Abstract
This article examines stories through reading workshops with elderly. The research developed,
with a qualitative basis, aimed to generate knowledge of practical application. Data collection
was through participant observation and through audio-recordings of testimonies and interviews
with the elderly and their caregivers. Altogether five workshops were held: Corners, the first
occurred in July; Places, was held in September; Smells occurred in the month of October;
Animals, in the month of November, and Loves, in December. It was found that involvement of
the elderly during activities provided building social bonds and resignifications about
themselves.
1. INTRODUÇÃO
A linguagem é mais que um veículo de informação, uma vez que ela permite o resgate
do homem como um ser social, histórico e cultural, bem como promove a (re)organização
contínua da história de cada sujeito e a interação social (SOUZA FILHO; MASSI, 2011).
Assim, entendemos que através da linguagem, o idoso pode dar um sentido à sua vida
e às relações com as outras pessoas, com a cultura e com própria linguagem. Nessa
perspectiva, este artigo lança luzes sobre a operatividade grupal teorizada por Pichon-Rivière
(1991), bem como sobre as narrativas autobiográficas, com base nas ideias de Bruner (1997) e
outros.
Pichon-Rivère (1991) define grupos operativos como conjunto restrito de pessoas que
ligadas por tempo e espaço, articuladas por sua mútua representação interna, que se propõem
Oliveira, Rego e Aquino (2006) nos dizem que quando o indivíduo narra sua história de
vida, usam marcadores que identificam pontos ao longo de sua trajetória de vida, evidenciando
diferentes modos de viver conforme aquilo que é oferecido pelo mundo cultural, através de
temas, recursos, procedimentos, argumentos, modelos, normas, valores, etc. Assim, segundo
os autores, os marcadores são idiossincráticos, pois dialogam com os pontos de experiências
do indivíduo com a cultura, e com os significados compartilhados no ciclo da vida.
Oliveira, Rego e Aquino (2006) citam Bruner e Weisser (1995), que pontuam três
características desse gênero autobiográfico: a sequência, que se refere à ordenação temporal
e causal dos fatos e eventos relatados; a canonicidade, parte de um referencial normativo, por
exemplo: a infância feliz ou a adolescência turbulenta. É modelo apropriado do ciclo da vida do
indivíduo que poderia, ou não, ter sido seguido pelo mesmo; e o perspectivismo, que é uma
forma de o indivíduo olhar paras as situações vividas e relatadas, avaliando a si mesmo, aos
outros, bem como o modo de fazer as coisas num determinado tempo e lugar.
Bruner (1997) afirma que as autobiografias se referem à constituição da subjetividade,
que expressam significados construídos culturalmente. São marcadas por traços históricos e
culturais que são internalizados pelo indivíduo numa determinada época e sociedade. O autor
afirma que narrar é algo inerente à condição humana, pois há a necessidade de o indivíduo
conservar experiência, estabelecer continuidade, coerência à própria experiência, e ter a
sensação de controle sobre o futuro.
4. METODOLOGIA
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante as oficinas com os idosos foi possível observar que a instituição em questão é
um lugar organizado, que oferece condições adequadas de higiene, salubridade e segurança.
Logo à entrada, situa-se a portaria, onde é feita a identificação dos visitantes e das demais
pessoas que precisam acessar o local. A instituição conta com vários espaços: sala de
televisão, refeitório, cozinha, quartos coletivos, que separam homens e mulheres, quartos
individuais, lavanderia e uma sala onde fica uma espécie de consultório médico.
Na área externa, há imagens de santos e uma capela. Existe também um pequeno
espaço coberto, no qual algumas cadeiras foram dispostas em círculo, o que poderia facilitar a
aproximação entre os idosos. Todavia, embora vários deles utilizassem essas cadeiras,
observou-se que muitos passavam a maior parte do tempo olhando para o horizonte, outros
ficavam fumando. Foram raras as iniciativas por parte deles para manter interação e
proximidade intersubjetiva.
