia em ficar de pé sobre uma perna e milhares de
pessoas peregrinavam para vê-lo e maravilhar-se com o poder do espírito,
que o capacitava a fazer uma proeza dessas. Os faquires na Índia também
fazem coisas extraordinárias, e demonstrando o poder do espírito eles
adquirem tal mérito que bem merecem ser chamados santos. Porque é
tremendamente importante que a humanidade seja impressionada pelo
poder do espírito e acredite nele. De outro modo, as pessoas não podem
viver completamente suas vidas, elas degeneram em animais, em
vulgaridade e embotamento.
naquele tempo, quando tal pergunta não poderia ter sido feita, porque não
teria sido possível viver uma vida como a dele se o espírito não tivesse sido
suficientemente forte naqueles dias para que alguém sacrificasse sua vida
pessoal a ele. O efeito da vida de CRISTO foi, como sabem, imediato; em
alguns séculos, cidades inteiras no Oriente ficaram despovoadas, porque
milhares de pessoas foram para o deserto, onde acabaram suas vidas como
eremitas. Isto mostra como estavam prontos para abandonar as formas
costumeiras de existência. Nós não sabemos do que o homem é capaz. Se
alguma coisa acontecesse agora, adequada a este momento como a vida de
CRISTO era adequada àquele, provavelmente veríamos fenômenos muito
semelhantes. Nunca estamos a salvo de tais extraordinários
acontecimentos. Se a palavra certa fosse pronunciada, ou se o símbolo ou
se o símbolo que expressa a maior necessidade do nosso tempo fosse
encontrado, as pessoas seriam tomadas por ele durante séculos, e nunca
fariam perguntas que destruiriam sua efetividade. Estas perguntas seriam
feitas dois mil anos mais tarde.
O Reaparecimento de Dioniso
Dr. Jung: Isto é bem possível. Exatamente como depois do ideal católico de
mortificação do corpo na Idade Média, foram reavivados os sátiros e as
ninfas na Renascença. Agora veremos.
19
Quem é este?
Resposta: PAN.
Dr. Jung: Mas PAN parece bastante doente. Tendo sido ofertado a um
monastério cristão, PAN está emaciado, sua pele esticada sobre os ossos...
Pobre velho PAN sofredor, batizado, domesticado e faminto, tocando sua
flauta sob uma árvore. Esta é a idéia do corpo negligenciado, naturalmente;
PAN sempre representa a vida do corpo e das coisas naturais. Algo tem que
acontecer para tirá-lo de sua miséria.
Assim, nada podia ser feito com ele. Ele estava no fim da sua “corda”, e
agora seu lugar foi tomado por um animal.
Dr. Jung: Não tão depressa. Há um grande problema para ser resolvido
antes.
O que pensam que ele viu? Esperar-se-ia que ele encontrasse a mulher,
mas não, absolutamente, ele viu “...um esqueleto...” Ele encontra apenas
morte na catedral... Ele está demonstrando a ela que o ponto de vista
cristão é vazio e morto.
21
O Animus está mostrando a ela de uma forma drástica que esse ponto de
vista inteiro tem que ser abolido. Mas por que deve ele demonstrar isso
com uma ação tão blasfema?
Dr. Jung: Exatamente. Por isso ela afastou-se de seu corpo... O que
aconteceu é a separação da alma KA da alma BA. Estes são antigos
conceitos egípcios: a alma KA é a alma substancial terrestre; a alma BA,
representada como um pássaro-homem ou um pássaro com cabeça
humana, é a alma espiritual. Elas são como a KUEI e o SHÊN na metafísica
chinesa, que se separam depois da morte, sendo a KUEI a alma física, o ser
fantasma que aparece antes e depois da morte, e o SHÊN, a alma espiritual
que se eleva para a luz, para os mundos espirituais, que desaparece no
princípio YANG, por assim dizer...
Dr. Jung: Sim. Não é natural que sua alma corpórea ande numa direção
diferente da alma espiritual. As duas deviam estar juntas. A separação só
deveria ocorrer depois da morte. Assim podemos esperar alguma coisa
como uma nova união. Este homem antigo deveria fazer alguma coisa com
isto. Quem é ele realmente?
Dr. Jung: Sim. Ele é uma figura de Animus que aparece sob a forma de um
Deus, e esta é uma forma que ele pode assumir facilmente, por causa de
suas qualidades divinas... as qualidades que tornam as mulheres vítimas
sem recursos do seu poder, e destroem aquelas que se identificam com ele.
O mesmo é verdade a respeito da Anima... Estas figuras são divinas como
as antigas divindades foram divinas, tendo o caráter de existir além do bem
e do mal. Elas nunca podem ser encaradas de qualquer ponto de vista
moral.
Depois da Destruição
Se ele é um Animus positivo, ele não cria uma neurose, como faria no caso
contrário. Neste caso, pode-se supor que ele trará à tona alguma
contribuição para um novo símbolo. Este seria um tremendo
empreendimento e, naturalmente, ficar-se-ia febrilmente curioso sobre o
que seria este símbolo. Mas as coisas não são tão simples. O Animus
sozinho é incapaz de fazer emergir o símbolo, ele só pode fazer emergir um
símbolo, presumivelmente o símbolo adequado a ela psicologicamente e
isso a conduzirá a novo desenvolvimento. Então, o seu desenvolvimento
juntar-se-á ao desenvolvimento de outros, e o produto último de todo o
desenvolvimento será o símbolo. Como veem, um grande símbolo é algo
inteiramente coletivo. O Animus nunca pode produzi-lo sozinho; ele pode
apenas fazer uma aproximação, uma tentativa de criar alguma coisa que se
assemelhe ao símbolo. Temos que ser muito modestos e cuidadosos a este
respeito. Mas de uma coisa podemos estar certos: quando o Animus
positivo desce ao inconsciente coletivo, algo positivo acontecerá.
Este é o fim da visão. Eu lhes disse que a cavidade para a qual ele desceu
era o abdome, e agora, na parede do abdome ele vê o disco do sol, que
seria o plexo solar... Assim esta cena se refere em primeiro lugar ao nervo
simpático [sistema vegetativo, simpático e parassimpático] e isto é muito
misterioso. Não vamos pretender entendê-lo por enquanto. Mas o que dizer
do peixe? Por que deveria o peixe chamar atenção dela para o plexo solar
nestas circunstâncias, exatamente quando ela desistiu da sua antiga
WELTANSCHAUUNG?
Pergunta: É a idéia do peixe trazendo à tona uma jóia que estava embaixo?
Dr. Jung: Exatamente como foi suposto que um peixe trouxe o anel dourado
de POLYCRATES [tirano que ao pedido do povo joga anel no mar e que volta
dentro de um peixe], ou a jóia, das profundezas do mar, assim pode-se
dizer que este peixe está trazendo o sol. Mas como podemos prová-lo?
Inspirado por esta visão do disco na parede, o Animus faz agora um enorme
esforço para livrar-se dos monstros, e sobe da caverna. O que temos aqui,
como disse, é o antigo mito sobre o monstro do mar do qual emerge o
herói, isto é, o novo sol. O herói é a manifestação humana do sol, eles são
idênticos; ele seria, supostamente, um filho do sol, o filho do céu e seu
semblante assemelha-se ao sol. Aqui este mito repete-se como uma nova
verdade, ele vive de novo. O sol se pôs, desapareceu na água e está
completamente morto, mas reaparecerá em uma nova forma. Porque em
uma caverna debaixo do mar, onde ninguém o presumiria, na completa
escuridão onde nenhum olho humano pode vê-lo, lá embaixo, o sol está se
erguendo. Assim, este momento na visão realmente significa o emergir do
novo ponto de vista, mesmo que ela não tenha percebido isto
conscientemente. A visão seguinte mostra o primeiro efeito do sol nascente.
27
Assim, nossa paciente está tentando chegar à criança. Quer tomá-la nos
seus braços, mas não pode atravessar aqueles círculos mágicos... O fato de
que está tão atraída pela criança indica que, neste momento do seu
desenvolvimento, a idéia de uma criança chegou a ela, como uma mandala
apotropáica ou protetora – como uma proteção contra as influências
sobrepujantes do inconsciente. O inconsciente esteve inteiro sobre ela,
como puderam ver. Ela foi jogada das alturas até as profundezas, do fogo
para a água, tudo que poderia acontecer com ela aconteceu, e isto a mostra
despedaçada por mil demônios. Assim, é natural que ela desenvolva uma
tendência para contrair-se, para buscar proteção e abrigo, o que tente
cercar-se com alguma coisa que a mantenha inteira. Os três anéis de ouro,
por exemplo, a manteriam inteira. Ou o que mais faria isso? Uma criança a
manteria inteira. E assim a idéia de ter outra criança ocorreu a ela, porque
ela era ainda jovem, e ter uma criança seria protetor. Quando uma mulher
está grávida ela forma um círculo mágico... e tudo fica um pouco abafado...
Uma parte importante da avidez e da acuidade consciente recolhe-se,
porque toda a libido é dada à criança em desenvolvimento. A criança,
então, poder-se-ia dizer é o centro da mandala, e a mãe simplesmente o
anel protetor em volta dela...
Dr. Jung: Sim. Certo dia ele estava olhando os seus reinos embaixo, quando
sentiu de repente uma dor aguda no olho esquerdo e ficou cego. Seu filho
perguntou o que havia ele visto e ele respondeu: “Um porco preto”. Este
era SET, como sabem; ele viu o princípio escuro, o diabo, e esta visão o
29
cegou. Então HORUS lhe deu seu próprio olho e depois disso tinha um olho
apenas. Assim, aqui esta situação eterna está se repetindo. A semente que
penetra no seu olho esquerdo e o cega é como SET no olho esquerdo de
OSIRIS, mas aqui é uma semente e obviamente deve desenvolver-se em
algo, por que a semente é, com certeza, a concepção. E o que está
transmitindo para ela o conselho do velho, nesta visão?
Dr. Jung: Exatamente. Deveria ser uma criança real ou imaginária?... Ela
está inclinada a pensar que deveria ser real, mas esta visão diz que a
concepção desta criança se inicia de uma semente no seu olho, e disto ela
nunca terá uma criança real. Ela será visionária ou espiritual.
Pássaros são seres do ar, eles vivem no ar e podem voar: assim, eles são
sempre símbolos para pensamentos ou conteúdos psicológicos. Grandes
pássaros significariam grandes pensamentos pairando em volta dela.
Visão: (cont.) Por fim, uma mãe-terra chegou até mim. Ela
arrancou o meu olho dizendo: “Ponho este olho no meu regaço,
onde todas as coisas definham, morrem e renascem.”
O que significa que a mãe-terra pega o seu olho?... Mais tarde verão que
uma árvore cresce, presumivelmente do olho que a mãe-terra tirou dela. O
que significa aqui o aparecimento dela? Em certo pondo os senhores se
lembrarão que vimos a paciente deitada sem recursos, no regaço da mãe
(pág. 16 – parte III). O regaço é equivalente ao útero, ela estava no útero
da Grande Mãe.
30
Dr. Jung: Sim. A árvore da Yoga outra vez, o caminho impessoal... não o
caminho do seu ego. Ele toma posse dela, exatamente como uma criança
crescendo no seu ventre tomaria posse dela e lhe outorgaria um destino
inevitável... Porque uma mulher que tem um filho não é mais um agente
livre; é mera imaginação pensar que ela é; ela está amarrada à terra. E na
medida em que esta criança cresce, ela estará amarrada pelo seu próprio
crescimento particular. Não se pode evitar isso; só podemos ser gratos se
as coisas tomam um rumo certo, porque elas também podem andar mal.
Assim, ela entra na mandala e toma a criança nos braços, o que significa
que ela aceita este trajeto de vida. Então ela fala com a criança, dizendo:
Resposta: Não é um novo ponto de vista? Ela terá agora uma visão de ego,
e também uma visão de não-ego.
Dr. Jung: sim. A criança representa a vida de não-ego, que é como a vida
de outra pessoa e tem seu próprio ponto de vista especial; aquele outro lho
enxerga dentro da vida impessoal... Quando ela toma a criança nos braços
e diz a ela: “Agora cresce, como cresce a árvore”, este é o desejo mágico.
Com ele, ela outorgou o poder de crescimento, ela delegou sua própria
libido ou mana à criança, e assim renunciou ao seu próprio crescimento em
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favor dela. Em outras palavras, ela investiu sua libido na senda da mãe
esquerda, no caminho impessoal...
A Quarta Função
Dr. Jung: Eu diria que a influência feminina foi afastada porque os homens
eram apenas homens, e todo o feminino estava na mulher. E, como sabem,
o quarto é sempre o demônio...
sentimos que... estamos dentro para isso, o que faz uma diferença
enorme...
A Visão do Precipício
Dr. Jung: Exatamente. Ele agora é feito pelo homem, é um vulcão artificial.
E o que significaria isto?
Dr. Jung: Entregando sua vida à criança, parando sua própria vida
pessoal... não mais dizendo: eu tenho tal e tal emoção, eu odeio, eu amo e
eu estou com raiva. Quando fazemos isto somos rasgados em pedacinhos,
somos nós mesmos uma ardente caldeira explosiva... Então a Kundalini-
Yoga dia que estamos em MANIPÛRA, um centro inteiramente egoísta...
Mas se podemos pegar todo este fogo e usa-lo, então ele estará
acorrentado; este é o ato sacrificial. Também, quando entramos no círculo,
uma forma divina nos envolve, já não somos mais o animal raivoso e
selvagem que éramos. Assim, ela chegou a um ponto de vista superior... O
começo de uma consciência objetiva. Agora ela enxerga quando está
emocionalmente afetada. Percebendo-se num estado de ânimo muito
desagradável, ela pode, muito politicamente, avisar os outros, dizendo:
“Não cheguem perto, eu estou cuspindo fogo”. Este é o ponto de vista de
um ser superior. Como está isto simbolizado na Kundalini-Tantra?
Dr. Jung: Sim. Os três chakras superiores, ou círculos, através dos quais a
serpente Kundalini sobe, se caracterizam pelo fato de que se pode ver o
37
PURUSHA, enquanto nos três inferiores (nos três primeiros) não se é mais
do que um ego controlado pelos poderes elementares... Podemos supor que
agora ela esteja mais ou menos no chacra ANÃHATA (o quarto), já que este
é o primeiro centro de consciência objetiva.
Resposta: É a consciência.
Comentário: Isto sugere APOLO, atirando flechas de fogo que atingem seu
alvo. Ele tem a meta, é uma consciência dirigida.
Dr. Jung: Sim. E a cabeça da figura é circundada por luz, assim poderia ser
um símbolo do Sol, como Apolo com suas flechas que alcançam longe... Mas
nós temos que pensar também na psicologia e na mitologia hindus. Isto se
parece muito com um daqueles Deuses indianos que carregam todas as
espécies de emblemas, armas e implementos. Poderia ser SHIVA, por
exemplo, eu tenho em casa uma figura andrógina de SHIVA, dançando e
carregando o arco de KAMA-KAMA, o Deus do amor, está também equipado
com um arco (como EROS, o AMOR)... Mas se colocamos uma particular
ênfase no arco como sendo uma arma, para que serviria?
Dr. Jung: Esta também é uma idéia. Vamos supor que seja assim, então
contra que estaria armada esta figura do PURUSHA?
Ele está espalhando estrelas. Isto mostra que é realmente uma figura
cósmica e PURUSHA naturalmente tem um aspecto cósmico. A típica
formulação hindu de PURUSHA é: “Menor do que o pequeno, ele habita o
coração humano, com o tamanho de um polegar. Ainda assim, maior do
39
que o grande ele cobre toda a terra, com a altura de dois palmos”. Como
uma inundação ele cobre tudo.
Comentário: É a kundalini.
pensando quando atuava deste modo, ele ficou zangado, porque, para ele
pensar significava aborrecer-se. A suposição parece ser que um homem que
pensa deve, em conseqüência, ficar aborrecido, triste ou zangado, ou talvez
mesmo muito mau... Para a mente primitiva um homem que pensa é
esquisito, ele pode ser um feiticeiro cheio de veneno e ódio. Esta é uma
atitude da condição MANIPÛRA; quando temos este ponto de vista estamos
dentro do monstro. Mas quando passamos através do diafragma estamos
fora do monstro; então podemos ver que a coisa que nos continha era
realmente um ser divino, embora do lado nos parecesse uma grande
serpente. Esta é a razão pela qual este ser é representado como um
monstro. Os senhores conhecem um símbolo paralelo a este, homem ou sol
em cima e serpente embaixo?
Assim, a figura que a paciente descreve aqui aparece como uma intuição do
princípio divino, uma serpente preta em baixo e luz em cima, humano e
divino, a primeira experiência do ser divino depois que se chegou além do
diafragma. Nos tempos homéricos, a mentalidade inteira era frênica ou
emocional, e os Deuses eram extremamente belos, eles possuíam
qualidades muito positivas. Mas pouco antes do começo da nossa era
aqueles antigos Deuses começaram a decair, tornaram-se fracos e ridículos,
e então uma idéia como esta de ABRAXAS, pode emergir, e era uma criação
filosófica artificial... A escola filosófica de Alexandria foi, provavelmente, o
berço da idéia de ABRAXAS, e antes de ABRAXAS, a primeira tentativa que
conhecemos párea formular esta espécie de Deus era SERAPIS. Esta é uma
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história complicada, mas vale a pena estudar como foi produzido SERAPIS;
é um produto inteiramente artificial da mente filosófica e religiosa...
Dr. Jung: Esta é a mesma coisa, mas dentro da esfera pessoal. Vejam, o
homem é assim, enquanto come a doce fruta da terra, ele também observa
o comer, ele é mais ou menos consciente. Mas ele pode estar inteiramente
idêntico com um lado: então ele é meramente o comer a fruta, ou a fruta
sendo comida, ele está abaixo do diafragma, na condição que é
caracterizada por absoluta fascinação pelos objetos. Quando alguém bebe
vinho num estado desses, ele é o beber do vinho, ou o próprio vinho, e uma
vez que o vinho é um Deus isto explica porque os Deuses têm forma
humana. Isto acontece quando alguém está absolutamente retirado de si
mesmo, então ele não existe, ele é meramente o processo abaixo do
diafragma, esta é a mentalidade frênica. Acima do diafragma, pode-se dizer
que isto não passa de vinho, isto não é Deus; sente-se a própria função, e
então não é divino. Neste caso a deidade desapareceu, mas ela reaparece
no milagre da consciência; então o Deus torna-se uma idéia filosófica. A
44
Dr. Jung: Bem, ela faz uma tentativa. Ou para descrever isto mais
adequadamente, seu self-ego mostra um vívido desejo – uma chama é
sempre um vívido desejo – de fundir-se com o PURUSHA. Isto levaria a
que?
Dr. Jung: Sim, e isto seria completa inconsciência, mas aqui, na prática,
não levaria a isto, porque esta figura não é ainda AISHVARA, o supremo
PARAMATMAN, mas uma manifestação de ordem inferior. Assim,
psicologicamente, o que aconteceria?
Dr. Jung: Sim. Ela se identificaria com esta figura divina... e se tornaria um
monstro, divino em cima e besta em baixo. Bem, na realidade, ela é muito
o que ela sempre foi, mas um pouquinho pior... As coisas se tornam muito
pior quando estamos conscientes da verdadeira condição delas; se estamos
inconscientes disto, então preto é branco e branco é preto (não sabemos
muito bem) e cinco é um número par (se não olhamos bem de perto) e
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tudo estará em ordem. Assim passa pela vida o homem primitivo. Ele pode
existir com esta atitude. Se estamos conscientes, simplesmente não
podemos mais viver deste modo... porque nada é inteiramente branco, há
pelo menos um pingo de preto em tudo... Mas as pessoas insistem que não
pode ser preto, que branco é branco, e que é pecado dizer que ele é preto,
é blasfêmia. Então há toda uma briga em torno... e assim, naturalmente,
entramos numa terrível confusão... Assim, se ela conseguisse fundir-se com
a figura da visão, ela se tornaria ABRAXAS, e seria um prodígio, mulher em
cima, serpente em baixo, realmente um monstro. E então a luz não seria
realmente luz, nem a serpente propriamente uma serpente. A confusão
seria terrível. Todos que atingem este estado entram numa condição de
certo modo semelhante à loucura, porque nela os opostos estão demais
próximos um do outro. Eles perdem sua orientação, seu senso de valores, e
não sabem o que acontece com eles, se estão de cabeça para baixo ou não.
E vejam bem, se alguém se identifica com uma forma como ABRAXAS,
mesmo sem uma visão assim clara, pode senti-lo apenas pelos seus efeitos,
os efeitos em si mesmo e os que causa nas outras pessoas.
Podem ver que ela deva ter se fundido de certo modo com ele, a visão de
PURUSHA extinguiu-se, e a chama cai na terra e corre ao longo das ruas. O
que seria isto?
Comentário: Deflação.
Dr. Jung: Bem, a libido está saindo; não é exatamente uma deflação, mas
se gostaria de evitar isso – porque significa que alguma coisa está
escapando do círculo mágico. Vejam, a mandala deveria manter as coisas
juntas, de modo que nada pudesse escapar, mas aqui quando a visão se
esvai, o fogo vai para a coletividade para as ruas. Quando as chamas saem
desse modo e tocam objetos externos, já não estamos em nós mesmos;
fundimo-nos com a coletividade e voltamos à nossa condição anterior,
descemos outra vez à MANIPÛRA.
47
A Corrente de Formigas
Ela regrediu, ela fez uma tentativa de chegar a ANÃHATA e falhou. Mas o
que diriam das formigas que tentam apagar o fogo? De onde vêm aquelas
inúmeras pequenas criaturas?
Dr. Jung: Bem, seria um antídoto, similia similibus. Mas aqui elas têm um
sentido especial, esses milhões de pequenas criaturas.
Dr. Jung: Algo semelhante. A figura na visão era muito grande, um Deus
universal, e essas formigas são extremamente pequenas, mas muitas;
assim há uma grande contra muitos pequenos. O fato de que o diabo é
considerado o senhor de todas essas pequenas criaturas – de moscas e
ratos e vermes de todas as espécies – indica que quando o Deus não é um,
então ele está em toda a parte. Ainda mais, a formiga é um inseto, tem um
sistema nervoso autônomo (simpático), e se alguém volta para MANIPÛRA,
cai de novo sob a lei desse sistema nervoso; ele toma conta da situação.
Ele extinguirá o fogo, mas ele pode fazer isso lançando-o em
SVÂDHISTHÂNA, isto é, em água. (SVÂDHISTHÂNA é o chacra aquoso
abaixo do MANIPÛRA). Agora, é curioso que a pior formiga na África é uma
vermelha e pequena cuja picada queima como fogo e que os nativos
chamam de madji yamoto, que significa água de fogo. Quando estas
formigas correm sobre a gente é como se água escorresse, mas queima
como fogo. É a mesma imagética como na visão da paciente. Lá poderia
significar que para escapar das chamas de MANIPÛRA, às quais ela ficou
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exposta pela sua regressão, ela agora cai mais para baixo na escala de
Kundalini até SVÂDHISTHÂNA, o chacra aquoso abaixo.
Dr. Jung: Há uma estreita analogia. Mas é muito incomum que visões do
tipo destas com que estamos lidando aqui tenham o mesmo caráter das
alucinações alcoólicas, como estas... Este é o tipo neurótico de visão, que é
sintética e usualmente carece das peculiaridades da desintegração que
aparecem no alcoolismo e têm a ver com certa lesão das células do cérebro.
