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Igrejas e Ditaduras

no Mundo Lusófono
Leandro Pereira Gonçalves
Maria Inácia Rezola
(organizadores)
Imprensa de Ciências Sociais

Instituto de Ciências Sociais


da Universidade de Lisboa

Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9


1600–189 Lisboa – Portugal
Telef. 21 780 47 00 – Fax 21 794 02 74

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imprensa@ics.ul.pt

Instituto de Ciências Sociais – Catalogação na Publicação


Igrejas e ditaduras no mundo lusófono
Leandro Pereira Gonçalves, Maria Inácia Rezola. - Lisboa :
Imprensa de Ciências Sociais, 2019.
ISBN
CDU

Capa:
Composição e paginação: Ana Cristina Carvalho
Revisão: Vasco Grácio
Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda – Lousa
Depósito legal: -19
1.ª edição: Janeiro de 2019
Índice
Autores .................................................................................................... 9

Sob o signo da ditadura: Estado, Igrejas e religiosidade no espaço


lusófono ........................................................................................... 15
Leandro Pereira Gonçalves e Maria Inácia Rezola

Capítulo 1
O anticomunismo católico e a ditadura de 1937 ................................ 27
Rodrigo Patto Sá Motta

Capítulo 2
O catolicismo no Brasil do período Vargas: imbricações entre
religião, política e espacialidade (1930-1945) ............................... 57
Cândido Moreira Rodrigues e Renato Amado Peixoto

Capítulo 3
Vozes dissonantes no catolicismo em tempos de ditadura (1964-
-1985) ................................................................................................ 87
Gizele Zanotto

Capítulo 4
Mirando o espelho atlântico: Alceu Amoroso Lima e Portugal –
do Estado Novo à Revolução dos Cravos ..................................... 121
Marcelo Timotheo da Costa

Capítulo 5
Igreja Católica, sociedade e Estado em Portugal no século xx .......... 159
Paulo Fontes

Capítulo 6
«O sagrado vínculo do matrimónio não está sujeito ao arbítrio
da vontade humana»: a ‘intemporalidade’ cristã em confronto
com a modernidade (séculos xix-xxi) ............................................ 203
Rita Almeida de Carvalho
Capítulo 7
Estado Novo e a Igreja Católica: nem paz, nem guerra. A ges-
tão política interna e externa por Salazar de uma segunda
separação ........................................................................................... 219
Bruno Cardoso Reis

Capítulo 8
O catolicismo português e o debate sobre o desenvolvimento eco-
nómico na década de 1960 .............................................................. 249
Nuno Estêvão Ferreira

Capítulo 9
«De utilidade imperial e sentido eminentemente civilizador»:
a política missionária no Império Colonial Português durante o Es-
tado Novo (C. 1930-1960) ..................................................................... 277
Hugo Gonçalves Dores

Capítulo 10
Uma Igreja ambivalente: os católicos angolanos entre a «portu-
galidade» e a subversão da ordem colonial ....................................... 307
Maria Da Conceição Neto
Autores

Autores

Bruno Cardoso Reis, é doutor em Segurança Internacional


(War Studies-King’s College) e mestre em História pela Univer-
sidade de Cambridge. Docente do Instituto Universitário de
Lisboa (ISCTE-IUL), membro do Centro de Estudos de História
Religiosa da Universidade Católica Portuguesa (CEHR/UCP), da
International Studies Association, da British International Studies
Association e do Institute for International and Strategic Studies
de Londres. Tem publicado em revistas nacionais e internacionais
sobre temas de história e relações internacionais. O livro Salazar e o
Vaticano (Imprensa de Ciências Sociais, 2007), em que se analisam
estas relações do ponto de vista do contexto internacional, recebeu
os prémios Vítor de Sá de História Contemporânea e Aristides de
Sousa Mendes de Relações Internacionais. Atualmente desenvolve
um projeto sobre a descolonização e o período imediatamente a
seguir, olhando para o caso português numa perspetiva comparada
com a França e a Grã-Bretanha, e prestando particular atenção
ao papel da estratégia, da violência, da ideologia e das mudanças
normativas no processo de descolonização.

Cândido Rodrigues, é doutor em História pela Universi-


dade Estadual Paulista (UNESP/SP) e pós-doutor em História
Contemporânea pela Université Bordeaux-Montaigne/France.
Professor Associado de História Contemporânea da Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT). É um dos líderes da rede de
pesquisa História e Catolicismo no Mundo Contemporâneo.
Autor de A Ordem – Uma Revista de Intelectuais Católicos, 1934-
-1945 (Autêntica/Fapesp, 2005) e Aproximações e Conversões:

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Igrejas e Ditaduras no Mundo Lusófono

o Intelectual Alceu Amoroso Lima no Brasil dos Anos 1928-1946.


(Alameda, 2013). Atualmente desenvolve pesquisas na área de
História Contemporânea, História Política, Intelectuais, Catoli-
cismo no Brasil e Direita Francesa.

