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Educação Contextualizada

Book · April 2015


DOI: 10.13140/RG.2.1.4343.1769

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2 authors, including:

Israel Brandão
Universidade do Vale do Acaraú
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EDUCAÇÃO
CONTEXTUALIZADA

Fortaleza, CE - 2015
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA
© 2015 Copyright by Israel Rocha Brandão / José Edvar Costa de Araújo
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Efetuado depósito legal na Biblioteca Nacional

Editora Caminhar Ltda


Av. Dom Manuel, 709
Bairro: Centro — Fortaleza-Ceará — CEP: 60060-090
Site: www.edcaminhar.com.br
E-mail: edcaminhar@hotmail.com
edcaminhar@edcaminhar.com.br
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Almerindo Janela Afonso | Portugal
Profa. Dra. Ariana Cosme | Portugal
Prof. Dra. Antonia Ieda de Sousa Prado | Brasil
Prof. Dr. Casemiro de Medeiros Campos | Brasil
Profa. Ms. Erika Bataglia da Costa | Brasil
Prof. Ms João Álcimo Viana Lima | Brasil
Profa. Dra. Lídia Azevedo de Menezes | Brasil
Profa. Dra. Milena Marcintha Alves Braz | Brasil
Profa. Ms Raphaela Cândido | Brasil
Prof. Dr. Rui Trindade | Portugal
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Prof. Dr. Casemiro de Medeiros Campos | Editor Chefe
PROJETO GRÁFICO E CAPA
Alexssandro Lima
FOTOGRAFIA DA CAPA
Fernanda de Façanha e Campos
REVISÃO DE TEXTO
Iris Farias Carbajal
FILIADA À CÂMARA CEARENSE DO LIVRO - CCL
Ficha Catalográfica
Elaborada pela Bibliotecária Perpétua Socorro Tavares Guimarães
CRB 3- 801-98
Educação contextualizada / Israel Rocha Brandão e José Edvar Costa de Araújo
[organizadores].
- Fortaleza: Editora Caminhar, 2015.
180 p.
ISBN : 978-85- 64499-06-5
1. Educação I. Brandão, Israel Rocha II. Araújo, José Edvar Costa de III. Título
CDD 370

Obra realizada com apoio financeiro da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Israel Rocha Brandão
José Edvar Costa de Araújo
(Organizadores)

EDUCAÇÃO
CONTEXTUALIZADA

Fortaleza - CE
2015
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .........................................................................................9
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EXCEPCIONALIDADE: DO CONCEITO
ÀS FORMAS DE ATENDIMENTO NA EDUCAÇÃO .............................11
Introdução .............................................................................................11
História da Educação Especial no Brasil e no Ceará: A excepcionalidade
em foco .....................................................................................14
Conclusão ..............................................................................................24
Referências .............................................................................................25
EDUCADORES EM ESPAÇOS NÃO ESCOLARES: FORMAÇÃO E
DESAFIOS NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL
VALE DO ACARAÚ ..................................................................................27
A formação de educadores para atuar em espaços não escolares surge na reformulação
curricular de 2001 .................................................................................................... 27
O contexto amplo da reformulação curricular de 2001 .........................27
O contexto próximo da reformulação curricular de 2001 ......................29
Características básicas da proposta de reformulação de 2001 .................32
A proposta de formar educadores para espaços não escolares .................33
Formação do Profissional em Educação para Atuar em Espaços não Escolares:
Questões e Desafios .....................................................................................35
Os núcleos na proposta curricular do Curso de Pedagogia da Universidade
Vale do Acaraú ..................................................................................................35
O Núcleo Movimentos Sociais e Educação Popular ..............................36
Campos de atuação profissional do pedagogo em espaços educativos não
escolares: oportunidades e incógnitas ....................................................38
Ambientes educativos não escolares potencialmente abertos ao pedagogo ...38
Saberes necessários ao profissional da educação em espaços não escolares...39
Construção de perspectivas para a formação dos educadores para espaços não
escolares no Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú ........40
Conclusão ..............................................................................................41
Referências .............................................................................................41
OS FAVORITOS PRECÁRIOS: ASPIRAÇÕES E PERSPECTIVAS DE
TRABALHO DE JOVENS ESTUDANTES DO ENSINO SUPERIOR ....43
Introdução .............................................................................................43
O novo metabolismo social do trabalho e a precarização do homem que
trabalha .................................................................................................47
“A dialética entre o feijão e o sonho”......................................................50
Conclusão ..............................................................................................57
Referências .............................................................................................59
A RODA COMO ESPAÇO DE RECRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE ......60
Referências: ............................................................................................64
O LIVRO DE TODOS: EDUCAÇÃO POPULAR E FORMAÇÃO POLÍTICA
EM CRATEÚS NA DÉCADA DE 60 DO SÉCULO XX ...........................66
Resumo .................................................................................................66
Mãos dadas ............................................................................................67
Pequena descrição d’o livro de todos......................................................70
Não nos afastemos muito .......................................................................73
Conclusão .............................................................................................76
Referências ............................................................................................77
ENTENDENDO SOBRE A CRIATIVIDADE: PERSPECTIVA DOS
DOCENTES E DISCENTES DO CURSO DE PEDAGOGIA DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ ................................79
Introdução .............................................................................................79
A criatividade e a educação como locus privilegiado para seu desenvolvimento.81
A criatividade: do desenvolvimento pessoal ao desenvolvimento coletivo .......83
O que entendemos sobre criatividade: o grupo pesquisado ....................88
Análise dos resultados da pesquisa .........................................................91
Conclusão ..............................................................................................95
Referências ............................................................................................96
O USO DA FOTOGRAFIA PARA O ESTUDO DA HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO BRASILEIRA .......................................................................98
Introdução .............................................................................................98
O uso da fotografia: um ensaio metodológico para o estudo da História da
Educação Brasileira . ...................................................................................... 100
As fotografias dos alunos: que revelações trazem para a história da educação
brasileira?.............................................................................................102
Conclusão ...........................................................................................109
Referências . .........................................................................................110
(RE) SIGNIFICANDO AS PRÁTICAS EDUCATIVAS DA EJA À LUZ DO
PENSAMENTO PEDAGÓGICO DE PAULO FREIRE E OS SABERES DA
VIDA COTIDIANA DOS EDUCANDOS ..............................................111
Introdução ..........................................................................................111
O pensamento pedagógico de Paulo Freire e a humanização ...............113
Referências ..........................................................................................117
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
TREMEMBÉ DE ALMOFALA: ALGUMAS APROXIMAÇÕES ............119
Introdução ...........................................................................................119
Educação escolar indígena no Brasil: por que uma educação diferenciada? ..121
A experência dos índios tremembé de Almofala e o magistério indígena
tremembé superior no contexto da luta por educação escolar diferenciada
indígena ..............................................................................................127
Conclusão ...........................................................................................133
Referências ..........................................................................................135
ENSINO SUPERIOR: PRIMEIRAS REFLEXÕES SOBRE ACESSIBILIDADE
E AVALIAÇÃO PARA PESSOA COM DEFICÊNCIA NA UNIVERSIDADE
ESTADUAL VALE DO ACARAÚ .............................................................136
Introdução ..........................................................................................136
Pessoa com deficiência e a política de inclusão pós - 1990 .........................137
Acessibilidade e avaliação: primeiras impressões na Universidade Estadual
Vale do Acaraú .....................................................................................141
Conclusão ...........................................................................................145
Referências ..........................................................................................146
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DIFERENTES ABORDAGENS SOBRE
UM FENÔMENO COMPLEXO .............................................................149
Introdução ...........................................................................................149
Um pouco da história da avaliação educacional ...................................150
Modelos de avaliação ...........................................................................153
Avaliação tradicional ...........................................................................153
Avaliação diagnóstica ..........................................................................153
Avaliação mediadora ...........................................................................155
Avaliação dialógica ..............................................................................158
Conclusão ...........................................................................................160
Referências ..........................................................................................161
AFETIVIDADE, EMOÇÃO E APRENDIZAGEM: EM BUSCA DE NOVOS
CAMINHOS PARA A PRÁTICA DOCENTE .........................................163
Introdução ...........................................................................................163
Na concretude dos sentimentos: as questões afetivas em sala de aula ...164
Para além da razão: um novo conceito nas relações entre professor e aluno e
na busca pela aprendizagem ...............................................................166
Aprendendo pelo “avesso”: a emoção como ferramenta da aprendizagem ...171
Referências ..........................................................................................174
APRESENTAÇÃO
A leitura dos textos deste livro revela que eles foram pro-
duzidos por motivações variadas e em circunstâncias diversas. E que,
apesar desta variedade, existe um fio, ora mais tênue ora mais denso,
que os liga em suas diferenças: a formação humana e a formação
profissional a partir da experiência vivida por professores e estudantes
envolvidos com os processos de formação de educadores.
O fio que interliga estes temas, que parecem fazer parte dos
mais intensos sentimentos e raciocínios que mobilizam os educadores
e professores de todos os níveis e modalidades de ensino em qualquer
lugar do universo, está urdido por um conjunto de valores entres os
quais destacamos: inclusão social, participação política, conhecimen-
to sistemático e saberes da experiência, identidades socioculturais,
criatividade, razão e emoção. Vejamos mais de perto.
Adriana Melo de Farias e Yzy Maria Rabelo Câmara se
apresentam com o esboço de um percurso histórico do conceito de
excepcionalidade até alcançar a perspectiva da inclusão social; esta
inclinação é fortalecida por Marla Viera Moreira de Oliveira e Tania
Vicente Viana ao vincular a avaliação da aprendizagem e o papel
inclusivo da educação.
O desafio da inserção plena dos sujeitos em seus ambientes
sociais é também o objeto do pensar de Maria Isabel Silva Bezerra
Linhares sobre as aspirações e perspectivas de trabalho para os jovens
egressos do ensino superior; leitura que pode ser associada à reflexão
de Israel Rocha Brandão sobre o uso do “Método da Roda” como
instrumento metodológico propiciador da recriação de práticas parti-
cipativas na universidade.
José Edvar Costa de Araújo tematiza os caminhos da forma-
ção de educadores para atuação em espaços não escolares; a atividade
formativa é também o assunto de Maria Luzinette F. Mendes e Maria
do Socorro Sousa e Silva, que analisam a formação de professores para
a educação indígena na experiência dos Tremembés; Ivna de Holanda
Pereira se aproxima das questões da formação através do exame da
utilização da fotografia nos estudos de História da Educação; já Pau-

9
lina Maria Mendes Parente interroga a formação de educadores com
um estudo acerca da visão de docentes e discentes sobre o papel da
criatividade na educação.
A docência é tratada por Maria Neusita Tabosa, que aborda
as práticas educativas da Educação de Jovens e Adultos à luz dos
saberes dos educandos; por Luciano Gutembergue Bonfim Chaves e
Maria Ivane Sales que discutem: material didático, educação popular,
alfabetização e participação política em Crateús nos anos de 1960;
por José Reginaldo Feijão Parente, ao explicitar o modo de proceder à
avaliação da aprendizagem em uma perspectiva dialógica; e pela defe-
sa que fazem Francisco Ullissis Paixão e Vasconcelos e Dayse Paixão e
Vasconcelos de uma prática docente que considere o papel da emoção
e da afetividade na aprendizagem.
Reflexões originadas do compromisso surgido das práticas,
estes textos merecem ser lidos como ponto de partida no trabalho de
autoconstrução do leitor.

10
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA
EXCEPCIONALIDADE: DO CONCEITO
ÀS FORMAS DE ATENDIMENTO NA
EDUCAÇÃO 1

Adriana Melo de Farias2


Yzy Maria Rabelo Câmara³

Introdução
Este artigo tem como objetivo principal analisar o percurso
histórico do conceito de excepcionalidade, ressaltando as diferentes
representações socioculturais vigentes nas sociedades ao longo dos
séculos, como também refletir acerca das formas de atendimento às
pessoas em situação de deficiência, no âmbito da História Educacio-
nal Brasileira.
Para iniciar estas reflexões, gostaria de esclarecer que a con-
ceituação do termo “deficiência”, ao longo dos tempos, é determinada
pelas representações socioculturais de cada comunidade, em diferentes
gerações, como também pelo seu nível de desenvolvimento científico,
político, ético e econômico.
Além disso, as bases socioculturais desta terminologia sem-
pre foram marcadas por forte sentimento de rejeição, preconceito e
exclusão social, pois nem todos os indivíduos conseguiam se enquadrar
nos ditos padrões “normais” de comportamentos vigentes nos diversos
contextos e, desse modo, por apresentarem características diferenciadas
eram retratados de forma preconceituosa e excludente, conforme nos
fala Amaral (1995, p. 44) apud Leitão ( 2008, p. 41):

1
Este artigo foi elaborado para apresentação no Seminário de Educação Brasileira
do Mestrado em Educação Brasileira do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Ceará ministrado pela Profª Drª Maria Juraci Maia
Cavalcante.
2
A autora é Psicóloga e Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do
Ceará. E-mail: adrianamelodefarias@bol.com.br.
3
A coautora é Psicóloga, Assistente Social e Mestre em Saúde Pública pela Universidade
Federal do Ceará. E-mail: yzycamara@gmail.com .

11
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

(...) Platão, em seu livro “A República”, ao


referir-se à medicina e jurisprudência, nega
a proteção legal aos cidadãos corporalmente
defeituosos, recomendando o esconderijo para
o filho dos homens inferiores (...). No texto
da Política de Aristóteles, quando o grande
pensador sugere a necessidade da existência de
uma lei que proíba nutrir toda criança que seja
disforme.
Neste período, denominado de Idade Antiga, as concepções
pré-científicas sobre as deficiências eram influenciadas por valores cul-
turais, espirituais e éticos do que por explicações organicistas, como
também as práticas sociais de extermínio e exclusão dessas populações
eram socialmente legitimadas.
Com o advento da Idade Média, as atitudes e os senti-
mentos frente às limitações sensoriais dos indivíduos passam a ser
contraditórios e ambivalentes indo desde a rejeição extrema, piedade
até a superproteção.
Os cegos e surdos, nesta mesma época, descreve Amiralian
(1986, p. 2) eram reverenciados como videntes, profetas e adivinhos
sendo atribuídos a eles dons e poderes sobrenaturais. Já com os psi-
cóticos, a postura da sociedade, era diferente, pois nos momentos de
crise, acreditava-se que o corpo estava sendo possuído por demônios
revelando portanto, a intensificação da crença no sobrenatural, subme-
tendo a compreensão das deficiências a poderes mágicos-espirituais.
De acordo com Brasil (2002), ainda no início do século
XVII:
(...) surgiram os primórdios de uma forma de
atendimento caracterizado como assistencial
(hospitais, abrigos e prisões), na qual
organizações cristãs prestavam ajuda aos
doentes de toda espécie. Mesmo assim, ainda
pouco interesse se tinha por essas pessoas
que continuavam sendo marginalizadas pela
sociedade.
Neste mesmo período, portanto, surgem as instituições
religiosas-assistencialistas que abrigavam na Europa os desvalidos,

12
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

indigentes, doentes e portadores de deficiências diversas; pregando


com isso, a caridade típica das instituições cristãs da época.
Percebe-se, no entanto, que tal prática de caridade se des-
tinava aos sujeitos que, por qualquer razão, divergiam dos padrões
“normais” de comportamento da época e que, portanto instituciona-
lizá-los seria um mecanismo fácil de torná-los invisíveis e distantes da
sociedade local.
Já no Renascimento, com a valorização do saber científico,
iniciou-se a busca por explicações racionais que pudessem melhor
identificar e, ao mesmo tempo, classificar as diferenças comporta-
mentais presentes nos sujeitos que se encontravam reclusos nos asilos,
hospícios e prisões da Europa.
Essas preocupações surgiram à medida que a ciência médica
se desenvolveu na Europa e foi com Pinel, médico francês do século
XVIII, que ocorreu uma importante modificação na concepção do
termo “deficiência”, deixando de ter a representação social mágico-es-
piritual, passando a ser entendido como sinônimo de doença.
Assim como em todos os campos da ciência biológica, esta
mudança de concepção possibilitou uma reflexão organicista das de-
ficiências no cenário científico da Europa o que se caracterizou, neste
período, como uma atitude cuidadora, haja vista que a ciência médica
começou a estudar, compreender e propor formas de tratamento.
Além da conceituação histórico-cultural, a assistência
educacional prestada às pessoas com deficiência na Europa acontecia
exclusivamente em algumas instituições religiosas de forma solitária e
excludente como afirma Mendes (2001):
Na França, em 1620, com a tentativa de
ensinar mudos a falar foram fundadas em
Paris, as seguintes instituições especializadas
na educação de pessoas com deficiência: A
educação de surdos com o abade Charles L.
Eppé, que criou o Método dos Sinais e, em
1834, Louis Braille, criou o sistema de leitura
e escrita por caracteres em relevo, denominado
sistema Braille, abrindo portanto, perspectivas
de comunicação, educação e independência
para as pessoas cegas e surdas.

13
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

Estas iniciativas pioneiras na Europa, particularmente na


França, foram fundamentais, ainda nos dias atuais, para a inclusão
social das pessoas com deficiência, pois se começou de fato a estudar
e analisar o comportamento destes sujeitos, os princípios que regem
a aquisição destes comportamentos e as influências sociais nestas
aquisições.
Tal compreensão foi decisiva para a constituição da ciência
na Europa, no século XX, tendo em vista que novas descobertas se-
riam realizadas pelo conhecimento psicológico, como nos fala Leitão
(2008, p. 61):
Nessa área, Alfred Binet dá as contribuições
iniciais ao pesquisar as aptidões físicas e
mentais de crianças em idade escolar e, em
colaboração com Théodore Simon, cria os
testes de inteligência. Estabelecendo assim a
primeira escala para crianças, identificando
graus de inteligência.
Como se observa, a ciência psicológica abre novos espaços
para a compreensão das deficiências, particularmente da deficiência
mental proporcionando assim um novo olhar da ciência, não restrita
apenas a uma leitura organicista própria dos saberes médicos da
época, embora se saiba que no início as ciências, como Psicologia e
Pedagogia, estreitavam relações ainda tímidas com o saber médico
predominante na Europa e que somente com a verificação por parte
dos médicos da ineficácia das medidas de controle; é que se pensou na
possibilidade de instrução pedagógica para as pessoas com deficiência.

História da Educação Especial no Brasil e no


Ceará: A Excepcionalidade em Foco
Doravante estes fatos da História da excepcionalidade na
Europa, o Brasil também teve sua história de exclusão da diferença
que começa no período do Brasil-Colônia nas tribos indígenas, as
quais sacrificavam suas crianças com deficiências físicas e sensoriais
logo ao nascer, sendo esta uma prática legitimada culturalmente haja
vista que se tratava de comunidades que viviam da caça e pesca e
guerreavam contra os invasores.

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Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

No Brasil, a História da Educação dos Excepcionais, de


acordo com Pinto (2004, p. 101) teve seu início oficializado em 1854,
quando D. Pedro II fundou, na cidade do Rio de Janeiro, o Imperial
Instituto dos Meninos Cegos, atualmente é o Instituto Benjamin
Constant. A sua fundação se deu por um cego brasileiro, José Álvares
de Azevedo que se inspirou no Instituto dos Jovens Cegos de Paris
onde estudou e, ao retornar ao Rio de Janeiro, publicou um livro
sobre a instituição francesa despertando o interesse do médico do
Imperador cuja prole era formada por uma filha cega.
De acordo com Mazzotta (2005, p. 29), além do Instituto
dos Meninos Cegos, em 1857, foi fundado o Instituto Imperial de
Educação de Surdos cuja escola estava voltada para a educação literá-
ria e o ensino profissionalizante de meninos e meninas surdos-mudos
de 7 a 14 anos.
Analisando este período, no Brasil, nos parece que tais
iniciativas são atos inusitados, porém, as instituições não estavam pre-
paradas para oferecer uma educação formadora de sujeitos autônomos
e por isso, não passaram de
(...) medidas e lampejos de paternalismo, do
que a criação do Colégio D. Pedro II e dos
institutos de cegos e surdos-mudos, como as
principais instituições educativas da capital do
país em 60 anos de reinado.(TEIXEIRA, 1968
apud MENDES, 2001, p. 12).
Desse modo, essa fase da História da Educação Especial
no Brasil corresponde à “Era da Negligência” por se caracterizar pelo
total descaso da população e do governo para com a educação das
pessoas com deficiência, haja vista as poucas instituições educacionais
existentes durante os 60 anos de reinado.
Neste período, de acordo com a obra de Oswaldo de Olivei-
ra Riedel, intitulada “Perspectiva Antropológica do Escravo no Ceará”
(1988), foi realizado um Censo em 1872, que revelou somente no
Ceará uma
(...) maior incidência de aleijados e cegos,
entre os escravos; e os livres, em contrapartida,

15
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

maior frequência de surdos-mudos, dementes


e alienados.
Estas informações provenientes deste censo só foram di-
vulgadas, segundo o referido autor, cinco anos depois da realização
deste recenseamento revelando portanto o total descaso do Império
para com estas pessoas, independente de serem livres ou escravas pois
somente cinco anos depois foi divulgado a quantidade e as condições
de vida dos deficientes no Brasil.
De acordo com Riedel (1988, p. 92), as deficiências no
período da escravidão do negro no Brasil foram decorrentes de vários
aspectos, dentre eles, estão: os aspectos congênitos, os adquiridos no
desempenho das atividades profissionais ou, também, em decorrência
dos maus-tratos submetidos pelo trabalho forçado e por castigos
empregados pelos senhores de engenho.
Dessa forma, diante desta imensa população com deficiên-
cia apenas seis instituições especiais existiam na época sendo restrita a
uma parcela mínima da população, enquanto a maioria era esquecida
pelo Estado ou encaminhadas aos asilos e hospícios do Império, en-
tregues portanto a própria sorte.
Além disso, o referido autor relata um trágico momento
histórico ocorrido em 14 de dezembro de 1890 quando Rui Barbosa,
ministro e secretário de Estado da Fazenda e presidente na época
do Tribunal do Tesouro Nacional, havia decretado a incineração de
todos os documentos referentes ao tráfico de escravos negros. Devido
a este fato, a historiografia nacional ficou desprovida de informações
referentes a este período da nossa história, como também tornou pre-
cária, após a abolição da escravidão, as informações acerca das pessoas
negras com deficiência no Brasil.
Em meados do século XIX para o século XX, as pessoas
com deficiência eram provenientes não só por remanescentes do trá-
fico, como nos fala Leitão (2008, p. 39) ao relatar que o contingente
populacional de deficientes também crescia de forma alarmante em
todo o território nacional em decorrência das grandes epidemias
como a varíola que deixou profundas sequelas orgânicas, causando
inclusive cegueira o que contribuiu no surgimento de muitas pessoas
a mendicância nas ruas.

16
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

Em relação a este fato, não só as pessoas com deficiência,


como também as crianças órfãs, os desvalidos, os indigentes eram
desconsiderados como força de produção e desvalorizados no convívio
social, o que nos mostra a exclusão clara e legitimada pelo Estado
diante das práticas de “higienização” dos espaços sociais; assim como
o caráter assistencialista, emergencial e segregativo empregados pelas
instituições neste século.
Dessa forma, é importante ressaltar que as ações presentes na
época e que se voltavam aos desvalidos surgiram a partir de iniciativas
isoladas e particulares, em geral, alguns indivíduos e pequenos grupos,
provenientes de organizações religiosas, imbuídas de sentimentos
cristãos e sensibilizadas com a situação desta população desprovida
de assistência, resolvendo assim implantar os abrigos, internatos e as
casas de caridade para assistir aos menos favorecidos.
No Ceará, assim com nos demais Estados do Brasil, o Esta-
do permanece como coadjuvante nessas ações acatando as iniciativas
particulares de atenção aos desvalidos como descreve Leitão (2008,
p. 43):
Dessa forma, atendendo as demandas, seguindo
os paradigmas da época e em busca da ordem
e progresso para a sociedade, o poder político
cearense acata as iniciativas da sociedade local
e promove a criação de instituições, em geral
internatos, que possam acolher os indesejáveis.
Um desses exemplos de iniciativas particulares e isoladas
de assistência aos desvalidos no Ceará, segundo Madeira (2008, p.
186) foram as Casas de Caridade do Padre Ibiapina que surgiu no
interior do Estado como forma de prestar uma atenção assistencial
aos indigentes que migravam do interior para os grandes centros
urbanos do Estado devido ao efeito devastador das secas, resultando
no surgimento de um enorme contingente populacional de miseráveis
e sem meio algum de subsistência.
Dessa forma, segundo a referida autora, vale frisar que
tais internatos apresentavam determinados fins para admissão dessas
pessoas na instituição como a possibilidade de executar as rotinas de
atividades laborais realizadas pelos internos e que geravam lucros para

17
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

as instituições. Portanto, a partir deste fato, supõe-se que as pessoas


com deficiência não teriam lugar garantido nestas instituições por
não atingir os objetivos de produtividade almejados pelos institutos,
reforçando novamente o descaso governamental e a exclusão social
dos deficientes das ações de ordem assistencial e pedagógica.
Vale ressaltar também que além dessas questões sociais, o
cenário político da época era marcado pelo predomínio da Política
dos Governadores alicerçada pelo poderio dos coronéis que apoiavam
as oligarquias estaduais vigentes e se mantinham no poder através do
uso do “voto do cabresto” e do “bacamarte” fazendo valer suas leis.
Foi um período conturbado da nossa história, haja vista
a instabilidade política merecendo destaque como afirma Macedo
(1992, p. 19):
os diversos casos de deposição de chefes
políticos por correligionários seus, o fragor das
balas do tradicional bacamarte, força invisível
que substituiu o processo eleitoral legítimo e
eliminou os demais poderes, para que restasse
apenas o poder dos velhos oligarcas.
Diante então dos fatos sociais e políticos da época, o século
XIX, foi um período em nossa história em que não existia projeto
de educação para as populações em geral por não haver estrutura
sociopolítica adequada e tão pouco interesse e investimento gover-
namental, a não ser na pouca ajuda que prestavam aos institutos e
abrigos administrados por organizações religiosas e particulares.
Já no período republicano, precisamente após a 1ª Guerra
Mundial (1914-1918), ocorreu um surto de industrialização no Brasil
e a necessidade de mão de obra especializada que favoreceu a reestru-
turação do sistema educacional brasileiro. No Ceará, antes de 1922, a
situação da Educação Pública era lastimável como nos fala Nogueira
(2001, p. 89):
(...) Formavam-se professoras semi-analfabetas,
sem preparo efetivo(...). O papel dessas
professoras era simplesmente presenciar por
duas horas, os meninos na sala de aula (...)
enquanto os alunos estudavam a carta do ABC,
a tabuada e a Cartilha Nacional.

18
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

Este, então, foi o cenário do ensino no Ceará encontrado


por Lourenço Filho quando convidado pelo então Governador Jus-
tiniano de Serpa para realizar um censo escolar no Estado do Ceará
que, consequentemente, impulsionado pela tendência da Escola Ativa
realizou a reforma no Ensino ocorrida em 1922, com a implantação
da Tendência Escola Novista cuja filosofia de ensino estava pautada na
valorização dos sentimentos, na experimentação, com ênfase no aluno
e na qualidade do processo de ensino-aprendizagem, respeitando às
diferenças e valorizando às diversidades humanas e culturais.
Refletindo sobre este momento histórico, a Educação Es-
pecial no Brasil estava ancorada nas concepções advindas da Europa
sobre a medição do quociente de inteligência e da homogeneidade dos
alunos em sala de aula como fatores favoráveis ao processo de aprendi-
zagem. Creio que tal visão eurocêntrica instituiu no país concepções
negativistas acerca das pessoas com deficiência e, principalmente,
favoreceu a segregação institucional que por suas diferenças físicas,
sensoriais e/ou intelectuais, foram isentas e, portanto, excluídas das
escolas regulares públicas como nos fala Nogueira(2001, p. 120),
ao se referir a obrigatoriedade do ensino primário, na Lei Estadual
1953/22 no Ceará:
Estariam isentas delas e de suas sanções, as
crianças que residissem a dois quilômetros
de distância da escola; as que estivessem
matriculadas em estabelecimento escolar
particular; as que fossem portadoras de
deficiência física ou mental ou doença
contagiosa. (Grifos nossos)
Com a implantação da tendência Escola Novista na
Reforma de 1922 por Lourenço Filho, parece-me, através das obras
historiográficas consultadas, que esta reforma foi a primeira chance
concreta no Ceará de quebra com os paradigmas negativistas vigentes
a cerca das deficiências; e de integrar nas escolas, com os alunos ditos
“normais”, as pessoas com deficiência haja vista que as concepções de
ensino centrado no aluno, a valorização da experimentação e a ideia
da não diretividade na aprendizagem são concepções adequadas ao
ensino do “ser”, que independe da idade, do sexo, da classe social e da
presença ou não de deficiência no alunado. No entanto, esta chance

19
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

foi desperdiçada pois o aluno com deficiência continuou permanecen-


do nas instituições filantrópicas, particulares ou, em sua maioria, não
frequentando à escola.
Também acredito que tal desperdício estava atrelado às
questões sociopolíticas da época e, principalmente com a introdução
da ciência psicológica na reforma educacional brasileira e o uso de
testes para aferição intelectual. Uma dessas reformas educacionais na
qual a Psicologia cooperou com a Educação se referem à medição da
inteligência de alunos que apresentavam traços leves de “anormalida-
de” nas escolas públicas o que proporcionou a vinda de professores
estrangeiros ao país para capacitação de profissionais da educação.
De acordo com Jannuzzi (1985, p. 79), uma das colabo-
radoras da educação especial do país foi Helena Antipoff, psicóloga
russa, que auxiliou na criação de centros de diagnóstico, de classes e
de escolas especiais. Em 1932, Helena Antipoff fundou a Sociedade
Pestalozzi de Minas Gerais e participou das principais mobilizações
do movimento apaeano3 e, somente na década de 50, ocorreu um
curso de formação de profissionais para se dedicarem ao ensino e a
assistência às crianças especiais.
Este período corresponde, de acordo com Mazzotta (2005, p.
31), à “Era da Institucionalização”, que vai desde a primeira metade do
séc. XX até 1950, onde existiam cinquenta e quatro estabelecimentos de
ensino e instituições especializadas em todo território nacional, sendo
os mais importantes: o Instituto Benjamin Constante no Rio de Janei-
ro para o atendimento a deficientes visuais, que em 1942 editou em
BRAILLE a Revista Brasileira dos Cegos; o Instituto Santa Terezinha
em Campinas, São Paulo, com atendimento aos deficientes auditivos;
o Lar – Escola São Francisco, em São Paulo, com o atendimento aos
deficientes mentais; a APAE no Rio de Janeiro e muitos outros.
Já no Ceará, a educação especial, teve seu início com a
fundação da Sociedade de Assistência aos cegos em 1942, seguido pela
Sociedade Pestalozzi do Ceará em 1956, iniciativas pioneiras, voltadas
para o assistencialismo e filantropia, uma prática das organizações não

3
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) foi criada em 1954 por um
casal de americanos, que em visita ao Brasil tentou estimular a criação de associações
deste tipo e, talvez se configure na atualidade como o maior movimento filantrópico
do país. (PEREIRA,1986 apud ENICÉIA, 2001)

20
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

governamentais da época, para suprir o descaso dos órgãos públicos


em todo o Brasil.
A primeira iniciativa governamental se deu a partir da
criação do Instituto Cearense de Educação de Surdos em 1961, e
no apoio à Sociedade de assistência aos cegos, dispondo o Instituto
de Cegos Dr. Hélio Góes Ferreira de recursos humanos e materiais
necessários ao desenvolvimento da assistência à saúde e a educação
especial dos cegos.
A Segregação institucional imposta neste período mobilizou
inúmeras famílias a criarem escolas especiais em hospitais e residências
para deficientes mentais. No Brasil, o interesse da sociedade para com
a educação especial se manifestou através dos trabalhos científicos e
técnicos publicados por profissionais da educação interessados na
temática.
Surgem então, as associações de pais dos excepcionais
(APAE) no mundo e no Brasil e o Instituto Pestalozzi4, destinados a
programas de reabilitação e educação especial e, somente no final dos
anos 50 e início da década de 60, ocorre à inclusão dos portadores de
deficiência nas políticas públicas de educação.
De fato, afirma Leitão (2008, p. 116) que a educação
especial para as pessoas com deficiência até esse momento era gerida
por organizações não governamentais, porém em 1961 a situação
educacional das pessoas com deficiência passa a ser debatida no ce-
nário nacional tendo sua primeira manifestação na Lei 4024/61, de
Diretrizes e Base da Educação Nacional.
Após esta lei, no Brasil, o Governo Federal implantou duas
campanhas, sendo a primeira em 1957, denominada campanha para
a Educação do Surdo Brasileiro; e a segunda, em 1960, conhecida
como CADEME (Campanha Nacional de Educação e Reabilitação
de Deficientes Mentais) que segundo Mazzotta (2005, p. 52) :
(...) tem a finalidade de promover, em todo
território nacional, a educação, treinamento,

4
Vale ressaltar que os profissionais e representantes da sociedade Pestalozzi e das
APAES exerceram várias funções diretas e indiretas no equacionamento da educação
especial no país, participando da direção de órgãos públicos relacionados à educação
especial ( PEREIRA, 1986 apud ENICÉIA, 2001)

21
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

reabilitação e assistência educacional das


crianças retardadas e outros deficientes mentais
de qualquer idade ou sexo (...) revela que a
educação do excepcional tem tido, na década
de 60, atenção do MEC e que, em 1973, com a
finalidade de promover a expansão e melhoria
do atendimento aos excepcionais foi criado
o Centro Nacional de Educação Especial
(CENESP).
O CENESP criado em 1973 e, devido a sua implanta-
ção, foram extintas a Campanha Nacional de Educação de Cegos
e a Campanha de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais.
Dessa forma, tornou-se o órgão responsável por planejar, coordenar
e promover o desenvolvimento da Educação Especial no período
pré-escolar, nos ensinos fundamentais, superior e supletivo para as
pessoas com deficiência.
Ainda de acordo com Mazzotta (2005, p. 58), entre 1983
a 1986, o CENESP foi transformado na Secretaria de Educação
Especial (SESPE), e se configurou como órgão central de direção
mantendo basicamente as mesmas atribuições quando se chamava
CENESP. Outro fato relevante é que neste período a coordenação
geral da Educação Especial saiu da cidade do Rio de Janeiro e se
deslocou para a Capital Federal – Brasília.
Para alguns pesquisadores, não se trata apenas de uma
mudança de locus, o efeito desta mudança também se reflete na estru-
tura grupal que encabeçava esses órgãos, permitindo que ocorresse o
rompimento ou a diminuição de alguns integrantes que detinham o
poder hegemônico nesta área na época.
A partir então da década de 90, as iniciativas e campanhas
governamentais e não governamentais no Brasil voltaram-se não só
para a instrução educacional formal das pessoas com deficiência, mas
também para a defesa da cidadania sendo, esta, uma atitude muito
recente em nossa sociedade.
Tal avanço foi reforçado no Brasil tanto pela Declaração
de Salamanca (1994), inspirando o princípio da integração nas es-
colas dos alunos com necessidades especiais e o reconhecimento da
necessidade de ações visando dar acesso universal à escola, quanto pela

22
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB-1996), incentivando os


órgãos públicos na criação de serviços de educação especial nas escolas
públicas.
Nos dias atuais, pensar a educação especial no Brasil é
refletir sobre as dimensões socioculturais-políticas e educacionais que
estão por trás das políticas públicas educacionais. A Política Nacional
de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2007) é
o marco legal que legitima e expande o acesso democrático da pes-
soa com deficiência ao sistema de ensino em seus diferentes níveis,
oportuniza a atenção integral ao aluno e familiares, condizente com a
necessidade educativa do alunado, delega investimentos em formação,
treinamento e capacitação do corpo docente nas escolas públicas e
em recursos didáticos adaptados, torna obrigatório a acessibilidade
urbanística e arquitetônica nas escolas e estimula o empenho no de-
senvolvimento de ações intersetorias e comunitárias e principalmente
instiga à população em geral a repensar suas formas de compreender e
lidar com o ser diferente.
Desse modo, a educação especial na perspectiva da educa-
ção inclusiva é a modalidade de ensino que perpassa todos os níveis,
etapas e modalidades, além disso realiza o atendimento educacional
especializado (AEE), disponibiliza os recursos e serviços e orienta
quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas
turmas comuns do ensino regular.
O atendimento educacional especializado acontece na sala
de recursos multifuncionais e tem como função identificar, elaborar
e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem
as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas
necessidades específicas.
As atividades desenvolvidas no AEE diferenciam-se daquelas
realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolariza-
ção. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos
alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela.
Na escola pública brasileira, a partir dessas novas diretrizes
nacionais, o AEE vem sendo implementado como uma estratégia in
locu para enfrentamento e superação das dificuldades encontradas
no processo de integração escolar e inclusão social das pessoas com

23
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

deficiência. Estas inciativas governamentais revelam que pela primeira


vez o governo brasileiro está assumindo o seu verdadeiro papel de
gestor das políticas públicas para as pessoas com deficiência saindo,
portanto do seu papel de coadjuvante paulatinamente. É bem verdade
que ainda estamos em processo de mudanças sociocultural e política,
descobrindo a cada dia os desafios e as possibilidades da integração
escolar e inclusão socioeducacional no Brasil.

Conclusão
De acordo com esta nova forma de pensar a Educação para
todos, os termos “excepcionalidade”, “criança deficiente”, “criança
especial” típico das ciências biomédicas passam a incorporar uma
nova significação e representação sobre o diferente, estimulando uma
nova prática científica na qual há uma busca constante por parte dos
profissionais envolvidos com a temática de atitudes, programas e
técnicas necessárias e capazes de promover o desenvolvimento global
e as potencialidades desses clientes independente das deficiências que
apresentem.
Devemos ter em mente que tais diferenças individuais não
são fatores que desqualificam o indivíduo, ao contrário, as pessoas a
partir de suas diferenças estão na verdade assinalando, através de sua
condição, a necessidade de quebra dos velhos paradigmas da educação
e a implantação urgente de novas estratégias de atenção educacional,
haja vista que nos dias atuais se concebe o termo “deficiência” como
um conceito biosocioeducacional por estar, também, intimamente
relacionado aos métodos e técnicas de intervenções educacionais.
Pensando assim, no que diz respeito à educação especial,
criou-se no Brasil, particularmente no Estado do Ceará, uma rede
de assistência educacional contendo uma diversidade de estratégias e
recursos educacionais que busca com isso redimensionar a Educação
no Estado como também investir em formação continuada para
professores. Dentre essas redes de assistência estão os Núcleos de
Atendimento Especializado, as salas de recursos multifuncionais, salas
de multimeios e o atendimento educacional especializado (AEE) que
se configura como a mais recente estratégia da escola pública para au-
xiliar o professor da sala comum na facilitação do processo de inclusão

24
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

e integração das pessoas com deficiência ao ensino regular.


Em suma, tais concepções e estratégias nos apontam para
um novo dimensionamento da Educação, na atualidade, requerendo
mudanças de paradigmas, como nos fala Boneti (1999, p. 1), o que
implica em novas compreensões sobre o fazer educacional que ultra-
passe esta cultura socioeducativa excludente vigente durante séculos
no Brasil limitando as responsabilidades com a inclusão social das
pessoas com deficiência; que quebre a crença no mito da homoge-
neidade como fator determinante para um aprendizado satisfatório
em sala de aula; que oportunize vivências aos educadores com os
alunos em situação de deficiência e que, principalmente proporcione
o respeito às diferenças, a garantia de direitos e a não permanência na
escola de atitudes indiferentes e resistentes à inclusão desta clientela.

Referências
AMIRALIAN, Maria Lúcia. Psicologia do Excepcional. São Paulo: EPU,
1986. p. 72.

BONETI, Rita. Pedagogia da Inclusão. In: Seminário de Educação


Especial, Natal-RN, outubro, 1999. 4p.

BRASIL. Constituição Federativa do Brasil. Brasília,1998.

___. Estratégias e orientações pedagógicas para a educação de crianças


com necessidades educativas especiais: Introdução. Secretaria de Educação
Especial. Série: Educação Infantil. Brasília: MEC; SEESP, v.1 2002, 46 p.

___. Declaração de Salamanca e linhas de Ação sobre as Necessidades


Educativas Especiais. Brasília: CORDE, 1994.

JANNUZZI, G. A luta pela Educação do deficiente mental no Brasil. 2ª ed.


Campinas: Editora Autores Associados, 1992.

LEITÃO, Vanda Magalhães. Instituições , Campanhas e Lutas: História


da Educação Especial no Ceará.Coleção Diálogos Intempestivos, vol. 53.
Fortaleza: Edições UFC, 2008, 169 p.

