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DOUTRINA DO
ESPÍRITO SANTO
PAULO RIBEIRO
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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

Sumário

03 u Introdução

06 u Capítulo 1 q A pessoalidade do Espírito Santo


06  Atributos que caracterizam pessoalidade
07  Atitudes que caracterizam pessoalidade
08  Interações que caracterizam pessoalidade

09 u Capítulo 2 q A deidade do Espírito Santo


09  Atributos que caracterizam deidade
10  Obras que caracterizam deidade
11  Associação que caracteriza deidade

12 u Capítulo 3 q Títulos atribuídos ao Espírito Santo


13  Espírito de Deus
14  Espírito Santo
14  Espírito de adoção
14  Espírito da promessa
15  Espírito de vida
16  Espírito de graça
16  Espírito de Cristo
16  Consolador
17  Títulos categorizados por atribuições e relações

18 u Capítulo 4 q Símbolos do Espírito Santo


18  Fogo
19  Vento
20  Água
21  Óleo
22  Selo
22  Pomba
23  Vestimenta

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03 ESPÍRITO SANTO

25 u Capítulo 5 q Obras gerais do Espírito Santo


26  A obra do Espírito Santo na criação
27  A obra do Espírito Santo na revelação e inspiração
28  A obra do Espírito Santo na interação com a humanidade

32 u Capítulo 6 q Obras especiais do Espírito Santo


34  Habitação do Espírito Santo
36  Batismo no/com o Espírito Santo
40  Plenitude do Espírito Santo
44  Outras obras do Espírito Santo

47 u Capítulo 7 q Dons do Espírito Santo


48  Agentes da distribuição
49  Agentes e finalidades do recebimento
49  Momento da outorga e recebimento
49  Maneira da outorga e recebimento
50  Perspectiva Reformada
50  Perspectiva Pentecostal

61 u Capítulo 8 q O fruto do Espírito Santo


64  Amor
65  Paz
66  Longanimidade
67  Benignidade
67  Bondade
68  Fidelidade
69  Mansidão
69  Domínio Próprio

72 u Conclusão

73 u Referências bibliográficas

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

q Introdução

O Espírito Santo é uma das três pessoas da Santíssima Trindade e, justamen-


te por isso, deve ocupar, em nossa grade curricular, a posição de maté-
ria a ser estudada, logo depois da Teontologia (Doutrina de Deus) e da Cristologia
(Doutrina de Cristo).
Ao longo dos séculos, a doutrina do Espírito Santo (ou simplesmente “doutrina
do Espírito”, ou ainda, paracletologia) não recebeu tanta atenção dos teólogos
como as outras doutrinas receberam, e diversos fatores podem explicar esta espé-
cie de “marginalização” para com a doutrina do Espírito.
Em primeiro lugar, o fato de as Escrituras não atribuírem um nome especial ao
Espírito Santo já dificulta o enfoque na sua investigação. Tanto o Pai quanto o Filho
revelaram nomes pelos quais devem ser reconhecidos, além de outros títulos tam-
bém atribuídos a eles. O Espírito Santo, por sua vez, não revela nas Escrituras qual-
quer nome em particular, mas somente títulos (como “Espírito Santo”, “Consolador”
etc.). Este próprio aspecto da revelação bíblica nos direciona automaticamente
para um estudo mais aprofundado do Pai e do Filho enquanto nos deixa um pouco
limitados no estudo do Espírito Santo.

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Em segundo lugar (e talvez como consequência do primeiro), o Espírito Santo


não foi alvo de grandes debates teológicos até o quarto século, quando os teólo-
gos arianos, liderados pelo bispo Macedôneo, retomaram seus ataques heréticos
ao Espírito de Deus. Eles já haviam dito que Jesus era essencialmente inferior ao Pai,
porém, em seguida, preconizaram que o Espírito era igualmemente inferior ao Filho.
Dessa forma, os arianos atribuíram à Trindade divina uma gradação de essência,
de substância. Tais ataques à deidade do Espírito levaram os teólogos a desen-
volverem mais profundamente as declarações de concílios anteriores que apenas
reconheciam a individualidade pessoal do Espírito Santo e sua deidade.
Finalmente, em terceiro lugar, o próprio Espírito, na revelação neotestamentá-
ria, atesta que seu principal objetivo é falar de Jesus e revelar ao homem sua obra
expiatória (Jo 16.13,14). O próprio Espírito Santo deseja que atentemos para Cristo e
em Cristo foquemos nossos esforços pessoais, devocionais e evangelísticos (Rm 8.15;
At 2.4-8,40). Vale lembrar, contudo, que este ministério do Espírito não o relega a
uma posição substancial ou hierarquicamente inferior ao Pai ou ao Filho, como ve-
remos no desenvolvimento desta matéria. Por estranho que nos pareça, o Espírito,
ao mesmo tempo em que é digno da mesma honra que o Pai e o Filho (Mt 28.19),
não reclama atenção para si mesmo. Podemos concluir que as relações entre as
pessoas divinas para com sua criação não podem ser completamente entendidas
por nós, de forma que devemos nos contentar em assegurar o que a Bíblia diz, ain-
da que não a compreendamos totalmente.
Em síntese, portanto, estes três fatores contribuíram para o fraco enfoque que
a paracletologia recebeu ao longo da história da teologia. No entanto, um súbito
movimento que despontou no século 20 trouxe novamente os debates acerca do
Espírito de Deus: o movimento pentecostal.
A importância da paracletologia, então, voltou a ser reconhecida no ambiente
teológico dos últimos anos devido ao surgimento do pentecostalismo, cuja ênfase
nos ministérios e obras do Espírito Santo fizeram com que as discussões a respeito dele
viessem à tona novamente e atraíssem a atenção da comunidade cristã para esta
doutrina. Dessa forma, tanto as discussões sobre o Espírito relacionadas ao movimen-
to pentecostal quanto os frequentes desvios doutrinários relacionados à paracleto-
logia que surgiram nos últimos anos levaram a comunidade teológica a voltar suas
atenções para a paracletologia. As consequências deste recente enfoque podem
e devem ser aproveitadas por nós de forma que contribuam para nossa maturidade
teológica e, em última análise, para o desenvolvimento do Reino de Deus.
Assim, nesta matéria, o aluno terá contato com a parecletologia em um alto ní-
vel de desenvolvimento, e, sempre que possível, diferentes concepções resultantes
de diferentes teologias serão apresentadas, visando proporcionar ao estudante o
conhecimento tanto da abordagem histórica acerca do Espírito e sua obra, quanto
o conhecimento da abordagem pentecostal acerca dos mesmos.

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Antes, contudo, de iniciarmos o estudo, fazem-se necessárias algumas definições


pertinentes à doutrina do Espírito Santo. Esta área da teologia sistemática é tam-
bém conhecida como pneumatologia, termo derivado das palavras gregas pneuma
(espírito) e logos (ensino sobre). Assim, a definição de pneumatologia é aplicada
corretamente à doutrina do Espírito Santo significando algo como “estudo/discurso
sobre o Espírito”. Além desta palavra, como vimos, o termo paracletologia também é
utilizado para fazer referência a esta disciplina. Paracletologia deriva-se das palavras
gregas paracleto (“advogado”) e logos (“ensino sobre”). Uma vez que o ministério
do Espírito associado ao termo paracleto só é claramente vislumbrado no Novo Tes-
tamento, esta matéria é comumente chamada de paracletologia quando se refere
à doutrina do Espírito a partir do prisma neotestamentário, particularmente, tendo
em vista seu operar na obra de redenção.
Entretanto, apesar da aparente diferença de aplicação dos termos, ambas as
nomenclaturas se referem à mesma disciplina e abarcam essencialmente o mesmo
conteúdo, de forma que usaremos em nosso estudo ambos os termos intercambia-
velmente. Iniciemos, então, o estudo da doutrina do Espírito.

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Capítulo 1
q A pessoalidade do Espírito Santo

O Espírito Santo é revelado nas Escrituras com todos os atributos que o qua-
lificam como pessoa ou ser pessoal. Esta pessoalidade do Espírito de Deus
é muito importante para a teologia como um todo e traz implicações sobre quase
todas as suas áreas, como o aluno perceberá ainda nesta matéria.
Contudo, muitos entendem que o Espírito não é um ser pessoal e as alega-
ções que negam a pessoalidade do Espírito podem assumir diferentes formas. A Fé
Mundial Bahaí afirma que o Espírito Santo é uma energia divina. As testemunhas de
Jeová o entendem como uma energia, uma força ativa. O judaísmo postula que o
Espírito Santo é a força de Deus em atividade. O movimento Nova Era igualmente
nega sua pessoalidade, considerando-o, às vezes, como uma força psíquica. Além
desses grupos, alguns teólogos liberais também negam a pessoalidade do Espírito
Santo.
Com efeito, podemos notar como denominador comum em todos os grupos
que negam a pessoalidade do Espírito a qualificação deste ora como uma for-
ça, ora como uma energia, ora como uma força ativa do Deus bíblico. Todos, em
suma, o compreendem como uma espécie de energia impessoal.
A despeito das divergências acerca do Espírito apresentadas por alguns gru-
pos heterodoxos, é necessário um exame cuidadoso das Escrituras para encerrar a
questão. As discussões que se seguem não pretendem ser exaustivas, entretanto,
são suficientes para fundamentar os conceitos propostos por este capítulo.

 Atributos que caracterizam pessoalidade

P ara que um ser seja considerado pessoal, este ser precisa apresentar provas
de intelectualidade, atributos de emoção e vontade própria, e o Espírito
Santo preenche todos esses requisitos.

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O texto de Romanos 8.27 nos diz que o Espírito tem mente própria enquanto
1Coríntios 2.13 relata que ele é capaz de ensinar as pessoas. Além disso, 1Coríntios
2.10,11 nos diz que o Espírito conhece e busca as coisas de Deus. Embora haja mui-
tos outros textos bíblicos que nos sirvam de evidência, estes nos bastam para mos-
trar o atributo de inteligência do Espírito.
O Espírito Santo também pode entristecer-se e amar, como nos atestam, res-
pectivamente, Efésios 4.30 e Romanos 15.30. Ambos os textos nos informam clara-
mente que o Espírito Santo tem emoções.
Por fim, o Espírito Santo distribui dons à Igreja como bem quer, como nos rela-
ta 1Coríntios 12.11. Ele também direciona as atividades dos cristãos, segundo Atos
16.6-11. Assim, a conclusão óbvia sobre ambos os textos é que o Espírito possui von-
tade própria.
Podemos ver que o Espírito Santo é revelado nas páginas das Escrituras como
um ser pessoal, detendo todos os atributos (intelecto, emoção e vontade) que o
qualificam e classificam como pessoa. Contudo, nos deteremos em um exame ain-
da mais cuidadoso sobre a pessoalidade do Espírito, identificando na Bíblia, me-
diante suas ações e interações, as evidências de sua pessoalidade.

 Atitudes que caracterizam pessoalidade

O Espírito de Deus demonstra atitudes de uma pessoa (Jo 16.8; At 8.39; 13.2;
Rm 8.26; Gn 6.3 e Êx 31.2-6). O texto de João 16.8 nos diz que o Espírito
convence-nos do pecado, algo que somente alguém com atributos comuns aos
nossos é capaz de fazer. Por sua vez, Atos 8.39 relata uma interação muito especial
entre o Espírito e o homem, interação esta que dificilmente poderia ser explicada à
parte de uma explanação que envolva uma relação pessoal. Ainda Atos 13.2 nos
diz que o Espírito Santo comissiona e nomeia ministros para a sua obra. Uma energia,
obviamente, não comissionaria nem nomearia qualquer pessoa para uma tarefa.
Além disso, o Espírito intercede por nós (Rm 8.26). Novamente, a própria definição
de “intercessão” exclui a possibilidade de que uma força ou energia faça isso, pois
a intercessão só é possível quando um ser entende a realidade do outro, e o pré-
requisito principal de tal empatia é a inteligência. Gênesis 6.3 afirma que o Espírito
“contendia”, “discutia” com o homem. Não é necessário dizer que uma discussão só
é possível quando intelecto, emoção e vontade estão em voga. Enfim, Êxodo 31.2-6
nos mostra que o Espírito ensina e, para que haja ensino, atributos de intelecto, emo-
ção e vontade são necessários.
Muitos outros textos poderiam ser citados para mostrar atitudes ou ações de-
sempenhadas pelo Espírito Santo que o colocam na posição de ser pessoal, mas
os que fornecemos são suficientes para evidenciar sua pessoalidade e prevenir/
corrigir desvios doutrinários.

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 Interações que caracterizam pessoalidade

O Espírito Santo também pode ser qualificado como uma pessoa mediante a
natureza de suas interações com o ser humano (Jz 3.10; At 5.3; 10.19-21; Ef
4.30; Rm 8.14; Mt 12.31; Hb 10.29). Em Juízes 3.10 há um retrato sobre uma interação
entre o Espírito e Otniel, libertador de Israel, que evidencia uma relação de mento-
ria. Atos 5.30 mostra que se pode mentir ao Espírito, tipo de interação impossível de
ser concretizada com qualquer ser que não seja pessoal. No mesmo livro, nos versos
19-21 do capítulo 10, há também uma interação tipicamente pessoal. Efésios 4.30
nos diz que o Espírito pode ser entristecido caso o desagrademos. É claro que só é
possível desagradar quem possui intelecto para aprovar ou não nossas atitudes e
reagir emocionalmente a elas. Romanos 8.14 nos diz que os salvos são guiados pelo
Espírito de Deus e o ato de orientar implica intelecto e vontade como pré-requisitos
para quem guia. Mateus 12.31 relata uma ocasião em que uma possível blasfêmia
ocorreu contra o Espírito e, finalmente, Hebreus 10.29 nos diz que o Espírito pode
ser ultrajado, e só é ultrajado quem tem princípios morais e éticos. Uma vez que
tais princípios são possíveis somente para quem tem inteligência para concebê-los,
deduz-se que o Espírito possui intelecto.
É evidente, nesta análise, que o tipo de interação que ocorre entre o Espírito
Santo e o ser humano caracterizam uma interação pessoal na qual, é claro, somen-
te dois seres pessoais podem protagonizar.
Todos os exemplos escriturísticos brevemente analisados neste capítulo nos pro-
vam, diretamente ou por inferência, que o Espírito Santo é uma pessoa. Ele não
é um ser humano, mas é um ser pessoal, compondo, ao lado do Pai e do Filho, a
Trindade divina. Tanto seus atributos revelados na Bíblia, como suas atitudes e ca-
racterísticas de relacionamento para com a humanidade o qualificam como um
ser pessoal.
Além disso, podemos inferir sua pessoalidade a partir da unidade de Deus, tal
como a vimos na matéria Doutrina de Deus. Se Deus é um ser pessoal, uno, e, ao
mesmo tempo é um Deus Trino, então as pessoas que compõem a Trindade devem
ser pessoais, afinal, a Trindade não é uma junção de três deuses ou uma separação
da natureza de Deus em três pessoas, mas toda a natureza de Deus, juntamente
com todos os seus atributos, são igualmente plenos em cada uma das três pessoas
que compõem a unidade trinitária de Deus.

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Capítulo
q A deidade do Espírito Santo
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E mbora possua todos os atributos cabíveis a um ser pessoal, o Espírito Santo
é divino e sua deidade é atestada por todas as evidências teológicas e
naturais, à semelhança das evidências que atestam a divindade do Deus Triúno,
conforme vimos na Doutrina de Deus. Contudo, neste capítulo, as análises sobre a
deidade do Espírito Santo serão concentradas na revelação escriturística.
Por meio da Bíblia, o Espírito Santo é revelado como Deus e possui, juntamente
com o Pai e o Filho, todos os atributos que o qualificam como tal. Além de seus atri-
butos exclusivos, a deidade do Espírito também pode ser verificada por evidências
relacionadas às suas obras, pelos seus títulos (estes, porém, serão estudados em
capítulo à parte) e pela sua associação análoga para com as demais pessoas da
Trindade.

 Atributos que caracterizam deidade

O Deus bíblico é revelado com determinadas qualidades pertencentes so-


mente e unicamente a ele. Tais qualidades, portanto, o qualificam como
Deus e não deixam espaço para contestações. Não que as contestações não exis-
tam, mas se estiverem relacionadas com a natureza do Espírito em relação à natu-
reza de Deus Pai, são facilmente refutadas na teologia sistemática.

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As qualidades ou atributos revelados como exclusivos de Deus são a onisciên-


cia, a onipotência e a onipresença, portanto, buscaremos estas qualidades na pes-
soa do Espírito Santo conforme impressas na Bíblia. Existem outras formas de cate-
gorizar e classificar os atributos divinos, assim como existem outros atributos divinos,
mas não nos ateremos a elas neste momento. Além disso, não é possível saber com
certeza científica as relações de dependência e derivação lógica que um atribu-
to possui em relação a outro. Por exemplo: não podemos responder com toda a
certeza se Deus é eterno porque é imutável ou se é imutável porque é eterno. Tal
discussão não nos caberá. Por isso, de forma arbitrária, aceitaremos a eternidade
como um de seus atributos exclusivos para as discussões que se seguirão.
Os textos de Isaías 40.13 e 1Coríntios 2.10-12 nos explicitam a onisciência do
Espírito Santo. O texto de Isaías nos diz, mediante uma indagação retórica, que o
Espírito sabe de todas as coisas, logo, é onisciente. Semelhantemente, os versículos
10,11 e 12 de 1Coríntios nos relatam a sabedoria plena do Espírito.
O Salmo 139.1-7 nos mostra a onipresença do Espírito Santo. O salmista, ao
declarar a onipresença de Deus nos seis primeiros versículos e prosseguir com as
mesmas revelações, desta vez atribuídas ao Espírito, coloca o Espírito Santo em
igualdade essencial para com Deus Pai.
A onipotência do Espírito de Deus, por sua vez, é revelada nos textos de Jó 33.4
e Salmo 104.30, entre outros (lembremo-nos de que essas referências não são exaus-
tivas). Ambos os textos evidenciam o poder absoluto do Espírito Santo pela virtude de
sua obra na criação e na imanência sobre ela.
A eternidade do Espírito pode ser inferida a partir de 1Pedro 1.12 e Hebreus
9.14, que diz explicitamente que o Espírito Santo é eterno. Obviamente, quaisquer
outros versículos que indiquem a deidade do Espírito demonstram, por extensão,
sua eternidade, já que o Deus Trino é facilmente identificável nas Escrituras como
um ser eterno.

 Obras que caracterizam deidade

A o Espírito Santo são atribuídas obras que somente Deus poderia realizar.
No Antigo Testamento, Gênesis 1.2 nos apresenta o Espírito Santo cuidando de
sua criação à semelhança de uma águia que voa por cima de seu ninho para cui-
dar de seus filhotes (veja Dt 32.11 em que o mesmo verbo “pairava” é utilizado, su-
gerindo cuidado e proteção, e lançando luz sobre a interpretação de Gênesis 1.2).
Ainda nas páginas veterotestamentárias, Jó 33.4 atesta o poder criador do Espírito
e sua cuidadosa providência para a manutenção da vida que criou. Semelhan-
temente, o texto de Salmo 104.30 evidencia a deidade do Espírito. Veja também
Ezequiel 37.9-14.

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Além destes, alguns textos neotestamentários mostram com maior grau de cla-
reza os ministérios do Espírito, cabíveis unicamente a um ser divino: 2Pedro 1.21 nos
diz que o Espírito Santo é quem inspirou a Palavra de Deus; Lucas 1.35 atribui par-
ticularmente ao Espírito o milagre da encarnação do Filho; João 16.8 e 1Coríntios
2.12 afirmam que é o Espírito quem pode convencer o homem de sua condição
pecaminosa; João 3.5,6 nos relata o poder regenerador do Espírito e, novamente,
o insere no patamar da deidade; e, por fim, Romanos 8.26,27 relata o ministério de
intercessão do Espírito, e a intercessão (tal qual é relatada neste texto) é algo que
só Deus pode fazer.

 Associação que caracteriza deidade

A Bíblia associa o Espírito às outras pessoas da Triunidade divina. Abertamen-


te, Atos 5.3,4 diz que o Espírito Santo é o próprio Deus. Mateus 28.19 atribui
ao Espírito honra idêntica ao Pai e ao Filho, além de afirmar que os três comparti-
lham um mesmo nome (em outras palavras, são o mesmo Deus). Finalmente, a belís-
sima benção de 2Coríntios 13.13 equaliza as três pessoas da Trindade, explicitando
sua ação conjunta no favor que dispensam aos salvos. Este texto, segundo Charles
C. Ryrie, em comentário na sua Bíblia de Estudo Anotada, constitui-se em um “tes-
temunho antigo e claro da crença na Trindade”.
Como podemos ver, o Espírito Santo é Deus. As Escrituras atribuem a ele todas
as prerrogativas da divindade e reclamam a ele honra e adoração idênticas às
dispensadas tanto ao Pai quanto ao Filho. Sua deidade é atestada por suas qua-
lidades reveladas, suas obras, seus nomes e mediante associações às outras duas
pessoas divinas. Sua deidade é, portanto, assegurada pelas Sagradas Escrituras.

