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Inclusão social, inteligência coletiva e diálogo: aportes para os

Direitos Humanos1
Marcelo L. Pelizzoli2
Carla Jeane Helfemsteller Coelho3

Introdução

Falar em Direitos Humanos (DH) é despertar e dispor o olhar para a


aprendizagem sobre o que está implícito ou mesmo explícito diante dos nossos
olhos; é, na verdade, realfabetizar-se e reaprender a ver o mundo na atitude ética e
de interdependência relacional. Precisamos perceber (sentir) o mundo que nos
rodeia nos seus aspectos mais dolorosos e também nos mais belos. Daí a importância
do saber ver e do saber ouvir. “Quando as portas da percepção se abrem, tudo
aparece como é: infinito” (W. Blake). As portas que queremos chegar dizem respeito
aqui basicamente aos caminhos da inclusão social, da inteligência coletiva e suas
ações, do diálogo autêntico e das potências do encontro e organização dos seres
humanos.
Muitas formas de Sabedoria, cristãs, budistas, hinduístas, indígenas,
africanas, ou pensadores como Sócrates, E. Levinas, H-G. Gadamer, H. Maturana, E.
Dussel, P. Freire entre outros, nos convidam ao acolhimento, à escuta e à
receptividade como base para as relações humanas, tolerância e diálogo, mas
também à ação. Estamos num tempo propício aos pedidos de socorro existenciais,
sociais e ambientais; é neste sentido que se aguçam as sensibilidades e os meios para
responder às necessidades do tempo, das pessoas, em especial das que sofrem mais.
Para tal, é preciso ir além dos discursos e práticas que adotam a
separatividade e mentalidade do grupo incluído, salvo, superior; e assim ir na
direção da compaixão básica, a abertura ao outro. O respeito, a ética, a solidariedade
para além de todo sectarismo, de todo autoritarismo, bem como de toda fala violenta
e opressora, são cultivos diários, verdadeiros exercícios de convivência. Atentemos
por exemplo para os discursos reacionários, ou seja, os que estimulam o
conservadorismo e a violência: “ladrão tem que morrer mesmo”; “mulher safada,
tem que apanhar”; “sangue ruim”; “o tempo da ditadura é que era bom”... Uma
atitude dessas diminui ou aumenta a dor, a exclusão e a violência?4
Urge o resgate e o cultivo dos melhores valores humanos, gregários,
cooperativos, generosos, participativos, os quais buscam incluir a todos, mesmo os
que são considerados “maus”, com a devida responsabilidade e crítica. Ou seja, a
capacidade de responder pelos males do tempo de violência – estrutural em especial
– que atinge a todos e em que todos precisam cuidar e ser cuidados.

1
Publicado em: Oliveira, Liziane; Dornelles, Carla Coelho. (Org.). Teorias Críticas e Direitos
Humanos. 1ed.Curitiba: CRV, 2017, v. , p. 75-90.
2
PhD e Pós-doutor em Bioética. Prof. do PPGDH-UFPE. Coord. do Espaço de Diálogo e
Reparação www.ufpe.br/edr. E-mail: opelicano@gmail.com

3
Filósofa. Doutora em Educação. Professora e Pesquisadora no PPGD-Mestrado em Direitos
Humanos/Universidade Tiradentes. Membro do Comitê de Ética desta mesma Instituição. E mail:
ccfilos2@yahoo.com.br

4 Cf. Sayão, S. & Pelizzoli, M.L. Fragmentos Filosóficos. Ed. da UFPE, 2011.
2

Neste sentido, falar em Direitos Humanos requer o desenvolvimento de uma


atitude reflexiva crítica e participativa, que vai ao fundo dos processos estruturais,
políticos, culturais para essencialmente mapear e enfrentar dimensões sutis e
grosseiras de violência, bem como desenvolver uma sensibilidade para as conexões,
a capacidade de sentir a situação trazendo os melhores valores - a afirmação da
preciosidade da vida humana, superando a apatia (não sentir) dos tempos.
Defendemos, pois, que os Direitos Humanos encontram um de seus fundamentos
maiores no desenvolvimento de inteligências coletivas, mentalidade e processos de
inclusão, e suas materializações especialmente por meio do Diálogo transformativo.
É o que veremos adiante.