Sabe-se que a idade avançada pode levar o indivíduo a se deparar com uma difícil
realidade: o isolamento em vários momentos do dia, a falta de algo interessante para fazer ou
de alguém para conversar (GIACOMIN et al., 2013; JUNGES, 2004; NERI, 2006). Nesse
sentido, pretendeu-se por meio destas atividades propiciar momentos de conversa, toque e
afeto, que fazem tão bem aos idosos, sedentos por contato humano, por trocas de ideias, por
alguém que lhes dê um minuto de atenção ouvindo as suas histórias.
Antes da realização de cada oficina, foi preparada uma pauta, contendo o objetivo do
encontro, as atividades a serem realizadas, bem como as questões norteadoras a serem
desenvolvidas. O roteiro elaborado servia apenas como um guia para a discussão, havendo
flexibilidade para incorporar questões de interesse trazidas pelo grupo de idosos. O ambiente
para a realização das reuniões foi a sala de televisão da instituição. O local era organizado
previamente, com a disposição das cadeiras em círculo, com o intuito de deixar o ambiente
mais agradável, tranquilo e acolhedor.
Na primeira Oficina (Figura 1), Cantos, foi demonstrado que cantar é uma atividade
atraente, que mexe com os sentidos e as emoções. Para o seu desenvolvimento, priorizou-se o
canto e a escuta de músicas populares do Nordeste e a leitura de poemas do livro “Cante Lá
que Eu Canto Cá”, de Patativa do Assaré (2008). Uma das idosa decidiu até cantar o hino
nacional e disse:
“Quero ver se essa juventude sabe mesmo cantar o hino nacional” (s8).
Cantar e/ou imitar o artista preferido foram atividades que divertiram os idosos,
permitindo a livre expressão de seus sentimentos e, consequentemente, o resgate da
autoestima. A atividade possibilitou que os idosos participassem cantando, e assim, narrassem
em forma de cantos musicais.
Nesse caso, é possível analisar a produção de narrativas sob o ângulo musical, em que
as músicas narram, contam histórias, e assim, os idosos tomam para si e cantam, e contam,
para si tais histórias.
A música tem impacto significativo no bem-estar subjetivo dos idosos, bem como a
valorização e o prazer pela vida (GOMES; AMARAL, 2012). Isso nos faz refletir sobre a música
enquanto um tipo de narrativa que permitem construir e ressignificar as experiências de vida.
surras e “bolos” nas mãos. Entretanto, apesar disso, foram lembrados com saudade. Era uma
época difícil e muito divertida também.
“Na minha família muita gente tem diabetes, mas eu sempre gostei de doces, sou apaixonada
por doces! Minha mãe me proibia de comer. Aí eu comia bolinhas de
açúcar. Comia escondida, quando minha mãe saía de casa. Mas, um
dia, ela descobriu e guardou o açúcar numa prateleira bem alta. Só
que eu não desisti de comer doce. Quando fiquei só, subi na mesa e
tentei pegar uma bolinha de açúcar, mas eu pisei em falso e caí. Pior
que eu não pude contar nada pra minha mãe. Tive que esconder os
arranhões e as dores nas costas. Não queria apanhar! ” (s8).
“Sinto saudades do meu pai, da casa onde a gente morava. Meu pai tinha muitas terras. Ele
era um homem calado, mas era muito querido. ” (s2)
O cenário do lugar onde viveram ainda estava muito vivo na memória dos narradores. A
partir das descrições pudemos distinguir dois tipos principais de moradias: casas simples, feitas
de barro, com poucos móveis; e casas maiores, feitas de tijolos, com vários cômodos. Ao redor
dessas casas, havia currais, chiqueiros, açudes, que garantiam a diversão da criançada, e
muitas árvores frutíferas, onde as crianças podiam retirar as frutas da época.
“Como era bonito acordar pela manhã e ouvir o galo cantar. Um galo cantava assim que
amanhecia. Aí os outros respondiam. Quando um cantava na minha
casa, o galo do vizinho cantava também. Eu queria poder ir pra o
interior, só pra ver esse momento tão belo! ” (s3)
“Sinto saudades das brincadeiras com meus irmãos. A gente passava o dia inteiro brincando.
