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A decisão pela interpretação mais adequada é uma atividade complexa e exige muito do
raciocínio jurídico desenvolvido pelos juízes, porquanto, de forma geral, os argumentos
defendidos pelas partes representam interpretações jurídicas razoáveis, expostas de
forma persuasiva e coerente, contexto que faz com que a decisão se dê entre
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interpretações igualmente válidas para um mesmo problema jurídico.
A exigência que recai sobre os juízes, portanto, está na necessidade de uma justificação
racional que exponha sua pretensão de resolução da disputa privada ou pública por meio
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de uma razão de decidir universalizável, apta a ser replicada nos casos sucessivos
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semelhantes.
Nesse contexto normativo, fica claro perceber que a atividade decisória assume o papel
de favorecer a legitimidade do sistema democrático como um todo, ao devolver à
sociedade normas jurídicas vinculantes e estáveis. Se o Estado de Direito tem como
fundamento a continuidade da ordem jurídica, a estabilidade e o tratamento igualitário a
todos os cidadãos, a instituição encarregada de fazer cumprir sua força normativa (como
as Supremas Cortes) deve proteger tais valores no desempenho de sua função.
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Precedentes e casos repetitivos: por que não se pode
confundir precedentes com as técnicas do CPC para
solução da litigância de massa?
Nesse ponto, importa observar que a atividade do Poder Judiciário, por funcionar como
autêntico moderador de conflitos intersubjetivos e desacordos morais e jurídicos
razoáveis acerca da resolução das disputas judicias e dos problemas de interpretação do
direito, requer grau de aceitabilidade de suas decisões por parte da sociedade. Essa
aceitabilidade decorre mais de uma reputação externa da própria instituição e do
patrimônio imaterial construído pela Corte ao longo do tempo, que do conteúdo material
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de suas resoluções jurisdicionais.
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Precedentes e casos repetitivos: por que não se pode
confundir precedentes com as técnicas do CPC para
solução da litigância de massa?
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Precedentes e casos repetitivos: por que não se pode
confundir precedentes com as técnicas do CPC para
solução da litigância de massa?
O julgamento, nesse contexto institucional, deve expor suas razões, de modo a deixar
suficientemente explícitos e claros os fatos abordados, as questões jurídicas debatidas, a
forma e a razão pela qual foram resolvidas de determinado modo. Sem isso, a missão
institucional de definição jurisdicional dos direitos restará frustrada.
O argumento por precedente, por outro lado, não implica a adoção de um regime
judiciário autoritário e engessado. O juiz sucessivo pode afastar o precedente
identificado como adequado para o caso. Todavia, para tanto, deve oferecer boas razões,
as quais devem demonstrar que o caso atual não trata do mesmo problema ou que
possui fatos relevantes que o distinguem ou exigem um tratamento jurídico diverso, ou,
ainda, que a decisão precedente está equivocada. Trata-se, aqui, da aplicação das
técnicas do distinguishing (distinção) e do overruling (revogação), previstas no inciso VI
do §1º do art. 489 do CPC (LGL\2015\1656), que tem como principal função permitir a
oxigenação do sistema e desenvolvimento do direito judicial.
Interessante perceber que, nos casos em que o precedente não “serve”, seja por haver
circunstâncias ou fatos particulares que os distinguem, seja por qualquer outro motivo
de argumento jurídico, a decisão precedente atua como um argumento por analogia.
Isso porque o juiz vai demonstrar que, embora o caso seja distinto, aquela razão de
decidir pode ser adotada com alguns ajustes, operação que favorece a expansão e
contração dos precedentes. Esse fato reforça o argumento anteriormente explicitado no
sentido de que a ratio decidendi deve ser formulada em atenção e respeito aos limites
variantes dos fatos e argumentos jurídicos discutidos, de modo que qualquer outra
variante na premissa fática ou normativa debatida implica uma reanálise do caso. E aqui
reside um dos pontos de abertura e maleabilidade no uso dos precedentes.
Nessa linha de pensar, dois raciocínios devem ser feitos no argumento por precedente. O
primeiro se refere à explicitação do caso concreto atual, com a demonstração do
problema fático posto e os argumentos jurídicos postos para debate pelas partes e juiz.
O segundo raciocínio refere-se à identificação de precedente no sistema que já tenha
resolvido o problema posto no caso atual e a sua incidência para a resolução, a partir da
explicitação dos fundamentos determinantes que resolveram o precedente.
Registre-se que essas duas etapas de raciocínio no argumento por precedente não
implicam grande esforço argumentativo, de modo a comprometer um dos efeitos
desejáveis dos precedentes que é a eficiência no processo decisório. Isso porque essas
duas etapas apenas se comprometem com a explicação das circunstâncias fáticas e
jurídicas dos casos a fim de que possa haver a identificação entre ambos, por meio de
suas semelhanças. Todavia, a terceira etapa do raciocínio decisório concernente ao juízo
de ponderação entre os argumentos, às escolhas valorativas e a toda a justificação da
razão pela qual o caso deve ser resolvido, é retirada e, portanto, economizada no
esforço argumentativo, uma vez que esses aspectos já foram resolvidos
pelo precedente.
decisão anterior proferida, mas sim na sua observância em decorrência dos valores
subjacentes que são tutelados, como o do tratamento igualitário perante o direito, da
imparcialidade e impessoalidade da atividade jurisdicional, da segurança jurídica e da
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coerência no desenvolvimento judicial do direito.
Como afirma Frederick Schauer, o dever jurídico dos juízes de seguirem os precedentes
horizontais (a ideia do stare decisis) decorre de uma obrigação moral de seguir o próprio
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direito. Com mais razão esse argumento é válido quando se reconhece que a função
jurisdicional exercida pelos tribunais compartilha autoridade com o legislativo no
processo de reconstrução e desenvolvimento do direito, com os limites pertinentes ao
campo de atuação do Poder Judiciário.
