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Copyright ©2021 by Editora Portal

Projeto Gráfico
Jéssica Macedo

Revisão
Ana Roen

Diagramação
Mylene Ferreira

Copydesck
Patricia Trigo

Capa
KNSDESIGN
1ª Edição
Livro Digital

Naah Souza
Segredo

Todos os direitos reservados.


É proibido o armazenamento ou a reprodução de qualquer parte
desta obra, qualquer que seja a forma utilizada – tangível ou
intangível, incluindo fotocópia – sem autorização por escrito do autor.

Esta é uma obra de ficção. Nomes de pessoas, acontecimentos


e locais que existam ou que tenham verdadeiramente existido em
algum período da história foram usados para ambientar o enredo.
Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência.
Sumário
Nota da Autora
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capitulo Onze
Capítulo Doze
Relatório de Oliver Morris para o Príncipe Andrew
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e um
Capítulo Vinte e dois
Capítulo Vinte e três
Capítulo Vinte e quatro
Capitulo Vinte e cinco
Capítulo Vinte e seis
Capítulo Bônus
Capítulo Vinte e sete
Capítulo Vinte e oito
Capítulo Vinte e nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e um
Capitulo Trinta e dois
Capítulo Trinta e três
Capítulo Trinta e quatro
Capítulo Trinta e cinco
Capítulo Trinta e seis
Capítulo Bônus
Capítulo Trinta e sete
Capítulo Trinta e oito
Capítulo Trinta e nove
Capítulo Quarenta
Capítulo Quarenta e um
Capítulo Quarenta e dois
Capítulo Quarenta e três
Epílogo
Agradecimentos
Nota da Autora
Antes mesmo de começar a história, quero deixar meu enorme
agradecimento a todos os leitores e leitoras que aguardaram essa
continuação por tantos anos. Foi um período em que perdi
totalmente o amor pela escrita e jurava que nunca mais voltaria,
ainda assim muitos de vocês nunca desistiram de mim e esperaram
meu retorno.
Muito obrigada por acreditarem em mim quando eu mesma
não era capaz. Serei infinitamente grata por todas as mensagens de
carinho e apoio que recebi e se consegui terminar esse livro foi
graças a vocês!
Leia antes

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Prólogo

E se você está lá fora tentando seguir em frente


Mas algo te puxa de volta para trás
Estou aqui tentando te convencer
como se você estivesse aqui
If You Ever Come Back — The Script

Deveria ser apenas mais uma tarde de sábado em que eu chegaria


em casa após meu expediente em uma lojinha local, mas infelizmente os
noticiários de TV informavam que aquele não era um dia comum, e sim o
dia tão esperado: o casamento entre o príncipe herdeiro de Mirabelle e a
princesa do reino de Lorena, mais especificamente, o casamento do
Andrew e da Sophia.
Caminhei pelas ruas da pequena cidade onde morava há cerca de
três anos olhando fixamente para o chão. Faltavam poucas horas para
os dois estarem unidos para sempre. Saber disso causava uma dor
insuportável no meu peito e me fazia questionar se eu tomei a decisão
certa no passado. Esse era um assunto que vivia remoendo na minha
cabeça.
Uma brisa bateu na minha face suavemente e senti um calafrio por
todo meu corpo, como se tivesse recebido um sopro de esperança. Sem
minha permissão, imagens vieram à minha mente, e balancei a cabeça
para tentar afastá-las, mas foi em vão. Era sempre assim, por mais que
eu tentasse esquecer a todo custo os momentos entre o Andrew e eu,
vez ou outra minha cabeça me transportava para época em que éramos
dois adolescentes bobos e apaixonados.
Perdi a noção do tempo enquanto fazia o trajeto para casa. Quando
avistei a pequena moradia com cercas brancas e um jardim bem
cuidado, apressei minhas passadas e em segundos adentrei o local. Era
uma casinha modesta, pequena mas aconchegante. Podia-se dizer o lar
perfeito, simples e normal como eu sempre quis.
Só que não fazia sentido.
Quase nada na minha vida fazia sentido.
Assim que eu abri a porta, uma pessoinha usando um vestido azul
e uma coroa de brinquedo enfeitando seus cabelos castanhos
bagunçados, correu na minha direção.
— Mamãe... Mamãe... — Minha pequena Hailey parou a minha
frente e olhei pra ela preocupada, porque seus olhinhos verdes estavam
tristes. Abaixei-me pra ficar da sua altura e toquei seu rosto.
— O que aconteceu, meu amor? — Acariciei sua bochecha
rechonchuda, que a tornava a coisa mais fofa do universo.
Ela era mais um motivo pelo qual eu nunca consegui esquecer o
Andrew totalmente. Todas as vezes que eu a olhava era como reviver
tudo o que tinha acontecido. Afinal, ela é quase uma cópia do pai.
— Tio Jeika tá cholando. — Ela puxou meu braço em um gesto
claro que eu deveria segui-la; pegando-a no colo, caminhei até a frente
da TV, onde Jake estava sentado no sofá, com as mãos cobrindo seu
rosto.
Dois meses após sair de Mirabelle, descobri que estava grávida.
Jake e eu saímos do apartamento que o rei Dominic nos deu e viemos
morar em uma pequena cidade no sul da França, escondidos de tudo e
de todos. No início, decidi fugir por medo de Tia Satan e Rei Eros
descobrirem e tentarem fazer algum mal a minha filha por estragar os
planos de casar Andrew e Sophia. Depois que Hailey nasceu, meu maior
medo se tornou perdê-la para qualquer pessoa e por isso nunca quis
contar ao príncipe. Eu tinha noção de que uma filha complicaria tudo,
como ele mesmo me disse uma vez “um filho fora do casamento é
considerado um bastardo”, embora eu tivesse plena certeza que nem o
Andrew nem seu pai a negariam como membro da família, mas eu tinha
medo de tomarem a guarda dela e colocarem-na em um orfanato para
ninguém saber sobre ela. Eu não podia arriscar perder o bem mais
precioso que me restou, então apenas Jake e Ed, que vem nos visitar
sempre, sabem da sua existência.
Eu não precisei perguntar a meu amigo qual era o motivo para ele
estar chorando, só bastou eu colocar meus olhos na TV para entender e
no mesmo instante senti meus pulmões pararem de puxar o ar.
O casamento real foi cancelado. Era a manchete do plantão ao vivo
na maior emissora do país. Aguardei alguns minutos para ouvir a
repórter explicando o motivo e além dos pulmões, todo o meu corpo
congelou.
Rei Dominic estava a caminho da igreja para o casamento do seu
filho, Príncipe Andrew, quando o motorista perdeu o controle e o carro
capotou diversas vezes. Além do motorista, os dois guardas que
acompanhavam o rei morreram no local, sendo Vossa Majestade o único
sobrevivente. Rei Dominic foi encaminhado para o hospital em estado
grave e devido a isso o casamento real foi cancelado.
Na TV apareceram os nomes dos três homens que perderam a vida
e um deles se chamava Carl Reynolds. Meu coração falhou uma batida
quando li aquele nome. Era o pai do Jake.
Coloquei Hailey no chão e mandei ela ir para o quarto. Assim que
ela se foi, sentei ao lado do meu amigo e o abracei. Eu conhecia bem a
dor de perder alguém que amamos. Lembro como se fosse ontem
quando eu recebi a notícia da morte dos meus pais.
Seus braços rodearam o meu corpo e ele encostou sua cabeça na
curva do meu ombro. Seu choro era silencioso, sua barba por fazer
espetava minha pele levemente. Fiquei acariciando o seu cabelo na
tentativa de confortá-lo. Era estranho vê-lo em um momento de tanta
vulnerabilidade e senti-me grata por não ter pedido para eu me afastar
naquele momento.
— Eu preciso ir à Mirabelle. — falou com a voz abafada no meu
pescoço depois de um longo tempo em silêncio.
— Sua família vai precisar de você. Eu queria te acompanhar, mas
não posso. — Na verdade, eu nem conseguia pensar na possibilidade de
voltar e encarar Andrew outra vez.
Jake se afastou de mim e olhou para o chão, secou uma lágrima e
desviou o olhar para o teto. Ele não era mais aquela pessoa de antes,
embora ainda continuasse com suas brincadeiras sem sentido, tinha
amadurecido bastante nos últimos anos e se provou um amigo leal,
estando ao meu lado sempre que precisei.
— É sua chance de consertar as coisas. — Seu tom de voz
expressava uma certa dor.
— Eu perdi a chance de consertar tudo quando fugi e escondi a
Hailey — lamentei. — Não vamos falar de mim, eu quero ajudar você. —
Segurei sua mão e ele me fitou com seus olhos castanhos expressando
uma dor que me machucou também. Senti-me impotente por não poder
fazer nada para diminuir seu sofrimento.
— Nunca é tarde demais para pedir desculpas, Hannah. — Sua
mão tocou minha bochecha e ele usou o tom mais carinhoso que já ouvi
saindo da sua boca. — Você não precisa voltar pra ele — Seu polegar
tocou meu lábio inferior. — Mas é sua única chance de esclarecer as
coisas entre vocês, só assim você vai conseguir seguir em frente.
— Tem a Hailey, ele...
— Ele não vai tirá-la de você quando souber por que a escondeu.
Andrew sofreu muito por ter crescido sem a mãe, ele não deixaria sua
filha passar pelo mesmo. — Usou o argumento de sempre, entretanto
minha intuição acreditava no contrário.
— E se você estiver errado? Ele pode colocá-la em um orfanato ou
tornar a princesa Sophia sua madrasta. Não deixarei isso acontecer! —
Sequei uma lágrima que caiu só de pensar nessa possibilidade
— Eu também jamais deixaria Hailey ter uma vida infeliz, assim
como não posso deixar que você continue triste, com esse peso na
consciência para o resto da vida. — Ele fez uma pausa, como se para
controlar as próprias emoções. — Andrew precisa saber que ela existe e
estarei com você para garantir que Hailey não sofra.
Ele beijou minha testa, demorando mais que o necessário.
— A escolha é sua. Sairei daqui uma hora — falou por fim e me
deixou ali pensativa.
Ele estava coberto de razão. Por mais que eu insistisse, eu não
conseguia seguir em frente. Era como se algo sempre me puxasse para
trás todas as vezes que eu tentava esquecê-lo. Já se passaram três
anos e nunca consegui me relacionar com outro homem, e certamente
daqui a dez anos eu também não conseguiria. Minha história com
Andrew não teve um ponto final e isso me atormentaria para o resto da
vida.
Encará-lo novamente era o maior dos meus medos. Minha rejeição
poderia tê-lo mudado. Seus olhos não expressariam mais o amor que
sentia por mim, enquanto os meus jamais disfarçariam todos os meus
sentimentos.
Por outro lado, Jake estava certo ao julgar que fui covarde por
tempo demais. Meu medo de Tia Satan, de encarar Andrew e de perder
a guarda da minha filha estava prejudicando a todos a minha volta. Jake
por ficar longe da família, Hailey por não conhecer o pai e agora rei
Dominic podia morrer sem saber da neta.
Deixei meu corpo cair no sofá e fiquei imaginando os prós e contras
da minha volta até tomar minha decisão. Chegara a hora de voltar à
Mirabelle!
Capítulo Um

Um
Se lembra quando a gente
Chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber que o pra sempre
Sempre acaba
Por Enquanto - Legião Urbana

— Mamãe, casa tio Edi?


