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1º Semestre de 2009 Revista FACOM Nº21

O Individualismo Metodológico Marxista


e a contribuição epistemológica de sua crítica
à abordagem marxista tradicional

Fábio Lacerda Soares Pietraroia

Resumo Abstract
Vencendo velhos preconceitos While destroying old methodological prejudices,
metodológicos, autores marxis- individualistic Marxists have proved that holistic
tas individualistas têm demonstrado approaches are not sufficient to understand
a insuficiência das abordagens marxistas all the contradictions which do exist in
holistas para a compreensão das contradições collective behavior. In other words,
presentes no comportamento coletivo. using only macrossocial concepts is
Em outras palavras, o apelo exclusivo às ca- not enough to comprehend shocking
tegorias macrossociais resulta inadequado individualist behaviors within a social
para um entendimento satisfatório das atitudes class or group. Without understanding the
individuais conflitantes dentro de uma mesma contradictions prevailing among the individual
classe ou grupo de interesses. Sem entender interests, the collective behavior mistakenly
as contradições entre os interesses individuais, o seems to take totally irrational and inexplicable
comportamento coletivo pode parecer tomar dire- directions.
ções absolutamente irracionais ou inexplicáveis.

Palavras-chave: Epistemologia, Individualismo, Keywords: Epistemology, Individualism, Marxism,


Marxismo, Política. Politics.

“É sempre bom lembrar


que um copo vazio
está cheio de ar.”
(Gilberto Gil)

Bastante influente nos estudos da comunicação, a abordagem marxista frequentemente está


presente através, por exemplo, de escolas de pensamento como a autodenominada Teoria
Crítica (também conhecida como Escola de Frankfurt) ou por meio dos estudos fundamenta-
dos na semiótica bakhtiniana. Atualmente, as melhores faculdades de comunicação reservam
um espaço importante em seus currículos para disciplinas como sociologia ou epistemologia.
Contudo, nem sempre o estudo das categorias conceituais marxistas é feito acompanhado de
uma análise suficientemente crítica, reduzindo-se – muitas vezes – a uma leitura simplista de
conceitos clássicos, tais como “Estado”, “classe social”, etc.

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Nº21 Revista FACOM 1º Semestre de 2009

Traçaremos a seguir uma problematização desta Os marxistas individualistas não deixam


