Você está na página 1de 12

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

LEDÍLSON DOS SANTOS GUTIERRE

ASPECTOS INTRÓITOS DA RELAÇÃO ENTRE MEIO AMBIENTE E


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

1 INTRODUÇÃO: O HOMEM E O MEIO AMBIENTE

A relação do homem com a natureza, desde os primórdios, foi de degradação


ambiental. Isto se deu porque desde que o homem iniciou o processo de manipulação do meio
ambiente, transformando–o e utilizando-o a fim de adequá-lo a sua necessidade, a natureza
ficou condicionada aos seus interesses, tornando-se objeto de apreciação, uso e disposição. O
homem acreditava - e ainda acredita de certo modo - que a natureza e toda sua produção
existem com o único e exclusivo fim de satisfazê-lo, ignorando o fato de que se trata de
produção finita dos recursos.
Essa forma antropocêntrica de relacionar-se com a natureza - colocando-se no centro
do mundo em oposição a ela -, característico da sociedade ocidental, deixou o homem, por
meio da ciência, conhecedor e possuir dela.
O filósofo René Descartes (1596 – 1650) foi o grande definidor da visão
antropocêntrica. Segundo sua concepção, o homem seria o sujeito, e a natureza, o objeto. Esta
existiria para servir o primeiro que, apenas, caberia a simples função de desenvolver o
conhecimento.
Essa concepção cartesiana influenciou profundamente a revolução científica e
tecnológica que encontra sua expressão máxima na Revolução Industrial, a qual, com o
desenvolvimento de máquinas e engenhos no século XVIII e XIX, não só trouxe um
2

acréscimo populacional gigantesco, como também uma violenta usurpação dos bens da
natureza pelo homem.1
Verifica-se, assim, que a construção científica da separação do homem da natureza
teve sua origem no Iluminismo, o qual aplica a ciência à indústria, surgindo a idéia de
supremacia da teoria sobre a técnica.
O homem, portanto, acaba por distinguir-se da natureza, quando a toma como objeto
de estudo e compreensão, assumindo-a como parte fora de si.
Detentor desses novos conhecimentos e técnicas, ao homem permitiu-se controlar
tanto ativa como passivamente a natureza, o que a faz deixar de ser algo que segue apenas as
leis naturais, e passa a ser um grande conjunto de objetos dos quais o homem escolhe alguns
que aprende a utilizar.2
O pensamento racionalista, inaugurado pelo sistema capitalista, trouxe, portanto, a
idéia de uma natureza objetiva e exterior ao homem. Aquela passa a ser concebida como
oposta à cultura e sua subalterna. A concepção de natureza como objeto externo ao homem e o
homem como não-natural e, conseqüentemente, fora da natureza, traz uma visão mecanicista,
fragmentadora e reducionista da realidade.
Essa transformação no conceito de natureza fez com que a humanidade imprimisse
modificações no mundo sem calcular as conseqüências. A partir, principalmente, da
Revolução Industrial viu-se a estruturação de múltiplos processos de degradação ambiental
nas suas mais variadas formas.
Assim, um novo limiar se estabeleceu entre o homem e a natureza e suas relações. O
processo de industrialização, incluindo a indústria bélica, a poluição e a degradação ambiental
passaram a constituir um fato da civilização que atingiu e atinge dimensões gigantescas no
planeta após 2ª Guerra Mundial. A esse fenômeno se denominou “Desenvolvimento
Econômico”.

1CARVALHO destaca o seguinte: “Não que as idéias de descartes tenham sido objetivamente a causa, mas, com
a conseqüente evolução do homem nos aspectos social, político e econômico, e bem assim com o
desenvolvimento das ciências, o fenômeno da industrialização foi um resultado lógico, fruto do amadurecimento
do próprio sistema econômico que se delineou mesmo que de forma tênue a partir do mercantilismo.
(CARVALHO, Antônio Cesar leite de. SANTANA, José Lima. Direito Ambiental Brasileiro em Perspectiva:
Aspectos Legais, Críticas e Atuação Prática. Curitiba: Juruá Editora, 2009, p. 116).

