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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

BRUNA CAROLINE OTTOBELLI

A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PELA MÍDIA


NOS CRIMES DE REPERCUSSÃO SOCIAL

Francisco Beltrão – PR
2019
BRUNA CAROLINE OTTOBELLI

A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PELA MÍDIA


NOS CRIMES DE REPERCUSSÃO SOCIAL

Monografia apresentada como pré-


requisito de conclusão do curso de
Bacharelado em Direito, da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná.
Orientador: Prof. Me. Paulo Mário
Canabarro Trois Neto.

Francisco Beltrão – PR
2019
BRUNA CAROLINE OTTOBELLI

A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PELA MÍDIA


NOS CRIMES DE REPERCUSSÃO SOCIAL

Monografia apresentada como requisito


parcial para obtenção do grau de Bacharel
no Curso de Graduação em Direito, da
Universidade Estadual do Oeste do
Paraná, sob apreciação da seguinte banca
examinadora:

Aprovada em 04 de julho de 2019.

Prof. Me. Paulo Mário Canabarro Trois Neto.

Prof. Dra. Silvia de Freitas Mendes.

Prof. M Ia C. S. P. Batista.
Aos meus amados pais. Vocês são a razão de tudo.
O término e entrega do trabalho de conclusão de curso é a ocasião em que
nós, acadêmicos, nos damos conta que o curso está acabando e refletimos sobre tudo
o que passamos para chegar até aqui: todos os medos, as angústias, as esperanças.

Não poderia deixar de demonstrar minha gratidão a todos aqueles que me


estenderam a mão e tornaram o caminho menos árduo.

Agradeço a Deus: pela vida e por todos que foram colocados no meu
caminho e que me apoiaram ou me ensinaram algo.

Agradeço aos meus pais, Ivécio e Silvani, por toda a confiança depositada
em mim, por toda a compreensão que sempre tiveram, e, principalmente, pelo amor
incondicional.

Às minhas irmãs, Gabriele e Fernanda, tão amigas e companheiras,


obrigada por dividirem a vida comigo e me apoiarem sempre.

Aos meus tios, Silmara e Néris, por todo carinho e pelo auxílio prestado
para que a minha formação acadêmica fosse possível.

Aos professores, que compartilharam conhecimento e foram essenciais na


minha trajetória, com especial carinho ao professor Paulo, que me orientou nessa
pesquisa.

Aos meus amigos Winicius, João, Isabela, Helena, Anaíse, Pietro, Thais,
Gustavo: sou grata pelas conversas diárias, pela amizade de longa data. Minha vida
é mais alegre e fácil por ter vocês.

Aos meus colegas de curso, Bárbara, Fernando, Gustavo, Isis, Larissa,


Maria, Maira, Mauren, pelos desesperos compartilhados, pelas manhãs de sol nos
banquinhos, pela amizade que ultrapassou os portões da faculdade. Vocês tornaram
tudo mais leve.
“O que se conta, nestas páginas, é a
parte mais bela e importante de toda a
História: a revelação de que todos os
seres humanos, apesar das inúmeras
diferenças biológicas e culturais que os
distinguem entre si, merecem igual
respeito, como únicos entes do mundo
capazes de amar, descobrir a verdade e
criar a beleza. É o reconhecimento de
que, em razão dessa radical igualdade,
ninguém – nenhum indivíduo, gênero,
etnia, classe social, grupo religioso ou
nação – pode afirmar-se superior aos
demais.” (Fábio Konder Comparato)
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é analisar a prática de atos ilegais pelos meios de
comunicação de massa na divulgação de práticas tipificadas como crime no
ordenamento jurídico pátrio e que resultem na violação aos direitos do suposto autor
do fato delituoso - notadamente da sua presunção de inocência, que é um direito
fundamental previsto no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988.
Possuindo os direitos fundamentais eficácia não apenas vertical – entre cidadão e
Estado -, mas também horizontal – entre entes privados -, a imprensa deve atuar no
exercício da atividade midiática observando as garantias inerentes ao investigado,
acusado ou réu em processo penal. Ademais, os direitos fundamentais possuem dupla
função, que além de garantir a não intervenção do Estado, também permite que se
exija sua atuação para que promova políticas com a finalidade de assegurar a
efetividade dos direitos fundamentais. Entretanto, os meios de comunicação no Brasil
não possuem qualquer limitação legal para o exercício da atividade, sendo
consagrado no artigo 5º, inciso IV da Carta Maior a liberdade de expressão. Da análise
realizada na presente pesquisa, constata-se que não raramente a veiculação de
notícias sobre a ocorrência de delitos é realizada com abusividade e desrespeito aos
direitos constitucionalmente assegurados ao indivíduo suspeito da autoria do crime.
Tal exposição resulta na condenação pública do indivíduo, que é considerado culpado
pela sociedade antes de uma sentença condenatória proferida pelo Poder Judiciário.
Sendo considerado culpado antes de uma sentença condenatória transitada em
julgado e proferida por um juiz competente, ao investigado, acusado ou réu
condenado pela opinião pública recaem consequências gravemente prejudiciais, cuja
extensão do dano pode perdurar por toda a vida do indivíduo e surtir efeitos em sua
vida pessoal e profissional. Assim, busca-se uma solução para a conflito de direitos
fundamentais, fazendo-se uso de técnicas de ponderação. Por fim, trata-se da
possibilidade de, após ocorrida a violação de direito fundamental de um suspeito da
autoria de um crime, o ente midiático ser responsabilizado civilmente por danos
morais, conforme previsão do artigo 5º, inciso V da Constituição Federal. Ressalta-se
que o presente trabalho defende uma limitação de atuação aos meios de comunicação
quando seu livre exercício puder resultar em danos de grande extensão aos indivíduos
envolvidos. Não se trata de proibir a mídia de divulgar informações sobre a ocorrências
delituosas, mas fazê-lo com responsabilidade e com respeito as garantias
constitucionalmente asseguradas aos cidadãos
Palavras-chave: Direito Penal. Fundamentais. Mídia. Presunção de Inocência.
Violação.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................... 08
1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS....................................................... 10
1.1 Características e Estrutura dos Direitos Fundamentais......................... 13
1.2 Classificação dos Direitos Fundamentais e Sua Dupla Função............ 16
1.3 Da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais................................ 19
1.4 Dos Direitos do Acusado no Processo Penal........................................ 24
a) Da Dignidade da Pessoa Humana......................................................... 24
b) Do Devido Processo Legal.................................................................... 25
c) Do Direito à Integridade Moral............................................................... 26
d) Do Princípio da Presunção de Inocência............................................... 25
2 DA ATUAÇÃO DA MÍDIA NO PROCESSO PENAL............................ 33
2.1 Desenvolvimento dos Meios de Comunicação no Brasil....................... 33
2.2 Da Informação, Mídia e dos Meios de Comunicação............................ 36
2.3 Da Atuação da Mídia Diante do Princípio da Presunção de 40
Inocência................................................................................................
2.4 Análise de Casos................................................................................... 45
a) Caso Escola Base.................................................................................. 46
b) Caso “Bar Bodega”................................................................................ 48
c) Caso Nardoni......................................................................................... 52
3 PONDERAÇÃO ENTRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E 56
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.............................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 71
REFERÊNCIAS..................................................................................... 73
8

INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada em 1988,


no contexto dos movimentos neoconstitucionalistas, visando a promoção e
preservação dos direitos fundamentais. Tratando-se de uma constituição garantista,
estão nela inseridas inúmeras disposições que asseguram proteção aos direitos dos
indivíduos, estando, entre elas, o princípio da presunção de inocência.
Contudo, esse princípio é, inúmeras vezes, violado pela mídia,
notadamente em casos de grande repercussão social.
Embora a liberdade de imprensa também esteja assegurada na
Constituição Federal, é necessário analisar a forma como os meios de comunicação
comportam-se frente a crimes que repercutem na sociedade.
A divulgação de informações sobre crimes e o andamento das
investigações, por um lado, incentiva o Estado a dar uma resposta penal à sociedade
de maneira correta e transparente, sem demora excessiva nem arbitrariedades das
instâncias formais de controle.
Entretanto, não raro, essa divulgação causa danos ao acusado, que vê
violadas inúmeras garantias que deveriam ser observadas em um Estado
Democrático de Direito, comprometido com a preservação da vida privada dos
cidadãos e com observância do presunção de inocência.
Partindo de tais premissas, o presente trabalho tem como objetivo analisar
os limites e possibilidades de atuação dos meios de comunicação na cobertura de
crimes e das medidas tomadas para a aplicação da lei penal, em particular sobre a
observância da condição de inocente do investigado ou acusado.
Insta ressaltar que a exposição realizada pelos entes midiáticos daquele
investigado ou acusado de uma conduta tipificada como crime antes de existir uma
sentença condenatória baseada em elementos probatórios robustos pode resultar em
prejuízos irreversíveis ao indivíduo, que jamais retomará sua vida em sociedade com
normalidade.
Diante disso, faz-se imprescindível conceder maior atenção ao problema,
analisando-se possíveis formas de solucionar o conflito de direitos fundamentais.
Para tanto, será estudado no primeiro capítulo o conceito e surgimento dos
direitos fundamentais, suas características, estrutura, classificação e eficácia, tendo
em vista que tanto a presunção de inocência quando a liberdade de expressão são
9

direitos consagrados como fundamentais, sendo imprescindível um estudo mais


aprofundado sobre a matéria.
Dentro do mesmo capítulo será tratado ainda dos demais direitos do
acusado no processo penal, com ênfase naqueles que constantemente entram em
conflito com o exercício da atividade midiática.
O segundo capítulo, por sua vez, irá se atentar ao estudo da mídia, o
contexto histórico em que surgiu, as legislações que regem a atividade, tanto no Brasil
como no direito comparado, além de discorrer acerca das garantias asseguradas para
o seu exercício.
Ainda, serão analisados casos emblemáticos em que a atuação da
imprensa se deu de forma irresponsável e antijurídica, demonstrando-se a efetiva
violação a tais direitos praticadas pela mídia.
Após as referidas considerações, o terceiro capítulo abordará as possíveis
soluções para tal conflito, de modo que ambos os direitos em colisão sejam sopesados
e haja uma limitação daquele cujos prejuízos sejam de menor extensão.
Por fim, tratar-se-á da possibilidade de pleitear-se indenização por danos
morais decorrentes da exposição do indivíduo investigado ou acusado de uma prática
delituosa como autor do crime, e o entendimento dos tribunais pátrios em casos
análogos.
Utilizou-se no presente trabalho o método dedutivo, partindo-se de uma
premissa maior para uma premissa menor, embasando-se em entendimentos
doutrinários, pesquisas bibliográficas e materiais acadêmicos pertinentes.
10

DESENVOLVIMENTO

1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Podemos conceituar os direitos fundamentais como os direitos do homem


transformados em direitos positivos. São os direitos humanos objetivamente vigentes
em uma ordem jurídica.
Nesse sentido, leciona Fábio Konder Comparato:
É aí que se põe a distinção, elaborada pela doutrina jurídica germânica, entre
direitos humanos e direitos fundamentais (Grundrechte). Estes últimos são os
direitos humanos reconhecidos como tais pelas autoridades às quais se
atribui o poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto
no plano internacional; são os direitos humanos positivados nas Constituição,
nas leis, nos tratados internacionais. Segundo outra terminologia, fala-se em
direitos fundamentais típicos e atípicos, sendo estes os direitos humanos
ainda não declarados em textos normativos. (COMPARATO, 2010, p. 70-71)

Canotilho explica que “[...] sem essa positivação jurídica, os direitos do


homem são esperanças, aspirações, ideias, impulsos, ou, até, por vezes, mera
retórica política”. (CANOTILHO, 2003, p. 377)
Entretanto, se faz necessário analisar, historicamente, como surgiu o
entendimento de que haviam direitos inerentes ao homem pela simples qualidade de
homem.
A compreensão da dignidade humana teria surgido pela reflexão diante da
dor física e sofrimento moral aplicado a outros seres humanos no curso da História e
pelas descobertas científicas e/ou invenções técnicas que impulsionaram o
capitalismo e, consequentemente, uma ordem jurídica fundada na segurança e
proteção contra arbitrariedades. Vejamos:
[...] a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e seus direitos,
no curso da História, tem sido, em grande parte, fruto da dor física e do
sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam,
horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de
seus olhos; e o remorso pelas torturas, pelas mutilações em massa, pelos
massacres coletivos e pelas explorações aviltantes faz nascer nas
consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida
mais digna para todos. (COMPARATO, 2010, p. 50)

No período conhecido por Idade Média essa ideia de reconhecimento de


direitos comuns a todos os indivíduos, independentemente de sua condição social –
clero, nobreza ou povo – ganhou força, tendo em vista que fora um período de grande
evolução social que, conforme explica Fábio Konder Comparato, “exigia um mínimo
11

de segurança e certeza na vida dos negócios, o que supunha a necessária limitação


do tradicional arbítrio do poder político.”. Foi nesse período que começou a nascer o
ideal do direito à liberdade dos indivíduos, com a possibilidade de desvinculação dos
feudos e a ascensão dos burgos novos – cidades comerciais, onde os habitantes se
dedicavam ao comércio e produção artesanal. (COMPARATO, 2010, p. 59-60)
Outro fator importante para o reconhecimento dos direitos humanos foram
as invenções técnicas relevantes, como o relógio mecânico, as caravelas e o uso de
bússolas, bem como as inovações comerciais, como a letra de câmbio, as sociedades
comerciais e o contrato de seguro marítimo. Isso tudo contribuiu para a expansão do
capitalismo, com a ocorrência da Revolução Industrial no século XVIII.
(COMPARATO, 2010, p. 60)
No final do século XVII, em 1689, foi promulgada a Declaração de Direitos,
originalmente denominada Bill of Rights, e considerada até os dias atuais como um
dos mais importantes textos em defesa dos direitos fundamentais do Reino Unido,
juntamente com a Petição de Direitos, de 1628 e o Habeas Corpus Act, de 1679.
(TAVARES, 2012, p. 486)
A mais importante disposição do referido documento foi a
institucionalização da separação dos poderes, tendo ainda afirmado alguns direitos
fundamentais - como o direito à proibição de penas não usuais e/ou cruéis e o direito
de petição, que permanecem até hoje no texto das Constituições modernas.
O século XVIII foi o período em que nasceram, efetivamente, os direitos
fundamentais, com a positivação dos direitos humanos na Declaração de Direitos de
Virgínia publicada em 16 de junho de 1776, que, em seu artigo I, assim dispôs:
Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e
independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao
entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de
pacto, privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruição
da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir a
propriedade de bens, bem como de procurar e obter a felicidade a
segurança.

Outro documento importante para a afirmação dos direitos humanos, com


a sua institucionalização como direitos fundamentais, foi a Declaração de
Independência dos Estados Unidos da América do Norte, também promulgada em
1776, que instituiu o Estado Democrático e legitimou a soberania popular, além de
reconhecer a existência de direitos inerentes à todo ser humano. (TAVARES, 2012, p.
487)
12

Ainda no século XVIII, em 1789, , no contexto da Revolução Francesa, foi


promulgada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - no mesmo sentido
do reconhecimento de direitos inerentes a todos os homens, decorrentes da sua
própria natureza - reafirma em seu artigo 1º que “Os homens nascem e permanecem
livres e iguais em direitos”. (BOBBIO, 2004, p. 43)
Neste sentido, na Assembleia Nacional Francesa sobre a redação da
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, Duquesnoy, deputado do Tiers Etat,
citado por Comparato, elucidou que:
Uma declaração deve ser de todos os tempos e de todos os povos; as
circunstâncias mudam, mas ela devem ser invariável em meio às revoluções.
É preciso distinguir as leis e os direitos: as leis são análogas aos costumes,
sofrem o influxo do caráter nacional; os direitos são sempre os mesmos.
(COMPARATO, 2010, p. 128)

Essa visível evolução histórica no sentido de reconhecer direitos a todos os


homens coincide, mais uma vez, com evoluções históricas e científicas marcantes da
civilização, tendo surgido no referido período a máquina a vapor, a grande
responsável pela revolução industrial.
Porém, foi a partir de 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial que o
mundo entendeu, mais do que em qualquer outra época da História, a necessidade
de reconhecer direitos à todos os seres humanos, independentemente de etnia,
nacionalidade, religião, cor, sexo, ou qualquer outra diferença biológica ou cultural.
(BOBBIO, 2004, p. 93)
Diante disso, em 1948 a Organização das Nações Unidas adotou a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, reafirmando os ideias de liberdade,
igualdade e fraternidade já previstos na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, promulgada na Revolução Francesa. (BOBBIO, 2004, p. 17)
Já em seu artigo 1º o documento reconhece a igualdade entre os homens.
Vejamos:
Artigo 1 - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns
aos outros com espírito de fraternidade.
Ainda reconhece como único sistema político compatível com o pleno
respeito aos direitos humanos o sistema democrático.
Embora não possua força vinculante, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos serve de referência no respeito aos direitos humanos, inspirando as
Constituições de muitos Estados.
13

Ressalta-se ainda que foi nesse período da história - que restou marcado
pelas atrocidades cometidas contra a humanidade -, que surgiram os movimentos
neoconstitucionalistas, tendo em vista a necessidade de atribuir força jurídica às
normas constitucionais, concedendo efetividade aos direitos inerentes à pessoa
humana.
No Brasil, esse movimento criou força após um longo período de governo
militar, tendo sido instalada no país uma ditadura militar entre 1964 e 1985 – período
marcado por forte censura e mitigação dos direitos fundamentais.
Após a redemocratização, fora promulgada nova Constituição, seguindo as
tendências mundiais de proteção aos direitos do homem, estabelecendo amplo rol de
direitos fundamentais, fruto de uma opção política pela limitação do poder estatal e
pela intangibilidade da dignidade humana.