questão à luz das contribuições do individualis- de ver a História como a “história das
mo metodológico. lutas de classe” (tese presente n’O Ma-
O individualismo metodológico desenvolveu-se, nifesto do Partido Comunista). Mas eles
a partir da crítica a uma suposta insuficiência da passam também a investigar como os
análise “coletivista”1 do marxismo clássico, para indivíduos que compõem estas classes
dar conta de fatores como o curto prazo, como agem isoladamente.4 Eles detectam,
as divergências internas e a falta de organização então, que nem sempre os indivíduos
entre os membros de uma mesma classe social agem na mesma direção, muito embora
(que teoricamente teriam os mesmos interesses normalmente se possa reconhecer uma
fundamentais, mas que chegam a agir de manei- direção geral para a qual se movimenta
ras diametralmente opostas e mesmo contraditó- a classe como um todo. Logo, do ponto de
rias entre si), etc. Por exemplo, a despeito do ar- vista microssociológico, a História é também
gumento bastante plausível de que o comunismo vista como o resultado do embate perma-
científico - da forma como foi idealizado por Marx nente entre diferentes indivíduos, idéias e
e Engels - nunca tenha sequer chegado perto interesses no curto prazo.5 Talvez ela seja
de existir, seria problemático explicar a deses- linear, mas certamente é uma linha tortuosa.
truturação das experiências do Socialismo Real Decifrar as suas sinuosidades passa a ser
com base apenas no instrumental analítico também uma preocupação do sociólogo.
do holismo metodológico. Seria difícil ne- Os marxistas individualistas também cos-
gligenciar o fato de que a corrupção, tumam acusar o holismo de acabar, muitas
o mercado paralelo, o favoritis- vezes, fornecendo explicações do tipo fun-
mo e o individualismo privatista cionalista, onde o excessivo apelo a enti-
(que proliferaram nos países do dades supra-individuais como a ideologia,
chamado “socialismo real”) estavam a classe capitalista ou o Estado, passaria a
entre os principais fatores do fracasso enganosa impressão de que elas têm vida
daquelas experiências. Neste sentido, própria.
mesmo que se apelasse para a teoria de Segundo Elster, “o coletivismo metodológico
que jamais existira um verdadeiro socialismo, se alia à explicação funcionalista, a qual ana-
mas sim um mero capitalismo de Estado, um lisa os fenômenos sociais invocando mais
holismo ortodoxo parece insuficiente para escla- suas conseqüências que suas causas.”6
recer as transformações do Leste Europeu ou da Todavia, é importante lembrar que a versão
ex-URSS. marxista constitui tão somente uma das
Um individualista metodológico diria que estes variantes do individualismo metodológico.
são apenas alguns exemplos que evidenciam Sob a denominação “individualismo” resi-
a necessidade de uma análise complementar dem diversas escolas filosóficas, teológicas,
que fosse além das fronteiras das categorias econômicas e sociológicas, de esquerda e
analíticas macrossociológicas da teoria holista de direita, muitas vezes completamente ex-
clássica. A vertente marxista do individualismo cludentes entre si. Poderíamos usar - como
metodológico se propõe exatamente a fazer tal exemplos disso - desde o cristianismo nas
análise. Como afirma Adam Przeworski: suas origens, passando por contratualistas
como Hobbes ou Rousseau, até o neolibe-
“O desafio específico lançado ao marxismo, no que ralismo, dentre vários outros.7 O termo “in-
se trata da teoria da ação, é o de fornecer uma expli- dividualismo metodológico” foi inventado, no
cação das ações individuais dentro de certas condi- início deste século, pelo teórico de origem
ções, ou seja, de fornecer os micro-fundamentos à austríaca Joseph Alois Schumpeter, o qual já
teoria da história.” 2 chamava a atenção para o fato de o individu-
alismo metodológico não necessariamente
Jon Elster, por exemplo, critica o marxismo “cole- guardar alguma relação com o liberalismo ou
tivista” dizendo que, “de acordo com aquela con- com o individualismo político.8
cepção, a história é a auto-ação da Humanidade,
do homem mais do que dos homens.”3

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Portanto, até hoje coexistem formas individualis- sociais, notadamente os micro-fenôme-


