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o mito da igualdade processual e a (in)observância do princípio da paridade

de armas
the myth of procedural equality and the (non)observance of the principle of
arms parity

FREITAS, Igor Bezerra1

RESUMO
O presente trabalho aborda o instituto da paridade de armas, ou seja, a uniformidade de
tratamento entre os sujeitos processuais no exercício dos direitos, acesso aos meios de defesa,
aos deveres procedimentais e à aplicação de penalidades processuais no âmbito do processo
penal brasil, buscando realizar uma análise histórica, doutrinária, jurisprudencial e sistemática
segundo as normas e princípios do direito, na tentativa de verificar, na realidade jurídica e
dentro dos diplomas normativos, se o referido mecanismo é respeitado, para tanto, esse estudo
utilizou-se de uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo por meio de uma revisão
bibliográfica nos mais conhecidos e conceituados bancos de dados presentes na rede mundial
de computadores (SciELO e Google Scholar), conglobando os resultados encontrados com os
elementos constitucionais e principiológicos lastradores do processo e da investigação
criminal.
Palavras-chave: Processo Penal; Paridade de Armas; Igualdade Processual; Devido Processo
Legal.

ABSTRACT
The present work addresses the institute of arms parity, that is, the uniformity of treatment
among procedural subjects in the exercise of rights, access to means of defense, procedural
duties and the application of procedural penalties within the scope of the criminal procedure
in Brazil, seeking carry out a historical, doctrinal, jurisprudential and systematic analysis
according to the norms and principles of law, in an attempt to verify, in the legal reality and
within the normative diplomas, if the referred mechanism is respected, for this, this study used
a research exploratory study of qualitative character through a bibliographic review in the
most known and respected databases present in the world wide web (SciELO and Google
Scholar), combining the results found with the constitutional and principiological elements
supporting the criminal investigation and process.
Key words: Criminal proceedings; Arms Parity; Procedural Equality; Due Legal Process.

INTRODUÇÃO

1
Graduando em Direito das Faculdades Integradas do Ceará (UniFIC).
Estagiário da 1º Defensoria Publica criminal de Iguatu.
E-mail: igor.freitasdm279@gmail.com
O exercício do contraditório e da ampla defesa com o direito a um devido processo
legal justo e dotado de imparcialidade, demanda a existência de normas destinadas a
estabelecer diretrizes para garantir a igualdade em todos os polos da demanda. Diante disso,
no brasil, com promulgação da Constituição cidadã de 1988 e a formação de uma nova ordem
constitucional, houve a quebra do antigo sistema inquisitivo adotado e a ascensão do sistema
acusatório, presente até hoje, em que pese haver doutrina minoritária que discorde entendendo
de maneira divergente.
Consequentemente, com o sistema acusatório veio a separação das funções de
julgador, defensor e acusação, sendo estas exercidas por sujeitos processuais distintos. Diante
disso, o código de processo penal de 1941, apesar de anterior a atual Constituição Federal de
1988, passou a reger-se pelos princípios constitucionais da igualdade (artigo 5º, caput, CF), do
juiz e promotor natural (artigo 5º, LIII, CF), do devido processo legal (artigo 5º, LIV, CF), do
contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LV, CF), etc., corolários lógicos da paridade de
armas.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
LIII - Ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente; (...)
LIV - Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal; (...)
LV - Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes; (...)” (BRASIL, 1988)

A paridade de armas, malgrado não seja um instituto positivado explicitamente em um


diploma normativo do ordenamento jurídico nacional, é reconhecido pacificamente pelos
tribunais superiores, apesar de haver divergências quanto a sua natureza, sendo tratado ora
como garantia processual, ora como princípio.
“Fazer com que o Ministério Público estadual ficasse na
dependência do que viesse a entender o Ministério Público Federal seria
incompatível, dentre outros princípios, com o da paridade de armas,
considerando que, em eventual conflito entre o MPE e o MPU, o chefe do
MPU (PGR) poderia atuar diretamente no STF, mas não o MPE” (STF,
Rcl. 7358/SP).

De outro modo, segundo a concepção apresentada por Humberto Ávila (2014), entre
normas-regras e normas-princípios, para o autor, esse tipo de mandamento como a paridade
de armas estaria classificado como “normas-princípios”, ou seja, um hibridismo entre o efeito
vinculante e coercitivo da norma e a abstratividade dos princípios, não precisando estar
escrito para que haja sua vigência. Bastando seu mero reconhecimento e compatibilidade
dentro da ordem jurídica como um todo.
A paridade de armas, dentro do estudo do direito processual penal, consiste na simetria
de tratamento que deve dado a ambas as partes do processo. Todavia, em que pese a
orientação doutrinaria e até mesmo jurisprudencial, na prática, em audiências ou mesmo em
atos processuais há uma gritante e evidente “disparidade de armas” entre a acusação e a
defesa.
METODOLOGIA

Como o fito de promover uma melhor compreensão sobre o teme em estudo, este
artigo acadêmico foi desenvolvido pelo uso de uma pesquisa exploratória de caráter
qualitativo por meio de uma revisão bibliográfica nos principais e mais conceituados bancos
de dados presentes na Internet, a Scientific Electronic Library Online (SciELO) e o Google
Scholar (Google acadêmico).
Ainda, objetivando formar um melhor juízo de valor sobre o tema, foram realizadas
pesquisas em livros e manuais escritos por grandes autoridades sobre o tema, somando-se ao
entendimento dos tribunais superiores extraídos das plataformas do “Dizer O Direito”, do site
do superior tribunal de justiça (STJ) e do supremo tribunal federal (STF).