A experiência comparada oferece diversos casos nos quais esse respeito ao precedente
horizontal foi observado, ainda que tenha havido mudança na composição de dado
tribunal, a qual implicava probabilidade de alteração de interpretações jurídicas outrora
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definidas e estabilizadas.
Nesse caso específico, a Suprema Corte, por decisão majoritária, reafirmou a decisão
proferida no caso Roe v. Wade em 1973, empregando, como fundamento principal, a
garantia da estabilidade do precedente. Argumentou a Corte com a relação necessária e
direta entre o precedente e a funcionalidade do Estado de Direito, de modo que a
superação constante de decisões passadas da Suprema Corte é fator de instabilidade
jurídica e institucional do próprio Estado. O Estado de Direito, de acordo com o voto
majoritário, é o princípio subjacente à Constituição, motivo pelo qual devem as
instituições trabalhar para garantir a continuidade, longevidade e estabilidade das
normas jurídicas, em especial, a Suprema Corte por meio dos seus precedentes judiciais.
Fica claro das discussões havidas nesse julgado, evidenciadas nos votos apresentados
(opinião majoritária e dissidências), que a exigência do Estado de Direito consiste no
respeito às decisões passadas, como instrumento de garantia da previsibilidade,
continuidade e conhecimento do direito pelos cidadãos.
“Há [...] um ponto além do qual a revogação frequente sobrecarregaria a crença do país
na boa-fé da Suprema Corte [...] Se esse limite deve ser excedido, a perturbação de
decisões passada seria tomada como prova de que reexame justificável de princípio deu
lugar a impulsos para resultados particulares a curto prazo. A legitimidade do Tribunal
desvanecer-se-ia com a frequência de sua vacilação [...] Como o caráter de um
indivíduo, a legitimidade do Tribunal deve ser conquistada ao longo do tempo. Então, de
fato, o caráter de uma nação deve ser conforme o desejo das pessoas de viverem de
acordo com o estado de direito. Sua crença em si mesmo como um povo não é
facilmente separável de sua compreensão do Tribunal investido com a autoridade para
decidir seus casos constitucionais e falar diante de todos os outros por seus ideais
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constitucionais.”
Para Waldron, essa relação exige dos juízes e tribunais que: a) suas decisões respeitem
o caráter da generalidade do direito, de modo a tratar os casos semelhantes de forma
igual, com a mesma resposta jurisdicional; b) o dever de fidelidade ao direito requer que
o juiz observe a voz do tribunal em detrimento de sua decisão individual; c) o princípio
da responsabilidade institucional pede o afastamento de distinções inconsistentes no
processo de aplicação do precedente judicial; d) a consistência e a previsibilidade do
direito inviabilizam mudanças frequentes e voluntárias do entendimento sobre o que seja
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o direito, tal como afirmado pelos tribunais.
Ao que parece, porém, a descrição antes realizada sobre a teoria dos precedentes, seus
fundamentos e objetivos, também demonstra o salto lógico realizado pelo Código de
Processo Civil ao enumerar – quase como se isso pudesse ser incorporado ao conceito de
“precedente” – um rol de decisões que são de observância compulsória (art. 927).
Como se verá a seguir, esse salto lógico – e, mais grave, o imenso risco que está por
detrás dessa opção – aparece na preocupação do legislador na disciplina dos
mencionados “precedentes do art. 927”, está na resolução do problema da litigiosidade
repetitiva no sistema judiciário, em como diminuir as demandas repetitivas, com o fim
de garantir maior celeridade no trâmite das ações. Esse tipo de preocupação, como
demonstrado, não é apto a justificar o precedente tampouco fornece material suficiente
para o desenho institucional adequado da prática de seguir precedentes, podendo, ao
contrário, deturpar totalmente a mecânica de aplicação daquele instituto. Daí a
necessidade de se distinguir a técnica do precedente, e suas operações metodológicas,
das técnicas de solução de casos repetitivos.
Bem vistos esses instrumentos, nota-se que a verdadeira intenção do legislador foi cindir
a competência para o julgamento dos casos repetitivos. Atribui-se a um determinado
órgão – tribunal de revisão ou tribunal superior – a competência para examinar a
questão de direito recorrente e ao juízo original a análise do restante da controvérsia.
Porque a questão de direito já estará resolvida, supõe-se que o tratamento dos casos
será idêntico, já que não haverá variação na interpretação do direito aplicável ao caso.
Supõe-se também que a previsibilidade gerada, em razão da decisão (com estabilidade
de coisa julgada) a respeito da questão de direito, possa frear a litigância de massa, já
que não haverá mais dúvida a respeito da orientação a ser tomada pelo Judiciário diante
daquela matéria.
Sem ainda ingressar na utilidade dessas técnicas, é importante frisar o quão distante
essa lógica está da teoria dos precedentes genuína. Todas essas técnicas, desenhadas
pelo código, trabalham com a premissa de que o Direito tem sentido unívoco, que
precisa apenas ser “revelado” pelos Tribunais. O Tribunal não contribui para a
construção do Direito; sua finalidade é apenas declarar ou desvelar o sentido já presente
na regra a ser interpretada. Por isso, dispensa-se a análise dos fatos, já que o Direito
pode ser encontrado apenas examinando “em abstrato” a(s) regra(s) e o(s) princípio(s)
a ser(em) aplicado(s). Diante disso, essas técnicas preocupam-se exatamente em
abstrair (e tornar irrelevantes) os fatos de cada caso, permitindo, de antemão, a criação
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de uma tese, a ser obrigatoriamente aplicada por todos os outros órgãos jurisdicionais.
