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Spoilers

Gregorio Duvivier, na Folha de S.Paulo

Uma mulher é assassinada no Baixo Gávea ao meio-dia. Um avião é derrubado e mata


300 pessoas. Morre João Ubaldo Ribeiro. Israel invade a Faixa de Gaza.

A morte dos outros é um spoiler. Parece te revelar algo que você não sabia, ou fingia
não saber sobre você mesmo: você vai morrer. Olhe à sua volta. Todo o mundo vai morrer. A
vida é pior que “Game of Thrones”. Não sobra nem o anão.

A vida só é possível enquanto a gente esquece que a morte está à espreita. Os jornais,
como a revista “Minha Novela”, contam o que a gente não quer saber. “Olha a morte ali, te
esperando. Nada disso faz sentido. Nunca fez.”

Há quem busque um sentido na religião, que jura que o melhor está por vir. O padre dá
ao beato o mesmo conselho que um fã de “Breaking Bad” dá àquele que está começando a
série: só vai ficar bom mesmo lá na última temporada. Mas não pode pular nenhum capítulo.
Você vai ser recompensado. Confia em mim.

O que vale para “Breaking Bad” não vale para a vida. O câncer não regride quando
você começa a vender droga —infelizmente. A vida está mais pra “Lost”. A cada episódio
que passa surgem novos mistérios. Prometem que no final tudo vai se esclarecer mas tudo
acaba de repente, com todo o mundo se abraçando. Só te resta a perplexidade: mas e aquele pé
gigantesco? E aqueles números malditos? E aquele moço que usa lápis no olho e não
envelhece? E o Rodrigo Santoro? Esquece. A vida vai morrer na praia.

O que entendi é que é melhor desistir de entender. O roteirista da vida é


preguiçosíssimo. Personagens queridos somem do nada. Personagens chatíssimos duram pra
sempre. Tem episódios inteiros de pura encheção de linguiça e, de repente, tudo o que deveria
ter acontecido numa temporada inteira acontece num dia só. As coincidências não são críveis
-e numerosas demais. A vida é inverossímil.

Aí você me pergunta: vale a pena ver um seriado tão longo que pode ser interrompido
a qualquer momento sem que te expliquem p*%#@ nenhuma?

Talvez valha, como “Seinfeld”, pelas tardes com os amigos tomando café e falando
merda. Ou, como “Girls”, pelas cenas de sexo. E pela nudez. Talvez valha, como “Chaves”,
pra rir das mesmas piadas e chorar quando você menos espera. E vale pelos churros. E pelos
sanduíches de presunto.

E vale, de qualquer maneira, porque a vida, chata, óbvia ou repetitiva, é só o que está
passando.

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