MADEIRA, Maria das Graças de Loiola. A Pedagogia Feminina das Casas

25
Adriana Melo de Farias | Yzy Maria Rabelo Câmara

de Caridade do Padre Ibiapina. Coleção diálogos Intempestivos. Fortaleza:


Edições UFC, 2008, 259 p.

MAZZOTTA, Marcos José Silveira. Educação Especial no Brasil: História


e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez, 2005, 201 p.

MENDES, Enicéia Gonçalves. Bases históricas da Educação Especial no


Brasil e a perspectiva da Educação Inclusiva. 2001, 78 p. (Dissertação de
Mestrado). Centro de Ciências Humanas. Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza: Ceará, 2001.

MACEDO, Joaryvar. Império do Bacamarte: uma abordagem sobre


o coronelismo no Cariri Cearense. Coleção Alagadiço Novo. Fortaleza:
Universidade Federal do Ceará, 1990, 274 p.

NOGUEIRA, Raimundo Frota de Sá. A prática Pedagógica de Lourenço


Filho no Estado do Ceará. Fortaleza: Edições UFC, 2001. 282 p.

RIEDEL, Oswaldo de Oliveira. Perspectiva Antropológica do Escravo no


Ceará. Fortaleza: Edições UFC, 1988, 416 p.

26
José Edvar Costa de Araújo

EDUCADORES EM ESPAÇOS NÃO


ESCOLARES: FORMAÇÃO E DESAFIOS
NO CURSO DE PEDAGOGIA DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO
ACARAÚ
José Edvar Costa de Araújo1

Introdução
As questões aqui expostas foram tratadas entre 2004 e 2007
no Seminário Temático III, disciplina de responsabilidade do Núcleo
Movimentos Sociais e Educação Popular do Curso de Pedagogia da Uni-
versidade Estadual Vale do Acaraú; abordam desafios e perspectivas
relativas à formação e ao campo de atuação profissional do graduado
em pedagogia em espaços educativos não escolares.
Embora centrada neste domínio, a abordagem assume
o princípio de que é impossível pensar separadamente ou de forma
hierarquizada os ambientes educacionais escolares e não escolares. A
influência entre eles é cada vez intensa nas circunstâncias e formas
pelas quais aprendemos hoje, novas e antigas gerações.

A FORMAÇÃO DE EDUCADORES
PARA ATUAR EM ESPAÇOS NÃO
ESCOLARES SURGE NA REFORMULAÇÃO
CURRICULAR DE 2001

O contexto amplo da reformulação curricular


de 2001
A reformulação das propostas de formação nos cursos de
licenciatura tem provocado veementes discussões. As instituições
1
Professor Adjunto do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú.
Doutor em Educação. Líder do Grupo de Pesquisa História e Memória Social da
Educação e da Cultura - MEDUC.

27
José Edvar Costa de Araújo

formadoras de educadores escolares2 sofrem pressões sociais legítimas


quando se comparam insuficiências e inadequações da formação
ofertada com as necessidades detectadas ou imaginadas por quem
está no cotidiano escolar. Estas pressões aumentam quando associa-
das a fatores como o superdimensionamento do papel da educação
escolar e as disputas entre diferentes projetos e posições políticas. As
controvérsias tocam de modo explícito as concepções de educação e
de formação dos educadores; de modo que se pode afirmar que as
polêmicas também expressam disputas em torno da apropriação e do
exercício de poder em diferentes espaços sociais, nos quais se incluem
as instituições educacionais.
Nas décadas recentes os fatores que marcaram os debates e as
iniciativas de reformulação das propostas de formação de educadores
parecem se conjugar de maneira particularmente explosiva. Entre os
mais controversos estão: 1) a atualização das instituições formadoras
e seus programas em relação às exigências técnicas e políticas de um
mundo extremamente diferente quando comparado a meio século
atrás; 2) a pressão social pela ampliação do acesso ao conhecimento e
à certificação em nível superior e as mudanças neste nível de escola-
ridade; 3) o questionamento da “qualidade” da formação inicial dada
aos educadores em termos das habilidades e competências para lidar
com antigos e novos desafios do ensino e da aprendizagem.
Estas razões, entre outras, correspondem de fato à ne-
cessidade de formar profissionais aptos a compreender e atuar nos
processos educativos em situações desafiantes: um mundo marcado
por mudanças no papel do conhecimento na vida social; por novos
modelos de relações interpessoais; por um veloz desenvolvimento dos
meios de armazenamento, processamento e comunicação de informa-
ções; e pela universalização do acesso ao ensino fundamental.
Estes fatores produzem profundas transformações no exer-
cício profissional dos educadores, exigindo novas competências e a
requalificação das competências tradicionalmente desenvolvidas. No
caso brasileiro e, mais especificamente no caso do Nordeste, este desa-
2
Uso a expressão formação de educadores considerando as diversas atividades
profissionais exercidas pelos pedagogos. A mais procurada, provavelmente por
oferecer mais postos de trabalho, é a de professor na educação infantil e no ensino
fundamental.

28
José Edvar Costa de Araújo

fio é ainda maior devido às condições particulares de subordinação e


de desigualdade na distribuição dos recursos materiais e humanos; no
campo especificamente escolar aparece nos números do analfabetismo
jovem e adulto, nos insuficientes anos de frequência escolar, nos índi-
ces de distorção idade/série, indicadores entre outros que apenas mais
recentemente tem sido enfrentados.
Neste amplo contexto, a partir de 1998, o Curso de Peda-
gogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú enfrentou o desafio
de repensar e reorganizar sua proposta de formação, dando origem ao
projeto concluído e implementado a partir de 20013.

O contexto próximo da reformulação


curricular de 2001
A formação de professores foi um dos temas candentes das
discussões no período em que se elaborou a Constituição de 1988,
a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional e o Plano Nacional
de Educação 2001-2010, envolvendo as instâncias do executivo e do
legislativo, as associações científicas, classistas e os movimentos de
educadores.
Os debates revelavam a disputa entre diferentes interesses
sociais traduzidos em diferentes visões e projetos de educação. Sim-
plificadamente: havia um modelo ligado ao pensamento “neoliberal”,
que propagava a diminuição da presença reguladora do estado e pre-
conizava como princípio básico das relações a busca da produtividade;
favorecia a privatização dos serviços púbicos, sobretudo em áreas
tradicionalmente reconhecidas de responsabilidade do estado, como
a educação e a saúde. Outro modelo, calcado em ideias socialistas e
socialdemocratas, defendia a ampliação do papel do estado no finan-
ciamento daqueles serviços, tanto para garantir sua universalização
como para reparar as profundas desigualdades em relação à maioria
da população. Este esquema, útil para distinguir as diferenças básicas,
não pretende dissolver as contradições internas das duas posições nem
rotular o bem e o mal.
3
A discussão iniciou-se formalmente em agosto de 1998 quando era Coordenador do
Curso o Prof. Francisco José Freire de Andrade; teve continuidade durante a gestão
do Prof. Joan Edessom de Oliveira e foi concluída quando era Coordenadora a Profª.
Adriana Campani. Após 2001 outras reformulações têm ocorrido.

29
José Edvar Costa de Araújo

Naquele período, as agências multilaterais passam a influir


de modo muito direto e forte nas políticas educacionais do Brasil.
Uma das formas de interferência foi o “financiamento” das reformas
educacionais através de empréstimos do Banco Mundial, empréstimos
condicionados à “aceitação” das diretrizes do Banco e do monitora-
mento realizado por seus “assessores técnicos” 4.
A relação de poder entre as forças políticas atuantes fa-
voreceu a presença nos organismos governamentais de educadores
comprometidos com o primeiro modelo; no campo da formação de
professores foram eles os defensores de um modelo de formação for-
temente centrado nas competências operativas: a aquisição e manejo
das técnicas de ensino e de transmissão de conteúdos.
A defesa deste modelo de formação coincidia com os
interesses dos segmentos que desejavam entrar no negócio da edu-
cação; fortaleceu-se na medida em que se conjugou com o interesse
dos empresários da educação. Estes perceberam, por exemplo, que
a exigência legal da formação em nível superior para professores do
ensino fundamental abria um filão lucrativo no mercado da venda
de bens educacionais. Sem revelar seus interesses particulares, procu-
ravam argumentar que a formação rápida atendia a objetivos nobres:
acelerava a preparação dos professores que o país necessitava; atendia
aos desejos dos interessados em ingressar rapidamente no mercado de
trabalho; democratizava o acesso ao ensino superior.
O pensamento reducionista sobre a formação docente dei-
xou raízes também no meio dos profissionais da educação: entre os
professores no exercício da profissão sem a certificação exigida, entre
os gestores e entre os próprios estudantes dos cursos de pedagogia
disseminou-se um sentimento de que, para evitar a “perda de tempo”
e aproveitar as “oportunidades” de emprego, era necessário adotar os
processos rápidos de formação: priorizar o operativo, a “prática”, em
detrimento da fundamentação, considerada pejorativamente de teórica.
No âmbito das universidades esta situação provocou situ-
ações ambíguas. Houve situações em que a defesa da autonomia, o
poder e o prestígio acumulados e até mesmo defeitos como o corpo-
4
Cf. DE TOMMASI, L., WARDE, M. J. e HADDAD, S. (org.) O Banco Mundial
e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez/Ação Educativa/PUC-SP, 1996.

30
José Edvar Costa de Araújo

rativismo tornaram-se obstáculos a esta tendência. Houve também os


casos em que as universidades públicas, insuficientemente financiadas
pelos fundos estatais, viram também na oferta de cursos pagos uma
solução para seus problemas de financiamento.
Em certos casos as universidades públicas tornaram-se alvos
de investidas diversas para alterar as formas de organização de seus
cursos de licenciatura e para a criação dos Institutos Superiores de
Educação previstos na LDB. Nesta guerra os cursos de pedagogia
foram atingidos de forma severa, pois tiveram que disputar com
fortes interesses a atribuição legal de formar professores para atuar na
educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.5
No estado do Ceará, entre as universidades públicas e enti-
dades particulares envolvidas na tarefa de dar titulação aos “professores
em exercício”, a Universidade Estadual Vale do Acaraú tornou-se a
instituição que mais desenvolveu esta iniciativa6. Atuando pratica-
mente em todo o território cearense e em outros estados, através de
diversos institutos e coordenações, seus dirigentes desenvolveram um
segmento muito ativo de ensino pago pelos estudantes.
A disseminação dos cursos de Pedagogia em Regime Espe-
cial e de outras modalidades de formação de professores, as pressões
em defesa da formação rápida, as tentativas originadas no MEC e no
Conselho Nacional de Educação de retirar dos cursos de pedagogia
a prerrogativa de formar professores constituíam naquela conjuntura
fatores reais que ameaçavam o esvaziamento do Curso (regular) de
Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú.

5
Para acompanhar esta disputa cf. o livro organizado por Iria Brzezisnki, LDB
Interpretada: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez, 1997. Ver
também o número especial da revista Educação e Sociedade, publicado em dezembro
de 1999; neste é possível acompanhar os debates, especialmente em torno do Parecer
970/99, de 9 de novembro de 1999, da Câmara de Educação Superior do Conselho
Nacional de Educação e do Decreto 3.276, de 6 de dezembro de 1999, assinado
pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, que tiravam da fato dos cursos
de pedagogia o direito de formar professores para o magistério na educação infantil e
nos anos iniciais do ensino fundamental.
6
Cf. SOARES, José Teodoro e LIMA, Evaristo Linhares. Universidade Estadual
Vale do Acaraú 35 anos: destaques de sua evolução. Sobral: Edições UVA, 2003.

31
José Edvar Costa de Araújo

A intensidade desta tendência fazia com que até alunos do


Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú, na
época, defendessem a diminuição do tempo de formação para dois
anos, alegando que estavam perdendo as vagas de trabalho para os
alunos dos Cursos de Pedagogia em Regime Especial. Em determina-
do momento houve mesmo professores que se inclinaram a examinar
esta ideia.
Nesta situação de risco da própria carreira profissional,
o corpo docente do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual
Vale do Acaraú, convicto de que os estes cursos representavam uma
experiência e um lugar de formação historicamente firmada, resolveu
redimensionar a proposta curricular para torná-la mais adequada às
novas realidades sociais e culturais, adotando o discurso da educação
escolar de qualidade para os alunos do ensino fundamental da escola
pública. Desenvolveu-se um processo de discussão com o objetivo
de nivelar-se ao debate nacional e produzir uma proposta capaz de
recolocar o Curso em sintonia com as tendências gerais do país e com
as necessidades específicas do Ceará e da região de onde vêm seus
estudantes.

Características básicas da proposta de


reformulação de 2001
O Projeto de Reformulação Curricular do Curso de Pedagogia
considerava a situação específica na Universidade Estadual Vale do
Acaraú, as tendências dos cursos de pedagogia no Brasil e, na falta
das diretrizes específicas, apoiava-se na LDB e nas discussões da
ANFOPE, consolidadas na proposta da Comissão de Especialistas de
Ensino de Pedagogia da SESu/MEC, que propunham ser o pedagogo
“um profissional habilitado a atuar no ensino, na organização e na
gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais, e na produção
e difusão do conhecimento em diversas áreas da educação, tendo a
docência como base obrigatória de sua formação e identidade profis-
sional”. (UVA, 2001: 3)
Previa estudos comuns no núcleo de fundamentação e es-
tudos específicos em áreas de aprofundamento; preconizava o contato
com os espaços educativos a partir do primeiro ano do curso como

32
José Edvar Costa de Araújo

forma de iniciação profissional; propunha a capacidade de reflexão


e de exposição de conhecimentos adquiridos, através do domínio
dos conceitos e instrumentos de pesquisa; tentava delinear o perfil
do profissional licenciado no Curso de Pedagogia da Universidade
Estadual Vale do Acaraú (Idem, ibidem: 4-6).
A estrutura curricular foi organizada em dois blocos. O
núcleo comum, com a finalidade de, “através dos fundamentos da
Filosofia da Educação, da Sociologia da Educação, da História da
Educação e da Psicologia da Educação, proporcionar ao estudante
de pedagogia conhecimentos que o permitam analisar os fenômenos
educativos com um olhar histórico, crítico, reflexivo e científico”
(idem, ibidem:10). E os núcleos específicos de formação profissional:
Educação Infantil; Séries Iniciais do Ensino Fundamental; Movimentos
Sociais e Educação de Jovens e Adultos; Gestão Educacional, cada
um oferecendo “disciplinas específicas de diferentes áreas de pesquisa
e atuação do pedagogo”, sendo o objetivo geral “aprofundar os
conteúdos da formação adquirida no Núcleo Comum, bem como
atender às demandas profissionais e sociais das áreas específicas”
(Idem, ibidem:11-12).

A proposta de formar educadores para espaços


não escolares
O surgimento da proposta de formar educadores para atuar
em ambientes não escolares fundou-se pelo menos em duas razões: a
existência no Curso de professores com vivência em experiências da
alfabetização de jovens e adultos e com passagem pelos movimentos
políticos e sociais; o horizonte ideológico da transformação social
vinculada aos movimentos políticos e sociais.
O núcleo, inicialmente denominado Movimentos Sociais
e Educação de Jovens e Adultos, foi apresentado com a finalidade de
aprofundar estudos na ação educativa com
os Movimentos Sociais e Jovens e Adultos e
garantir uma formação que assegure o domínio
de conteúdos e habilidades específicas relativos
a esta área de atuação. Este profissional deverá
ter as seguintes competências:

33
José Edvar Costa de Araújo

a) apreender a dinâmica cultural das diferentes


realidades educativas;
b) atuar com jovens e adultos com defasagem
em seu processo de escolarização;
c) estabelecer o diálogo entre a área educacional
e as demais áreas do conhecimento. (Idem,
ibidem: 12)
Este objetivo e as competências previstas passaram por
modificações nos anos seguintes. Um relatório de reunião do Núcleo,
provavelmente do ano de 2002, traz a lista de professores que o com-
põem, as metas relativas ao ensino, pesquisa e extensão, e destaca dois
princípios formativos: “formar educadores para atuação em espaços
educacionais e promover formação teórico-prática para os educadores
sociais”. A introdução do conceito de educadores sociais certamente foi
motivada pela percepção de que a alfabetização de jovens e adultos,
sendo uma modalidade de ensino da educação básica, seria cada vez
mais responsabilidade da escola; outra influência deve ter sido o envol-
vimento de professores e estudantes em projetos sociais desenvolvidos
por instituições públicas para atender aos adolescentes “infratores” ou
“em situação de risco”.
Em 2005 são finalmente fixadas pelas Diretrizes Curricula-
res Nacionais as áreas de formação para os licenciados em pedagogia:
- docência na Educação Infantil, nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, nas
disciplinas pedagógicas do curso de Ensino
Médio na modalidade Normal, assim como
em Educação Profissional, na área de serviços e
apoio escolar, além de em outras áreas nas quais
conhecimentos pedagógicos sejam previstos;
- gestão educacional, entendida numa
perspectiva democrática, que integre as
diversas atuações e funções do trabalho
pedagógico e de processos educativos escolares
e nãoescolares, especialmente no que se
refere ao planejamento, à administração, à
coordenação, ao acompanhamento, à avaliação
de planos e de projetos pedagógicos, bem
como análise, formulação, implementação,
acompanhamento e avaliação de políticas

34
José Edvar Costa de Araújo

públicas e institucionais na área de educação;


- produção e difusão do conhecimento
científico e tecnológico do campo educacional.7
Estas definições somadas à experiência em andamento no
Curso geraram alterações na proposta de 2001, sobretudo quanto aos
aspectos legais dos Núcleos de Educação Infantil, Séries Iniciais do
Ensino Fundamental, Movimentos Sociais e Educação de Jovens e
Adultos, Gestão Educacional. Até então existia um entendimento de
que a definição dos estudantes por um deles geraria a certificação es-
pecífica para aquela área; de agora por diante os Núcleos só poderiam
ser entendidos como espaços de aprofundamento.
A partir daí, o agora denominado Núcleo de Movimentos
Sociais e Educação Popular redefine também o seu eixo formativo,
ganhando a formulação “trabalhar a teoria e a prática como eixos
articulados da produção do conhecimento sobre os diversos espaços
educativos não escolares” 8. E adota oito linhas de atuação: Educação
e Movimentos Sociais; Educação não formal; Educação Popular; Afe-
tividade e Participação social; Etnia e Gênero; Educação e Cultura;
Educação no Campo; Educação de Jovens e Adultos.
A análise crítica da trajetória particular do Núcleo Movi-
mentos Sociais e Educação Popular bem como a discussão sobre o
papel desempenhado pelos Núcleos no Curso de Pedagogia da Uni-
versidade Estadual Vale do Acaraú ainda está por ser feita.
Registre-se que na versão mais recente do Projeto Politico
Pedagógico desapareceram os Núcleos como espaços de organização
de atividades de ensino, pesquisa e extensão; o conceito de núcleo
apenas denomina os grandes blocos de organização do currículo:
Núcleo de Estudos Básicos e Núcleo de Aprofundamento9.

FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL EM
EDUCAÇÃO PARA ATUAR EM ESPAÇOS
NÃO ESCOLARES: QUESTÕES E

7
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. (MEC, 2005)
8
Projeto Político-Pedagógico do Curso de Pedagogia. (UVA, 2006) pág. 22.
9
Projeto Politico-Pedagógico do Curso de Pedagogia – Revisão 2011. Pág. 21

35
José Edvar Costa de Araújo

DESAFIOS

Os Núcleos na proposta curricular do Curso


de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do
Acaraú
A organização do processo formativo pensada inicialmente
através de núcleos – um comum a todos e quatro de formação espe-
cífica – buscou responder criativamente às necessidades de desenvol-
vimento dos conteúdos, habilidades e competências requeridas para
a certificação e o exercício profissional. Para alcançar esta finalidade
cada núcleo trataria os conteúdos de sua área de conhecimento em
um conjunto de disciplinas. Esta face do núcleo dizia respeito ao
cumprimento das exigências legais para a titulação.
Por outro lado, a noção de trabalho nucleado supunha a
adoção e o desenvolvimento de concepções de educação e ensino
inovadores das práticas pedagógicas. Nesta outra face, a experiência
mostrou que o conjunto das disciplinas de um núcleo não se torna
automaticamente um todo articulado. Para que os conhecimentos
disciplinares dos núcleos ganhem organicidade é necessário que se
construam objetivos comuns e formas de articulação; esta construção
demanda formas inovadoras de organização das atividades, através
de um esforço deliberado por parte dos organismos de gestão, dos
professores e dos estudantes.
Portanto o núcleo ganha existência real à medida que se
torna estratégia e lugar de produção e intercâmbio de conhecimentos,
ponto nodal na estruturação das atividades de pesquisa, ensino e
extensão. Nesta perspectiva os professores de cada núcleo precisam
tornar-se pesquisadores e líderes, desenvolver projetos para a pro-
dução de conhecimentos sobre as diversas áreas de formação, atrair
estudantes e colaboradores10.
10
Tarefa que vem se tornando mais complexa e exigente, demandando maior
capacidade técnica e política, à medida que surgem no Curso de Pedagogia da
Universidade Estadual Vale do Acaraú os Grupos de Pesquisa e Grupos de Estudo
com seus projetos e laboratórios.

36
José Edvar Costa de Araújo

As duas faces da concepção de núcleo são independentes,


mas o sucesso da proposta depende da articulação delas. Pode-se dizer
que os núcleos do Curso de Pedagogia existiram apenas na primeira
significação; a dimensão dos núcleos como lugar de produção de
conhecimento não chegou a se constituir.

O Núcleo Movimentos Sociais e Educação


Popular
O exame dos esforços feitos no âmbito do Núcleo Movi-
mentos Sociais e Educação Popular para desenvolver as duas faces
citadas e constituir sua identidade mostra a existência de desafios,
entre outros a problematização dos conceitos básicos envolvidos na
sua constituição e o exame do campo de atuação profissional.
Sobre a reconstrução do conceito que nomeia o núcleo,
movimentos sociais, elaborar a distinção entre movimentos e organi-
zações sociais. Movimentos podem gerar organizações; organizações
estão sempre de algum modo envolvidas em movimentos. Mas são
processos e fenômenos distintos. O educador tem a obrigação de saber
fazer esta distinção e com ela lidar, por compromisso ético e na busca
da eficiência profissional.
O discernimento ou, o contrário, a confusão entre os dois
podem ser decisivos para dar ou não eficácia à atuação do profissional
que lida com as dinâmicas dos movimentos e das organizações sociais;
para a construção da convicção e das competências operativas de um
educador de quem se espera que, no exercício da função profissional,
não atue como um mero executivo do Estado nem como um militante
dos movimentos sociais.
Sobretudo diante da emergência de inúmeras identidades
sociais e formas de ação na sociedade contemporânea, o Núcleo teria
diante de si a tarefa da pesquisa sistemática visando a compreensão
teórica e prática dos movimentos sociais e a criação de processos de
formação de profissionais da educação para atuar como mediadores,
consultores, especialistas em organizações que lidam com movimentos

37
José Edvar Costa de Araújo

sociais; ou em movimentos sociais que lidam com organizações.


Já o conceito Educação Popular indica diferentes significa-
dos. Carlos Rodrigues Brandão (1984) capta no contexto histórico
brasileiro do século XX uma diversidade de significados a partir da
diversidade de atores e situações sociais e políticas. Apresenta ali
quatro modos de ser da educação popular: educação popular como
saber comum aos membros de um grupo; educação popular como
universalização da educação básica através da escola pública; educação
popular como educação das classes populares através de suas lutas
e movimentos; educação popular como experiência de exercício do
poder revolucionário11.
A formação do senso crítico do educador exige perceber e
considerar esta diversidade e seus desdobramentos; isto é indispen-
sável porque na história das ideias da educação brasileira a noção de
educação popular tem sido vinculada unicamente à educação como
militância política de agentes de classe média junto às “classes popu-
lares” a partir dos anos sessenta.
O desenvolvimento do senso crítico pode evitar que a forma-
ção do educador na perspectiva da educação popular não se confunda
com a aquisição de discursos esquematicamente politizados; que ela
treine a sensibilidade e a capacidade técnica para desenvolver práticas
pedagógicas que favoreçam a circulação de saberes e de poder entre
os grupos de interesse da sociedade e no interior de cada grupo. Pois
a disputa por saber e poder produz sempre, em qualquer ambiente
social, a possibilidade de interromper a circulação destes.

CAMPOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL


DO PEDAGOGO EM ESPAÇOS
EDUCATIVOS NÃO ESCOLARES:
OPORTUNIDADES E INCÓGNITAS

11
A elaboração teórica de Carlos Rodrigues Brandão captou com muita fidelidade a
riqueza do período abordado. É um texto de estudo obrigatório para os educadores
que fundam sua ação em uma pedagogia emancipatória: tanto para compreender os
sentidos de educação popular no século passado como para inspirar-se para elaborar
seus sentidos na atualidade.

38
José Edvar Costa de Araújo

Ambientes educativos não escolares


potencialmente abertas ao pedagogo
José Carlos Libâneo12 especifica a existência de variadas
possibilidades de atuação do educador em ambientes educativos
escolares e extraescolares: professores, especialistas da ação educativa
escolar, especialistas em atividades pedagógicas paraescolares, for-
madores, animadores, consultores, supervisores, administradores de
pessoal, comunicadores sociais, criadores de programas de rádio e TV
e outras.
Estas e outras são possibilidades virtualmente existentes.
Para encaminhar carreiras profissionais concretas é indispensável
construir sistemas de informações sobre como elas existem em mu-
nicípios, regiões ou estados. A construção destes sistemas e redes de
informação, um grande desafio político e técnico, é de interesse das
instituições formadoras, das instituições públicas, das organizações
classistas e acadêmicas.
Por outra parte, a busca de informações sobre as oportunida-
des de trabalho precisa considerar as diferenças deste campo em relação
ao campo de trabalho em instituições escolares. Como a escolarização
básica é obrigação legal e necessidade vital para as novas gerações e
como o sistema escolar tem financiamento assegurado, as funções e
postos de trabalho são mais definidos, os empregos na escola são mais
visíveis e mais estáveis. Já as oportunidades de emprego como educador
nos demais ambientes nem sempre estão à vista e na maioria das vezes,
hoje, são temporários. A empregabilidade é mais restrita e mais precária.
Em relação às oportunidades de trabalho e carreira profis-
sional, é fundamental identificar as necessidades e demandas sociais
como possibilidade de geração de emprego e não apenas como lugar
de militância social; é necessário desenvolver a capacidade intuitiva
e criativa para transformar as necessidades e demandas sociais em
possíveis novas frentes e postos de trabalho.
Diante destas afirmações fica uma pergunta a ser resgatada
do silencio: qual o papel que o Núcleo Movimentos Sociais e Educa-

12
Cf. LIBÂNEO, José C. (1998) especialmente no Capítulo II, pág. 35-60.

39
José Edvar Costa de Araújo

ção Popular do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do


Acaraú se dispõe ou é capaz de assumir para participar desta tarefa?
Esta pergunta agora deve ser feita ao próprio Curso uma vez que o
Núcleo não mais existe formalmente.

SABERES NECESSÁRIOS AO
PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO EM
ESPAÇOS NÃO ESCOLARES
Em qualquer tipo de organização, governamental, nãogo-
vernamental ou empresarial, o educador vai se deparar com um desa-
fio: é um profissional da educação e ao mesmo tempo um funcionário
da instituição. Isto significa que seu contrato de trabalho o obriga a
cumprir os objetivos de seu empregador; por outro lado, no horizonte
do educador está sempre a perspectiva de atuar na construção das
competências e esquemas necessários ao pensamento autônomo, à
capacidade de analisar, tomar decisões e implementá-las.
As habilidades e competências necessárias ao desempenho
destas funções correspondem em parte às requeridas para a docência,
a coordenação ou a gestão dos processos escolares. Contudo, a natu-
reza das instituições e dos processos não escolares são bem diversos.
A escolha destes ambientes para a atuação profissional leva a indagar
sobre as habilidades e competências específicas requeridas. Algumas
pistas podem ser úteis para esta procura, cuja responsabilidade tem
uma dimensão institucional e outra pessoal:
• Compreensão do que constitui o campo de
conhecimento da educação em ambientes não
escolares, nos aspectos teórico e operacional;
• Conhecimento das características históricas dos
movimentos sociais na América Latina e no Brasil;
• Conhecimento das características dos movimentos
sociais em suas formas locais, regionais e nacionais;
• Domínio da “geografia” das áreas de atuação
profissional e das relações de poder existentes entre

40
José Edvar Costa de Araújo

as agências educativas, financiadoras e controladoras


deste campo de atividade social e de trabalho e as
organizações e movimentos sociais alvo de sua
atuação;
• Estudo das principais concepções pedagógicas
desenvolvidas e direcionadas para o campo da
educação nãoescolar; conhecimento das técnicas
educativas apropriadas para trabalho de reflexão,
análise e assessoria a grupos.

Construção de perspectivas para a formação


dos educadores para espaços não escolares no
Curso de Pedagogia da Universidade Estadual
Vale do Acaraú
O desafio de construir as perspectivas para encaminhar de
modo eficaz as questões relativas à formação e ao exercício profissional
de educadores em espaços não escolares desdobra-se em outros. Um
deles é articular o Curso com as organizações sociais, governamentais,
nãogovernamentais e empresariais para aperfeiçoar a definição das
características de uma formação profissional adequada às necessidades
sociais, às demandas por profissionais e às possibilidades da instituição
formadora.
O enfrentamento deste desafio está ligado ao aperfeiçoa-
mento da proposta de formação de modo a construir as estratégias
e os instrumentos adequados ao desenvolvimento de competências
e habilidades requeridas ao exercício do profissional da educação em
ambientes não escolares.
Uma das estratégias urgentes para construir perspectivas
concretas é a institucionalização: a) da pesquisa para produzir conheci-
mento sobre este campo educativo em Sobral e na região Norte; b) das
atividades extensionistas em mão dupla, através da qual a universidade
transmita e receba conhecimentos e saberes; c) da renovação das estra-
tégias de ensino, através da influência mútua entre as três dimensões.

41
José Edvar Costa de Araújo

Conclusão
O percurso descrito evidencia que o Curso de Pedagogia da
Universidade Estadual Vale do Acaraú enfrenta o desafio de construir
os espaços de consolidação do desenvolvimento dos eixos curriculares,
que em outros momentos foi atribuído aos Núcleos. Esta consolidação
exige desenvolvimento conjunto programas de estudo articulando os
processos educativos escolares e não escolares, com suas especificida-
des e complementaridades. No caso específico da formação para atuar
em espaços não escolares significa fazer isto em sintonia com uma rede
interativa com projetos sociais governamentais ou nãogovernamentais
que atuem em áreas como a da mobilização social, associativismo,
economia solidária, empresas, saúde, meio ambiente e outros.
Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Educação Popular. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1984.

BRASIL. MEC/CNE. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de


Pedagogia. Parecer CNE/CP nº 5/2005, de 13 de dezembro de 2005.

BRZEZINSKI, Iria (organizadora). LDB Interpretada: diversos olhares se


entrecruzam. São Paulo: Cortez, 1997.

CEARÁ-ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Relatório da Comissão Especial


do Ensino Superior da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.
Fortaleza, 2000-2001.

CURSO DE PEDAGOGIA. NÚCLEO ESPECÍFICO – MOVIMENTOS


SOCIAIS E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. Relatório, s/d.

DE TOMMASI, L. – WARDE, M. J. – HADDAD, S. (org.) O Banco


Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez/Ação Educativa/
PUC-SP, 1996.

EDUCAÇÃO & SOCIEDADE: revista quadrimestral de Ciência da


Educação/Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) número 69,
Campinas, SP: Cedes, 1999. Volume XX.

LIBÂNEO, José C. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez,


1998.

SILVA, Carmem Sílvia Bissoli da. Curso de Pedagogia no Brasil: História


e identidade. Campinas, SP: Editores Associados, 1999.

42
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

SOARES, José Teodoro e LIMA, Evaristo Linhares. UVA 35 anos: destaques


de sua evolução. Sobral: Edições UVA, 2003

UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ/CENTRO DE


CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO/CURSO DE PEDAGOGIA (2001). Projeto
de Reformulação Curricular do Curso de Pedagogia. Sobral, 2001.

UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ/CENTRO DE


CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO/CURSO DE PEDAGOGIA. (2006).
Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia. Sobral, 2006.

UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ/CENTRO DE


CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO/CURSO DE PEDAGOGIA. Projeto
Político Pedagógico do Curso de Pedagogia – Revisão 2011. Sobral, 2011.

43
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

OS FAVORITOS PRECÁRIOS:
ASPIRAÇÕES E PERSPECTIVAS DE
TRABALHO DE JOVENS ESTUDANTES
DO ENSINO SUPERIOR

Maria Isabel Silva Bezerra Linhares1

Introdução
O presente estudo procura elucidar as relações que se esta-
beleceram entre a formação de jovens ingressos ou egressos do ensino
superior e as mudanças econômicas sociais impostas pelo poder do
capital, que mesmo com o crescimento do PIB ocorrido na década
de 2000, a partir de 2003, não se alterou de forma significativa, a
precariedade salarial entre os jovens-adultos altamente escolarizados.
Segundo Alves (2012) na temporalidade histórica do ca-
pitalismo global, com a ofensiva das políticas neoliberais, afirma-se
como traço estrutural do sistema mundial do capital a precarização
estrutural do trabalho (MÉSZÁROS, 2007). No Brasil, apesar do
crescimento do emprego por tempo indeterminado e da redução da
taxa de informalidade a partir de 2003, a precariedade salarial se mani-
festou pelo aumento, em termos absolutos e relativos, da presença de
“trabalhadores periféricos” inseridos em relações de trabalho precárias.
A nova precariedade salarial no Brasil se manifesta não apenas pelo
aumento da contratação flexível, mas também pela adoção, nos locais
de trabalho reestruturados, da flexibilização da jornada de trabalho e
da remuneração salarial. Deste modo, os novos ambientes de trabalho
que emergem nas empresas reestruturadas na década de 2000 consti-
tuem-se sob a nova morfologia social do trabalho flexível.

1
Doutoranda em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal do Ceará (UFC). Bolsista pela CAPES. Professora Assistente do
Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).

44
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

O trabalho precário e a informalidade social caracterizaram


historicamente o mercado de trabalho no Brasil com seu amplo
contingente de trabalhadores urbanos e rurais pobres sem proteção
social, em contraste com o contingente de operários e empregados
assalariados urbanos, inseridos no mercado de trabalho formal com
vínculo empregatício por tempo indeterminado e cobertos pela legis-
lação trabalhista. Com a nova precariedade salarial, o núcleo formal
do mercado de trabalho deparou-se com novas opções de modalidades
flexíveis de contratação laboral para as empresas. Apesar das contrata-
ções atípicas serem pouco expressivas no mercado de trabalho formal
no Brasil, elas aumentaram nas últimas décadas nos locais de trabalho
reestruturados das grandes empresas.
Na década de 2000 no Brasil, uma série de jovens traba-
lhadores e trabalhadoras altamente escolarizados incorporaram-se em
relações salariais que, apesar de formalizadas, são precárias no sentido
de terem baixa remuneração, alta rotatividade e falta de perspectivas de
carreira – sem falar nos contratos atípicos de trabalho subnotificados
nas estatísticas sociais, como os estágios, trabalho temporário, pessoa
jurídica (PJ), cooperativas de trabalho, entre outros. Nesse período,
constituiu-se a nova precariedade salarial engendrada pelo capitalis-
mo flexível que surgiu no País com a reorganização do capitalismo
brasileiro. No plano do metabolismo social, a nova condição salarial
produz precocemente, na camada de jovens proletários altamente es-
colarizados imersos na nova precariedade social, estresse e transtornos
mentais por conta da nova dinâmica do capitalismo flexível com sua
carga de pressão, ansiedade e frustração.
As mudanças havidas neste últimos anos, tanto no que diz
respeito ao ensino superior como no que diz respeito ao mercado de
trabalho e desempenho profissional, só têm sentido se considerada a
nova qualidade da demanda imposta pelo desenvolvimento capitalista
do país sob interesse e égide do capital oligopolista internacional. A
interpenetração entre o desenvolvimento industrial e o capitalismo
internacional rearticula a funcionalidade do ensino superior no Brasil
de tal modo, que “universidade praticamente passa, em uma só déca-
da, do estágio de formação das elites nacionais, como concepção, para
o de formação de força de trabalho para o capital internacional ... a

45
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

velha universidade dá lugar à nova, como o velho capital é substituído


pelo novo”. (PRANDI, 1982, p. 47).
As universidades públicas e privadas, que formam, todo
ano, milhares de novos trabalhadores assalariados dispostos a se
inserirem no novo mercado de trabalho e nos novos locais de tra-
balho reestruturados, são, conforme Alves (2012) “incubadoras do
precariado”. Em dez anos, o Brasil mais que dobrou o número de
concluintes na educação superior, segundo dados do Censo da Edu-
cação Superior, de 2001 a 2011, o crescimento de universitários no
País foi de 110%. Por outro lado, no decorrer da década de 2000, o
desemprego aumentou significativamente entre aqueles com mais de
11 anos de estudos: 36,82% em 2002, 39,84% em 2003; 43,16% em
2004; 46,19% em 2005; 47,81% em 2006; 50,70% em 2007; 52,92
em 2008; e 56,46% em 2009, segundo dados do IBGE/PME), com
um leve decrescimento entre aqueles de 18 a 24 anos (1,5% entre
2002 e 2009) e um pequeno crescimento entre aqueles de 25 a 49
anos (2,4% entre 2002 e 2009).
Tenho como objetivo, nesse estudo, etnografar as pers-
pectivas de jovens universitários no contexto de crise do mercado de
trabalho no capitalismo global, de modo a compreender como estes
vêm construindo sonhos, aspirações, expectativas e perspectivas com
relação ao ensino superior e aquilo que imaginam venham a ser seu
próprio futuro profissional. Parto dos questionamentos levantados
acerca das expectativas e avaliações que estudantes da universidade
de hoje apresentam nos seus percursos de formação educacional/
profissional.
Acompanhando o debate nacional sobre juventude, quali-
ficação profissional e empregabilidade tenho percebido uma perma-
nente preocupação sobre as perspectivas dessa juventude no que se
refere às mais diversas formas de inserção no mundo do trabalho. A
partir de minha experiência com os jovens universitários, bolsistas ou
não, de modo especial com aqueles inseridos nos grupos de estudo
e pesquisa, passei a identificar as diversas situações vivenciadas por
esses jovens, como preocupações, medos e dificuldades com relação ao
futuro profissional, especialmente pela sua condição de jovens “mais
qualificados”, que justificam as razões.

46
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

Pesquisas recentes demonstram que o pessoal de nível uni-


versitário passa a ocupar funções anteriormente identificadas como
próprias do ensino de nível médio bem como para o recrudescimento
do subemprego para este segmento. Isso nos leva a pensar que a uni-
versidade, por si só, é hoje incapaz de garantir ocupação específica,
emprego estável, status social, prestígio e rendimento nos moldes até
poucos anos vigentes no país. Alves (2012) reconhece esses jovens
como o novo “precariado”, que é a expressão de classe do desenvol-
vimento das forças produtivas do trabalho social descartabilizadas
pelas relações sociais de produção capitalista. Neste sentido, aplica-se
o que Mészáros caracterizou como “produção destrutiva” e a taxa de
utilização decrescente do valor de uso. Para o autor, o precariado é
expressão do sistema social da produção do desperdício generalizado,
já que desperdiça-se a futuridade de jovens altamente escolarizados,
penhorando-se suas perspectivas de carreira e mobilidade social.
Diante dessa realidade que envolve a juventude brasileira, e
de modo especial os jovens universitários, senti-me instigada a realizar
um estudo com jovens universitários, integrantes dos grupos de estudo
da Universidade Estadual Vale do Acaraú, na cidade de Sobral-Ceará,
no período de agosto a dezembro de 2013.
Analisei as narrativas dos jovens considerando-as como in-
terpretações individuais de suas experiências acerca de suas trajetórias
enquanto estudantes da universidade, bem como suas expectativas e
projetos com relação ao ensino superior e naquilo que imaginam ve-
nham a ser seu próprio futuro profissional. Evidentemente nestes casos
trata-se do levantamento de uma parcela da vida de um indivíduo, em
cujas análises remeti à contextos estruturais contemporâneos. Tratou-se,
portanto, de relatos motivados pela pesquisadora e implicando sua
presença como ouvinte e interlocutora, sendo um material restrito à
situação de entrevista. Vale ressaltar que considerei apenas o que foi
narrado à pesquisadora pelo entrevistado sem a complementação de
outras fontes, no que diz respeito ao tema desta pesquisa: precariado
universitário.
Nesta pesquisa utilizei como instrumentos: entrevistas,
observação do cotidiano dos jovens na Universidade, como situação
social, no período de agosto à dezembro de 2012; levantamento de

47
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

material em jornais sobre a situação da juventude brasileira e dados


oficiais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Institu-
to Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre outros. Recorri
aos trabalhos de Alves (2011, 2012), Mészàros (2012), Bourdieu
(1989), entre outros. Os relatos das experiências de jovens foram aqui
considerados como narrativas das histórias de vida, portanto, contêm
informações, evocações e reflexões.
O artigo encontra-se dividido em (02) duas partes. A
primeira trata especificamente do processo de “precarização do
trabalho” decorrente da crise estrutural do capital, em cujo processo
reestruturativo do capitalismo global emerge uma nova precariedade
salarial, que implica uma nova morfologia social do trabalho. A partir
das pesquisas de Alves (2012; 2013), Mészàros (2011), entre outros,
procuro mostrar que as mudanças ocorridas neste últimos anos, tanto
no que diz respeito ao ensino superior como no que diz respeito ao
mercado de trabalho e desempenho profissional, só têm sentido se
considerada a nova qualidade da demanda imposta pelo desenvolvi-
mento capitalista do país sob interesse e égide do capital oligopolista
internacional.
Na segunda parte do artigo são apresentados os relatos das
histórias de vida de jovens universitários acerca das expectativas e
avaliações que estudantes da universidade de hoje apresentam com
relação ao ensino superior e aquilo que imaginam venham a ser seu
próprio futuro profissional, sendo que na maior parte dos depoimen-
tos os estudantes apresentam seus medos e esperanças relacionados às
suas futuras oportunidades de trabalho.