2GIANSANTI divide o controle ativo do controle passivo sobre a natureza, exemplificando que o primeiro se dá
por meio de desvio de cursos de rios, construção de polders, criação de animais variados bem como espécies de
plantas, recuperação de solos, etc; e o segundo, controle passivo, quando a força da natureza ainda não pode se
controlada, mas pode ser prevista como, por exemplo, mudanças no tempo, erupções vulcânicas, terremotos, etc
(GIANSANTI, Roberto. O desafio do desenvolvimento sustentável. São Paulo: Atual, 1998, p. 20).
3

Exemplo da ambição humana de controlar a natureza capaz de intervir na biosfera


planetária de forma catastrófica foi a explosão da bomba atômica, que, em 1945, foram
lançadas sobre as cidades de Nagasaki e Hiroshima, no Japão. Tal fato evidencia que o
desenvolvimento da ciência havia se maximizado a tal ponto que a destruição do planeta
passou a ser uma possibilidade real, denunciando a irracionalidade do homem.3
A agressão à natureza que essa concepção antropocêntrica trouxe, acabou por colocar a
própria vida do homem em risco, bem como o seu destino. De fato, o domínio e a destruição
do meio ambiente alcançaram um ritmo sem precedentes.
Ante as catástrofes ambientais, a humanidade, tremendo os males que estão gerando,
abre a discussão, nesse milênio, sobre a problemática ambiental. Passa-se a exigir um novo
modelo civilizatório, baseado no equilíbrio ecológico e na qualidade de vida das atuais e
futuras gerações.
Não se deve mais sobrepor o mero “desenvolvimento econômico” em face da
preservação do meio ambiente. É inconciliável, hodiernamente, a idéia de um
antropocentrismo puro frente ao direito e à necessidade do homem de viver em um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, garantindo, dessa forma, a sua subsistência no Planeta.
Para repensarmos um novo modelo civilizatório será imperioso superar o paradigma
da separação do homem e natureza, colocando-o de volta inserto no meio ambiente.

2 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O sistema desenvolvimentista do homem sem considerar qualquer custo ou sacrifício


ao meio ambiente, como se viu no passado, retratou o panorama do crescimento econômico e
industrial no mundo ocidental, porém essas formas de agressão à natureza já não deve mais,
em pleno século XXI, servir de fundamento para o progresso e desenvolvimento humano,
econômico, social, cultural, etc.
Não devemos negar que o desenvolvimento tecnológico trouxe condições favoráveis à
erradicação de algumas endemias, cura de doenças, descobertas de mecanismos de
prolongamento da vida humana, o alargamento das fronteiras do conhecimento e,
3MILARÉ ressalta que os conflitos não passam, como regra, de dissensões entre países ou nações na busca do
controle sobre os bens essenciais e estratégicos da natureza. Exemplifica com a água, produto muito disputado
no Oriente Médio. (MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: A Gestão Ambiental em foco. 6ª Edição. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 58).
4

conseqüentemente, uma explosão demográfica na história natural, onde o homem passou a ter
um domínio quase ilimitado da natureza.4 No entanto, também não se deve ignorar que esse o
avanço tecnológico trouxe também, a nível global, a degradação ambiental.
Os problemas oriundos da relação do homem com a natureza até então, levantou,
principalmente na segunda metade do século passado, reflexões sobre a necessidade de se
preservar o meio ambiente, tornando cada vez mais consciente a limitação do “capital da
natureza” quanto os perigos oriundo da degradação ao meio ambiente.
Assim sendo, viu-se a necessidade de compatibilizar o meio ambiente com o
crescimento econômico sem que esse último significasse o sacrifício do primeiro, e a essa
compatibilização se denominou Desenvolvimento Sustentável – DS. O dilema “ou
desenvolvimento ou meio ambiente” não deve prosperar como uma alternativa válida e
verdadeira, pois, na medida em que um - o meio ambiente – é fonte de recursos para o outro –
o desenvolvimento -, ambos devem harmonizar-se e completar-se.5
Essa mudança comportamental surgiu em decorrência da sensibilização crescente do
homem em relação à situação do planeta e a degradação ambiental. Essa nova visão – o do
desenvolvimento sustentável – remeteu a uma reforma substancial nas noções de eficácia e de
racionalidade econômica e obriga a inserção de outras dimensões, vez que a atividade
econômica não mais se desenvolverá sustentavelmente se a natureza, que abastece com
recursos naturais, estiver gravemente comprometida.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em
Estocolmo, em 1972, mais conhecida como a Conferência de Estocolmo, colocou a questão
do meio ambiente na agenda internacional.
Para tal conferência, um ano antes, houve um processo de preparação, implementado
pelos organizadores, que ficou conhecido como Encontro de Founex, o qual teve como pauta,
pela primeira vez, a análise da relação intensa entre o meio ambiente e o desenvolvimento,
identificando os principais tópicos dessa problemática, que já não eram mais pontuais, tendo
em vista que já haviam alcançado dimensões globais, interligando-se a diversos problemas de
ordem social, política e econômica.

