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Universidade Federal do Recôncavo Bahia

Centro de Artes, Humanidades e Letras


Curso Cinema e Audiovisual
Cinema I (Mundo)
Docente: Fernanda Martins
Discente: Gessyca Suzart do Nascimento

Xavier, Ismail. D. W. Griffith: O nascimento de um cinema. Ed. Brasiliense S.A., 1984

Plano Americano: as imagens de D. W. Griffith

• O cinegrafista, seguindo instruções ou por iniciativa próprio, colocou a câmera bem


próxima, de modo a cortar a figuras à altura do joelho, num tipo de composição
bastante funcional para mostrar expressão facial e postura do corpo ao mesmo
tempo – composição que o próprio Griffith ajudou a consolidar nos filmes de ficção,
por volta de 1909, e que , após a surpresa do olho europeu, se consagrou com o
nome de plano americano. (Pág. 09)

• Está lá porque os ingleses pensam num filme de ficção útil ao esforço de guerra,
com efeito especial nos Estados Unidos (no momento, fora do conflito). Os poderes
do mundo finalmente reconhecem a importância e a eficiência do cinema no plano
da comunicação social. […] Sua ascensão pessoal encarna a emergência de uma
arte, da qual ele se vê pai, e de um novo império dentro da ordem internacional,
nação-centro da qual ele é filho nativo e exemplar. (Pág. 10)

• Para o cinéfilo, o nome David Wark Griffith exibe a aura do mito, traz o encanto da
origem, a interrogação renovada sobre a “primeira vez”. Ocupar-se dele obedece,
portanto, ao impulso de resgatar a invenção e ver desfilar diante dos olhos a
história de uma linguagem. (Pág. 11)

• Nesse mesmo momento de final da Primeira Guerra, aparecem também,


concentradas na Europa, as marcas de outros caminhos, mostrando que a
polêmica do cinema é parte integrante de um processo cultural mais amplo e
diversificado. (Pág. 12)

• Nesta perspectiva, Griffith não é mesmo herói. Se ajudou a consolidar um cinema


possível, os dissidentes ligados à arte moderna lembram que há outros possíveis.
Griffith, como pai, é então assumido como o responsável maior pela primeira e
definitiva “queda” que amarrou o novo olhar à narração composta nos moldes de
folhetim e do melodrama oitocentistas. Seu maior pecado: tornar consistente o
famoso encontro entre a técnica do cinema e a narratividade. Encontro provável,
todos admitem, mas não imposto pela ordem da natureza; fato histórico e cultural,
portanto controverso. […] nos anos trinta, a cineastra francesa Germaine Dulac
fizera também o seu balanço do desenvolvimento do cinema. E falara a partir da
defesa de uma arte puramente visual, não narrativa, que seria, no plano do olhar,
algo equivalente ao que é a música na dimensão sonora. Ressalvadas as
diferenças ideológicas, Dulac aproxima-se de Eisenstein na avaliação de Griffith,
construindo também um esquema dialético. (Pág. 14)

• O artigo de Eisenstein sobre o metre soma argumentos nesta direção, dando maior
consistência a esta dialética que preenche de sentido os primeiros passos do
cinema sem olhar para tudo como puro progresso. […] Próximo de Pudovkin na
defesa de um estilo cinematográfico que sai de Griffith, Balazs quer ver tudo
avançar junto, a linguagem do cinema e as ideias revolucionárias. (Pág. 15)

• Estes episódios servem de irônico paralelo às repetidas declarações de Poder


sobre a relevância do cinema, ocorrência típica àquele período onde este era o
altar maior da comunicação de massa. […] muitos Griffiths andaram pela cabeça
dos líderes políticos, críticos de cinema e cineastras, cada qual formulando a sua
distorção a partir de uma amostra, em geral precária, de sua vastíssima obra, que
só se encerra em 1931. (Pág. 16)

