Dizendo isto, meteu esporas ao cavalo Rocinante, sem atender aos gritos do escudeiro, que lhe
repetia serem sem dúvida alguma moinhos de vento, e não gigantes, os que ia acometer. Mas tão
cego ia ele em que eram gigantes, que nem ouvia as vozes de Sancho nem reconhecia, com o estar
já muito perto, o que era; antes ia dizendo a brado:
— Não fujais, covardes e vis criaturas; é um só cavaleiro o que vos investe.
(Dom Quixote de La Mancha)
Esta concepção caracterizou parte dos partidos que compuseram a Internacional Socialista
(IS), em especial o Partido Socialista Italiano (PSI). Na referida concepção, o desenvolvimento das
forças produtivas nos marcos do modo de produção capitalista levariam necessariamente a uma
crise de tipo catastrófica e ao colapso do capitalismo, cabendo ao proletariado fortalecer suas
organizações e esperar a irrupção da insurreição:
6 HOBSBAWM, E. (org.). História do marxismo. II. O marxismo na época da Segunda Internacional. Rio de
Janeiro:Paz e Terra, 1987. P.282.
7 LENIN, V.I. O oportunismo e a falência da Segunda Internacional. 1916. Disponível na internet via
https://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/01/falencia.htm Arquivo capturado em 03 de agosto de 2020.
“transformação da guerra imperialista numa guerra civil revolucionária 8”. Por isso, Lenin afirma a
traição e a falência da II Internacional.
Kautsky busca construir uma justificativa teórica para sua posição política através da tese
do “ultra-imperialismo”, que, segundo Lenin, negava “a profundidade das contradições do
imperialismo e a crise revolucionária que este engendra 9”. Tal posição fez com que os partidos
social-democratas da Europa apoiassem, em sua maioria, suas respectivas burguesias durante a
Primeira Guerra Mundial. Plekhanov, outro teórico do social-chauvinismo, defendia que “a vitória
de meu país acelerá a evolução do capitalismo e, consequentemente, o advento do socialismo 10”.
8 LENIN, V.I. O oportunismo e a falência da Segunda Internacional. 1916. Disponível na internet via
https://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/01/falencia.htm Arquivo capturado em 03 de agosto de 2020.
9 LENIN, V.I. O oportunismo e a falência da Segunda Internacional. 1916. Disponível na internet via
https://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/01/falencia.htm Arquivo capturado em 03 de agosto de 2020.
10 LENIN, V.I. O oportunismo e a falência da Segunda Internacional. 1916. Disponível na internet via
https://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/01/falencia.htm Arquivo capturado em 03 de agosto de 2020.
11 GEBRAN, Philomena (org). Conceito de Modo de Produção. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1978.
sociedade chinesa12”, identificando as frações burguesas, mas também atribuindo um papel
revolucionário ao campesinato.
No Brasil, a implementação mecânica da teoria das formações sociais pelo PCB, fez com
que este acreditasse na existência do modo de produção feudal durante o período colonial. A
grande propriedade de terra, e a existência de relações sociais pré-capitalistas no campo, fez com
que este elaborasse a teoria das “duas revoluções”, uma primeira democrático-burguesa,
conduzida e dirigida pela burguesia nacional, e outra de caráter socialista. Tal elaboração, culminou
na subordinação do proletariado a frações da burguesia brasileira, que se reunificariam com a
Ditadura Militar em 1964.
Mesmo não abandonando a perspectiva revolucionária, a incompreensão da formação
social e da estrutura de classes de cada país, fez com que na prática adotassem posturas
reformistas e subordinadas às classes dominantes.
12 Zedong, Mao. Análise das classes na sociedade chinesa. 1926. Disponível na internet via
https://www.marxists.org/portugues/mao/1926/03/classes.htm Arquivo capturado em 03 de agosto de 2020.
13 COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal. 1979. Disponível na internet via
https://www.marxists.org/portugues/coutinho/1979/mes/democracia.htm . Arquivo capturado em 03 de agosto de
2020.
politicamente, convertendo-se em um partido da ordem, numa aliança estratégica com a
democracia-cristã.
Tal formulação estratégica chega ao Brasil no final da década de 70, através de intelectuais
vinculados ao Partido Comunista Brasileiro, tais como Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder,
que posteriormente integrarão o PT. Esta concepção permaneceu secundária entre a esquerda
brasileira durante a década de 80, ganhando força principalmente após a queda do Muro de Berlim
e a dissolução da União Soviética.