Gizele Zanotto, é doutora em História Cultural pela Univer-


sidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pós-doutora pela
Universidad de Buenos Aires (UBA). Professora na Universidade
de Passo Fundo (UPF), onde coordena o Núcleo de Estudos de
Memória e Cultura (NEMEC), o Laboratório de Estudos das
Crenças (LEC-PPGH), o Arquivo Histórico Regional (AHR).
Também participa dos seguintes grupos de pesquisa interinsti-
tucionais: Catolicismo, tradição e modernidade (PUC-Minas);
Religiosidade e Cultura (UFSC). Radicada ao grupo de trabalho
Religión y Sociedad en Argentina Contemporánea (RELIG-AR),
vinculado à Universidad de Buenos Aires (UBA) e à Universidad
Nacional de Luján (UNLu). É uma das líderes da rede de pesquisa
História e Catolicismo no Mundo Contemporâneo e investiga-
dora associada da rede de pesquisa Direitas, História e Memória.
Membro cooperador de Civitas – Forum of Archives and Research
on Christian Democracy.

Hugo Gonçalves Dores, é doutor em História no Programa


Interuniversitário de Doutoramento em História (PIUDH, ICS
– Universidade de Lisboa). Atualmente desenvolve o seu projeto
de pós-doutoramento – «‘Educating Empires’: International orga-
nizations, inter-imperial cooperation, and educational policies in
late colonialism» – no Centro de Estudos Sociais da Universi-
dade de Coimbra (CES-UC). Membro do Centro de Estudos de
História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa (CEHR/
UCP) e do Consejo Academico de Centro de Estudios Afro-
Hispanicos da Universidad Nacional de Educación a Distancia
(UNED, Madrid, Espanha). Foi visiting scholar na Universidade
de Lovaina (Katholieke Universiteit Leuven) e na Brown Univer-
sity. Tem trabalhado sobre missões e império (séculos xix e xx),
nomeadamente sobre as políticas imperiais relativas à missionação
(católica e protestante), à educação e ao desenvolvimento.

Leandro Pereira Gonçalves, é doutor em História pela Ponti-


fícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com estágio

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Autores

(junior visiting fellowship) no Instituto de Ciências Sociais da


Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e com pós-doutoramento
pela Universidad Nacional de Córdoba (UNC, Centro de Estu-
dios Avanzados, Argentina). Professor do Departamento de
História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e inves-
tigador estrangeiro associado ao Centro de Estudos de História
Religiosa da Universidade Católica Portuguesa (CEHR/UCP).
Coordenador da rede de pesquisa Direitas, História e Memória.
As pesquisas recentes concentram-se em questões relacionadas
à compreensão do conservadorismo do século xx, o estudo da
direita, cristianismo e autoritarismo, fascismo, integralismo e nos
aspectos teorizados através da cultura política, tendo como foco
os elementos transnacionais existentes entre a Península Ibérica e
a América Latina. Autor de diversos artigos científicos e do livro
Plínio Salgado: Um Católico Integralista entre Portugal e o Brasil
(1895-1975) (Imprensa de Ciências Sociais, 2017).

Marcelo Timotheo da Costa, é doutor em História Social da


Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio). Professor e Pesquisador da Universidade Salgado de
Oliveira (Programa de Pós-Graduação em História, UNIVERSO).
Foi visiting fellow no Center for World Catholicism and Intercul-
tural Theology, da DePaul University, em Chicago. Autor, entre
outros textos, do livro Um Itinerário no Século: Mudança, Disci-
plina e Ação em Alceu Amoroso Lima (Loyola/PUC-Rio, 2006).
Principais áreas de interesse: Pensamento Social Brasileiro, História
do Brasil Republicano, Religião e Política no Brasil, História do
Pensamento Cristão, História das Religiões Monoteístas, História
e Sensibilidades Religiosas, Biografias, Relatos de Viagem e Escrita
de Si. Bolsista APQ1 da FAPERJ (2010).

Maria da Conceição Neto, é doutora em História pela Univer-


sidade de Londres (SOAS), com tese que foca a história da urba-
nização do Huambo (centro de Angola) no período colonial, com
destaque para o impacto do cristianismo nas mudanças sociais
na região no século xx. Historiadora angolana e professora de
História de Angola desde 1989, lecciona atualmente na Faculdade
de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto (Luanda).
Foi investigadora (part-time) no Arquivo Nacional de Angola.
Trabalhou também em História Oral, com maior incidência na luta

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Igrejas e Ditaduras no Mundo Lusófono

anticolonial («Projecto Angola – Nos trilhos da Independência»


2010-2015). Tem publicados diversos artigos e capítulos de livros.
Foi investigadora visitante no CEAN, Bordéus e na EHESS, Paris.

Maria Inácia Rezola, é doutora em História pela Faculdade


de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
(especialidade História Institucional e Política Contemporânea).
É professora adjunta na Escola Superior de Comunicação Social
do Instituto Politécnico de Lisboa e investigadora do Instituto de
História Contemporânea (IHC-FCSH/UNL). Os seus interesses
de pesquisa são as relações entre a Igreja e o Estado, as transições
democráticas, o comportamento político das Forças Armadas,
justiça de transição, história dos média e do jornalismo. Recente-
mente foi co-coordenadora do Dicionário de História de Portugal
– o 25 de Abril. Porto, Ed. Figueirinhas, 2017, 8 vols.