Campo/Contracampo: A ficção nos eixos, o cineastra à deriva

• Tal como o mundo dos objetos, o cinema é também campo minado de fixações,
investimentos emocionais inesperados, interesses intelectuais particulares. […] o
dado relevante para nós é o estratagema de Griffith para caracterizar os vários
passos, para dramatizar esta iluminação da consciência. Pela primeira vez, faz uso
do chamado campo/contracampo: alternando a imagem do palco (ação) e a
imagem do alcoólatra na platéia (reação); repetida a alternância, seguimos as suas
mudanças de expressão à medida que a ação evolui no palco. Pela montagem, a
situação vivida em determinado espaço é descomposta. […] o fim da primeira
década é um momento de transição nos Estados Unidos, os homens de cinema,
realizadores e negociantes estão empenhados em aplacar as suspeitas de
burgueses e religiosos, num processo que coincide com a inscrição do cinema no
universo da arte. (Pág. 19-20)

• Diante de tal componente erótica irrecusável, talvez ninguém melhor do que o


próprio Griffith para encontrar a fórmula da justificação: “é preciso mostrar a face
escura do pecado para fazer brilhar a face iluminada da virtude”. (Pág. 21)

• Aos poucos, define-se o estar por conta de si mesmo, mesmo que o preço do
trabalho duro em colheitas ou do uso da pá cheia de minério no alto de um vagão
de transporte. […] inclina-se mais para a inteligência mecânica, a engenhosidade
no encontro de soluções para imediato, algo que a condição de andarilho ajuda a
criar, pois o faz conviver e “se virar” numa sociedade em franca mudança: os
Estados Unidos da “era do progresso”, do domínio da natureza, das invenções e do
festival de novas patentes que enreda avanço tecnológico e sida cotidiana. […]
esta convicção, traduzida em termos de cinema, induz a apontar esta nova
experiência como responsável pelo desenvolvimento da montagem acelerada e
pela presença do “homem de ação”, competitivo, nos filmes – marcas
características do cinema que Griffith ajudou a construir. […] Quando localizado
nos Estados Unidos moderno, o drama do diretor de Intolerância volta-se mais para
o homem comum às voltas com opções morais, a honestidade e a safadeza; o
herói positivo típico à “era do progresso”, quando aparece, vem para condensar
aquela transição entre o rural e o urbano de que o próprio Griffith foi exemplo. […]
Ao mesmo tempo, este detalhe tem a ver com Griffith, que não excluía o
enriquecimento súbito à custa de um lance dessa ordem (o homem de letras
poderia vir depois). […] ele renuncia ao happy valley e circula pelo país aspirando
ao teatro mas, quando chega a Nova Iorque, as circunstâncias lhe oferecem o
cinema, este fruto de ciência e tecnologia que acolhe o seu engenho numa esfera
da invenção onde não cabe registrar patentes. […] em junho de 1908, veio o
convite para que ocupasse o cargo vago de diretor dos filmes da Biography, onde
mostrara-se homem emprenhado, conhecedor da carpintaria da encenação (um
ano antes, tinha queimado suas chances na Edison Company ao entregar a Edwin
Porter, como original, um plágio do libreto da Tosca, de Puccini – Porter o pegou
em flagrante). (Pág. 24-26)

• Trabalhando 16 horas por dia, Griffith valoriza a função e impõe-se como diretor
competente, hábil na obtenção do rendimento desejado, capaz de resolver
conflitos, conciliar questões humanas e técnicas. […] Griffith se fez inovador, no
cinema à deriva, sem que fosse esta sua perspectiva inicial. Uma vez envolvido na
corrente, foi consciente no gesto de criação, teve conflitos e soube argumentar,
mas tal consciência se engendrou na lida diária, no processo. (Pág. 27)

• Mais importante, falo do paralelismo criado por Griffith em After Many Years, filme
de outubro de 1908, momento de inovação inspirado na mesma tríade – separação
/ linga espera / retorno – onde Griffith faz a ligação que chocou os produtores: a
imagem da mulher só, em casa, pensando no marido náufrago desaparecido; a
imagem dele, isolado na ilha, pensando na família. […] afinal, porque tanto
escândalo diante de algo inspirado no mestre narrador, perito em fisionomias? […]
no campo da obra, a idealização da vida doméstica, o depoimento emocionado que
desenha a sala de estar onde o cineastra vê expressos os valores essenciais de
sua cultura; no contracampo, a realidade de quem nunca chegou a construir o “lar
americano” que exaltou em filmes e textos, a vida passada na maior parte em
hotéis, a distância no convívio, o jogo de enigmas, a administração de imagens que
vira encargo e isola- Griffith à deriva. (Pág. 28-29)