Não é necessário muito esforço para notar a distância disso com a lógica que preside o
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sistema de precedentes anglo-americano.
Não parece haver dúvida de que a sistemática adotada aqui trabalha com a lógica da
coisa julgada sobre a solução da questão de direito e não com a racionalidade dos
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precedentes. Retira-se do magistrado original a atribuição para examinar a questão de
direito, oferecendo a sua solução ao tribunal. Decidida a questão, a vinculatividade de
que trata a lei não decorre, propriamente, de algum efeito próprio aos precedentes;
advém, claramente, do efeito positivo da coisa julgada, atrelado à falta de competência
do juízo original para decidir (ou “redecidir”) a matéria. Essa incompetência, aliás, é
expressamente consignada no art. 986, do código, que diz que a revisão da tese só pode
ser feita “pelo mesmo tribunal”, o que demonstra que os outros órgãos mantêm sua
competência para o exame de outras questões, porém não para a reapreciação da
questão de direito decidida.
Alguém dirá que a permissão, contida no art. 986, no sentido de que a decisão sobre a
tese jurídica possa ser revista é sinal de que não há coisa julgada aqui. Ao prever algo
semelhante à lógica da “superação” (overrulling), própria do regime dos precedentes,
alguém poderia imaginar que o tema tratado efetivamente se afasta da lógica da coisa
julgada. A objeção, porém, não procede e sua análise reafirma que a técnica em questão
nada tem a ver com a teoria dos precedentes judiciais.
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Precedentes e casos repetitivos: por que não se pode
confundir precedentes com as técnicas do CPC para
solução da litigância de massa?
Na verdade, ao contrário do que supõe uma leitura açodada daquele preceito, a revisão
da decisão tomada no incidente discutido não pode ocorrer apenas porque o tribunal
mudou de opinião a respeito da questão. Como adverte explicitamente o art. 927, § 4º,
do CPC (LGL\2015\1656), essa revisão necessariamente deve estar alinhada à
necessidade de preservação dos princípios da segurança jurídica, da proteção da
confiança e da isonomia. Se for assim, cabe a pergunta: pode o tribunal revisar a tese
firmada apenas com base de outra reflexão sobre o tema? Pode haver revisão da tese
sem que tenha ocorrido a modificação das circunstâncias – jurídicas – existentes ao
tempo da decisão? Pode subsidiar outra decisão (diferente) sobre o tema a apresentação
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de argumento diverso, não oferecido anteriormente?
Como afirmado no tópico 1 deste artigo, a técnica do precedente não tem como objeto
de preocupação a redução de processos idênticos na estrutura da administração da
justiça civil, de modo a emprestar eficiência no gerenciamento dos litígios repetitivos.
Claro que esse efeito pode e deve ser alcançado com o uso da técnica do precedente,
mas como consequência desse sistema e não como causa que o fundamenta. A
justificação do precedente, como tantas vezes já dito, está em oferecer racionalidade à
atividade decisória e, por conseguinte, legitimidade ao Poder Judiciário no desempenho
da jurisdição, que, nesse cenário, assume natureza criativa e responsiva. Ou seja, não é
importante o caráter repetitivo da demanda; basta um único caso para o uso do
precedente, ainda que sua chance de universalização seja mínima. Isso porque o que se
espera dessa técnica é a garantia de correção formal por meio da justificação racional da
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decisão, que possibilita um desenvolvimento coerente e igualitário do Direito.
Ou seja, porque os fatos relevantes de cada uma das causas a ser comparada são
fundamentalmente os mesmos, as razões de decidir também devem ser idênticas, o que
levará à mesma conclusão na aplicação do Direito. Se, porém, houver fatos relevantes
que sejam substancialmente diferentes, então as razões da decisão anterior tornam-se
inaplicáveis, autorizando o magistrado do novo caso a decidir de outra maneira. Será
que essa mesma lógica se aplica no caso do incidente de resolução de demandas
repetitivas? Pode um magistrado de 1º grau, alegando a diferença das circunstâncias
fáticas entre o caso julgado pelo tribunal e aquele sujeito à sua apreciação, recusar
aplicação à tese firmada no incidente de resolução de demandas repetitivas?
Considerando que a tese foi estabelecida sem consideração de qualquer tipo de fato, é
claro que esses fatos acabaram sendo desconsiderados para a formação da decisão, de
sorte que a invocação de fatos particulares se torna inútil para a mecânica criada pelo
código, ao menos segundo a lógica ali empregada.
Há quem afirme que a técnica trabalha com a lógica de fatos-tipo, ou seja, com uma
moldura fática previamente determinada e que apresente grau de abstração suficiente a
ponto de atingir todas as situações repetitivas. Por isso, segundo essa linha de
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interpretação, desde que satisfeita a subsunção das circunstâncias concretas a esse
fato-tipo, seria obrigatória a incidência da tese firmada no incidente ou em outras
técnicas de solução de casos repetitivos semelhantes.
fixada pelo tribunal superior nos processos em trâmite, prosseguindo, no entanto, o feito
para a aferição das demais questões postas em cada uma das causas.
Seria possível prosseguir na análise das técnicas criadas pelo código para a solução de
demandas repetitivas, demonstrando como elas se afastam da lógica e da finalidade da
teoria dos precedentes. Parece, porém, desnecessário seguir nesse caminho, pois está
suficientemente demonstrado que aquilo que a lei processual concebeu não está
alinhada com o que o regime anglo-americano concebeu sob o nome de “precedentes”, e
que foi reafirmado com as teorias da interpretação e da argumentação jurídica
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desenvolvidas a partir de meados do século XX.