1.1 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA ESTRUTURA

Os direitos fundamentais, após a promulgação da Constituição Federal de


1988, ocupam o centro do ordenamento jurídico, possuindo primazia em relação aos
demais direitos.
Referidos direitos possuem características próprias. Alexandre de Moraes
(MORAES, 2006) cita as seguintes:
a) Universalidade, que nada mais é que a garantia de serem direitos
aplicáveis a todos os sujeitos, independentemente de suas peculiaridades
biológicas e/ou culturais;
b) Imprescritibilidade, que assegura que os direitos fundamentais não
prescrevem, não se perdendo com o tempo;
c) Interdependência, que aduz a vinculação entre os direitos fundamentais;
d) Inalienabilidade, sendo os direitos fundamentais intransferíveis,
inegociáveis e indisponíveis;
e) Irrenunciabilidade, não podendo ser afastados pelo titular;
f) Efetividade, que afirma que o Estado deverá desenvolver políticas
públicas que assegurem a máxima efetivação aos direitos fundamentais;
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g) Inviolabilidade, não podendo serem desrespeitados por normas


infraconstitucionais ou por atos de autoridades públicas; e
h) Complementariedade, que determina que os direitos humanos
fundamentais devem ser interpretados de forma conjunta.
Importa ressaltar que não há unidade doutrinária no sentido de definir as
características dos direitos fundamentais. Nessa acepção, podemos citar
entendimento de Luís Roberto Barroso (2001), que traz ainda, como atributo dos
direitos fundamentais a “vedação ao retrocesso”.
Tal característica aduz que, após reconhecido um direito de caráter
fundamental, não é possível sua mitigação ou supressão:
Apesar de o princípio do não-retrocesso social não estar explícito, assim
como o direito de resistência e o princípio da dignidade da pessoa humana
(para alguns, questão controvertida), tem plena aplicabilidade, uma vez que
é decorrente do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei,
ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito,
ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser
absolutamente suprimido. (BARROSO, 2001, p. 158)

Para a análise da estrutura dos direitos fundamentais, baseando-se na


teoria proposta por Robert Alexy, é necessário distinguir princípios e regras, sendo
que tal distinção, para o autor, é “a base da teoria da fundamentação no âmbito dos
direitos fundamentais e a chave para a solução de problemas centrais da dogmática
dos direitos fundamentais.” (ALEXY, 1986, p.85)
Segundo sua teoria, tanto as regras quanto os princípios podem ser
conceituadas como normas, sendo, portanto, a diferenciação de duas espécies de
normas. O critério mais utilizado para fazer tal distinção seria o critério da
generalidade: princípios possuem grau relativamente alto de generalidade enquanto
que, nas regras, tal grau de generalidade é relativamente baixo.
Entretanto, para o referido autor, a distinção entre regras e princípios não
seria uma diferença de grau de generalidade, mas uma diferença qualitativa.
Nesse sentido, os princípios seriam normas que dispõe que algo seja
realizado dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, podendo ser
satisfeitos em graus variados. As regras, por outro lado, são normas que não podem
ser satisfeitas em graus variados: ou são ou não satisfeitas, devendo ser realizado
exatamente aquilo que fora ordenado pela norma. (ALEXY, 1986, p. 90-91)
Tal diferença fica evidente na ocorrência de uma colisão de princípios ou
um conflito de regras. No conflito de regras, não é possível ponderar-se entre ambas
15

para concluir qual seria aplicável no caso concreto – ou deve existir uma exceção à
regra que elimine o conflito ou então uma das regras deve ser declarada invalida.
Uma colisão entre princípios, entretanto, é solucionada de forma
completamente distinta, sendo possível a flexibilização de um dos princípios – após
analisar-se qual deve prevalecer no caso concreto -, sem que isso resulte na
invalidade de tal princípio. Nas palavras de Robert Alexy:
Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as
colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir –
ocorrem para além dessa dimensão, na dimensão do peso. (ALEXY, 1986, p.
94)

A referida teoria, ainda, utiliza como abordagem estrutural dos direitos


fundamentais um sistema de posições jurídicas baseada em uma tríplice divisão: os
direitos a algo, liberdades e competências.
Os direitos a algo se dividem em direitos a ações positivas (ações) e
negativas (omissões) do Estado.
Paulo Mário Canabarro Trois Neto, em sua obra “Direito à Não
Autoincriminação e Direito ao Silêncio”, baseando-se na teoria de Alexy, aduz que os
“direitos a ações positivas podem ter como objeto tanto uma ação fática como uma
ação normativa, conforme haja ou não relevância da forma jurídica da realização da
ação para a satisfação do direito.”. (TROIS NETO, 2011, p. 28)
A ação positiva fática seria aquela que independe de normas jurídicas para
ser satisfeita, enquanto as ações normativas dependem da criação de normas pelo
Estado. Nas palavras de Alexy, a “irrelevância da forma jurídica na realização da ação
para a satisfação do direito é o critério para a distinção entre direitos a ações positivas
fáticas e direitos a ações positivas normativas.”. (ALEXY, 1986, p. 202)
As ações negativas, entendidas pelo autor como direitos de defesa do
indivíduo perante o Estado dividem-se em três grupos: os direitos ao não-embaraço
de ações, os direitos à não-afetação de características e situações e os direitos à não-
eliminação de posições jurídicas.
Os direitos ao não embaraço de ações são direitos a que o Estado não
impeça ou obstaculize determinadas ações dos indivíduos, como a locomoção, a
expressão, manifestação de crença, etc. Os direitos a não-afetação são os direitos do
cidadão de que o Estado não irá afetar determinadas características ou situações de
que seja titular ou que se encontre, como por exemplo o direito de que o Estado não
interfira na vida privada do indivíduo, e, por fim, os direitos à não-eliminação de
16

posições jurídicas, tais como as posições jurídicas que decorrem do direito de


propriedade, que não sejam derrogadas pelo Estado. (ALEXY, 1986 p. 196-201)
Além dos direitos a algo, compõe a tríplice divisão estrutural formulada por
Alexy as liberdades. Paulo Mário Canabarro Trois Neto explica que a “liberdade
jurídica pode consistir apenas em uma posição livre pela qual se permite fazer ou não
fazer algo.”. (TROIS NETO, 2011, p. 28)
Podem ser liberdades protegidas ou não protegidas. As protegidas são as
liberdades que possuem normas jurídicas que asseguram o titular do direito
fundamental a possibilidade de realizar as ações permitidas, enquanto as liberdades
não protegidas são aquelas que possuem normas permissivas ou, então, nenhuma
norma a respeito, ausente qualquer mandamento ou proibição. (TROIS NETO, 2011,
p. 29)
Por fim, Alexy cita as competências como posição jurídica básica que
estrutura os direitos fundamentais, entendidas também como poder jurídico ou
capacidade jurídica para determinadas ações, como as competências para contrair
matrimônio, criar associações e adquirir propriedades, por exemplo. (ALEXY, 1986, p.
244)
Paulo Mário Canabarro Trois Neto explica que as chamadas competências
“agregam à capacidade de ação do indivíduo algo que ele não possui por natureza,
conferindo uma significação jurídica própria à conduta praticada por seu titular.”
(TROIS NETO, 2011, p. 29)
A demonstração dos aspectos inerentes aos direitos fundamentais, como
as características e estrutura, é pertinente para um melhor entendimento de sua
importância e eficácia no ordenamento jurídico pátrio.

1.2 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA DUPLA FUNÇÃO

A doutrina classifica os direitos fundamentais como de primeira dimensão,


segunda dimensão e terceira dimensão, de acordo com a ordem cronológica com que
surgiram.
A doutrina moderna defende ainda a existência de uma quarta e quinta
dimensão de direitos.
17

Ressalta-se que primordialmente, conforme defende Ingo Wolfgang Sarlet


em sua obra “A eficácia dos direitos fundamentais”, que o termo usado para fazer a
referida classificação era “geração” de direitos. Contudo, passou a entender-se que
tal nomenclatura não era condizente com o sentido que se queria expressar, tendo
em vista que dava a errada impressão de substituição dos direitos anteriores pelos
novos. Os direitos fundamentais que foram – e vão – sendo inseridos ao ordenamento
jurídico jamais se excluem, mas sim complementam-se:
Num primeiro momento, é de se ressaltarem as fundadas críticas que vem
sendo dirigidas contra o próprio termo “gerações” por parte da doutrina
alienígena e nacional. Com efeito, não há como negar que o reconhecimento
progressivo de novo direitos fundamentais tem o caráter de um processo
cumulativo, de complementariedade, e não de alternância, de tal sorte que o
uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão de substituição
gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo
“dimensões” dos direitos fundamentais”, posição esta que aqui optamos por
perfilhar, na esteira da mais moderna doutrina. (SARLET, 2010, p. 45)

Os direitos de primeira dimensão são os direitos civis e políticos, tendo


como titular os indivíduos e oponíveis contra o Estado, exigindo deste não uma
prestação, mas sim uma obrigação de não fazer.
Esse cunho “negativo” dos direitos fundamentais de primeira dimensão é
bem explicado por Ingo Wolfgang Sarlet:
Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas
primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar, do pensamento
liberal-burguês do século XVIII de marcado cunho individualista, surgindo e
afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais
especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-
intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu
poder. São, por este motivo, apresentados como direitos de cunho “negativo”,
uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por
parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, direitos de resistência ou
de oposição perante o Estado. (SARLET, 2010, p. 47)

Podemos citar, de forma exemplificativa, alguns direitos assegurados


dentro dessa classificação, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, bem como as suas manifestações mais comuns, e
pertinentes para o presente trabalho, tradadas nos incisos IV, IX e LVII da Constituição
Federal, que tratam da livre manifestação do pensamento e da presunção de
inocência.
Importa destacar que os direitos de primeira dimensão objetivam diminuir a
influência do Estado na vida privada e relações particulares dos indivíduos.
Os direitos de segunda geração, por outro lado, exigem uma atuação
positiva do Estado: a obrigação de desenvolver políticas públicas efetivas, que não só
18

assegurem formalmente direitos, impondo o dever de prestar saúde, educação,


trabalho, habitação, assistência e previdência social, etc.
Elucida Ingo W. Sarlet:
Estes direitos fundamentais, que embrionária e isoladamente já haviam sido
contemplados nas Constituições Francesas de 1793 e 1848, na Constituição
Brasileira de 1824 e na Constituição Alemã de 1849 (que não chegou a entrar
efetivamente em vigor), caracterizam-se, ainda hoje, por outorgarem ao
indivíduo direitos à prestações sociais e estatais, como assistência social,
saúde, educação, trabalho, etc., revelando uma transição das liberdades
formais abstratas para as liberdades materiais concretas (...). (SARLET,
2010, p. 47)

Ademais, diferentemente dos direitos de primeira dimensão, estes


objetivam alcançar uma igualdade material entre os seres humanos, buscando maior
justiça social.
Quanto aos direitos fundamentais de terceira dimensão, são também
denominados direitos de fraternidade – sendo os de primeira dimensão de liberdade
e de segunda, de igualdade, restando positivado o lema da Revolução Francesa.
São direitos coletivos e difusos, ou seja, seus titulares são a coletividade,
pois asseguram, por exemplo, o direito ao meio ambiente, à qualidade de vida, à paz
e à autodeterminação dos povos. Como bem explica Ingo W. Sarlet, os direitos
fundamentais de terceira dimensão são o “resultado de novas reivindicações
fundamentais do ser humano, gerada, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico,
pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do
pós-guerra (...)”. (SARLET, 2010, p. 48-49)
Por fim, no que tange aos chamados direitos de quarta e quinta geração,
Paulo Bonavides aduz que seria o direito à democracia e ao pluralismo e o direito à
paz, respectivamente:
A paz, até ao Congresso Internacional Ibero-Americano de Direito
Constitucional de 2006, celebrado em Curitiba, no Paraná, era nas
considerações teóricas da literatura jurídica e nomeadamente da ciência
constitucional contemporânea, segundo vimos, um direito quase
desconhecido. Karel Vasak o classificara entre os direitos da fraternidade,
fazendo avultar, acima de todos, o direito ao desenvolvimento; o mais
característico, portanto, em representar os direitos da terceira geração. Tão
característico e idôneo quanto a liberdade o fora em relação aos da primeira
geração, a igualdade aos da segunda, a democracia aos da quarta e
doravante a paz há de ser com respeito aos da quinta. (BONAVIDES, 2008,
p. 45)

Interessa ressaltar que os direitos fundamentais de primeira dimensão não


são mais vistos apenas como direitos a omissões estatais, pois sua efetiva
asseguração exige também ações do Estado. Não basta apenas que deixe de
19

interferir na esfera individual, é preciso que crie órgãos e instituições que viabilizem o
exercício do direito.
Podemos citar, nesse sentido, o direito do acusado à ampla defesa, que
exige do Estado a criação de medidas para assegurar que todos os cidadãos tenham,
efetivamente, o direito de defesa, como por exemplo a criação de defensorias
públicas.
Assim se manifesta o caráter duplo dos direitos fundamentais, bem
explicada pelo Mestre Paulo Mário Canabarro Trois Neto:
A expansão dos direitos fundamentais para além do abstencionismo estatal
exige do Estado uma atuação ativa. Como detentor do monopólio da força,
ele tem a função não apenas de respeitar os direitos fundamentais,
(perspectiva negativa), mas também de protege-los (perspectiva positiva)
contra ataques e ameaças de terceiros. Essa dupla missão acometida ao
Estado é em decorrência da dupla função que assumiram os direitos
fundamentais. Com isso, o Estado deixa de ser visto como o único “inimigo”
dos direitos fundamentais e passa a ser, também, “o caminho por meio do
qual sua realização pode se maximizar”. (TROIS NETO, 2011, p. 42)

Destarte, resta evidente da exposição realizada que os direitos


fundamentais vão sendo inseridos no ordenamento jurídico conforme a necessidades
que vão surgindo dos diferentes contextos históricos e evolução social, cabendo ao
Estado promover políticas com a finalidade de assegurar a efetividade de tais direitos.

1.3 DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais surgiram precipuamente com objetivo de proteger


o indivíduo de arbitrariedades do Estado e também de exigir prestações por parte
desse, que seria o destinatário exclusivo de tais obrigações, sendo essa a teoria
clássica da eficácia vertical dos direitos fundamentais.
Recentemente, passou a se reconhecer a existência de desigualdades e
violações a direitos humanos, positivados no ordenamento jurídico, também nas
relações entre particulares.
A ascensão de violações de direitos fundamentais no âmbito das relações
privadas fez surgir a necessidade de dar efetividade às garantias de proteção a tais
direitos mesmo onde, hipoteticamente, há igualdade jurídica entre as partes, surgindo
a chamada teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
20

Virgílio Afonso da Silva explica:


“Uma das principais mudanças de paradigma que, no âmbito do direito
constitucional, foram responsáveis pelo reconhecimento de uma
constitucionalização do direito e, sobretudo, de um rompimento nos limites de
produção de efeitos dos direitos fundamentais somente à relação Estado-
cidadãos foi o reconhecimento de que, ao contrário do que uma arraigada
crença sustentava, não é somente o Estado que pode ameaçar os direitos
fundamentais dos cidadãos, mas também outros cidadãos, nas relações
horizontais entre si. Zippelius sintetiza bem a insuficiência da dicotomia ação
estatal/ação privada: “A contraposição não diferenciada entre ações estatais
e ações puramente privadas (...) é uma simplificação exagerada: em uma
sociedade plural, formam-se, nos espaços deixados à autonomia privada,
instituições da vida econômica, empresas dos meios de comunicação e
outras “forças sociais”, que desempenham importantes funções na vida social
e que alcançam posições de poder, por força das quais podem influir de forma
prejudicial no sistema político. (SILVA, 2005, p. 52)

Assim, entende-se que a obrigação do Estado no que tange aos direitos


fundamentais não se restringe apenas a proteger e assegurar tais direitos, mas
também a obrigação de agir coercitivamente, a fim de assegurar a devida efetividade
de tais direitos, mesmo nas relações entre entes privados. Konrad Hesse ressalta que
a “Liberdade humana é posta em perigo não só pelo Estado, mas também por poderes
não-estatais, que na atualidade podem ficar mais ameaçadores do que as ameaças
pelo Estado”. (HESSE, 1998, p. 278)
Ressalta-se que ainda não há entendimento harmônico da doutrina sobre
a forma e a extensão da incidência das normas de direitos fundamentais no âmbito
particular, eis que é necessário encontrar um meio termo que, embora proteja
efetivamente tais direitos, garanta também a autonomia privada.
Essa teoria ganhou notoriedade após alguns países desenvolvidos
passarem a incluir em suas cartas constitutivas tal vinculação, notadamente a
Constituição Portuguesa, que assim determina:
Artigo 18 – Força Jurídica: Os preceitos constitucionais respeitantes aos
direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as
entidades públicas e privadas. (PORTUGAL, 1976)

Ingo Wolfgang Sarlet, de forma ilustre, leciona acerca da necessidade de


reconhecer a vinculação também dos entes privados aos direitos fundamentais:
Ponto de partida para o reconhecimento de uma eficácia dos direitos
fundamentais na esfera das relações privadas é a constatação de que, ao
contrário do Estado Clássico e liberal de Direito, no qual os direitos
fundamentais, na condição de direitos de defesa, tinham por escopo proteger
o indivíduo de ingerências por parte dos poder públicos na sua esfera pessoal
e no qual, em virtude de uma preconizada separação entre Estado e
sociedade, entre o público e o privado, os direitos fundamentais alcançavam
sentido apenas nas relações entre os indivíduos e o Estado, no Estado social
de Direito não apenas o Estado ampliou suas atividades e funções, mas
também a sociedade cada vez mais participa ativamente do exercício do
21

poder, de tal sorte que a liberdade individual não apenas carece de proteção
contra os Poder públicos, mas também contra os mais fortes no âmbito a
sociedade, isto é, os detentores de poder social e econômico, já que é nessa
esfera que as liberdades se encontram particularmente ameaçadas, como
dão conta, entre tantos outros, os exemplos dos deveres de proteção na
esfera das relações de trabalho e a proteção dos consumidores. (SARLET,
2010, p. 378)

É indiscutível que no âmbito da sociedade moderna existem entes que


possuem um maior poderio, seja ele social ou econômico. Partindo desse
pressuposto, a aplicabilidade prática da referida teoria é imperiosa e imprescindível
para evitar condutas discriminatórias ou que, de qualquer forma, atentem contra a
dignidade da pessoa humana, independente de quem esteja no polo passivo de tais
direitos.
Há ainda divergência no sentido de haver aplicabilidade mediata ou
imediata de tais normas no contexto das relações particulares.
Segundo a teoria da aplicabilidade mediata, a aplicação de normas
fundamentais aos particulares dependeria de atividade legislativa, com a inclusão de
cláusulas gerais no ordenamento jurídico, vinculando o particular de forma indireta.
Para os defensores dessa teoria, a vinculação direta e imediata dos entes privados
extinguiria sua autonomia. Ela, portanto, não protege de forma integral os direitos
fundamentais na esfera das relações privadas. (FELIX, 2005, p. 81)
A teoria da eficácia imediata, por outro lado, defende que a vinculação dos
particulares às normas de direitos fundamentais deve ocorrer independentemente de
intervenção legislativa, tendo em vista sua eficácia erga omnes. (FELIZ, 2005, p. 80)
No Brasil, embora seja recente tal discussão, tende-se para a aplicabilidade
direta e imediata nas normas de direitos fundamentais nas relações privadas - sendo
tal entendimento decorrente, principalmente, da natureza protetora da Constituição de
1988, voltada à garantia dos direitos humanos fundamentais -, estando as entidades
públicas e privadas diretamente vinculadas a Constituição.
O professor alemão Hans Carl Nipperdey foi o primeiro autor que defendeu
a aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais no âmbito privado.
Nesse sentido, elucida Virgílio Afonso da Silva em sua obra, que:
Segundo ele, os direitos fundamentais têm efeitos absolutos e, nesse sentido,
não carece de mediação legislativa para serem aplicados a essas relações.
Mas, mais do que isso, esse efeito absoluto dos direitos fundamentais faz
com que sejam também desnecessárias “artimanhas interpretativas” para
aplicá-los em relações que não incluam o Estado como ator. (SILVA, 2005,
p. 86)
22

Essa teoria se apresenta como a forma mais adequada para garantir a


efetiva proteção dos direitos fundamentais, pois a não vinculação dos particulares às
normas de direitos fundamentais seria como aceitar que o âmbito privado estivesse
em conflito com a Carta Maior. Como afirma Sarlet, “não se pode aceitar que o direito
privado venha a formar uma espécie de gueto à margem da ordem constitucional.”
(SARLET, 2010, p. 379)
A maior crítica a essa teoria reside no fato de que, supostamente, haveria
redução ou até a extinção da autonomia privada. Entretanto, o direito privado não é
dissociado ou alheio as normas Constitucionais. Pelo contrário, todas as normas de
direito privado devem estar em harmonia com as normas previstas na Lei Maior, sob
pena de inconstitucionalidade. Conforme explica Virgílio Afonso da Silva:
[...] a liberdade dos indivíduos e a autonomia do direito privado não são
absolutas, senão estaríamos diante de uma separação total entre os âmbitos
dos direitos fundamentais e do direito privado (ou outros ramos do direito) e,
por conseguinte, diante de um modelo de não-efeitos dos primeiros no âmbito
do segundo. (DA SILVA, 2005, p. 76)

Dessa forma, todas as normas do ordenamento jurídico devem estar em


harmonia e, consequentemente, respeitando os direitos fundamentais dos indivíduos,
inclusive no âmbito privado.
Havendo conflito de normas fundamentais, deve o magistrado, então, agir
com ponderação e proporcionalidade na análise do caso concreto.
Defendendo o entendimento de que os direitos fundamentais são aplicáveis
também às relações privadas, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
O Estado tem o dever de proteção dos indivíduos frente ao próprio poder
estatal (eficácia vertical), bem como em face da própria sociedade,
justificando a eficácia horizontal dos direitos humanos nas relações
particulares. 1

Os direitos à intimidade e à proteção da vida privada, diretamente


relacionados à utilização de dados pessoais por bancos de dados de
proteção ao crédito, consagram o direito à autodeterminação informativa e
encontram guarida constitucional no art. 5º, X, da Carta Magna, que deve
ser aplicado nas relações entre particulares por força de sua eficácia
horizontal e privilegiado por imposição do princípio da máxima efetividade
dos direitos fundamentais. 2

1
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quinta Turma). Habeas Corpus nº 97336 RJ 2007/0305250-1.
Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Brasília: 15 de junho de 2010. Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19136035/habeas-corpus-hc-93874-df-2007-0259735-
5/inteiro-teor-19136036?ref=serp
2
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Terceira Turma). Embargos de Declaração no Recurso
Especial 1630889 DF 2016/0263665-1. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Brasília: 27 de novembro
de 2018. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/661802846/embargos-de-
23

Assim, diante do exposto, resta claro que no direito brasileiro entende-se


que os direitos fundamentais possuem eficácia horizontal, vinculando os particulares,
de forma direta e imediata à tais normas em suas relações privadas.