tas de esquerda (por exemplo: Pierre Bourdieu, nos. Neste sentido, o individualismo so-
Jon Elster, etc) com as formas individualistas de ciológico é assumidamente uma forma
direita (por exemplo: Milton Friedman, James de reducionismo, já que propõe a análise
McGill Buchanan, Anthony Downs etc). Da mes- do complexo em termos do mais simples,
ma maneira, ainda subsiste o preconceito que vê porém aparentemente apresentaria cer-
o individualismo como uma vertente somente “de tas vantagens:
direita”. Tal preconceito pode facilmente ser ex-
plicado, porque, de acordo com Przeworski, “Há essencialmente duas razões pelas
quais a explicação do macro pelo micro
“Há não muito tempo, parecia possível traçar uma é preferível àquela do macro pelo macro.
fronteira clara e nítida entre o marxismo e a ‘ciên- Por um lado, há uma razão estética: mes-
cia social burguesa’. O comportamento individual mo sendo a explicação macro-macro ro-
era percebido pelos marxistas como expressão de busta e confiável, é sempre mais satisfa-
posições de classe. Os economistas burgueses o tório abrir a caixa-preta e ver as peças do
viam, ao contrário, como uma ação racional e mo- mecanismo. Por outro lado, há uma razão
vida por interesses. Os atores que faziam a história mais propriamente científica: ao descer do
avançar eram as classes, as coletividades-em-lu- macro para o micro, nós passamos simul-
ta; os atores burgueses eram consumidores-cida- taneamente do longo para o curto prazo, o
dãos-indivíduos que, além disso, se reagrupavam que reduz o risco de confundir explicação
às vezes em efêmeros ‘grupos de interesse’. Para com correlação ou o risco de pensar que
os marxistas, a relação central que organizava a uma lei, da qual um certo acontecimento
sociedade capitalista era o conflito irreconciliável necessita, permite sempre explicá-lo.”11
de interesses de duas classes antagônicas: a vi-
são burguesa - ao contrário - colocava ênfase na Mas o fato de o individualismo ser um
harmonia fundamental dos interesses. Enfim, os reducionismo “assumido” não permite
marxistas viam a sociedade capitalista como uma a conclusão de que ele seja - por isso -
sociedade dominada economicamente e politica- simplista ou isolacionista. Pelo contrário,
mente pelos capitalistas, enquanto que os pensa- ele procura centrar sua atenção nas inter-
dores burgueses viam no mercado concorrencial relações entre os agentes individuais.
o governo das entidades neutras e universais.”9 Para os marxistas individualistas, por
exemplo, a utilização de alguns elemen-
Conforme Przeworski, esta fronteira hoje em dia tos do individualismo metodológico não
já não pode ser traçada de forma muito nítida necessariamente exclui uma análise
porque tanto a teoria da escolha racional, quanto macrossociológica, mas, via-de-regra, a
o marxismo se tornaram dois corpos heterogê- complementa e dá mais elementos para
neos que se influenciam mutuamente e estão em a sua compreensão. Assim, os marxistas
rápida evolução. Pode-se, portanto, dizer que os individualistas detectaram, por exemplo,
economistas e suas teorias individualistas inva- que - o Estado burguês embora exerça
diram todos os ramos das ciências sociais e têm (com sua burocracia, seus aparatos legal
tido enorme influência intelectual também sobre e repressivo, etc) um papel crucial no pro-
as análises marxistas. Atualmente tornou-se cesso de dominação de classe e na pró-
comum analisar problemas marxistas clássicos pria reprodução do modo-de-produção
através da visão da Public Choice School, bus- vigente que não pode ser subestimado
cando um equilíbrio geral entre indivíduos (bem - nem sempre parece agir de maneira co-
informados) que fazem uma escolha racional esa ou mesmo coerente com estes obje-
com relação a fins e interesses.10 tivos. Segundo eles, isto demonstra que
O individualismo metodológico de esquerda o Estado jamais deveria ser concebido
surgiu a partir da crítica ao apelo exagerado às como um agente monolítico, pois há con-
entidades supra-individuais (Estado, forças pro- flitos de interesses tanto entre o Estado
dutivas, classes sociais, ideologias, etc) para a e as classes sociais, como entre o chefe-
explicação de praticamente todos os fenômenos de-Estado e seus agentes.