1. Superando a Apatia

A dor do Outro nos toca silenciosa e de modo psicossocial; a dor de um ser


humano e mesmo a dor dos animais nos dizem respeito; igualmente, somos parte do
sofrimento da Vida, da Natureza. Mas o problema em si não é apenas a dor, pois o
essencial dela é da própria vida, viver traz o sofrer; já a dor infringida de modo
injusto, ou a dor evitável, a dor causada pela indiferença, omissão, falta de ação,
opressão, poder e similares, é algo que questiona nosso próprio sentido humano,
nossa humanidade. De igual modo ocorre com uma dor não cuidada, sem apoio. Eis,
portanto, um dos motivos maiores pelos quais surgem os Direitos Humanos: como
cuidado, como luta ética, como reconhecimento do outro, como “opção
preferencial” por aqueles que são injustiçados, pelos oprimidos; na origem, trata-se
de aprender a acolher os seres humanos. A luta pelos Direitos Humanos, no fundo,
tem ligação direta com o que é considerado ética pelo filósofo Emmanuel Levinas e
pelo epistemólogo Humberto Maturana. Para Levinas (1971) a ética corresponde à
capacidade do acolhimento ao Outro através da relação de alteridade. Para
Maturana (1997), a ética acontece na relação por meio das vivências de
reconhecimento do outro, como legítimo outro no espaço de convivência, e tem
origem numa matriz biológica, encontrando fundamento instintivo para sua
expressão. Neste reconhecimento do outro, como legítimo outro, as atitudes
pessoais passam a ser espontâneas e inspiradas pelas raízes biológicas do amor
assim como pelas vantagens gregárias de convivência (cf. MATURANA & VARELA,
1990). E, se não for possível amar, é preciso no mínimo tolerar, respeitar, não violar,
não “matar”, seguir as regras, a Lei (quando esta é justa), cumprir seu papel social,
seu lugar e seus limites.
Segundo Macy (2004), o maior obstáculo hoje para as lutas ambientais e
sociais é a apatia, o não sentir, o não reverenciar a vida, o não querer encarar o
sofrimento ou dor do mundo, da natureza, do Outro. Ou seja, a banalização da vida é
um obstáculo aos Direitos Humanos. De modo que as pessoas buscam se proteger,
distraindo-se com suas televisões, computadores, carros e shoppings, negando a
realidade, anestesiando-se, em um estado alienado com relação aos acontecimentos
que as circundam, visando não ser afetadas com o que lhes aborrecem. Este
comportamento que aparentemente protege o indivíduo, na realidade o desconecta
do coração, o que significa que o desconecta de uma capacidade e de um modo de
ser eminentemente humano. Leva-o a viver a ilusão e a ignorância quanto ao seu
sentido social de ser, bem como seu sentido emocional, pois de acordo com
Maturana (1997) todo sistema racional tem um fundamento emocional no
entrelaçamento cotidiano entre razão e emoção que constitui o viver humano. De
3

forma involuntária, as pessoas são afetadas pelo seu tempo, bem expresso no termo
filosófico Zeitgeist, o “espírito do tempo”: o mal-estar ou o bem-estar de um tempo
que nos chama para realizar seu momento.

Qual é o momento da humanidade? Se usarmos a intuição e o sentimento (tal


como o de empatia), interligados à razão e informação, saberemos que estamos num
tempo crucial, que convoca cada indivíduo a uma práxis, a fim de que se encontre
alternativas à crise existencial e social, ao materialismo extremo que tem gerado
problemas ecológicos de toda ordem, perda de ambientes naturais,
insustentabilidade, prejuízos à qualidade de vida, pobreza fruto da desigualdade e
má distribuição de renda, falta de democratização dos recursos e dos meios de
comunicação, cultura, educação e saúde, constantemente precarizadas nos modelos
neoliberais.
Quando adotamos o estilo de vida burguês, o american way of life, caímos
muitas vezes dentro do narcisismo social. Precisamos superar o mal relatado no
Mito de Narciso, o jovem e belo grego que se afoga na própria imagem, pois não
consegue desligar-se dela. Os sintomas do narcisismo são: o intenso medo da velhice
e das perdas, a incapacidade de amar, a dificuldade de assumir as responsabilidades
e as frustrações, ciúmes exacerbados, o consumo desenfreado, a necessidade de
exibir-se, entre outros fatores que deflagram uma imaturidade emocional e
cognitiva que tem caracterizado parte das últimas gerações5.
Este estilo de vida é francamente insustentável. Ele resulta em destruições
ambientais, por um estilo de consumo altamente impactante, estresse social
competitivo, assim como pela evidência de uma sociedade que adoece em razão de
maus hábitos alimentares e por um estilo de vida sedentário e neurótico, no cultivo
da exploração e egocentrismo, que gera desde a violência doméstica até conflitos e
guerras. Talvez pudéssemos resumir o grande desafio do humano como o alcance
da Liberdade, da Justiça e do Amor em meio à prisão mental, econômico-material,
cultural e ambiental que se criou nos dias atuais. Há hoje uma epidemia de doenças
degenerativas, e cresce assustadoramente o número de pessoas que se tornam
reféns dos fármacos em geral e que se robotizam perdendo suas capacidades de se
auto deliberarem e cuidarem de si mesmas – condição essencial para a inscrição
enquanto humanos, que por sua vez fundamenta a noção de dignidade humana.
Quais são as alternativas para a superação da banalização da vida que vem
legitimando a exploração, a subordinação e a exclusão de milhares de seres
humanos pelos seus próprios “pares”, violando direitos e desconstruindo o
argumento que nos inscreve, a todos, como portadores de direitos por sermos
humanos? Associar-se, criar, fazer o novo, optar pelo simples, boicotar, optar pelas
alternativas. Eis que felizmente, em meio ao caos, estamos criando um novo
paradigma ou padrão, ecológico, social, e os Direitos Humanos podem representar
uma conquista demarcadora desta nova consciência, desde que baseados no diálogo
intercultural, reconhecendo a igualdade, quando as diferenças inferiorizam, e as
diferenças, quando a igualdade descaracteriza, conforme propõe Boaventura de
Sousa Santos (2002)6 Quando compartilhamos um pouco da dor do outro, nossa dor
pode também diminuir; tudo está ligado; além do mais, podemos nos sentir mais

5 Sobre isto veja o livro Violência e Psicanálise, de Jurandir Freire Costa; e O Mínimo Eu, de C.
Lasch. E Pós-modernidade, a lógica cultural do capitalismo tardio, de F. Jameson.