Porque no alcoolismo não há dúvida que as células do cérebro são
realmente lesadas, e eu penso que tais visões são sempre um tanto
desagradáveis e sinistras.
Outro fato, que também conheço por experiência, é que a libido regressiva
assemelha-se a uma droga, ela atua como um veneno, uma toxina. Pessoas
cuja libido está regressiva sentem-se terrivelmente sonolentas, elas mal
podem abrir os olhos e, em geral, não se sentem bem; todo o
funcionamento do corpo está perturbado... Sabe-se muito pouco sobre
essas coisas, mas sabemos que, positivamente, nos estados regressivos a
viscosidade do sangue está mensuravelmente diminuída e, naturalmente,
uma alteração no sangue afeta todo o corpo. Assim, todos os tipos de
enfermidade latentes podem de repente manifestar-se; uma infecção
larvada, por exemplo, pode eclodir sob tais condições, porque a resistência
do corpo está reduzida. Isto também pode responder pela freqüência de
angina sob certas condições psicológicas. Recentemente conversei com um
professor alemão que também observou isso; ele disse que a angina é
quase uma doença psicológica...
Dr. Jung: Sim. Já que o resultado da última visão era negativo, podemos
esperar que nossa paciente tentará de novo, mas, naturalmente, sob
condições um tanto alteradas... A roda é, com certeza, uma das formas da
mandala e não podemos esquecer que agora estamos dentro da mandala, o
que quer que ela signifique. Ela diz:
Por esta frase ficamos sabendo que ela está no mesmo lugar, no vale das
fábricas, onde ela falhou antes.
Dr. Jung: Sim a face vermelha e sangrenta seria o lado material, físico e o
branco é o lado consciente ou espiritual. O que acontece que ela é atacada
por pares-opostos? Qual é a origem disto na visão anterior?
Dr. Jung: Exatamente. Aquela figura, que era um Deus solar em cima e
uma serpente negra embaixo, de certa forma era um símbolo de
reconciliação. Lá os opostos estavam juntos, mesmo que em uma forma
monstruosa. Naquela figura divina ela conseguiu exteriorizá-os, ela os
colocou juntos em uma única coisa vivente, o que foi definitivamente, um
grande conseguimento. Assim fazendo, ela declarou que o par de opostos
era um assunto divino que não dizia respeito ao homem, que o homem
deveria existir fora de uma tal figura e deveria mesmo pensar sobre ela
51
Agora, o que significa quando ela diz: “Com seus dentes tentavam
despedaçar minhas roupas”?
Dr. Jung: Essas roupas podem ser entendidas como persona, mas o Senhor
pensa realmente que esse par de opostos está tentando arrancar a persona
dela?
Dr. Jung: Naturalmente. Eles estão tentando comer através das roupas,
como ratos ou formigas. Há uma analogia aqui com as formigas que
também estão devorando, elas comem através de toda espécie de roupas
ou cascas...
Vestimentas
conservamos uma idéia de que somos isto e aquilo – e isto sempre aparece
como uma espécie de argumento final no lado do crédito – e mesmo assim
isto funciona contra a verdadeira individuação. Arrancar fora os véus, como
aqui, é realmente um procedimento dos mais dolorosos, mas cada passo a
frente no desenvolvimento psicológico significa arrancar um novo véu;
somos como cebolas com muitas peles, e temos que nos descascar de novo
e de novo para chegar ao cerne real. (A subida ao longo dos chacras na
Kundalini-Yoga, por exemplo, é um arrancar de véus). Comumente, quando
parecemos ter atingido o cerne, deparamos com outro véu de ilusão, que
também deve ser arrancado, a cada vez que isto acontece passamos por
uma experiência muito pesada ou que parece dilacerar o coração antes que
possamos nos considerar seguramente a salvo no nosso novo estado. A
razão pela qual sua visão anterior (do vale das fábricas) falhou era a
existência desses véus ilusórios. Assim, ela precisa, de alguma forma, sair
deles para atingir o cerne. Mesmo assim, as vestimentas são uma proteção
útil. Agora ela diz:
Então ela descobre que sua pele agora é preta com veios verdes. Mas não
há qualquer certeza de que isto seja realmente sua pele; mais
provavelmente é ainda uma vestimenta... Mas, por enquanto, é a última; é
a vestimenta que ela, aparentemente, tem que usar agora até que chegue o
tempo em que também esta terá que ser arrancada ou trocada por outra.
Pergunta: Mas isto não poderia também ser entendido como regressão?
Porque ela recusou encarar o par de opostos?
certos de que esta atitude não era autêntica. Neste caso, algo mais ocorrerá
para reparar a dificuldade. Até aqui, entretanto, só sabemos que o par de
opostos esvaece. Assim, podemos supor que esta vestimenta é certa. Mas
eu não posso dizer-lhes porque é certa, embora provavelmente exista uma
muito boa razão. Este preto entremeado de verde, sugere algo aos
Senhores?
Dr. Jung: De acordo com a minha idéia, a melhor interpretação deste preto
e verde seria que ela tem uma atitude ctônica, que ela é apenas terra – no
começo da primavera, digamos – porque ela agora está bem no início da
psicologia da mandala. E o que está no começo é expresso em terminologia
hindu?
Vejam, com a atitude que ela tem agora, ela pode tentar de novo
prosseguir do ponto que abandonou antes.
55
Resposta: TAO.
Dr. Jung: O caminho do TAO e isto justifica nossa idéia de que sua
vestimenta, por enquanto é acertada. Provavelmente.
Isto confirma o que acabamos de dizer: ela tem aqui a atitude ctônica. O
que simboliza esta mulher crescida terra adentro?
Resposta: A árvore.
Dr. Jung: Exatamente. Ela descobre esta mulher, meio enterrada no solo o
que evidentemente nos lembra MÛLÂDHÂRA e a mandala lamaísta, meio
encamada na terra; ela está crescendo terra adentro como uma árvore, o
que também confirma o que dissemos sobre o broto verde.
Agora, isto é difícil. Temos bem uma série de motivos aqui. Primeiro o que é
o cabelo?
56
Resposta: Pensamentos.
Dr. Jung: Sim, apenas esperando, como quando se anda na rua para lá e
para cá, para passar o tempo; aparentemente, seus pensamentos, no
momento, são absolutamente sem propósito. E não se esqueçam que ela e
um tipo intelectual; ela usou intensamente seu pensar, anteriormente e tem
um Animus considerável, assim é um conseguimento e tanto para ela deixar
seus pensamentos em paz. Num caso destes, como eu disse, a ação real
está em algum outro ponto... Há um conteúdo importante no inconsciente
57
Resposta: Morrer.
Comentário: Em geral a paciente fala na primeira pessoa, mas aqui ela diz
que “viu uma mulher”. Por que isto? Não é ela mesma, é alguma coisa
estranha a ela?
Dr. Jung: Naturalmente tem que ser uma projeção dela mesma, mas
estranha a ela. Isto muitas vezes acontece quando alguém olha o próprio
rosto no espelho: parece entranho quando alguém se vê sob novas
condições. Assim ela está se vendo a si mesma sob novas condições,
enraizada na terra; o que chega para ela agora é um novo aspecto dela
mesma que, aparentemente, ela não previra. Agora os Senhores não terão
dificuldade em compreender o que acontece em seguida.
Agora ela diz, sobre o nascimento dessa criatura, que ela emerge de uma
placenta branca. Isto é bastante incomum. Aqui temos algo. No nascimento,
a criança emerge do útero e a placenta também vem do útero, mas a
criança nunca sai da placenta. No entanto, há uma primitiva superstição
sobre isso, que cada pessoa tem um ‘duplo’, que o duplo é seu irmão
fantasma que era a vida da placenta. Assim, a saída da placenta é também
um nascimento, mas um nascimento fantasmático. Por esta razão, em
muitas tribos primitivas a placenta é enterrada com grande cerimônia, não
apenas posta fora, como fazemos, mas sepultada decentemente, porque é o
cadáver do irmão-sombra... Assim, podem ver, esta é a criança-fantasma, o
‘duplo’ fantasma das páreas.
Os Senhores podem ter observado também que a nossa paciente disse que
a mulher deu à luz “uma criatura com a forma de uma criança”; isto soa
como peculiar e não nos leva a esperar um lindo nenêzinho. Agora ela
continua:
É uma criança monstruosa e nem poderia ser outra coisa, porque a placenta
não é um corpo humano normal, é um corpo simbólico que desaparece
logo, porque a criança-placenta não é destinada a levar uma vida normal,
ela vive apenas em uma espécie de corpo-alento. Este corpo-alento é o
espírito que acompanha um homem, seu segredo, sua sombra. A expressão
em grego para isto é SYNOPADOS e significa “aquele que segue”, o DAIMON
que acompanha um homem durante toda a sua vida.
espírito que tem a ver com a consciência, que contém luz e não apenas
alguma coisa escura... Então, o que é esta figura?
Resposta: ABRAXAS.
Dr. Jung: Sim, a figura de ABRAXAS outra vez, mas agora em uma forma
diferente. Qual é o aspecto notável no caso da criança?
Dr. Jung: Muito. O BIJA-DÊVA está sempre dentro da letra que caracteriza
cada chacra, é uma deidade invisível, sem nome, com quatro braços em vez
de quatro olhos. SHIVA geralmente tem também quatro braços; é a mesma
idéia, um estender-se até os quatro cantos do mundo. Assim, poder-se-ia
dizer que esta criança e um produto verdadeiramente oriental de uma
mentalidade inteiramente ocidental; poderia da mesma forma ser uma
divindade hindu. Na época em que a paciente teve esta visão nem ela nem
eu sabíamos qualquer coisas sobre esses Deuses hindus ou sobre Yoga
Tântrica. Mesmo assim este é bem claramente o BRAHMA de quatro faces
que emerge do lótus que cresce do umbigo de VISHNU. Vejam, a idéia do
lótus crescendo do Deus adormecido é exatamente a mesma idéia, a flor de
lótus é o espírito da placenta. Agora, o que diriam sobre as mãos que são
clavas e os pés que são garras?
61
Dr. Jung: É isso. ABRAXAS era armado, e esses Deuses hindus sempre
carregam certos emblemas ou implementos, geralmente armas. Aqui
encontramos a mesma idéia; os pés são garras, as armas naturais de um
animal, enquanto os braços são clavas, que são armar feitas pelo homem.
Infelizmente ela não diz quantos braços existem lá, mas sabemos que
estamos lidando com quatro olhos, em todo caso, e com aquelas armas.
Agora, que espécie de caráter supõem que tenha este ser?
Resposta: Agressivo.
Resposta: Ela tem uma criança que pode ser perigosa para ela.
Dr. Jung: Sim. Ela pode crescer como algo muito perigoso. Vejam, este
pensamento coloca-se em oposição à sua anterior atitude consciente. Lá, os
pensamentos eram brincadeiras, invenções próprias, talvez arbitrárias
satisfações de desejos. Mas este nascimento mostra a ela que os
pensamentos podem ser uma coisa muito agressiva e perigosa, exatamente
como foi sugerido antes, na visão de ABRAXAS. Se olharmos para trás, na
história, e nos perguntamos por que uma figura como ABRAXAS é sempre
representada com um látego, ou uma espada e um escudo, percebemos
que o Deus é realmente belicoso; suas armas são um sinal de seu poder,
um sinal de que ele pode usar o látego sobre os homens. Não temos algo
similar na Bíblia?
Dr. Jung: Sim. Ele teve lá uma atitude agressiva. E ele disse: “Não vim para
trazer a paz, mas uma espada”, assim ele era belicoso também. Pensem
ainda na figueira estéril; ele a amaldiçoou e disse que deveria ser lançada
ao fogo. E quanto a MITHRAS, era um Deus dos guerreiros, era um hábil
62
Outro ponto é que, embora este pareça ser um nascimento mais ou menos
normal, sob condições comuns a placenta seria vermelha, conteria sangue.
E por que esta é branca?
Dr. Jung: Como as duas faces no começo desta visão, uma branca e outra
vermelha, como sangue. Lembram-se, dissemos que eram opostos.
Assim, deve haver conflito entre o mundo das coisas brancas e o mundo
das coisas vermelhas. A placenta branca é o mesmo que a face branca, é
uma superfície redonda, um disco, uma mandala, e a criança que nasceu
dela é uma criança muito peculiar, com quatro olhos olhando nas quatro
direções do espaço. É um espírito, um BIJA-DEVA. Obviamente esta criança
é da psique e não do sangue e, naturalmente tal criatura não pode nascer
por um modo natural de uma placenta consistindo de sangue e carne; esta
placenta consiste de substância anímica, de peculiar substância espiritual
branca. Podem sugerir um paralelo?
Resposta: A Hóstia.
A criança espírito tem também atributos perigosos, suas mãos são clavas e
seus pés são garras. Não se sabe se estas armas destinam-se a ser usadas
ofensiva ou defensivamente; não se sabe se esta criança, se crescer, não se
tornará uma terrível criatura, uma espécie de GOLEM, talvez... Têm alguma
idéia de porque ela parece tão perigosa?
Essa criança-espírito não pôde ser alimentada pela mãe, e a loba de ferro a
amamenta. É como a lenda bem conhecida de RÔMULO e REMO... Em vez
da mãe humana, há uma mãe animal, mas reparem bem, não uma mãe
viva, a loba é de ferro. Agora, como é possível que uma estátua de ferro
possa alimentar?
Dr. Jung: Bem, o Senhor não está muito longe da verdade, esta é uma idéia
bastante atrevida... Esta estátua seria absolutamente incapaz de alimentar
uma criança verdadeira, mas não sabemos o que pode acontecer com uma
criança-espírito.
Dr. Jung: Exatamente. Poderia ser alimentada por uma estátua como esta.
Não haveria dificuldade quanto a isso. O ferro é um metal muito comum,
muito pesado e útil, é uma espécie de essência da terra, e a criança-espírito
66
poderia ser alimentada por ele. Mas o que tem isso a ver com a era da
máquina?
Dr. Jung: Sim, esta é a parte mitológica, mas o que significaria esta
imagem psicologicamente?
Dr. Jung: É verdade, isto é bom... e se a criança é alimentada por uma mãe
de ferro, ela receberá alimento de ferro... o que lhe dará um estranho
poder. O ferro é muito material; é por isso que estamos pensando em
materialismo e era da máquina. Mas esta é uma criança espírito e o ferro
comporta-se aqui como se fosse matéria orgânica, como leite; poder-se-ia
dizer que a criança bebe do ferro vivente, da alma do ferro. Uma idéia
muito peculiar. Como explicariam isto?
Dr. Jung: Sim. O poder desta criança sobre as coisas materiais será igual ao
poder do ferro; seu espírito será tão forte quanto o ferro, porque ela
recebeu alimento de ferro...
67
Dr. Jung: Aqui existe certamente uma analogia com Roma, que cresceu
para ser um tremendo poder mundial. Esta criança-espírito carrega a
mesma promessa que as crianças alimentadas pela loba romana, ela parece
ser um RÔMULO ou um REMO. Assim, levando tudo em consideração,
temos que concluir que esta só pode ser uma criança-herói. Essas crianças
geralmente não têm mães naturais para alimentá-las, e são nutridas de
algum modo miraculoso. Há muitas histórias assim, como sabem... Esta
criança já tem as garras de um animal selvagem e armas em lugar das
mãos e agora, pelo leite da loba, ela adquirirá as qualidades lutadoras de
um lobo... Parece ser extremamente perigoso. Então, aqui nasceu um
herói, mas um herói nascido de caráter muito diferente de qualquer outro a
que estamos acostumados. O último herói nascido para nós foi CRISTO, um
ser muito bondoso. Havia animais presentes ao seu nascimento também,
mas eram mansos, um boi e um asno. Aqui, entretanto, o inconsciente da
paciente sugere o nascimento de um perigoso espírito beligerante,
alimentado por uma loba com leite de ferro. A idéia é bastante
perturbadora. E o que faz a nossa paciente a respeito disso?
O Significado de um Monstro
Como percebem, ela não realiza nada disto que acontece. Agora, porque ela
não entendeu o que estava acontecendo?
Dr. Jung: Ela não podia entender mais do que nós entendemos. Quando
lemos pela primeira vez uma estória como esta, ficamos apenas chocados
com a insensatez dela, mas mais tarde, quando a sentimos mais, se nos
aproximamos dela como se fosse um texto sagrado escrito em hieróglifos,
68
Pergunta: Alguma coisa deste tipo não aconteceu com a mãe de BUDDHA?
Dr. Jung: Ela foi fecundada por um elefante branco que entrou no seu lado
direito.
Comentário: Mas a criança que nasceu depois disso não era um monstro,
mas um herói.
Dr. Jung: É isto. Poder-se-ia dizer que o verdadeiro herói vem dessa
espécie de inflamar monstruoso.
Dr. Jung: Sim, e ele também fará coisas terríveis, ele vadeará em sangue;
este é um exemplo do aspecto negativo de um novo conceito de divindade,
como eu o descrevi. Então, tudo que podemos dizer sobre esta monstruosa
figura é que ela representa o sentido oculto de um Deus ainda no estado de
desenvolvimento, um novo Deus-infante no seu aspecto negativo. Porque
uma nova idéia da divindade sempre vem à existência quando o antigo
conceito durou demais. Na medida em que o conceito antigo começa a se
fragmentar, o inconsciente prepara a nova idéia. Ao longo da história, como
sabem, tem havido sempre períodos em que o conceito corrente da
divindade é aceito como válido e unanimemente acreditado, mas então a
esses períodos seguem-se outros durante os quais aquela imagem decai;
nesses tempos criações como esta são encontradas no inconsciente. Mas,
ainda se esta paciente tivesse vivido na Idade Média ela poderia ter sido
capaz de conceber uma futura deidade, exatamente como fez ANGELUS
SILESIUS, por exemplo, quando antecipou o conceito da relatividade de
71
A Roda
pela qual somos todos postos a girar. Poder-se-ia supor que não havia
possibilidade de ultrapassá-la, mas ela diz:
Resposta: Eu penso que ela não deveria evitar o movimento da roda, não
deveria passar espremendo-se.
Comentário: Eu discordo. Ela não deveria entrar, mas passar através dela
porque, da forma, como o Senhor a descreveu, ela considera esta roda
como representante do peso do passado tradicional, contra o qual ela tem
que defender a chama no seu peito. Isto é, penso eu, uma repetição da
cena em que ela encontrou o gigante, que também representava tradição,
ela tem que preservar de novo seus valores individuais.
Comentário: Também para mim, o invólucro de ferro que ela deve ter,
parece ser uma alusão à importância de proteger seus valores individuais.
Ferro é a matéria de que era feita a loba, a loba que amamentou o
monstro; se ela tiver ferro dentro de si estará protegida contra a qualidade
perturbadora da roda, e depois, então, se puder obter a roupa de ferro,
poderá proteger a chama.
74
Dr. Jung: O Senhor pensa então que ela necessita a roupa de ferro como
proteção, que de outra forma a roda seria destrutiva?
Comentário: Ela tem que entrar, mas não tanto que se torne ela mesma
idêntica com a Lei... Então ela estaria sendo levada com ela.
Comentário: Se ela tem no peito o fogo prometéico ela tem que seguir a lei
prometéica e tem que cometer o crime prometeico, que é ser um indivíduo.
Comentário: Se ela é levada pela roda, isto significa, naturalmente, que ela
está em SAMSKÃRA, mas se ela se espreme e passa ao lado dela, ela estará
vivendo “a vida provisória”.
Dr. Jung: E acha que esta seria uma situação na qual a “vida provisória” é a
indicada?
Dr. Jung: Exatamente. De outro modo ela não obstruiria o caminho... este é
um impasse, ela está perante o problema da roda e não pode evitá-lo... Não
haveria dificuldade em entrar nela. Teria apenas que agarra-la e suas
próprias mãos a puxariam para dentro. Mas nesse caso ela seria pega por
sua tremenda rotação. Mas se ela não entra, ou vai regredir ou sofrerá uma
parada. Então lhe ocorre a idéia de espremer-se e passar sem entrar.
Agora, depende muito de como os Senhores entendem essa roda. Se, como
foi sugerido, este é o tradicional antigo curso dos eventos submetidos à Lei,
como será então? Os Senhores entrariam nela?
Dr. Jung: Mas se entramos, muitas vezes já não temos mais escolha: ela
pode segurar-nos. Quando estamos sendo rodados daquela forma, é
extremamente difícil pular fora... Ficamos atordoados e por fim perdemos a
consciência. Vejam, temos a idéia que devemos nos lançar na vida e vivê-
la, esquecendo que há perigos muito definidos em jogo; um dos perigos é
que muito certamente perdemos a consciência. Há milhões de pessoas na
roda, e se nos lançamos dentro deste “maelstrom” (sorvedouro;
redemoinho na costa da Noruega, perto das ilhas Lofoten), podemos da
mesma forma perder-nos a nós mesmos e tornar-nos inconscientes dentro
desse tropel. Este assunto não é tão simples.
Dr. Jung: Sim. Ela se aproxima agora da psicologia dos centros superiores.
Como sabemos, ela já esteve nos centros da terra, da água e do fogo. Mas
a psicologia da mandala começa quando se consegue formar o círculo
mágico contra os fogos da paixão; então se está em ANÃHATA. Quando
somos capazes de dizer: “Eu estou num estado de paixão”, criamos o
círculo mágico que nos salva dos efeitos destrutivos da identificação com a
nossa emoção. Porque ser apenas emocional, sem perceber em que espécie
de condição estamos, nos destrói como seres humanos, simplesmente
funcionamos como um animal. E ao longo do tempo isto nos torna
neuróticos, a não ser que vivamos numa civilização muito baixa em que
ninguém é mais do que emocional. Neste caso, naturalmente, nós não
iríamos ao encontro de nenhuma demanda danosa, dos outros, de ser
diferentes. Mas numa civilização onde nos é apontado – e mesmo
moralmente “de rigor” – que já não devemos ser idênticos às nossas
emoções, somos forçados a formar esta espécie de anel mágico para nos
elevarmos a um ponto de vista superior à nossa imediata condição
emocional; então ficamos diferentes de certo modo, acima dela...
trancos e barrancos, isto soa normal. Ainda mais, ela percebe que para lidar
com o perigo à frente, ela necessita uma armadura para protegê-la e salvar
da destruição a pequena chama no seu peito... Porque a coisa quente e
emocional dentro dela, que era um vulcão incandescente em MANIPÛRA,
tornou-se agora uma chama – isto é, o calor veio de MANIPÛRA, mas em
ANÃHATA tornou-se uma chama – e já que é uma pequena chama,
necessita proteção, mas outras coisas também necessitam ser protegidas
contra ela. Ela deveria ser colocada dentro de uma lanterna, digamos
assim, tanto para que ao cause uma conflagração como para não ser ela
mesma extinta. Porque isso não deveria acontecer: como a chama da sua
vida, não deveria extinguir-se. Um dos meios mais efetivos para que ela a
proteja seria colocá-la dentro de uma armadura de ferro, que seria o
equivalente de uma lanterna. Assim, ela é bastante sábia não se
emaranhando nos giros da vida, ela não está pronta para isso, ela não está
suficientemente protegida. A frase seguinte confirma isso.
Como veem, ela está numa parada, ela não pode prosseguir.
Visão: (cont.) O chão abriu-se aos meus pés. Olhei para baixo
e vi uma folha quadrangular de metal sustentada por quatro
Deuses, um de cada lado; OSIRIS, uma Deusa grega, um Deu
mexicano e um Deus hindu. Fogo vermelho e verde saía deles.
Esta é uma visão muito típica. Conhecem alguma analogia para ela?
