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Ie ne fay r i e n
sans
Gayeté
(Montaigne, Des livres)
Ex L i b r i s
José M i n d l i n
V
O L I V E I R A LIMA
DA ACADEMIA B R A Z I L E I N A •
DOM JOÃO VI
NO BRAZIL
1808 - 1821
PRIMEIRO VOLUME
RIO DE JANEIKO
Typ. do Jornal do Com mcreio, de Rodrigues & C.
1908
Trabalhos do auctor
PAGS.
Introducção — Situação internacional de Portugal
em 1808 3
I A partida 37
II A illusão da chegada. O que era a nova
corte 71
III O que era o resto do Brasil 107
IV O p r i m e i r o ministério e as primeiras provi-
dencias 167
V Emancipação intellectual 229
VI A rainha D. Carlota 261
VII As i n t r i g a s platinas 283
VIII A regência hespanhola 333
IX Relações commerciaes do B r a s i l . Os tra-
tados de 1810 363
X O t r a f i c o de escravos 414
XI O imperialismo e a situação m i l i t a r . To-
mada de Cayenna 437
XII No congresso de Vienna 463
XIII Elevação do B r a s i l a reino 519
XIV A discussão da Guyana 555
Rainha D. Carlota 2 5 9
Conde da Barca 5 1 7
I
4
»-
PREFACIO
Baseado, como é, este trabalho em grande
parte sobre documentos originaes e inéditos, que
constam da enumeração final e se encontram em
archjvos nacionaes e estrangeiros, cabe-me ex-
pressar meu reconhecimento aos Srs :
Joaquim Pires Machado Portella, antigo dire-
ctor do Archivo Publico, que me indicou os papeis
d'esse deposito aproveitados na obra ;
Dr. Gabriel de Piza, ministro do Brazil em
Pariz, que para m i m solicitou do Ministério dos
Negócios Estrangeiros de França a permissão de
consultar a correspondência diplomática alli guar-
dada ;
Louis Farges, chefe da secção histórica do
archivo do Quai d'Orsay, e outros funccionarios
que amavelmente me acolheram e serviram ;
Dr. Jansen do Paço, chefe da commissão in-
cumbida da reorganização do archivo do Ministério
das Relações Exteriores, e Mario Behring, da secção
dos manuscriptos na Bibliotheca Nacional, que
com a maior gentileza me auxiliaram nas pesquizas
feitas nas suas respectivas repartições ;
Thompson, embaixador, e Dawson, secretario
da embaixada dos Estados Unidos no Brazil, que
me facultaram compulsar os documentos da antiga
legação.
Com agradecimento e saudade relembro os
nomes do venerando director geral da Secretaria do
Exterior, visconde de Cabo Frio, que me auctorizou
em 1903-04 a consultar o archivo do Ministério,
e do meu fallecido e bom amigo Edward I . Renick,
omcial maior do Departamento de Estado de Was-
hington em 1896, o qual me deu franca entrada no
archivo do Ministério Americano.
M. de Oliueira Lima.
e gravura de Aguilar.
3 — Conde de Linhares, l i t h o g r a p h i a de Caggini.
4 — Conde da Barca, gravura de Pradier, Pensionista de
S. M. P. e Sócio da R. A. de Bellas Artes do R i o de
Janeiro.
5 — Conde de Palmella, p i n t u r a de Grégorius e gravura de
Pradier.
6 — Marquez de Marialva, p i n t u r a de Madrazzo e gravura
de Pradier.
A
M E M Ó R I A HONRADA
DE
MEU PAI
E AOS
JAYME MONIZ
ti
c
D. JOÃO VI NO BRAZIL
1808—1821
D. J. — 1
INTRODUCCÃO
r i a I , a g g r a v a n d o c o m os uivos da l o u c u r a , pesadelo do f i l h o
extremoso, as c o n t i n u a d a s e amargas reflexões do Regente.
Em seguida o v e r g o n h o s o c o m p o r t a m e n t o de D o n a Carlota
J o a q u i n a , t r a i d o r a como cônjuge, c o n s p i r a d o r a como prin-
ceza, desleal sempre e sem interrupção. Sua perfídia che-
gara ao p o n t o de querer em 1806 d a r p o r demente o m a r i d o
p a r a assumir o poder c o m u m a alcatéa de f i d a l g o s cupidos,
os quaes se t e r i a m v i s t o roubados p o r q u a n t o o i n t e n t o de
B e u r n o n v i l l e , o agente diplomático f r a n c e z c u j o dedo a n d a v a
n'esta t r a m a como nas sizanias da r e a l família hespanhola,
era f a z e r passar o g o v e r n o de P o r t u g a l ás m ã o s do príncipe
da Paz, e n t r a n d o n o j o g o o R e i da H e s p a n h a n a qualidade
de t u t o r n a t u r a l do seu neto, o Príncipe da B e i r a , u m a v e z
r e p e l l i d a D o n a C a r l o t a pelo p a i z como i n d i g n a da regência.
P a r a coroar tão t r i s t e v i v e r , a humilhação e o v i l i p e n d i o
que a fraqueza a c a r r e t a v a todos os dias ao R e i n o d a p a r t e
dos gabinetes estrangeiros.
Tem sido em e x t r e m o censurada a dírecção impressa
no f i n a l do século X V I I I á política p o r t u g u e z a , verberadas
a hesitação e a d u p l i c i d a d e da d i p l o m a c i a do R e i n o . Uma
era porém o r e s u l t a d o da o u t r a . P o r v e n t u r a não se h a l e -
vado s u f i c i e n t e m e n t e em c o n t a a posição delicadíssima de
uma nação c u j a d e b i l i d a d e a f a r i a f a t a l m e n t e g r a v i t a r na
o r b i t a de i n f l u e n c i a de o u t r a potência mais f o r t e , c u j o r e g i -
men a d m i n i s t r a t i v o era o autocratico, e c u j o ímmenso im-
pério c o l o n i a l , tão vasto q u a n t o vulnerável, estava no mais
c o m p l e t o desaccordo c o m os meios de acção de que a metró-
pole d i s p u n h a p a r a o d e f e n d e r e o m a n t e r . E r a Portugal
portanto uma nação cujas tradições a l e v a v a m a c o m b a t e r
as idéas da Revolução e cujos interesses a c o m p e l l i a m a pro-
curar g a r a n t i r a i n t e g r i d a d e do seu domínio, não apenas
e u r o p e u como transatlântico; n u m a p a l a v r a , que e r a sa-
DOM JOÃO VI NO BRAZIL 7
A a m i z a d e i n g l e z a p o r t a l f o r m a representava u m axio-
raa necessário p a r a os homens de E s t a d o de P o r t u g a l que,
nas negociações p a r a a paz c o m a França, em 1 8 0 1 , o que
elles mais a peito t i v e r a m s a l v a g u a r d a r f o i a n e u t r a l i d a d e
p o r t u g u e z a , incompatível c o m q u a l q u e r h o s t i l i d a d e que pu-
desse ser t e s t e m u n h a d a á G r ã B r e t a n h a . N a s u l t i m a s ins-
trucções ( 1 ) mandadas ao m a r q u e z de N i z a , q u a n d o a n d o u
em missão diplomática p o r São Petersburgo, sob p r e t e x t o de
c u m p r i m e n t a r o C z a r pelo t i t u l o que recebera de G r ã o M e s t r e
da O r d e m de M a l t a , de facto p a r a s o l i c i t a r os bons officios
imperiaes nas negociações pendentes, era f a c u l t a d o ao enviado
acceitar a condição de fechar os p o r t o s portuguezes aos na-
vios de g u e r r a e corsários das potências belligerantes, m a n i -
festando assim o R e i n o a mais p e r f e i t a n e u t r a l i d a d e . Não
se l h e p e r m i t t i a c o m t u d o a d m i t t i r a condição de fechar os
portos aos I n g l e z e s sem m o t i v o especial, porque seria ex-
por-se o p a i z a u m a g u e r r a r u i n o s a p a r a suas colônias da
A s i a , África e A m e r i c a e p a r a seu commercio. D'este depen-
dia aliás, n a phrase das instrucções, a sua subsistência abso-
luta: um b l o q u e i o de L i s b o a e P o r t o r e d u z i r i a pela f o m e o
Reino, visto f a l t a r a P o r t u g a l pão p a r a o sustento de mais
de q u a t r o mezes do anno.
T a m b é m a i n f l u e n c i a b r i t a n n i c a em P o r t u g a l constituía
u m a feição a d q u i r i d a e já p e c u l i a r da política p e n i n s u l a r , da-
tando o seu i n i c i o do t e m p o das pelejas continentaes dos
se e n c o n t r a pouco depois e s p i r i t u o s a m e n t e m a n i f e s t a d o p o r
D. R o d r i g o de Souza C o u t i n h o n'uma c a r t a ao Príncipe Re-
gente ( 2 ) . NPella se e x p r i m i a da seguinte f o r m a o futuro
conde de L i n h a r e s a respeito do seu a n t a g o n i s t a , n u m des-
peito de p o l i t i c o a g g r a v a d o por uma antipathia pessoal,
mesmo p o r q u e a f i d a l g a indifferença de Lafões d e v i a t e r o
condão de i r r i t a r a boliçosa n a t u r e z a de D. R o d r i g o : " D i -
gne-se V. A. R. v e r que o D u q u e n u n c a e s t u d o u matérias
políticas senão a t o i l e t t e de a l g u m a s senhoras que c o r t e j o u
"— ———
(1) Histoire de Jean VI, Roí dc Portugal etc. P a r i s et Letozte
1827. '
(2) C a r t a de Novembro de 1799. A r d i . Pub. do R i o de J a n e i r o .
DOM JOÃO VI NO BRAZIL 11
que a m a i o r i a do D i r e c t o r i o e x p e r i m e n t a v a p a r a l e v a r a cabo
a revolução d o 18 F r u c t i d o r .