6
Boaventura de Souza Santos (Fórum Social Mundial, POA, janeiro de 2002)
4

humanos. Isto pode ser traduzido também como criar processos e espaços de
inclusão.

2. A sociedade como um sistema de exclusão e inclusão (restauração)

O ser humano é parte do todo por nós chamado de universo. Nós


vivenciamos a nós mesmos, pensamentos e sentimentos, separados
do resto – uma espécie de ilusão de ótica de nossa consciência. A
nossa tarefa deve ser nos libertarmos dessa prisão,
ampliando nosso círculo de compaixão, para abraçar as criaturas
vivas e a natureza inteira. (A. Einstein)

Um dos aspectos que consideramos na compreensão dos Direitos Humanos


é a percepção profunda do que rege o funcionamento do social. Acerca deste aspecto,
as proposições de autores como Marcel Mauss (1999), Humberto Maturana e
Francisco Varela (1990), N. Luhmann (2007), convergem quando assumem a
perspectiva de que, na base do humano está o ambiente (ecossistêmico), onde apoia-
se o social e a sociabilidade, e nesta um sistema de inclusão e exclusão em
movimento. No caso humano, a sociedade é um sistema de trocas de variadas ordens
(material, afetiva, simbólica, de trabalho, partilhas, coletividades, entre outras)
regida por equilíbrios dinâmicos, entre dar e receber, entre ação e
responsabilidades, entre ações de um indivíduo e o que isto significa dentro de seu
sistema familiar, grupos e do ambiente em geral.
A justiça, neste sentido, é o pressuposto básico de manutenção de ordens
estabelecidas para o funcionamento dos animais humanos em seus grupos
dinâmicos. Os grupos, como bem mostrou Zehr (2008) desenvolveram seus modelos
de justiça para a administração da vida relacional coletiva dentro de suas interações
e conflitos sociais, simbólicas, culturais. Uma das concepções mais significativas
dentre estas formas é a visão de que a simples e irresponsável exclusão de um
membro traz desequilíbrios e instabilidade para todo o grupo ou comunidade. A
violação de alguém pode reverberar por longo tempo, se a situação não for
reequilibrada, se o prejuízo não for reparado, se o autor não for responsabilizado,
se a vítima não for “curada” de alguma forma. O tecido social rompido precisa ser
costurado constantemente. Análoga a uma doença que afeta um corpo, cortar um
pedaço do corpo e jogá-lo fora, na maioria das vezes, não resolverá o problema de
base. Em relação, por exemplo, às comunidades indígenas, pode-se resgatar um
modelo reparativo de danos, sempre em referência aos familiares e à comunidade
envolvida no ato. Eis a base social sistêmica para a ideia de justiça, que é a própria
manutenção do equilíbrio dinâmico da sociedade como relação, dar e receber, atuar
e responder por seus atos.
Um modelo que tem sido utilizada em dimensões sociais e que hauriu o mais
fundo desta visão de interdependência é o Círculo de Diálogo, ou os círculos
restaurativos7. Este tipo de procedimento consegue acessar as faltas, as exclusões
ocorridas num contexto familiar e comunitário que trazem obstáculos à vida
presente do indivíduo e sua família ou grupo. Atua por meio da abertura do espaço
relacional e emocional, olhando para as ações, violações e danos ao sistema, o qual
tem como força de movimento e conexão o que se chama de necessidades,
sentimentos e necessidade de ser aceito, e que opera o tempo inteiro em meio a forças