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Capítulo 3
q Títulos atribuídos ao Espírito Santo

N a cultura do Antigo Oriente os nomes tinham uma importância intrínseca:


eram atribuídos a algo ou a alguém com base não na beleza de sua sono-
ridade, mas no seu significado. Os nomes, por isso, identificavam o caráter daquilo
ou daquele que representavam.
As duas matérias anteriores (Doutrina de Deus e Doutrina de Cristo) certamente
já elucidaram ao aluno a importância que os nomes e títulos possuíam na cultura
dos tempos bíblicos mediante o estudo dos nomes e títulos ligados ao Pai e ao Filho.
Neste capítulo, estudaremos os títulos atribuídos ao Espírito Santo, bem como as
qualidades e características reveladas por esses títulos. Antes de iniciarmos o estu-
do dos títulos do Espírito Santo, porém, são necessárias algumas considerações.
As Sagradas Escrituras não revelam qualquer nome atribuído ao Espírito Santo,
tal como ocorre em relação a Deus Pai e Deus Filho. Ambos, na Bíblia, possuem
nomes – além de títulos – pelos quais devem ser identificados. Deus Pai se revela
com o nome de Javé enquanto Deus Filho se revela com o nome de Jesus. Tanto
o Pai quanto o Filho também possuem títulos a eles atribuídos, como, por exemplo,
“Senhor dos Exércitos” e “Filho de Deus”, respectivamente.
O Espírito Santo, contudo, não possui qualquer nome revelado nas Escrituras,
mas somente títulos. Neste ponto, cabe uma distinção elucidativa:

“Nome” refere-se ao termo que designa uma pessoa ou objeto. No caso dos
nomes bíblicos, como vimos, além de fazerem referência à pessoa ou ao ob-
jeto, também expõem qualidades e características destes.
“Título”,
por outro lado, refere-se ao termo que rotula algo ou alguém com
base nas suas características.

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Assim, tanto o nome quanto o título, para nossos propósitos, podem ser consi-
derados como essência do que quer que designe. Portanto, a primeira considera-
ção necessária ao estudo deste capítulo é que, embora as Escrituras não revelem
qualquer “nome” referente ao Espírito Santo, revelam títulos pelos quais ele é iden-
tificado, os quais funcionam como indicativos de suas qualidades com a mesma
eficácia com que os nomes do Pai e do Filho funcionam para os qualificar.

Outra consideração refere-se ao texto de Mateus 28.19. Este texto, como estu-
damos, é uma excelente referência para a identificação da Trindade em Deus e
particularmente importante é o fato de ele revelar que as três pessoas da divinda-
de compartilham um mesmo nome.

Este fato, embora significativo para a doutrina trinitária, não expõe um nome
específico pelo qual o Espírito Santo, individualmente, deva ser chamado. Se as
três pessoas compartilham um mesmo nome, não importa qual nome seja, o que
está sendo enfatizado é a unidade essencial das três, de forma que não podemos
estabelecer o referido texto como parâmetro para atribuir um nome específico ao
Espírito Santo.

Feitas as devidas considerações, passemos agora à análise dos títulos pelos


quais o Espírito se revela. Lembremo-nos de que, novamente, as referências apre-
sentadas não serão exaustivas, bem como a listagem dos títulos não pretende ser.

 Espírito de Deus

“E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre o abismo; e o Espírito
de Deus se movia sobre a face das águas.” (Gn1.2).

O título “Espírito de Deus” é o primeiro que aparece na Bíblia. Podemos vê-lo no


segundo versículo do primeiro capítulo de Gênesis. A palavra traduzida por Espírito,
no original, significa “vento”. Este título ocorre nas Escrituras geralmente relacio-
nando o Espírito à criação e enfatiza, devido ao poder de Deus e sua providência
constante sobre sua obra, a soberania divina (Gn 1.2; Jó 33.4; Sl 104.30). O texto de
Gênesis 8.1 pode muito bem estar se referindo ao Espírito, bem como outros textos
em que a palavra “vento” esteja envolvida e que possam indicar uma atividade do
Espírito Santo.

Além da relação para com a criação, este título constantemente relaciona o


Espírito com a manifestação do poder de Deus mediante sua intervenção em cau-
sas humanas envolvendo algum tipo de direção ou redenção (Êx 35.31; 1Sm 10.10;
19.20; 2Cr 15.1; 24.20; Ed 1.5; Is 61.1; Mt 12.28; Rm 8.9).

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 Espírito Santo

“N ão me lances fora da tua presença e não retires de mim o teu Espírito


Santo.” (Sl 51.11).
“Espírito Santo” é um título também frequente nas Escrituras e enfatiza a santi-
dade absoluta de Deus e sua inerente moral (Sl 51.11; Is 63.10,11; Mt 1.20; 3.11; 12.32;
Mc 12.36; Lc 1.15; Jo 14.26; 20.22; At 1.2; 5.3; 13.52).
Justamente por ressaltar um nível de santidade cabível unicamente a Deus,
este título também ressalta a deidade do Espírito de forma especial, além de co-
nectá-lo ao homem em relações nas quais emoções estão envolvidas. O texto de
Isaías 63.10 é um ótimo exemplo. Nesta passagem, o Espírito Santo é entristecido
pelo pecado dos israelitas, o que, além de evidenciar a pessoalidade do Espírito,
evidencia sua santidade e sua contrição pela desobediência do homem.
Por meio de referências bíblicas semelhantes podemos concluir que este título
nos ajuda a entender um pouco mais acerca da relação de Deus – e particular-
mente do Espírito – com a humanidade.

 Espírito de adoção

“P orque não recebestes o espírito de escravidão, para, outra vez, estardes


em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual cla-
mamos: Aba, Pai.” (Rm 8.15).
O título “Espírito de adoção” ressalta sua participação na obra redentora ao
revelar seu ministério de habitação nos homens pelo qual Deus nos aceita como
filhos por adoção. O texto de Romanos 8.15 é o único em que este título aparece,
mas não é o único em que a obra de salvação em favor da humanidade é explici-
tamente ligada à condição filial-adotiva dos homens.
Romanos 8.15 contrapõe a habitação do Espírito nos crentes com a experiên-
cia de tristeza, escravidão e medo. Dessa forma, o Espírito é apresentado como
uma fonte de alegria, liberdade e segurança. De fato, este texto diz muito acerca
da obra de salvação divina e é valioso para tal estudo.
Por tudo isso, o título Espírito de adoção enfatiza sua graça salvadora e, por infe-
rência, sua deidade – uma vez que as Escrituras deixam claro que somente Deus pode
redimir o homem – além de o apresentar como um agente na obra de salvação.

 Espírito da promessa

“...E m quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da ver-
dade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido,
fostes selados com o Espírito Santo da promessa.” (Ef 1.13).

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O título “Espírito da promessa” revela, mediante um conhecimento panorâmico


das Escrituras, que ele foi profetizado e prometido anteriormente. À semelhança de
Romanos 8.15, o texto de Efésios 1.13 é o único a revelar, por extenso, o título Espírito
da promessa, no entanto, não é o único a evidenciar o caráter profético do envio
do Espírito Santo.

O texto de Joel 2.28 nos diz que Deus prometeu que derramaria seu Espírito
sobre toda a carne. O ato de “derramar” sugere abundância tanto em relação à
diversidade quanto em relação à quantidade; e o fato de Deus o derramar sobre
“toda a carne” (“carne”, neste contexto, é um hebraísmo que significa “pessoa”,
“indivíduo”) revela que Deus o fará de um modo generalizado, em contraste com
o modo que Deus o fez no Antigo Testamento, no qual poucas pessoas escolhidas
recebiam esporadicamente o Espírito para executarem tarefas extraordinárias. De
maneira radicalmente diferente, no Novo Testamento, Deus daria seu Espírito indis-
criminadamente, e o Espírito não mais visitaria os homens, mas habitaria neles con-
forme as promessas feitas.

Ainda nas páginas do Antigo Testamento, o texto de Ezequiel 36.27 também


traz a promessa sobre o Espírito e acrescenta informações sobre o ministério que ele
desempenharia. Já no Novo Testamento, essa promessa é reafirmada e confirmada
(At 1.8; Gl 3.14).

Assim, enfatizando a confiabilidade de Deus (e, por inferência, sua imutabilida-


de), o título “Espírito da promessa” é também impresso nas Escrituras.

 Espírito de vida

“P orque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do peca-


do e da morte.” (Rm 8.2).

“Espírito de Vida” é um título que revela a obra salvífica de Deus mediante sua
concessão de vida espiritual e plena aos salvos, constituindo-se em um nítido con-
traste com a morte provocada pela desobediência do homem em Gênesis 2.17.

Além de Romanos 8.2, Apocalipse 11.11 também traz este título por extenso ao
mesmo tempo em que evidencia a deidade do Espírito. Diversas passagens das Es-
crituras, porém, mesmo não trazendo o título por extenso, associam uma condição
de vida e de plenitude à proximidade do Espírito Santo (Gn 2.7; Jó33.4; Sl 104.30; Jo
6.63; Rm 8.6; Gl 6.8).

Portanto, o título “Espírito de vida” enfatiza sua graça, deidade e, mais impor-
tante, a vida inerente que ele nos propicia.

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

 Espírito de graça

“E sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o Es-


pírito de graça e de súplicas; e olharão para mim, a quem traspassaram;
e o prantearão como quem pranteia por um primogênito...” (Zc 12.10).
O título “Espírito de graça” é uma evidência explícita de que a vida plena dada
por Deus ao homem é fruto de seu favor e não implica merecimento humano algum.
Também revela algo do ministério do Espírito na obra salvífica. Além da passagem
de Zacarias 12.10, o escritor de Hebreus também fez uso deste título (Hb 10.29).
Graça, deidade e bondade, portanto, são evidenciadas pelo título “Espírito
de graça”.

 Espírito de Cristo

“...I ndagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo,


que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos
que a Cristo haviam de vir e a glória que se lhes havia de seguir” (1Pe 1.11).
Chamado de “Espírito de Cristo” tanto pelo fato de ter sido enviado por Cristo
(Jo 15.26) quanto pelo trabalho sinergístico (ação simultânea) que ele opera com
Cristo na aplicação da redenção dos cristãos, o Espírito Santo também recebe este
título nas páginas das Escrituras (1Pe 1.11; Fl 1.19; Rm 8.9).
As três referências citadas trazem o título “Espírito de Cristo” aplicado ao Espíri-
to Santo, no entanto, o texto de Romanos 8.9 contém uma carga teológica ainda
maior por unir semanticamente os títulos “Espírito de Deus” e “Espírito de Cristo”,
expondo a deidade do Filho e lançando luz sobre a doutrina da Trindade. Além
disso, este texto compõe a dogmática soteriológica ao dizer que todos os que têm
o Espírito Santo pertencem a Cristo.
Obviamente, o título “Espírito de Cristo” enfatiza a deidade de Jesus, bem como
a realidade de sua presença nos salvos.

 Consolador

“M as, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de en-
viar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de
mim” (Jo 15.26).
O Espírito Santo também é intitulado “Consolador”. Este título é muito impor-
tante porque a ele subjazem muitas implicações teológicas para o cristianismo. Pri-
meiramente, é notável o fato de este título aparecer somente no Novo Testamento,
por quatro vezes no Evangelho de João (Jo 14.16; 14.26; 15.26; 16.7). Isto denota
algumas facetas do ministério do Espírito relacionadas à salvação.

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

O título “Consolador”, no original grego parácléctos, significa algo próximo de


“advogado” e remete à condição intercessora, amiga e conselheira permanente
do Espírito em nosso favor. Deste título deriva a palavra que dá nome a esta maté-
ria (Paracletologia).
Este título também é muito importante por assemelhar o Espírito ao Cristo e, no-
vamente, compor as bases da doutrina trinitária. Ao mesmo tempo em que o Espí-
rito não é Cristo (Jo 14.16; 16.7), ele é o único que pode desempenhar exatamente
o mesmo papel que Cristo desempenhou ao lado de seus discípulos (Jo 14.26), e,
portanto, possui os mesmos requisitos e atributos para tal tarefa. Em outras palavras,
o Espírito só pode ser Deus.
Este título, portanto, enfatiza a real presença de Cristo (por meio de seu Espírito)
em meio à sua Igreja. Enfatiza também a amizade do Deus Triúno para conosco e
estabelece uma base para nossa confiança na promessa divina de redenção.

 Títulos categorizados por atribuições e relações

É também possível categorizar os títulos do Espírito Santo de acordo com suas


qualidades ou de acordo com sua relação com os homens ou com as outras
duas pessoas divinas.
Há títulos que revelam seu relacionamento com o Pai, como “Espírito de Deus”
(Mt 3.16) e “Espírito do Senhor” (Jz 3.10); e com o Filho, como “Espírito de Cristo”
(Rm 8.9) e “Espírito de seu Filho” (Gl 4.6). Outros títulos revelam seus atributos,
como “Espírito eterno” (Hb 9.14) e “Espírito de santificação” (Rm 1.4). Há ainda
títulos que revelam sua obra, como “Espírito de vida” (Rm 8.2) e “Espírito de ado-
ção” (Rm 8.15).
Os títulos atribuídos ao Espírito, bem como a qualquer outro personagem bíbli-
co, servem para nos dizer algo sobre sua natureza, motivo pelo qual o Deus Trino
revela-se a si mesmo com tantos títulos e nomes. Seria impossível a concepção de
qualquer ideia sobre Deus e sua natureza se não dispuséssemos de uma matiz de
títulos, nomes e símbolos que, conjuntamente, revelassem faces de seus atributos.
Por isso, a fim de complementar nosso entendimento acerca do Espírito Santo,
seu caráter, natureza e obra, no próximo capítulo, estudaremos panoramicamente
os símbolos a ele atribuídos.

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

Capítulo
q Símbolos do Espírito Santo
4
V imos que o Espírito de Deus revela-se, inclusive, mediante títulos, e vimos
que estes títulos são extremamente importantes para a teologia porque
mostram sua pessoalidade, deidade, atributos, além de mostrarem um pouco da
relação que ele mantém para com o Pai e o Filho, bem como para com sua obra
de criação.
Neste momento, porém, veremos sucintamente a simbologia bíblica relaciona-
da ao Espírito Santo. Tal estudo é também importante para a teologia, pois, além de
lançar luz sobre a obra e os ministérios do Espírito, contribui para a tarefa exegética
do teólogo. Contudo, cabe-nos primeiramente definir o significado de “símbolo”.
Embora esta definição, na teologia, pertença ao campo da hermenêutica, ela nos
será útil neste momento: o símbolo é um objeto físico a que se dá uma significação
abstrata, ou uma figura ou imagem que representa algo. Dessa forma, o Espírito
Santo é simbolizado nas Escrituras pelos seguintes elementos: fogo, vento (ou ar),
água, óleo (ou azeite), selo, pomba e vestimenta.
Diversas analogias podem ser traçadas entre as qualidades e ações de cada
símbolo relacionado ao Espírito. Embora a maioria delas possa ser verdadeira e pos-
sua um determinado nível de coerência, não devemos estabelecer como doutrina
qualquer comparação possível entre elas. Sendo assim, o mais sensato é que nos
atenhamos em traçar paralelos seguros (comprovados por quantidade e/ou clare-
za de referências bíblicas) entre os elementos e o Espírito.

 Fogo

“E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pou-
saram sobre cada um deles” (At 2.3).
O fogo é constantemente retratado na Bíblia como símbolo da presença de
Deus e a maioria das referências que o mostram neste sentido o faz enfatizando a ab-
soluta santidade divina. Por inferência, é também possível aferir que o fogo simboliza,
paralelamente à santidade de Deus, sua formidável propriedade purificadora.

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

O texto de Êxodo 3.2 nos apresenta Deus, em uma manifestação teofânica em


meio ao fogo, e o contexto nos permite concluir que a temível santidade de Deus
é que está sendo mostrada nesta ocasião. O escritor aos Hebreus confirma esta re-
alidade ao declarar que Deus é “um fogo consumidor” (Hb 12.29) e diversas outras
passagens associam o fogo à santidade do Senhor (Gn 3.24; Êx 13.21; 19.18; 24.17;
1Rs 18.24-38).

Já os textos de Isaías 4.4,5; Zacarias 13.9 e Malaquias 3.2,3 ligam diretamente


a santidade divina, representada pelo fogo, ao poder purificador deste elemento.
Mediante um conhecimento enciclopédico das Escrituras, e, particularmente das
obras do Espírito (que serão estudadas nesta matéria), a conclusão a que podemos
chegar é que o Espírito, perfeitamente santo, purifica o cristão como o fogo purifica
a prata (Ml 3.3).

Além dessas referências, o texto de Mateus 3.11,12 pode estar traçando uma
ligação nítida entre o Espírito Santo e o fogo como seu símbolo. Tal conclusão,
no entanto, dependerá da abordagem interpretativa adotada. Se entendermos
o “fogo” de Mateus 3.11 como um símbolo do Espírito, o paralelo entre ambos es-
tará claramente traçado e o Espírito, neste caso, desempenhará no crente uma
santificação progressiva mediante sua santidade purificadora. Ao contrário, se en-
tendermos o “fogo” deste trecho como uma referência ao julgamento dos ímpios
efetuado pelo Senhor (como o contexto parece indicar), o paralelo entre o fogo
e o Espírito, nesta passagem, não pode ser considerado. Contudo, o “fogo”, ainda
neste caso, estará intimamente ligado à santidade de Deus e sua consequente in-
tolerância para com o pecado.

De qualquer maneira, o Espírito de Deus é frequentemente associado, nas Escri-


turas, ao fogo e, quando isto acontece, sua santidade purificadora é apresentada
simbolicamente.

 Vento

“E ele me disse: profetiza ao espírito, profetiza, ó filho do homem, e dize ao


espírito: Assim diz o Senhor Jeová: Vem dos quatro ventos, ó espírito, e
assopra sobre estes mortos, para que vivam.” (Ez 37.9).

Um de nossos parâmetros para conceber uma associação simbólica entre o ven-


to e o Espírito de Deus deve ser a quantidade de versículos que explicitamente ligam
Deus ao vento. Nas Escrituras, muitas são as ocasiões em que as tempestades são
retratadas como manifestações teofânicas (Êx 19.16-19; Sl 148.8; Is 29.6; 66.15; Jr 4.13;
23.19; Na 1.3). Além destas, outras passagens, de forma ainda mais explícita, retratam
eventos nos quais o vento é uma manifestação divina (2Rs 2.1,11; Jó 38.1; 40.6).

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03 ESPÍRITO SANTO

O versículo destacado de Ezequiel 37.9 é uma vívida referência simbólica do


vento para com o Espírito Santo e lança luz sobre a natureza desta associação ao
dizer que o Espírito deu vida aos mortos. Isto, evidentemente, é uma clara alusão
à obra regeneradora do Espírito Santo pela qual Deus desperta o homem de sua
cegueira espiritual e lhe concede uma nova disposição, pela qual busca agradar
ao Senhor.
Além deste, o apóstolo João, em seu evangelho, ilustra o ministério do Espírito
Santo pelo qual ele dirige e orienta os cristãos (Jo 3.8). O texto de João 20.22 tam-
bém associa nitidamente o Espírito ao vento, e, ainda nos termos do Novo Testa-
mento, Lucas descreve a descida do Espírito nos discípulos como a chegada de um
“vento impetuoso” (At 2.2).
Desta forma, o Espírito do Senhor é simbolizado pelo vento, tanto pela sua pro-
priedade refrescante e regeneradora quanto por sua invisibilidade e imprevisível
direção para os cristãos.

 Água

“...M as aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede,
porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água a
jorrar para a vida eterna.” (Jo 4.14).
Embora outras relações sejam possíveis, a associação simbólica da água para
com o Espírito é explicada pela capacidade da água em satisfazer quem tem sede,
bem como em nutrir e hidratar os que, por falta dela, estão morrendo. Além disso,
a água é também utilizada como símbolo de purificação e nos revela, por associa-
ção, este ministério do Espírito Santo.
A propriedade da água pela qual ela regenera e satisfaz é muito bem repre-
sentada por João em seu evangelho, de forma que o texto em destaque (Jo 4.14)
é uma excelente referência a este desempenho ministerial do Espírito Santo. Nele,
João, segundo o comentário da Bíblia de Genebra, expressa simultaneamente a
origem divina desta benção (“que eu lhe der”) e enfatiza sua abundância (“uma
fonte a jorrar”), bem como sua duração infinita (“vida eterna.”).
Outro texto do mesmo livro declara aberta e explicitamente a simbologia da
água em relação ao Espírito de Deus (Jo 7.38,39). No entanto, a relação simbólica
existente entre a água e o Espírito não é exclusiva do Novo Testamento. Antes, o
Antigo Testamento traz abundantes referências a tal relação, algumas delas, bem
conclusivas. Os textos de Isaías 44.3 e Ezequiel 36.25-27 constituem-se em ótimos
exemplos que associam a água ao dom escatológico do Espírito. O profeta Isaías
liga simbolicamente a água ao Espírito em um paralelismo esclarecedor (Is 44.3).

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Ezequiel, por sua vez, em uma comparação com o ritual de purificação no qual a
água era aspergida sobre os sacerdotes ou objetos (Êx 30.17-21; Lv 14.52), relata a
obra purificadora do Espírito (Ez 36.25-27).

Além das claras evidências veterotestamentárias e neotestamentárias sobre a


relação simbólica entre a água e o Espírito, também podemos conceber tal asso-
ciação a partir de textos em que a água é utilizada como metáfora para descrever
as bênçãos da era messiânica (Is 12.3; 58.11; Ez 47).

Considerando todas essas referências, fica claro que, nas páginas da Bíblia, a
água muitas vezes simboliza o Espírito de Cristo.

 Óleo

“C omo Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude;
o qual andou fazendo bem, e curando a todos os oprimidos do diabo,
porque Deus era com ele.” (At 10.38).

O óleo (ou o azeite) é constantemente utilizado nas Escrituras em simbologia


ao Espírito de Deus e tal associação é frequente tanto no Antigo quanto no Novo
Testamentos.

O trecho bíblico em destaque (At 10.38) ilustra vividamente esta associação


simbólica ao comparar o ritual de unção veterotestamentário (no qual pessoas ou
objetos eram formalmente consagrados a Deus e à sua obra mediante o derrama-
mento de óleo sobre eles) com o envio providencial do Espírito sobre Cristo a fim de
indicar sua consagração ao Senhor e à sua obra.