1.4 DOS DIREITOS DO ACUSADO NO PROCESSO PENAL

O réu em processo penal possui alguns direitos no processo – direitos


básicos que asseguram um julgamento justo e imparcial -, tendo em vista que o
processo penal, considerado a última ratio, pode resultar em severas sanções ao
indivíduo, razão pela qual deve ser conduzido com cautela.
Diante disso, a lei concede ao acusado inúmeros direitos subjetivos, cuja
não observância pode inclusive invalidar o ato processual, ou os atos processuais que
dele dependam.
Norberto Avena (AVENA, 2017, p. 101) expõe que os direitos do acusado
no processo penal se encontram, em sua maioria, na Constituição Federal, tendo
ainda algumas previsões do Código de Processo Penal. Relaciona as seguintes
garantias:
a) Respeito à integridade física e moral – art. 5º, XLIX, da CF;
b) Direito de ser processo e sentenciado por autoridade competente – art.
5º, LIII, da CF;
c) Devido processo legal – art. 5º, LIV, da CF;
d) Contraditório e ampla defesa – art. 5º, LV, da CF;
e) Não ser submetido à identificação criminal, salvo casos previstos em
lei – art. 5º, LVIII, da CF;
f) Publicidade do processo e julgamento, salvo casos onde o sigilo é
imprescindível para a preservação da intimidade e dos interesses sociais –
art. 5º, LX e 93, IX, da CF;
g) Não ser preso senão em flagrante ou ordem escrita emanada de
autoridade judiciária – art. 5º, LXI, da CF e 282 do CPP;
h) Ser informado de seus direitos quando preso, entre os quais o de
permanecer calado e ter assistência da família e de advogado – art. 5º, LXIII,
da CF e 306, §2º do CPP;
i) Não ser preso e nem mantido na prisão quando a lei assegurar
liberdade provisória – art. 5º, LXVI, da CF;
j) Ser informado, quando preso, da identidade dos responsáveis por sua
prisão ou por seu interrogatório policial;
k) Não admissão de provas em seu desfavor que obtidas por meios ilícitos
– art. 5º, LVI, da CF;
l) Assistência jurídica integral e gratuita, quando não possuir condições
econômicas para constituir advogado particular – art. 5º, LXXIV, da CF;

declaracao-no-recurso-especial-edcl-no-resp-1630889-df-2016-0263665-1/inteiro-teor-
661802856?ref=juris-tabs
24

m) Indenização por erro judiciário quando permanecer preso além do


tempo fixado na sentença – art. 5º, LXXV, da CF;
n) Duração razoável do processo – art. 5º, LXXVIII, da CF;
o) Entrevista prévia com seu advogado antes de ser interrogado em juízo
– art. 185, §2º, do CPP;
p) Direito à tradutor ou intérprete, quando não puder ou não souber
comunicar-se – art. 192 e 193 do CPP;
q) Direito à defesa técnica fundamentada – art. 261, parágrafo único,
CPP.

Ressalta-se que todas essas garantias apontadas são manifestações do


direito à ampla defesa.
Observa-se que não só o constituinte como o legislador preocuparam-se
em assegurar ao acusado em Processo Penal um processo justo e principalmente
com observância à dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, se faz imperiosa uma análise mais profunda de algumas
garantias asseguradas ao acusado, com foco naquelas que constantemente entram
em conflito com a atividade midiática, principalmente a presunção de inocência.

a) Da Dignidade Da Pessoa Humana

Na compreensão e aplicação dos direitos fundamentais, em especial as


que se referem a persecução penal, pois atinge um dos bens jurídicos individuais mais
importantes – a liberdade -, é necessário correlacioná-los à dignidade humana,
princípio fundamental da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º, III, da
Carta Maior:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;

Fernando Capez assim define a relação do referido princípio no âmbito do


sistema penal:
Pois bem. Do Estado Democrático de Direito partem princípios regradores
dos mais diversos campos da atuação humana. No que diz respeito ao âmbito
penal, há um gigantesco princípio a regular e orientar todo o sistema,
transformando-o em um direito penal democrático. Trata-se de um braço
genérico e abrangente, que deriva direta e imediatamente deste moderno
perfil político do Estado brasileiro, a partir do qual partem inúmeros outros
princípios próprios afetos à esfera criminal, que nele encontram guarida e
orientam o legislador na definição das condutas delituosas. Estamos falando
do princípio da dignidade humana (CF, art. 1o, III). Podemos, então, afirmar
25

que do Estado Democrático de Direito parte o princípio da dignidade humana,


orientando toda a formação do Direito Penal. Qualquer construção típica, cujo
conteúdo contrariar e afrontar a dignidade humana, será materialmente
inconstitucional, posto que atentatória ao próprio fundamento da existência
de nosso Estado. (CAPEZ, 2011, p. 25)

Segundo Guilherme de Souza Nucci, a dignidade da pessoa humana,


juntamente com a garantia do devido processo legal, é um dos princípios regentes do
Processo Penal: “Há dois princípios regentes, reguladores de todo o sistema:
dignidade da pessoa humana e devido processo legal.” (NUCCI, p. 22)
Ingo Wolfgang Sarlet bem define a dignidade da pessoa humana:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva
de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração
por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto
contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham
a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres
humanos. (SARLET, 2001, p. 60)

Tal princípio, que visa assegurar aos cidadãos um mínimo de direitos que
devem ser respeitados não só pelo Estado, mas pela sociedade em geral, é um
alicerce de todo o ordenamento jurídico pátrio, não podendo ser relativizado ou
mitigado, sob pena de abalar todo o sistema jurídico e Estado Democrático de Direito.
Entretanto, o tratamento degradante perpetrado pela mídia ao expor a
imagem e o detalhes da vida íntima do suspeito de um crime, ignorando ser este
presumidamente inocente, viola a dignidade da pessoa humana, pois esses indivíduos
usados como produto da mídia acabam tendo que conviver eternamente com as
consequências dessa exposição.

b) Do Devido Processo Legal

Conforme supracitado, Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, p. 22)


considera o devido processo legal como princípio regente do processo penal. Tal
garantia possui previsão no artigo 5º, LIV da Constituição Federal, que determina que
“LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal;”
Nucci ainda define o referido princípio:
26

A ação e o processo penal somente respeitam o devido processo legal, caso


todos os princípios norteadores do Direito Penal e do Processo Penal sejam,
fielmente, respeitados durante a persecução penal, garantidos e afirmados
os direitos do acusado para produzir sua defesa, bem como fazendo atuar
um Judiciário imparcial e independente. A comunhão entre princípios penais
(legalidade, anterioridade, retroatividade benéfica, proporcionalidade, etc) e
os princípios processuais penais (contraditório, ampla defesa, juiz natural e
imparcial, publicidade, etc.) torna efetivo e concreto o devido processo legal.

Ou seja, o princípio do devido processo legal é norteador do processo


penal, que precisa respeitar os direitos do acusado, seu direito à ampla defesa e a um
julgamento imparcial, sendo por meio dele que o processo penal atinge,
legitimamente, a pena:
O processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente,
à pena. Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse
caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias
constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal).
(LOPES JUNIOR, 2016, p. 22)

A observância das “regras do jogo”, conforme pontua Aury Lopes Junior


(2016), é garantia ao acusado de que o exercício do poder estatal e a possível
limitação da sua liberdade são legais e regulares, devendo seguir-se estritamente as
formas estabelecidas pelas legislações penais, processuais penas e, principalmente,
constitucionais.
Ocorre que, da forma que atuam os entes midiáticos, expondo e, de
maneira parcial, colocando determinado indivíduo, suspeito de uma pratica delituosa,
já como o autor, leva a sociedade à sentenciá-lo, sem que tenha a possibilidade de
exercer seu direito de defesa.

c) Do Direito À Integridade Moral

Importa ressaltar ainda que é assegurado não só ao acusado, mas à toda


pessoa, a sua integridade moral, que abrange sua honra, intimidade, imagem e vida
privada. Ana Lúcia Menezes Vieira, em sua obra “Processo Penal e Mídia”, bem
elucida que “A condição do indivíduo, de investigado, acusado ou réu não lhe retira o
direito à dignidade.” (VIEIRA, 2003, p. 157)
A Constituição Federal protege o direito á integridade moral do indivíduo
em seu artigo 5º, inciso X, quando garante que “são invioláveis a intimidade, a vida
27

privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo


dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Entretanto, quando os entes midiáticos divulgam informações acerca dos
supostos autores dos crimes de repercussão social não respeitam tais direitos de
intimidade, honra e imagem, expondo o indivíduo, mesmo sem possuir qualquer
certeza sobre a autoria – exposição que pode trazer consequências para toda a vida
do indivíduo.

d) Do Princípio da Presunção de Inocência

Para a análise dos limites e possibilidades dos meios de comunicação na


cobertura de fatos criminosos e investigações, imprescindível o estudo do princípio da
presunção de inocência.
Segundo a doutrina majoritária, o nascimento do princípio da presunção de
inocência se deu no contexto de Revolução Francesa, que consagrou no artigo 9º da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que “Todo acusado é considerado
inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor
desnecessário à guarda de sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.”
Entretanto, já em 1764, Beccaria, em sua obra Dos Delitos e Das Penas,
tratava da necessidade de não punir o indivíduo enquanto não restasse comprovada
sua culpa:
Ninguém pode ser condenado como criminoso até que seja provada sua
culpa, nem a sociedade pode retirar-lhe a proteção pública até que tenha sido
provado que ele violou as regras pactuadas. [...] aos olhos da lei, todo homem
é inocente se o crime não for provado. (BECCARIA, 2012, p. 47)

Antes dessa positivação, o que imperava no processo penal era a


presunção de culpabilidade, ou seja, o próprio acusado deveria provar que era
inocente. (BARBAGALO, 2015, p. 38)
Após essa primeira inclusão do estado de inocência na Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, esse princípio passou a constar nos
diversos diplomas legais que surgiram, inclusive na Declaração Universal dos Direitos
do Homem e do Cidadão, promulgada em 1948 no período pós Segunda Guerra
Mundial.
28

No documento, o artigo XI, 1, estabelece que:


Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei,
em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as
garantias necessárias à sua defesa.

Entretanto, a referida Declaração não possuía força coativa, apenas


recomendatória. Diante disso, viu-se a necessidade de firmar-se um pacto, cujas
disposições nele constantes poderiam ser exigidos dos seus signatário.
(BARBAGALO, 2015, p. 39)
Nesse contexto, firmou-se o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos em dezembro de 1966, que entrou em vigor no Brasil em 24 de abril de 1992,
determinando em seu artigo 14, 2, que “Toda pessoa acusada de um delito terá o
direito a que presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua
culpa”.
Outro importante pacto internacional que consagra a presunção de
inocência é o Pacto de San José de Costa Rica, firmado na Convenção Americana
Sobre Direitos Humanos em 1969, que passou a vigorar no Brasil em 25 de setembro
de 1922, que garante no artigo 8º, 2, que “Toda pessoa acusada de delito tem direito
a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.
(...)”.
Após o reconhecimento da presunção de inocência do acusado na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada na Revolução
Francesa, tal disposição ganhou força, não somente integrando pactos internacionais,
mas passando também a constar nas Constituições dos países democráticos.
Analisando inicialmente as Constituições Europeias, temos que na
Constituição Italiana a presunção de inocência está prevista no artigo 27, cujo teor da
disposição legal determina que “O acusado não é considerado culpado até a
condenação definitiva.”. (BENTO, 2007, p. 55)
Também a Constituição da República Portuguesa, promulgada em 1976,
estabelece em seu artigo 32, 2, que “Todo arguido se presume inocente até ao transito
em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo
compatível com as garantias de defesa.”.
A Constituição Espanhola de 1978, por sua vez, prevê em seu artigo 24, I,
inúmeros direitos ao acusado, entre eles o de presumir-se sua inocência:
29

Assim mesmo, todos tem direito a um juiz predeterminado por lei, a defesa e
a assistência de advogado, a ser informados da acusação formulada contra
si, a um processo público sem dilações indevidas e com todas as garantias,
a utilizar os meios de prova pertinentes para sua defesa, a não testemunhar
contra si mesmo, a não se confessar culpado e à presunção de inocência.

Por outro lado, as Constituições Francesas e Alemãs não preveem de


forma explícita tal presunção ao acusado.
Entretanto, na França, entende-se aplicável tal disposição pois a
Constituição do Estado estabelece em seu preâmbulo que a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão de 1989 possui status constitucional.
Já na Alemanha, o Tribunal Federal Constitucional entende que a referida
garantia está incluída no ordenamento jurídico, de forma tácita, no Princípio do Estado
de Direito. Parte da doutrina entende, ainda, que este está implícito no respeito à
Dignidade Humana, previsto no artigo 1º da Constituição. (BENTO, 2007, p. 78)
Nas Constituições da América do Norte também há previsão de tal garantia.
Nesse sentido, o Ato Constitucional de 1982 do Canadá estabelece em seu 1º
Capítulo a “Carta Canadense de Direitos e Liberdades”, que determina no item 11 que
“Qualquer pessoa acusada de um delito tem o direito [...] de ser presumida inocente
até que se prove a culpa de acordo com a lei, em uma audiência justa e pública por
um tribunal independente e imparcial.”. (BARBAGALO, 2015, p. 43)
Na Constituição Mexicana de 1917, a presunção de inocência está prevista
no artigo 20, item I, que garante que toda pessoa tem direito “a que se presuma sua
inocência enquanto não se declare sua responsabilidade mediante sentença emitida
pelo juiz da causa.”. (BENTO, 2007, p. 70)
Na Constituição dos Estados Unidos da América, contudo, não há expressa
previsão legal, embora as decisões judiciais do país apliquem o referido instituto, a
exemplo do caso Coffin versus United States (1895), tido como marco jurisprudencial
e histórico da referida garantia no país, ocasião na qual o juiz Edward Douglas White
defendeu que a presunção de inocência estaria na base do direito penal americano.
(BENTO, 2007, p. 82)
Na América do Sul, as Constituições Argentina, Uruguaia e Chilena não
preveem expressamente o princípio da Presunção de Inocência. Contudo, entende-
se que na Argentina e no Uruguai, tal garantia estaria implícita nos artigos que tratam
do devido processo legal (18, 19 e 12, respectivamente). (BARBAGALO, 2015, p. 44-
45)
30

Na Constituição do Chile, entretanto, não há previsão explícita ou


implicitamente. Contudo, o artigo 4º do Código de Processo Penal dispõe: “Artigo 4º.
– Presunção de inocência do acusado. Nenhuma pessoa será considerada culpada
ou tratada como tal até ser condenada por uma sentença final.”
Por outro lado, nas Constituições do Peru, Paraguai e Venezuela há
expressa previsão legal da garantia de Presunção de Inocência, em seus artigos 2º,
17 e 49, respectivamente.
Diante disso, observa-se que a garantia da Presunção de Inocência, devido
à sua importância, possui atualmente uma condição universal, estando prevista em
Pactos, Tratados Internacionais, Declarações, Convenções, Constituições e Códigos
internos dos países, seja implícita ou explicitamente.
No ordenamento jurídico pátrio, o princípio da presunção de inocência está
insculpido no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, em seu inciso LVII, que dispõe
que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória;”.
Segundo Aury Lopes Junior, a presunção de inocência é princípio reitor do
processo penal, e a qualidade de um sistema de processo penal está ligada à
aplicabilidade efetiva do referido princípio. (LOPES JUNIOR, 2016, p. 78)
É a partir desse princípio que partem praticamente todos os outros
princípios de processo penal. Nesse sentido, explica o jurista René Ariel Dotti:
(...) a garantia da presunção constitucional não pode ser vista unicamente
pelo prisma da segurança da liberdade de ir e vir. Todo andamento da ação
deve ser influenciado pela noção certa e segura de que o réu é de fato um
inocente, e não um provável condenado. Ou seja, há uma garantia de
preservação de humanidade e da incolumidade do acusado como pessoa
humana, cuja vida é inestimável, e como sujeito de direitos, pois é assim que
todos são, inclusive após condenados. (DOTTI, 2018, p. 147)