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Tais conflitos explicariam a maneira tortuosa atra- “Nós sabemos que, contrariamente ao que
vés da qual o Estado burguês acaba exercendo tem sido frequentemente dito por desco-
sua função mantenedora da ordem capitalista. nhecimento ou por discurso indevido, ele
Conforme os individualistas, não basta saber [o individualismo metodológico] não se
qual a função do Estado, também é preciso de- reduz a um caminho simplistamente redu-
senredar a complexidade de seus mecanismos cionista e mecanicamente simplificador,
de atuação, inclusive no nível microssociológico. inelutavelmente atomista, fixo e monolíti-
É importante frisar, entretanto, que os individua- co, impregnado de racionalismo e de psi-
listas não se eximem de atentar para as inter-re- cologismo sumários para as explicações
lações entre as unidades em estudo. Muito pelo viciadas por um economismo hipertrofiado
contrário, como já havíamos adiantado, mais que e exclusivamente centrado na soma de in-
os indivíduos, as relações estabelecidas entre divíduos auto-suficientes.”14
eles são o foco central da atenção dos individu-
alistas; o que - de certo modo - não deixa de ser Todavia é também incorreto afirmar que
uma análise “macrossociológica” às avessas. o marxismo holista tenha negligenciado o
Em contrapartida às críticas recebidas dos indivi- fato de as classes sociais não serem um
dualistas, os holistas metodológicos acusam os todo homogêneo (em que todos os mem-
individualistas de caírem num atomismo racio- bros sempre agiriam na mesma direção).
nalista injustificável. Com isso, eles tenderiam a O estudo dos “desencontros” no nível
atribuir uma importância excessiva a certos fato- microssociológico simplesmente não era
res (individuais) e a subestimar outros (sociais). visto como pertinente pelos holistas. Pa-
Muitas vezes, estas acusações pressupõem rece simplista afirmar que o marxismo via
uma estreita conexão entre o individualismo me- as classes sociais como realidades “com-
todológico e os valores e modelos mentais dos pactas”.
capitalismo liberal. Na visão de Alain Laurent, No entanto, esta questão é polêmica.
além de fazer uma conexão que nem sempre é Na opinião de Przeworski, por exem-
verdadeira, este último tipo de acusação seria o plo, o individualismo metodológico traz
mais discriminatório de todos.12 à tona certas questões que por muito
Elster defende-se destas acusações de “atomis- tempo vinham sendo insatisfatoriamente
mo”, ressaltando a questão da interdependência respondidas pelo holismo metodológico
entre as partes e sublinhando que clássico. Uma destas questões residiria
nas noções de consciência e de organi-
“o individualismo metodológico não é uma doutri- zação de classe. Conforme Przeworski, é
na atomista, que se limitaria às relações extrínse- problemático acreditar que todos os bur-
cas ou casuais entre os agentes sociais, à imagem gueses ou que todos os proletários agem
de choques entre bolas de bilhar. Ele é perfeita- sempre em direção à defesa dos seus
mente compatível com a idéia de que há conexões interesses de classe, ou que eles o fazem
intrínsecas ou intencionais. Por um lado, nós en- racionalmente ou ainda de forma organi-
contramos o fenômeno da interdependência entre zada. Para Przeworski, os marxistas re-
as utilidades, no altruísmo, na inveja e em senti- petiam indiretamente o modo de explica-
mentos semelhantes. Por outro lado, há o fato da ção psicossociológica dos funcionalistas,
interdependência das decisões, da maneira como os quais
a estuda a teoria dos jogos. Ora, para que haja in-
terdependência, é preciso evidentemente que as “analisavam todo comportamento indivi-
entidades assim ligadas entre si sejam distintas: dual como a expressão interiorizada da
é o que afirma o individualismo metodológico”.13 sociedade, o que implicava em que todas
as pessoas expostas às mesmas normas e
Laurent também tece severas críticas àqueles aos mesmos valores deviam se comportar
que acusam o individualismo metodológico de de maneira semelhante (...).”15
ser um mero reducionismo atomista:

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A diferença, segundo Przeworski, entre a expli- tos; entretanto, estando cientes de que o
cação funcionalista e a dos marxistas, seria que nosso próprio voto não tem senão uma
os últimos deduzem o comportamento individual influência infinitesimal sobre o resultado
da posição de classe. final das urnas, muitos de nós – sobretu-
Przeworski sustenta que, segundo o marxismo do em países onde o voto não é obriga-
holista, tudo o que é importante na História se tório - preferem não se darem ao trabalho
produziria no nível das forças, das estruturas, de irem às urnas. Consequentemente, a
das coletividades e não no nível dos indivídu- explicação do comportamento político re-
os: os micro-fundamentos seriam, portanto, no quer - conforme esta visão - uma relati-
melhor dos casos, não mais que um instrumento vização dos conceitos de “racionalidade”
supérfluo que poderia permitir a explicação de e de “comportamento racional”. Do ponto
variações menores. “O marxismo era uma teo- de vista de um eleitor isolado, pode fa-
ria da história desprovida de todas as ações das zer mais sentido dar-se ao luxo de deixar
pessoas que fazem esta história.”16 de favorecer seu candidato ao abster-se
O raciocínio individualista leva à conclusão de de votar (poupando, assim, o tempo e o
que diferentes pessoas pertencentes à mesma trabalho de ir até a zona eleitoral), visto
classe social podem reagir de formas distintas, que as chances de seu voto alterar os re-
mesmo quando expostas às mesmas condições. sultados das urnas - no limite - tendem a
Então, a previsibilidade - no nível individual - dos zero.20 Entretanto, imaginemos se todos
comportamentos político e econômico segue os eleitores de um determinado partido
uma lógica distinta (mas não totalmente inde- pensassem assim: ninguém votaria e o
pendente) daquela que se pode aplicar no nível partido perderia as eleições. Portanto, o
macrossociológico às classes sociais, por exem- que parece ser racional para um indiví-
plo. Elster chega a afirmar textualmente que duo isolado (o eleitor), é, ao mesmo tem-
“uma classe, enquanto tal, não saberia agir. A po, irracional para a classe social ou o
noção de ação coletiva não é senão um modo de grupo de interesses a que ele pertence
falar; na realidade, só os indivíduos são capazes e vice-versa.
de agir.”17 O “Paradoxo do Eleitor” revela, assim,
No entanto, o individualismo metodológico de que - às vezes - as ações individuais po-
esquerda não nos permite concluir daí que vive- dem ser orientadas por interesses coleti-
mos num mundo de homens hobbesianos mo- vos ou morais. Caso contrário, ninguém
vidos exclusivamente por interesses próprios. votaria.
Vale lembrar que Elster defende a hipótese de Neste sentido, Bassford salienta que à
que nem todos os indivíduos agem egoistamen- medida que o Dilema do Prisioneiro21(do
te, como pretendem alguns autores da Public qual o Paradoxo do Eleitor é apenas
Choice School. Segundo ele, existe toda uma uma variante) serve como fundamento
gama de motivações altruístas e morais capazes para a refutação da tese do interesse
de induzir os indivíduos à cooperação (esta se- individual puro, ele também revela um
ria uma das principais razões pelas quais alguns outro fato: uma obrigação moral coleti-
decidem fazer a greve, apesar de saberem que va; o que significa que outros membros
poderiam se beneficiar de seus resultados sem da sociedade (que não o indivíduo em
dela participar, ou seja, sem correr riscos ).18 questão) também têm de ser levados em
Não obstante, nem todas as motivações se- consideração nas decisões relativas às
riam racionais (no sentido estrito da palavra), ações individuais.
já que a própria hipótese de racionalidade teria Em suma, Elster baseia sua explicação
suas falhas. Para contestá-la, Elster utiliza-se para a ação coletiva na hipótese de que
de uma variação célebre do Dilema do Prisio- os indivíduos agem racionalmente (muito
neiro, o “Paradoxo do Eleitor” (este paradoxo, embora esta racionalidade deva ser rede-
é importante frisarmos, foi anteriormente apon- finida, como acabamos de ver), mas não
tado por Anthony Downs19 ): Sabemos que é necessariamente egoistamente.
melhor (leia-se mais racional) que o nosso can-
didato receba o maior número possível de vo-