7 Sobre isto cf. Zehr (2008); Pranis (2011); Pelizzoli, 2010 e 2016.
5

de inclusão e repulsão. O sistema familiar e dos grupos é regido por forças maiores
que os indivíduos, tais como os sistemas sociais em geral, em diferentes graus de
pertença e intensidade8.
Certamente, houve e há modelos de justiça que atuavam com base no balanço
do “olho por olho, dente por dente”, que também busca reequilíbrios sociais. Mas na
percepção sistêmica e dos Círculos Restaurativos como os que inspiraram
inicialmente a Justiça Restaurativa - a tradição indígena canadense, australiana e
norte-americana – criou-se ao longo do tempo uma forma altamente evoluída,
otimizada, de manutenção social ou justiça - restaurativa. Nesta, o indivíduo
responde ao todo ao qual pertence – e pertença é um pressuposto neste caso – no
nível das obrigações e responsabilidades inter-humanas em primeiro lugar, e não
em termos de referência à legalidade formal. Responde-se diante do clã dos mais
velhos, mas responde-se diante da família da vítima, bem com diante da
instabilidade de sua própria família e companheiros; responde-se de fato pelo que
foi feito e pelo que há de se fazer desde então. E por sua vez, reconhece-se a violação
como algo que fere pessoas e sistemas - não algo frio e impessoal, mas instaurado
no nível dos compromissos (laços) afetivos e de sentido social de vida das pessoas,
que pertencem a um grupo de convivência.
Tal como na natureza, os animais humanos estruturam-se intrinsecamente
com seus ambientes, fato bem compreendido quando se tem consciência do que é
um Ecossistema ou quando se tem a noção intergeracional familiar e o papel da
cultura humana. As crianças, em especial, são muito sensíveis ao que aconteceu num
ambiente. A boa nova é que há formas de lidar com tais impactos sistêmicos, de rede,
focadas no círculo familiar, tribal, terapêutico, dialogal, seja como for; pode-se ter
um acesso privilegiado ao que ocorre, com o clima ou energia que move as relações,
desde que se acesse a força de interligação, exclusões dolorosas e inclusões
renovadoras que tendem a reequilibrar os danos, por meio de encontro e diálogo
circular, a partir de um Centro ou Sistema9
Os Círculos de Diálogo, como ápice dos modelos de práticas restaurativas,
fundamentais para a área da justiça, das escolas e demais instituições, tem o
potencial de chegar ao centro de equilíbrio do dar e receber, das trocas sociais,
mostrando-se como um espaço transparente em que se dá a Abertura, o resgate da
Pertença, a Participação, e a Responsabilização, sinônimos todos de inclusão. O
círculo é também uma forma de dar nascimento social a pessoas que parecem não
ter existência propriamente (e assim direitos e deveres), ou àqueles que foram
afetados na identidade social de suas existências. O movente fundamental para tal
escopo se chama diálogo.
Quando falamos em Direitos Humanos, falamos automaticamente em Cultura
de Paz, o que significa que é preciso entender a violência de forma profunda e
sistêmica. Ou seja, a violência reverbera como uma onda na água, e diz respeito a
muitas pessoas que sentirão o seu efeito. Por outro lado, e do mesmo modo, o amor
também reverbera, mas cria relações positivas e desdobramentos promotores da
vida. Ora, toda ação que se faz, seja ela boa ou ruim, reverbera. Neste sentido, é
preciso que cada pessoa pergunte a si mesma, que tipo de futuro quer, que tipo de
reverberação espera ver construída.

8 Sobre isto, veja as obras de Bert Hellinger.

9 Hellinger, 2007; Pranis 2011; Pelizzoli, 2010 e 2012.


6

Um exemplo positivo disso podemos ver quando os conselhos comunitários,


núcleos de mediação, territórios de paz, policiamento comunitário, associações e
cooperativas, ecovilas e assemelhados funcionam bem, numa parceria benéfica para
as pessoas e para a comunidade, chegando quiça de modo eficaz nas políticas
públicas.
Lembremos também que a defesa de direitos inclui automaticamente a
defesa de deveres, no sentido da responsabilidade compartilhada, e não no sentido
do castigo e punição, que não é pedagógica, mas busca sujeitos a serem acusados, o
que também pode-se entender como a busca pelos “bodes expiatórios” a serem
sacrificados por todos. O que é o sujeito se este não se sentir responsável por si, pela
comunidade, pelos seus atos? Para isto, a educação à base da reciprocidade e
aprendizado participativo, como propõe Jean Piaget (1982) atua no
desenvolvimento humano mais eficazmente do que o castigo e a imposição de
sofrimento, ou então do que a mera desresponsabilização e o silêncio da injustiça.
De modo prático, é fundamental lembrar que temos hoje no Brasil um
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) e um Plano Nacional de Educação
para os Direitos Humanos (PNEDH), bem como programas, leis – a exemplo da Lei
Maria da Penha, de proteção à mulher – guias, ONGs, instituições ligadas ao tema
que buscam dar garantia de Direitos, principalmente para aqueles que têm menos
acesso à justiça, à defesa, à cidadania, enfim, à inclusão.
Por outro lado, paira no imaginário popular brasileiro a ideia de que muitos
problemas sociais, conflitos e transgressões são “caso de polícia”. Nesta visão, todo
protesto, toda transgressão social e luta mais agressiva por direitos e reivindicações,
deve ser punida, abafada e combatida. Quem defende os Direitos Humanos é, por
vezes, criticado, visto de forma pejorativa como esquerdista, como “baderneiro”, ou
como “bonzinho”. Na concepção de alguns, os “fortes”, a sociedade incluída, a
burguesia, deve combater os miseráveis, os sem-terra, os “marginais” (marginal é
quem está à margem - na periferia). No entanto, quem detém o poder,
principalmente econômico, explorando e excluindo indivíduos que têm seus direitos
sequestrados e suas dignidades esfaceladas, gerando pobreza e destruição – não têm
sido questionados suficientemente como causas maiores do desequilíbrio e da
violência social.
O questionamento sobre a violação do outro (alteridade) é recente. No Brasil,
por exemplo, milhares de trabalhadores, sindicalistas, índios, sem-terras, religiosos,
colonos e caboclos são ameaçados de morte ou morrem, devido à violência que
busca neutralizar e dizimar as lutas sociais. O seringueiro e sindicalista Chico
Mendes e a religiosa irmã Dorothy são exemplos de ativistas mortos por grileiros no
cenário das lutas socioambientais brasileiras. No Brasil temos uma das maiores
diferenças sociais do mundo; e nos falta ainda, uma Reforma Agrária ampla, política
justa e sustentável. Este fator é um dos principais geradores de violência social, rural
ou urbana.
Em todo caso, todos nós temos que lidar com nossas sombras negativas,
sociais e relacionais, pois compomos este todo interdependente, para assim acessar
uma inteligência coletiva que direcione a nossos melhores valores éticos.