O NOVO METABOLISMO SOCIAL DO


TRABALHO E A PRECARIZAÇÃO DO
HOMEM QUE TRABALHA
Segundo Alves (2012) na temporalidade histórica do ca-
pitalismo global, com a ofensiva das políticas neoliberais, afirma-se
como traço estrutural do sistema mundial do capital a precarização
estrutural do trabalho (MÉSZÁROS, 2009). No Brasil, apesar do
crescimento do emprego por tempo indeterminado e da redução da

48
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

taxa de informalidade a partir de 2003, a precariedade salarial se mani-


festou pelo aumento, em termos absolutos e relativos, da presença de
“trabalhadores periféricos” inseridos em relações de trabalho precárias.
A nova precariedade salarial no Brasil se manifesta não apenas pelo
aumento da contratação flexível, mas também pela adoção, nos locais
de trabalho reestruturados, da flexibilização da jornada de trabalho e
da remuneração salarial. Deste modo, os novos ambientes de trabalho
que emergem nas empresas reestruturadas na década de 2000 consti-
tuem-se sob a nova morfologia social do trabalho flexível.
O trabalho precário e a informalidade social caracterizaram
historicamente o mercado de trabalho no Brasil com seu amplo
contingente de trabalhadores urbanos e rurais pobres sem proteção
social, em contraste com o contingente de operários e empregados
assalariados urbanos, inseridos no mercado de trabalho formal com
vínculo empregatício por tempo indeterminado e cobertos pela legis-
lação trabalhista. Com a nova precariedade salarial, o núcleo formal
do mercado de trabalho deparou-se com novas opções de modalidades
flexíveis de contratação laboral para as empresas. Apesar das contrata-
ções atípicas serem pouco expressivas no mercado de trabalho formal
no Brasil, elas aumentaram nas últimas décadas nos locais de trabalho
reestruturados das grandes empresas.
O crescimento das modalidades de contratação atípicas
no Brasil na década de 2000 apontam para aquilo que Robert Castel
denominou de corrosão da condição salarial (CASTEL, 1995). É
bem verdade que as contratações atípicas possuem, em termos quan-
titativos, pouca expressividade no conjunto do mercado de trabalho
formal no Brasil, que se expandiu na década de 2000 por meio do
crescimento dos contratos de trabalho por tempo indeterminado.
Na década de 2000 no Brasil, uma série de jovens traba-
lhadores e trabalhadoras altamente escolarizados incorporaram-se em
relações salariais que, apesar de formalizadas, são precárias no sentido
de terem baixa remuneração, alta rotatividade e falta de perspectivas
de carreira, sem falar nos contratos atípicos de trabalho subnotificados
nas estatísticas sociais como os estágios, trabalho temporário, pessoa
jurídica (PJ), cooperativas de trabalho, trabalho/estágio, “autônomos”,

49
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

trabalho em domicílio e teletrabalho, entre outras tantas modalidades.


Nesse período, constituiu-se a nova precariedade salarial engendrada
pelo capitalismo flexível que surgiu no País com a reorganização do
capitalismo brasileiro. No plano do metabolismo social, a nova con-
dição salarial produz precocemente, na camada de jovens proletários
altamente escolarizados imersos na nova precariedade social, estresse
e transtornos mentais por conta da nova dinâmica do capitalismo
flexível com sua carga de pressão, ansiedade e frustração.
Para Alves, a nova precariedade salarial implica não apenas
a precariedade do emprego, como a presença de modalidades atípicas
de contratação salarial, mas também a precariedade do trabalho no
sentido da “precarização do homem-que-trabalha” (ALVES, VIZ-
ZACCARO-AMARAL e MOTA, 2011). Nesse caso, trata-se do des-
gaste mental do trabalho dominado, que atinge tanto os contingentes
“estáveis”, com emprego por tempo indeterminado, e, portanto,
cobertos pela legislação trabalhista, como também contingentes de
trabalhadores assalariados “precários” do mercado de trabalho (SE-
LIGMANN-SILVA, 1994).
A educação do precariado é movida a sonhos de realização
profissional e ascensão social. No Brasil, capitalismo hipertardio com
modernidade insólita o “descompasso” entre educação e mercado de
trabalho vem de longa data. Um dos jovens entrevistados ao narrar so-
bre a escolha do curso “dos sonhos”, assim afirma “[…] não pretendo
fazer como alguns colegas de curso que não se identificam, mas pelo
mercado exigir um diploma de ensino superior se veem obrigados a
fazer qualquer curso com o intuito apenas de obter o diploma.”
Já em 1982, José Reginaldo Prandi constatava no livro
“Os favoritos degradados”, a existência, naquela época, de um con-
tingente de jovens com ocupação estranha à formação universitária,
jovens formandos com inserção ocupacional que, diz ele, “corrói a
anteriormente sólida base dos projetos de vida individuais e familiares
das classes médias urbanas órfãs do milagre brasileiro”. O autor os de-
nomina de “favoritos degradados”. Naquela época, há cerca de trinta
anos (1982), o Brasil amargava a “crise do milagre”, com a estagnação
da economia que prosseguiria por quase duas décadas.

50
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

Embora nos últimos vinte anos (1990-2012), a economia


brasileira tenha se reestruturado e reorganizado de acordo com os
parâmetros neoliberais, tendo retomado um crescimento no bojo da
liquidez do capitalismo global da década de 2000, o fenômeno dos
“favoritos degradados” assume hoje outras dimensões. Não se trata
apenas de fazer a economia brasileira crescer. Na verdade, a promes-
sa de mobilidade social se interverteu na ideologia de resignação à
proletariedade flexível, o que explica, de certo modo, atitudes de
pragmatismo que visam tão somente se adequar às exigências do capi-
talismo perverso, que, incapaz de validar as promessas civilizatórias da
vida digna, cultiva o ideal da “vida fluída”, que carrega o estigma da
incerteza sob o esteio da flexibilidade, que quebra, no plano da subje-
tividade, as possibilidades de estratégia coletiva e acirra as estratégias
individuais de sobrevivência na “selva” do mercado (ALVES, 2012).
“Penso que se a universidade ofertasse mais bolsas e com
uma quantia mais elevada muitos dos meus amigos poderiam ter tido
a experiência que tive com a pesquisa e extensão, mas infelizmente o
valor pago não possibilita muitos alunos quererem ser bolsistas”, assim
afirmou um jovem universitário ao narrar sua experiência enquanto
estudante e bolsista, para se referir às mais diversas dificuldades de
enfrentamento da formação educacional até a chegada no mundo do
trabalho.

“A DIALÉTICA ENTRE O FEIJÃO E O


SONHO”
Aqui exponho as expectativas e avaliações que estudantes
da universidade de hoje apresentam com relação ao ensino superior
e aquilo que imaginam como seriam seu próprio futuro profissional.
Trata-se das narrativas de três (03) jovens universitários, constituídas
a partir de suas experiências individuais no curso de sua formação
universitária. São estudantes do Curso de Licenciatura em Pedagogia
da Universidade Estadual Vale do Acaraú, cujos nomes não serão
identificados, recorrendo à utilização de siglas, para expressar suas
falas e percepções. O objetivo foi identificar características, expecta-
tivas e discursos sobre as situações vividas pelos jovens em relação à

51
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

escolarização e expectativas de futuridade, no que se refere à inserção


no mundo do trabalho, pós-formação superior, bem com suas relações
sociais em decorrência dessas experiências.
Ressalto que privilegiei em minhas observações e análises as
relações que os jovens estabelecem a partir da “opção” pela formação
superior. Também busco compreender os laços que os unem, tanto
nas práticas dos indivíduos como em suas relações nestes dois mundos
em comunicação, que são a Universidade e seu exterior, o local da
produção do conhecimento e aquele dos modos de vida, o que em
termos marxistas chamaríamos o local da produção e da reprodução,
respectivamente.
Ao dispor desses dois tipos de materiais, para a vivência na
Universidade, pude confrontar os discursos que ouvi com as práti-
cas observadas. Para os ideais de futuridade2 (sonhos e expectativas
quanto ao futuro profissional), tive que passar pela mediação das
representações que me forneciam.
À pergunta inicial, sobre a sua condição de jovem e es-
tudante, como vivencia essa condição, levantando as dificuldades e
esperanças, o universitário MAB, 27 anos, assim respondeu:
As dificuldades de muitos jovens hoje está na hora
de conseguir emprego e ter que conciliar com os
estudos. Hoje para os jovens têm vários projetos
e programas que visam ocupar o ócio presente
no seu quotidiano, o que vejo como positivo,
sem falar nas várias vias que surgido para facilitar
o ingresso da juventude no ensino superior,
mas percebo que deve-se tomar cuidado para
que tipo de educação estamos direcionando

2
Para Alves (2012) o capital em sua dimensão exacerbada no plano do mercado
mundial, “queima” trabalho vivo altamente qualificado incapaz de ser absorvido
pelo modo de produção de mercadorias. O precariado é o sintoma perverso das
contradições radicais da ordem burguesa hipertardia (a perda da futuridade e a
frustração das promessas civilizatórias ampliam-se com a vigência da financeirização
da riqueza capitalista e a hegemonia do capital financeiro). Segundo o autor, a ideia
de futuridade é crucial para delimitar a camada social do precariado. É uma camada
social caracterizada especificamente pela frustração com suas expectativas de carreira
profissional e realização salarial.

52
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

nossos jovens, estamos orientado-os para uma


formação humanizadora ou desumanizadora?
São questões que muitas vezes não são levada
em conta. O desafio que vejo que muito jovem
presencia hoje é ter condições de terminar
seus estudos, muitos são obrigados a largar a
escola para ajudar no sustento da família ou a
escola não faz sentido para ele, os conteúdos
que estudei durante minha vida escolar vejo
que muitos deles até hoje pra mim não tem
nenhum significado e importância.
A universitária ANPAG, 25 anos, assim respondeu:
Desde muito cedo, ainda no ensino médio,
já estudava e trabalhava. Acredito que pela
postura da minha mãe, interesse e participação
na minha vida escolar, sempre me senti
motivada a estudar, com o objetivo também de
buscar ascensão profissional. As dificuldades
quando se trabalha e estuda são muitas.
Quando se tem um filho a coisa complica
ainda mais, mas é, ao mesmo tempo, um
incentivo, uma motivação... durante o curso
não tive oportunidade de ser bolsista, pois a
bolsa exige dedicação exclusiva e o valor é
baixo, para quem tem que sustentar a família.
Ainda que não fosse por isso, o valor é baixo
mesmo para quem tem que manter a apenas
a si mesmo. Quando eu digo dificuldades
me refiro também ao comprometimento de
atividades importantes para quem deseja seguir
carreira acadêmica.
Observo que nas condições de crise do mercado de trabalho
no capitalismo global, quanto às perspectivas da juventude, os jovens
estudantes aparecem como sonhadores, ansiosos e pragmáticos, ex-
pressando-se, algumas vezes, com humor, ora com temor, sua condição
existencial de proletariedade. A universidade continua tendo a função
de manter por mais tempo a população jovem afastada do escasso
mercado de trabalho, retardando a entrada dos estudantes na vida
ativa. Entretanto, tem-se a percepção da desvalorização do diploma de

53
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

graduação, que exige mais tempo de estudo para capacitar-se e melhor


se inserir no mercado de trabalho. A tendência que se impõe é que se
produza cérebros para exercerem trabalhos simples e rotineiros em
atividades de emprego e trabalho precário, como, por exemplo, os call
centers. Apesar disso, os jovens profissionais continuem acalentando
o sonho da realização profissional, conforme expressa a universitária
IVAMS, 22 anos:
[…] logo após terminar o ensino médio, passei
no Vestibular, foi então que começou uma
grande e árdua luta, pois todos os dias tinha
que me deslocar do interior para a cidade,
enfrentando chuva e sol, não importando
a hora. (…) decidi vir para Sobral procurar
emprego ou mesmo uma bolsa de estudos.
Antes já havia me interessado mais não foi
possível, pois na Universidade ainda eram
poucas as bolsas que existiam. Quando cheguei
aqui, passei dois meses sem ganhar nada, pois
não tinha experiência nenhuma em Escola e a
única vaga que tinha pra mim era na Grendene,
e não queria pois sabia que meu “pique” para
estudar iria diminuir, portanto esperei uma
bolsa da Universidade.
A maioria dos jovens coloca a necessidade de fazer especiali-
zação ou aprimoramento, como eles dizem. Enfim, uma pós-gradua-
ção capaz de lhes garantir a dita “empregabilidade”: “Para ter um bom
emprego, você precisa estar se atualizando, continuar se aprimorando,
para ter uma boa oportunidade”. Mas a escolha do aprimoramento
continuado ou cursos de especialização e pós-graduação tornou-se a
versão atual do alongamento da escolarização, não apenas como a al-
ternativa mais recorrente dos jovens diante do desemprego, mas como
necessidades de qualificar-se melhor para acesso a certos postos de
trabalho melhor remunerados, que não são para todos. A universitária
ANPAG assim reflete sobre sua trajetória:
Como já adiantei, quero fazer mestrado
logo. Busco também estabilidade, o que
é muito importante para alguém que tem
as responsabilidades que eu tenho. Busco

54
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

encontrar prazer na minha profissão e


reconhecimento, o que também se reflete na
remuneração (já que é uma coisa, infelizmente,
tão enraizada no que se refere ao magistério).
Os jovens formandos que sonham com o sucesso profis-
sional são obrigados “a remar contra a maré”, para indicar que cada
vez está mais difícil o mercado de trabalho”. Bourdieu (1983), ao
comparar o sistema escolar do passado com o da atualidade, no que
diz respeito aos seus desdobramentos, que entendia como relativa-
mente claros e hierarquizados, afirma que “indo-se além do primário,
entrava-se num curso complementar, numa escola técnica, num
colégio ou num Liceu.” (BOURDIEU, 1983, p. 5). No entanto, tais
desdobramentos eram claramente hierarquizados e não confundiam.
Quanto aos desdobramentos do sistema escolar na atualidade, como
estes são muitos e pouco diferenciados entre si, alerta que é preciso
ser muito consciente para escapar dos “jogos dos becos sem saída’
ou das “ciladas”, e também da “armadilha das orientações e títulos
desvalorizados”, entendendo que isto contribuirá para favorecer uma
certa defasagem das aspirações em relação às chances reais.
No curta “Galera” (2012), um dos jovens questiona acerca
das possibilidades de alcançar o mercado de trabalho: “Está cada vez
mais difícil o mercado de trabalho”. E prossegue comentando suas
perspectivas de trabalho: “Quem sabe, tentar a pós-graduação, porque
hoje, com o diploma, não é igual há trinta anos, quando você tinha
mais chance; era uma pessoa mais seleta que hoje. Hoje é seleta, mas
não é tanto. Hoje em dia é preciso fazer uma pós-graduação, uma
especialização; hoje o mercado leva você a essas especializações que
demandam muito esforço da pessoa”.
Para Bourdieu (1983) o antigo estado do sistema escolar
tornava os limites fortemente interiorizados e fazia com que se acei-
tasse o fracasso ou os limites como justos ou inevitáveis. Já o sistema
atual encoraja estes jovens e suas famílias a esperar aquilo que o sistema
escolar assegurava aos estudantes secundaristas no tempo em que eles
não tinham acesso a estas instituições.
Como a maioria dos estudantes de Universidade
Pública advém de família de baixa renda, não
recebo tanto ajuda em dinheiro até mesmo

55
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

porque não peço a eles, prefiro procurar uma


solução, pra não ter que dá preocupação para
eles, essa minha saída do ambiente familiar me
ajudou e vem me ajudando a encarar os desafios
que a vida me oferece, o maior apoio deles já
recebo através de incentivos para continuar os
estudos, palavras de motivação e sempre a frase
“o que precisar se a gente puder, a gente lhe
ajuda”. (MAB)
No documentário “Galera”, outra saída individual aponta-
da pelos jovens universitários no último ano de graduação para driblar
a inserção no “precariado” seria prestar concurso público. De modo
pragmático, um das universitárias afirma categoricamente:
Sempre achei que um trabalho a gente tem
que gostar para fazer bem feito, é muito difícil
para um jovem conseguir um trabalho digno,
precisamos primeiro ter uma boa formação,
isso nem todos têm. É necessário que tenhamos
certificados que comprovem nossas qualidades,
pois o que falamos não é acreditado, não
adianta mais você dizer que esta cursando
Pedagogia, por exemplo, é preciso pelo menos
um ano de experiência, ou ter algum parente
trabalhando em um determinado setor. Se não
for isso não conseguimos mesmo, o que sei
é que, o que garante a gente é um concurso
público (IVAMS).
A educação do precariado é movida a sonhos de realização
profissional e ascensão social. Diz uma das jovens universitárias:
Pretendo terminar a Graduação e ter pronto
logo meu Projeto de Mestrado, para que
futuramente seguir um Doutorado, já sendo
professora universitária... tenho meu desejo
próprio de crescer para me sentir realizada,
não paro mesmo nenhum momento. Estudar
e trabalhar pra mim é lazer (IVAMS).
Entretanto, o sonho de ser professora universitária torna-se
difícil de ser realizado quando se pondera as dificuldades do presente
de precariedade salarial, assim questiona a universitária:

56
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

Meu trabalho quase nunca esteve relacionado a


minha formação, o que por vezes causava um
certo desconforto... E a esperança, na verdade,
a certeza de que o plantio que eu venho
fazendo terá repercussão mais adiante... Bons
frutos. Mas tenho planos de investir na minha
carreira como Pedagoga, fazer mestrado e atuar
na Educação, no ensino superior... (ANPAGS).
Na verdade, a escolarização na ordem burguesa é um lastro de
ilusões e decepção da condição de classe. O cultivo de sonhos, expectati-
vas e valores de mercado pela juventude proletária altamente escolarizada
persegue o precariado, confundindo sua condição de classe e dissemi-
nando nele a cultura do individualismo próprio do ethos da sociedade
das mercadorias. Ao mesmo tempo, a profunda manipulação da ordem
do capital os inquieta radicalmente, levando-os a se expressarem:
As dificuldades que os jovens enfrentam para
ter uma formação profissional e um trabalho
digno não é apenas a educação, mas junto a
ela vêm vários outros elementos, a população
não desfruta de direitos sociais assegurados
constitucionalmente serviços públicos como
saúde, saneamento básico entre outros, em
nosso país vivemos mais com as privações de
certos direitos do que com o uso deles.(MAB).
Importante salientar que a precarização do trabalho não se
reduziu tão somente à precarização da condição salarial, mas tendeu a
assumir novas formas com aquilo que Alves (2012) vem denominando
“precarização do homem-que-trabalha”, isto é, a corrosão da vida pes-
soal e da saúde do trabalhador, inclusive daqueles com estatuto salarial
“estável”, ao afirmar que, “Deste modo, a precarização do trabalho
implicou não apenas mudanças diruptivas no modo de exploração da
força de trabalho, mas alterações no metabolismo social do trabalho
com impactos na dinâmica da reprodução social do trabalho vivo”
(ALVES, 2012, p. 5).
“A dialética entre o feijão e o sonho”, afirma o autor, sonho
contingente do proletariado de uma vida boa, está expressa na afirma-
ção de outro estudante:

57
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

O medo é de virar um profissional desonesto,


medíocre, pois vivemos num mundo que
a vontade crescer e se dar bem em tudo
terminam por corromper as pessoas, tenho
esperança de que não é por ser quem eu sou
que vou conseguir os meus sonhos, vou
consegui-los através da minha competência e
profissionalismo (MAB).

Conclusão
Parti da ideia de que uma interpretação aprofundada dos
acontecimentos microscópicos, como as experiências que cada jovem
vem tecendo nas instituições de ensino, nas instituições de qualifica-
ção e nos locais onde aprendem a ser trabalhadores, podem torná-los
exemplares. Remetem aos diferentes fenômenos que estudo: as rela-
ções com a família e com a sociedade, o ser jovem, a separação entre
entre experiência e trabalho, enfim, a construção de trajetórias nas
quais se combinam a formação escolar, as relações sociais que envol-
vem amigos e familiares, as mutações corporais e comportamentais,
elementos fundamentais para a constituição de um ser trabalhador.
Como os jovens são um grupo social heterogêneo, composto
por sujeitos concretos, optou-se por adotar duplamente a perspectiva
da heterogeneidade para captar os diversos mecanismos mobilizados
por diferentes tipos jovens, a fim de se qualificarem e conquistarem um
lugar no mercado de trabalho: de um lado, a heterogeneidade entre
contextos, entre diferentes grupos de jovens, ou seja, heterogeneidade
estrutural, para contemplar as diferenças advindas da condição de
origem e, simultaneamente, as possíveis analogias que explicitariam
os elementos de uma vivência que é propriamente juvenil; de outro,
a heterogeneidade dentro de um mesmo segmento juvenil, de modo
a captar tanto diferenças comportamentais quanto padrões e regulari-
dades entre ideias, práticas e contextos sociais semelhantes.
Assim, tenho em mente que: a problemática da qualificação
situa-se, na maioria das vezes, justamente na transição entre escola e
trabalho; o mercado tem requerido a conclusão do ensino superior
como pré-requisito mínimo para considerar uma pessoa qualificada,
por isso, mas também por um fenômeno de coorte, as novas gerações

58
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

possuem hoje mais escolaridade; mas também vivem a transição ao


trabalho de forma mais tensa, pois o desemprego cresce mesmo para os
mais escolarizados; daí a promessa de mobilidade social se interverteu
“na ideologia de resignação à proletariedade flexível” (ALVES, 2012),
o que explica, de certo modo, atitudes de pragmatismo que visam tão
somente se adequar (para sobreviver) às exigências do capitalismo.
Como o precariado é constituído por jovens altamente esco-
larizados, o peso da ansiedade é maior, tendo em vista que, quanto mais
escolarizados, mais alimentam expectativas de uma “vida melhor”. Talvez
não se trate propriamente de expectativas ou anseios pessoais, mas sim
da aceitação das estratégias de mobilização subjetiva para competências
específicas alicerçadas mais em atitudes e habilidades comportamentais
do que técnicas, sobretudo sob o “espírito do toyotismo”, no qual se faz
imperiosa a necessidade de desenvolver aptidões como capacidade de
resolver problemas, de se relacionar em trabalho em grupo, criatividade,
comunicação, improviso e adaptabilidade.
Os estudos dos autores abordados, em especial os de Regi-
naldo Pandi, sugerem pensar a universidade em sua funcionalidade
para a sociedade brasileira na forma como esta se reproduz como
sociedade capitalista dependente. E neste sentido, levando em conta
os dados disponíveis e analisando-os sob o prisma da relação existente
entre esta instituição fornecedora de força de trabalho qualificada
e o mercado de trabalho o autor demonstra com muita clareza que
o desempenho do ensino superior no Brasil tem sido mais do que
satisfatório. A expansão verificada no ensino superior e a queda na
qualidade deste ensino são elementos constitutivos desta nova uni-
versidade que está aí, elementos. estes associados tanto à formação de
um exército de reserva de trabalhadores de nível universitário como a
alienação deste trabalhador.
Quanto aos jovens universitários, estes apresentam sentimen-
tos e crenças contraditórias, por vezes pessimismo e decepção relaciona-
dos às suas futuras oportunidades de trabalho, ou depositam confiança
no conhecimento e “oportunidade” que vêm construindo ao longo de
sua formação escolar. Mas é a partir daí que situam as suas críticas,
colocando a universidade como instituição hoje incapaz de acompanhar
as mudanças que se dão na sociedade, especialmente aquelas referidas
ao trabalho do profissional de nível universitário. Ao apresentarem suas

59
Israel Rocha Brandão

críticas, os estudantes passam a tomar consciência da relação dos rebati-


mentos estruturais à sua formação individual e grupal, relacionando-a
ao processo geral de transformação a que está submetida a sociedade
brasileira. Tanto assim, que tendem a formular a necessidade de alte-
rações em certas práticas, alterações essas incompatíveis com o próprio
rumo que a universidade tomou em função da política de aviltamento
profissional coerente com a internacionalização da economia.

Referências
ALVES, Giovanni. A educação do proletariado. Disponível em: http://
blogdaboitempo.com.br/category/colunas/giovanni-alves/. Publicado em
17/12/2012. Acessado em 24/06/2013.
_________________. Trabalho e nova precariedade salarial no Brasil:
a morfologia social do trabalho na década de 2000 (2000-2010). Coimbra,
Portugal: Oficina do CES nº 381, 2012.
__________________. Trabalho e subjetividade – O espírito do toyotismo
na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.
___________________. Trabalho, subjetividade e capitalismo
manipulatório – O novo metabolismo social do trabalho e a precarização
do homem que trabalha.
ALVES, Giovanni; Vizzaccaro-Amaral, André Luiz; Mota, Daniel Pestana.
Trabalho e saúde – A precarização do trabalho e a saúde do trabalhador no
século XXI. São Paulo: Ltr, 2011.
BOURDIEU, Pierre. A “juventude” é apenas uma palavra. In: BOURDIEU,
Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 112.
CASTEL, As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 4.
ed. Petrópolis, Vozes, 2003.
INVERNIZZI, Noela. Empregos precários no setor terciário: estudo
de trajetórias ocupacionais de trabalhadores em risco de exclusão. Boletim
Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p.3 5-45, jan./abr. 2002.
MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico: o socialismo
no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2007.
PRANDI, Reginaldo. Os favoritos degradados; ensino superior e profissões
de nível universitário no Brasil hoje. São Paulo: Ed. Loyola, 1982.

FILMES
GALERA. Projeto CineTrabalho/Práxis vídeo, 2012.

60
Israel Rocha Brandão

A RODA COMO ESPAÇO DE RECRIAÇÃO


DA UNIVERSIDADE

Israel Rocha Brandão1

Era quinta-feira por volta de duas horas da tarde, quando


chegávamos ao Patriarca, uma das muitas localidades rurais de Sobral.
O calor entorpecia os sentidos e a vontade de retornar tomava-me
o espírito, pois imaginava o quanto seria agradável estar em casa
naquele momento, desfrutando do convívio familiar ou repousando
um pouco, como habitualmente faço após o meio-dia. Ao entrar na
pequena casa, onde ainda hoje funciona a Unidade Básica de Saúde da
Família, observava que nem o sol causticante e nem a falta de estru-
tura daquele ambiente pareciam afetar as pessoas, que chegavam uma
a uma e sentavam-se em banquinhos dispostos na forma de círculo
maior. Pelo menos uma vez por semana, todos paravam suas ativida-
des corriqueiras de atendimento, visita domiciliar e grupos operativos,
para discutir sobre suas rotinas e sobre a vida daquele grupo. Uma vez
que todos já haviam chegado e se acomodado nos bancos, uma das
agentes de saúde acolheu aos participantes, convidando-os a entoar
uma cantiga de roda. Aquele gesto pareceu-me muito apropriado,
pois a música, como lembra Rogério Costa (1999), constitui um forte
elemento de coesão grupal. Naquela canção, de certo modo, algumas
das pessoas presentes podiam reviver suas próprias histórias pessoais,
pois a dor e a delícia de ser nordestino sempre foi um tema constante
no cancioneiro de Luiz Gonzaga.
Depois disso, tomou a palavra um dentista, que anunciou
o segundo momento. Como tinha sido acordado anteriormente, o
tema daquele encontro seria “adolescência”. Assim sendo, o facilitador
propôs que o estudo do tema fosse feito de modo criativo. Ao invés
de desenvolver uma modorrenta exposição sobre a temática, propôs
um jogo grupal. Tratava-se de uma espécie de bingo, com várias
perguntas sobre o assunto proposto. Os participantes punham suas

1
Psicólogo, Filósofo, Mestre em Sociologia (UFC) e Doutor em Psicologia Social
(PUC-SP). Professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).

61
Israel Rocha Brandão

respostas na cartela do bingo à medida que o facilitador os inquiria.


No final, ocorreu uma grande discussão, em que se observava, por
exemplo, quem teria respondido todas as questões e quem não havia
conseguido. As perguntas nem sempre admitiam uma única resposta
correta, o que favorecia fortemente o debate. Mais importante que
vencer o bingo era compreender porque quase ninguém conseguia
responder questões muitas vezes básicas em torno da adolescência. A
conclusão admitida foi que era preciso estudar mais sobre o assunto,
uma vez que estavam postos ali elementos psicológicos, biológicos e
socioeconômicos que afetavam o fenômeno da adolescência.
Para finalizar, a gerente da unidade de saúde convidou os
participantes a problematizar como se dá o adolescer naquela comu-
nidade. Cada um expôs o seu ponto de vista, apresentando aspectos
positivos ou negativos. Um dos elementos que mais chamou a atenção
foi a constatação do grande número de meninas grávidas que procu-
ram o posto de saúde. Esta problemática foi entendida como algo que
deveria ser enfrentado urgentemente. Tratou-se de elaborar um plano
de ação, em parceria com as escolas e outras organizações existentes no
lugar. Para finalizar o encontro, a cozinheira da unidade propôs uma
dança circular, de modo que todos pudessem vivenciar a alegria de
estar no grupo, pela flexibilidade do movimento e pelo prazer inefável
do transe musical.
Inspirado nos trabalhos de Paulo Freire, no Materialismo
Histórico e Dialético e nos movimentos de base, que, conforme lem-
bra Safira Ammann (1980), mantiveram uma racionalidade solidária
neste país durante tempos obscuros de violência e intolerância, Gastão
Campos (2000) propõe a Roda como método de cogestão de coletivos.
Para ele, a Roda deve ser a) administrativa, pois constitui um espaço
democrático para a discussão das rotinas do grupo, bem como para a
definição e redefinição coletivas das ações; b) pedagógica, uma vez que
objetiva o estudo e a aprendizagem significativa; c) terapêutica, já que
permite tanto desenvolvimento das relações interpessoais da equipe
como também o crescimento individual de cada um dos participantes;
e d) política, visto que a argumentação, tal qual ocorria na democracia
ateniense, substitui as hierarquias e os papéis sociais, garantindo uma
comunidade reflexiva e solidária.

62
Israel Rocha Brandão

Assim sendo, a Roda é muito mais do que uma mera reu-


nião de pessoas. Constitui, antes disso, um bom encontro de sujeitos,
no sentido espinosano do termo. Para Baruch Espinosa, um dos mais
proeminentes filósofos do século XVII, todos nós somos capazes de
afetar e ser afetado pelo outro. A afetividade está na base do relacio-
namento intersubjetivo, assim como, na visão de Aristóteles (1978),
a amizade está no alicerce da política. O bom encontro espinosano
ocorre quando a afetividade resulta na alegria, entendida aqui como
sentimento duradouro, capaz de fortalecer a potência de ser em cada
indivíduo. Pensando com Espinosa, podemos dizer, então, que sem
alegria não há ética e nem ciência sem estética. De modo complemen-
tar, numa perspectiva aristotélica, sem amizade não existe justiça e
nem política na sua radicalidade.
Quando a Roda acontece a busca da paixão é substituída
pela paixão da busca, porque ideia e sentimentos não estão dissociados.
Ao contrário da visão ocidental do mundo que, desde as suas raízes
judaico-cristãs, separa o afeto do pensamento, exilando o primeiro
dos domínios do bom-senso e da busca do conhecimento, a Roda
se assemelha ao ponto de vista de Vygotsky (2001), para o qual não
existe dicotomia entre pensar e sentir.
Quando as pessoas sentam-se em círculo e, olhando
diretamente umas às outras, discutem seus problemas comuns e
confrontam suas diferentes visões de si e do mundo, estão fazendo
muito mais do que simplesmente debatendo. Constroem vínculos e
desenvolvem uma solidariedade que também existirá no ato de fazer.
Como pano de fundo, temos uma educação voltada não apenas para
a aprendizagem, mas capaz de transcender a indiferença que marca a
sociedade hodierna. A educação que não rompe com a indiferença,
como bem assinala Theodor Adorno (1996), é prisioneira da barbárie
e da falta de amor.
Quando estamos na Roda, discutindo ou dançando, temos
a possibilidade de enfrentar a comodidade, pois sempre estivemos
acostumados com a letargia e com a passividade. Para Etienne de la
Boétie (1994) não existe conforto maior para a servidão do que o
costume. Isto quer dizer que nos acostumamos com a opressão do
mesmo modo que nos habituamos com a passividade da vida seden-

63
Israel Rocha Brandão

tária e individualista, longe da preocupação com o outro e com o


mundo.
Compreendo a Roda como uma mandala humana arque-
típica e repleta de símbolos. Para tanto ela precisa ser a ligação de
três momentos nem sempre diacrônicos, que são o sentir, o conhecer
e o fazer. Estas três vivências estão na base da identidade pessoal e
comunitária (Lane, 1995). É, portanto, importante que a Roda tenha
um momento de clínica das paixões, para usar o termo espinosano,
cujo único objetivo é fomentar alegria no simples ato de estar no
grupo. Os vínculos grupais conquistados ajudam a fazer do coletivo
um espaço nutritivo e, por assim dizer, fortalecem a autopoiésis da
equipe. O segundo momento é igualmente importante, pois é vital
fazer da Roda um espaço de educação permanente. Ainda que o es-
tudo individual seja imprescindível na nossa formação, é igualmente
relevante fomentar a reflexão coletiva sobre a realidade que nos cerca.
A Roda de estudo ajuda, por um lado, a alinhar conceitos e, por outro,
a construir um forte compromisso entre os participantes do grupo. O
último momento deve estar ligado aos outros dois que o antecedem
não numa perspectiva cronológica mas epistemológica. O fazer para
ser concreto e preciso necessita estar calcado na reflexão possibilitada
pelo estudo. Para ser profundo necessita a base volitivo-afetiva cons-
truída no momento do sentir.
Retomando à imagem inicial da visita ao Patriarca, reflito
o quanto seria interessante se o Método da Roda fosse adotado como
ferramenta de cogestão nas escolas, nos hospitais, nas prefeituras e
até mesmo na universidade. Que experiência interessante não seria
substituir, nestas instituições, a violência do poder centralizado pela
fala coletiva? Que inusitado não seria ver as pessoas dançando na
universidade e fazendo dela o espaço de liberdade e de argumentabi-
lidade que marca a sua origem no distante século XIII? Recorrendo
agora à força criativa e demasiadamente humana da imaginação, tão
defendida por Castoriadis (1997), penso, por exemplo, como seria
envolvente se os núcleos de estudo e os grupos de pesquisa existentes
na universidade desenvolvessem cada um a sua Roda, com a firme
participação dos educandos? Vejo que os alunos poderiam dar vida aos
núcleos, pensando sobre eles e sobre suas competências. À medida que

64
Israel Rocha Brandão

o fizessem, aprenderiam que a participação é uma conquista e que só


valorizamos aquilo que entendemos como sendo nosso (Bordenave,
1994). As rodas dos núcleos poderiam alimentar a roda dos professo-
res, que, por sua vez, poderia fortalecer a dos alunos. Claro que se trata
apenas de um sonho, mas, se fosse transformado em realidade, pela
ação conjunta das pessoas que constituem esta instituição, certamente
traríamos mais vida e espírito democrático à universidade.

Referências
ADORNO, Theodor W. Palavras e sinais – modelos críticos II. Petrópolis:
Vozes, 1996.

AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no


Brasil. São Paulo: Cortez, 1980.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Os Pensadores. São Paulo: Abril


Cultural, 1978.

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uma contribuição da filosofia política ao trabalho psicológico. In. BRANDÃO,
I. R. & BOMFIM, Z. A. Os jardins da psicologia comunitária: escritos
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CAMPOS, G. W. S., Um método para analise e cogestão de coletivos. São


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CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto 2 – Os domínios do


homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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BRANDÃO, I. R. & BOMFIM, Z. A. Os jardins da psicologia
comunitária: escritos sobre a trajetória de um modelo teórico-vivencial.
Fortaleza: ABRAPSO-Ceará/UFC, 1999.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1980.

65
Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

LA BOÉTIE, E. Discours de la servitude volontaire. In. LA BOÉTIE, E. &


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lugares para aprender. São Paulo: CENPEC/ UNICEF/ Fundação Itaú,
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VIGOTSKI, Lev S. Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

66
Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

O LIVRO DE TODOS:
EDUCAÇÃO POPULAR E FORMAÇÃO
POLÍTICA EM CRATEÚS NA DÉCADA DE
60 DO SÉCULO XX
Luciano Gutembergue Bonfim Chaves1
Maria Ivane Sales2

Introdução
O objetivo do presente artigo é apresentar O Livro de Todos
e as suas contribuições para a efetivação de um projeto de Educação
popular e formação política em Crateús, na década de 60 do século
XX. O Livro de todos é uma cartilha produzida pelo Movimento de
Educação de Base (MEB), para auxiliar no processo de alfabetização
de jovens e adultos à luz das ideias e ideais de Paulo Freire. No período
em questão, o país vivia sob o governo de uma ditadura militar que
considerava o método Paulo Freire um instrumento de “subversão”
e logo passou a combatê-lo, desqualificando o processo de diálogo
que o Círculo de Cultura possibilitava. Foi enfrentando dificuldades,
denúncias e repressões que um livro, tão simples em sua aparência,
operou mudanças em consciências, trouxe esperanças e marcou tanto
a história de um povo que habita os sertões de Crateús. Para o pre-
sente estudo, foram realizadas pesquisas de matrizes teóricas sobre o
período e as ações educativas desenvolvidas na Diocese de Crateús sob
a orientação de Dom Antonio Batista Fragoso. Os resultados indicam
que as referidas ações primavam em levar aos oprimidos a possibi-
lidade de efetivarem a construção de uma história e de uma igreja
mais humana, erigida pelas próprias mãos dos atores antes renegados
a papéis secundários, quando muito, e “sem importância” dentro do
cenário político local.

1
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), professor do Curso
de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e escritor. E-mail:
lucianogbonfim@gmail.com
2
Professora da FAEC - Faculdade de Educação de Crateús, da Universidade Estadual
do Ceará (UECE). E-mail: mari.ivane@yahoo.com.br

67
Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

MÃOS DADAS
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes
esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos
dadas.