12 Cada qual andava para a sua frente; para onde o espírito havia de
ir, iam; não se viravam quando iam.
Os Quatro Deuses
Dr. Jung: Sim. Egito, Grécia, México e Índia (ou talvez o seu quarto Deus
seja um índio americano). Estas são quatro grandes civilizações antigas... E
o que diriam ser a diferença entre as mitologias egípcia, mexicana e indiana
de um lado e a grega do outro?
Dr. Jung: Então esses Deuses podem ser muito úteis; eles são três
Animus... Muitas vezes encontramos uma situação como esta nos sonhos:
uma mulher num aposento com três homens ou um homem com três
mulheres. Vou fazer um desenho disto para os Senhores, no topo está a
figura feminina, que com as três masculinas (com sinais + em cima) fazem
quatro. Neste caso formam um quadrado, segurando os quatro cantos da
folha quadrada de metal. Agora, tudo isto é feminino, como sabemos, então
eu o encerro num círculo. O ponto de cima representa sua atitude
consciente, porque conscientemente ela é toda feminina; assim, os
masculinos naturalmente representam seu inconsciente. Deste modo
obtemos um sistema de quatro funções onde a linha divisória está um
pouquinho acima do centro. No todo há uma função consciente – poderia
ser intuição, ou sensação, ou cogitação, ou sentimento – e as outras três
são inconscientes. Elas estão no inconsciente junto com o Animus, o que
significa que são masculinas... E não se surpreendem com a qualidade
destes três Deuses? ...O que diria um missionário?
Dr. Jung: Sim. Ele ficaria chocado pensando numa respeitável dama cristã
com três Deuses pagãos no seu inconsciente.
84
Dr. Jung: Sim. OSIRIS é com certeza um Deus assim. Agora, como
denominaria a função que ele representa? E onde o colocaria no diagrama?
Resposta: Embaixo.
Dr. Jung: Sim. Ele tem que estar embaixo. O ego está em cima, e OSIRIS
está oposto a ele, embaixo. Poderíamos até falar da função OSIRIS, como
sendo sempre a menos desenvolvida. Isto é como a profecia de ISAIAH
sobre a chegada do MESSIAS; ele será o mais feio e o mais desprezível dos
homens e virá de um lugar absolutamente inesperado. “O que de bom
poderia vir de Nazaré?” E porque é que a coisa que uma pessoa mais
reprimiu e da qual teve mais medo na sua psique pode ser a função que a
salva? Há uma razão clara.
O Simbolismo da Individuação
Precisamos falar também do fogo que emerge das figuras dos Deuses.
Lembrem-se que a visão de EZEQUIEL, que li para os Senhores está cheia
de fogo. Mas as fantasias dos índios americanos são mais próximas desta
paciente; os Deuses que aparecem no folclore deles estão, geralmente,
associados com o fogo ou com o relâmpago; ela poderia do mesmo modo
ter dito que relâmpagos saíam deles. Agora, qual é o significado simbólico
do fogo ou do relâmpago saindo dos Deuses? Esta é uma feição muito
comum em tais visões.
Agora, o que podemos dizer das cores vermelha e verde das chamas que
saem dos Deuses na fantasia da nossa paciente?
Dr. Jung: Sim. Verde sugere nova vegetação e o vermelho pode ser
associado com o fogo ou com o sangue, é uma cor de paixão e calor. Se
quisermos ser poéticos podemos chamar esses fogos de fogos do amor, da
vida e da esperança. Onde há libido há sempre esperança. Não importa a
que inferno ela conduz, é sempre vida e as pessoas frequentemente
pensam que é melhor um inferno ardente do que nada. Assim ela aceita a
folha de metal e a usa como armadura contra as temíveis mãos que tentam
puxá-la para a roda.
87
Resposta: Um nascimento.
Dr. Jung: Este sangue é sacrificial, a terra pariu algo curador, auxiliar,
redentor e uma poça de sangue permanece. Quando algo ocorre na
realidade que deixa atrás de si sangue presume-se que um desastre
aconteceu; alguém sangrou, a substância vital foi perdida. E uma poça de
sangue na terra significaria que a terra foi ferida e está sangrando.
Comentário: Isto simboliza toda a libido que ela despendeu para produzir
sua individuação.
Agora, tendo colocado a armadura e passado sã e salva pela roda, ela diz
“Ao passar as mãos da roda batiam no metal produzindo um som oco”. Isto
parece aludir a alguma coisa.
Pergunta: Não teria sido possível prever que alguma coisa estava errada
pelas figuras descritas na mandala? Não há muito pouca consciência quando
apenas uma figura é feminina e todo o resto é inconsciente?
Dr. Jung: O Senhor tem toda a razão e há algo mais errado que esqueci de
mencionar.
Dr. Jung: Não está tudo errado, não precisamos exagerar, mas para uma
mulher moderna e atualizada, esta única figura consciente não é bastante,
deveríamos ter ao menos dois hermafroditas – ou outra mulher e dois
homens, o que seria melhor. Mas então a situação já não seria cristã.
Vejam, estes três Deuses mantêm a substância da Trindade no
inconsciente; a Trindade aqui consistindo de três Deuses pagãos...
89
O Ovo de Granito
E o que poderia ter causado uma tal desintegração – de acordo com a lógica
do inconsciente, que não é a lógica no nosso sentido superficial?
Dr. Jung: Sim, tivemos aquele simbolismo, havia esta pluralidade. Eu disse
que ela indicava atividade demais no mundo da serpente, e o mundo da
serpente é, muito claramente, o mundo dos intestinos, que significa a vida
inconsciente. Assim, todas essas serpentes nos dizem que há vida
inconsciente demais. Esta é a razão pela qual o símbolo da serpente está
indevidamente multiplicado e acentuado aqui; é também o que faz o próprio
ovo parecer tão sem vida, embora seja a parte que realmente deveria
desenvolver-se.
Comentário: Houve algo semelhante quando ela voou para a cidade eterna
no Pégaso. Naquela visão uma mulher jazia crucificada no chão e, quando
foi libertada, disse: “Durante um tempo longo demais eu fecundei a terra”.
Dr. Jung: Este foi outro pronunciamento do mesmo tipo. Há muita ênfase
nas regiões inferiores.
Comentário: Mas aquilo era necessário porque tinha havido muito pouco
antes, tudo estava em cima. Assim, isto seria um processo natural.
91
Dr. Jung: Mas aqui o inconsciente coletivo não aparece em qualquer de suas
formas naturais como mar, ou florestas, ou a terra, por exemplo; está
projetado em outras pessoas. Quando isto acontece, reações que seriam
comumente conectadas com fenômenos naturais são conectadas com seres
humanos, que então parecem funcionar como se fossem rochas que rolam,
ou relâmpagos, ou espíritos elementais possivelmente malignos.
Obviamente isto aconteceu aqui, ela projetou o inconsciente coletivo sobre
a opinião pública, sobre outras pessoas, e eles a estão ameaçando... Eles
dizem que o ovo não passa de granito, nada mais é que matéria: tem a
forma de um ovo, mas não é um ovo. Contra esta opinião pública
depreciativa, entretanto ela se agarra, quase desesperadamente, à
convicção de que o ovo é real.
Protegendo a chama
Este é um ovo muito peculiar, um oco comum não tem esses fios. Mas há
ovos que têm. Os Senhores conhecem?
93
Dr. Jung: Sim. Ovos de peixes. Ovos de tubarão, por exemplo. Eles têm
pequenos fios ou caudas, que se chamam chicotes. Os fios neste ovo são
algo semelhante. Nossa paciente teve uma excelente educação em zoologia,
assim ela conhece os ovos de peixe. Mas porque este ovo teria fios?
Dr. Jung: Sim. Este ovo era um conteúdo do mar, ele foi levado à praia do
mar do inconsciente coletivo.
Assim, ela é uma testemunha para a sua própria fé, ela defende o ovo, ou
ela mesma, contra a crença da multidão... A opinião coletiva sempre tenta
convencer do fato de que se é um ser humano comum. E disto o homem
está sempre tentando escapar, porque ser apenas um átomo, um grão de
areia no Saara, não faz qualquer sentido; não tem qualquer significado ser
apenas uma parte de uma acumulação, não se pode viver. A humanidade
tendeu sempre a desenvolver um modo de ver que a protegesse contra este
perigo tremendo, a estandardização e estultificação da individualidade...
Nesta visão ela se apega à sua convicção mais profunda e o efeito disto é
que o ovo instantaneamente mostra vida, atividade espontânea, divide-se
em quatro partes. Agora, isto o que significa?
PARTE X
SPRING 1969
2
O Ídolo Andrógino
Resposta: Libido.
Dr. Jung: Sim. O ouro apareceu antes como um disco, ou como a superfície
de uma poça sobre a terra ou abaixo dela, mas aqui parece ter sido
amontoado e ter tomado a forma de um ídolo. Isto é progresso, e quando
um símbolo progride, sabemos que deve ter alguma função, deve servir
algum propósito na psicologia desta mulher.
Pergunta: Estará ele atuando no sentido de fazer uma nova religião para
ela?
Dr. Jung: Todo ídolo tem a ver com religião, e se acontece que criamos um
novo ídolo, isto é, pelo menos, um passo no sentido de formar uma nova
religião. Mas esta não é uma tentativa consciente, apenas ocorre que ela
está vendo uma série de imagens. Assim, embora seja uma tentativa de
formar um novo ídolo, isto é tudo que podemos dizer sobre ele.
Mesmo assim, ele significa alguma coisa na mente dela... Tem que ser
especialmente enfatizado o caráter hermafrodita deste símbolo; há uma
4
idéia muito especial contida nisto... que explica porque tias figuras foram
criadas no passado...
Resposta: Sublimação?
Dr. Jung: Nunca! Isto é justamente o que ele não é. O símbolo hermafrodita
é hermafrodita precisamente porque a resposta não é sublimação.
Pergunta: O artístico?
Dr. Jung: Ele nada tem a ver com arte. Arte é apenas um particular meio de
decorar o nosso ninho, onde pomos nossos ovos. Bem, a visão biológica da
vida é que comemos, bebemos, propagamos nossa espécie, dormimos e
morremos; ela mira a natureza, a vida biológica. Mas acima e em oposição
5
Dr. Jung: Naturalmente. Mas, na medida em que eles tiveram cultura, sua
atitude biológica foi coibida, até mesmo aniquilada. Nas tribos primitivas
podem ser encontradas as coisas que são mais não-naturais, e todas elas
são culturais, porque a cultura afirma-se por coisas que são contra a
natureza; os maiores realistas que se possam imaginar são pessoas
primitivas, mas eles fazem as mais espantosas afirmações sobre a
natureza. Para tomar algo dentro da experiência deles, por exemplo: eles
sabem muito bem se uma horda de animais selvagens compõe-se de dois
ou de vinte, mesmo assim eles dizem que o pássaro-totem que eles
mataram em vinte diferentes aldeias, é um e o mesmo pássaro. Na
realidade eles sabem que vinte pássaros foram mortos, tantas quantas
eram as aldeias, mas eles afirmam que era um... E certos nativos
brasileiros declaram que são papagaios vermelhos. Eles não têm penas e
não voam, mas isto é apenas acidental, e é por mero acaso que os
papagaios vermelhos não têm feições humanas; eles nos afirmam que um
ser humano e um papagaio vermelho são uma e a mesma coisa. Agora, isto
vai contra o modo costumeiro de pensar destes primitivos... A própria vida
deles depende da mais apurada diferenciação e cuidadosa observação dos
fatos naturais. Sendo caçadores, eles têm que saber as condições especiais
da vida animal; eles podem nos dizer, por exemplo, se um rasto é de duas
horas, ou de dez minutos apenas, e nem imaginamos como eles sabem
isso. Ainda assim, eles fazem espantosas afirmações diretamente contra a
natureza, e na medida em que são capazes de fazer tais pronunciamentos
6
eles têm cultura, porque a cultura começa com o símbolo e cada um desses
espantosos pronunciamentos é simbólico. Não pode ser verdade que eles
são papagaios vermelhos; tem que ser uma afirmação simbólica, mesmo
assim a expressão de um fato – o fato de que de algum modo maravilhoso,
eles são aqueles papagaios que podem voar. O que supõem que eles
querem dizer quando afirmam isto? Conhecem algo semelhante?
Dr. Jung: Sim. A pomba do Espírito Santo é uma afirmação como esta, mas
há alguma coisa mais na nossa religião, mais próxima do âmago deste
simbolismo.
Agora, não está ainda nem um pouco claro o que significa este símbolo
andrógino. Alguns dos Senhores pensam entender o seu propósito
funcional, ou porque ele aparece neste momento em particular?
Resposta: Não é o oposto da visão que ela teve antes? Uma visão de um
homem com falos no lugar das mãos e uma mão como falo. [Esta visão não
consta desta edição].
Dr. Jung: Sim. Aquela era uma afirmação muito unilateral do sexo, e a
conseqüência natural da afirmação unilateral do sexo é que
instantaneamente somos reduzidos ao nosso papel sexual, a nada mais dos
que mulher ou nada mais do que homem; o significado da vida inteira fica
exaurido nesta forma particular. Do ponto de vista do cientista natural isto é
bom senso e perfeitamente satisfatório; é apenas vida, é assim... Se
olhamos para a natureza, tão longe quanto podemos – e é sempre uma
questão, naturalmente, de quão longe podemos olhar dentro da natureza –
é verdade que quando uma fêmea é apenas uma fêmea e um macho
apenas um macho, isto os apazigua, e pode ser considerado o sentido total
de suas existências. Mas com o homem isto se torna muito duvidoso, ele
construiu pirâmides e templos e Deuses que existem apenas naquilo que é
chamada “mera” imaginação. Tal comportamento é sem precedente, e nós
não nos maravilhamos o suficiente diante dele, nós apenas o temos como
certo. Ainda é assim, é como se a manada de zebras começasse a executar
ritos sagrados, ou macacos começassem a escrever livros. O homem criou
um segundo mundo para ele através da sua cultura. E uma vez que isso é
sem precedente na natureza como nós a conhecemos, só podemos supor
que, desde o alvorecer da espécie, o homem foi dotado com o instinto de
criar coisas que não podem ser encontradas na natureza. Mudando a
superfície do mundo ele projeta coisas na natureza, parecendo assim
possuir o instinto para criar algo que na sua essência não é natureza.
Mas vejam, ela não acha terrível que este ídolo, que obviamente representa
uma idéia ou experiência da deidade, seja feio, disforme e hermafrodita.
Quando não ficamos impressionados com um fato tão horrível, é porque não
o percebemos; vemos a forma, mas ela nada transmite; não dizemos: “Este
é o meu Deus”. Ainda assim, é o princípio supremo, quer acreditemos que
ele é ou não. Já que nossas vidas não são feitas por nós mesmos, é o maior
erro supormos que as fazemos; elas são feitas para nós. Assim, se eu visse
tal visão, ficaria horrorizado. Ela mexeria comigo violentamente, atingiria
minhas entranhas, porque minha atitude seria bem diferente. Porque
somente através dos nossos esforços, só assim, essas coisas nos dizem
algo. Somos inclinados a passar adiante sem realizar o que estamos vendo.
Isto acontece por causa da atitude estética que não permite que nossas
experiências se aprofundem e se tornem uma parte de nós; de outro modo
teríamos percebido muita coisa já bem antes. Pensem nas visões passadas
desta paciente sobre PAN ou sobre o touro. Não há muito tempo ouvi um
sonho em que uma mulher viu a transfiguração de um touro em um touro
branco solar – e isto era muito bonito. Mas, em termos estritos, o que
transmite tal sonho?
decisivo, e se Deus é um animal – como pode ser, já que Deus pode ser
tudo – então a pessoa é forçada a agir ao modo de um animal, a ser auto-
erótica, cega, imprudente, imprevidente, instintiva. Sem dúvida tudo isto
tem alguns pontos positivos: podemos ir longe com o instinto, ou quando
temos o impulso do animal atrás de nós, mas isto não é humano. A meta
última do homem, quero dizer a consciência que, até onde podemos ver, é
nossa meta última não é auxiliada por isso. Mesmo assim, podemos nos
emaranhar em tal confusão catastrófica que percebemos que estamos
forçados a isto por alguma coisa animal; então olhamos em volta e termos
que mudar...
Quando falo de uma visão superficial, isso nada tem a ver com o objeto da
visão, mas refere-se ao modo como alguém percebeu a coisa. A atitude
estética nunca permite que se penetre muito abaixo da superfície do que se
está vendo, e assim aquilo nunca se tornará uma experiência própria...
Porque não alcança a pessoa como ser humano. É por isso que tantas
pessoas usam a atitude estética, exatamente para tornar a vida suportável.
NIETZSCHE disse certa vez que o mundo nada mais é do que um problema
estético. Ele disse isso porque sem esta atitude ele teria sofrido tanto do
mundo que seu problema se tornaria insuportável. Assim ele cobriu o
abismo e aparentemente se contentou com a superfície polida das coisas.
Agora, esta paciente vê de novo e de novo a coisa grande... Ela nunca se
cansa de caracterizá-la. E mesmo assim, se eu tivesse lido para os
Senhores alguma dessas visões, seguidamente sem nenhum comentário, e
depois lhes perguntasse o que haviam ouvido, estou certo que teriam
ouvido palavras, visto imagens, mas que quase nenhum sentido teria sito
transmitido. Perceberam, por exemplo, a imagem arquetípica do
hermafrodita quando li sobre ela? “Ela tinha a cabeça de uma mulher... as
mãos de um homem, erguidas. A parte inferior era uma disforme massa de
ouro”. Isto é demais sucinto. Mostra que ela não o percebe, nem siquer
pára e admira-se. E eu lhes falei sobre o sonho do touro branco. Lá temos a
mesma coisa; a sonhadora ficou perfeitamente satisfeita com o fato de um
divino touro branco. Ela nunca parou para perguntar a si mesma: o que
significa se a imagem de Deus é um touro? Se eu sonhasse com um ser
divino mantido sobre uma plataforma e sendo adorado como o Sol – fosse
ele um leão, um caranguejo ou uma ameba – eu certamente me
perguntaria: porque vejo uma coisa dessas? Mas o artista se sente ferido se
eu lhe pergunto o que significa sua pintura... E somos todos indulgentes
com os artistas. Sabendo que eles querem nos impressionar com cores,
luzes, etc, os acompanhamos alegremente, porque não queremos ver o
fundo, é desagradável. Queremos ser baratos, deslizar na superfície. Mas
assim absolutamente nada acontecerá.
Comentário: Eu penso que estas visões devem ter algum efeito sobre a
paciente, porque mesmo sendo muitas, as coisas mudam e desenvolvem-se
Dr. Jung: Certamente. Supor que eu não penso assim seria um grande erro.
Ela está impressionada, agora mais do que no começo. Ela chegou ao
simbolismo da mandala, ela está presa àquilo que poderíamos chamar a
psicologia da mandala; isto é, ela confrontou-se com o inconsciente...
Certamente, isto tem seu efeito, o que não se pode negar. Mas isto não
acaba com a superficialidade geral das visões, o que, eu suponho, é óbvio
para todo mundo...
Dr. Jung: Bem eu não sei como o Senhor se sente em relação a elas: de
acordo com as minhas idéias estas visões não são o que se poderia chamar
belo; o sentido atrás delas é belo, ou pode ser expresso de um modo belo,
mas as próprias visões como se propõem, eu não chamaria artísticas; as
imagens nelas são como telegramas de um “marchand” para outro, elas
comunicam mas não carregam a disposição... Uma visão, que não pudesse
ser chamada superficial seria aquela em que a experiência toda está
expressa, uma descrição que nos prende tanto que não podemos deslizar
sobre ela, tanto que não podemos deixar de ver que há sentido nela. Mas é
claro, ela já não será necessariamente estética... A arte tem a tendência
para apresentar as coisas de um modo estético, sem enfatizar o sentido,
enquanto o pensar enfatiza mais o sentido do que o valor estético. Mas
cada um contém ambos de algum modo... Grandes símbolos, como os
símbolos da Igreja e do Budismo, são sempre belos... Isto corresponde ao
fato de que o homem não deveria ser apenas artista ou apenas cientista,
15
mas deveria ter ambos os lados. Assim, o pensador deveria apresentar seus
pensamentos sob uma forma agradável, e o artista deveria consentir que
aquilo que ele pinta tem certo sentido, e não ficar terrivelmente ofendido
quando se pergunta sobre isso.
Dr. Jung: O problema é que ela é ambos, peixe e pássaro; ela está sob a
influência dos dois. Que condição é esta?
Resposta: A luta dos opostos entrou nela sem que ela esteja acima dela.
é que somos muito como ele... E depois percebemos que nós mesmos
somos o nosso pior inimigo, que contemos exatamente aquilo que estamos
combatendo lá fora, que somos ao mesmo tempo tanto uma coisa como a
outra, então finalmente temos que reconhecer, se somos homens, que a
última coisa que combatemos é uma mulher, e que a última coisa que uma
mulher combate é um homem. O reconhecimento supremo é que um
homem é também uma mulher, e uma mulher é também um homem.
Então, o que podemos fazer? Agora já não é possível chutar o outro, só
podemos chutar a nós mesmos e isso não é interessante. Estamos
simplesmente pendurados. Por isso, o que simbolizaria a condição seguinte,
depois da condição hermafrodita?...
Resposta: A cruz.
O Problema é Coletivo
O ídolo não está só, mas rodeado por um círculo de adoradores. Onde está
acontecendo tudo isso?
Dr. Jung: Sim, mas se nós soubéssemos apenas sobre o ídolo? Ele pode ser
uma condensação de certas coisas pessoais... O ouro muitas vezes aparece
nas suas visões, assim podemos supor um certo interesse nisto – e o ouro
é, afinal de contas, a essência do dinheiro. Então o que poderia sugerir, em
relação a ela pessoalmente, a cabeça de uma mulher e as mãos de um
homem?
Dr. Jung: Esta imagem certamente está lá. Estas coisas podem ser vistas de
um ângulo pessoal, particularmente quando as imagens são tão sem forma,
embriônicas, uma mera conglomeração de complexos pessoais. Mas se nos
aprofundamos mais, vemos que esses complexos são a expressão de uma
idéia coletiva. Como podemos vê-la?
Dr. Jung: Sim. Existem analogias que mostram definitivamente que a idéia
que ela está produzindo aqui de um modo mais ou menos embriônico, não é
19
Dr. Jung: Sim... Quando as pessoas entram juntas num tal estado de
exaltação, sentem o grande poder que flui através da humanidade, elas se
tornam idênticas a Deus. Mas qual é o efeito fisiológico disto?
Resposta: Vertigem.
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Agora, tal simbolismo coletivo deve ser considerado sempre como coletivo.
Se supusermos que aquilo que a paciente viu é algo que afeta deste modo o
inconsciente coletivo, então não é válido apenas para ela, é válido também
para nós, e para todo o nosso tempo. Assim podemos concluir, ainda sob o
pressuposto de que este simbolismo tem validade geral, que a nossa atual
consciência do mundo está agora peculiarmente turva – sob uma estranha
fascinação. E se é assim, então a nossa consciência está mais primitiva do
que deveria. E quando a consciência é primitiva, que espécie de sintomas
mentais desenvolvemos?
Resposta: Emocional.
Dr. Jung: As emoções vêm à tona como resultado daquilo que JANET
chamou de abaissement du niveau mental (rebaixamento do nível mental).