3. O mal da vingança e a nossa Sombra

Muitas pessoas ainda hoje consideram que fazer justiça é vingar-se, punir o
outro e condená-lo a pagar pelo mal que fez, pensando que assim “corrigirá” o mal
7

que está no outro. Esta é uma ideia geradora de mais violência. O outro passa a fazer
parte do “reino” do mal. O sentido original de Justiça não é este, nem tampouco
somente o sentido de “ir à Justiça” para “processar alguém”, e depender apenas de
meios institucionais – muitas vezes burocráticos, frios e que não dignificam nem a
vítima nem o ofensor. É por isto que a Justiça Restaurativa e as formas de mediação
participativa, sejam dentro ou fora do judiciário, são fundamentais10. Pautadas no
diálogo, nas associações de bairro e comunidades, nos espaços e centros de
conciliação e mediação, fazendo círculos restaurativos, inspirando-se em
comunidades antigas que resolviam seus problemas no próprio grupo, seja com a
mediação dos mais velhos ou experientes, buscam reparar a violação cometida,
perceber o erro, envolver os familiares e conhecidos dos intrigantes, e criar novas
possibilidades de convivência. Fundamentalmente é preciso perceber o fracasso da
Lei do Talião: “olho por olho, dente por dente”. Deste modo, podemos ficar
desdentados e caolhos.
Se olharmos a violência dentro da visão sistêmica, ou de rede, vemos que a
sociedade é uma teia de interdependência; o que acontece a uns reverbera em
outros. Neste sentido, esta sociedade também produz seus excluídos e projeta para
fora o seu próprio mal oculto, acusando o diferente, o excluído, o “bandido”, a
“prostituta”, ou o “louco” ou o “rebelde”, de serem eles a raiz dos males, como no
Nazismo ou no Fascismo, ou no Racismo e na Xenofobia que persegue as pessoas.
Isto se chama “projetar a Sombra”; a Sombra é a nossa própria agressividade e
energias instintuais de várias ordens jogadas para baixo do tapete, ou ainda a raiva
e medo, que quando não são aceitas e trabalhadas acabam atacando o outro, criando
o que se chama de Bode Expiatório – alguém ou um grupo que irá ser o culpado pelos
males e que deverá “pagar”, ser sacrificado para apaziguar as dores e o mal-estar
coletivo11. Deste modo, a acusação do Outro, deveria ser acompanhada de
autorreflexão. Ora, a capacidade de ver bem algo no outro, reflete o que há dentro de
quem “vê”. Na maioria dos casos, de forma ofuscada, diferenciada, mas os
“espelhamentos” se fazem presentes quando algo no/do Outro chama atenção de
alguém. Trata-se de mudar o olhar em direção a uma cultura de paz coletiva, em que
se incluem os Direitos Humanos.

4. Cultura de Paz como Inteligência coletiva/sistêmica12

10 Sobre JR veja também os vídeos www.youtube.com/watch?v=5pRsxJr6YL0 ,


www.youtube.com/watch?v=g0flNll95yM

11 Sobre este importante tema veja a obra Ao Encontro da Sombra (ZWEIG, S. & ABRAMS J.);
bem como Pelizzoli (2016).

12 O conceito de inteligência coletiva tem uma história longa, que poderia remontar à Platão
quando fala em pampsiquismo, uma mente comum na natureza/vida; mais tarde a Durkheim, que
toca em uma representação coletiva que se originam nas comunidades a partir de uma semiologia
comum a todos; mais tarde e especificamente na sociobiologia e na ciência política, chegando às
dimensões organizacionais. Na área informacional temos o livro Inteligência Coletiva, de Pierre
Levy (Loyola, 2007) O termo inteligência sistêmica é utilizado recentemente já na área empresarial
e organizacional; por outro lado, temos também a Constelação Familiar Sistêmica, vinda de B.
Hellinger.
8