4TRENNEPOHL, Terence Dornelles. O Desenvolvimento Econômico da Sociedade Moderna e o Princípio


da Precaução no Direito Ambiental. In: FARIAS, Talden. COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega (org).
Direito Ambiental: o meio ambiente e os desafios da contemporaneidade. Belo Horizonte: Editora Fórum,
2010, p.466.

5MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: A Gestão Ambiental em foco. 6ª Edição. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2009, p. 64.
5

Contudo, a dicotomia existente entre o hemisfério sul – países subdesenvolvidos - e o


hemisfério norte – países desenvolvidos -, acabou por desencadear um conflito intenso de
opiniões sobre as questões pertinentes a industrialização e crescimento.
Os países do lado norte do planeta sustentavam a necessidade de uma preocupação
com a meio ambiente. Para eles, que não mais possuíam tantos problemas sociais por já terem
atingido certo nível de maturidade no que concerne ao desenvolvimento sustentável, o
crescimento demográfico e econômico mundial - ou pelo menos o crescimento de consumo -
deveriam ser imediatamente estagnados, pautando-se no discurso do “crescimento zero” para
os países do lado sul planetário, sob pena de ocorrer uma exaustão dos recursos.
Obviamente que houve uma rejeição dos países subdesenvolvidos por diversas razões.
Para as nações do hemisfério sul, fartos de problemas estruturais e econômicos, as
preocupações com o meio ambiente deveriam ficar num plano inferior, pois, caso contrário,
atrasariam e inibiriam seus esforços rumo à industrialização para alcançar os países
desenvolvidos. A prioridade deveria ser a aceleração do crescimento a qualquer custo.6
As duas posições foram descartadas. A suspensão do crescimento, sustentados pelos
países do norte, estava fora de questão, pois deterioraria ainda mais a situação da maioria
pobre. Por outro lado, a conservação da biodiversidade não poderia ser equacionada com a
opção do “não-uso” dos recursos naturais precípuos.7
Uma alternativa intermediária surgiu entre as duas posições, pois o crescimento
econômico ainda se fazia necessário, bem como a preservação do meio ambiente. A solução
encontrada foi a do desenvolvimento sustentável – ou ecodesenvolvimento -, cuja abordagem
fundamenta-se na harmonização de objetivos sociais, ambientais e econômico.
Importante ressaltar que Sachs8 estabelece critérios para a sustentabilidade sendo eles:
social, cultural, ecológico, ambiental, territorial, econômico, política (nacional) e política
(internacional).
O citado autor traz que a sustentabilidade social deve ter como meta alcançar um
patamar razoável de homogeneidade social, promover uma distribuição eqüitativa de renda
justa, igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais; no que tange a questão cultural,

6O Brasil defendeu o desenvolvimento a qualquer preço. Segundo Carvalho e Santana “este ultrapassado modelo
de desenvolvimento econômico a qualquer custo é o que continua sendo adotado pelo nosso país, e que a
despeito disso, não consegue crescer o mínimo exigível para pelo menos diminuir as graves desigualdades
sociais” CARVALHO, Antônio Cesar leite de. SANTANA, José Lima. Direito Ambiental Brasileiro em
Perspectiva: Aspectos Legais, Críticas e Atuação Prática. Curitiba: Juruá Editora, 2009, p.128.

7SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p. 52-53.

8SACHS, op. cit. p. 87-89.


6

essa se baseia na mudança no interior da continuidade, ou seja, o equilíbrio entre respeito à