Em semelhante plano discursivo, Lucas, citando o profeta Isaías, relata a consa-


gração de Jesus mediante sua unção com o Espírito Santo (Lc 4.18). Paulo também
ilustra a conexão simbólica entre o óleo e o Espírito nos dizendo que Deus nos ungiu,
selou e nos deu a garantia do Espírito (1Co 1.21,22). O apóstolo João também dá
sua contribuição à evidência desta relação simbólica dizendo que os cristãos são
separados ao Senhor pelo “Santo” [Espírito] (1Jo 2.20).

No Antigo Testamento temos também os textos de Isaías 61.1,2; Salmos 2.1,2 e


18.50 referindo-se à unção com óleo.

Podemos concluir que a relação simbólica entre o óleo e o Espírito exprime,


principalmente, a obra do Espírito Santo de separar aqueles que são de Cristo, con-
sistindo esta separação em uma ênfase na eficácia da obra redentora e em uma
referência ao ministério de “separação” do cristão que é chamado a servir a Deus
e ao próximo.

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Outras associações, se estabelecidas com cautela, também são possíveis. O


azeite, por exemplo, era usado nas feridas por suas propriedades curativas (Lc 10.34).
De igual modo, o Espírito de Deus cura os cristãos das enfermidades espirituais cau-
sadas pela queda do homem (Jo 16.8). O óleo também era utilizado como alimento
(Dt 14.23), assim como o Espírito nos alimenta (compare Mt 4.4 com Ef 6.17). Por fim, o
óleo era utilizado para iluminação (Êx 27.20) de modo análogo à iluminação propor-
cionada pelo Espírito do Senhor, pela qual somos direcionados ao alvo correto com
a atitude correta (Jo 16.12-15).

 Selo

“E m quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade,


o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes sela-
dos com o Espírito Santo da promessa.” (Ef 1.13).
As Sagradas Escrituras simbolizam o Espírito com a imagem do selo visando
ilustrar a segurança do salvo que advém da habitação do Espírito de Deus em seu
interior. Tal imagem é oriunda de um antigo costume oriental no qual, o rei, para
oficializar sua posse e autoridade sobre algo, imprimia neste objeto (fosse em baixo
relevo, fosse em marca de tinta) o símbolo de seu anel com sinete. Assim, a partir
deste momento, aquele objeto passava oficialmente a pertencer ao rei e nada
nem ninguém poderia revogar tal decisão (veja exemplos desta prática em Et 8.8;
Dn 6.17 e Mt 27.66).
O apóstolo Paulo, falando aos Coríntios, novamente faz uso desta imagem. Em
uma mesma oração, o apóstolo dos gentios une termos interessantes e carregados
de implicações teológicas como “nos ungiu” (remetendo novamente ao símbolo
do óleo), “nos selou” e “nos deu o penhor do Espírito” (2Co 1.21,22).
Finalmente, a simbologia do selo relacionada ao Espírito pode ser vista mais
uma vez em Efésios 4.30. Neste texto, Paulo relaciona mais uma vez a habitação do
Espírito no salvo à sua segurança em relação à promessa redentora do Senhor ao
enfatizar que fomos selados “para o dia da redenção”, e não “até o dia em que
cometermos este ou aquele pecado”, por exemplo.

 Pomba

“E, logo que saiu da água, viu os céus abertos e o Espírito, que, como pomba,
descia sobre ele.”. (Mc 1.10).
Embora a Bíblia tenha utilizado a pomba como um símbolo de Israel em Oseias
7.11 e 11.11 e como uma metáfora para a beleza da amada em Cântico dos Cân-
ticos, os quatro evangelhos claramente simbolizam o Espírito com a imagem da
pomba (Mt 3.16; Mc 1.10; Lc 3.22 e Jo 1.32).

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Os textos de Mateus, Marcos, Lucas e João são claros em utilizar a expressão


“como pomba” em forma de símile, ou seja, os evangelistas não queriam dizer que
o Espírito veio sobre Jesus como uma pomba literalmente, mas expressam algo a
respeito do Espírito de Deus nesta figura de pensamento. O que exatamente eles
exprimem nesta associação simbólica, as Escrituras não se preocupam em esclare-
cer. No entanto, fato é que esta associação existe.
Alguns escritores fazem referência à tranquilidade da pomba em seu voo. Ou-
tros mencionam que, nestas passagens, o Espírito está representando Israel. R. T.
France, citado por Júlio Zabatiero em seu “Manual de exegética”, interpreta a sími-
le com relação a Gênesis 1.2. Ele mesmo, porém, não tem certeza da validade de
suas propostas. Uma breve análise destas analogias, no entanto, pode-nos ajudar
em algumas interpretações.
Júlio Zabatiero não consegue entender porque Marcos compararia a desci-
da do Espírito ao voar de uma pomba. Além disso, a hipótese de o Espírito, nesta
circunstância, representar Israel, não traria absolutamente qualquer sentido teo-
lógico. Por fim, a interpretação de R. T. France carece, como ele mesmo diz, de
confirmações. Alguns comentaristas já relacionaram a pomba ao fato de ela ser
um símbolo de paz, exaltando assim este atributo do Espírito. Acontece que esta
simbologia em relação à pomba é recente e tal associação não existia na época
e cultura em que o texto foi escrito.
Concluímos que, a despeito dos quatro evangelistas utilizarem a ilustração de
uma pomba para representar o Espírito Santo, falta-nos elementos para encerrar-
mos no que consiste esta associação. Cabe-nos, entretanto, aceitar a informação
escriturística mesmo quando não a conseguimos conceber ou entender completa-
mente, e a Bíblia, amparada nos sólidos testemunhos de Mateus, Marcos, Lucas e
João, simboliza o Espírito por meio da pomba.

 Vestimenta

“E eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai; ficai, porém, na cidade
de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder.” (Lc 24.49).
As Escrituras também relacionam simbolicamente o Espírito a uma espécie de
vestimenta, e o texto em destaque (Lc 24.49) ilustra esta associação. Lucas, nesta
passagem, nos apresenta a descida do Espírito no dia de Pentecostes e enfatiza
seu ministério pelo qual ele concede aos salvos intrepidez para pregar o evangelho
(At 2.14-36; At 4.8,13,31) e lhes outorga poder para isso (Mc 16.15; At 4.8,31). Paulo,
aos Romanos, confirma o fato de que a vestimenta do Espírito nos concede os requi-
sitos necessários à pregação do evangelho (Rm 15.19). Além disso, o mesmo após-
tolo relata a intrínseca relação entre o Espírito de Deus e as Escrituras (Ef 6.17).

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

Entretanto, não somente passagens neotestamentárias afirmam o ministério


do Espírito em conceder poder para a comunicação da mensagem de Deus. O
Antigo Testamento também traz abundantes referências a este operar do Espíri-
to. O belíssimo texto de Isaías 61.1 relata precisamente este ministério do Espírito;
o profeta Miqueias, por sua vez, diz estar cheio do Espírito e, portanto, cheio de
poder e força para comunicar a mensagem do Senhor. Outras referências vetero-
testamentárias evidenciam este ministério do Espírito pelo qual ele é relacionado à
vestimenta (Dt 34.9; 1Sl 10.6; 2Cr 24.20; Ez 11.5).
Todos estes símbolos, portanto, nos servem como indicativos das qualidades do
Espírito Santo e ilustram facetas de seu ministério. Por isso, a partir (não somente,
mas inclusive) da simbologia bíblica relacionada ao Espírito, seremos capazes de,
nas próximas páginas, nos concentrarmos no estudo das obras do Espírito Santo vis-
lumbrando com mais clareza a sistematização teológica que a enfoca.

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

Capítulo
q Obras gerais do Espírito Santo
5
F requentemente atribui-se ao Espírito Santo um ministério ativo e evidente
considerando sua atuação a partir do dia de Pentecostes, segundo relatado
em Atos 2.1,2. Isto se deve, principalmente, à enfática revelação neotestamentária
da Trindade, presente principalmente na fórmula batismal de Mateus 28.19 e no
modelo da bênção apostólica, como em 2Coríntios 13.13.
Todavia, o Espírito Santo, contrariamente ao senso comum, sempre esteve ati-
vo e desempenhou um ministério evidente. Sua atuação é relatada nas Escrituras
desde os primeiros versículos de Gênesis e sua interação para com a criação é
clara. É certo que muito do que se sabe a respeito do ministério do Espírito advém
ou é confirmado em textos do Novo Testamento, como sua influência na inspiração
dos autores sagrados, por exemplo. Porém, a Bíblia inteira relata o operar ativo do
Espírito de Deus.
A despeito de seu desempenho ministerial, alguns teólogos não enxergam um
vasto operar do Espírito no Antigo Testamento por não considerarem as referências
veterotestamentárias ao “Espírito” um indicativo de uma pluralidade em Deus. P.
K. Jewett, citado por Charles C. Ryrie em sua obra “Teologia básica”, por exemplo,
acredita que o Espírito Santo, no Antigo Testamento, nunca é usado para indicar
“uma pessoa distinta do Pai e do Filho”, mas sim, “a natureza divina vista como uma
energia vital”.
Contudo, embora seja verdade que a natureza trinitária de Deus não é revela-
da claramente no Antigo Testamento, duas considerações precisam ser feitas:

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 25


DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

O Antigo Testamento pode não definir com clareza uma trindade em Deus,
mas certamente atribui características de pessoalidade ao Espírito, o que
anula a possibilidade das referências a ele evidenciarem uma “energia” em
detrimento de um ser Pessoal;
Se considerarmos a unidade e infalibilidade das Escrituras, não poderemos
ignorar as referências neotestamentárias que atribuem ao Espírito obras que
o Antigo Testamento atribuem ao Pai, como em 2Pedro 1.21.

Portanto, o desempenho ministerial do Espírito Santo sempre foi tão ativo quanto
mostram as páginas do Novo Testamento. Contudo, é certo dizer que o modo com
que o Espírito Santo trabalha, principalmente em relação à direção do homem e à
aplicação da obra salvífica de Deus em seu favor, difere drasticamente do Antigo
para o Novo Testamento. Entretanto, isto não anula a realidade de que o trabalho
do Espírito sempre foi ativo, e a totalidade das Escrituras atestam este fato.

Por fim, devemos esclarecer que este capítulo tratará das obras gerais do Espíri-
to, obras desempenhadas em ambos os testamentos, além de sua obra na criação.
Quando houver necessidade, a diferença no modus operandi do Espírito relacio-
nada ao seu trabalho antes e depois do Pentecostes será esclarecida em cada
tópico. As obras mais complexas e que requerem uma discussão mais ampla ou
detalhada serão registradas em capítulos exclusivos.

Vejamos, então, as obras gerais do Espírito Santo.

 A obra do Espírito Santo na criação

C omo foi afirmado, o Espírito Santo sempre esteve ativo. Ele participou no
planejamento da criação do homem de forma equivalente à participação
das outras duas pessoas divinas (Gn 1.26). Além disso, existem versículos que mencio-
nam, de alguma forma, uma participação especial do Espírito Santo no ato criativo
de Deus, seja na produção espontânea de vida, seja na providencial manutenção
desta vida. A criação espontânea de vida (criação de matéria nova) provavelmen-
te cessou, de maneira que o surgimento de novas vidas se dá mediante a reprodu-
ção celular. Todavia, a imanência do Espírito sob sua criação concedendo a ela a
capacidade de vida, o “fôlego de vida”, continua em pleno funcionamento.

O compositor do Salmo 104 exprime de forma explícita a participação do Espí-


rito na criação e na manutenção desta criação (Sl 104.30). Além disso, o versículo
29 do mesmo salmo traz o termo “respiração” (ARA) que, literalmente, significa “es-
pírito” ou “vida”. Assim, fica claro que a respiração de todas as criaturas depende
do Espírito de Deus.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 26


DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

Moisés, em seu primeiro livro, nos relata este ministério do Espírito pelo qual ele
sustenta a vida de sua criação. Ao dizer que o Espírito de Deus “pairava sobre a
face das águas” (Gn 1.2), Moisés intenta dizer que o Espírito sobrevoava por cima
de sua criação cuidando dela como uma águia sobrevoa por cima de seus filhotes
com o objetivo de cuidar deles (o mesmo verbo é usado em Deuteronômio 32.11).
O texto de Gênesis 2.7 também é considerado por alguns como uma referência à
obra criadora do Espírito uma vez que o verbo “soprar” utilizado neste trecho tam-
bém pode significar “espírito”.
Ainda no Antigo Testamento, os textos de Jó 26.13 e 27.3 podem constituir-se em
referências ao ministério do Espírito na criação, todavia, Jó 33.4 é enfático ao dizer
“O Espírito de Deus me fez, e o sopro do Todo-Poderoso me dá vida”. Neste texto fica
claro que ao Espírito Santo é particularmente atribuída a criação de vida. Somando-
se a isso, o termo “sopro” deste versículo pode também significar “espírito”. Dessa
forma, o Espírito não somente produz vida como a mantém, a sustém.
As Escrituras trazem ainda mais informações acerca da participação do Espírito
de Deus na criação. Como exemplo, o profeta Isaías nos informa que o Espírito es-
tava envolvido no planejamento geral do universo (Is 40.12-14).
Portanto, concluímos que o Espírito Santo participou ativamente na criação e
a sustém incessantemente doando vida a ela.

 A obra do Espírito Santo na revelação e inspiração

A mbos os testamentos deixam claro que o Espírito Santo foi o principal agen-
te da revelação e do registro da mensagem de Deus em sua totalidade.
Embora o texto de 2Pedro 1.21, por ser deveras conclusivo, seja frequentemente
citado para estabelecer esta obra do Espírito, existem também evidências vetero-
testamentárias que atribuem ao Espírito Santo a revelação da mensagem divina e
a inspiração para o registro desta mensagem. Tais evidências do Antigo Testamento
são igualmente conclusivas e podem manifestar-se mediante textos explícitos ou
mediante paralelos intertestamentários nos quais uma passagem do Novo Testa-
mento explica ou estende o enunciado de passagens do Antigo Testamento.
O texto de 2Samuel 23.2 é um belo e explícito exemplo da influência inspirado-
ra do Espírito. Esta passagem, mesmo contida na porção veterotestamentária das
Escrituras, nos traz duas verdades essenciais: a de que as Escrituras são realmente
inspiradas por Deus (“O Espírito do Senhor fala por mim...”) e a de que esta inspira-
ção é verbal (“...e a sua palavra está na minha língua”).
O profeta Miqueias também diz estar cheio de poder, justiça e coragem para
comunicar a mensagem de Deus a Israel e atribui esta plenitude ao Espírito que
está nele (Mq 3.8).

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

Além dessas passagens bíblicas sintéticas e claras sobre o ministério do Espírito


na revelação e inspiração, paralelos de passagens entre os testamentos também
podem ser estabelecidos para afirmar a obra de revelação e inspiração do Espírito
de Deus, uma vez que o Novo Testamento atribui certas citações do Antigo Testa-
mento ao Espírito, embora tenham sido feitas por seres humanos.
O Salmo 110, por exemplo, foi Escrito por Davi. Jesus, no entanto, sem deixar
de reconhecer que Davi o escreveu, o atribuiu ao Espírito Santo (Mt 22.43,44). O
Salmo 41, embora tenha sido escrito por Davi, foi igualmente atribuído ao Espírito
pelo apóstolo Pedro (At 1.16,17). Ainda no livro de Atos, Pedro disse que o Salmo 2
foi dado por Deus, pela boca de Davi (At 4.25).
O apóstolo Paulo também fez largo uso de trechos veterotestamentários atri-
buindo-os ao Espírito, como em Atos 28.25-27, em que ao Espírito Santo é atribuída a
autoria de Isaías 6.9,10. Semelhantemente, o autor de Hebreus diz que foi o Espírito
Santo o autor do juramento de Números 14.30 (Hb 3.7-11), e diz que o mesmo Espíri-
to é o autor da profecia de Jeremias 31.33,34 (Hb 10.15-17).
Quando consideramos a inspiração para a composição do Novo Testamento,
as evidências não são diferentes. O texto de 2Pedro 1.21 é claro ao afirmar que
Deus, particularmente a pessoa do Espírito Santo, usou autores humanos para pro-
duzir a Bíblia. O mesmo autor também disse, em seu primeiro livro, que o mesmo
Espírito que inspirou os profetas do Antigo Testamento, inspirou os escritores do Novo
Testamento, em uma declaração que tanto atesta a origem divina das Escrituras
quanto atribui ao Novo Testamento a mesma autoridade que possui o Antigo Tes-
tamento (1Pe 1.10-12). Dessa forma, este trecho da carta de Pedro é também de
imenso valor para a doutrina da inspiração das Escrituras.
Por fim, uma comparação entre os textos de 2Pedro 1.21 e 2Timóteo 3.16 nos
mostra explicitamente que a totalidade da revelação bíblica foi inspirada divina-
mente mediante o Espírito Santo.

 A obra do Espírito Santo na interação com a humanidade

T anto o Antigo quanto o Novo Testamento declaram que o Espírito de Deus


interage com o homem, todavia, as referências veterotestamentárias desta
interação relatam-na de modo consistentemente diferente das neotestamentárias.
Nas páginas do Antigo Testamento, podemos notar que o Espírito agia em certas
pessoas, mas não habitava nelas. Sua interação era restrita em número de pessoas
e na extensão de tempo que permanecia nelas. Isto, com efeito, representa um
contraste com a atuação do Espírito depois do Pentecostes narrado em Atos 2.1,2,
no qual o ministério do Espírito Santo em relação ao homem não se restringiu em
certo número de pessoas escolhidas com as quais se relacionava, tampouco se
restringiu na natureza e na extensão desta relação.

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03 ESPÍRITO SANTO

A despeito das diferenças intertestamentárias na relação do Espírito com o


homem, o fato é que o Espírito Santo sempre agiu relacionando-se com a humani-
dade, interagindo com ela de diversas formas.
No Antigo Testamento podemos ver o Espírito dirigindo e capacitando o ho-
mem para tarefas especiais. Por exemplo, em Juízes 3.10, o Espírito veio sobre Otniel
capacitando-o para liderar a nação de Israel e libertá-la da opressão de inimigos.
A mesma ideia para descrever a influência do Espírito sobre uma pessoa é utilizada
em Juízes 6.34; 11.29. Já os textos de Êxodo 31.3 e 35.31 descrevem uma capacita-
ção especial para os artífices, para que trabalhassem na construção do taberná-
culo. Os textos de Salmos 31.3; Isaías 48.17 e Jeremias 2.6, por suas vezes, enfatizam
mais claramente a direção provida pelo Espírito Santo a todos a quem ele quer
guiar. Em todos esses casos, portanto, a pessoa do Espírito Santo agiu diretamente
em relação aos homens, dirigindo-os em suas decisões e capacitando-os para de-
terminadas tarefas.
Semelhantemente, o Novo Testamento relata este ministério do Espírito, porém,
ao contrário de sua atuação no Antigo Testamento, seu operar neotestamentário
não se caracteriza por uma influência e direção temporária sobre o homem, mas
pela sua habitação permanente no ser antrópico (Jo 14.16), pela qual o dirige e o
capacita. O texto de Lucas 24.49 nos diz que o Espírito revestiria o homem capaci-
tando-o para a obra missionária. João, em seu evangelho, elucida o ministério orien-
tador do Santo Espírito (Jo 14.26 e 16.13). Paulo, aos romanos e aos gálatas, enfatiza
igualmente a obra de orientação ministrada pelo Espírito Santo (Rm 8.14 e Gl 5.18).
Não obstante o Espírito ter desempenhado um ministério ativo em relação ao
homem desde os tempos do Antigo Testamento, é consenso na teologia ortodoxa
que o ministério do Espírito após o Pentecostes de Atos 2.1,2 difere um pouco de
seu ministério veterotestamentário, como já declaramos. Também já foi dito que a
principal diferença de seu desempenho ministerial relacionado ao homem consis-
te, basicamente, no tipo e na extensão de sua interação para com a sua criatura.
Todavia, apesar de esta diferença ser bastante clara no cristianismo, inclusive para
os cristãos leigos em relação à Bíblia, cabe-nos uma breve análise desta “quebra”
do modelo de atuação do Espírito.
De forma bastante sucinta, podemos basear esta diferença intertestamentária
de atuação do Espírito em relação ao homem em quatro fundamentos teológicos:

Referências que mostram o operar futuro do Espírito bastante diferente do


operar comumente visto no Antigo Testamento (Ez 36.26,27; 37.14; Is 44.3,4);
Referências do Antigo Testamento que prometem o derramamento posterior
universal do Espírito (Jl 2.28; Ez 39.29; Zc 12.10), mostrando, por inferência lógi-
ca, que a influência veterotestamentária do Espírito no homem é passageira;

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Referências do Antigo Testamento que, explicitamente, descrevem o perío-


do de tempo que o Espírito permanece no homem como limitado (Jz 13.25;
16.20; 1Sm 10.10; 16.14);

Afirmações diretas de Jesus que mostram que qualquer relação do Espírito com
o homem, até aquele momento, era essencialmente temporária (Jo 14.17;
15.26; 16.13).

Assim, com base nesses quatro itens, podemos verificar com segurança que a
obra do Espírito em relação ao homem difere do Antigo para o Novo Testamento.
Portanto, estabelecida como verdade esta diferença, resta-nos abordar a possibi-
lidade de o Espírito Santo, no Antigo Testamento, ter desempenhado certas obras
comumente atribuídas ao operar do Espírito no Novo Testamento, como o “conven-
cimento do pecado” e a “regeneração” (termos relatados no Evangelho de João
que descrevem aplicações da obra salvífica).