O C o n s e l h o dos Q u i n h e n t o s mostrara-se infenso á con-
venção. S o b r e v i n d o porém o golpe de Estado e a deportação
dos representantes taxados de m o n a r c h i s m o , obteve Araújo
a approvação do seu tratado', considerado m u i t o v a n t a j o s o
pelos entendidos e m assumptos diplomáticos, excepto n o que
toca á desistência dos d i r e i t o s portuguezes sobre a G u y a n a
ao n o r t e do Calçoene, pois que nada concedendo economica-
m e n t e á França e até e x c l u i n d o do R e i n o os pannos f r a n -
cezes, m a n t i n h a pelo c o n t r a r i o os velhos privilégios do com-
m e r c i o b r i t a n n i c o em P o r t u g a l ( i ) . A convenção A r a u j o -
D e l a c r o i x , r a t i f i c a d a em P a r i z a 12 de Setembro, não o f o i
t o d a v i a e m P o r t u g a l d e n t r o do t e m p o estipulado, p o r estar
o Reino sempre á espreita de que a sorte das armas desse
f i n a l m e n t e a p a l m a á I n g l a t e r r a , de accordo c o m t a l espe-
rança s u b o r d i n a n d o p o r vezes a sua acção diplomática á da
G r ã B r e t a n h a , n'outras r e t o m a n d o a liberdade de discussão.
A I n g l a t e r r a chegara de resto a declarar q u e consideraria
semelhante ratificação u m acto de hostilidade, occupando
de previsão a esquadra b r i t a n n i c a o f o r t e de São Julião d a
Barra.
Perante as tergiversações portuguezas, o Directorio,
consolidado n o seu poder i n t e r n o , d e u o t r a t a d o p o r n u l l o ,
o r d e n a n d o ao m i n i s t r o p o r t u g u e z que sahisse d o território
da R e p u b l i c a . Antônio de Araújo desobedeceu c o m t u d o á
intimação, buscando os meios de r e c o n c i l i a r o seu g o v e r n o
c o m o d a França, mesmo desafiando o r e s e n t i m e n t o d a I n -
g l a t e r r a , visto a conclusão da p a z de C a m p o F o r m i o deixar
l i v r e s os exércitos francezes e ser de receiar u m a invasão ar-
A PARTIDA
D e s p r e z a n d o P o r t u g a l q u a l q u e r dos a l v i t r e s , r e s t a v a á
I n g l a t e r r a a g i r pela força, desembarcando tropas sob o com-
m a n d o do g e n e r a l Simcoe, que occupassem as f o r t a l e z a s d o
T e j o ao mesmo t e m p o que a esquadra b r i t a n n i c a aprezasse
os navios portuguezes. T ü d o se f a r i a c o m a declaração de
que se não t r a t a v a de c o n q u i s t a e sob p r e t e x t o de tratar-se
de a u x i l i o , p o r q u a n t o não e r a l i c i t o á I n g l a t e r r a p e r d e r esse
t e r r e n o único p a r a a sua l u c t a c o n t i n e n t a l , n e m sobretudo
c o n s e n t i r que se tornasse i n f e n s a ao seu p o d e r i o n a v a l e mer-
c a n t i l a costa p o r t u g u e z a .
A invasão não estava porém a i n d a n'esse m o m e n t o , que
se soubesse pelos menos, d e c i d i d a pelo I m p e r a d o r dos F r a n -
cezes, e os p r e p a r a t i v o s de g u e r r a c o n t r a P o r t u g a l não ap-
pareciam adiantados como o a c r e d i t a v a e q u e r i a f a z e r crer
o g o v e r n o b r i t a n n i c o ; pelo que a c o r t e de Lisboa, c o m as
maiores instâncias (at the earnest entreaty) d i z M r s . G r a -
ham, conseguio que tropas de desembarque e esquadra de
soccorro fossem r e t i r a d a s do T e j o . P r o s e g u i a o e n t r e m e z da
n e u t r a l i d a d e e d a adhesão ao b l o q u e i o c o n t i n e n t a l até er-
guer-se o p a n n o p a r a o p r i m e i r o acto da tragédia d a oc-
cupação.
E n t r e t a n t o i a sazonando a idéa d a trasladação. N u m a
memória c o n f i d e n c i a l e n t r e g u e a C a n n i n g , q u a n d o pela p r i -
meira v e z Secretario d'Estado dos Negócios E s t r a n g e i r o s ,
p o r D. D o m i n g o s de Souza C o u t i n h o , a 10 de S e t e m b r o de
1807, p a r a p r o t e s t a r c o n t r a q u a l q u e r idéa de occupação da
ilha da Madeira—desígnio que t r a n s p i r a r a e f o i c o m ef-
f e i t o executado a 2 4 de D e z e m b r o d o mesmo a n n o — cri-
t i c a o representante p o r t u g u e z n a c o r t e de St. James a op-
p o r t u n i d a d e de semelhante m e d i d a , n a occasião j u s t a m e n t e
e m que o Príncipe R e g e n t e de P o r t u g a l estava c o g i t a n d o
de abandonar o paiz natal e i r f u n d a r u m novo Império
DOM JOÃO VI NO BRAZIL 43
b r a n d o entrevistas e j u r a n d o a m i z a d e p a r a se segurar em
Petersburgo; a Escandinávia prestes a i m p l o r a r u m her-
d e i r o d e n t r e os marechaes de B o n a p a r t e ; o Imperador do
Sacro Império e o próprio Pontífice R o m a n o obrigados de
q u a n d o em v e z a desamparar seus t h r o n o s que se d i z i a m
eternos e i n t a n g i v e i s .
O s Braganças não p o d i a m de certo p r e t e n d e r fados mais
clementes. C a r e c i a m de o l h a r f r i a m e n t e p a r a o f u t u r o , tão
pouco p r o p i c i o que se estava r e v e l a n d o ás velhas casas r e i -
nantes. A inacção tornara-se u m recurso impossível: não a
permittiria a marcha do cyclone. Indispensável se f i z e r a
a d o p t a r u m a dada n o r m a de proceder — que não p o d i a ser
senão a remoção para outra parte da monarchia, já
que esta t i n h a a f e l i c i d a d e de possuir domínios u l t r a m a r i n o s
— e t r a t a r c o m t e m p o d a sua execução, p a r a se não c u i d a r
de t u d o á u l t i m a h o r a e c o m precipitações prejudiciaes.
O conselho de D. R o d r i g o não d e i x o u de ser o p p o r t u -
n a m e n t e seguido. N e m de o u t r a f o r m a se explica que tivesse
h a v i d o tempo, n u m a t e r r a clássica de i m p r e v i d e n c i a e mo-
rosidade, p a r a depois do a n n u n c i o da e n t r a d a das tropas
francezas n o território n a c i o n a l , embarcar n u m a esquadra de
o i t o naus, q u a t r o fragatas, t r e z brigues, u m a escuna e quan-
t i d a d e de c h a r r u a s e o u t r o s navios mercantes, u m a c o r t e i n -
t e i r a , c o m suas alfaias, baixellas, quadros, l i v r o s e jóias. E r a
u m sem n u m e r o de " effeitos assim públicos como p a r t i c u l a -
res, que se não d e v e m d e i x a r expostos á rapacidade do i n i -
migo " ( phrase de D. R o d r i g o ) , mas que mesmo c o m a
m a i o r r a p i d e z de processos de h o j e não se e n f a r d a m e car-
r e g a m de u m m o m e n t o p a r a o u t r o .
Basta d i z e r , pelo que toca á p r o p r i e d a d e r e a l , que vie-
ram p a r a o B r a z i l todas as pratas preciosissimas cinzeladas
48 DOM J O Ã O V I NO BRAZIL
Apezar da assistência i n g l e z a , as i n c o m m o d i d a d e s a
b o r d o dos navios portuguezes f o r a m , como e r a n a t u r a l , con-
sideráveis, s o b r e t u d o p a r a as senhoras. E' s u f f i c i e n t e r e f e r i r
que a b o r d o da Príncipe Real i a m 1.600 pessoas no c a l c u l o
de 0 ' N e i l l . Descontando-se mesmo metade, pode-se i m a g i -
n a r a b a l b u r d i a que r e i n a r i a n a nau. M u i t a da gente d o r m i a
no t o m b a d i l h o , o que em l a t i t u d e s tropicaes não é u m po-
s i t i v o d e s c o n f o r t o , mas o peor estava e m que e r a m poucos
os viveres. R e l a t a n d o estes pormenores, o official britan-
nico encarece r e p e t i d a m e n t e a a t t i t u d e do Príncipe R e g e n t e
que as informações m i n i s t r a d a s l h e p i n t a r a m m u i t o delibe-
rado, c a l m o e assente em t u d o , como q u e m m e d i a p e r f e i t a -
m e n t e o alcance do acto que estava p r a t i c a n d o . Este acto
c o m e f f e i t o não e r a apenas de segurança pessoal: t r a z i a i m -
portantíssimas conseqüências políticas.
P a r a o B r a z i l o r e s u l t a d o da m u d a n ç a da c o r t e i a ser,
em q u a l q u e r sentido, u m a transformação. A política estran-
g e i r a de P o r t u g a l , que e r a essencialmente européa n o cara-
cter, tornar-se-hia de repente americana, a t t e n d e n d o ao equi-
líbrio político do N o v o M u n d o , visando ao engrandecímento
t e r r i t o r i a l e v a l i a m o r a l da que desde então d e i x a v a de ser
colônia p a r a assumir foros de nação soberana. E á n o v a na-
c i o n a l i d a d e que assim se constituía, f o i o acto do Príncipe
R e g e n t e n o e x t r e m o p r o p i c i o pois que l h e d e u a ligação que
f a l t a v a e c o m que só u m f o r t e poder c e n t r a l e m o n a r c h i c o
a poderia dotar.
