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DO AUTOR:
EDITõRA DO AUTOR
Capa de GLAUCO RODRIGUES
EXEMPLAR N. A
MANUEL BANDEIRA
esta antiLIRA
PARA SEUS OITENT'ANOS
O que o mar sim aprende do canavial: O que o canavial sim aprende do mar:
O que o mar não 1.prende do canavial: O que o canavial não aprende do mar:
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O SERTANEJO FALANDO 2.
,de uma entonação lisa, de adocicada. o natural dêsse idioma fala à fôrça.
Enquanto que sob ela, dura e endurece Daí também porque êle fala devagar:
incapaz de não se expressar em pedra. pois toma tempo, todo êsse trabalho.
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DUAS DAS FESTAS DA MORTE
No caixão, meio caixão meio pedestal, Festa meio excursão me10 p1quen1que,
o morto mais se inaugura do que morre; ao ar livre, boa para dia sem classe;
ora seu próprio vivo, em dia de posse. e aliás, com uma boneca de verdade.
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NA MORTE DOS RIOS 2.
Desde que no Alto Sertão um no seca Desde que no Alto Sertão um rio seca,
'
a vegetação em volta, embora de unhas, o homem ocupa logo a múmia esgotada:
embora sabres, intratável e agressiva, com bôcas de homem, para beber as poças
faz alto à beira daquele leito tumba. que o rio esquece, até a mínima água;
Faz alto à agressão nata: jamais ocupa com bôcas de cacimba, para fazer subir
o rio de ossos areia, de areia múmia. a que dorme em lençóis, em fundas salas;
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2.
COISAS DE CABECEIRA, RECIFE
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A FUMA:ÇA NO SERTÃO
Onde tampouco a fumaça encorpa muito; Onde também a fumaça encorpa pouco;
onde nem pode o barroco mil folheiro onde nem pode encopar~se de tão rala,
de que na Mata a fumaça finge o jeito. o fio da árvore que pode, desfiapada.
Nem o barroco, mais torto mas rasteiro, Onde porém, porque não pode o barroco,
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A EDUCAÇÃO PELA PEDRA
Uma educação pela pedra: por lições; Outra educação pela pedra: no Sertão
para aprender da pedra, freqüentá-la; (de dentro para fora, e pré-didática).
captar sua voz inenfática, impessoal No Sertão a pedra não sabe lecionar,
r(pela de dicção ela começa as aulas). e se lecionasse, não ensinaria nada;
,A lição de moral, sua resistência fria lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
-.ao que flui e a fluir, a ser maleada; uma pedra d~ nascença, entranha a alma.
a de poética, sua carnadura concreta;
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ELOGIO DA USINA
E DE SOFIA DE MELO BREINER ANDRESEN 2.
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2.
O URUBU MOBILIZADO
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FAZER O SÊCO, FAZER O úMIDO
A gente de uma capital entre mangues, A gente de uma Caatinga entre sêcas,
gente de pavio e de alma encharcada, entre datas de sêca e sêca entre~datas,
.se acolhe sob uma música tão ressêca se acolhe sob uma música tão líquida
que vai ao timbre de punhal, navalha. que bem poderia executar~se com água.
Talvez o metal sem húmus dessa música, Talvez as gotas úmidas dessa música
ácido e elétrico, pedernal de isqueiro, que a gente dali faz chover de violas,
lhe dê uma chispa capaz de tocar fogo umedeçam, e senão com a água da água,
na molhada alma pavio, molhada mesmo. com a convivência da água, langorosa.
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2.
O CANAVIAL E O MAR
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UMA MULHER E O BEBERIBE
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b
DE BERNARDA A FERNANDA
DE UTRERA
Ela usa a brasa íntima no quando breve Ela usa a brasa íntima no quando longo
em que, brasa apenas e em brasa viva, em que rola calor abaixo até a pedra;
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UMA MINEIRA EM BRASÍLIA
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NAS COVAS DE BAZA 2.
O cigano deslisa por encima da terra De onde quem sabe, o cigano das covas
dela carne nua ou viva, no esfolado; dormir de feto, não o dormir de falo;
lhe repugna, êle que pouco a cultiva, escavando a cova sempre, para dormir
o hálito sexual da terra sob o arado. mais longe da porta, sexo inevitável.
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SôBRE O SENTAR-/ESTAR-NO-MUNDO
A Fanor Cumplido Jr.
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COISAS DE CABECEIRA, SEVILHA 2.
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;i
DOIS P. S. A UM POEMA
Certo poema imaginou que a daria a ver Certo poema imagmou que a daria a ver
(sua pessoa, fora da dança) com o fogo. (quando dentro da dança) com a chama:
tem de esgotar o incêndio, o fogo todo; conter sua chama e seu mais-que-chama.
e o dela, ela o apaga (se e quando quer) E embora o poema estime que a imagem
ou mete vivo no corpo: então, ao dôbro. não conteria 'tudo dessa chama sozinha,
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TECENDO A MANHÃ 2.