tradição e inovação; para a questão ecológica elenca a necessidade preservação do potencial
do capital natureza na sua produção de recursos renováveis e no limitar do uso dos recursos
não-renováveis; já a questão sustentabilidade ambiental baseia-se no respeito e
conscientização da capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais; na
sustentabilidade territorial insere as feições pertinentes as configurações urbanas e rurais, a
melhoria do ambiente urbano e a superação das disparidades inter-regionais; para a área
econômica traça o desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado, segurança alimentar,
capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção, razoável nível de
autonomia na pesquisa cientifica e tecnológica; para o quadro da política nacional determina
a importância da democracia definida em termos de apropriação universal dos direitos
humanos, a capacidade do Estado em desenvolver projetos nacionais em parceiras com todos
os empreendedores e um nível de coesão social razoável; para as questões de política
internacional traz a eficácia do sistema de prevenção de guerras da ONU na garantia da paz e
na promoção da cooperação internacional, bem como um controle institucional efetivo do
sistema internacional financeiro e de negócios, um pacote Norte-Sul de co-desenvolvimento,
baseado no principio da igualdade, sistema efetivo de cooperação cientifica e tecnológica e
um controle institucional efetivo da aplicação do principio da precaução na gestão do meio
ambiente e dos recursos naturais.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento –
CNUMAD -, conhecida como ECO-92, ocorrida na cidade do Rio de Janeiro em 1992,
contando com a presença de 178 países e mais de 1.500 representantes de organizações não
governamentais, traz o desenvolvimento como meta a ser buscada e respeitada por todos os
países.
O resultado do encontro gerou documentos importantes em prol de um
desenvolvimento equilibrado, podendo citar como exemplos: a Agenda 21; a Convenção
sobre mudanças climáticas; a Convenção sobre Biodiversidade Biológica e; a Declaração do
Rio sobre o Meio Ambiente e desenvolvimento.9 Vale ressaltar que o Princípio 4 da
Declaração do Rio estabelece que “Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção
ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser
considerada isoladamente deste”.10

9TRENNEPOHL, op. cit. p. 467

10MILARÉ, op. cit. p. 64.


7

Assim, a ECO-92 acabou por representar um avanço no sentido de reforçar a idéia


segundo a qual desenvolvimento e meio ambiente constituem um binômio central e
indissolúvel, surgindo como um contraponto aos tradicionais modelos de desenvolvimento
econômico, devendo ser incorporado as política públicas e às práticas sociais de todos os
países. A ampla adesão aos princípios da Agenda 21, por exemplo, tem favorecido a inserção
de novas posturas frente aos usos dos recursos naturais, a alteração de padrões de consumo e a
adoção de tecnologias mais brandas e limpas, apesar de não ser constituído de caráter
mandatário, significando uma tomada de posição ante a necessidade de assegurar a
manutenção da qualidade do meio ambiente.

4 A PROTEÇÃO JURÍDICA AO MEIO AMBIENTE E O DIREITO AO


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO

Podemos conceituar o meio ambiente utilizando-se das palavras de José Afonso da


Silva11, que o define como sendo a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e
culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.
A integração busca assumir uma concepção unitária do meio ambiente, compreensiva
dos recursos naturais e culturais, e, sendo assim, constitui um dever do Poder Público e,
portanto, do Direito, a preservação, a recuperação e a revitalização do meio ambiente, uma
vez que o mesmo constitui da “ambiência” da evolução da vida humana.
A forma antropocêntrica que o homem se relacionou com a natureza nos séculos
passados, visando o crescimento econômico sem a preocupação de resguardar o meio
ambiente e seus recursos finitos, trouxe conseqüências sérias para a subsistência da vida
humana no planeta, pois satisfazia as necessidades do presente e, no entanto, comprometiam
as possibilidades das gerações futuras.
Ante a situação catastrófica que atingiu, viu-se a necessidade de se tutelar
juridicamente o meio ambiente. No entanto, os primeiros textos normativos que tratam da
proteção jurídica do meio ambiente se deram de forma esparsa, pontual, fragmentada –
tutelando-se apenas os microbens ambientais - e, ainda, com certo cunho antropocêntrico, pois

11SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 6ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2007,
p. 02.
8

