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“COMO TORNAR -SE UM

LEITOR INTELIGENTE?”

Prof. Olavo de Carvalho

O que é Ler?
Aula 01.

Na perspectiva do leitor, a atividade da leitura envolve o contato com o mundo


dos signos (significado, significante e referente), o qual, por sua vez, transpõe o
leitor para o mundo de possibilidades de ação que envolvem o objeto referido
pelos signos. O escritor, no entanto, busca comunicar suas intenções,
experiências e pensamentos acerca dos objetos referidos na comunicação. No
ato da leitura os referentes se personificam e são compartilhados no mesmo
mundo do escritor, do leitor e dos objetos, todos esses elementos participam do
mesmo circuito de experiência comunicado naquele momento. Todo o quadro do
mundo está presente em cada palavra durante a comunicação.
Neste entremeio o processo de construção do conhecimento é feito inteiramente
pelo leitor, de modo ativo, e esse leitor estará alargando o conjunto das suas
possibilidades de ação através do conhecimento adquirido, efeito que não se
restringe a atividade de leitura, mas abrange todos os contatos feitos do indivíduo
com o mundo da cultura, o mundo da linguagem, o mundo dos valores e dos
símbolos. Tudo o que podemos fazer é participar desse mundo. O meio
primordial da ação humana é a fala, é por meio da fala que nós nos introduzimos
em uma relação com uma outra pessoa, uma comunidade, em uma sociedade,
uma história.
Perguntemo-nos então: Até onde vai o meu horizonte de consciência, e Até que
ponto eu posso colocar, com clareza, a minha ação dentro desse horizonte de
consciência, quais suas implicações, de onde estou partindo dentro desse
diálogo? Quantas pessoas você acha que participaram de uma relação
intelectual com a obra de Platão? Quando entramos no mundo da cultura
tomando essa precaução, estamos então mais conscientes do peso real do
conhecimento transmitido. A leitura, nesse contexto, é apenas mais um
instrumento para se adquirir o conhecimento. Devemos buscar não apenas o
hábito de ler, mas sobretudo o hábito de aprender que é o fim último da leitura.
Aula 02.

 A linguagem é uma sistematização em aberto, não um sistema fechado. Ela é


por sua própria natureza uma abertura às possibilidades de ação. A gramática é
o conjunto de possibilidades de articulações das palavras e é neutro em relação
à realidade. O segundo sistema de articulação é a lógica, ela já tem relação a
respeito de como as coisas são, uma certa relação com o mundo objetivo, ela
possui articulação com a realidade objetiva. As possibilidades de construção de
frases na gramática são infinitamente maiores do que na lógica, que é mais
limitada. A aquisição desses dois sistemas de formalização são condições
necessárias para que possa haver uma ação humana racional continuada no
mundo. Nós conseguimos agir no mundo porque temos estes dois sistemas. A
gramática permite a fala inteligível e uma articulação que permite aos outros
participar da conversação. A lógica permite uma articulação do pensamento com
a realidade. Qualquer atividade mental do indivíduo tem alguma relação com a
gramática e com a lógica. O ser-humano naturalmente possui essas
potencialidades. O pensamento mais íntimos que nós temos, no entanto,
dependem da ajuda que a comunidade nos deu para desenvolvermos a nossa
linguagem. A aquisição dos signos nos transforma de recipientes passivos das
ações humanas para um sujeito ativo a partir da máxima utilização da linguagem.
 A gramática tem uma história real do desenvolvimento da língua, a lógica só
possui história enquanto ciência. Mais à frente temos outra sistematização da
linguagem, temos a música que permite a articulação da harmonia da linguagem,
ela é o ritmo e a métrica dos sons, mas também permite, por analogia, vislumbrar
a harmonia da realidade. A poesia é uma harmonia memorável, isto é, uma
harmonia que se permite ser guardada na memória. O raciocínio lógico pode ser
repetido infinitas vezes sem precisar ser memorizado. Esses formalismos
permitem que nós ultrapassemos infinitamente a situação presente. Disso
surgem a concepção dos gêneros literários, criando formas que nos permite
perceber coisas que transcendem a nossa experiência pessoal. Por exemplo, as
formas narrativas e expositivas nos permitem participar de histórias e sequencias
de fatos que não estávamos presentes, perceber situações reais que
transcendem as nossas possibilidades de percepção sensível. Qualquer teoria
sobre qualquer coisas é uma articulação entre relações, não limitada a
experimentação científica.
Tudo isso responde de certo modo a uma pergunta essencial para a leitura: Para
que você vai ler? O objetivo primeiro é ter acesso a experiências que estão além
da sua possibilidade física imediata, ampliar a imaginação do possível, daí
advém a importância da literatura, o domínio extenso da linguagem, pois ele
amplia a possibilidade de concepção de qualquer coisa, at ravés da imaginação.
 A teoria dos quatro discursos discorre sobre essa relação. Nós não conseguimos
raciocinar através dos objetos sensíveis diretamente, e sim sobre os símbolos já
trabalhados imaginativamente na memória. A pobreza de imaginação é uma
pobreza de percepção. A verossimilhança é aquilo o que eu poderia fazer
naquela situação a mim apresentada por outro alguém. A abertura da alma para
a presença do desconhecimento é essencial para o aprendizado e para a
assimilação do conteúdo. Ter em mente que nós não conhecemos o mundo, mas
apenas uma fração dele. Estar aberto, não apenas para o conteúdo apresentado,
mas também para a forma como ele me é apresentado. A maneira através da
qual o outro me transmite aquela experiência diz muito sobre a própria
experiência dele. Ler cada frase como uma janela para um outro mundo, que
para mim ainda desconhecido, deve ser uma prática constante. É com essa
atividade imaginativa que nós engatinhamos na senda do aprendizado.