Importante consideração a ser feita sobre o princípio da presunção de


inocência para atingir os objetivos almejados pelo presente trabalho é acerca das
dimensões de alcance do referido princípio. Conforme explica o doutrinador Aury
Lopes Junior, esse princípio impõe um dever de tratamento para com o acusado,
interna e externamente ao processo:
Na dimensão interna, é um dever de tratamento imposto – inicialmente
– ao juiz, determinando que a carga da prova seja inteiramente do
acusador (pois se o réu é inocente, não precisa provar nada) e que a
dúvida conduza inexoravelmente à absolvição; ainda na dimensão
interna, implica severas restrições ao (ab)uso das prisões cautelares
(como prender alguém que não foi definitivamente condenado?).
31

Externamente ao processo, a presunção de inocência exige uma


proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização (precoce) do
réu. Significa dizer que a presunção de inocência (e também as
garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve
ser utilizada como verdadeiros limites democráticos à abusiva
exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo
judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve
ser coibido pela eficácia da presunção de inocência. (LOPES JUNIOR,
2016, p. 79)

Ou seja, a observância a tal princípio não deve ser exigida somente do


Estado no tramite da ação penal, mas também nas relações privadas entre os
indivíduos, pois a dimensão externa da presunção de inocência garante que o
indivíduo réu em processo penal não será considerado inocente apenas face ao
magistrado, mas também em face de toda a sociedade.
Entretanto, na ocorrência de crime passível de causar comoção pública, a
imprensa trata logo de divulgar informações sobre os fatos e sobre a vida pessoal do
investigado, acusado ou réu - muitas vezes sem verificar sequer a procedência de tais
informações -, fazendo com que a sociedade sentencie o acusado, declarando-o
culpado, muito antes de uma condenação penal.
Essa atuação da mídia é bem explicada por Ana Lúcia Menezes Vieira, em
sua obra “Processo Penal e Mídia”:
O investigado ou acusado, desde a prisão em flagrante delito, ou mesmo
antes de serem iniciadas as investigações, até o momento do efetivo
cumprimento da pena é submetido a situações vexatórias pela mídia, como
se tivesse perdido a dignidade, a intimidade, a privacidade. Tem sua vida
particular devassada, posta a descoberto; pessoas, até então respeitáveis,
deixam de sê-lo porque a imprensa relata o crime e os motivos sórdidos e
imorais que ela supõe terem existido. (VIEIRA, 2003, p. 155)

Essa conduta perpetrada pelos meios de comunicação viola o princípio do


estado de inocência – direito fundamental previsto no artigo 5º, LVII, da Constituição
Federal - de extrema importância no Direito Penal, podendo ser visto como a razão
para outros princípios, como o direito de defesa, o contraditório, a imparcialidade do
juiz e a inviolabilidade da liberdade pessoal, por exemplo.
O direito de defesa, o contraditório, a inviolabilidade da liberdade pessoal, a
reserva de jurisdição e a imparcialidade do juiz podem ser vistas
resumidamente naquele princípio ou encontram neste a motivação de fundo
e o elemento unificador. (VIEIRA, 2003, p. 172)

Diante disso, se faz imprescindível conceder maior importância ao presente


tema, tendo em vista que de nada adianta proteger o acusado no âmbito processual,
e, por outro lado, deixar que entes privados promovam seu esfacelamento moral.
32

Para tanto, com observância a dupla função dos direitos fundamentais,


cabe ao Estado promover maneiras de assegurar a observância do princípio da
presunção de inocência.
Conforme já demonstrado na presente pesquisa, os direitos fundamentais
também possuem eficácia nas relações privadas, sendo que o direito daqueles
acusados, investigados ou réus em processo penal de não serem considerados
culpados antes de sentença penal condenatória transitada em julgado também deve
ser respeitado por particulares.
Assim, faz-se necessário que o Estado atue de forma positiva, intervindo a
fim de evitar tal violação perpetrada pelos meios de comunicação ao princípio da
presunção de inocência do acusado.
33

2 DA ATUAÇÃO DA MÍDIA NO PROCESSO PENAL

A mídia é o conjunto dos meios de comunicação social de massas,


representada por televisões, rádios, internet, jornais, entre outros. Embora atualmente
possuam também um caráter publicitário, os veículos de comunicação surgiram
inicialmente com objetivo de difundir informações.
Peter Burke, em sua obra “Uma história social da mídia” elucida que a
expressão informar, derivada do latim “formar a mente”.” (BURKE, 2006, p. 188)
Desde o século XVII alguns círculos sociais, principalmente políticos e
científicos, já reconheciam a importância da informação. No século XIX, essa ideia
passou a alcançar outros setores da sociedade, notadamente os setores comerciais
e industriais. (BURKE, 2006, p. 189)
Já por volta de 1850 a imprensa já era reconhecida como o “quarto poder”,
tendo em vista o poder e influência dos meios de comunicação sobre a opinião
popular. Em 1960, os meios de comunicação em massa já faziam parte da sociedade
cotidiana, integrando o dia a dia da população, de forma que a partir desse período
todas as mensagens, públicas e privadas, verbais ou visuais, começaram a
ser consideradas "dados", informação que podia ser transmitida, coletada e
registrada, qualquer que fosse seu lugar de origem, de preferência por meio
da tecnologia eletrônica. (BURKE, 2006, p. 260)

Atualmente, as informações são difundidas em velocidade nunca antes


vista, inclusive em tempo real, atingindo milhares de pessoas ao mesmo tempo.
Diante disso, a notícia deve ser veiculada com responsabilidade, pois da
mesma forma que possui o poder de consagrar a imagem de um indivíduo perante a
sociedade, também possui o poder de lhe estigmatizar por toda a vida.

2.1 DESENVOLVIMENTO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO BRASIL

No Brasil, os meios de comunicação em massa chegaram tardiamente, não


apenas em comparação ao surgimento da imprensa de um modo geral, mas também
pelo lapso temporal que separa a colonização do território brasileiro por Portugal
(1532) e a introdução da imprensa no Brasil (1808), de 276 anos. (OLIVEIRA, 2011,
p. 125)
34

Mesmo após a introdução da imprensa escrita no país, essa possuía


dificuldades para desenvolver-se, ante a alta taxa de analfabetismo da população,
bem como pela desigualdade social existente.
O jornal que circulava no período era a Gazeta do Rio de Janeiro, por volta
de 1808, que era o jornal oficial da Monarquia, onde se publicavam os decretos e
demais assuntos relacionados à família real. (OLIVEIRA, 2011, p. 132)
Os primeiros jornais independentes surgiram por volta de 1820, e
possuíram importante participação na declaração de Independência do Brasil em 7 de
setembro de 1822, e ainda nos debates acerca da necessidade de se desenvolver
uma Constituição própria para o Brasil. (BARBOSA, 2009)
Essa utilização da força política da imprensa deu à população a noção da
força que a imprensa possuía sobre a sociedade. Com isso, as elites das províncias
passaram a utilizar a imprensa como mecanismo de difusão ideológica. (RUDIFER,
1998, p. 23.)
A primeira forma de imprensa “popular” – sem controle estatal, realizada
pela população – foram os chamados “pasquins”, que circularam no pais entre 1820
e 1840. (HOHLFELDT, 2008, p. 71)
Como muitas vezes eram usados como forma de criticar os contextos
políticos e sociais do momento, sofreram grande repressão e censura, fazendo com
que seus autores se utilizassem de pseudônimos e anonimato, com objetivo de
autopreservação.
Por volta de 1850, os pasquins entraram em declínio, momento em que a
mídia passou a ser utilizada como instrumento político ideológico pelas elites políticas,
ascendendo a chamada imprensa político-partidária. (HOHLFELDT, 2008, p. 71)
Desta maneira, “o jornalismo ganhou, na sua forma político-partidária, um
conceito, tornando-se meio de formação doutrinária da opinião pública”. (RÜDIGER,
1998, p. 29).
Nesse contexto, a imprensa político-partidária influenciou na transição do
regime monárquico para o republicano, notadamente com a circulação do jornal A
República, a partir de dezembro de 1870. No mesmo período, a referida imprensa
também abordava as causas abolicionistas, tendo na imprensa um dos seus principais
mecanismos de luta. (OLIVEIRA, 2011, p. 137)
Embora tais meios de oposição ao sistema monarquista e escravista
tenham sido duramente reprimidos, essa repressão não foi capaz de conter os
35

movimentos influenciados pelos jornais, tendo a abolição da escravatura sido


proclamada juntamente com a explosão das pressões para a alteração do regime
político. Após esse período de transição, surgiu um período de calmaria política, que
permitiu o nascimento de outras formas de imprensa, voltadas aos setores
empresariais e operários, que tomaram o espaço que antes era ocupado pela
imprensa política. (OLIVEIRA, 2011, p. 138-139)
Esses novos modelos de imprensa tinham o caráter da imparcialidade,
voltados à veiculação de informações de interesse da população, centrados no leitor
e não em interesses políticos e privados. Foi nesse período que surgiram jornais de
grande importância, como A Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e Correio
do Povo. (OLIVEIRA, 2011, p. 139)
Por volta de 1920, a imprensa jornalística no Brasil já encontrava-se bem
estruturada, atuando de forma profissional, reunindo assinantes, anúncios de produtos
e serviços, com tecnologia em evolução e surgiam as primeiras agências de
publicidade.
Concomitantemente à esse período, havia a ascensão do rádio, que, no
Brasil, nasceu oficialmente em 7 de setembro de 1922, quando o presidente Epitácio
Pessoa realizou uma transmissão em evento comemorativo da Independência do
Brasil. A primeira emissora, entretanto, somente foi instalada em 1923, a Rádio
Sociedade do Rio de Janeiro – PRA-2. Até 1924, inúmeras outras emissoras já
operavam no país. (CASTRO)
A televisão somente foi introduzida no Brasil quase 30 anos depois do
rádio, em 1950, pelo jornalista e empresário Assis Chateaubriand (1892-1968), que
fundou o primeiro canal de televisão: A TV Tupi. (LEAL, 2009, p. 5)
A televisão ganhou espaço nas residências de grande parte da população
brasileira, sendo ainda hoje o principal responsável pela disseminação de informações
e cultura.
Segundo pesquisa do IBGE de 2017, a televisão está presente em quase
todos os domicílios brasileiros: apenas 3,3% das residências não possuem televisão.
(IBGE, 2017)
Em 2015, a Secretaria de Comunicação Social realizou uma pesquisa
sobre os hábitos de consumo de mídia pela população brasileira, que demonstrou que
a televisão se mantém como meio de comunicação predominante: 95% dos
entrevistados afirmaram possuir televisão em casa, e, destes, 73% assistiam
36

diariamente à televisão, gastando, em média, 4h31min com programas de TV durante


a semana. (SECOM, 2015, p. 7)
O rádio ainda seguia como o segundo meio de comunicação mais utilizado
pelos brasileiros, sendo usado por 55% dos entrevistados. A internet, por fim, vinha
em terceiro lugar, sendo utilizada por 48% dos brasileiros. Entretanto, entre os 37%
que a utilizavam todos os dias, o tempo de uso ficava na média de 4h59min por dia
durante a semana – mais tempo que a televisão. (SECOM, 2015, p. 7)

2.2 DA INFORMAÇÃO, MÍDIA E DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

A Constituição Federal de 1988, em seu Título II, dos Direitos e Garantias


Fundamentais, estabelece em seu inciso IV que “é livre a manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato;” e no inciso IX, que “é livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença;”.
Ainda, em seu artigo 220, determina que “A manifestação do pensamento,
a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não
sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”
Dos referidos dispositivos legais, é possível se extrair que é garantido à
atividade midiática a Liberdade de Expressão, a Liberdade de Imprensa, além de ser
terminantemente proibida a censura.
A preocupação com tais garantias surgiu no período pós-ditadura, período
em que houve a mitigação de tais direitos - notadamente a partir da promulgação do
Ato Institucional Número 5 – AI-5 -, sendo que tudo que seria publicado ou veiculado
nos órgãos de comunicação deveriam ser analisados e aprovados pelo Conselho
Superior de Censura, sob pena de fechamento imediato.
A liberdade de expressão é a garantia de que todo cidadão possa formar e
proferir livremente sua opinião, além de possuir previsão a Constituição Federal, está
prevista ainda no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da Assembleia Geral
da ONU, ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, que dispõe:
1. ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.
2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a
liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer
37

natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente


ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de
sua escolha.
3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará
deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar
sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente
previstas em lei e que se façam necessárias para:
a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.

Do artigo 19, 3, resta claro que, embora seja um direito fundamental, não é
absoluto, podendo sofrer limitações quando em confronto com outros direitos
fundamentais.
A proibição de censura está intimamente ligada ao ideal da liberdade de
expressão, traduzido na impossibilidade de intervenção estatal na veiculação de
informações.
Tais garantias são os pilares da liberdade de imprensa, que nada mais é
do que a liberdade de dizer, escrever, documentar e veicular notícias de interesse
público, sendo vedadas interdições ao livre exercício da atividade midiática.
Trata-se de uma atuação preponderantemente negativa do Estado, ou seja,
cabe-lhe não interferir de modo desproporcional sobre o pensamento e a expressão
dos cidadãos.
Entretanto, apesar da importância das disposições sobre a mídia na
Constituição, não há no Brasil uma legislação especifica que regulamente a atuação
dos meios de comunicação. O mais próximo que o Brasil chegou disso foi por
intermédio da Lei nº 5.250 de 9 de fevereiro de 1967 – chamada Lei de Imprensa, que
regulamentava a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. (STF,
2009)
A referida lei, entretanto, fora derrubada pelo Supremo Tribunal Federal em
20 de abril de 2009, quando 7 dos 11 ministros declararam sua inconstitucionalidade,
por entender ser ela incompatível com a democracia e com a Constituição Federal de
1988.
Atualmente, a principal referência legal para a mídia é a Lei 4.117 de 27 de
agosto de 1962, que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações, que objetiva
estabelecer normas gerais de funcionamento para os serviços de rádio e televisão no
país. Tal legislação, ainda, foi atualizada pela Lei nº 9.472 de 16 de julho de 1997 -
Lei Geral de Telecomunicações. (BRASIL, 1962)
38

Há ainda um Decreto Presidencial vigente, de nº 52.795/63, que em seu


artigo 28, 12, b), proíbe que rádios e televisões transmitam “programas que atentem
contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma,
redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico.”
Em novembro de 2010, o PSOL - Partido Socialismo e Liberdade, ingressou
no Supremo Tribunal Federal, por meio de ação formulada pelo jurista Fábio Konder
Comparato, com uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO),
objetivando a regulamentação dos artigos constitucionais referentes à comunicação.
(STF, 2019)
A Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão - ADO trata da
suposta omissão inconstitucional pela ausência de regulamentação do direito de
resposta previsto no art. 5º, V, além das matérias relativas a produção e programação
das emissoras de rádio e televisão e da vedação de monopólio ou oligopólio dos meios
de comunicação, conforme artigos 220, §3º, II, §5º, 221 e 222, todos da Constituição
Federal.
Ressalta-se que a Lei de Imprensa de 1967 regulamentava o direito de
resposta, determinando ainda, em seu art. 31, o prazo de 24 horas a ser observado
pelos jornais e emissoras, e até o primeiro número impresso, nos casos de periódicos
que não fossem diários, para atender o pedido de resposta ou retificação.
Entretanto, após a declaração de Inconstitucionalidade da referida lei, os
juízes deixaram de possuir um parâmetro legal para compelir os meios de
comunicação a atender o pedido, embora o direito de resposta ainda permaneça
reconhecido do ordenamento jurídico.
Ainda, o artigo 221 da Constituição Federal determina que:
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão
atenderão aos seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção
independente que objetive sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme
percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. (BRASIL,
1988)

Tal artigo, porém, nunca fora regulamentado, sendo que até os dias atuais
a produção e programação das emissoras é realizada de forma arbitrária, sem a
observância de tais dispositivos, visando interesses de grupos empresariais privados.
39

Em março de 2011, a Advocacia Geral da União manifestou-se pela


improcedência do pedido, sustentando que não houve omissão inconstitucional, uma
vez que as normas apontadas na ADO seriam de eficácia plena, prescindindo de
quaisquer atos do Poder Legislativo para terem efetividade. (STF, 2019)
Em abril de 2012 a Procuradoria Geral da República, por meio de parecer
nº 6831 opinou pela procedência parcial do pedido. Em maio de 2012, a instituição
Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social requereu ao Supremo Tribunal
Federal sua admissão no feito na qualidade de “amicus curiae”, tendo sido seu
ingresso deferido pela Ministra Rosa Weber em 07 de fevereiro de 2017 – sendo tal
decisão a última movimentação processual. (STF, 2019)
Assim, atualmente não há nenhuma lei ou projeto de lei definido para
regular a mídia no Brasil. Diante dessa ausência, a mídia brasileira comumente viola
direitos fundamentais dos indivíduos, sendo tais casos levados para apreciação do
Poder Judiciário.
Entretanto, diferentemente do Brasil, outros países possuem a atuação
midiática devidamente regulamentada. Na Europa, podemos citar a França, Portugal
e Reino Unido como países que possuem regulamentação dos meios de
comunicação. (EBC, 2013)
Na França, a mídia é regulada desde 1982, sendo fiscalizada pelo CSA –
Conseil Supérieur de l’Audiovisuel, com objetivo de orientar a atuação das emissoras
públicas e privadas. No país, a mídia possui tanto regulamentação econômica,
visando evitar o monopólio na mídia, bem como regulação de conteúdo. (EBC, 2013)
Importa ressaltar que a legislação francesa permite a restrição do direito de
liberdade de expressão, visando a proteção de direitos fundamentais, incluindo a
presunção de inocência.
No mesmo sentido, Portugal e Reino Unido também possuem
regulamentação econômica e de conteúdo, sendo no primeiro fiscalizado pela Agência
Reguladora de Comunicação Social e, no segundo, pelo The Office of Communication.
(EBC, 2013)
Nos Estados Unidos, a regulamentação midiática também é econômica e
de conteúdo, sendo fiscalizada pelo Federal Communications Comission - FCC. No
que tange a regulação do conteúdo veiculado, há a preocupação em coibir abusos por
parte dos meios de comunicação, autorizando a propositura de ações judiciais em
caso de violações. (EBC, 2013)
40

Por fim, na América do Sul, podemos citar a Argentina como exemplo de


mídia regulamentada, também economicamente e em face do conteúdo veiculado. É
regulamentada desde 2009, e fiscalizada pela Autoridade Federal dos Serviços de
Comunicação Audiovisual - AFSCA. (EBC, 2013)

2.3 DA ATUAÇÃO DA MÍDIA DIANTE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE


INOCÊNCIA

Conforme ressaltado anteriormente, além do objetivo de disseminar


informação e cultura, os meios de comunicação também possuem objetivo econômico
e, nessa atividade, o retorno econômico possui relação com a visibilidade atingida
pelas programações veiculadas na emissora.
Diante disso, a mídia no Brasil muitas vezes atua de maneira apelativa,
buscando despertar o interesse e a curiosidade dos telespectadores.
Notadamente em crimes de repercussão social, passíveis de causar
comoção pública, as notícias acerca do evento são rapidamente veiculadas, a fim de
divulgar tais informações antes das demais emissoras.
Ocorre que essa forma rápida de divulgação, na maioria das vezes, impede
a verificação da veracidade das informações divulgadas, além de ser despreocupada
com quaisquer direitos fundamentais e personalíssimos do suspeito ou acusado pelo
crime.
Ressalta-se que, ao divulgar tais crimes, raramente os meios de
comunicação preocupam-se em ter cuidado com as denominação atribuídas aos
indivíduos envolvidos, atribuindo desde o início o status de “criminoso”, “bandido”,
“traficante”, estigmatizando-o.
Importante pontuar que comumente, o uso desses termos é utilizado para
denominar jovem negros e periféricos. Jovens de classe média/alta, ao praticarem
crimes, não são noticiados como bandidos:
41