O apóstolo João, em seu evangelho, descreve certos ministérios do Espírito di-


retamente ligados à doutrina da salvação. Tais ministérios são descritos compondo
um cenário de quebra de paradigmas em relação ao desempenho ministerial do
Espírito narrado no Antigo Testamento, como já vimos. Termos como “convenci-
mento do pecado” (Jo 16.8) e “regeneração”, ou simplesmente, “nascer de novo”
(Jo 3.3), evidenciam um operar bastante diferente do operar veterotestamentá-
rio do Espírito, além de estarem ligados diretamente à ascensão de Cristo, o que
comprova a natureza neotestamentária de tais obras. Mesmo assim, algumas re-
ferências bíblicas do Antigo Testamento, ainda que não indiquem uma habitação
permanente do Espírito nas pessoas, podem remeter a operações ligadas à obra
de salvação.

Embora o Antigo Testamento não mencione especificamente uma possível re-


generação, as “Escrituras dão evidência de que alguns santos tinham conflitos inte-
riores causados pela presença da natureza carnal e de algo novo” (os Salmos 51 e
119 são exemplos), diz Charles C. Ryrie, em sua obra já mencionada. Além disso, ou-
tros trechos do Antigo Testamento mostram claramente o arrependimento sincero
em pessoas que pecaram contra Deus e demonstraram uma verdadeira contrição
(2Sm 12.13; 2Cr 32.26; Jó 42.6). Uma vez que as Escrituras associam à influência do
Espírito os frutos de uma vida espiritual e devota a Deus (Jr 31.31-34; Rm 8.4,12,13;
1Co 6.11; Gl 6.15; 1Ts 4.4-8; 2Ts 2.13; Fp 2.13), grandes são as chances de o Espírito
Santo ter desempenhado no Antigo Testamento operações ligadas à regeneração.
Contudo, especificamente em relação à regeneração, faltam-nos evidências tan-
to para afirmar quanto para negar com plena certeza a possibilidade de um nascer
de novo efetuado pelo Espírito Santo no Antigo Testamento.

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Além disso, o texto de Gênesis 6.3 parece representar um agir do Espírito es-
pecial em relação à humanidade, todavia, as conclusões acerca desta possibili-
dade irão variar de acordo com a chave interpretativa utilizada neste trecho. Se
identificarmos neste texto uma influência do Espírito no homem com a intenção de
convencê-lo de seu pecado, poderíamos afirmar uma possibilidade de um ministé-
rio veterotestamentário do Espírito neste sentido. Se, por outro lado, entendermos
este trecho como uma indicação de que Deus não proveria vida contínua àqueles
que lhe demonstrassem uma rebelde e declarada desobediência, não poderíamos
estabelecer que o Espírito Santo intentou convencer o mundo de seu pecado na
época do Antigo Testamento, mas apenas poderíamos afirmar que os injustos não
desfrutariam permanentemente da providência de vida outorgada pelo Espírito.
Como podemos ver, a conclusão abrangente e segura que podemos obter ao
analisarmos a obra do Espírito com relação à humanidade (excluindo as obras es-
treitamente ligadas à aplicação da redenção, que serão estudadas à parte), é que
o Espírito Santo nunca esteve alienado em relação à sua criatura. O Espírito de Deus
sempre agiu no homem direcionando-o e capacitando-o para o desempenho na
obra de Deus visando, cabalmente, ao estabelecimento de seu plano salvífico.
Também podemos estabelecer que, apesar da possibilidade de o Espírito Santo ter
influenciado seres humanos em áreas relacionadas à regeneração, certo é que
não havia garantia alguma da presença permanente do Espírito (sua habitação)
nas pessoas, no Antigo Testamento. Dessa forma, podemos notar que o modo com
que o Espírito Santo opera em relação ao homem, principalmente no que concerne
a ministérios específicos na aplicação da obra de redenção, difere do Antigo para
o Novo Testamento. No entanto, esta diferença reside apenas no modo de opera-
ção do Espírito do Senhor, pois ele mesmo nunca mudou e nunca mudará. O Espírito
do Senhor, como componente da Triunidade de Deus, é seguramente imutável.

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Capítulo 6
q Obras especiais do Espírito Santo

A lém das obras gerais desempenhadas pelo Espírito Santo, existem certas
obras que, (I) por sua complexidade, (II) pela quantidade de implicações
em doutrinas importantes (como a da Salvação, por exemplo) e (III) pelas possibi-
lidades diferentes de conceituação e compreensão, devem ser tratadas de forma
exclusivas e detalhadas. Tais obras, cujo principal agente é o Espírito de Deus, po-
dem ser divididas ou classificadas com os seguintes nomes: “habitação do Espírito”,
“batismo com ou no Espírito”, e “plenitude do Espírito”, além da “testificação”, da
“intercessão” e “santificação”.
Primeiramente, devemos esclarecer que as obras que chamaremos de “espe-
ciais” serão assim denominadas por estarem diretamente ligadas à inauguração da
Igreja neotestamentária, ou, para alguns ramos teológicos, simplesmente “inaugu-
ração da Igreja”. Consequentemente, tais operações estão ligadas a um ministério
drasticamente distinto daquele desempenhado pelo Espírito Santo no Antigo Testa-
mento em relação aos homens. Assim, as obras do Espírito Santo abordadas neste
capítulo são de extrema importância para a Igreja de Cristo e para o ministério que
ela desempenha.

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Subsequentemente é necessário enfatizar que, à semelhança de outras doutri-


nas da Teologia Sistemática, a Doutrina do Espírito Santo, em determinado ponto,
divide-se entre opiniões pertinentes aos dois principais sistemas teológicos de linha
evangélica: o sistema Reformado e o sistema Pentecostal. Tal como vimos na intro-
dução desta matéria, o pentecostalismo influenciou grandemente o empenho de
estudiosos em relação ao estudo do Espírito Santo. Além disso, o sistema pentecos-
tal enraizou-se de tal forma no cenário cristão brasileiro, que pode ser considerado
o sistema teológico predominante em nosso país. A consequência direta desta in-
fluência do pentecostalismo para o desenvolvimento da paracletologia é a grande
necessidade de considerar individualmente as perspectivas pentecostais acerca
das obras especiais do Espírito. Por isso, cabem algumas considerações importantes
antes de prosseguirmos.

Primeiramente, para as obras que serão estudadas neste capítulo, serão con-
sideradas, distintamente, as perspectivas de ambos os sistemas teológicos mencio-
nados. Esta divisão de opiniões e interpretações doutrinárias na teologia não repre-
senta - e não deve representar - uma divisão comungante no Corpo de Cristo. Em
outras palavras, o fato de diferentes opiniões e interpretações teológicas existirem
dentro do cristianismo reflete a singularidade intelectual do ser humano e não deve
influenciar a comunhão, o amor e a unidade da Igreja de nosso Senhor.

Outra consideração a ser feita é que ambos os sistemas são considerados or-
todoxos, ou seja, alguns de seus pontos doutrinários podem ser diferentes entre si,
contudo, não extravasam a teologia resultante dos quatro primeiros concílios ecu-
mênicos da Igreja. Isso significa que, nos pontos mais importantes e carentes de
convergência, ambos os sistemas concordam entre si. Ambos reconhecem a pes-
soalidade do Espírito Santo, sua deidade, sua consubstancialidade para com o Pai
e o Filho, e sua honra, poder e atributos análogos àqueles que o Pai e o Filho pos-
suem. Enfim, nenhum dos sistemas traz consigo conceitos considerados heréticos
pela ortodoxia cristã.

Por fim, é preciso estabelecer que esta abordagem interdoutrinária é funda-


mental para um curso de teologia interdenominacional como o da FaeteSF. Sendo
assim, em alguns pontos será necessária uma abordagem comparativa e contras-
tante, de forma que os contrastes estabelecidos sirvam para suprir as possíveis carên-
cias nas respectivas explicações. Em outras palavras, para conseguirmos entender
adequadamente determinadas obras do Espírito, precisaremos, por exemplo, ao ex-
plicar a perspectiva reformada acerca do assunto, compará-la com a pentecostal,
e vice-versa. Será necessário também emitir a opinião de uma perspectiva sobre a
outra com a finalidade de alcançarmos o maior entendimento possível acerca de
determinadas obras do Espírito que, desde o advento do pentecostalismo, sofreram
notáveis alterações e ganharam posição de destaque na paracletologia.

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Portanto, a partir de uma exposição como a que será apresentada, tanto o


aluno reformado quanto o pentecostal poderão aprofundar-se na doutrina do Espí-
rito Santo e compreender mais profundamente os pontos doutrinários concernentes
às suas próprias convicções. Poderão também analisar os pontos do outro siste-
ma para um proveitoso intercâmbio de informações e, finalmente, estarão aptos
a compreender e se comunicar interdenominacionalmente, contando com uma
formação abrangente e essencialmente teológica.

Vejamos então as obras especiais do Espírito Santo.

 Habitação do Espírito Santo

 Perspectiva Reformada

O Novo Testamento, como vimos de relance no capítulo anterior, traz muitas


evidências para o estabelecimento de uma habitação permanente do Espírito nos
crentes pós-pentecostes de Atos 2.1,2. Isso, vale lembrar, trata-se de uma diferen-
ça radical na forma com que o Espírito de Deus interage para com os homens, em
comparação com a forma de interação veterotestamentária (Jo 14.17).

De certa forma, pode-se dizer que o centro do ministério do Espírito no Novo


Testamento é sua habitação permanente nos salvos. Para expressar a ideia da ha-
bitação, o texto do Novo Testamento traz este termo inúmeras vezes (Rm 8.9; 1Co
3.16; 6.19), além de trazer a mesma ideia em diversos discursos semelhantes.

Para a teologia reformada, a habitação do Espírito está diretamente ligada


à garantia de salvação individual do cristão, pois, ao vir habitar no ser humano, o
Espírito também o “sela” (note que o selo é um dos símbolos do Espírito Santo estu-
dados nesta matéria), imprimindo no crente uma marca que o garante como pro-
priedade particular de Deus e o distingue das pessoas que não herdarão o Reino
dos Céus (2Co 1.22; Ef 1.13; Ef 4.30).

Ainda para a concepção reformada, no momento em que o Espírito vem habi-


tar na pessoa, o Espírito a batiza no Corpo de Cristo, isto é, insere aquela pessoa no
corpo místico do Senhor, constituindo-a como membro da Igreja invisível e universal
de Jesus Cristo (Lc 3.16; Jo 1.33; 1Co 12.13; Ef 4.5). Para a teologia reformada, o ba-
tismo no Espírito não é uma segunda bênção que o crente experimenta, distinta de
sua conversão. Antes, a habitação do Espírito e o batismo do crente neste Espírito
ocorrem simultaneamente e pertencem a uma mesma operação do Espírito Santo.
A habitação e o batismo no Espírito coincidem; não são essencialmente a mesma
operação, mas produzem o mesmo efeito.

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A habitação do Espírito é um presente de Deus a todos os cristãos, em vez


de ser algo seletivo. Todos os cristãos desfrutam da habitação do Espírito em seu
interior (Jo 7.37-39; At 11.16,17; Rm 5.5; 1Co 2.12; 2Co 5.5). Mesmo os cristãos em
pecado desfrutam da habitação do Espírito, pois Paulo, dirigindo-se aos Coríntios,
menciona crentes que estavam vivendo em pecado (alguns até em pecados he-
diondos, como em 1Co 5.5) e, após listar vários exemplos de má conduta por parte
de crentes, finaliza dizendo que o Espírito estava em todos eles (1Co 6.19). O mes-
mo apóstolo pediu para que não entristecêssemos o Espírito com nossos pecados,
pois o Espírito estará em nós até o dia da redenção (Ef 4.30). Além disso, Jesus disse
que o Espírito permaneceria nos cristãos “para sempre” (Jo 14.16), e não até o dia
em que o cristão “cometer determinado pecado”. Obviamente, o pecado afeta a
eficácia da ação do Espírito na vida do cristão, mas não remove sua presença do
interior deles.

Como se pode ver, para a teologia reformada, a segurança de salvação do


cristão e a habitação permanente do Espírito são doutrinas inseparáveis. Dessa for-
ma, a presença do Espírito na pessoa garante sua salvação ao mesmo tempo em
que sua ausência prova que a pessoa não é salva (Rm 8.9; Jd 19; 1Co 2.14).

 Perspectiva Pentecostal

A teologia pentecostal também enxerga um operar neotestamentário do Espí-


rito bastante diferente de suas operações veterotestamentárias e, igualmente, crê
na obra de habitação do Espírito Santo no interior do crente. No entanto, esta habi-
tação, segundo o ponto de vista pentecostal, não é necessariamente permanente
e pode ser “perdida” mediante situações que veremos adiante.

Tal qual pudemos notar no subtópico anterior, a habitação do Espírito no cren-


te é evidenciada em textos como Romanos 8.9; 1Coríntios 3.16 e 1Coríntios 6.19. O
Espírito Santo realiza o novo nascimento (Jo 3.3-6) e insere o crente no corpo de
Cristo (1Co 12.13).

Para a teologia pentecostal, a habitação do Espírito não está diretamente li-


gada à garantia de salvação individual do cristão, já que vários textos podem ser
interpretados como evidências de que verdadeiros crentes podem perder a salva-
ção (Lc 8.13; Hb 6.4-6). O entristecimento do Espírito Santo causado pelos pecados
contínuos do cristão (Ef 4.30; Hb 3.7,8) acabam por extinguir o Espírito (1Ts 5.19) até
que este, finalmente, afasta-se daquele que antes era crente (Jz 16.20; Sl 51.11; Rm
8.13; 1Co 3.16,17; Hb 3.14). Assim, a não habitação do Espírito Santo em relação ao
crente é o culminar de um constante e deliberado pecar contra a voz do Espírito
(Mt 12.31).

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Ainda sob o prisma da concepção pentecostal, o momento em que o Espírito


vem habitar na pessoa deve ser distinguido do chamado batismo no Espírito Santo.
A habitação do Espírito no crente, conforme estamos estudando, é a operação do
Espírito pela qual este vem habitar no cristão. Já o batismo no Espírito Santo é uma
operação distinta da habitação pela qual Jesus insere os já regenerados no Espírito
Santo (compare João 20.22 com Atos 2.4). Esta segunda bênção pode estar sepa-
rada da habitação por um período indeterminado de tempo e seu sinal externo é o
pronunciamento de línguas estranhas por parte do batizando (At 2.4; 10.45,46; 19.6).

O principal fundamento teológico do pentecostalismo para postular o batismo


no Espírito Santo como uma obra distinta e posterior à habitação do Espírito é o cru-
zamento do texto de João 20.22 com textos como o de Lucas 24.49 ou de Atos 1.5,8.
Enquanto João 20.22, segundo a teologia pentecostal, indica que a regeneração e
a habitação do Espírito já estavam sendo concedidas aos discípulos, o texto de Lu-
cas 24.49, por exemplo, indica que os discípulos deveriam ser revestidos de poder.
Portanto, o batismo é uma experiência subsequente à habitação.

A habitação do Espírito é também um presente de Deus a todos os cristãos,


em vez de ser algo seletivo. Já o batismo no Espírito não é desfrutado por todos os
cristãos, mas só pelos que desejam e buscam com diligência e afinco esta segunda
bênção (Jo 7.37-39).

Sobre a permanência da habitação do Espírito no cristão, como já vimos, o


sistema pentecostal enxerga a possibilidade de uma ruptura nesta habitação. As-
sim como uma pessoa nasce do Espírito passando, daquele momento em diante, a
ser habitada por ele, esta mesma pessoa também pode extinguir o Espírito. Textos
como o de Gálatas 5.19-21 são interpretados como evidências de que crentes ver-
dadeiros podem enveredar-se definitivamente para a obediência à natureza pe-
caminosa, e, consequentemente, perder a habitação do Espírito em seu interior.

 Batismo no/com o Espírito Santo

 Perspectiva Reformada

A teologia reformada considera um grande equívoco associar o batismo no Es-


pírito com uma segunda bênção. Os reformados igualmente consideram um equí-
voco associar ao batismo no Espírito a experiência de pronunciar línguas estranhas
como uma evidência de que a pessoa foi batizada.

Segundo a teologia reformada, esta confusão acerca do batismo no Espírito


deve-se a vários fatores, sendo que o principal deles está relacionado à exegese
bíblica.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 36


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03 ESPÍRITO SANTO

Para a concepção reformada, estes equívocos estão ligados à forma com


que se interpretam as ocorrências bíblicas da frase “batizar com o Espírito”. Isso
porque, em algumas passagens, esse ministério pode ser entendido como um “ba-
tismo no Espírito”, enquanto em outras passagens, esse ministério pode ser enten-
dido como um “batismo pelo Espírito”. Além disso, de acordo com a forma de
ocorrência desta frase, comumente são atribuídas consequências diferentes a
batismos diferentes. No entanto, esses termos, embora possam determinar dife-
rentes agentes e meios para este batismo, referem-se a uma única operação, um
único batismo.

O Novo Testamento utiliza a frase “batizar com o Espírito” poucas vezes (Mt 3.11;
Mc 1.8; Lc 3.16; Jo 1.33; At 1.5; 11.16; 1Co 12.13). Nos evangelhos, parece mais natural
entendermos Cristo como o agente que batiza e o Espírito como o meio (lugar) em
que as pessoas são batizadas. Já em Atos e Coríntios, parece mais natural entender
o Espírito como o agente que batiza e o Corpo de Cristo, a Igreja, como o meio em
que as pessoas são batizadas.

Contudo, como diz Charles C. Ryrie, “essas distinções não são rígidas nem ime-
diatas. Tanto Cristo quanto o Espírito são agentes e tanto o Espírito quanto o Corpo
são os lugares. Cristo é o agente supremo, pois ele envia o Espírito, que é, por assim
dizer, um agente intermediário (At 2.33). [...] É mais provável que essa frase, usada
de maneira pouco frequente e aparentemente técnica, em todas as ocorrências
se referisse à mesma atividade. [...] Afirmar que existem, aqui, dois agentes é uma
ideia bíblica (com base em At 2.33) e bastante normal, considerando que as dife-
rentes pessoas da Trindade muitas vezes estão envolvidas na mesma obra. Além dis-
so, Efésios 4.5 diz que existe apenas um batismo.” Portanto, Charles C. Ryrie conclui
que o batismo no Espírito é a “obra de Cristo, por meio do ministério do Espírito, que
une as pessoas que creem à Igreja (ao Corpo de Cristo), com todos os privilégios e
responsabilidades que acompanham essa condição.”.

Assim, o batismo no Espírito não se trata de uma “segunda bênção” ou de um


“batismo de enchimento” que ocorre após a conversão e que não é experimen-
tado por todos os cristãos. É um equívoco postular a existência de dois batismos,
um que ocorre na conversão e insere o crente no Corpo de Cristo (que, segundo o
pentecostalismo, seria o “batismo pelo Espírito”), e outro que ocorre posteriormente
e concede ao crente poder para testemunhar (que, segundo o pentecostalismo,
seria o “batismo no Espírito”). Só existe um batismo (Ef 4.5). Este batismo, possivel-
mente realizado por dois agentes e em dois meios, insere o cristão no Corpo de
Cristo e o capacita para o trabalho no Reino. Ele é experimentado por todos os
cristãos uma vez que é ele que habilita uma pessoa para ser cristã, e ocorre apenas
uma vez: na regeneração.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 37


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03 ESPÍRITO SANTO

Obviamente as Escrituras mostram que estados de “plenitude” do Espírito são


possíveis, além de serem passíveis de repetição ao longo da vida de uma pessoa
(Ef 3.14-19; 5.18). Tais estados de “plenitude”, de “enchimento” com o Espírito, po-
dem ser experimentados por todos mediante o empenho em uma vida devocional
(Gl 5.22-25; Ef 5.18) e obediente (Rm 8.1-14). Mas, o batismo com o Espírito Santo
é uma bênção comum (1Co 12.13; Ef 4.5), gratuita (1Co 2.12; Ef 2.8,9) e definitiva
(2Co 1.21,22; Ef 4.30). Ele posiciona o crente no Corpo de Cristo e o capacita para o
testemunho (At 1.8; 1Co 2.4), para a edificação da Igreja (1Co 12.12-20; Ef 2.22), e,
gradativamente, restaura no cristão a imagem de Deus para a sua glória (2Co 3.18;
Ef 4.24; Cl 3.10; 1Pe 1.2).
Por fim, resta-nos analisar a perspectiva reformada acerca dos eventos narra-
dos em Atos 2.1,2 envolvendo a descida do Espírito Santo.
Sobre o pronunciamento de línguas estrangeiras que acompanhou a descida
do Espírito no Pentecostes de Atos 2.1,2, a teologia reformada afirma que o fenô-
meno estava ligado ao processo de universalização do Evangelho (segundo Atos
1.8), consistindo em um claro contraste com a confusão das línguas promovida por
Deus em Gênesis 11.7-9. No evento de Babel, Deus confundiu as línguas dos homens
como sinal de juízo. No evento de Pentecostes, Deus comunicou sua mensagem de
perdão em línguas comuns a todos (At 2.5,6) como sinal de redenção.
Acerca do fenômeno das línguas estrangeiras como evidência visível do batis-
mo no Espírito, a teologia reformada nega tal associação, inclusive na era apostó-
lica. Apesar de o livro de Atos registrar a conversão de três mil pessoas mediante a
pregação de Pedro (At 2.41), fora a conversão dos samaritanos (At 8.14-18), Pedro,
ao relatar a conversão de Cornélio e sua família, disse que o Espírito havia caído
sobre eles da mesma forma como caiu sobre os discípulos “no princípio” (At 11.15),
deixando claro que, embora outras experiências de conversão tivessem ocorrido
naquele ínterim, as línguas se repetiram somente em alguns momentos; e o motivo
da recorrência das línguas foi sua utilidade para servir como um sinal visível (como
uma prova aos discípulos judeus) de que gentios também foram alcançados por
Deus da mesma forma que os descendentes de Jacó (At 11.16-18).
Concluindo, acerca da contemporaneidade das línguas, os teólogos reforma-
dos acreditam que o fenômeno, tal como relatado em Atos, cessou. Um dos fatores
que embasa esta conclusão da teologia reformada é o fato de que as línguas fo-
ram um meio para a evangelização “mundial” (At 1.8). Esta evangelização foi leva-
da a efeito, conforme podemos notar na narrativa seguindo as etapas narradas em
Atos 1.8. Portanto, o Evangelho progrediu a partir dos judeus (At 3.1-7.60), passando
pela Judeia e Samaria (At 8.1-11.18), até alcançar, finalmente, os “confins da terra”
(At 13.1-28.31). Os teólogos reformados, concluem, então, que, como evidência do
cumprimento das diferentes etapas e desdobramentos do Pentecoste, as línguas
cessaram.