D W a r t e o mostrou comprehender perfeitamente, com o
senso p h i l o s o p h i c o que d i s t i n g u e os historiadores allemães, o
professor H a n d e l m a n n , da U n i v e r s i d a d e de K i e l , ao ponde-
r a r n o seu excellente t r a b a l h o ( 1 ) que até então represen-
t a v a o B r a z i l n a d a mais do que u m a unidade geographica
T i n h a o R e i p o r sina, ao que se p o d i a j u r a r , a r r o s t a r
situações d i f f i c e i s , o r i u n d a s de u m a epocha essencialmente
de transição, e c o m o t a l de aguda perturbação. A beneme-
r e n c i a de D o m João V I aos nossos olhos consiste em t e r en-
v i d a d o os seus esforços mais sinceros e, é l i c i t o dizer, mais
felizes p a r a e n c a m i n h a r para seus novos destinos soberanos
e que se d e v a n e a v a m gloriosos, a g r a n d e t e r r a , a colônia
vasta e a m o r p h a que l h e dera asylo.
O f u n d a d o r do R e i n o U n i d o não p o d i a p o r si mesmo
revelar-se em t o d a a força da p a l a v r a u m creador, pois que
não e r a u m espirito que de i n i c i a t i v a própria regulasse seus
actos p o r ideaes preconcebidos, e destes não discrepasse, ze-
lando com energia a sua o r i g i n a l i d a d e . D e facto, porém,
assim se t o r n o u , pela n a t u r a l perspicácia e sensato o p p o r t u -
n i s m o c o m que soube, n u m meio estranho ao que l h e era
f a m i l i a r , adaptar-se, a si e ás instituições, ás condições pre-
dominantes. Nem a sua obra, sujeita a analyse, d i f f e r e ex-
t r a o r d i n a r i a m e n t e da que e m a n a r i a de u m r e f o r m a d o r nato.
Um a u c t o r h o u v e n o século X V I I I que, p o r s o f f r e r
agora u m certo desdém, não d e i x o u de representar u m papel
importantíssimo n a orientação das ideas renovadoras d'a-
q u e l l e século gerador das transformações modernas. F o i elle
o abbade R a y n a l , c u j o n o m e anda o f f u s c a d o pelos de D i -
derot, M o n t e s q u i e u e Rousseau, mas que t a n t a influencia
q u a n t o estes exerceu sobre as imaginações do seu tempo. A s
considerações de R a y n a l apparecem especialmente reflecti-
das e m todas as publicações que t r a t a m de assumptos colo-
niaes; a sua m a r c a i m p r i m i u - s e p a r t i c u l a r m e n t e em todas as
intelligencias preoccupadas, nos próprios começos do sé-
culo X I X , com a imminente emancipação política do N o v o
Mundo. Em L i n h a r e s , o estadista, como em Armitage, o
62 DOM JOÃO VI NO BRAZIL
t r o p o l e , n'ella r e f e r v e r a m a i n v e j a e o despeito e n t r e as
duas p a r c i a l i d a d e s , a r e i n i c o l a e a n a c i o n a l , sendo cada
graça d o R e i comrnentada, discutida e quasi invariavel-
mente m a l interpretada ? T ã o aberta e v i o l e n t a m e n t e se
o f a z i a que, p o r occasião das festas da exaltação de Dom
João V I ao t h r o n o , escreveria o consul-encarregado de
negócios de França, c o r o n e l M a l e r : " A p e z a r de todas as
líberalidaues de S. M . o n u m e r o dos descontentes e quei-
xosos é m u i t o a v u l t a d o , t e n d o d u r a n t e a n o i t e sido a f f i x a -
dos p a s q u i n s m u i t o v i r u l e n t o s ás p o r t a s da gente de posi-
ção e de a l g u n s estabelecimentos públicos, r i d i c u l a r i z a n d o
em versos l a t i n o s e p o r t u g u e z e s a escolha das pessoas favo-
recidas. E' de p r e s u m i r o descontentamento será mais v i v o
a i n d a em L i s b o a , p o r q u a n t o o exercito e este R e i n o teem
sido bem i m p o l i t i c a m e n t e esquecidos até agora n a d i s t r i b u i -
ção das h o n r a r i a s e das recompensas, e os P o r t u g u e z e s não
saberão, n e m poderão v e r a sangue f r i o que elles não são
sequer considerados como os irmãos cadetes dos B r a z i l e i r o s ,
ou dos seús irmãos que h a b i t a m este h e m i s p h e r i o " (i).
O descontentamento seria e m q u a l q u e r hypothese idên-
tico p o r q u e repousava sobre u m a antinomia irreconciliavel
e f u n d a m e n t a l , não passando de u m p r e t e x t o o ser o monar-
cha menos pródigo de mercês p a r a c o m o v e l h o R e i n o numa
dada occasião, o u mesmo o parecer d a r p r e f e r e n c i a ao B r a z i l
em qualquer partilha. A distribuição sem m e d i d a das hon-
r a r i a s f o i aliás precisamente u m dos modos mais efficazes
pelos quaes Dom João involuntariamente democratizou
ou talvez melhor desprestigiou e enfraqueceu a realeza,
franqueando este m a n a n c i a l e deixando-o perder-se, n u m a
T o d a s estas e r a m c i r c u m s t a n c i a s a c o n c o r r e r p a r a que
o fermento do descontentamento depressa corrompesse o
respeito t r a d i c i o n a l e alterasse a q u e l l a p r i m e i r a impressão
de vaidosa satisfacção que M ü n c h ( i ) tão bem condensou
nas seguintes p a l a v r a s : " O R e g e n t e e a família r e a l encon-
t r a r a m os B r a z i l e i r o s j u b i l o s o s c o m u m a m u d a n ç a das cousas
que á mãi pátria a c a r r e t a v a miséria e humilhação, mas a
elles trazia importância e florescência". Pelo p r i s m a de-
feituoso do desagrado decompoz-se a visão r i s o n h a dos
factos e m cores desbotadas. A s s i m , a t e m p e r a r a vaidade
i n s p i r a d a pelos progressos alcançados, pelo l u s t r e da corte,
pela presença dos estrangeiros, s u r g i r a m os temores de ex-
travagâncias, pouco habituaes n o estreito r e g i m e n colonial;
pairaram os receios de dispendios exaggerados que arrui-
nassem as esperanças de p r o s p e r i d a d e ; condensaram-se os
alarmes de complicações e ataques, que sacudissem o Brazil
no vórtice europeu. O sincero e retribuído a f f e c t o do mo-
narcha, a satisfacção de t e r no seu seio o g o v e r n o do I m -
pério, a consciência de todos os m e l h o r a m e n t o s realizados,
a perspectiva de u m g r a n d e f u t u r o , não i m p e d i r i a m que ap-
parecessem saudades platônicas do t e m p o i d o , em que n a d a
v i n h a p e r t u r b a r a pacatez, a serenidade e a confiança que
também são encantos da existência t a n t o i n d i v i d u a l como
collectiva.
O velho viver brazileiro tinha na verdade os seus
attractivos. U m a das affirmações mais r e p r o d u z i d a s , mais
exploradas e mais falsas da nossa h i s t o r i a é sem d u v i d a a da
( 1 ) H i s t o r i a d i d a c t i c a do B r a z i l , R i o de J a n e i r a
DOM JOÃO VI NO BRAZIL 69
(1) von Spix and von Martius, Traveis m Brazil, m the years
1817-1820. London, 1824, Tomo I .
(2) Quando depois da p a r t i d a d a s i n f a n t a s p a r a Cadiz a 2 de
J u l h o de 1-816, o duque de L u x e m b u r g o e o coronel M a l e r foram v i s i t a r
o R e i n a i l h a do Governador, fazendo a excursão n'um dos escaleres
da f r a g a t a de guerra Hermione, que- t r o u x e r a ao R i o de J a n e i r o o em-
baixador do R e i Christianiissimo, Dom João se não conteve que não
exprimisse aos v i s i t a n t e s o seu sentimento de os não haver acompa-
nhado a banda de bordo. (Correspondência do R i o no A r c h . do Min.
dos Neg. E s t r . de França.) Dom João ia, com alguma freqüência p a r a
o convento da i l h a do Governador e t i n h a até por costume a h i p a s s a r
a semana santa.
DOM JOÃO VI NO BEAZIL 83
(1) .Esta ordem passara em 1811 da rua dos Rarbonos, para onde
t i n h a vindo do Largo do Paço ao chegar a família real e annexar o
seu convento, a ter sua séde na Lapa, perto do mar, tomando conta
de um seminário para ensino de l a t i m , canto-chão, 'exercidos de coro
e pratica de exercidos espiritu-aes de ordenandos, fundado em 1761 por
um sacerdote paulista e que se extinguio por f a l t a dos rendimentos
competentes.
(2) O commerciante francez Gendrin ( ob. cit. ) descreve o père
Samt-Paillo como de grande corpulencla, falLando francez, j o v i a l e
multo respeitado, fazendo-lhe cortejo quatro frades. Chama-o Vhomme
le plus savan-t du Brésil.
90 DOM J O Ã O V I NO BRAZIL
v
104 DOM JOÃO VI NO BRAZIL
até Buenos Ayres e iam até o Chile e Peru (1), envez dos ao
(1) K e i t h , ob. c i t .
(2) Luccock, ob. cit.
114 DOM JOÃO VI NO BRAZIL
A o u t r a cidade i m p o r t a n t e da c a p i t a n i a e sua c a p i t a l
f i c a v a , e d i f i c a d a em declive, ao n o r t e da l a g o a dos Patos,
25 m i l h a s a c i m a da f o z do J a c u h y . A p e z a r de d a t a r de
pouco tempo, como de resto t o d a a capitania, f u n d a d a para
encher o c l a r o e n t r e L a g u n a e a Colônia do Sacramento,
P o r t o A l e g r e começava a prosperar como c e n t r o m e r c a n t i l .