Nuno Estêvão Ferreira, é doutor em Ciências Sociais (espe-


cialidade Sociologia Política) pelo Instituto de Ciências Sociais
da Universidade de Lisboa. Membro do Centro de Estudos de
História Religiosa (CEHR), onde desenvolve projeto de pós-
-doutoramento, com bolsa da Fundação para a Ciência e Tecno-
logia (SFRH/BPD-104167/2014), sobre a relação entre catolicismo
e corporativismo no pós-II Guerra. Interesses de investigação:
processos de decisão política nos regimes autoritários europeus
formados no período de entre-guerras; relação entre programas,
instituições e aparelhos corporativos das ditaduras ibéricas; secu-
larização das sociedades europeias contemporâneas.

Paulo Fontes, doutorou-se em História pela Universidade Cató-


lica Portuguesa (2007), onde é docente e desempenha funções de
diretor e investigador do Centro de Estudos de História Religiosa.
É membro da Comissão Directiva do PIUDHist Programa de
Doutoramento InterUniversitário em História e tem participado
em múltiplos projetos de investigação nacionais e internacionais.
Dedica-se à história da sociedade e do catolicismo portugueses
na época contemporânea, em particular a relação do movimento
católico com os movimentos sociais. Dos seus trabalhos publi-
cados, destaque para Elites católicas em Portugal: o papel da Acção
Católica Portuguesa (1940-1961) (FCG; FCT; MCTES, 2011).

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Autores

Renato Amado Peixoto, é doutor em História Social pela


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Asso-
ciado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
É um dos líderes da rede de pesquisa História e Catolicismo no
Mundo Contemporâneo. Líder do grupo de pesquisa Teoria da
História, Historiografia e História dos Espaços (UFRN). Inte-
grado enquanto pesquisador à Red de Estudios de Historia de la
Secularización y la Laicidad (REDHISEL/Argentina) e associado
da Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia
(SBTHH) e da International Network for Theory of History
(INTH/Bélgica). Desenvolve investigações na aproximação
História e Espaço pesquisando teoricamente e metodologicamente
as relações de produção de espacialidades, temporalidades e iden-
tidades nos campos político, cultural e religioso.

Rita Almeida de Carvalho, é doutora em História pela


Universidade Nova de Lisboa (UNL). Investigadora no Instituto
de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa).
Tem participado em diversos projetos de investigação sobre as
relações entre a Igreja Católica e o Estado português, os usos
políticos da arquitectura, fascismos e autoritarismo. Tem seguido
uma carreira paralela em arquivos históricos sendo responsável
pelo Arquivo de História Social (ICS-ULisboa). Recentemente
publicou A Concordata de Salazar (Temas e Debates, 2013),
Salazar, Manuel Gonçalves Cerejeira: Correspondência 1928-1968
(Temas e Debates, 2010), «Interwar dictatorships, the catholic
church and Concordats: the portuguese new state in a comparative
perspective», in Contemporary European History, 25 (1).

Rodrigo Patto Sá Motta, é doutor em História pela Univer-


sidade de São Paulo (USP). Realizou estudos de pós-doutorado
e atuou como professor-pesquisador visitante na Universidade de
Maryland e atuou como professor visitante na Universidad de
Santiago de Chile, na Universidad Nacional de Colombia e no
IHEAL da Universidade de Paris III (Cátedra Simón Bolivar).
Atualmente é professor titular da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e pesquisador do CNPq. Tem experiência na área
de História, com ênfase em História do Brasil República e História
Contemporânea. Atua principalmente no campo da História
Política, pesquisando tanto temas da vertente clássica (partidos,

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Igrejas e Ditaduras no Mundo Lusófono

instituições) como abordagens que dialogam com a «nova história»


(representações, iconografia, cultura política). As publicações mais
relevantes são os livros: Em Guarda Contra o Perigo Vermelho: o
Anticomunismo no Brasil (Perspectiva, 2002), Jango e o Golpe de
1964 na Caricatura (Zahar, 2006) e As Universidades e o Regime
Militar (Zahar, 2014). Foi presidente da Associação Nacional de
História (ANPUH) no período 2013-2015 e copresidente da
Seção História Recente e Memória da Latin American Studies
Association (2015).