Presumimos que nossa civilização atingiu um estágio (ANAHATA, na
Kundalini-Yoga) no qual podemos começar a controlar nossas emoções, e
não simplesmente ser suas vítimas cegas... Abaixo disto haveria um estágio
na civilização, caracterizado por irrupções particularmente impetuosas de
emoção (MANIPURA, na Kundalini-Yoga). E tivemos a evidência de tal
estágio na Grande Guerra de 1914, uma explosão de emoção de proporções
mundiais que ocorreu repentinamente, um vulcão que irrompeu sob nossos
pés... Se tivéssemos algum controle, teríamos desenvolvido pensamento e
sentimento em vez de emoção... assim as pessoas são gentis umas com as
outras, elas consideram os sentimentos do outro... e isso, naturalmente,
produz uma comunidade. Mas quando elas caem fora desse estado, que
condição se segue?
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Dr. Jung: Podem também apaixonar-se violentamente uma pela outra, mas
isso não significa paz. Descer mais para baixo significa guerra, desordem,
dissociação, uma completa desintegração... pequenas unidades mais ou
menos opostas umas às outras... Por esta razão uma consciência turva está
sempre inclinada a formar alguma coisa como uma seita, um pequeno
grupo, dentro do qual há completa identidade. Logo que alguém tem um
pensamento que difere dos pensamentos e sentimentos dos outros, há um
transtorno, uma explosão. Grandes organizações não são possíveis porque
uma diferença de opinião entre muitas pessoas faz com que as emoções
irrompam, o que significa imediatamente uma guerra... Só podem existir
pequenas comunidades com completa participação mística dentro e
completa hostilidade e emocionalidades fora...
Qualquer coisa que se possa dizer sobre esse processo é sempre apenas
uma parte dele, ele tem tantos aspectos, é uma coisa tão desconcertante.
Eu estou tentando aproximar-me dele através de material empírico, e desse
modo pode-se obter uma compreensão das religiões ou dos sistemas
filosóficos já existentes, que são análogos. Com o correr do tempo, talvez,
sejamos capazes de postular certos fatos fundamentais pela comparação de
uma quantidade de material muito maior do que temos hoje. Mas este
material não será acumulado nem em séculos, porque se trata do segredo
criativo da mente e eu duvido que nós possamos projetá-lo completamente.
Teremos certas convicções sobre ele que poderão durar dois anos – ou dois
mil – mas eventualmente serão sempre superados, porque o espírito
criativo não pode ser capturado em nenhuma fórmula...
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Dr. Jung: Mas eu não chamaria a natureza física com nomes tão feios.
Dr. Jung: Isto é verdade, é uma imagem materna. Mas o que significa em
conexão com o ídolo? Esta visão sugere que a idéia do ídolo não é mais que
a cobertura para esta Deusa primitiva.
...E essa Deusa arquetípica, que estava oculta sobre o outro simbolismo, é
agora mais essencial que o ídolo; em outras palavras, ela era a causa de
que o ídolo tivesse uma cabeça de mulher e mãos de homem, e fosse uma
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Os Senhores podem ver figuras de Deusas mães arcaicas, como esta, nos
museus... Encontramo-las em tribos primitivas, onde são sempre
marcadamente obscenas ou grotescas... Tais figuras têm algo
extremamente remoto e estranho em torno delas, sugerindo que são quase
inacessíveis à experiência pessoal... exceto sob certas condições.
Entretanto, nem cultos nem templos com tais ídolos neles existiriam se os
homens não tivessem uma intuição da realidade dos fatos psíquicos (de
uma natureza paradoxal e incompreensível) que eles expressam... Quando
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Como sabem, as mães são extremamente doces, mas são também ferozes
e cruéis como animais. Estou certo de que as jovens panteras devem ter
terríveis imagens maternas, porque as mães, no início, são
impressionantemente ternas – elas são mães maravilhosas – mas, de
repente, quando as ‘crianças’ crescem, elas rosnam para elas, afastam-nas
da comida com mordidas e brigam com elas da maneira mais vil; neste
momento, a prole adquire uma visão inteiramente diferente da mãe. Este é
o choque que gera a imagem terrível. Com seres humanos isto funciona do
mesmo modo...
27
Pergunta: Ela não pertence mais à psicologia oriental? Eles estão bastante
acostumados a ela em KALI.
Dr. Jung: Mas dentro deles mesmos são tão desacostumados dela como
nós. Eles a projetam em KALI, assim não têm nada a ver com ela; eles
pagam muito a ela e isto arranja tudo. Esta é a grande vantagem de tais
cultos. Nós não temos essa vantagem. Se descobrirmos uma figura
arquetípica como esta em nós mesmos, ela não está em nenhum outro
lugar. Estamos sempre identificados com tais coisas; elas são muito parte
de nós e temos que fazer acrobacias para nos destacarmos delas...
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Dr. Jung: Então a Senhora explicaria isto como uma espécie de madona
negativa, uma coisa inteiramente pagã e quase diabólica do ponto de vista
cristão?
Resposta: Sim; nós temos estado pensando bem demais das mulheres.
Dr. Jung: Sim, bem demais. E eu estou contente por ouvi-la dizer isto,
sendo uma mulher, já que esta é também a minha idéia. Assim o
inconsciente, aqui, produziu algo para que pensássemos... De certo modo,
esta figura é compensadora: na superfície da consciência, a opinião geral
das mulheres parece ser a de que são superiores, mas ao contrário disto o
inconsciente diz: “Veja isto. O que acha? Isto é o que está causando...
aquela dissociação entre a cabeça e as mãos. Esta é a razão do complexo
de ouro, que também, naturalmente, significa poder e influencia mundanos
e tudo isso”. Debaixo de todos esses complexos conflitantes está esta figura
asquerosa. E, em essência, parece ser o que uma mulher bastante moderna
necessita acrescentar à sua própria substância para ficar em equilíbrio; na
superfície sua condição está inteiramente fora de equilíbrio, ela necessita
este equilíbrio e esta figura a supriria. Agora, quando uma mulher vê tal
figura, o que pensam que seria o efeito sobre sua consciência? Em geral,
qual é o efeito quando temos uma muito boa idéia de nós mesmos e depois
descobrimos alguma coisa não tão boa? Eu penso no efeito real, não no
efeito que pensamos que deva ocorrer.
Dr. Jung: Isso é o que todos nós queremos, mas não é realmente o que
fazemos em seguida.
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Dr. Jung: Sim. Ela diz: arrasta-a para fora e que todo mundo a veja. Mas o
guia diz “Não, ela está coberta pelo grande ídolo... e não pode ser
mostrada”. O que significaria isto?
Resposta: Animus.
terríveis conflitos”, então estamos ocupados e tudo com que temos que nos
ocupar é com este ou aquele conflito: e com tais maravilhosos conflitos
somos muito interessantes para o nosso analista; mas não olhemos além
disso, não olhemos atrás disso. Podem ver, a reação dela aqui é muito
decente, ela quer levar aquilo para fora. Naturalmente, isto é um pouco
exagerado, não podemos aparecer com tais manchas negras; alguma coisa
tem que ser feita com elas, naturalmente, não apenas arrasta-las para fora.
Mas já que ela está tomando uma atitude extrema, o Animus coloca-se do
outro lado: “Não, ela está coberta pelo ídolo, conserve o ídolo, é menos
perigoso, menos repugnante e pelo menos parece-se com alguma coisa.
Esta mãe-terra não deve ser mostrada.” Chega então o momento crítico em
que a paciente deve decidir se persiste ou não na sua resolução original de
que estas coisas devem ser trazidas à consciência.
Este é o mesmo truque de novo: seria melhor deixá-la para trás, não
despertá-la. Assim, ela continua:
Visão: (cont.) Saí por outra porta e continuei a descida pelo caminho
estreito e íngreme. Cheguei a um grande precipício. Olhei sobre ele e
vi, no vale, homens em coches atirando-se louca e freneticamente
sobre outro precipício, homens e cavalos caindo no vazio.
[A mãe terra reaparece na visão seguinte como uma rocha com a forma de
uma velha bruxa que ameaça fazer parar a paciente e extinguir a chama em
seu peito. Esta chama é importante e é correto mencioná-la separadamente
porque a posse de uma chama como essa não pode ser tida como certa.
Sua presença “indica que o indivíduo pode destacar-se a si mesmo do
inconsciente e da identificação com as coisas”. Como o PURUSHA na
Kundalini-Yoga, que não se torna visível como uma chama enquanto
ANÃHATA não é alcançada, esta chama pode ser considerada a primeira
manifestação do Self independente. Assim, aqui, uma vez mais, “a mãe
terra, a terra mesma, está ameaçando a tomar posse da sua civilizada
consciência cultural” – para dominar sua personalidade consciente com uma
inconsciência ctônica.
Por que ela está vendo esta imagem mexicana no céu, e não embaixo, no
vale?
Dr. Jung: É isto. Em sonhos e visões, como esta, as coisas têm os seus
valores antigos. Para nós, o ar é apenas atmosfera que se estende por
muitas milhas e depois termina conde começa o espaço cósmico. Antes,
porém, o ar não era o que é para nós, ele era também um fator psíquico;
ele era o vivente, movimentado e invisível mundo dos espíritos, que são
seres do alento. Assim, quando alguém vê coisas no céu é porque aquela é
a moradia dos espíritos e o próprio ar é uma espécie de espírito...
Dr. Jung: Sim, o espírito mexicano lança uma sombra sinistra, e a paisagem
assume um caráter ominoso (numinoso?); seu encanto esvaece
subitamente com o aparecimento de um espírito ou Deus mexicano, e as
habitações humanas também desaparecem. Agora, esta é uma mudança de
disposição que muitas vezes ocorre. No início, sentimos alívio quando
compreendemos que uma fantasia estivera influenciando o corpo. Em
virtude das nossas idéias pré-concebidas de que coisas psíquicas são não
existentes, ou irreais, ou que podem ser tratadas por opiniões arbitrárias,
não percebemos que elas são, em si mesmas, entidades. Isto nos
possibilita, de certo modo, acreditar que uma coisa se resolve quando nos
tornamos conscientes dela. Esta idéia pré-concebida atravessa de ponta a
ponto a psicologia freudiana; se uma fantasia de incesto torna-se
consciente, eles pensam que ela está liquidada. Mas logo depois a mesma
imagem aparece no céu e então nos confrontamos com ela como um
problema consciente que deve ser trabalhado; simplesmente tornar-se
consciente do problema do incesto não o resolve. Supor que é assim, é
como esperar curar-se de uma doença física quando o médico a diagnostica.
36
Quando somos dominados por este estado, não adianta tentar reprimi-lo...
A longo prazo isto não funcionará... Temos que entrar nele. E o importante
é que isto não deve ser feito de modo involuntário, mas com decisão, e
conscientes de que estamos entrando no vale negro, que esta é a descida.
Estes velhos são seus ancestrais, mas não se mencionam mulheres, assim
são uma série inteira de Animi. São as crenças e convicções ancestrais que
agora servem como degraus de pedra para descer ao vale, de onde uma
vez eles subiram. Uma vez eles fizeram parte de um pilar (um daqueles
destruídos pelo índio) e agora ela desce pelo pilar, degrau por degrau, nas
costas dos ancestrais. Eles são como cariátides na arquitetura, uma figura
humana sobre a qual se assenta uma arquitrave, suportando uma à outra
ou suportando algum tipo de peso. Ela está descendo a escada inteira das
idéias e opiniões tradicionais; assim, sua descida aqui é abreviada, pode ser
comparada à mais detalhada descida que ela fez anteriormente, nas visões
em que ela retornou através do nosso tempo e através da Idade Média até
37
O Ancião Cego
O que é esta figura? Sua cegueira e o fato de dizer: “Em mim juntam-se as
eras”, poderia significar que ele é imensamente velho.
Dr. Jung: Este seria o aspecto positivo, mas aqui se trata do aspecto
negativo. Porque supomos que um líder tenha visão e este homem é cego,
ele não poderia ser um líder.
Dr. Jung: Ele é o homem de dois milhões de anos dentro de nós... E ele é
um fato. Podemos vê-lo em cada detalhe da nossa estrutura anatômica...
Estudem suas mãos, seu nariz, suas orelhas; em cada um poderão
encontrar o resultado de uma longa diferenciação, e traços de dois milhões
de anos, se consideramos essa a idade do homem, está também na nossa
psique. Os resíduos de toda aquela existência estão ainda aqui na nossa
realidade, contidos na escuridão do nosso inconsciente coletivo, e o nosso
inconsciente mesmo constitui apenas uma fina camada no topo das
profundezas oceânicas da história. Lá embaixo, naquelas profundezas,
descobrirão deste homem, que é praticamente imortal, contendo e somando
em si a vida das eras. E porque deveria ele ser cego:
Dr. Jung: Ele pode ter visão interna, mas externamente ele é cego. O que
significaria isso?
Dr. Jung: Sim, absolutamente não-adaptado. Ele não pode ver o nosso
mundo. Isto significa, simplesmente, que nós somos os olhos deste homem
que vive para sempre, porque nossa consciência É essencialmente um
olho... Um órgão que percebe o presente numa fração de segundo. Um
40
...A negritude deste homem parece vir do fato de que ele é um habitante
das profundezas, do oceano escuro ou da escuridão da terra. Ele pode ser
preto pela terra ou pela escuridão em que vive, porque a cegueira é
também escuridão...
Sobre sua testa há uma cruz de sangue. Quem seria marcado assim?
Resposta: Um criminoso.
Dr. Jung: Sim. Ele é marcado para o sacrifício, ele passou pelo sacrifício ou
está sendo sacrificado... A cruz simplesmente expressa o fato de que este
“homem antigo” tem que ser sacrificado em prol da consciência... Este é o
seu eterno sofrimento... Vejam, o inconsciente coletivo deveria ter uma
forma pela qual viver na consciência, sem ser marcado como um criminoso,
como moralmente inaceitável. Mas no nosso tempo nós marcamos esta
figura como um criminoso, e assim ele é excluído. Nós somos singularmente
inconscientes dessas coisas...
41
Visão: (cont.) Eu perguntei a ele: “Por que estás cego?” Ele disse:
“Grandes forças, que fizeram de mim aquilo que sou, também me
tornaram cego, assim eu estou acorrentado aqui como um degrau”.
Dr. Jung: ...Se o inconsciente pudesse ver, não haveria inconsciente... Esta
parece ser uma afirmação de fato, mas não explica bem porque as grandes
forças que fizeram dele o que ele é, ao mesmo tempo o cegaram... Ele não
teria dito que ficou cego se não assumisse que uma vez podia ver.
Outro bom exemplo, um dos melhores que já encontrei, está num livro do
explorador RASMUSSEN, sobre as tribos esquimós que estão mais ao norte
da Groenlândia. Ele fala sobre um pajé que conduziu sua tribo no inverno,
através do Oceano Ártico congelado, às praias do continente norte-
americano. Ele descortinou, numa visão, uma terra rica em focas e outros
animais, e quis conduzir sua tribo até lá, para que tivessem a oportunidade
de uma vida melhor. Seguindo sua visão, ele a conduziu através do gelo
flutuante. Na metade do caminho parte da tribo disse que tudo aquilo era
uma insensatez e voltou, mas todos morreram. Aqueles que continuaram,
chegaram ao continente americano e encontraram as focas. Este é um
exemplo da atuação da visão do inconsciente...
“ver” não é uma ação consciente, mas um evento; ela não é sentida como
uma atividade própria, ela apenas acontece a alguém. Assim, tendo se
tornado cego, o velho está agora acorrentado, porque ele está coberto pela
consciência.
Visão: (cont.) Eu disse: “Quem és?” Ele respondeu: “Eu sou o grande
filósofo do Oriente. Eu sou um cruzado. Eu sou CRISTO. Eu sou
AHASUERUS” (Judeu errante).
Resposta: Nada.
Significando que ele não tem conceitos claros porque ele se encontra muito
mais à frente no caminho da compreensão. Vejam, o pensar, de acordo com
o significado oriental da palavra, nunca é claro. O que nós consideramos ser
clareza intelectual é bem inferior àquela categoria da mente. Os conceitos
orientais nem poderiam ser expressos em qualquer língua européia. TAO é
vazio, é silêncio e vácuo total; é imortalidade, porque é ser para sempre.
Não tendo atributo de tempo, é atemporal, e não tendo qualquer qualidade,
é livre dos pares-opostos, é o vazio absoluto, e isto é o que eles tentam ser.
Esta sabedoria baseia-se em uma espécie de instinto, baseia-se na natureza
do homem primordial... Podem ver isto? Que instinto sugeriria tal idéia?
Que instinto conduziria um homem suavemente até ele entender que aquilo
que ele é depois é o vazio?
Dr. Jung: Bem, o Senhor poderia dizer morte, mas como chega a morte,
como a alcançamos? E como morremos decentemente?
Resposta: Vivendo.
Dr. Jung: Sim. É a vida mesma que nos conduz para dentro das coisas e
para fora delas. Quando ficamos mais velhos, naturalmente nos atemos
menos a certas coisas, ficamos cansados delas, elas já não nos interessam,
e tentamos nos afastar delas, livrar-nos delas... Assim, muitas coisas se
tornam ilusões ocas... Já não são novidade para nós. Porque fazer o
esforço? Mas sem ilusões ainda podemos fazer o que é absolutamente
necessário. Assim, vivendo, cumprindo nossa tarefa, crescemos acima dela.
Então chega o dia em que a superamos, então estamos nos aproximando do
vazio, e este é o que parece ser o mais desejável e o mais significativo.
Assim, acabamos onde começáramos. Esta é a filosofia do Oriente.
Agora o velho diz: “Eu sou CRISTO”. Como podemos entender isso?
Dr. Jung: Sim. CRISTO sacrifica-se para que o homem se salve, para que
seja redimido. Redimido do que? Nós o chamamos pecado, mas é
meramente a participação mística, a inconsciente unidade entrelaçada com
a matéria, com a carne. Esta é a condição da qual deveríamos ser redimidos
por um crescimento na consciência: por esta razão isto está simbolizado
com a chegada da luz na escuridão. O velho é sacrificado de novo e de novo
para que a luz aumente, já que a luz naturalmente aumenta pelo sacrifício
da inconsciência. Assim ele é também CRISTO, o ser sacrificado para que os
homens possam ter luz.
Dr. Jung: Sim. AHASUERUS é o Judeu Errante. A lenda sobre ele não é
judaica, mas medieval cristã e remonta mais ou menos ao século XIV. De
acordo com ela, AHASUERUS não oferece a CRISTO nenhuma ajuda, mas
foi um dos que o recusaram. Em outras palavras, ele recusou ser
sacrificado, ele não acreditou em CRISTO ou no seu sacrifício. Agora, como
podem explicar que o velho diz que é também AHASUERUS, o que significa
que ele não acredita em CRISTO?
Outra conexão interessante é que se diz que o Judeu Errante usa sempre
algo como uma bandagem sobre a testa, para cobrir a marca da cruz que
ele carrega lá. O velho, lembram-se, tem uma cruz, a marca do sacrifício
sobre a testa, e o Judeu Errante tem o mesmo sinal... Ele é o sacrificado, e
mesmo assim ele é também aquele que nunca é sacrificado.
Comentário: Deus.
Visão: (cont.) “Eu não posso continuar a pisar em ti”. Ele respondeu:
“Vai adiante, sua tola. Não haverá caminho algum à frente para ti
enquanto não houveres pisado sobre mim e passado além”. Então eu
subi sobre ele com o meu pé direito.
Comentário: Isto indica que ela tem que fazer uso consciente do ponto de
vista do inconsciente.
Dr. Jung: Sim. Qualquer analista diria que é preciso pisar sobre o próprio
inconsciente, ele é um degrau, um ponto de partida. Nós necessitamos o
inconsciente coletivo para curar uma neurose, digamos, ou fazemos uso
dele para nos tornarmos um pouco mais conscientes e assim podermos nos
controlar melhor. Mas por que ela hesita?
Resposta: Ela pisou nas costas dos outros, mas agora ela tem que pisar
sobre o estômago dele. Eu penso que qualquer um hesitaria.
Dr. Jung: Sim. Anteriormente ela não sabia o que fazia, ela apenas desceu
sobre aquela série de costas, sobre todas aquelas opiniões históricas. Agora
ela tem que encarar a coisa toda, e então tem dúvidas; ela tem que
enfrentar aquilo que o inconsciente realmente é... Se o qualificamos como
um conceito científico, então ele é pequeno, profano, quase sem
50
Resposta: BRAHMAN.
Dr. Jung: Sim. “Mais pequeno que o pequeno, ainda assim maior que o
grande”. Esta é a formula para BRAHMAN. Assim, é a súbita realização
nesta visão que a faz hesitar. Ela percebe que pode realmente pisar sobre
esta coisa, a qual é tão grande, e todo-abrangente e poderosa, que ela
poderia usá-la como se fosse pequena e sem importância. Vejam, isso
contradiz completamente nossas idéias e convicções religiosas. Como
cristãos ortodoxos, nunca poderíamos admitir que Deus fosse a coisa mais
pequena, o meio sem importância para um fim. O Oriente pode fazer isso
sem ferir-se. Mas nossa idéia é unilateral: aquilo que chamamos Deus é
todo-abrangente, absolutamente universal, imensamente maior que o
homem; não podemos usá-lo ao contrário, estamos sempre debaixo do seu
poder. Aqui, entretanto, o inconsciente fez emergir esta noção paradoxal do
maior e do menor.
Agora, pergunto aos Senhores, o que significa ir além dele? E por que tem
ela medo de pisar sobre ele?
51
Resposta: Pode ser que ela tema não ter o direito de fazer isso. Pisar sobre
alguém significa que se conquistou esse alguém, e tenho a sensação que
ela não está segura de tê-lo conquistado realmente.
ADAM CADMON é outro nome para ele. Ele é uma figura divina no mesmo
sentido que o PURUSHA, PRAJAPATI e o demiurgo gnóstico. Todas essas são
formas diferentes do homem primordial, que é uma personificação
essencialmente humana do inconsciente coletivo. Então, os quatro modos
pelos quais o velho caracteriza-se a si mesmo representam qualidades
especificamente humanas. O grande filósofo é o poder de reflexão, ou a
grandeza do pensamento humano; o cruzado é o homem na sua busca;
CRISTO é aquele que morre por suas convicções, e volta para tentar de
novo; AHASUERUS é o eterno peregrino, sempre procurando atrás alguma
coisa que perdeu, com a esperança de descobri-la no futuro. São todos
aspectos da vida e da experiência humana. Este é o homem em nós que
nunca encontrou expressão ou realização suficiente que o fizesse perfeito e
lhe concedesse o descanso. Este é o esforço sem fim da humanidade. Ele é
tão grande e poderoso, e divino no sentido antigo da palavra, que é natural
ter horror de pisar sobre ele, pois parece tão venerável, tão grande. Ir além
dele significaria consumar os antigos anseios da humanidade, liquidar
questões que o homem tem colocado desde tempos imemoriais... Assim, o
homem primordial apresenta à paciente uma tarefa que é demais para ela
e, naturalmente, ela hesita... Mesmo assim, na visão, agora, ela decide
pisar sobre ele.
Dr. Jung: Ah! Esta é a grande questão. Neste exemplo particular não
podemos dizer... Mas a humanidade já muitas vezes caiu num estado
desorientado, e o espírito – de algum lugar – reapareceu. Na igreja inicial,
por exemplo, por exemplo, havia um espírito divino que estava em
condições de acabar com toda a confusão daqueles dias. Mas que espírito é
este, em si, não sabemos e não podemos saber, porque é metafísico;
sabemos apenas o que ele significa psicologicamente. Na condição
semelhante ao leão há grande necessidade de algum tido de atitude...