(G1, 28/06/2019)

(G1, 06/03/2019)

O referido exemplo é constante nos jornais. É possível notar claramente a


diferença entre as notícias: na primeira, a exposição da imagem do jovem negro,
periférico, denominado, mesmo sem qualquer processo legal, como traficante. Na
segunda notícia, não há qualquer exposição do suspeito, e não há qualquer termo que
atribua culpa como “traficante”, “bandido” ou “criminoso”.
Ademais, a divulgação apressada e descuidada, objetivando angariar o
maior público possível, alimentando a curiosidade da população acerca do evento,
acaba trazendo prejuízos às partes envolvidas, que são expostas.
Paulo Mário Canabarro Trois Neto elucida:
O problema é que a rápida e precipitada manifestação dos meios de
comunicação – não se pode desconhecer que o trabalho da imprensa está
marcado pela nota da instantaneidade: aquilo que deixa de ser novidade
perde o interesse como notícia – frequentemente surge como um obstáculo
importante par a realização efetiva da presunção de inocência55. Ao
contrário do processo penal tradicional, no âmbito qual se assegura a
paridade de armas entre acusação e defesa, o processo paralelo difundido
na mídia é superficial, emocional e muito raramente oferece a todos os
envolvidos igualdade de oportunidade para expor seus pontos de vista.
(TROIS NETO, 2012, p. 10)

Tal exposição resulta em violações à imagem, honra e intimidade do


sujeito, que sofre um julgamento popular antecipado, sendo declarado culpado pela
sociedade antes de uma sentença penal condenatória pelo Judiciário, o que pode
causar danos irreversíveis.
42

Irreversíveis porque ocorrem situações em que o indivíduo apontado como


responsável por determinado crime pelos entes midiáticos, mesmo que absolvido pelo
Judiciário, não é absolvido pela sociedade.
Estudos bastante consistentes apontam que há uma forte tendência
midiática a posicionar-se a favor da condenação do réu. Conforme relata Simone
Schreiber de estudo extraído da obra Free Press vs. Fair trials de Jon Bruschke e
Willian E. Loges:
“Estudos citados pelos autores indicam que a cobertura jornalística a favor do
réu ocorre em menos de 6% dos casos, e tal percentual é reduzido para 0,1%
se forem considerados apenas os processos criminais. (...). A difusão da
imagem do suspeito sendo conduzido algemado para a viatura de polícia
(chamada de perp walk em alusão ao termo perpetrador para designar aquele
que supostamente perpetrou o crime) causa um impacto de tal ordem na
opinião pública, que será dificilmente anulado pela mera invocação do
princípio abstrato da presunção de inocência.” (SCHREIBER, 2008, p. 267)

A parcela leiga da população, que somente recebeu informações chocantes


e detalhes sórdidos de um crime, informações muitas vezes distorcidas e que não
condizem com a real situação do indivíduo – qual seja, de mero suspeito ou acusado
de um crime, presumidamente inocente até o final do processo – sentenciam aquele
individuo como culpado, que nunca mais terá uma vida normal em sociedade:
No clamor dos acontecimentos, o possível autor do crime – quando por vezes
é apenas suspeito de tê-lo praticado – muitas vezes é julgado pela opinião
contra ele publicada pela imprensa. Embora haja, ainda, dúvidas sobre o
delito, suas circunstancias e a autoria, mesmo que fundadas em elementos
de prova, na mídia tornam-se certezas. (VIEIRA, 2003, p. 168)

A estratégia mais recorrente utilizada pelos meios de comunicação é o


chamado sensacionalismo, que consiste em utilizar chamadas e apresentar notícias
de forma a despertar curiosidade, chocar e comover o telespectador.
Nesse sentido explana Ana Lúcia Menezes Vieira:
Ocorre que os meios de comunicação de massa, em relação à publicação de
fatos criminosos, vêm invadindo a privacidade e a intimidade e degradando a
imagem e a honra das pessoas envolvidas no processo penal, que são
utilizadas como produtos da notícia. (VIEIRA, 2003, p. 154)

Nessa esteira, a atuação midiática, que deveria restringir-se a informar os


fatos ocorridos, de forma neutra e imparcial, acaba excedendo o exercício regular do
direito de expressão e de dar publicidade, emitindo opiniões pessoais e adornando as
notícias com informações que despertariam o interesse público – independente das
possíveis consequências para as partes.
43

Essas consequências vão desde linchamentos virtuais – o que é comum


na sociedade atual, em que todos agem como acusadores e juízes, prontos para emitir
seus pareceres nas redes sociais -, até consequências no mundo real, em que o
indivíduo sofre preconceito, escárnio público, podendo chegar até ao linchamento
físico, pelo anseio de “justiça com as próprias mãos” despertado na população.
Essa superexposição do indivíduo e sua estereotipação contribuem para o
etiquetamento social do indivíduo, teoria chamada de Labeling Approach. Ana Lúcia
Menezes Vieira explica que:
O criminoso é o centro dessa imagem, desse cenário teatral em que o
espectador tem a ilusão de participar do julgamento do autor. Nesse
momento, cria-se o estereótipo do criminoso. “Se ele integra uma minoria
social (homossexuais, egressos da prisão, etc.), tal condição será sempre
mencionada e frequentemente enfatizada – ainda que não se possa
relacioná-lo, de qualquer modo, ao episódio em questão.” (VIEIRA, 2003, p.
155)

Essa estigmatização faz com que a condenação (ou não) do indivíduo


ultrapasse a esfera do Judiciário, que mesmo sendo absolvido ou cumprindo a pena
que lhe fora atribuída - tecnicamente não mais possuindo dívida com a sociedade -,
ainda precisa lutar pela sua reinserção no meio social, onde será sempre visto como
criminoso.
Ou seja, esse etiquetamento social tem consequências que perpassam o
sistema penal e se mantém por toda a vida do indivíduo que teve seu nome envolvido
em um crime – às vezes sendo desnecessária até sua condenação para que ocorra
tal estigmatização -, fazendo com a pena continue para além da privação de liberdade.
Dessa forma, a atividade midiática no Brasil – notadamente pela ausência
de regulamentação quanto aos conteúdos veiculados, em observância a liberdade de
expressão e de imprensa – é realizada de forma irresponsável.
A preocupação com a influência da mídia e suas consequências para o
processo penal, e principalmente os possíveis prejuízos para o acusado, não é
recente. Nesse sentido explana o espanhol Perfecto Andrés Ibáñez:
La preocupación por la incidencia de los medios de comunicación en el
proceso no es reciente. GIOSTRA, en el caso de Italia, registra expresiones
de ella que se remontan a los primeros momentos del siglo XX y que guardan
relación co la posibilidad de que datos cubiertos por el secreto pudieran
proyectarse al exterior com perjuicio, sobre todo, para el imputado. Y el
próprio CARNELUTTI, ya a mediados del pasado siglo, dejó escrito:
“Desgraciadamente, hoy, con la difusión organizada de la crónica, discursiva
y figurativa (fotográfica), la publicidad ha assumido dimensiones alarmantes.
El imputado y los testigos se convierten en el centro de um halo publicitário
que se extiende cada vez más. (IBÁÑEZ, 2005, p. 168)
44

Visando atrair público, o que é essencial para o exercício da atividade e


para obter mais lucratividade, ignora direitos fundamentais dos indivíduos, tornando o
acusado e os demais envolvidos um halo publicitário.
Na ocorrência de crimes, os entes midiáticos não respeitam o princípio da
presunção de inocência, segundo o qual presume-se a inocência do indivíduo até
sentença final irrecorrível, com objetivo de preservar não só a liberdade do indivíduo,
como também sua honra perante a sociedade.
Ana Lúcia Menezes Vieira elucida:
(...) a presunção de inocência é um dos princípios mais violados pela mídia.
A narração dos fatos e a estigmatização do indivíduo ou acusado resolvem o
caso criminal, não havendo sequer a necessidade da aplicação da pena pelo
juiz - a sentença dada pelos meios de comunicação, inapelável, transita em
julgado perante a opinião pública, tornando-se irreversível diante de qualquer
decisão judicial que venha a infirmar a crônica ou crítica. (2003, p. 168)

Ainda nesse sentido, Perfecto Ibáñez:

En muchas ocasiones, la publicidade de la notitia criminis es para el afectado


bastante más gravosa que la eventual sentencia condenatória. Sobre todo,
como ocurre com harta frecuencia, aquélla resulta tratada com particular
desenvoltura, como si la mera adjetivación d presunto em la atribuición de la
calidad de autor de los hechos pudiera eximir al informador de toda otra
responsabilidad. Así, la prensa tiene a su alcance la posibilidad de imponer
verdaderas penas preventivas o anticipadas, que, no obstante, alcanzan
imediata firmeza, pues dificilmente admiten recurso lo que las hace
prácticamente inapelables e irreversibles. Pues en el mejor de los casos,
incluso de mediar uma absolución, siempre hay algo que queda en la
memoria social, con daño irreparable para em concernido. (IBÁÑEZ, 2005, p.
173)

Assim, visando obter audiência, os suspeitos e acusados da prática de um


delito tem seu direito fundamental de ser presumidamente inocente até sentença final
irrecorrível – tanto no âmbito processual quanto social – violado.
Tratando tal indivíduo como criminoso desde a ocorrência do crime, os
entes midiáticos, promovem a estigmatização do indivíduo fazendo o uso de
expressões como “criminoso”, “bandido”, “estuprador”, dentre outros.
Nesse sentido, inclusive, Sérgio Salomão Shecaira relata o atraso da nossa
legislação com relação à proteção da presunção de inocência do acusado:
A preocupação com o devido processo legal é constante na doutrina
estrangeira. A 5.ª Emenda da Constituição Americana garante a cada um,
inclusive àquele que é acusado criminalmente, que ele não será privado de
sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal. O nome do
acusado, se citado pela Imprensa, não pode ser, antes da condenação
definitiva, acompanhado de termos como "ladrão", "assassino",
"sequestrador" etc., pois vige o princípio da presunção de inocência.
(SHECAIRA, 2010, p. 4-5) (grifei)
45

Além disso, visando despertar o interesse da população, os entes


midiáticos devassam a vida do indivíduo que consideram culpado, expondo fatos da
sua vida íntima, que não possuem quaisquer relações com o fato criminoso. Ana Lúcia
Menezes Vieira expõe:
E, não obstante a realidade do mass media no processo penal, nem os
detalhes mais íntimos da vida privada do acusado são poupados. Mesmo sem
interesse social e apartado do núcleo essencial do fato criminoso em
julgamento, esses aspectos são divulgados, sem qualquer respeito à
dignidade humana do arguido. Essa publicidade já não é legítima. (VIEIRA,
2003, p. 157)

Essa exposição do indivíduo merece maior atenção, tendo em vista que,


realizada de forma irresponsável, pode trazer danos irreversíveis à vida daquele
suspeito da prática delituosa. Não se pode tolerar que, para ter audiência por alguns
minutos, os entes midiáticos violem direitos dos envolvidos, sabendo-se que conduta
trará consequências para toda a vida do indivíduo.
Nessa esteira, Adauto Suannes, em sua obra “Os fundamentos éticos do
processo penal”, ressalta: “Quem dará emprego a um candidato cuja foto apareceu
recentemente nas páginas policiais como suspeito da pratica de crime? Ou pior, teve
sua imagem divulgada urbi et orbi pela televisão?” (SUANNES, 2004, p. 183).
Ressalte-se que não se trata de quem é ou não culpado, mas de quem é
ofendido em seus direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados, onde um
ente midiático, de mero informador, ao abusar desse direito, pode tornar-se ofensor.
A sociedade civil não faz distinções entre acusado e condenado. A simples
exposição do indivíduo pela mídia como (possível) responsável pelo crime, irá
constranger e afetar aquele individuo de forma irreversível.
Ressalta-se ainda que, no calor das notícias em tempo real, onde os entes
midiáticos tentam transmitir as notícias do evento criminoso de forma rápida e em
grande quantidade, tais quadros ganham destaque ocupando grande espaço na
programação veiculada.
Entretanto, o oposto não ocorre: a mídia jamais dá ênfase à notícias de
absolvição dos acusados, pois tais notícias não são interessantes para o público, não
chocam, não despertam curiosidade.

2.4 ANÁLISE DE CASOS


46

a) Caso Escola Base

Sempre lembrado como um dos mais emblemáticos casos de


irresponsabilidade na atividade midiática ocorrido no Brasil, o caso Escola Base
começou em março de 1994, na cidade de São Paulo – SP. (SILVA, 2018)
Envolvendo os donos e mais dois casais ligados à escola cujo caso leva o
nome – Escola de Educação Infantil Base -, que foram acusados de promoverem
orgias sexuais com as crianças que frequentavam a instituição de ensino na
residência dos pais de um dos alunos.
A denúncia teria sido realizada por duas mães, cujos filhos estudavam na
referida escola e que teriam relatado situações de abuso, envolvendo atos libidinosos
com os menores, sua exposição à atos sexuais entre adultos e a vídeos e filmes
pornográficos, além de terem relatado que eram fotografadas nuas. (BAYER;
AQUINO, 2014)
O delegado da 6ª Delegacia de Polícia da zona sul de São Paulo, Edélcio
Lemos, responsável pelo caso, teria então encaminhado as crianças ao Instituto
Médico Legal e obtido mandado de busca e apreensão para a residência do casal
onde as crianças haviam apontado como o local em que ocorriam os abusos. (BAYER;
AQUINO, 2014)
Entretanto, a busca e apreensão não encontrou nenhum vestígio dos atos
libidinosos relatados pelas crianças. Diante disso, as mães dos alunos que teriam,
supostamente, sofrido abusos, não conformadas com as conclusões obtidas pelo
delegado responsável, relataram o caso a Rede Globo de televisão, a fim de dar
publicidade à denúncia. (BAYER; AQUINO, 2014)
A partir desse momento, o caso ganhou grande repercussão. Além das
inúmeras declarações dadas à mídia pelo Delegado responsável pelo caso, mesmo
sem quaisquer provas da ocorrência dos abusos narrados, os veículos de
comunicação passaram a, não só noticiar, mas a acusar os suspeito da prática de
inúmeras perversidades com as crianças.
O Jornal Nacional, transmitido pela Rede Globo, chegou a sugerir que os
suspeitos drogavam as vítimas e que as crianças poderiam estar contaminadas pelo
47

vírus HIV. O Jornal escrito Notícias Populares veiculou como manchete em sua capa
“Kombi era motel na escolinha do sexo”. (BAYER; AQUINO, 2014)

(Manchete do jornal “Notícias Populares”)

Toda essa exposição dos acusados pelos entes midiáticos levaram a


população a concluir, de forma cabal, que os seis suspeitos eram, de fato, culpados
pelo crime de pedofilia.
A mídia, buscando angariar audiência, atuou de forma sensacionalista,
deixando de lado qualquer preocupação com a ética, e principalmente, com a
presunção de inocência. Exploraram o sofrimento das partes envolvidas e a comoção
pública gerada pelo fato das vítimas se tratarem de crianças de quatro anos, ignorando
os direitos dos acusados.
Nessa altura, os suspeitos pela prática delituosa já haviam sido
fotografados e expostos em rede nacional, sendo obrigados a esconderem-se para
não serem linchados, e a instituição de ensino, depredada, sem que houvesse por
parte dos entes midiáticos qualquer preocupação com a possibilidade de que tais
acusados fossem inocentes. (BAYER; AQUINO, 2014)
O Jornalista Luís Nassif, vinculado a TV Bandeirantes – cujas palavras
foram reproduzidas por Alex Ribeiro em seu livro “Caso Escola Base – Os Abusos da
Imprensa”, preocupado com a possibilidade dos suspeitos serem inocentes, declarou:
Bom, hoje eu não vou falar de economia, vou falar de um assunto que
me deixa doente. Toda a imprensa está há uma semana denunciando
donos de escola que presumivelmente teriam cometido abuso sexual
contra crianças de quatro anos. Toda a cobertura se funda em opinião
da polícia. Está havendo um massacre. Mais que isso, está havendo
um linchamento. Se eles forem culpados, não é mais que merecido. E
48

se não forem? Uma leitura exaustiva de todos os jornais mostra o


seguinte: não há até agora nenhuma prova conclusiva de que a criança
foi violentada por adulto. Não há nenhuma prova conclusiva contra as
pessoas que estão sendo acusadas. Tem-se apenas a opinião de
policiais que ganharam notoriedade com denúncias e, se
eventualmente se descobrir que as denúncias são falsas, vão ter muita
dificuldade de admitir. Por isso, a melhor fonte não é a polícia, neste
momento. A imprensa deve as pessoas que estão sendo massacradas,
no mínimo, um direito de defesa, de procurar versões fora da polícia.
Repito: é possível que as pessoas sejam culpadas. Mas é possível que
sejam inocentes. E se forem inocentes? (RIBEIRO, 2000, p. 99-100)

Importantíssima preocupação do referido jornalista, contudo, tardiamente


observada pelos demais meios de comunicação. Em 22 de junho, todos os envolvidos
foram inocentados e o caso arquivado. Diante disso, os jornais passaram a tentar
retratar-se e reverter as acusações e exposições indevidas realizadas, mas já era
muito tarde.
O caso afetou negativamente a vida dessas pessoas para sempre,
privando-as de levarem uma vida normal: constantemente recebiam ameaças de
morte, tinham medo de sair à rua, desenvolveram transtornos depressivos e nunca
mais conseguiram empregos em suas áreas de atuação.
Diante disso, resta incontestável que a ausência de cuidado dos entes
midiáticos na divulgação de crimes, e a exposição dos acusados sem a observância
do princípio da presunção de inocência é uma violação aos direitos fundamentais dos
indivíduos suspeitos da pratica delituosa – violação que pode resultar em prejuízos
que vão acompanhar os sujeitos por toda a sua vida.

b) Caso “Bar Bodega”

Ocorrido em 10 de agosto de 1996, em uma choperia em Moema, bairro


nobre da cidade de São Paulo – Estado de São Paulo, onde dois jovens de classe
média foram assassinados. (SILVA, 2018)
O caso ganhou repercussão pela forma como foi conduzido, diante da
pressão exercida, principalmente pela classe média paulista, para que houve a rápida
solução do crime e punição dos envolvidos. Diante disso, iniciou-se uma série de
erros, tanto do Poder Judiciário como da imprensa sensacionalista e negligente.
(VIGNERON, 2016)
49