Carlos Drummond de Andrade

Era o ano de 1964, precisamente agosto, quando chegou a


Crateús o primeiro bispo da Diocese, D. Antonio Batista Fragoso. A
área territorial diocesana se constituía de dez paróquias. A população
rural era 88% desse conjunto e tinha também um altíssimo percentual
de analfabetismo. Preocupado com a realidade e principalmente com
a maioria camponesa, D. Fragoso visitou inicialmente cada paróquia,
conversando com o pároco e com pessoas que ali residiam. Então,
passou ao debate sobre as ações, e, entre elas, foi incluída a educação
de base. Naquela altura, a Igreja do Brasil já tinha assinado o convênio
que criou o Movimento de Educação de Base (MEB).
O termo de ajuste e cooperação que entre si fizeram a
Diocese de Crateús-CE e o MEB para a execução do programa de
educação de adultos. Ganhou corpo jurídico aos vinte e quatro dias
do mês de junho de 1966. Desde 1965, um pouco antes desta confir-
mação legal, as atividades já aconteciam em níveis de planejamento e
primeiras discussões.
A estrutura organizacional do MEB obedecia à seguinte
ordem: Sistema Nacional, Sistema Estadual e Sistema Local – o
sistema local se ramificava através das comunidades de base. As
atividades realizadas eram compreendidas no princípio a partir de
um diagnóstico onde se buscava um verdadeiro conhecimento da
realidade. Em seguida, eram determinados os objetivos que, após

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Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

definidos, encaminhavam o processo para a seleção e organização


de conteúdos. Posteriormente, identificavam-se os procedimentos
educativos, os recursos e os mecanismos de avaliação. Estes itens se
configuravam na estruturação e definição do plano de trabalho que
se aproximava do plano de ação, momento este denominado de “Fase
de Desenvolvimento”, na fase seguinte, “Fase de Preparação”, eram
realizadas novas avaliações que, através de um feedback, se dirigiam
para um replanejamento e para uma nova fase de preparação.
O MEB passou a funcionar em Crateús, com uma equipe
formada por sete pessoas, um jeep para fazer o trabalho na área rural e
uma sede de referência na cidade. O trabalho foi se desenvolvendo e
a necessidade de alfabetização de adultos, que era enorme, foi encon-
trando o instrumento de realização com o método Paulo Freire.
Os trabalhos buscavam situar o homem como ser histórico,
responsável pelas atitudes que toma por si e pelos seus companheiros
de viagem. Não se podia mais conceber um mundo com tantos
privilegiados e principalmente acreditar que, se existem privilegiados,
é por conta de uma vontade de Deus; ou “porque Deus quer”, como
se dizia. Ele, o homem, não deve aceitar ou acreditar que Deus queira
que ele passe fome ou padeça de outros males. Deve buscar um mun-
do mais humano e justo onde haja escolas, comida e oportunidades de
crescimento para todos. Deve lutar para conseguir os bens culturais.
Deve refletir, analisar e criticar o mundo em que vive.
Em Crateús, na gênese de todo esse processo, segundo o Sr.
José Arnoud, em entrevista a Gomes (2006):
Eram marcadas as reuniões. A primeira
conversa era alertada para a união do povo
para luta de seus direitos. Era tomado um
cartaz e desenhado dois jegues presos por uma
corda e ao lado de cada um destes um pé de
capim, cada um puxava para os lados opostos,
e para o povo perceber era perguntado se iriam
conseguir comer? Nas respostas diziam que
daquela forma não seria possível. Uma outra
pergunta era lançada, se do jeito que estava não
conseguiram, então o que fazer? Após respostas

69
Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

e respostas dadas, uma pessoa dizia que se


cada um cedesse a vez ao outro, possivelmente
contornavam a situação. Desse modo, o
coordenador da reunião argumentava uma
reflexão, dizendo que quando na comunidade
existir a reunião e união de todos rumo a
um objetivo comum, o povo da comunidade
inteira é beneficiado. (ARNOUD apud
GOMES, 2006, p. 41).
As “fichas” utilizadas nestas discussões guiavam-se pelo
objetivo de mostrar e discutir situações reais. Indicava-se, em alguns
momentos, que o homem, ser criado por Deus a sua imagem e seme-
lhança, é rico em potencial, tem capacidade, é inteligente, capaz de
amar, criar e mudar as coisas.
Na cidade de Crateús e na zona rural, foram se formando
grupos interessados e um deles veio do IV Batalhão de Engenharia e
Construção (IV BEC), pois os soldados que ingressavam anualmente
no exército, originários em grande parte da área rural, não tinham sido
alfabetizados. O comandante do exército sediado em Crateús conside-
rou a ação muito necessária e se dispôs a contribuir com a educação
dos soldados dentro da proposta que estava sendo encaminhada.
A equipe do MEB organizou o programa de formação dos
animadores e fez uma semana de formação no Colégio Estadual Regina
Pácis, com pessoas indicadas pelos bairros e comunidades. Cada par-
ticipante da formação iniciou a pesquisa do vocabulário de grupo que
iria trabalhar e, assim, foram formados muitos círculos de cultura. Os
animadores fizeram os debates e, com a seleção de palavras, a alfabeti-
zação foi ficando animada.
As palavras chaves, bem com as fichas de cultura, eram o foco
do debate que possibilitava aos participantes reconhecer sua própria
realidade, tomar consciência de sua posição no mundo e, de forma
crítica, buscar se inserir em ações que modificassem aquela realidade.
Foi aí que surgiu a necessidade de um livro que, com um desenho da
realidade debatida e as palavras estudadas, fosse um instrumento de
ajuda no processo alfabetizador.
O MEB, que continuava a formação em encontros de estu-
do e reflexão, aceitou o desafio e foi organizado um livro bem simples,

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Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

desenhado por pessoas das equipes de trabalho e confeccionado em


um mimeógrafo a tinta. A experiência foi boa e logo foi necessária
uma nova edição com mais algumas lições.

PEQUENA DESCRIÇÃO D’O LIVRO DE


TODOS
O Livro de todos é uma cartilha produzida pelo Movimento
de Educação de Base (MEB) para auxiliar no processo de alfabetização
de jovens e adultos durante a década de 60 do século XX, na cidade
de Crateús-CE.
A sua estrutura é composta por nove lições distribuídas em
dezoito páginas. Todas as páginas são ilustradas. Todas as ilustrações
se relacionam com os temas, frases e palavras apresentadas nas lições.
A impressão interna foi feita através da utilização de um mimeógrafo
a tinta, e os desenhos que ilustram o corpo interno da obra não pri-
mam pela leveza do traço ou pela sutileza dos detalhes, são desenhos
rústicos, de qualidade artística duvidosa, em sua maioria, mas que
estão diretamente relacionados aos assuntos apresentados para serem
discutidos e analisados pelos educandos e educadores – o papel não é
de boa qualidade mas cumpriu a sua função e ainda resiste aos (des)
encantos do passar do tempo.
Outra característica das ilustrações é que todas, sem ex-
ceção, trazem as figuras masculinas, homens e meninos, sempre em
primeiro plano e desenvolvendo atividades de liderança. As mulheres
são apresentadas realizando funções secundárias e eminentemente do-
mésticas, tais como cuidar da casa e dos filhos, numa possível posição
subalterna. Em muitos outros desenhos, apenas aparecem homens a
trabalhar no roçado e a cuidar da vida da comunidade − desde o cul-
tivo das plantas até a comercialização dos produtos; não esquecendo
do preparo da terra. As ilustrações que trazem mulheres se encontram
nas lições um, dois e três. Nas demais, apenas aparecem personagens
masculinas.
Na primeira página, além da indicação “Lição Um”, encon-
tramos uma ilustração que traz diversos camponeses entre homens,
mulheres e crianças. Percebem-se oito homens, alguns conduzindo

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Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

enxadas e foices, ferramentas comuns nas lidas do campo. Todos estão


de chapéu. Aparecem três mulheres, uma delas traz uma trouxa destas
que se via no sertão quando as pessoas se deslocavam de um ‘canto’
para o outro ou quando se ia para o roçado levando o de comer para
os trabalhadores ou quando se ia lavar roupas. Das três crianças, dois
meninos e uma menina. Um dos meninos traz uma enxada, outro
vem sem ferramentas e uma menina carrega uma pequena trouxa na
cabeça, a exemplo das mulheres adultas. No centro da imagem está
um homem de grandes mãos e corpo esbelto. Todos os outros homens
também são fortes, e o traço de suas bocas está apontando para o alto,
o que indica um sorriso. Mulheres e crianças também possuem este
semblante.
A lição um apresenta como palavra geradora povo. Em
seguida, a mesma palavra está assim representada: po – vo. Um pouco
mais abaixo verificamos o seguinte:
a e i o u
pa pe pi po pu
va ve vi vo vu
Na página número dois, ainda referente à lição um, encon-
tramos:
vi – vo = vivo
vo – vó = vovó
pi – pa = pipa.
Um pouco mais abaixo encontramos quatro quadrados, três
deles possuem uma ilustração e o quarto apenas um pequeno traço e
uma sílaba. Nas ilustrações presentes nos quadros temos uma pá, um
pé e uma uva. Na pá, encontramos um traço e a letra “á (__á)”. No
segundo, o desenho do pé e a letra P seguida de um traço “(P__)”.
E no terceiro, um cacho de uvas, em seguida, um traço e a sílaba va
“(__va)”. No quarto, apenas um traço e a sílaba vo “(__vo)”.
A lição dois apresenta a palavra família. Traz a mesma
estrutura de divisão da palavra em sílabas para, em seguida, concen-
trar-se na exploração das famílias silábicas. Nesta lição, já aparecem
frases formadas: “A família vive a fome” e “Povo vivo fala”. A ilustra-

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Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

ção apresenta uma família de esfarrapados e desnutridos: um casal,


três crianças e um cachorro, ao fundo uma casinha de pau a pique e
uma árvore seca. Não existem nuvens no céu nem grama no chão. Na
página seguinte, as palavras: fala, fila e levava.
A comunidade entra em cena na terceira lição. A estrutura
metodológica da lição anterior se repete. Temos a seguinte frase:
“Cada comunidade é uma família unida”. Na próxima página, temos
as palavras: menino, cidade e macaco. Nesta lição, surgem espaços em
branco para que os alunos possam preencher com palavras inteiras.
Na quarta lição, as mulheres não mais compõem o corpo
das ilustrações. A palavra geradora é trabalho. As frases são: “O tra-
balho eleva a comunidade” e “Povo unido muda de vida”. Nesta lição,
verificamos uma frase que deveria ser copiada pelo educando: “Povo
unido muda de vida”.
Na lição número cinco, a palavra geradora é roçado. As
frases são: “Paulo é dono do roçado”, “Mário roça” e “Paulo é rico”.
São apresentadas atividades que os alunos deveriam executar. Na 1ª)
ca-ça = caça; a-ra-do= arado; ra-pa-du-ra = rapadura; na 2ª) cinco pares
de linhas são apresentadas para serem preenchidas com as palavras
citadas anteriormente; e na 3ª) Paulo é dono do roçado – frase para ser
escrita pelos alunos.
Na lição seis, encontramos a palavra safra. As frases para
estudo são: “Sabino dá duro na roça” e “Sabino procura safra, sabe-
doria e saúde”. Nesta página, temos um caminhão a ilustrar o espaço
antes vazio. Palavras que aparecem nos exercícios desta lição: fraco,
sofre, saúde e sabedoria. Há ainda a seguinte indicação de exercício:
ACABE: Sabi__ traba__ na ro__; e Na comuni__ Sabi__ melho__ a
sa___.
Na sétima lição, temos a palavra lavrador. Encontramos
as frases: “Sabino é lavrador”; “A comunidade de Sabino trabalha
unida pelo saber, pela comida, pela felicidade”. As atividades trazem
a indicação de DEVER, seguidas da orientação ACABE e das frases a
serem reproduzidas.
A chuva aparece na penúltima lição. Frases que constam
nesta lição: “A chuva é felicidade para o lavrador”; “O roçado morre
na seca”; “A seca abala a comunidade”.

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Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

Na última lição, a número nove, a palavra geradora é


enxada. As frases para discussão e exercício são: “Xavier trabalha de
enxada”; “Sabino prefere o arado e a renda de Sabino é maior”. Na
ilustração desta página, aparecem um trator em sugestão de atividade
e uma enxada manuseada por um lavrador que observa atônito o equi-
pamento agrícola em plena ação. Na página seguinte, encontramos
a indicação de um DEVER, de um exercício indicando ACABE, e,
noutro, uma indicação de COMECE. Eis as frases indicadas, respec-
tivamente: A sa__ de Xavi__ depen__ da enxa__ e O __rado __lhora
a __fra. Na última atividade proposta, encontramos as seguintes frases
que deveriam ser reproduzidas na íntegra: “Xavier trabalha de enxada”
e “Sabino prefere o arado”.

NÃO NOS AFASTEMOS MUITO


As orientações sobre os debates educacionais ultrapas-
savam os limites circunscritos pela Diocese. Debater e enfrentar as
elites locais e os seus interesses patrimoniais. Combater as acusações
que, contra Dom Fragoso e parte de sua equipe, eram levantadas e
espalhadas, inclusive perante a justiça militar. Servir de fermento à
revolução, auxiliar aos extintos partidos políticos que agiam pelas vias
da clandestinidade, eis algumas tarefas empreendidas.
Para Gomes (2006):
O MEB, em sua essência, além de
alfabetização, realizava todo e qualquer evento
que proporcionasse as pessoas viverem de
forma organizada, igualitária, em que os
participantes direta, ou indiretamente, se
sentissem respeitados, dignos, autônomos,
independentes de qualquer amarra da opressão.
Pôr esta razão eram organizados vários tipos de
grupos, mas todos estavam em consonância
com o mesmo objetivo: roça comunitária,
grupo de jovens, grupo de senhoras, hortas
comunitárias, grupos de mães, mutirões,
escolas para adultos, grupos para reivindicar
direitos, festinhas na comunidade, sindicatos e

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Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

cooperativas. (GOMES, 2006, p. 39).


Em virtude das ações educativas, determinadas palavras
e expressões passaram a se constituir integrantes do cotidiano das
pessoas antes habituadas a outros modos e maneiras de ver e sentir
o mundo e as pessoas. As decisões deveriam ser tomadas mediante a
explanação e apreciação em longos e, às vezes, intermináveis debates
que aprimoravam o senso crítico, ou o desenvolviam. Novos jeitos de
se resolver as questões eram apresentados e nem tão rapidamente as-
similados, mas, dentro do processo de busca de conscientização, estas
eram etapas que deveriam ser vencidas. Os círculos se transformaram
em forma preferencial não apenas no que se refere à nova maneira de as
pessoas se organizarem nas reuniões; a palavra “círculo” ganhou uma
dimensão para além da geométrica função, para além da matemática:
tornou-se sinônimo de participação, de olho no olho.
As ações educativas do MEB em Crateús primavam pela
inserção popular não apenas na dimensão de aprendizado dos códigos
linguísticos básicos ou da mera alfabetização que levaria os participan-
tes a decodificarem as palavras e não compreenderem o seu significado
− deveriam auxiliar na compreensão de si mesmo, do mundo e da
realidade que o cercavam.
Tais atividades contribuíam para uma educação onde as
massas, principalmente de agricultores, pudessem interferir e gerir o
processo decisório de suas relações políticas e de produção. As novas
práticas se orientavam pelo diálogo, construído a partir de encontros
em que se discutiam e se planejavam as lutas e as reivindicações.
Valorizava-se a importância de aprender a soletrar, ler e de-
cifrar o mundo, como aparece no poema dedicado ao educador Paulo
Freire, “Canção para os fonemas da alegria”, de Thiago de Mello, que
nos diz:
Peço licença para algumas coisas.
Primeiramente para desfraldar
Este canto de amor publicamente.

Sucede que só sei dizer amor


Quando reparto o ramo azul de estrelas

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Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

Que em meu peito floresce de menino.


Peço licença para soletrar,
No alfabeto do sol pernambucano
A palavra ti-jo-lo, por exemplo,

E pode ver que dentro dela vivem


Paredes, aconchegos e janelas,
E descobrir que todos os fonemas

São mágicos sinais que vão se abrindo


Constelação de girassóis gerando
Em círculos de amor que de repente
Estalam como flor no chão da casa.

Às vezes nem há casa: é só o chão.


Mas sobre o chão quem reina agora é um
homem
Diferente, que acaba de nascer:

Porque unindo pedaços de palavras


Aos poucos vai unido argila e orvalho,
Tristeza e pão, cambão e beija-flor,
E acaba por unir a própria vida
No seu peito partida e repartida
Quando afinal descobre num clarão

Que o mundo é seu também, que o seu


trabalho
Não é a pena que paga por ser homem,
Mas um modo de amar – e de ajudar

O mundo a ser melhor.

Peço licença
Para avisar que, ao gosto de Jesus,

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Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

Este homem renascido é um homem novo:


Ele atravessa os campos espalhando
A boa-nova, e chama os companheiros
A pelejar no limpo, fronte a fronte,

Contra o bicho de quatrocentos anos,


Mas cujo fel espesso não resiste
A quarenta horas de total ternura.

Peço licença para terminar


Soletrando a canção de rebeldia
Que existe nos fonemas da alegria:

Canção de amor geral que eu vi crescer


Nos olhos do homem que aprendeu a ler.

Santiago do Chile.
Primavera de 1964.

(MELLO, 1996, p. 29)

Conclusão
Buscava-se gerar uma ampla mobilização nas bases vislum-
brando assim o “despertar de uma consciência crítica” e a modificação
do modelo estrutural, tendo como mote a alfabetização de adultos.
O País, governado pela Ditadura Militar, considerava o
Método Paulo Freire um instrumento de “subversão”, e logo passou
a combater o trabalho, desqualificando o processo de diálogo que o
círculo de cultura fazia e destacando, sobretudo, as palavras: conscien-
tização, comunidade, politização. Iniciou a repressão no exército (em
Crateús), transferindo o comandante para o Rio de Janeiro. Parte dos
oficiais, em número de onze, consideraram a transferência indevida e
fizeram um documento de apoio ao comandante. Logo foram puni-
dos com prisões e transferências. Os que não se submeteram tiveram

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Luciano Gutembergue Bonfim Chaves | Maria Ivane Sales

que deixar o exército.


O cerco repressivo continuou. Havia um programa de rádio
de que o exército passou a exigir cópia do conteúdo transmitido antes
de ir ao ar, para fazer a censura prévia e, assim, retirar o programa ou
parte dele do ar. O MEB funcionou neste clima de repressão entre
1966 e 1971, quando um ofício da coordenação geral do Movimento
fez a demissão da coordenadora do sistema MEB – Crateús, que era
uma assistente social italiana, sem comunicar ao bispo D. Fragoso,
que era o responsável em nível local.
Com a situação tensa, a equipe se reuniu e, refletindo
a concepção do próprio Método Paulo Freire, que considera o ser
humano sujeito da história, capaz de construir o próprio caminho,
ser solidário, criativo e livre, decidiu fechar o sistema em Crateús, mas
não se submeteu ao ato da ditadura militar presente no ofício do bispo
D. Luciano Duarte.
Foi enfrentando dificuldades, denúncias e repressões que
um livro tão simples em sua aparência operou mudanças em consci-
ências, trouxe esperanças e marcou tanto a história de um povo que
habita os sertões de Crateús.

Referências

FRAGOSO, Antonio Batista. El Evangelio de la esperanza. Madrid/


Espanha: Ediciones Sigueme, 1973.

FRAGOSO, Dom Antonio Batista. O rosto de uma igreja. São Paulo:


Edições Loyola, 1982.

_________, Dom Antonio Batista e outros. Igreja de Crateús (1964 –


1998). São Paulo: Edições Loyola, 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 33ª ed. Rio de Janeiro: Paz e


Terra. 1987.
______. Conscientização. Teoria e Prática da Libertação – Uma introdução
ao pensamento da Paulo Freire. 3 ª ed. Tradução: Kátia de Mello e Silva. São
Paulo: Moraes, 1980.

78
Paulina Maria Mendes Parente

GOMES, Francisco Rodrigues. Movimento de Educação de Base.


Monografia de Conclusão de Curso: Crateús: 2006, Universidade Estadual
do Ceará (UECE) – Curso de Especialização em Formação de Formadores.

MELLO, Thiago de. Faz escuro mas eu canto: porque a manhã vai
chegar. 15ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.

MEB / Crateús. O Livro de Todos. Cartilha produzida pelo MEB –


Crateús. Crateús: Mimeo, s/d.

PEREIRA, Pe. José Helenio Oliveira. Rastros de uma Caminhada.


Fortaleza: Editora Premius, 2008.

THOMÉ, Yolanda B. Um povo, uma igreja. São Paulo: Edições Loyola,


1994.

79
Paulina Maria Mendes Parente

ENTENDENDO SOBRE A CRIATIVIDADE:


PERSPECTIVA DOS DOCENTES E
DISCENTES DO CURSO DE PEDAGOGIA
DA UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO
ACARAÚ

Paulina Maria Mendes Parente1

Introdução
O interesse em pesquisar sobre criatividade e procurar
relacioná-la com a educação formal vem se delineando a partir de
encontros e conversas com educadores na escola. Ao desenvolver
atividades junto aos professores por ocasião da formação inicial ou
continuada, nestes últimos anos pudemos perceber a lacuna de forma-
ção e informação por parte destes no que diz respeito à criatividade,
sua importância para o desenvolvimento do indivíduo e as condições
favoráveis ao seu desenvolvimento e o papel da educação formal para
sua aprendizagem.
Devemos esclarecer que este trabalho trata-se de um resgate
de uma pesquisa empírica feita em 1994, portanto já decorrido longo
tempo, o que a princípio pode caracterizar um envelhecimento dos
dados, trazendo prejuízos à compreensão da realidade atual. Reconhe-
cemos que isto pode embasar uma crítica a este documento, mas por
outro lado, asseguramos-nos no fato de que conhecer o hoje implica
em revermos o passado e refletirmos o quanto se avançou (ou não)
em termos de ideias e atitudes. O que, aliás, é próprio da pesquisa
social, daí entendemos que os resultados desta pesquisa devem servir
para o próprio curso de Pedagogia ou outros cursos da educação se
apropriar para basear novos estudos e ampliar conhecimentos sobre
a criatividade.

1
Professora Assistente do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do
Acaraú, mestre em Gestão Educacional.

80
Paulina Maria Mendes Parente

O trabalho foi desenvolvido através de uma análise da


literatura de especialistas em educação, psicologia e criatividade, entre
eles: Freire (1994; 2001), Torre (2005), entre outros, que sublinharam
a importância de se compreender sobre qual é o papel da criatividade
para o desenvolvimento pessoal e, além disso, reconhecer seu valor
como um bem social.
Já se tornou um chavão dizer que o milênio em que vivemos
caracteriza uma época de inúmeras mudanças e desafios e que, em
consequência de um progresso sem precedentes boa parte do que tem
sido ensinado atualmente na grande maioria das escolas e também
nos cursos superiores estará ultrapassado dentro de poucos anos. Esse
discurso, embora muito pronunciado, parece não ter mudado muito
a escola e a própria universidade, no que diz respeito à dinâmica de
sala de aula e suas aprendizagens. Porém as mudanças são reais e têm
gerado desafios para o ensino uma vez que não basta ensinar o que
é conhecido e, os discentes têm se inquietado cada vez mais diante
de conteúdos disciplinares simplesmente informados e “impostos”.
É, portanto, razoável entender que dentro do contexto educacional
também se faz necessário estimular capacidades como: questionar,
refletir, imaginar, criar e inovar.
Entende-se que esta a educação formal, como um todo, não
tem dedicado lugar para a criatividade e inovação. Nesse sentido, ig-
norar o potencial criativo como interesse de ensino-aprendizagem tem
sido uma prática da educação, e desta perspectiva consideramos que
muitas capacidades criativas são inibidas e bloqueadas por falta de
estímulo, de encorajamento e de ambiente socioeducacional favorável
ao seu desenvolvimento. Assim, professores não incluem em seus ob-
jetivos e práticas profissionais modos de estimulá-la em seus discentes,
pais não identificam entre as experiências e aprendizagem escolares
de seus filhos o desenvolvimento de sua criatividade e inovação como
aspectos importantes para a sua formação pessoal e escolar. O mesmo
ocorrendo também em ambiente universitário.
Conscientes da importância da criatividade e da realização
do potencial de criação para a vida do indivíduo e do grupo, e acredi-
tando que podemos fazer mais pelo seu desenvolvimento à medida que
dela nos aproximamos mais, procurou-se levantar fazer estudos a cerca
dessa temática, fazendo uma conexão com a questão educacional.

81
Paulina Maria Mendes Parente

Pretendemos contribuir para desmistificação da ideia de


que a criatividade é uma herança de poucos, como algo especial, e
chamar a atenção para o importante papel do docente e do ensino
de forma geral para o processo de formação do aluno e do desenvol-
vimento de suas habilidades criativas. O docente ocupa um lugar de
grande importância na formação do educando buscando contribuir
tanto para o crescimento e expansão das habilidades do aluno, como,
pelo contrário, executar o seu poder no sentido de dificultar este
crescimento, prejudicando o educando em seu processo de descoberta
de si mesmo e de seus potenciais.
Os profissionais da educação têm sob sua responsabilidade
o poder de influenciar e interferir o desenvolvimento criativo de
novos membros da sociedade através da escola, destacando a educação
infantil e o ensino das séries iniciais, por ocupar-se com alunos em
etapas de vida em plena expansão em termos de desenvolvimento,
onde as experiências primárias têm um impacto muito marcante, mas
sem por isso, o ensino acadêmico deva ser menosprezado como fator
de desenvolvimento dos sujeitos aprendizes também nesta seara. A
seguir traremos uma breve apresentação conceitual sobre criatividade
focando seus aspectos educacionais. A pesquisa de campo realizada
com professores e alunos da educação superior é apresentada após
reflexões teóricas e por fim as considerações finais.

A CRIATIVIDADE E A EDUCAÇÃO
COMO LOCUS PRIVILEGIADO PARA SEU
DESENVOLVIMENTO
Autores como Alencar (1993, 2002), Martinez (1997),
Vigotsky (1930/1987), entre outros, salientam que todas as pessoas
tem um potencial criativo e apresentam discussão favorável à ação do
professor no desenvolvimento desse potencial.
Ostrower (1986) ao apresentar a criatividade como poten-
cial inerente ao ser humano não a atribui como potencial ou dom de
poucos privilegiados e também não se reduz à arte.
Segundo Guilford (in Alencar, 1993, p. 260), um investiga-
dor dos traços intelectuais e estilos cognitivos presentes em indivíduos

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Paulina Maria Mendes Parente

altamente criativos, o processo criativo é um conjunto, principal-


mente, dos seguintes traços: fluência, flexibilidade de pensamento,
originalidade, elaboração, redefinição e sensibilidade para problemas.
Para Martinez (1997) existe certo consenso em admitir que
a criatividade pressupõe uma pessoa que, em determinadas condições
e por intermédio de um processo, elabora um produto que é, pelo
menos em alguma medida, novo e valioso.
A criatividade é expressão da implicação da personalidade
em uma esfera concreta de atividade, o produto da otimização de suas
capacidades em relação com fortes tendências motivacionais em que
o sujeito da atividade está envolvido como um todo. (MATINEZ,
1997, p. 26).
Lowenfeld e Brittain (1970, p. 15) ao se referir ao nosso
sistema educacional, na década de 70, diziam que:
As aptidões de interrogar, de procurar respostas,
de descobrir forma e ordem de repensar,
de reestruturar e encontrar novas relações,
são qualidades que não são, de modo geral,
ensinados de fato, parece serem menosprezadas
em nosso atual sistema educacional. A função
do sistema escolar parece consistir em criar
pessoas que possam armazenar fragmentos
de informações e depois possam repeti-los
a um sinal dado [...]. O mais perturbador
é que a capacidade para repetir fragmentos
de informação pode ter muito pouca relação
com o ‘membro cooperante e bem ajustado à
sociedade, que pensávamos estar produzindo’
[...].
Mesmo que de forma não explicitamente declaradas, os
autores acima citados defendem com suas ideias que o sistema educa-
cional falha quanto ao estímulo à criatividade e ao desenvolvimento
da capacidade criadora do indivíduo.
O sistema de ensino, identificado como repassador de
informações prontas, nos leva a lembrar as críticas que Freire (1994)
faz à educação tecnicista e “bancária”, principalmente quando faz
referência sobre a “domesticação”, segundo a qual,

83
Paulina Maria Mendes Parente

o homem teme a liberdade, mesmo que fale


dela. Seu gosto agora é o das fórmulas gerais,
das prescrições, que ele segue como se fossem
opções suas. E um conduzido não se conduz a
si mesmo. Perde a direção do amor. Prejudica
seu poder criador. É objeto e não sujeito. E
para superar a massificação há de fazer, mais
uma vez, uma reflexão. E dessa vez, sobre sua
própria condição de ‘massificado‘ (FREIRE,
1994, p. 71).
Dissertando sobre educação e massificação Freire, supracitado,
afirma que a contribuição a ser trazida pelo educador brasileiro à nossa
sociedade, haveria de ser a de uma “educação crítica e criticizadora”.
Freire (1994) enfatiza essa visão dizendo que:
Uma das grandes características de nossa
educação é de vir enfatizando cada vez
mais posições ingênuas, que nos deixam
sempre na periferia de tudo o que tratamos.
Pouco ou quase nada, que nos leve a
posições mais indagadoras, mais inquietas,
mais criadoras. Tudo ou quase tudo nos
levando, desgraçadamente, pelo contrário, à
passividade, ao ‘conhecimento’ memorizado
apenas, que, não exigindo de nós elaboração
ou reelaboração, nos deixa em posição de
inautêntica sabedoria. (FREIRE, 1994, p.
104)
Assim a educação é entendida como um ato de desprender-se
de conhecimentos prontos e exige a criação de novas perspectivas na
discussão e no fazer do professor, isso se não quiser ser considerada
uma farsa.
Freire agrega ao ato de criar a virtude da coragem. É preciso
criar, mas para criar é necessário ter coragem, pois no caso dos educa-
dores o enfrentamento do estabelecido e dos “pacotes” educacionais
exige doses de muita clareza política e competência. E sugere aos
educadores que se voltem com vontade para o trabalho de formação
contínua, pois como pode a educadora provocar no educando a
curiosidade crítica necessária ao ato de conhecer; “sem gosto do risco,

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Paulina Maria Mendes Parente

da aventura criadora, se ela mesma não confia em si, não se arrisca, se


ela mesma se encontra amarrada ao ‘guia’ com que se devem transfe-
rir aos educandos os conteúdos tidos como “salvadores”? (FREIRE,
2001, p. 72)
Com forte defesa humanista, Freire coloca o humano no
cerne da questão, quando propõe que temos que colocar o ser huma-
no como aquele que pensa, fala e sonha, ama e odeia, cria e recria, e
que sabe que sabe e que ignora, entre outras características, como o
centro de nossas preocupações.
Esse amante do conhecimento pedagógico por excelência
alerta para certos discursos pós-modernamente reacionários, com
ares triunfantes, que decretam a morte dos sonhos e defendem um
pragmatismo oportunista e negador da capacidade de criar, e ser feliz.

A CRIATIVIDADE: DO
DESENVOLVIMENTO PESSOAL AO
DESENVOLVIMENTO COLETIVO
A criatividade é mais comumente associada à ideia do
desenvolvimento do indivíduo e de suas capacidades, principalmente
entendidas como expressão artística do sujeito. De La Torre (2005)
traz uma nova dimensão para a discussão da questão da criatividade
humana, segundo a qual a criatividade passa a ser observada como um
fenômeno que transita entre os atributos pessoais do indivíduo e as
exigências sociais, ou seja, chama atenção do papel da criatividade não
só para o desenvolvimento, equilíbrio e bem-estar do indivíduo, mas
também como expressão da e para a coletividade.
Assim como Freire, que ultrapassa a visão humanista, quan-
do reduzida ao âmbito do sujeito individual, e foca a questão social,
De La Torre (2005) fala do papel social da criatividade. Apresenta a
criatividade como um bem social, como uma riqueza de um povo,
essencial para o seu desenvolvimento e para a resolução dos problemas
da população.
Historicamente vista, a princípio, como atributo de poucos
privilegiados e talentosos artistas, ou observada numa minoria, não
sempre bem aceita, pois quebravam padrões e paradigmas sociais que

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Paulina Maria Mendes Parente

ditavam normas de uma época, a criatividade, agora com o avanço das


pesquisas que reconhecem tanto a inteligência quanto à criatividade
como um potencial geneticamente humano, inato, mas não herdado
pronto e acabado, predeterminado, é entendida como passível de
interagir com o ambiente físico e sociocultural demandando uma
competência especializada dos educadores de crianças, principalmente
dos professores, dos pedagogos, por serem mediadores na formação de
personalidades e aprendizagem de seus alunos.
“Dar justa oportunidade à criatividade é assunto de vida
ou morte para qualquer sociedade” ( TOYNBEE, 2005, p. 17).
Com essa ideia concorda De La Torre (2005, p. 17-18) ao afirmar
que “um povo sem criatividade é como um grupo humano preso pela
imobilidade, preso à escravidão e submetido a sociedades com maior
potencial criativo. Nesta visão a criatividade não somente comporta
a autorrealização pessoal, mas também o desenvolvimento social”. E
como bem social ele chama o conjunto de valores e bens de serviços
compartilhados pelos membros de uma sociedade, fundamentando
que a criatividade é um bem social em três considerações; como
desenvolvimento humano; como desenvolvimento científico; como
bem social e de futuro.
A criatividade está passando de simples habilidade pessoal,
psicológica, para ser considerada em termos de potencial humano a
serviço da sociedade.
Naturalmente reconhece-se que é possível desenvolver a
criatividade fora do espaço educativo, mas quando algo se organiza
de forma sistemática e se organizam os meios para consegui-la, é mais
certo o êxito. A educação, portanto, passa a ter um papel fundamental
para criar um clima de estimulação criativa em qualquer setor da
atividade humana. Segundo De La Torre (2005):
estimulação criativa é uma responsabilidade
social e educativa como valor cultural do
nosso tempo. É o norte de todo o sistema
educativo aberto ao futuro’. Nossa sociedade,
dada a quantidade de problemas que tem,
não se pode dar ao luxo de não aproveitar
o potencial criativo subjacente em todo ser
humano (2005, p. 24).

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Paulina Maria Mendes Parente

Mais uma vez a educação é relacionada à criatividade não


como um acessório didático, mas como algo intrínseco ao ato de
educar entendido como ato de libertação, que amplia as capacidades
humanas e provoca mudanças na sociedade, garantindo inclusive a
sua sobrevivência com dignidade e liberdade.
De La Torre (2005), citando M. Csikszentmihalyi (1998),
que investigou uma centena de exímios criadores de âmbitos diferen-
tes da atividade humana, apresenta a complexidade como talvez sendo
a característica mais relevante das pessoas altamente criativas.
As pessoas criativas são reconhecidas como possuidoras de
enorme energia psíquica e que precisam expressá-la, exteriorizá-la de
mil maneiras possíveis; às vezes, de forma contraditória, desta forma:
São vivos, desconfiados e ingênuos; alternam o
pensamento convergente e o divergente; sabem
combinar a férrea disciplina, a tenacidade
e o esforço com a evasão e o divertimento;
movem-se entre sentimentos de humildade e
orgulho, confiança e desconfiança, introversão
e extroversão. Por mais que pareça inaceitável,
encontramos neles uma mistura de lembranças
do tradicional com a busca pelo novo. Vistos
de fora, são contraditórios. É por isso que só se
pode compreender o comportamento a partir
deles de um paradigma da complexidade. Algo
como “chorar... de alegria”. Porque o pranto
pode expressar emoções fortes de tristeza e de
satisfação (De La TORRE, 2005, p. 29).
Após o que foi apresentado acima acreditamos que fica
esclarecido o papel fundamental e a grande responsabilidade dos
docentes. Se o ensino da escrita é imprescindível para proporcionar
ao indivíduo a autonomia necessária para conviver em uma sociedade
como a nossa, o desenvolvimento da criatividade é questão de sobre-
vivência de uma coletividade. É preciso fazer algo mais do que até
agora estávamos fazendo, pois aí é gerado o futuro. Um professor ou
professora deveria ter como meta prioritária em sua visão educativa
a ideia de que ensinar é formar pessoas capazes de contribuir com
algo pessoal para o grupo humano em que convivem. A finalidade

87
Paulina Maria Mendes Parente

de desenvolver ao máximo as próprias capacidades não é suficiente; é


preciso criar a consciência de que elas deverão orientar-se a serviço da
comunidade.
Enquanto Freire chamou a atenção para a “domesticação”,
De La Torre destaca, numa mesma linha de raciocínio, para a ideia de
escravidão, que é uma forma desumana de submissão, caso um povo
não enfrente com criatividade os desafios do tempos atuais e futuros.
Assim, ele diz que:
A escravidão desapareceu em suas formas
físicas, mas existe outro tipo de submissão, a
de povos e nações, muito mais sutil e dolorosa.
Ataca o próprio intelecto e a dignidade moral
do homem. Trata-se da escravidão intelectual
e moral mediante a dependência econômica.
É a nova forma de escravidão do futuro, mas
que está funcionando em alguns países do
Terceiro Mundo e da Ibero-América. Um
povo, cujas gerações possuam iniciativa e
criatividade e encontrem apoio em seu país
para desenvolver seus projetos, dificilmente
cairá nessa escravidão. Simplesmente porque
a criatividade fará críticos os seus cidadãos
perante qualquer tipo de submissão (DE LA
TORRE: 2005, p. 34)
Desta forma, nos parece acertado defender o sistema
educacional formal como um espaço de crescimento humano, não só
a nível pessoal, mas do coletivo, ampliando o conhecimento acerca
da realidade e criando novas formas de construir uma sociedade,
valorizando a criatividade como capacidade a ser desenvolvida com
estratégias educacionais, voltadas para as possibilidades de inovação
na educação. Portanto devemos nos interessar mais e mais sobre como
aqueles que formam e são formados para educar crianças e jovens es-
tão entendendo essa questão da relação entre ensino, aprendizagem e
criatividade para a partir de suas representações e de seus conhecimen-
tos prévios fazermos reflexões e podermos nos debruçarmos em novos
estudos e novas práticas educacionais para contribuir assertivamente
nessa luta para mudanças paradigmáticas voltadas para o estímulo e
desenvolvimento da criatividade.

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Paulina Maria Mendes Parente

O QUE ENTENDEMOS SOBRE


CRIATIVIDADE: O GRUPO PESQUISADO
Para efeito de operacionalização, o termo criatividade com
o qual iremos lidar neste trabalho específico ficará sendo um conceito
que considera que ser criativo significa, então, pensar de maneira dife-
rente, ter pensamentos novos e originais, poder distanciar-se das ideias
usuais e convencionais, dando origem a possibilidades de inovação na
solução de problemas.
Assim partimos do pressuposto que todo ser humano apre-
senta potencial criativo, certo grau de habilidades criativas e que estas
habilidades podem ser desenvolvidas e aprimoradas através da prática
e do treino. Faz-se necessário tanto condições ambientais favoráveis
como o domínio de técnicas adequadas.
Este estudo teve como interesse básico pesquisar junto aos
alunos e professores do curso de Pedagogia da Universidade Estadual
Vale do Acaraú como a criatividade é percebida, concebida e enten-
dida por estes e, principalmente, se – e como – a criatividade está
incorporada na construção do saber pedagógico daqueles que estão
em formação para atuarem profissionalmente no sistema educacional.
A criatividade, neste grupo, é compreendida como um
potencial inerente, possível aos seres humanos, independente de um
dom especial e não apenas atribuído a alguns com uma genialidade
incomum, digna da admiração dos outros não criativos. Objetivamos,
então, buscarmos apreender o que de fato consiste a criatividade para
aqueles que se formam educadores? Quais as características do pensa-
mento e ato criativo segundo os sujeitos observados? Qual a relação
entre a pedagogia e a criatividade?
O universo da pesquisa foi constituído por alunos e profes-
sores do curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú
no período do primeiro semestre de 1994, cujos nomes constavam
nos mapas de frequência das disciplinas oferecidas neste curso.
Observando, durante os levantamentos preliminares para o
planejamento da pesquisa que os sujeitos do grupo pesquisado apre-
sentavam perfil semelhante (nível superior, mesmo curso universitário,
maioria do gênero feminino, a maioria oriundos da escola pública,

89
Paulina Maria Mendes Parente

moradores da região norte do estado do Ceará, sendo a maior parte,


filhos de agricultores), escolheu-se uma amostra que representasse
10% da população/universo, isto é, 38 alunos dos 380 do curso de
Pedagogia na ocasião, divididos nos períodos: básico, 2º período, 4º
período, 6º e 8º períodos do primeiro semestre letivo de 1994. E 06
(seis) professores do total de 23 professores do curso de pedagogia
(efetivos e bolsistas), 16 professores receberam o questionário, instru-
mento de levantamento de dados elaborado para esta pesquisa, destes,
06 (seis) deles devolveram os questionários respondidos.
A aplicação dos questionários foi realizada no período do
primeiro semestre acadêmico de 1994. De maneira geral, houve boa
receptividade quando do chamamento para o seu preenchimento.
Estes estavam constituídos, no caso dos alunos, de quatorze pergun-
tas abertas, e, para os professores, doze perguntas, também abertas.
Os questionários levantavam questões sobre o imaginário social da
criatividade partindo de uma procura de conceituação geral para em
seguida identificar qual a percepção interna (autoimagem) e, poste-
riormente, a percepção externa, ou seja, como veem a criatividade nos
outros e nas atividades pedagógicas, especialmente.
A primeira parte da pesquisa de campo dirigiu-se aos
alunos, sendo estes sorteados pelos números em que se encontravam
seus nomes na lista de frequência das disciplinas oferecidas naquele
semestre. Escolheram-se alunos frequentadores dos seguintes períodos
acadêmicos: básico, 2º período, 4º período, 6º período e 8º período
(orientação escolar). Os intermediários – 3º período, 5º período e 7º
período – foram isolados por acreditar-se que estes estariam implici-
tamente representados nos anteriores, respectivamente. Escolheu-se
os períodos “básico” e 2º, como representantes do início do curso, os
períodos 4º e 6º representando o estágio intermediário e o 8º período
como a fase final do referido curso. Desta forma, acreditamos, ter
obtido uma representação do curso como um todo.
Após autorização do coordenador e dos respectivos pro-
fessores dos períodos do curso de pedagogia a serem pesquisados,
os nomes dos alunos que participariam da pesquisa foram sorteados
observando os números dos mapas de frequência das disciplinas. Em
seguida, os alunos “sorteados” foram localizados em suas salas e con-
vidados a participarem. Estes foram conduzidos para uma ampla sala

90
Paulina Maria Mendes Parente

designada para a aplicação coletiva do instrumento de trabalho desta


pesquisa (questionário), o que demandou cerca de 30 a 40 minutos.
Já, os questionários relativos aos professores foram a estes entregues
individualmente e atribuiu-se um tempo maior entre o período de
entrega e de recolhimento destes, pois muitos foram preenchidos fora
do espaço da Universidade e entregues dias depois (outros não foram
devolvidos, apesar dos insistentes pedidos de recolhimento).
Faz-se necessário lembrar que no intervalo de tempo
entre a aplicação desta pesquisa e o seu respectivo resultado escrito,
a Universidade Estadual Vale do Acaraú realizou concurso público
para a admissão imediata de novos docentes, inclusive para o curso
de pedagogia, objeto de estudo deste trabalho. Estes, portanto, não
fizeram parte de nossa amostragem e não foram contribuintes para
estes resultados. Aproveitamos para deixar claro que os professores
designados como ¨colaboradores¨, ou seja, aqueles que prestavam
serviços à Universidade Estadual Vale do Acaraú e não mantinham
com esta um vínculo empregatício, também não foram envolvidos no
processo de coleta de dados.
Fica aqui registrada uma sugestão para outro trabalho a ser
realizado posteriormente, no qual se faria um comparativo entre o
antes (estabelecido) e o depois (alteração e aumento do quadro de do-
centes) com relação ao processo ensino-aprendizagem da criatividade.
De posse dos dados relativos à pesquisa colhidos através
dos instrumentos utilizados para tal, organizaram-se tabelas que
distribuem os alunos nos supracitados cinco períodos do curso de Pe-
dagogia para efeito de análise, sendo então, calculados os respectivos
percentuais.
Para análise dos dados da pesquisa acerca da utilização e/ou
incentivo da criatividade pelos professores e alunos da Universidade
Estadual Vale do Acaraú, tentou-se em uma primeira fase, quanto ao
aluno, fazer uma análise comparativa entre os resultados obtidos nos
diferentes períodos/estágios escolares pesquisados. Em seguida foram
feitos os cruzamentos entre as variáveis mais significativas. Quanto ao
professor, fez-se uma comparação entre os resultados obtidos entre
os pesquisados e os resultados relativos aos alunos no que concerne
às variáveis que ajudam na análise para a comparação entre os dados
coletados e a premissa de base da pesquisa.