Aula 03.

É normal na experiência humana viver numa espécie de opacidade. A


experiência que nós temos da vida em um primeiro momento é de difícil
apreensão, nublado, os episódios parecem difusos, mas depois é-lhe
possibilitado algum vislumbre de luz a ser alcançada, algum entendimento e
cristalização das formas, um delineamento que distinga as coisas e as tornem
pontos fixados a serem compreendidos. Todo o conhecimento é buscado com a
finalidade de adquirir esses pontos de luminosidade. É da natureza da linguagem
expandir estas janelas para novos horizontes, de novo e de novo,
indefinidamente. Se nós lemos, vemos alguma obra de arte ou ouvimos alguma
transmissão de conhecimento, identificamos padrões no meio da confusão
cotidiana. Imaginemos uma situação extrema: A treva total e a luz. A treva total
é inacessível, e a luz também o é. Estamos sempre numa condição
intermediária. Estamos diante de uma experiência de opacidade, mas imagine
que por trás dessa opacidade haja uma escuridão ainda pior. O que a forma
simbólica  – música, quadro, livro, aula  – vai fazer é dar pra o vislumbre da luz
organizada por – e através - daquela forma determinada. Vemos então a luz por
filigranas, ao examinarmos tais formas. Em certas ocasiões necessitamos de
uma terceira decifração, quando a forma simbólica não nos é diretamente
acessível, como no caso do contato com livros em idiomas estrangeiros, áreas
de conhecimento que se utilizam de linguagem completamente alheia à nossa
experiência. Ai é necessário primeiro ultrapassar essa barreira que se interpõe
entre você e a forma, para depois acender da forma ao conhecimento
propriamente dito.
 Agora vejamos: Estamos na situação de leitura, na qual nos sentimos
desorientados, na treva total, e esperamos que alguém nos esclareça pontos
inteligíveis através dos quais poderíamos conhecer alguma coisa.
Nós captamos os padrões através dos símbolos que nos foram herdados pela
cultura. Nós devemos ler aquilo que nos ofereça o máximo de lucidez possível,
quer essa lucidez não requeira muita dificuldade de lapidação para a aquisição
do conhecimento, quer ela seja mediada por uma lapidação maior e um esforço
extra. Nos casos de dificuldade extrema, o melhor é ter paciência e ir devagar,
achando outros meios para ajudar na compreensão do que quer que seja.
Exemplo, o texto em que Aristóteles explica Deus como a consciência da
consciência. Cada vez que você lê aquilo você vê mais profundidade, ou seja a
luz que se revela dentro daquela forma, ela não se revela toda de uma vez, pois
dentro dela existem formas menores que a estruturam, e à medida que você vai
percebendo uma por uma, cada conexão de palavra com palavra, frase com
frase, a coisa vai ficar mais clara. É um texto que pode servir de treino para o
resto da sua vida.
Outro exemplo que pode ajudar é recolher a história das disciplinas que você
quer estudar, porque sabendo o desenvolvimento, os problemas, os autores e
as obras concernentes àquela matéria, você quando começa a lê-los não está
mais perdido no espaço, é criado um senso de direcionamento naquele mar de
informações que você buscará assimilar. Por exemplo, Olavo cita a “História da
Literatura Ocidental” do Carpeaux, pois ele queria estudar literatura, então leu a
obra do Carpeaux e saiu mapeando os livros de literatura que ele iria ler pelo
resto da sua vida. Ele chegou a cifra de 2000 livros. Obviamente ele não leu
todos, mas obteve ganhos mais frutíferos em suas leituras por ter em mente este
planejamento prévio.