Injustamente acusado como autor do crime, Cléverson Almeida de Sá, na


época menor de idade, com 17 anos, fora acusado pela Polícia Civil como líder do
bando que cometeu o delito. (VIGNERON, 2016)
Cléverson havia sido apreendido por assalto alguns dias após a ocorrência
dos assassinatos no Bar Bodega, sendo “identificado” por um policial como o autor do
crime. Apesar do jovem negar a autoridade e afirmar desconhecer o estabelecimento,
fora torturado para que assumisse a responsabilidade pelo delito. (VIGNERON, 2016)
Diante das brutais agressões, Cléverson confessou um crime que não
cometeu, e ainda fora obrigado a entregar o nome dos demais integrantes da quadrilha
– que, ressalta-se, não existia -, citando nome de conhecidos do bairro onde vivia:
Valmir da Silva, Valmir Martins, Luciano, Natal, Jailson, Benedito, Marcelo Nunes e
Marcelo da Silva. (VIGNERON, 2016)
Ao todo, diante da pressão exercida pela opinião pública, nove jovens
inocentes, todos negros e de classe baixa, foram presos como responsáveis pelo
assassinato dos dois jovens de classe média no Bar Bodega.
O caso relatado fora outro caso que ganhou repercussão e notoriedade
pelo despreparo e irresponsabilidade da imprensa, que acusou, sem quaisquer provas
concretas, nove jovens inocentes, negros e periféricos, cujas consequências
decorrentes foram extremamente prejudiciais.
Juntamente com o caso Escola Base, o Bar Bodega é conhecido como um
dos maiores erros cometidos pela imprensa.
O ódio e sentimento de vingança pelos acusados do crime eram
fomentados pelos jornais. Conforme relata o jornalista Carlos Dorneles, em seu livro
sobre o caso “Bar Bodega – um crime de imprensa”, saíam manchetes e notícias
dizendo que os acusados eram animais, que matavam por esporte, e ainda que “São
veneno sem antidoto, nenhum presidio recuperaria répteis dessa natureza. A vontade
de qualquer pessoa normal é enfiar o cano do revólver na boca dessa sub-raça e
manda ver.” (DORNELES, 2007, p. 15)
Ainda, quanto à atuação da mídia no caso, Dorneles relata:
Em frente à delegacia, os caminhões de transmissão de TV já estavam
estacionado desde o início da manhã. A entrevista coletiva nem tinha
terminado ainda e repórteres, lado a lado, entravam ao vivo para abastecer
os programas da tarde. O discurso era igual: “Os assassinos mostraram
frieza”, “não se emocionaram nem quando contaram em detalhes como
mataram Adriana e José Renato” e “até os policiais ficaram chocados com a
frieza demonstrada pelos bandidos”.
50

O clamor pela pena de morte ecoou a todo volume, apresentadores só


falavam disso. E declarações de parentes das vítimas, emocionados,
inflamavam ainda mais a revolta da opinião pública.
No outro dia, os jornais manchetavam:
O Estado de S. Paulo: “Assassinos de jovens do Bar Bodega são presos”.
Folha de S. Paulo: “Presos suspeitos do Bar Bodega”.
Jornal da Tarde: “Presos assassinos do Bar Bodega”.
Diário Popular: “Chega de violência”.
As fotos de primeira página eram enormes, mostravam os assassinos do
Bodega perfilados, só Cléverson de costas. (DORNELES, 2010, p. 58-59)

Nos jornais, estampava-se o rosto de Cléverson, ainda mero suspeito, sem


qualquer contraditório ou direito à ampla defesa, como responsável pelo assassinato:

(Diário Popular – 26 de setembro de 1996)


Os rumos do caso começaram a mudar quando chegou ao conhecimento
do promotor de justiça Eduardo Araújo da Silva que os funcionários do Bar Bodega
não reconheciam os acusados.
Diante disso, o promotor passou a realizar investigações em sigilo, contatar
e conversar com os acusados e suas famílias. Passou a notar inúmeras contradições
nos relatos dos acusados, que pareciam sequer conhecer o referido bar, além das
graves acusações de tortura sofridas pelos suspeitos. (DORNELES, 2007, p. 79-80).
Em novembro de 1996, são presos dois dos cinco verdadeiros
responsáveis pelo crime, tendo sido reconhecidos por testemunhas do crime.
51

Cléverson e os outros oito presos, acusados do assassinado do Bar Bodega, foram


soltos e declarados inocentes. (SILVA, 2018)
Entretanto, os entes midiáticos nunca se retrataram das acusações e
exposições indevidas realizadas. Por outro lado, as consequências que resultaram da
atuação na mídia na veiculação do crime foram extremamente prejudiciais na vida dos
envolvidos.
Conforme relata Dorneles na Segunda Parte do seu livro, nomeada “Dez
Anos Depois”, os inocentes rotulados como criminosos perante a sociedade
permaneceram sofrendo com as sequelas da condenação pública.
O autor abordou a vida dos envolvidos após o episódio. Natal, que após ser
solto conseguiu um emprego em uma banca de frutas, logo fora demitido em virtude
da sua imagem estar vinculada à prática do crime:
O Natal que apareceu na imprensa dez anos atrás fotografado na banca de
frutas, durou só dois dias. O dono da banca disse que ele podia ser um bom
menino mas “ia acabar afastando a freguesia com essa fama do Bodega".
(DORNELES, 2007, p. 184)

As consequências, ainda, ultrapassam a pessoa do acusado, atingindo


também a vida dos seus familiares. Conforme relata o autor, a irmã de Natal, Flávia,
“na época com treze anos, teve que abandonar a escola, tinha virado "a irmã do
bandido".” (DORNELES, 2007, p. 184)
Jailson, outro acusado, segundo relato da irmã, também perdeu o emprego.
Trabalhava com o irmão de criação em uma auto escola, entretanto lhe fora pedido
para que deixasse o emprego pois “Os cIientes ficavam falando dele e do caso
Bodega, gente do comércio ao lado comentava e isso poderia prejudicar os negócios.”
(DORNELES, 2007, p. 189)
Ainda, Jailson também sofria em casa com as consequências do evento.
Voltou a ser preso, por assalto, tendo em vista que não conseguia arranjar um
emprego para sustentar a família:
Em casa, lamentava que não estava conseguindo sustentar os filhos, não
tinha jeito de se aprumar. E repetia um discurso: "Se a vida fosse boa, não
tinha acontecido tudo aquilo. Agora, se apanhar, vai ser com motivo. Sem
motivo, nunca mais.” (DORNELES, 2007, p. 189)

Novamente, ressalta-se a extensão das consequências, que extrapola a


pessoa do acusado:
Gabriela não tinha quatro anos quando o pai foi preso por causa do Bodega.
Mas diz que lembra de tudo. "Nunca vou esquecer do meu pai apanhando na
minha frente, quando invadiram aqui. Eu gritava desesperada pra eles parar.
52

Ta tudo guardadinho aqui", falou apontando a testa. "Eu sei que o meu pai
não queria ser bandido." (DORNELES, 2007, p. 190)

Valmir Martins, outro dos acusados, fora demitido do emprego em razão da


sua associação ao crime, perpetrada pelos meios de comunicação, em nível nacional.
Seus planos para o futuro foram devastados:
Ele conta que foi demitido do supermercado Eldorado quinze dias depois de
libertado, quando ainda não se sabia quem eram os verdadeiros culpados
pelo assalto. O gerente nem quis falar cara a cara, demitiu por telefone. Não
era mais conveniente a presença dele no supermercado. Mais uma vez, ele
se sentiu humilhado. Nem depois que os culpados foram presos ele foi
procurado para ser readmitido, nem recebeu nenhum pedido de desculpa. Foi
um baque. Ele contava com aquele emprego para retomar os estudos, que
tinha abandonado dois anos antes. (DORNELES, 2007, p. 198)

Valmir relutou em falar com o jornalista, Carlos Dorneles. Ao ser


perguntado porquê, responde: "Porque com a imprensa eu me sinto mais indefeso do
que com a polícia." (DORNELES, 2007, p. 198)
Quanto ao acusado Valmir da Silva, também se relata sua dificuldade após
a exposição indevida, notadamente na vida profissional:
Uma vez, o supervisor disse que precisavam ter uma conversa. Mostrou uma
carta anônima que tinha recebido. Estava escrito: "Olha bem quem vocês
recrutam para a empresa de vocês". Junto, recortes de jornais com fotos de
Valmir preso. "Se continuar assim", disse o supervisor, "não vai ter como você
trabalhar para a gente. Se mandam um negócio desses para um cIiente, não
tem como segurar." Mas a carta foi única. E o episódio foi esquecido. Não por
Valmir. Desde que foi solto, dez anos antes, sempre teve dificuldade para
arranjar emprego. Perdeu vários porque diziam que o nome dele estava sujo.
No primeiro trabalho que conseguiu, numa distribuidora de gás, perguntaram
se ele já teve algum problema com a polícia. Não quis esconder, contou a
história. Foi contratado sem nenhum direito trabalhista. O patrão não pagava.
Ele reclamou. A mãe do patrão dizia que ele era um ingrato, um ladrão
ingrato. (DORNELES, 2007, p. 200-201)

Quanto à Cléverson, não há futuro a ser relatado: foi assassinado dois anos
depois, antes de completar vinte anos. Não se sabe quem são os autores do crime.
Ao contrário do assassinato dos jovens de classe média no Bar Bodega, a morte de
Cléverson nunca foi investigada.

c) Caso Nardoni

Ocorrido em 29 de março de 2008, o caso ganhou repercussão nacional


pela mídia quando o pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá,
53

foram acusados de arremessar pela janela do sexto andar do edifício residencial onde
moravam a menina Isabella Nardoni, com então 05 (cinco) anos de idade. (LIMA,
2016)
O casal fora acusado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo pela
prática do delito de homicídio qualificado por meio cruel, com a impossibilidade de
defesa da vítima e com objetivo de ocultar o crime. (LIMA, 2016)
A cobertura dos meios de comunicação em cima do fatos foi monstruosa.
A atividade midiática deixou de ter como interesse a disseminação de informação, e
tornou-se um verdadeiro duelo de audiências, deixando-se de lado a ética e o respeito
as garantias fundamentais das partes envolvidas.
A morte de uma criança tornou-se um espetáculo público. Na reconstituição
do crime, apartamentos vizinhos do edifício onde ocorrera o trágico evento foram
alugados para que fosse possível, em tempo real, registrar e transmitir.
E, dessa forma, os meios de comunicação, tanto televisivos quanto
escritos, tornaram o crime um show, divulgando todos os detalhes, desde os mais
relevantes até os mais irrisórios - como as roupas que os acusados usavam no dia -,
resultando em uma condenação popular antes da condenação pelo Poder Judiciário,
razão pela qual os réus tiveram que permaneceram encarcerados durante toda a
instrução processual.
A revista VEJA, em sua edição 2057 de 23 de abril de 2008, de forma
maliciosa, utilizando de sensacionalismo gráfico e verbal, estampa em sua capa a
fotografia dos acusados e, em letras grandes e facilmente visíveis a expressão
“FORAM ELES”, levando aqueles que vissem a capa a crerem que já havia uma
condenação, que não pairava mais quaisquer dúvidas acerca da autoria do delito:
54

Figura 1 – Revista VEJA: Edição 2057.

O ódio e sentimento de vingança gerados por toda a informação divulgada


sem nenhum cuidado com a presunção de inocência dos acusados foi tanta que, no
terceiro dia de julgamento do caso, o advogado de defesa do casal chegou a ser
agredido em frente ao Fórum de Santana, em São Paulo. (PAIXÃO, 2010)
No referido caso, ao contrário do caso Escola Base, a condenação veio,
posteriormente, pelo Judiciário. Entretanto, a ampla divulgação do crime pelos entes
midiáticos foi justificativa para negar e liberdade provisória dos acusados pelo Plenário
II do 2º Tribunal do Júri da Capital:
“[...] Portanto, diante da hediondez do crime atribuído aos acusados,
pelo fato de envolver membros de uma mesma família de boa condição
social, tal situação teria gerado revolta à população não apenas desta
Capital, mas de todo o país, que envolveu diversas manifestações
coletivas, como fartamente divulgado pela mídia, além de ter exigido
também um enorme esquema de segurança e contenção por parte da
Polícia Militar do Estado de São Paulo na frente das dependências
deste Fórum Regional de Santana durante estes cinco dias de
realização do presente julgamento, tamanho o número de populares
e profissionais de imprensa que para cá acorreram, daí porque a
manutenção de suas custódias cautelares se mostra necessária
para a preservação da credibilidade e da respeitabilidade do Poder
Judiciário, as quais ficariam extremamente abaladas caso, agora,
55

quando já existe decisão formal condenando os acusados pela prática


deste crime, conceder-lhes o benefício de liberdade provisória, uma
vez que permaneceram encarcerados durante toda a fase de
instrução.” (Grifei)

Sobre o referido caso, paira ainda o questionamento: e se os acusados


fossem inocentes? E se após a instrução processual, os réus fossem absolvidos, seria
possível retomarem suas vidas com normalidade, após toda a exposição sofrida? A
população aceitaria a absolvição do Poder Judiciário? Certamente que não,
notadamente tomando como base o precedente da Escola Base, onde os acusados
que foram expostos sofreram - e sofrem até os dias atuais -, com as consequências
da exposição.
Os acusados foram condenados pelo Judiciário, tendo o pai, Alexandre
Nardoni, sido condenado a 30 (trinta) anos e 02 (dois) meses de prisão, enquanto a
madrasta, Anna Carolina Jatobá, fora condenada a 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito)
meses. (LIMA, 2016)
Indaga-se ainda: após cumprirem as penas impostas eles teriam
possibilidade de reinserir-se na sociedade, sendo que após a repercussão nacional
do crime através dos meios de comunicação estarão para sempre marcados como
assassinos de uma criança?
Diante do exposto, é necessário uma atenção maior à problemática dos
abusos cometidos pelos meios de comunicação, tendo em vista que na ânsia de
angariar maior audiência, acabam ferindo direitos fundamentais dos acusados de uma
pratica delituosa, cujas consequências perdurarão além da notícia.
56

3 PONDERAÇÃO ENTRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E PRESUNÇÃO DE


INOCÊNCIA

No jornalismo, não há fibrose. O tecido atingido pela calúnia não se regenera.


As feridas abertas pela difamação não cicatrizam. A retratação nunca tem o
mesmo espaço das acusações. E mesmo que tivesse, a credibilidade do
injustiçado não seria restituída, pois a mentira fica marcada no imaginário
popular. Quem tem a imagem pública manchada pela mídia não consegue
recuperá-la. Está condenado ao ostracismo. (PENA, 2005, p.1)

Com o referido trecho adentramos no problema da solução para o conflito


entre a liberdade de expressão assegurada à imprensa e meios de comunicação em
geral e os direitos fundamentais do indivíduo cuja imagem e intimidade são expostas
associadas à fatos delituosos, violando a presunção de inocência do suspeito ou
acusado da autoria do crime.
De um lado temos a livre manifestação do pensamento e a plena liberdade
de comunicação, conforme art. 5º, incisos IV e IX da Constituição Federal e, em
contrapartida, a presunção de inocência e a proteção da honra e intimidade das
pessoas, previstas no art. 5º, incisos X e LVII da Constituição.
Conforme citação colacionada, é mister reforçar o defendido pelo autor,
Felipe Pena, que aquele cuja imagem é manchada pela mídia, sendo condenado pela
opinião pública, jamais a recupera. Fica para sempre na memória e no imaginário da
população telespectadora.
A mídia, entretanto, possui garantia de liberdade de expressar-se e divulgar
o lhe for conveniente, notadamente pela ideia de que em um Estado Democrático não
pode haver censura de qualquer natureza.
Nesse sentido explica Perfecto Ibáñez:
De aquí, uma suerte de preocupante paradoja: la libertad de expresión y el
libre flujo de las informaciones, ideal precondición de la existencia de uma
esfera pública democrática, ha derivado hacia la emergência y consolidación
de un nuevo poder de difícil fiscalizacións a través de los procedimentos de
la democracia representativa y frente al que el ciudadano comun está
esencialmente inerme. (IBÁÑEZ, 2005, p. 168)

Diante disso, resta evidente a dificuldade em encontrar uma forma de


resolver o conflito por um meio que não afete a democracia – pois a publicidade dos
processos é um requisito da democracia.
57

Entretanto, o padrão jornalístico adotado pela mídia brasileira pode violar –


e, de fato, viola -, direitos fundamentais das pessoas acusadas da prática de ilícitos.
Diante disso, Simone Schreiber ressalta:
A questão da cobertura jornalística dos julgamentos criminais é objeto de
reflexão pela doutrina nacional há décadas, muito embora isso não se reflita
na jurisprudência dos tribunais brasileiros. Muitos autores identificam o risco
de que campanhas de mídia influenciem indevidamente o desfecho de
processos criminais, contudo, a maioria não chega a se debruçar sobre
soluções possíveis para o problema, que sejam compatíveis com o estatuto
constitucional brasileiro, dada a proteção recebida pela liberdade de
expressão. (SCHREIBER, 2010, p. 1)

Ou seja, reconhece-se que há um problema na forma de atuação dos entes


midiáticos na divulgação decorrente da ocorrência de uma prática delituosa,
entretanto, diante da proteção dada a liberdade midiática e o receio de se retornar à
censura, tal problemática resta ignorada, não possuindo a devida e necessária
atenção.
É fato que a prática de um crime é um acontecimento público, cuja
apuração e punição são de interesse da coletividade. Diante de tais fatos se legitima
a livre veiculação pela mídia de fatos e opiniões sobre investigações e procedimentos
judiciais em curso referentes à prática delituosa. Entretanto, conforme explica Simone
Schreiber:
(...) isso não impede a constatação de que o exercício pela imprensa do
direito de acesso a informações pertinentes a feitos criminais, bem como livre
veiculação de notícias e opiniões, apresenta pontos de tensão com outros
direitos e interesses de estatura constitucional, como são os direitos de
personalidade dos réus, vítimas e testemunhas, direito fundamental da
presunção de inocência, o interesse público na boa condução da investigação
criminal e na boa administração da justiça e, finalmente, o direito a um
julgamento justo.” (SCHREIBER, 2008, p. 264)

Robert Alexy define o conflito de direitos fundamentais quando “o exercício


ou a realização do direito fundamental de um titular de direitos fundamentais tem
consequências negativas sobre direitos fundamentais de outros titulares de direitos
fundamentais.” (ALEXY, 1999, p. 68-69)
Da problemática aqui exposta há um evidente conflito de direitos
fundamentais: a exposição do indivíduo suspeito ou acusado da prática de um crime
pelos entes midiáticos (exercício do direito fundamental da liberdade de expressão e
manifestação do pensamento) fere direito fundamental (presunção de inocência)
daquele que é exposto como autor do crime.
Diante disso, resta o problema de como solucionar o referido conflito entre
dois direitos constitucionalmente assegurados. Segundo Robert Alexy, “todas as
58

colisões podem somente então ser solucionadas se ou de um lado ou de ambos, de


alguma maneira. limitações são efetuadas ou sacrifícios são feitos.” (Alexy, 1999, p.
73)
Sérgio Salomão Shecaira, em sua pesquisa “Criminalidade e os meios de
comunicação de massas” aponta três caminhos distintos para a solução do problema
apontado. Vejamos:
A primeira opção é a de não haver qualquer censura, nem mesmo
autocensura, para os meios de comunicação. Em se ferindo algum bem
jurídico tutelado pela lei, em face da publicação irresponsável por algum
órgão da imprensa, este estaria obrigado a reparar o dano causado.
(SHECAIRA, 2010, p. 5)

