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O que vemos? Como vemos?

Considerações acerca da
visualidade contemporânea. Uma breve reflexão sobre o
ensino das artes visuais.
Resenha do primeiro capítulo do livro Catadores da Cultura Visual.
Do autor Fernando Hernández professor da Universidade de Barcelona.

Por Arlene von-Sohsten

No texto supracitado Hernández propõe uma reflexão acerca dos Estudos da Cultura Visual e
expõe motivos para se propor uma mudança na maneira que a arte visual é “ensinada” na
educação formal. Critica ainda o planejamento e a elaboração dos currículos escolares,
considerando-os discrepantes quando relacionados à realidade das crianças, dos jovens.

Os alunos, fora da escola, estão em contato com os diversos meios de comunicação, com uma
variedade riquíssima de imagens, com novas e atraentes tecnologias, enfim, com tudo o que a
sociedade contemporânea globalizada pode oferecer-lhe. Dessa forma, é necessário pensar como a
educação formal está se posicionando frente a essa realidade, pois, com tantas mudanças (nas
relações sociais, nas formas de representação, no tratamento da imagem, na forma de ver e
perceber o mundo) é inviável que o planejamento curricular, a instituição escolar ou mesmo os
docentes continuem como estão.

Essa proposta de mudança vai ao encontro de “uma narrativa que considera que o pedagógico é
também uma prática política e que não se reduz ao processo de ensino-aprendizagem.”
(HERNÁNDEZ, 2007, p.38). Pressupõem-se assim uma prática educacional fundamentada nas
relações sociais, na vivência, na interdisciplinaridade, na reflexão crítica, na autonomia.

Em termos de comunicação o autor trata com a mesma importância as diversas linguagens: a


palavra (escrita ou falada), o som e a imagem. Mas se não há uma preocupação em
instrumentalizar a criança ou o jovem durante a educação formal, ensinando sobre a linguagem do
som e das imagens, como é possível exigir que eles se posicionem criticamente a respeito de um
filme, de uma música, ou de uma propaganda qualquer? A imagem é potencialmente assimilável e
associável, mas tanto a assimilação quanto a significação estará limitadamente condicionada à
capacidade do indivíduo de estabelecer relações e analisar criticamente.

O termo Cultura Visual surge de uma necessidade de mudança impulsionada pelas práticas
culturais relacionadas ao olhar: como vemos, percebemos e nos relacionamos com o mundo
imagético do nosso cotidiano? Hernández ao usar o termo refere-se “às maneiras subjetivas e
intra-subjetivas de ver o mundo e a si mesmo.” (2007, p.22), incluindo assim as práticas culturais
e sociais do olhar.

Hernandez, com o termo Estudos de Cultura Visual, sugere um novo rumo para a educação das
artes visuais. Pergunto-me, no entanto, se as outras linguagens e manifestações artísticas, como a
arte cênica, por exemplo, estão sendo consideradas dentro dessa ‘nova’ terminologia. É claro que
estando um individuo instrumentalizado para desenvolver sua criticidade visual, estará
instrumentalizado conseqüentemente para ler um espetáculo teatral de forma crítica. Afinal, o
teatro faz parte dessa cultura visual. Mas a questão é: O Estudo da Cultura Visual é um novo rumo
para a educação das Artes Visuais ou é um novo rumo para a educação da e na arte? Talvez ao
utilizar o termo artes visuais o autor tenha compreendido não apenas o trabalho de artistas
plásticos, mas também o teatro, a performance, o cinema, etc. Por isso, é importante refletir, neste
contexto: o que é arte visual e o que ela engloba? Enfim, são inquietações acerca do papel das
diversas linguagens artísticas dentro da visualidade contemporânea.
Talvez essa nova proposta educacional, que engloba o aspecto subjetivo e as práticas sócio-
culturais da contemporaneidade, esteja no caminho mais próximo de uma interdisciplinaridade
entre as artes, mais especificamente entre a convencionalmente chamada arte visual e as artes
cênicas, pois ela esta preocupada fundamentalmente com a educação do olhar.

A educação da cultura visual é amplamente crítica, é formadora de seres pensantes capazes de se


posicionar com autonomia frente a qualquer imagem, seja ela visual, verbal, sonora, etc. E falo
aqui de uma capacidade crítica não apenas na leitura, mas também na produção de imagens. Esse
“alfabetismo visual crítico” torna-se imprescindível na atual saturação de imagens onde estamos
imersos. Na internet, por exemplo, há uma infinidade de coisas para se ver-ler, o filtro é o nosso
interesse, e, nesse contexto, o interesse é condicionado pela educação visual.

O trabalho realizado pelo programa educativo dentro de museus e galerias de arte vai ao encontro
dessa educação visual. A principal preocupação dos mediadores de arte é instrumentalizar o
visitante para que ele possa fazer suas próprias associações, atribuir significados, emitir opiniões,
tudo baseado numa autonomia construída através do diálogo entre o observador (participante)[1],
obra de arte e mediador.

Na busca dessa educação visual o mediador se depara, no contato com o visitante, com vários
conceitos pré-formulados, isso para não dizer barreiras enormes: a função do mediador ainda mal
compreendida e desconhecida por muitos; a busca por um significado único (no caso o do artista),
o que nega primeiramente a própria autonomia do indivíduo; a idéia de obra de arte como algo
inatingível, quase sagrado, ou o extremo oposto, a arte como algo supérfluo, sem valor; a
passividade frente às imagens. Isso para citar apenas algumas das dificuldades que o mediador
precisa trabalhar, e que poderiam ser atenuadas se houvesse, na educação formal, a mesma
preocupação.

Um aspecto relevante dentro da mediação é considerar o contexto sócio-cultural dos alunos-


visitantes, inserindo elementos do cotidiano desse público no diálogo. A educação na e da arte
precisa se aproximar do lugar onde os estudantes estão, onde eles formam suas relações, suas
opiniões, sua subjetividade. Se a educação formal aproximasse o conteúdo do cotidiano dos
estudantes a aprendizagem se tornaria algo prazeroso. No ensino das artes poderia utilizar a
produção local como o grafite e o hip hop, por exemplo, que dependendo do contexto é a
manifestação artística mais próxima dos alunos.

A partir das reflexões propostas cabe sugerir uma aproximação entre educação formal e práticas
educativas extracurriculares, no sentido daquela se espelhar nesta. Em especial o já citado trabalho
de mediação que apesar de incipiente tem mostrado resultados satisfatórios.

REFERÊNCIA:
HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da Cultura Visual. Proposta para uma nova narrativa educacional. Porto Alegre:
Mediação, 2007.
[1] O termo participante é empregado por Hélio Oiticica para definir uma espécie de observador sensível, que é ativo
na criação da obra. A atual utilização do termo é inspirada na obra Parangolés do mesmo artista.

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