Era tão bom esse tempo. Depois que a gente cresce tem que
trabalhar. É tudo mais difícil! ” (s7)
É possível identificar que os lugares, narrados pelos participantes, são de ordem social,
pois a relação interpessoal e familiar ficou em evidência; e física, pois descreveram o ambiente
em que moravam. Fischer (s/d) destaca a relação dos fenômenos psíquicos que envolvem o
indivíduo com o ambiente. Nesse caso, a narrativa, enquanto processo subjetivo, psicológico,
concretiza e expressa as experiências compartilhadas num determinado ambiente situado num
período de história de vida.
Assim, a produção narrativa sobre o tema possibilitou que os idosos atribuírem valores
e significados sobre suas histórias, além de compartilhar um determinado modelo cultural
familiar e de vida com o meio ambiente, marcado pela canonicidade e perspectivismo
(OLIVEIRA, REGO; AQUINO, 2006 apud BRUNER; WEISSER, 1995).
Na terceira Oficina (figura 3), Cheiros, buscou-se apresentá-los através de uma música
com coreografia criada pelo grupo, mas eles puderam ser sentidos nas frutas, nos perfumes e
nos temperos selecionados para esta atividade. E, ainda, foram demonstrados juntamente com
as imagens do livro “Olfato” (CIRANDA CULTURAL, 2006).
Nas narrativas, a relação da memória olfativa esteve presente com tom emocional e
afetivo. Os cheiros foram retratados de diversas formas pelos idosos:
“Eu era enfermeira. Esse cheiro de lavanda me faz lembrar do hospital onde eu trabalhei por
muito tempo. Eu me sentia muito feliz lá... Sou muito grata a Dr.
Franklin, um homem muito bom ” (s1)
“Que delícia esse cheiro de café! Eu torrava café em casa. Assim é mais saboroso. Meu marido
gostava muito do meu café. ” (s4)
histórias autobiográficas possibilita não apenas o olhar sobre si, mas sobre os outros e sobre a
cultura.
“Eu tinha uma cachorra antes de vir pra cá. Eu gostava muito dela. Os cachorros são muito
companheiros... Eu pensei em trazer minha cachorra pra cá, mas tive
medo dela levar fim... Meu irmão levou minha cachorra pra casa dele.
Eu sinto saudades dela. Dói... ” (s8)
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através das atividades desenvolvidas com os idosos foi possível compreender que na
grupalidade o sujeito constrói novas subjetividades, principalmente através da troca de
experiências de vida, participando também como contribuinte de tais experiências, ainda que
de forma indireta.
Além disso, evidencia-se também o valor da produção de narrativas autobiográficas
como fio condutor dos grupos operativos. Afinal, é nessa prática de contar histórias, que a
pessoa constrói a si mesmo e a sua realidade, ou seja, dá significado a sua experiência e ao
mundo (PICHON-RIVIÈRE, 1991).
O ato de narrar permite nos constituirmos a nossa subjetivdade; dar significados para
as experiências pessoais e sociais; e, ainda, atribuirmos significados para si e para os outros.
Além disso, estão articuladas com o contexto histórico, cultural e social.
Destaca-se, ainda, o potencial transformador da leitura, especialmente quando envolve
atividades voltadas para idosos com dificuldades para enxergar e/ou afastados do mundo dos
livros. Para muitos deles, ler pode representar um lazer (prazer) impossível. Por isso, tais
iniciativas são tão valiosas, pois ajudam a eliminar tal barreira.
Por fim, considerando todos os aspectos citados, ressalta-se a importância do
envolvimento de outros profissionais em iniciativas com grupos operativos, bem como o
desenvolvimento de pesquisas complementares capazes de avaliar outros aspectos
relacionados aos temas discutidos, haja vista que muito ainda há para ser pesquisado, não
somente sobre as práticas acadêmicas, mas também sobre as profissionais.
AGRADECIMENTOS
7. REFERÊNCIAS
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