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Sob o signo da ditadura

Leandro Pereira Gonçalves


Maria Inácia Rezola

Sob o signo da ditadura: Estado,


Igrejas e religiosidade no espaço
lusófono
O mundo lusófono apresenta-se como um vasto campo de
estudo para os historiadores e os cientistas sociais em geral. Apesar
de todos os progressos alcançados, é percetível a necessidade de
aprofundar as relações e a partilha de conhecimento entre inves-
tigadores do amplo espaço que constitui a lusofonia assim como
a urgência em divulgar, junto de um público mais alargado, o
resultado das pesquisas em curso. Promovida pela Rede «Cone-
xões Lusófonas: ditadura e democracia em português»,1 a coleção
«Conexões lusófonas» propõe-se responder a esses desafios.
O primeiro volume da coleção foi lançado em junho de 2017 sob
o título Democratização, Memória e Justiça de Transição nos Países
Lusófonos.2 A obra coletiva que agora apresentamos subordina-se
ao tema «Igrejas e ditaduras no Mundo Lusófono».
Tendo implícita a análise da natureza, dos propósitos e limites
das competências do Estado e das Igrejas em diferentes contextos
geográficos e temporais, o estudo das relações entre o Estado e
as confissões religiosas sempre se revestiu de particular interesse.

1
Cf.: http://rededepesquisa.wixsite.com/conexoeslusofonas.
2
Maria Paula Araújo, e António Costa Pinto, Democratização, Memória
e Justiça de Transição nos Países Lusófonos (Recife; Rio de Janeiro: EDUPE;
Autografia, 2017).

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Igrejas e Ditaduras no Mundo Lusófono

As profundas transformações (políticas, económicas, sociais e


culturais) que se operam ao longo do «curto século xx», sobre-
tudo sob o signo das ditaduras, complexificam a interação entre
religião e política e, consequentemente, as relações entre as Igrejas
e o Estado. Esta realidade exige que se procurem novos ângulos
de abordagem que ultrapassem a análise das relações institucionais,
destacando, por exemplo, o lugar das Igrejas no espaço público
ou o papel dos católicos na sociedade e no aparelho de Estado.
De facto, o estudo das relações entre ditadura e Igrejas no
mundo lusófono coloca ao investigador múltiplos desafios. De entre
estes destacam-se, desde logo, os decorrentes da longa duração das
experiências ditatoriais (1926-1974 no caso português, e no brasi-
leiro em duas fases, 1937-1945 e 1964-1985) e da natureza dos
regimes. Saliente-se ainda que, ao contrário do que julga o senso
comum, não existe uma relação direta entre clericalismo e ditadura.
Em Portugal, a Igreja Católica dominou o fenómeno religioso
desde os primórdios da nacionalidade e evidenciou-se, até há bem
pouco tempo, como a primeira das instituições da sociedade civil.
Inevitavelmente, o catolicismo constitui uma dimensão central
no regime ditatorial português (1933-1974), nomeadamente
na sua fase de institucionalização e consolidação (anos 30-40).
A confiança que a Igreja deposita no regime e o bom acolhimento
que lhe confere são fatores que vão influir no seu próprio processo
da reorganização, cujo sinal mais visível é a criação da Ação
Católica Portuguesa (ACP). No entanto, e apesar da ampla área
de influência de que usufrui, a Igreja é excluída da ação política e
sindical autónoma, processo que não foi isento de tensões.
No Brasil, o poder católico esteve presente de forma maiori-
tária em ações políticas e culturais. No entanto, destaca-se que a
relação não ocorreu em uma única via religiosa. O crescimento de
outros grupos religiosos promoveu uma força atrelada ao Estado
em vários períodos, principalmente no apoio político, definido
pela luta contra o comunismo nas fases de crises que culminou
com a ditadura varguista (1937-1945) e a ditadura civil-militar
(1964-1985).
Finalmente, cumpre assinalar que, quer no Brasil, quer em
Portugal, o regime de separação (cordial no caso brasileiro e confli-
tuoso no português) foi instaurado durante a República. Nem o
Estado Novo de Salazar nem as ditaduras brasileiras o põem em
causa, gerando um complexo e estimulante quadro de investigação.

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Sob o signo da ditadura

Na realidade, o estudo das relações entre ditadura e Igrejas no


espaço lusófono exige a convocação de uma série de dimen-
sões, níveis de análise, impondo, em simultâneo, a evocação de
um amplo leque de atores, espaços e tempos, numa constante
contextualização que tenha em conta as realidades nacionais e
internacionais.
O edital que esteve na origem da presente colectânea procurou
não escamotear esta complexidade e estimular a diversidade temá-
tica, apelando ao envio de trabalhos que versassem não apenas
sobre as relações entre Igrejas e Estado em ditadura mas também
sobre questões como o papel das Igrejas na luta contra as dita-
duras, o seu posicionamento relativamente a contextos de guerra
e luta armada, e o lugar da religião e dos crentes na sociedade.
Da mesma forma, abriu-se um amplo leque de possibilidades
relativamente à abordagem e perspetivas de análise, chamando
a atenção para o interesse no estudo de trajetórias de vida, do
pensamento e do papel de intelectuais, a análise de testemunhos
escritos e depoimentos produzidos com a metodologia de história
oral. A abrangência de temática e perspetivas pretendeu promover
uma obra que espelhasse tanto a variedade das abordagens como a
diversidade dos estudos promovendo a análise comparada.
O repto lançado pelos coordenadores da obra teve eco junto
de um conjunto de académicos e investigadores cujas obras cons-
tituem referências incontornáveis para os que se propõem estudar
as relações entre Igrejas e Estado no mundo lusófono. A todos
agradecemos o empenho para que este projeto se concretizasse.
Apresentando uma significativa diversidade temática e meto-
dológica, a obra organiza-se em 10 capítulos. O primeiro é da
autoria de Rodrigo Patto Sá Mota que, tendo dedicado uma parte
importante da sua pesquisa a uma dimensão até então pouco
conhecida dos movimentos conservadores e direitistas brasileiros
(de que resultou, entre outras, a obra Em Guarda Contra o Perigo
Vermelho: o Anticomunismo no Brasil 1917-1964, Editora Perspec-
tiva, 2002), analisa o fenómeno do anticomunismo católico no
Brasil na década de 30.
Integrada num movimento mais amplo que teve o seu auge
no contexto da Guerra Civil de Espanha (1936-1939), e que
teve também repercussões em Portugal, a ofensiva anticomu-
nista católica no Brasil coincidiu com a onda antibolchevique
provocada pelo levantamento revolucionário de novembro 1935

