Graduanda em Lic enciatura em História pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG).
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medievalidade, contribuindo assim com a criação de condições propícias para o despontar das
perseguições.
INTRODUÇÃO AO TEMA:
Esse trabalho se propõe a compreender de que modo pode-se observar as formulações dos
inquisidores sobre o que era caracterizado como bruxaria durante a época moderna na Europa.
James e Sprenger criam ao longo de sua obra Malleus Maleficarum (1487) uma explicação que
procura enquadrar as mulheres na classificação de bruxas e por isso a primeira parte "Dos métodos
pelos quais se infligem os malefícios e de que modo podem ser curados" que se foca bastante na
ação das mulheres se torna primordial para esse estudo.
A tentativa feita com essa pesquisa é de se aprofundar nos sentidos e razões que levam
tais inquisidores a assimilarem a figura da mulher com as ideais de luxúria, depravação e fraqueza
e desse modo considerarem que as mulheres seriam mais facilmente corruptíveis pelos demônios.
Para eles, assim que os demônios conseguissem convencê-las a realizar ações maléficas (em nível
terreno e espiritual) em seus nomes, elas estabeleceriam um pacto que incluiria, em especial, a
realização do ato sexual entre a mulher e o demônio (mais uma vez remetendo ao suposto caráter
voluptuoso da natureza feminina) através do qual a mulher concordaria em se tornar uma bruxa.
existência de um perigo representado pelas bruxas fosse tão veemente a ponto de que a tortura fosse
instituída como instrumento válido no julgamento das mulheres acusadas de feitiçaria e mesmo a
execução dessas fosse tão largamente aprovada.
REVISÃO DA BIBLIOGRAFIA:
De acordo com a autora, “o lugar das mulheres na vida social-humana não é diretamente
o produto do que ela faz, mas do sentido que as suas atividades adquirem através da interação social
concreta” (SCOTT, 2016), o que portanto demonstra que a autora assume uma perspectiva que se
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baseia na avaliação da sociedade através de sua organização coletiva e da maneira como as relações
de poder se estabelecem e se desenvolvem dentro dela. Entretanto, ela assinala que o uso desse
termo não tem o caráter de se desvencilhar da natureza política ao qual a expressão “história das
mulheres” é muitas vezes associada, nem encontrar uma designação mais neutra e supostamente
mais “científica”. Ela defende que seu posicionamento intenta sim pensar as relações de dominação
e os papéis socialmente impostos na interação humana, indo além dos limites que a nomeação
“história das mulheres” poderia apresentar.
Para tanto, as mulheres, em sua maioria mais idosas e viúvas (o que significava que não
mais viviam sob a “tutela” de um homem, pai ou marido) e que formavam a maior parte da
população tiveram suas práticas e saberes vistos como suspeitos. Muitas delas praticavam uma
medicina popular aliada aos rituais mágicos o que fazia com que detivessem um conhecimento
sobre o parto, sobre ervas e plantas curativas, a prática de tais atividades até então era aceita, mas
seu conhecimento empírico é reprimido às custas do avanço da medicina oficial que era exercida
quase exclusivamente por homens. Pelo artigo também passamos a compreender que além da
necessidade de fortalecimento da hegemonia das elites citadinas ao desagregarem as áreas rurais,
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o saber feminino amedrontava os homens (DELUMEAU, 1978 apud TOSI, 1998). Para que o
processo político de penetração no mundo rural se realizasse foram então produzidas tanto pela
Igreja, como pela elite burocrática e pelos pensadores eruditos o esteriótipo da bruxa que é bem
aprofundado no "Martelo das Bruxas" (Malleus Maleficarum). Esses segmentos da população
buscam difundir ao máximo ideias que diziam que o mundo estava sendo tomado por demônios
por meio da atuação das bruxas e toda forma de magia ou cura natural passou a ser a entendida
como perigosa e maléfica. A imagem que era transmitida sobre as mulheres em manuais como o
Malleus era de que as mulheres não eram inteligentes como os homens, não seguiam as regras
morais devidamente e tinham forte tendência a uma sexualidade exagerada, isso tudo fazia com
que fossem mais facilmente atraídas pelos demônios e eram desses que vinham seus conhecimentos
ocultos. Estava completa a instituição da demonização da imagem da mulher.
Ainda sobre a Idade Moderna e a sua definição de mulher, Mainka em seu texto “A
bruxaria nos tempos modernos – sintoma de crise na transição para a modernidade” destaca que o
aspecto jurídico daquele tempo também favoreceu que despertassem cada vez mais práticas
relacionadas à bruxaria e que o as práticas jurídicas de então estavam muito ligadas a determinações
presentes em documentos como o Malleus Maleficarum. Ele diz que a Europa passava por uma
crise quase geral nos momentos de apogeu da caça às bruxas e que em decorrência a toda a situação
de transição da Idade Média para o período Moderno, entre outros aspectos, também os ditames do
Direito Penal de então foram questionados, já que suas técnicas já não eram suficientes dentro do
novo quadro político.