Olhei na direção que Hailey apontava pela janela do táxi. Havia
uma pequena casa entre as enormes árvores da floresta que cercava os
arredores da cidade. Sorrindo, neguei com a cabeça. Já era a terceira
vez que ela repetia essa pergunta. Sua ansiedade para ver o Ed era
imensa, fazia meses que ela não o via. Os dois viravam o mundo de
cabeça pra baixo quando estavam juntos.
— Estamos quase chegando. — Ela bateu palminhas de animação
e continuou admirando a cidade pela janela. Aproveitei para mandar uma
mensagem ao Ed avisando que daqui a alguns minutos chegaríamos.
Era uma bela manhã de domingo em Mirabelle. Saímos do
aeroporto em direção ao centro da cidade, onde se localizava o
apartamento do Ed. No início do ano, ele tinha decido morar sozinho,
saindo da casa dos pais. Ficaria hospedada com ele pelos próximos
dias.
Jake tinha seguido direto para a casa dos seus pais, onde ficaria.
Ele até insistiu em nos acompanhar, porém não permiti que se
preocupasse conosco enquanto sua família precisava dele e vice-versa.
Apesar do seu instinto de proteção pela Hailey e eu, acabou cedendo
indo encontrar seus familiares. Combinamos que eu deixaria minha filha
com o Ed e em seguida me juntaria a ele para o sepultamento.
Durante a longa viagem de seis horas, incluindo o percurso de
carro da cidade em que moramos até o aeroporto mais próximo e o voo
de pouco mais de quatro horas para Mirabelle, uma luta interna se travou
na minha cabeça. Eu decidi vir, no entanto não estava certa do que iria
fazer, nem quanto tempo iria ficar no país. Esperava passar o mínimo
necessário.
Além de conversar com o Andrew, precisava encontrar a Scarlett
para saber se estava bem e visitar as crianças do hospital,
principalmente a Lily. Até a Beth eu gostaria de reencontrar. Andrew não
foi o único que deixei ao sair do país. Como diabos ia encontrá-lo? Esse
era meu primeiro problema, afinal não é uma tarefa simples esbarrar em
um príncipe por aí. Também não fazia ideia de como contar que temos
uma filha e deixar claro que não permitirei de forma alguma ser afastada
dela. Assim como não a deixarei ficar no país e ser criada como uma
bastarda da realeza. Havia outro problema que também me atormentava
enquanto estava no avião: em hipótese alguma o assunto poderia ser
descoberto pela mídia, ou minha pequena se tornaria alvo de um
escândalo da realeza.
E como se não bastasse toda essa confusão em minha cabeça,
ainda havia o medo de como seria vê-lo ao lado da Sophia.
Durante esses anos, me poupei do martírio de acompanhar a vida
dos dois em jornais e revistas. Quanto menos eu pensasse no
casalzinho, menor era o aperto em meu peito. Contudo, estando em
Mirabelle e precisando entrar em contato com ele, seria impossível não
os ver juntos. Eu precisaria armar todas as minhas defesas para não
demonstrar fraqueza.
Uma parte de mim queria vê-los felizes, que os dois estivessem
apaixonados e ele não estivesse se casando apenas pela obrigação.
Andrew merecia amar e ser amado na mesma medida. Talvez Sophia até
tivesse mudado e se tornado alguém menos fútil, alguém que ele
aprendeu a amar...
A quem eu estava tentando enganar? Eu não queria que ele a
amasse. Não queria que todas as palavras ditas a mim um dia fossem
ditas a ela, ou a qualquer outra. Todos os beijos, abraços, carícias,
sorrisos, brincadeiras... Nada deveria ser dela.
Apesar dos ciúmes, eu não podia ser egoísta. Deixá-lo havia sido a
minha escolha. E pior do que vê-lo feliz com outra, seria vê-lo triste,
infeliz e solitário como o seu pai.
Eu tinha uma criança fofa, que amava mais que a mim mesma,
para alegrar meus dias ruins e me dar forças em momentos difíceis.
Andrew também merecia alguém para ser seu porto seguro. Machucava
saber que não seria eu, porém ele merecia isso.
— Mamãe... Um catelo! Um catelo! — A voz eufórica da Hailey me
tirou dos meus devaneios. Ela passou a viagem inteira dormindo e sua
energia estava 100% carregada.
Só consegui entender o que ela havia dito quando olhei pela janela
e, ao longe, vi o lugar que fora minha casa por dois meses. Desviei meu
olhar para ela, sentindo um aperto no peito ao imaginar como seriam
nossas vidas se eu tivesse escolhido ficar. Hailey estaria fazendo uma
bagunça pelos enormes corredores do palácio, Andrew e eu felizes. Em
minha cabeça até o rei Dominic estaria sorrindo.
Então, lembrei que para isso acontecer o país se afundaria e, junto,
Andrew e seu pai.
Mudei o rumo dos meus pensamentos focando minha atenção na
criança ao meu lado. Seus olhinhos verdes brilhavam de empolgação
admirando a construção que ela só tinha visto nos filmes da Disney.
— Tem um plicipe? — perguntou quando o castelo sumiu do nosso
campo de visão.
Ela me encarou, esperando uma resposta. Hailey estava em uma
fase curiosa, não podia ver nada novo que já fazia um interrogatório. Às
vezes suas perguntas me deixavam em situações constrangedoras,
como da vez que estávamos em uma festa da sua creche e um dos pais
do seu coleguinha era um cara barrigudo, ela apontou para a barriga
dele perguntando em alto e bom som se tinha um bebê.
Soltei um suspiro e acabei sorrindo sem querer enquanto falava.
— Sim, meu amor. Um príncipe lindo, humilde, divertido — fofo,
romântico, pervertido, acrescentei em pensamento. — O melhor príncipe
que existe.
— Não, não, não... — Ela balançou a cabeça negando, cruzou os
braços em frente ao corpo, fez uma carinha emburrada e o pequeno bico
nos seus lábios que a deixava ainda mais fofa me fizeram sorrir mais.
— O plicipe ecatado da Cidelela é o melor. — Gargalhei alto com o
seu tom de voz autoritário e suas palavras faltando letras. Ergui as mãos
deixando claro que eu não iria discutir, quando ela acreditava em algo
era quase impossível fazê-la mudar de ideia.
— Se você diz. — Dei de ombros e ela assentiu contente por
vencer a discussão. Uma covinha foi formada em suas bochechas e não
resisti a tentação de apertá-las.
— Mamãe ama você! — Beijei a ponta do seu nariz e ela gargalhou
gostosamente.
— Amu você tabem! — Ela fez o mesmo gesto que eu beijando a
ponta do meu nariz.
...
— Princesaaaaaa do tioooo! — gritou um ser de cabelo rosa assim
que a porta do táxi se abriu. Hailey não demorou um segundo para correr
e se jogar nos braços do Ed.
— Tio Ediiiiii... — Ele se abaixou e a pegou no colo, girando-a no ar
e dando um abraço de urso que a fez gargalhar e apertar os braços em
volta do seu pescoço.
— E eu não ganho um abraço, seu ingrato? — perguntei.
Ele me olhou. Sua expressão se tornou séria.
— Não, você passou anos sem vir me visitar. Se eu não tivesse ido
visitá-la, seriam três anos sem nos vermos. Meu amor por você acabou,
Hannah Price. — Usou um tom sério, mas aos poucos sua expressão foi
suavizando e seu sorriso radiante apareceu. Ele colocou a Hailey no
chão e abriu os braços. Corri até ele e o abracei forte.
— Eu estava morrendo de saudades de vocês. — Beijou meu rosto.
Desfizemos o abraço, e em seguida ele me analisou de cima a baixo,
fazendo uma careta.
— Vamos guardar as malas, preciso ir para a casa do Jake. —
Despedi-me do taxista quando dois empregados do prédio vieram nos
ajudar a subir com a bagagem.
Meu amigo estava fazendo faculdade de gastronomia para assumir
a rede de restaurantes que está na sua família há anos. Ele dizia amar o
curso, porque havia comida e homens gostosos por todos os lados.
Ao entrarmos no apartamento, aproveitei para tomar um banho
antes de ir. Vesti roupas pretas já sentindo o peso da morte de Carl, que
era como um membro da minha família. Me despedi do Ed e da Hailey
com beijos e mais beijos, alertando-o sobre não colocar nenhuma merda
na cabeça inocente dela, e fui esperar outro táxi
Aguardei uns 10 minutos até um veículo aparecer e depois quase
trinta minutos presa no engarrafamento. Uma das avenidas principais da
cidade tinha sido interditada, pois seria por onde os corpos dos guardas
seriam levados. Como eles tinham morrido em serviço a coroa, o
príncipe ordenou que tivessem um funeral a altura. Ainda estava dentro
do veículo quando recebi uma mensagem do Jake avisando que já
estavam indo para o cemitério. Amaldiçoei-me por não estar ao seu lado,
avisando que o encontraria lá.
Ao chegar no local, não vi nenhuma movimentação, então decidi
fazer uma rápida visita aos túmulos dos meus pais. Há muito tempo eu
não ia ali. Lembro que minha última visita foi há uns seis anos atrás,
quando minha tia me trouxe para ver os túmulos deles. Na ocasião,
passei horas chorando em frente as lápides. Segundo ela, foi
meu presente de 15 anos.
Comprei algumas gardênias, as flores preferidas de mamãe, e fui
até lá. Eu lembrava com clareza o local, encontrando-o após poucos
minutos de caminhada. Um ao lado do outro. Jonathan e Elizabeth Price.
Dividi as flores para os dois túmulos e fiquei ali um bom tempo, em
silêncio. Mesmo depois de tantos anos, ainda sentia muito falta deles.
Comecei a imaginar o que eles diriam se conhecessem a Hailey. Me
dariam um sermão por eu ser uma mãe solteira? Ou seriam os avós
corujas que iam estragar minha filha, como o Ed já faz?
Só saí dos meus pensamentos quando meu celular vibrou
recebendo outra mensagem do Jake, dessa vez avisando que havia
chegado. O sepulcro ficava do outro lado do cemitério e eu precisei
correr para chegar lá antes de começarem a descer o caixão. No
entanto, deve ser algum tipo de pecado correr entre os mortos, e como
castigo eu acabei esbarrando em algo. Ou melhor, nas costas de
alguém.
Caí de bunda no chão em pleno cemitério, porque minha chegada
em Mirabelle tinha que começar já com um tombo para ir me preparando
para os outros que viriam a seguir.
Xinguei a mim mesma em voz alta, por ser tão desastrada. O
homem em que esbarrei, usava roupas pretas e se virou na minha
direção quando ouviu minha reclamação.
— Descu... — Seus lábios ficaram entreabertos e ele não terminou
de pronunciar a palavra.
Pelo visto, esbarrar no príncipe era mais simples do que achava.
Tudo pareceu acontecer em câmera lenta naquele momento. Os
fios já não tão longos do seu cabelo balançaram, ele retirou lentamente
os óculos escuros e vi seus olhos se arregalarem quando ele teve a
certeza que era eu.
Senti meu peito bater mais forte e o ar faltar aos meus pulmões
durante os poucos segundos que nos encaramos ali. Ele estava
diferente. As feições de garoto no seu rosto não existiam mais, seu corpo
parecia mais musculoso e a maior mudança estava no seu olhar. O brilho
nos seus olhos verdes não estava mais lá. Seu olhar parecia vazio, sem
emoção, sem vida.
Sem a minha permissão, imagens do passado invadiram meus
pensamentos. O dia que nos conhecemos, nossas aulas de matemática,
o primeiro encontro, o baile, o primeiro beijo, nossa primeira vez e a
última. Sentindo as batidas descompassadas no meu peito, foi inevitável
negar. Eu ainda o amava. Muito!
Capítulo Dois

Dois
Eu estava imaginando se após todos esses anos
Você gostaria que nos encontrássemos
Para superarmos tudo
Dizem que o tempo supostamente lhe cura
Mas eu ainda não fui completamente curada
Hello – Adele

— Eu jurava que você nunca voltaria. — Andrew estendeu a


mão para me ajudar a levantar me puxando para um abraço tão
forte, que meu corpo inteiro derreteu nos seus braços. — Senti tanto
a sua falta, Hannah. — Suas mãos seguraram meu rosto e seus
olhos encontraram os meus. Ele não precisou dizer nada para eu
saber o que se passava dentro dele, seu olhar deixava claro que o
sentimento de anos atrás não mudara. Aos poucos seus lábios
foram se aproximando dos meus...
E, então, eu acordei do transe.
Diferente do meu devaneio, ele estava parado sem sequer
mover as pálpebras. Seu olhar não era cheio de saudade como eu
estava imaginando, Andrew parecia mais estar vendo um fantasma.
Se um defunto saísse da tumba performando uma música da Lady
Gaga, ele ficaria menos assombrado.
Eu também não ficava para trás no quesito surpresa, tanto que
nem forças para levantar eu tinha. Ao voltar à Mirabelle sabia que
em algum momento iria encontrá-lo, só não esperava que fosse tão
rápido e dentro de um cemitério. Não tinha um lugarzinho melhor,
destino?
— Então, você voltou — falou, usando um tom de seriedade
nunca destinado a mim.
Desviei o olhar do seu rosto, no intuito de não o deixar ver os
sentimentos ressurgindo dentro de mim, e foi quando notei sua mão
estendida. Apesar de tudo, ele ainda agia como um cavalheiro e
seria falta de educação da minha parte se não aceitasse. Toquei sua
mão me arrependendo no instante seguinte ao sentir a maldita
corrente elétrica percorrendo meu corpo com a mesma intensidade
que acontecia no passado.
Nossos olhares se encontraram novamente e, por uma fração
de segundo, sua expressão tornou-se dolorida, como se o contato
estivesse o ferindo. Sem estar esperando e sem nenhuma gentileza,
Andrew me puxou para ficar de pé soltando minha mão enquanto eu
tentava me equilibrar. Seu rosto assumiu uma feição fria e
indistinguível, da forma que eu odiava.
Aproveitei o momento para bater na minha bunda e tirar a
sujeira que grudou em minha calça graças a queda. Ao invés do
príncipe seguir seu caminho e ir embora, ele continuava lá, me
encarando, sem dizer nada. Então lembrei do seu comentário sobre
eu ter voltado e ele deveria estar esperando alguma resposta.
— É o enterro do Carl, eu não podia deixar de vir.
Não era de todo uma mentira, um dos motivos pelo qual eu
tinha voltado à Mirabelle era para apoiar o Jake em um momento
difícil, como ele esteve tantas vezes comigo. O outro motivo era
contar a verdade ao homem a minha frente, contudo eu não me
sentia pronta para dizê-lo "eu vim para te informar que você tem
uma filha e eu escondi ela de você por todo esse tempo." Sem falar
que um cemitério com gente morta por todos os lados não era o
lugar adequado para uma conversa tão importante.
— Ah, é claro! — Notei um leve sarcasmo na sua voz e antes
que eu pudesse dizer algo, ele se virou para seguir seu caminho.
— An-Andrew... — minha voz falhou quando chamei seu
nome. Fechei meus olhos com raiva de mim mesma por deixar tão
claro o quanto estava abalada pelo nosso reencontro.
— Príncipe Andrew ou Alteza — me corrigiu sem virar o rosto
na minha direção e eu demorei longos segundos para processar a
informação.
Ele queria que eu o tratasse como um príncipe? Embora seja
exatamente o que ele é, me lembrava bem que ele preferia ser
tratado como Andrew. Entretanto, ele estava certo ao exigir
formalidade de alguém sem nenhuma intimidade com ele. A errada
era eu por esperar que as coisas fossem como antes.
— Como está seu pai... digo, o Rei Dominic?
O rei sabia a razão pela qual fui embora, ele entenderia melhor
o porquê de eu ter escondido a Hailey. Seria melhor conversar
primeiramente com ele, Rei Dominic é um homem honrado saberia
me aconselhar.
— Eu sou um príncipe, não um jornalista para espalhar
notícias — respondeu com grosseria e começou a andar, com dois
guardas, que eu não tinha notado até então, seguindo-o.
Fiquei ali parada vendo-o se afastar, sentindo uma dorzinha
insuportável no peito. Sua frieza em relação a mim era só mais uma
das consequências da minha escolha, e eu não podia ficar
lamentando por isso.
Quando ele sumiu do meu campo de visão, voltei a raciocinar
com clareza, lembrando que precisava ir ao sepultamento do Carl.
Obriguei minhas pernas a caminharem e meu coração a parar de
bater tão rápido.
Após alguns minutos, encontrei a pequena multidão se
aproximando devagar. Além do Carl, os corpos dos outros que
morreram no acidente também seriam sepultados. O padre fazia
algumas orações como manda a tradição do nosso país. Os
familiares e amigos mais próximos enxugavam as lágrimas
discretamente com um lenço, e os demais tinham uma expressão de
tristeza na face, a exceção do príncipe, que parecia impassível ao
que acontecia ao seu redor.
Qualquer um poderia pensar que ele não estava sofrendo, mas
eu sabia que ele se sentia responsável pelos guardas terem perdido
a vida enquanto serviam à família dele. Porém era obrigado a
manter sua postura e não demonstrar vulnerabilidade na frente dos
outros. Desviando o olhar de Andrew, avistei Jake e fui caminhando
até parar ao seu lado.
Ao lado oposto ao meu, ele segurava a mão de sua mãe e,
quando me aproximei, sua outra mão segurou a minha. Senti como
se ele estivesse passando forças para sua mãe e precisasse de
alguém para fazer o mesmo por ele. Por isso, apertei mais forte,
tentando retribuir todos os momentos que Jake ofereceu algum
conforto para mim.
O padre terminou suas falas e a voz do Andrew fez todos
voltarem a atenção para ele, que até então tinha passado
despercebido por quase todos.
— Eu não sabia que ele estaria aqui — Jake sussurrou, em um
tom de desculpas. Olhei pra ele e sorri para dizer que estava tudo
bem.
O príncipe fez um breve e emocionante discurso. Enquanto ele
falava era perceptível o quanto estava mais maduro e confiante. Ele
agradeceu os anos que os guardas dedicaram à serviço da coroa,
garantindo que sempre seriam lembrados, e assumiu a
responsabilidade de ajudar as famílias deles. Vê-lo daquela forma
trouxe-me a certeza de que, embora ambas as partes tivessem
saído machucadas, eu havia feito a escolha certa. Andrew nasceu
para governar e seria um ótimo líder algum dia.
Quando terminou, alguns murmúrios se formaram sobre sua
pessoa. Ouvi comentários sobre ele não estar preparado para
assumir caso rei Dominic morresse. Também escutei uma mulher
comentar sobre o quanto a princesa Sophia era sortuda. Quase me
virei perguntando a elas se não sabiam respeitar um funeral.
Outros familiares e amigos também falaram algumas
mensagens e contaram sobre o quanto aquelas pessoas tinham
sido maravilhosas durante toda a vida. Depois de muitas lágrimas, a
guarda real fez soar as trombetas enquanto os caixões eram
baixados nas sepulturas. Senti o corpo do Jake ficar rígido e fiquei
acariciando seu braço para tentar confortá-lo.
Por um rápido segundo, olhei na direção onde estava o
Andrew, encontrando seu olhar em nós. Ele desviou quando nossos
olhos se encontraram.
Após o fim da cerimônia, todos seguiram seus caminhos em
silêncio. Acompanhei o Jake, sua mãe e irmã até o estacionamento.
Quando chegamos lá, abracei-as, desejando meus sentimentos a
elas. Nossas famílias eram inseparáveis. Depois que meus pais
morreram, eu tinha perdido o contato com todos eles, exceto Jake,
mas o carinho sempre permaneceu
— J-J nunca disse que vocês estavam juntos. Papai ficaria
feliz em saber — falou Camille, soando triste. Quase engasguei com
minha saliva ao ouvir suas palavras, nós não parecíamos um casal!
— Nós somos apenas amigos, Cami — Jake respondeu e sua
irmã olhou para nós, focando em nossas mãos entrelaçadas. Fiz
menção de me afastar para não a confundir, porém meu amigo
segurou minha mão mais firme mantendo-a ali.
— Entendo. Você vai pra casa com a gente?
— Vou deixar Hannah em casa, depois eu apareço. — Ele
soltou minha mão indo até a mãe. Beijou sua testa e sussurrou um
"vai ficar tudo bem". A mulher de cabelos e olhos negros assentiu
triste ainda com lágrimas nos olhos. Em seguida, Jake abraçou a
irmã, que tanto parecia com ele, pedindo para ela cuidar da sua mãe
até ele voltar.
— Não precisa me acompanhar, Jake — eu disse com
gentileza. — Vá com elas.
— Preciso de um tempo só para mim, e também preciso ver a
Hailey antes que Ed tente roubar meu posto de tio preferido.
Esperamos até elas entrarem no carro. Quando se afastaram
no veículo, Jake apertou uma chave e um carro vermelho a poucos
metros de nós desalarmou.
— Era do meu pai. — explicou antes mesmo de eu perguntar.
Seu braço passou por cima do meu ombro puxando meu corpo para
perto do seu, e com a outra mão ele bagunçou meu cabelo. —
Como você está? — Ele não precisou explicar ao que se referia.
— Eu que devo perguntar isso, Jake. — Desviei o foco da
conversa para ele. — Você já tem a si mesmo e a sua família para
se preocupar no momento, não precisa se preocupar comigo. Além
do mais, estou bem. — E estava... tão bem quanto estive nos
últimos três anos.
— Você também é minha família, Hannah. — disse, com afeto.
— E convivi muito tempo ao seu lado para saber identificar quando
você não está bem.
Aproveitei que paramos em frente ao carro e corri para o lado
do passageiro, tentando adiar alguns segundos a conversa.
Entramos no veículo, ele ficou me encarando e disse que só
sairíamos depois que eu respondesse. Soltei um suspiro, decidindo
contar de uma vez. Ele esteve ao meu lado todos os momentos,
conhecia bem minha dor.
— Fui visitar o túmulo dos meus pais e, quando estava indo
para o local do sepultamento do seu pai, esbarrei nele. — Mordi o
lábio lembrando do péssimo reencontro que tivemos. — Ele me
tratou com grosseria e foi embora. Fim — respondi tentando não
transparecer como eu estava me sentindo.
— E você ficou abalada — afirmou, desviando o olhar, dando
partida no carro. Assenti mesmo sabendo que seu olhar agora
estava na estrada.
— Quer contar como está se sentindo também? — Quebrei o
silêncio depois de um tempo.
— Minha maior dor é por não ter passado os últimos anos
perto dele.
— Desc...
— Não é sua culpa, Hannah — interrompeu. — Eu escolhi
passar esses anos com vocês e não me arrependo de nada. Mas se
eu soubesse que eram os últimos anos dele, teria ligado mais
vezes, contado mais histórias, ouvido mais seus conselhos... Às
vezes acreditamos ter uma pessoa para sempre e, quando
aprendemos a valorizar, pode ser tarde demais.
Suas palavras tiveram um forte significado para mim e,
automaticamente, meus pensamentos se voltaram para um príncipe
dono de lindos olhos verdes. Seria tarde demais?