a positivação da proteção ao meio ambiente não se deu para resguardar o meio ambiente em
si, como um todo - macrobem jurídico -, mas sim para continuar a servir o homem, que se
colocara no centro do mundo, exterior meio.12 Ainda não se tinha concebido a concepção
unitária do meio ambiente.
No Brasil não foi diferente. Diversas foram as legislações que procuraram proteger os
microbens ambientais, desconsiderando a amplitude e complexidade do macrobem ambiental.
Exemplo disso foi a promulgação da Lei nº 4.771 de 15 de setembro de 1965, que instituiu o
Código Florestal, a qual se preocupa especificamente com um microbem ambiental, qual seja,
as florestas.13
Sob a influência da Conferência de Estocolmo realizada em 1972, a Lei nº 6.938 foi
promulgada em 31 de agosto de 1981 que se tornou mais conhecida como a Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente. Nela já se vislumbra uma maior preocupação em instituir uma
política preservacionista, melhorando e recuperando a qualidade ambiental propícia à vida,
objetivando uma gestão mais integrada do meio ambiente, mesmo que a Constituição Federal
de 1969, vigente na época, assim como as anteriores, não tutelavam expressamente o meio
ambiente a nível constitucional.14
A Constituição Federal de 1988 – CF/88 -, como lei fundamental, traçou o conteúdo,
os rumos e os limites da nova ordem jurídica nacional. Abriu um capítulo e inseriu o meio
ambiente em seu texto como realidade natural e social, o que significa que o constituinte
originário quis dar importância máxima à matéria. Importante ressaltar que a Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente foi recepcionada pela supracitada Constituição brasileira.
Também fortemente influenciada pela Conferência de Estocolmo e pelos demais
instrumentos internacionais que o Brasil adotou, a Constituição Federal de 1988 dispõe de
12Entende-se por macrobem ambiental o meio ambiente como um todo, em seu conceito mais profundo e
adequado. O meio ambiente em sua máxima complexidade, em sua máxima extensão, onde todas as formas de
vida interagem entre si e com todas suas manifestações e criações. Já microbem ambiental trata de todo e
qualquer elemento constituinte e integrante do meio ambiente. Os microbens, ao interagirem, é que formam o
meio ambiente e, consequentemente, o macrobem ambiental. Por serem individualmente considerados, muitos
possuem tratamentos legislativos próprios, tornando-os verdadeiros bens ambientais individuais. Exemplos são
de microbem ambiental: a água, o solo, a fauna, a flora, etc.

13O art. 1º da Lei nº 4.771/65 aduz: “As florestas existentes no território nacional e as demais formas de
vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes
do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente
esta Lei estabelecem.”

14 O art. 2º da Lei nº 6.938/81 dispões: “A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao
desenvolvimento sócioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida
humana, atendidos os seguintes princípios: (...)”
9

mecanismos capazes de solucionar problemas ambientais de grande complexidade,


incumbindo o Poder Público o dever de preservar e restaurar os processos ecológicos
essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas.
Denota-se que, com o advento da Constituição Federal vigente, o Brasil passa a tutelar
juridicamente o meio ambiente não mais apenas como microbem ambiental, mas também
passa a enxergá-lo como um todo, mais profundo e adequado, em sua máxima complexidade
e extensão, ou seja, macrobem ambiental.
Portanto, se fizermos uma análise histórica, constataremos que a Carta Política de
1988 foi a primeira a tratar, de forma efetiva e expressa a questão ambiental.
Precisamente, o art. 225, caput, da CF/88 que, apesar de ser um único artigo, trata-se
de um capítulo inteiro dedicado ao meio ambiente, dispõe que todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.15
Depreende-se, portanto, por meio de uma interpretação sistemática e teleológica da
Constituição, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito
fundamental, pois o mesmo é considerado um bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida.
Nesse sentido, o desenvolvimento sustentável tem sido entendido como um modelo de
desenvolvimento que satisfaz às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade
das gerações futuras de atenderem suas próprias necessidades, criando, de tal forma, a
conjugação entre meio ambiente e desenvolvimento, passando a considerar a idéia de
desenvolvimento sustentável não somente como um conceito, mas como um princípio do
direito internacional contemporâneo.
Podemos afirmar que o mencionado princípio está inserido na conjugação dos artigos
3º, inciso II; 170, inciso VI; e 225, todos da nossa Carta Magna, uma vez que se preza tanto
pelo desenvolvimento econômico do país, quanto pela preservação do meio ambiente, com
vistas ao usufruto racional dos recursos naturais.16

15Brasil. Constituição Federal de 1988.

16Os mencionados artigos constitucionais dispõem: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: (...) II - garantir o desenvolvimento nacional; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: (...) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme
o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
10

Assim, por meio da criação de um sistema jurídico dotado de instrumentos destinados


a solucionar problemas ambientais, o ordenamento jurídico brasileiro criou o Estado de
Direito Ambiental, o qual se propõe a aplicar o princípio da solidariedade econômica e social
para alcançar um desenvolvimento sustentável, orientado a buscar a igualdade substancial
entre os cidadãos, mediante o controle jurídico do uso racional do patrimônio natural.17