E n t r e t a n t o a região s e p t e n t r i o n a l s e r v i d a p o r e l l a achava-se
ainda, e m g r a n d e p a r t e do i n t e r i o r , nas terras mais elevadas
do p l a n a l t o que n'esse p o n t o e n t r a a descer para o s u l mas
sem pressa de chegar ao m a r , d o m i n a d a pelos Carijós. Exe-
c u t a v a m estes índios correrias ferozes, c o n t r a as quaes e r a m
as pequenas colônias estabelecidas defendidas por fortins
e estações m i l i t a r e s . A g u e r r a de retaliação mostrava-se
implacável, usando os brancos do laço, das armas de f o g o
e dos cães de f i l a .
D e São P e d r o do S u l passava-se para o l a d o do n o r t e
a Santa C a t h a r i n a , p o r m a r , c o r r e n d o occasionalmente o
risco dos pampeiros, o u mesmo p o r t e r r a . D a segunda ma-
n e i r a p o d i a effectuar-se a viagem, p o r t r a j e c t o conhecido, em
quatro dias, c o m cavallos bastantes para esfalfar quatro
e cinco p o r d i a , t r o t a n d o uns soltos, sem carga, assim se r e -
fazendo emquanto os o u t r o s t r a n s p o r t a v a m o passageiro
e a bagagem. D e L a g u n a p a r a a p a r t e do c o l i t i n e n t e f r o n -
teira á ilha torna-se o c a m i n h o nemoroso e m o n t a n h o s o ,
apresentando p r e n u n c i o s da g r a n d e c o r d i l h e i r a m a r g i n a l , e
c r u z a u m a região a b u n d a n t e em índios e animaes selvagens.
M a i s p a r a o n o r t e , ao approximar-se de São Francisco, o
t e r r e n o faz-se mesmo h u m i d o e pantanoso.
O s índios o c c u p a v a m sem d i s p u t a os montes, e o l i t t o -
r a l a n d a v a resguardado d'elles p o r m e i o de pequenos reductos
m i l i t a r e s á distancia de 7 a 2 0 m i l h a s da costa. N ã o con-
118 DOM JOÃO VI NO BRAZIL
1
DOM JOÃO V I NO B R A Z I L 119
j
DOM JOÃO VI NO BRAZIL 121
que se tem seguido atégora com Cayenna- para poder com tempo parar
e obstar a qualquer golpe que os Framcezes possão projetar contra os
Estados de V. A. R. daiquelle lado, tirando também partido para rou-
bar todas as novas culturas que os Francezes possão a l i introduzir.
4.° Para dar meios a execução de tão grandes planos, e de ob-
jectos tão essenciaes para a segurança e conservação do Brazil, au-
mentar as Rendas do Governo do Pará com as sobras do Maranhão, e
;ünda quando assim seja. necessário com as sobras do Seara.''
('Carta cit.)
Annos antes, em 1796 já D. Rodrigo mostrava interessar-se
profundamente pe]a defeza do Brazil, "que vejo muito arriscada sobre
tudo navendo sabido que os Francezes que tomarão as ultimas 4 em-
barcaçoens sMnformarão miudamente do estado do B r a z i l , e das Forças:
terrestres e m a r i t i m a s que V. A. R. a l i tinha." A necessidade da es-
quadra na America era tanto mais urgente quanto embarcações f r a n -
cezas se achavam infeste indo as costas do B r a z i l e tomando pequenos
navios que sabiam da Bahia e Pernambuco, "parecendo que levavão
as prezas a Cayenna." (Arch. Pub. do Rio de Janeiro.)
DOM JOÃO VI NO BRAZIL 141
(1) 29 de Janeiro de
DOM JOÃO V I NO B R A Z I L 143
( 1 ; Spix e M a r t i u s , ob. c i t .
150 DOM JOÃO VI NO BRAZIL
r i t o de a v e n t u r a e o de novidade, a f a n t a s i a i m a g i n a t i v a e a
fácil r e c e p t i v i d a d e m o r a l .
Em P e r n a m b u c o d e r i v a r i a m em boa p a r t e estas q u a l i -
dades das condições da v i d a , c u j a i n c e r t e z a c o m o que se r e -
f l e c t i a n o contraste, m u i t o característico da região, e n t r e as
várzeas férteis, regadas pelos rios, e os taboleiros arenosos
e áridos, de vegetação crestada pelas seccas que periodica-
m e n t e assolam o sertão v i c t i m a n d o homens e animaes. A s
a l t e r n a t i v a s de abundância e privação, marcadas pelas chu-
vas o u pelas longas estiadas, independentes p o r t a n t o do es-
forço i n d i v i d u a l , t i n g i a m n a t u r a l m e n t e de despreoccupação,
de indifferença, o caracter do p o v o que o r a v i a em r e d o r de
si a f a r t u r a , o r a e n x e r g a v a a miséria, sem poder c o n t r i b u i r
no m í n i m o p a r a m o d i f i c a r - l h e as c i r c u m s t a n c i a s . T u d o , f a c i -
lidades de v i d a , b e m estar, repouso, dependia tão somente
n'essa z o n a das variações climatericas.
A s chuvas p o d i a m t r a z e r a f e r t i l i d a d e e mesmo a abas-
tança. R i q u e z a , porém, r i q u e z a v e r d a d e i r a , c o n t i n u a , i n c o n -
t r o v e r s a , não a possuia semelhante extensa secção que, n o
seu littoral u b e r r i m o , p r o d u z i a apenas u m assucar muito
m a l f a b r i c a d o — p o i s que os m e t h o d o s defeituosos p o r que e r a
o b t i d o só p o d i a m f o r n e c e r u m p r o d u c t o bastardo — do q u a l
já se q u e i x a v a m os i m p o r t a d o r e s europeus e que apenas
achava c o n s u m o p o r q u e não existia então o assucar de beter-
raba, e nos seus altos taboleiros o algodão que as fabricas
inglezas r e c a m b i a v a m m a n u f a c t u r a d o em tecidos, a p u r a n d o
o m e l h o r do l u c r o . E quanto mais p a r a o N o r t e se cami-
nhava, menos condições de r e a l p r o s p e r i d a d e se i a m descorti-
nando. A b a f a m a l g u n s valles sob u m a vegetação l u x u r i a n t e
que espelha a f o r t u n a , mas na p a i z a g e m s e r t a n e j a de campos
e serrotes, é a inconstância que de ordinário se m i r a nas l a -
156 DOM JOÃO VI NO BRAZIL
( 1 ) O A r c h i v o p a r t i c u l a r do conde de L i n h a r e s f o i em grande
p a r t e a d q u i r i d o em leilão p e l a Biibl. NÍUC. do R i o de J a n e i r o .
DOM JOÃO VI NO BRAZIL 160
a p o r t a ao c a p i t a l b e m c o m o ao t r a b a l h o estrangeiro, sem
differença de n a c i o n a l i d a d e o u de credo religioso, e a lançar
os alicerces da i n d u s t r i a b r a z i l e i r a ao mesmo t e m p o que se
lançavam os do seu c o m m e r c i o e x t e r i o r .
A celebrada a b e r t u r a dos p o r t o s nacionaes constituio
em v e r d a d e u m a m e d i d a a l t a m e n t e s y m p a t h i c a e l i b e r a l , mas
não se pode d i z e r que representasse u m a desinteressada e
i n t e n c i o n a l c o r t e z i a do Príncipe R e g e n t e aos seus subditos
u l t r a m a r i n o s . E r a antes u m a precaução econômica necessá-
r i a e inadiável p o r q u a n t o , estando n a occasião fechados p o r
m o t i v o da invasão e occupação f r a n c e z a os p o r t o s de Por-
t u g a l , que s e r v i a m de entrepostos e d i s t r i b u i d o r e s dos p r o -
ductos coloniaes, p a r e c e r i a simples loucura manter igual-
m e n t e fechados os p o r t o s do B r a z i l e assim condemnar a
u m a c o m p l e t a p a r a l y s i a o m o v i m e n t o de exportação e i m p o r -
tação n a colônia.
O m o m e n t o e r a azado e favorável á producção bra-
z i l e i r a . O e m b a r g o a m e r i c a n o d e t e r m i n a r a m a i o r p r o c u r a em
L o n d r e s e p o r t a n t o a subida dos preços de vários dos nossos
principaes gêneros, a começar pelo algodão. P e l o mesmo mo-
t i v o crescera o f u m o cinco vezes de v a l o r , e o u t r o t a n t o
acontecera ao a r r o z . T a m b é m o sebo a n d a v a a l t a m e n t e co-
tado, cerca de cento p o r cento e mais de a u g m e n t o , p o r ser
a r t i g o que c o s t u m a v a v i r d a Rússia, nação c o m a q u a l se
achava a I n g l a t e r r a então e m g u e r r a , p o r a l l i a d a d a França.
O próprio assucar, c u j o v a l o r diminuíra m u i t o pela impos-
s i b i l i d a d e de r e e x p o r t a l - o p a r a o c o n t i n e n t e da E u r o p a em
v i r t u d e do b l o q u e i o napoleonico, além da chegada de grandes
cargas das índias O r i e n t a e s e Occidentaes e do f a c t o de
p a g a r pesados d i r e i t o s todo o que não p r o c e d i a das colônias
inglezas, s u b i r a nos últimos tempos no m e r c a d o b r i t a n n i c o
192 DOM JOÃO V I NO B R A Z I L
4
DOM JOÃO VI NO BRAZIL 193
•
DOM JOÃO VI NO BRAZIL 195
1822.
