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ESPLENECTOMIA

Denilson Cristiano Nucci de Oliveira - aluno da Faculdade de Medicina de Itajubá - FMIt / MG


E-mail - denilson_nucci@ig.com.br
1. CONCEITO

Esplenectomia é a cirurgia para retirada total ou parcial do baço.

2. O BAÇO

ANATOMIA

O baço é um órgão friável, de coloração púrpura escura, localizado na porção posterior do


hipocôndrio esquerdo, relacionando-se com diafragma, estômago, rim, pâncreas e cólon através de
ligamentos. O ligamento gastroesplênico, que se estende da grande curvatura do estômago ao baço,
contém os vasos gástricos curtos. Os ligamentos esplenofrênico, esplenorrenal e esplenocólico são
avasculares, exceto em pacientes com hipertensão portal.
No hilo, situado na face gástrica, encontra-se o pedículo esplênico, contendo artéria e veia
esplênica e vasos linfáticos. A artéria esplênica tem origem do tronco celíaco e divide-se em ramos
que penetram no hilo e ramificam-se por todo o órgão, diminuindo seu calibre. A veia esplênica é
formada da união dos ramos que emergem do hilo e penetra no sistema porta.
Freqüentemente são encontrados pequenos nódulos de tecido esplênico, conhecidos como
baços acessórios, mais comuns no hilo, ligamentos e grande omento.

ESTRUTURA
O baço é um órgão linfo-reticular, dividido em pequenos compartimentos por trabéculas de
tecido conjuntivo que partem de sua cápsula.
A região medular do parênquima apresenta três áreas: polpa vermelha, polpa branca e zona
marginal. A polpa vermelha é formada pelos sinusóides ou seios esplênicos, entre os quais se situam
os cordões de Billroth, formando os plexos sanguíneos; as células predominantes são macrófagos,
hemácias e plaquetas. A polpa branca é formada por nódulos linfáticos e a bainha em torno das
arteríolas, apresentando-se como zonas branco-acinzentadas difusas na polpa vermelha;
encontram-se principalmente linfócitos. A zona marginal situa-se na periferia da zona branca e
contém as artérias marginais.

FISIOLOGIA
No período embrionário, o baço tem funções eritro e leucopoiética, que são perdidas na vida
adulta, passando a produzir linfócitos e monócitos.
As hemácias são remodeladas no baço, passando de redondas a discos bicôncavos, além de
haver remoção de substâncias depositadas em sua superfície, como proteínas, corpúsculos de
Howell-Jolly (restos nucleares), corpúsculos de Heinz (hemoglobina desnaturada) e corpúsculos de
Pappenheimer (grânulos sideróticos). Ocorre ainda destruição das hemácias envelhecidas, mal
formadas ou recobertas por anticorpos. Tais funções são atribuídas à polpa vermelha. O número de
plaquetas circulantes também é controlado pelo baço.
O baço exerce importante papel na resposta imunológica, tanto específica quanto
inespecífica. As funções são variadas, tais como: transformação dos linfócitos em plasmócitos
passando a produzir anticorpos; os parasitas intracelulares das hemácias podem ser retidos; síntese
de IgM e opsoninas, como a properdina e a tuftissina; fagocitose de bactérias encapsuladas, como
meningococos e pneumococos.

3. INDICAÇÕES

A esplenectomia é normalmente indicada após avaliação por cirurgião e hematologista,


exceto em casos agudos, como trauma.
As indicações podem ser assim agrupadas:
A) Para estagiar ou controlar doenças básicas;
B) Para hiperesplenismo crônico ou grave.
As principais são trauma, púrpura trombocitopênica imunológica e hiperesplenismo.