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Haveria um leque de motivações morais e al- 3 ELSTER, Jon. Op. Cit. p.60.
truístas capaz de mobilizar a cooperação. Mais 4 Elster defende que somente este tipo de
do que isso, Elster crê que, numa coletividade, análise seria capaz de suprir certas lacunas
frequentemente existem algumas pessoas forte- que - segundo ele - teriam sido deixadas pela
mente motivadas à cooperação, cuja presença teoria marxiana: “Marx (...) não resolve de ver-
criaria um efeito “bola de neve”, fazendo com dade o seguinte problema: como uma classe
que outros (que permaneceriam passivos caso social chega a promover o seu interesse cole-
tivo já que ele difere dos interesses individuais
estivessem sozinhos) se envolvessem.
dos membros da classe?” in ELSTER, Jon.
Por outro lado, uma das deduções do individua-
Op. Cit. p.67.
lismo metodológico é a de que as pessoas que 5 Embora não tenha sido um autor marxista,
compartilham da mesma situação social, funcio- Schumpeter (considerado um dos pais do in-
nal, econômica etc, e dos mesmos interesses dividualismo) também alertava para a neces-
não necessariamente agirão visando promover sidade de se atentar para o curto prazo: “a his-
estes interesses coletivos, nem o farão uniforme- tória consiste numa sucessão de situações de
mente, na mesma direção ou de maneira conjun- curto prazo que podem alterar definitivamente
ta. Com relação a esta teoria “individualizada” do o curso dos acontecimentos” in SCHUMPE-
comportamento, Przeworski nos atenta: TER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e De-
mocracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. P.330.
6 ELSTER, J. Op. Cit. p.60.
“A questão central que o individualismo metodo-
7 Para mais informações, vide DUMONT, Louis.
lógico coloca é a seguinte: em quais condições
O individualismo – Uma perspectiva antropo-
(entre “sempre” e “nunca”) a solidariedade (a co-
lógica da ideologia moderna. Rio de Janeiro:
operação de classe) é racional para os trabalha-
Rocco, 1993. Vide também: LAURENT, Alain.
dores individuais ou para os grupos particulares L’Individualisme Méthodologique.
de trabalhadores? Uma instigante resposta a esta Paris: Presses Universitaires de France, 1963.
pergunta foi proposta por Michaël Wallerstein22 , 8 “Schumpeter, o inventor do termo ‘individua-
mostrando que (...) os sindicatos tentam organizar lismo metodológico’, já insistia na ausência de
todos os trabalhadores que estão em concorrên- ligação com o liberalismo ou o individualismo
cia dentro do mesmo mercado de trabalho e so- político. A idéia deveria ser evidente, entretan-
mente estes trabalhadores (...).”23 to subsiste um forte preconceito que coloca o
individualismo metodológico naturalmente à
Poderíamos afirmar que os sindicatos - em con- direita. Durkheim - seu adversário mais céle-
bre - foi certamente um homem de esquerda
traposição à lógica puramente do indivíduo - ten-
[sic]; os economistas austríacos - seus defen-
tam desenvolver uma racionalidade macrosso-
sores mais entusiasmados - se colocam niti-
cial (que também poderia ser denominada, em damente à direita.
certas circunstâncias, “consciência de classe”) Hoje em dia, a mesma oposição é encontra-
que se sobreponha à tendência à atomização da entre Pierre Bourdieu e Raymond Boudon,
dos trabalhadores. para não citar outros.
É preciso, contudo, lembrar que também há
um organicismo de direita; por que não have-
ria um individualismo de esquerda?” in ELS-
1 Embora a expressão chegue às vezes a adquirir uma TER, J. Op. Cit. p.63.
conotação pejorativa, o holismo metodológico tem sido 9 PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit. p.78.
comumente chamado de “coletivismo metodológico” por Laurent também salienta que o individualis-
alguns autores individualistas. É o caso, por exemplo, de mo foi por muito tempo estigmatizado como
Elster (Vide ELSTER, Jon. “Marxisme et Individualisme reducionista devido sobretudo à influência
Méthodologique” In: BIRNBAUM, Pierre & LECA, Jean dos autores liberais nele. Conforme Laurent,
(orgs.). Sur L’Individualisme. Paris: Presses de La Fon- o individualismo metodológico “suscitou resis-
dation Nationale des Sciences Politiques, 1991.). tências e rejeições freqüentemente ligadas a
2 PRZEWORSKI, Adam. “Le Défi de L’Individualisme mal-entendidos ou deformações que relacio-
Méthodologique À L’Analyse Marxiste” In: BIRNBAUM, navam bastante arbitrariamente o individualis-
Pierre & LECA, Jean (orgs.). Sur L’Individualisme. mo metodológico a um ‘atomismo lógico’ ou
Paris: Presses de La Fondation Nationale des a um psicologismo que tenderia a reduzir a
Sciences Politiques, 1991. p.80. sociedade a uma simples soma de indivíduos