— Se eu fosse você não confiaria em deixar a Hailey sob os


cuidados do Ed — brincou o Jake enquanto esperávamos o
elevador subir até o nono andar. O clima tenso havia sumido e eu
agradecia por isso.
— Eu não tinha outra opção — respondi, sorrindo também. O
máximo que poderia acontecer era os dois transformarem a casa
em um parque de diversões.
O elevador abriu e fomos até o apartamento 905. Ed tinha me
dado uma cópia da chave antes de eu sair e, logo ao abrir a porta, o
som de uma risada deliciosa chegou a meus ouvidos. Olhei para o
meio da sala e vi a Hailey correndo e o Ed atrás tentando pegá-la.
Ao ver o estado que a criança se encontrava, me perguntei onde
diabos estava com a cabeça ao deixar o Ed cuidando dela.
— EDGAR LEWIS, O QUE VOCÊ FEZ COM A MINHA FILHA?
Capítulo Três

Três
Saiba que há muitas amizades,
Mas o laço da família é mais forte
Oh, se o céu estiver desmoronando, por você
Não há nada neste mundo que eu não faria
Hey Brother - Avicii

Ambos pararam de correr me olhando de volta, tentando


disfarçar o que seja lá que estivessem fazendo.
— Sou inocente. A culpa é toda dela que consegue tudo com
essa fofura — acusou Ed, apontando para a Hailey, que tinha os
braços, a roupa e o cabelo cobertos por tinta rosa. — Se ela me
pedisse um pedaço da lua, eu não conseguiria negar.
— Pode me explicar o que aconteceu, Hailey? — tentei fazer
minha voz soar como uma bronca, mas estava segurando a todo
custo uma risada por vê-la naquele estado. Ainda bem que a tarefa
de limpá-la seria exclusivamente do Ed.
— Tio Edi! — Ela apontou para meu amigo, que também
estava sujo de tinta e o culpado fez cara de paisagem, ignorando a
acusação.
— O que é isso aqui? Eu sumo por algumas horas e você me
troca, senhorita Hailey? — Jake apareceu no seu campo de visão e
não demorou um segundo sequer para ela correr na sua direção. Os
dois tinham uma forte ligação, e quem não conhecesse a história
juraria que eram pai e filha.
— Tio Jeika!
— Oi, meu pinguinho de gente. — Ele não se importou com o
fato dela está coberta de tinta. A pegou nos braços jogando-a pra
cima. Eu sofria uns surtos toda vez que Jake inventava essa
brincadeira, mas, ao contrário de mim, Hailey gargalhava.
— Está vendo, Ed? Aceite que ela gosta mais de mim do que
de você. — Tirei os sapatos jogando em um canto qualquer
suspirando alto. Antes mesmo da Hailey nascer os dois têm essa
implicância sobre quem ela gosta mais.
Sem querer magoar os sentimentos do Ed, aquela era uma
disputa em que Jake saía vencedor. Afinal ele morava conosco,
cuidava dela nos seus dias de folga do corpo de bombeiros e
também era ele quem tomava chá com ela e seus brinquedos todos
os fins de tarde.
— Você está enganado, Jakícia. Agora que ela vai morar
comigo, vou mostrar que sou um tio bem melhor que você. — Ed
revidou, estufando o peito.
— Pintar minha filha de rosa só mostra como você é um
péssimo tio, Ed — critiquei rindo que me mostrou a língua. Lancei
um olhar severo em sua direção. Eu podia dar adeus a educação da
Hailey enquanto o Ed estivesse por perto.
— Venham que vou mostrar a vocês o péssimo tio que eu sou.
— Ed piscou o olho pra Hailey que colocou as mãos na boca como
se devesse ficar calada. Não consegui ficar sem sorrir.
Seguimos Ed até o corredor onde ficavam os quartos. O
apartamento dele era enorme para alguém que mora sozinho.
Possuía três quartos, sala, cozinha e dois banheiros. Os móveis e a
decoração eram bem minimalistas com tons de branco e cinza. Ed
parou em frente à porta ao lado do que eu estava hospedada.
— Contem até três para dar um ar de suspense... —
ignoramos e ele começou a contar sozinho. — Três... Dois..
— Um! — Hailey gritou, terminando a contagem.
Meu queixo foi ao chão ao ver o motivo por ele e a Hailey
estarem tão sujos. O quarto estava com as paredes pintadas de
rosa bebê, tinha cortinas rosas nas janelas, um pequeno lustre no
teto, uma mesinha de chá, localizava bem no meio do quarto, e uma
pequena cama, coberta por lençóis também cor de rosa, enfim, toda
a decoração era rosa. Meus olhos encontraram o motivo pelo qual
minha filha estava suja de tinta: era a única parede branca do
quarto, que estava decorada com desenhos de pequenas mãos e
outros rabiscos.
— Uau... Vocês fizeram tudo isso durante o pouco tempo que
fiquei fora? — Observei o local mais uma vez, tudo estava perfeito,
era um quarto digno de uma princesa.
— Tivemos uma ajudinha, mas o trabalho duro foi nosso. —
Jake colocou a Hailey no chão, que correu até a cama onde
estavam os brinquedos que ela trouxe consigo e novas bonecas.
— Não ache que com isso ela vai amar você mais que a mim
— Jake resmungou. — Você nem conhece o Sr. Cenoura, a Dona
Amendoim, a Princesa Paçoca, o Rei Mingau... — Ele começou a
contar nos dedos todos os brinquedos de Hailey, que somente ele
lembrava.
— Parem com essa discussão boba! — Os dois baixaram a
cabeça e assentiram, como duas crianças recebendo bronca. — Ed,
eu amei o quarto e agradeço todo o esforço, mas nada disso é
necessário já que não vamos passar muito tempo aqui.
— Aí que você se engana. Ou você acredita que o Andrew vai
permitir que sua filha seja criada longe dele depois de você ter o
privado de conhecê-la por tanto tempo? — Fiquei calada, pois não
tinha resposta para aquilo. Eu já pensara em mil e uma reações
diferentes que o Andrew poderia ter e nenhuma delas era favorável
a mim. Ao contrário de mim que fiquei sem palavras, Hailey abriu a
boca para perguntar:
— Quem é Andiu?
Um clima de tensão se instalou ao ouvirmos sua pergunta, e
lágrimas brotaram em meus olhos ao ouvi-la falar o nome dele...
— É um amigo da gente, princesa — Jake respondeu e ela
pareceu satisfeita com sua resposta. Finalmente voltei a respirar.
— Ed, vá tirar essa tinta da Hailey antes seque e seja mais
difícil. — Mudei de assunto e, por sorte, meu amigo fez o que pedi.
Quando Ed saiu com a criança, pedi ajuda ao Jake para
desfazer as malas e ele me acompanhou até o quarto.
— Não sei se consigo ficar longe dela. Será que tem um
lugarzinho pra mim aqui também? — disse enquanto tirava minhas
roupas da mala, colocando-as em cima da cama, enquanto eu as
pegava na cama para colocá-las no guarda-roupa.
— A cama do Ed sempre estará disponível pra você —
respondi.
— Estava pensando em dormir no tapete do quarto da Hailey,
mas você acabou de me dar uma ótima ideia. Ficarei aqui com você!
— Pode tirar essa ideia da sua cabeça — falei rindo, nós já
tínhamos dormido juntos inúmeras vezes, principalmente quando
Hailey estava doente e ele não queria sair de perto. Jake sempre
respeitou meu espaço e nunca se aproveitou da situação. Era como
um verdadeiro irmão.
— Você me magoa desse jeito, Hannah. Fique sabendo que
mulher nenhuma nunca recusou dormir comigo. — Olhei para ele
que estava exibindo os músculos do seu braço de forma ridícula.
— Talvez porque elas nunca ouviram você roncar ou viram a
baba escorrendo por sua boca, sem falar do mau hálito pela manhã.
— Meus momentos nojentos são dedicados apenas a você,
baby. — Piscou um olho pra mim como se tivesse dito algo super
sexy, gargalhando em seguida.
— Me sinto lisonjeada por saber disso — ironizei e
continuamos conversando bobagens até terminamos de desfazer as
minhas malas e as da Hailey.
Jake era um mulherengo de carteirinha. Ele nunca levou uma
namorada para nossa casa, mas dormia fora quase todas as noites.
Até um dia que a Hailey teve uma febre alta durante a madrugada e
eu precisei ir sozinha ao hospital. No dia seguinte, ele se sentiu
culpado por não estar conosco e desde então parou de dormir fora;
quando saía voltava antes da meia noite. Eu não concordava com
isso, ele não tinha responsabilidade alguma para deixar de se
divertir apenas por minha causa e da Hailey, porém ele não me dava
ouvidos.
Saímos do quarto, seguindo para a cozinha do apartamento.
Eu não tinha comido nada desde que cheguei e agora minha barriga
estava reclamando. Abri a geladeira encontrando uma linda torta de
chocolate com morangos. Morar com um estudante de gastronomia
e filho de excelentes cozinheiros tem lá suas vantagens. Servi o
Jake e a mim com pedaços enormes da torta e sentamos nos
assentos em frente ao balcão.
— Você já decidiu o que vai fazer nos próximos dias?
Eu havia pensado em apenas uma parte do que faria, mais
especificamente aquela em que o Andrew não estava envolvido.
— Amanhã vou ao hospital, depois vou procurar a Scarlett... —
ele me interrompeu.
— Você vai na casa da sua tia? — A preocupação estava
evidente no seu tom de voz. Larguei o garfo levando as mãos ao
rosto. Se dependesse de mim, nunca mais olharia na cara daquela
mulher. Além de tudo que ela me fez passar dentro daquela casa,
ela também tinha sua parcela de culpa por o Andrew e eu termos
nos separado.
— Não tenho opção, Jake. A Scarlett era a única naquela
família que tinha algo de bom. Preciso saber como ela está e, se ela
quiser ir com a gente para a França, darei um jeito de levá-la. — Ele
deixou sua torta de lado também e apoiou os cotovelos no balcão,
seus olhos me analisaram por longos segundos e ele sorriu.
— Eu admiro isso em você. Sempre está pensando nos outros.
— Sorri também, sabendo ao que ele se referia.
— Falando nisso, você sabe como o rei Dominic está? — O
sorriso sumiu do seu rosto e sua expressão se tornou séria. Falar do
acidente que matou seu pai não era fácil para ele.
— Minha irmã disse que o rei sofreu um traumatismo craniano
e está em coma. As chances de ele sobreviver são mínimas, e, caso
sobreviva, possivelmente ficará com sequelas. — Uma pontada de
dor atingiu meu peito. Eu tinha um enorme carinho pelo rei. Apesar
de quase nunca demonstrar suas emoções, ele tem um bom
coração, além de ser um ótimo governante, pai do Andrew e único
avô da Hailey.
— Espero que ele fique bem. Eu não me perdoarei se ele
morrer sem conhecer a netinha.

No dia seguinte, deixei Hailey sob os (des)cuidados do Ed para


fazer uma visita ao Hospital Infantil Cristal Walker, inaugurado um
ano atrás. Na época, li sobre o assunto na internet. O caridoso
Príncipe Andrew, responsável pelo projeto, homenageou sua
falecida mãe nomeando o local com nome da rainha, relatara o
jornalista.
Segundo a voluntária que me acompanhava na visita, desde
sua abertura já tinham tratado mais de 5 mil crianças e planejavam
dobrar o número no ano seguinte. Foi inevitável não sentir orgulho
por ter o ajudado um pouquinho no início do projeto e contribuir para
salvar vidas.
Mary, a voluntária, contou-me bastante sobre o funcionamento
do hospital. Fiquei encantada com todo o trabalho realizado. O
prédio possuía quatro andares com médicos especializados em
oncologia, além de outras especialidades. Os familiares e as
crianças recebiam acompanhamento psicológico, e muitas mães
que tiveram seus filhos curados participavam do grupo de apoio,
dando palestras para as outras não perderem a fé. Havia também o
serviço voluntário que recrutava cidadãos para ajudar nas coisas
mais simples.
Andrew realmente tinha feito um bom trabalho.
Chegamos ao terceiro andar. Depois de nos higienizarmos, ela
me guiou para frente de uma porta verde bebê.
— Aqui ficam as crianças que moram no hospital. Os corpos
delas estão fracos devido ao longo tempo de tratamento. É um lugar
triste em relação as demais alas — disse, abrindo a porta em
seguida.
Mary tinha razão. O lugar não parecia em nada com aquele
que eu visitava com o Andrew anos atrás. Não havia crianças felizes
e brincando, pelo contrário, estavam todas deitadas tomando soro,
algumas com cateter de oxigênio, outras com aparelhos que eu não
fazia ideia da finalidade. Não havia sorrisos nos seus rostos, apenas
expressões de dor e cansaço. Senti um aperto no peito ao vê-las
naquele estado, sem expectativas... sem esperança.
— A garota que você procura está aqui. — Olhei na direção
que Mary indicava e vi um corpo magro e frágil deitado em uma
cama mais ao fundo.
Caminhei a passos lentos segurando as lágrimas ao ver a Lily.
Se minhas contas não estivessem erradas, ela devia ter por volta de
uns oito anos, porém continuava aparentando ter bem menos. Lily
tinha uma boneca de pano nas mãos e percebeu minha
aproximação. Durante esses anos fora de Mirabelle, sempre a incluí
em minhas orações, pedindo que ela já tivesse recebido alta do
hospital e estivesse bem. Porém, ela ainda estava ali, lutando
diariamente para sobreviver. Engoli o nó na garganta quando parei
ao seu lado e chamei sua atenção.
— Lily? — Ela virou o rosto devagar na minha direção, e seus
olhinhos azuis me observaram atentamente. Tive um certo receio
dela não se lembrar de mim, afinal nos vimos pouquíssimas vezes e
foi há tanto tempo, mas logo que me viu, um pequeno sorriso surgiu
na sua face.
— É você, Hannah? Você voltou? Eu... Eu disse a ele... Eu
disse que você voltaria! — exclamou animada, me recordando que,
apesar da enfermidade, ela não perdia a alegria de viver. Aproximei-
me mais dela e com cuidado a abracei como pude. Lily passou seus
braços finos em volta do meu pescoço retribuindo o gesto.
— Pensei que você não lembrasse de mim. — disse ao nos
afastarmos, e ela me olhou com um brilho de felicidade nos olhos
mostrando que eu estava errada.
— O tio Andrew disse que você não voltaria, mas sempre
soube que ele estava errado. — Senti outro aperto no peito ao ouvir
o nome dele.
— Hmmm... E ele vem sempre aqui? — perguntei como quem
não quer nada, no entanto, se ele se importa com as crianças
significa que ele ainda tem o mesmo coração, e isso pode me ajudar
no caso da Hailey... Ou não.
— Sim, e eu sempre pergunto por você. Ele diz que você foi
embora e que não voltaria. Eu achava que você tinha ido para o céu
como o Nick, você acha que ele vai voltar também? — procurei na
minha mente alguém chamado Nick e depois de uma eternidade
pensando, lembrei que era seu namoradinho. Emocionada, a
observei tentando encontrar as palavras certas para responder sua
pergunta.
— Não, princesa. O céu é um ótimo lugar, ele está feliz lá. —
Toquei seu rostinho de forma carinhosa e ela abriu um sorriso triste.
— Espero que eu vá pra lá também. A tia Chloe disse que lá
não tem injeção. — A inocência em suas palavras, unidas ao sorriso
no seu rosto, fizeram o aperto no meu peito aumentar.
— Você vai. Mas antes você vai crescer, se tornar uma linda
mulher, construir uma família e quando estiver bem velhinha, você
vai. — Mais uma vez ela sorriu.
— Eu posso te perguntar uma coisa? — balancei a cabeça em
sinal positivo e ela prosseguiu. — Por que o tio Andrew tá com a
Sophia e não com você? — sua pergunta me pegou de surpresa e
eu arregalei os olhos.
Ela ficou me olhando curiosa, esperando uma resposta. Eu
sabia que não iria sossegar enquanto eu não falasse nada.
— As coisas são complicadas, Lily. — Desconversei e ela fez
uma careta.
— Por isso não quero crescer, gente grande complica tudo.
Você não gosta dele?
— Por que não mudamos de assunto? Me fale o que
aconteceu durante esse tempo. Eu senti muita saudade de você,
princesinha. — Tentei mudar o foco da conversa.
— Por que você não gosta dele? O tio Andrew é lindo,
divertido. E ele é um príncipe. — A última parte ela sussurrou como
se aquilo fosse um segredo.
— E ele também é noivo da princesa Sophia... — ela me
interrompeu.
— Ela é linda, mas ele não gosta dela. Eu sei. — Sem querer
eu sorri. Crianças e sua mania de falar mais do que devem.
— Eu gosto do Andrew apenas como um amigo, Lily. O que
nós tínhamos ficou no passado.
— Você tem outro namorado? — Apenas neguei com a
cabeça.
Conversamos por pouco tempo, pois precisei ir embora, já que
tinha combinado de encontrar o Jake para irmos na casa da tia
Satan. Antes de ir, prometi a Lily que em breve traria uma pessoinha
especial para ela conhecer. Ela ficou super empolgada e me encheu
de mais perguntas para descobrir quem era. Não respondi nenhuma
porque, levando em conta sua língua solta, quando ela visse o
Andrew diria que tenho uma filha. Aí, com certeza, as coisas
tomariam outras proporções.
Já fora do hospital, peguei meu celular e liguei para o Jake,
que tinha ido dormir na casa da mãe. Combinamos de nos encontrar
num lugar próximo ao inferno, digo, à residência de minha tia.
— Sinto como se estivéssemos indo a uma torre com um
dragão que cospe fogo — comentou quando nos encontramos.
— Você está assistindo muitos filmes com a Hailey — rebati,
sorrindo.
Em poucos minutos de caminhada, paramos em frente ao
lugar onde vivi os piores momentos da minha vida. Aquela visão
lembrava um filme de terror. A moradia parecia abandonada, uma
camada de lodo se criava nas paredes da casa e o jardim estava
coberto por um mato que chegava à altura da minha cintura. O
portão estava enferrujado e alguns corvos voaram espantados
quando o portão se abriu com apenas um empurrão. No mesmo
instante Jake segurou meu braço.
— Acho que ninguém mora mais aqui — ele constatou o óbvio.
— Para onde será que todas elas foram? — questionei, sem
esperar uma resposta. Elas já deviam ter saído há muito tempo dali.
Capítulo Quatro