Muitos se perguntarão: como superar a violência? Para perscrutar esta


questão é preciso ter em mente que a agressividade (base da violência) faz parte da
vida social e corresponde a um dinamismo humano necessário. Neste sentido, o que
se busca é diminuir as situações onde a agressividade se transforme em violência. A
agressividade é um impulso natural no humano e fornece combustível a libido, que
por sua vez alimenta as iniciativas relacionadas à vitalidade, à criatividade, à
coragem existencial e até mesmo à capacidade de repouso, nutrição e afetividade.
Este impulso quando manifesto no sentido de impulsionar iniciativas que recebem
espaço de expressão, se dissolve, por assim dizer, na sua original razão de existir.
Todavia, na medida em que o indivíduo não encontra espaço de expressão de sua
coragem, iniciativa, criatividade, por exemplo, desencadeia internamente uma
reação a este impulso que se aprisiona tomando uma força desproporcional
tornando-se “violência”. Como no contexto social atual não se encontra comumente
fatores e ambientes positivos, e sim negativos à expressão do crescimento humano,
constantemente adequando o sujeito, alienando-o de sua expressão corajosa,
criativa, autônoma, encontramos cada vez mais situações onde este impulso natural
de agressividade se transforma em violência (Coelho, 2011).
Por esta razão, além da investigação e proposição de modificações dos “eco
fatores” positivos e ou negativos, o que leva tempo, pois trata-se de mudanças
paradigmáticas, torna-se necessária a investigação e proposição de meios para
diminuir, neutralizar e reparar os efeitos da violência que na maioria das situações
configuram-se em violações da vida como um todo e da dignidade humana. Outro
fator importante acerca da violência é o fato de ser ela ao mesmo tempo pontual e
estrutural, o que exige que se trabalhe com as dimensões de violência mais
profundas, como a sistêmica (e também a psicológica), que por sua vez relaciona-
se com as questões da Sombra13 e da ordem psicossocial e cognitivo-emocional que
condicionam as mentes e ações das pessoas. As análises da violência estrutural não
têm considerado esse nível psicossocial, que é a base de motivação das
subjetividades. A contribuição da dimensão sistêmica, é a concepção que ela encerra
de que, nós só estamos vivos porque existe o amor, porque existe o dar e receber,
apesar destas dimensões serem renegadas na atual “cultura” em que a violência
chama mais atenção. Estamos vivos porque há reciprocidade, solidariedade e
conexão; as comunidades humanas estão, o tempo inteiro, operando com
inteligências coletivas afetivas, que são meios criativos de sustentação, agregação,
manutenção social, intervenção coletiva, e oportunizam a permanência das relações
intersubjetivas e a sobrevivência humana. O fracasso da manifestação destas
inteligências coletivas afetivas resulta nos totalitarismos, individualismos,
narcisismos que levam às guerras e a violação da dignidade humana.
Todas as instituições são criadas com esta motivação de cuidado e
crescimento, como o hospital, a escola, a igreja, dimensão de solidariedade, de
valores, da conexão dos sujeitos para que possam coexistir no mundo.
Com base nestas considerações, a Cultura de paz e os Direitos Humanos
situam-se como alternativa, quando se apresenta como ferramenta epistemológica
e metodológica ao trabalho com inteligências comunitárias/sistêmicas. Sua
metodologia opera visando à pacificação desejada, à reparação, a uma nova vida
social, porque é isso que os seres humanos almejam, ontologicamente,
constitutivamente. Não se trata de uma criação artificial, mas de mecanismos que

13 Sobre este importante tema veja a obra Ao Encontro da Sombra (ZWEIG, S. & ABRAMS J.);
bem como Pelizzoli (2016).
9

acessam inteligências eficazes, as fontes de onde vertem os empreendimentos


coletivos, os mesmos que fazem, por exemplo, funcionar uma instituição; é uma
inteligência coletiva que a gestiona; os empreendimentos funcionam porque têm um
alto grau de envolvimento de energia humana agregada.
A solidariedade é uma inteligência coletiva das comunidades, das religiões,
das famílias; quando ela é rompida isto é sentido como ameaça, e há uma busca por
reparar e recriar os laços para retomar o equilíbrio dessa inteligência; isso é algo
que movimenta as ações sociais, de vizinhança, colaborativas, associativas. A
restauração, os processos de diálogo e de encontro, são constructos de inteligência
coletiva que busca resgatar sujeitos que sofrem com algo, ou sujeitos que erraram;
resgatar o sujeito e evidenciar para aquela micro-comunidade/grupo o nível de
desagregação presente - a ponto de um de seus membros agir de modo danoso
(Pelizzoli, 2016).
As inteligências coletivas geram novos paradigmas, como os meios de luta
política emancipatória, tanto quanto os métodos de resolução de conflitos; e o geram
como patamar de mudança de teorias e de práticas em um determinado tempo. Elas
constituem o Zeitgeist, o espírito e vanguarda de um tempo; em geral, acabam por
encontrar oposições e posições acomodadas - fato explicado por Kuhn (1970)
referente aos períodos de revolução, em vista de que muitas vezes o tempo não está
preparado para as mudanças necessárias14. Em situações de crise, presenciamos
atitudes paradoxais: assim como as crises representam um momento de criação,
também representam um momento onde surgem as reações baseadas nos
reacionarismos, conservadorismos, autoritarismos, fundamentalismos, ou então,
artificialismos e objetificação, na tentativa de acirrar o controle social. Não obstante,
o tempo passa por cima de todas as fixações, bem como a natureza não se deixa
dobrar ao controle tecnológico humano.
São as inteligências sistêmicas que geram as tecnologias psicossociais – como
meios hábeis, métodos e movimentos em torno do resgate, promoção e
transformação dos sujeitos na busca de sua emancipação, cura, reconexão, criação
coletiva. As inteligências coletivas operam principalmente em momentos de crises e
de criatividade necessários para resolver problemas humanos substanciais; do
mesmo modo que um ser vivo na natureza evolui, muda e adapta-se para sobreviver.
O Diálogo e as práticas sociais emancipatórias e restaurativas mostram-se como
potente inteligência coletiva, e tem no encontro autêntico o seu ápice; além do mais,
compõe um forte aspecto evolutivo necessário ao modelo institucional vigente.