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

 Perspectiva Pentecostal
A teologia pentecostal, por sua vez, considera um equívoco desassociar o ba-
tismo no Espírito de uma segunda bênção. Além disso, os pentecostais estabelecem
uma ligação intrínseca entre o batismo no Espírito e a experiência de pronunciar
línguas estranhas como uma consequência desse batismo.
Na perspectiva pentecostal acerca desta operação do Espírito Santo, as evidên-
cias bíblicas apontam para a existência de dois batismos distintos envolvendo o Espí-
rito, e não apenas um batismo. Um deles é o “batismo com (ou no) Espírito” e outro é
o “batismo pelo (ou do) Espírito”. Com efeito, no pentecostalismo, existe uma grande
diferença entre ambos, sendo que eles se tratam de dois eventos distintos, muitas ve-
zes separados por um indefinido período de tempo. Cada um destes eventos possui
seus próprios agentes, meios e consequências. Portanto, no pentecostalismo, o batis-
mo com o Espírito Santo é essencialmente distinto do batismo do Espírito Santo.
Iniciando a análise pelo batismo do Espírito, esta é uma operação cujo agente
é o Espírito Santo e o Corpo de Cristo (a Igreja) é o meio no qual as pessoas são ba-
tizadas. Este batismo é visto em textos como 1Coríntios 12.13; Gálatas 3.27 e Efésios
4.5. Em contraste, o batismo no Espírito Santo tem como agente Jesus Cristo, e o
meio em que as pessoas são batizadas é o próprio Espírito Santo. Este batismo pode
ser visto em trechos como Mateus 3.11; Marcos 1.8; Lucas 3.16; João 1.33; Atos 1.4,
entre outros.
Segundo o estudo doutrinário “O batismo no Espírito Santo”, da Bíblia de Estudo
Pentecostal, o “batismo no Espírito Santo é uma obra distinta e à parte da rege-
neração, também por ele efetuada. Assim como a obra santificadora do Espírito
é distinta e completiva em relação à obra regeneradora do mesmo Espírito, assim
também o batismo no Espírito complementa a obra regeneradora e santificadora
do Espírito. No mesmo dia em que Jesus ressuscitou, ele assoprou sobre seus discípu-
los e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’ (Jo 20.22), indicando que a regeneração e a
nova vida estavam-lhes sendo concedidas. [...] Depois, ele lhes disse que também
deviam ser ‘revestidos de poder’ pelo Espírito Santo (Lc 24.49; cf. At 1.5,8). Portanto,
este batismo é uma experiência subsequente à regeneração”.
Em comentário teológico sobre o texto de Atos 1.4 expresso na mesma Bíblia,
o autor afirma que termos como “batismo no Espírito” e “plenitude do Espírito”, às
vezes, são usados como equivalentes nas Escrituras, e, de acordo com a visão pen-
tecostal, o batismo no Espírito Santo deve vir acompanhado com o sinal visível da
pronúncia de línguas estranhas (At 2.4; 10.45,46; 19.6).
Sobre o fenômeno dessas línguas, conhecido como glossolália (do grego
­g lossais lalo ), o estudo doutrinário “O falar em línguas”, da mesma obra, afirma
que o “falar noutras línguas é uma expressão verbal inspirada, mediante a qual o
espírito do crente e o Espírito Santo se unem no louvor e/ou profecia.”

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

Assim, o batismo pelo Espírito Santo deve ser distinguido do batismo no Espírito.
A consequência do primeiro é o posicionamento do cristão no Corpo de Cristo, e
é experimentado por todos os cristãos. Este batismo é o que ocorre no ato da “re-
generação” ou “novo nascimento”. Por outro lado, a consequência do segundo
batismo, o batismo no Espírito, é a outorga ao crente de poder celestial para a re-
alização de grandes obras e para o eficaz testemunho e pregação (At 1.8; 2.14-41;
4.31; 6.8).
Alguns resultados do batismo no Espírito, segundo o estudo doutrinário “O batis-
mo no Espírito Santo” da Bíblia de Estudo Pentecostal, são as mensagens proféticas
e louvores (At 2.4,17; 10.46; 1Co 14.2,15), maior sensibilidade contra o pecado que
entristece o Espírito Santo, maior busca de retidão e uma percepção mais profunda
do juízo divino contra a impiedade (Jo 16.8; At 1.8), uma vida que glorifica a Jesus
Cristo (Jo 16.13,14; At 4.33), visões da parte do Espírito (At 2.17), manifestações dos
vários dons do Espírito (1Co 12.4-10) e maior desejo de orar e interceder (At 2.41,42;
3.1; 4.23-31; 6.4).
Por fim, a teologia pentecostal, embora preconize que não há na Bíblia exor-
tações à busca do batismo no Espírito pelo cristão, ou mesmo orientações meto-
dológicas sobre como o cristão pode obtê-lo, comumente propõe, baseada em
conceitos empíricos, diretrizes para o recebimento deste batismo pelos cristãos in-
teressados.
O pastor da Igreja Assembleia de Deus nos EUA e mestre em divindade pelo
Seminário Teológico de Nova Iorque, Anthony D. Palma, disse em artigo publicado
na revista “Manual do Obreiro”, conforme citado no site “Teologia Pentecostal”
(www.teologiapentecostal.com), que “os que estão em busca do batismo no Espíri-
to Santo devem ser motivados a louvar e fazer petições, porque o louvar a Deus em
seu próprio idioma frequentemente facilita a transição para o louvá-lo em outras
línguas”, e prossegue dizendo: “O candidato tem de estar disposto a entregar-se
ao que o Senhor lhe impulsionar a fazer. Embora as línguas genuínas não possam
ser autogeradas, os que as recebe tem de cooperar com o Espírito Santo, se dei-
xando levar por ele. A experiência dos discípulos no dia de Pentecostes é instrutiva,
porque Lucas disse que falaram em línguas ‘segundo o Espírito lhes concedia que
falassem’, Atos 2.4.”.

 Plenitude do Espírito Santo

 Perspectiva Reformada

Embora a teologia reformada propositalmente evite uma sistematização deta-


lhada sobre como se processa a plenitude do Espírito, para os teólogos reformados

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03 ESPÍRITO SANTO

está claro que o Espírito Santo, ocasionalmente, enche os cristãos de uma forma
especial por certos períodos de tempo durante a vida cristã. Está igualmente claro
que este enchimento não é um “novo batismo”, e tampouco traz o fenômeno da
glossolália como evidência de que um enchimento ocorreu ou está ocorrendo.
Portanto, a perspectiva reformada acerca da operação do Espírito pela qual ele
enche os cristãos já regenerados de uma maneira diferente e especial, traz somen-
te alguns conceitos essenciais.
Embora o Espírito Santo tenha desempenhado este ministério anteriormente
(Êx 31.3; Jz 3.10; 6.34; 11.29; Lc 1.15,41,67), a maneira como Deus enchia alguém
com seu Espírito antes de seu primeiro derramamento em Atos 2.1,2 mostrava-se
monergística, isto é, os enchimentos pré-Pentecostes são narrados como atos so-
beranos de Deus nos quais a participação humana não é requisitada em momen-
to algum. Em contraposição, como veremos, os enchimentos pós-Pentecostes,
para que ocorram, parecem requerer um envolvimento humano. Ainda assim, a
teologia reformada enfatiza que, mesmo nas operações nas quais o envolvimento
humano é requisitado, este envolvimento, por ser contrário à disposição natural-
mente corrupta do homem (Rm 5.12; 1Co 2.14), é suscitado pelo próprio Espírito
(2Co 3.18; Ef 3.16; Fp 2.13). Em última análise, portanto, o homem não merece gló-
ria alguma por ter se disposto favoravelmente aos apelos do Espírito Santo.
Textos bíblicos como o de Efésios 5.18-21 constituem-se em evidências de que
um cristão já batizado no Espírito, ou seja, já regenerado, pode, mediante algumas
condições, experimentar de maneira mais completa a união que ele já possui com
o Espírito Santo. De qualquer forma, toda e qualquer consequência destes possíveis
enchimentos relaciona-se com um envolvimento mais convicto com Cristo, com a
manifestação de um caráter semelhante ao de Cristo, com a evidência do fruto do
Espírito (Gl 5.22), e com um agudo ímpeto missionário.
O apóstolo Paulo, escrevendo aos efésios, apresenta uma ordem imperativa
para que eles se deixem encher pelo Espírito (Ef 5.18-21). O tempo verbal utilizado
pelo apóstolo nesta passagem indica uma ação contínua: o enchimento de ontem
não vale para hoje assim como o de hoje não substitui o de amanhã. Portanto,
para Paulo, a busca por uma plenitude do Espírito deve ser contínua. O comentário
da Bíblia de Estudo de Genebra, sobre este trecho, diz que “o preenchimento do
Espírito não só é repetível, mas deve ser buscado continuamente. Na passagem
paralela de Colossenses 3.15-16, foi dito aos cristãos para que deixassem que a ‘paz
de Cristo’ governasse os seus corações e que permitissem que a ‘palavra de Cristo’
residisse ricamente neles”. Além disso, o texto compara alguém que está sob a influ-
ência de bebidas entorpecentes com alguém que está sob a influência do Espírito
lançando luz sobre o fato de que, quem está “embriagado” com o Espírito de Deus
é virtualmente comandado, guiado por este Espírito, falando, agindo e pensando
sob a influência do Santo.

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Outros textos mencionam igualmente um enchimento com o Espírito posterior


à conversão, ou transmitem a ideia de algo parecido. Lucas relata um episódio no
qual os discípulos e apóstolos foram cheios do Espírito Santo depois de terem orado
(At 4.31). Paulo, aos colossenses, insta os crentes a se revestirem com qualidades
pertencentes a Deus (Cl 3.12-17), e sabemos que tais qualidades só podem ser de-
senvolvidas em nós pelo Espírito Santo. Há ainda diversos trechos que, mesmo não
mencionando explicitamente uma plenitude com o Espírito, transmitem, às vezes
por inferência, a noção de que devemos buscar um constante amadurecimento de
nossa espiritualidade e caráter cristão (Ef 4.24; Cl 3.12; Fp 2.12; 1Ts 4.1-3; 2Tm 2.1).
A plenitude do Espírito no cristão traz, invariavelmente, algumas consequên-
cias. O texto de Gálatas 5.22 mostra que o fruto do Espírito é uma consequência da
sua plenitude. Em outras palavras, o enchimento com o Espírito produz no cristão
um caráter semelhante ao de Cristo. Outra característica da plenitude do Espírito
constantemente mencionada no livro de Atos é o ímpeto missionário resultante des-
ta operação. Quando, neste livro, uma pessoa é retratada como sendo cheia do
Espírito, ações evangelísticas seguidas de conversões são frequentemente narradas
(At 2.4; 4.31; 5.14; 6.3,7). Por fim, o já mencionado texto de Efésios 5.18-21 mostra
que a adoração, o louvor, as ações de graças e a submissão também são o resul-
tado direto da plenitude do Espírito em uma pessoa.
Embora não exista no Novo Testamento um modelo de oração para o enchi-
mento do Espírito, a submissão ao seu controle parece ser uma condição para que
esta plenitude ocorra (Ef 5.17). Subsequentemente, as ações narradas em Efésios
5.19-21 podem também ser entendidas como pré-requisitos para a plenitude, e não
somente como consequência desta operação. Sendo assim, a adoração a Deus,
o louvor a ele, o grato reconhecimento de seu favor em nossa vida e uma disposi-
ção submissa parecem ser tanto a condição para a plenitude do Espírito quanto o
resultado deste enchimento.
Da mesma forma que a plenitude do Espírito pode ser experimentada pelo cris-
tão, uma experiência antagônica pode ocorrer: o cristão pode “extinguir” o Espírito
em sua vida mediante um contínuo procedimento licencioso (Ef 4.30; 1Ts 5.19). Esta
extinção, embora não implique o êxodo do Espírito (que é o “penhor da nossa he-
rança” - Ef 1.14), prejudica a eficácia de sua atuação em nossa vida (Sl 31.22; 32.1-5;
1Jo 2.11; 3.21; Ap 2.4), além de implicar, da parte do cristão, um torpe testemunho
de Cristo por meio da manifestação de obras provenientes da natureza pecaminosa
(Gl 5.19-21).

 Perspectiva Pentecostal
A teologia pentecostal não apresenta uma posição unânime em relação à na-
tureza e ao processamento da plenitude do Espírito. Embora alguns teólogos pen-
tecostais comumente concebam a plenitude do Espírito como outro termo para

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03 ESPÍRITO SANTO

indicar o batismo no Espírito Santo, outros consideram a plenitude como uma ope-
ração distinta deste batismo, porém, complementar ao mesmo. Outros, por fim,
desassociam completamente os dois termos e os concebem como indicativos de
operações totalmente distintas.

A Bíblia de Estudo Pentecostal, em comentário do texto de Atos 1.4, diz: “O pro-


metido dom do Pai (Jl 2.28,29; Mt 3.11) é o batismo no Espírito [...]. O cumprimento
desta promessa, no entanto, é descrito como ser ‘cheios do Espírito Santo’ (At 2.4).
Assim, ‘batizado no Espírito’ e ‘cheio do Espírito’, às vezes, são usados como equi-
valentes nas Escrituras.” No estudo doutrinário “O batismo no Espírito Santo”, na
mesma obra, está escrito: “Ser batizado no Espírito significa experimentar a plenitu-
de do Espírito, (cf. At 1.5; 2.4).” Assim, uma primeira forma de enxergar a plenitude
do Espírito, segundo a perspectiva pentecostal, consiste na sua associação com o
batismo no Espírito Santo.

Ainda no mesmo estudo doutrinário da Bíblia de Estudo Pentecostal, outro co-


mentário postula: “A Bíblia fala de renovações posteriores ao batismo inicial do
Espírito Santo [...]. O batismo no Espírito, portanto, conduz o crente a um relaciona-
mento com o Espírito, que deve ser renovado (At 4.31) e conservado (Ef 5.18).” A
citação dos versículos de Atos 4.31 e Efésios 5.18 para indicar uma operação de en-
chimento realizada pelo Espírito mostra que estes textos instam o cristão já batizado
no Espírito a buscar enchimentos posteriores. No comentário do texto de Atos 4.31,
a mesma obra traz o seguinte: “Novos enchimentos com o Espírito Santo fazem par-
te da vontade e provisão de Deus para todos os que receberam o batismo no Espíri-
to Santo [...].” Dessa forma, podemos notar que a segunda maneira pentecostal de
enxergar a plenitude do Espírito é associá-la com renovações do batismo inicial.

Outros representantes da teologia pentecostal, no entanto, distinguem total-


mente as duas obras do Espírito Santo. Antônio Gilberto, na obra “Teologia Siste-
mática Pentecostal”, diz: “O homem espiritual é o crente cheio do Espírito Santo,
isto é, aquele cuja vida o fruto do Espírito tem amadurecido (Gl 5.22,23; Ef 5.9; Jo
15.1-8,16). A evidência de que alguém continua cheio do Espírito é a manifestação
do fruto do Espírito de Deus em sua vida (Mt 3.8; 7.20).” Portanto, a plenitude do
Espírito é também entendida como uma obra pela qual ele enche todos cristãos,
mediante, obviamente, circunstâncias e condições específicas

À semelhança da visão reformada acerca desta obra do Espírito, a teologia


pentecostal também apregoa que qualquer enchimento após o Pentecostes de
Atos 2.1,2 requer a cooperação humana para que ocorra. No entanto, a perspecti-
va pentecostal não enxerga no homem uma natureza tão corrupta que não possa,
por iniciativa própria, empreender a busca de um enchimento. Textos como o de
Filipenses 2.14-16 são interpretados como evidências da realidade de uma iniciati-
va humana para a busca de bênçãos espirituais.

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As referências bíblicas que podem estabelecer uma obra de enchimento do Es-


pírito variam conforme a interpretação acerca desta mesma obra. Como vimos, a
perspectiva pentecostal não apresenta uma unanimidade concernente à natureza
desta operação do Espírito. Contudo, quando a plenitude do Espírito não é associa-
da ao batismo no Espírito, a visão é de que o enchimento não somente pode, como
deve ser continuamente buscado e repetido (Ef 5.18-21). Assim, qual a condição ou
quais as condições necessárias para que este enchimento ocorra?
Quando não associado ao batismo, o enchimento com o Espírito requer deter-
minadas condições para que seja realizado. Uma contínua e voluntária manutenção
da fé em Cristo é apresentada como uma das condições para o enchimento (Gl 3.5).
A constante aproximação da Palavra de Deus é também um pré-requisito (Cl 3.16),
assim como a oração, as ações de graças, os louvores a Deus e o serviço ao próximo
(1Co 14.15; Ef 5.19-21). Obviamente, a obediência ao Espírito também se apresenta
como uma forte condição para que o enchimento ocorra (Rm 8.1-14; Gl 5.16-25).
Independentemente da perspectiva teológica que se adote, é óbvio que cris-
tãos cheios do Espírito de Deus apresentem sinais desta plenitude. As consequên-
cias da plenitude do Espírito podem ser vistas nos versículos 19, 20 e 21 do quinto
capítulo de Efésios. Portanto, a oração, as ações de graças, os louvores a Deus e
o serviço, além de serem considerados pré-requisitos para que a plenitude ocorra,
são também considerados consequências da plenitude. O fruto do Espírito descrito
em Gálatas 5.22 também se constitui em uma consequência do enchimento com
o Espírito Santo (quando este enchimento não está associado ao batismo). Além
disso, o enchimento com o Espírito, associado ou não ao batismo, promove capa-
citação para trabalhar (At 2.4; 4.8,31; 9.17; 13.9-52).
Por fim, analogamente à concepção reformada, o pentecostalismo entende
que, da mesma forma que a plenitude do Espírito pode ser experimentada pelo
cristão, a “extinção” do Espírito em sua vida também é possível. Contudo, ao con-
trário da visão reformada, esta extinção do Espírito, para a teologia pentecostal,
implica seu êxodo da vida do cristão e, portanto, a perda da salvação pelo cren-
te. Um contínuo comportamento licencioso da parte do cristão entristece o Espírito
(Ef 4.30) que, finalmente, pode se retirar do cristão de forma definitiva (Rm 8.13; 1Ts
5.19; Hb 6.4; 10.26-29).

 Outras obras do Espírito Santo

C onsideradas as obras de habitação, batismo e plenitude, podemos tam-


bém apontar outras obras desempenhadas pelo Espírito Santo. Tais obras,
no entanto, por constituírem em consequências diretas ou indiretas das obras ante-
riores, podem ser abordadas de uma forma geral e sucinta, sem a necessidade de
análises em perspectivas individuais. Vejamos quais são estas obras.

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 Testificação
O Espírito Santo, entre outras aplicações da graça de Deus em favor do ho-
mem, assegura ao cristão que ele é filho de Deus. Este ministério de testificação do
Espírito pode ser encontrado na carta de Paulo aos romanos, no trecho que diz: “O
mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16).
Além disso, conforme Charles C. Ryrie, “sem dúvida, a testificação também é tra-
zida ao coração do cristão por meio de um entendimento crescente de algumas
coisas que o Espírito fez por ele. Por exemplo, a testificação aumentará quando
a pessoa entender o que significa ser selado com o Espírito [...] como garantia do
término da redenção (Ef 1.13,14).”

 Intercessão
Outro ministério desempenhado pelo Espírito Santo é o de intercessão. Esta
obra é evidenciada nas Escrituras com clareza: “Também o Espírito, semelhante-
mente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém,
mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis”
(Rm 8.26 - ARA). Dessa forma, fica claro que o motivo pelo qual necessitamos de
ajuda é a nossa fraqueza (como a palavra está no singular, depreende-se que o
termo “fraqueza” não indica determinados pecados pessoais, mas a permanência
em nós de uma natureza corrupta que só será erradicada na ressurreição). Assim,
conforme o comentário da Bíblia de Estudo de Genebra sobre Romanos 8.26, “a
dificuldade em saber como orar é uma experiência cristã universal, especialmente
em tempos de desespero e confusão. Entretanto, mesmo quando não podemos ar-
ticular nossos anseios, o Espírito nos ajuda ao interceder por nós no nosso coração,
fazendo pedidos que o Pai com certeza atenderá.”

 Santificação
A santificação também é uma obra desempenhada pelo Espírito de Deus no
cristão, e é consequência direta de sua habitação no crente. O conceito de santi-
ficação, porém, inclui três aspectos.
O primeiro relaciona-se com a posição que o crente desfruta como membro do
Corpo de Cristo e, portanto, abrange todos os cristãos, independentemente de seu
nível de crescimento espiritual. Este primeiro aspecto é chamado de “santificação po-
sicional” ou “definitiva”, e pode ser visto em textos como o de 1Coríntios 1.2, no qual,
apesar de todas as práticas pecaminosas dos coríntios, Paulo os chama de “santos”.
O segundo aspecto da santificação relaciona-se à contínua e progressiva se-
paração voluntária do crente em relação ao pecado. Este aspecto é chamado
de “santificação progressiva”. Toda exortação da Bíblia para que o cristão busque
uma vida santa e separada do pecado diz respeito à santificação progressiva. Este
aspecto da santificação pode ser visto em textos como 1Pedro 1.16.