Tentar expurgar o pecado das pessoas pela punição física e/ou psicológica ou mesmo levá-
las a morte pretendia proteger a SICAR. Há ainda a circunstância de que a partir do Quarto Concílio
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de Latrão, de 1214, a confissão passou a ser tida como prova mor da contravenção de quem cometeu
crimes de bruxaria. O que acontecia muito frequentemente é que as pessoas acabavam confessando
algo que não fizeram simplesmente para se livrarem do martírio da tortura. E ainda, em muitas
ocasiões os inquisidores faziam com que as mulheres se despissem à procura de provas físicas, ou
seja, de alguma marca em seu corpo que pudesse ser interpretada como relacionada ao diabo, para
isso constantemente seus cabelos e pelos eram completamente retirados; mais ainda: a tortura
muitas vezes se mantinha até que a pessoa não mais a suportasse e oferecesse uma falsa confissão.
A tortura caracterizada acima não ficava restrita ao âmbito físico, mas a tortura
psicológica, de mantê-las aprisionadas, em condições precárias também vigorava. As denúncias e
confissões, por sua vez, tendiam a ser sempre enquadradas dentro dos parâmetros usados em
manuais inquisitoriais como o Malleus Maleficarum, o que indica que as pessoas normalmente se
influenciavam para construir o discurso da acusação, bem como do depoimento das vítimas de
tortura estava inscrito e fortemente influenciado pelas ideais disseminadas nos manuais. É
importante pensar a tortura de maneira particularizada: o que é socialmente aceito varia ao longo
do tempo, ela fazia sentido naquele contexto histórico, naquele momento ela funcionava menos
como instrumento de provar uma acusação do que algo que visava estabelecer os padrões de
normatividade de conduta e pensamento. A tortura é então a maneira através da qual os inquisidores
direcionavam as acusadas a confessarem práticas que já fazia parte do imaginário que absorveram
do manual de Kramer e Sprenger.
Podemos ainda extrair da valiosa análise feita por Laura de Mello e Souza em seu "O
diabo e a terra de Santa Cruz", um contundente diagnóstico de cunho cultural sobre a questão da
bruxaria. Em seu livro, ela caracteriza o continente Europeu, já no século XIV, como um local em
rápido desmantelamento de seus valores, costumes e mesmo de sua estrutura econômica. E é nesse
mesmo ambiente que a autora diz estar presente desde a Idade Média a prática de inferiorização
moral dos estratos menos abastados da população, associando-os a animais. A leitura de Souza é
de que esse momento de cisão no qual as pessoas pertencentes ao contexto erudito passam a
desprezar tudo que se remete a camada popular, marca o início da perseguição de diversos hábitos
populares ligados ao paganismo que até então eram tidos como comuns. Nessa Europa que aos
poucos vem deixando de adotar a mão-de-obra servil, substituindo-a por uma assalariada e que se
aproxima cada vez mais das vindouras reformas religiosas, ocorre cada vez mais uma subjugação
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dos símbolos populares, segregando a figura do diabo de sua intrínseca relação com a cultura
tradicional e passando a entendê-lo meramente sob sua faceta maligna, corrompendo a essência de
seu sentido. Entretanto, Souza se preocupa em ressaltar que sua avaliação não se pauta na ideia de
que a bruxaria só é estabelecida à medida que há a repressão da camada erudita sobre a popular,
mas sim de que o início da era Moderna trouxe consigo tamanhas transformações que rompem
tanto com as lógicas eruditas quanto com as populares. Desse modo, a negação das práticas magia
teria sido a reação encontrada pela elite frente ao rompimento que vinha ocorrendo com as parcelas
mais humildes da sociedade; a deturpação do que era a magia atinge o nível de seus próprios
praticantes passarem a reforçar o que diziam os eruditos. Isso comprova mais uma vez o porque os
inquisidores foram tão meticulosos em produzir um esteriótipo sobre as mulheres no Malleus
Maleficarum.
Ele tenta indagar sobre as origens na cultura popular a respeito da bruxaria para além e
mesmo anteriormente ao lançamento das obras eclesiásticas em torno desse assunto, isso permitiria
a nossa pesquisa, entender alguns dos conceitos de bruxaria presentes na fonte desse trabalho como
precedentes a escrita dos inquisidores e ainda o que o manual não traz ou se empenha em mascarar.