A) Para estagiar ou controlar doenças básicas

 Ruptura: dilaceração do parênquima, da cápsula ou do suprimento sanguíneo. Quanto à


etiologia, tem-se: traumatismo penetrante, traumatismo não-penetrante, iatrogênica e espontânea.
Em casos de lesões penetrantes, a indicação cirúrgica é imediata. Nos traumas não-penetrantes o
diagnóstico pode ser difícil, podendo-se pesquisar o sinal de Kehr (dor em ombro esquerdo após
compressão do quadrante superior esquerdo, com o paciente em posição de Trendelenburg) e o
sinal de Ballance (massa palpável na região, causada por hematoma subcapsular ou extracapsular);
quando se formam hematomas subcapsulares pode ocorrer ruptura tardia do baço. Podem ocorrer
ainda lesões durante cirurgias, especialmente no abdome superior, e ruptura espontânea, que é
rara, sendo descrita em esplenomegalias como na mononucleose e malária.
A esplenectomia pode ser total ou parcial, a depender do grau da lesão.

 Púrpura trombocitopênica imunológica: síndrome caracterizada por destruição de plaquetas


expostas a fatores antiplaquetários IgG, com conseqüente trombocitopenia. O baço é a fonte desses
fatores e seqüestra as plaquetas sensibilizadas. O sinal mais comum é a ocorrência espontânea de
petéquias, hematomas e sangramento mucoso. Inicialmente, é tratada com corticóides, sendo a
esplenectomia realizada em pacientes que não respondem a tal tratamento. Normalmente é eletiva,
mas em pacientes com sinais de sangramento no sistema nervoso central é realizada cirurgia de
emergência.

 Púrpura trombocitopênica trombótica: síndrome de etiologia desconhecida, caracterizada por


cinco manifestações clínicas: febre, púrpura, anemia hemolítica, insuficiência renal progressiva e
alterações neurológicas, decorrentes da deposição de microtrombos em arteríolas e capilares. A
esplenectomia é indicada após tentativa de terapia com plasma, agentes antiplaquetários e altas
doses de corticóides.

 Doença de Hodgkin: a cirurgia é útil para diagnóstico, estadiamento e tratamento.


 Anemia hemolítica
- Esferocitose hereditária: é o tipo mais comum das doenças hemolíticas. As hemácias apresentam-
se espessas e esféricas, impedindo que passem pela microcirculação esplênica, logo são retidas na
polpa vermelha e posteriormente destruídas. Após a esplenectomia, a cura clínica é obtida na
grande maioria dos pacientes.
- Anemia hemolítica hereditária não-esferocítica: caracterizada por deficiência de enzimas
eritrocitárias. A cirurgia melhora o quadro, porém não cura, persistindo uma anemia branda.
- Talassemia: resulta de um defeito na síntese de hemoglobina. A esplenectomia não trata a doença
básica, mas reduz a necessidade de transfusões.
- Anemia hemolítica auto-imune: decorre da destruição das hemácias por anticorpos produzidos
pelo organismo. O tratamento inicial é feito com corticóides, partindo-se para a cirurgia quando não
se obtém resposta ou são necessárias doses muito altas.
- Anemia falciforme: é hereditária, caracterizada por hemácias em forma de foice. A esplenectomia
mostra-se mais eficaz em pacientes com esplenomegalia.
Pacientes com tipos mais raros, como anemia sideroblástica idiopática adquirida e porfiria
eritropoética também são beneficiadas pela esplenectomia.

 Cistos e tumores primários: são raros. Os cistos podem ser parasitários, normalmente causados
por Taenia echinococcus, ou não-parasitários. Os tumores podem ser angiossarcomas,
linfangiomas, hemangiomas e lipomas.