Ficamos absolutamente perdidos na confusão, se não temos uma atitude,
54
Agora, a chama do leão está sempre buscando uma forma para entrar.
Provavelmente esta é a explicação do simbolismo do culto mitráico, que era
também um cultivo da natureza, o leão lá, é geralmente representado em
conexão com uma ânfora. Da ânfora sai uma chama, e de um dos lados
está representado um leão, enquanto do outro lado sobe uma serpente;
ambos estão tentando entrar na ânfora. O que significa isto no culto é
completamente obscuro; mas uma ânfora é um receptáculo de forma
definida, e uma condição caótica é como um líquido sem forma; o líquido
contido na ânfora poderia, portanto, simbolizar o desejo do homem de uma
orientação definida, poderia significar a atitude específica com a qual o
homem reage contra o caos. Agora, o espírito não vem do caos, o leão
sozinho não o faz; antes, deve ser considerado como um princípio que se
55
A Cova de Ônix
Dr. Jung: Certamente é uma mandala... Nós estamos atados às coisas pelo
desejo, e quando elas começam a tornarem-se caóticas, somos arrastados
para o caos... Contra o desejo que nos fragmenta, a melhor proteção para
cada um de nós é traçar um círculo mágico em volta de si mesmo, de modo
que nada possa escapar e nada possa entrar. Manter-se dentro de um
círculo é a primeira aproximação a uma atitude... Esta situação é
semelhante àquela do leão buscando a ânfora. A cova de ônix seria a
ânfora, e ônix é uma substância preciosa de que se fazem vasos; então,
obviamente, ela está procurando um receptáculo particularmente precioso,
no qual alguma coisa possa ser contida, ou do qual alguma coisa possa
emergir. Ela mesma, até, poderia entrar nele – nós não sabemos.
natureza especial do solo americano. E o ídolo que ela sustenta parece estar
vivo. Assim, esta velha índia, esse ser extremamente telúrico, segura o
germe de uma vida espiritual, peculiar àquele solo... Há uma parte de uma
antiga religião ainda viva... O quadro inteiro é um símbolo para a paciente,
de uma certa atitude que agora é necessária.
Dr. Jung: Sim, tem... Lembrem-se que tivemos este simbolismo antes.
CHURINGA, coloca-o sobre o joelho e o esfrega. Com esta fricção sua saúde
abalada e sua libido debilitada são transferidas para a pedra, e o poder do
“bom remédio” que foi infundida nela, lá fora, na natureza, se transfere
para o seu corpo; assim, ele troca libido com CHURINGA e depois vai para
casa e tudo está em ordem... Assim, a velha índia está tornando forte o
fetiche, incutindo-lhe a natureza do fogo...
Comentário: Ela não o está colocando o fogo para fazê-lo durar para
sempre?
Dr. Jung: Sim. Uma coisa que agüenta o teste do fogo é mais forte do que o
fogo, que é a pior forma de destruição. Este é o processo pelo qual
HERCULES tornou-se imortal; ele ergueu sua própria pira fúnebre, e tornou-
se imortal nas suas chamas. O mesmo motivo ocorre em SHE, de R.
HAGGARD, em que AYESHA consegue uma vida extremamente longa no
pilar de fogo... A idéia de que o ídolo poderia chegar a uma vida imortal... é
também sugerida aqui; esta é uma forma de produzir o elixir da
imortalidade, a TINCTURA MAGNA, que transforma tudo em ouro. Assim
sendo, sendo trabalhado numa cova de ônix – semelhante a uma mandala –
que lembra um forno alquímico, este ídolo, por estar ganhando a qualidade
58
Fogo de Emoções
Mas como poderia ser demonstrada tal coisa? Como poderiam determinar
que um processo psicológico desse tipo estivesse em andamento num
paciente, pelos conteúdos conscientes ou pelos símbolos oníricos? É
extremamente difícil... Apenas sob certas condições, eu faria tal
diagnóstico. Fogo, como sabem, simboliza emoção – chamas rutilantes são
emoções – assim, eu diria que qualquer coisa feita com fogo tem uma
conotação emocional. E, naturalmente, as emoções têm toda a sorte de
sentidos e causas. Nessa conexão, entretanto, uma coisa é particularmente
indicativa: uma paciente numa condição dessas, precipita-se nas emoções,
necessitando-as repetidamente, porque embora ela possa temê-las, mesmo
assim as necessita. Vejam, muitas pessoas preferem evitas emoções, mas
outras as estão buscando, mesmo que não pretendam isso de modo
consciente. Elas agarram-se à mínima provocação para ter uma emoção, e
algumas vezes até admitem isso. Então, sabemos que elas precisam do
fogo, do mesmo modo como um forno é necessário, para um determinado
propósito... Se a paciente diz: “Eu sei que parece tolice, mas eu sinto que
essas emoções servem um propósito, sei que elas têm que ser”, então
sabemos que este processo está andando, que uma tentativa está sendo
feita para produzir alguma coisa no fogo.
Agora, o fogo produz duas coisas: destruição – tudo que pode queimar será
queimado e então, se alguma coisa sobrou que pode suportar o fogo, será
precipitado, e em todo aquele refugo uma gota de ouro derretida vai
aparecer... As emoções são necessárias para a precipitação final da
substância preciosa; e não somente emoções passageiras, mas paixão. As
pessoas temem a paixão; então a paixão as domina. Elas pensam que a
paixão é um erro, mas precisam dela, e na realidade a buscam. Quanto
mais sabem, tanto menos negarão a paixão, antes a aceitarão, porque
sabem que ela é o fogo purificador necessário para a produção do ouro
puro. Há uma bela expressão deste simbolismo na Divina Comédia de
59
Dr. Jung: Não é a antítese, porque ocorre dentro do círculo, e assim o ouro
pode ser produzido. Mas se somos tomados por emoções fora do círculo,
podemos ser destruídos, devorados pelas chamas; nós necessitamos o
círculo.
Comentário: Este cone de ônix não sugere alguma coisa protetora, ele é tão
duro e frio.
Dr. Jung: O Senhor não deve concluir da minha observação que uma série
de emoções necessariamente significa ouro; ela pode indicar apenas a
60
queima do entulho, talvez por uma vida inteira, e nada sairá dela se não
ocorre dentro do círculo mágico... Há certamente um sem número de
emoções que nunca produz um grânulo de ouro.
Resposta: Eu penso que a prova de que ela necessita estar naquela cova é
o fato de que os instintos vêm correndo como uma manada de búfalos.
Dr. Jung: Exatamente. É muito bom que ela esteja lá, senão teria sido
pisoteada até a morte; assim, a qualidade protetora da cova torna-se bem
clara. E o que significa a investida da manada de búfalos? Um búfalo estava
lá, antes, provando que a situação estava em ordem quanto aos instintos.
Mas agora os instintos estão correndo sobre ela. Por que? Bem, o fato é que
o instinto nunca vem só, ele á sempre “legião”; sempre que vivemos de
acordo com o instinto caímos no coletivo, não podemos evitar isso, porque
o instinto é coletivo. Se vivermos com nosso instinto está tudo bem, mas
somos coletivos...
Dr. Jung: Não deveríamos. Porque se o fizermos, no fim ele nos pegará. O
fato é que, quando vivemos uma série de emoções que “caem bem” para
nós, vamos deslizando com elas e achamos isso até fácil. Ter tais emoções
pode ser desagradável, mas não podemos nos reter, caímos nelas de novo
e de novo, torna-se habitual, e atua como uma droga. Por exemplo,
ensinamos as pessoas com grande dificuldade, no decorrer da análise, que
elas deveriam dizer o que pensam, e então elas já não podem parar. E
falando apenas a verdade, elas hostilizam todo mundo... tagarelando
ingenuamente por aí, elas dizem as coisas mais afrontosas, e o diabo as
ajuda nisso. Mas elas se orgulham de ter aprendido a ser honestas e
sinceras; pensam que isto é analítico, mas é simplesmente um tagarelar da
pior espécie. Esse é um exemplo de como o instinto enreda as pessoas. A
emoção as arrasta sem que elas percebam isso e o instinto vulgar
finalmente toma posse delas, ainda sob a impressão de que estão fazendo
seus melhores esforços, na sarjeta onde tais coisas acabam...
62
De certo modo, é porque essa mulher está tomando uma posição contra o
instinto, que os búfalos arremessam-se sobre ela. Poder-se-ia dizer que é
um pecado contra o instinto o assumir uma posição que é consciente e
cultural, e que por isso está sendo atacada; sua tentativa de individuação
precipitou uma investida do instinto. Aquele rito mágico provocou o búfalo,
e onde há um búfalo, há uma horda deles... Mas se conseguimos nos
esconder numa cova mágica, então estamos protegidos, e a investida do
coletivo apenas passará ao lado.
A investida dos instintos deixa uma nuvem de poeira, que é como uma
névoa densa... Quando atravessamos a investida de uma emoção ruim
ficamos entorpecidos ou apenas meio conscientes... Esta névoa, nuvem de
poeira, representa aquela sensação entorpecida, e aí ela descobre pequenas
cobras com rabo de peixe. Lembrem-se que na visão anterior havia um
cercado de serpentes acima da bruxa, que representava seus medos.
Agora, aparentemente, essas cobras estão no ar. Mas não são cobras
comuns, porque têm rabo de peixe... o que significaria que pertencem à
água. Assim, elas são indistintas, medos meio-conscientes... Nas suas
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bocas elas carregam germes, e pelo texto posterior, é óbvio que são
germes de plantas. Então, junto com o fato de que elas significam medo, há
também a possibilidade de que emerja nova vida desses conteúdos
inconscientes. Os germes nas suas bocas são como o ramo de oliveira que a
pomba de NOÉ trouxe consigo ao voltar para a arca. Depois do grande
dilúvio vem o animal trazendo o símbolo da esperança, expectativa de terra
onde há plantas.
uma tumba. E dessa união está emergindo uma nova vida, como uma
criança.
Dr. Jung: Tem mesmo algo com isso... Mas na realidade, é, antes, um teste
sobre a segurança da cova... Se pudermos conduzir uma manada de búfalos
sobre uma ponte, por exemplo, sabemos que ela é segura e agüenta... Que
as emoções, como representa a manada, podem investir sobre o lugar
seguro sem destruí-lo, é um conseguimento que o torna real. Assim, a
passagem dos búfalos tem uma espécie de efeito mágico... Por ter resistido
à investida dos instintos, o lugar de segurança ganhou prestígio, poder de
cura, mana. É o mesmo com uma espada que matou; depois disso, é um
matador, e diferente, portanto, de qualquer outra espada; porque matou
um homem, é uma espada forte, uma espada-mana e pode-se confiar nela
para matar de novo.
Dr. Jung: Poderia ter esse sentido. Mas isso não é tão importante como o
fato de que as folhas da palmeira têm um movimento como que de fonte,
como o rabo do pavão. A palmeira é muitas vezes escolhida para simbolizar
a expansão da vida.
66
Dr. Jung: Provavelmente é alguma imagem primitiva como esta, outra vez,
mas teríamos que saber o que ela significa, e se temos alguns paralelos
para ela.
Dr. Jung: Sim. A raiz que abre portas é a mandrágora. É bastante irregular,
mas muitas vezes tem uma forma bifurcada, como um homenzinho mal
desenhado. Em museus podem ser vistos antigos espécimes que foram
usados para finalidades mágicas... E há uma lenda especial sobre ela. Diz-
se que quando um homem é enforcado, seu sêmen cai sob o cadafalso e
impregna a terra, e lá cresce uma mandrágora, que é meio vegetal e meio
humana. Quando alguém tenta arrancar aquela raiz, ela solta um tal uivo
infernal que a pessoa morre de pavor; então, ninguém se atreve a tentar
isso. Mas eles amarram o rabo de um cachorro preto à raiz e depois de
tapar os próprios ouvidos – lhe oferecem comida. O cachorro da um pulo
para a frente, a mandrágora solta-se com um uivo terrível, e o cachorro
morre. Mas como eles nada ouviram, podem assim obter a raiz. É também
chamada “a raiz que descerra”, isto é, que abre todas as portas e
fechaduras. Crescendo debaixo do cadafalso, é o fruto do intercurso mágico
do homem agonizante com a terra, com a matéria inanimada.
que abaixa seus galhos sobre MAYA quando ela dá à luz o futuro BUDA. A
mesma imagem aparece no “Prometeu” de SPITTELER, o jovem pastor
esconde sua jóia embaixo de uma nogueira e os galhos da árvore curvam-
se para guardá-la. Estes são paralelos para a imagem ao pé da árvore.
Então, o que representa?
Dr. Jung: Nesse tipo de círculo estamos distantes das emoções, não dentro
delas. A nossa liberdade foi ganha quando nos encarceramos numa cova.
Agora, esta pequena figura mágica representa, obviamente, o caminho para
uma liberdade que não é tão condicionada.
Dr. Jung: Sim. São símbolos do SELF. Simbolizam aquilo que na Índia se
chama PURUSHA. Agora, em que extensão isto significa liberdade?
Dr. Jung: Sim, isto dá liberdade... Mas queremos saber como o SELF torna
psicologicamente possível viver nas emoções.
Mas simplesmente saber da idéia do SELF não significa que tudo isso se
tornará verdadeiro, que as coisas realmente acontecerão desse modo. É
apenas a idéia, apenas aquilo que se diz sobre o SELF. Porque conhecer o
SELF leva um longo tempo, uma longa educação. Na Índia é necessário
todo o treinamento de um iogue para realizar a identidade do SELF que
nunca permite a alguém trocar-se por qualquer outra coisa.
“SEMINÁRIOS SOBRE VISÕES”
PARTE XI
SPRING 1969
2
Níveis de Consciência
Agora, esta condição pode facilmente ser eliminada por uma onda de
emoção; e por isso aquele que conseguiu o estado de ANÃHATA receia tudo
4
que possa aumentar suas emoções; evita as pessoas que possam aborrecê-
lo e situações que criem emoções que ele não possa controlar, para
preservar o estado ANÃHATA. Então, de novo, se alguém sobe de ANÃHATA
para o centro seguinte, VISUDDHA, o reconhecimento de que sou um
princípio ativo é o pior inimigo da luz superior que diz que EU, o ego, não é
a coisa, EU não sou o observador ou o controlador de minhas emoções.
Então vem a idéia de que EU não sou, o que é um aumento de luz sobre
aquele que diz EU sinto isso e aquilo ou EU fazendo isto e aquilo. É uma
negação do nível superior. Eu apenas menciono estas coisas agora, para
mostrar-lhes que cada estágio de desenvolvimento é contra-atuado pelo
estado precedente, e o estágio precedente age de novo, exatamente, como
se ele fosse a escuridão original. O bom torna-se o inimigo do melhor...
Agora, essas diferentes condições são uma série, na realidade como a série
de visões de nossa paciente, apenas suas visões são quase caóticas, e não
um contínuo elevar da condição. É como ocorre na realidade, uma elevação
e uma queda, um construir e um destruir; e quando as ondas alcançam
mais alto, a destruição torna-se correspondentemente pior...
Dr. Jung: Sim, então seriam coisas que pertencem à região ANÃHATA, que
é a região do ar, porque é a região do coração e dos pulmões. Aqui temos o
sangue e o ar. Tudo que pertence à área acima do diafragma é expresso
por uma ave: podem ser pensamentos ou sentimentos, conteúdos da
personalidade que pertenceriam a um nível mais algo. Agora, naturalmente,
5
Comentário: Acho peculiar que aquelas aves não caem, elas parecem subir.
Dr. Jung: Porque pertencem ao reino do ar, elas simplesmente são seres do
ar de ANÃHATA, que estão feridos por esta descida a MANIPÛRA.
Isto mostra a conexão das aves com ela mesma. Ela é uma dessas aves, ou
é o centro para elas. Essas aves são seus pensamentos, seus sentimentos,
suas idéias, todos os conteúdos mentais que pertencem a uma condição
superior de consciência e, assim, naturalmente, ela mesma está ferida e
lesada pela descida a MANIPÛRA, embora não esteja dilacerada como as
aves, porque ela não pertence exclusivamente a ANÃHATA, ela está
também em MANIPÛRA. As pessoas podem viver em MANIPÛRA, sem se
ferirem quando elas realmente pertencem a esse nível, mas tudo nelas que
6
O que é isso?
Dr. Jung: Sim. Talvez se lembrem daquele belo Negro espiritual: “Encontrei
um lar naquela rocha” (I found a home in that rock) referindo-se a CRISTO.
CRISTO é a caverna, o lar na rocha, em que se encontra abrigo. Essa rocha
azul, expressa através do simbolismo cristão, é o próprio CRISTO. Seria
uma bela analogia, qualquer Padre da Igreja teria se enamorado desta
interpretação sem hesitar. Naturalmente, a interpretação psicológica, que
seria também a do cristão, é um pouco mais difícil de entender.
Sugestão: Não seria este um outro símbolo para o SELF? O Senhor falou
dele como a palmeira, e quando esta estava no centro, era uma rocha
morta. Aqui é também rocha morta, mas ela ainda tem propriedades
curadoras... E mais, está no centro, e o azul é uma cor espiritual.
Dr. Jung: Sim, o que quer que esteja no centro refere-se ao SELF, e esta
cor azul indica o ar, ele é encontrado quando alguém alcançou o ar. E
alcançamos o ar no centro ANÃHATA, onde o texto tântrico diz que se vê
ISHVARA, o Senhor... Agora lembrem-se que a água sempre tem a ver com
9
Mas sem dúvida existe aquela relação com SVÃDHISTHÃNA, sempre que
aparece o simbolismo da água. A fonte batismal é sempre SVÃDHISTHÃNA;
é a volta ao ventre da consciência, já que a consciência emergiu naquela
condição... A volta a uma tal condição tem valor curador porque traz as
coisas de volta às suas origens, onde nada foi ainda perturbado e ainda
tudo está certo. É como se alguém recebesse lá uma espécie de orientação
de como as coisas realmente deveriam ser. Assim, quando estamos num
dilema ou em dúvida sobre alguma coisa, nós ‘dormimos sobre ela’, e
quando acordamos na manhã seguinte, com muita freqüência temos mais
clareza, temos uma sensação definida sobre aquilo... Voltar à mandala é
algo como um sono ou um transe em que a consciência é abolida em
grande extensão e as coisas podem encontrar de novo seus trajetos
naturais. E a água é curadora simplesmente porque é a condição rebaixada
da consciência em que tudo está imperturbado e pode, portanto, retornar
ao ritmo certo.
A Descida à Cidade
Dr. Jung: Sim, como um êxtase dervixe, como uma espécie de loucura
orgiástica onde o tema é ferir a si mesmos e uns aos outros. De onde vem
isso?
Ela continua:
Sugestão: Na imagem o sentido poderia ser, se ele que é mais pequeno que
o pequeno está protegido pela sua mãe, então aquilo não importa.
12
Dr. Jung: Oh, o Senhor toma a coisa toda simbolicamente, aquela mãe de
Deus sendo realmente uma proteção. MARIA protegeu o SENHOR como se
fosse uma criancinha. Ela é o símbolo daquele que contém o centro de
ANÃHATA. MARIA é realmente o símbolo da individuação. Ela é a mãe do
PURUSHA, assim é o símbolo da individuação para a mulher, como CRISTO
é o símbolo da individuação para os homens.
Dr. Jung: Está certo. Poderíamos dizer também que este era um aspecto da
sociedade feminina. Embaixo ou atrás da cena, elas se enfurecem contra si
mesmas e umas contra as outras e em cima é a maravilhosa maternidade
sagrada sobre um pedestal para ser adorada, o que elas querem ser ou o
que elas querem fazer acreditar. Pode ser dito assim também, mas é mais
aproveitável ver o significado verdadeiramente simbólico, não a alegoria, e
o significado simbólico, neste caso, seria antes aquilo que dissemos, que
MARIA representa aquele que contém ou é a mãe do PURUSHA e que está
acima da confusão, não perturbada. Ela está completamente livre da
participação mística com a turba enlouquecida. E a paciente mesma não
entende porque esta mulher não participa, pensando que ela deveria sentir-
se mal com aquela cena. “Não tens sentimentos?” Isto é o que as pessoas
com freqüência perguntam umas às outras. “Não tens compaixão?” “Não,
não tenho!” “Mas não vês como se ferem uns aos outros?” “Sim, eles são
uns malditos idiotas!” Porque deveria alguém desperdiçar sentimentos com
tal loucura? Por isso aquela virgem mãe é um símbolo bastante positivo e
penso que este aspecto é mais importante do que a atitude de maternidade
sagrada, que é uma espécie de dito espirituoso medieval.
Ferindo os Sentimentos
Dr. Jung: “Porque eles têm que nos conhecer!” – Esta é agora a mais
ultrajante projeção jamais inventada! Elas têm que conhecer-se a si
mesmas! Mas porque elas não se conhecem a si mesmas, elas dizem que os
homens devem conhecê-las, porque os homens devem fazer todas as coisas
que as mulheres não fazem!
Dr. Jung: Naturalmente. Ele mata seu próprio sentimento para ser capaz de
argumentar. Primeiramente, ele suprime seu sentimento e depois vem com
um argumento que irrita particularmente as mulheres. Elas entendem
melhor quando ele chega primeiro com seu sentimento... É difícil entender
porque ele mata seus sentimentos, mas este é o caminho geral do mundo,
as coisas acontecem assim. O ponto de vista do homem é que ele faz isto
para ser forte. Naturalmente é necessário que um homem seja forte no
mundo, de outra forma ele nada pode fazer. Mas de que maneira ferir seus
sentimentos acrescenta algo à sua força?
Sugestão: Ele faz um tremendo esforço para colocar toda a sua libido na
cabeça.
forme ou sede, porque não encontrou sua própria satisfação no seu modo
de aplicação... O pensamento nunca pode satisfazer o sentimento, nem o
sentimento pode satisfazer o pensamento. Com a mulher é o contrário. Ela
toma o pensamento e o força em sentimento. “Não se deve sentir assim em
relação ao marido, deve-se ter bons sentimentos. Eu amo meu marido”.
Mas é um amor vazio insatisfatório, auto-centrado, não há nada nele; está
eternamente esfomeado e sedento, porque aquele apetite só pode ser
satisfeito por um pensamento correto. Por isso as mulheres recuperam-se
intensamente, muitas vezes, quando lhes é permitido pensar todas as
coisas desagradáveis que negaram a si mesmas anteriormente. Assim,
matar o sentimento é procurar como satisfazer aquela libido que não
encontrou sua aplicação adequada ou sua resposta adequada...
Dr. Jung: Sim. Vejam, o fogo é, naturalmente, aquela chama que queima e
purifica tudo; assim, excogitar um certo problema é como se alguém o
estivesse permeando com a chama da inteligência ou com o pensamento
lógico. E isso é o que temos feito; temos pensado fundo em muitas coisas
que nunca fizemos, nem sonharíamos fazer. Há um sem fim de sistemas
que dizem exatamente o que deveria ser, mas ninguém o faz, ninguém
chega lá; mesmo o homem que o prega, não o aplica...
Observação: Ela deve ter voltado atrás, a uma forma de atitude antiga.
Visão: Eles lhe deram leite para beber e jogaram flores brancas
sobre ele.
18
Dr. Jung: Sim, mas e o touro? Porque deveria ele ser alimentado ou
adorado pela inocência?