Em uma das passagens da introdução, é mencionado o caso de mulheres que afirmavam ter
participado dos arrebatadores sabás juntamente com uma divindade feminina que recebia nomes
diversos de acordo com a localidade, que foge a caracterização dos inquisidores. Ele diz que o fato
de mulheres no início do século XV encontradas pelas autoridades acreditarem que realizavam atos
que eram atribuidos a hereges como e isso é que teria levado os inquisidores a postularem em
sequência sobre os sabás. Ginzburg acusa os estudos sobre bruxaria de serem parciais e não
enxergarem nas confissões de acusados os mitos que esses retinham, além de ignorarem os
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componentes que não eram encontrados na escrita dos inquisidores. Esses estudos estariam sempre
orientados pelas falas dos demonólogos, enquanto os incriminados teriam suas vozes deturpadas,
desconsiderando as "raízes folclóricas do sabá”. O estudo de Ginzburg é portanto rico em suas
avaliações, mas não contempla em toda sua extensão a ideia dessa pesquisa, sendo importante
pontualmente por buscar no passado o que levou Kramer e Sprenger a escrever sobre quem seriam
as bruxas.
Uma minuciosa revisão do “Martelo das Bruxas” foi feita por Viana ao longo do “As
bruxas no Malleus Maleficarum: caracteres, práticas e poderes demoníacos”, em que designa como
as “epidemias de bruxaria” eram justificadas na época pelo fato de sendo as bruxas as pecadoras
maiores e procurando sempre aumentar a em quantidade os pecados do mundo, essas não se
bastavam em praticá-los, mas faziam o possível para difundi-los entre outras mulheres ou com eles
afetar os homens. O que determinava que uma mulher provavelmente aderia à bruxaria eram os
seus hábitos sexuais entendidos como deploráveis e aquelas que possuíam grande ambição; a
perversão maior que essas podiam apresentar era a de se deitarem com outros homens quando
casadas, rejeitando a validade da instituição do matrimônio ou aquela que era concubina de homens
poderosos. As mulheres visavam trazer para o pecado outras pessoas para que assim elas também
se perdessem da salvação prometida pela Igreja pelo cansaço ou de tanto lhes causarem prejuízos.
A bruxaria não se encaixava somente na definição de heresia, mas também de apostasia, e ainda,
por suas ações não ferirem tão pouco os mandamentos da Igreja, mas também abalasse a vida
terrena das pessoas, acarretando-lhes muitas vezes males e ferimentos físicos, era incumbência de
tribunais eclesiásticos bem como do secular ou civil sentenciar as penas a que elas seriam
submetidas; algo que não seria permitido por Deus caso a ré fosse inocente, haja vista que qualquer
denúncia era suficiente para provocar investigação seguida de tortura a qualquer mulher.
OBJETIVOS:
Geral
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-Analisar de que maneira os inquisidores James Sprenger e Heinrich Kramer criam em sua primeira
parte da obra Malleus Maleficarum (1487) uma percepção sobre o universo feminino de modo a
atribuírem as mulheres a categorização de bruxas.
Específicos
-Analisar como foi possível o surgimento de escritos como o manual em questão circunstanciando-
o aos estudos de gênero e às discussões sobre cultura popular em conflito com a cultura letrada;
-Compreender como o imaginário sobre as mulheres retratado na parte dois livro Malleus
Maleficarum (1487) encontra respaldo na sociedade Europeia no período Moderno;
-Colaborar com a produção de conhecimento sobre o fenômeno da bruxaria e, de modo mais amplo,
com o seu contexto.
PROBLEMA E HIPÓTESE(S):
Ao sondarmos sobre o desenvolvimento da caça às bruxas na Europa Moderna, nos
deparamos com uma obra que postulava sobre quem seriam as bruxas e como elas se associavam
aos demônios, além de indicar as formas mais apropriadas de julgá-las, o manual dos inquisidores
James Sprenger e Heinrich Kramer, Malleus Maleficarum (1487). Com o intuito de pesquisar o
imaginário construído por esses inquisidores na primeira parte do livro, onde eles se focam na
questão da figura feminina, é proposta a problemática que visa investigar o padrão ideal de mulher
estabelecido pelos inquisidores nessa parte do livro. Através do estudo feito até o presente
momento foi possível notar que esses inquisidores buscaram estabelecer uma categorização sempre
bastante negativa sobre as mulheres, tendo em vista as determinações sociais da época,
configurando assim em uma ação fortemente intencional. Verificamos ainda, por meio da leitura
do texto dos autores, que essa figura da mulher era apresentada como demonizada em contraste
com a alusão a Virgem Maria e a sua pureza, uma representação de uma mulher santa, desprovida
de defeitos da carne e cujas atitudes estariam sempre em consonância com os preceitos cristãos. A
partir dessa análise compreendemos que a crença de que a mulher que só é digna de respeito quando
casta se torna prejudicial as mulheres à medida que é usada não somente para reprimi-las
simbolicamente, mas se torna uma justificativa para agredi-las e levá-las a morte.