Em conclusão a estas breves palavras, impõe-se notar o risco presente em supor que os
institutos concebidos pelo Código de Processo Civil estão relacionados ao modelo de
precedentes, tal como tradicionalmente conhecido pelos sistemas que os empregam,
notadamente os países anglo-americanos. Essa assimilação pode levar alguém a
acreditar que os instrumentos previstos pelo código dispensam maiores cautelas,
recebendo legitimidade da longa tradição existente em outros países.
Haverá quem suponha que a falta de identidade é irrelevante, já que seria totalmente
possível criar um sistema de precedentes “à moda brasileira”. Sem dúvida, não se nega
essa possibilidade. Porém, deve ficar claro que esse sistema criado não tem nada a ver
com a clássica finalidade da teoria dos precedentes, concebida há muito tempo em
países como a Inglaterra e os Estados Unidos. O sistema de precedentes
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Precedentes e casos repetitivos: por que não se pode
confundir precedentes com as técnicas do CPC para
solução da litigância de massa?
Aquilo que o Brasil criou é uma técnica processual de gestão de casos repetitivos,
permitindo que seu julgamento (ou melhor, parte dele) ocorra de uma só vez para todos
os processos (presentes e futuros). Se o sistema de precedentes genuíno está mais
ligado à teoria geral do Direito, porque envolve técnica que oferece coerência decisória e
segurança jurídica na interpretação do Direito, as ferramentas desenhadas no sistema
nacional são típicas questões processuais, porque estão preocupadas com a otimização
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do serviço judiciário na solução de demandas de massa.
E, nessa trilha, parece fácil enxergar que esses instrumentos, de um lado, dificilmente
cumprem com os objetivos a eles atribuídos e expressados na Exposição de Motivos do
Código de Processo Civil.
Sem dúvida, têm potencial para gerar uniformização no trato das questões de direito,
até mesmo pela vinculatividade decorrente da coisa julgada que ostentam. Porém, essa
uniformização raramente levará à redução da carga de demandas repetitivas presente
no cenário judiciário brasileiro. Isso porque todas as técnicas criadas pelo código –
súmulas (vinculantes ou não), recursos repetitivos, incidente de resolução de demandas
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repetitivas e incidente de assunção de competência – são incapazes de gerar efeitos
externos ao processo. Por outras palavras, os efeitos da decisão tomada só ocorrem
dentro de um processo já ajuizado. Assim, resolvida a questão (em favor ou contra o
litigante habitual), somente diante de outros processos, já ajuizados ou a serem
ajuizados, é que o “efeito vinculante” será sentido, o que implicará a necessidade de
ajuizamento de incontáveis outras demandas, para que as consequências do julgamento
“de massa” efetivamente repercutam para todos os envolvidos.
Embora não haja dados suficientes para fundamentar essa conclusão, ao que parece, os
instrumentos de solução de casos repetitivos contemplados pelo código só mostram
certa dose de eficiência em favor do litigante habitual. Quando a tese firmada – em
qualquer desses instrumentos – favorece o litigante habitual, há efetiva tendência de
redução da quantidade de litígios. É o que ocorreu, por exemplo, diante do julgamento
do tema 350, de repercussão geral, pelo Supremo Tribunal Federal, que concluiu que,
como regra geral, “a concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento
do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação
e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise”. Parece não
haver dúvida de que essa solução foi e vem sendo reiteradamente aplicada pelos
tribunais brasileiros, sem maiores questionamentos. Advogados e beneficiários
previdenciários, por outro lado, vêm seguindo essa orientação e raramente se vê hoje
demandas previdenciárias que não venham instruídas com a prova do prévio
requerimento administrativo.
No entanto, embora também não haja dados suficientes para essa conclusão, a
impressão que se tem é de que a situação é diferente quando a tese é firmada contra o
litigante habitual. Ao que parece, essas decisões não têm o impacto de inibir a
continuidade da litigância de massa, nem de obter do litigante habitual a resignação
quanto ao resultado da solução judicial. Talvez o caso mais paradigmático dessa situação
seja a solução dada ao caso dos expurgos inflacionários das décadas de 1980 e 1990,
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pelo Supremo Tribunal Federal.
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consumidores sofrerão descontos nos valores a que teriam direito, recebendo o
montante remanescente de forma parcelada, semestralmente. Além de excluir todos os
poupadores que não ajuizaram ações dentro do prazo prescricional, ou aqueles que
deixaram transitar em julgado eventuais decisões de improcedência, o acordo parece
claramente impor a força econômica dos bancos aos consumidores, já que, sem esses
acordos, provavelmente, os valores que lhes são devidos jamais seriam (ou serão)
recebidos.
Mais do que isso, a par da decisão de concretizar violação que repercuta de forma serial,
o litigante habitual também está mais habilitado a realizar estratégias – inclusive
processuais – para maximizar seus ganhos no universo de demandas eventualmente
instauradas. Assim, por exemplo, tem ele melhores condições de determinar quando e
em face de quem suscitar eventuais instrumentos de solução de questões repetitivas, de
avaliar as vantagens e as desvantagens de sugerir soluções autocompositivas para
certos litigantes ou de pensar em que caso deverá ser aplicada maior quantidade de
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recursos, pela sua repercussão frente aos demais litígios.
Por outro lado, não se pode esquecer que, para o litigante eventual – ou seja, para o
indivíduo titular de uma das demandas de massa – é absolutamente irrelevante a
consequência geral eventualmente decorrente do litígio serial. Por outras palavras: para
o indivíduo, litigante eventual, a formação ou não da decisão vinculante (para outros
casos) é indiferente, já que lhe interessa apenas a solução do seu específico caso. Já
para o litigante habitual, a existência de eventual decisão, com força vinculante, que
possa prejudicar seus interesses é algo certamente considerável, de sorte a influenciar
sua decisão de investir pesadamente nesse caso, assegurando-lhe, na melhor maneira
possível, a vitória nesse debate, até pelas consequências positivas que isso lhe gerará
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futuramente.