Dr. Jung: Sim, há a conexão entre o Deus e o touro, e entre o sol e o touro,
ou o sol – ou HELIOS – e MITRA. Mas há outro aspecto importante. O fato é
que, olhando as coisas de um ponto de vista otimista, nós simplesmente
seguimos uma tendência natural, uma espécie de bom sentimento geral,
tudo está bem, não há nada perigoso e mau, e nós somos todos pessoas
muito “direitinhas”. É uma atitude instintiva de bem-estar geral, uma
espécie de ilusão. E o aspecto negativo é também um assunto desses,
emocional-temperamental sem inibições. Do mesmo modo como abraçamos
todo mundo e todo mundo é nosso irmão ou irmã, assim também podemos
ser inimigo de todo mundo, ou todo mundo é nosso inimigo, e podemos
odiar o mundo e sempre assumir as coisas erradas. Em outras palavras,
podemos ser levados por estados de ânimo e por emoções.
aquela força que nos faz resmungar e ficar irritados com tudo, que faz odiar
as pessoas. Porque o touro é uma veemente besta selvagem que simboliza
uma falta de controle, exatamente aquilo que somos quando simplesmente
seguimos nossas emoções. Assim, se podemos ir atrás de nossas emoções,
chegamos ao assim chamado princípio divino metafísico transcendente, que
pode ser simbolizado como um Deus na forma de um animal.
O Sol Negro
Isto tem que ser um pensamento quase intolerável que emerge. O que
significa o sol negro?
Dr. Jung: Exatamente – com uma coroa em volta. Quando a lua passa em
frente ao sol e o obscurece, a coroa é o halo ígneo da atmosfera do sol. O
que significaria aqui o eclipse do sol?
Dr. Jung: Sim, e na China eles soltam fogos de artifício e atiram com armas
para afastar os maus espíritos. Mas de outro modo, como reagem? Em que
peculiar condição psicológica entram eles?
Resposta: Pânico.
Resposta: Podem ser os seus próprios braços. Ela está sendo consumida em
chamas.
Dr. Jung: Pensa que ela está sendo arrastada para o inconsciente e que
então os seus braços estendidos apareceriam? Bem isto é perfeitamente
verídico. Mas aqui eles certamente aparecem como atributos do sol que
está obscurecido, transformado no seu próprio oposto: em vez de emanar
calor, o está absorvendo... A escuridão não doa, mas suga e traga, assim
ela está ameaçada de ser envolvida por aqueles braços de morte. Agora,
22
Resposta: Insanidade.
Observação: Ela não foi capaz de entender o touro; por isso o Animus a
agarrou e possuiu de novo.
Dr. Jung: Sim, esta é uma colocação acertada, mas não explica
inteiramente. Lembram-se que o touro foi trazido par a praça do mercado
como uma espécie de resposta a toda aquela insensatez sofrida que estava
acontecendo. O inconsciente diz, mas o que há com o touro, o poder e o
centro da vida, a consciência – porque deveriam as pessoas estar nessa
inconsciência tão infernal e comportarem-se como loucas?... Então o brilho
do sol é amarrado e uma rede é estendida sobre ele. Mesmo assim, alguma
coisa ocorreu, de outro modo ela não estaria tomada por este pânico
inconsciente; não haveria a ameaça de insanidade se esta visão do touro
não significasse tanta coisa. Mas podem ver em que extensão a insanidade
poderia aparecer aqui? Eu admito que esta não é uma boa fantasia, é como
um mau sonho, um sonho mal feito.
agora ela está sendo jogada de volta às pessoas que estão para trás. Essa
perda dos anos à frente, poder-se-ia dizer, é o que acontece a ela agora.
Ela está ameaçada de cair de novo no passado, na situação em que se
encontrava antes de ser analisada, o que para ela era alguma coisa como
uma situação louca – isto é, ela estava neurótica, provavelmente, e por isso
veio para a análise.
Dr. Jung: O Senhor toma o porão como o inconsciente. Isto é muito certo,
só que há o pequeno problema de termos dito justamente que o sol negro
era o inconsciente.
Dr. Jung: Exatamente. Nesta condição não seria suficiente dizer que ela
entra no inconsciente. Vejam, o inconsciente aqui é o obscurecimento
daquele sol negro, é um fato cósmico, é o inconsciente coletivo no seu
vasto aspecto universal, e isto ameaça... sugá-la e despersonalizá-la
completamente. Agora, contra isso, ela desce como se estivesse indo para o
inconsciente. Dizer que é o inconsciente é bem correto, mas é um
inconsciente muito especial. Agora dizem que é de novo a mandala. Isto é
24
Quando nossa paciente entra neste lugar, significa que ela retorna a si
mesma, àquela pequena unidade vivente que ela representa; ela é aquela
casa feita por mão humana, ela chega lá, aonde ela é desligada e protegida
contra os horrores circundantes...
Dr. Jung: Sim, uma corte de justiça ou qualquer coisa desse tipo, sentada
nas profundezas. Vejam, isto mostra outra vez que ela entra no
inconsciente, entra na mandala, porque não se supõe que tudo na mandala
seja consciente... Agora, estes velhos são, cada um deles um Animus, uma
típica coleção. E o Animus – podemos falar dele no singular – a pergunta a
ela: “Tu viste as aves?” Porque se pergunta uma coisa dessas?
Dr. Jung: Sim, mas as aves a feriram também, seu sangue caiu sobre ela e
a feriu. Que pensamentos-Animus podem ferir é um fato bem conhecido, e
uma mulher que tem pensamentos-Animus está sempre se ferindo. Porque
o Animus está sempre longe do alvo. De uma maneira peculiar, ele está
sempre contra a vida. Ele não é a expressão da vida; ele é com freqüência,
alguma coisa diretamente contra o sentimento, os Senhores sabem disto
muito bem. Por isso, aquelas aves devem ser, realmente, pensamentos-
Animus que a feriram. Mas ela pôde se proteger; ela foi curada pelo fogo.
Observação: Eu pensei que ela tinha sido curada pela água da rocha azul.
Dr. Jung: Ah, sim! Mas também pelo fogo, ela se identifica agora com o
ídolo que foi curado pelo fogo; isto se refere àquele fogo que faz ficar forte,
que produz o ouro puro; por isso ela diz: “Não há fogo curador na cidade?”
Também aqueles Animi estão sentados ao redor do fogo.
O Fogo Curador
Dr. Jung: Exatamente. E então nada acontece. Tudo é escuro e sem vida.
Observa-se isso especialmente em casos de melancolia, bem como nas
depressões comuns; o mundo todo parece ser sem vida, as pessoas
parecem estar mortas. Na melancolia isto vai quase tão longe como uma
ilusão. Certa vez um homem me disse que todo o mundo parecia irreal,
como uma reprodução fotográfica, não era nem mesmo plástico, apenas
achatado e sem cor nem movimento, como se tudo estivesse congelado e
endurecido. Assim, quando esta mulher sai para o aberto, descobre que sua
libido está retirada do mundo, ele sente que está só. Mas ela relata:
Resposta: Espírito.
Sugestão: Tudo que foi reprimido pela era cristã eclode outra vez de baixo.
Dr. Jung: Digamos, a última era cristã na forma da fase vitoriana, cujo Deus
era a respeitabilidade... Nosso ideal de respeitabilidade indica que de modo
algum somos respeitáveis. Os gregos e romanos diziam dos persas que eles
eram os cães mais sujos que jamais existiram e por isso tinham o mais alto
ideal de pureza, a mais pura religião. E os cristãos têm o mais cruel e
sanguinário registro jamais conhecido e por isso têm um ideal de amor.
Vejam o que fizeram no Oriente, sob o nome de “cruzadas”. Nas últimas
cruzadas nem mesmo foram a Jerusalém, mas a Bizâncio, pelos tesouros
imperiais de lá. Atravessaram os Bálcãs e a Ásia Menor e queimaram e
saquearam por toda a parte. O que fizemos para o mundo em geral é sem
precedentes, e tudo em nome de JESUS.
O Caminho Individual
Dr. Jung: Mas o inconsciente tem muitos caminhos; esta é uma senda
muito específica.
Dr. Jung: Não necessariamente. Não, esta é a sua senda própria, em que
ela está cercada por altas rochas de ambos os lados; não há escapatória,
este é o seu caminho inevitável. Agora, o que significa todas estas ruas em
Nova Iorque convergindo para um caminho?
Sugestão: Isto significa que Nova Iorque inteira não lhe diz respeito
realmente, mas apenas o caminho individual é importante para ela.
Sugestão: Ou ela pode estar contida neles, todos aqueles vários caminhos
convergem em um... Se todas as ruas convergem para um caminho, é o
próprio caminho dela e este está dentro da situação coletiva.
Isto não parece muito esperançoso, ela obviamente não gosta desta senda.
É verdade que é a coisa mais fácil no mundo ser carregado pela
coletividade, ser movido pelo vento, porque assim não se tem que fazer um
esforço, pode-se ser levado com a massa. De certo modo isto é até bem
bonito, embora excessivamente perigoso, porque um movimento desses
sempre leva a um lugar de estagnação; todas as águas correm para baixo,
para um lugar de estagnação, e assim acontece com todos aqueles
movimentos cegos, eles nunca conduzem para cima, mas sempre para
baixo.
Nossa paciente confronta-se aqui, obviamente, com uma difícil tarefa. Ela
tem que ver o fenômeno inteiro que a cerca, o movimento coletivo, como
sua experiência individual, na qual ela está presa. Já não é mais a
experiência das massas; é a sua própria experiência. Ela tem que começar
a pensar para onde isto leva; ela tem que sentar-se e refletir sobre isso.
Agora ela continua:
Aqui ficamos sabendo que a estrela estava no seu peito. E a quê era
idêntica lá?
Sugestão: É para vê-lo, como se ele se tornasse uma espécie de objeto dela
mesma.
Dr. Jung: Sim, ela objetiva aquela idéia ou intuição do SELF em uma forma
visível e faz dele um ídolo, uma coisa que para nós é quase pagã, porque
atuamos sob a impressão de que não deveríamos fazer imagens das coisas
sagradas, da idéia de DEUS, por exemplo, porque isso seria uma idolatria.
No entanto, aparentemente, seu inconsciente está bem a favor disso...
Podem ver que um mágico rito de entrada aconteceu aqui. Sua tarefa era
descer o caminho preto para a incerteza e a aventura. Naturalmente ela
tinha medo e hesitava. Então, para juntar todas as suas forças ela executou
um “rito de entrada”. Ela realiza aquele culto do distanciamento, produzindo
o distanciamento de si mesma para ficar livre da investida de todos os
perigos do caminho. Porque naquela senda descendente, ela está entrando
na escuridão do inconsciente onde, praticamente, ela não é mais ela
mesma, onde ela mesma é transformada em uma espécie de demônio e
onde os demônios a atacarão...
Agora, depois de ter acabado este “rito de entrada”, ela está aparentemente
preparada para encontrar os riscos da escuridão. Mas, nem bem está ela
naquele caminho para baixo outra vez eis que:
Dr. Jung: Sim, já tivemos essa figura, ela fez um desenho onde adorava
PAN (página 42 do original; página 58 do digitado, parte II) – uma espécie
de fauno com pernas hirsutas de animal. Aqui assemelha-se mais a um
símio, porque ela não fala de cascos...
Dr. Jung: Bem, eu nem diria o mundo animal. Seria humano também,
alguma coisa maligna... Agora, o homem não falaria dessas coisas se elas
não existissem e não se mostrassem de uma forma psicológica... Se alguém
é uma pessoa ardilosa, uma espécie de malandro natural, então ele é
possuído por um capeta, ele tem toda aquela qualidade maligna que
consiste me fazer uma coisa justamente de modo avesso. É possível
descobrir na análise também, pessoas aparentemente muito adequadas,
mas não suficientemente certas. Elas distorcem as coisas só um pouquinho,
mas de um modo particularmente desalmado.
Ela “despossessa” seu cavalo, assim tem ela mesma uma chance de
controlar de novo o cavalo, sua própria libido. Então, imediatamente, o
demônio muda sua forma, ele é agora um pequeno anão preto. O que
significa isso?
37
Dr. Jung: Sim, eles são indiferentes, poderíamos dizer. Eles trabalham tanto
a favor como contra o homem. Eles também são capetas, mas de natureza
menos demoníaca; nós não usaríamos a palavra demônio para um anão.
Um anão é um poder subordinado, simbolizando também um fato
subordinado na psicologia humana, enquanto um demônio é considerado
quase superior ao homem. Um demônio enche alguém de pânico, enquanto
com um anão isso não acontece. Um anão é apenas um complexo
autônomo no inconsciente de alguém, digamos, que pode ser controlado.
Agora, já que ela mostrou certo brio na situação, porque ela interferiu e não
apenas aceitou o fato de um demônio montado na sua libido, ela o reduz ao
tamanho de um anão.
Aqui torna-se óbvio que o não está muito ressentido. Ele não gosta de ser
despotencializado e de um modo bastante débil tenta sua vingança. O que
significa isto? É uma espécie de metáfora.
Dr. Jung: Sim, suas roupas são sua Persona, a atitude pela qual ela tenta
adaptar-se às suas condições de coletividade, e ele vai perturbá-la nisso.
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Dr. Jung: Sim, se ela quer mostrar dignidade, então alguma coisa acontece
que perturba completamente esta atitude. Mas eu gostaria de ouvir um
caso específico, não generalidades.
Vejam o anão é quase invisível, uma presença espectral que não está sob
seu controle. Mas se o Animus assumisse uma forma humana, a estatura de
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um homem, isto seria alguma coisa visível e humana, com a qual ela
poderia estabelecer certa comunicação ou relacionamento. “Teu cavalo está
caído”, significa que ele já não tem mais sua libido, mas ele tem a sua
própria, e sua própria dignidade e pode caminhar como ela caminha. Ele
tem que estar em termos de igualdade com ela, e mostrar-lhe o caminho
para baixo, para a sua terra.
É bem claro que ser um homem comum significa ser uma mente comum, a
própria mente dela, que ela pode controlar e que está coordenada com ela.
Se sua mente tivesse um poder indomado isto seria devido ao fato de que
sua libido se deslocara para o Animus, ela teria feito de sua mente um
Animus. Sua mente é uma função em si mesma, mas quando há muita
libido ela se torna um Animus, fica inflada, torna-se autônoma e assim a
tem no seu poder. Mas ela agora está num nível igual com sua própria
mente, que pode funcionar, ela está claramente tentando usar sua própria
mente como seu guia. E qual é a “terra” desta mente normal?
Resposta: A realidade.
Dr. Jung: A realidade como ela é, a realidade da qual ela esteve longo
tempo afastada. Isto nada tem a ver com o inconsciente. Se houvesse um
Animus sua “terra” seria o inconsciente coletivo, porque o Animus é
normalmente uma função, poder-se-ia dizer a fímbria semi-consciente de
sua mente, através da qual ela percebe o inconsciente coletivo.
Dr. Jung: Ela é agora a sua própria mente. É também possível que esta
parte de sua mente esteja projetada em um homem real.
O Emergir da Serpente
Dr. Jung: Isto é bem certo. Esta passagem confirma aquilo que estivemos
dizendo, a mente e o Animus juntos carregam o símbolo. O símbolo é a cruz
e está marcada no seu peito – a sua mente está marcada pelo símbolo. Esta
é uma condição dolorosa, aparentemente, porque carregar o símbolo é uma
41
...Porque sua consciência cresceu, ela agora descobre que está caminhando
sobre o corpo de uma serpente viva... A serpente é um símbolo tão
sobrepujante que sempre que surge é extraordinariamente significante. Mas
para poder dizer alguma coisa clara e compreensível neste contexto, temos
que nos ater estreitamente à visão atual.
O fato de que eles descobrem que o caminho é uma serpente significa que
aquilo que eles julgavam ser morto e nada mais importante é, na realidade,
uma coisa viva e eles estão caminhando sobre suas costas. Lembram-se
talvez de uma visão anterior em que ela caminhava sobre as costas de
gente viva, os mortos do submundo. Isto é de certo modo semelhante. O
que se pensava ser morto e meramente um meio para os nossos fins é, em
si mesmo, uma meta. Vejam, eles não deviam ter-se colocado contra uma
serpente tão monstruosa, ela poderia tê-los comido, e verão nas partes
subseqüentes da visão que ela é, na realidade, tremendamente viva. Assim,
devemos considerar esta parte da visão como uma informação de que o
caminho inevitável é uma coisa viva em si mesma, autonomamente viva.
Temos uma boa evidência disso nas Sagradas Escrituras.
Dr. Jung: Sim, CRISTO era certamente um ser vivo, e ele era a serpente
curadora, a serpente redentora, ao mesmo tempo. Há ainda uma analogia.
Resposta: TAO.
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Comentário: Kundalini.
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Resposta: O devorar.
Aqui temos uma imagem muito típica da serpente do tempo que contém
uma tribo inteira. Aquelas formas cinzentas de seres vivos são
evidentemente, as almas umbrosas dos mortos; mas elas não estão mortas,
poder-se-ia dizer que estão adormecidas, sua vida é potencial. A coisa
peculiar é esse simbolismo, os pulmões de ouro e a língua bifurcada nas
figuras de um homem e uma mulher. O que diriam desses pulmões de
ouro?
Dr. Jung: Naturalmente, onde quer que o ouro apareça, sempre significa
alguma coisa valiosa.
Dr. Jung: E para qual estágio de qual simbolismo tudo isso aponta?
Dr. Jung: Sim, então vemos de novo o aspecto Kundalini da serpente, que é
indubitável. O fato de que ela se ergue prova ser este o verdadeiro caráter
desta serpente. Não se trata do dragão-baleia devorador; é antes a
serpente Kundalini abrindo sua boca para inspeção. Isto não está contido na
Yoga tântrica, é uma versão muito ocidental da Yoga Kundalini, como
podem ver. E o que significa a Kundalini abrir sua boca para inspeção?
Dr. Jung: O Senhor quer dizer que isto é aquela parte de ANÃHATA que
contém ou simboliza a relação com o espírito? – que contém ar, a qualidade
espiritual? Sim, isto é verdade.
Podem ver que o Animus está profundamente agitado; ele até transpira
sangue. Mas o fato de que ele está tão atingido, mostra o que, ao mesmo
tempo?
Dr. Jung: Ela nem um pouquinho foi tocada, ela nada percebe. Há uma
tempestade eletromagnética que afeta apenas os fios do telégrafo, e
ninguém mais percebe, seus sistema consciente de forma alguma foi
48
tocado. Ela não percebe que teve uma visão de importância extraordinária e
de longo alcance. Ela deixa toda aquela emoção para o Animus e pensa que
ele está apenas tendo um acesso, que ele é demais fraco e histérico; ela
não percebe que quando seu Animus é afetado ela deveria saber disso.
Que a nossa paciente não percebe do que se trata, está em relação com o
fato de que ela poderia não ter que entendê-lo. Se fosse para ela ter um
outro filho, quero dizer uma criança verdadeira, não seria bom entender
essas coisas, porque elas “levam embora”. É a volta, e se estamos indo
para a frente, não adianta começar a voltar, é muito melhor pensar que
tudo isso é tolice... Por exemplo, os textos tântricos, mesmo na Índia, são
considerados meras tolices, imorais, indecentes... Também o simbolismo
alquímico parece tolice, só se pode sacudir a cabeça; mostrem estes livros a
qualquer cidadão respeitável e ele dirá o mesmo.
Assim, não é bom falar demais em psicologia porque parece tolice, e quanto
mais avançamos, mais parece assim. E deve mesmo parecer assim às
pessoas jovens e inexperientes. Não é saudável nem proveitoso para elas
entender essas coisas; porque elas nos emaranham e nos tentam a fazer
um uso venenoso delas, enganando-nos e desviando-nos dos nossos
deveres, até mesmo da nossa própria vida. Por isso eu sou sempre contra
49
uma atitude missionária; é sempre errado. É bom que essas coisas existam,
mas é excessivamente ruim recomendá-las, porque aí elas irão mal em
pouquíssimo tempo...
“SEMINÁRIOS SOBRE VISÕES”
PARTE XII
SPRING 1969
2
Um Grupo de Sombras
Pergunta: O Senhor nos falou na última vez sobre o efeito do Animus ser
engolido pela serpente. Pode nos dizer qual seria o significado de um grupo
de sombras cometendo suicídio porque a vida já não tem sentido para elas?
Dr. Jung: Bem, o Animus engolido pela serpente é certamente uma forma
de Animus que retrocede ao inconsciente coletivo, engolido por ele. É tarefa
dele estar conectado com o inconsciente coletivo, por isso tão
frequentemente é ele representado lançando-se na água ou desaparecendo
numa floresta. E isto pode ser ou positivo ou negativo; ou ele foge ou tem
uma missão a cumprir. O mesmo vale para um número de formas de
Animus, que podem ser ou uma forma de regressão, uma fuga, ou um
empreendimento.
Dr. Jung: A sombra de uma mulher não seria representada por um grupo, a
menos que se trate de um problema grupal.
torna agora mais uma reação individual. Naturalmente seria um caso geral
se as pessoas reagissem geralmente da forma como ela o faz, mas
felizmente nem todas elas reagem do mesmo modo. Ela estava impelida a
tornar-se bastante insegura, porque as visões anteriores tinham sido meras
intuições que não se tornaram suficientemente associadas ao seu ego
consciente. Também ela era talvez muito jovem para ser capaz de manter
essas intuições; é preciso ter uma certa idade, uma certa maturidade de
personalidade, para poder compreendê-las. E muitas pessoas são incapazes
disso.
isto, porque ele tem uma participação mística com o fogo e também com a
casa. É muito doloroso ver a casa ser assim destruída, mas nada é feito
porque ele não pode se desvencilhar desta participação mística – nem com
o fogo, nem com a casa. É como se eles estivessem debilitados. Alguém
dirá: Mas, homem, você não pode perceber o que viu, o que ouviu? Como é
possível continuar assim? É muito fácil. Nada aconteceu, aquilo só passou
por eles, porque eles não são – eles são apenas o evento. No momento de
uma experiência religiosa, eles são uma experiência religiosa, e então há
uma garrafa de conhaque e eles são a garrafa de conhaque, e então há um
crime e eles são o crime, e assim por diante. Eles são apenas momentos, ou
eles são eventos, sempre em completa identidade com aquilo que
experimentaram. Mas não há continuação, não há centro para dizer: eu
percebo isto e as conseqüências, e eu percebo as inconsistências de tais e
tais coisas. Este é o início de uma certa realidade.
Os primitivos estão muito longe de uma tal realização, e nós estamos muito
longe dela também, de um certo modo. Esta é a peculiaridade deste caso, e
certamente explica porque, quando a nossa paciente entra em contato com
os fatos do mundo, eles são apenas os fatos do mundo, apenas outra
experiência, e ela é esta experiência, como era a experiência anterior.
Assim, não há conexão, não há continuação; é meramente uma transição
de uma condição para a outra...
Nós temos uma certa resistência contra tal inconsistência e dizemos que
não podemos entender como isto é possível. Mas aquilo é apenas uma
espécie de ilusão; no fundo entendemos muito bem, porque acontece
conosco constantemente. Somos, durante todo o tempo, inconsistentes de
certa forma, todo o tempo de certa maneira idênticos com nossas
experiências e sem aquela continuidade, a única coisa que poderia nos
ajudar a compreender profundamente. Eu não sei quantas experiências ou
choques ou desapontamentos são necessários até que sejamos capazes de
produzir uma certa quantia de continuidade.
Pergunta: O fato de que ela continua tendo visões significa, em geral, que
há uma tentativa de juntar as duas coisas? Se não fosse assim, eu pensaria
que ela iria parar.