DOM JOÃO VI NO BRAZIL 203
( 1 ) A c a r t a r e g i a de 5 de Setembro de 1 8 1 1 , d i r i g i d a ao go-
v e r n a d o r e capitão g e n e r a l de Goyaz, c o n t i n h a a aipprovação do Prín-
cipe Regente ao p l a n o de e s t a b e l e c i m e n t o de u m a sociedade de com-
m e r c i o e n t r e a q u e l l a c a p i t a n i a e a do Pará ; c o n f e r i a privilégios aos
•accionistas ; p r o v i d e n c i a v a sobre os i n d i o s e e s t a t u i a sobre a navega-
ção do r i o T o c a n t i n s e o u t r a s artérias f l u v i a e s . M a i s d e c r e t o s e c a r t a s
regias se p o d e r i a m c i t a r t r a g a n d o da navegação i n t e r i o r , que f o i u m
dos problemas tornados m a i s a p e i t o pelo bem i n t e n c i o n a d o e s t a d i s t a .
DOM JOÃO VI NO BRAZIL 215
EMANCIPAÇÃO INTELLECTUAL
«A*
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° de Inhomirim, juntamente com Domingos
bara
alr^To^ -* 10
P o r t u
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*ao P e r m i t t i r que funcionassem a«
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J"""** e m t o a r a
Ç a i l
' > Portanto a concessão pela es-
d <
fSLSSS em la «m S d PlinaS
^ ™°* ^ >--P*1
234 DOM J O Ã O V I NO BRAZIL
e a b e r t a aos 2 3 d e A b r i l d e 1 8 1 1 , f e c h o d a s p r o v i d e n c i a s
tomadas p o r Linhares n o sentido de r e f o r m a r o exercito
d o B r a z i l , d a r - l h e d i s c i p l i n a e instrucção, r e p r e s e n t a v a p o -
r é m a l g u m a c o u s a d e m u i t o m a i s c o m p r e h e n s i v o . N a própria
expressão o f f i c i a l — v i s a v a a " e s t a b e l e c e r u m c u r s o r e g u l a r
das sciencias exactas, d e observação, d e t o d a s as q u e c o n t e e m
applicações aos e s t u d o s m i l i t a r e s e práticos, c o n s t i t u t i v a s d a
s c i e n c i a m i l i t a r e m t o d o s os seus d i f f i c e i s e i n t e r e s s a n t e s r a -
mos, e a f o r m a r hábeis o f f i c i a e s d e a r t i l h e r i a e e n g e n h a r i a ,
e a i n d a m e s m o o f f i c i a e s d a classe d e e n g e n h e i r o s geogra-
phos e topographicos, q u e possam t a m b é m t e r o u t i l e m p r e g o
de d i r i g i r o b j e c t o s a d m i n i s t r a t i v o s d e m i n a s , c a m i n h o s , p o r -
tos, canaes, p o n t e s , f o n t e s e calçadas."
A A c a d e m i a M i l i t a r f o i i n s t a l l a d a n o l a r g o de São
F r a n c i s c o d e P a u l a , o n d e se a n d a r a c o n s t r u i n d o a Sé N o v a ,
c u j o s a l i c e r c e s e m a i s m a t e r i a l a b a n d o n a d o se a p r o v e i t a r a m
p a r a essa o b r a ( 1 ) . O s p r o f e s s o r e s d a instituição f l u m i n e n s e
g o s a v a m d o s m e s m o s privilégios, i n d u l t o s e f r a n q u e z a s q u e
possuíam os l e n t e s d e C o i m b r a , e e r a m t i d o s e h a v i d o s c o m o
m e m b r o s d a faculdade de m a t h e m a t i c a d a U n i v e r s i d a d e :
assim o estatuirá j u d i c i o s a m e n t e o m i n i s t r o p a r a d a r a m a i o r
importância á s u a creação c u j o c u r s o c o m p l e t o a b r a n g i a sete
annos. E s t u d a v a m - s e n o p r i m e i r o a n n o a r i t h m e t i c a , álgebra,
analyse geométrica, t r i g o n o m e t r i a r e c t i l i n e a e d e s e n h o d e f i -
g u r a ; n o s e g u n d o , álgebra, c a l c u l o d i f f e r e n c i a l e i n t e g r a l e
geometria descriptiva; n o terceiro, mechanica, h y d r a u l i c a e
\
240 DOM JOÃO VI NO BRAZIL
»
DOM JOÃO V I NO BRAZIL 241
( 1 ) P a r a com)ba«ter o e f f e i t o d'essa p u b l i c a ç ã o em p a i z e s t r a n -
geiro, s u b v e n c i o n a v a a e m b a i x a d a p o r t u g u e z a de L o n d r e s o Investi-
gador Portuguez, que d u r o u de 1 8 1 1 a 1819 ( o Oorreio d u r o u de 1808
a 182:2) e f o i p r i m e i r a m e n t e d i r i g i d o pelos D r s . B e r n a r d o J o s é de
A b r a n t e s e C a s t r o e V i c e n t e Pedro Nolasco e C a s t r o . D e p o i s de 1814
d i r i g i o - o o conhecido e s c r i p t o r , t r a d u c t o r de T á c i t o , m a i s t a r d e emi-
grado l i b e r a l Jo-sé L i b e r a t o F r e i r e de C a r v a l h o , a d q u i r i n d o e n t ã o o
periodko maior independência.
242 DOM JOÃO VI NO BRAZIL
(1) A E s c a l a e r a aliás n ã o só de a r t e s c o m o de o f f i c i o s , f u n -
dada p o r u m espírito -em t o d o s e n t i d o e q u i l i b r a d o como o ide (Barca
p a r a " d l i f t f u n d i r a instrucção e c o n h e c i m e n t o s indispensáveis aos ho-
mens destinados, t a n t o aos empregos públicos d a administração do
Estado, como ao progresso d a a g r i c u l t u r a , m i n e r a l o g l a , i n d u s t r i a e
•comnuerck) ; de que r e s u l t a a subsistência, comrnodidade. e civilização
dos pioivos, m a i o r m e n t e neste c o n t i n e n t e , c u j a extensão não t e n d o a i n d a
o d e v i d o e c o r r e s p o n d e n t e n u m e r o de braços indispensáveis ao amanho,
e a p r o v e i t a m e n t o do t e r r e n o , p r e c i s a dos g r a n d e s soccorros d a está-
t i c a p a r a a p r o v e i t a r os p r o d u c t o s , c u j o v a l o r e p r e c i o s i d a d e podem v i r
•a f o r m a r do B r a z i l o m a i s r i c o , e o p u l e n t o dos r e i n o s c o n h e c i d o s : f a-
z-endo^se p o r t a n t o necessário aos h a b i t a n t e s os exercícios mecânicos,
c u j a p r a t i c a , perfeição e 'Utilidade d e p e n d e m dos c o n h e c i m e n t o s theo-
r i c o s dajquellas artes, e d l f f u s L v a s luz?es das sciemcias n a t u r a e s , phy-
sicas, e e x a c t a s . . . . . "
DOM JOÃO VI NO BEAZIL 247
domiciliados no Rio-, pois que sabia existir no seu numero gente muito
perigosa, a qual convinha vigar de perto. Inquieto com a advertência
recehida, o Rei externou-se até certo ponto a respeito com o repre-
sentante da França, recommendando-lhe diligencia, o que era aliás
quasi escusado.
Natural devia ser a presença de republicanos e imperlalistas
foragidos com a Restauração e certamente abundava a classe dos aven-
tureiros, attrahidos pelo fulgor da corte. ITm dVlles, o coronel Cailhé,
•antigio soldado da Revolução, depois official ao serviço de Portugal,
aggregado como escudeiro á pessoa de 'Carlos TV dMTespanha apoz a
abdicação d'este rei, de facto espião ao soldo de Napoleão e jogador de
profissão, estabeleceu no Rio uma roleta que teve de fechar diante das
reclamações dos pais de família, havendo-lhe comtudo corrido tão pro-
veitoso o negocio que elle e seus associados offereceram, em troca do
privilegio da banca, mandar vir de França e sustentar á sua custa
um corpo de bomheiros.
Maler conta também as historias de uma supposta filha do
general Piohegru, que com tal pretexto arrancou alguns auxilias da
DOM JOÃO VI NO BRAZIL 255
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256 DOM JOÃO VI NO BRAZIL
o animal. Sua linguagem soia ser mais do que livre: era por
vezes obscena, e m u i t o s dos seus actos resentiam-se de uma
extrema vulgaridade. Conta Presas ( i ) que u m dia, ten-
do-se D o m M i g u e l encharcado c o m a agua de u m alguidar,
a R a i n h a não teve m ã o e m si e, descalçando o sapato, a p p l i -
cou ao I n f a n t e e n d i a b r a d o a correcção de que se t e r i a lem-
brado q u a l q u e r r e g a t e i r a de mercado. Q u e não v a l e u de
m u i t o a correcção, p r o v a m - n o as c o n t i n u a s travessuras, que
f i c a r a m proverbiaes, do f u t u r o R e i l e g i t i m o , o q u a l nos ver-
des annos, passados em São Christovão, se d i v e r t i a em beliscar
as irmãs e a t i r a r c o m dous canhõesinhos, presente do a l m i -
rante i n g l e z , sobre os visitantes do Palácio.
O traço c o n v e n c i o n a l m e n t e f e m i n i n o de D o n a Carlota
era o a m o r das jóias e vestidos, o fraco pelo l u x o . N ' e l l a não
havia meiguices de m u l h e r : apenas accessos de volúpia em
que prostituía o t h a l a m o e a coroa. T a m b é m o m a r i d o , em
quem e n t r e t a n t o não escasseavam nobres sentimentos, não sof-
f r i a q u a n t o a isso do m a l de u m a sensibilidade em extremo
delicada. Segundo o f a m i l i a r Presas, e r a elle "mas zeloso de
su a u t o r i d a d que de su augusta esposa". E razão l h e assistia
porque esta p r o c u r o u , d u r a n t e o reinado, s u b s t i t u i l - o no
mando, l e g a l o u i l l e g a l m e n t e . Q u a n d o c o m p r e h e n d e u que
nada alcançaria em P o r t u g a l , p o r ser p r i n c e z a estrangeira e
para mais hespanhola, c o m q u a n t o pessoalmente sympathisada,
v o l t o u suas vistas, á mercê das circumstancias, p a r a a Hes-
panha e depois p a r a a A m e r i c a H e s p a n h o l a , volvendo-as p o r
f i m de n o v o p a r a o R e i n o , que ella f e z estrebuchar em con-
vulsões políticas, servindo-se como agente da reacção do I n -
fante D o m M i g u e l , seu f i l h o p r e d i l e c t o e dócil i n s t r u m e n t o .