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Igrejas e Ditaduras no Mundo Lusófono

que mobilizou vários setores da sociedade brasileira. A cruzada


então desencadeada constitui uma peça importante da estratégia
de mobilização política e eleitoral dos católicos nos anos 30, em
que se nota a força do argumento anticomunista e a aproximação
com o imaginário fascista, um processo estreitamente ligado à
estratégia da Igreja que visava aumentar a sua influência junto do
Estado republicano.
Analisando o fenómeno em detalhe, Rodrigo Mota deixa
patente o apoio entusiástico da Igreja e dos ativistas leigos à
escalada repressiva e autoritária que culminará na implantação da
ditadura de 1937. Segundo o autor, o «golpe de 1937 foi baseado
em uma farsa, na medida em que o perigo vermelho foi artificial-
mente exagerado e a ditadura não era necessária para combatê-lo».
Como revela neste artigo, o ativismo católico contribuiu para o
incremento dos valores direitistas e ajudou a preparar o terreno
para o golpe que abre portas ao Estado Novo brasileiro.
O segundo capítulo da obra analisa a presença da Igreja Cató-
lica na sociedade brasileira no período de 1930 a 1945, destacando
não apenas as dimensões do poder mas também o seu hibridismo
e a inscrição da identidade católica. O objetivo de Candido Rodri-
gues e Renato Amado Peixoto, seus autores, foi o de discutir a
presença do catolicismo no Brasil do primeiro período Vargas,
particularmente as suas interligações com o poder político, sejam
elas institucionais e/ou de sociabilidade. Para tal, revelou-se-lhes
fundamental pensar algumas questões a partir da lógica das rela-
ções com o poder, evidenciadas nas escalas espaço-temporais de
um Brasil diverso.
Da mesma forma, considerando o processo pelo qual a Igreja
Católica se coloca na sociedade brasileira nas quatro primeiras
décadas do período republicano, e as suas formas de interação e
«reaproximação» com o poder político, afigurou-se-lhes evidente
que tal processo se torna mais inteligível a partir do estudo das
suas investidas junto ao laicato e aos intelectuais. Neste sentido,
propõem-nos pensar o Centro D. Vital, a revista A Ordem e seu
líder Alceu Amoroso Lima, enquanto realidades significativas e
relevantes para a compreensão do que se denominou «projeto de
recatolização do Brasil», comandado por D. Sebastião Leme.
Segundo Candido Rodrigues e Renato Amado Peixoto, um
aspeto tem sido pouco notado nos estudos que tocam em tais
temas, ignorando-se frequentemente que o projeto de recatoli-

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Sob o signo da ditadura

cização formou um modelo cuja replicação e tradução foi incen-


tivada em alguns estados, colocando-se, assim, um interessante
problema no tocante à relação centro-periferia que ultrapassa as
construções teóricas e historiográficas mais comuns. A existência
de um modelo central e as suas interações com as instâncias da sua
tradução periférica podem, por exemplo, ser bem examinadas no
caso norte-rio-grandense, onde o líder da Ação Católica, Ulisses
de Góis, ajudou a organizar um grupo de intelectuais (que tem o
seu núcleo em figuras como Luis da Câmara Cascudo, Otto de
Brito Guerra e Francisco Veras), e a fundar um jornal diocesano
sintomaticamente com o título de A Ordem. Em suma, concluem
os autores, certas características do projeto católico brasileiro no
período examinado, como é o caso da formação de redes intelec-
tuais, devem ser repensadas a partir do exame das suas imbricações
espaciais e, por conta disso, certos problemas da relação entre o
religioso e o político podem ser revistos, na medida em que não
dependem apenas de considerar a sua interação, mas de levar em
conta as suas diferenças e traduções em cada uma das escalas de
espaço.
Assumindo também uma perspetiva problematizadora, Gizele
Zanotto chama a nossa atenção para o facto de a reflexão sobre
a atuação católica no Brasil exigir situar inicialmente a quem nos
referimos, visto que a instituição se compõe de ordens, movi-
mentos, grupos e indivíduos com norteadores de ação comuns,
em geral pautados nos chamados «dogmas brancos», mas também
linhas de ação, interpretação de mundo e ação sobre o mundo
díspares e concorrentes. Assim, em «Vozes dissonantes no cato-
licismo em tempos de ditadura (1964-1985)», Gizele Zanotto
propõe-se refletir sobre discursos em voga no contexto ditatorial
brasileiro, especificamente nos conflitos encetados pela instituição
religiosa, representada oficialmente no Brasil pela Confederação
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e pela organização civil
de matriz confessional católica, Tradição, Família e Propriedade
(TFP). A tendência conciliatória e, posteriormente, de oposição
a algumas ações do governo militar encetadas pela CNBB ou
por membros do episcopado, foram rebatidas pela TFP como
focos de infiltração comunista, reiterando a argumentação que
sustentou o golpe civil-militar de 1964, bem como a repressão
que se lhe seguiu. Mais do que discursos, tais vozes representaram
estratos sociais que legitimaram, silenciaram, criticaram ou mesmo