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isolados - quando não a um problemático acompanha- e violência verbal ou mesmo física podem
mento ideológico da moda passageira do individualis- muito bem serem infligidos contra quem fure
mo liberal; ele mesmo reduzido ao plano da apologia a greve.
a um homo oeconomicus egoísta e utilitarista (...)”. in É fácil observar que isto é essencial para
LAURENT, A. Op. Cit. p.6. Elster também salienta que fazer com que deixe de valer a pena para
esta relação entre o individualismo metodológico e o o empregado continuar trabalhando (...)”.
homo oeconomicus é, a priori¸ indevida: “Entre os mal- in BARRY, B. Sociologists, Economists and
entendidos a serem descartados, comecemos pela Democracy. Londres, Butler & Tanner Ltd.,
idéia de que o individualismo metodológico comporta 1970. p. 43-4.
uma teoria de motivações individuais. A doutrina não 19 Vide DOWNS, Anthony. Teoría Económica
criou nenhuma presunção para os motivos racionais, de La Democracia. Madri: Aguilar, 1973. p.
nem para o comportamento egoísta. Sem dúvida, há 288-293.
boas razões para dar uma primazia metodológica ao 20 Frente a este paradoxo, parece fazer sen-
racional com relação ao irracional, assim como às tido esta incômoda observação de Brennan:
motivações egoístas com relação às motivações não- “votar, no nosso ponto de vista, é muito mais
egoístas, mas estas razões não decolam do princípio parecido com torcer numa partida de futebol
individualista. Além disso, esta primazia metodológica do que escolher um portfolio de valores, por-
não exclui em nada (...) que em casos específicos, que ao votar a ‘expressão da preferência’ por
seja preciso explicar o comportamento dos atores em qualquer votante individual é crucialmente di-
termos de motivações irracionais e não-egoístas.” in vorciada do resultado eleitoral.” in BRENNAN,
ELSTER, Jon. Op. Cit. p.62. Geoffrey. “The Contribution of Economics” In:
10Vide PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit. p. 77-8. GOODIN, Robert E. & PETTIT, PHILIP (orgs.).
11 ELSTER, Jon. Op. Cit. p.61. A Companion to Contemporary Political Philo-
12 Vide LAURENT, A. Op. Cit. p.84. sophy. Blackwell Publishers. p.151.
13 ELSTER, Jon. Op. Cit.. p.63. 21 Vide BASSFORD, Jason. “The Prisoner’s
14 LAURENT, A. Op. Cit. p.119. Dilemma: A Stepping Stone to The Refutation
15 PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit. p. 80-81. Nas pági- of Pure Self-Interest and A Guide to Political
nas 81 e 82, Przeworski prossegue, criticando o holis- and Moral Obligation”. Disponível em: <www.
mo marxista: “Não se pode mais considerar as ações dante.com/users/jasonb/phil/page_prisoner_
dos indivíduos como determinadas por sua posição de start.html> Visitado em 15/02/02.
classe: é indispensável distinguir cuidadosamente os 22 Vide WALLERSTEIN, M. The Micro-Foun-
estudos centrados nos indivíduos, daqueles voltados dations of Corporatism: Formal Theory and
para as coletividades e submeter à crítica, a atribuição Comparative Analysis. Trabalho apresenta-
do estatuto de ator coletivo ao ‘capital’, à ‘classe tra- do no encontro anual da American Political
balhadora’ ou ao ‘Estado’, para verificar, um a um, se Science Association, Washington D.C., 1984;
a ação coletiva é coerente com as racionalidades indi- e WALLERSTEIN, M. Working class solidarity
viduais. O desafio que deriva da teoria da escolha ra- and rational behavior, PhD dissertation, Uni-
cional é, por conseguinte, claro: só é satisfatória uma versity of Chicago, 1985.
teoria capaz de explicar a história em termos de ações 23 PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit. p. 91.
de indivíduos racionais guiados por um objetivo. Toda
teoria da sociedade deve se fundar sobre esta base:
este é o desafio.”
16 Idem. Ibidem. p. 81.
17 ELSTER, Jon. Op. Cit. p.67.
18 Alguns autores individualistas utilitaristas (como Man-
cur Olson Jr.) fornecem uma explicação alternativa à de
Elster para o fato de as pessoas fazerem a greve: have-
ria custos sociais envolvidos numa eventual não adesão Fábio Lacerda Soares Pietraroia
a ela. Sendo o homem típico, conforme os utilitaristas, Professor de Teoria e Método de Pesquisa na FACOM-
egoísta e racional, então ele pesaria custos X benefícios FAAP. Economista, Cientista Social e Mestre em Ciên-
marginais e possivelmente concluiria que seria mais van- cia Política pela UNICAMP. Doutor em Comunicação
tajosa a sua adesão. Social pela USP. Pós-graduado em Estudos da Paz,
Veja o que diz Barry, ao analisar a obra de Olson: do Desenvolvimento e Resolução de Conflitos pela
“As greves podem envolver um sacrifício substan- EPU - Áustria. Pós-graduado em Estudos da Mídia
cial do trabalhador e de sua família. Mas aqui ‘in- pela Universidade de Oslo – Noruega. Ex-pesquisa-
centivos seletivos’ atuam plenamente: ostracismo dor visitante da Revista The Bulletin of the Atomic

7
Scientists nos Estados Unidos.

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