Quatro
Os nossos horizontes se encontrando
E todas as luzes irão te guiar
Pela noite, comigo
E eu sei que esses céus irão sangrar
Mas os nossos corações acreditam
Que todas as estrelas irão nos guiar para casa.
All of the Stars - Ed Sheeran
Andrew
"Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da
pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano
possível.” O ser humano que disse essa frase pela primeira vez merece
um Prêmio Nobel, pois desconheço alguém na história da humanidade
que tenha dito algo mais inteligente e verídico. Nem mesmo Newton e
Einstein, com suas descobertas e fórmulas que complicaram minha
vida no ensino médio, foram capazes de fazer uma afirmação tão
verdadeira.
Prova disso é o momento atual de minha vida.
A última semana tinha sido uma correria enorme devido ao meu
casamento. Sophia e eu estivemos noivos por três anos e nossos
súditos mereciam uma cerimônia a altura para compensar o longo
tempo de espera. Entretanto, quando o grande dia chegou, houve um
acidente com o veículo que levava o meu pai à igreja. Três guardas
morreram e o rei está entre a vida e a morte. Meu casamento teve que
ser adiado.
Mas como dizia o ditado "o maior dano possível". Então, para
fechar com chave de ouro a série de desventuras, eis que um fantasma
já esquecido do passado, também conhecida como Hannah Price,
reaparece em Mirabelle.
Encontrei-a no dia anterior e, segundo ela, havia voltado apenas
para o enterro do Carl, o que me leva a crer que, a esse momento, já
deveria ter deixado o país.
Ou não.
— Sua Alteza Real, o Sr. Morris chegou. — Ergui meu olhar para
ver Henry na porta do meu escritório. Fiz apenas um sinal mandando-o
chamar nosso convidado. Fiquei olhando um ponto qualquer pela janela
repensando algumas coisas do passado enquanto o esperava.

Poucos minutos depois, alguém bateu na porta e o homem careca


usando suas roupas escuras, um bigode castanho e a barba branca
adentrou no local. Levantei-me para cumprimentá-lo. Oliver Morris era
um antigo amigo da família. Eu não tinha contato algum com ele, mas,
devido ao acidente do meu pai, investigações precisavam ser feitas. Ele
era o melhor investigador do país, além de homem de confiança da
realeza. Alguns jornais especulavam uma tentativa de assassinato,
outros chamavam de carma, já que minha mãe faleceu em
circunstâncias semelhantes.
— Sinto muito pelo vosso pai, Vossa Alteza — disse enquanto
apertava minha mão. — Conheço Sua Majestade desde pequeno. Rei
Dominic é um homem forte, ficará bem. — Tentou ser gentil, porém eu
não estava com a mínima vontade de ser educado. Não enquanto o
mundo estava desabando sob os meus pés.
— Descobriu algo?
— Infelizmente não, estava tudo certo com o veículo. A hipótese
mais provável é que tenha sido uma distração do motorista, mas
continuarei com a investigação até encontrar evidências concretas.
Desviei meu olhar para o teto suspirando alto. Eu não podia deixar
transparecer o quanto me sentia deprimido por ver a vida prestes a
levar mais uma pessoa importante para mim. Já tinha perdido minha
mãe poucos dias depois de nascer, perdi a mulher que um dia amei e
agora corria o risco de perder meu pai. Embora sempre tenhamos sido
distantes um do outro, é nele que me espelho para quando for assumir
o seu lugar. Um rei sábio, digno, generoso, íntegro, leal ao seu país e
seu povo. Um homem que eu amo incondicionalmente.
Voltei a encarar o Sr. Morris, já com a frieza de volta ao olhar.
— Eu preciso de mais um trabalho seu, Oliver.
— É sempre um prazer ajudá-lo, Vossa Alteza.
— Sei que não é sua área, mas preciso que investigue a vida de
alguém. — Ele assentiu e eu passei as informações antes que me
arrependesse da idiotice que estava fazendo.

A correria do dia não me deixou pensar em outros problemas, a


não ser o reino. Com meu pai afastado, era minha responsabilidade
assumir o controle do país. Então, durante o dia inteiro, fui o Regente
que esperavam. Dei comunicados sobre o estado de saúde do meu pai
como se falasse sobre o tempo, assumi sua cadeira na mesa de
reunião do Conselho, tendo que escutar com atenção debaterem sobre
o meu futuro caso o rei venha a falecer, e busquei mostrar a eles que
eu não era um garoto imaturo e estava preparado para arcar com as
responsabilidades do reino.
Quando a madrugada chegou e me vi sozinho, a máscara que
sustentei o dia se desfez, sobrando apenas meus receios. Com tanta
coisa acontecendo a minha volta, me sentia totalmente perdido, como
um marinheiro que perdeu sua bússola. Não havia uma pessoa a quem
pudesse relatar meus sentimentos sem ser considerado fraco ou
covarde, características proibidas para alguém na minha posição.
Só houve uma pessoa com quem pude ser eu mesmo, e,
infelizmente, a honestidade não foi recíproca.
Para salvar minha mente de seguir um caminho inoportuno, enchi
mais um copo de uísque sorvendo o líquido todo de uma vez,
ignorando a sensação horrível de ardência na garganta. Qualquer coisa
era válida para não pensar no passado. Depois da terceira ou quarta
dose, talvez sétima, senti que era o suficiente. Minha visão ficou turva e
comecei a ouvir vozes dentro da minha cabeça.
"O príncipe não quer ser incomodado."
"Eu sou a noiva dele, não sou um incômodo!"
"São ordens de Sua Alteza, não posso deixá-la entrar."
Visualizei a cena em minha mente: ela chutaria as joias reais do
guarda e entraria sem permissão enquanto o coitado se contorcia de
dor.
No entanto, ela apenas disse:
"Em breve serei a rainha desse castelo, se não me deixar entrar,
considere-se demitido desde já."
Segundos depois, a porta se abriu e uma mulher entrou. Seus
cabelos eram longos e loiros, ela usava um robe de seda cor de rosa
que cobria todas suas pernas e... Sophia tinha uma irmã gêmea?
Esfreguei os olhos e voltei a ver somente uma Sophia.
— Oi. — Ela fechou a porta do escritório ficando parada em frente
à minha mesa, parecendo não saber o que fazer.
— Algum problema, Sophia?
— Não, só estava preocupada com você — respondeu
suavemente. — O dia foi longo, você precisa descansar.
— Estou bem, não precisa se preocupar comigo — me esforcei ao
máximo para minha voz não sair embolada. — Você que precisa
descansar, já que amanhã voltará para o seu país.
— Eu não irei. Conversei com meus pais e eles me permitiram
passar mais alguns dias aqui — contou enquanto dava a volta na mesa
até parar ao lado da poltrona que eu estava. — Não posso deixá-lo
sozinho em um momento tão difícil, baby. — Sua mão tocou meu rosto
e me senti grato pelo gesto de carinho.
Eu não a amava e Sophia sabia disso. Contudo, amor não é o
mais importante em uma relação. Quantos casais por aí acreditam que
amor é tudo e esquecem o resto: confiança, fidelidade, cumplicidade.
Em três anos de relacionamento, Sophia e eu criamos um forte laço de
respeito um pelo outro. Era mais do que suficiente para casarmos e
construirmos nossa família.
— Eu agradeço, Sophia, mas no momento prefiro ficar sozinho. —
Retirei sua mão do meu rosto e a levei até os lábios para beijá-la. — Vá
para o seu quarto, nos veremos pela manhã.
Em vez de fazer o que eu pedi, Sophia sentou-se no meu colo
passando os braços em volta do meu pescoço.
— Seu hálito está com cheiro de álcool, se você bebeu é porque
não está bem — afirmou. Soltei um longo suspiro, não queria que ela
me visse em um momento de vulnerabilidade. — Entendo que você é
reservado em relação aos seus sentimentos e não vai querer
desabafar, mas quero te ajudar de alguma forma. — Sophia apoiou a
cabeça em meu ombro deslizando seus dedos pela extensão do meu
braço. Ela tentou entrelaçar nossos dedos, porém minha mão estava
fechada e assim permaneceu. — Não me peça para ir embora quando
tudo que eu mais quero é ficar.

Tudo que eu mais quero é ficar.


A bebida voltou a fazer efeito e minha mente distorceu toda a
cena. Já não era mais a Sophia sentada em meu colo. Estávamos em
um dos quartos do castelo, Hannah cobria seu corpo com um dos
lençóis da cama, o cabelo estava bagunçado, as bochechas
ruborizadas e ela sorriu emocionada quando entreguei seu presente de
aniversário.
Tudo que eu mais quero é ficar. A frase se repetiu em minha
cabeça, como se tivesse saído dos seus lábios. Imerso nessa imagem,
colei meus lábios aos seus, sentindo-me o homem mais sortudo do
mundo.
No entanto, a sensação de beijá-la era diferente das outras vezes.
Seus lábios estavam com uma textura diferente. Ela me beijava com
suavidade, sem mordidas ou bagunçar meu cabelo. Minha reação ao
beijo também estava estranha. Minhas mãos não formigavam para
tocá-la em todos os lugares possíveis. Meu corpo não ardia com um
desejo primitivo, meu coração não estava prestes a estourar em meu
peito nem meu membro a estourar a calça.
Não tinha paixão.
Eram somente dois lábios se tocando.
— Eu amo você! — ela sussurrou.
— Eu tamb... — ao abrir a boca para falar, meu cérebro retomou a
consciência e notei que estava beijando a Sophia e sendo um grande e
perfeito estúpido. Eu não vivia mais no passado, tampouco perdia meu
tempo pensando nela. Maldito álcool!
— Vá para o seu quarto, Sophia.
Atordoado, olhei para o teto, bagunçando meu cabelo com a mão.
— Vamos comigo? — segurando meu queixo, Sophia me fez
encará-la. Seus olhos azuis brilhavam em expectativa.
— Não sou uma boa companhia no momento, acredite em mim.
— Retirei-a do meu colo me levantando, deixando uma certa distância
entre nós. — Preciso ficar sozinho.
Ela voltou a se aproximar.
— Beber até passar mal não mudará o que aconteceu, Andy.
Você é um príncipe, deve encarar a situação com a cabeça erguida,
não bebendo como um alcoólatra. — Deveria ser a quinquagésima
sexta vez que eu ouvia essa frase nos últimos dois dias.
— Eu não preciso que alguém me diga o que fazer, Sophia —
rosnei, já perdendo a paciência.
— Não foi minha intenção irritá-lo. — Sophia acabou com a pouca
distância entre nós pousando as mãos em meu peito. — Só... me deixe
ajudá-lo a tirar esse peso da sua cabeça por alguns instantes. — Suas
mãos alcançaram meus ombros e fechei os olhos para aproveitar a
massagem que ela iniciou. — Você está tão cansado. Posso ajudar
meu noivo por uma noite. — Os lábios tocaram os meus e retribuí seu
beijo doce.
Não tive como recusar sua oferta. Me sentia exausto, com tudo
desmoronando ao meu redor. Talvez ser mimado por minha noiva fosse
o que eu mais precisava, caso contrário realmente iria passar mal por
ingerir tanta bebida alcoólica. Pensando assim, peguei sua mão e nos
dirigimos ao seu quarto.
Ao chegarmos, ela tirou minha camisa e deitei de bruços na cama.
Senti meus músculos relaxarem enquanto ela massageava minhas
costas. Não sei ao certo quanto tempo ficamos assim, mas em algum
momento, suas carícias tornaram-se suaves e pouco depois cessaram.
— Você deve ter cansado — murmurei, virando meu corpo para
poder observá-la. Sophia tinha despido o robe ficando apenas com uma
curta camisola de seda. O tecido marcava suas curvas e meu corpo
não deixou de reagir à sua beleza. — Creio que seja minha vez de
cuidar de você.
O quarto estava parcialmente escuro, porém ainda vi suas
bochechas ruborizarem. Não esperei ela dizer nada, ajoelhando-me na
cama, puxando-a para os meus braços e a beijei com desejo.
Lentamente, despi sua camisola distribuindo beijos ao longo de sua
pele exposta. Sua calcinha foi a próxima e logo ela estava nua embaixo
de mim.
Ela me ajudou a despir minhas roupas. Afastei-me por alguns
segundos, em busca de alguma camisinha nos criados mudos e, depois
de colocá-la, posicionei meu membro em sua intimidade.
Antes de penetrá-la, observei seus olhos castanhos famintos.
Seus cabelos castanhos espalhados no travesseiro formando uma
bagunça e o sorriso malicioso que eu considerava o mais lindo do
universo. Ela era perfeita, e me deixava louco como ninguém. Sem
controlar a onda de desejo crescendo em mim, com apenas uma
estocada, estava dentro dela e não consegui evitar seu nome saindo
dos meus lábios.
— Ahh Hannah...
No instante seguinte, recebi um tapa na cara. Abri os olhos e vi...
Sophia?
— SAI DE CIMA DE MIM, SEU IDIOTA! — Ela continuou a dar
tapas no meu rosto e braços até que a obedeci. Sophia começou a
chorar e eu fiquei a encarando, perdido.
— Machuquei você? — Toquei seu rosto e ela recuou, me
fuzilando com o olhar.
— MACHUCAR? VOCÊ ME CHAMOU PELO NOME DAQUELA
VAGABUNDA, ANDREW.
O quê? Inferno!
— Você deve ter ouvido errado, Sophia — tentei contornar a
situação, mas sabia que ela estava certa. Eu estava vendo a imagem
da maldita enquanto fazia amor com minha noiva. Isso não era certo.
— SAIA DO MEU QUARTO! — Sem ter argumentos para me
desculpar, vesti minhas roupas saindo sem dizer nada. Eu tinha sido
um completo imbecil. Meu pai se envergonharia de mim pela forma
indecorosa que tratei uma mulher, que era quase minha esposa para
piorar.
Constrangido, andei sem rumo pelos corredores do castelo.
Percebi uma movimentação estranha dos guardas e me dirigi a eles
para perguntar do que se tratava. Um guarda, com uns trinta anos, de
pele negra e estatura alta e forte, tomou a frente da situação
caminhando até mim.
— Alteza. — Fez uma reverência. — O secretário de Sua
Majestade está o procurando — informou. Não deixei de notar o tom de
urgência em sua voz e foi o suficiente para me deixar em estado de
alerta. Para Henry querer me ver naquele horário, só podia ser sobre
um assunto.
— O que aconteceu com meu pai?
— O secretário lhe aguarda no escritório — desviou da resposta.
Bem, na verdade ele não tinha autorização para noticiar o estado do
rei, porém quem se importa com formalidades em um momento que
seu pai pode estar morrendo?
— Diabos, homem! Eu lhe fiz uma pergunta, se sabe de algo, fale
logo!
O guarda pigarreou, incerto se deveria falar, mas por fim tomou a
decisão correta.
— O estado de Sua Majestade piorou, mas não tenho maiores
detalhes.
— Mande preparar um veículo agora, preciso ir vê-lo. — Ele
assentiu se afastando. Nem me dei ao trabalho de trocar de roupa,
apenas caminhei para a garagem do castelo. Um carro com um
motorista e dois guardas me esperava, além de dois outros veículos
com quatro guardas em cada.
— Você. — Apontei para o guarda que me deu a notícia. — Qual
seu nome?
— Grant, Alteza. — respondeu, mantendo sua postura.
— Você sabe dirigir? — Ele assentiu e eu olhei para os demais. —
Apenas o Grant me acompanhará, há muitos guardas no hospital. Não
preciso de mais. — Eles parecerem meio intimidados e confusos.
— Perdão, Alteza, mas o Rei não permite que saia sem nossa
escolta — pronunciou Grant, informando o que todos deveriam ter
falado.
— Enquanto meu pai estiver internado, eu dou as ordens aqui. —
Olhei para todos, deixando bem claro minha posição. — E como eu
disse, apenas você me acompanhará. Ou não confia na sua
capacidade para me proteger, Grant? — Um leve murmúrio de risadas
se formou e eu encarei os outros friamente. — Pois eu confio. Vamos!
— Todos se calaram e, ignorando todas as normas, entrei no assento
do passageiro. O guarda entrou no do motorista e saímos rumo ao
hospital.
— Perdão pela intromissão, mas por que Vossa Alteza dispensou
os demais guardas? Vossa segurança deve ser priorizada agora que o
rei está afastado. — Olhei para o lado e o vi observando atentamente a
estrada. Eu não estava com cabeça para dar longas explicações no
momento, apenas respondi:
— Eu queria ficar sozinho.
— Perdão, Alteza. Ficarei em silêncio.
O que me pareceu uma eternidade depois, o automóvel parou no
estacionamento do hospital e alguns guardas, reconhecendo o veículo,
se aproximaram. Ergui a mão, indicando que eles não deveriam fazer
perguntas e mandei o Grant me acompanhar. Entramos no local indo
direto para o elevador privado.
Quando as portas se abriram, examinei o local. Jurava que minha
cabeça entorpecida pelo álcool estava me pregando mais uma peça,
projetando a imagem de uma Hannah bem no meio do corredor. A
reação instantânea do meu corpo indicou que não era apenas uma
miragem. Como se não bastasse ter passado a noite assombrando
minha mente, de algum modo ela tinha se materializado a minha frente.
Capítulo Cinco