Todo esse panorama torna razoável concluir que os instrumentos concebidos pelo código
de processo civil para a solução de casos repetitivos – tais como as súmulas, os recursos
repetitivos ou o incidente de resolução de demandas repetitivas – não apenas se
afastam da lógica dos precedentes, mas ainda são instrumentos com clara vocação de
atender aos interesses precipuamente do litigante habitual, por mais contraditória que
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essa afirmação possa parecer.
De fato, como já visto, embora esses instrumentos tenham sido positivados com o
intuito de reduzir a carga de trabalho do Poder Judiciário nacional, diminuindo a
quantidade de casos repetitivos, a própria sistemática de atuação dessas ferramentas
acaba por exigir que se ingresse em juízo para que alguém possa beneficiar-se de
eventual solução favorável.
Sob outra perspectiva, a previsibilidade gerada, para estes litigantes, com tese já
firmada em outro caso, também implica vantagens questionáveis. Inicialmente, como
dito, não gera nenhuma vantagem para o(s) caso(s) em que suscitada a técnica de
solução de caso repetitivo que, ao contrário, acabará suportando custos extraordinários
com a condução desse incidente. Em segundo lugar, para os demais litigantes (não
habituais), haverá sempre os custos próprios de qualquer demanda judicial,
eventualmente somados à demora inerente ao tempo necessário para a solução do “caso
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paradigma”. Além disso, e não obstante algumas vantagens processuais dadas diante
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da presença de tese já firmada, a simples necessidade de ajuizar demanda judicial já
pode implicar significativos obstáculos para as vítimas da lesão serial. Com efeito, a
pequena expressão econômica da demanda individual, a dificuldade de acesso a provas e
até mesmo a variabilidade das circunstâncias de fato, podem simplesmente inutilizar
eventual vantagem decorrente da fixação da tese repetitiva.
Diante disso, parece que, realmente, o maior favorecido com as técnicas do código para
a solução de casos de massa seja o litigante habitual. Ele é o destinatário das vantagens
anteriormente já indicadas, sendo o único a quem sempre interessará a solução
destacada da questão de direito de massa.
Por todas essas razões, são discutíveis e criticáveis as técnicas concebidas pelo código a
título de precedentes.
Outros instrumentos teriam muito maior habilidade para trabalhar com a litigância de
massa, bastando pensar na ação civil pública ou na técnica de aglutinação, que pode ser
desenvolvida a partir do art. 69, § 2º, do CPC (LGL\2015\1656). Essas técnicas, sem
dúvida, têm maior potencial para operar legitimamente com demandas de massa,
sobretudo quando bem aplicadas e adequadamente acolhidas pela prática judiciária. É
verdade que a jurisprudência brasileira é muitas vezes refratária à tutela coletiva de
casos repetitivos. A solução para esse equívoco, porém, não pode ser o simples
abandono de instrumento que foi especificamente concebido para essa finalidade. Há de
ser, sim, a readequação da jurisprudência, dando a essa forma de processo, de status
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constitucional, lastro para que possa desenvolver sua vocação específica.
Em conclusão, parece ter ficado claro que os instrumentos do código não têm nenhuma
relação com a verdadeira teoria dos precedentes judiciais. São coisas distintas, cuja
operatividade exige avaliação detalhada de seus limites e possibilidades constitucionais,
já que implicam patente restrição a garantias como o contraditório, o acesso à Justiça e
o devido processo legal.
Isso tudo, porém, não exclui a possibilidade de que o Brasil adote – e com muito ganho
– a teoria desenvolvida nos sistemas anglo-americanos de precedentes. A unidade, a
coerência e a previsibilidade do Direito são valores relevantes para qualquer país, sendo
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Precedentes e casos repetitivos: por que não se pode
confundir precedentes com as técnicas do CPC para
solução da litigância de massa?
1 Caso contrário, a resposta jurisdicional dada aos litigantes, ali situados em sua frente,
será a de um governo de homens, e não efetivamente a de um governo de direito, que
tem por objetivo realizar a justiça formal, ao menos na dimensão procedimental do
Estado. Como argumenta MacCormick “as razões que divulgam ao público para suas
decisões devem ser razões que (desde que sejam levadas a sério) [...] demonstrem que
suas decisões garantem a ‘justiça de acordo com a lei’, e que sejam pelo menos nesse
sentido razões justificatórias” (MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do
direito. Trad. Waldéia Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 21).
2 De acordo com a visão cooperativa do processo civil desenhada a partir dos direitos
fundamentais processuais, ver, por todos, MITIDIERO, Daniel. A colaboração no processo
civil. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015. passim.
arbitrariedade do direito. Em suas palavras: “Since the courts remain the final arbiters of
law, if courts did not use a replicable process of reasoning the profession could not give
reliable legal advice in planning and dispute-settlement, and planning and
dispute-settlement on the basis of law would be frustrated. [...]. If the courts employed
one set of criteria for selecting relevant social propositions in some cases and a wholly
different set of criteria in others, judicial reasoning would become non replicable unless
there were clear principles that controlled which criteria were used in which cases”
(EINSEBERG, Melvin. The Nature of the Common Law. Cambridge: Harvard University
Press, 1998. p. 11-12).