B) Para hiperesplenismo crônico ou grave


Os critérios para diagnóstico do aumento da atividade do baço incluem: anemia, leucopenia
e trombocitopenia isoladas ou combinadas; hiperplasia compensatória da medula óssea e
esplenomegalia. Pode estar presente nas seguintes patologias:
 Linfoma não-Hodgkin: o baço normalmente encontra-se aumentado, podendo ocorrer
hiperesplenismo, sendo a esplenectomia muito benéfica.
 Leucemia linfocítica crônica: doença linfoproliferativa que acarreta linfocitose, esplenomegalia
e linfadenopatia. O tratamento combina quimio e radioterapia, corticóides e esplenectomia.
 Leucemia linfocítica crônica: caracterizada pelo aumento do número de leucócitos; é comum
ocorrer esplenomegalia. A esplenectomia reduz a dor e os distúrbios sanguíneos causados por tal
situação.
 Síndrome de Felty: representada pela tríade artrite reumatóide, esplenomegalia e
granulocitopenia. A cirurgia é recomendada para pacientes com infecções graves e recorrentes ou
úlceras crônicas nas pernas.
 Doença de Gaucher: caracterizada pelo acúmulo de glicocerebrosídeos nos macrófagos, tendo a
esplenomegalia como principal manifestação clínica. A esplenectomia subtotal apresenta bons
resultados.
 Trombose da veia esplênica: secundária mais comumente a patologias do pâncreas, como
pancreatite e carcinoma. A esplenectomia é curativa.

4. CONTRA-INDICAÇÕES

Devido à importância funcional do órgão, a esplenectomia total quando possível deve ser
evitada, principalmente em crianças. As principais contra-indicações são:

 Hiperesplenismo leve;
 Anemia falciforme congênita;
 Leucemia aguda;
 Síndrome de Wiskott-Aldrich: doença ligada ao sexo, caracterizada por trombocitopenia,
eczema e suscetibilidade a infecções.
 Agranulocitose.

5. TÉCNICA CIRÚRGICA

Para prevenir infecções, já que os pacientes submetidos à esplenectomia tornam-se


suscetíveis, todos devem ser vacinados com vacina pneumocócica polivalente, vacina meningocócica
polivalente e vacina conjugada contra Haemophilus influenzae b, cerca de duas a três semanas
antes da cirurgia.
O sangue e derivados para transfusão devem estar à disposição e, assim como a sala de
cirurgia, devem ser previamente aquecidos para evitar hipotermia trans ou pós-operatória.

CIRURGIA ABERTA
Após anestesia geral, que pode ser complementada com relaxantes musculares, o paciente é
colocado em decúbito dorsal semilateral direito, com a mesa em Trendelemburg reverso.
Pode-se usar sonda nasogástrica para esvaziamento do estômago, o que proporciona melhor
exposição e visualização do baço, devendo-se analisar os riscos de sangramentos em pacientes com
púrpura trombocitopênica imunológica.
As incisões mais utilizadas são laparotomia mediana ou para-mediana supra umbilical e
subcostal esquerda.
Após acesso à cavidade abdominal, faz-se inspeção à procura de baços acessórios e palpação
para detectar aderências do baço que poderiam causar lacerações e sangramentos. Precede-se então
com a dissecção do ligamento gastroesplênico e ligadura dos vasos gástricos curtos. Localiza-se a
artéria esplênica, com posterior reparo e ligadura, fazendo-se compressão do baço, manobra
denominada autotransfusão, que possibilita o retorno de grande parte do sangue à circulação
sistêmica, diminuindo a necessidade de transfusão.
O baço é mobilizado medialmente, fazendo-se secção dos ligamentos, normalmente
avasculares, não necessitando de ligadura. Parte-se para a dissecção da veia esplênica, seguida de
reparo e ligadura. Finaliza-se a cirurgia com a dissecção do pedículo vascular, cuidadosamente para
evitar lesões no pâncreas, e exérese do órgão, seguida de nova inspeção da cavidade e síntese da
parede abdominal.