Cinco
Palavras não bastam, não dá pra entender
E esse medo que cresce não para
É uma história que se complicou
Eu sei bem o porquê
Qual é o peso da culpa que eu carrego nos braços
Me entorta as costas e dá um cansaço
A maldade do tempo fez eu me afastar de você
A noite - Tiê

— Você acha que sou burro, Hannah? Acha mesmo que vou
acreditar que temos uma filha depois de você ir embora e só voltar
anos depois? E se fosse verdade, por que esconderia ela de mim? —
pronunciou com rispidez enquanto me encarava friamente.
— Fiquei com medo que você quisesse tirar ela de mim. — Fui
sincera e em troca recebi uma risada sarcástica.
— Não me faça rir, Hannah. Você deveria saber que eu te
receberia de braços abertos se você voltasse para mim na época em
que eu te amava. — O verbo no passado foi como atirar uma flecha
diretamente no meu peito. Engoli o nó na garganta e a vontade de
chorar, não iria demonstrar fraqueza enquanto ele só demonstrava
indiferença.
— Eu não podia fazer isso, Andrew. Se pudéssemos ficar juntos,
eu nunca teria ido embora.
— E por que não podíamos ficar juntos? Você tinha outro? Não
me amava? Ou será que estava comigo só por interesse? — Ergui
minha mão pronta para dar um tapa na sua cara por insinuar que eu
era uma interesseira. Entretanto, ele segurou minha mão no ar. — Não
precisa responder. Esse é um assunto que não me interessa mais. —
Soltou minha mão virando as costas pronto para ir embora.
— Andrew... Por tudo que já vivemos, acredite em mim. —
Implorei com a voz fraca devido ao choro que tanto segurava.
— Por tudo que você já me fez sofrer, não tenho como acreditar.
— disse baixo. Respirei fundo antes de concluir:

— Tudo bem. Fiz minha parte porque achei que você deveria
saber sobre ela. Renegar sua própria filha só mostra o quanto você
mudou... Para pior. Passar bem, Alteza. — Saí dali o deixando só.
Coloquei meus óculos escuros para disfarçar as lágrimas que agora
caiam livremente.
Andando com a cabeça baixa, acidentalmente esbarrei em
alguém. Levantei o olhar para pedir desculpas. Dei um passo para trás
quando vi as duas loiras, uma jovem e outra que mais parecia uma
múmia.
— Ora, ora... Se não é minha querida sobrinha. Voltou para ver o
casamento do príncipe? Se quiser posso conseguir um convite pra
você.
— Ela será minha convidada especial, afinal foi graças a ela que o
Andrew e eu vamos nos casar — disse a Sophia e as duas riram juntas.
— Por que voltou, Hannah? Está querendo extorquir o Andrew
novamente? Qual a desculpa da vez? Deixe-me pensar, você tem uma
filha do príncipe? — Elas riram novamente e involuntariamente minha
mão foi parar no seu rosto de porcelana, deixando uma marca
vermelha dos meus cinco dedos.
No segundo seguinte, dois guardas que as acompanhavam
seguraram meus braços.
— Ela agrediu a princesa. Prendam-na! — gritou tia Satan e os
guardas obedeceram. — Seu lugar é na prisão, Hannah. Você nunca
deveria ter saído daquele porão, mas agora você vai voltar pra lá e
nunca mais sairá.
Ambas gargalharam, destilando seus venenos. Enquanto os
guardas me afastavam, vi o Andrew se aproximar delas e beijar
apaixonadamente a Sophia.
Sobressaltada, abri os olhos encarando a escuridão do quarto.
Lágrimas desciam, molhando toda a minha face. Fazia um bom tempo
que não tinha pesadelos, mas pelo visto, voltar à Mirabelle trouxe todos
os fantasmas do passado de volta a minha cabeça. Me revirei na cama
inúmeras vezes e não consegui dormir novamente. Acabei levantando
e fui tomar um copo com água para tentar me acalmar. O relógio na
parede marcava 2:08 da madrugada. Bebi a água calmamente
observando os ponteiros do relógio se moverem em um tic-tac
constante.
Sozinha ali, senti um vazio no peito. Não era como a dor que senti
ao perder meus pais, ou ao ir embora do país, ou ainda, a dor quando
tomei a decisão de esconder a Hailey, era uma dor seca, sufocante,
como se houvesse um buraco ali dentro implorando para ser
preenchido.
Sem aguentar mais aquela horrível sensação, fui para o quarto da
Hailey. Ela era meu porto seguro, em quem eu me segurava quando
tudo parecia desabar ou quando não sabia o que fazer, como agora. Eu
nunca me cansaria de agradecer a Deus por tê-la colocado na minha
vida.
Abri a porta do seu quarto com cuidado, evitando fazer qualquer
barulho para não a acordar. Levando em conta seu dia com o Ed,
Hailey estava morta de cansada. Os dois simplesmente não pararam
um minuto sequer. Quando cheguei em casa, encontrei minha filha de
cabelo rosa pintando os cabelos das suas bonecas. A princesa Pipoca,
eu acho, estava com o cabelo azul e o rei alguma-comida estava com o
cabelo rosa. Segundo o Ed, era para ensiná-la que rosa não é cor só
para meninas e azul cor só para meninos. Por sorte a tinta era lavável e
agora só restam poucas mechas coloridas no seu cabelo.
Entrei no quarto parcialmente escuro, a única iluminação no local
vinha de um pequeno abajur próximo a sua cama. Só bastou ver aquele
corpinho esparramado na cama que todo o sentimento de tristeza
passou. Ela dormia abraçada com o Sr. Cenoura. Esse era o único
nome que eu lembrava por ser o seu bichinho de pelúcia preferido. Um
coelhinho branco com orelhas enormes que Jake comprou para ela
antes mesmo dela nascer.
Ainda estava observando-a quando vi seu corpo se remexer na
cama parecendo desconfortável. Me aproximei mais, percebendo-a
repetir o movimento, o que fez seu bichinho parar longe. Esperei mais
alguns minutos e ela continuou inquieta. Cheguei mais perto e toquei
sua testa. Estava quente. Muito quente. Acendi a luz e notei que
algumas partes do seu corpo estavam vermelhas. Certamente alguma
alergia.
Corri para o quarto do Ed, que ficava em frente ao dela, e
encontrei-o dormindo serenamente. Pensei em não acordá-lo, mas eu
precisava de um carro e não seria nada fácil encontrar um táxi aquela
hora.
— Ed... Acorda... — Sacudi seu corpo.
— Hmmm... Vem, Jakícia. Me usa. Sou todo seu, gostoso.
Se não fosse a preocupação com a Hailey, eu estaria dando
gargalhadas nesse momento. Revirei os olhos sacudindo-o com mais
força.
— Isso... Mais forte.
Desisti de sacudi-lo e empurrei seu corpo da cama. Eu que não
iria ficar presenciando seu sonho erótico com o Jake enquanto a Hailey
estava mal. Seu corpo caiu no chão fazendo-o, finalmente, acordar.
— Ui, adoro um sexo selvagem! — Só então ele percebeu que
não tinha Jake, tampouco safadeza. — O que foi isso, Hannah? Eu já
recebo foras do Jake diariamente, agora não posso nem mais sonhar
em paz? — perguntou se levantando e esfregando os olhos.
— Preciso de você pra ir ao hospital comigo. Hailey está ardendo
em febre.
— E você tá esperando o quê, mulher? Corre! Vai vestir uma
roupa. — Ed me empurrou para fora do seu quarto, mas antes de ir
para o meu passei no quarto da Hailey, ela ainda se remexia na cama,
porém dormia. Vesti a primeira roupa que encontrei, peguei minha
bolsa com meus documentos e os da Hailey, então voltei para o quarto
dela. Ed já estava trocado e com ela nos braços.
— Liga pro Jake. — Ed saiu praticamente correndo com minha
filha nos braços e eu fui atrás.
— Jake deve estar dormindo, ele já passou o dia com a gente,
merece um descanso. Quando o dia amanhecer, falo com ele. — Eu
sabia que levaria uma bronca dele depois, mas não era certo acordá-lo
a essa hora sendo que o Ed estava conosco.
— Ok. Vamos!
Cerca de dez minutos depois já estávamos em frente ao hospital.
O lado de fora parecia bem movimentado para o horário, então
lembrei que esse era o maior hospital da cidade e deveria ser onde o
rei estava internado, logo jornalistas ficavam à espreita de alguma
notícia. Peguei a Hailey, que ainda dormia, e fui para a recepção do
prédio enquanto Ed foi estacionar o carro.
Diferente do exterior, ali dentro estava mais tranquilo. As únicas
pessoas presentes eram a recepcionista, dois seguranças e quatro
guardas reais. Quando estava me aproximando do balcão, um médico
e três enfermeiras passaram apressados indo em direção ao elevador.
Ouvi uma delas dizer algo sobre o estado do rei Dominic ter se
agravado. Por favor, não morra. Supliquei.
Preenchi a ficha com os dados da Hailey, então seguimos para a
triagem onde um enfermeiro verificou seus sinais vitais. Ela acordou
durante o processo, porém ficou sonolenta. Logo depois foi
encaminhada para a médica de plantão. Se havia algo que os
mirabelienses não podiam reclamar era da saúde pública, porque todos
os hospitais do país eram bem estruturados, tanto que o próprio rei
estava em um deles.
Ed apareceu na recepção a tempo de nos acompanhar enquanto
o enfermeiro nos levava até o terceiro andar onde ficava a pediatria.
Nem preciso dizer que o coitado recebeu olhares nada discretos do
meu amigo.
— Entrem aqui. — O homem de quase dois metros de altura,
roupas brancas contrastando com a pele negra e uma ótima aparência
abriu a porta para nós. A médica era uma senhora simpática. Fez
algumas perguntas e diagnosticou uma alergia. No entanto, devido a
febre alta, ela precisaria passar o restante da noite em observação.
— Mamãe está aqui. — Apertei sua mãozinha enquanto o
enfermeiro tentava furar sua veia para aplicar o soro, ela chorava e Ed
estava quase chorando junto.
— Prontinho, princesa. Agora não vai doer mais. — disse o
enfermeiro, sorrindo para a Hailey quando já estávamos na ala da
observação. Após ele sair, ficamos apenas nós três ali, e em pouco
tempo a Hailey pegou no sono.
— Eu até gosto de hospitais, mas não gostei nada de vir com
Hailey pra cá — informou Ed, olhando triste para a garotinha na cama.
— Ainda bem que não é nada grave. — Ele assentiu e ficamos em
silêncio para não atrapalhar o sono da Hailey.
Se passaram algumas horas e eu simplesmente não consegui
fechar os olhos. Olhei para a Hailey dormindo na cama, Ed apagado na
poltrona, então decidi dar uma volta pelo hospital, quem sabe até eu
não encontraria um jeito de ver o rei.

Lembrava que pacientes em coma ficavam no sétimo andar, então


peguei o elevador indo para lá. O movimento estava ainda maior. Andei
pelos enormes corredores e avistei três guardas protegendo uma porta,
confirmando que o rei estava ali.
Não havia como entrar sem permissão. Estava voltando para o
elevador quando vi a porta se abrir. Um homem usando calça jeans e
camisa de manga longa cinza saiu de lá, seus olhos verdes
encontraram os meus e me perguntei o quanto esta noite ainda poderia
piorar. Merda!
Capítulo Seis

Seis
Pois nada nunca poderá substituir você
Nada pode me fazer sentir como você faz
Você sabe que não há ninguém que eu possa me relacionar
E sabe que nós não vamos encontrar um amor tão verdadeiro
Nothing Like Us - Justin Bieber