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização dos recursos naturais com o objetivo de suprir as necessidades básicas do homem
foi, desde os primórdios, uma atividade realizada totalmente sem preocupação com as conseqüências
advindas dessa atividade exploratória de produtos finitos.
Dentro de uma visão antropocêntrica, principalmente, a partir da Revolução Industrial,
aplicando-se a ciência à indústria e imergindo a concepção da supremacia da teoria sobre a técnica,
houve profundas modificações na sistemática de produção. A conseqüência foi a apropriação e
usurpação dos recursos naturais pelo homem, em nome do crescimento econômico, gerando uma série
de degradações ao meio ambiente.
A segunda metade do século XX foi marcada por movimentos ambientais internacionais que,
já iniciada uma consciência ambiental preservacionista mundial diante das catástrofes ambientais que
o domínio humano sobre a natureza fizera, buscavam uma solução menos gravosa ao meio ambiente e,
ao mesmo tempo, não impeditiva da continuação do desenvolvimento econômico. A Conferência das
Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972, foi a mais importante,
pois colocou a questão do meio ambiente relacionado com o desenvolvimento na agenda internacional,
trazendo o desenvolvimento sustentável - ou ecodesenvolvimento - como solução encontrada para a
harmonização do necessário crescimento econômico e a utilização sem degradação dos recursos
naturais finitos.
Vinte anos depois, a ECO-92 representou um avanço. Reforçou a idéia segundo a qual
desenvolvimento e meio ambiente constituem um binômio central e indissolúvel, surgindo como um
contraponto aos tradicionais modelos de desenvolvimento econômico, devendo ser incorporado as
política públicas e às práticas sociais de todos os países.
No Brasil, a tutela jurídica do meio ambiente aparece primeiro de forma esparsa, pontual e
fragmentada, protegendo tão somente microbens ambientais, ignorando a amplitude e complexidade

17LEITE, José Rubens Morato. FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. Estado de Direito Ambiental no Brasil: uma
Visão Evolutiva. In: FARIAS, Talden. COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega (org). Direito Ambiental: o meio
ambiente e os desafios da contemporaneidade. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 119.
11

do macrobem ambiental como um todo. Somente com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente –
Lei nº 6.938/81 – passa-se a ter ensaiar uma visão ambiental qualitativa propícia à vida no planeta.
No entanto, é com a Constituição Federal de 1988 que o Brasil passa a tutelar juridicamente o
meio ambiente como um todo, em sua máxima complexidade e extensão, extraindo-se do seu texto,
através de uma interpretação sistemática e teleológica, o princípio do desenvolvimento sustentável, o
qual satisfaz às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras,
tornando-se um verdadeiro direito fundamental.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental: Aspectos Fundamentais. In: FARIAS,


Talden. COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega (org). Direito Ambiental: o meio
ambiente e os desafios da contemporaneidade. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm. Acessado em:
15/01/2016.

BRASIL. Lei nº 4.771 de 15 de setembro de 1965. Novo Código Florestal. Legislação


Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4771.htm. Acessado em:
15/01/2016.

BRASIL. Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981. Política Nacional do Meio Ambiente.


Legislação Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm.
Acessado em: 15/01/2016.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. LEITE, José Rubens Morato. Direito Constitucional
Ambiental Brasileiro. 4ª Edição. São Paulo; Editora Saraiva, 2011.

CARVALHO, Antônio Cesar leite de. SANTANA, José Lima. Direito Ambiental Brasileiro
em Perspectiva: Aspectos Legais, Críticas e Atuação Prática. Curitiba: Juruá Editora,
2009.

GIANSANTI, Roberto. O desafio do desenvolvimento sustentável. São Paulo: Atual, 1998.

LEITE, José Rubens Morato. FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. Estado de Direito
Ambiental no Brasil: uma Visão Evolutiva. In: FARIAS, Talden. COUTINHO, Francisco
Seráphico da Nóbrega (org). Direito Ambiental: o meio ambiente e os desafios da
contemporaneidade. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: A Gestão Ambiental em foco. 6ª Edição. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009.

SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro:


Garamond, 2009.
12

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 6ª edição. São Paulo: Malheiros
Editores, 2007.

SILVA, Solange Teles da. O Direito Ambiental Internacional. Belo Horizonte: Del Rey,
2009.

TRENNEPOHL, Terence Dornelles. O Desenvolvimento Econômico da Sociedade


Moderna e o Princípio da Precaução no Direito Ambiental. In: FARIAS, Talden.
COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega (org). Direito Ambiental: o meio ambiente e
os desafios da contemporaneidade. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010.

Você também pode gostar