O problema da via da revolução e o problema do poder deve ser submetido a uma análise
profunda, apoiando-nos sobretudo em nossa própria experiência, porém também na
experiência alheia. Tudo o que tem a ver com o tema do poder está em debate: há que
sustente que há que aspirar a uma cota de poder; há quem, influenciados pelos
acontecimentos do Leste Europeu e em geral pelas mudanças que estão se operando a
nível mundial, sustentam de que a luta pelo poder engendra confronto, violência e que isto
não é conveniente14.
14 HÁNDAL, Schafik. La lucha política electoral – desde una perspectiva revolucionaria. Ediciones Instituto Schafik
Hándal. San Salvador. 2015. P. 11.
15 Resoluções do 1º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores. Disponível em
https://redept.org/uploads/biblioteca/Resolu
%C3%A7%C3%B5es_do_1%C2%BA_Congresso_Nacional_do_Partido_dos_Trabalhadores.pdf . Acesso em 03 de
agosto de 2020.
16 Resoluções do 1º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores. Disponível em
https://redept.org/uploads/biblioteca/Resolu
%C3%A7%C3%B5es_do_1%C2%BA_Congresso_Nacional_do_Partido_dos_Trabalhadores.pdf . Acesso em 03 de
agosto de 2020.
dificuldade que amanhã e depois de amanhã terão, de qualquer maneira, de aprender, e
aprender completamente, a vencer as mesmas dificuldades em proporções imensamente
mais consideráveis17.
Também é conhecida a relação estabelecida por Fidel Castro com Eduardo Chibás, principal
liderança do Partido Ortodoxo, um “partido populista de origem pluriclassista, composto
fundamentalmente por operários, camponeses, e pequena burguesia, e cuja direção era
burguesa19”. Mesmo identificando os limites da institucionalidade burguesa, é somente após a
morte de Chibás e o Golpe Militar de Batista, em dezembro de 1952, que Fidel oficializa a
construção do Movimento 26 de Julho, recrutando pacientemente os melhores militantes da
esquerda do Partido Ortodoxo.
Estamos diante um dilema. Se as diversas manifestações históricas do reformismo não
encontram materialidade na Consulta Popular. E se tampouco a recente decisão da Direção
Nacional em realizar experiências eleitorais e aprofundar a combinação das formas de luta em
nossa organização, ou a afirmação de uma política de alianças ampla são expressões do
Por tudo isso, é importante (re)afirmarmos que a atual divergência no seio da Consulta
Popular expressa diferenças de posições entre revolucionários/as. Não coincidentemente, os
debates internos que enfrentamos são muito semelhantes aos enfrentados pelo bolchevismo após
a derrota da Revolução Russa de 1905, e pela Internacional Comunista após a derrota das
20 A Consulta Popular jamais será uma seita! Aton Fon e Ricardo Gebrim. Caderno de Debates da Consulta Popular
São Paulo nº 4. 2015. P. 13
Revoluções Alemãs, Húngara e do Biênio Vermelho italiano. Ambas derrotas profundas que
alteraram significativamente a correlação de forças de forma desfavorável aos trabalhadores/as.
Além disso, a reação melancólica e saudosista de alguns companheiros ao texto “A Consulta
Popular e a luta político-eleitoral”, evidenciam que um dos nossos desafios é superar o “espírito de
círculo”, que insiste em restringir nossos desafios enquanto Consulta Popular aos momentos
iniciais de construção de uma organização revolucionária.
A derrota estratégica sofrida em 2016, e a emergência de um governo neofascista, que
busca acumular forças e transitar de regime político para uma ditadura fascista não nos permite
vacilação: ou damos um salto de qualidade na Consulta Popular enquanto instrumento político,
enfrentando nossas lacunas estratégicas ou perderemos nosso sentido histórico e não
conseguiremos exercer nossa vocação revolucionária.
Sofremos uma derrota estratégica com o golpe de 2016 por termos abandonado a
estratégia centrada na conquista do poder. A responsabilidade não pode recair apenas
sobre o PT. Embora por ter sido o detentor da hegemonia nas classes trabalhadores e estar
à frente de sucessivos governos, possua o encargo principal, não se pode eximir as demais
organizações de esquerda, mesmo as que não compartilhavam do rebaixamento
estratégico, pela impotência em construir uma alternativa. Em nosso caso, qual o balanço
que devemos fazer por não ter efetivamente conseguido acumular maiores forças apesar
de contar com uma estratégia teoricamente centrada na questão do poder? 21
22 Clausewitz, Carl V. Da Guerra. Editora Martins Fontes. São Paulo. 2017 P.154
23 Clausewitz, Carl V. Da Guerra. Editora Martins Fontes. São Paulo. 2017 P.154