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Paulina Maria Mendes Parente

ANÁLISE DOS RESULTADOS DA


PESQUISA
Nosso interesse aqui foi fazer um ensaio empírico no
sentido de compreender o tema abordado fazendo uma análise sobre
o conceito de criatividade e quais características são atribuídas às
pessoas criativas pelos alunos e professores do Curso de Pedagogia
da Universidade Estadual Vale do Acaraú. E qual a ligação que fazem
entre o curso (de formação de professores) e a criatividade. Os dados
da pesquisa, anteriormente citada, foram analisados à luz do estudo
teórico delineado pregressamente e adotado como referencial básico.
Observamos que a maioria (55,56%) dos alunos do 1º
período do Curso supracitado define criatividade, de maneira geral,
como capacidade para ter imaginação fértil, identificada como um
dom exclusivo e de ação conjunta com uma inteligência privilegiada,
especialmente de pessoas não muito pragmáticas. Vejamos algumas
citações tendo no bojo esta ideia:
criatividade é ter um dom exclusivo com muita
inteligência; é um dom de saber inventar,
mudar, modificar (11,11%);
é você ter uma personalidade voltada com
facilidade para a imaginação não real das
coisas e dos sentimentos, é uma vontade não
realizada e um mundo de fantasia. (11,11%).
No decorrer do curso essa definição vai tomando novas
formas: no 2º período, os dados indicam maior preocupação com
recursos metodológicos utilizados pelo professor em sala de aula e o
conceito de criatividade fica, então, em grande parte, aprisionado a
um caráter tecnicista, mais pragmático e ainda identificado como a
expressão da inteligência. Observemos as citações:
Criatividade é a forma usada para transmitir
conhecimentos, sem usar a mesma técnica
repetidamente; É saber desenvolver um
determinado assunto seja ele qual for de
maneira mais fácil ao entendimento dos
ouvintes, e dar asas à vontade de fazer uma
coisa benfeita. (50%);

92
Paulina Maria Mendes Parente

É a capacidade para criar coisas novas


(33,33%);
É a expressão de sua inteligência, ou seja, você
estar sempre com novas ideias ou a procurá-
las e encontrando-as procura concretizá-las.
(16,67%).
O 4º período apresenta um novo dado: ao dom de saber
inventar, acrescenta o gosto, ligado ao prazer de criar e ainda identifica
isso como próprio do fazer e ser de uma pessoa, identificando com a
personalidade do indivíduo. Eis algumas falas destes alunos:
É um dom de saber inventar, mudar. É o gosto
pelas coisas novas (20%); É criar, melhorar e
variar de maneiras interessantes (20%); É algo
que caracteriza a maneira de fazer e ser de uma
pessoa (personalidade) (20%).
É interessante verificar o fluxo de alterações na forma de
pensar a criatividade durante o desenvolvimento do Curso, o que nos
leva a fazer inferências, diante dos dados obtidos, que o 4º período, ao
identificar a motivação com o gosto, o prazer de fazer coisas interessan-
tes e o fazer identificado com o ser (existencial), parece atribuir mais
claramente uma característica mais personalística quanto ao conceito
de criatividade. Será isso uma interferência dos conhecimentos adqui-
ridos nas disciplinas de psicologia e/ou visão de mundo advindos da
experiência da vida estudantil?
No 6º período observar-se que 33,34% dos alunos relacio-
nam o termo “criatividade” como equivalência ao conceito utilizado
pelo 2º período, onde no qual se valoriza o uso de técnicas pedagó-
gicas na sala de aula, reduzindo o conceito de criatividade ao que
fazer do professor; outros 22,22% dos alunos desta turma, embora
não sendo tão explícito na fala, oferece margem para inferirmos que se
reportam também, em última instância, ao fazer do professor. Abaixo
relacionamos algumas afirmações:
É desenvolver qualquer conteúdo de forma
diversificada contanto que não venha a fugir
do próprio conteúdo. É ser capaz de criar

93
Paulina Maria Mendes Parente

e desenvolver métodos para executar um


trabalho de forma diferente e gostoso de ser
realizado; É transformar uma sala de aula cheia
de método importante para não deixar a aula
ficar muito cansativa (33,34% ).
É desenvolver suas habilidades e aptidões
dentro de um quadro de buscar chamar
atenção. É uma maneira espontânea e
inteligente de realizar alguma coisa (22,22%).
E os finalistas de Curso (8º período) ao definirem criativi-
dade como dom de saber, inventar, mudar, modificar, parece utilizar o
termo “dom”, significando uma capacidade especial, uma aptidão de
poucos. Desta forma veem novamente, assim como os iniciantes do
Curso, atribuir maior importância à capacidade (aptidão individual)
da personalidade de cada um, acreditando que alguns são privilegia-
dos possuidores de um “dom” especial para criar, inventar e modificar
as coisas.
Diante deste quadro podemos observar que a ideia do que
seja criatividade não parece muito definida para o universo pesquisa-
do, já que há uma variedade de opiniões, indo desde uma vaga defini-
ção de “fazer coisas novas” até a focalização em cima da utilização de
recursos didáticos em sala de aula.
O conceito de criatividade não fica muito claro e definido,
entretanto, podemos inferir que o crédito especial atribuído ao “dom
de criar” esteja relacionado ao fato de saber escolher e aplicar recursos
e dinâmicas pedagógicas com variedade e eficiência, e por isso não
caberia aqui apresentar esta “alteração” no conceito de criatividade
durante o decorrer do Curso como sendo indicativo de ideias di-
vergentes, diferentes qualitativamente, e apontada como sinônimo
de criatividade, de acordo com Guilford, onde a criatividade é vista
como um conjunto de “traços” à serviço do “pensamento divergente”.
Ser criativo significa ainda, segundo este autor, pensar de
maneira diferente, ter pensamentos novos e originais, distanciar-se das
ideias usuais e convencionais. Desta forma, o fato de “saber escolher e
aplicar dinâmicas pedagógicas com variedade” como relatado acima,
não reflete uma atividade criativa em si mesma. Pode-se utilizar deste

94
Paulina Maria Mendes Parente

expediente com os mais variados objetivos e resultados, inclusive


para a confirmação e transmissão de ideias já preconcebidas. Isso se
constitui no uso de uma metodologia até interessante para despertar
os alunos de uma inércia e passividade absoluta, utilizando-se de um
ativismo, mas não convém confundir um recurso, que não encerra
em si mesmo traços essenciais relacionados ao processo criativo, como
flexibilidade e abertura, com a criatividade em si.
Podemos perceber que as respostas dos alunos denotam
uma preocupação no ato de ensinar um conteúdo teórico de maneira
atrativa para o aluno, ou seja, parecem interessar-se pelo tema da
criatividade relacionando com o operacional, com o que fazer em sala
de aula para o aluno vir a “aprender” o tema abordado. Preocupam-se
com professor ter habilidade para exercer sua atividade com técnicas
didáticas que lhe garantam o sucesso de seu planejamento. Parecem
relacionar técnica didática com criatividade. E no caso, quem tem
que ter criatividade é o professor e não o aluno. Em suas respostas os
alunos do curso de Pedagogia envolvidos na pesquisa não demonstram
ter refletido sobre a sua prática pedagógica e a formação do aluno,
enquanto pessoa que pode vir a desenvolver a criatividade como um
aspecto relevante de sua personalidade.
Muito menos refletem sobre a importância da prática
pedagógica ter relação direta com a transformação de uma sociedade
também através do desenvolvimento de seu povo que passa anos e
anos na sala de aula, na instituição escolar para aprenderem a ser gente
letrada, inteligente, consciente, criativa etc.
Segundo os dados obtidos na leitura dos questionários apli-
cados os alunos de início e meio de curso (básico, 2º e 4º períodos)
se apresentaram como acreditando serem possuidores de elevado nível
de criatividade indo de 66,66% a 83,33%. É interessante observar
que esses números caem substancialmente na percepção dos alunos
finalistas, nos quais verificamos que apenas 33,33% se consideram
possuidores permanentes de criatividade. Na categoria dos professores
encontramos 80% destes crentes de sua própria criatividade.
Ainda sobre os dados acima, com referência a alternância
significativa dos dados dos alunos podemos interrogar quais seriam

95
Paulina Maria Mendes Parente

as causas destas mudanças de percepção nos alunos quanto ao seu


potencial criativo. O curso não propicia e estimula a utilização do
potencial criativo do aluno? O curso não fortalece a autoestima do
aluno no sentido de perceber-se e aceitar-se como ser criativo? Até
que ponto o potencial criativo reconhecido pelos próprios professores
é estimulador e/ou desestimulador da participação/manifestação do
comportamento criativo de seus alunos?
Outro dado interessante da pesquisa é o percentual relativo à
preocupação em desenvolver o próprio potencial criativo: na percepção
dos alunos esta preocupação mantém-se por todo o curso (77,78 %)
e os professores apresentaram preocupação permanente na ordem de
60%. Isso nos leva a pensar que a criatividade é percebida como uma
característica ou um recurso indispensável para o desempenho do
profissional da educação. Está ela destacada como uma competência
a ser conquistada pelos professores. Mas os dados levantados não
apresentam segurança quanto ao que de fato vem a ser criatividade na
concepção dos entrevistados. Como ela se desenvolve? Qual o papel
do curso de formação de professores para o alcance desta competência
e principalmente, qual o papel social dos professores, principalmente
da educação infantil e séries iniciais na formação de pessoas criativas?
Qual o papel destes profissionais da educação no desenvolvimento do
potencial criativo das crianças e jovens?

Conclusão
Com os apontamentos apresentados vemos claramente a
importância do papel do curso de Pedagogia na formação de profes-
sores criativamente competentes para desenvolverem em seus alunos
o potencial criativo, entendido como potencial humano que promove
o desenvolvimento do indivíduo e do coletivo, tendo, portanto, uma
importância como ação de mobilização pessoal e social.
A abordagem empírica realizada nos autoriza a dizer que os
alunos e professores do curso estudado, na época, apresentaram uma
representação social acerca da criatividade conceitualmente restrita,
relacionando-a, principalmente, com a didática enquanto promove-

96
Paulina Maria Mendes Parente

dora de ações que metodologicamente ajudem o professor a levar o


aluno a dispensar atenção necessária para a aprendizagem do tema
proposto para estudo.
O estudo nos incentiva e nos desafia a buscarmos realizar
reflexões e ações pedagógicas de como fazer os alunos do curso de
pedagogia descobrir seu próprio potencial criador e assim se reco-
nhecendo como seres criativos também fortalecer a convicção que o
ensino da aprendizagem do potencial criativo é possível e necessário
para a geração presente e futura.
Após a realização dos estudos e pesquisa, acreditamos que
contribuímos para ajudar a cair por terra a predisposição de compreen-
der a criatividade como produto apenas de um lampejo de inspiração
ou como algo que acontece por acaso e para poucos, como um dom
exclusivo. Ao tempo que atribuímos ênfase a preparação do indivíduo,
sua disciplina, dedicação, esforço consciente, trabalho prolongado e
conhecimento amplo de uma área do saber como pré-requisitos para
a ação criativa.
Assim fortalecemos ao longo deste trabalho a ideia de que
todo ser humano apresenta potencial criativo, capacidade de aprender
habilidades criativas e que estas habilidades podem ser desenvolvidas
e aprimoradas através da prática e da educação, especialmente na
escola, como aprendizagem a ser alcançado pelo aluno a partir da
competência do pedagogo. Faz-se necessário tanto condições pessoais,
ambientais favoráveis como o domínio de técnicas adequadas.

Referências
ALENCAR, E. S. de. Criatividade. Brasília: Universidade Brasília, 1993.

________ Como desenvolver o potencial criador – um guia


para a libertação da criatividade em sala de aula. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1990.

De la TORRE, S. Dialogando com a criatividade: da identificação à


criatividade paradoxal. Tradutora Cristina Mendes Rodriguez. São Paulo:
Madras, 2005.

97
Ivna de Holanda Pereira

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 22ª edição, Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1994.

________. Política e educação. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.

MARTÌNEZ, A. M. Criatividade, personalidade e educação. São Paulo:


Papirus, 1997.

LOWENFELD, V. e BRITTAIN, W. L. Desenvolvimento da capacidade


criadora. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

OSTROWER F. Criatividade e processos de criação. 14ª ed. Petrópolis:


Vozes, 2001.

98
Ivna de Holanda Pereira

O USO DA FOTOGRAFIA PARA O


ESTUDO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA
Ivna de Holanda Pereira

Introdução
A disciplina História da Educação Brasileira é normalmente
obrigatória nos cursos de Pedagogia e, especificamente no caso da Pe-
dagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú, é ministrada após
duas outras Histórias, a Antiga e Moderna. Como professora dessa
disciplina, no semestre, senti a necessidade de trabalhar com a(o)s
estudantes1 procedimentos metodológicos que possibilitassem um
maior envolvimento e aproximação de todos ele(a)s com as discussões
suscitadas no decorrer do estudo dos conteúdos.
Com o objetivo também de estimular reflexões sobre a His-
tória da Educação Brasileira pretendia dar significado aos conteúdos
até então trabalhados em sala de aula, aproximando-os e fazendo
ligamentos, amalgamando-os a uma história da educação proximal,
vivenciada, conhecida por esses alunos, é que lançamos mão do uso da
fotografia enquanto procedimento metodológico. Assim, a pretensão
era que a fotografia produzisse certa motivação, capaz de estabelecer
elos entre história oficial e àquelas que ficam guardadas ou se perdem
no tempo da memória –, num tempo que segundo Cambi (2002), é
denominado por Braudel, de “tempo dos acontecimentos, próximo
do vivido e do cronológico” – fragilizando e fragmentando um passa-
do-presente e futuro histórico.
1
Eram 12 estudantes da turma II, do sexto período, semestre 2007.2, do
curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú, matriculados
na disciplina História III (da Educação Brasileira), a saber: Áurea Galdino,
Catiana Maria do Nascimento, Francisca de Assis Silva Machado, Joana
Domingos, Luciana Maria Alves, Lidiane Alves de Sousa, Kélvio Melo de
Bezerra, Maria Lacerda Cardoso, Maria do Carmo Lopes, Maria Mercê
de Aguiar, Maria do Socorro Sousa e Silva e Samira Andrade Cordeiro. As
produções textuais, elaboradas por esses alunos a partir da fotografia serão,
em parte, citadas no corpo deste artigo.

99
Ivna de Holanda Pereira

Outro aspecto que se interliga a essa pretensão inicial, é a


tentativa de realizar o estudo da História da Educação Brasileira a par-
tir de outras perspectivas, sem o peso teoricista que costumeiramente
vemos nas propostas curriculares e que, na maioria das vezes, só refor-
çam ou legitimam o já registrado, sem que alunos e professores sejam
instados a refletir, questionar ou mesmo investigar tal historicidade.
Assim, o que propunha, era a descoberta de outras narrativas histó-
ricas a partir do cotidiano próximo e vivido pelos alunos, narrativas
essas que, ao se interligarem e interagirem pelo enfoque “educação”,
compunham a história da educação brasileira.
Finalmente, buscávamos desqualificar a cultura, também
resistente no espaço acadêmico, de que história seja ela qual for, está
associada a coisa morta, sem importância para os dias atuais e que
somente o “novo” é desafiador e “moderno”, portanto, merecedor
de atenção. “Quem quer lá saber de coisa passada, velha!?”. Essa é
ainda uma colocação que vez ou outra, soa no espaço da sala de aula
agredindo nossos ouvidos, causando incômodo e lamento, não muito
pela ingenuidade de quem fala, mas pela ainda escassez de esforços
que busquem questionar e refletir sobre tais colocações.
Outra coisa que se descortinou na minha memória quando
estava elaborando este artigo e que certamente é uma boa explicação
para o meu interesse em usar a fotografia como recurso metodológico,
é que sou filha de um fotógrafo, José Mário Pereira, que viveu boa
parte da vida sustentando a família com sua yashica, utilizando um
quarto escuro da nossa pequena casa como estúdio para as revelações
fotográficas que sempre com curiosidade e expectativa acompanháva-
mos, às vezes madrugada adentro, para saber o que surgiria daqueles
papéis brancos mergulhados numa composição amarelada e de cheiro
forte. Cada imagem que surgia, era como se fosse uma mágica, não só
pela imagem que paulatinamente ia tomando conta de todos aqueles
papéis brancos, mas também pelas histórias de enterros, casamentos,
batizados, aniversários, alistamentos em serviços criados em períodos
de seca, enfim, inúmeras histórias que naquele quarto escuro, conta-
das pelo Zé Mário, davam vida àquelas fotos e transportavam-se para
o nosso imaginário e hoje potencializam e aguçam o gosto que tenho
pela história.

100
Ivna de Holanda Pereira

Do ponto de vista do registro desse procedimento metodo-


lógico, a intenção é expô-lo, é evidenciá-lo, visto que sua construção
se fez pela ousadia de quem aprendeu que “o caminho se faz ao
caminhar”2 e que portanto, esse caminhar pode ser fortalecido com
a colaboração de outros sujeitos históricos que também se inquietam
com o dito pronto e acabado.

O USO DA FOTOGRAFIA: UM ENSAIO


METODOLÓGICO PARA O ESTUDO DA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Para alguns entendidos no assunto, que não é o meu caso,
a fotografia se traduz no registro de um momento estático e que o
enquadramento estético, refletido e revelado na imagem fotográfica
maquia uma realidade, é uma mentira. Sabemos que em tempos
passados, – refiro-me principalmente às sociedades grega e romana –,
a imagem refletida nos trabalhos iconográficos era quase ou o único
instrumento para expressar, por exemplo, o lugar em que os sujeitos
ocupavam na sociedade ou mesmo os costumes e valores de tais so-
ciedades. Se forem verdade ou mentira, essas imagens ou quaisquer
outras fontes de registro histórico, só a história, só o trabalho do
historiador atento poderá desvelar – entendendo historiador como
todo aquele que, independente da profissionalização, busca na sua
prática cotidiana, refletir, investigar, revisar e analisar esse complexo
processo histórico.
Para fins dos objetivos deste artigo nos deteremos na explici-
tação dos caminhos utilizados para o estudo da História da Educação
Brasileira, tendo como referencial o uso da fotografia.
A tarefa inicial foi solicitar que cada aluno identificasse
fotografias que tivessem alguma relação com educação. Essas fotos
poderiam ser de acervo pessoal, familiar, de pessoas próximas ou co-
nhecidas na comunidade em deter acervo histórico. Nesse momento
registramos a admiração dos alunos quanto à solicitação visto que não
é usual a utilização de procedimentos como esse para o estudo de

2
“O caminho se faz ao caminhar” é o título do livro o qual discuto num artigo, “o uso
da internet na pesquisa socioeducativa”, coordenado pelas professoras Maria Nobre
Damasceno e Celecina de Maria Veras Sales, Edições UFC, 2005.

101
Ivna de Holanda Pereira

determinado assunto no ambiente escolar e, principalmente, no da


academia.
Passamos a conversar sobre a importância da identificação
desse material e o potencial que essas fotografias poderiam conter para
a história da educação da comunidade, dos familiares, dos pais e dos
próprios alunos, com possibilidades de desvelar métodos pedagógicos;
trabalhos de professores que permanecem desconhecidos por essa
história mas que ousavam e ainda ousam desafiar todas as adversida-
des para ensinar; instituições escolares e espaços outros identificados
como ambientes de cultivo à escolarização; regras de disciplinamento;
material didático; lutas por escolarização e forças políticas e aconteci-
mentos sociais que poderiam sinalizar um modo de ensinar, de festejar
e viver da sociedade em determinada época; um maior entendimento
sobre a escolarização de cada aluno e tantos outros aspectos que po-
deriam conter nessas fotografias com desdobramentos por exemplo,
para identificação de acervos, personagens, construções biográficas
e memórias. O desafio dessa fase de sensibilização, reforçada por
estudos que auxiliassem compreender o sentido do trabalho, estaria
naquilo que Kosik em Dialética do Concreto caracteriza de détour, ou
seja, um desvio, um mergulho histórico para além da imagem refletida
na fotografia, também elementos que subsidiariam a construção de
textos, artigos, ou outras formas de registros historiográficos.
Além da tentativa de identificar esses aspectos, através de
entrevistas, rodas de conversas, relatos e outros meios acessíveis, as
fotografias deveriam ter uma identificação temporal para, após apre-
sentação individual pelos alunos, permitir a organização/construção
de um painel coletivo. Com essa identificação passamos a discutir e
analisar conceitos de temporalidade e a fragilidade de estudos his-
tóricos que se balizam pela defesa de periodizações aparentemente
estáticas.
A organização coletiva e visualização das fotografias no
painel, permitiria a interação, reflexão e análise de assuntos os mais
diversos, com os alunos, além de estimular a percepção de que esses
fragmentos históricos tinham a sua importância para a compreensão
da história educacional de cada um, e ao mesmo tempo, a identifica-
ção de temáticas para pesquisa. Essa etapa foi complementada com a

102
Ivna de Holanda Pereira

exposição de documentos, livros, fotos, boletins, cadernos contendo


atividades escolares, palmatórias e outros disponibilizados por pessoas
que, conforme o dizer dos alunos, “empolgaram-se” com esse trabalho.
Os doze textos produzidos por alunos e alunas, a partir das
fotografias, trazem pistas interessantes para novas pesquisas, registram
fragmentos da história da educação de lugares, de professores, de
familiares ou dos próprios alunos, comportamentos, fatos marcantes
acontecidos na escola, nas festas de formaturas, evidenciam sentimen-
tos, modos e modelos educacionais, enfim, revelações que passaremos
a pormenorizar a seguir.

AS FOTOGRAFIAS DOS ALUNOS:


QUE REVELAÇÕES TRAZEM PARA A
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA?
Os textos produzidos pelo(a)s estudantes3, a partir do
mergulho na história contida em cada fotografia, revelam o potencial
e capacidade que cada um possui em colaborar na (re) constituição
do estudo da história da educação mais enriquecido de detalhes,
possibilitando novas leituras e, principalmente, exercitar o duplo mo-
vimento proposto por Marc Bloch que é a compreensão do presente
pelo passado e vice-versa. Para ele, a ‘incompreensão do presente nasce
fatalmente da ignorância do passado. Mas é talvez igualmente inútil
esgotar-se a compreender o passado, se nada se souber do presente’.
(Marc Bloch apud Le Goff , 2006, p, 227).
A revelação da aluna Joana sobre a trajetória de vida da
professora Tereza de Jesus Oliveira, que assim como muitos brasilei-
ros, lutou para “conseguir chegar aonde chegou”. Teresa de Jesus fez
o seu 2º grau normal na Escola Dom José Tupinambá da Frota em
Sobral, mais conhecida como Colégio Estadual e a opção de muitas
pessoas pelo normal, segundo Tereza, está na razão de “não gostar das
matérias de cálculos, mas ela fez o normal por querer ser professora”.
O que motivou Tereza querer ser professora? Por que o cálculo, que
atualmente é um dos conteúdos que desafia o poder público a criar
3
Agradeço a preciosa colaboração da bolsista do Grupo de Pesquisa História
e Memória Social da Educação e Cultura – (UVA), Elenir Martins da Cunha, na
digitação dos textos e escaneamento das fotografias dos alunos.

103
Ivna de Holanda Pereira

programas específicos para estimular a formação de professores nas


áreas das ciências exatas, historicamente foi “difícil” de ser compreen-
dido? Que relação possui com as metodologias aplicadas a tal ensino?
A aluna Luciana entrou na sala de aula carregada de lem-
branças, de fotografias e do livro “Crestomatia”, uma relíquia guardada
com muito zelo pelo professor Valter Gomes que só o cedeu, porque
achou interessante o trabalho que a aluna estava realizando. Luciana
passou a contar fragmentos da biografia do professor Valter “hoje um
professor aposentado aos setenta e três anos de idade... lecionou por
quarenta anos em sua escola particular que se chamava Escola São
Bernardo, situada no bairro Alto do Cristo em Sobral (CE), que se
manteve em atividade educacional desde 1963 até 2003, da primeira
à quarta série do ensino fundamental.”
A escola mantinha regras de disciplinamento, com o auxí-
lio “de palmatórias de três tamanhos: a palmatória pequena para as
crianças menores, a média e a grande era para os alunos maiores. O
bolo, como era chamado o uso da palmatória, era destinado àqueles
que não aprendiam a lição. Os alunos mais inquietos e que gostavam
de conversar, ficavam de joelhos no milho. A Escola São Bernardo
recebia alunos de outras escolas, inclusive os indisciplinados”.
O professor Valter conta que usava três tipos de cartilha:
uma para os alunos aprenderem o ABC; a minicartilha com palavras
soltas e, por último, a “Novo Nordeste” para a prática da leitura.
Para àqueles que tinham dificuldades no ABC, ele utilizava o “olho
mágico, para salientar as letras de forma que o aluno aprendesse seja
qual posição estas se encontrassem”.
Segundo Luciana, ao perguntar ao professor Valter sobre
o sentido da Educação, ele respondeu: “A Educação é o berço da
civilização!”.
Mais do que o valor das informações sobre o modo de
ensinar do professor Valter, é a oportunidade de poder falar de uma
trajetória de vida dedicada à educação que assim como muitos que a
história não registra, vivem no anonimato. O professor abriu as portas
da sua memória, falou coisas que há muito guardadas por não ter a
quem relatar. A Luciana em sala, perguntou o que era aquele livro
“Crestomatia”, fez críticas ao uso da palmatória mas ao mesmo tempo

104
Ivna de Holanda Pereira

se perguntando quais os meus recursos para disciplinamento nos dias


atuais? A discussão “rolou”, os demais alunos com opiniões as mais
variadas se posicionavam sobre a aprendizagem nos dias atuais.
Através de uma fotografia da festa do ABC do marido
Orlando, a aluna Maria Lacerda trouxe fragmentos da história de vida
dos colegas do marido e da instituição escolar da rede privada mais
antiga do Município de Tianguá (CE). O Instituto Educacional de
Tianguá tem cinquenta anos de existência, fundado pelo Monsenhor
Tibúrcio Gonçalves de Paula. Orlando relata que a diretora chamava-
-se Lucilene, muito enérgica e hoje trabalha na Secretaria da Educação
do Município. A professora da turma, Aurisélia, atualmente trabalha
em escolas do Estado e é muito querida por todos. Dos funcionários
da época da foto, somente a Dona Hilda continua na escola, antes era
secretária, hoje trabalha como ajudante, organiza, fiscaliza e diz sentir
saudades dos velhos tempos, pois são 27 anos de trabalho.
Lacerda conta que o ensino era bom, “era voltado para o
catolicismo” e que a escola tinha uma porta que dava acesso para a
Capela de São Francisco, onde duas vezes por semana a missa era
exclusiva para os alunos, mas “não era obrigatório” ia quem quisesse.
Um “quisesse” certamente relativo, pois segundo a aluna a população
do lugar é na sua maioria católica.
As lembranças de Orlando sobre o fardamento, – “meninos
calça azul, blusa branca e ‘quichute’ preto... as meninas ...saia azul
de ‘preguinha’ ...blusa branca com uma fita azul na gola, dando um
laço, os meninos não podiam usar bermuda e nem usar outro tipo de
sapato” – suscitaram discussões sobre pesquisas que tentam resgatar o
significado do fardamento escolar para a historiografia educacional.
Particularmente uma aluna interessou-se pelo assunto, “não sabia
que era possível estudar a história da educação brasileira, também se
utilizando do fardamento escolar”. A percepção sobre variadas fontes
de estudo e pesquisa sobre educação, fez com que os alunos identifi-
cassem no cotidiano em que habitam um celeiro, um lócus importante
para o trabalho historiográfico da educação brasileira.
A Catiana trouxe a fotografia que retrata, segundo ela,
uma “época de fundamental importância em minha vida, em minha
formação”. É de uma escola que foi patrocinada pela ONG Instituto

105
Ivna de Holanda Pereira

Sertão, denominada Escola de Desenvolvimento Local (EDL) e que


tinha o objetivo de capacitar jovens do Município de Santana do
Acaraú(CE)
A EDL era uma escola de formação... que
nos levava a desenvolver questões sobre temas
do nosso cotidiano... como exemplo, essa
foto... nesse dia fomos ver um animal morto
que boiava nas margens do rio Acaraú, que
passa pela cidade, e na ocasião observamos a
poluição que tomava conta do nosso rio, bem
como o desmatamento e as matas ciliares quase
já não existentes.
Fala com entusiasmo de um assunto que até hoje é polêmi-
co e desafia a escola e quem nela trabalha, que é a utilização do que é
ensinado para a vida do aluno. Na EDL, discutia-se sobre cidadania,
meio ambiente, cultura, gênero, raça, juventude, política, economia
solidária, desenvolvimento sustentável, entre outros que, segundo
Catiane, “levavam em conta as nossas vivências, o nosso cotidiano”,
havendo “um contraste muito grande entre os conteúdos da Escola
de Formação EDL e os do Ensino Médio, que eu cursava na Escola
Estadual Nazaré Severiano”. Diferente de outras escolas as regras eram
discutidas e escritas pelos alunos e monitores. A EDL para Catiane
funcionava também como uma espécie de suporte emocional, pois
“mesmo fora do horário da aula, tínhamos com quem conversar sobre
nossas carências e fragilidades”.
Da apresentação da Catiane tiramos discussões sobre o
significado da escola de hoje, da corrida desenfreada para as profissões
ditas privilegiadas e que são fortalecidas por muitas escolas “excelentes”
que se utilizam de métodos variados para classificação dos “mais ou
menos capazes”. Também se conversou sobre educadores que nunca
ouviram falar, a exemplo de Américo Barreira, cearense, que defendia
que “ A função da Escola é, sem dúvida a própria vida” e que “não se
aprende para saber. Aprende-se para fazer”.
Para o Kélvio, a fotografia puxou o fio de lembranças alegres
e tristes, assim como dos desafios que enfrentou para chegar à facul-
dade: “não foi fácil, a competitividade é redobrada para quem vem da
escola pública”. Acha-se um privilegiado, cada etapa de escolarização

106
Ivna de Holanda Pereira

concluída, era um “passo grande” que dava, pois “em um mercado de


trabalho tão competitivo como o que vivemos, o estudo é mais um
aliado em nossa ascensão profissional e pessoal”.
Maria do Carmo conta a história de luta por escola do povo
do sertão, um lugarejo chamado Câmara, pertencente a Santana do
Acaraú que, até 1991, não havia Grupo Escolar e “a única escola que
tinha, funcionava numa casa de família”. Foi da luta da Associação
Comunitária por escola, que o pequeno Grupo foi construído. Nas
discussões suscitadas após a apresentação da Maria do Carmo, veio
à tona a luta histórica por escolaridade e razões que fundamentam
o analfabetismo; a ingerência dos donos de terra na criação de es-
colas e escolhas de professores para lecionar; a fragilidade do poder
público e da sociedade civil, quanto à discussão sobre a organização e
funcionamento do ensino; o significado histórico do FUNDEF e do
FUNDEB na educação brasileira.
Os primeiros anos de escolarização, retratados por uma
fotografia tirada na escola, em 1992, ao lado da bandeira nacional,
foram o mote da exposição da aluna Mercê. Segundo ela, “os pri-
meiros momentos escolares”, são importantes da vida de uma pessoa,
“ficam marcados porque é na alfabetização, que as crianças começam
a aprender as primeiras letras”. Discutimos daí, a importância da edu-
cação infantil e o processo de formação dos professores que lecionam
nessa fase escolar, a história da educação infantil nos municípios de
cada aluno e a luta de educadores para a valorização e implantação
dessa educação. Alguns alunos na ocasião lembraram de nomes de
educadores que, em épocas passadas, andavam quilômetros no lombo
de um jumento para alfabetizar os pais ou as pessoas do lugar.
Um diploma do Mobral e uma palmatória enrolada num
plástico tiveram destaque quando a aluna Áurea passou a falar da
“educação de ‘Um Antônio’”, seu pai. A palmatória segundo ela, é
guardada pela mãe que não quer lembrar das más lembranças que
esse instrumento disciplinador proporciona. O diploma é do pai,
o único de sua vida e guardado com muito orgulho. Para Áurea, a
conversa com seu Antônio, a levou a entender mais um pouco sobre
a história da família, principalmente sobre as dificuldades de escola-
rização dos pais com destaque para a importância do Mobral em suas

107
Ivna de Holanda Pereira

vidas. Dessas conversas a Áurea produziu artigo, levantou informações


sobre as primeiras escolas do lugar, material didático, ex-professores
e outros mais que a subsidiará em futuras pesquisas, sobre a história
da educação.
O momento mais marcante que tenho desta ocasião, diz a
aluna Francisca quando apresentou sua fotografia: “é a fala do meu
professor de matemática que se chamava Valdécio quando dizia”:
Que venha agora receber, de seu padrinho
Pedro, o canudo como símbolo de colação de
grau, a aluna Francisca de Assis Silva. E fui,
nervosa e ansiosa, mas com grande orgulho,
pois era um símbolo de bastante dedicação e
trabalho realizado durante o ano todo, mas que
no final, o sucesso de receber aquele canudo é
que é gratificante e honroso.
Francisca mora numa localidade chamada Baracho, e de-
pois desse trabalho, confirmou que Baracho, segundo o Pe. Sadoc que
é pesquisador e historiador de Sobral, provém do sobrenome de uma
família portuguesa, que provavelmente passou pelo lugar deixando
sua marca. Francisca lembra que dos onze concludentes da 8ª série, só
ela conseguiu entrar na faculdade, os demais tomaram outros rumos,
achavam muito difícil e distante o “sonho de cursar uma faculdade
sendo de uma localidade que nem era distrito, na época”. O processo
de seletividade implantado para definir o acesso à universidade
pública, a elitização da universidade, a história de ontem e de hoje
do ensino profissionalizante no Brasil, a razão de existir do curso de
pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú foram algumas
das reflexões suscitadas a partir da fotografia da Francisca.
Muitas escolas foram criadas pela boa vontade de pessoas.
Essa é a mensagem refletida da fotografia da Lidiane que traz para
o conhecimento da turma a história da Escola Educandário Nossa
Senhora do Carmo, localizada no Município de Massapé(CE), e,
originária da “boa vontade de sua fundadora Maria do Carmo Car-
neiro em tentar fazer um mundo mais igualitário” para os moradores
desse município. A escola se sustentava com os recursos do genitor,
mas pela necessidade de ampliação visto que a quantidade de alunos
aumentava, e não “vendo nenhum retorno financeiro, este cortou a
verba que mantinha a sala de aula”. Mais tarde o avô cedeu à neta,

108
Ivna de Holanda Pereira

“um prédio velho da família para que ela continuasse sua missão” e
“com a falta de recursos o único jeito foi cobrar uma taxa aos alunos
para comprar material para as aulas” Em 17 de agosto de 1921, “o
prédio quase em ruínas foi oficializado como instituição escolar”.
O nome Educandário Nossa Senhora do Carmo, “provém da santa
devoção de Maria do Carmo, a qual fez uma promessa para que seu
sonho não parasse na falta de verbas”. De geração em geração, hoje
o colégio têm à frente a sobrinha Maria do Carmo Roberto Carneiro
Frota, mantendo “a história dessa instituição escolar e do empenho de
sua progenitora, iniciado há 87 anos”.
A aluna Socorro Silva, utilizou-se da fotografia escolhida, a
da sua conclusão do 1º grau ocorrida em 1981, para discorrer sobre
seus sonhos, um deles, concluir o curso superior, “não por status”
como afirma, “mas por ser uma possibilidade de afirmação profissional
e de gênero”. Tem fortes recordações, marcantes na sua vida escolar,
de duas professoras, Ozanira e Maria das Graças. A primeira por ser
autoritária, “exercia uma postura quase militar...com ela não havia
diálogo somente regras...”. A segunda, “minimizava as situações”.
Socorro também cita momentos de discriminações sutis, que passam
quase despercebidas, mas que deixam marcas em quem percebe e
sente. O desfile de 7 de setembro era um desses momentos, “a diretora
só escolhia as mesmas todo ano, talvez por terem mais condições de
comprar a roupa, porque as roupas pareciam fantasias de carnaval
com muito brilho e fita...”. A questão que aqui se impõe, é saber se
a educação oferece essa “possibilidade de afirmação profissional e de
gênero”? Outra coisa é a postura do professor, em que autoridade e
autoritarismo se confundem nas salas de aula, atualmente. Assim,
pergunto: há uma história da didática do professor que contemple
essas reflexões?
Em tempos de hoje, com o desafio de manusear o compu-
tador, matricular-se num curso de datilografia é raríssimo, arriscaria
dizer que ninguém faz isso atualmente. Com uma foto da tia Maria
Waldenize Andrade Gomes, – tirada no ano de 1974, quando concluía
o curso de Datilografia, de grande importância na época –, a Samira
inicia com entusiasmo, sua narrativa. A “foto trata-se de uma relíquia
guardada por minha tia... a qual estimo e admiro muito por sua força
e coragem”. O curso era uma novidade na cidade de Forquilha (CE)
e, aos 22 anos como Maria não havia concluído seus estudos, “achou

109
Ivna de Holanda Pereira

que o curso seria a possibilidade de aprimorar-se em algo”. Enfrentou


madrugadas de trabalho para ... “confeccionar chapéus de palha
para melhorar a renda da família, já que nessa época, seus pais eram
agricultores e não viviam em boas condições” e sua “preocupação era
com o pagamento do curso”. Samira lembra que a tia guarda a forte
lembrança do dia em que tirou a foto. Todos que participaram do
curso foram levados a Sobral, cidade próxima de Forquilha e, segundo
a tia, “quando vestiu aquela roupa e sentou naquela cadeira, sentiu-se
como se fosse uma rainha”!
Refletir e entender na perspectiva do presente, porque um
curso de datilografia causou tamanha emoção, foi um dos desafios
meu e da(o)s estudantes.