Continuidade: O período Biograph

• O motivo mais imediato do rompimento foi a pressão de Griffith para um aumento


na duração dos filmes. Sua habilidade como narrador e a vontade de abordar
temas mais complexos esbarravam no padrão rígido de um único rolo (10-15
minutos) do qual a companhia não abria mão. […] O problema está em que a maior
duração está ligada à afirmação da ideia dos “filmes de arte”, cuja proposta é usar
atores e peças famosos como tática para tornar o cinema “mais artístico”. Isto não
corresponde às inquietações de Griffith, pois o novo gênero significa, via regra, um
recuo ao estilo de decupagem vigente antes de 1908, o do “teatro filmado”: numa
visão de conjunto, a câmara fixa registra as cenas. (Pág. 31)

• O não de Griffith a Zukor se deu pouco antes de ele vir a público reivindicar a
condição de quase único inventor da sintaxe narrativa do cinema. Sua aposta
estava no específico (montagem, enquadramento) e não na celebridade das figuras
colocadas diante da câmera. (Pág. 32)

• Preocupado em conter os exageros do elenco da Biograph, ele não apelou para as


estralas do teatro; percebeu que o melhor era compatibilizar a posição da câmera
com os dados mais importantes da cena. […] Começando pelo que era usual na
época, Griffith não demorou a perceber que, mesmo ao focalizar o conjunto da
cena, poderia aproximar um pouco a câmara de modo a cortar a parte inferior do
corpo (quando dispensável) e destacar face e gestos menores. […] A partir de
1911, é já bastante nítida a distância frente ao padrão de 1908. neste processo,
perde também exclusivamente a visão frontal, simétrica, que imita a perspectiva de
um espectador de teatro. (Pág. 33)

• Griffith contribuiu muito para o desenvolvimento desta nova observação,


enriquecendo o close-up com sua prática, mas não o inventou. […] Mais do que
inaugurar isso ou aquilo, a contribuição decisiva de Griffith foi a de dar sentido
pleno à figura do diretor, dar coerência, precisão e funcionalidade ao que antes era
feito com certo desajeito. […] Esta codificação não resultou de um processo
contínuo. Griffith mesmo, entre 1908 e 1913, apresenta avanços e recuos, lances
bem resolvidos e esquisitices. No geral, a sua decupagem se enriquece, os
motivos para ligar duas imagens se diversificam. (Pág. 35)

• Ninguém tinha o mapa da mina que permitisse vislumbrar o destino próprio de cada
procedimento dentro da ordem que se instalou depois. Nós, uma vez a ordem
instalada, podemos olhar o passado e discernir avanços e recuos, a pesquisa mais
recente não cansa de mostrar o quanto é comum uma “conquista” de liguagem
estar presente num filme sem que seja claras para os responsáveis as implicações
dessa presença. (Pág. 36)

• Aqui, a aproximação reúne os dois motivos: a expressão dos atores e o detalhe do


medalhão. E ilustra bem o quanto Griffith, em 1911, já domina o esquema
conjunto/detalhe/conjunto com dupla motivação. (Pág. 37)

• Em termos mais gerais, a continuidade é um principio da decupagem clássica e


define um modo de utilizar os recursos do cinema em proveito da relação a mais
intensa possível do espectador com a ficção, esta parecendo autônoma, observada
em momentos essenciais. (Pág. 38)

• O nome D. W. Griffith ficou, na história do cinema, muito ligado à montagem


paralela, mais do que à sua maestria na decomposição de uma cena única,
adquirida mais lentamente. (Pág. 39)

• È recorrente, em Griffith, a composição em tableau para encerrar o filme. […] O


tableau tem, em casos específicos, um rico poder de sugestão quando o final
retoma a imagem de abertura, fechando o ciclo e emoldura a estória. (Pág. 42)

• Cada imagem é entendida como produto de um olhar que visa um objeto (uma
porção daquele mundo) e o testemunha como presença em determinado momento
e lugar. […] E o processo se adensa à medida que a fonte do olhar também se
apresente como corpo integrante do mundo em desfile na tela. (Pág. 44)

• A legitimidade do cinema é, nesse contexto, sinônimo de representação da “vida tal


qual é”, para citar o nome de uma série dirigida por Zecca, para a Pathé, em torno
de 1906. (Pág. 46)