Meu corpo inteiro congelou ao vê-lo ali. Seus cabelos estavam


bagunçados e a roupa amassada. O cansaço e a tristeza estavam
visíveis em sua postura. Andrew ficou parado na porta do elevador me
analisando de cima a baixo. Quando seus olhos encontraram os meus,
pude ver a perturbação em seu olhar, indicando que ele não tinha
ficado nada contente em me encontrar ali.
— O que faz aqui? — Foram as palavras que saíram da sua boca
enquanto caminhava em minha direção.
A princípio, quis dar uma resposta irônica, pois ele bem que
merecia. Entretanto, engoli as palavras e disse:
— Nada, já estou de saída. Com sua licença, Alteza. — Fiz uma
reverência tentando escapar logo dali. Nossa filha estava a apenas
alguns andares de distância e esse não era o momento apropriado para
ele saber de sua existência.
Contudo, para chegar ao elevador eu precisava passar ao seu
lado, e quando o fiz, Andrew segurou meu braço me impedindo de
continuar. A corrente elétrica que percorreu meu corpo foi imediata.
Puxei meu braço na tentativa de soltar-me, porém ele segurou com
mais força.
— Eu lhe fiz uma pergunta e estou esperando uma resposta,
Hannah. — Cerrou a mandíbula ao pronunciar meu nome, parecendo
sentir repulsa.
— E eu não sou obrigada a respondê-la, Alteza.
— Na verdade, você é — retrucou como se fosse óbvio. Eu odiava
essa versão fria e indiferente dele, exigindo que eu o tratasse como
alguém superior. Antes que eu pudesse inventar uma desculpa
esfarrapada para sua pergunta, alguém o chamou. Viramos o olhar na
direção do médico que se aproximava.
— Como meu pai está? — Andrew perguntou. Eu poderia ter
aproveitado a sua distração para escapar, porém sua mão ainda
segurava meu braço.
— O rei sofreu uma parada cardíaca, mas conseguimos reanimá-
lo antes que mais algum dano fosse causado. — Senti o corpo do
príncipe ficar rígido ao meu lado. Era possível imaginar o tamanho da
sua dor, seu pai poderia morrer a qualquer momento e ele estava ali
sozinho.
— Ele ficará bem, Andrew. — falei baixinho tocando sua mão que
segurava meu braço. Seus olhos acompanharam meu movimento
parando em seguida em meus olhos sem dizer nada.
— Se quiser pode ir vê-lo. — O médico informou.
Lentamente, sua mão soltou meu braço. Andrew deu um passo
para o lado se afastando de mim. O observei com atenção. Ele estava
falhando terrivelmente na tentativa de esconder suas emoções. A
expressão em seu rosto parecia a de um garotinho perdido. Lembrei-
me de quando passei por uma situação semelhante, enfrentando tudo
sozinha. Eu não podia simplesmente deixá-lo e ir embora. Passaria o
restante da noite com um peso na consciência por não ter tentado
ajudá-lo.
— Posso entrar com você? — Foi a minha vez de tocar seu braço.
— Eu não preciso da sua companhia. — Sua voz não soou firme
como de costume e ele tentou afastar minha mão que o tocava. Andrew
estava tão frágil e vulnerável, mas mesmo assim queria manter a pose
de durão. Levando em conta a situação do seu pai, não me importei
com sua babaquice.
— Eu sei, mas isso não vai me impedir de te acompanhar. — Ele
me lançou um olhar interrogativo. Seus olhos verdes idênticos aos da
Hailey brilhavam por causa das lágrimas que queriam cair.
— O lugar é restrito somente aos familiares. Vá embora! —
Ignorando sua ordem, o arrastei na direção da porta que os guardas
protegiam.
— Você perto de mim só piora as coisas, Hannah. Vá embora! —
Mais uma vez ele tentou tirar minha mão do seu braço e falhou. Eu já
estava prestes a perder a paciência e fazer o que ele estava
mandando, mas as lágrimas em seus olhos me desarmaram. Eram
como se ele me pedisse para ficar,
Ou talvez fosse apenas o que eu mais gostaria de ouvir.
— Finja que eu sou uma desconhecida que quer apenas te ajudar,
okay?! — ele encarou o chão soltando um suspiro.
— Sua ajuda não fará diferença alguma, você não é capaz de
mudar o que aconteceu.
Fiquei sem saber se ele quis se referir ao estado atual do pai ou
ao nosso término.
— Não vou conseguir dormir sabendo que deixei você aqui nesse
estado, Andrew. — Ele esfregou os olhos afastando as lágrimas e me
encarou. Dessa vez com frieza no olhar. Merda!
— Não finja que se preocupa comigo, Hannah. Pode ir de
consciência tranquila, vou ficar bem. Afinal, não será a primeira vez que
você vai me deixar. — Suas palavras não continham mágoa, somente
deboche e desprezo. E eu merecia.
— Se você quiser discutir nosso passado, podemos fazer isso em
outro momento. Agora, você vai diminuir esse seu orgulho e mandar
esses postes me deixarem entrar.
— Você está me dando uma ordem? É isso mesmo? Em qual
momento nossos papéis se inverteram? — Eu vou matá-lo se ele não
parar com tanto deboche, juro que vou.
— Eu já perdi minha paciência com essa sua infantilidade! —
resmunguei, aumentando o tom de voz apontando um dedo em sua
direção. — Se você tem tanto medo de ficar perto de mim, então deixe
eu ver seu pai sozinha por alguns minutos. Prometo que irei embora
depois.
Seu olhar ficou enigmático.
— Você tem cinco minutos. — Com um gesto de mão, os guardas
abriram espaço. Só então me dei conta da plateia que assistiu minha
discussão com o príncipe. Merda!
Caminhei para o quarto de cabeça baixa para ninguém perceber
que eu tentava segurar a risada. Já fora o tempo em que sentia
vergonha dos meus vexames em público. Parecia impossível evitá-los,
então aprendi ao menos a rir das situações. Entrei no quarto, mas
antes que a porta fosse fechada, Andrew ficou ao meu lado.

— O que foi? — questionou quando o encarei confusa. — Eu não


tenho medo de ficar perto de você.
— Você é um idiota, Alteza.
Vi seus lábios se curvarem em um leve sorriso que logo sumiu do
seu rosto. Só faltei babar durante os dois segundos que ele sorriu. Eu
havia esquecido o quão sua beleza aumentava quando ele ria.
— E você não mudou nadinha — murmurou e foi minha vez de
sorrir. Pelo visto ele não tinha esquecido como eu o xingava anos atrás.
Andrew quebrou nossa troca de olhares. Rei Dominic estava
deitado na cama bem no centro do quarto. Sua barba estava maior do
que eu lembrava. Além dos ferimentos em seus braços e pernas, uma
faixa branca cobria grande parte da cabeça. Tubos no nariz o ajudavam
a respirar. Além do soro nas veias, algum dispositivo media seus sinais
vitais em tempo real e o bip dos seus batimentos cardíacos era o único
barulho no local. Um aperto se formou no meu peito ao vê-lo naquela
situação. Pessoas boas como ele não mereciam sofrer tanto assim.
Lembrei da primeira vez que o vi de perto, no baile de aniversário
do Andrew. Me senti intimidada ao esbarrar nele, porém ele me tratou
de forma calorosa como se já me conhecesse. Quando morei no
castelo, notei que ele não era tão durão quanto parecia. Na verdade,
era uma pessoa super gente boa que carregava uma dor enorme no
peito. Uma lágrima deslizou por minha face e quando dei por mim já
estava chorando.
Sequei meu rosto rapidamente, eu estava ali para ajudar o
Andrew, não para ser fraca. Me aproximei dele tocando a mesma mão
a qual ele tocava a do pai. Tentei ignorar o anel de ouro reluzente no
seu dedo anelar, mas minha mente não deixou aquele detalhe
despercebido. Era sua aliança de noivado.
Fechei os olhos com força para tirar da minha mente que em
breve a aliança iria para a outra mão. Andrew se moveu, e ao abrir
meus olhos vi que tinha ido sentar no sofá no canto do quarto. Olhei
para o rei e segurando sua mão, sussurrei:
— Vou deixar a formalidade de lado. Não sei se o senhor está me
ouvindo, mas se estiver, eu quero te pedir para aguentar firme aí. Tenho
que apresentá-lo a uma pessoinha e tenho certeza que vocês irão se
amar muito. Não desista ainda, eu quero vê-lo sendo um avô coruja. —
Inclinei-me para beijar sua mão e minhas lágrimas molharam sua pele.
Após me recompor, fui até o Andrew, que estava com a cabeça
entre as mãos. Não dava para saber se ele chorava ou se estava muito
próximo de fazê-lo.
— Seus cinco minutos já se passaram. Vá embora, Hannah.
Quero ficar sozinho. — Percebi a sinceridade na súplica de suas
palavras, porém eu já estava ali, não seria agora que iria embora.
Não sabia bem o que dizer para consolá-lo. Na falta de palavras,
usei os braços. Senti seu corpo ficar rígido, mas não me afastei.
Segundos depois seus braços rodearam meu corpo e ele me abraçou
forte me puxando para perto do seu. Era difícil saber qual dos dois mais
precisava daquele abraço. Em seus braços, o vazio que senti mais
cedo pareceu ser preenchido. Naquele instante me senti novamente
inteira. Tudo parecia estar no lugar certo. Era como se aquele simples
gesto apagasse todo o medo, angústia e tristeza que sentia. Eu me
senti em casa.
Ele apoiou a cabeça no meu ombro chorando. Chorou como uma
criança.
Sem perceber, deixei as lágrimas me tomarem também. Chorei
por todo o tempo que passamos afastados, pela dor que senti ao ir
embora, por saber que nunca mais seríamos os mesmos de antes e
pela dor que ele sentia. O apertei mais forte e o seu cheiro que nunca
saiu da minha cabeça invadiu minhas narinas. Passamos mais alguns
minutos assim, deixando um simples abraço falar tudo que nunca
admitiremos em voz alta.
Não há outra pessoa que me faça sentir assim como ele faz.
Nós não vamos encontrar outro amor verdadeiro como o nosso
foi.
— Desculpe-me... Eu não... — Andrew se afastou usando a
manga da camisa para secar o rosto.
— Tudo bem. Acho que eu também precisava disso — respondi,
levantando logo em seguida para ir embora. Já tinha feito minha parte.
Se eu demorasse mais ali, minha mente estúpida iria começar a
divagar, e tudo que eu menos queria era acreditar em algo que não
podia acontecer.
— Tenha uma boa noite! — Ele se levantou esticando a mão para
mim. Sem hesitar, a apertei. Nossos olhares se encontraram, ele me
olhou da forma como fazia quando namorávamos, e meu coração idiota
falhou algumas batidas no peito.
— Você também, Andrew. — Dei bastante ênfase no seu nome,
ele acenou com a cabeça e puxei minha mão para ir embora, mas ele
demorou alguns segundos para soltá-la.
— Se quiser visitá-lo novamente, deixarei os guardas avisados
para liberarem sua entrada. — Abri um pequeno sorriso agradecendo.
Lentamente ele soltou minha mão e me afastei, mas não sem antes me
beliscar para saber se aquilo não tinha sido apenas um sonho. Acabei
resmungando da dor e ele perguntou se eu estava bem, apenas
assenti.
Estava com a mão na maçaneta da porta, quando algo me
ocorreu. Virei ao mesmo tempo que ouvi:
— Hannah?
— Andrew? — disse ao mesmo tempo que ele. — Você primeiro.
— Er... Você está doente? — Franzi a testa sem entender sua
pergunta, ele se explicou: — É que você já estava aqui no hospital
quando cheguei.
— Ah, eu estou com mi... Com o Ed. O Ed passou mal, deve ter
sido algo que comeu — respondi, tentando ocultar meu nervosismo por
quase ter entregado que tenho uma filha.
— O que você ia dizer? — Agradeci pela mudança de assunto.
Respirei fundo para tomar coragem de falar. Eu tinha que
aproveitar que ele estava com a guarda baixa.
— Eu entendo que você é ocupado, mas queria saber se qualquer
dia desses podemos nos encontrar... er... para discutirmos alguns
assuntos...
— Que assuntos são esses?
— Alguns assuntos pendentes do passado. — Ao ouvir a palavra
"passado" uma névoa cobriu seu rosto e ele assumiu sua maldita
postura de indiferença.
— Não temos nenhum assunto pendente, Hannah. Eu tenho uma
noiva, não marco encontro com outras mulheres. Boa noite. — Apontou
para a porta, me expulsando.
Saí antes de mais algum constrangimento ou para esconder a
mágoa que a palavra "noiva" causou em mim. Eu encontraria outro
meio para encontrá-lo e conversarmos. Passei pelos guardas em
silêncio, entrei no elevador e voltei para o quarto onde minha filha
estava.
Ed ainda dormia serenamente na cadeira próxima a sua cama
enquanto segurava sua mãozinha. Toquei a testa dela confirmando que
a temperatura havia baixado. Puxei a outra cadeira que havia ali para
perto da cama e fiquei a olhando com um sorriso bobo no rosto.
Tentei dormir, no entanto meus olhos se recusavam a ficarem
fechados. Minha mente vagava entre o passado, o presente e o futuro,
fazendo minha cabeça encher de dúvidas, e mais dúvidas.
Capítulo Sete

Sete
Mas você não tinha que me excluir
Fingir como se isso nunca tivesse acontecido e que não éramos nada
E eu nem sequer preciso do seu amor
Mas você me trata como um estranho e isso é tão rude
Somebody That I Used To Know - Gotye (feat. Kimbra)