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Finalmente, o terceiro aspecto da santificação relaciona-se com o estado


glorificado de nosso corpo, após a nossa ressurreição, quando o final da obra
redentora de Deus em nossa vida se completar. Este aspecto da santificação
é chamado de “santificação plena” e pode ser notado em textos como Efésios
5.26,27 e Judas 24,25.
Em cada aspecto da santificação podemos observar o envolvimento mútuo
das três pessoas divinas. Entretanto, segundo Charles. C. Ryrie, “o Espírito Santo é o
principal agente no desenvolvimento de nossa santificação progressiva. É por meio
do Espírito que mortificamos as obras do corpo (Rm 8.13). O Espírito gera o amor em
nosso coração (Rm 5.5). Pelo Espírito somos transformados de glória em glória para
ficarmos mais parecidos com Cristo (2Co 3.18). E é o fruto do Espírito que nos faz
parecidos com Cristo, o alvo final de nossa santificação (Gl 5.22,23).”

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Capítulo
q Dons do Espírito Santo
7
O estudo dos dons, na paracletologia, traz as mesmas dificuldades ineren-
tes ao estudo das obras do Espírito, conforme as observamos no capítulo
anterior. Isso porque a forma como podemos conceber os dons do Espírito Santo
varia de acordo com a chave interpretativa usada nos trechos bílicos que falam
sobre estes dons, bem como no uso da “analogia da fé” (termo empregado na
hermenêutica que designa o componente central da interpretação teológica das
Escrituras) pelo intérprete. Portanto, tal como o estudo das obras do Espírito deve
abordar diferentes concepções e opiniões para que seja completo, o estudo dos
dons do Espírito deve considerar “diferentes teologias”, advindas das mesmas dife-
rentes tradições já mencionadas: a tradição Reformada e a Pentecostal.
Primeiramente, quando falamos em “dons”, diferentes sentidos desta palavra
podem estar em pauta. Podemos nos referir a “dons gerais” ou “dons naturais”,
como aqueles distribuídos por Cristo a todos os homens (1Co 4.7), independente-
mente de sua filiação a Deus. Todo ser humano, então, possui algum dom, e este
dom glorifica a Deus de forma semelhante ao que a ordem criada glorifica ao
Senhor (Sl 8.3-9; Rm 11.36; 1Co 14.12). Neste sentido, por exemplo, podemos dizer
que a obra de um músico altamente dotado, sendo ele cristão ou não, deve - ou
deveria - despertar em seus apreciadores a consciência de que “algo maior” existe
como justificativa para a magnitude de suas habilidades, para a maravilha do que
está sendo observado ou escutado.
Além desse sentido do termo “dom”, existe outro, que está relacionado espe-
cialmente aos cristãos. O uso dessa palavra no Novo Testamento aborda desde o
dom da salvação (Rm 6.23) até o dom do cuidado providencial de Deus para com
seus filhos (2Co 1.10). No entanto, certos dons são dados aos cristãos subentenden-
do sua utilização no serviço do Corpo de Cristo e visando à expansão do Reino e à
glória de Deus. Estes são os dons espirituais ou dons do Espírito.

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A despeito das observadas diferenças conceituais envolvendo o termo “dom”,


esta palavra está invariavelmente relacionada à graça de Deus. Isto significa que
todo dom, natural ou espiritual, é dado aos homens pela graça de Deus. Um dom
é um presente de Deus e, como tal, não está ligado a mérito algum por parte
de quem o recebe (Rm 12.6; 1Co 12.6-11; Ef 4.11). Além disso, o Novo Testamento
traz algumas listas de dons espirituais (cf. Rm 12.3-8; 1Co 12.8-10; 12.28; Ef 4.11; 1Pe
4.10,11). No entanto, as diferenças na terminologia introdutória dessas listas não
justificam uma classificação rígida dos dons em categorias distintas. Por exemplo,
embora seja um fato que, historicamente, certos dons não tenham sido considera-
dos como “dons espirituais”, no Antigo Testamento há menção de dons que foram
dados pelo Espírito (Êx 31.2-5). Portanto, concluímos que:

Todos os dons devem ser entendidos como presentes de Deus;


Tanto os dons “naturais” quanto os chamados “espirituais” vêm dom mesmo
Espírito;

Os dons capacitam o homem para servir tanto sua comunidade horizontal
(na área do relacionamento humano) quanto o Reino de Deus.

Apesar da natureza gratuita de todos os dons, da sua origem comum e da


congruência de alguns de seus propósitos, a classe de dons que estudaremos nes-
ta matéria é a conhecida como “dons espirituais” ou “dons do Espírito”, e não os
“dons naturais”.

Por fim, antes de abordarmos os dons segundo as perspectivas individuais das


teologias reformada e pentecostal, vejamos algumas generalidades relacionadas
aos dons do Espírito.

 Agentes da distribuição

O s dons espirituais são, evidentemente, concedidos a cada cristão pelo Es-


pírito Santo (1Co 12.11,18), bem como pelo Cristo ressurreto e glorificado
(Ef 4.11). Contudo, como o estudo do Espírito Santo é o alvo de nossa discussão,
concentraremos o nosso enfoque no próprio Espírito.

O Espírito de Deus distribui seus dons a cada um “conforme lhe apraz” (1Co 12.11).
Isto, entretanto, não impede que os cristãos desejem os melhores dons espirituais
(1Co 12.31). Estes dons são os mencionados por Paulo na primeira lista de 1Coríntios
12.28, que se caracteriza explicitamente como uma lista por ordem hierárquica de
utilidade do dom (notar os termos “primeiro”, “segundo”, “terceiro” etc.).

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03 ESPÍRITO SANTO

 Agentes e finalidades do recebimento

T odos os crentes genuínos receberam algum dom (ou alguns dons) do Espíri-
to de Deus (1Co 12.7; 1Pe 4.10). A finalidade desses dons é servir a Cristo na
obra de seu Reino (1Co 12.7,25; 14.12,26; Ef 4.11,12).
Outra verdade bíblica é o fato de que nenhum cristão possui todos os dons. A
partir do texto de 1Coríntios 12.12-27, é fácil depreender que se alguém tivesse to-
dos os dons, não necessitaria de outros cristãos.

 Momento da outorga e recebimento

U ma vez que os dons são “do Espírito”, é natural entender que o momento da
entrega dos dons seja o momento da regeneração (mesmo que o crente
não se dê conta instantaneamente de todos os dons que recebeu), ocasião em que
o Espírito Santo vem habitar no cristão. Entretanto, as Escrituras não esclarecem siste-
maticamente qual a circunstância exata da outorga dos dons aos crentes, de forma
que os dons podem tanto ser entregues na regeneração quanto paulatinamente,
ao longo da vida do crente e à medida que ele precisar. Fato é que os dons espiri-
tuais não podem existir em alguém antes que ele receba de Deus o Santo Espírito.

 Maneira da outorga e recebimento

C omo vimos, o Espírito de Deus distribui seus dons a cada um “conforme lhe
apraz” (1Co 12.11). “O Espírito sabe do que o Corpo necessita e qual dom
encaixa-se melhor em cada cristão para a edificação do Corpo.” (Charles C. Ryrie).
A realidade da soberania do Espírito de Deus na distribuição de seus dons, se-
gundo o comentário da Bíblia de Estudo de Genebra sobre 1Coríntios 12.11, “pode
explicar o motivo por que o Novo Testamento não fornece listas e explicações de-
talhadas sobre os dons: eles variam bastante, de acordo com os planos de Deus
para cada situação.”.
Assim, postulados esses conceitos iniciais, é necessário ressaltar que não há
como saber se as listas de dons neotestamentárias são de caráter exaustivo. Em-
bora os dons listados nas Escrituras pareçam ser suficientes para a edificação do
Corpo de Cristo, esta questão não pode ser fechada. Além disso, como afirmamos
antes, a forma como podemos conceber os dons do Espírito Santo varia de acordo
com a chave interpretativa usada nos trechos bílicos que falam sobre esses dons, e
cada perspectiva teológica faz uso de uma chave interpretativa, de uma herme-
nêutica própria. Portanto, a maneira como uma perspectiva teológica concebe e
cataloga os dons relatados no Novo Testamento pode ser muito diferente da ma-
neira como outra teologia o faz.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 49


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Sendo assim, de forma análoga ao tratamento dado ao conteúdo do capítulo


anterior, vejamos, a partir de ambas as perspectivas teológicas, os dons do Espírito
Santo.

 Perspectiva Reformada

 Concepção acerca dos dons

A perspectiva reformada acerca dos dons do Espírito é caracterizada por de-


terminadas peculiaridades na forma como enxerga a natureza, o propósito e a
utilização dos dons. Além disso, como consequência direta da análise desses três
itens, a teologia reformada concebe a possibilidade de determinados dons esta-
rem ativos na Igreja hodierna ou de terem cessado com o fechamento da revelção
bíblica. Em outras palavras, a teologia reformada entende que certos dons, na era
apostólica, foram outorgados com o propósito de estabelecer os fundamantos da
Igreja e, uma vez que tais fundamentos já foram estabelecidos, os dons requisitados
para isso não mais seriam necessários (Ef 2.20).

Acerca da atualidade dos dons, contudo, vale esclarecer que a teologia refor-
mada sempre enfatizou a soberania de Deus e, portanto, reconhece que qualquer
bênção vinda do Senhor é ministrada mediante esta soberania, não precisando en-
quadrar-se nas categorias do entendimento e da compreensão humana para que
seja outorgada aos homens. Em outras palavras, os teólogos reformados, às vezes
postulados como “céticos” pelos carismáticos, não o são de maneira nenhuma. A
teologia reformada apenas não se permite reconhecer como “dom” ou “manifesta-
ção do Espírito” qualquer experiência visível e extraordinária que ocorra com deter-
minado cristão, e cujas características não encontrem precedentes nas Escrituras.

Um trecho de uma carta pastoral de 1995 composta pela Comissão Perma-


nente de Doutrina da Igreja Presbiteriana do Brasil (uma instituição que adota a
teologia reformada), enviadas às congregações locais, embora manifestando seu
parecer exclusivamente sobre o dom de línguas, reflete a opinião geral da teologia
reformada acerca dos dons “revelacionais” (dons que, de alguma maneira, ser-
viam para acrescentar a Igreja e edificá-la enquanto o cânon sagrado não estava
pronto, como o dom de línguas e o de profecia, por exemplo).

O trecho diz o seguinte: “A Escritura ensina e a Igreja crê que, em sua soberania,
Deus pode conceder o dom de línguas à Igreja quando lhe aprouver, em qualquer
período da História. A Escritua também ensina e a Igreja crê igualmente, que uma ma-
nifestação genuína do dom de línguas deverá sempre seguir o padrão revelado pelo
próprio Deus nas Escrituras, quanto à sua natureza, seu propósito, e sua utilização.

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A Igreja não se sente compelida a aceitar como genuínas quaisquer manifesta-


ções contemporâneas de ‘línguas’ que não se conformem ao precedente esta-
belecido pelo Espírito Santo nas Sagradas Escrituras. Cabe aos que acreditam e
têm ensinado que Deus tem renovado esse dom na Igreja contemporânea, o ônus
de fornecer evidências claras e inequívocas de que estas coisas são assim. Afir-
mações ousadas nesta área, que não podem ser substanciadas pelas Escrituras,
e experiências pessoais, cuja genuinidade não pode ser comprovada, têm antes
semeado confusão e discórdia do que promovido a paz, a unidade e a edifica-
ção da Igreja”.

Portanto, como podemos notar, a teologia reformada não exclui deliberada-


mente e definitivamente a possibilidade de Deus conceder, nos dias atuais, algum
dom (não qualquer dom) “extraordinário” nos moldes da era apostólica. Contudo,
os reformados, para aceitarem como verdadeiras as manifestações comumente
vistas nos cultos públicos pentecostais, precisam submeter tais manifestações à re-
velação bíblica quanto à natureza, propósito e utilização dos dons. Se um desses
termos da equação (a natureza, o propósito e a utilização) não estiver em coe-
rência com os mesmos termos, segundo mostrados na Bíblia, as manifestações não
podem ser tidas como evidências ou resultados de dons espirituais.

No entanto, apesar de a teologia reformada se esforçar para não submeter a


soberania de Deus às categorias do entendimento humano, para esta concepção
está claro que certos dons distribuídos pelo Espírito na era apostólica realmente
cessaram com o fechamento do cânon sagrado. Os motivos que embasam esta
conclusão dos teólogos reformados estão ligados a questões bíblicas e, conse-
quentemente, teológicas.

Para ilustrar, um exemplo de dom que, segundo a perspectiva reformada, ces-


sou com o fim da era apostólica, é o dom de profecia. Neste caso, os teólogos re-
formados acreditam que, embora este dom esteja ativo na Igreja contemporânea,
ele não mais engloba a capacidade de o profeta prever o futuro ou revelar algo
novo, mas sim, engloba a capacidade de proclamação da Palavra. Assim, os refor-
mados entendem que o conceito bíblico de profecia é a exposição e a aplicação
das Escrituras. O propósito e o cerne da profecia é o testemunho da verdade sobre
Cristo (Ap 19.10), a qual se encontra revelada nas Escrituras (Jo 5.39). Este conceito
de profecia, segundo a teologia reformada, se harmoniza com passagens do Novo
Testamento em que a profecia é descrita como mecanismo de instrução, edifica-
ção e conforto à Igreja (1Co 14.3).

Logo, como dissemos, a maneira de os reformados conceberem os dons do Es-


pírito está relacionada com sua visão sobre a natureza desses dons, seu propósito,
utilização e, consequentemente, atualidade.

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 Classificação dos dons

A perspectiva reformada não propõe uma classificação rígida dos dons espi-
rituais. No entanto, os reformados veem uma distinção entre “dons revelacionais ”,
“ dons extraordinários” e o que podemos chamar de “dons diversos ”.
Essa categorização não é unânime nem pretende encerrar a opinião de de-
terminados representantes da teologia reformada. Antes, tal divisão foi descrita vi-
sando a agrupar, da maneira mais lógica possível, os dons espirituais segundo vistos
pela perspectiva reformada quanto à natureza e à atualidade de cada categoria.

Embora essas classificações abriguem os dons espirituais e todos os dons sirvam


para a edificação do Corpo, a categoria dos dons revelacionais comporta dons do
Espírito que “existiram com a finalidade de suprir e complementar a Escritura que
estava em processo de registro. Quando o cânon fechou, isto é, quando o último
livro foi escrito (Apocalipse), toda comunicação extrabíblica cessou tendo como
evidência a não continuidade de novos livros inspirados”, postula o Rev. Ewerton B.
Tokashiki, ministro presbiteriano e professor no Seminário Presbiteriano Brasil Central
(www.doutrinacalvinista.blogspot.com.br). Dons como a profecia, as línguas e a
interpretação das línguas pertencem aos dons revelacionais.

Os dons extraordinários, por sua vez, constituem-se em uma categoria de dons


cuja função era autenticar a mensagem do Evangelho mediante sinais e operações
miraculosas que frequentemente acompanhavam a pregação (At 14.3; Hb 2.4).
Uma vez que tais manifestações já serviram ao seu propósito, os dons abrigados por
esta categoria cessaram logo no findar do primeiro século. Dons como o de milagres
e o de curas pertencem a esta categoria.

Por fim, a categoria dos dons diversos comporta todo o restante dos dons do Es-
pírito Santo, que são absolutamente indispensáveis para a Igreja de todas as eras.

Fixadas, portanto, a natureza de cada categoria ou classificação dos dons,


vejamos sistematicamente os dons do Espírito conforme apresentados nas Sagradas
Escrituras.

 Os dons epirituais

Os dons de apostolado (1Co 12.28; Ef 4.11) e de profecia (1Co 12.10; 14.1-4;


Ef 4.11) tiveram caráter temporário (Ef 2.20). O apostolado consistia na capacita-
ção especial de poucas pessoas que foram comissionadas por Jesus para serem os
fundadores da Igreja e portadores especiais da revelação (At 1.21,22; 1Co 15.1-9).
O dom de profecia, como vimos, ainda hoje esta em voga, mas não admite novas
revelações, sejam elas de qualquer natureza. Este dom consiste no pronunciamen-
to da mensagem de Deus, que está na Bíblia Sagrada.

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Os dons de milagres e curas (1Co 12.9,28,30) também cessaram. Eles consis-


tiam na capacidade de realizar sinais especiais, inclusive a cura física (At 19.11,12;
13.11). Uma vez que estes dons serviam para autenticar a mensagem do Evangelho
pela pregação dos apóstolos, tais dons cessaram (At 14.3; Hb 2.4; Ef 2.20). Como ob-
servação, é necessário dizer que, a despeito da cessação desses dons, a teologia
reformada entende que Deus continua operando milagres hoje em dia. Todavia,
quem o faz é Deus em si mesmo, ou seja, não o faz mediante um dom outorgado a
um cristão.

Os dons de línguas e de interpretação de línguas (1Co 12.10), como também já


mencionamos, cessaram. O dom de línguas consistia na habilidade dada por Deus
para que um cristão falasse idiomas desconhecidos por ele, porém, conhecidos pe-
las pessoas a quem evangelizava. O dom de interpretação das línguas consistia na
capacidade de interpretar a mensagem de outrem em uma língua inteligível aos
conterrâneos do intérprete.

Os dons de evangelismo (Ef 4.11), pastorado (Ef 4.11), ensino (Rm 12.7; 1Co 12.28;
Ef 4.12) e exortação (Rm 12.8) representam diferentes prismas da capacidade dada
por Deus para que cristãos possam guiar e orientar outros cristãos na verdade da sã
doutrina. Podem consistir em extensões do mesmo dom tanto quanto podem ser dons
diferentes. Por exemplo, é razoável assumir que um pastor tenha o dom de evange-
lizar uma vez que a mensagem do Evangelho deve ser constantemente pregada e
preservada, mesmo entre os cristãos professos (Fl 1.25-27; Cl 1.23; 3Jo 3). Também é
razoável presumir que este pastor tenha o dom de exortação, uma vez que a corre-
ção e a instrução na justiça são o cerne do ofício de um pastor (2Tm 1.13; 2.2; 3.15-17).
No entanto, esta associação não é claramente estabelecida pelas Escrituras e nada
nos impede de crer que diferentes cristãos recebam esses dons individualmente.

Os dons de serviço (1Co 12.28; Rm 12.7; Ef 4.11), misericórdia (Rm 12.8) e con-
tribuição (Rm 12.8) englobam, respectivamente, a capacidade e a volição para
servir (provavelmente este dom está ligado à diaconia, ainda que no sentido mais
amplo da palavra) a Deus e ao próximo, ao exercício do socorro e a uma especial
disposição para a contribuição financeira com a obra de Deus.

Os dons de fé (1Co 12.9) e de discernimento de espíritos (1Co 12.10) consti-


tuem-se, respectivamente, em uma (maior que a normal) capacidade de crer e
confiar em Deus e em sua providência, e na capacidade de distinguir entre fontes
falsas e verdadeiras de revelação quando o cânon ainda não havia sido fechado.
Nada nos impede de crer que o dom da fé está em voga ainda hoje. O dom de
discernimento, porém, cessou com o fechamento do cânon.

O dom de administração (Rm 12.8; 1Co 12.28) consiste na capacidade de go-


vernar a igreja.

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Finalmente, os dons de sabedoria e conhecimento (1Co 12.8) podem consistir


na grande habilidade de compreensão das verdades ligadas a Deus e à sua Pala-
vra. Não é possível estabelecer com certeza, mas, provavelmente, a existência da
Bíblia em sua forma completa tornou este dom desnecessário. Portanto, pode ter
cessado com o fechamento do cânon.

 Perspectiva Pentecostal

 Concepção acerca dos dons


A perspectiva pentecostal acerca dos dons espirituais é caracterizada princi-
palmente pela defesa da contemporaneidade, da atualidade dos dons e manifes-
tações do Espírito. Confirmando esta visão, o teólogo pentecostal Antônio Gilberto,
na obra “Teologia Sistematica Pentecostal”, diz que “a Igreja da atualidade precisa
mais e mais conhecer, buscar, receber e exercitar a provisão divina imensurável
que há nos dons espirituais, para o seu contínuo avanco, edificação, consolidação
e vitória [...]”. Portanto, o pentecostalismo enfatiza a busca e o exercício dos dons
do Espírito e crê que todos eles funcionam na atualidade da mesma maneira que
funcionavam na Igreja apostólica.
Todavia, a tradição pentecostal costuma distinguir, no culto público, as manifes-
tações do Espírito entendidas como verdadeiras. O parâmetro de comparação que
permite à teologia pentecostal distinguir autênticas manifestações de dons de falsas
manifestações é, segundo o pentecostalismo, o parâmetro bíblico. Se algum dom é
exercido numa determinada comunidade, este exercício precisa ser comparado aos
precedentes neotestamentários para ser entendido como real. Dessa forma, os teólo-
gos pentecostais procuram interpretar as manifestações de dons à luz das Escrituras.
A despeito das manifestações de dons nos cultos públicos pentecostais, fre-
quentemente se tem observado práticas totalmente estranhas à narrativa neo-
testamentária. Tais fenômenos, ora ligados à liturgia de culto, ora relacionados à
paracletologia em si, têm sido alvo de análises críticas por parte dos teólogos pen-
tecostais que, para preservar a ortodoxia de sua confissão teológica, postulam uma
diferença entre o “pentecostalismo clássico” e o “pseudo-pentecostalismo”.
O pentecostalismo clássico, segundo os estudiosos pentecostais, é aquele que
pode ser mensurado dentro dos termos da confissão de fé das Assembleias de Deus
(a maior denominação que adota a teologia pentecostal). Esta confissão repre-
senta o parecer doutrinário do pentecostalismo clássico e inclui em seus artigos
as mesmas crenças fundamentais observadas nos credos das igrejas históricas. As
exceções são cláusulas específicas sobre a natureza do batismo no Espírito Santo, o
fenômeno da glossolália e a atualidade dos dons, além da defesa do batismo por
imersão, entre outras particularidades.