DISCUSSÃO

Atualmente, no direito processual penal brasileiro, a paridade de armas tornou-se uma


garantia de inenarrável necessidade no contexto democrático, tendo em vista a evolução das
instituições que formam o sistema de Justiça moderno e a observância fática dos direitos e
garantias fundamentais. Vale ressaltar que, a Constituição Federal foi a genitora do sistema
processual penal acusatório no Brasil, instituindo incumbências distintamente definidas para
todos os sujeitos processuais, permitindo, em tese, um equilíbrio entre a acusação e a defesa
diante do órgão julgador.
Não obstante, em diversas ocasiões, esse valoroso princípio é violado, o exemplo mais
gritante, dentro do contexto processual, é o lugar de destaque dado aos membros do
Ministério Público nas audiências e julgamentos, qual seja, ao lado daquele que irá conduzir
todo o julgamento e, ainda, fixar o quantum da reprimenda, do juiz togado.
Em um primeiro momento, parece ser algo irrelevante, contudo, em certos casos
como, por exemplo, no tribunal do júri, onde os juízes são membros comuns da sociedade,
pessoas leigas sobre o direito técnico, nesses casos, o fato do membro do ministério publico
estar ao lado do próprio juiz togado poderia influenciar em sua valoração aos casos em apreço
no julgamento. É imperioso destacar, que segundo a lei complementar nº 80, de 12 de janeiro
de 1994 é direito do defensor sentar-se no mesmo patamar e nivelamento do promotor:
“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre
outras: (...)
§ 7º Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se
no mesmo plano do Ministério Público.” (LC nº 80/94)

Nesta oportunidade, outro exemplo que enseja bastante discursão na doutrina é o fato
da inexistência de uma previsão legal sobre a possibilidade da realização de uma investigação
preliminar defensiva. Segundo Silva (2019), o modelo de investigação intitulada de defensiva
pode ser definida como um conjunto de diligências investigativas, realizadas pela defensoria
pública ou mesmo pelos advogados, com a finalidade de produzir e/ou relacionar as provas,
objetivando uma melhor defesa aos direitos e interesses do sujeito passivo da demanda, seja o
acusado, seja a vítima.
Ora, tendo em vista que órgão ministerial possui o seu próprio instrumento
investigativo inquisitorial positivados em normas revestidas de validade e legitimidade
jurídica, os chamados PIC’s (procedimentos investigatórios criminais) regulamentados pela
resolução n° 183, de 24 de janeiro de 2018, do Conselho Nacional do Ministério Público,
nada mais justo que, em observância ao princípio da paridade de armas e da igualdade
procedimental, os defensores públicos e advogados também possuíssem direito a realização
de uma investigação preliminar defensiva de maneira a melhor ampliar a sua produção
probatória.
Art. 1º O procedimento investigatório criminal é instrumento
sumário e desburocratizado de natureza administrativa e investigatória,
instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição
criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais
de iniciativa pública, servindo como preparação e embasamento para o
juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal. (CNMP, 2018)

Nesse sentido, outro ponto que representa uma clara violação ao princípio em estudo,
ainda dentro do rito do Júri, é a faculdade que o promotor de justiça tem de ir à réplica, nesse
caso, a defesa ficaria a total mercê da acusação, visto que somente e tão-somente exercerá a
tréplica se o órgão acusador desejar. E, ainda assim, caso o promotor deseje ir a réplica não
poderá, em nenhuma hipótese, diferentemente do membro do ministério público, inovar em
sua tese defensiva, devendo ser apenas enfadonho e repetitivo.
Verifica-se, pois, nos casos supramencionados, uma nítida violação a paridade de
armas, seja por determinação legal ou mesmo pela falta de uma norma definidora de
atribuições de iguais valores entres acusação e defesa, seja por um costume ritualístico
histórico de organização das salas de audiências.

CONCLUSÃO

Diante das considerações aduzidas, é forçoso constatar que a paridade de armas, ainda
que seja um instrumento de viabilidade para formação de um devido processo legal justo e
igualitário, é um instrumento encontra grandes mitigações e entraves legais e costumeiros
para sua plena efetivação.
Impende destacar que a igualdade de oportunidades nos procedimentos não deve ser
entendida somente em uma oportunidade de manifestação por parte da defesa, mas também
no mapeamento das salas de audiências, dando ao defensor o mesmo nivelamento que o
promotor, na oportunidade de uma melhor produção d provas com as investigações
preliminares, etc
Claro está, portanto, que a paridade de armas deve necessariamente estar materializada
em todos os atos processuais, iniciando antes mesmo da propositura da ação com as
investigações preliminares defensivas, seguindo até o esgotamento das vias recursais com
trânsito em julgado da sentença penal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação
dos princípios jurídicos. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
BRASIL, 1941. Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 De outubro de 1941. Código de Processo
Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del3689compilado.htm. Acessado em: 10/12/2020.
BRASIL. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Centro Gráfico, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em:
09/12/2020.
CNMP, Conselho Nacional do Ministério Público. Resolução nº 183, de 24 de janeiro
de 2018. Publicação: Diário Eletrônico do CNMP, Caderno Processual, edição de 30/01/2018.
Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resoluo-183.pdf.
Acessado em: 13/02/2030.
SILVA, Franklyn Roger Alves. 2019. Investigação defensiva é direito decorrente das
regras do ordenamento jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-fev-
19/tribuna-defensoria-investigacao-defensiva-direito-decorrente-ordenamento-juridico.
Acessado em: 13/12/2020.
STF, Rcl 7358/SP, rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 24/2/2011

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