Ou seja, a referida opção é a que já ocorre no Brasil, pois não há qualquer


controle ou limitação à atuação dos meios de comunicação, podendo, após
efetivamente ocorrida a violação, buscar-se a reparação dos danos junto ao Poder
Judiciário.
Entretanto, tal opção não é a mais adequada, pois não inibe a ocorrência
do dano, além de jamais conseguir restabelecer ao status a quo os bens atingidos
pela exposição do indivíduo como autor de um crime, quais sejam, sua imagem
perante a sociedade e honra, por exemplo.
A segunda opção apresentada pelo autor seria utilizar técnicas de
ponderação, verificando no caso concreto qual seria o direito que deveria prevalecer:
A segunda alternativa é a da autocensura, considerando-se caso-a-caso os
bens em jogo. Como não se pode hierarquizar os direitos em conflito, deve-
se examinar o caso concreto. Quando o interesse na informação for prioritário
à proteção outorgada ao indivíduo, a órbita individual deverá ceder espaço
ao interesse público de ter acesso à notícia. Caso contrário, prevalece o
interesse individual. (...) Ademais, sempre que houvesse dúvida acerca de
qual bem devesse prevalecer, ficaríamos dependendo de uma decisão de
nosso Poder Judiciário, muitas vezes moroso, o que poderia acabar
sacrificando o bem jurídico que se pretendia tutelar. Por derradeiro, aquelas
objeções apontadas anteriormente quanto a uma possível indenização,
também se aplicariam a esta hipótese. (SHECAIRA, 2010, p. 6)

Num primeiro ponto da alternativa apresentada pelo autor, é proposta uma


“autocensura” pelos entes midiáticos, que deveriam agir com cautela e verificar no
caso concreto qual direito deveria prevalecer – o seu, de informar, ou proteger os
direitos do indivíduo envolvido.
Num segundo ponto da referida alternativa, propõe o autor que, não sendo
possível a promoção da autocensura, ocorrendo dúvidas acerca de qual interesse
deveria prevalecer, caberia encaminhar a controvérsia ao Poder Judiciário, para que,
através de técnicas de ponderação, decidisse o caso concreto.
59

Conforme explicado em tópico acerca da estrutura dos direitos


fundamentais, diante de um problema a ser resolvido o operador jurídico brasileiro tem
como forma de resolução costumeira a subsunção da norma prevista no ordenamento
jurídico ao caso concreto.
É um raciocínio silogístico, que parte da premissa maior (a norma) para
uma premissa menor (o fato), sendo que a conclusão do raciocínio será o
enquadramento do fato à norma.
Tais normas são as regras, que se aplicam ou não se aplicam ao caso
concreto. Ocorrendo a hipótese prevista no texto legislativo, a regra deve incidir.
Entretanto, no problema ora apresentado, há uma colisão de princípios, que
são normas “ideais”, podendo sofrer limitações e concessões de acordo com a
situação fática e o sopesamento a ser realizado pelo magistrado, sempre fazendo o
possível para preservar o máximo de cada um dos princípios em colisão.
Ressalta-se ainda que entre as normas constitucionais não há hierarquia –
princípio da unidade da Constituição. Os direitos fundamentais, no caso do Brasil, são
cláusulas pétreas, possuindo todos o mesmo status jurídico.
Assim, para se solucionar colisões entre direitos fundamentais não há uma
regra específica para verificar-se quais direitos devem se sobrepor a outros, tendo em
vista a impossibilidade de hierarquizá-los.
A técnica adequada e utilizada atualmente é a da ponderação, defendida
por Robert Alexy, que deve ser realizada da seguinte forma:
Segundo a lei da ponderação, a ponderação deve suceder em três fases. Na
primeira fase deve ser determinada a intensidade da intervenção. Na
segunda fase se trata, então, da importância das razões que justificam a
intervenção. Somente na terceira fase sucede, então, a ponderação no
sentido estrito e próprio. (ALEXY, 1999, p. 78)

Assim, segundo a teoria do doutrinador alemão, a ponderação


propriamente dita deve ser realizada após analisar-se a intensidade da intervenção a
ser realizada para encerrar o conflito e, ainda, a importância dos motivos que
fundamentassem a referida intervenção.
Trazendo a referida técnica de ponderação para solucionar o problema aqui
apresentado, entende-se que:
a) a intervenção a ser realizada no exercício do direito dos entes midiáticos
não seria de grande intensidade, pois o que se propõe não é a proibição de
veicular notícias acerca de práticas delituosas, mas que tal veiculação seja
60

realizada com responsabilidade e com atenção à veracidade dos fatos, sem


sensacionalismo e sem a exposição da imagem do indivíduo como autor
do crime antes do devido processo legal; e
b) a intervenção realizada é plenamente justificável, pois, conforme
exaustivamente demonstrado ao longo da presente pesquisa, as sequelas
deixadas na vida do indivíduo submetido a tais exposições pela mídia
prejudicam o envolvido em todas as esferas de sua vida e estendem-se por
anos, acompanhando o indivíduo, muitas vezes, por toda a sua existência.
Diante disso, deveria prevalecer o direito fundamental da presunção de
inocência em detrimento da liberdade midiática, pois o que para os entes midiáticos
trata-se de minutos de audiência, para aquele que é julgado e condenado pela opinião
pública, as consequências se protraem no tempo, impedindo que, após uma
absolvição do Judiciário ou cumprimento da pena pelo condenado, este indivíduo
possa retomar sua vida em sociedade.
Como escreve Eberhard Schmidt: “el interés en la aclaración de los hechos
y em la defesa del acusado (...) preceden al interés en la información pública”.
(SCHMIDT, 1957, p. 243). Ou seja, a defesa do acusado e dos seus direitos devem
preceder ao interesse na informação pública.
Entretanto, assim como a primeira alternativa, a segunda não se mostra
muito eficaz para evitar a ocorrência na violação. Primeiro que a ideia de autocensura,
conforme defende o próprio autor que a propõe, necessita de uma sociedade que
entenda o poder e a extensão dos danos que podem ser causados pela exposição
midiática, de forma que pressione à mídia a realização da autocensura:
é a proposta mais consentânea com um país que tenha uma sociedade civil
organizada e atuante e que, em face de um caso concreto, tenha noção do
poder que o destinatário da informação tem. Vê-se, não raro, nos Estados
Unidos da América, campanhas de boicote contra determinado órgão da
imprensa pela publicação impensada com que se houve em determinado
caso. Não nos parece ser o caso do Brasil. (SHECAIRA, 2010, p. 6)

Ainda, a proposta de, não havendo a autocensura pelos entes midiáticos,


encaminhar então para decisão do Poder Judiciário, também não parece a mais
acertada, pois a morosidade do sistema poderia, não raras vezes, resultar no sacrifício
dos bens jurídicos que se pretendia tutelar.
Por fim, propõe Sérgio Shecaira, como terceira opção para solução do
problema da colisão dos direitos fundamentais:
61

A terceira alternativa para solução do problema é a de se criar mecanismos


legais impeditivos da publicação da notícia, de tal forma que se preservem os
bens jurídicos que eventualmente possam ser atingidos por sua divulgação
(presunção de inocência, devido processo legal, intimidade etc.).
(SHECAIRA, 2010, p. 6)

Tal alternativa parece a mais correta para os fins pretendidos – quais


sejam, evitar-se a violação a direitos fundamentais do suspeito/acusado em processo
penal pela prática de uma conduta delituosa.
Como explanado em tópico sobre o princípio da presunção de inocência,
seu âmbito de eficácia é também externo, sendo entendido como regra de tratamento
ao acusado. Dessa forma, é necessário que a mídia aja com uma certa reserva na
divulgação de informações do acusado que possam levar ao um pré-juízo de culpa.
Citando Ana Lúcia Menezes Vieira:
(...) o âmbito de eficácia do princípio é entendido como regra de tratamento
do investigado ou acusado. Refere-se ao status, à condição de inocente da
pessoa submetida a inquérito ou processo criminal. Significa que durante o
desenvolvimento do processo o tratamento do acusado deve ser isento de
situações que propiciem antecipação ou um juízo de culpabilidade, por
exemplo, o uso de algemas quando desnecessário, a posição degradante e
inferior do banco dos réus, palavras e gestos humilhantes que o tornem
diminuído além do necessário imposto pela condição de investigado ou
processado. (VIEIRA, 2003, p. 172)

Nesse sentido, o autor cita como exemplo de limitação ao direito da mídia


o previsto no art. 247 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que veda a divulgação
do nome dos meros suspeitos, limitação que, segundo ele, “poderia servir para
preservar não só a honra e intimidade dos suspeitos ou acusados, mas,
principalmente, garantir-lhes o devido processo legal e o não atingimento do princípio
da presunção de inocência.” (SHECAIRA, 2010, p. 6)
Assim é também o entendimento do espanhol Perfecto Ibáñez, que defende
que, pelo menos na fase inicial do processo, quando não há uma hipótese ou culpa
formada, deve-se manter reservas com relação a divulgação de informações sobre o
crime, pois sua divulgação pode resultar na antecipação de um juízo sobre o acusado,
resultando em graves prejuízos:
En la dimensión externa, en general, há de prevalecer uma cultura de la
reserva, al menos hasta el início de la passe propiamente publica de la causa,
es decir, del enjuiciamiento verdadero y propio, que, a su vez, tendría que
quedar a salvo de esa ya aludida distorsionadora publicidad masiva. Creo que
en materia de proceso penal, el pesado gravamen que su sola instauración
representa para el afectado no debería verse incrementado por la pena
sobreañadida de la difusión de los fatos que inducen una anticipación del
juicio y muy perturbadores efectos dentro del mismo. Sequiera hasta la
existencia de una hipótesis acusatória suficientemente contrastada y madura,
apta para determinar la apertura de aquél. (IBÁÑEZ, 2005, p. 178)
62

Ainda nessa esteira, ressalta-se que a publicidade dos procedimentos


judiciais existe justamente para proteger o cidadão de arbitrariedades do Estado.
Diante disso, existe a possibilidade de decretar-se o sigilo do processo, quando sua
publicidade tiver potencial para causar mais prejuízos do que vantagens ao envolvido.
Embora a publicidade do processo seja a regra, conforme disposição do
art. 792, caput, do Código de Processo Penal, é admitida a restrição quando presentes
razões autorizadoras, como a ocorrência de violação à intimidade do réus ou se o
interesse público a determinar.
Ainda, o parágrafo 1º do mesmo dispositivo legal assim determina:
§ 1o Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder
resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem,
o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento
da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas
fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.

Ou seja, a publicidade dos atos processuais, apesar de constituir-se como


importante garantia, não é absoluta, podendo ser restringido o acesso diante de certas
circunstâncias prejudiciais. Nesse sentido, Shecaira posiciona-se pela defesa da
preservação da presunção de inocência do suspeito:
Por outro lado, não se deve permitir que, principalmente antes da culpa
formada, na fase do inquérito policial, antes de se demonstrar que haja
elementos mínimos para o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público,
que se execre publicamente a pessoa que é mera suspeita do fato delitivo.
Some-se a isso as dificuldades que o próprio suspeito tem em demonstrar a
sua não culpa na fase inquisitorial prévia existente em nosso processo penal.
(SHECAIRA, 2010, p. 6)

Nessa mesma direção é o entendimento do doutrinador de processo penal


Aury Lopes Junior, que defende a limitação midiática em defesa da presunção de
inocência do acusado:
Externamente ao processo, a presunção de inocência exige uma proteção
contra a publicidade abusiva e a estigmatização (precoce) do réu. Significa
dizer que a presunção de inocência (e também as garantias constitucionais
da imagem, dignidade e privacidade) deve ser utilizada como verdadeiros
limites democráticos à abusiva exploração midiática em torno do fato
criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo montado pelo
julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de
inocência. (LOPES JUNIOR, 2016, p. 79)

Assim, o acesso e divulgação de informações relativas a investigações e


processos criminais, pela mídia, não é direito absoluto, sendo não apenas possível
mas também necessária sua restrição quando seu exercício puder violar outros
direitos fundamentais.
63

Diante disso, a atuação dos entes midiáticos no que se refere à divulgação


de crimes de repercussão social devem limitar-se a relatar aquilo que é indispensável
e de interesse público – e apenas o que possuir ligação com o fato criminoso, evitando
ainda a exposição de imagem e nome do acusado e uso de termos negativos, visando
preservar a integridade daquele que ainda não teve uma sentença condenatória
proferida por um Tribunal competente, e preocupando-se ainda com o processo de
ressocialização do indivíduo.
Conforme anteriormente ressaltado, no ordenamento jurídico brasileiro não
há previsão de limitação da mídia, sendo que depois de efetivamente ocorrida a
violação, o lesado pode, em juízo, requerer reparação civil.
A responsabilidade civil é instituto do direito que visa a justa reparação
pelos danos causados à outrem. Possui previsão normativa no artigo 927 do Código
Civil, que determina que: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica
obrigado à repará-lo.” (BRASIL, 2002)
Para Carlos Roberto Gonçalves, doutrinador de Direito Civil, o ato ilícito é
“fonte de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado.” (GONÇALVES,
2012, p. 357). Ou seja, o ato ilícito, que é decorrente de uma conduta - ação ou
omissão, dolosa ou culposa – do agente, que decorra em prejuízo à um terceiro, gera
a obrigação de reparar o dano causado.
O termo “responsabilidade” vem do latim “re-spondere”, que significa
recomposição, obrigação de restituir/reparar. Diferencia-se da responsabilidade penal
na medida em que nesta o interesse lesado é o da sociedade, enquanto na
responsabilidade civil o interesse é particular.
Para que haja a responsabilização civil de um sujeito, com sua
consequente condenação à reparação do prejuízo causado, seja ele de ordem
material ou moral, é necessária a demonstração de alguns requisitos.
Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 363) enumera como requisitos para
responsabilidade civil: 1) uma ação ou omissão), 2) a conduta dolosa ou culposa do
agente ofensor, 3) o dano, e 4) o nexo de causalidade entre a conduta perpetrada e o
dano.
A ação é uma conduta positiva - que pode ser um ato próprio (art. 939, 940,
953, etc.), ato de terceiro pela qual o agente é responsável (art. 932) ou causados por
coisas (art. 937) ou animais (art. 936) que lhe pertençam -, e que cause algum
prejuízo, material ou imaterial, a outrem. (GONÇALVES, 2012, p. 363)
64

Quando trata-se de uma omissão que causa dano a outrem, o agente


ofensor precisa ter o dever jurídico de não se omitir em determinada situação, além
da demonstração de que, se tivesse pratico determinado fato que era de sua
responsabilidade, o prejuízo poderia ser sido evitado. (GONÇALVES, 2012, p. 363)
No que tange à culpa lato sensu, que engloba o dolo e a culpa stricto sensu,
Flávio Tartuce (2018) define o dolo como “uma violação intencional do dever jurídico
com o objetivo de prejudicar outrem.” (TARTUCE, 2018, p. 485), e a culpa como sendo
“o desrespeito a um dever preexistente, não havendo propriamente uma intenção de
violar o dever jurídico.” (TARTUCE, 2018, p. 486).
Ou seja, o dolo é a conduta violadora do direito de um terceiro perpetrada
de forma intencional, enquanto na culpa a conduta do agente não possuía como
finalidade a violação do direito, mas que, por negligência, imprudência ou imperícia,
causou o dano.
O nexo de causalidade é o requisito que, conforme define Tartuce, constitui
“a relação de causa e efeito entre a conduta culposa – ou o risco criado –, e o dano
suportado por alguém.” (TARTUCE, 2018, p. 492). É o que relaciona a conduta
praticada pelo agente ofensor com o dano, de forma que se demonstre que sem
aquela conduta, a violação ao direito do ofendido não teria ocorrido.
Por fim, para que exista a responsabilidade civil de reparação, é elemento
essencial a ocorrência de um dano, que é o prejuízo, seja ele material ou imaterial,
causado a alguém pela violação de um direito de sua titularidade, sem o qual não há
o que ser reparado. Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves ressalta que “Sem a
prova do dano ninguém pode ser responsabilizado civilmente.” (GONÇALVES, 2012,
p. 365)
No caso da violação aos direitos fundamentais dos direitos do acusado, a
solução mais correta e eficaz seria a concessão de uma tutela inibitória, visando coibir
os abusos perpetrados pela mídia ao divulgar informações sensacionalistas e íntimas
da vida do acusado – o que, conforme demonstrado anteriormente, poderá lhe causar
danos que, senão irreversíveis, de difícil reparação.
Entretanto, em caso de não haver qualquer tutela tempestiva eficaz para
evitar as violações, é cabível a responsabilização civil dos entes midiáticos.
Compulsando os requisitos para responsabilização civil acima citado, é
possível verificar sua correlação com a exposição indevida dos suspeitos por uma
prática delituosa como culpados pelo crime, pois a) presente a conduta positiva do
65

ente midiático na divulgação abusiva do crime; b) realizada com negligência, ao não


preocupar-se com o resultado da ação, restando demonstrada a culpa; c) sem a qual
[a conduta] o dano não teria ocorrido, configurando o nexo de causalidade; e d) o
dano, qual seja, a violação do direito fundamental do acusado, de não ser considerado
culpado antes de sentença penal condenatória transitada em julgado.
No caso da Escola Base, citado anteriormente em tópico 2.4, a), emissoras
de televisão que divulgaram informações sobre a suposta ocorrência do crime de
abuso de menores foram condenadas ao pagamento de indenização por danos
morais. Analisaremos, assim, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça
em recurso especial nº 1.215.294-SP interposto pelo canal de televisão TVSBT contra
decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo teor segue:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. "CASO DA ESCOLA
BASE". GRAVES ACUSAÇÕES DIVULGADAS PELA MÍDIA. ABUSO
SEXUAL DE CRIANÇAS EM ESCOLA. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO
POR ABSOLUTA FALTA DE MÍNIMOS ELEMENTOS CONTRÁRIOS AOS
INVESTIGADOS. AUSÊNCIA DE CAUSA DE PEDIR. INÉPCIA DA INICIAL.
INEXISTÊNCIA. DANOS MORAIS. VALOR EXORBITANTE. REDUÇÃO NA
ESPÉCIE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Demanda
indenizatória decorrente de fatos amplamente noticiados na época pela
mídia, de forma ininterrupta e por vários dias, envolvendo graves e
infundadas acusações de abusos sexuais e exploração de crianças contra os
autores deste processo ("Caso da Escola Base"). 2. A petição inicial não deve
ser considerada inepta quando, com a narração dos fatos contidos na
exordial, seja possível a razoável compreensão, por parte do magistrado, da
causa de pedir e do pedido. Precedentes desta Corte Superior. 3. Também
não deve ser declarada como inepta a inicial que possibilita o exercício de
defesa, permitindo o pleno contraditório, podendo-se, ainda, vislumbrar
perfeitamente o pedido e a causa de pedir. 4. Prospera o pedido de redução
do valor indenizatório fixado a título de danos morais, pois a pretensão trazida
no especial se enquadra nas exceções que permitem a interferência desta
Corte Superior, uma vez que o valor arbitrado mostra-se, diante das
particularidades da causa, exorbitante. 5. Recurso especial parcialmente
provido, para reduzir o valor da indenização para o montante de R$
100.000,00 (cem mil reais), a cada um dos autores, corrigidos a partir da data
deste julgamento. (STJ, 2013, p. 01)

Conforme se verifica da análise da ementa colacionada, o STJ confirmou a


decisão dos tribunais de instâncias inferiores, condenando a empresa de televisão ao
pagamento de indenização por danos morais pelo excesso na divulgação de
informações acerca do fato delituoso, configurando assim abuso do direito de informar
que decorreu em consequências danosas aos envolvidos.
O Magistrado de primeira instância, no julgamento de caso, entendeu que:
houve abuso e leviandade nas matérias jornalísticas elaboradas pelos
prepostos da emissora, repletas de sensacionalismo e abuso (...)
independentemente do término das investigações oficiais pelos órgãos
competentes (...) ao final arquivado pela inocorrência de qualquer tipo penal,
daí a caracterização do ato-fato ilícito conducente à responsabilização
66

pecuniária equivalencial pelos danos causados aos inocentes. (STJ, 2013, p.