Um galo sozinho não tece uma manhã: E se encorpando em tela, entre todos,
êle precisará sempre de outros galos. se erguendo tenda, onde entrem todos,
De um que apanhe êsse grito que êle se entretendendo para todos, no tôldo
que apanhe o grito que um galo antes A manhã, tôldo de um tecido tão aéreo
e o lance a outro; e de outros galos que, tecido, se eleva por si: luz balão.
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FÁBULA DE UM ARQUITETO 2.
construir, não como ilhar e prender, Onde vãos de abrir, êle foi amurando
nem construir como fechar secretos; opacos de fechar; onde vidro, concreto;
casas exclusivamente portas e tecto. com confortos de matriz, outra vez feto.
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UMA OURIÇA 2..
Se o de longe esboça lhe chegar perto, Se o de longe lhe chega em (de longe) ,
Mas não passiva {como ouriço na loca) e as molas felinas (para o assalto),
nem só defensiva (como se eriça o gato) ; nas molas erri espiral {para o abraço) .
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CATAR FEIJÃO
2.
A Alexandre O'Neill
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NAS COVAS DE GUADIX
Contudo, dorme na terra uterinamente, De onde quem sabe, o cigano das covas
dentro dela, e nela de corpo inteiro, escavando a cova sempre, para dormir
dentros mais de ventre que de abraço. mais longe da porta, sexo inevitável.
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MESMA MINEIRA EM BRASÍLIA
Com os palácios daqui ( casas~grandes) Mas ela já veio com a calma que virá
por isso a presença dela assim combina: ao homem 'daqui, hoje ainda apurado:
dela, que guarda no corpo o receptivo em seu tempo amplo de tempo, de Minas,
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·.A
DUAS BANANAS & A BANANEIRA
assim alto e com o braço para o alto. banana coisa sem espinhaço, somente.
Para que, por encima do mato anêmico, Daí a bananeira dobrar, como impotente,
desde o país eugênico além das chãs, a ereção do mangará, de crua macheza;
se veja a banana que êle, mandacaru, e daí conceber as bananas sem caroço,
dá em nome da caatinga anã e irmã. fáceis de despir, de carne de rameira.
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AGULHAS 2.
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RIOS SEM DISCURSO
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"THE COUNTRY OF THE HOUYHNHNMS"
2.
o no o corre; e pois que com sua água, ao se correr torrencial, de uma vez,
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A CANA DE AÇúCAR DE AGORA
Agora nos partidos, se entrevê pouco Agora nos partidos, se entrevê pouco
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BIFURCADOS DE "HABITAR O TEMPO"
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2.
"THE COUNTRY OF THE HOUYHNHNMS"'
(outra composição)
que se atirem, como se atiram pedras. com que pode despertar o cacto não.
Para falar dos Y ahoos, se necessita
que as palavras se rearmem de gume,
como numa sátira; ou como na iroma,
se armem ambiguamente de dois gumes;
e que a frase se arme do perfurante
que têm no Pajeú as facas~de~ponta:
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OS REINOS DO AMARELO 2.
A terra lauta da Mata produz e exibe Só que fere a vista um amarelo outro:
um amarelo rico (se não o dos metais) : . 1 d homem. de corpo humano;
se anima, e ·
o amarelo do maracujá e os da manga, de corpo e vida; de tudo o que segrega
do oití-da-praia, do caju e do cajá; (sarro ou suor' bile íntima ou ranho) '
amarelo vegetal, alegre de sol livre, ou sofre (o amarelo de sentir triste,
beirando o estridente, de tão alegre, de ser analfabeto, de existir aguado) :
e que o sol eleva de vegetal a mineral, amarelo que no homem dali se adiciona
polindo-o, até um aceso metal de pele. o que há em ser pântano, ser-s~ fardo.
Só que fere a vista um amarelo outro, Embora comum ali, êsse amarelo humano
e a fere embora baço (sol não o acende) : ainda dá na vista (mais pelo prodígio):
amarelo aquém do vegetal, e se animal, pelo que tardam a secar, e ao sol dali,
,de um animal cobre: pobre-, podremente. tais poças de amarelo, de escarro vivo.
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O SOL EM PERNAMBUCO
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B
A URBANIZAÇÃO DO REGAÇO
para quem, em meio a qualquer praça, com ruas arruelando mais, em becos,
Com ruas feitas com pedaços de rua, í:.les têm o aconchego que a um corpo
com ruas feitas apenas com esquinas para quem torce a avenida devassada
êles têm abrigos e íntimos de corpo para quem quer, quando fora de casa,
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OS VAZIOS DO HOMEM 2.
Os vazios do homem não sentem ao nada Os vaz10s do homem, ainda que sintam
do vazio qualquer: do do casaco vazio, a uma plenitude (gôra mas presença}
do da saca vazia (que não ficam de pé contêm nadas, contêm apenas vazios:
quando vazios, ou o homem com vazios) ; o que a esponja, vazia quando plena;
os vazios do homem sentem a um cheio incham do que a esponja, de ar vazio,
de uma coisa que inchasse já inchada; e dela copiarµ certamente a estrutura:
ou ao que deve sentir, quando cheia, tôda em grutas ou em gotas de vazio,
uma saca: todavia não, qualquer saca. postas em cachos de bolha, de não-uva.