7 Cf., WALDRON, Jeremy. Stare decisis and the Rule of Law: a layered approach. NYU
School of Law, Public Law Research Paper, n. 11-75. Disponível em:
[http://ssrn.com/abstract=1942557]; FEREJOHN, John. Judicializing politics, politicizing
law. Law and Contemporary Problems, [S.l.], v. 65, p. 41-68, 2002; PASQUINO,
Pasquale. Le autorità non elletive nelle democrazie. Il Mulino- Rivisteweb, [S.l.], n. 4,
luglio-agosto, p. 596-604, 2001; PASQUINO, Pasquale. Votare e deliberare. Filosofia
Politica, [S.l.], n.1, p. 103-114, 2006; PASQUINO, Pasquale. Il giudice e il voto. Il
Mulino, fascicolo 5, [S.l.], settembre-ottobre, p. 803-812, 2003; ISSACHAROFF, Samuel.
The majoritarian threat to democracy: Constitutional courts and the democratic pact. In:
ELSTER, Jon; NOVAK, Stephanie (Ed.). Majority decisions: principles and practice. New
York: Cambridge University Press, 2014. p. 236-256; GRIMM, Dieter. Constitutional
adjudication and democracy. Israel Law Review, Cambridge, v. 33, p. 193-215, 1999.
8 Melvin Eisenberg, ao tratar da função social dos tribunais, afirma que aos tribunais
compete o exercício de duas funções, a de resolver disputas jurídicas e a de enriquecer o
estoque das regras jurídicas (enriching the supply of legal rules), sendo que essa
segunda função deve ser desenvolvida pelos tribunais como uma obrigação a ser
observada, embora essa função ocorra mesmo nos contextos em que os tribunais
assumem a única função de resolver disputas privadas. De acordo com o Professor
norte-americano: “it is socially desirable that the courts should act to enrich the supply
of legal rules that govern social conduct - not by taking on lawmaking as a free-standing
function but by attaching much greater emphasis to the establishment of legal rules than
would be necessary if the courts sole function was the resolution of disputes […]. Under
the enrichment model, in contrast, the establishment of legal rules to govern social
conduct is treated as desirable in itself – although subordinated in a variety of important
ways of dispute-resolution – so that the courts consciously take on the function of
developing certain bodies of law, albeit on a case-by-case basis” (EINSEBERG, Melvin.
The nature of common law, ob. cit., p. 05-07). Esse modelo de função requer que as
regras jurídicas definidas sejam tratadas como vinculantes para os futuros casos
semelhantes. Nesse sentido, a proposta normativa defendida por Daniel Mitidiero, com o
argumento do duplo discurso a partir da decisão judicial, no contexto normativo das
Cortes Supremas, ver, MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e cortes supremas..., ob.
cit., passim.
svoltosi a Perugia il 5-6 maggio 2000. Centro Studi Giuridici e Politici della Regione
Umbria. Centro Internaionale Magistrati “Luigi Severini”. Milão: Giuffrè Editore, 2001. p.
35-50; KERAMEUS, Konstantinos. Corti supreme a confronto: stato delle cose e linee
evolutive. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedure Civile, Milano, anno LIII, p. 143-148,
1999.
14 Cf. PASQUINO, Pasquale. Le autorità non elletive nelle democrazie, ob. cit., passim;
PASQUINO, Pasquale. Votare e deliberare, ob. cit., passim; PASQUINO, Pasquale. Il
giudice e il voto, ob. cit., p. 803-812.
15 Para o estudo específico das teorias anglo-americanas que debatem sobre o conceito
de precedente judicial e seus elementos, como ratio decidendi e obter dictum, v.
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2017.
passim.
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Precedentes e casos repetitivos: por que não se pode
confundir precedentes com as técnicas do CPC para
solução da litigância de massa?
20 Tradução livre de: “There is [...] a point beyond which frequent overruling would
overtax the country's belief in the Court's good faith [...] If that limit should be
exceeded, disturbance of prior rulings would be taken as evidence that justifiable
reexamination of principle had given way to drives for particular results in the short
term. The legitimacy of the Court would fade with the frequency of its vacillation [...]
Like the character of an individual, the legitimacy of the Court must be earned over time.
So, indeed, must be the character of a Nation of people who aspire to live according to
the rule of law. Their belief in themselves as such a people is not readily separable from
their understanding of the Court invested with the authority to decide their constitutional
cases and speak before all others for their constitutional ideals.” (Planned Parenthood v.
Casey, 505 U.S. 833 (1992), p. 866, 868).
22 WALDRON, Jeremy. Stare Decisis and the Rule of Law, ob. cit., passim.
23 Nesse sentido, a Exposição de Motivos do Código de Processo Civil não deixa dúvidas.
Afirma ela: “Criou-se o incidente de julgamento conjunto de demandas repetitivas, a que
adiante se fará referência. Por enquanto, é oportuno ressaltar que levam a um processo
mais célere as medidas cujo objetivo seja o julgamento conjunto de demandas que
gravitam em torno da mesma questão de direito, por dois ângulos: a) o relativo àqueles
processos, em si mesmos considerados, que, serão decididos conjuntamente; b) no que
concerne à atenuação do excesso de carga de trabalho do Poder Judiciário – já que o
tempo usado para decidir aqueles processos poderá ser mais eficazmente aproveitado
em todos os outros, em cujo trâmite serão evidentemente menores os ditos “tempos
mortos” (= períodos em que nada acontece no processo). Por outro lado, haver,
indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito
da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações
idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões
judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera
intranquilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade. Prestigiou-se,
seguindo-se direção já abertamente seguida pelo ordenamento jurídico brasileiro,
expressado na criação da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) e do
regime de julgamento conjunto de recursos especiais e extraordinários repetitivos (que
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confundir precedentes com as técnicas do CPC para
solução da litigância de massa?