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Para tanto, são postuladas duas possíveis hipóteses que podem colaborar para que haja um
maior entendimento do objeto e problema acima explicitados. Considera-se que é necessário
descobrir se de fato os inquisidores criam um modelo de mulher com a meta de criminalizarem
práticas contrárias ao disciplinamento social imposto a elas, em especial às mulheres das camadas
sociais mais baixas.
PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS:
A análise da fonte sob a ótica da História Cultural pressupõe que o manual fornece
elementos de imprescindível relevância no que diz respeito aos valores, ideais e credos do mundo
europeu do início da modernidade, tendo nessa corrente historiográfica um aporte substancial para
a análise do objeto selecionado. Para tanto, Chartier em seu "História Cultural: entre práticas e
representações" aponta a necessidade de analisarmos o enfoque histórico cultural entendendo-o no
contexto temporal em que se desenvolveu. Assim, ele nos apresenta que o campo da História nas
décadas de 60 e 70 do século XX se encontrava em uma posição dominante frente as ciências
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sociais mais recentemente incluídas nos estudos acadêmicos no panorama institucional francês.
Estas, entretanto, passam a questionar a ênfase dada às questões econômicas na História, pondo em
xeque os próprios objetos e metodologias adotados pela disciplina. Diante de tais críticas sobre
seus procedimentos e concepções hegemônicas, a História se reorganiza. Toma por base
tratamentos e problemas que estavam no escopo de outras disciplinas, mas ao mesmo tempo
reafirma algumas das referências que a tornaram exitosa. Despontada sua dimensão cultural, a
História vai buscando novos elementos de afirmação de sua legitimidade.
Com isso, Chartier define que a História, tomada em sua abordagem cultural, buscaria
entender como as realidades sociais, em diferentes momentos, são gestadas e interpretadas.
Compreendendo a organização social como um construto artificial e não como dada de modo
natural e a priori, a História Cultural permitiria a leitura das categorias sociais que dão sentido a
certo contexto por meio da percepção de que estas "embora aspirem à universalidade de um
diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam.
Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem
os utiliza." (CHARTIER, 1990, p. 17).
Backzo em seu "Imaginação social" pontua que o imaginário imposto pelas figuras de
poder em seu controle social seria restrito e só teria êxito e eficácia quando possuisse a capacidade
de fazer para certos grupos sociais, isso que o autor denomina de "identidade da imaginação" À tal
observação, pode-se aludir de maneira válida precisamente ao modo em que viviam certas pessoas,
subvertendo o ideário da Igreja, ainda que essa fosse uma grande produtora do imaginário da época.
É no que o autor denomina de "fazer-se a si mesmo" de modo contrário ao que pregava a Igreja
que muitas pessoas acabam sendo incriminadas como bruxas no início do período Moderno por
não aceitaram ou não se submeteram ao imaginário instituído pela Igreja devidamente, exatamente
porque esse não fazia sentido dentro do mundo simbólico delas.
fonte, mais importante do que buscar entender o que motivou os indivíduos de maneira particular
a redigi-las é refletir sobre quem essas fontes representam, em nome de quem elas falam, ou seja,
como a Igreja se utiliza de sua autoridade enquanto única representante legítima da palavra divina
para disseminar seus discursos por meio de tais documentos.
CONSIDERAÇÕES:
BIBLIOGRAFIA:
GINZBURG, Carlo. Introdução. In: Historia Noturna: decifrando o Sabá. São Paulo:
Companhia das Letras, 1991.
MAINKA, Peter Johann. A bruxaria nos tempos modernos: sintoma de crise na transição para a
modernidade. História: Questões & Debates, v. 37, 2002, n. 2.
SCOTT, Joan W. Uma categoria útil para análise histórica. Cadernos de Historia UFPE, v. XI,
2016, n. 11.
SOUZA, Laura. Sabbats e calundus. In: _____. O diabo e a terra de Santa Cruz: Feitiçaria e
religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 371-378.
TOSI, Lúcia. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna.
Cadernos Pagu, 1998, n. 10.
VIANA, Geysa. As bruxas no Malleus Maleficarum: caracteres , práticas e poderes demoníacos.
Disponível em: http://vencontro.anpuhba.org/anaisvencontro