Dr. Jung: Sim, naturalmente, mas ao passar por uma transição, quando as
coisas estão mudando de modo natural, não se pára a condição anterior. A
condição anterior apenas se esgota e é suplantada pela experiência
seguinte, assim as duas coisas realmente se sobrepõem, até se equilibram
durante um certo tempo. Assim, sua experiência anterior retrocede
lentamente, mas ainda está lá.
que esta mulher durante muito tempo não percebeu onde estava, ela
continuava no velho estilo.
Pergunta: Isto teria alguma coisa a ver, na análise, com o problema das
funções inferiores? Tornar-se consciente das funções inferiores não teria o
efeito de turvar a consciência?
Vejam, o fato de que este falar sobre a própria vida acontece tão
frequentemente, prova como muitas pessoas não percebem que viveram.
Se não fosse assim elas não precisariam contar esta história repetidamente.
E é também verdade que às vezes as pessoas nem mesmo levam em conta
o fato de que alguém as está ouvindo. Certa vez tive uma paciente que
falava como um relógio, numa correria sem fim, até que fiquei tão
entediado que adormeci e acordei com um susto, porque ela fez uma pausa
para acender o seu cigarro – como o moleiro que acorda quando não há
água e a roda para de girar. Eu disse: “A Senhora observou que aconteceu
algo?”. “Não, o que?”. “Eu adormeci e tive um pequeno sonho”. Ela disse:
“Ah! Foi isso? Aliás, eu queria lhe falar sobre o ano de 1900”. Nem tinha
importância se eu a estava ouvindo ou não. Esta era a sua falta de
percepção; seu passado a possuía completamente; ela era idêntica a sua
própria história e de novo não o percebia. Uma coisa só é percebida quando
estamos no momento presente, quando sabemos onde estamos e quem
somos agora. Enquanto somos idênticos com nossa própria história, não a
percebemos e temos que repeti-la.
Este tornar-se preto refere-se à última visão, onde o Animus diz: “Se eu
ficar aqui contigo, tornar-me-ei preto”. Lembram-se, o Animus apareceu
muitas vezes como preto, anteriormente, assim, quando ele reaparece sob
esta forma, significaria uma espécie de desenvolvimento regressivo. Ele se
tornaria preto se ficasse com ela fora da serpente, assim o Animus quer ser
engolido pelo inconsciente para evitar aparecer sob esta forma... Mas “o
homem levantou-se com ela”, ela está com o inconsciente primitivo, e ela o
mostra, imaginem. Ela é como o primitivo que não tem medo de mostrar
seu inconsciente porque não pode fazer de outro modo. Agora, sob que
condições poderíamos dizer que estaríamos mostrando nosso inconsciente?
Resposta: Pregar.
10
Isto agora é estranho. O Animus não é simples; ele é duplo. Sua fachada
frontal é preta, mas atrás ele tem um segundo rosto que é branco e olha
para o céu. O que significa isso? Este não é um simbolismo agradável. Ele
tem um caráter bastante agressivo.
Resposta: Os dois opostos? Eu quero dizer, outra vez não há nada que
sustente, ele está ou alto ou baixo demais.
Dr. Jung: Bem, não exatamente. Há uma conclusão mais simples e mais
direta.
Nunca houve antes uma passagem destas: ela repete o que viu entre
parênteses, como se seus olhos não acreditassem nisso; ela se torna
insegura, por isso o repete. E mais tarde ela faz de novo a mesma coisa,
12
como apara confirmar que realmente o viu. Ela mostra a incerteza de sua
percepção.
Este pequeno diálogo mostra alguma coisa típica. Uma das emoções que ela
não percebe, e que está então reprimida no Animus, é o medo. Ele já sentia
medo no fim da última visão, e lá ela era espantosamente corajosa e
representava o papel da heroína. Mas aqui ele diz que sente medo, ele
percebe primeiro a emoção, e ela está em dúvida, exatamente essa
incerteza: “Eu também devo ter medo?” – e ele dizer que sim, significam
que ela também, na realidade, deveria sentir medo. Sua tendência era
reprimir o medo e deixa-lo para ele, mas o medo volta para ela.
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Aqui temos de novo o Animus emocional; ele é bem histriônico. Já que ela
projeta todas as suas emoções sobre ele, ele tem que ser teatral para
expressá-las.
Ele se queixa do fato de que ela o está levando para um mundo terrível, do
qual ele tem medo, e onde ele precisa aparecer como preto. Porque quando
arrancamos para fora nosso Animus para expô-lo numa sociedade civilizada,
bem, então ele cheira, ele é “preto”. Não se pode evitar isso. E é assim
quando a Anima vem à tona; ela é no mínimo primitiva, e assim,
naturalmente, cheira sempre como uma jaula. Então aqui, ele a culpa por
tê-lo feito preto, e agora entendemos por que.
Aqui, de novo, a incerteza, por isso ela tem que confirmar que realmente
viu isso. Não é certo agora que as visões sejam exatas e confiáveis, que
não sejam adulteradas; temos que ser extremamente cautelosos já que o
véu da serpente desceu sobre elas. A atenção se fixa agora naquele homem
branco oculto no Animus preto, e este homem, como sabem, está
preocupado com a colisão com Nova York, ele recebeu o choque, e a idéia
aqui é que ele tem que pegar este pássaro e matá-lo. Em outras palavras,
ele deveria livrar-se do choque.
14
Obviamente, este choque que ela recebeu tem uma certa importância
ecológica... Fez com que o Animus se tornasse preto, que o branco ficasse
reprimido e oculto no preto. E se alguém removesse o choque, a dor, então
poderia revirar toda a situação. Esta é realmente uma tentativa do
inconsciente de restabelecer a condição anterior, como se fosse possível
dizer: Oh! Nada mudou, Nova York não me impressionou, vamos continuar
da forma como fizemos antes. Agora ela diz:
“isso não vai lhe fazer mal” – e dentro de uma semana ela o manda de
volta. De outro modo, sua confiança em si mesma ficaria ameaçada. Ela
não seria capaz de suportar tanta virtude e entraria numa inferioridade,
porque ficaria óbvio que de forma alguma ela era uma santa.
Resposta: Quando o Animus dorme, ele realmente não está mais ali, ele
realmente foi para o inconsciente, assim o inconsciente adquiriu vida outra
vez e a enganou.
Dr. Jung: Exatamente. Ela pensa que tem seu Animus consigo, no seu
bolso, e quando ele dorme ela pensa que ainda o tem, mas ele escapa e
anima o inconsciente, e então emerge o fogo. Mas o fogo toma a forma de
uma árvore. Qual é a impressão dos senhores sobre isso, em comparação
com a sensação geral que ficou da visão anterior?...
Resposta: Alívio.
Dr. Jung: Tenho que dizer que todos aqueles símbolos eram infernalmente
desinteressantes. Por isso, quando o fogo emerge, graças a Deus, alguma
coisa bem decente está acontecendo. Chamas que tomam a forma de uma
árvore parecem ser um símbolo genuíno, enquanto antes não havia certeza
de que eles não estivessem adulterados, eles eram demais incertos,
enfadonhos, havia algo enganoso neles. Mas isto é certamente simbolismo,
tudo perfeitamente bem.
Dr. Jung: Bem, sim, mas isso não é tão claramente uma sucessão. Mas já
viram este simbolismo muitas vezes – ele é muito geral – ou talvez os
Senhores mesmos já o desenharam: chamas e, então, emergindo das
chamas, uma árvore ramada que carrega a luz no seu topo.
Dr. Jung: O pássaro são seus valores feridos, e o Animus desfavorável está,
naturalmente, avaliado como inadequado, de modo que a investida do
pássaro contra o Animus é perfeitamente certa. Mas seus valores estão
também na forma “pássaro” do Animus e isto não é como deveria ser; teria
que ser seu próprio julgamento e não delegado ao Animus. Por isso, quando
o Animus mata o pássaro, tanto é certo como errado. É certo na medida em
que essa forma deveria ser morta, ela não deveria ter sido projetada, e é
errado se seus valores individuais são destruídos.
Como sabem, muitas vezes sonhamos que uma certa figura, representando
o Animus ou a Sombra, morre, e pensamos que isto é completamente
errado; mas é certo que aquela figura morra, na medida em que é uma
projeção; ela deve acabar como projeção, mas não deve acabar como
19
Atuação e as Funções
Dr. Jung: Bem, seria o mais ideal se fossem. Geralmente atuamos com a
superior, a função mais diferenciada. Um pensador certamente atuará
primeiro pelo pensar, e pode esquecer ou omitir-se de fazer isso com as
outras funções. Mas a natureza não se satisfaz com isso. Por isso,
geralmente, quando alguém atua apenas com a função mais diferenciada,
de certo modo é como se não fosse efetivada; ela voltará sob outra forma,
e a pessoa deparará, de novo e de novo com a mesma situação, o que
prova que não a realizava suficientemente, necessitando outra função com
o intelecto. Então, na medida em que a atuação é uma espécie de
verificação, associa-se sensação com pensar. Não é necessariamente
apenas o processo de raciocinar que atua, mas também o processo da
sensação: a realização tem que ser baseada sobre fatos, sobre a realidade
tangível.
O tipo “sensação” olha todo o procedimento, mas não está satisfeito com o
fato de que a semente produzirá trigo. Ele só se satisfaz quando o trigo está
no celeiro; o processo inteiro tem que ser acabado, e ele não sonha cultivar
outro campo enquanto o primeiro ainda está crescendo. E assim,
naturalmente, ele está sempre atrás das realidades, sempre muito
atrasado, porque o mundo se move um pouco mais depressa do que sua
atuação. Ele está sempre confrontando com os fatos, e tem que trazer os
fatos à existência, porque ele é fascinado demais por certos fatos que
ocorreram antes.
enquanto ele não realizou a possibilidade de uma epidemia que ainda não
existe, que poderia nunca existir, mas há esta possibilidade.
Agora, tudo isto pode ser uma afirmação desumana, em perfeito sangue-
frio: “Um caso único e verdadeiramente interessante; meu pai sofre de
peste e eu verifiquei isso; está inteiramente de acordo com as regras. E
outro fato notável é que você também pode pega-la, porque ontem apertou
a mão dele, e sua esposa e seus filhos também podem te-la, o que será
extremamente interessante – veremos pessoas morrerem aos milhares”.
A maioria das pessoas tem uma realização muito restrita. Elas até
consideram uma espécie de prerrogativa o não realizar. Dois dias atrás ouvi
alguém dizer: “Eu nunca penso no efeito daquilo que faço ou digo”. Eu
disse: “Mas que diabo, é seu dever considerá-lo!” “Isto não é, de forma
alguma, meu costume”, ela disse, “eu sufocaria se tivesse que pensar no
que vou dizer ou fazer”. Bem ingenuamente. E saibam, esta pessoa não é
absolutamente pouco inteligente ou tola; ela está simplesmente presa num
ponto onde não há realização...
Dr. Jung: Bem, pertence à natureza das coisas que a realização nunca
possa ser absoluta, nada pode ser absoluto. Mesmo uma assim chamada
realização total, onde o tipo “pensar” inclui o “sentir” e o tipo “sensação”
inclui a “intuição” – mesmo aí há apenas uma realização relativa. Ter uma
realização completa exige uma consciência quase universal, que não temos.
Porque cada fato existente implica a universalidade dos fatos; todos os
fatos estão sempre incluídos no fato único, porque este fato está na
continuidade. Não se pode dizer que uma parte do rio é apenas esta parte e
22
não está em conexão com o rio inteiro. Esta parte está em conexão com o
todo e para realizá-la, temos que realizar o todo – não apenas o rio, mas
também a ribanceira, não apenas esta mas todo o território, e não apenas
este, mas o continente inteiro, a terra inteira, o universo inteiro. E para
realizar isto, é preciso ter uma consciência universal. Por isso todas as
realizações são necessariamente relativas.
Os Fantasmas
Observação: A última coisa que vimos foi uma parede preta de rocha.
Dr. Jung: Sim, mas aqui há uma particularidade; não há apenas rochas
pretas e não apenas uma caverna escura. Há água pingando das rochas. O
que significa isso?
Dr. Jung: Sim, a psicologia dos chacras mostra-nos que o inconsciente não
é um grande saco, ou um buraco cheio de água ou algo semelhante; ele
tem pavimentos ou camadas e ele tem qualidades. Uma parte do
inconsciente se expressa pelo simbolismo de MÛLÃDHÃRA, outra parte por
SVÃDHISTHÃNA, e outra por MANIPÛRA, e se houver gente na condição
abençoada ou mais infeliz de VISUDDHA, então mesmo ANÃHATA seria
parte do inconsciente. Por isso, lembrem-se, no mito cosmogônico dos
PUEBLOS, há diferentes estágios através dos quais eles emergem à
23
Dr. Jung: Sim, isto mostra seu próprio papel infantil. Ela é como uma
criança agarrando-se à mãe, ou como aquela famosa pintura da madona
que acolhe seres humanos como criancinhas no abrigo de sua veste
celestial, o manto protetor.
Dr. Jung: Sim, aqui ela substitui o Animus. Ela aparece no lugar do
psicopompo e vai adiante, antecipa-a. Vimos que o Animus estava na mais
desfavorável condição na visão anterior – ele adormeceu. Assim, ele não
funciona e no lugar dele está essa mãe que, obviamente, a conduz a um
lugar terrível. Qual seria este lugar?
Assim, esta figura maternal mostra a ela seu relacionamento com a região
inferior, porque presumivelmente conduz a paciente para baixo, para a
região onde a espera um grande perigo... talvez ela ainda tenha a forma
positiva, ainda assim é possível que de repente ela se transforme em um
terrível demônio do submundo, o MAKARA. Agora, porque MÛLÂDHÂRA é
chamado o lugar de fantasmas? Porque teria esta qualidade?... O que são
fantasmas?
seus filhos nem batem neles, porque temem irritar ou ofender a dignidade
do espírito ancestral na criança, e que pode ser, talvez, um grande e
importante homem...
Dr. Jung: Ah! Sim, mas isso não é um espírito ancestral. Isto é apenas uma
vida que não foi vivida a despeito do fato de que é herdada, porque a culta
herdada da vida não vivida de um ancestral é apenas a vida não vivida, e
aquele que não vive sua natureza herdada está morto. Mas vivendo a
natureza herdada, estamos inteiramente vivos, porque vivemos pelos
antepassados, fazemos uma tentativa de pagar os débitos deixados pelas
gerações ancestrais. O espírito ancestral de que falamos aqui não é uma
vida não vivida; ela foi vivida e já está realmente esgotada.
parece ser, seja uma Persona, tenha uma vida pessoal, encontre suas
conexões ou suas condições ou possibilidades sociais. E de outro lado há
nela uma voz que diz: Este é o lugar da decaída e da morte, e o que você
vê aqui não são seres humanos, mas fantasmas.
Sugestão: Ela não poderia ser a velha mulher do passado e que está
também na própria paciente, a velha mulher que a paciente será? Ela pode
ser o passado e o futuro em nós.
Dr. Jung: Muito certo, mas o que então, seria isto em nós? O que é o
passado e o futuro em nós?
Resposta: O Self.
Dr. Jung: Exatamente. Esta figura é um conceito simbólico. É o Self que une
os pares-opostos, luz e escuridão, passado e futuro e assim por diante...
Agora, o fato mesmo de ela aparecer velha e mirrada e com o aspecto de
uma bruxa mostra que ela é muito mais uma coisa do passado, e que está
possivelmente funcionando de um modo mágico... O que faz a bruxa e
como o faz?
Dr. Jung: Sim, o feitiço atua através da fascinação, o efeito mágico consiste
em fascinação e isto está sempre baseado na participação mística... Se
reprimimos tudo que é mais consciente, as coisas decentes, podemos nos
manter num nível mais baixo, e então influenciaremos outras pessoas
através do contágio mental... Pessoas inconscientes sempre criam
inconsciência. E através disso podemos influenciar outros; podemos levá-los
a uma condição inconsciente onde se comportarão exatamente de acordo
com nossas intenções. Esta é a essência real do feitiço.
Agora aqui estaria a dúvida: esta figura encontra-se num baixo nível
inconsciente e por isso é contagiosa pela inconsciência? A paciente suspeita
que ela possa estar abaixo dela mesma, inconsciente e criando
inconsciência, e assim poderia eventualmente induzir nela inconsciência, o
que certamente significaria destruição no submundo. Mas quando ela diz:
“quem és tu?” esta mulher diz:
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Dr.Jung: Sim, mas ela é uma bruxa – esta é a coisa interessante. Porque
esta inconsciência na bruxa, através da qual ela atua por participação
mística é, como explicamos num seminário anterior, a entidade-elfo, o
duende que cria fascinação e produz todos os tipos de façanhas mágicas.
Agora, o duende é um espírito da vegetação – os irlandeses acertadamente
falam do povo verde – um espírito da natureza, isto é, um espírito da
criação no aspecto positivo, um aspecto divino, como os antigos deuses
eram, evidentemente, demônios da vegetação, demônios da natureza além
do julgamento ou dos valores humanos, ou da moralidade humana.
Agora, é certo que esta mulher é paradoxal e isto prova que ela e o SELF.
Esta é uma forma regular em que o SELF aparece – isto é, como o
absolutamente inexplicável espírito da natureza, às vezes positivo, às vezes
negativo. Essa aparição deslumbrante do SELF projeta, naturalmente, uma
sombra muito profunda, assim que se perguntará: Não é o demônio? E
outro perguntará: Não é o divino? Depende de que lado nos aproximamos
dele. Sempre que nos aproximamos desses fatos, nunca sabemos
exatamente onde estamos colocados, se com a cabeça para baixo ou não;
duvidamos dos nossos próprios valores, da nossa própria verdade e
perdemos nosso poder de julgamento. Por isso é esta coisa um símbolo
vivente, é alguma coisa sempre mais ou menos suprimida ou reprimida, e
tem sido o objeto dos mistérios ao longo das épocas...
Dr. Jung: Não, justamente não, porque nossa paciente é uma mulher.
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Não é para admirar se nossa paciente tem pouca fé, porque geralmente
nossa fé nessas figuras é pouca. Vejam, nós queremos uma coisa bem
simples e certinha, tudo prontinho, não algo como um conflito. Se alguma
coisa nos conduz a um conflito temos a certeza de que é completamente
errada. Mas, à medida que assumimos que aquelas palavras são
verdadeiras, então incluímos nosso querido amigo JESUS naquela projeção.
Dr. Jung: Mas isto é exatamente o que eu não sei. Se soubesse, seria muito
mais simples, não estaríamos analisando estas visões. Este é exatamente o
ponto; é tão complicado que não se pode saber, porque é uma questão
individual... Já que a criação emerge do incognoscível, do SELF. Apenas em
situações menores, em que a questão do assunto está mais ou menos
assentada, podemos escolher a atitude – decidir conduzir a coisa assim ou
assim. Mas os problemas reais, os conflitos profundos da vida, não poder
ser solucionados por qualquer modo prescrito. Se alguém pudesse ser
aconselhado, seria um conflito menor, que poderia ser resolvido num nível
inferior, e o indivíduo permaneceria inconsciente. Se o problema pudesse
ser resolvido por uma espécie de procedimento pré-fabricado, ele nunca
experimentaria o SELF.
Círculos
Dr. Jung: Sim. Trata-se obviamente de uma mandala, de novo. Vejam, toda
esta série de visões é chamada “Círculos” e esta série particular é o sexto
círculo. São realmente tentativas de mandalas. É como se ela estivesse
desenhando para cada disposição, digamos, para cada variação, uma
diferente mandala, expressando a particular condição psicológica. Como
sabem, as pessoas raramente desenham uma única mandala, geralmente
elas fazem um bom número delas; ou mudam o tema ou fazem alterações,
ou as complicam ou simplificam, ou combinam as cores de modos
diferentes. No lamaismo e no tantrismo há uma grande variedade de
mandalas, diferentes formas para diferentes propósitos, e naturalmente
elas têm diferentes significados e mostram diferentes condições
psicológicas. Assim aqui há uma nova tentativa de formar uma mandala.
Agora, qual é a idéia geral da mandala?
Dr. Jung: Sim, quando ULISSES desce ao Hades (O Invisível) ele sacrifica
uma ovelha e oferece o sangue aos espíritos. As sombras vêm beber o
sangue, mas ele o guarda com sua espada e as repele. Ele permite que
algumas se aproximem, a sombra do vidente TIRÉSIAS, por exemplo,
porque ele quer pedir seu conselho. Muitas vezes usam com frequência a
espada, para desenhar o círculo mágico nas cerimônias, porque uma espada
também significa autodefesa contra os espíritos...
Resposta: Esquizofrenia.
Dr. Jung: Acha, então, que a mudança ocorre devido à identificação com os
conteúdos do mundo dos fantasmas? Isso é verdade, mas porque a
identificação com tais conteúdos?
Dr. Jung: Ah! Sim, mas há muitas coisas em nós, e não nos identificamos
necessariamente com elas, podemos nos manter indiferentes. De outro
modo estaríamos continuamente loucos e temos que partir da suposição de
que somos mais ou menos sãos...
Dr. Jung: Mas podemos dizer do mesmo modo que não é fácil, que é mais
fácil viver a própria vida. Se tivéssemos que viver a vida de um ancestral
acharíamos isso extremamente aborrecido.
Desmembramento
Resposta: Ela preserva sua relação com a realidade, com o guia – sendo
este o SELF, sua individualidade.
Tentamos durante dois mil anos ser inteiramente bons. Podemos imaginar
isso durante certo tempo até que acontece alguma coisa, a imaginação
rateia em algum ponto e eis que surgem todos os demônios. Esta é a razão
porque ORFEU foi desmembrado pelas Mênades, e ZAGREU pelos TITÃS.
Isto mostra certa atitude superior do homem que, ajudada por sua
imaginação por um momento o faz acreditar que pode andar sobre as
águas. E ele pode, o poder da imaginação é realmente, muito grande.
Dr. Jung: Sim, para a escuridão. Por isso a Anima ou o Animus são os
representantes do inconsciente. Quando tentamos ser apenas luz,
naturalmente reprimimos a sombra e naturalmente o Animus e a Anima vão
junto com o resto e desaparecem. Quanto mais imaginamos que somos
99% santidade, mais nos tornamos progressivamente incapazes de ver
onde, possivelmente, poderíamos estar errados, e isto particularmente
quando nos identificamos com a função superior. É engraçado o que as
pessoas sustentam sobre suas funções superiores; para elas é exatamente
Deus, alguma coisa expressamente infalível.
Certa vez, tive uma discussão com um filósofo que afirmou que o pensar,
naturalmente, nunca poderia errar. Ouvindo isto, eu dei um pulo,
evidentemente. Vejam, o homem era expressamente idêntico ao pensar.
Ele sustentava isso como sendo tão bom e acertado, que não apenas estava
convencido de que seu pensamento não tinha falhas, mas estava
influenciado ao ponto de pensar que ele mesmo estava numa condição
perfeita, e não ele apenas, mas sua esposa e seu casamento. Assim, como
MIDAS, tudo que ele tocava se transformava em ouro. Isto me enfureceu,
naturalmente, porque sempre temi que alguém pudesse causar em mim
mesmo sentimentos de inferioridade, e aquele sujeito estava quase
conseguindo...
Mas ocorreu que, enquanto o meu amigo me fazia pregações sobre a sua
mais perfeita condição, sua esposa viajava com um jovem estudante, com o
qual mantinha relações muito estreitas. Então, eu pensei: Oh, pobre
homem, cujo pensar nunca erra! Mas na próxima vez em que o vi, ele
pregava que também aquilo era exatamente o certo e simplesmente aquilo
que tinha que ocorrer. Ele pertencia àquele grupo de pessoas que têm tão
belas disposições, que o que quer que façam é sempre a coisa certa. Assim,
eu lhes digo: façam o mesmo e serão sempre felizes!