03)

Ou seja, as notícias midiáticas que envolvem a ocorrência de fatos


delituosos devem ser realizadas de forma imparcial e sem sensacionalismo, sob pena
de configurar abuso no exercício do direito de informar. Sendo verificada a ocorrência
do abuso pelo ente midiático, a responsabilização civil é a medida que se impõe,
devendo ser o quantum indenizatório condizente com a extensão do dano causado.
Da referida decisão de primeira instância já havia sido apresentado recurso
ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo acórdão segue:
"Embargos infringentes - Ação indenizatória - Dano moral - Cabimento - Prova
testemunhal restou suficiente para demonstrar a ocorrência dos fatos
alegados na petição inicial - Constituição Federal assegura o direito
fundamental à liberdade de expressão - Liberdade que não é absoluta,
como não o é qualquer outro direito - Exercício abusivo e irresponsável
do direito, se causar danos e enseja o dever de indenizar - Prejuízo à
imagem dos embargantes decorreu da forma desabonadora como os
fatos a eles atribuídos foram noticiados pela empresa embargada -
Acolhido na integra o voto vencido - Embargos Infringentes conhecidos e
acolhidos". (STJ, 2013, p. 02) (grifei)

Importante destacar trecho do voto do Relator do processo junto ao


Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que assim aduz:
É de se duvidar que alguém, contemporâneo aos fatos relatados na presente
demanda, tenha esquecido os abusos morais e físicos a que foram
submetidos os autores, ora recorridos, que tiveram sua escola depredada e
jamais poderão exercer novamente atividade semelhante. Não há como
negar que, muitas vezes, a condenação imposta pela mídia suplanta a
condenação judicial, embora nossa Constituição Federal defenda a
liberdade de imprensa tanto quanto defende o princípio da proteção da
honra e da intimidade da pessoa. Desse modo, o espetáculo midiático
deve ser coibido pela eficácia dessas garantias. (STJ, 2013, p. 07) (grifei)

A decisão do Tribunal Superior, entretanto – apesar de confirmar a


ocorrência do dano moral decorrente da conduta abusiva perpetrada pelos meios de
comunicação -, reduziu o quantum indenizatório do patamar de R$ 300.000,00
(trezentos mil reais) para cada um dos autores, fixado pelo TJSP, para o montante de
R$ 100.000,00 (cem mim reais).
Tal valor é irrisório e desproporcional, frente à violação e a extensão dos
danos sofridos pelos autores, cujas repercussões permanecem até os dias atuais,
vinte e cinco anos após o evento danoso.
Semelhante decisão fora proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo em maio de 2015 no processo nº 0021776-76.2005.8.16.0068, em desfavor
da emissora TV OMEGA LTDA (REDE TV!).
67

Conforme se extrai da ementa, a seguir colacionada, tratava-se a demanda


de uso abusivo da imagem do acusado, que teve sua imagem exposta no programa
de televisão “Repórter Cidadão”, relacionando-o ao crime de estupro e atentado
violento ao pudor contra sua filha:
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. Dano moral.
Indenização. Sentença de improcedência reformada. Uso desautorizado e
abusivo de imagem por emissora de televisão, em programa jornalístico.
Imagem do apelante, mostrada por treze vezes durante a reportagem,
associada à prática de crime de estupro e atentado violento ao pudor contra
a filha. Inquérito policial que, à época, tramitava, que foi arquivado, por falta
de materialidade delitiva. Conduta abusiva configurada. Dano in re ipsa.
Nexo de causalidade. Responsabilidade que independe de culpa. Art. 20,
187 e 927, parágrafo único, CC. Conduta abusiva da apelada que deve ser
coibida. Indenização fixada em R$ 300.000,00. Recurso provido. (TJ-SP -
APL: 00217767620058260068 SP 0021776-76.2005.8.26.0068, Relator:
Teixeira Leite, Data de Julgamento: 28/05/2015, 4ª Câmara de Direito
Privado, Data de Publicação: 03/06/2015)

Nos autos, o acusado e vítima da conduta abusiva da emissora teria


relatado que sua imagem fora divulgada em rede nacional por doze vezes,
associando-o à prática dos crimes, sendo que tal exposição jamais teria sido por ele
autorizada, restando claro que a ré teria agido de forma abusiva e sensacionalista,
com a intenção de gerar audiência e, consequentemente, auferir lucro.
No teor da decisão, o relator do processo, o desembargador Carlos Teixeira
Leite, defende:
A forma de divulgação da notícia, não deve ser considerada normal, mas
abusiva. O caráter não foi meramente informativo; explorou de forma repetida
a imagem do apelante, sob a chamada de “meu pai é um monstro”. E,
evidentemente, não era de se esperar qualquer alteração do conteúdo,
apenas cautela na divulgação de notícia de natureza grave, cujos fatos ainda
estavam sendo objeto de investigação pela polícia judiciária. (TJSP, 2015, p.
05)
E ainda:
A conduta da emissora, em suma, desbordou a mera informação de fato.
Agiu, em verdade, com o objetivo de chocar, comover, chamar a atenção do
telespectador, prender a audiência... Sabe-se que elevados índices de
audiência atraem patrocinadores e justificam os elevados preços praticados
na venda de espaços comerciais. Considerando, pois, que se utiliza da
imagem de outrem, de forma abusiva, não para informar, mas para auferir
lucro, deve repartir esse provável ganho, indenizando o prejudicado. Como
explica o i. Desembargador FRANCISCO LOUREIRO, e o que bem se
aproveita, no julgamento desses conflitos entre direitos fundamentais
liberdade de expressão e direito à imagem é imperativo uma ponderação
sobre o caso concreto, sempre a partir das circunstâncias do interesse da
matéria que deve ser legítimo e não restrito a causar escândalo e/ou tirar
proveito da notícia, que não pode conter distorções, ao lado da seriedade e
viabilidade de sua divulgação. E, no caso, essa análise orienta ao resultado
procurado pelo apelante (cf. Ap. cível nº 9102135-93.2007.8.26.0000, j.
29.5.08). (TJSP, 2015, p. 6-7)
68

Os referidos trechos supra colacionados coadunam com o que se defende


ao longo do presente trabalho. Não se fala em censurar a mídia, mas de tratá-la como
o que, de fato, é: empresas que visam lucro, e, muitas vezes, ocultam suas
verdadeiras intenções sob o manto do interesse público. É esse o entendimento do
Juiz Federal Paulo Mário Canabarro Trois Neto:
Vale ressaltar, então, a constatação acerca da mudança experimentada pela
imprensa nos últimos cem anos: em vez de ser um instrumento a serviço de
um público pensante frente às intervenções do poder estatal, transformou-se
em um meio de pressão que responde a interesses privados que ocultam
suas intenções comerciais sob o manto do interesse público. (TROIS NETO,
2012, p. 8)

Na grande maioria dos casos criminais divulgados pela mídia, que


despertam curiosidade do público, a intenção das emissoras não é meramente
informativa, mas sim “dar o que o público quer”, não importando quais direitos do
acusado venham a ser violados com essa conduta.
O Ilustre Desembargados Carlos Teixeira Leite prossegue:
O dano à imagem do apelante é evidente. Sem que tivesse sido
condenado, nem sequer acusado formalmente em ação penal, a imagem
do apelante foi incisivamente explorada e associada à suposta prática
de estupro e atentado violento ao pudor, ao arrepio do inciso LVII do art.
5º da CF: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória. Os efeitos dessa exposição temerária
são deletérios. No caso, a conduta da apelada fomentou uma
“condenação pública” pelas pessoas que conheciam pessoalmente o
apelante. É de se consignar que, em 9.11.06, o apelante, então com 71 anos
de idade, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) pelo que ficou internado
por mais de um mês, com sequelas que duraram, pelo menos, até 2008 (fls.
111 e 148). A apelada chegou a desistir do depoimento pessoal do apelante,
porque estava interditado. Não se pode atribuir a causa do acidente à
reportagem, mas, antes e talvez, do contexto todo que decorreu da notícia
criminis. Mas é possível inferir que o problema pessoal vivenciado pelo
apelante foi potencializado pela exposição pública de sua imagem. (TJSP,
2015, p. 7) (grifei)

Conforme consta do teor ora citado, a exploração e exposição do acusado


pela mídia decorreu na violação do art. 5º, LVII da Constituição Federal, ou seja, violou
a presunção de inocência do indivíduo que, sem o devido processo legal, fora
publicamente condenado pelos telespectadores da emissora.
Tal conduta não apenas resultou na condenação pública do réu, inclusive
no seu meio social, entre parentes e amigos, evidentemente afetando sua vida
pessoal, mas também lhe potencializou problemas de saúde, levando-o à um Acidente
Vascular Cerebral (AVC), que deixou sequelas, conforme consta na própria
fundamentação do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
69

É de se consignar que, em 9.11.06, o apelante, então com 71 anos de


idade, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) pelo que ficou
internado por mais de um mês, com sequelas que duraram, pelo
menos, até 2008 (fls. 111 e 148). A apelada chegou a desistir do
depoimento pessoal do apelante, porque estava interditado. Não se
pode atribuir a causa do acidente à reportagem, mas, antes e talvez,
do contexto todo que decorreu da noticia criminis. Mas é possível inferir
que o problema pessoal vivenciado pelo apelante foi potencializado
pela exposição pública de sua imagem. (TJSP, 2015, p. 7)

Não se pode negar que tal exposição irresponsável realizada pelos entes
midiáticos, visando unicamente ganhar audiência, deve ser coibida. Entretanto, não
sendo possível evitar a violação do direito, deve ao menos haver uma reparação
pecuniária, que vise compensar a vítima das violações.
Nesse sentido, por fim, a fixação do quantum indenizatório pelo I.
Desembargador Relator do processo:
Quanto ao valor da indenização, sabe que a intensidade do dano moral se
observa pela “magnitude da lesão”, devendo ser levados em conta “os
sofrimentos psíquicos e afetivos padecidos pela vítima” (ANTONIO JEOVÁ
SANTOS, Dano moral indenizável, 4ª ed., SP: RT, 2003, p. 188). No caso, o
dano causado ao apelante foi de extrema gravidade, porquanto atingiu sua
dignidade (art. 1º III CF) e imagem (art. 5º X CF), direitos fundamentais
garantidos pela Carta Maior. Sua honra e imagem foram maculadas perante
amigos, parentes, vizinhos e conhecidos. Assim, com vistas a atender a dupla
função da indenização, a saber: reparar o prejuízo, buscando minimizar os
danos sofridos e, punir o ofensor, para que não volte a incidir na conduta, é
necessário assegurar uma justa compensação, sem, entretanto, incorrer em
enriquecimento ilícito por parte de quem a recebe, e, paralelamente,
determinar a ruína daquele responsável pelo seu pagamento. Nesse rumo,
entendemos que o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) é adequado,
conquanto inferior ao pretendido pelo apelante. Correção monetária a partir
do arbitramento (súm. 362 STJ), considerada a publicação deste acórdão, e
juros desde a data do evento danoso (15.10.03; súm. 54 STJ.)

Assim, verifica-se que a emissora fora condenada no valor de R$


300.000,00 (trezentos mil reais) à título de danos morais.
Na fundamentação da condenação, o Relator explica que a fixação do
quantum, como é cediço, é realizada observando-se as peculiaridades do caso
concreto. Deve-se utilizar critérios como proporcionalidade e a razoabilidade do valor
frente à extensão do dano, o caráter pedagógico da condenação, e, ainda, a
capacidade econômica do ofensor.
Não obstante, observando as decisões supra colacionadas e analisadas,
entende-se por qual razão os entes midiáticos permanecem reincidindo na conduta: o
irrisório valor, frente ao poderio econômico das emissores de televisão.
Embora a fixação do quantum deva seguir alguns critérios, é possível notar
que as condenações não condizem com os parâmetros a serem observados. No que
70

se refere à capacidade econômica do ofensor, sabe-se que as grandes emissoras


televisivas auferem números astronômicos, na casa dos milhões, sendo que a Rede
Globo, principal emissora do país, aufere na casa dos bilhões de reais. (RD1, 2018)
Diante disso, as indenizações fixadas à título de danos morais pela violação
de direitos fundamentais dos indivíduos, que tem suas vidas e histórias usadas pelos
entes midiáticos para auferir lucros, perdem seu caráter sancionador, pois sequer são
sentidas no patrimônio do ofensor.
Ainda, se observar a extensão do dano sofrido, sabe-se que tal tipo de
exposição traz consequências destrutivas para a vida dos indivíduos envolvidos nas
notícias como autores do crime.
Nos casos ora apresentados, notadamente da Escola Base, as sequelas
deixadas pela conduta perpetrada pelos meios de comunicação perduram até os dias
atuais. Houve a destruição da vida dos envolvidos em todas as suas esferas, sejam
profissionais, afetivas, financeiras e psicológicas.
Entretanto, para o Superior Tribunal de Justiça, o irrisório valor de R$
100.000,00 (cem mil reais) fora considerado adequado para reparar o dano de toda
uma vida destruída.
Destarte, é possível concluir que a responsabilização civil dos entes
midiáticos, sendo, até então, o único mecanismo de limitação ao exercício da mídia
na divulgação abusiva de notícias a respeito de práticas criminosas, não é eficaz para
coibir tais condutas.
A fixação do quantum indenizatório em valor irrisório frente ao dano
causado à vítima da exposição, e ainda frente à lucratividade obtida pelos entes
midiáticos com a veiculação de notícias que despertam curiosidade pública, perde o
caráter pedagógico da indenização.
Assim, apesar de necessário o reconhecimento da responsabilidade civil
dos meios de comunicação pelos danos causados, é necessário reavaliar sua eficácia
prática, pois além de ser um mecanismo intempestivo, pois o dano já ocorreu, ainda
é ineficaz para desestimular o ofensor a reincidir na conduta.
71

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto na presente pesquisa, é possível concluir que os


meios de comunicação nem sempre visam somente informar, de forma imparcial. É
importante desmistificar a atuação midiática e lembrar que tratam-se de empresas,
cuja atividade está pautada na lucratividade.
Conforme demonstrado, não raras vezes os meios de comunicação,
escorando-se na garantia da liberdade de expressão, atuam de forma abusiva
resultando na violação dos direitos fundamentais daqueles acusados de uma prática
delituosa.
É imprescindível que se dê maior atenção ao princípio da presunção de
inocência, pois a associação do indivíduo à um crime cuja autoria ainda não está
provada traz inúmeras consequências negativas à vida do acusado, muitas vezes
estendendo-se tais consequências à familiares e pessoas próximas.
Conforme demonstrou-se nas análises de casos realizadas, a mídia,
considerada o quarto poder, possui forte influência na opinião pública. A divulgação
de notícias nas quais o acusado não é apontado como mero acusado, mas como autor
do crime, leva a opinião pública a condená-lo antes de existir qualquer sentença
condenatória proferida por um tribunal competente.
Reinserir-se na sociedade, seja após uma absolvição ou após o
cumprimento da pena é praticamente impossível para um indivíduo cuja imagem
estampou manchetes jornalísticas criminais. Estará para sempre associado como
criminoso na mentalidade da sociedade.
Embora o acusado que sofreu o dano em virtude da abusividade no
exercício midiático possa pleitear judicialmente a reparação dos danos causados, fato
é que tal medida não é adequada, pois o ideal seria evitar-se a ocorrência da violação
de direito fundamental. Sua reparação nunca é suficiente para restabelecer o indivíduo
ao status quo ante, devolver sua inocência, dignidade, imagem e honra perante a
sociedade.
Ademais, as indenizações fixadas em casos análogos tem se mostrado
irrisórias para compensar a extensão dos danos causados. O quantum indenizatório
baixo se mostra, ainda, incapaz de cumprir sua função pedagógica, que visa prevenir
a ocorrência de novas práticas semelhantes.
72

Com observância ainda à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que


garante sua aplicabilidade também nas relações entre particulares, bem como sua
dupla função, que autoriza exigir do poder público medidas efetivas para assegurar
real efetividade aos direitos fundamentais, é imprescindível que haja uma regulação
do poder da imprensa.
A possibilidade de indenização pelos danos morais causados, bem como
as técnicas de ponderação para verificar num caso concreto qual direito fundamental
deve prevalecer – formas de limitação da mídia atualmente utilizadas no Brasil -, são
ineficazes para coibir as violações narradas na presente pesquisa, vez que realizadas
a posteriori.
Dessa forma, a solução mais correta para o problema seria uma justa
limitação à atuação midiática. Ressalta-se que se reconhece a importância da
imprensa e da sua liberdade de expressão, entretanto, tais direitos, em conflito com
outros de extrema importância, devem ser sopesados e moderados, de forma a evitar
injustiças e graves violações à direitos fundamentais dos indivíduos.
Não se trata de proibir que a mídia divulgue informações sobre os crimes e
seus supostos autores, mas sim fazê-lo com responsabilidade, sem a promoção de
sensacionalismo e utilização de expressões que atribuem culpa ao mero acusado,
como “bandido”, “traficante”, etc., esclarecendo-se sobre a situação de inocência em
que se encontra o indivíduo, além de conferir a veracidade das informações
divulgadas.
Assim, é imprescindível uma regulamentação pelo poder público com
relação a atuação dos meios de comunicação no que se refere à propagação da
imagem dos investigados, acusados e réus em processo criminal e a forma como o
crime é divulgado, pois restou demonstrado na presente pesquisa a extensão dos
prejuízos causados aos indivíduos que sofrem tais violações, jamais recuperando sua
honra e inocência perante a sociedade, bem como dificultando ainda mais o processo
de ressocialização.
A exigência de tais cautelas é medida necessária para que a mídia atue em
consonância com as normas constitucionais vigentes, respeitando os direitos
fundamentais do indivíduo, que é o centro do ordenamento jurídico.
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