5. O Diálogo como inteligência coletiva


Além do certo e do errado existe um espaço.
Somente nele nos encontraremos.
(Krishnamurti)

O diálogo é a tecnologia social mais avançada na história da inteligência


humana. O que é necessário para haver diálogo? O primeiro fundamento: Ouvir. A
escuta real, plena, é algo raro. A psicanálise tomou esse conceito como fundamental,
onde o papel do psicanalista não é curar o outro, mas sim escutar e perguntar. A
psicanálise usa a inteligência coletiva do diálogo, que é aquela que Gadamer (2000)
e Krishnamurti (1973) evocam ao demonstrarem que quando alguém te escuta

14 PIM, in Pelizzoli, 2009.


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verdadeiramente, algo em você se transforma. Portanto para que se possa afirmar


que há diálogo tem que haver a base, que é a escuta. Mas o que há dentro da escuta?
Há algo bem difícil para os sujeitos atuais, que é a presença e a atenção envolvida
nela. A escuta traduz algo da presença; sem a capacidade de presença atenta a
pessoa não consegue ouvir, não consegue ficar no próprio corpo e mente; na medida
em que não está presente a si, não estará presente ao outro; por isso que a presença
atenta é o ponto fundamental da escuta.
A escuta funciona junto com a capacidade de atenção, a qual tem a ver com a
disposição e foco da consciência, porque é uma qualidade e função da consciência.
Você está atento a um ponto/algo que está acontecendo, ao que está ouvindo. São
termos que se encaixam dentro do escutar, da presença, contendo um tipo de silêncio
imprescindível. É como a música, em que sabemos que o intervalo entre as notas –
silêncio - é tão importante quanto o som. O que o silêncio faz? A fala define, dá fim,
fecha; o silêncio abre, no aspecto da escuta; quando há muitos pensamentos/falas e
você está preso a esses pensamentos ou a algo que está sendo falado, não há silêncio.
Mas quando você pára e percebe que há um silêncio, aí começa a haver presença e
atenção, e a escuta aparece mais adequadamente. Certamente não estamos falando
aqui do silêncio da perda da palavra e do desempoderamento do sujeito, até porque
este não é um silêncio real.
Portanto, o primeiro pilar do diálogo é a escuta; parece simples, como deixar
os ouvidos abertos, mas não é, porque exige a presença/atenção. Por que
comumente as pessoas não conseguem ficar presentes? Por que a consciência delas
está inquieta, pela falta do cultivo da atenção, pela falta da desaceleração, pela falta
de oportunizar espaço mental, pela falta da meditação, pela falta da apreciação do
silêncio. A atenção comumente está desfocada; porém, quando a pessoa consegue
perceber sua fala interior, suas emoções, quando consegue silenciar, esse silêncio
abre espaço. Na abertura de espaço há uma possibilidade de ouvir o outro, de
conversação. Assim, o que ocorre num autêntico círculo, no diálogo? Uma abertura
de espaço; espaço de significação, espaço de escuta, em que algo importante pode
aparecer e ser acolhido. Por quê? Porque há espaço para os sujeitos, para suas dores
e para suas inteligências sistêmicas. Se simplesmente separamos bem e mal, não
existirá este espaço e o encontro; se um não escuta o outro, não haverá espaço para
aparecer o que realmente incomoda e que precisa de reparação. Assim, é necessário
investir no diálogo, colocar-se na escuta e presença, no que o outro diz,
proporcionando uma abertura e o aparecimento do que estava escondido
bloqueando a relação (Pelizzoli, 2016).
Quando há uma escuta real, algo ocorre dentro daquele que está sendo
ouvido, e também dentro de quem está ouvindo; por que acontece algo nesta
relação? Há aqui uma mecânica complexa funcionando; podemos limitadamente
dizer que funciona porque existe um campo de acolhimento e cuidado (Pelizzoli,
2016). Quando alguém escuta verdadeiramente, e se conecta com o outro, é como se
acolhesse e reverberasse com o outro, na relação intersubjetiva humana sistêmica
em que todos temos questões parecidas. Há uma correspondência em níveis que
ultrapassam o nível onde moram as palavras racionais que o outro está trazendo.
Esta é a base da conhecida empatia (e da simpatia) “sentir dentro do outro”,
semelhante à “com-paixão”, na sintonia com o sentir humano. Inclusive a
transferência – palavra fundamental na psicanálise – tem relação com este
fenômeno. Empatia é uma palavra forte, porque indica entrar na dimensão do
sofrimento humano que é a dimensão que mais chama atenção e nos toca - uma