19
Igrejas e Ditaduras no Mundo Lusófono

combateram o governo ditatorial vigente, evidenciando que nesses


discursos se vislumbram elementos das culturas políticas em voga
no Brasil dos anos 1960 a 1980.
Procurando fazer uma ponte entre os dois lados do Atlântico,
Marcelo Timotheo oferece-nos um particularmente importante
estudo que incide sobre as imagens de Portugal e, em especial,
do cenário político lusitano, construídas por Alceu Amoroso
Lima (1893-1983) durante a sua longa e profícua vida. Pensador,
escritor e líder católico, Alceu Amoroso Lima é-nos apresentado
como uma figura multifacetada que se metamorfoseia e acompanha
alguns dos movimentos mais amplos que percorrem a Igreja Cató-
lica no contexto do Concílio Vaticano II. Assim, num primeiro
momento é possível desvendar o cruzado da neocristandade, o
convertido reacionário, pleno de certezas e anátemas, que, nos
anos seguintes à sua profissão de fé, elogia o regime salazarista,
entendendo-o como «ditadura cristã» e exemplo bem-sucedido
da cooperação entre Estado e Igreja. Décadas depois, o seu posi-
cionamento conhece uma evolução considerável, sendo possível
identificar o católico progressista, tributário do aggiornamento
dos anos 1960, o intelectual que denuncia a ditadura civil-militar
brasileira e pede o regresso do Brasil ao Estado de direito.
O capítulo 5, «Igreja Católica, Estado e sociedade em Portugal
no século xx», analisa as relações da Igreja Católica com o Estado
Novo numa perspetiva problematizadora e diacrónica que extra-
vasa os limites cronológicos da ditadura portuguesa dado que,
segundo Paulo Fontes, é difícil entender as relações entre as duas
instituições se não se tiver em conta a memória da I República
portuguesa (1910-1926) mas também o papel das elites católicas
na afirmação do Estado Novo nos anos 1930.
Consciente das limitações metodológicas decorrentes de uma
identificação simplista entre catolicismo e regime autoritário,
Paulo Fontes centra a sua atenção na relação da Igreja Católica
com o Estado Novo, enquanto regime que utilizou a ditadura
política como «arma central, mas não exclusiva» no seu processo
de afirmação e desenvolvimento. Paralelamente, procura observar
«a realidade a partir da convergência da dinâmica institucional da
Igreja Católica e das dinâmicas sociais por ela geradas ou susten-
tadas, mas que só se explicam, em última análise, na realidade da
própria sociedade portuguesa, trabalhada por uma multiplicidade
de agentes, forças e correntes que a atravessam e a pretendem
moldar».

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Sob o signo da ditadura

Reconhecido especialista em história social e religiosa de


Portugal, Paulo Fontes apresenta-nos um estudo profundo que
convoca uma pluralidade de problemas, instituições e contextos,
abrindo novas perspetivas de análise de um tema por muitos
considerado encerrado.
A Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de
1940 constitui um marco incontornável na história das relações
entre a Igreja e o Estado em Portugal mas também na história do
catolicismo português. No âmbito da sua tese de doutoramento,
recentemente adaptada em livro, 3 Rita Almeida de Carvalho
estudou exaustivamente as negociações que conduziram à cele-
bração deste acordo, estabelecendo uma análise comparativa entre
esta e outras concordatas celebradas no mundo de entre guerras.
Segundo Rita Carvalho, um dos principais fatores que terão
contribuído para a longevidade do documento celebrado em 1940
é a sua enorme plasticidade e esta, argumenta a autora, decorre
diretamente da ampla intervenção do ditador português no seu
processo negocial. Em seu entender, Salazar impôs os seus pontos
de vista, fazendo um acordo cujas benesses para a Igreja ficaram
muito aquém das vantagens oferecidas noutras concordatas, como
a italiana ou a espanhola.
A questão do divórcio merece neste contexto um particular
destaque, dado que, ao contrário do que seria expectável, o cató-
lico Salazar não proibiu simplesmente o divórcio como o fizeram
outros ditadores do mesmo período com quem aliás o Estado
Novo tinha afinidades ideológicas. Esta e outras questões são
aprofundadas ao longo das páginas que Rita Carvalho escreveu
para esta coletânea, incidindo especificamente sobre a questão do
divórcio. Na parte final do seu texto a autora explica o impacto
que também neste domínio teve a revolução de abril, propiciando
uma alteração do ordenamento jurídico português no sentido da
legalização do divórcio.
O ensaio de Bruno Cardoso Reis, que constitui o 7.º capí-
tulo desta obra, centra-se sobre a natureza das relações entre o
Estado e a Igreja no período salazarista (1932-1968). Ainda que
não descurando as dimensões internas do fenómeno, o autor foca
deliberadamente a sua análise na figura de Salazar e na posição por