Conclusão
Acredito que um dos desafios de quem se propõe lecionar
História da Educação é estimular os alunos a estudar essa história de
forma viva, refletindo e analisando criticamente essa história, para
além de concepções deterministas, visionárias ou míticas. Honório
Rodrigues (1986, p. 31) lembra que Nehru ‘escreveu que os estudos
históricos são um vínculo ideal para inocular ideias políticas...’ (Mais
adiante cita as palavras do historiador alemão Gerard Ritter: ‘Quem
realmente conhecer a história estará protegido do entusiasmo barato
e não poderá encarar o seu jogo sem profunda emoção, pelo menos
quando se trata do futuro de sua própria terra e de seu próprio povo’
(idem).
Desse modo, experimentar a utilização da fotografia para
o estudo da História da Educação é, antes de qualquer apreciação
que valide ou não esse trabalho, a tentativa de refletir sobre caminhos
metodológicos que facilitem a compreensão, análise e investigação
de histórias que às vezes, se apresentam distantes da realidade vivida
pelos sujeitos e que, aparentemente, não possuem ligamentos históri-
cos. A motivação e o interesse em descobrir e experimentar caminhos
diferentes e novos do ponto de vista metodológico foi o que nos levou
a usar a fotografia para os estudos históricos da educação brasileira.
Presume-se que a (o)s estudantes que participaram dessa
experiência saíram/saem com um olhar diferente sobre a amplitude
de estudos que compõem o universo de temáticas sobre a história
da educação e, ao mesmo tempo, mais aguçados e motivados para a

110
Maria Neusita Tabosa

pesquisa historiográfica. O Kélvio ao avaliar a disciplina menciona


que “estava sentindo-se historiador, que a história estava mais próxima
dele, antes era distante para ele, pois achava que só os teóricos faziam
história”. Outros alunos são unânimes em dizer que “não sabiam que
a história do seu povo, da escola da sua cidade, poderia ser história
com ‘h’”.
Mas ainda são muitas as dificuldades e desafios para a reali-
zação de trabalhos desse tipo, visto que requer um esforço, principal-
mente do professor, em conduzir e aprofundar discussões que ainda
carregam o ranço de propostas educacionais que cultuam o estudo de
um passado por si só.
Como falamos anteriormente, esse caminho metodológico
expõe-se a outras colaborações, pois a intenção do trabalho aqui
exposto, é também ampliar e aguçar a discussão sobre caminhares
metodológicos, com sujeitos históricos que também ousam enve-
redar por múltiplos caminhos se assim for necessário, para abalar o
aparentemente estático e definitivo.

Referências
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PEREIRA, Ivna de Holanda. O uso da internet na pesquisa socioeducativa.


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RODRIGUES. José Honório. Vida e história. São Paulo: Editora


Perspectiva, 1986.

111
Maria Neusita Tabosa

( RE) SIGNIFICANDO AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS DA EJA À LUZ DO
PENSAMENTO PEDAGÓGICO DE
PAULO FREIRE E OS SABERES DA VIDA
COTIDIANA DOS EDUCANDOS

Maria Neusita Tabosa1

Introdução
As abordagens presentes neste texto estão focadas na
educação de jovens e adultos a partir do pensamento pedagógico de
Paulo Freire, cuja concepção de alfabetização transcende ao mero
lidar com letras e palavras. Na sua compreensão a visão mecânica de
alfabetização é substituída pela relação entre os educandos e o mundo,
mediada pela prática transformadora da realidade e os saberes da vida
cotidiana.
Mesmo enfrentando crises e perseguições políticas, Paulo
Freire não se intimidou diante de seu comprometimento para com a
causa dos menos favorecidos e em defesa de seus direitos à educação
de qualidade. Assim sendo, Paulo Freire questionava o modelo de
educação bancária adotado pela escola, em que a função do professor
não passava de um simples ato de depositar nos alunos conhecimen-
tos descontextualizados da realidade em que os educandos estavam
inseridos. Neste sentido, as práticas pedagógicas desenvolvidas por
Paulo Freire visavam, sobretudo, à constituição de espaços de diálogos
e produção de conhecimentos.
Considerando, pois, o contexto pedagógico surge seu méto-
do de educação que preconizava um processo de conscientização, de
mudança da realidade opressora, com vistas à emancipação humana.
Neste sentido, Tardif (1996, p. 13) argumenta que: “(...) saber não é
uma substância ou um conteúdo fechado em si mesmo; ele se mani-
1
Mestre em gestão educacional, especialista em Ciências da Educação, didática e
metodologia do ensino superior, graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual
do Ceará, professora da Universidade Estadual Vale do Acaraú.

112
Maria Neusita Tabosa

festa através de relações complexas entre o professor e seus alunos”.


Por conseguinte, os alunos da educação de jovens e adultos devem ser
alfabetizados à luz de suas experiências de vida, suas histórias pessoais
e à cultura de seu meio ambiente imediato.
Para Carvalho (2010), as práticas de ensino na educação de
jovens e adultos (EJA) na concepção educacional freiriana centra-se
no potencial humano para a criatividade e a liberdade no interior de
estruturas político-econômico-culturais opressoras, apontando para a
descoberta e a implementação de alternativas libertadoras na intera-
ção e transformação sociais, via processo de conscientização. É que
essa concepção fundamenta-se em valores, conhecimentos, métodos
dialéticos e currículo vivo voltado para a realidade dos educandos.
A educação de adultos em Paulo Freire (1989) defende a
importância da elevação cultural dos sujeitos educativos para com-
preensão da realidade concreta, evitando a manipulação destes, pelas
classes dominantes, para quem a educação de adultos era desneces-
sária. Convergindo com esses sentimentos Gadotti (1989), afirma
que Paulo Freire estava ciente das dificuldades e dos custos políticos
envolvidos em seu programa pedagógico. Entretanto, seus postulados
epistemológicos conduziram-no a interpretar tais resistências como
algo acidental e destinado a ser removido por meio de oposição tática
a uma dada ditadura e seus respectivos interesses.
De acordo com Paulo Freire, o discurso da elite naturalizava
a condição de analfabetismo e financeira das populações menos favo-
recidas, como forma de impedir o processo de formação política das
classes populares e o desvelamento das situações de injustiças sociais
que permeavam o cotidiano da sociedade brasileira à época.
Dessa forma a educação freiriana era vista pela classe
dominante, como subversiva e poderia formar indivíduos perigosos:
capazes de entender seu papel enquanto cidadãos, questionadores, in-
subordinados, “inimigos da sociedade estabelecida” (FREIRE, 2011,
p. 71). Contudo, Paulo Freire não recuava daquilo que, consciente e
politicamente defendia – a elevação cultural dos trabalhadores porque,
segundo ele, os educandos quando bem preparados, são capazes de
pensar sua realidade para transformá-la e desenvolver-se para conviver
com as novas tecnologias da informação.
Ainda de acordo com o pensamento pedagógico de Paulo

113
Maria Neusita Tabosa

Freire, a Educação de Jovens e Adultos, diferentemente de outras po-


líticas de alfabetização de adultos, não deve ser uma educação voltada
apenas para certificação ou treinamento para o mercado de trabalho;
deve, sim, oferecer formação profissional continuada, ressignificando
a formação geral do indivíduo, capacitando-o para entender e intervir
na sociedade, além de possibilitar-lhe o desenvolvimento de talentos,
com vistas à humanização.
Este texto é resultado dos estudos e pesquisas bibliográfi-
cas que serviram de subsídios para as aulas de educação de jovens
e adultos no curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do
Acaraú, com o objetivo de identificar as contribuições do pensamento
pedagógico de Paulo Freire para a educação, com ênfase nas práticas
pedagógicas dos professores que atuam nesta modalidade educativa,
cujas contribuições têm servido de referencial teórico para um signi-
ficativo contingente de professores comprometidos com o processo
de ensino – aprendizagem dos educandos da Educação de Jovens e
Adultos – EJA no âmbito de algumas escolas públicas cearenses.

O PENSAMENTO PEDAGÓGICO DE
PAULO FREIRE E A HUMANIZAÇÃO
Paulo Freire em seus escritos sobre alfabetização: leitura do
mundo, leitura da palavra (1987), afirma que a ausência do domínio
da leitura e da escrita, não representa ausência de cultura e outros
saberes não acadêmicos. É o esforço de mobilização, organização e
capacitação das classes populares, tornando-se referencial para a EJA,
tanto no que diz respeito à capacidade científica como técnica (FREI-
RE, 2009).
A alfabetização de jovens e adultos deve enfatizar o processo
de aquisição da língua escrita em um contexto discursivo de interlo-
cução e interação, através da elucidação crítica da realidade, levando
o educando a tornar-se um cidadão cônscio de seu papel na sociedade
global. Para tanto “o ato de ler não se esgota na decodificação pura da
palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na
inteligência do mundo” (FREIRE, 1996).
O aluno inserido na educação de jovens e adultos não pode
ser tratado como uma criança cuja história de vida apenas está co-

114
Maria Neusita Tabosa

meçando. Ele quer ver a aplicação imediata do que está aprendendo.


Ao mesmo tempo, apresenta-se temeroso, sente-se ameaçado, precisa
ser estimulado, valorizado, pois a sua condição de analfabeto lhe
traz tensão, angústia, complexo de inferioridade. Muitas vezes, tem
vergonha de falar de si, de sua moradia, de sua experiência frustrada
de infância, principalmente em relação à escola. É preciso que tudo
isso seja verbalizado e analisado. O primeiro direito do alfabetizando
é o direito de se expressar diante de um mundo no qual ele se sente
excluído, rejeitado.
Nessa direção, os projetos pedagógicos para os alunos da
EJA devem ser pensados de maneira a contemplar seus múltiplos
aspectos culturais, bem como valorizar e reconhecer a interdiscipli-
naridade entre os saberes acadêmicos, os saberes relativos ao contexto
sociocultural dos educandos e suas experiências de vida já adquiridas
fora do ambiente educativo formal.
Para tanto, a capacitação do professor é de fundamental
importância. É preciso, então, investir na qualificação de docentes
que trabalham com Educação de Jovens e Adultos, evitando que eles
reproduzam em suas aulas os métodos tecnicistas, tradicionais, cuja
finalidade é, quase sempre, reprimir a espontaneidade, a criatividade
e a construção da autonomia dos educandos. Contudo, o educador
comprometido com a humanização dos educandos deve, acima de
tudo, auxiliar na reinserção do educando no sistema formal de ensino,
conhecer e cumprir as normatizações oficiais legais elaboradas para a
efetividade dessa modalidade educacional.
As políticas voltadas à implementação e as práticas da
Educação de Jovens e Adultos precisam ser pensadas, não só de modo
a possibilitar treinamento e certificação dos adultos analfabetos,
mas oferecer a essas pessoas a chance da aquisição de uma formação
integral. Para isso, é de fundamental importância investir na qualifi-
cação de docentes que trabalhem com Educação de Jovens e Adultos,
adotando a pedagogia de Paulo Freire, levando em conta a vivência da
realidade dos educandos, evitando assim, a reprodução de métodos
tradicionais acríticos e contribuindo para a reinserção e a participação
ativa dos alunos no sistema formal de ensino.
Para que o professor seja um agente de transformação, como
defende Paulo Freire, é preciso manter aceso o desejo de aprimorar-

115
Maria Neusita Tabosa

-se profissionalmente, estabelecendo estratégias que possibilitem o


desenvolvimento de suas competências. Aprender a ver com olhos
observadores e reflexivos, a escutar o discurso que está sendo dito, a
ler e a sentir o que está presente nas entrelinhas do texto gestual ou
escrito, o educador torna-se um intelectual capaz de desenvolver uma
nova consciência que lhe permita ver o tácito e o implícito na sua
formação continuada.
Tornar-se um intelectual crítico transformador requer do
educador a disposição para produzir seu conhecimento, tendo a pes-
quisa como princípio educativo e formativo com vistas à construção
de seu próprio saber e de seus alunos, limitação a ser enfrentada pelo
profissional. Neste caso, Demo (2004, 131) afirma que “Professor
sem produção própria não tem condições de superar a mediocridade
imitativa”. Assim sendo, a formação do professor na perspectiva social
deve ser entendida e defendida como um direito do professor. É supe-
rar o estágio de iniciativas individuais para aperfeiçoamento próprio e
colocá-la no rol das políticas públicas para a educação.
A formação compõe a carreira e a jornada de trabalho,
que por sua vez, devem estar vinculadas à remuneração, elementos
indispensáveis à formulação e à implementação de uma política de
valorização profissional que contribua tanto para o resgate das com-
petências profissionais dos educadores, como para a (re)construção da
escola pública de qualidade.
É evidente que não podemos prescindir da reflexão sobre a
própria prática como elemento constitutivo das políticas de formação,
principalmente porque essa leitura crítica desvelará espaços de tensão
a serem trabalhados. Porém, é necessário que a reflexão, ao tempo
em que contribua para superação de limites e construção de possibi-
lidades, esteja fundamentada em sólidas bases teóricas, com vistas à
prática didática e pedagógica, assim como as defende Frigotto (1996):
As dimensões técnica e didática no processo
de ensino, para serem efetivas, implicam
necessariamente a dimensão teórica e
epistemológica e que, sem estas, aquelas podem
se constituir em bloqueadores de processos de
conhecimentos previamente construídos pelo

116
Maria Neusita Tabosa

aluno. (p. 95-96) Educação & Sociedade, ano


XX, nº 68, Dezembro/99 49).
Dessa forma a autonomia intelectual do professor é fundamen-
tal e necessária para o redimensionamento da sua prática, para a luta e a
resistência em defesa da qualidade e do respeito a seu exercício profissio-
nal, assim como para a formação dos educandos da educação básica.
A escola contemporânea segundo Pimenta (2010) é um dos
espaços social e cultural que, exige do professor, competência para não
mais deixar de pensar, nas questões da realidade concreta e, a partir
daí, planejar suas ações docentes. É uma atuação que requer mais que
uma simples questão de formação teórica de alguém que ensina como
também, requer desempenho do aluno visto para além de uma simples
questão de motivação e de esforços individuais. A escola de hoje deve
ser uma ruptura com a escola do passado. Nessa nova situação, não
pode tomar como modelo aquelas atitudes vigentes no passado e, por
isso mesmo, requer dos profissionais da educação uma formação mais
consistente e qualidade socialmente referenciada.
Paulo Freire (1985, p. 59) advogava a ideia de que a alfa-
betização e a educação de adultos devem partir sempre de um “(...)
exame crítico da realidade existencial dos educandos, da identificação
das origens de seus problemas e das possibilidades de superá-los”.
Para ele, a educação deve propiciar a reflexão sobre seu próprio poder
de refletir, desenvolvendo suas potencialidades. Uma educação que
trata de ajudar o homem, a mulher, os jovens e adultos brasileiros
na inserção crítica no seu processo histórico e que por isso mesmo
liberte-os pela conscientização.
Porém, em que pesem para esses profissionais oportunidades
de acesso ao maior número de conhecimentos, estes, por sua vez, re-
querem constantes inovações para uma atuação teórica e prática capaz
de dar conta da complexidade das situações educativas que emergem
rejeita o preconceito com relação a sexo, raça, cultura, classe social,
dentre outras, visando o desenvolvimento de um mundo melhor para
todas as pessoas. Esta concepção deslegitima o conhecimento imposto
aos analfabetos empobrecidos para dar lugar a novos conhecimentos
construídos a partir da realidade e necessidade das populações não
letradas.

117
Maria Neusita Tabosa

Essa ideia é claramente expressa no livro “Educação e


Mudança” (1989), quando foca que o homem quando age, reflete
sobre a sua ação e produz uma nova ação. Assim, ele se esforça e se
corresponsabiliza pela mudança, dentro de seu limite e experiência.
É que o homem consciente trabalha mais e melhor, quando existe
uma relação de construção no processo organizacional construído,
elevando sua autoestima e mobilizando as ações para que o verdadeiro
trabalho em equipe aconteça.
Paulo Freire destaca em suas criticas sobre a educação auto-
ritária em seu livro “Pedagogia do Oprimido” (2001) que a educação
às vezes, em vez de comunicar-se, o educador faz comunicados aos
alunos, exigindo que eles, pacientemente, memorizem e reproduzam
esses conteúdos nas provas e exercícios, confirmando assim, a concep-
ção denominada por ele de educação bancária, cuja finalidade é tornar
os educandos depositários de informações.
Por fim, a proposta de educação de Jovens e Adultos no atual
contexto brasileiro demonstra que é possível mudar os rumos sociais
do nosso país através da educação, alfabetização, proporcionando aos
jovens e adultos uma educação de qualidade, contribuindo para uma
formação consciente dos cidadãos em seu exercício social.

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Bases da Educação Nacional. Brasília, 20 de dezembro de 1996.

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São Paulo: Autores Associados, 2005.

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118
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

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GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas no Brasil. 8ª edição.


São Paulo: Editora Ática, 2004.

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no Brasil: gênese e crítica de um processo. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2005.

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TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 10 ed. -


Petrópolis: Vozes, 2010.

119
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA


E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
TREMEMBÉ DE ALMOFALA: ALGUMAS
APROXIMAÇÕES
Maria Luzinette Ferreira Mendes2
Maria do Socorro Sousa e Silva3

Introdução
Este trabalho objetiva registrar a temática da educação esco-
lar indígena, e mais especificamente a formação de professores indíge-
nas, pois esta vem ganhando cada vez mais força no debate nacional
tanto dentro do Movimento Indígena, quanto nas universidades.
Portanto, este trabalho discorre principalmente de experiências/lutas
no processo de conquista pela educação escolar indígena. O artigo
nasceu de aproximações ao aldeamento de Almofala localizado no
Município de Itarema no Estado do Ceará.
Os índios da etnia Tremembé organizam-se, atualmente,
em três grupos situados em três municípios do Estado do Ceará:
Itapipoca (São José e Buriti), Acaraú (Córrego João Pereira, ocupando
uma parte do município de Itarema). Neste último, encontra-se a
maior parte da etnia distribuindo-se em 18 comunidades indígenas
(aldeias) das quais sete têm escola diferenciada indígena: Varjota,
Tapera, Passagem Rasa, Mangue Alto, Saquinho, Lameirão, Praia. O
presente trabalho tem como objetivo demonstrar o movimento de
luta por educação, a relevância da conquista das escolas indígenas e a
formação de professores.
Essa nova modalidade de escola se propõe potencializar as
expressões de identidades culturais que, informadas por sentimentos
distintos e particulares de pertencimento étnico, se inserem no mo-
vimento de busca de novas formas de relacionamento com os demais
segmentos da sociedade, a serem pautadas pelo respeito mútuo, pelo
exercício de compreensão e pela tolerância.
2
Pedagoga e especialista em gestão e docência na Educação Superior pela Universidade
Estadual Vale do Acaraú. E-mail: mluzinettefm@hotmail.com
3
Pedagoga e especialista em gestão e docência na Educação Superior pela Universidade
Estadual Vale do Acaraú. E-mail: msserasmo@gmail.com

120
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

Para Silvia (2006) ao contrário do que era veiculado na mí-


dia há alguns anos sobre a redução da população indígena no Brasil,
observa-se um crescimento em todo o país do número de grupos que
se reconhecem como índio. O retorno desse movimento é fruto de
persistentes lutas de organizações indígenas, organizações não gover-
namentais de apoio aos índios e universidades que se empenham em
defesa dessa causa. O que até poucos anos era visto como uma luta
focada em algumas regiões do Brasil, hoje passou a ser tema em todo
o território nacional.
Segundo Filho (2003) novos grupos surgem, reorganizam-
se internamente reinventando-se em seu processo de identidade
indígena e lutando por seus direitos e melhores condições de vida.
Em todo o país e, de modo muito particular na Região Nordeste,
há um processo de mudança de um passado de vergonha e medo
que impedia aos índios manifestar-se como tal em suas origens e
costumes, para um ressurgimento de grupos saindo do anonimato em
busca do reconhecimento do ser índio. A essa luta soma-se a outra luta
importante: o direito a educação escolar indígena diferenciada.
No Ceará não tem sido diferente. Nas duas últimas décadas
o Movimento Indígena vem empreendendo uma luta que tem resul-
tado num crescente surgimento de novos grupos.
Os Tapeba no Município de Caucaia em Fortaleza foram
os primeiros a se organizar na luta por reconhecimento e demarcação
de suas terras empreendendo também com isso, um incentivo para
outros grupos indígenas. Ao se organizarem, as etnias do Estado do
Ceará somam forças nas reivindicações mais importantes do Movi-
mento: o direito a terra e a educação diferenciada. Esses dois direitos
estão diretamente ligados. Afinal, é na terra que as novas gerações
podem receber a herança cultural de seu povo. Embora garantidos por
Lei, a experiência tem demonstrado que tais direitos só são efetivados
por meio da luta empreendida pelo Movimento.
Pretendendo discutir algumas questões relativas à temá-
tica, este artigo volta-se mais diretamente para a problemática da
educação escolar indígena diferenciada e formação de professores
indígenas. Por tratar-se de uma discussão relativamente nova e que
vem ocupando espaços nos debates acadêmicos, as produções neste

121
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

campo são importantes pela contribuição que podem dar para as


pesquisas cientificas. Com isso torna-se necessária a ampliação dessas
discussões, favorecendo maior aproximação dos estudantes nesse de-
bate, mais particularmente os dos cursos de formação de educadores
e educadoras.
Como metodologia de trabalho foi utilizada a pesquisa
etnográfica associada a observação participante. A escolha dessa me-
todologia justifica-se pela necessidade de contar as aproximações da
educação escolar indígena diferenciada e a formação de professores
Tremembé de Almofala.
Reconhecendo a impossibilidade em abranger a diversidade
temática que o assunto traz, optou-se por uma aproximação dos leito-
res dos fundamentos que norteiam as discussões em torno do conceito
de educação escolar indígena diferenciada e a formação de professores
indígenas. Sobre esse segundo tema o que se pretende é apresentar em
grandes linhas, a experiência de formação de professores Tremembé
no contexto mais amplo das discussões em torno da temática. Assim,
a luta pela implantação da Educação Indígena Diferenciada e a forma-
ção de professores se fundamenta na compreensão de que é necessário
fortalecer a identidade étnica e cultural através da participação coletiva
e do diálogo.

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO


BRASIL: POR QUE UMA EDUCAÇÃO
DIFERENCIADA?
Segundo o Parecer 14 da Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação, aprovado em setembro de 1999, há
uma lacuna na história da educação indígena uma vez que do século
XVI até praticamente a metade deste século, a oferta de programas de
educação escolar às comunidades indígenas esteve pautada pela cate-
quização, civilização e integração forçada dos indígenas à sociedade
nacional (BRASIL, 1999, p. 3).
A ênfase era dada à negação da diferença. Delmolin (2004,
p.133-134) esclarece como o entendimento positivista que dominava
a política brasileira do século XIX empenhou-se em elevar os índios à

122
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

fase do progresso: “Sob tal entendimento, exigia-se no que concerne


aos indígenas, que fossem possibilitadas condições para a progressiva
transição de seu estado primitivo até sua perfeita integração à socie-
dade nacional”. Atitudes políticas desse tipo reforçaram a histórica
dívida que a sociedade brasileira tem para com os indígenas, dívida
esta começada desde os primeiros passos dos europeus em terras
brasileiras.
Contrariando tal atitude, o importante é estabelecer
condições para o diálogo e o respeito. Tratando-se de educação in-
dígena, convém considerar todo o processo educativo que aconteceu
e continua acontecendo nas aldeias como um processo educativo
que garantiu aos índios a perpetuação de sua cultura apesar dos
massacres sofridos. Cada sociedade indígena tem seu modo próprio
de “produzir, armazenar, expressar, transmitir, avaliar e reelaborar
seus conhecimentos e suas concepções sobre o mundo, o homem e o
sobrenatural.” Portanto, a luta indígena não é apenas por educação,
mas por uma educação escolar que respeite sua cultura, seus costumes,
suas diferenças.
Durante séculos a instituição escolar não atentou para seu
papel no diálogo entre os diferentes grupos sociais, muito menos
considerou importante a contribuição cultural dos indígenas para a
formação da sociedade brasileira. Ao contrário, prestou-se ao fortale-
cimento da ideologia dos brancos.
Num primeiro momento, a escola foi o
instrumento privilegiado para a catequese,
depois para formar mão de obra e por fim, para
incorporar os índios definitivamente à nação,
como trabalhadores nacionais, desprovidos de
atributos étnicos e culturais (BRASIL, 1999,
p. 3).
A histórica luta entre brancos e índios teve duas vertentes:
por um lado à luta armada e sanguinária e por outro, a guerra ideo-
lógica de “embranquecimento” ou “aldeamento” dos indígenas. Desta
forma fortalecia-se a negação das diferenças. A política da assimilação
dos índios que pretendia incorporá-los à nação não ficou apenas em
um passado distante. No texto do já citado Parecer 14/99 diz que “a
ideia de integração firmou-se na política indigenista brasileira desde

123
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

o período colonial até o final dos anos 80”. Embora reconhecendo


a diversidade das sociedades indígenas existentes no país, os dire-
cionamentos políticos lhes eram desfavoráveis, de modo que “toda
diferenciação étnica seria anulada ao se incorporarem os índios à so-
ciedade Nacional. Ao tornarem-se brasileiros, tinham que abandonar
sua própria identidade” (BRASIL, 1999, p. 4).
Esse processo que associamos ao período da colonização
ultrapassou a barreira dos tempos chegando à atualidade por meio
da negação da existência de índios ou, aceitação dessa realidade, mas
afastando-a para as regiões do país onde, historicamente foram reco-
nhecidas como terra de índios. Outra forma de manter essa ideologia
da negação indígena (e essa tarefa tem sido marcadamente assumida
pela escola) é fazer um recorte no tempo e querer entender os índios
nos estereótipos próprios ainda do tempo da descoberta do Brasil.
Analisando um estudo realizado em 2001 pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e pela Secre-
taria de Educação Fundamental (SEF) do Ministério da Educação,
Grupioni (2003) destaca o registro de escolas indígenas, já nessa
época, em todos os Estados da Federação, com exceção apenas do
Piauí e Rio Grande do Norte.
A educação diferenciada indígena pretende, então, respeitar
essa diversidade. Não havendo essa diferenciação que respeite a di-
versidade cultural e linguística a educação escolar servirá apenas para
dar continuidade à mesma política integracionista, não contribuindo
assim com a luta dos povos indígenas, pelo contrário, favorecendo a
perpetuação da mesma ideologia.
Entretanto, nos espaços acadêmicos especificamente no
Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú, vem
promovendo-se debates sobre essa temática despertando o interesse
da academia. Em agosto de 2007 um grupo de professores Tremembé
participou do Seminário Temático III promovido pelo Núcleo de
Movimento Social e Educação Popular (MSEP) discutindo sobre a
formação superior dos professores Tremembé de Almofala.
Assim, surgem questionamentos sobre essa modalidade de
escola. Perguntam-se como pensar a formação indígena diferenciada
defendendo a multiculturalidade e o bilinguismo e, mais particular-

124
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

mente, mantendo essa formação nas aldeias de modo que os índios


não fiquem isolados num mundo culturalmente restrito, afastando-se
da comunidade universal.
Ao defender essa tese supõe-se que os fundamentos
apoiam-se na ideia do enriquecimento cultural que se dá nos inter-
câmbios sociais. De fato, esse tipo de trocas culturais vistas como
favoráveis ao enriquecimento intercultural é viável entre sociedades
e culturas que tenham certa proximidade econômica e oportunida-
des iguais. Nesse contexto observa-se trocas de valores sem perdas
culturais para as partes. No entanto, tratando-se de sociedades em
posições econômicas e oportunidades desiguais não se devem esperar
os mesmos resultados.
Ao se defender essa tese pelo prisma das desvantagens de uma
educação escolar indígena diferenciada, vale considerar que “a situação
das sociedades indígenas no nosso país é a de minorias étnico-linguísticas
e, mesmo nesse particular, essas minorias indígenas são muito menores
(isto é, muito mais minoritárias) do que muitas outras situações de
minorias étnico-linguísticas pelo mundo afora, ou mesmo as situações
envolvendo outros povos indígenas nas Américas” (D´ANGELIS,
2003, p. 36). Com isso, pensar em estabelecer intercâmbios culturais
nesses diferentes contextos sociais, colocaria as comunidades indígenas
em situação de desigualdade nas trocas culturais.
É importante ressaltar que a luta indígena no Brasil para
conquista da terra é uma luta por conquistar o respeito e o direito
de ser índio numa terra que lhe pertenceu por primeiro. Também
convém considerar que, massacrados por séculos em seus costumes e
valores, os índios desenvolveram preconceitos contra a própria cultura
e, inicialmente, os que procuravam a educação escolar convencional,
o faziam por interesses individuais.
Diante de uma situação real tão negativa, na
qual não encontram motivos para orgulho
étnico, as gerações atuais vão projetando
“saídas” ou “soluções” individuais para seus
filhos e netos, que, ao final, representam (ou
conformam) um projeto de futuro de total
“integração” na sociedade brasileira, o que
significará fatalmente a “desintegração” étnica
da sociedade indígena. (D’ANGELIS, 2003)

125
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

Delmolin (2004, p. 132) chama a atenção para as conces-


sões que os governos sempre fizeram e fazem às forças econômicas do
setor produtivo em detrimento dos interesses indígenas e de como
esse fato justifica o estímulo das comunidades indígenas por esse tipo
de educação escolar “para formação de quadros indígenas que pensem
estratégias para o futuro”. A escola indígena diferenciada passa a ser
estratégica na luta pelo fortalecimento da causa indígena.
Portanto, lutar por escola diferenciada implica numa atitude
política de abrir espaço para criar oportunidades para essas minorias
étnicas lutarem com as armas que lhe possibilitem igualdade de posi-
ção. Ela é e deve ser diferenciada do modo de educação dominadora
que imperou até hoje e deve romper com a concepção de educação
massificadora em defesa de uma educação que respeite a diversidade
cultural e estabeleça o diálogo com as minorias. Parafraseando Paulo
Freire (1987), podemos dizer que também essas minorias têm uma
palavra a ser dita para o futuro do país. Essas iniciativas de criar esco-
las indígenas diferenciadas inauguram novos espaços educacionais no
contexto da educação brasileira levando esse debate para o âmbito da
discussão nacional de educação.
Segundo Monte (2000, p. 22), enfatiza que “Várias socie-
dades indígenas, ao longo dos últimos anos, vêm defendendo a edu-
cação intercultural para a manutenção, recuperação e resgate de suas
identidades indígenas”. A luta, anterior à Constituição de 1988, tem
resultado em um processo de amplas discussões e empreendimentos
educacionais. Até chegar ao que temos hoje garantido na Constituição
de 1988, há toda uma história de lutas e conquistas.
É como se as vozes das sociedades indígenas há
séculos silenciadas pelas políticas educacionais,
finalmente pudessem formular e explicitar seu
projeto de escola e fazê-lo ecoar e reproduzir,
ainda que sob intenso debate e conflito, em
forma de novas propostas de políticas públicas
a serem desenvolvidas pelo Estado brasileiro
(MONTE, 2000, p. 8).
A partir daí, muitos outros passos vêm sendo dados na
direção de mudanças concretas a favor dos povos indígenas. Os
avanços em termos de legislação nos documentos: Bases Legais da

126
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

Educação Escolar Indígena; Constituição Federal de 1988; Conselho


Nacional de Educação; LDB 9.394/96; Plano Nacional de Educação;
Referenciais para Formação de Professores Indígena, reconhecem,
oficializam e regulamentam a Educação Escolar Indígena Diferencia-
da, como conquistas a serem consideradas. A experiência tem mos-
trado que a oficialização por si só não é suficiente para a efetivação
das mudanças. Tem cabido ao próprio Movimento Indígena a tarefa
de provocar as mudanças, criar iniciativas educacionais e exigir o
cumprimento da lei.
Para Grupioni (2003, p. 15) o interesse do Movimento
Indígena por essa temática de formação de professores cresce “na
medida em que se percebe a sua importância para a transformação
das escolas indígenas” e pela consciência da importância dessas escolas
para o fortalecimento do Movimento.
Ao empreender a luta para conquistar tais direitos os índios
têm contado com o apoio de ONGs e de universidades. Nas universi-
dades aumenta o interesse para pesquisar a problemática que envolve
o tema, bem como a criação de experiências-piloto que contribuem na
formulação de políticas públicas para a educação indígena, formação
do currículo e debates em torno da metodologia e da continuidade
de uma formação que pense o índio em interação com a comunidade
mundial. Nos últimos anos as discussões vêm girando em torno de
perguntas que se voltam para a autonomia, a diferença e a pluralidade:
Como a participação das escolas, de alunos e professores indígenas no
sistema nacional de educação, com acesso aos três níveis de estudo,
poderá garantir aos índios o direito à diferença e à pluralidade? Qual
o papel das universidades nesse processo? De que modo pode-se
favorecer a troca de saberes entre a universidade e as comunidades in-
dígenas? Em que essa troca de saberes poderá contribuir na formação
dos estudantes não índios? Em que essas relações poderão contribuir
na construção cultural do país?
Universidades como a Universidade de São Paulo (USP) que
vem desenvolvendo o projeto MARI - Grupo de Educação Indígena
do Departamento de Antropologia, a Universidade do Estado do Mato
Grosso (UNIMAT) com o Núcleo de Educação Escolar Indígena de
Mato Grosso (NEI/MT), a Universidade Federal de Roraima (UFRR)

127
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

com o projeto INSIKIRAN são exemplos de Instituições de Ensino


Superior (IES) que vêm se envolvendo com a luta indígena por edu-
cação escolar diferenciada, discutindo e ampliando esse debate. No
Nordeste as IES desenvolvem pesquisas voltadas para a temática, prin-
cipalmente por meio dos estudos de pós-graduação como mestrado e
doutorado. Particularmente no Ceará onde o Movimento Indígena
tem pouco mais de 20 anos, a necessidade de comprometimento das
IES em colaborar com a formação de professores indígenas e com a
ampliação e o fortalecimento de pesquisas nesse campo, é de grande
importância.
Voltando o nosso olhar sobre a escola e mais diretamen-
te para a formação dos professores e professoras das aldeias que já
trabalham ou irão trabalhar nessas escolas, outros questionamentos
surgem. Conforme dissemos acima, a escola teve no passado um papel
de servir à política integracionista que veio desde o Brasil colonial
até meados dos anos 1980 ou ainda, persistindo na ideologia da
negação indígena. Como, então, pensar uma formação de professores
indígenas que reconheça e respeite as diferenças culturais dentro deste
contexto? Como garantir a autonomização dos índios nesse processo?
A que deve se atentar na relação que se estabelece entre as comuni-
dades indígenas, os Institutos de Ensino Superior e as Agências de
Estado responsáveis pela legalização da educação? De que forma essa
relação poderá contribuir no processo de autonomização dos povos
indígenas?
Até pouco tempo as discussões em torno da educação es-
colar indígena diferenciada voltava-se para a formação de professores
índios em nível médio, a fim de que atuassem em suas aldeias. O que
Grupioni (2003, p. 7) chama de “protagonismo de uma nova proposta
de educação”. Percebe-se que isso já vem acontecendo na formação de
professores indígenas em nível médio, repete-se agora nas diferentes
iniciativas na construção dos cursos de formação de professores em
nível superior. Iniciativas estas que acontecem em diferentes partes do
país, revelando um processo cada vez mais ascendente na organização
do Movimento Indígena.
Os grupos indígenas cearenses estão se colocando à margem
dessa luta, organizam-se e debatem suas propostas num movimento

128
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

crescente de exigir das universidades e do governo que assumam seus


papéis nesse processo.

A EXPERÊNCIA DOS ÍNDIOS TREMEMBÉ


DE ALMOFALA E O MAGISTÉRIO
INDÍGENA TREMEMBÉ SUPERIOR NO
CONTEXTO DA LUTA POR EDUCAÇÃO
ESCOLAR DIFERENCIADA INDÍGENA
Os Tremembé “iniciaram a organização de sua escola dife-
renciada em 1991” sem apoio de qualquer instituição governamental
ou não governamental. A necessidade que chegava pelas experiências de
discriminação que as crianças índias sofriam nas escolas convencionais,
levou as lideranças da comunidade a iniciar por conta própria a primei-
ra experiência de escola indígena na comunidade da praia de Almofala.
Embora não tendo continuidade, gerou o interesse em lutar por escolas
indígenas na área bem como a necessidade de formar professores in-
dígenas para lecionar nessas escolas. Como fruto desses debates foram
criadas escolas nas demais comunidades e, no ano de 2001, os índios
“tomaram a iniciativa de criar um curso de magistério específico, com
o apoio de parceiros, alguns dos quais já inseridos há tempos no campo
de produção dessa escola.” (FACED/UFC, 2004, p. 4).
A coordenação geral ficava por um lado, com os próprios
índios representados pelo Conselho Indígena Tremembé de Almofala
(CITA) e por outro, a Faculdade de Educação da Universidade Federal
do Ceará (FACED/UFC).
Os índios tiveram participação direta em todo o processo
de elaboração do Magistério Indígena Tremembé (MIT). Um dos
momentos importantes desse processo foi a realização do Seminário
Magistério Indígena Tremembé: Planejando e Consolidando a Escola
Diferenciada em maio de 2001 para discutir a proposta curricular do
(MIT). Nesse evento Lideranças, pais e mães de alunos, professores
indígenas e mesmo os alunos, somaram-se nesse mutirão políti-
co-pedagógico, buscando, a cada passo, a forma mais adequada de
traduzir os grandes ideais do povo Tremembé para a formação de seus
professores.