— Você deveria ter me avisado, Hannah — reclamou Jake do


outro lado da ligação quando contei onde estava.
— Estava tarde. O Ed veio conosco e era apenas uma alergia,
não tinha por que atrapalhar seu sono. — Tentei me explicar falando
baixo para não acordar a Hailey e o Ed. Era por volta das sete da
manhã e eu não tinha conseguido dormir nada.
— Você sabe que não é incômodo algum, eu me preocupo com
vocês duas. Daqui a pouco chego aí. Beijos, querida. — Encerrou a
ligação e eu sorri.
Embora Hailey tivesse crescido longe do pai, a figura masculina
do Jake sempre esteve presente. Ele a acompanhou na festinha de dia
dos pais da sua creche e, pelas histórias que me contou, se divertiram
bastante. O Jake ganhou o prêmio de pai mais bonito, mais engraçado,
melhor contador de histórias, o mais forte... Enfim, todos os prêmios
que tinham lá, ele ganhou. Por outro lado, eu me culpava por tê-lo
deixado preencher um lugar que pertencia ao Andrew.
— Que cara de zumbi é essa, criatura? — A voz do Ed me tirou
dos meus devaneios. Olhei para ele que esfregava os olhos e tentava
assentar o cabelo.
— Estava preocupada com a Hailey, não consegui dormir. —
Omiti alguns detalhes sobre a madrugada. Ed é um ótimo amigo, mas é
um tanto exagerado, se eu contasse o que aconteceu com o Andrew
ele iria romantizar o momento, me deixando mais confusa.
— Pois eu dormi tão bem que sonhei que estava pegando o
enfermeiro. — disse se levantando. Sua coluna fez um estalo. Ele
reclamou de dor enquanto se espreguiçava. — Acho que tenho um
fetiche por caras que trabalham em hospitais.
— Quer dizer que o Jake não está mais incluído nos seus sonhos
eróticos? — provoquei, sorrindo ao lembrar a cena na noite anterior.
— Não pronuncie isso em voz alta outra vez, sua intrometida.
Respeite minha privacidade!
Sua atenção foi desviada de mim para a Hailey que se mexeu na
cama. Ela passou a mãozinha no rosto, movimentou a boca como se
estivesse comendo algo, e aos poucos seus olhinhos verdes foram se
abrindo.
— Se sente melhor, meu amor? — perguntei, segurando sua mão
e a levando até meus lábios. Ela balançou a cabeça dizendo que sim e
esticou os braços pra mim, pedindo um abraço. Não existe sensação
melhor que amor transmitido em um abraço de mãe e filho.
— Vou chamar a médica. — Ed disse antes de sair do quarto.
— Tio Jeika... cadê? — perguntou, esfregando novamente os
olhos com a mão que não estava ligada ao soro.
— Ele estava com a mamãe dele, daqui a pouco vai chegar. —
Apertei seu nariz e ela sorriu. Um sorriso muito parecido com o que eu
vi no rosto do pai dela horas atrás.
Ignorando a assustadora semelhança entre os dois, brinquei com
ela até o Ed voltar com a mesma médica da noite anterior. Ela me
cumprimentou com um bom dia indo falar com a Hailey.
— A princesa se sente melhor?
Hailey assentiu e a médica examinou a vermelhidão em sua pele,
que diminuíra bastante. Voltando-se para mim, perguntou como ela
tinha passado a noite e se eu tinha alguma suspeita do que poderia ter
causado a alergia. Só consegui pensar na tinta que o Ed usou para
pintar o cabelo dela. A médica aconselhou a evitar o produto receitando
um medicamento oral e uma pomada.
— Pedirei a alguém para retirar o soro e vocês podem ir.
Minutos depois, uma enfermeira apareceu — para a tristeza do Ed
— e fomos embora. No elevador, liguei para o Jake avisando que já
estava saindo, mandando ele nos encontrar em um café próximo ao
hospital. Enquanto isso, Ed estava com a Hailey nos braços e tentava
persuadir a menina.
— Repete comigo, Hailey: Eu.
— Eu.
— Amo.
— Amôu.
— Mais o tio Ed.
— O tio Jeika. — Ela bateu palminhas sorrindo. Sorri junto
enquanto Ed fez um biquinho triste.
— Tio Jeika não, tio Ed. Repete: Tio E-di.
— Tio Jeika!
— Você não vai conseguir fazê-la mudar de opinião — comentei.
Ed me mostrou a língua em resposta e Hailey fez o mesmo com ele.
— Está vendo o que você ensina pra minha filha, seu maluco! —
Dei um tapa no seu braço e ele se desculpou rindo. Depois foi dizer a
Hailey que era errado.
— Vamos tentar de novo.... Diga: "Eu amo o tio Ed".
— Amôu tio Jeika! — Ela riu novamente e Ed fingiu chorar. Então
Hailey o abraçou fazendo carinho no seu rosto até que as portas do
elevador se abriram.
O movimento na recepção do prédio agora era enorme. Andamos
por entre as pessoas até a porta de saída. Mandei Ed ir na frente com a
Hailey, pois ali estava cheio de guardas reais. Não podia arriscar eles
me reconhecerem e irem falar ao Andrew que eu estava com uma
garotinha. Todo cuidado era pouco.
Minutos depois, chegava no café do outro lado da rua. O ambiente
não estava tão cheio naquele horário. Percorri o local com os olhos a
procura do Ed, mas antes de encontrá-lo avistei um outro rosto
conhecido.
A garota de pele branca estava com seu cabelo loiro preso em um
coque e usando o uniforme do local. Caminhei até ficar próxima a mesa
que ela atendia para ter certeza de que minha mente não estava
pregando uma peça, tamanha foi minha surpresa ao constatar que
estava certa. Ao terminar de anotar o pedido, ela se virou e seu olhar
parou em mim. Era muita coincidência pra ser real.
— Hannah? — Ela caminhou até mim, abrindo um pequeno
sorriso.
— Oi, Scarlett — respondi, abrindo os braços e demos um rápido
abraço. Ela havia mudado, não tinha mais aquela cara de menina
mimada e nojenta, além de estar bem mais bonita que antigamente.
— Eu pensei que minha mãe tivesse te jogado em algum
convento ou prostíbulo — disse, surpresa.
— Graças a Deus, não! E você? Como veio parar aqui? — Fiz um
gesto com o dedo indicando o local.
— É uma longa história, mas tô no meu horário de trabalho e não
posso contar agora.
Eu realmente gostaria de saber como tia Satan a deixou trabalhar
como garçonete, aquilo não fazia sentido.
— Vou deixar meu número com você e marcamos de nos
encontrar outro dia. — Scarlett me entregou seu bloco de pedidos e
anotei meu número.
— Não quer se sentar? — perguntou e lembrei o que tinha ido
fazer ali.
— Você viu algum homem de cabelo rosa com uma criança
entrando aqui?
— Sim, eles estão em uma mesa lá no fundo. — Ela apontou para
uma mesa no fundo do local onde os fios rosa do cabelo do Ed se
destacavam.
— Nos vemos por aí.
A abracei outra vez e ela me soltou rapidamente.
— O príncipe acabou de chegar, deixa eu ir atendê-lo que a
gorjeta é boa. — Scarlett se afastou de mim e minhas pernas criaram
raízes. Ela tinha dito príncipe? Merda!
Andrew estava ali. Eu estava ali. Nossa filha estava ali. Ah, meu
Deus!
Sem pensar direito fiz a primeira coisa que veio na minha cabeça
e me escondi embaixo de uma mesa. Se ele visse a Hailey com o Ed
não desconfiaria, vê-la comigo era outra história. No entanto, o destino
não achou suficiente ter brincado conosco na madrugada, ele queria
um segundo round, constatei ao ver sapatos elegantes se aproximarem
da mesa em que eu estava. Quantas mesas havia no local? A
probabilidade de ele sentar justo na qual eu me escondia era
baixíssima. Mas nada é impossível para o meu querido destino
complicar mais minha vida. Cadeiras foram arrastadas e duas pessoas
se sentaram. Rezei para que fosse um príncipe de outro país e não o
Andrew.
— Bom dia, Alteza. O que os senhores vão querer? — Ouvi a voz
da Scarlett e esperei ansiosa pela resposta.
— Um café triplo extraforte — respondeu uma voz firme. Era ele.
— Calma, garoto. — Uma voz desconhecida falou.
— Não consegui dormir, preciso de cafeína — resmungou
Andrew. Pelo visto a noite não tinha sido conturbada apenas pra mim.
— Vou querer uma xícara de chá. — O outro homem, que eu não
fazia a mínima ideia de quem fosse, falou e ouvi os passos de Scarllet
se afastando.
— Odeio chá — resmungou mais uma vez. —Vamos logo ao
ponto, o que veio fazer aqui? — Ele tinha caído da cama para acordar
tão mal-humorado?
Eu estava me sentindo uma enorme intrometida por estar ouvindo
conversas alheias. Da última vez que o fiz, anos atrás, tinha acabado
com parte da minha felicidade.
— Vim saber se você precisa de ajuda. Enquanto seu pai estiver
desacordado, o país está nas suas mãos. — Pelo visto era alguém
importante.
— Agradeço a preocupação, porém não preciso de ajuda para
cuidar do meu país. Só era isso? — Senti vontade de chutar a perna do
Andrew pra ele parar de ser tão grosso.
— Você não passa de um garoto, Andrew. Não vai conseguir
administrar tudo sozinho. — Dessa vez senti vontade de chutar o outro
homem por chamar o Andrew de incapaz.
— Meu pai assumiu o reino mais ou menos com a minha idade, e
foi a época em que o país mais prosperou. Creio que idade não
influencia em nada, Eros. — Eros... Eu já tinha ouvido aquele nome em
algum lugar, não lembrava onde.
— Não foi o que quis insinuar. Não duvido de sua capacidade,
mas você ficará sobrecarregado com tanta responsabilidade em suas
mãos. — Por um momento senti pena do Andrew. Não bastava estar
sofrendo pela enfermidade do pai, ainda tinha que se responsabilizar
pela vida de milhões de pessoas e... sozinho. Eles ficaram em silêncio
por alguns minutos, pois a Scarllet trouxe os seus pedidos. Depois de
um certo tempo continuaram a conversa.
— E qual seria sua solução?
— Você precisa se casar logo. Sophia foi educada para ser uma
rainha, ela irá ajudá-lo. — Coitado do país com uma rainha como a
Sophia, pensei com resignação.
— Sua filha está com raiva de mim e tenho certeza que vai durar
por um bom tempo, ela não vai querer casar agora. — comentou
Andrew, com uma leve ironia no seu tom de voz.
Tive certeza que odiava aquele homem ao saber que era o pai da
Sophia. Ele possuía uma enorme parcela de culpa por eu ter ido
embora da vida do Andrew, sem falar que ameaçou colocar o povo de
Mirabelle em dificuldades.
— Você conhece a Sophia, a raiva dela dura no máximo um dia.
— O reizinho respondeu e parecia sorrir nervoso.
— Creio que não, eu fiz algo meio imperdoável com sua filha. —
Notei um certo arrependimento na sua voz. Senti uma ânsia de vômito
ao imaginar os dois juntos.
— Não me diga que você a agrediu, seu... — Andrew o
interrompeu antes dele terminar a frase.
— Óbvio que não, digamos que eu estava pensando em... — Ele
parou de falar quando um celular começou a tocar. Demorei alguns
segundos para perceber que era o meu. Merda! Merda! Merda!
Procurei o aparelho dentro da bolsa, mas havia tanta coisa ali e
misturada ao nervosismo não consegui encontrar. Agindo novamente
sem raciocinar direito, peguei o primeiro objeto que encontrei na bolsa
e joguei no chão ao mesmo tempo que o pano que cobria a mesa foi
levantado.
— Hannah? — Andrew chamou, surpreso. — O que faz aí?
— ACHEI!!! — Gritei, pegando o objeto que havia jogado no chão
e tentei levantar, no entanto, esqueci que estava embaixo de uma
mesa, e adivinha? Bati com força minha cabeça nela.
— MERDA!!! — Xinguei, passando a mão na minha cabeça
levantando dessa vez sem me machucar.
— O que estava fazendo aí embaixo? — Andrew perguntou me
olhando confuso. Sem frieza na sua voz, foi o suficiente para meu
nervosismo inteiro ir embora. Mostrei o objeto a ele inventando uma
mentira idiota.
— Eu estava procurando... — Olhei pra minha mão para ver o que
eu estava procurando e quis achar um buraco pra enfiar minha cabeça
quando vi o anel que ele havia me dado antes de ir embora. Fechei
rapidamente a mão, porém a julgar pelo seu olhar fixado na peça, ele
havia percebido.
— Já encontrei, ALTEZA. Desculpe incomodar, ALTEZA. Agora
preciso ir, ALTEZA. — Gritei o nome Alteza várias vezes para Ed ouvir
e se dar conta que devia esconder a Hailey.
— Você está bem? — Ele me lançou um olhar como se eu fosse
algum ser extraterrestre.
— SIM, ALTEZA. AGORA EU PRECISO SAIR, ALTEZA. SAIR. —
Gritei novamente olhando para o lugar onde Ed estava. Vi ele se
levantar caminhando em direção a placa que indicava o banheiro
feminino.
Depois ele se meteria em confusão, mas me livraria de uma
enorme no momento. Voltei meu olhar para o Andrew o encarei.
— Desculpe meus gritos, ingeri muita cafeína e estou com energia
de sobra — respondi, gesticulando com os braços e sorrindo como uma
retardada.
Seus lábios se abriram em um sorriso, de verdade, enquanto eu
falava. Tentei ignorar os batimentos acelerados no meu peito, porém
fracassei.
— Err... — Alguém limpou a garganta, fazendo quebrarmos a
troca de olhares e meu sorriso sumiu no instante em que vi o homem
desprezível a minha frente. Eu lembrava bem dos conselheiros do rei
Dominic dizendo que ele estava fazendo outros países desfazerem
alianças com Mirabelle apenas por um capricho da sua filha. Acho que
ele me reconheceu, pois me lançou um olhar cheio de fúria que fiz
questão de devolver.
— Acho que já está na hora de irmos, Andrew — disse o homem
ainda me olhando feio. — A Sophia está no castelo nos esperando para
o café da manhã. — Se a intenção dele era ver minha reação ao ouvir
sua provocação, ele falhou. Minha única e sábia atitude foi virar para o
Andrew me despedindo.
— Até mais, Andrew. — Me estiquei beijando sua bochecha, no
entanto, pego pela surpresa do meu gesto ele virou o rosto e o que
seria um beijo fraternal se tornou um rápido selinho, que fez minha
mente me levar a um passado em que tudo eram flores e corações.
Até a voz dele estragar tudo.
— O que pensa está fazendo? — questionou, me encarando
agora com frieza.
Se há uma coisa que detesto, desde a época em que morava com
a minha tia, são pessoas que questionam coisas óbvias. Até poderia
dizer que pretendia beijar seu rosto e a culpa foi toda dele por ter
virado, mas precisava sair dali o quanto antes.
— Me despedindo, não gosto de ficar em locais mal frequentados.
— Dei bastante ênfase nas últimas palavras. Se o rei tivesse um
mínimo de inteligência entenderia a indireta.
— E precisa tentar me beijar para isso? — Revirei meus olhos
procurando manter a calma. Ele nem parecia a mesma pessoa que
tinha chorado nos meus braços horas atrás, se eu não tivesse me
beliscado, iria dizer que não passara de um sonho.
— Andrew, não tenho tempo pra ficar respondendo suas
perguntinhas idiotas. Tchau! — Me virei pra ir embora e a voz do Rei
Eros me fez parar.
— É dessa forma que você acha que será um bom rei, Andrew?
Deixando seus súditos te tratarem como bem entendem?
Já assistiram desenhos animados em que o personagem pretende
fazer alguma idiotice e aparece um anjo e um demônio como se fossem
sua consciência? O Rei Eros é o diabo.
— Eros, estamos no meu país — deu bastante ênfase no
pronome possessivo — E sou eu quem dito a forma como quero ser
tratado. Agradeço se ficar calado. — O rei lançou um olhar de fúria para
o Andrew, enquanto eu lançava um olhar de deboche pra ele. Andrew 1
x 0 DiabEros.
— E quanto a você Hannah. — Falou, me encarando com frieza.
Apertei forte minha bolsa com as mãos para elas não irem parar na sua
cara acidentalmente. — Deve ficar ciente que você perdeu todo o
direito de se dirigir a mim como se fôssemos amigos ou algo do tipo
desde o dia que foi embora.
Colocar o passado na mesa era jogo sujo. No entanto, eu
precisava agir com maturidade, e usando todo o meu autocontrole,
devolvi seu olhar frio respondendo no mesmo tom.
— Perdão, Alteza. Garanto que não acontecerá novamente. —
Estava indo tudo bem, até eu agir como eu mesma e acabar falando o
que não devia. — Aproveite a companhia do seu sogro e pergunte a ele
o motivo pelo qual fui embora, ele vai saber responder. Tenham um
bom dia! — Abri um sorriso falso fazendo uma reverência exagerada.
Não demorou um milésimo de segundo para ele segurar com
força o meu braço me impedindo de sair. Dessa vez, a ira que eu sentia
dele não fez a maldita corrente percorrer o meu corpo e agradeci por
isso.
— Explique-me essa história! — exigiu com autoridade. As
pessoas presentes no estabelecimento já prestavam atenção na cena.
— Infelizmente não posso, Vossa Alteza me proibiu de tratá-lo
como amigo. Segredos fazem parte do pacote de amizade. — Pisquei o
olho pra ele e sua postura fraquejou. Por alguns segundos alguma
emoção apareceu no seu olhar, porém foi tão rápido que não consegui
identificar qual. Puxei meu braço sentindo-me vitoriosa por ter
conseguido desarmá-lo. Hannah 10 X 0 Príncipe Babaca.
— Não vê que ela está apenas querendo chamar atenção,
Andrew? Não acredite nessas palavras. — Aquele homem devia ter
algum tipo de pacto com minha tia, não era possível eu odiar alguém
tão rápido assim.
— Eros, será necessário eu pedir novamente para você se calar?
— O rei Diaberos merecia ser tratado de tal forma, mas estava me
irritando ver o Andrew agindo dessa maneira. Mostrava que o garoto
fofo e brincalhão que conheci não estava mais ali.
— Você vai me contar essa história, sendo verdade ou mentira, eu
quero ouvir! — Arregalei meus olhos, eu não estava pronta pra contar
ainda. Se eu começasse a falar algo precisaria contar tudo e não iria
dizer nada sobre a nossa filha enquanto aquele homem desprezível
estivesse por perto.
— Posso contar, mas hoje não. Realmente preciso ir embora. — A
qualquer momento, alguém iria notar a presença do Ed no banheiro
feminino, não podia demorar mais tempo ali.
— Ela quer tempo para inventar uma mentira, Andrew. Seja mais
inteligente. Esqueça essa história e a deixe ir. Todos estão olhando
para nós, um escândalo enquanto seu pai está no hospital não é bom
para a imagem do país. — Mais uma vez Andrew tentou mandá-lo calar
a boca, porém toquei seu braço e ele se calou. Me lançando um olhar
severo, mas se calou.
— Ele está certo, Andrew. Voltem para a conversa de vocês,
preciso ir embora. Me desculpem por atrapalhar.
— Amanhã. Aqui. No mesmo horário. — Ao encará-lo sem
entender, Andrew acrescentou: — Você pediu um encontro, sua lerda.
— brincou, me fazendo sorrir.
Então, ele me deixou ir embora.
Ao dar as costas ao dois, um homem alto e forte entrou no recinto,
fazendo todas as mulheres que olhavam para o Andrew desviarem o
olhar para ele. Lentamente retirou os óculos escuros, bagunçou
levemente o cabelo esbanjando seu charme para a mulherada,
percorrendo os olhos pelo local até encontrarem os meus. Um pequeno
sorriso se formou no seu rosto quando ele veio até mim como se
estivesse em uma passarela me abraçando assim que me alcançou.
— Lembrava de você mais bonitinha sem essas olheiras. —
Beijou meu rosto apertando meu nariz, gesto digno de um irmão mais
velho chato.
— Onde está a Ha... — Ele deixou a frase solta no ar. — Porra! —
Xingou baixinho. Supus que ele havia visto o Andrew. — Cadê ela? —
Não respondi, apenas puxei o seu braço arrastando-o para fora do
Starbucks. Precisávamos pensar em um jeito de tirar o Ed e a Hailey do
banheiro, e estando longe do Andrew seria bem mais fácil para meus
neurônios raciocinarem com clareza.
Felizmente, nem precisamos pensar em nada. Meu celular tocou e
dessa vez o encontrei com facilidade dentro da bolsa. Ed avisou que
havia feito uma amiga no banheiro e ela iria trazer a Hailey até a saída,
ele viria logo atrás. Ficamos esperando a mulher, ela demorou cerca de
cinco minutos para aparecer. Ao ver minha filha segurando a mão de
uma senhora que aparentava ter mais de cinquenta anos de idade, corri
na direção das duas. Os olhos da minha pequena estavam vermelhos
demonstrando que havia chorado. Tentei pegá-la no colo, mas ela me
ignorou completamente correndo para os braços do Jake. Deixei os
dois se divertirem enquanto fui falar com a mulher.
— Obrigada por trazê-la. — Agradeci a senhora e ela sorriu
gentilmente pra mim.
— Só olhar para o seu marido já foi um ótimo pagamento. —
Piscou o olho e sorri, entendendo por que o Ed fez amizade tão rápido
com ela, era tão atirada quanto ele. Ela se despediu da gente antes que
eu pudesse dizer que o Jake não era meu marido.
— Vamos embora, Ed vai depois — falou Jake e eu concordei.
Fomos até o carro, que era do seu pai, e vi que ele já tinha colocado
uma cadeirinha para Hailey no banco de trás. Sentei ao lado dela e fui
dando risada o caminho inteiro ouvindo eles cantarem músicas de
algum filme da Disney, que eu não lembrava o nome.
...
O restante do dia passou normalmente. Ed chegou ao seu
apartamento minutos depois de nós, dividindo a cozinha comigo para
prepararmos o almoço. Durante a tarde, ocorreu uma verdadeira briga
entre os dois para saber quem tomaria chá com Hailey e suas bonecas
no fim do dia. Fiquei apenas os observando de longe, enquanto
pensava na melhor maneira de contar tudo para Andrew no dia
seguinte.
E se ele não acreditar? Apenas Rei Dominic poderia confirmar
minha história e ele estava desacordado. E se Andrew quiser tomar a
guarda da Hailey? Ou pior, se não reconhecê-la? De qualquer modo, eu
estaria encrencada, mas era o preço a pagar por minhas escolhas. Eu
só não quero que minha filha sofra por causa disso.
— Por que não esquece os problemas por alguns minutos e vem
se divertir conosco? — Jake abraçou meu corpo por trás, pousando
uma mão na minha cintura apoiando a cabeça no meu ombro.
Eu estava apoiada no balcão da cozinha observando Ed e Hailey
fazerem cookies. Sim, Ed chantageou minha filha com cookies de
chocolate para ser ele o convidado especial do chá, mas eu tinha
certeza que Jake só precisaria fazer sua melhor cara de cachorro pidão
que ela esqueceria até a existência do Ed.
— Andrew de novo, não é? — Jake parecia me conhecer melhor
do que eu mesma.
— Vamos nos encontrar amanhã.
Ele deu a volta no balcão, ficando de frente para mim,
observando-me com cautela.
— Isso é ótimo. — Jake segurou minhas mãos — Tente ser
madura e seja paciente com ele. Andrew pode não estar mais magoado
com você, mas o ego ainda está ferido e homens tendem a se
mostrarem superiores a alguém que os rejeitou.
— Isso é idiotice.
— Homens são idiotas, Hannah. — Beijou minha mão no
momento em que Hailey o chamou. — Vai dar tudo certo — garantiu, se
afastando para juntar-se ao Ed e Hailey.
Minha mente voltou a pensar no Andrew e na complexidade da
conversa que teríamos. Saí dos meus devaneios quando senti algo
cremoso tocar meu nariz, em seguida minhas bochechas e meus
lábios. Voltei a realidade percebendo que se tratava do Jake
esfregando chocolate na minha cara.
A risada de Hailey preencheu o local. Decidi entrar na brincadeira,
ficar remoendo aquilo na mente de nada adiantaria. Seria mais
satisfatório passar a tarde me divertindo com minha filha e amigos do
que perdendo meu tempo pensando em algo que me assombrava cada
vez mais.
— Eu vou me vingar!
Fui até a cozinha, enfiei minha mão na tigela de massa. Jake já
estava em alerta esperando eu dar o troco, então optei por pegar Ed
desprevenido jogando massa na sua cara. Ele soltou um gritinho agudo
e entrou massa na sua boca. Hailey riu ainda mais. Ed passou a colher
da mistura de chocolate, leite e ovos no seu rosto. Ela parou de rir no
mesmo instante fechando a cara com um biquinho fofo. Jake, Ed e eu
nos entreolhamos. Lendo os pensamentos um do outro, pegamos tudo
que havia na mesa e a sujamos por inteira. Ela gritava nos mandando
parar, mas cada vez mais alto. Mudei o alvo me vingando do Jake.
Passei chocolate no seu rosto e braços, porém ele trapaceou na
brincadeira me agarrando. Prendeu meus braços para trás e mandou
Hailey se vingar. Minutos depois, a cozinha estava uma verdadeira
bagunça e nós sentados no chão todos lambuzados e tentando parar
de rir.
— Agora é hora do banho! — anunciou Jake, pegando Hailey no
colo e a jogando sobre seus ombros. Ele me estendeu a mão para me
ajudar a levantar e sem eu esperar, com seu braço livre, ergueu meu
corpo do chão, fazendo comigo o mesmo que fez com a criança. Só
nos colocou no chão quando chegamos ao meu quarto.
Com a demora no banho para tirar toda a sujeira dos meus
cabelos e dos da Hailey, e da limpeza na cozinha, acabamos perdendo
a hora do chá e uma guerra entre Jake e Ed foi evitada.
— Eu preciso voltar pra casa — disse Jake — Prometa me ligar
se algo acontecer com vocês. — Assenti, sorrindo mais uma vez do seu
look. Ele estava usando uma calça jeans do Ed e uma camiseta
amarela. A roupa estava super colada, pois ele tinha o dobro de
músculos do Ed, e isso era suficiente para destacar sua bunda e coxas
de modo que faria muita gente babar.
— Boa noite. — Beijou minha testa e foi se despedir da Hailey. Ela
chorou e implorou para ele ficar. Hailey era acostumada a ter Jake
todas as noites conosco. Precisei explicar com toda calma que ele tinha
que ir, mas ele prometeu que logo cedo estaria de volta. Depois do
abraço mais demorado do mundo, ele se foi.
Ed, que decidiu passar a semana sem ir à faculdade, instigou
Hailey a assistir algum filme de princesa, e fomos para a sala assistir
Cinderela, pela milionésima vez. Ela sempre escolhia esse, eu não
aguentava mais a mesma história, o mesmo final.
— Mamãe... eu coneci um plicipe. — Hailey contou enquanto o
filme não iniciava.
— Mais um? — Ela assentiu.
— Um plicipe de vedade. — Meus olhos se arregalaram ao
lembrar que Andrew e Hailey estiveram no mesmo lugar... não, não é
possível. — Ele tem uma coloa e um catelo.
— Vocês conversaram? Como ele era? Você falou da mamãe?
Hailey! — ela não respondeu nenhuma das minhas perguntas, pois sua
atenção voltou-se para o filme que tinha iniciado.
Tentei me acalmar. A senhora que saiu com a Hailey deveria tê-la
mostrado o príncipe de longe. Sim, tinha sido isso. Se Hailey tivesse
falado de mim ou Andrew desconfiasse, ele teria me procurado em
busca de informações, e não foi o caso. Não tinha motivos para
preocupação e eu não precisava de mais um problema para me dar dor
de cabeça.
Devido à noite que passei em claro, adormeci durante o filme.
Dessa vez sonhei com Andrew, Hailey, Rei Dominic e eu brincando no
jardim do castelo como uma família feliz. Ao despertar, o filme já estava
quase no fim, Hailey dormia com a cabeça apoiada no colo do Ed, e
este chorava emocionado.
— Até onde eu me lembro, termina tudo bem na história, por que
você está chorando? — sussurrei para não acordar minha pequena, a
peguei nos braços com cuidado enquanto ouvia a resposta do Ed:
— Por isso mesmo. A realidade também deveria ser assim. Vivo
achando que não fiz meu papel de fada madrinha direito, por isso o
destino foi cruel. — Entendi rapidamente a que ele se referia.
Eu nunca disse ao Ed o motivo pelo qual fui embora. Sabia que
ele não aceitaria minha decisão e contaria ao Andrew. As únicas
pessoas que sabiam eram Jake e o pai do Andrew, porém Ed nunca me
julgou ou insistiu para eu contar. Confiava em mim acima de qualquer
coisa.
— O destino não foi cruel, ele separou o Andrew e eu, mas me
deu a Hailey. Não posso reclamar.
— Vocês três deveriam estar juntos. Seriam a família mais linda e
feliz do mundo. — Eu concordava totalmente com meu amigo, porém
eu não estava disposta a trocar o bem-estar de milhões de pessoas
pela minha felicidade.
— Boa noite, Ed. — Beijei sua bochecha acrescentando: — Tente
gemer mais baixo quando estiver sonhando com o Jake. — Recebi um
tapa na bunda como resposta indo para o quarto sorrindo. Levei Hailey
para dormir comigo.
Capítulo Oito