• O fundamental é lembra que. Em toda a sua produção,às vezes o próprio


tratamento da questões, atingiram uma elaboração espantosa para formato de 10-
15 minutos à razão de quase dois filmes por semana. […] Tais inovações resultam
do trabalho insano de quem abriu caminho dentro de condições rigorosas de
produção e consumo. Afinal, ele estava produzindo os “enlatados” da época, sob
olhar rígido da gerência e do mercado. (Pág. 49)

Montagem e Espetáculo: A nova dimensão do paralelismo

• O último suspense é trabalhado em detalhes, a indagação pelo bebê dando ensejo


a nova combinação de planos, com especial ênfase à expressão da mãe em seus
momentos de apreensão, surpresa e alivio. […] Griffith exibe a experiencia
acumulada e orquestra um final à altura das ações e ritmos que, por três horas,
mantiveram o espectador preso ao grande espetáculo. […] O conjunto, com suas
correrias, impasses, batalhas e tragédias, marca um arranque final de montagem
que leva mais de meia hora para desenrolar. (Pág. 50-51)

• Mestre do “filme de ação”, Griffith não é menos hábil ao dar conta de momentos de
experiência que independem da corrida contra o relógio e se expressam melhor na
sucessão de rostos, olhares e pequenos gestos. (Pág. 52)

• È 1914, o cinema ganha em sutileza sem assumir maiores ambiguidades, quer,


afinal, amarrar bem a mensagem, a ideia, sem perder a força dramática, o jogo de
expectativas. (Pág. 54)

• O grande impacto, porém, a revelação de Griffith para seus contemporâneos,


ocorreu quando estes lances felizes de invenção se articularam dentro de uma
armadura épica, num grande espetáculo, surpreendente, que trazia uma opinião
incisiva sobre algo muito polêmico: a guerra civil e a questão racial, o momento de
encruzilhada na formação dos Estados Unidos moderno. (Pág. 55)

• Griffith capricha na construção do herói máximo. No inicio de toda a trama, este


desperte o amor de Elsie, filha dos Stoneman. Na guerra, é o Little Colonel, oficial
exemplar. Na derrota, é o protetor da família, astuto, homem de ação. […] em sua
autobiografia, Billy Bitzer nos confirma o quanto O Nascimento foi, para Griffith,
uma reedição da guerra, uma desforra na qual concentrou todas as forças, algo
como esta bandeira dos valores derrotados enfiada pela boca do canhão da
indústria de cinema, este novo instrumento de modernização. (Pág. 58)

• O discurso de Griffith – que nem chegou a usar atores negros para os principais
papéis, exibindo as figuras grotescas de brancos pintados. […] No eixo da questão
racial, há uma maré segregacionista que se opõe às lutas de organizações e
lideranças negras em favor daqueles direitos negados mesmo após a abolição. A
revitalização da Ku Klux Klan é um sinal visível do clima no sul – e o filme de
Griffith só põe lenha na fogueira. (Pág. 60)

• Para sustentar seu apelo aos bons sentimentos, em cada estória, Griffith tece a
trama de modo a realçar como motor dos acontecimentos, a má vontade, a inveja,
a hipocrisia, a ambição de personagens capazes da pior traição ou vilões dispostos
a induzir os poderosos a agir com violência. (Pág. 62)

• A civilização antiga, reconstruída, permite ao cineastra expandir a imaginação num


acúmulo que surpreende se insistirmos em observar apenas o ascetismo declarado
de Mr. Griffith. (Pág. 65)

• Ao narrar os enredamentos em que fatalidade e má intenção são cúmplices, Griffith


exibe sua maestria – é magistral a sequência-chave onde se comete o crime de
que o rapaz será acusado: a costura das ações simultâneas e das reações
psicológicas, a coordenação do tempo, dos gestos e dos detalhes condensam em
dez minutos as lições do cineastra em termos de direção e montagem até então.
[…] a ênfase maor de Griffith é na opisição entre o bom coração dos simples e a
hipocrisia dos poderosos; seu desmascaramento de toda a lógica não deixa,
novamente, de se inclinar para o jogo da fatalidade, para o artifício do melodrama.
[…] Neste sentido, é pertinente a observação de Eisenstein em “Dickens, Griffith e
o cinema hoje”: Intolerância funciona como ideia abstrata que se impõe a priori
como baliza de interpretação; não é ideia que se expressa organicamente nos
episódios. (Pág. 67-68)
• O problema de Griffith foi ter apostado na autonomia a longo prazo dentro do
sistema. Sua tática foi a barganha com base no prestígio que, durante algum
tempo, foi artístico e de mercado, numa conjunção que imaginou dado natural do
jogo (Pág. 70)