24 É curioso notar como essas técnicas aproximam-se de uma ótica que vê nos tribunais
aquilo que Daniel Mitidiero denomina de “Cortes Superiores”. Segundo o autor, o papel
tradicionalmente desempenhado por esses tribunais caracteriza-se por “do ponto de
vista de seus pressupostos teóricos, a Corte Superior apenas declarar uma norma
pré-existente ao decidir e, a duas, do ponto de vista de sua função, encontrar-se
pré-ordenada tão somente para o controle da legalidade das decisões judiciais mediante
recurso da parte interessada” (MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas
..., ob. cit., p. 58). Prossegue o autor, dizendo que “a teoria cognitivista da interpretação
pressupõe a existência de um significado normativo unívoco incorporado ao texto
legislativo, sendo função da jurisdição apenas declará-lo visando à disciplina do caso
concreto” (ob. loc. cit.). E, enfim, sobre a irrelevância dos fatos para essa atividade,
conclui o autor que “a limitação da cognição da Corte Superior às questões de direito
conjugada com a circunscrição da verdadeira decisão judicial à parte dispositiva acarreta
a neutralização da importância das questões de fato na composição do caso concreto e,
portanto, no quadro geral da atividade forense, e a neutralização da importância da
fundamentação das decisões judiciais como verdadeiro juízo sobre questões
fático-jurídicas. Essa dupla neutralização revela-se tanto na tendência à compreensão da
jurisprudência à luz tão somente do resultado do julgamento da causa como na sua
condensação em enunciados abstratos redigidos sem qualquer alusão ao contexto fático
que deu lugar à solução da causa – de que exemplos notórios as máximas italianas, os
assentos portugueses e as súmulas brasileiras” (MITIDIERO, Daniel. ob. cit., p. 59).
25 Nessa linha, sobre a formação e relação dos precedentes judiciais com questões de
fato e de direito no sistema jurídico anglo-americano, v. MACCORMICK, Neil. Retórica e o
Estado de Direito, ob. cit., p. 191-212; MACCORMICK, Neil. The significance of
precedent, ob. cit., p. 174-187; SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer, ob. cit., p.
35-61 e 85-103; SCHAUER, Frederick. Precedent, op. cit., p. 571-604; WALDRON,
Jeremy. Stare decisis and the Rule of Law, ob. cit., passim.
26 A técnica da suspensão nacional em IRDR foi acolhida, pela primeira vez, pelo
Superior Tribunal de Justiça, em face de pedido protocolado contra decisão tomada no
bojo do IRDR admitido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos termos da
decisão monocrática proferida pelo Min. Paulo de Tarso Sanseverino, presidente da
Comissão Gestora de Precedentes do Superior Tribunal de Justiça, em 21.06.2017. No
mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, na petição 7.001, ajuizada pela União
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confundir precedentes com as técnicas do CPC para
solução da litigância de massa?
29 Em regra, costuma-se afirmar que a coisa julgada está sujeita a limites temporais,
cingindo-se a determinado momento histórico, de modo que a modificação do estado de
fato ou de direito presente no julgamento afasta a coisa julgada, autorizando novo
enfrentamento da controvérsia. Embora controversa a ligação dessa temática com os
ditos limites temporais da coisa julgada (v., sobre isso, MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu.
Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p. 198-200), é fato que as
circunstâncias de fato e de direito, porque determinantes para a configuração da causa
de pedir, são essenciais para determinar o alcance dos limites objetivos da coisa julgada.
Aqui no texto, porém, toma-se como premissa que a modificação do estado de fato da
controvérsia é irrelevante – ao menos para a lógica criada pelas técnicas estudadas. Isso
porque, se esses instrumentos de solução de casos repetitivos abstraem os fatos,
submetendo ao tribunal apenas a análise da questão de direito (como se isso fosse
possível), resta como conclusão inafastável a ideia de que a modificação dos fatos, seja
ela presente ou futura, é absolutamente irrelevante para a aplicação “vinculante” da tese
firmada. É fato que essa modificação fática pode ser tão radical a ponto de excluir
qualquer possibilidade de aplicação da tese firmada. Pense-se, por exemplo, em uma
tese firmada no âmbito do Direito do Consumidor, sendo que o caso a ser julgado
apresenta fatos que excluem a possibilidade de caracterizar aquela relação jurídica
específica como de consumo. Porém, nesse caso, o que se terá, na verdade, é a
incidência de outro regime jurídico para a causa, diante do enquadramento da situação
(mesmo tomada em tese) em outro campo de normatividade. A técnica, aqui, está mais
para a “escolha” da legislação aplicável do que para a imposição de unidade na
interpretação e aplicação do Direito. A distinção empregada no Brasil, portanto, não
considera especificamente a identidade de fatos de cada caso concreto; considera a tese
firmada como “regra em tese”, permitindo o seu afastamento simplesmente quando a
tese não se referir ao modelo fático (também considerado em tese) abstrato
apresentado no caso concreto.
questão da identidade entre os casos para a aplicação da ratio decidendi, de modo que
toda operação interpretativa de manejo dos precedentes principia com o argumento por
analogia, ou seja, de cotejo analítico entre os casos (passado e presente) para verificar a
justificação do argumento por precedente. Essa operação de aplicação dos precedentes
se deve justamente pela dificuldade em se definir casos como idênticos, notadamente,
quando se leva em consideração as questões de fato. Sobre o ponto, ver SCHAUER,
Frederick. Thinking like a lawyer...op. cit., p. 61-124 e p. 203-2019, e SCHAUER,
Frederick. Why precedent in law (and elsewhere) is not totally (or even substantially)
about analogy. Perspectives on Psychological Science, University of Missouri, v. 3, n. 6,
p. 454-460, 2008. No mesmo sentido, ver, MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 327 e ss.