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Por sua vez, o chamado pseudo-pentecostalismo pode ser identificado como


aquele que aceita e adota práticas semelhantes às práticas espíritas. A utilização
de elementos simbólicos em cultos (para produzir e/ou despertar a fé de fiéis), a
imitação de animais por parte dos fiéis, a grotesca desordem observada nas reuni-
ões (com pessoas caindo a esmo, rugindo e gritando), entre outras características,
delineiam, segundo os teólogos pentecostais, um tipo estranho de pentecostalismo,
que pode e deve ser distinguido do pentecostalismo clássico. Tais manifestações,
portanto, não podem ser consideradas como manifestações de dons do Espírito,
como preconizam os pentecostais clássicos.

Por causa dessas distinções, o pentecostalismo tem sido objeto de investiga-


ção de sociólogos da religião que, observando as diferenças sociológicas entre as
diversas denominações tidas como pentecostais, indentificaram, de fato, grupos
de linha pentecostal que podem ser separados e completamente distinguidos. Tais
estudos sociológicos comprovam o dualismo entre o pentecostalismo clássico e o
pseudo-pentecostalismo, e, alguns, chegam a identificar o pseudo-pentecostalis-
mo com o neopentecostalismo.

Em artigo publicado na revista Ultimato, segundo citado no site Pentecostalis-


mo (www.pentecostalismo.wordpress.com), o bispo anglicano Dom Robinson Ca-
valcanti disse: “Um grande equívoco cometido pelos sociólogos da religião é o de
pôr sob a mesma rubrica de ‘pentecostalismo’ dois fenômenos distintos. [...] Um
estudioso propôs denominar essas últimas de pós-pentecostais: um fenômeno que
se seguiu a outro, mas que com ele não se conecta, pois ‘neo’ se refere a uma ma-
nifestação nova de algo já existente. [...]”.

Como podemos ver, a separação técnica de grupos tidos como “pentecos-


tais” foi a solução que permitiu aos teólogos dessa perspectiva preservarem a
identidade teológica da fé que professam, contribuindo para o estabelecimento
de parâmetros pelos quais é possível julgar a autenticidade das manifestações
espirituais.

Acerca da contemporaneidade dos dons, os pentecostais creem que todos


os dons, mesmo os revelacionais, estão em voga na Igreja contemporânea. A dis-
cussão acerca da atualidade dos dons espirituais é ampla, e muitos, sem sucesso,
têm-se proposto a finalizar esta questão. Porém, a grande dificuldade em fixar a
cessação ou a continuidade dos dons espirituais está relacionada à falta de evi-
dências bíblicas que comprovem tanto um quanto o outro ponto de vista. Assim, os
argumentos da teologia pentecostal sobre a continuidade dos dons amparam-se,
como não poderia deixar de ser, mais na falta de evidências bíblicas de que os
dons (ou certos dons) cessaram do que em evidências irrefutáveis de que os dons
continuaram.

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Por causa disso, muitos pentecostais têm acrescentado vigor à sua defesa da
continuidade dos dons valendo-se do empirismo. Em outras palavras, muitos teólo-
gos pentecostais defendem a contemporaneidade dos dons espirituais com base
nas experiências. Mesmo assim, os teólogos pentecostais se esforçam para não
interpretar as Escrituras com base na experiência. Os eruditos dessa linha teológica
reconhecem declaradamente a importância vital de se interpretar a experiência a
partir da Bíblia.

 Classificação dos dons


A teologia pentecostal, ao contrário da reformada, preconiza uma classifica-
ção rígida e detalhada dos dons do Espírito. É possível notar tal empenho dos teó-
logos pentecostais em classificar e categorizar os dons neotestamentários a partir
de suas principais obras literárias. Podemos dizer, portanto, que a perspectiva pen-
tecostal categoriza os dons do Espírito Santo em três grandes grupos: (I) os dons de
manifestação do Espírito, (II) os dons de ministérios práticos, e (III) os dons na área
do ministério.
Os dons de manifestação do Espírito, como o nome indica, são dons que ma-
nifestam algo acerca da natureza de Deus, seus atributos ou sua mensagem aos
homens. “Esses dons são formas de capacitação sobrenatural de pessoas, para a
edificação do corpo de Cristo como um todo, e também para a bem-aventurança
de seus membros, individualmente [...].”, diz Antônio Gilberto, na obra “Teologia
Sistemática Pentecostal”, e estão descritos em 1Coríntios 12.8-10.
Os dons de ministérios práticos constituem-se em administrações do Espírito ao
cristão para que este possa realizar serviços práticos, individuais e em grupo. Antô-
nio Gilberto os descreve como “dons de ministração residentes no portador, pela
natureza de sua finalidade junto às pessoas ou grupos: assistência, serviço, socorro,
auxílio, amparo, provisão.”.
Por fim, os dons na área do ministério são aqueles que capacitam os cristãos
para servirem à instituição: o apostolado e a profecia (neste caso, os pentecostais
diferenciam o dom de profecia desta categoria do dom de profecia da categoria
dos dons de manifestação do Espírito, cuja característica engloba revelações ins-
tantâneas da parte de Deus).
Como observação, vale dizer que esta categorização encontra-se descrita na
obra “Teologia Sistemática Pentecostal”. Embora esta obra seja um referencial para
o pentecostalismo brasileiro, e seu editor-geral (Antônio Gilberto) seja também um
ícone na teologia pentecostal, tal categorização ou classificação dos dons pode
diferir um pouco dependendo da autoria. A teologia pentecostal não “patenteou”
esta forma de classificar e organizar os dons do Espírito, mas a utiliza por servir bem
aos seus propósitos.

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 Os dons espirituais

Dentro da categoria dos dons de manifestação do Espírito, podemos encontrar


o dom da palavra de sabedoria, o dom da palavra da ciência, o dom da fé, os
dons de curar, o dom de discernimento de espíritos, o dom de operar maravilhas,
o dom da profecia, o dom da variedade de línguas e o dom de interpretação das
línguas.

O dom da palavra de sabedoria (1Co 12.8) é descrito como “um dom de mani-
festação da sabedoria sobrenatural, pelo Espírito Santo.” (Antônio Gilberto).

O dom da palavra da ciência (1Co 12.8) consiste no dom de manifestação de


conhecimento sobrenatural de fatos, causas, ensinamentos etc. Obviamente, tal
conhecimento é proporcionado pelo Espírito de Deus.

O dom da fé (1Co 12.9) presente nesta lista não se refere à fé salvadora, mas
a uma fé sobrenatural, especial e aumentada, “comunicada pelo Espírito Santo,
capacitando o crente a crer em Deus para a realização de coisas extraordinárias e
milagrosas” (Bíblia de Estudo Pentecostal, estudo doutrinário “Dons espirituais para
o crente”).

Os dons de curar (1Co 12.9) consistem em capacitações dadas pelo Espírito


para que o cristão realize curas de doenças, físicas ou mentais, em outras pessoas.

O dom de discernir os espíritos (1Co 12.10), segundo o mesmo estudo da Bíblia


Pentecostal, consiste numa “dotação especial dada pelo Espírito, para o portador
do dom discernir e julgar corretamente as profecias e distinguir se uma mensagem
provém do Espírito Santo ou não”.

O dom de operação de maravilhas (1Co 12.10) permite ao portador, mediante


o Espírito, a operação de milagres extraordinários. A função deste dom é “despertar
e converter incrédulos, céticos, oponentes, crentes duvidosos.” (Antônio Gilberto).

O dom da profecia (1Co 12.10), segundo a Bíblia de Estudo Pentecostal, no


estudo doutrinário já mencionado, “trata-se de um dom que capacita o crente a
transmitir uma palavra ou revelação diretamente de Deus, sob o impulso do Espírito
Santo.” A teologia pentecostal também afirma que toda profecia deve ser julgada
quanto à sua autenticidade e conteúdo (1Co 14.29,32; 1Ts 5.20,21), e que deverá
enquadrar-se no cânon sagrado (1Jo 4.1).

O dom da variedade de línguas (1Co 12.10) consiste na capacidade de o cren-


te pronunciar várias línguas desconhecidas. Os teólogos pentecostais diferenciam
os “dons de línguas” da capacidade de pronunciar línguas estranhas como evidên-
cia do batismo no Espírito. Todos os crentes já batizados no Espírito falam línguas
estranhas, porém, isso não é o mesmo que o “dom de variedade de línguas”.

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Por fim, o dom de interpretação das línguas (1Co 12.10), conforme a Bíblia de
Estudo Pentecostal, consiste na “capacidade concedida pelo Espírito Santo, para
o portador deste dom compreender e transmitir o significado de uma mensagem
dada em línguas.”
Dentro da categoria dos dons de ministérios práticos, encontramos o dom de
ministério (ou ministração), o dom de ensinar, o de exortar, o de repartir, o de presi-
dir, o de exercitar misericórdia, o dom de socorro e o de governo.
O dom de ministério (Rm12.7) consiste na grande capacidade de ministrar ser-
viço material e espiritual aos que necessitam.
O dom de ensino (Rm 12.7), como o nome diz, consiste na capacidade de, tan-
to na teoria quanto na prática, ensinar, educar e treinar.
O dom de exortar (Rm 12.8), segundo a descrição de Antônio Gilberto, consiste
na capacidade de “ajudar, assistir, encorajar, animar, consolar, unir pessoas que
não se falam; admoestar.”
O dom de repartir (Rm 12.8) é a capacidade de dar generosamente, doar e
oferecer aos necessitados.
O dom de presidir (Rm 12.8) consiste na capacidade de condução, direção,
organização, liderança e orientação de pessoas ou grupos.
O dom de exercitar misericórdia (Rm 12.8) engloba a assistência (nos diversos
sentidos da palavra) aos sofredores, necessitados, carentes e fracos.
O dom de socorro (1Co 12.28) consiste na grande disposição em prestar socor-
ro de qualquer tipo a necessitados.
O dom de governos (1Co 12.28) capacita o portador a dirigir, guiar e conduzir
pessoas ou grupos, com segurança, destreza e responsabilidade.
Finalmente, a categoria dos dons na área do ministério comporta os dons de
apostolado, profecia, evangelismo, pastorado, fora os dons de doutores e mestres.
O dom de apostolado (Ef 4.11) consiste na capacitação especial de pessoas
que, cheias do Espírito Santo, são enviadas com o propósito de propagar o evange-
lho. Em um sentido geral da palavra “apóstolo”, este ministério ainda é necessário
para os nossos dias. No entanto, em referência ao tipo e extensão do ministério dos
doze apóstolos, este dom cessou (Ef 2.20). Isso faz com que os cargos eclesiásticos
de “apostolado” estabelecidos pelo grupo dos pseudo-pentecostais sejam irreais e
antibíblicos, segundo o ponto de vista pentecostal.
O dom de profeta (Ef 4.11), segundo descrito nesta categoria de dons, con-
siste na capacidade de exortar, animar, consolar e edificar pessoas ou grupos,

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com base nas Escrituras Sagradas, e sob o poder do Espírito Santo. Este conceito
assemelha-se muito ao conceito de profecia conforme entendido pela teologia
reformada.
O dom de evangelista (Ef 4.11) encerra uma grande capacidade para o anún-
cio da mensagem de salvação. Frequentemente, este dom insta o cristão ao esta-
belecimento de igrejas em novas localidades.
O dom de pastor (Ef 4.11) capacita o cristão para a direção de uma congre-
gação local, para a orientação e cuidado espiritual de seus membros e para a pre-
ocupação individual para com o amadurecimento (na graça e no conhecimento)
de outros cristãos.
Concluindo, os dons de doutores ou mestres (Ef 4.11) consistem na capacidade
especial “para esclarecer, expor e proclamar a Palavra de Deus, a fim de edificar o
corpo de Cristo.” (Bíblia de Estudo Pentecostal, estudo doutrinário “Dons ministeriais
para a Igreja”).

 Uma palavra final


Já sabemos que a grande atenção atualmente dispensada à paracletologia
e, particularmente, aos dons espirituais, deve-se ao fenômeno do pentecostalismo.
Também está claro que, a despeito de qualquer posição teológica que se adote,
o estudo dos dons espirituais, nos tempos contemporâneos, não pode ser revogado
sob a penalidade de optarmos por uma inércia teológica para com o Evangelho,
uma vez que muitas manifestações estranhas às Escrituras têm ocorrido em cultos
públicos de igrejas evangélicas pentecostais.
Por outro lado, o dogmatismo teológico ao qual sucumbem muitos teólogos re-
formados está longe de constituir-se como uma postura ideal. É dever de todos – e
especialmente dos teólogos – examinar as Escrituras com responsabilidade, calma,
cuidado e técnica apropriada, a fim de, partindo de uma exegese rica e saudável,
determinar um posicionamento individual a favor de uma teologia ou de outra, ou
ainda, de uma perspectiva híbrida, quando isso for possível e não ferir a lógica que
estrutura uma teologia.
Assim, em relação à questão dos dons espirituais, sua natureza, propósitos, usos
e contemporaneidade, o estudante, valendo-se (I) da Bíblia Sagrada, (II) das con-
fissões e credos de denominações com as quais se identifica teologicamente, (III)
do estudo aprofundado de obras especializadas (especialmente as obras cuja teo-
logia difere da dele) e (IV) do próprio raciocínio lógico empregado na investigação
dos pressupostos de cada perspectiva, deve determinar sua posição teológica.
Deve estruturar e amadurecer sua perspectiva, frequentemente confrontando-se
com as perspectivas opostas para que, mediante esse confronto, uma benéfica
polarização ideológica se estabeleça.

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

Finalmente, com as informações adquiridas até aqui, poderemos abordar de-


talhadamente (já que uma aproximação sobre isso foi realizada de forma tangen-
cial em capítulos anteriores) o fruto do Espírito Santo. Uma vez que o fruto do Espírito
é o que produz no cristão um caráter semelhante ao de Cristo, nada nos deveria ser
mais caro que o amadurecimento desse fruto e, implicitamente, a compreensão de
sua natureza. É sobre o que trataremos no próximo capítulo.

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

Capítulo
q O fruto do Espírito Santo
8
A habitação do Espírito Santo em alguém, sem dúvida, é acompanhada de
evidências que comprovam essa operação divina. As Escrituras deixam
claro que o ser humano irá manifestar exteriormente o que quer que o esteja im-
pulsionando. Se o seu ser estiver sendo nutrido por sua própria natureza, que é pe-
caminosa (Tt 1.15; Rm 3.10-18,23), ele manifestará em sua vida as evidências dessa
condição. Por outro lado, se o que impulsiona o seu ser é o Espírito de Deus, nada
mais lógico que essa pessoa, em sua vida, manifeste evidências desse motriz.
Embora outros textos nas Escrituras mencionem a realidade de uma evidência
visível da habitação do Espírito (Os 14.8; Mt 3.8; Jo 15.5; Fp 1.11), a passagem mais
didática que poderemos encontrar sobre o fruto do Espírito é a do apóstolo Paulo
aos gálatas. Além disso, como este trecho encontra-se em um plano discursivo de
comparação entre o “fruto do Espírito” e as “obras da carne”, a compreensão do
que consiste o fruto do Espírito depende da compreensão da natureza das obras
da carne. Diversos conceitos, inclusive teológicos, estão ligados a este trecho, e
a forma como poderemos concebê-lo trará implicações sobre a nossa paracleto-
logia. Por isso, uma breve análise exegética deste texto é de grande importância
para nossa compreensão sobre o assunto.

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

O referido texto de gálatas diz: “Ora, as obras da carne são conhecidas e são:
prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras,
discórdias, dissenções, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhan-
tes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que
não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam. Mas o fruto do Espírito é:
amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão,
domínio próprio” (Gl 5.19-23 - ARA).
Primeiramente, a fim de obtermos uma compreensão adequada da mensa-
gem deste trecho, será necessário identificarmos um hebraísmo (expressão linguísti-
ca peculiar ao idioma hebreu) muito utilizado por Paulo: o termo “carne”.
Paulo usava a palavra “carne” em pelo menos três sentidos diferentes: O pri-
meiro, e de caráter mais geral, se relaciona à humanidade. O segundo, de nature-
za um pouco mais específica, se refere à constituição física do ser humano, a parte
material da natureza humana. O terceiro sentido, de um tipo bem mais restrito, é o
que está em voga em Gálatas 5.19-23, e se refere à natureza humana decaída e
pecaminosa.
Uma vez que a natureza humana engloba tanto o aspecto material (corpo)
quanto o imaterial (alma ou espírito), como o estudante poderá observar na ma-
téria “Doutrina do homem”, dizer que o ser humano possui uma natureza pecami-
nosa equivale a dizer que essa pecaminosidade afeta, de igual maneira, tanto o
corpo quanto o espírito do ser humano, isto é, tanto o aspecto material quanto o
imaterial de sua constituição. Por este motivo, quando o apóstolo faz uso do termo
“carne”, ele não se refere a outro sentido que não o de “natureza pecaminosa”.
Essa conclusão é a chave para interpretarmos esse trecho da Bíblia, o que nos leva
à segunda observação exegética sobre o texto.
A perícope em análise pode ser subdividida em dois percursos temáticos: o
primeiro englobando a menção das “obras da carne” (ou as “obras de nossa na-
tureza pecaminosa”) e o segundo englobando o “fruto do Espírito”. Essa subdivisão
- não acidental - do trecho, estabelece uma comparação, um contraste entre as
evidências ou frutos de uma vida impulsionada por nossa natureza pecaminosa e
as evidências ou frutos de uma vida impulsionada pelo Espírito de Deus. Em outras
palavras, alguém que é guiado pela natureza pecaminosa evidencia em sua vida
as ações típicas dessa natureza, enquanto alguém que é guiado pelo Espírito Santo
evidencia em sua vida as ações típicas de Deus.
Isso nos permite concluir que a tendência natural do ser humano é produzir
“obras da carne”. O homem não precisa de ajuda externa para a produção de
ações inerentes à sua própria natureza. O fruto do Espírito, em contrapartida, é di-
vinamente “implantado” no homem, logo, não é resultado do esforço humano na
busca da santificação, mas resulta unicamente da ação do Espírito no cristão, que
efetua nele “tanto o querer como o realizar” (Fp 2.13).

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

A terceira observação exegética desta perícope concentra-se no fato de que,


embora o texto relate diversas obras da carne, o mesmo nos mostra apenas um
fruto do Espírito. Quais as implicações, então, da forma como Paulo nos apresentou
os diferentes “combustíveis” que podem nos mover?

Se o que nos controla é a natureza pecaminosa, diversos resultados desse


controle podem ser observados como evidências. As diferentes obras que foram
mostradas como pertencendo à natureza pecaminosa podem ocorrer na vida do
homem tanto coletiva quanto individualmente. Qualquer uma dessas obras perten-
cem à natureza caída do ser humano.

Em contraposição, o fruto do Espírito, para ser considerado “fruto” (repare: no


singular), precisa evidenciar todos os aspectos desse fruto, ou seja, o fruto do Espí-
rito Santo não consiste em manifestações individuais de bondade, paciência, ou
domínio próprio, mas na manifestação concomitante de todas estas facetas do
fruto do Espírito. Alguém que está cheio do Espírito Santo, desfrutando de sua ple-
nitude, certamente não será bondoso ou paciente ou temperante, mas será bon-
doso, paciente e temperante. O fruto do Espírito é tudo isso, e não uma qualidade
em detrimento de outra.

No entanto, é claro que as qualidades do caráter de Cristo não precisam ser


implantadas todas de uma só vez no cristão. Por isso, o quarto parecer exegético
sobre a perícope em questão nos mostra o caráter evolutivo do fruto do Espírito.

O termo escolhido por Paulo para demonstrar a influência do Espírito no cris-


tão remete a algo que se desenvolve, ao invés de ser instantâneo. O termo “fruto”
caracteriza algo que está em constante amadurecimento, algo que não nasce
pronto. Portanto, um cristão não precisa imediatamente demonstrar todas as face-
tas do fruto do Espírito no momento de sua conversão. Na verdade, a Bíblia diz que
isso não acontece. As Escrituras mostram que o fruto é amadurecido (2Co 7.1; 3.18;
Fp 1.6) progressivamente, paulatinamente, o que coaduna, inclusive, com o que
vimos sobre a obra de santificação efetuada pelo Espírito, no capítulo anterior.

Um dos aspectos dessa santificação é a sua progressividade. Além disso, está


implícito o fato de que, em determinados momentos de sua vida, o cristão experi-
menta picos de ansiedade, angústia, impaciência ou descontrole (às vezes, tudo
ao mesmo tempo). Tais momentos, no entanto, não devem servir de parâmetro
para julgá-lo como “imaturo espiritualmente” ou condená-lo como “descrente”.
Ao contrário, os momentos em que manifestamos evidências opostas às do fruto do
Espírito constituem-se no fato de que nossa natureza pecaminosa persistirá conosco
até o dia de nossa ressurreição (Rm 7.23; Gl 5.17; 1Jo 1.10). Mesmo assim, o cristão
deve continuar confiando na inabalável promessa de que Deus nunca embargará
a obra que ele mesmo começou em nós (Fp 1.6).

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03 ESPÍRITO SANTO

Assim, podemos concluir que o fruto do Espírito é amadurecido no cristão à me-


dida que ele se submete ao controle do Espírito e à santificação por ele efetuada.
Com base nessas conclusões, agora podemos buscar o entendimento das di-
versas facetas do fruto do Espírito. Ainda, como observação, cabe estabelecer que
todas as definições que se seguirão foram extraídas do Dicionário Vine , obra de W.
E. Vine (entre outros autores), que expõe o significado exegético das palavras do
Novo Testamento partindo de sua língua original, o grego. Como consequência
disso, todos os exemplos de manifestações de um caráter semelhante ao de Cris-
to virão da porção neotestamentária da Bíblia. Certamente, o Antigo Testamento
apresenta exemplos de crentes portadores de qualidades que refletem o caráter
de Deus, no entanto, uma vez que o “fruto do Espírito”, como consequência de sua
habitação, é exclusividade do Novo Testamento, restringiremos nossos exemplos às
páginas neotestamentárias das Sagradas Escrituras.