Melodrama: O período Gish e Depois

• Nas relações de trabalho, na ficção que projetou na tela, na vida particular, Griffith
se emprenhou em sustentar um imaginário de feição patriarcal, onde o feminino de
celulóide e o feminino real compõem-se de figuras frágeis dentro da roupas mas
firmes no espírito, a virtude da mulher se fazendo dessa mescla de força de
vontade e inocência desprotegida. (Pág.71)

• Os filmes de guerra que Griffith dirigiu no período 1919-1920 seguem todos o


padrão de Hearts, o primeiro da série: o grande conflito dá novo colorido ao drama,
mas o material de atualidade inserido na ficção filmada no estúdio em na altera o
esquema narrativo do cineastra. (Pág. 73)

• Se os primeiros planos de Lillian exploram bem o rosto versátil, isto é possível


porque o estilo de Griffith nos longas oferece mais tempo para o ator num único
plano e, ajudando a técnica do intérprete, insere a imagem do rosto no momento
certo. Ou seja, o significado e a psicologia dos primeiros planos envolve olhares,
feições, gestos; mas é também uma questão de desenvolvimento de montagem,
das figuras próprias à linguagem do cinema na construção de ações e reações.
(Pág. 76)

• Os efeitos de luz mais elaborados evocam o ar londrino no cenário construído em


estúdio (em Nova Iorque), conseguindo as conotações lúgubres próprias ao drama,
mas a busca de um pensamento profundo gera desmedida e os letreiros “poéticos”
reeditam o kitsch dos filmes de arte da época. (Pág. 79)

• ao longo dos anos vinte, Griffith foi inábil na escolha dos assessores (inclusive nas
relações com UA) e viu crescer a defasagem entre sua auto-imagem de infalível e
a realidade, os erros de cálculo e os fracassos comerciais lhe fechando as portas.
(Pág. 80)

• A lógica destes filmes, recorrente na obra de Griffith, é exemplar no gênero: a


inocência carece de proteção num mundo de conspirações e ofensas; os vilões
manifestam, sob diferentes máscaras, as artimanhas do Arquivilão do imaginário
cristão; na combinação de fatalidade e intenções (boas e más), o agente do Mal e
a Providência disputam as rédeas do destino. […] 1) introdução: os letreiros
antecipam o tipo de estória e a lição moral que a preside. […] 2) os dados do
equilíbrio inicial: letreiros, cenas e imagens descritivas, de atmosfera, definem
personagens e ambientes. […] 3) ruptura: um agente externo destrói a harmonia
(Hearts of the World) ou o deslocamento da personagem oferece a ocasião do
engano e da “queda”. […] 4) purgatório: a (s) personagem (s) se vê (m) separada
(s) da promessa de felicidade; temos, por exemplo, a longa espera que traz
ameaças (guerra, o vilão que chega na cidade na ausência do namorado) ou, mais
tipicamente, a peregrinação para expiar a culpa. […] 5) encontro
providencial/retorno: uma nova promessa de felicidade se abre quando o acaso
promove o contato com figuras da salvação ou há o retorno esperado. […] 6)
suspense: a felicidade tem novos obstáculos e a trama garante o final com
montagem paralela. Combate decisivo. […] 7) final feliz: o alívio desenha-se como
um despertar de pesadelo, a felicidade é destino certo num mundo plano de
sentido. (Pág. 80-82)

• A cena da sedução de Anna Moore ilustra bem a passagem do teatro ao cinema: a


visão de conjunto “tipo palco” emoldura os momentos decisivos do diálogo onde
Griffith usa Close-ups e o campo/contracampo para explorar o rosto de Gish e
intensificar o drama. (Pág. 83)

• Na interpretação da história com base no confronto entre pureza e perigo, ao


purgatório da guerra segue-se a mesma concepção do jardim: nos finais felizes, a
democracia burguesa é portal do paraíso – união das órfãs, casamentos abastados
na França liberta dos radicais; união dos namorados no país independente mas
pronto a celebrar a unidade dos povos de língua inglesa (Griffith fez versão
especial para o mercado inglês, com o título Love and Sacrifice, que afirma a
vocação dos anglos-saxões para a supremacia). (Pág. 85)

• Nem obra-prima, nem desastre, o filme garantiu o respeito à assinatura de Griffith.