T a e s acontecimentos não e r a m c o m t u d o de n a t u r e z a a
cural-o da m e l a n c h o l i a , que antes se a g g r a v o u c o m o occor-
r i d o , tornando-o desconfiado até da família. T o d o o anno de
1806 residio D o m João n o palácio de M a f r a , que occupa u m a
ala do i m m e n s o convento, d i s t r a h i n d o os pezares c o m assistir
aos o f f i c i o s n a capella, f o r m o s a nos seus mármores esculpi-
dos, e d a r passeios n a tapada, soberba n a sua rústica s i m p l i -
cidade. M e s m o em 1807, r a r a m e n t e v i n h a de Q u e l u z á Bem-^
posta: f o i m i s t e r a m u d a n ç a p a r a o R i o de J a n e i r o , p a r a l h e
r e s t i t u i r o gênio satisfeito e f a z e r reapparecer sua f i n a bo-
nhomia.
Desde aquelles successos separara-se, porém, completa-
mente de D o n a C a r l o t a J o a q u i n a , c o m q u e m v i v i a n u m es-
tado de c h r o n i c a desavença desde 1793, t r e z annos passados
do casamento, d u r a n d o a r u p t u r a até a m o r t e em que pese
ás expressões de exaggerada t e r n u r a — q u e r i d i n h o do meu co-
ração e o u t r a s de i g u a l j a e z — c o m que a i m p u d e n t e persistia
em mimosear o m a r i d o nas suas interesseiras epístolas. ( 1 )
N'este caso era p u r a hypocrisia, mas não se pode d u v i -
dar que ella possuísse u m coração accessível ao affecto. F o i
t
270' DOM JOÃO V I NO BRAZIL
Lesseps a t t r i b u e a d e m o r a e o r o m p i m e n t o do compromisso,
no d i z e r de u m a pessoa e m relações d i r e c t a s c o m o R i o de
J a n e i r o e q u e l h e m e r e c i a confiança, ás informações t r a n s -
m i t i d a s p a r a a E u r o p a p o r u m emissário c o n f i d e n c i a l d'a-
q u e l l a côrte ( i ) . "Um m e d i c o allemão, de v i a g e m pelo
B r a z i l e p a r t i c u l a r m e n t e e n c a r r e g a d o p e l o I m p e r a d o r d'Aus-
t r i a de t r a n s m i t t i r - l h e p o r m e n o r e s sobre o Príncipe, tão des-
favoráveis n o t i c i a s a p r e s e n t o u da sua saúde, d a sua m o r a l i -
dade e dos seus hábitos q u e S. M . i m m e d i a t a m e n t e procurou
os meios de i m p e d i r , apezar de já d e c i d i d a , u m a união tão
pouco c o n v e n i e n t e , c u j o r e s u l t a d o seria o sacrifício de u m a
interessante P r i n c e z a . A exactidão d'estas informações sobre
o h e r d e i r o d a c o r o a é c o n f i r m a d a pelas de todas as pessoas
que t i v e r a m ensejo de freqüentar a côrte d o R i o de J a n e i r o . "
U m dos m a i s i n d i s c r e t o s nas suas expansões, m e s m o e m
desabono de D o m João V I , f o i o d u q u e de L u x e m b u r g o
d u r a n t e sua estada e depois d o seu regresso do R i o . D ^ l l a s
se fez echo o e m b a i x a d o r austríaco e m P a r i z , barão de V i n -
cent, p o r c u j o intermédio s u b i r a m até a A r c h i d u q u e z a , che-
gando mais t a r d e ao c o n h e c i m e n t o d a família r e a l p o r t u -
gueza, q u e o e m b a i x a d o r f r a n c e z a descrevia c o m as cores
miais i n g r a t a s , i n s i s t i n d o s o b r e t u d o e m q u e e r a D o m P e d r o
i n t e i r a m e n t e f a l t o de todos os princípios de educação. M a l e r ,
ao d a r c o n t a d essas i n t r i g a s de côrte, observa que o R e i c o m
sua h a b i t u a l circumspecção q u e a t t i n g i a a dissimulação, j a -
mais l h e d e r a a perceber n a d a d'ísso, n ã o o b s t a n t e t r a t a l - o
com m u i t a confiança.
O t r a t o c o m D o n a C a r l o t a J o a q u i n a t a n t o p o d i a ser
em e x t r e m o agradável c o m o a l t a m e n t e desagradável, s e g u n d o
lhe c a h i a e m s y m p a t h i a o u d e s f a v o r a pessoa c o m q u e m t r a -
AS INTRIGAS PLATINAS
c o m o de M o n t e v i d é o , C h i l e , P e r ú e até M é x i c o ; q u e sus-
tentou essa propaganda epistoLar nos annos de 1808 e 1809
particularmente, sob pretexto de zelar os interesses da sua
casa reinante, effectivamente os seus próprios; que fez dis-
tribuir profusamente por todas aquellas partes uma procla-
mação concebida na linguagem emphatica do tempo e da
occasião, reivindicando os seus direitos renunciados, porém
indestructiveis (1) ; que chegou mesmo a induzir o conde de
Florida Blanca a publicar em Murcia, com toda a auctori-
dade do seu nome e do seu passado, um manifesto indican-
do-a como a necessária herdeira; finalmente que de todos
os modos preparou sua ida para Buenos Ayres, onde promet-
teu ir celebrar, de conformidade com os antigos usos da mo-
narchia, as Cortes que unicamente lhe podiam conferir a
Nem n o R i o da P r a t a se p o d i a m enganar q u a n t o ás
ameaças que p a r a a i n t e g r i d a d e do domínio hespanhol repre-
sentava a trasladação p a r a o B r a z i l da sede da m o n a r c h i a
p o r t u g u e z a , c o m suas vistas n u n c a abandonadas de expan-
são p l a t i n a , sempre "á espreita da occasião o p p o r t u n a p a r a se
manifestarem. A v i n d a da família r e a l a q u i causou a mais
profunda sensação, escrevia ao generalissímo príncipe da
P a z o vice-rei L i n i e r s , e são manifestos os receios de encor-
poração ( i ) . Accrescentava o valoroso F r a n c e z que, como
meio de ' a f o g a r em seus começos o desalento, e d a r aos
espíritos o v i g o r necessário n u m a crise tão extraordinária
como d i g n a da m a i o r attenção", t r a t a r a l o g o de c i m e n t a r a
confiança da colônia nos próprios recursos m i l i t a r e s , os
quaes elle c o m t a m a n h o êxito a p r o v e i t a r a e e m p r e g a r a c o n t r a
os I n g l e z e s v i n d o s do Cabo e que se t i n h a m apoderado de
Buenos A y r e s ; mas que a sua situação era mais do que d i f -
f i c i l , sem d i n h e i r o e quasi sem armas, e c o m soldados inexpe-
rientes. E n t e n d i a p o r isso não dever oppor u m a recusa i r -
r i t a n t e á approximação p a c i f i c a t e n t a d a do R i o , sempre que
a n o v a côrte mostrasse respeitar a a u t o n o m i a hispano-pla-
tina.
N e s t e mesmo i n f o r m e ( 2 ) d i z i a L i n i e r s t e r recebido
cartas do g o v e r n a d o r de P o r t o A l e g r e e do então b r i g a d e i r o
C u r a d o , a u c t o r i z a d o pelo Príncipe Regente p a r a t r a t a r sobre
os meios de c o n t i n u a r o recíproco c o m m e r c i o e n t r e os habi-
tantes das províncias do P r a t a e os vassallos portuguezes e
americanos, "na f o r m a que se está p r a t i c a n d o c o m bandeiras
simuladas." A côrte do R i o de J a n e i r o não perdia, pelo
que se vê, t e m p o em a j u s t a r suas relações c o m as possessões
que t o c a v a m a f r o n t e i r a m e r i d i o n a l do B r a z i l . D o m João p o r
si c a m i n h a v a cautelosamente, a b r i n d o o passo a mais fecun-
dos resultados c o m uma intelligencia de caracter pratico,
que não assustava e p o d i a passar p o r u m a demonstração
amigável.
O conde de L i n h a r e s , porém, sempre mais apressado
em u l t i m a r seus planos, como que a d i v i n h a n d o que a m o r t e
o espreitava de p e r t o , quasi s i m u l t a n e a m e n t e escreveu para
Buenos A y r e s u m a c a r t a reservada concitando essa colônia
á rebellião, desacreditando a constituição política f o r m a d a ,
que trahia uma situação h y b r i d a , s a l i e n t a n d o o abandono
dos estabelecimentos hespanhoes no u l t r a m a r pelo a n n i q u i l a -
m e n t o da respectiva m o n a r c h i a sob a acção da intervenção
franceza, e c o n v i d a n d o o vice-reinado a submetter-se á pro-
tecção p o r t u g u e z a ( i ) . E r a u m f r a n c o a p p e l l o á separação
da Hespanha e não menos f r a n c o appello á annexação
a Portugal. O m i n i s t r o * do Príncipe R e g e n t e p r o m e t t i a a
conservação dos privilégios existentes, a isenção de novos
impostos e, c o m a segurança de u m c o m m e r c i o l i v r e , o es-
q u e c i m e n t o apelos I n g l e z e s da sua recente expulsão e a re-
nuncia a toda a idéa de reconquista.