Os vazios do homem, êsse vazio cheio, :Ê:.sse cheio vazio sente ao que uma saca
não sentem ao que uma saca de tijolos, mas cheia de esponjas cheias de vazio;
uma saca de rebites; nem têm o pulso os vazios do homem ou o vazio inchado:
que bate numa de sementes, de ovos. ou o vazio que inchou de estar vazio.
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NUM MONUMENTO À ASPIRINA
a tôda hora em que se necessita dêle não serve exclusivamente para o ôlho
acende, para secar a aniagem da alma, ela reenfoca, para o corpo inteiro,
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COMENDADORES JANTANDO 2.
A Frei Benevenuto Santa Cruz
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ILUSTRAÇÃO PARA A "CARTA AOS
PUROS" DE VINíCIUS DE MORAES
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NA BAIXA ANDALUZIA 2.
Nessa Andaluzia colSa nenhuma cessa A terra das telhas, apesar de cozida,
e de uma terra dessa sua, de noiva, segue do feminino; aliás são do gênero
de entreperna: terra de vale, coxa; as cidades ali, sem pedra nem cimento,
donde germinarem ali, pelos telhados,
feitas só do tijolo de terra parideira
e verdadeiros, jardins de jaramago: i
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PARA MASCAR COM CHICLETS 2.
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O REGAÇO URBANIZADO 2.
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HABITAR O TEMPO 2.
Para não matar seu tempo, imaginou: E de volta de ir habitar seu tempo:
vivê-lo enquanto êle ocorre, ao vivo; êle ocorre vazio, o tal tempo ao vivo;
viver seu tempo: para o que 1r viver Portanto: para não matá-lo, matá-lo;
em ermos, que não distraiam de viver em vez do deserto, ir viver nas ruas
habitá-lo, na agulha de cada instante, e só ganha corpo e côr com seu miolo
em cada agulha instante; e habitar nêle (o que não passou do que lhe passou),
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DUAS FASES
DO JANTAR DOS COMENDADORES
almiabertos, para que nada lhes escape e de outros círculos e áreas defesas;
na escolha entre tudo o que a bandeja; .se fecham: erguem fronteiras no prato,
calmoabertos, podendo escolher o tudo se entrincheiram atrás das fronteiras;
do que oferecem bandejas e igrejas. se fecham até de poros, o que só fecham
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PARA A FEIRA DO LIVRO
A Ãngel Crespo·
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INDICE A:
Duas bananas f5 a bananeira ....... . 60
Agulhas ...................... . 62
Rios sem discurso ................ . 64
a: "The country of the Houyhnhnms" .. 66
O mar e o canavial ............... 8 Os rios de um dia ................ . 68
O sertanejo falando 10 O hospital da Caatinga ........... . 70
Duas das festas da mo~;e· .......... . A cana de açúcar de agora ......... . 72
Na morte dos rios ...... "'· .. . 12
Bifurcados de "Habitar o tempo" ... . 74
"R.
Coisas de cabeceira, ~cife. ......... . 14
16 "The country of the Houyhnhnms"
A fumaça no Sertão ......... . (outra composição) . . . . . . . . . . . 76
18
A educação pela pedr~. : : : : : : : : : : : : 20 Psicanálise do açúcar ............. . 78
Elogio da usina e de S. M. B. Andresen 22 Os reinos do amarelo ............. . 80
O urubu mobilizado .............. 24 O sol em Pernambuco ............ . 82
Fazer o sêco, fazer o úmido
O canavial e o mar . . . . . ... 26 B:
28
Uma mulher e o Beb~;ib~ ". ·. ·. ·. ·. ·. ·. ". ·. '_ 30
A urbanização do regaço .......... . 86
Os vazios do homem ............. . 88
b: Num monumento à aspirina ....... . 90
De Bernarda a Fernanda de Utrera Comendadores jantando ........... . 92
34
Uma mineira em Brasília Retrato de escritor ................ . 94
Nas covas de Baza .......... 36
Ilustração para a "Carta aos puros" de
38
Sôbre o sentar-/ esta~~~o·-~~~do. .... . 40
Vinicius de Moraes .......... . 96,
Coisas de cabeceira Sevilha •.... 42
Na Baixa Andaluzia ............. . 98
Dois P. S. a um p~ema ........ . Para mascar com chiclets .......... . 100
Tecendo a manhã ........... . 44
46
O regaço urbanizado ...... '" ...... . 102
Fábula de um arquÚ~t~· ........... . Habitar o tempo ................ . '104
48
Uma ouriça . . . . . . . . . : : : : : : ..... . Duas fases do jantar dos Comendadores 106
Catar feijão . . . . . . . ............... .... . 50 '108
Para a Feira do Livro ............ .
52
Nas covas de Guadix 54 Madrid, Sevilha, Genebra, Berna•:
Mesma mineira em Br~~íÚ~· : : : : : : : : : 56 Janeiro 1962 - Dezembro 1965
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