Aula 04.

A LEITURA É ESSENCIALMENTE UM TRABALHO DE IMAGINAÇÃO, NA


QUAL A PARTE ATIVA É SEMPRE O LEITOR, E NÃO O AUTOR. O AUTOR
OFERECE SOMENTE A PAUTA, E AQUI A PALAVRA PAUTA É ADEQUADA,
POIS, COMO NA EXECUÇÃO DE UMA PARTITURA DE PIANO, O EXECUTOR
SEGUE A PAUTA PRÉVIA E PRODUZ O EFEITO DESEJADO.
O intenso trabalho de imaginação deve seguir as indicações dadas pelo
autor. Por exemplo com algumas palavras ou conceitos devemos dar um giro
de imaginação, um voo imaginativo e depois retornarmos ao texto para captar o
sentido profundo do que está sendo dito. Na literatura de ficção essa
experiência é mais fácil, mas na filosofia  – recheada de conceitos abstratos
retirados de alguma experiência na realidade  – o esforço de imaginação é
maior. Os conceitos abstratos tem uma raiz concreta e fática da experiência do
autor em relação ao objeto em destaque.
O conceito de transcendental de Kant ilustra bem isso. Você já observou
algum aspecto transcendental na sua própria mente? Transcendental significa
aquilo que é anterior à experiência, e que, de certa forma, determina a forma
da experiência possível, e que só aparece para nós somente durante o curso
da experiência. Essa é a definição nominal, mas quando Kant fala em
transcendental ele não estava se referindo apenas as próprias palavras por ele
elaboradas, mas em algo que consistia em algo presente em nossa
experiência. Vejamos, o conceito de causa é algo que você já sabia antes da
experiência, e que molda a experiência quando você enxerga essa relação
dada durante essa experiência. A noção ou capacidade de perceber a
posterioridade ou anterioridade de um acontecimento não poderia ser
desenvolvida de maneira empírica pois nenhum acontecimento está apartado
desta apreensão, é uma categoria que está de certo modo como condição
prévia ao acontecimento propriamente dito, mas que você só apreende dura nte
o curso da experiência frente ao acontecimento pois não é possível conceber
essa relação em si mesma. Toda a “Crítica da Razão Pura” é uma análise
desses transcendentais. Pegue um dicionário de filosofia e faça esse exercício
imaginativo com relação à definição de cada palavra.

Conselho: Leia somente aquilo que você queira reter na memória para
sempre. Não leia muito. Leia o que é vitalmente importante e que você queira
incorporar em seu modo de ser. Tudo depende da motivação daquilo que você
está lendo.

Distinções entre Pensar , Meditar  e Contemplar: Pensar é transitar de uma ideia


a outra – em série. Meditar é rastrear o pensamento até aquela experiência
concreta que o originou, Contemplar é enxergar todo o desenvolvimento do
pensamento e das ideias, passando pela meditação, até enxergar todo o
processo como uma obra de arte, como uma estrutura de conjunto, uma
unidade, um símbolo.

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