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Resumo
Este artigo analisa os principais aspectos jurídicos relacionados à exploração e à produção de gás não con-
vencional no Brasil, despertando a atenção para a necessidade de uma regulação específica para essa nova
alternativa exploratória. Para tanto, delineamos um panorama conceitual e histórico de fontes não conven-
cionais de petróleo e gás, e adentramos na regulação da matéria, necessária à segurança jurídica do investidor.
Trata-se de assunto de grande relevância ao mercado energético mundial, visto que se está diante de uma
fonte alternativa ao petróleo e ao gás convencionais. No âmbito brasileiro, o tema merece especial destaque
com a realização da Décima Segunda Rodada de Licitações da ANP, que contemplou a possibilidade de
exploração desses recursos. .
Palavras-chave
Regulação; Gás; Não convencional; Brasil; Lacuna.
Abstract
This paper analyses the main juridical aspects related to the exploration and the production of non conven-
tional resources in Brazil, mainly the so called shale gas. Such subject is very relevant to the global energy
market, considering it as an alternative energy resource to the conventional oil and gas. In terms of Brazil, the
subject deserves an especial attention due to the execution of ANP’s 12th Bidding Round, which contempla-
ted the possibility of exploration and production of non conventional resources. The question of regulation
that surrounds the subject and the need for investors’ safety are the themes developed in this paper, initiating
with concepts and the history related to these natural resources.
Keywords
Regulation; Gas; Non conventional; Brazil; Gap.
O
turamento hidráulico em reservatório fechado
assunto dos recursos não convencio- (de baixa permeabilidade), com a utilização de
nais de petróleo e gás vem recebendo poços horizontais e verticais, e o aquecimento
destaque no Brasil e no mundo. Des- in-situ para redução da viscosidade. A análise da
cobertas recentes de reservatórios não conven- qualidade do reservatório, no caso desta catego-
cionais em concessões localizadas em bacias ria, depende de estudos estratigráficos e cons-
sedimentares brasileiras, e a constatação de sua trução de modelos do sistema petrolífero e da
real dimensão, tem produzido intenso debate na evolução geológica de toda a bacia sedimentar.
doutrina, uma vez que tanto os Concessionários
quanto a própria agência reguladora do setor pe- Diversos são os tipos de reservatórios associados
trolífero depararam-se com uma nova realidade ao termo não convencional, dentre os quais se
exploratória, a qual demanda técnicas distintas destacam: shale gas (gás de folhelho), tight sands
de exploração e produção. gas (gás de arenitos de baixa permeabilidade), gas
hydrates (hidratos de gás natural), coalbed metha-
A escassez de recursos petrolíferos é fator rele- ne (gás de carvão), oil sands, oil shale e shale oil.
vante para a procura de novas possibilidades de
exploração. Recentes descobertas de novas áreas Até o presente momento, não há no ordenamen-
de extração de petróleo, como os campos of- to jurídico brasileiro uma regulação específica
fshore do pré-sal brasileiro, no entanto, não são para a exploração e a produção de fontes não
suficientes para eliminar o interesse estratégico convencionais de petróleo e gás natural, sendo
e econômico de se buscar novas fontes energé- que determinados Concessionários, embasados
ticas. Uma dessas alternativas é o denominado majoritariamente por razões de ordem técnica,
comumente recurso não convencional ou “un- já atentaram à Agência Nacional de Petróleo,
conventional” que pode permitir igualmente a Gás Natural e Biocombustíveis (“ANP”) para a
extração de petróleo e de gás. necessidade de tal regulação, de forma a viabili-
zar tais atividades não convencionais.
A classificação convencional ou não convencio-
nal deixou de ser pautada por aspectos econômi- Nesse contexto, o presente artigo tem por obje-
cos e passou a ser regida pelas diferenças geoló- tivo apresentar essa nova questão regulatória que
gicas dos reservatórios.1 Nesse sentido, afirma-se emergiu tanto na Indústria do Petróleo quanto
que a descoberta de acumulações de hidrocar- na Indústria do Gás, salientando algumas das
bonetos em folhelhos, por exemplo, que atuam especificidades dos recursos não convencionais,
simultaneamente como rocha geradora e como perpassando pelo conflito de competência que
rocha reservatório, representou uma quebra de se instaurou no meio jurídico para a regulação
paradigma na geologia, antes centrada na divi- de tais recursos, e concluindo, ao final, pela ne-
são tripartite: rocha geradora, rocha reservatório cessidade de uma regulamentação própria para
e selo. o gás não convencional.
Diferentemente do óleo e gás da categoria con- 1. A Indústria do Gás Natural: breves
vencional, que ocorrem em acumulação em sub- notas
superfície e podem ser produzido por método
A cadeia do gás natural é constituída pelas se-
convencional de extração, por produção natural
guintes etapas: exploração e produção, proces-
ou por estimulação do reservatório, o petróleo
samento, transporte e distribuição. A primeira
e gás não convencionais exigem a implantação
etapa resume-se à identificação de reservas de
de tecnologia e de processos diferentes daque-
gás natural (associado ou não ao petróleo) no
les tradicionais de extração, em que o fluxo de
subsolo, em terra ou no mar, para sua extração
fluido no meio poroso depende basicamente de
pelo concessionário. Na etapa seguinte, o gás ex-
condições favoráveis de permeabilidade do re-
traído é transportado, por meio de gasodutos de
servatório e da viscosidade do petróleo.2
recolhimento, às Unidades de Processamento de
Destarte, a categoria de não convencional com-
preende o petróleo e o gás extraídos por meio
Gás Natural, nas quais passa por um processo
de separação. Em seguida, o gás é transportado 99
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até os locais de consumo, por meio de uma rede um crescimento do mercado internacional desse
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temperatura e alta pressão.24 Não se conhecem, brasileira transformou-se em um dos princi-
ao certo, os efeitos que a extração de hidrato de pais objetivos da política energética nacional.
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Nesse sentido, a Lei 9.478/1997, que instituiu da especificamente para a exploração e produ-
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pela Resolução CNPE nº 6, de 25 de junho de ao entendimento de que as atividades realizadas
201335. Apesar de não ser uma Rodada volta- sobre tais rochas estariam sujeitas à regulação do
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então Conselho Nacional de Petróleo. de gás natural estrutura-se a partir de leis, porta-
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o exercício das atividades de exploração e pro-
tal exploração. Primeiramente, com relação ao
dução de petróleo e gás natural em 240 Blocos
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com risco exploratório, localizados nas Bacias de por diferentes agentes da Indústria, vê-se que a
O estudo da regulamentação do gás não conven- ALMEIDA, Edmar Fagundes de. COLOMER, Marce-
cional faz-se ainda mais necessário, no presente lo. A indústria do gás natural: fundamentos técnicos
momento, em vista da Décima Segunda Rodada e econômicos. Rio de Janeiro: Synergia, 2013.
de Licitação da ANP que objetivou a concessão ARTUR, J. Daniel, P.E., LANGHUS, P. G., Ph.D., AL-
de blocos de gás natural, incluindo o gás não LEMAN, David. An overview of Modern Shale Gas
convencional. Certo é que esse estudo cabe tan- Development in the United States. ALL Consulting,
to à ANP, na condição de regulador, quanto os 2008.
demais players da Indústria, para que possam ter
BAKSHI, Vivek; SCOBIE, Jeff; STUBER, Ron. Shale
uma efetiva participação no processo consultivo gas for LNG. In: Liquified Natural Gas: The Law
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Apesar do melhor esforço empreendido pela In-
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