36 Nessa mesma linha, aponta Eduardo Lamy que “quando se extirpa a base factual,
criando uma regra geral e abstrata, o processo de se encontrar semelhanças e
diferenças é destituído e, contrariando o sustentado por Schauer, isso dará ao futuro juiz
muito mais espaço para diferentes caracterizações. Em outras palavras, o caráter
genérico e abstrato não permite a construção de analogias e, consequentemente, sobre
quais novos casos pode ser o precedente aplicado ou não, dando margem maior ao
protagonismo e subjetivismo do juiz superveniente” (LAMY, Eduardo de Avelar. Ob. cit.,
p. 126). E conclui o mesmo autor, dizendo que “um tribunal simplesmente não pode
prever – como um vidente – o que acontecerá antes que efetivamente aconteça, ou seja,
quais serão os fatos dos próximos casos e, principalmente, em que grau sejam eles
distinguíveis ou não do caso julgado” (LAMY, Eduardo de Avelar. Ob. cit., p. 128).
37 V., sobre isso, TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 2. ed.
Salvador: JusPodivm, 2017. passim.
38 Semelhante é a crítica apresentada por Marcelo Abelha Rodrigues, que diz que “o
exercício mental de distinção e a superação daquele que aplicar o texto legislado pelos
tribunais (enunciados ou súmulas) não será feita de caso concreto para caso concreto
como é num sistema de precedentes que se fortalece justamente pela lenta e gradual
análise do julgado futuro com o passado. Pelo contrário, será feita (distinção e
superação) em torno de um texto abstrato e, portanto, fruto de uma interpretação de
um texto normativo como qualquer outros que, como tal, submete-se ao mesmo regime
jurídico de um texto normativo. [...] As particularidades dos fatos que envolvem o
precedente não poderão ou não conseguirão ser abstratizados, embora tais fatos sejam
sempre importantes para a forção de sua ratio decidendi. Ora, se estas particularidades
são essenciais na operação do raciocínio analógico para julgar o presente com base no
passado evitando decisões contraditórias para situações concretas comparadas, então o
que se esperar do julgamento de um caso concreto a partir da interpretação de um texto
normativo (judicial) onde a fattispecie é abstrata? Vários sentidos, várias interpretações
descoladas com as particularidades dos casos concretos que ali não estão em moldura
abstrata” (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Fundamentos da tutela coletiva. Brasília:
Gazeta Jurídica, 2017. p. 229).
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confundir precedentes com as técnicas do CPC para
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39 Por todos, acerca dos principais elementos que identificam e distinguem as teorias da
argumentação jurídica, ver ATIENZA, Manuel. Las razones del derecho: teorias de la
argumentación jurídica. México: Universidad Autonoma de México, 2005. passim. Com
relação às teorias da interpretação jurídica, a relevância dos precedentes para a teoria
do direito, cf. CHIASSONI, Pierluigi. The philosophy of precedente: conceptual analysis
and rational reconstruction. In: BUSTAMANTE, Thomas; PULIDO, Carlos Bernal (Ed.). On
the philosophy of precedent: the 24th World Congress of the International Association
for Philosophy of Law and Social Philosophy, Beijing, 2009. Proceedings... Stuttgart:
Franz Steiner Verlag, 2012. v. 3. p. 13-34. Ainda, ver, MITIDIERO, Daniel. Precedentes
..., op. cit., p. 21-69.
40 Como corretamente lembram Humberto Theodoro Jr., Dierle Nunes, Alexandre Melo
Franco Bahia e Flávio Quinaud Pedron, oferecendo crítica semelhante à apresentada no
texto, “o precedente no common law é um ponto de partida, quando de modo recorrente
entre nós é visto como ponto de chegada” (THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle.;
BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e
sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 349.
repercussão geral, Min. Dias Toffoli; RE 591797, Tema 265 da repercussão geral, Min.
Dias Toffoli; RE 631363, Tema 284 da repercussão geral, Min. Gilmar Mendes; RE
636212, Tema 285 da repercussão geral, Min. Gilmar Mendes), e posta para discussão
também na ADPF 165.
47 Salvo para valores inferiores a R$ 5.000,00, que deverão ser pagos à vista, tão logo
realizada a habilitação do interessado.
48 Nos termos do acordo homologado na ADPF 165, pelo Plenário do Supremo Tribunal
Federal, por unanimidade, em 01.03.2018.
51 V., nesse sentido, GIUSSANI, Andrea. “The ‘Verbandsklage’ and the class action: two
models for collective litigation”. In: STORME, Marcel (Ed.). Procedural law in Europe:
towards harmonization. Antuérpia: Maklu, 2003. p. 395.
54 De fato, examinando o código de processo civil, vê-se que a lei, havendo tese já
firmada com o emprego das técnicas em debate, autoriza a concessão de tutela da
evidência (art. 311, II, do CPC), permite a rejeição liminar da petição inicial (art. 332, do
CPC), exclui a possibilidade de reexame necessário (art. 496, § 4º, do CPC), dispensa
em certos casos a caução para o cumprimento provisório da sentença (art. 521, IV, do
CPC), autoriza o julgamento monocrático de recursos (art. 932, IV e V, do CPC) e pode
inviabilizar eventual admissão de recurso especial ou extraordinário (art. 1.040, do CPC).
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Precedentes e casos repetitivos: por que não se pode
confundir precedentes com as técnicas do CPC para
solução da litigância de massa?
55 V., sobre isso, ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela..., ob. cit., passim. OSNA, Gustavo.
Direitos individuais homogêneos. São Paulo: Ed. RT, 2014. passim. Compartilhando com
a crítica apresentada no texto, v., RODRIGUES, Marcelo Abelha. Fundamentos..., ob.
cit., p. 107 e ss., com especial ênfase nas p. 128-130.
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