129
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

A proposta inicialmente discutida no seminário supracitado


continuava passando por um processo de elaboração ininterrupta fre-
quentemente revista e ampliada, nas etapas mensais do (MIT). Outras
entidades como Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Universidade
Federal do Ceara (UFC), IGREJA METODISTA (IM), Universidade
Estadual do Ceará (UECE) se tornaram parceiras na efetivação do tra-
balho, contribuindo para o fortalecimento do processo de autonomia
dos índios. O curso foi concluído em setembro de 2003, os benefícios
foram para muito além da certificação que os índios receberam.
Iniciado com os Tremembé da Praia de
Almofala, entre os quais se desenvolveu a
maior parte da pesquisa empírica, a ideia do
Curso se difundiu entre os Tapeba, Pitaguary
e Jenipapo-Kanindé, com desdobramentos
e repercussões em muitas dimensões de suas
vidas, no movimento indígena regional e,
até mesmo, em nível nacional (FONTELES
FILHO, 2003, p. 2).
A difusão da ideia do Curso entre outros povos deu impul-
so à luta pela educação diferenciada indígena no Estado do Ceará.
Atualmente todas as etnias organizadas no Estado já contam com
escolas diferenciadas indígenas, tendo já iniciado as discussões sobre
as condições de formação dos professores em nível superior.
A crescente mobilização étnica que vem
ocorrendo no Estado do Ceará constitui-se num
caso particular de um fenômeno mais amplo
que há duas décadas emergiu em praticamente
toda a Região Nordeste, onde vários grupos
indígenas “reaparecem” e passaram a reivindicar
suas identidades, bem como o direito à posse
das terras que tradicionalmente ocupam.
(OLIVEIRA JUNIOR, 1998, p. 20).
Os Tremembé ao pensar o Projeto (MIT) para a formação
de professores em Magistério de Nível Médio, já concebiam no seu
início o sonho de um projeto futuro de formação a nível superior.
Tendo concluído o Curso em 2003, os índios aguardavam a certifi-
cação para então dar início a nova etapa de sua formação. O diploma
do (MIT) foi entregue em julho de 2005 e, em novembro do mesmo

130
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

ano, sob a orientação de Marly Schiavini, membro da Coordenação


do Magistério Indígena Tremembé Superior (MITS), representando a
parceria da Igreja Metodista e acompanha a luta dos Tremembé há vá-
rios anos, e Sonha Malaquias, participante da elaboração e efetivação
do (MIT), na época como representante do Conselho de Educação.
Atualmente, compõe a Coordenação do (MITS) como voluntária. As-
sim, recomeçam as discussões sobre o (MITS). O ano de 2006 marca
o início de uma nova etapa de formação dos professores Tremembé.
Em janeiro desse ano acontece um seminário para esboçar o Projeto
do Curso. Nesse seminário são discutidas as possíveis disciplinas e
eleita a Coordenação que está composta por nove professores índios,
eleitos neste seminário e pelos representantes das instituições parceiras
Igreja Metodista, Universidade Federal do Ceará (UFC), Universida-
de Estadual Vale do Acaraú (UVA). Contudo, em 2006 tem inicio
o Curso (MITS), com a primeira Etapa de estudo acontecendo no
mês de julho. Nessa Etapa foi trabalhada a Disciplina de História
(posteriormente chamada de Estudos Antropológicos) ministrada
pela profa. Joina Borges da Universidade Federal do Piauí – UFPI.
Seguindo o mesmo processo de autonomização já conheci-
do pelos índios durante a produção do Curso (MIT), o (MITS) vem
sendo construído com assessoria dos parceiros, respeitando as decisões
dos índios relativas à construção e efetivação do curso. Tendo em vista
a grande importância que os Tremembé do Município de Almofala
tiveram na efetivação do (MIT), faz pensar que esse grupo étnico
tenha sua contribuição a dar no debate sobre a formação superior
de professores indígenas. Uma vez que a experiência de formação de
professores em nível médio (experiência essa mapeada por Fonteles
Filho em sua tese de doutorado) foi marcante pela originalidade
e pioneirismo, terá essa nova etapa de luta a expressividade que se
espera? Dará contribuição significativa na luta em defesa ao direito
de reconhecimento e respeito às diferenças? Que novas contribuições
poderão dar para o fortalecimento da autonomia construída na luta
por educação diferenciada?
Como dissemos, anteriormente, o (MITS) seguiu um
caminho já conhecido pelos índios. Caminho esse trilhado no curso
de nível médio. Como é costume entre os Tremembé, as decisões são

131
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

tomadas em comunidade onde todos, índios e índias, independente


de cargos ou funções que ocupem, podem opinar e decidir juntos.
Esse modo comunitário de agir se expressa não apenas na política
dos Tremembé, mas também na construção do conhecimento o que,
possivelmente, poderá ir norteando seus processos de ensino-apren-
dizagem.
Dando continuidade às discussões em torno do Projeto
Pedagógico (PP), um novo seminário foi organizado em maio de
2007, sob a coordenação do prof. Babi Fonteles juntamente com as
parcerias, professores indígenas, lideranças e comunidades indígenas
Tremembé, discutiram as questões relativas ao (PP) do Curso como:
disciplinas, eixos temáticos, carga horária etc. Nesses “mutirões do
conhecimento” os índios vão se apropriando dos termos técnicos e
construindo o Curso segundo sua cultura, seus costumes. Nesse
processo, o papel dos colaboradores parceiros têm sido o de facilitar o
trabalho dos índios, respeitando sua autonomia.
Os especialistas e os docentes do programa,
como antropólogos, pedagogos, linguistas e
outros, devem atuar, nos cursos e nas demais
situações de formação, como facilitadores dessa
discussão e não como propositores de práticas
pedagógicas, que normalmente seguem
padrões culturais de uma pedagogia oriunda de
parâmetros e realidades estritamente ocidentais
(BRASIL, 2002, p. 35).
Concomitantemente ao processo de elaboração do (PP) do
(MITS), acontecem as etapas de estudo. Mensalmente, durante cinco
dias professores e professoras indígenas afastam-se de suas atividades
escolares, reunindo-se em uma das comunidades Tremembé para
cursar uma disciplina, previamente combinada. O professor ou pro-
fessora ministrante daquela disciplina fica a semana na aldeia dando
aula e convivendo com os índios.
Essa formação específica está prevista na
legislação que trata do direito dos índios a
uma educação intercultural diferenciada dos
demais segmentos da população brasileira.
Nessa legislação garante-se que os professores

132
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

indígenas possam ter essa formação “em


serviço”, ou seja, paralelamente à sua atuação
em sala de aula, e concomitante à sua formação
básica (GRUPIONI, 2003, p. 13).
Essa prática procura garantir uma formação sólida aprovei-
tando a atuação dos professores em sala de aula como parte de sua
formação de modo que o seu cotidiano profissional seja uma cons-
tante reflexão e construção do conhecimento e, mais particularmente,
do que venha a ser a educação diferenciada Tremembé. Com essa
prática os Tremembé desenvolvem uma contínua experiência de ser
pesquisadores, mentores de novos conhecimentos e sistematizadores
do conhecimento dos mais velhos a ser transmitido às novas gerações.
De forma geral, pode-se dizer que os professores indígenas
são os mediadores por excelência, das relações sociais que se esta-
belecem dentro e fora da aldeia, por meio também da escola. [...]
Têm assim a complexa tarefa de protagonizar os processos de reflexão
crítica sobre os diversos tipos de conhecimentos a serem estudados,
interpretados e reconstruídos na escola: os normalmente denominados
conhecimentos “universais”, transmitidos pela instituição escolar, e os
denominados conhecimentos “próprios”, “étnicos” ou “tradicionais”,
a serem pesquisados, registrados, sistematizados e reinterpretados no
processo intercultural.
Para tal, os professores indígenas têm a difícil
responsabilidade de incentivar as novas
gerações para a pesquisa dos conhecimentos,
visando sua continuidade e reprodução
cultural; por outro lado, eles são responsáveis
também por estudar, pesquisar e compreender,
à luz de seus próprios conhecimentos e de seu
povo, os conhecimentos tidos como universais
reunidos no currículo escolar (BRASIL, 2002,
p. 20).
De igual modo, os docentes formadores desses professores
têm a responsabilidade de transitar entre as diferentes culturas numa
atitude continuada de pesquisadores e aprendizes de um processo
formativo em construção.

133
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

Conclusão
Ao longo do nosso trabalho observamos que, embora o
índio se sentisse impedido por medo ou vergonha de manifestar-se vi-
vendo no anonimato, percebe-se uma resistência histórica que sinaliza
para uma nova leitura da história do índio no Brasil. O Movimento
Indígena vem demonstrando a capacidade que os grupos indígenas do
país têm de recontar essa história. As lutas pelo reconhecimento do ser
índio, pelo direito às suas terras, por uma educação escolar específica,
por participar nas discussões nacionais com direito de serem ouvidos
e respeitados são exemplos da força que esses grupos étnicos estão
demonstrando no contexto nacional. Essas lutas fortalecem cada
vez mais o Movimento e estimula novos grupos a se reorganizarem,
reiventando-se como índios.
Nesse quadro social é indiscutível a importância do papel
das escolas diferenciadas indígenas. No mesmo contexto, a formação
de professores indígenas torna-se fundamental na luta pela transfor-
mação social dessas minorias étnicas. O apoio das Instituições de En-
sino Superior, de ONG´s e outros parceiros nessa luta foram e ainda é
de grande importância. O que não se pode descuidar é o modo como
se estabelecem essas parcerias. O respeito à cultura, aos costumes, ao
jeito do ser índio e atenção ao seu processo de autonomização são
exigências éticas mínimas para que não se repita o erro histórico de
desintegração étnica dos indígenas.
Nesse percurso investigativo contata-se que a luta pela
implantação da escola indígena diferenciada e a formação de profes-
sores se fundamentam na compreensão de que é necessário fortalecer
a identidade étnica e cultural através da participação coletiva e do
diálogo.
Este trabalho pôde nos proporcionar através da pesquisa
etnográfica associada a observação participante no aldeamento de
Almofala em Itarema no Estado do Ceará o conhecimento de alguns
momentos do processo de implementação sobre educação escolar
indígena e formação de professores. Percebe-se que esse processo é
permeado de luta, desafios, sonhos e saberes, entretanto de grande
importância para a configuração/composição e influência cultural dos
Tremembé.

134
Maria Luzinette F. Mendes | Maria do Socorro Sousa e Silva

É importante esclarecer àqueles e aquelas que se aventuram


nessa causa que não há um caminho pronto, perfeitamente sinalizado
a ser percorrido. Trilhar os caminhos da causa indígena como tal e,
particularmente, o da educação escolar indígena e formação de profes-
sores indígenas, implica enfrentar o desafio de somar no mutirão do
conhecimento que se constrói na luta. Tudo está em processo. Nada
está pronto. Acompanhar o processo de formação dos professores Tre-
membé constitui fazer parte dessa luta, colocar-se ao lado dos índios
desbravando os novos caminhos.

Referências
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_______. Referenciais para a formação de professores indígenas. Brasília:


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[Relatório], Fortaleza (digitado), 2004.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. Experiências e Desafios na Formação


de Professores Indígenas no Brasil. In. Em Aberto, Brasília, v. 20, nº 76,
p. 7-18, fev. 2003.

135
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

MONTE, Nietta Lindenberg. Os outros, quem somos? Formação de


professores indígenas e identidades interculturais. In. Cadernos de Pesquisa
nº 111, p. 7-29, dezembro/2000. Rio Branco: Comissão Pró-Índio do Acre,
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OLIVEIRA, João Pacheco de (org.). A viagem de volta. etnicidade, política


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OLIVEIRA Jr., Gerson Augusto. Torém: brincadeira dos índios velhos. São
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PEGGION, Edmundo Antonio. Educação e Diferença: a formação de


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SILVA, Isabelle Braz Peixoto da. Vilas de Índios no Ceará Grande.


Campinas: Pontes, 2006.

136
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

ENSINO SUPERIOR: PRIMEIRAS


REFLEXÕES SOBRE ACESSIBILIDADE
E AVALIAÇÃO PARA PESSOA COM
DEFICÊNCIA NA UNIVERSIDADE
ESTADUAL VALE DO ACARAÚ
Marla Viera Moreira de Oliveira1
Tania Vicente Viana2

Introdução
O paradigma da inclusão propõe reorganizar os espaços
educacionais. Portanto, a Educação de qualidade precisa materializar-
-se em ações no processo educativo de professores, alunos, instituições
de ensino e sociedade em geral.
A partir da Declaração de Salamanca (1994), documento
histórico em Educação Especial, constitui-se um movimento cres-
cente de alunos em processo de inclusão nas escolas regulares. Uma
vez iniciado o processo inclusivo, estabelece-se uma ruptura com os
processos de exclusão históricos vivenciados pelas pessoas com defici-
ência, possibilitando novos caminhos (BAPTISTA, 2006).
Em paralelo, a partir dos anos 1990, as políticas de formação
no Ensino Superior ampliaram suas discussões, o que constitui um
espaço pertinente de investigação. Preparar-se para vida profissional
tem requerido dos sujeitos muito mais do que acúmulo de informa-
ções, dada a realidade repleta de velozes mudanças que apresenta a
sociedade atual (ALARCÃO, 1996; SCHÖN,1997). As situações não
são resolvidas com soluções lineares, definitivas e já elaboradas. Pelo
contrário, são vistas como desafiadoras de raciocínios, de tomadas de
decisão, solução de problemas, o que exige flexibilidade, análises por
diferentes ângulos, relações, dentre outros.

1
Doutoranda em Educação Brasileira / UFC Linha de Pesquisa: Avaliação
Educacional. E-mail: marlavmoliveira@yahoo.com.br
2
Doutora em Educação / UFC. E-mail: taniaviana@ufc.br

137
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

A avaliação no processo de ensino-aprendizagem, que é ob-


jeto de reflexão nesse artigo, é um tema com implicações pedagógicas
que extrapolam os aspectos técnicos e metodológicos e atinge aspectos
sociais, éticos e psicológicos importantes. Sem a clareza do significado
da avaliação, professores e alunos vivenciam intuitivamente práticas
avaliativas que podem tanto estimular, promover, gerar avanço e cres-
cimento, tanto quanto podem desanimar, frustrar e, por conseguinte
inibir o sujeito desse processo. Portanto, entendemos que a avaliação
centrada nas informações reproduzidas, desconsidera desempenhos
mais complexos, como os intelectuais e atitudinais, que devem ser
apreendidos e aperfeiçoados em tempo de formação, relativos ao
curso ou carreira a que se destinam.
Este artigo trata de uma reflexão inicial acerca de questões
que norteiam a inclusão, a pessoa com deficiência e a avaliação da
aprendizagem, ou seja, pontos importantes para compreender um
pouco da caminhada do acesso ao Ensino Superior no contexto
inclusivo.

PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A


POLÍTICA DE INCLUSÃO PÓS - 1990
A reflexão acerca dos acontecimentos históricos relaciona-
dos à vida de pessoas com deficiência é algo complexo e fascinante,
pela dificuldade latente de lidar com o diferente (o desconhecido).
No âmbito do processo inclusivo, a década de 1990 é condensada
de propostas, principalmente advindas pela formulação de legislação,
que nos orienta até os tempos atuais. Proposta iniciada através da
Constituição Federal/1988, art. 205, que garante a Educação como
um direito de todos. Nesse sentido, encontrar caminhos para atender
a diversidade e não a “igualdade de todos” configura-se como o grande
questionamento em busca de respostas.
Em 15 de março de 1990, com a reestruturação do Mi-
nistério da Educação (MEC), a Secretaria de Educação Especial
(SESPE) foi extinta e suas atribuições passaram a ser da Secretaria
Nacional de Educação Básica (SENEB). Além dessa reforma e das
ineficazes medidas econômicas, o governo foi marcado por denúncias
de corrupção que desencadearam o processo de afastamento do chefe

138
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

da nação. No final de 1992, após o “impeachment”3 do Presidente


Collor, assumiu Itamar Franco. Procedeu-se, a partir de então, à nova
reorganização ministerial, com a recriação da Secretaria de Educação
Especial (SEESP), como órgão específico do MEC.
Assim sendo:
Ainda no período de Itamar, em 1994, no
contexto internacional, aconteceu a Conferência
Mundial de Educação Especial na Espanha, que
ao demarcar o compromisso de Educação para
Todos, elaborou a Declaração de Salamanca,
com ressignificações de atendimento aos alunos
com necessidades educacionais especiais. A
Conferência prevê para o Brasil uma ampla
discussão e mudanças no contexto educacional.
Uma delas foi a criação do documento Política
Nacional de Educação Especial (1994)
(OLIVEIRA, 2007, p. 36).
Nos governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC)
(1995-2002), tem-se a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) – lei nº. 9394/96 que, através de seu texto,
dedica à Educação Especial um capítulo específico, estabelecendo a
sua oferta a partir da Educação Infantil. Essa modalidade de ensino
também é abordada na elaboração de outros documentos como o
Plano Nacional de Educação (PNE), lei nº. 10.172/2001 e as Dire-
trizes Nacionais para a Educação Especial (Resolução nº. 02/2001),
trazendo outros olhares e reflexões acerca do processo educacional de
pessoas com deficiência, o que ratifica a Convenção Interamericana
para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pes-
soa Portadora de deficiência (O Decreto n° 3.956/2001). A atenção
é caracterizada pela preferência do atendimento em escolas regulares
subsidiadas pela política de inclusão. Em 2002, a Lei nº 10.436/2002,
garante, à comunidade surda, o reconhecimento de seu sistema lin-
guístico, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) carregando consigo a
reflexão sobre o espaço mais adequado para a aquisição da mesma, na
escola regular ou escola especial.
3
O processo de “impeachment”- Processo que se instaurou contra o presidente da
república, em 1992, com o fim de destitui-lo do cargo devido às infrações graves
de seus deveres.

139
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

Nos governos Lula (2003 – 2010), é dada continuidade


à opção pela Educação Inclusiva, criando-se alguns programas e
projetos que visam ao atendimento, à época, do aluno denominado
com “Necessidades Educacionais Especiais (NEE)”. Um dos pro-
gramas que expressa essa ação é o “Programa de Educação Inclusiva:
Direito à Diversidade (2003-2009)”, que desempenhou o papel de
disseminador da política de inclusão nos municípios com o intuito de
transformar os ambientes escolares em sistemas inclusivos.
No campo da legislação, o Decreto n° 5.296/2004, que
regulamenta as Leis 10.048/2000 e 10.098/2000, estabelece normas
gerais e critérios básicos para o atendimento prioritário à acessibilidade
de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. No seu artigo
24, determina que os estabelecimentos de ensino de qualquer nível,
etapa ou modalidade, público e privado, proporcionarão condições
de acesso e utilização de todos os seus ambientes ou compartimentos
para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, inclusive em
salas de aula, bibliotecas, auditórios, ginásios instalações desportivas,
laboratórios, áreas de lazer e sanitários.
O Decreto 5.626/2005, que regulamenta a Lei n°
10.436/2002, dispõe sobre o uso e difusão da Língua Brasileira de Si-
nais – Libras. A mesma estabelece que os sistemas educacionais devem
garantir, obrigatoriamente, o ensino de Libras em todos os cursos de
formação de professores e de fonoaudiólogos e, optativamente, nos
demais cursos de Educação Superior.
Outro exemplo é o “Programa Incluir: igualdade de
oportunidade e direito à universidade” – responsável pela promoção
da acessibilidade e ações afirmativas para Educação Superior (2005-
2010). De acordo com Cardoso (2010, p. 2), “é a partir do Governo
Lula (2003-2006/2007-2010) que o discurso da escola inclusiva tor-
na-se política educacional em âmbito nacional.” Consolida-se, nesse
período, a “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (2008)” que não se reconhece como instrumento
completamente novo, pois é fruto de uma caminhada na perspectiva
da Educação Inclusiva. Mesmo assim, o documento apresenta expres-
sivas alterações quando indica que:

140
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

as definições e uso de classificações devem


ser contextualizados, não se esgotando na
mera especificação ou categorização atribuída
a um quadro de deficiência, transtorno,
distúrbio, síndrome ou aptidão. Considera-se
que as pessoas se modificam continuamente,
transformando o contexto no qual se inserem
(BRASIL, 2008, p. 9).
No caso das Instituições de Ensino Superior (IES), é ne-
cessário observar na legislação também questões necessárias a uma
melhor aprendizagem. No Decreto n° 5.773/2006 - que dispõe sobre
regulação, supervisão e avaliação de instituições de Educação Superior
e cursos superiores no sistema federal de ensino - tem-se a oportunida-
de de verificar quais as ações realizadas para promover não só o ensino
de forma geral, bem como, os aspectos concernentes à acessibilidade.
Essa prática de acompanhar o realizado em IES resguarda
e reforça a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
(ONU, 2006), que assegura o acesso a um sistema educacional inclu-
sivo em todos os níveis (Decreto n° 6.949/2009).
Somados a esse contexto, o Decreto n° 7.234/2010 dispõe
sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES e o
Decreto n° 7.611/2011, que discorre sobre o atendimento educacio-
nal especializado, no §2° do art. 5o:
VII - estruturação de núcleos de acessibilidade
nas instituições federais de educação superior.
§ 5a Os núcleos de acessibilidade nas
instituições federais de educação superior visam
eliminar barreiras físicas, de comunicação e
de informação que restringem a participação
e o desenvolvimento acadêmico e social de
estudantes com deficiência;
São espaços necessários com uma missão delicada a cumprir.
A construção de universidade sensível e atuante no processo inclusivo
em todos os aspectos: pedagógicos, estruturais e sociais.
Diante das determinações legais no que se refere às ques-
tões pedagógicas, é necessário compreender o papel da avaliação do
ensino-aprendizagem para consolidar uma efetiva inclusão no Ensino

141
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

Superior. É perceber que o ato de avaliar, nesse processo, é momento


privilegiado na aprendizagem. É momento significativo na formação
profissional e, numa perspectiva inclusiva, deve contemplar os aspec-
tos individual e processual no ensino-aprendizagem. Essa é a relevante
questão, a forma em que o conhecimento transita que não nega a
existência de conteúdos, mas respeita o ritmo de cada aluno.
De acordo com Anastasiou e Alves (2003, p.122), “a diver-
sidade de estratégias, técnicas, procedimentos e experiências faz parte
desse caldo que compõe a cultura da prática pedagógica [...]”. Esse
“caldo” nos lança vários desafios: um deles se refere à avaliação da
aprendizagem. Deve-se ponderar se a avaliação é superficial, por meio
de um enfoque unilateral que tem como resultado o rebaixamento
das expectativas sociais dos alunos com deficiência (BEYER, 2005),
ou se a avaliação “[...] deverá encaminhar-se a um processo dialógico
e cooperativo, através do qual educando e educadores aprendem sobre
si mesmos no ato próprio da avaliação” (HOFFMANN, 2009, p. 35).
No caso, se a opção for desenvolver o educando, é neces-
sário repensar algumas questões concernentes à didática no contexto
na Educação Superior, quais sejam: relação professor e aluno, planeja-
mento, avaliação, dentre outras.

ACESSIBILIDADE E AVALIAÇÃO:
PRIMEIRAS IMPRESSÕES NA
UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO
ACARAÚ
A avaliação da aprendizagem compete à relação professor
e aluno dentro de uma dinâmica dos processos realizados no âmbito
da sala de aula. Sendo assim, encontramos o ato de avaliar desde os
primeiros momentos da História. No entanto, somente por volta do
século XX, surgiu, de fato, a necessidade de elevar a avaliação para o
campo dos estudos e da ciência. A partir de 1930, através dos estudos
de Ralph Tyler (1902-1994), considerado o pai da Avaliação Educa-
cional, a avaliação passou a ser compreendida de forma mais ampla e
sistemática. Tyler ampliou o conceito de avaliação e propôs o primeiro
modelo de avaliação educacional, sendo fortes as suas influências até
hoje (HADJI, 2001; PERRENOUD, 1999; VIANNA, 2000).

142
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

A partir dos anos 1960, a avaliação formativa suscita a ideia


de cooperação, e mesmo de cumplicidade para a construção de um
processo de aprendizagem com bons resultados. Perrenoud (1999, p.
78) afirma que “é formativa toda avaliação que ajuda o aluno a aprender
e a se desenvolver, que participa da regulação das aprendizagens e do
desenvolvimento no sentido de um projeto educativo”. Portanto, ela
tem a finalidade de acompanhamento do processo de desenvolvimento
do estudo, levantando dificuldades e sugerindo encaminhamentos e
alternativas intermediárias para alcance das competências.
Essa avaliação caracteriza-se por oferecer espaço para refle-
xão sobre os avanços e permanências no processo de ensino-aprendi-
zagem. Luckesi (2008, p. 99) ressalta ainda sobre esse processo que
“a prática da avaliação da aprendizagem, em seu sentido pleno, só
será possível na medida em que se estiver efetivamente interessado na
aprendizagem do educando, ou seja, há que se estar interessado em
que o educando aprenda aquilo que está sendo ensinado”.
Em tempos atuais, “a expressão medida, em educação,
adquiriu uma conotação ampla e difusa” (HOFFMANN, 2009, p.
40, grifo nosso). A Pedagogia do Exame1 entra em contradição com
a necessidade de uma avaliação mediadora proposta por Jussara
Hoffman, como indicada para uma avaliação formativa e inclusiva
(BENEVIDES, 2011; LEITÃO; VIANA, 2014).
A Universidade Estadual Vale do Acaraú foi a primeira IES
da região e sua história se inicia em 1968, em Sobral/CE, no entanto,
apenas no ano de 1994, é reconhecida na condição de universidade.
Traz em sua missão: “ofertar ensino superior de forma
inclusiva, flexível e contextualizada, e buscar, por meio da pesquisa
e extensão, soluções que promovam qualidade de vida”. No relatório
– UVA EM NÚMEROS, publicado em 2013, as questões escolhidas
para apresentar o perfil dos alunos não apontam a quantidade de
pessoas com deficiência na universidade (PROPLAN/UVA, 2013).

1
A Pedagogia do Exame aborda a questão da avaliação centrada na promoção,
ou seja, voltada apenas para a preparação dos alunos nos exames oficiais. Tem no
processo seletivo objetivo de provar e não conhecer os caminhos e as necessidades
de aprendizagem. (LUCKESI, 2008).

143
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

Vejamos:
Figura 01

Dados importantes que contemplam aspectos sobre os


alunos, mas informações acerca da acessibilidade e diversidade não
aparecem. Tal situação nos inquieta, pois uma universidade que
propõem acolher de forma “inclusiva e flexível” seus discentes não
apresenta dados relacionados às pessoas com deficiências, bem como
aspectos étnico-raciais, mesmo que estes estejam no questionário
socioeconômico dos alunos. De acordo as informações fornecidas por
este mesmo instrumento (questionário socioeconômico) acerca do
período 2013.1, assim é o cenário desses alunos:

144
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

TABELA 01

Fonte: PROGRAD/UVA (2013).

Vale ressaltar que, na confecção dessa tabela, alguns cursos


são agrupados (licenciatura e bacharelado) para melhor consolidar
as informações. Nesse primeiro contato, os números revelam um
quantitativo expressivo de pessoas com deficiência cursando o Ensino
Superior e como eles se reconhecem nesse espaço. No entanto, cabem
algumas questões no que concerne à tipificação das deficiências. Dian-

145
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

te do exposto, o que nos inquieta sobre os dados coletados na visão


dos alunos, a saber: qual a diferença entre deficiência visual e cegueira?
Qual a diferença entre deficiência auditiva e surdez? Qual ou quais as
deficiências estão inseridas na categoria outra?
São números que já revelam uma necessidade de investi-
gação nessa universidade e a avaliação se insere nesse contexto como
veículo de acesso e permanência no ambiente educativo. No acesso in-
formal, a partir das listas de frequência de professores de alguns cursos,
constatamos que aluno com deficiência é identificado pelo símbolo
asterisco (*). O que esse símbolo representa na relação pedagógica
de aprendizagem? Diante desse cenário, questões se formulam para
compreender o processo de aprendizagem dos alunos com deficiência
no contexto dessa universidade.

Conclusão
O discurso de inclusão é necessário para que uma política
excludente seja revista. “Os sociólogos tendem a identificar duas
funções sociais opostas na educação: ser um canal importante de
ascensão e mobilidade social, e ser um mecanismo de reprodução e
consolidação das desigualdades sociais” (SCHWARTZMAN, 2004,
p. 42).
A materialização de uma dessas funções depende de qual
conotação é impressa nos contextos, principalmente os da formação.
Pensar e refletir sobre a acessibilidade na universidade é um dos passos
importantes para a consolidação de um contexto inclusivo, compre-
endendo que esse processo também perpassa o campo da avaliação.
Momento pedagógico privilegiado, a avaliação precisa ob-
servar e executar uma ação permanente de interação, contextualização
e auxílio aos sujeitos envolvidos para promover maiores e melhores
reflexões acerca da aprendizagem.

146
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

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de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da
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147
Marla Viera Moreira de Oliveira | Tania Vicente Viana

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José Reginaldo Feijão Parente

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149
José Reginaldo Feijão Parente

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
DIFERENTES ABORDAGENS SOBRE UM
FENÔMENO COMPLEXO
José Reginaldo Feijão Parente1

Introdução
Na maioria das escolas ainda predomina o modelo pedagó-
gico tradicional, cujo método de avaliação é a somativa, ou seja, com
provas e exames tendo como principal consequência a produção da
classificação, exclusão e julgamento dos alunos. O sistema de ensino
hegemônico está interessado nos percentuais de aprovação e repro-
vação dos educandos, por sua vez os pais estão desejosos de que seus
filhos avancem nas séries de escolaridade, os professores se utilizam
frequentemente dos procedimentos de avaliação como elementos de
monitoramento e como motivadores externos dos estudantes, por
meio da ameaças, os estudantes estão sempre na expectativa de virem
a ser aprovados ou reprovados.
O presente artigo traz um olhar ampliado sobre o fenômeno
da avaliação da aprendizagem considerando diferentes modelos ava-
liativos. Destacamos ainda a necessidade de considerar o fenômeno
como algo complexo em função de algumas características e situações
presentes a esta prática.
Primeiro, devemos reconhecer o caráter polissêmico do
termo são inúmeras as definições e interpretações empregadas na
tentativa de delimitar e conceituar a avaliação. Segundo, cabe destacar
o fato de avaliação ser uma prática social, ou seja, é uma construção
sócio-histórica tendo ao longo do tempo e em diferentes realidades
assumido as mais diversas perspectivas. Em terceiro a avaliação possui
uma dimensão que a insere na ordem do complexo dadas as inúme-
ras determinações que incidem sobre este procedimento. Pensar na
avaliação é admitir a influência de fatores históricos, econômicos,
políticos, culturais, pedagógicos, entre outros aspectos.
1
Professor Assistente da Universidade Estadual Vale do Acaraú lotado no Centro de
Filosofia, Letras e Educação. Psicólogo. Mestre em Gestão Pública pela Universidade
Estadual Vale do Acaraú.

150
José Reginaldo Feijão Parente

UM POUCO DA HISTÓRIA DA
AVALIAÇÃO EDUCACIONAL
Os exames escolares que conhecemos hoje em nossas escolas,
foram sistematizados nos séculos XVI e XVII, com as configurações
pedagógicas produzidas pelos padres jesuítas (séc. XVI) e pelo bispo
protestante John Amós Comênio. Luckesi, 2005 afirma que, somos
herdeiros dessa história. As regras que existiam naquela época sob a
prova, ainda hoje é muito presente no nosso contexto escolar, em que
o aluno não poderia falar com ninguém, deveria permanecer sentado
e calado enquanto estivesse fazendo o exame. Hoje o professor faz o
papel do “Prefeito de Estudos”, (personagem que tomava de conta das
provas) cujo papel era somente fiscalizar e não orientar.
Do lado protestante, temos o bispo John Amós Comênio
(1592-1670) em sua obra “Didática Magna”, publicada em 1632 e
“Leis para uma Boa Ordenação da Escola”, publicada em 1657, pres-
creve uma série de recomendações com vistas ao processo de avaliação.
“A Didática Magna” afirma que “Os estudantes não se preparam sufi-
cientemente bem para as provas, se ele souber que, de fato, as provas
são para valer?” (LUCKESI, 2005, p. 23)
Nas “Leis para Boa Ordenação da Escola”, Comênio define
que, na escola, devem existir, exames de hora em hora, de dia em
dia, de semana em semana, de mês em mês, de semestre em semestre
de ano em ano. Ambas as pedagogias, apesar de ser uma católica e
a outra protestante, expressam o “espírito da época”, ou seja, criam
uma educação “disciplinada”, centrada no educador como autorida-
de pedagógica e moral, nos conteúdos humanísticos clássicos e na
construção de uma mente lógico-discursiva, tendo como objetivo
construir, no educando, um ser humano obediente e conformado a
vida social e religiosa, mas, ao mesmo tempo, brilhante do ponto de
vista da pose de uma cultura geral e de uma capacidade de argumentar
logicamente. (LUCKESI, 2005, p. 23)
A pedagogia que emerge da confluência das teorias peda-
gógicas jesuíticas e comeniana, constitui o que hoje denominamos de
Pedagogia Tradicional. No século XIX incorporou também de Johann
Friedrich Herbart (1776-1841) educador alemão que desenvolveu em

151
José Reginaldo Feijão Parente

cinco passos formais do ensino, que, de certa forma, também utiliza-


mos até hoje em nossa prática didática escolar, que são:
 Preparação: o mestre recorda o que a criança já sabe para que
o aluno traga ao nível da consciência a massa de ideias neces-
sárias para criar interesse pelos novos conteúdos;

 Apresentação: a partir do concreto, o conhecimento novo é


apresentado;

 Assimilação: o aluno é capaz de comparar o novo com o ve-


lho, distinguindo semelhanças e diferenças;

 Generalização: além das experiências concretas, o aluno é ca-


paz de abstrair, chegando a conceitos gerais, sendo que esse
passo deve predominar na adolescência;

 Aplicação: através de exercícios, o aluno evidencia que sabe


usar e aplicar aquilo que aprendeu em novos exemplos e exer-
cícios. É deste modo, e somente deste modo, que a massa
de ideias passa a ter um sentido vital, perdendo o aspecto de
acumulação de informações inúteis para o indivíduo.

Em 1930 Ralph Tyler, cunhou o termo “avaliação da apren-


dizagem”, conceituando, deste modo, a prática que propunha naquele
momento diagnosticar o andamento da aprendizagem dos educandos
na vida escolar, tendo em vista torná-la mais eficiente. Essa domina-
ção, ao longo dos anos, passou, a ser generalizada e equivocadamente,
a indicar e toda qualquer atividade de aferição do aproveitamento
escolar. (LUCKESI, 2005, p. 20)
No final do século XIX e início do século XX, com o
aumento da demanda educacional e do acesso às instituições de
ensino em decorrência da Revolução Industrial, desenvolveu-se um
maior interesse na elaboração de instrumentos que pudessem medir
cientificamente o comportamento humano. A Psicometria veio suprir
essa demanda e apresentou por objetivo detectar e estabelecer dife-
renças individuais a partir de aspectos psicológicos, como raciocínio,
compreensão e outras habilidades vinculadas a áreas acadêmicas, para

152
José Reginaldo Feijão Parente

detectar o nível de inteligência. Nessa época, ficou conhecido o termo


Quociente de Inteligência (QI). Os testes psicométricos tiveram gran-
de impacto social e serviram de instrumentos para valorar e classificar
indivíduos de acordo com suas habilidades. A utilização da testagem
psicológica responsabilizava exclusivamente o aluno pelo fracasso
escolar, independentemente do sistema, da escola e do próprio profes-
sor. (ESCUDERO, 2003; VIANNA, 2000)
Os instrumentos até então desenvolvidos não apresentavam
correlação com a instituição educacional, não serviam para avaliar os
sistemas educacionais, tampouco as aprendizagens dos alunos (ES-
CUDERO, 2003)
A prática dos exames, através, das provas, é compatível com
a pedagogia tradicional, que está centrada na formação da mente lógi-
co-discursiva do educando, através da assimilação dos conhecimentos
admitidos como certos com a mediação do educador como autoridade
máxima do processo pedagógico.
Para Libâneo (1991), a avaliação é uma tarefa didática essen-
cial para o trabalho docente. Por apresentar uma grande complexidade
de fatores, ela não pode ser resumida a simples realização de provas e
atribuição de notas. A mensuração apenas fornece dados quantitativos
que devem ser apreciados qualitativamente. Segundo Haydt (2002),
avaliar é atribuir um julgamento ou apreciação de alguma coisa ou de
alguém com base em uma escala de valores. Logo, a avaliação consiste
em coletar e interpretar dados quantitativos e qualitativos de critérios
previamente estabelecidos. A avaliação, entendida como uma ação
pedagógica necessária para a qualidade do processo ensino-aprendi-
zagem deve cumprir, basicamente, três funções didático pedagógicas:
função diagnóstica, função formativa e função somática (HAYDT,
2002; LIBÂNEO, 1991).

153
José Reginaldo Feijão Parente

MODELOS DE AVALIAÇÃO

Avaliação Tradicional
No método tradicional a avaliação escolar era uma forma
de excluir, classificar, selecionar as pessoas. Tal prática tinha como
objetivo verificar erros e acertos do aluno, não se preocupando com o
que ele realmente aprendeu durante o processo de ensino aprendiza-
gem. Na Idade Média se passou a aplicar uma avaliação mais formal
com exames orais, que eram utilizados nas universidades. No Renasci-
mento, a observação passou a ser considerada como um procedimento
básico importante para fins da seleção (ESCUDERO, 2003).
Na escola tradicional as avaliações são pontuais (realizadas
em determinadas datas), investigativas (pretende-se descobrir quem
aprendeu e quem não aprendeu), dependentes de exames (única fonte
de atribuições de notas), classificatórias (colocam-se os alunos em for-
ma decrescente de notas obtidas) e excludentes (os alunos aprovados
são promovidos, mas os alunos reprovados são retidos ou excluído da
escola). (TURRA, 1975, p. 76)

Avaliação Diagnóstica
O fato de haver sérios problemas de avaliação nas escolas,
não é de surpreender. Trata-se de tema relativamente complexo e, por
isso, merecedor de capacitação dos docentes para que se possa subs-
tituir, gradativamente, a avaliação classificatória, predominante entre
grande parte dos professores, pela avaliação diagnóstica. Para muitos
professores, até por falta de informação sobre o assunto, “avaliar”
significa aplicar provas para as quais são estabelecidas certo número
de questões de um determinado conteúdo, que os alunos deveriam
ter assimilado, a fim de obter um desempenho determinados pelos
docentes.
Cipriano Luckesi diz que a função classificatória
constitui-se em um instrumento “estagnador”,
frenador do processo ensino-aprendizagem.
Nessa perspectiva, a classificação do aluno
infere a uma padronização definitivamente

154
José Reginaldo Feijão Parente

determinada. A classificação é o ponto de


chegada onde os registros desse modelo
avaliativo são transformados em números
e então são possíveis de serem somados e
divididos em médias.
A avaliação não deve se prender à nota. Por exemplo, se o
aluno tira uma determinada nota, ele passa de ano, se não tira, não
passa de ano. A avaliação é bem mais complexa indo muito, além
disso. Ela participa do processo ensino-aprendizagem, professores e
alunos têm que trabalharem juntos. Existem professores que chegam
às salas de aula e dizem que é dia de prova surpresa. Isso para os alunos
é como se fosse um pesadelo, pois acham que não estão preparados e
que não vão tirar uma boa nota. A avaliação torna-se um instrumento
de ameaça e de castigo para o educando em vez de ajudar no processo
ensino-aprendizagem. Luckesi (2000, p. 08), afirma que, “o ato de
avaliar não é um ato impositivo, mas sim um ato dialógico, amoroso
e construtivo”.
A avaliação diagnóstica é aquela que acontece geralmente
no começo do ano letivo, antes do planejamento, na qual o professor
verifica os conhecimentos prévios dos alunos, o que eles sabem e o que
não sabem sobre os conteúdos. Não tem a finalidade de atribuir nota.
De acordo com Luckesi (2000, p. 09), “[...] para avaliar, o primeiro
ato básico é o de diagnosticar, que implica, como seu primeiro passo,
coletar dados relevantes, que configurem o estado de aprendizagem
dos educandos [...]”. Dessa forma:
A avaliação diagnóstica é aquela realizada
no início de um curso, período letivo ou
unidade de ensino, com a intenção de
constatar se os alunos apresentam ou não o
domínio dos pré-requisitos necessários, isto
é, se possuem os conhecimentos e habilidades
imprescindíveis para as novas aprendizagens. É
também utilizada para caracterizar eventuais
problemas de aprendizagem e identificar suas
possíveis causas, numa tentativa de saná-los.
(HAYDT, 1988, p. 16).

155
José Reginaldo Feijão Parente

Por meio da avaliação diagnóstica, o professor analisa os


conhecimentos já alcançados pelos alunos, suas experiências pessoais,
seus raciocínios e estratégias espontâneas, suas atitudes adquiridas em
relação à aprendizagem, para em seguida adequar seu conteúdo às ne-
cessidades e dificuldades dos alunos e para que estes se conscientizem
de seu ponto de partida.
Primeiramente vem o processo de diagnosticar, constituído
de uma constatação e de uma qualificação do objeto da avaliação. O
ato de avaliar inicia-se pela constatação, de como o objeto é. “Não há
possibilidade de avaliação sem a constatação” (Luckesi, 2000, p.08).
A segunda parte do ato de diagnosticar é atribuir uma qualidade,
positiva ou negativa ao objeto que está sendo avaliado. Depois de
configurado e qualificado, é obrigatório uma tomada de decisão sobre
ele. A partir disso:
O ato de qualificar, por si, implica uma tomada
de posição – positiva ou negativa –, que, por
sua vez, conduz a uma tomada de decisão. Caso
um objeto seja qualificado como satisfatório, o
que fazer com ele? Caso seja qualificado como
insatisfatório, o que fazer com ele? O ato de
avaliar não é um ato neutro que se encerra
na constatação. Ele é um ato dinâmico, que
implica na decisão de “o que fazer”. Sem este
ato de decidir, o ato de avaliar não se completa.
Ele não se realiza. (Luckesi, 2000, p. 08, grifos
do autor).
Assim, no momento em que o professor elaborar provas
cujas questões forem formuladas a partir de objetivos definidos, apli-
cando-as em situações novas e, após a correção, sejam elas discutidas
com os alunos para solucionar seus problemas de aprendizagem, a
prova classificatória, transforma-se numa avaliação diagnóstica. 