O público parisiense, de olho na história e na Revolução, reagiu com as fúrias
justificadas e a exibição do filme se tumultuou. Novo escândalo, desta vez
internacional. (Pág. 86)

• O “rolamento da dívida” e o recurso a empréstimos se esgotam. Resta o


compromisso mais rígido como assalariado da Paramount, diretor suspeito que não
consegue mais virar a sorte do jogo. (Pág.87)

• Portas fechadas, Griffith enfrentou 17 anos de inatividade como diretor e sua


experiência não foi propriamente a de quem se retira para cultivar jardim. Debateu-
se. Mas o interesse do mundo por ele fica reduzido ao elogio condescendente, ao
destaque no retrospecto histórico de revistas, às homenagens de consolação,
como a do prêmio Oscar de 1936, pelo que executou “em benefício da indústria”.
(Pág. 88)

• Visto em plano geral, os anos 30 e 40 oferecem a imagem de um Griffith dividido


entre a realidade cinza e os mantos de Excelência que não compensam a ausência
do essencial: atividade criadora. […] Em 1948, o cineastra morre como em boa
parte vivera: só, nas dependências de um hotel – o Knickerbocker, de Los Angeles.
No dia 22 de Fevereiro, sofre derrame cerebral. Morre após dois dias de coma.
Sem filhos, distante de amigos e ex-mulheres, tem junto ao leito de morte Ruth e
Williard Griffith, seus sobrinhos que vieram de Kentucky. E a sugestão do biógrafo
Robert Herdsom é cortante: se soubesse de sua presença, o cineastra pensaria
terem vindo à cata de dinheiro. (Pág. 89)

Epílogo

• Por ocasião da morte de Griffith, Jay Leyda faz a crônica do funeral embaraço. Sua
ironia seca descreve o ritual que selou a indiferença geral para com o velho
solitário. […] Griffith não soubera adaptar-se aos novos tempos, Hollywood ficara
mais sofisticada e o moralismo obsoleto insistira em fazer um cinema tipo sermão,
inaceitável na “era do jazz”. […] Se, conforme a observação de Andrew Sarris,
Griffith nunca chegou a uma “concepção adulta” da sociedade, Hollywood, mesmo
depois dele, não deixou de permanecer impermeável a essa “concepção adulta”,
no estilo e nos temas, quase sempre distante das interrogações mais agudas dos
artistas deste século, continuando o antiintelectualismo e a adolescência,
mantendo, até o fim dos anos cinquenta, um velho código de ética, tutela ginasiana
sobre a produção cinematográfica. (Pág.90-91)

• Griffith dinossauro, figura agigantada, cumprira o papel de consolidar um cinema e


uma linguagem quando suas aspirações sérias faziam sentido e ajudavam os
negócios. Agora, é o momento de o cinema novo-rico estabilizar os gêneros,
exercitar competências dentro o convencional, explorar a variedade de fórmulas
sem maiores riscos, apoiado no arsenal de figuras que Griffith ajudou a criar,
navegar em mares mapeados da montagem. (Pág. 92)

• Griffith resgata o melodrama porque atua dentreo de um novo veículo; ao mesmo


tempo, opera uma codificação do cinema que será suporte para novas
inteligências, uma vez lançado o bê-a-bá da ação, da caracterização psicológica e
das relações de ideias. (Pág. 93)

• Griffith antiintelectual, Eisenstein hiperintelectual. […] No sufoco, Eisenstein, bem


mais jovem, teve também mais vantagem para resistir às pressões do tempo; sua
mente agitada, sua reflexão incessante e as duas partes do Ivã, o Terrível
impediram sua redução a peça de um passado histórico. Griffith, menos armado,
circulou em torno de sua própria estátua ao longo de anos, congelado em histórias.
(Pág. 94-95)

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