Até que p o n t o estaria L i n h a r e s auctorizado pelo go-
v e r n o b r i t a n n i c o a f a l i a r assim, elle o c a l a v a ; p a r t i a entre-
t a n t o de premissas certas p a r a chegar a t a l conclusão, imagi-
n a n d o c o m acerto que os I n g l e z e s se abster iam. desde então
de atacar, mesmo no u l t r a m a r , os seus novos alliados da
Península, e que os interesses britannícos p u g n a v a m pela
l i b e r d a d e de t r a f i c o . Caso aliás, este m o d o suasorio não re-
cebesse a c o l h i m e n t o favorável e não se evitasse p o r t a n t o a
effusão de sangue, o m i n i s t r o estava disposto a não recuar
pava o vice-rei L i n i e r s n u m a c a r t a m u i t o d i g n a d i r i g i d a a
D o n a C a r l o t a , patenteando a deslealdade da missão do mare-
chal C u r a d o — m a i s espião do que negociador, reza o do-
c u m e n t o ( i ) — p a r a a q u a l se t i n h a m invocado falsamente
desígnios commerciaes.
Na sua correspondência o f f i c i a l para Hespanha ( 2 )
explicava Santiago L i n i e r s que recebera o enviado portu-
guez porque do c o n t r a r i o se e x p u n h a a u m i n s u l t o publico,
q u a n d o i n f e l i z m e n t e carecia de t e m p o p a r a o r g a n i z a r u m
p l a n o defensivo do vice-reinado. O d i n h e i r o espalhado em
Montevidéo pelo emissário r e f e r i d o a j u d a r a t o d a v i a a sub-
levação l o c a l contra a sua a u c t o r i d a d e , escrupulosamente
leal á J u n t a que estava representando l e g a l e e f f e c t i v a m e n t e
o poder do soberano seqüestrado; e t a n t o c o n v i n h a á côrte
do R i o de J a n e i r o f o m e n t a r a divisão p l a t i n a , que p o r esse
tempo a l l i se t r a t a v a de o b r i g a r o g e n e r a l D. Pascual Ruiz
H u i d o h r o a regressar p a r a a E u r o p a a f i m de não assumir o
seu g o v e r n o de Montevidéo e assim a n n u l l a r a separação
provocada p o r E l i o .
A missão R i v e r a , em que o vice-rei assentara, a q u a l i f i -
cava elle e n t r e t a n t o de pacifica, destinada a t o r n a r saliente
a differença da missão C u r a d o e d a o b r a pérfida de L i n h a r e s ,
chamando p a r a a sua confrontação a attenção da justiça do
Príncipe Regente, e m q u a n t o g a n h a v a tempo p a r a i r t o m a n d o
as medidas adequadas á defeza da extensa f r o n t e i r a p l a t i n a
e mesmo m o v e r u m g e r a l ataque c o n t r a a f r o n t e i r a b r a z i -
l e i r a ; o u então, n o caso de invasão, crear u m a diversão
cahindo sobre o R i o G r a n d e do Sul. E' certo que denotava
g a l , e n c e t a r e m a i n o l v i d a v e l c a m p a n h a p e n i n s u l a r que l e v o u
W e l l i n g t o n a T o l o s a e mais t a r d e p e r m i t t i o W a t e r l o o .
E r a L i n i e r s o p r i m e i r o a oppor-se c o m i n q u e b r a n t a v e l
f i r m e z a a t u d o q u a n t o fosse a l t e r a r , e m b e n e f i c i o d i r e c t o o u
i n d i r e c t o de P o r t u g a l , a o r d e m de cousas o r i u n d a das c o n d i -
ções hespanholas, p o s t o q u e p r o f u n d a m e n t e perturbadas.
N ã o é p o r t a n t o de espantar q u e fosse elle r a d i c a l m e n t e i n -
fenso e m q u a n t o g o v e r n o u , a saber, e m q u a n t o o não o b r i -
g a r a m a r e t i r a r - s e d o g o v e r n o , ás vistas egoístas d a P r i n c e z a
D o n a C a r l o t a , p o r mais q u e esta o pretendesse captar. A n t e s
de apparecer n a liça c o m o p r e t e n d e n t e s e r i a m e n t e disposta a
f a z e r v a l e r seus d i r e i t o s a f u t u r a R a i n h a de P o r t u g a l , sa-
bemos c o m q u a n t o desassombro o vice-rei de B u e n o s A y r e s ,
f o r t e m e n t e apoiado n o C a b i l d o q u e o i n s t i g a v a á r e p u l s a ,
r e j e i t a r a o o f f e r e c i m e n t o de L i n h a r e s de t o m a r P o r t u g a l
sob a sua protecção a colônia d e s a m p a r a d a e m v i s t a d a sub-
jugação d a H e s p a n h a p e l a França ( i ) , e congraçal-a c o m a
G r ã B r e t a n h a , o n d e a c o n q u i s t a d e f i n i t i v a do R i o d a P r a t a
despertara o mais v i v o e n t h u s i a s m o e a c i r r a r a os appetites de
riquezas tão p r e d o m i n a n t e s .
T a m p o u c o , não o b s t a n t e ser F r a n c e z de n a s c i m e n t o e
;
a n d a r ro deado de Francezes, a t t e n d e r a S a n t i a g o L i n i e r s ás
l
seducções d o m a r q u e z de Sassenay, m a n d a d o de B a y o n n a p o r
Napoleão e m missão ao R i o d a P r a t a , q u a n d o se d e r a m a
abdicação de C a r l o s I V e a desistência de d i r e i t o s dos seus
f i l h o s . F o i essa missão m o t i v o até p a r a o vice-rei resolver
c o m os m e m b r o s d o Ayuntamiento f a z e r p r o c e d e r sem mais
do U r u g u a y , e o b r i g a r e m estas a r e t r o c e d e r e m p a r a a c u d i r
ao próprio território e m q u a n t o A r t i g a s , c o m reforços que
esperava de Buenos A y r e s , se apoderava da cidade de M o n -
tevidéo.
V o l v e u pois t u d o ao seu equilíbrio instável. O s aconte-
cimentos só n a superfície c o n t r a d i c t o r i o s do R i o da P r a t a ,
i n s t i n c t i v a m e n t e v i s a n d o todos á solução s e p a r a t i s t a ; t a l v e z
u m a mais exacta apreciação, p o r p a r t e do gabinete do R i o ,
do que p o r lá i a occorrendo e do m o d o de s e n t i r das popu-
lações; p o r certo a pressão mais f o r t e d a d i p l o m a c i a i n g l e z a
em opposição a q u a l q u e r juncção americana das colônias pe-
n i n s u l a r e s ; mais que t u d o a f a l t a de recursos f i n a n c e i r o s e a
deplorável situação m i l i t a r f o r a m s i m u l t a n e a m e n t e e s f r i a n d o
o a r d o r posto pelo g o v e r n o portuguez n'este negocio, até
que a presença dos voluntários reaes viesse despertar u m a n o v a
emulação, t r a d u z i n d o - s e p o r o u t r a acção m i l i t a r mais directa
e mais v a n t a j o s a .
N o s annos de 1812 a 1816, do ministério de L i n h a r e s
ao de Barca, o p r o b l e m a p l a t i n o f o i deixado dormitar. O
Príncipe Regente, que em 1808 p r o t e s t a v a frouxamente
n a d a querer e m p r e h e n d e r no S u l sem o c o n s e n t i m e n t o da
Inglaterra e da H e s p a n h a — a i n d a que e x c l u i n d o sempre
o caso "não esperado, e que não parece próximo" de a l l i
estalar um movimento que o obrigasse a t o m a r medidas
enérgicas de precaução " p a r a a t a l h a r o m a l e segurar o j u s t o
domínio da coroa d'Hespanha" ( 1 ) — e m 1813 desinteres-
sava-se p o r c o m p l e t o do r o m p i m e n t o já d e f i n i t i v o e n t r e as
A REGÊNCIA HESPANHOLA
E s t a a n t i p a t h i a l h e parecia c o m t u d o mais s u p e r f i c i a l do
que p r o f u n d a e, desconfiando como t o d o A m e r i c a n o de então
da sua a n t i g a metrópole, não se l h e a f i g u r a v a p o r c o n t r a
fácil p r o g n o s t i c a r i n f a l l i v e l m e n t e os desígnios da G r ã Bre-
t a n h a sobre as colônias hispano-americanas, caso assumisse
a direcção d'estas ( i ) pela p r o v a d a incapacidade da H e s p a n h a
e os estorvos levantados á acção p o r t u g u e z a n o R i o da P r a t a .
N ã o se f u r t o u no e m t a n t o a côrte do R i o a t e n t a r c o n v e r t e r
o gabinete de Saint-James á sua política no t o c a n t e á Regên-
cia hespanhola, o q u e até certo p o n t o eqüivalia á regulação
da f r o n t e i r a do P r a t a .
(1) A r o h . do M i n . d a s R e i . E x t . , C o r r e s p . d a L e g . de Londres,
Ostensivos e Confidenciaes, 1810.