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sensibilidade e dor básicas. Quando se entra nessa energia sente-se algo do nível
pático; mas para isso é preciso que se tenha antes aberto o espaço; é necessário a
disposição com a presença que compõe o escutar. Precisa-se do cultivo da
capacidade de ouvir; precisa-se que se abra no pequeno mundo de cada um o espaço
para a alteridade, mesmo que este espaço possa representar uma ameaça à própria
identidade. Do mesmo modo, para receber algo do outro, é preciso também alguma
capacidade de acolhimento e do “abrir mão de”, conhecido como altruísmo.
Gadamer (2000), em seu significativo texto: ‘’Sobre a incapacidade para o
diálogo’’, observa que esta incapacidade é um bloqueio do sujeito, uma repressão,
uma questão existencial ligada às próprias concepções e relações; o filósofo refere-
se também a Freud quando pergunta “o que é a análise? ” Algo como uma
recuperação da capacidade para o diálogo, pois a pessoa não está conseguindo ouvir;
ela não consegue nem ouvir a si mesma, porque ter uma boa capacidade de diálogo
tem a ver com escutar a si mesmo. O modo com que cada um olha o outro tem a ver
com as próprias questões, crenças, expectativas. Assim, para que cada um olhe para
o outro é necessária a autopercepção sobre como ele olha e deseja o mundo.
Portanto, a capacidade para o diálogo exige uma autocompreensão do sujeito.
Qual é o outro pilar do diálogo, o seu motor para movimentar/funcionar? É a
pergunta. Em uma boa pergunta, o sujeito pode cair em si, dar-se conta. Para a
hermenêutica, as perguntas abrem, e as respostas fecham; perguntas mobilizadoras
vão ao coração e no ponto delicado do sujeito, da dificuldade. Podem quebrar
imagens (eidos – ideia) congeladas e preconcebidas. Um contexto criado pode muito
bem ser um pretexto (como exemplo: por que muitas vezes as pessoas brigam?
Porque precisam disso, como pontos fracos a serem superados, resposta à
frustração, etc.). A pergunta abre e dá movimento, não deixando estagnar-se na
dominação do objeto conhecido e na domesticação da alteridade infinita. Como uma
pessoa sabe se você está interessado ou não numa conversa? Pelas perguntas feitas
(ou não feitas); quando ela está interessada fica atenta e perguntante, inclusive para
confirmar se o que ela entendeu é correto. Deste modo, o interlocutor sente o
acompanhamento, porque o outro está tentando ver se é assim mesmo como ele
entendeu; assim, ocorre um fluxo. Evidentemente que as perguntas não podem ser
retóricas, ou seja, armadilhas lógicas, afirmações veladas, ou críticas veladas, pois
não são perguntas de fato, mas bloqueios ao diálogo e ao encontro. Quando se trata,
no encontro, de um vencer o outro, não haverá diálogo, mas sim disputa, retórica,
estratagemas “egoicos”, tergiversações. Do mesmo modo, quando se interpõe
julgamentos morais ou de valor, há um bloqueio do diálogo.
Eis a síntese da mecânica do Diálogo, escutar e perguntar; se não houver um
desses elementos não se pode usar a palavra diálogo. Não estaria correto,
tecnicamente. O Diálogo pressupõe essa troca (dia), com a escuta e o interesse e
abertura da pergunta (Pelizzoli, 2012 e 2016).

Considerações finais

Os Direitos Humanos, dentro da Cultura de Paz, é uma bandeira, é um cultivo,


é uma mentalidade, ou seja, uma tomada de consciência das virtudes e dos sentidos
mais profundos da sociedade e de viver; é um alerta, é uma energia, é uma missão.
Uma cultura que não assume seu potencial crítico e não propõe novos valores
humanos e ambientais é uma cultura e sociedade da normose - que vive uma falsa e
cara normalidade doentia, consumista, narcisista. Talvez, a maior revolução que
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podemos almejar, como diz Dalai Lama, é a revolução espiritual, ou em outras


palavras, da sensibilidade, do amor, bondade e compaixão. A Cultura de Paz, pautada
na crítica constante e no Diálogo autêntico, é um dos modos de dizer a promoção e
defesa dos Direitos Humanos, alargando o seu sentido, pensando a sua base e
propondo meios para realizar os anseios e necessidades humanas fundamentais.
Tais necessidades são geradas pelas inteligências coletivas dos tempos, almejando
corrigir os erros e sofrimentos humanos, por meio de novos processos inclusivos,
em que o encontro humano transformador, participativo, crítico, afetivo e de
aprendizado mútuo tenha lugar.

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