LAPAROSCOPIA
A técnica laparoscópica vem evoluindo e substitui com sucesso a cirurgia aberta,
apresentando as vantagens comuns à videolaparoscopia, tais como menores índices de infecção,
mortalidade e morbidade; menor dor pós-operatória e restabelecimento das funções gastrintestinais
mais rapidamente. Porém sua aplicação é limitada, sendo as principais indicações púrpura
trombocitopênica imunológica e estadiamento da doença de Hodgkin. Não é aplicada em grandes
esplenomegalias, sendo necessária a conversão para cirurgia aberta na maioria das cirurgias,
segundo estudo de Targarona e cols., devido a sangramentos ou impossibilidade da retirada do
órgão através dos trocartes. Em casos de ruptura e pacientes com distúrbios da coagulação, prefere-
se a cirurgia aberta devido a possível necessidade de hemostasia rápida.
Os tempos cirúrgicos são semelhantes aos da cirurgia convencional, diferindo nos
equipamentos cirúrgicos.

ESPLENECTOMIA SUBTOTAL
Devido a importância das funções do baço, especialmente imunológicas, deve-se lançar mão
da esplenectomia parcial, quando possível. A preservação de 20 a 25% do tecido esplênico é
suficiente para manter seu papel de filtração de defesa imunológica.
A técnica consiste na ligadura e secção dos vasos que suprem o segmento a ser retirado. O
segmento desvascularizado define a linha de transsecção. Para hemostasioa, pode-se utilizar retalho
do omento, fibrina ou cianoacrilato.

6. COMPLICAÇÕES

 Infecção da ferida operatória


 Hemorragia
 Alterações na composição do sangue: na maioria dos casos são desejáveis, servindo como
parâmetro de avaliação dos resultados da cirurgia. Não são, portanto, consideradas complicações
normalmente. Observam-se hemácias alteradas, granulocitose, linfocitose, trombocitose e
monocitose.
 Lesões em órgãos adjacentes: as mais comuns são atelectasia do lobo inferior do pulmão
esquerdo, hematoma e abscesso subfrênico e lesão no pâncreas e ângulo esplênico do cólon.
 Suscetibilidade a infecções por bactérias encapsuladas: principalmente devido à redução das
opsoninas properdina e a tuftissina, além da redução da concentração de IgM e comprometimento
da via alternativa de ativação do complemento.
 Sepse grave: o risco de sepse é muito elevado em pacientes asplênicos. Os patógenos mais
comuns são Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis e Haemophilus influenzae.
 Trombose venosa mesentérica e da veia porta.

7. MODELO EXPERIMENTAL

ANESTESIA INCISÃO XIFOPUBIANA

IDENTIFICAÇÃO DO BAÇO DISSECÇÃO


REPARO DISTAL E DEPOIS PROXIMAL
DO HILO PRINCIPAL (EM RELAÇÃO AO CORAÇÃO)
LIGADURA PROXIMAL E DISTAL DO HILO DISSECÇÃO
REPARO DISTAL E PROXIMAL DOS
VASOS ACESSÓRIOS

SECÇÃO DO HILO E VASOS ACESSÓRIOS EXÉRESE DO ÓRGÃO

INSPEÇÃO DA LOJA ESPLÊNICA BAÇO


SÍNTESE

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Raina Neto JH, Gonçalves JE, Goffi, FS. Cirurgia do Baço. In: Goffi, FS. Técnica Cirúrgica – Bases
Anatômicas, Fisiopatológicas e Técnicas da Cirurgia, 4a ed., Atheneu, São Paulo, p. 740-750, 1996.

Sheldon GF, Croom RD, Meyer AA. O Baço. In: Sabiston DC, Lyerly HK. Tratado de Cirurgia – As
Bases Biológicas da Prática Cirúrgica Moderna. Vol. 2, 15a ed., Guanabara Koogan, Rio de Janeiro,
p. 1104-1129, 1999.

Schwartz SI. Baço. In: Schwartz SI, Shires GT, Spencer FC. Princípios de Cirurgia. Volume 2, 6a ed.,
McGraw-Hill, Cidade do México, p. 1301-1315, 1996.

Targarona, E M e cols. Effect of Spleen Size on Splenectomy Outcome. A Comparison of Open and
Laparoscopic Surgery. Surg. Endosc; 1999; 13(6): 559-62.

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