3
Rita Almeida de Carvalho, A Concordata de Salazar (Lisboa: Temas e
Debates, 2013).

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Igrejas e Ditaduras no Mundo Lusófono

este assumida perante o papado, dado que esta é, em seu entender,


«indispensável para perceber a sua posição relativamente às rela-
ções institucionais entre o Estado Novo e o catolicismo». Segundo
Cardoso Reis, o «essencial para perceber a postura de Salazar face
ao catolicismo e até, genericamente, a sua visão da vida política, é
a centralidade de uma postura profundamente nacionalista, estato-
cêntrica e autoritária, que prevalece sobre uma matriz católica
internacionalista.»
Contestando a literatura que apresenta o regime salazarista
como uma espécie de clerico-fascismo, Bruno Cardoso Reis
defende que as «relações entre o regime autoritário salazarista e a
Igreja Católica resultaram de uma opção política fundamental de
Salazar por uma política relativamente à Igreja Católica de tipo
catolaica e neoregalista de separação formal, cooperação ativa em
áreas de interesse comum e controlo estatal no sentido de impedir
uma qualquer ação política de católicos hostil ao regime». Segundo
o autor, Oliveira Salazar nunca condicionou a sua política (quer
interna quer externa) ao desejo de se conformar com os interesses
do catolicismo tal como estes foram sendo definidos pela hierar-
quia da Igreja. No Estado Novo português, a separação entre a
Igreja e o Estado não era uma mera formalidade mas antes uma
realidade. Ainda que o catolicismo tivesse um estatuto privilegiado
por causa do seu peso na história portuguesa, estava longe de ditar
a política de Salazar. Mais do que um católico, Salazar era acima
de tudo um salazarista, ou seja, um nacionalista conservador e
autoritário, argumenta Cardoso Reis.
Com o título «O catolicismo português e o debate sobre o
desenvolvimento económico na década de 1960» (capítulo 8),
Nuno Estevão Ferreira centra a sua atenção no impacto que a
discussão sobre o desenvolvimento económico assumiu no catoli-
cismo português. Inserido numa dinâmica mais ampla, introduzida
no universo católico a partir da publicação da encíclica Mater et
Magistra (1961), em Portugal o debate reveste-se de um particular
interesse dado o espaço temporal e social em que ocorre.
Uma vez que se trata de uma realidade sobre a qual escasseiam
estudos e reflexões, o autor procede a um rigoroso e exaustivo
levantamento dos textos produzidos neste âmbito, avaliando a
perceção dos contornos gerais do debate, as condições estrutu-
rais para a sua realização, os recursos utilizados e as posições dos
principais intervenientes. A investigação levada a cabo permite-lhe

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Sob o signo da ditadura

também identificar uma elite de pensadores católicos (engenheiros,


juristas e, sobretudo, economistas) que, formada nos quadros da
ACP a partir do final da II Guerra Mundial, se destaca no mundo
académico e na intelligentsia nacional.
Uma das conclusões particularmente interessantes do autor é
a de que este debate permitiu perspetivar as questões do desen-
volvimento em dimensões que transcendem o âmbito económico
e que subjacente a ele estava um desejo de reformas mais amplas,
nomeadamente nos domínios social e político. Promovido no
quadro de um regime ditatorial que, apesar das transformações do
país e do mundo, teimava em perdurar, este debate deixa patente
uma vontade de uma elite católica discutir e reformar as estruturas
da ditadura, abrindo, por isso, perspetivas de mudança. Cumpre
também assinalar que, ainda que não seja esse o objetivo do autor,
este estudo nos fornece um retrato ímpar do quadro das publica-
ções académicas e católicas dos anos 1960.
A «nacionalização das populações, a afirmação do domínio
colonial e a religião católica» foram, segundo Hugo Dores,
«elementos centrais na política missionária portuguesa da época
contemporânea e não restritas de um determinado regime político,
mesmo que a matriz católica não estivesse claramente declarada
durante uma parte do período republicano».
No artigo que integra a presente coletânea, o autor debruça-
-se sobre a política de missionação nos territórios africanos sob
domínio colonial português nas décadas de 1930 a 1960. Tendo
como ponto de partida o «processo de elaboração de uma legis-
lação missionária que estipulasse os usos políticos da missão e a
instrumentalização dos repertórios civilizadores em beneficio de
uma estratégia imperial», o autor analisa algumas das mais signi-
ficativas peças legislativas produzidas entre 1926 e 1951, com as
quais as autoridades portuguesas procuraram definir a «utilidade
imperial» e o «sentido eminentemente civilizador» das missões
católicas, as únicas entendidas como mais bem capacitadas para
transmitir o repertório nacionalizador português, através da
educação e da religião.
Um dos domínios aos quais o Hugo Dores confere particular
importância é ao da educação. De acordo com o Estatuto Missio-
nário de 1941, a Igreja detinha o monopólio da educação, cabendo-
-lhe «fundar e dirigir escolas para os indígenas e europeus, colégios
masculinos e femininos, institutos de ensino elementar, secundário