336 DOM J O Ã O V I NO BRAZIL
em casa e no u l t r a m a r . O s o f f k i o s de P a l m e l l a no decorrer
da sua missão p i n t a v a m com cores bem negras o estado da
metrópole: a f a l t a completa de dinheiro, a desorganização
do exercito, o Francez imperando insolente do E b r o ao Gua-
d a l q u i v i r , m a u grado a resistência nacional, as Cortes per-
dendo tempo e gastando-se com debates acadêmicos emquanto
as colônias se separavam e fragmentavam.
v
J u l g o u a suggestão s u m m a m e n t e p r e j u d i c i a l , além de i m p r a -
ticável pela segura inadmissão p o r p a r t e do gabinete b r i -
tannico.
hyperboliea e enganosamente a p p e l l i d a d o de h e r o i n a da
America.
em C a d i z a p r o t e s t a r u m a v e z mais, e m n o m e do Príncipe
Regente, as suas benevolas intenções p a r a c o m o monarcha
p r i s i o n e i r o , e o seu desejo de pôr em execução q u a l q u e r desí-
g n i o para, de accordo c o m S. M . B r i t a n n i c a , f a z e r cessar
a revolução de Buenos A y r e s . Quanto ao intermediário
G u e z z i , e r a o f f i c i a l m e n t e r e p u d i a d o sem c e r i m o n i a n e m re-
serva, a p p e l l i d a n d o D. P e d r o de Souza H o l s t e i n esse emulo
de C o n t u c c i de " m e r a m e n t e u m e x p l o r a d o r que o G o v e r n o
do B r a z i l se j'ulgou, p a r a a sua própria segurança, obrigado
a conservar em Buenos A y r e s , depois d a revolução daquelle
P a i z tão v i s i n h o " ; tendo apenas recebido p o r missão, quando
p a r a lá o despacharam do R i o de J a n e i r o , " d e s m e n t i r as vozes
que se t i n h a m a l i esparzido c o n t r a as pacificas intenções do
P. Regente de P o r t u g a l , d e c l a r a n d o que S. A. R. não
teve em t e m p o a l g u m intenções hostis c o n t r a n e n h u m a parte
dos Estados de S. M . C a t h o l i c a ". ( i )
Na realidade as n u t r i a a côrte do R i o c o m afan, e
como resistir á tentação de aproveitar-se das difficuldades
da eterna r i v a l si e r a t a l a penúria do erário hespanhol para
rebater q u a l q u e r incursão u l t r a m a r i n a , que o ordenado do
m i n i s t r o Casa I r u j o l h e estava sendo a d i a n t a d o no B r a z i l
pelo thesouro p o r t u g u e z , o q u a l se v i a , aliás, sem espe-
ranças de r e c o b r a r essas sommas? O d i n h e i r o de que dispu-
n h a a Regência n e m chegava p a r a pagar o soldo á guarnição
de C a d i z , g a r a n t i a das C o r t e s e das l i b e r d a d e s nacionaes,
não podendo a mesma Regência f u r t a r - s e ao p e j o de pedir
pequenas q u a n t i a s emprestadas ao m i n i s t r o b r i t a n n i c o . ( 2 ) .
e x p o r t a r , e m l u g a r de p r o d u z i r p a r a i r a c c u m u l a n d o . A i n d a
h o j e assim acontece, p o r q u e vivemos do excesso immediato
da nossa producção agrícola e e x t r a c t i v a . D o m João V I poude
a b r i r as p o r t a s ao t r a f i c o geral, promover portanto a ri-
queza, mas não l h e assistia o poder de crear m i l a g r o s a m e n t e
uma f o r t u n a publica.
(1) Os artigos da Asia e China, 011 por outra, das terras d'além
do Cabo da Boa Esperança, importados em navios portuguezes, paga-
vam 16 por cento como os do Reino. POT favor especial porém,' os da
índia e Aifrica Oriental pagavam 8 por cento em P o r t u g a l e Brazil,
tenido livre franquia nos outros portos da Asia e China. I g u a l isenção
receberam em 1810 as mercadorias exportadas de Maicao t m navios
portuguezes.
ws DOM JOÃO VI NO BRAZIL
(1) H i s t . de P o r t . cit.
382 DOM JOÃO VI NO BRAZIL
P o r u l t i m o , c o m o e r a m idênticos os d i r e i t o s e equiva-
lentes os addicionaes a i m p o r , q u e r fossem os gêneros t r a n s -
p o r t a d o s e m n a v i o s p o r t u g u e z e s , q u e r e m n a v i o s inglezes —
assim se c o n s i d e r a n d o t a n t o os construídos nos dous paizes
respectivos c o m o os apresados e l e g a l m e n t e c o n d e m n a d o s ( I )
— l u c r a v a e v i d e n t e m e n t e c o m semelhante disposição a ma-
r i n h a m e r c a n t e b r i t a n n i c a , já a n t e r i o r m e n t e e s u p e r i o r m e n t e
apparelhada para o trafego. A s auctoridades portuguezas -
e r a m , de resto, as p r i m e i r a s a pôr tropeços á l i v r e e f r a n c a
navegação das embarcações nacionaes. H a j a visto o caso
do Tigre, n a v i o sahido de L o n d r e s p a r a o M a r a n h ã o e m
1810 e que, depois -de c a r r e g a d o p a r a a t o r n a viagem, f o i de-
t i d o pelo g o v e r n a d o r D. José T h o m a z de M e n e z e s p o r
não poder o mestre d o barco satisfazer a exigência l e g a l
m a n d a n d o v i a j a r c o m capellão e cirurgião, pela simples razão
de se não e n c o n t r a r ecclesiastico o u f a c u l t a t i v o n a c a p i t a n i a
ou disposto e e m p r e h e n d e r a travessia ( 2 ) .
N ã o p a r a v a m a h i as f l a g r a n t e s desigualdades d o con-
vênio. O s v i n h o s p o r t u g u e z e s , q u e constituíam a g r a n d e i m -
portação b r i t a n n i c a , c o n t i n u a r a m a gosar d o d i r e i t o d i f f e -
r e n c i a l q u a n d o t r a n s p o r t a d o e m embarcações inglezas, o f f e -
recendo a I n g l a t e r r a c o m o e q u i v a l e n t e a P o r t u g a l o t r i b u t a r
este m a i s as lãs q u e não fossem t r a n s p o r t a d a s e m embarcações
p o r t u g u e z a s , o q u e estava b e m l o n g e de c o r r e s p o n d e r effe-
c t i v a m e n t e a u m f a v o r r e c i p r o c o p o r q u e as lãs t a m b é m e r a m
todas t r a n s p o r t a d a s e m n a v i o s b r i t a n n i c o s .
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9 AUen Bil
h abr-ogado depois da paz geral immediata á
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f o i resLbeleeido d u r a n ^
os Cem D i a s e mezes seguintes. Acerca da p r e t e n s a isenção p o r t u g u e z a
das suas disposições, escrevia C y p r i a n o R i b e i r o F r e i r e , m i n i s t r o em
L o n d r e s n a ausência d o e m b a i x a d o r P a l m e l l a , destacado n o Congresso
de \ i e n n a , ao m a r q u e z de A g u i a r em d a t a de 1 de O u t u b r o de 1 8 1 5 :
" P e l o que toca ao A l i e n B i l l , devo. i n f o r m a r a V. Ex. que, quan-
a o s e h i a a t r a t a r d e l l e em P a r l a m e n t o , f a l l e i a este Ministério p a r a que
as suas cláusulas se n ã o intendessem p a r a com os Vassalos P o r t u g u e -
zes r e s i d e n t e s em I n g l a t e r r a o u que houvessem de t r a n s i t a r , sa-hir
o u e n t r a r neste Reyno, o u p a r a que neste B i l l se i n t r o d u z i s s e a l g u m a
excepçao ou modificação a seu f a v o r , a t t e n t a a l e a l d a d e do c a r a c t e r
p o r t u g u e z , a h a r m o n i a e x i s t e n t e e n t r e as d u a s Naçoens, a cauz*
commum em qu e se achavão empenhadas, e as estipiüaçoens
positivas e expressas dos Tratados subsistentes, que segu-
r a v a o aos Vassalos iPortuguezes o l i v r e e inquestionável direito
de v i a j a r e m e r e s i d i r e m e m I n g l a t e r r a sem o mais leve i m p e d i m e n t o ou
obstáculo; reforçando esta m i n h a requisição com as ponderaçoens que
m parecerão p r u d e n t e s e o p p o r t u n a s , não o b s t a n t e p r e v e r a resposta
e
L i n h a r e s e p o r l o r d S t r a n g f o r d aos 19 de F e v e r e i r o de 1 8 1 1 — u m anno
d e c o r r i d o da celebração do t r a t a d o — organizou-se u m serviço de pa-
quetes mensaes e n t r e F a l m o u t h e R i o de J a n e i r o , sendo o p o r t e de
cada c a r t a 3/8 ( t r e z s h i l l i n g s e o i t o d i n h e i r o s ) . O g o v e r n o p o r t u g u e z
c o b r a v a o p o r t e sobre t o d a a correspondência, menos a o f f i c i a l , v i n d a
do* domínios b r i t a n n i c o s .
DOM JOÃO V I NO BRAZIL 395
Consolava-se o e m b a i x a d o r de L u i z X V I I I d o seu m a u
êxito t h e o r i c o c o m o a n t e r i o r e m a i o r m a l l o g r o dos I n g l e z e s
na p r a t i c a , r e p e t i n d o o que já sabemos ser verdade sobre não
haver c o r r e s p o n d i d o o B r a z i l , como m e r c a d o p a r a m a n u f a -
t u r a s européas, ás esperanças n'élle depositadas c o m a aber-
t u r a dos p o r t o s e a trasladação da côrte, sendo no geral
pouco felizes as l i m i t a d a s especulações tentadas. "Os porme-
nores que a este respeito r e c o l h i collocarão V. Ex. em posi-
ção de j u l g a r si não será p r u d e n t e e n t r a v a r esse i m p u l s o
d a nossa i n d u s t r i a e d i r i g i l - o n u m sentido em que e l l a se
ache menos exposta ás perdas que a g u a r d a m os negociantes
indiscretos q u e a avidez arrastará ao B r a z i l sem t e r e m previa-
mente tomado as informações e os conselhos da expe-
riência ( 2 ) .
P o r u m lado, pois, .não era tão g r a n d e m a l que as van-
tagens de t r a t a m e n t o a que a i n d u s t r i a f r a n c e z a aspirava l h e
fossem regateadas, o u m e l h o r recusadas. " P o r o u t r o lado,
a j u n t a v a L u x e m b u r g o , o systema a d u a n e i r o em v i g o r é p o r
f o r m a t a l odioso, e vexatório, que a f o r t u n a dos negociantes
andará sempre c o m p r o m e t t i d a e m q u a n t o não f o r e m dados
aos cônsules nos t r a t a d o s os meios de protegel-os c o n t r a seme-