 Amor
Do grego agape , essa palavra (às vezes traduzida por “caridade”), quando
aplicada ao amor cristão como fruto do Espírito, tem “Deus por seu objeto primário,
e se expressa, em primeiro lugar, em obediência implícita aos mandamentos divinos
(Jo 14.15,21,23; 15.10; 1Jo 2.5; 5.3; 2Jo 6). A voluntariosidade, quer dizer, aquele que
age só pela sua vontade para agradar a si mesmo, é a negação do amor a Deus.
O amor cristão, quer exercido para com os irmãos, quer para com os homens em
geral, não é um impulso dos sentimentos; nunca flui com as inclinações naturais,
nem se gasta somente naqueles por quem se descobre ter um pouco de afinidade.
O amor busca o bem-estar de todos (Rm 15.2) e não faz mal a ninguém (Rm 13.8-
10); o amor busca a oportunidade de fazer o bem ‘a todos, mas principalmente
aos domésticos na fé’ (Gl 6.10).” (Dicionário Vine; comentário extraído de Notes on
Thessalonians, de Hogg e Vine).
A exposição de W. E. Vine exprime amplamente no que consiste o amor cris-
tão e, analisando as referências contidas no próprio comentário de Hogg e Vine,
podemos ver o quanto o Novo Testamento está imbuído do amor como fruto do
Espírito Santo.
O texto de Romanos 15.2 relaciona claramente o amor à edificação e ao cres-
cimento. Na mesma carta, pouco antes, o apóstolo Paulo, aludindo ao Pentateuco,
mostra a magnânima importância do amor, a ponto de nos provar que esta quali-
dade, por si só, resumia o código legal transmitido no Monte Sinai. Porém, o texto de
1Coríntios 13.1-8 nos desvenda de forma magistral a natureza do verdadeiro amor.
Este trecho nos mostra um amor perfeito, que só reside em Deus, e que podemos
vivenciar mediante uma profunda transformação de vida que só pode ser em nós
efetuada pelo próprio Deus. De uma maneira incrível, Deus escolheu para nos pro-
var que o amor verdadeiro só pode ser fruto do Espírito.

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 Alegria
Também traduzida por “gozo”, essa palavra vem do grego chara, que, no ori-
ginal, significa “alegria”, “delícia”, “deleite”. No Antigo e no Novo Testamento, “o
próprio Deus é a base e o objeto da ‘alegria’ do crente (por exemplo, Sl 35.9; 43.4;
Is 61.10; Lc 1.47; Rm 5.11; Fp 3.1; 4.4)”, diz W. E. Vine em seu Dicionário Vine.

Embora o termo chara abranja significados relacionados à alegria, Tiago 1.2


o relaciona com as provações da vida cristã. Por isso, propriamente, W. E. Vine diz
que a “alegria está associada com a vida (por exemplo, 1Ts 3.8,9). As experiências
de tristeza preparam e aumentam a capacidade para a ‘alegria’ (por exemplo, Jo
16.20; Rm 5.3,4; 2 Co 7.4; 8.2; Hb 10.34; Tg 1.2). A perseguição por causa de Cristo
aumenta a ‘alegria’ (por exemplo, Mt 5.11,12; At 5.41).”.

Logo, exemplos desse aspecto do fruto do Espírito em cristãos podem ser extra-
ídos das próprias referências citadas por Vine. O texto de Filipenses 3.1 nos mostra
o apelo de Paulo para os cristãos Filipenses se alegrarem, tendo o Senhor como o
fundamento dessa alegria. A mesma exortação é repetida em Filipenses 4.4. O tex-
to de Romanos 15.13 é incisivo ao relacionar a alegria à confiança em Jesus. Enfim,
Filipenses 1.25, também associando a alegria à fé, nos mostra mais uma vez a natu-
reza sobrenatural da alegria, quando esta advém de Cristo.

 Paz
Do grego eirene, esta palavra, como tantas outras nos idiomas semíticos, pode
trazer vários significados dependendo do contexto. No caso em questão, o melhor
entendimento possível encontra-se numa junção de duas definições apresentadas
por W. E. Vine: “[ f] as relações harmonizadas entre Deus e os homens, satisfeitas
pelo Evangelho” e “[ g] a sensação de descanso que lhe é consequente”. Por isso,
Vine continua dizendo acerca da segunda definição que “em certas passagens
esta ideia não é distinguível da letra ‘ f’ “. Assim, no caso de Gálatas 5.22, uma de-
finição que encerra o sentido de eirene de forma mais completa, seria algo assim:
sensação de descanso e satisfação produzida pelo Espírito, e oriundas de nossa,
perfeitamente restabelecida, relação com Deus.

De fato, as Escrituras nos mostram que os cristãos desfrutam de uma paz com-
pleta, inteira, cumprida (tal qual significado subjaz ao termo hebraico correspon-
dente, shalom ). O texto de Atos 10.36 nos diz que foram anunciadas aos homens
as boas notícias da paz mediante a obra expiatória de Cristo. Ideia semelhante é
expressa em Efésios 2.17. Já os textos de Mateus 10.13; João 14.27 e Romanos 8.6
nos ilustram a sensação de paz consequente da relação com Deus restaurada.

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03 ESPÍRITO SANTO

Mateus 10.13 diz que os discípulos já desfrutavam dessa paz enquanto o Cristo
habitava corporalmente entre nós. O apóstolo João, em seu evangelho, nos rela-
ta, de forma incisiva, que Jesus foi quem nos deixou esta paz de origem sobrena-
tural, e que, por causa dessa origem, a paz não está atrelada à possível harmonia
das circunstâncias externas de nossa vida (Jo 14.27). Paulo novamente faz uso de
eirene na sua carta aos romanos, dizendo que a inclinação do cristão à influência
do Espírito produz naquele a paz (Rm 8.6).

Portanto, está claro que as pessoas que, pela fé, aceitam o sacrifício substitu-
tivo de Cristo, desfrutam de uma sensação de paz cuja natureza difere muito da
paz incompleta e ilusória oriunda de circunstâncias externas. A paz produzida pela
amizade com Deus é, em contraposição, completa e verdadeira; e quanto mais o
fruto do Espírito estiver sendo amadurecido no cristão, maior será esta sensação de
paz gozada pelo crente.

 Longanimidade
O substantivo “longanimidade” tem sua origem na palavra grega m
­ akrothumia,
que, por sua vez, é formada por duas outras palavras gregas: makros (“longo”) e
thumos (“temperamento”). Portanto, longanimidade significa “indulgência”, “cle-
mência”, “resignação”, ou, mais propriamente, “longo temperamento”. O termo
longanimidade, logo, remete à capacidade de suportar afrontas. Por isso, Vine diz
que a “longanimidade é a qualidade de autodomínio em face da provocação que
não retalia impetuosamente ou castiga prontamente; é o oposto de raiva, e está
associado com a misericórdia”.

Assim, o uso comum do termo “paciência” relacionado à disposição miseri-


cordiosa frente às afrontas pessoais está equivocado. Acerca da paciência, Vine,
valendo-se de ferramentas filológicas, esclarece que “é a qualidade que não se
rende às circunstâncias ou sucumbe sob às provas; é o oposto do desalento e está
associado com a esperança (1Ts 1.3).”

Esta fração do fruto do Espírito pode ser observada no cristão, por exemplo, no
texto de 2 Coríntios 6.6, em que Paulo apresenta a longanimidade como uma das
qualidades a ser almejadas pelos ministros de Deus. O mesmo apóstolo, em Efésios
4.1-3, pede aos crentes de Éfeso que ajam de forma coerente com sua salvação e
apresenta a longanimidade como uma das qualidades que evidencia a condição
de uma pessoa que foi alcançada pelo Evangelho, instando os efésios a cultivá-la.
Um discurso semelhante foi apresentado aos colossenses no qual Paulo pede para
que eles, por serem salvos em Cristo, caminhem de acordo com essa condição,
revestindo-se de – entre outras qualidades –longanimidade (Cl 3.12).

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03 ESPÍRITO SANTO

Por fim, podemos notar este aspecto do fruto do Espírito no próprio apóstolo
Paulo, quando ele relata que Timóteo estava testemunhando de perto a sua longa-
nimidade (2Tm 3.10).

 Benignidade
Do grego chrestotes, esta palavra significa “bondade de coração”, “generosi-
dade”, “afabilidade”. Vine acrescenta que este termo significa “não meramente a
bondade ou benignidade como qualidade, antes, é a bondade ou benignidade em
ação, a bondade ou benignidade que se expressa em atos” (Notes on Galatians, de
Hogg e Vine, citado no Dicionário Vine).
Esta qualidade do fruto do Espírito aparece nos textos do Novo Testamento,
em alguns casos, traduzido simplesmente como “bondade”. Paulo, em 2Coríntios
6.6, nos apresenta a benignidade como uma das qualidades requisitadas para o
pastorado “recomendando-nos a nós mesmos como ministros de Deus: na muita
paciência, nas aflições [...], na pureza, no saber, na longanimidade, na bondade”
(o termo aqui é chrestotes). O mesmo apóstolo insta os cristãos de Colossos a re-
vestirem-se de bondade, dentre outras qualidades: “Revesti-vos, pois, como eleitos
de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade” (o termo
aqui, novamente, é chrestotes – Cl 3.12).
Portanto, a benignidade, como fruto do Espírito, reflete a amabilidade servil de
Cristo e revela esta faceta do caráter divino.

 Bondade
Esta palavra aparece originalmente em Gálatas 5.22 como agathõsune. Embora
as diferenças conceituais entre benignidade e bondade (chrestotes e ­a gathõsune)
não aparentem ser grandes, alguns exegetas distinguem os significados de ambos
os termos. Vine, mostrando a opinião de Trench, diz que chrestotes “descreve os
aspectos mais benevolentes da ‘bondade’, o último (agathõsune) inclui também
as qualidades mais rígidas, pelas quais fazer o ‘bem’ aos outros não significa neces-
sariamente fazer por meios gentis” (Dicionário Vine). Trazendo a opinião de outro
exegeta, Vine diz que “Lightfoot considera o termo chrestotes uma disposição be-
nevolente para com outros; e o termo agathõsune, uma atividade gentil em defesa
deles” (Dicionário Vine).
Existem ainda outras opiniões a respeito das diferenças entre chrestotes e
a
­ gathõsune, contudo, o exame filológico aprofundado não é nosso objeto nessa
disciplina. Para fins práticos, podemos, sem erro, aceitar o substantivo “bondade”
de Gálatas 5.22 como sendo uma qualidade moral semelhante à benignidade, po-
rém, com uma ideia de “justiça” que pode estar embutida no termo.

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

O Novo Testamento nos traz exemplos dessa palavra como resultado da in-
fluência do Espírito Santo no cristão. Em Romanos 15.14, Paulo testemunha que os
crentes da igreja em Roma estavam “possuídos de bondade”. Além disso, num dis-
curso semelhante ao de Gálatas 5.22, o mesmo apóstolo, aos crentes de Éfeso, diz
que “o fruto da luz consiste em toda bondade” (Ef 5.9).

 Fidelidade
Do grego pistis , esta palavra pode ser primariamente traduzida como “persu-
asão firme” e, no Novo Testamento, sempre está ligada a Deus, Jesus, ou às coisas
espirituais. Vine esclarece que pistis “é usada com referência: ( a ) à confiança; ( b ) à
fidedignidade, fidelidade, lealdade; ( c) por metonímia, ao que é crido, o conteúdo
da crença, a ‘fé’; (d ) à base para a ‘fé’, à garantia, à certeza; (e) a um penhor de
fidelidade, fé empenhada.” ( Dicionário Vine ). Uma vez que, no caso de Gálatas
5.22, o contexto parece indicar o sentido de “fidelidade” para esta palavra grega,
a versão Almeida Revista e Atualizada (ARA) optou, propriamente, por traduzir pistis
por fidelidade.

Embora todo ser humano seja capaz de, em alguns níveis, ser fiel, a fidelidade
como fruto do Espírito é caracterizada pela capacidade do cristão em ser fiel a
algo ou alguém de forma altruísta. Em outras palavras, a fidelidade no cristão como
reflexo da fidelidade Deus, constitui-se em um tipo de fidelidade incondicional.

Obviamente, todo e qualquer atributo componente da imago dei (imagem de


Deus) no homem é de natureza imperfeita. Todavia, tais atributos que caracterizam
no homem a imagem de Deus podem ser aperfeiçoados no cristão a ponto de
distinguirem-se dos mesmos atributos presentes no homem não regenerado, como
vimos no caso do amor, estudado linhas anteriores.

Seguindo o padrão da verificação de exemplos utilizado até o momento, ve-


jamos nas Escrituras como a fidelidade floresce nos cristãos na qualidade de fruto
do Espírito Santo.

O Senhor Jesus, dirigindo-se aos escribas e fariseus, disse que os preceitos mais
importantes da Lei, e justamente os que estavam sendo por eles ignorados, são a
justiça, a misericórdia e a fé (pistis no sentido de lealdade – Mt 23.23). A Tito, Pau-
lo pede que oriente os cristãos escravos a darem, em coesão com a vontade de
Deus, prova de sua fidelidade, não furtando os seus senhores. O texto de 1Coríntios
4.2 traz uma explícita declaração acerca da fidelidade ao Senhor que é requerida
dos ministros do Evangelho. Por fim, Paulo pede a seu amigo Timóteo que só trans-
mita os ensinamentos e a doutrina recebida a cristãos fiéis (2Tm 2.2).

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 68


DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

 Mansidão
A palavra “mansidão” vem do grego praütes, cuja tradução, se realizada em
uma palavra, não pode esgotar o significado do termo original. Vine nos esclarece
que seu uso nas Escrituras traz um significado bem mais extenso que quando usado
no grego secular: praütes. Na Bíblia, mansidão “não consiste só no ‘comportamen-
to exterior da pessoa; nem ainda em suas relações para com o próximo; tampouco
na sua mera disposição natural. Antes é uma entretecida graça da alma; e cujos
exercícios são primeira e primariamente para com Deus.’” (Dicionário Vine).

Dessa forma, a conclusão a que podemos chegar é que a “mansidão” de Gála-


tas 5.22 traz um significado mais próximo da capacidade de deixar-se guiar man-
samente por Deus, sem resisti-lo (tal imagem nos remete à forma que uma ovelha
deixa-se guiar por seu pastor; não coincidentemente é a imagem frequentemente
atribuída aos cristãos).

Para aprofundar o conceito de praütes, Vine, citando Trench, continua dizendo


que este termo refere-se ao “temperamento de Espírito [ou, simplesmente, disposi-
ção] no qual aceitamos seus procedimentos conosco como bons, e, portanto, sem
disputar ou resistir [...]. Esta mansidão, porém, sendo em primeiro lugar uma mansi-
dão perante Deus, também o é diante dos homens, até de homens maus, prove-
niente de um senso de que estes, com os insultos e danos que possam infligir, são
permitidos e empregados por ele para castigo e purificação dos eleitos” (Trench,
New Testament Synonyms, citado no Dicionário Vine).

Consideradas as devidas definições, vejamos como a mansidão floresceu no


caráter dos crentes neotestamentários. Paulo, escrevendo a Tito, pede que os cris-
tãos sob seu pastorado deem provas de toda a sua cortesia (o termo aqui é praütes
- Tt 3.2). Novamente, em Colossenses 3.12, Paulo conclama os cristãos a se reves-
tirem de mansidão. O mesmo apóstolo pede a Timóteo que, na qualidade de ho-
mem de Deus, busque a mansidão (Tm 6.11). Como um último exemplo, Tiago pede
que os cristãos recebam a Palavra de Deus com mansidão (Tg 1.21).

 Domínio Próprio
Esta qualidade trazida a nós pelo Espírito de Deus vem do grego enkrateia.
Acerca de sua definição, Vine diz que o termo “autocontrole” é uma tradução pre-
ferível à “temperança”, “visto que a ‘temperança’ está limitada a [apenas] uma
forma de autocontrole”, e prossegue dizendo que “as várias capacidades concedi-
das por Deus ao homem são passíveis de abuso; o uso correto delas exige o poder
controlador da vontade sob a operação do Espírito de Deus” (Dicionário Vine).

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 69


DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

Nas laudas neotestamentárias podemos ver os exemplos desta qualidade de


Cristo atuando nos cristãos mediante a obra do Espírito Santo. Além do texto de
Gálatas 5.22, o Novo Testamento traz enkrateia em Atos 24.25 e 2Pedro 1.6.
Lucas, em Atos 24.25, narra Paulo dissertando “acerca da justiça, do domínio
próprio e do juízo vindouro”. Por sua vez, Pedro, em sua segunda epístola, entrela-
ça as qualidades: conhecimento, domínio próprio e perseverança, atribuindo-lhes
uma relação sinergística de funcionamento; de forma que, para o exercício do au-
tocontrole é necessário o conhecimento da natureza das situações nas quais esse
autocontrole é exigido.
Da mesma forma, a perseverança deve estar ligada ao autocontrole, uma vez
que manifestações esporádicas e arbitrárias de domínio próprio não podem ser
consideradas como expressões de um caráter transformado pelo Espírito, cujas vir-
tudes não são esporádicas, mas eternas.
Portanto, o domínio próprio ou autocontrole é um aspecto do fruto do Espírito
que, quando desenvolvido em nós, permite-nos refrear impulsos oriundos da “car-
ne” ou mesmo gerar disposições favoráveis à “nova natureza”, a natureza do cris-
tão regenerado.
Concluindo este capítulo, o fruto do Espírito Santo é o resultado de uma opera-
ção mediante a qual as qualidades do caráter divino são implantadas e amadure-
cidas no homem regenerado com o objetivo de restaurar-lhe a imagem de Deus e,
assim, glorificar ao Senhor. Além disso, não obstante esteja claro que o fruto “é do
Espírito”, podemos, segundo o que estudamos, perceber um elemento sinergístico
no amadurecimento de cada qualidade deste fruto. De alguma forma, a partici-
pação volitiva do homem é requisitada para o amadurecimento de um caráter
semelhante ao de Cristo. No entanto, de maneira nenhuma qualquer prêmio de
merecimento deve ser outorgado ao homem por desenvolver sua salvação com
temor e tremor, uma vez que Deus é quem efetua no cristão tanto o querer como
o realizar (Fp 2.12,13).
Busquemos, portanto, o desenvolvimento e o amadurecimento do fruto do Es-
pírito e, assim, retornemos ao propósito para o qual fomos criados (Is 43.7).

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 70


DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

Quadro filológico

Aspecto do fruto Versão Revista e Versão Revista e


(grego) Corrigida (ARC) Atualizada (ARA)

agape Amor Amor

chara Gozo Alegria

eirene Paz Paz

makrothumia Longanimidade Longanimidade

chrestotes Benignidade Benignidade

agathõsune Bondade Bondade

pistis Fé Fidelidade

praütes Mansidão Mansidão

enkrateia Temperança Domínio Próprio

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 71


DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

q Conclusão

A partir de um sério estudo paracletológico é possível concluir que o Espírito


Santo, por compor essencialmente a Trindade Divina, merece um estudo pro-
fundo e sistemático, semelhante aos estudos dirigidos ao Deus Pai e ao Deus Filho.
Em relação ao Espírito Santo, tal estudo faz-se ainda mais necessário ao teólogo
comprometido com a ortodoxia da fé cristã, uma vez que a ele cabe o labor apologé-
tico da doutrina bíblica frente aos inúmeros desvios doutrinários promovidos por seitas
e heresias antigas e contemporâneas.
Pudemos também concluir que o estudo acerca do Espírito Santo e sua obra é
indispensável para um saudável amadurecimento na fé por parte de todos os cristãos;
assim, cabe também ao teólogo a tarefa de ensinar educacionalmente a sã doutrina
servindo à Igreja e contribuindo para o avanço do Reino – que é o “fim último” do es-
tudo da teologia.
Portanto, ao Deus Triúno, cujo conhecimento jamais nos seria possível não fosse
a operação do Espírito Santo, e cuja providência salvífica não poderia nos ser real, se
não fosse sua habitação em nós, seja toda a glória.

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DOUTRINA DO
03 ESPÍRITO SANTO

q Referências bibliográficas
BÍBLIA DE ESTUDO ANOTADA EXPANDIDA. São Paulo: Mundo Cristão, Ed. rev.
e expandida, 2007.
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2ª edição,
2009.
BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL. Rio de Janeiro: CPAD, 2006
GILBERTO, Antônio, et. al. Teologia Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro:
CPAD, 2ª edição, 2008.
RYRIE, Charles C. Teologia Básica. São Paulo: Mundo Cristão, 2004.
VINE, W. E.; UNGER, Merril F.; WHITE, William Jr. Dicionário Vine. Rio de Janeiro:
CPAD, 2011.
ZABATIERO, Júlio. Manual de Exegética. São Paulo: Hagnos, 2007.
Pentecostalismo. Pseudo-pentecostais: nem evangélicos, nem protestantes.
Disponível em: http://www.pentecostalismo.wordpress.com/category/pen-
tecostalismo-classico/ (acessado em maio de 2012).
Estudantes de Teologia. Os dons revelacionais são para hoje?, Disponível em:
http://www.doutrinacalvinista.blogspot.com.br/search/label/Pentecostalis-
mo (acessado em maio de 2012).
Teologia Pentecostal. Batismo no Espírito Santo, Disponível em: http://www.
teologiapentecostal.com/2011/12/batismo-no-espirito-santo.html (acessado
em maio de 2012).

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