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Igrejas e Ditaduras no Mundo Lusófono

e profissional, seminários, catecumenatos, ambulâncias e hospi-


tais». O ideário educativo então implementado aliava educação
e trabalho, e a política missionária foi associada a argumentos
civilizadores sob roupagens desenvolvimentistas, que deveriam
corresponder às expetativas e às bases da «utilidade imperial» e
do «sentido eminentemente civilizador» das missões católicas no
império português.
Quando se iniciaram os conflitos armados nas colónias, a polí-
tica missionária portuguesa ainda mantinha a sua matriz naciona-
lizadora. Mas os «ventos de mudança» estavam já a entrar pelas
janelas imperiais.
É ainda sobre a realidade colonial que incide o texto de Maria
da Conceição Neto «Uma Igreja ambivalente: os católicos ango-
lanos entre a ‘portugalidade’ e a subversão da ordem colonial».
Segundo a autora, em diferentes fases da progressão do colonia-
lismo em África, a expansão do cristianismo jogou um papel tão
fundamental quanto ambíguo. Muitas vezes aliadas das autoridades
coloniais ou beneficiárias da sua proteção, as diversas Igrejas
cristãs não deixaram de criticar, com maior ou menor frequência
e intensidade, a ação dessas autoridades. Embora veiculassem
uma mensagem de submissão ao poder colonial europeu, cujos
fundamentos durante muito tempo não questionaram, tornando-
-se assim instrumentos de controlo social, as missões cristãs
foram, também, responsáveis pela formação de novas elites entre
os colonizados. Estas elites acabaram por se revelar decisivas na
contestação anticolonial e na obtenção das independências.
No caso da Igreja Católica, a aliança multissecular com o colo-
nialismo português atravessou os diferentes regimes (Monarquia,
República, Estado Novo) mas foi no tempo da ditadura salazarista
que o seu papel de auxiliar da colonização foi mais claramente
definido. Tal definição opera-se através do Estatuto Missionário
de 1941, decorrente da Concordata selada no ano anterior entre o
Estado Português e a Santa Sé. Como revela Maria da Conceição
Neto, paradoxalmente, essa Igreja a quem o regime incumbiu de
«portugalizar» os ditos «indígenas» do império foi, para muitos
deles, o espaço de (re)conhecimento e afirmação de uma «ango-
lanidade» que acabaria por os levar ao confronto direto com as
autoridades coloniais.
Finalmente, uma última nota aos leitores. Como referimos no
início desta apresentação, um dos objetivos centrais da coletânea

24
Sob o signo da ditadura

foi o de aprofundar a partilha de conhecimento e promover a


constituição de pontes entre académicos que, nos últimos anos, se
têm dedicado ao estudo da presença da Igreja no espaço lusófono
em tempos de ditadura. A amplitude do tema e multiplicidade de
perspetivas de análise possíveis, a par da profusão de estudos já
existentes, obrigou a algumas opções. A título de exemplo, refira-
-se a exclusão de capítulos específicos sobre os oposicionismos
católicos, amplamente tratado por autores como, por exemplo,
João Miguel Almeida ou António Araújo. Da mesma forma,
no que diz respeito à realidade colonial, não existe um capítulo
específico sobre a realidade moçambicana, ainda que a mesma seja
contemplada no texto de Hugo Dores.
Paralelamente, cumpre também alertar o leitor para o facto de
não encontrar nesta obra qualquer pretensão de síntese ou visão
geral sobre a problemática em análise. Cruzando textos que se
caracterizam, antes de mais, pela diversidade temática e metodoló-
gica, procurou-se dar voz a estudos especializados mas também a
reflexões de carácter mais lato. Desta forma, esperamos contribuir
não apenas para colocar em evidência as especificidades no relacio-
namento entre os regimes ditatoriais, as Igrejas e os militantes/fiéis
nos diferentes espaços nacionais, como também contribuir para a
abertura de novas pistas de reflexão e investigação.

Referências bibliográficas
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de Transição nos Países Lusófonos. Recife; Rio de Janeiro: EDUPE; Autografia,
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Igrejas e Ditaduras no Mundo Lusófono

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