Avaliação Mediadora
A avaliação formativa, na qual a avaliação mediadora se
integra, visa à regulação da aprendizagem e busca ajudar o aluno a
aprender e a se desenvolver dentro de um projeto educativo. O obje-
tivo é contribuir para o êxito do ensino, auxiliando constantemente

156
José Reginaldo Feijão Parente

o aluno a construir seus saberes e competências. Assim, a ênfase da


avaliação formativa recai sobre todo o processo de aprendizagem, e
não somente em seu momento final. (HADJI, 2001; PERRENOUD,
1999).
Esse tipo de avaliação tem, pois, como
finalidade fundamental, uma função
ajustadora do processo de ensino-
aprendizagem para possibilitar que os meios
de formação respondam às características
dos estudantes. Pretende, principalmente,
detectar os pontos frágeis da aprendizagem,
mais do que determinar quais os resultados
obtidos com essa aprendizagem. [...] os erros
são objetos de estudo, pois revelam a natureza
das representações ou estratégias elaboradas
pelo estudante. Por meio dos erros, pode-se
diagnosticar que tipos de dificuldades têm os
estudantes para realizar as tarefas propostas e
dessa maneira poder arbitrar os mecanismos
necessários para ajudá-los a superarem-nas.
(JORBA SANMARTÍ, 2003, p. 30)
Com a proposta de avaliação formativa, encontra-se o
modelo de avaliação mediadora elaborado por Jussara Hoffmann.
Essa perspectiva enfatiza o papel mediador do professor, que deve as-
sumir a responsabilidade de uma constante reflexão sobre sua prática
avaliativa, objetivando sempre a melhoria da qualidade educacional,
entendida como desenvolvimento máximo das potencialidades do
aluno. (HOFFMANN, 2005)
Diante da realidade educacional brasileira, Hoffmann
(2001) adverte sobre a necessidade de ressignificar a prática avaliativa
educacional. O ato de avaliar, compreendido ainda na atualidade como
a prática de realização de provas e exames para contatar resultado,
acaba por dividir a atividade docente em dois momentos claramente
distintos: o de ensinar e o de verificar se o aluno aprendeu o que foi
ensinado. Nesse sentido, os educadores, de forma geral, apresentam
uma grande preocupação em relação a como elaborar uma avaliação
que possibilite uma constatação objetiva da aprendizagem, norteada
pela pedagogia do exame. A qualidade educacional é então funda-

157
José Reginaldo Feijão Parente

mentada numa perspectiva classificatória, baseada em comparações,


respostas corretas às tarefas propostas e padrões preestabelecidos de
aquisições cognitivas e comportamentais.
A avaliação de natureza mediadora se origina, portanto, do
papel mediador do professor, essencial para uma prática não classifi-
catória.
“Mediação é interpretação, diálogo,
interlocução”, e cabe ao professor mediar à
construção do conhecimento. Dessa maneira
o professor deve estar atento e curioso sobre
as manifestações de cada aluno estimulando a
sua curiosidade e iniciativa; deve igualmente,
procurar refletir sobre a produção de
conhecimento desenvolvida, construindo
novos saberes junto aos aprendizes. A
responsabilidade da ação educativa do
professor está em favorecer o vir-a-ser do aluno
(HOFFMANN, 2008).
O educador tem o papel de transmitir o conhecimento
para que ocorra uma interação entre professor e aluno. Muitas vezes
a avaliação é vista como punição, ou alguma forma de vingança.
(LUCKESI, 2000)
O professor ao considerar o processo avaliativo como uma
ação objetiva imparcial estreita o seu olhar, arriscando-se a enfatizar o
seu ponto de vista em detrimento da perspectiva do aluno. Na avalia-
ção, a relação professor-aluno é indissociável, pois ao mesmo tempo
em que o aluno demonstra como está evoluindo em seu processo de
aprendizagem, o professor também se revela no ato de avaliar, pois
interpreta os dados observados, a partir de suas próprias concepções,
valores socioculturais, posturas pedagógicas e teorias epistemológicas.
O conhecimento não segue um caminho
linear, mas prossegue entre descobertas,
dúvidas retomadas, obstáculos, avanços. Uma
turma de estudante nunca irá prosseguir de
forma homogênea em relação a um tema em
estudo, compreendendo todos do mesmo jeito,
ao mesmo tempo, utilizando-se das mesmas
estratégias cognitivas (HOFFMANN, 2002).

158
José Reginaldo Feijão Parente

A avaliação quando trabalhada de forma ativa, a subjetivi-


dade na correção de tarefas avaliativas retoma os resultados obtidos
pelos alunos para a discussão em sala de aula, discutindo os erros e es-
clarecendo as dúvidas e promovendo a aprendizagem. O momento de
entrega da avaliação não constitui assim na etapa final, em que o aluno
é sumariamente julgado pelo o que aprendeu ou deixou de aprender.
Consiste, sobretudo, em mais um momento de aprendizagem, que
possibilita reflexões sobre as hipóteses que estão em construção no
desenvolvimento cognitivo do aluno. (HOFFMANN, 2005)
Sabemos que a realidade não é essa, muitas escolas acham
que a prova tem um valor superior ao valor do aluno. A nota não
representa o aprendizado, em decorrência do resultado apresentado,
precisamos saber se as condições de aprendizagem do aluno estão em
perfeitos estados como física, psicológicas, ambientais e sociais.

Avaliação Dialógica
Tipo de avaliação baseada nos ideais do educador brasileiro
Paulo Freire e que não possui o caráter punitivo que caracteriza a
avaliação numa concepção bancária e burocrática da escola. A ava-
liação dialógica, segundo o Instituto Paulo Freire, leva em conta que
o funcionamento da escola democrática, a partir de uma estrutura
colegiada, exige novas formas de avaliação. [...] A avaliação dialógica
é transdisciplinar, isto é, considera o desenvolvimento e a aprendiza-
gem dos alunos na pluralidade integrada das disciplinas do currículo
escolar como um todo”.(MENEZES, 2002)
Se temos uma concepção autoritária e “bancária” de educa-
ção, como dizia Paulo Freire, forçamos o aluno a se transformar num
depositário do “tesouro do saber”, que já “descobrimos” no período
de nossa formação profissional e nos momentos em que preparamos
as aulas. Por isso mesmo, não há necessidade de ele refazer nem o iti-
nerário de descoberta das “verdades” que vamos lhes transmitir, tendo
à mão o mapa da “mina” – plano de curso, geralmente elaborado sem
qualquer participação do aluno e a ele apresentado como um caminho
obrigatório, sem alternativas. (ROMÃO, 2011, p. 91)
Segundo Freire (1981, p. 66 e 71 apud ROMÃO,
2011, p. 91), no lugar de comunicar-se, o

159
José Reginaldo Feijão Parente

educador faz “comunicados” e depósitos que


os educandos, meras incidências, recebem
pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a
concepção “bancária” da educação, em que a única
margem de ação que se oferece aos educandos é a
de receberem depósitos, guardá-los e arquivá-los.
Com uma concepção educacional “bancária” desenvol-
vemos uma avaliação “bancária” da aprendizagem, numa espécie de
capitalismo às avessas, pois fazemos um depósito de “conhecimentos”
e os exigimos de volta, sem juros e sem correção monetária, uma
vez que o aluno não pode a ele acrescentar nada de sua própria
elaboração gnoseológica, apenas repetindo o que lhe foi transmitido.
Desenvolvemos a “pedagogia especular”, na qual os alunos devem se
limitar a expelir pálidos reflexos do que é o professor enquanto sujeito
epistemológico. Em suma, na educação e na avaliação “bancárias” os
alunos se transformam em meros arquivos especulares das “verdades”
descobertas previamente pelos professores na sua formação e na pre-
paração de suas aulas. (ROMÃO, 2011, p. 92)
A escola, pela nova LDB é a responsável pela elaboração de
seus próprios regimentos. Nesse sentido Romão, 2011 indaga em que
medida cada escola poderá elaborar suas normas e modos de funcio-
namento, suas regras disciplinares, até ao seu projeto pedagógico, sua
proposta e linhas de ação, bem como seus modos de avaliação.
A avaliação da aprendizagem é um tipo de investigação e é,
também, um processo de conscientização sobre a “cultura primeira”
do educando, com suas potencialidades, seus limites, seus traços e
seus ritmos específicos. Ao mesmo tempo, ela propicia ao educador a
revisão de seus procedimentos e até mesmo o questionamento de sua
própria maneira de analisar a ciência e encarar o mundo. (ROMÃO,
2011)
Na perspectiva dessa concepção, podemos vislumbrar os
seguintes passos necessários da avaliação:
1 - Identificação do que vai ser avaliado
O plano de curso é um instrumento importante, que deverá
estar na mão dos professores e dos alunos, como uma espécie de mapa
da mina do tesouro do saber.

160
José Reginaldo Feijão Parente

2 - Construções, negociação e estabelecimento de padrões


No processo de avaliação da aprendizagem ocorrerá,
fatalmente, a comparação de determinado desempenho com deter-
minado(s) padrão(ões). Mesmo na chamada “avaliação construtivista”
os avanços dos alunos em relação a seus desempenhos ou posições
anteriores implicará numa comparação qualitativa, uma vez que, para
determinar tais avanços, é necessário determinar seu sentido.
3 - Construção dos instrumentos de medida e de avaliação
Quando se fala de “instrumento de medida”, está se falando
de “instrumento de avaliação”. Ninguém mede algo por medir, mas
para estabelecer comparações, de modo a tomar decisões. Assim,
quando o professor constrói, por exemplo, uma prova, está ao mesmo
tempo, construindo um instrumento de medida e um instrumento
de avaliação.
4 - Procedimento da Medida e da Avaliação
“Procedimento” aqui significa medir e avaliar – no exemplo
dado, significa aplicar a prova e corrigi-la, registrando os resultados.
5 - Análise dos Resultados
É comum em nossas escolas básicas o desprezo pelos
resultados, após seu registro em boletim ou ficha individual. É claro
que a sobrecarga de trabalho dos professores e as exigências do sistema
burocrático acabam desviando sua atenção do essencial neste parti-
cular.

Conclusão
Acreditamos que os elementos acerca da prática avaliativa
expostos aqui poderão contribuir para uma ampliação da compreen-
são acerca da avaliação enquanto prática pedagógica e prática social.
Como vimos existem diferentes perspectivas adotadas para a avaliação
cada uma com suas possibilidades e limitações. O fundamental é que
a avaliação possa efetivamente contribuir para o desenvolvimento
pedagógico e a ampliação da aprendizagem tanto do aluno quanto
do professor.

161
José Reginaldo Feijão Parente

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Francisco Ullissis Paixão e Vasconcelos | Dayse Paixão e Vasconcelos

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163
Francisco Ullissis Paixão e Vasconcelos | Dayse Paixão e Vasconcelos

AFETIVIDADE, EMOÇÃO E
APRENDIZAGEM: EM BUSCA DE NOVOS
CAMINHOS PARA A PRÁTICA DOCENTE
Francisco Ullissis Paixão e Vasconcelos
Dayse Paixão e Vasconcelos

Introdução
Quando pensamos em afetividade e emoção, usualmente
não fazemos muita relação com aspectos da vida escolar tais como
aprendizado, desenvolvimento, cognição. Estes estão bem mais
ligados ao uso da razão, ao menos no que se refere à cultura escolar
alicerçada nos moldes cartesianos ainda prevalecentes nas escolas
de hoje.
No entanto, as dimensões afetiva e emocional que, junto
com a razão, participam da completude humana, cada vez mais ga-
nham força nos debates acerca do processo de ensino-aprendizagem
e, para que professores e demais profissionais da educação estejam
inseridos nessa discussão, a compreensão dessas dimensões se torna
fundamental.
Certamente não é fácil encontrar lugar claro para situarmos
a afetividade e, sobretudo a emoção, dentro da ação docente, uma vez
que elas ainda trazem consigo a ideia de serem antagônicas às práticas
racionais. Isso é percebido ao nos depararmos com o discurso presente
na consciência coletiva que acaba contagiando a escola. Entretanto,
uma educação que deseje estar à disposição do pleno desenvolvimento
do ser humano, considerando sua diversidade e completude, não pode
deixar de conceber este mesmo homem em sua totalidade: corpo e
alma; “concreto” e subjetivo; afetivo-emocional e físico.
Assim, propomo-nos a caminhar pelas veredas das alterna-
tivas possíveis para que a escola chegue mais eficazmente ao intelecto
e, sobretudo, ao “coração” do aluno, considerando a afetividade e a
emoção como possibilidade didática.

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NA CONCRETUDE DOS SENTIMENTOS:


AS QUESTÕES AFETIVAS EM SALA DE
AULA
A vida afetiva abrange todos os fatos psíquicos que depen-
dem da sensibilidade. Ela se funda como um amplo campo onde
sentimentos e emoções se constituem como instâncias representantes
deste aspecto subjetivo da dimensão humana.
Mas como compreendermos esta vida afetiva na prática?
Ao buscarmos conceituar afetividade é necessário considerá-la de
forma distinta de suas manifestações: dos sentimentos, da paixão, da
emoção, por exemplo. A afetividade é, na verdade, um campo bem
mais amplo. Ela inclui todas estas manifestações, mesmo as de tona-
lidade orgânica. Em outras palavras, afetividade é o termo utilizado
para identificar um domínio funcional abrangente em que aparecem
diferentes manifestações.
Ainda que a visão sobre afetividade e cognição tenham
sido, durante muito tempo, fundamentada numa visão dualista1, hoje
é possível encontrarmos teorias de grande valor epistemológico que
defendem uma visão monista2 entre estes dois campos constituintes
do ser humano. Vygotsky (1993), por exemplo, vai nos dizer que
Quem separa desde o começo o pensamento
do afeto fecha para sempre a possibilidade
de explicar as causas do pensamento, porque
uma análise determinista pressupõe descobrir
seus motivos, as necessidades e interesses, os
impulsos e tendências que regem o movimento
do pensamento em um ou outro sentido. De
igual modo, quem separa o pensamento do
afeto, nega de antemão a possibilidade de
estudar a influência inversa do pensamento no
1
O dualismo, nesta abordagem, esta baseada na proposta de Descartes de separação
entre mente e corpo e mais ainda, um paralelismo psicofísico, como fala Tourinho
(2001), em que alma e corpo existem como entidades separadas e sem qualquer
interação.
2 Entende-se aqui por monismo, como sendo as teorias filosóficas ou pensamentos
que defendem a unidade da realidade como um todo, ou ainda a unidade entre
mente e corpo, físico e subjetivo.

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Francisco Ullissis Paixão e Vasconcelos | Dayse Paixão e Vasconcelos

plano afetivo, volitivo da vida psíquica, porque


uma análise determinista desta última inclui
tanto atribuir ao pensamento um poder mágico
capaz de fazer depender o comportamento
humano única e exclusivamente de um sistema
interno do indivíduo, como transformar
o pensamento em um apêndice inútil
do comportamento em uma sombra sua
desnecessária e impotente. (p. 250)
Se pensarmos a escola para além das paredes, carteira, qua-
dros negros, livros, atividades escolares, nos depararemos certamente
com pessoas (professores e alunos) que, embora sejam a essência
desta instituição, ainda são pouco consideradas ou lembradas quando
mencionamos a palavra escola. Sempre percebemos discursos sobre
os índices de aprendizagem, sobre a melhor forma de organização
curricular ou de que técnica seria melhor para atingirmos os objetivos
e pouco se busca compreender os reais interesses e necessidades emo-
cionais dos sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Devido a forte influencia da economia e da sociedade
sobre a função da escola, as pessoas presentes no contexto escolar, e
principalmente professores e alunos, podem ser idealizados a partir
de diferentes paradigmas, que vêm dividindo a forma de pensar o ho-
mem em suas relações ao longo do tempo. Por exemplo, estes podem
ser encarados como agentes reprodutores de uma ideologia vigente,
mão de obra para um mercado de trabalho, aplicadores de regras, seres
a serem condicionados e condicionantes, ou simplesmente pessoas.
Sendo este último o que preferimos.
Ainda que haja todas estas possibilidades de visões sobre os
sujeitos envolvidos no ambiente escolar, chegará um momento, como
ocorrera nas civilizações passadas e sempre ocorrerá onde existirem
pessoas, em que os afetos serão manifestos de uma forma ou de outra.
As diversas visões sobre o homem até podem dar diferentes significa-
dos a estes, mas não podem evitar as particularidades humanas.
Ao longo da história da humanidade esta característica
peculiar (o afeto), ao tornar-se consciente, foi capaz de gerar os mais
diversos tipos de vínculos e de inaugurar um novo capítulo nessa
mesma história, um capítulo a ser considerado em sua relevância para

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a sobrevivência da espécie e para a constituição da nobreza humana.


Por isso vemos a grande importância de se discutir os afetos no con-
texto escolar, uma vez que
toda educação supõe a presença de dois
seres bem concretos: o que a dá e o que a
recebe, um e outro reunidos em um par
singular, cuja originalidade é tal que não se
pode achar-lhes a réplica em parte alguma,
estando seus integrantes submetidos a
interações psicológicas recíprocas que, muitas
vezes, os modificam profundamente (...)
(MARCHAND, 1985, p. 11)
E é por causa disso, da reciprocidade de afetos que circunda
o ambiente escolar e do fato de que professores e alunos se “afetam”
de tal forma que ambos saem transformados, é que consideramos o
professor como aquele que tem maiores condições de administrar
esse vínculo, fazendo-se o mestre presente não apenas na classe, mas
também no coração do aluno, tornando-se um guia seguro que o
conduz para a beleza e para a pureza sem necessidade de palavras.
(MARCHAND, 1985)
Muito mais que os mecanismos cognitivos, uma vez que
estes já foram estudados expressivamente, os aspectos afetivos, em sua
diversidade de manifestações (sentimentais e emocionais, por exem-
plo), suscitam uma discussão ampla, clara e sincera, para longe dos
preconceitos historicamente construídos sobre este assunto. Quem
sabe assim possamos encontrar um novo caminho para o aprendizado,
talvez mais significativo e menos agressivo.

PARA ALÉM DA RAZÃO: UM NOVO


CONCEITO NAS RELAÇÕES ENTRE
PROFESSOR, ALUNO E PROCESSOS
EDUCATIVOS
Durante séculos a razão foi cultuada pelos homens como
sendo aquilo que os diferenciava dos animais e dava condições de
dominarem o mundo.

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Desde os gregos antigos há uma tendência em separar razão


e emoção. Estes até colocavam estas duas instâncias do ser como
antagônicas. A primeira como sendo a força capaz de dominar o
ímpeto da segunda. Mas foi a partir de Descartes, com seu cogito ergo
sum – penso/sou ou penso/existo, que a humanidade passou a cultuar
a razão como sendo aquela que poderá elevar o homem ao mais alto
grau de transcendência e, ao mesmo tempo, distanciá-la de quaisquer
semelhanças com os animais, irracionais e, portanto inferiores.
Descartes (2008, p.14) vai elevar a tal nível o seu culto à
razão ao ponto de dizer que ela já não admite limites, senão aqueles
que ela mesma se dá. Vale ressaltar que na época em que escreveu seu
pensamento, século XVII, a sociedade mundial era uma sociedade
que privilegiava o gênero masculino, sendo o homem por excelência
dotado de tudo que era bom. A razão passou, portanto, a ser cultuada
pelos homens, ficando reservado às mulheres atos “menos nobres”: as
manifestações emocionais.
Essa ideia nos faz lembrar um aspecto do senso comum que
reforça, por exemplo, que “homem não chora”. Chorar, culturalmen-
te, está relacionado com fraqueza e fraqueza era próprio das mulheres.
Ao homem estava reservada a graça do pensar, da razão e não lhe era
permitido atos emotivos.
Mas o uso e privilégio da razão não ficaram somente na
esfera das especulações científicas e, a partir dos ideais cartesianos
disseminadas pelo mundo, a escola também fora contagiada por esta
febre que ainda hoje demonstra sua força.
O interior das escolas passou a ser permeado por princípios
e métodos que privilegiam o intelecto e o uso da razão para resolver
problemas, pautar relações e aproximar o homem cada vez mais do
transcendente. Aos poucos foi surgindo na consciência coletiva
conceitos que, não só refletiam esta nova filosofia, mas a legitimavam.
Na primeira metade do século XX no Brasil, por exemplo,
as escolas, em sua maioria eram destinadas aos homens, “seres da
razão”, uma vez que a sociedade ainda estava marcada pelos conflitos
de gênero e o homem mantinha nela uma posição de vanguarda.
Ainda hoje é possível perceber resquícios das influências cartesianas
nas práticas pedagógicas.

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De fato, é aparentemente coerente associarmos escola,


ambiente de aprendizagem, a um lugar propício para o privilégio da
razão. No entanto, quando isso ocorre acaba-se restringindo os seres
humanos a um único aspecto da sua existência, numa perspectiva
dualista, e desprivilegiando outra, a emoção, que desde os primórdios
da humanidade, antes mesmo do surgimento da linguagem, vem
acompanhando os homens e influenciando diretamente seus compor-
tamentos e, porque não dizer, sua sobrevivência.
Maturana (1998), por exemplo, vai se antepor à ideia de
que a razão é quem nos faz homens ao falar que
ao nos declararmos seres racionais vivemos
uma cultura que desvaloriza as emoções, e não
vemos o entrelaçamento cotidiano entre razão
e emoção, que constitui o nosso viver humano,
e não nos damos conta de que todo sistema
racional tem um fundamento emocional.
(1998, p.15)
Assim compreendemos o homem como um ser racional,
mas também como um ser emocional, indissociadamente, sem dua-
lidade.
Apesar do estudo das emoções ter sido por muito tempo
desprezado pela ciência, no início do século XX, isso começou a
mudar. A partir dos avanços da tecnologia e do estudo da mente com
o auxílio de ressonâncias magnéticas que permitiram a identificação
das áreas cerebrais responsáveis pelos diversos eventos desempenhados
pelo cérebro, a emoção passou a ocupar um lugar de destaque nos
ambientes científicos, filosóficos, psicológicos e educacionais. Muitos
estudiosos passaram a por “em cheque” a soberania da razão proposta
por Descartes.
Durante a década de 60, os estudos dedicados à emoção
e aos sentimentos foram intensificados e passaram a ter um caráter
relevante nas diversas áreas da vida social, de tal forma que hoje este
aspecto divide os interesses da Neurociência, da Neuroanatomia, da
Biologia e das diversas Psicologias: clínica, social, comportamental,
cognitiva, entre outras áreas.
Aqui compreendemos ser importante fazer uma diferen-

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ciação entre afetividade e emoção. Partindo das ideias de Galvão


(2002), podemos considerar como vida afetiva um conceito bastante
abrangente em que estão inseridas diversas manifestações, enquanto
emoção, segundo Bock et al (2002), diz respeito a alterações orgânicas
intensas e breves, como aceleração do ritmo cardíaco, mudanças na
respiração, secura na boca, ansiedade, entre outros, em resposta a um
acontecimento inesperado, ou às vezes, muito aguardado.
Para LeDoux (2002, p.11), por exemplo, “as emoções
são fios que interligam a vida mental. São elas que definem quem
somos nós, para nós mesmos e para as outras pessoas”. Desta forma,
percebemos um contexto que eleva as emoções a um patamar antes
ocupado exclusivamente pela razão, o que caracteriza uma revolução
profunda no que realmente é importante na constituição do indivíduo
e em suas relações, inclusive com a aprendizagem.
Desde o instante em que foram assumidas como um aspec-
to inerente à vida afetiva, as emoções passaram a ser trazidas como
elemento importante no contexto escolar como recurso para favorecer
a aprendizagem, e Henri Wallon foi um dos principais expoentes
neste sentido. Wallon foi quem mais difundiu, a partir de seus ideais
humanistas, a importância das emoções na aprendizagem. Partindo
da ideia de uma “Psicogênese da Pessoa Completa”, Wallon conside-
rou como elemento vital nas aulas, não só o corpo da criança, mas
também suas emoções, e defendeu o seu valor como sendo essencial
ao desenvolvimento da pessoa.
Wallon (1994, p.124), em seus estudos acerca da emoção
e afetividade, vai ressaltar essa característica importante das emoções,
que inclusive fora mencionada por Freud (1987), denominada de
contágio das emoções:
Entre as atitudes emocionais dos sujeitos que
se encontram no mesmo campo de percepção
e de ação, institui-se muito primitivamente
uma espécie de consonância, de acordo ou
de oposição. O contato estabelece-se pelo
mimetismo ou contraste afetivos. É assim
que se instaura uma primeira forma concreta
e pragmática de compreensão, ou melhor, de
participacionismo mútuo. O contágio das

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emoções é um fato comprovado variadíssimas


vezes. Depende do seu poder expressivo, no
qual se basearam as primeiras cooperações
de tipo gregário, e que incessantes permutas
e, sem dúvida, ritos coletivos transformaram
meios naturais em mímica mais ou menos
convencional.” (apud: ALMEIDA, 1999, p.
39)
As emoções provocam alterações na face, na postura, dota-
das de um caráter altamente contagioso, capaz de mobilizar o meio
humano. Desse modo, tomando o conceito de contágio emocional
articulado às circunstâncias, ao ambiente em que o sujeito se encontra,
à mediação, à interação e à reflexão, encontramos um ambiente favo-
rável para compreendermos o que vem a ser linguagem emocional, e
de como ela pode auxiliar o educador em suas relações nos espaços
operacionais de aprendizagem.
A emoção não é somente mais uma área da constituição
dos homens. Ela é, segundo o pensamento de Wallon, preponderante
no desenvolvimento da pessoa e embora isso não passe despercebido,
mesmo pelos mais racionalistas, a escola ainda insiste em imobilizar a
criança numa cadeira, limitando principalmente o fluir das emoções,
tão necessárias ao desenvolvimento, em vez de utilizá-la como recurso
que, certamente, favoreceria os mais diversos aprendizados.
Essa relação de antagonismo entre atividade intelectual e
emoção é certamente responsável pelas barreiras enfrentadas por
professores em conceber a possibilidade de legitimação e utilização
das emoções como ferramentas de aprendizagem, refletindo inclusive
na relação que o professor estabelece entre sua prática e suas próprias
emoções, muitas vezes reprimidas ou dissimuladas. Uma vez que o
professor se priva do direito de ser um homem emocional, porque
ainda que negue esta condição ela é inevitável, ele privará também o
aluno de o ser, alimentando assim um círculo vicioso que afastará cada
vez mais os seres humanos de seus semelhantes, fortalecendo a ideias
de aluno máquina, que tem que aprender mecanicamente, sujeito a
situações condicionadoras da aprendizagem, sem permitir que flua a
criatividade, a inovação e a humanidade que tanto se busca cultivar.

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APRENDENDO PELO “AVESSO”: A


EMOÇÃO COMO FERRAMENTA NA
APRENDIZAGEM
Não se poderia deixar de falar especificamente sobre como
Wallon concebia esta ideia da emoção: um mecanismo essencial para
se aprender. Para isso é necessário retomarmos a conceitos apresenta-
dos anteriormente.
Como recurso de sobrevivência, desde o princípio, a
emoção tem proporcionado aos homens, ao mesmo tempo, encanto
e desenvolvimento. Uma criança frágil e ingênua não possui muitos
mecanismos de defesa, mas traz consigo um recurso infalível: sua
emoção.
Todos os pais são um pouco testemunhas dessa teoria. Os
bebês nascem meio desengonçados e um pouco feinhos, mas trazem
consigo um alto grau de emoção, externada quase que de forma
imediata. É por isso que os seus genitores acham seus recém-nascidos
os mais lindos do mundo e que decidem viver em função desses
pequenos seres. Foram contagiados com a emoção presente em seus
frágeis rostinhos.
Por ter a emoção um caráter contagiante, como já fora
falado, portanto, tão infalível como mecanismo de sobrevivência,
encontramos comumente uma família inteira a se mobilizar ao menor
sinal de choro do bebê. O choro é sempre a primeira forma de comu-
nicação afetiva que a criança desenvolve e, por sinal, com bastante
sucesso.
Mas a presença da emoção não se restringe aos recém-nas-
cidos. Até mesmo os adultos sentem-se contagiados diante de ma-
nifestações emocionais. Basta lembrar-se de quando você se arrepiou
diante do grande esforço do atleta que tentava se superar para vencer
a competição, levado pela torcida que o incentivava calorosamente ou
dos momentos em que chorou com o choro de alguém, como se fosse
sua aquela emoção transmitida.
Galvão (2002, p. 105) vai dizer que “devido ao poder epi-
dêmico das emoções, os grupos apresentam atmosfera propícia para a
instalação de manifestações emocionais coletiva. Em se tratando de
crianças, a fertilidade do terreno é ainda maior.”

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Francisco Ullissis Paixão e Vasconcelos | Dayse Paixão e Vasconcelos

Muitas vezes não conseguimos compreender por que de-


terminada “sala de aula” está tão eufórica e agitada, mas isso ocorre
pela simples característica contagiante das emoções. Da mesma forma
que se escuta uma música romântica e vem lembrança de amores
passados; que se assisti um filme com bastante drama e aparecem
lágrimas de compadecimento da situação ali representada, também as
crianças são facilmente contagiadas com a emoção do coleguinha que
chegou com uma novidade fantástica do fim de semana ou até mesmo
pela agitação com que o professor apresentou-se na sala naquele dia.
Wallon (1938, apud. NADEL-BRULFERT et al, 1986) vai nos dizer
que “a emoção estabelece uma relação imediata dos indivíduos entre
si, independentemente de toda relação intelectual”.
As emoções segundo Galvão (2003), propagam-se de forma
epidérmica3 e é esta propagação que, de certo modo, provoca um
estado de comunhão e de uníssonidade entre os indivíduos, que dilui
as fronteiras que porventura existam entre os participantes de um
mesmo grupo, levando-os a esforços e intenções acerca de um mesmo
objetivo. Para ela isso permitiria o surgimento de
relações de solidariedade quando a cooperação
não fosse possível por deficiência de meios
intelectuais ou por falta de consenso
conceitual, contribuindo, portanto, para a
constituição de um grupo e para as realizações
coletivas. O sentimento de pertencimento
comum que a participação em festas coletivas,
como o carnaval, produz é um exemplo da
permanência, nos dias atuais, deste papel
unificador das emoções. (p. 78)
As emoções contagiam a todos, sem exceção, a todo ins-
tante, e os professores não podem desprezar essa força de influência
do desenvolvimento humano, pelo contrário, devem compreender
sua atuação no comportamento e aprender a administrá-la, usando-a
como recurso de motivação que favorece a aprendizagem. Sendo o
professor aquele que detém maiores recursos para administrar suas

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Quando utiliza a palavra epidérmica, Galvão está, na verdade, enfatizando o
contágio epidêmico, metaforizando a partir das camadas da pele. Assim podemos
perceber que a emoção é de tal modo contagiante que se propaga de forma epidérmica
(na superfície), resgatando um jargão popular: à flor da pele.

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emoções (em relação ao aluno), este pode usar meios para favorecer
o surgimento de determinados tipos de emoções que possibilitem o
desenvolvimento da aprendizagem.
Wallon (apud. NADEL-BRULFERT et al, 1986), vai con-
siderar isso de tal forma que afirma que
As emoções podem ser consideradas, sem
dúvida, como a origem da consciência, visto
que exprimem e fixam para o próprio sujeito,
através do jogo de atitudes determinadas, certas
disposições específicas de sua sensibilidade.
Porém, elas só serão o ponto de partida da
consciência pessoal do sujeito por intermédio
do grupo, no qual elas começam por fundi-lo
e do qual receberá as fórmulas diferenciadas
de ação e os instrumentos intelectuais, sem os
quais lhe seria impossível efetuar as distinções
e as classificações necessárias ao conhecimento
das coisas e de si mesmo. (p. 64)
Caso o estímulo emocional deixe a sala de tal forma agitada,
segundo Galvão (2002), o professor também deve saber que isso se
deve ao contágio das emoções e buscar diminuir seus efeitos, uma
vez que ele tem maiores condições de enxergar esta situação e agir de
forma mais adequada.
A partir do grupo e da leitura das manifestações emocionais
expressas fisicamente, na face, por exemplo, é que as emoções podem
se caracterizar como consciência. Uma vez que o professor pode atuar
como mediador deste processo e intencionador da aprendizagem,
a sala de aula torna-se o lugar ideal para que isso seja colocado em
prática. Mecanismos como entonação da voz, palavras que exprimam
suspense, a preparação de uma surpresa, gestos de incentivos, aplausos
e tantos outros recursos, podem ser usados para contagiar o grupo de
crianças a tornarem-se abertas ao que se deseja ensinar.
Entretanto, é necessária uma ruptura profunda com os anti-
gos paradigmas que desprezam as emoções por assemelharem-na à irra-
cionalidade. Isto se torna o grande desafio para aqueles que desejarem
se aventurar neste caminho de aprendizagem. O uso das emoções não
constitui um método nem tem pretensões de algo semelhante, mas des-

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prezá-la como instrumento e recurso no ambiente escolar é certamente


abrir mão de um mecanismo desencadeador de sensações que estimulam
e motivam o aluno a aprender, que é, na verdade, o grande desejo dos
professores e a razão da existência das instituições escolares.

Referências
ALMEIDA, A. R. S. A concepção walloniana de afetividade: uma análise
a partir da teoria do desenvolvimento e das emoções. Tese (Doutorado em
Psicologia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUCSP, São Paulo, 1999.
BOCK, Ana M. Bahia, et al. Psicologias: uma introdução ao estudo de
psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
DESCARTES, Rene. Discurso do Método. Porto Alegre: L&PM, 2008.
GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: Uma Concepção Dialética do
Desenvolvimento Infantil. Petrópolis: Vozes, 2002.
GALVÃO, Izabel. Expressividade e emoção segundo a perspectiva de Wallon.
In: AMARANTE, Valéria Amorim (org.). Afetividade na escola: alternativas
teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 2003.
LeDOUX, Joseph. O cérebro emocional: os misteriosos alicerces da vida
emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
MARDHAND, Max. A afetividade do educador. 4ª. São Paulo: Summus,
1985.
MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo
Horizonte: UFMG, 1998.
TOURINHO, Carlos Diógenes Corte. As controversas entre dualistas
e materialistas na filosofia da mente contemporânea. Disponível em:
<http://www.ilea.ufrgs.br/episteme/portal/pdf/numero12/episteme12/_
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VYGOTSKY, L. S. Obras Escogidas. Madri: Visor, 1993, v. 2.
WALLON, Henri. (1938) A atividade proprioplástica. In: NADEL-
BRULFERT, J. e WEREBE, M. J. G. (orgs). Henri Wallon. São Paulo:
Ática, 1986.
_________. Origens do caráter na criança. In: NADEL-BRULFERT, J. e
WEREBE, M. J. G. (orgs). Henri Wallon. São Paulo: Ática, 1986.

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Editora Caminhar Ltda
Av. Dom Manuel, 709
Bairro: Centro — Fortaleza-Ceará — CEP: 60060-090
Site: www.edcaminhar.com.br
E-mail: edcaminhar@edcaminhar.com.br

IMPRESSÃO E ACABAMENTO

Este livro, com o formato final de 14cm x 21cm, contém 171 páginas.
O miolo foi impresso em papel Pólen Soft 80g/m2 LD 66cm x 96cm.
Fonte utilizada no texto: Minion Pro 13.
A capa foi impressa no papel Cartão Supremo 250g/m2 LD 66cm x 96cm.
Tiragem de 500 exemplares.
Impresso no mês de maio de 2015
Fortaleza-Ceará
Filosofia em Onze Atos. Considerando o trabalho
de pesquisa desenvolvido ao longo dos vários
artigos, neste livro os autores não pretendem tratar
a filosofia de maneira hermética, aprofundando
reflexões acerca de sistemas, mas desejam simples-
mente filosofar, na acepção primordial da filosofia
enquanto busca pelo saber. Apesar de aparentemente
indigesto, o debate filosófico pode surpreender
aqueles que se disponibilizarem a discutir ideias, per-
cebendo que estamos diante apenas de um aperitivo
das inúmeras possibilidades que um cardápio com
mais de 25 séculos de históricos contrastes poderia
proporcionar. Assim, como qualquer aperitivo, esse
livro não pretende esgotar nenhum dos temas aqui
propostos, mas, ao contrário, despertar o apetite do leitor
para degustar uma refeição prazerosa e especial, que a filosofia sempre fez
questão de nos dar.

Avaliação Curricular e Identidade Docente é


um estudo fruto da pesquisa para o mestrado em
educação no período 2008 a 2010, no Programa de
Pós-Graduação em Educação Brasileira, pela Uni-
versidade Federal do Ceará- UFC. Constituíram-se
objetivos deste trabalho compreender como ocorre a
contribuição e a influência do novo currículo
na construção da identidade docente dos licen-
ciandos em geografia da Universidade Estadual
Vale do Acaraú - UVA, em Sobral, Ceará; avaliar o
novo currículo com base na percepção do licenciando
do curso retrocitado e analisar a relação entre o currí-
culo prescritivo, perceptivo e em ação na construção da identidade docente.
Resultados evidenciaram que o currículo do curso supracitado contribuiu
parcialmente na construção da identidade docente, pois realizaram-se mudanças
prescritivas, conforme demanda das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação do Professor na Educação Básica, porém na ação emergiram entraves
como a interação docente-licenciando, resistência de alguns docentes e licencian-
dos à nova proposta curricular, ausência de articulação entre as disciplinas. Essas
questões apontam desafios para a educação superior, no sentido de se repensar a
formação inicial de professores para a educação básica. Assim, sugere-se este livro
para gestores, docentes, licenciandos e futuros professores.
Técnica e Existência: Ensaios Filosóficos reúne em
trabalhos de pesquisa e estudos na área da filosofia
de 19 autores, que compõem 15 ensaios. O livro
está organizado em, três partes. Na primeira parte,
predominam os aspectos de caráter antropológicos;
na segunda destacam-se as dimensões políticas do
tema técnica e existência e na terceira, a plurali-
dade de interpretações de pensadores específicos.
Os ensaios da primeira parte abordam a existência
e a técnica na modernidade, elaborando um mapa
antropológico-filosófico em diversas perspectivas, não
deixando de lado os problemas relacionados à racio-
nalidade ética. A segunda parte percorre os mundos
da ética, da política, da condição humana entre ética
e política; detém-se na análise da técnica em Marx, do espaço
público, da razão pública e do Estado hobbesiano. A terceira e última parte temos
a abordagem sobre a técnica e a perda da experiência em Walter Benjamin. Os
ensaios trazem aprofundadas reflexões sobre a ética da responsabilidade na civili-
zação da técnica em Hans Jonas e sobre técnica e sua legitimação em Habermas.
Encerram o livro dois interessantes ensaios: um, sobre a “Epistemologia do Sul:
a existência como reconstrução da emancipação social para além da técnica”,
e outro, intitulado “Do corpo deformado ao corpo do acaso: corpo, técnica e
existência”.

Um Grilinho Feliz é um livro de literatura infantil


escrito na linguagem da criança. O enredo trata
de uma história de um Grilinho do sertão que
sai aprontando tocando o seu violão. Quando o
Grilinho resolve estudar se depara com surpresas que
transformação a sua vida numa grande aventura. O
livro infantil “Um Grilinho Feliz" traz diversos as-
pectos relevantes para o aprendizado da criança,
além de um suporte pedagógico bem planejado
para o professor, garantindo a interdisciplinari-
dade exigida na vida. Os temas gerais enfatizados
pela narrativa são: a convivência, o amor, a amizade, a
diversidade cultural, o papel dos eletrônicos em nossas
vidas, os animais, as rimas, o respeito e a felicidade. A autora teve o cuidado de
trabalhar na obra os seguintes temas transversais: ética, cidadania e pluralidade
cultural.
Educando Filhos que Fazem a Diferença
Ser pai ou ser mãe não é uma tarefa fácil.
É por demais exigente e requer muita
sabedoria e paciência. Também não tem
segredos ser pai ou ser mãe: é pelo exercício
da atividade de ser pai e mãe, agindo e as-
sumindo a paternidade e a maternidade que
se torna pai e mãe de verdade. Ou seja, a
paternidade e a maternidade pedem a nossa
completa humanidade, a nossa dedicação ao
outro e a nossa autenticidade.
A realidade do mundo atual, marcado
pela globalização de feitio neoliberal, tem
modificado a vida numa celeridade nunca
vvista pela humanidade. Esse fenômeno
tem provocado severas mudanças no comportamento das pessoas, dos indivíduos e
das sociedades. A sociabilidade foi transformada e as relações sociais passaram a se
desenvolver numa completa superficialidade. As trocas entre as pessoas passaram ao
limite do formal. As comunidades não cuidam dos seus participantes, e os partic-
ipantes não cuidam mais uns dos outros. Isso criou um completo distanciamento
entre os indivíduos. Por exemplo, as mudanças no mundo do trabalho deixaram
as crianças reféns dos seus pais que não tem mais tempo de ócio, o lazer e às vezes
nem mesmo para uma boa conversa. Os vizinhos não sentam mais nas calçadas para
jogar conversa fora, nem se tem tempo para visitar os parentes. Com a celeridade do
nosso tempo se não formos vigilantes com nós mesmos, às nossas relações ficaram
apenas na formalidade. Isso não é um bom indicativo para a educação dos nossos
filhos e filhas.
A educação doméstica, que fazemos com os nossos filhos em casa, tem a sua base
na família, nos laços que se fortalecem pelas atitudes confiantes e otimistas dos pais
no cuidado com os filhos. Essa relação se fortalece com o amor do casal que lidera
pelo modelo de uma relação equilibrada a vida da família. Neste livro Educando
Filhos que Fazem a Diferença buscamos refletir como podemos orientar os filhos
diante das dúvidas que os pais ou responsáveis têm sobre a educação das crianças e
jovens. Portanto, não é um manual com fórmulas sobre como educar os filhos para
o sucesso, mas busca formar os pais para o desafio da criação, levando-os a análise da
experiência no zelo da responsabilidade com a educação dos filhos, para que se possa
construir com clareza um projeto de vida feliz, realizando a humanidade no outro.
FILIADA À CÂMARA CEARENSE DO LIVRO - CCL

Coleção 3

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