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Pergunta: Por que EURÍDICE desaparece quando ORFEU olha para ela? Ele
tenta retirá-la do HADES e justamente naquele momento ela desaparece de
novo.
Dr. Jung: Oh, ela era tão tola para voltar com ele, mas suficientemente
inteligente para saber o que viria depois. Sempre era mais divertido lá
embaixo, no HADES, do que neste belo mundo em que ele tocava flauta o
dia inteiro, com ursos e leões sentados por ali. Isso não tinha graça para
EURÍDICE; era muito mais agradável no submundo, aparentemente. Ela era
como a Senhora LOT, que fez a mesma coisa. Era muito mais divertido não
acompanhar o venho, e então ela ficou para trás.
Assim, ORFEU era certamente a mais ideal criatura, mas sua alma estava
entediada até a morte. Esses segredos tribais são ensinamentos muito
humanos. É extremamente útil saber sobre ORFEU, que fez música tão bela
que sua alma se perdeu no submundo e ele foi desmembrado. Podem estar
certos que a mesma coisa lhes acontecerá se sempre fazem música. É como
o velho SÓCRATES, que tentou fazer a música mais racional possível o dia
inteiro e XANTIPA não gostou nem um pouco, ela lhe deu um inferno por
causa disso. Ele teria ficado muito contente se ela voltasse ao submundo.
Sugestão: O SELF é a união dos opostos e por isso traz tudo para o centro.
Dr. Jung: Esta seria a origem mitológica, mas como formularíamos isto
psicologicamente?
Dr. Jung: O Senhor quer dizer que é necessário ser consciente da presença
do SELF? Para que o SELF seja operante ou útil, haveria a necessidade da
consciência como uma condição indispensável? Isto está perfeitamente
certo. De outro modo, o que aconteceria com o indivíduo?
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Dr. Jung: Suponha que de repente está num péssimo estado de ânimo. Isto
é o Senhor mesmo? Este estado de ânimo lhe pertence?
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Resposta: Significa estar destacado, por uma razão: não se pode estar em
ambas ao mesmo tempo.
extremamente idêntico com sua emoção, que matou seu único filho.
Naturalmente depois ele era o inverso, tão louco de dor como tinha estado
fora de si antes, com raiva. Este é um excelente exemplo da condição
infernal de estar idêntico a uma emoção.
Conflitos só existem desde que descobrimos que outros seres humanos não
são necessariamente diabos, que mesmo as coisas peculiares que eles
fazem não são necessariamente o que nós supomos que sejam. Quando as
pessoas percebem isso, quando conseguem tanta objetividade, então surge
o conflito, porque não podem negar que talvez haja alguma coisa errada
também nelas mesmas. Isto é, evidentemente, a consciência do SELF...
Por exemplo, uma pessoa pode estar meramente perturbada pelo fato de
que todo mundo está contra ela, ninguém a entende; e ela é tão
encantadora, e sempre quis fazer o melhor, e é uma benção para a família
inteira, para o marido e os filhos. Mas muito interessante, eles não gostam
dela, apesar de todos os seus méritos. Agora, um caso assim tem que ser
levado a um conflito, porque ela não tem nenhum; é apenas a família que
está errada, ela é toda certa. Talvez haja alguma coisa errada com seu
estômago e o médico diz que ela está nervosa, então ela vem para a
análise. Ela não tem absolutamente consciência do SELF. Ela só tem
consciência de um lado de sua vida, de uma certa imaginação, e então a
análise a conduz para o conflito. E depois de um certo tempo ela me
amaldiçoa. Ela diz que antes era tão feliz, em paz consigo mesma e, agora,
nada mais é do que um conflito e já não pode confiar mais em si mesma.
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Dr. Jung: Sua pergunta tem a ver com tôo o drama da relação com o SELF
e isto em si mesmo é um capítulo. Muitos mitos e imagens dizem respeito à
relação com o SELF, por exemplo, a jóia perdida, ou a pedra preciosa que
caiu da coroa e desapareceu, ou a recuperação do tesouro. Estes são mitos
que têm a ver com o fato de que, quando aquela preciosa substância do
SELF é perdida, tem que ser procurada, e eventualmente será descoberta
de novo, depois de muitas aventuras.
Por isso, sempre que o SELF emerge, temos logo uma reação. É então,
como se nós mesmos tivéssemos que executar o desmembramento titânico,
como uma espécie de reação contra o SELF. Aquele que se identifica com o
SELF está realmente procurando encrenca. Vejam, ele nos dá uma peculiar
sensação de segurança, de certeza, é como um porto que encontramos,
sentimo-nos definitiva e belamente protegidos – e, então, no momento
seguinte bancamos o demônio contra nós mesmos, para destruir aquela
segurança. Ninguém quereria ficar em segurança para sempre, porque a
segurança é uma auto-decepção; querer permanecer na segurança do SELF
é uma espécie de abuso ou blasfêmia contra o movimento da vida; ninguém
deve permanecer em segurança, é imoral, retém o movimento da vida. Por
isso nós mesmos perturbamos de novo aquela ordem.
ritual, para que o SELF se torne real. O SELF é alguma coisa tão intangível,
quase uma exigência mágica, que necessita um ritual para solidificá-lo. É
como se o SELF fosse um ponto tão sutil que dificilmente pudesse vir à
existência.
Vejam, uma verdade só é uma verdade quando vive, uma verdade que não
vive é perfeitamente despropositada. Ela precisa mesmo tornar-se uma
inverdade, às vezes, deve ser capaz de tornar-se o seu próprio oposto.
Assim, não podemos realmente nos identificar com uma tal convicção ou
verdade; sabemos que ela se move sob os nossos pés e não importa, ou
não deveria importar, se seu aspecto é positivo ou negativo. Mas eu
admito: é extremamente difícil pensar paradoxalmente.
Agora, continuemos com as visões, que são em parte irritantes, ou pior, são
enfadonhas. Estes rostos sobre os quais ela caminha são extremamente
desinteressantes, o que de fato vemos é que são de esmalte, seres
humanos reduzidos a rostos fragmentários e pintados, completamente
irreais. Isto significa que o todo da humanidade tornou-se bem irreal para
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ela, porque o impulso foi tão grande que nossa paciente foi elevada ao céu,
onde certamente a humanidade consiste apenas de uma superfície de
pequenos discos ovais. Se estivermos num balão ou numa torre alta, e
olhamos para baixo, para a multidão com os rostos virados para cima, eles
parecem como pequenos discos pintados, como se pudéssemos andar sobre
eles como um tapete. E não podemos evitar a identificação com este
aspecto da humanidade e ficamos entediados.
Voltando ao Corpo
Pode acontecer à pessoa que menos se espera, que caia dentro de uma
individuação, como se caísse do telhado – como PARSIFAL, que era um
perfeito asno e apenas despencou dentro do Santo Graal, sem saber que
diabo era tudo aquilo, era apenas um engano seu; aparentemente, tinha
sido predeterminado que ele deveria aparecer naquela augusta assembléia,
onde, de forma alguma, ele estava preparado para isso. Naturalmente, este
é um acontecimento tão comum, que alguém perturbe a assembléia do
Santo Graal, que merece o direito de ser um arquétipo, o tolo aparece ao
apenas nesta lenda em particular, mas é geralmente válido no mundo todo.
Assim, pode acontecer que alguém seja simplesmente impelido a este tipo
de caminho e atravesse todo o desempenho como se fosse apenas uma
excursão através do país num trem expresso, com alguém explicando: este
é PLATÃO, ali está SÓCRATES, aqui é o PARTENON. “O que foi que ele
disse?” – “PARTENON”. “Nunca ouvi falar, o que é isto?” – “É um templo
antigo, tem 2.600 anos”. E ele diz: “Portentosas coisas antigas” e lá vai ele
para uma nova vista... Depende de nós, o entendermos ou não, está
sempre lá.
Vejam, o procedimento inteiro neste caso não era bem como uma
avalanche, não era involuntário, seria errado dizer isso. Houve também
esforço, e numa certa extensão havia consciência em relação a isso, mesmo
assim é extremamente difícil descobrir quanta consciência e
responsabilidade havia nisto; é muito difícil acertar quanto à questão da
responsabilidade...
Uma coisa assim não teria acontecido se a primeira parte das visões tivesse
sido vista por alguém que estava no seu corpo, que estava aqui e agora.
Mas a nossa paciente não estava bem no corpo, ela estava em alguém lugar
fora, sua alma estava instalada no seu corpo, ela estava em algum lugar
fora, sua alma estava instalada no seu corpo de uma forma muito frouxa.
Então alguma coisa acontece e, zás! – ela voa numa espécie de entusiasmo,
a alguma coisa que acontece então talvez não tenha absolutamente
acontecido, ou apenas relativamente. Assim, para tornar a coisa toda
realmente verdadeira, ela tem que voltar ao corpo, depois deste vôo, e é
sempre o SELF que diz: “Segue-me, obedece desta vez, tens que voltar aos
teus sentidos”. Exatamente como o velho GURNEMANZ primeiramente faz
com que PARSIFAL conheça o mistério do Santo Graal e depois então o
chuta fora e o xinga, porque PARSIFAL não entendeu. Ele deveria ter
perguntado: Mas o que há com aquele homem AMFORTAS, e o que é tudo
isso, afinal de constas? Mas não, ele deixou passar sem levantar um dedo, e
por isso foi posto fora.
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Então aquela mulher a deixou só, o que significa que ela chega agora a um
lugar muito árido, onde não há nada, não há vida. Vejam, ela esteve
distante da sua vida. Aquele círculo de rochas, aquela mandala, é o corpo
individual, ela volta agora à sua realidade terrena, que ela tinha deixado
para trás, e por isso tudo é árido. Ela é deixada sozinha com o problema da
sua realidade.
Comentário: Seria ir longe demais dizer que com muita frequência não se
vive no corpo durante a análise, que é preciso voltar à própria realidade
para experimentá-lo de modo absoluto? A análise, em si mesma, nunca é
uma situação real; é uma antecipação. Como a iniciação é uma antecipação.
É preciso estar no seu próprio lugar, como ela está, quando volta à
América.
Dr. Jung: É sempre mais ou menos assim, mas mesmo na análise alguém
pode estar mais no corpo. Certas pessoas estão bem fora: à mais leve
provocação elas pulam fora de suas peles e, é perfeitamente impossível
impedi-las. Algumas vezes certas pessoas entram num caminho bem
perigoso: são inundadas pelo inconsciente e afogam-se nele. Felizmente
uma coisa assim nunca ocorreu comigo. Um paciente assim foi-me enviado
por um colega que me pediu que aceitasse o caso, mas era tarde demais.
Tratava-se de um homem que fora “destampado” pela análise, e para fora
jorrara o rio inteiro do inconsciente; não era possível fazê-lo parar. Tentei
erguer diques, mas a água vazava por cima de tudo e ele enlouqueceu. Não
se pode responsabilizar o médico por isto, é apenas uma infelicidade, como
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Pergunta: Até que ponto ajudaria a paciente se ela voltasse para o corpo?
Ela seria capaz de entendê-lo ou teria que começar tudo de novo?
Qualquer coisa experimentada fora do corpo, num sonho, por exemplo, não
é experimentado, a menos que o “incorporemos”, porque o corpo significa o
aqui e agora. Se apenas temos um sonho e o deixamos passar por nós,
nada aconteceu, mesmo que tenha sido o sonho mais espantoso. Mas se
olhamos para ele com o propósito de tentarmos entendê-lo, e o
conseguimos, então o trouxemos para o aqui e agora, o que significa para o
corpo, porque o corpo é uma expressão visível do aqui e agora.
Por exemplo, se não trouxermos nosso corpo para a sala, ninguém seria
capaz de dizer que estivemos aqui; temos que estar aqui no corpo, de outro
modo os outros não o saberão. Embora mesmo parecendo estar no corpo,
não é de modo algum certo estarmos aqui, porque nossa mente poderia
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estar vagando por aí sem que realizássemos isso, e então tudo o que
aconteceu aqui não é percebido, seria como um sonho...
O Problema Erótico
Dr. Jung: Bem, certamente seria muito interessante saber isso, mas eu
estou preso a uma certa discrição neste caso, assim temo que devamos nos
manter apenas no lado meramente simbólico, podemos tratar esse material
apenas de modo geral. É uma pena, mas podem julgar pelo caráter das
visões se elas vêm da mera repressão do problema erótico, ou de uma real
aceitação dele.
Freud viu isso, e esta é a razão pela qual ele forçou o problema erótico a
voltar ao seio materno ou ao útero. Ele viu muito claramente que não é
possível partir arbitrariamente da fase da adolescência., mas que havia
caminhos, conexões, conduzindo de volta à infância, e assim foi forçado à
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hipótese de que a sexualidade tem que ser alguma coisa que existe ab ovo.
Esse reconhecimento é devido meramente ao fato de que ela não podia
evitar ver que os problemas eróticos, aqueles grandes problemas da vida,
começam já nas névoas das idades pré-históricas. O erro, ao meu ver, é
que ela chama tudo isso sexual. Estou absolutamente convencido do fato de
que a lagarta come sua folha com gosto porque gosta dela, como eu como
um bom pernil com prazer, e isso não é sexualidade, a lagarta nem mesmo
tem genitais, é um ser perfeitamente assexuado, e como com visível prazer.
Assim, eu entendo muito bem que a criança tenha prazer junto ao seio da
mãe, ela gosta daquela matéria e tem grande satisfação em sugá-la, isto é
genuíno. Porque diabos deveria ser sexual quando ela tem espasmos? As
pessoas podem ter espasmos por outras coisas, o cobrador de impostos,
por exemplo, e poderíamos nos tornar muito impopulares se assumíssemos
uma transferência homossexual com o cobrador de impostos. Assim,
chamem as coisas muito naturalmente pelos seus nomes e não estendam
um tal conceito sobre uma área onde ele nunca foi válido.
Assim, o problema neste caso não tem a ver com o aspecto erótico, tem a
ver com aqui e agora – o que ela vai fazer aqui e agora quando confrontada
com a realidade absoluta. É uma ilusão perguntar a alguém o que vai fazer
em relação com um complexo específico, porque não podemos solucionar
um único complexo por ele mesmo, só podemos solucioná-lo com a ajuda
de alguma coisa mais – do mesmo modo como não é possível reverter um
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Só podemos ter uma atitude geral, que é válida para qualquer situação na
vida. Se somos capazes de fazer aquilo que é para ser feito exatamente
agora e exatamente aqui, estamos preparados para qualquer situação.
Perguntando a nós mesmos como podemos resolver nosso problema
erótico, bem, poderemos possivelmente resolvê-lo, mas então não temos
uma atitude em relação às outras coisas; podemos ser assaltados por
algum outro problema, há muitas outras possibilidades. Por ter que
reconhecer que havia muitos problemas além do problema erótico, FREUD
teve que estender sua definição de sexualidade, fazê-la tão elástica que
cobriria qualquer possibilidade; assim, nos pontos mais dessemelhantes
somos chamados a descobrir um traço de sexo. Podemos descobrir um
traço de sexo como podemos descobrir um traço de qualquer outra coisa,
da nossa refeição do meio-dia, por exemplo...
sabe Deus o que, o que poderia ser, o que foi, mas não o que é. Muitas
pessoas vivem suas vidas de um modo a não tocar a vida em parte alguma,
estão sempre numa espécie de sonho, como se a coisa toda não tivesse
acontecido, como se nunca tivesse sido verdadeiro. E, certamente, quanto
mais alguém viveu fora da vida, tanto mais tenta defender-se contra ela,
inventando todos os tipos de mecanismos de segurança, como os que
ADLER descreveu tão acertadamente. Como sabem, ele insistiu
particularmente neste lado, as ficções por meio das quais a pessoa se
coloca em segurança; e é sempre segurança contra a vida, contra o aqui e
agora, em vez de se submeter às coisas como elas são. Com a atitude do
aqui e agora tira-se o maior proveito de uma situação, dizemos o que temos
que dizer, e fazemos o que temos que fazer.
A dificuldade da nossa paciente, então, foi o impulso. Não se pode dizer que
era errado, simplesmente aconteceu, ela saltou um pouco longe demais,
além de um certo limite, agora tem que voltar porque a vida deveria tornar-
se real; e isto nada tem a ver com o problema sexual. O problema nestas
visões consiste, como digo, numa certa irrealidade. Não importa o que
experimentamos, em qualquer ponto podemos ser irreais...
A Pirâmide Vermelha
Bem, nossa paciente agora chega àquele círculo de rocha, onde o solo é
árido e escalvado, e lá ela diz:
Resposta: Circuambulatio.
Dr. Jung: Sim, há apenas esta pequena diferença entre vida consciente e
vida inconsciente! Penso que o Senhor mesmo respondeu à sua pergunta,
eu não poderia fazê-lo melhor. Animais e primitivos muito inferiores, na
medida em que não têm uma consciência de que valha a pena falar, então
certamente nesse ponto, eles estão aqui e agora e nada mais, mas não
existe realização. Naturalmente, na medida em que há consciência há uma
certa realização, consciência é realização, essencialmente. A consciência
não é apenas a conditio sine qua non da realização, é a realização em si
mesma, porque ela simplesmente espelha o aqui e agora. Assim, um
primitivo está inteiramente sob o encantamento do aqui e agora, mas na
medida em que já tem um certo poder imaginativo, na medida em que a
consciência não apenas espelha, mas também é criativa, ele cria uma
possibilidade de desvio. Por isso, mesmo o primitivo tem a notável
faculdade de pular fora do aqui e agora, de negá-lo...
enquanto a terra está se partindo e elevando – mas isso pode também ser
negativo. Lembra-me a coluna na cidade preta, onde a pequena figura de
NETUNO lhe disse: “Por este pilar tu te perderás”.
Dr. Jung: Sim, este é um bom paralelo, tais coisas entram realmente no
quadro, nessas criações inconscientes e também nos sonhos; muitas vezes
observamos a mais surpreendente condensação de associação. Não é de
forma alguma forçado que ela tenha as cores da bandeira americana neste
símbolo. Aquele que realmente tiver o trabalho de entrar na estrutura deste
simbolismo em detalhe, chegará à conclusão de que ele estará
suficientemente explicado somente quando for capaz de estabelecer todas
as conexões, mesmo aquelas que para consciente forem as mais
improváveis...
onde fica nossa justificação? É certo que poderíamos dizer que as exceções
provam a regra, mas nesses assuntos as pessoas são terrivelmente
impacientes.
Bem, isto nos leva diretamente à discussão da pirâmide. Porque seria uma
pirâmide?
Resposta: O Ego.
Dr. Jung: Sim, apenas o Ego, tão nu quanto um ego pode ser, e isto é
restrito e bastante assustador. Ela caminha para baixo, porque esteve no
ar; agora chega a descida à América e, aproximando-se da terra, emerge
em cores americanas esta pirâmide, de baixo. O que sugeriria isto? Porque
fizeram pirâmides?
Dr. Jung: Sim, há inúmeros templos no Egito onde se pode ver a assim
chamada câmara de nascimento, com a divina criação representada nas
paredes, a geração divina do rei como um Deus. Provavelmente, ela foi
também magicamente imbuída. Porque o rei é o duas vezes nascido. Ele é
primeiro gerado por seu pai, e é dado à luz e cuidado por sua mãe terrena;
mas ao mesmo tempo ele é gerado pelo Deus, carregado e dado à luz pela
Deusa, a mãe-Deus, e nascido ele mesmo como um Deus. A vida de Deus
lhe é diretamente outorgada. Assim, o Faraó era realmente o Deus Homem,
o homem superior, e por isso representava o que, psicologicamente?
Resposta: A individuação.
simplesmente tão bons quanto o rei. Foi este o tempo em que os ritos de
mistério atingiram a superfície, e logo depois chegou o CRISTIANISMO
formulando aquele ensinamento. O verdadeiro precursor de CRISTO foi,
sem dúvida, o rei do Egito, o Faraó.
Dr. Jung: Sim, ele era o SELF divino de toda a Franca. Vejam, este tipo de
psicologia é arquetípico, o que explica a extensão em que todo um povo
pode projetar a idéia do SELF individual sobre um ideal. Na Igreja Cristã o
SELF individual foi projetado em CRISTO. E isto continua da forma mais
tangível. A psicologia do Movimento Oxford, a idéia da direção e da entrega,
é bem a mesma coisa (Movimento Oxford, hoje Rearmamento Moral);
CRISTO oferece direção e informação. Ele recebeu isso em algum lugar, não
sabemos, mas chamamos isto o inconsciente, para não lhe dar um nome,
para não pré conceituá-lo. E, certamente, a voz do inconsciente é o SELF.
Se seguimos a voz do inconsciente – se vamos com o cuidado necessário –
no fim chegamos necessariamente àquilo para que somos destinados.
cidade; ele podia roubar e saquear o que quisesse, mas devia safar-se
antes do nascer do sol, afastar-se o mais possível, porque se fosse
apanhado dentro dos muros da cidade, seria executado. E isto era um
remanescente do antigo mito do rei-Deus, do tempo em que tinham um rei
para cada ano: se o ano fosse bom, ele era confirmado como rei-Deus, mas
se fosse mau, ele seria executado. Supunha-se que ele emanava a
qualidade mana da fertilidade, que aumentava a colheita, ajudava na
procriação do gado, e assim por diante.
numa série de stupas; e no ponto mais alto há apenas uma stupa, essa
mesma forma piramidal. Lá se está em completa identidade com o SENHOR
BUDA. É como a idéia medieval cristã das estações da cruz no caminho até
a capela no topo da colina – contemplamos os sofrimentos de CRISTO e
ganhamos a compreensão do caminho da paixão, da via dolorosa.
Resposta: O Animus.
Sugestão: Não será outra forma do Self que apenas desapareceu? Não será
o lado masculino sepultado dentro do monumento, que agora está
emergindo?
Dr. Jung: Eu não estou tão certo. Temos que ser bem simples. Se eu coloco
uma certa forma perante um primitivo, então ele instintivamente conhece
ou não conhece. Ela sentirá uma influência maior do que pode
compreender, ou aquela que está de acordo com a natureza óbvia da coisa.
Se eu coloco perante ele um líquido – naturalmente entendendo que este é
um procedimento mágico, uma cerimônia de cura – isto poderia significar
para ele alguma coisa assim; tem a natureza da água, sacia a sede, move-
se como água, produz água. Assim se ele sofre de hidropisia, colocar água
perante ele produziria um efeito mágico sobre ele, livraria seu corpo da
água. Ou, se a região sofre de seca, eu pegaria uma tigela de leite e a
derramaria sobre o solo, sugerindo a ele a chuva. Ou imitaria o sopro do
vento e o som dos pingos de chuva, e ele aduziria o efeito correspondente –
a chuva iria cair.
Vejam, se não temos nada mais que uma consciência de Ego, a próxima
coisa que faremos será comprar um par de sapatos novos e um novo terno
e um chapéu vistoso para parecer um cavalheiro, de modo que quem nos
olhar dirá: Não é um homem lindo? Compramos uma persona o mais
depressa que podemos, porque não somos nada mais. Então isto simboliza
forçar seu caminho para cima, fora do solo, para o mundo consciente. Ela
esteve andando para baixo o tempo todo, mas esta é a miragem; vejam, ir
para baixo pode ser subir, e subir é apenas um ir para baixo diferente...