Oito
Eu estava sufocando no meio da multidão

Elevando minha chuva até uma nuvem


Que caía como cinzas no chão
Esperando que meus sentimentos se afogassem
Mas eles nunca se afogaram, sobreviveram, livres e soltos

Believer - Imagine Dragons

Andrew
Há pessoas que entram em sua vida para fazer o bem e outras
para fazer o mal. Porém, também existem aquelas que só entram para
fazer bagunça e causar o maior estrago possível. Hannah se encaixa
neste terceiro grupo, e não me refiro ao jeito desastroso de esbarrar em
tudo e todos.
Ela fazia uma verdadeira bagunça em minha cabeça.
Durante a madrugada, devido ao álcool e a situação delicada do
meu pai, eu me permiti baixar a guarda perto dela, deixando-a me
consolar. Lógico que a "ajuda" não foi de graça, afinal todos esperam
receber algo em troca quando me fazem favores. No caso, Hannah quis
marcar um encontro comigo, o qual recusei sem hesitação. Eu não
queria saber algo que tenha ficado pendente sobre o nosso passado,
foi um longo caminho para superá-la e não seria agora que meu
psicológico voltaria àquele estágio.
Contudo, Hannah parecia disposta a não me deixar em paz,
aparecendo sempre nos momentos e lugares que eu menos esperava:
primeiro no cemitério, depois no hospital e por fim, embaixo de uma
mesa. Neste último encontro, ela conseguiu atiçar minha curiosidade ao
acusar o rei Eros de saber o motivo pelo qual ela me deixou.
Não acreditei em suas palavras, é claro, mas desejei saber qual
história ela tinha inventado, qual plano por trás de tudo. Não duvidava
que tivesse planejado algo bem minuciosamente para me enganar
outra vez, vindo com uma desculpa esfarrapada dizendo estar
arrependida.
E, por Deus, uma parte de mim realmente desejava que ela
tivesse tido uma boa razão para ter me abandonado!
Assim sendo, decidi aceitar seu pedido e marcar aquela reunião
para o dia seguinte. O modo como Hannah sorriu logo depois me
alertou que eu tinha tomado uma das piores decisões de toda a minha
vida. Constatei que ela me deixava confuso ao agir como fazia no
passado, e sabe-se lá o que poderá fazer caso descubra essa
fraqueza. Enquanto a observava ir embora, toquei o canto da boca
onde ela me beijou, seria difícil de esquecer a maldita textura dos seus
lábios.
Neste momento, Jake apareceu e os vi se abraçarem. Ele foi
outro em quem confiei, considerei ser meu amigo de verdade, e sumiu
da minha vida sem sequer se despedir. Os dois bem que se mereciam.
— Você precisa evitar este tipo de cena em público — advertiu
Eros, esgotando o restante da minha paciência.
— Vamos embora.
Retirei uma nota da carteira entregando a garçonete, mandando-a
ficar com o troco. Queria ir logo embora dali e ocupar minha mente com
qualquer outra coisa que fosse. Estava a caminho da saída quando
algo esbarrou em minhas pernas.
Se eu não tivesse visto Hannah sair, afirmaria que tinha sido ela,
porque nenhuma outra criatura no mundo tinha a capacidade de ser um
desastre ambulante nas mesmas proporções. Porém, quando virei não
vi ninguém. Um choro infantil cortou o ar, me fazendo olhar para baixo
encontrando uma criança no chão.
Uma criança chorona era tudo o que faltava!
Ainda assim, não deixei o cavalheirismo e a gentileza de lado.
Abaixei-me, oferecendo minha mão.
— Você se machucou, pequena? — A garotinha ergueu a cabeça
para me olhar, seus olhos verdes estavam inundados de lágrimas e ela
assentiu, continuando a chorar.
Como ela não segurou minha mão nem se levantou sozinha, a
peguei nos braços para tentar consolá-la. Verdade seja dita, eu adoro
crianças e levo jeito com elas, tanto que sonhava em ter um número
elevado de filhos. E sempre que possível, estava criando projetos em
prol dos pequeninos.
— Andrew, não temos tempo para isso. Vamos. — Ignorei o
chamado de Eros focando toda minha atenção na criança em meus
braços.
— Onde está a sua mamãe? — Afastei os fios castanhos do seu
cabelo que estavam colados nas bochechas gorduchas. Ela apontou
para a saída, então arregalou os olhos me empurrando.
— Mamãe não dexa fala com estlanos. — Tive que sorrir diante
de tanta fofura.
— Mas eu não sou um estranho, sua mãe me conhece. —
Qualquer pessoa em Mirabelle me conhece. — Eu posso te contar um
segredo? — ela acenou com a cabeça e falei baixinho: — Eu sou um
príncipe.
Sua boca se abriu em surpresa e o choro cessou. Crianças,
sobretudo meninas, tinham essa mesma reação quando eu dizia isso.
No entanto, ela me encarou parecendo desconfiar.
— Cadê sua coloa?
— Está na minha casa.
— No catelo?
— Sim, pequena.
— Tio Edi disse que sou uma plicesa. — falou orgulhosa, me
deixando ainda mais encantado com sua esperteza.
— Claro que é, uma linda princesinha. — Não resisti a vontade de
apertar sua bochecha quando ela sorriu. — E princesas não devem
ficar sozinhas, com quem você está?
— Comigo, Alteza. — Olhei na direção da voz que me respondeu.
Uma senhora de cabelos grisalhos fazia uma reverência. Devia ser avó
da menina. — Estávamos no banheiro e ela saiu correndo, perdão pelo
inoportuno.
Acenei para a senhora olhando carrancudo para a garotinha.
— Você não deve sair correndo por aí, poderia ter se machucado.
Prometa-me que não fará de novo.
Após ela prometer e eu alertar que princesas não quebram suas
promessas, coloquei-a no chão me despedindo.
— Eu preciso ir. Foi um prazer conhecê-la, princesa. — Peguei
sua mão pequeninha e beijei. Ainda demorei alguns segundos para me
afastar, devido a meiguice naqueles olhinhos verdes me encarando.
Quando levantei, ela acenou um tchauzinho e devolvi o gesto.
— Consolar a criança foi uma boa jogada para abafar a discussão
com aquela mulher. — Eros comentou, minutos depois, ao entrarmos
no automóvel que nos levaria para o castelo.
Assenti pegando o celular para ler as notícias do dia em Mirabelle,
e também para evitar ouvir a voz do meu futuro sogro.
Capítulo Nove

Nove
Estou caindo
Em todos os bons momentos, me vejo ansiando por mudança
E nos maus momentos, sinto medo de mim mesma
Shallow – Lady Gaga

A lua formava um pequeno traço luminoso no céu escuro. Poucas


estrelas podiam ser vistas devido as nuvens de chuva que começavam
a se formar. Alheios às condições do tempo, duas pessoas
conversavam fervorosamente em uma casa abandonada.
— Sabe quem resolveu aparecer justo agora? — perguntou o
homem e sem aguardar uma resposta falou: — Aquela garota insolente
e arrogante.
A mulher, que até então não estava prestando atenção nas
palavras do seu comparsa, voltou sua total atenção para ele com seus
olhos verdes arregalados exageradamente. De início não acreditou
naquilo, conhecia bem a pessoa a qual se referia e sabia que ela não
arriscaria voltar.
— É impossível, ela não ousaria voltar. Devem ter lhe passado a
informação errada — contestou, segura de si.
— Eu a vi esta manhã! — replicou. — Ela teve a petulância de me
acusar indiretamente. É só uma questão de tempo até que conte ao
príncipe toda a verdade.
Samantha sentiu uma ira crescer dentro de si. Conhecia bem os
homens daquela família e estava ciente que não precisaria de muito
para o Andrew voltar correndo para os braços da sobrinha.
— Se ela contar, você pode dar adeus aos seus planos, querido
Eros. O príncipe é um tolo como o pai, não pensará duas vezes antes
de trocar de noiva.
O homem levantou-se da cadeira, furioso. Queria crer que a
mulher a sua frente estava blefando, no entanto notou o
comportamento estranho do Andrew com a garota e seu olhar vendo-a
abraçar outro homem. Ele sabia bem identificar um olhar de ciúmes.
Andrew não passava de um tolo, confirmou o rei.
— Precisamos nos livrar dela de uma vez por todas.
— Ela não tem culpa de sua filha ser incompetente e incapaz de
fazer o príncipe se apaixonar. — Samantha manifestou com sarcasmo.
— Deixe que da minha sobrinha cuido eu!
— Eu não confio em você. — Eros rebateu, aumentando o tom de
voz. — Acha que não sei que tem dedo seu no acidente do rei
Dominic? A culpa é sua por este casamento ainda não ter acontecido.
— Conspirar para matar meu próprio rei? Que acusação grave! —
Samantha levantou-se para encará-lo cara a cara. Abrindo um sorriso
que muitos considerariam diabólico falou: — Querido, se eu quisesse
matar algum monarca, saiba que o primeiro da minha lista seria você.
O rei não se abalou diante da ameaça.
— Eu não tenho tempo para seus joguinhos. Este casamento irá
acontecer, e se eu precisar tirar sua sobrinha do meu caminho, o farei.
— O olhar que ele a lançou faria qualquer um estremecer da cabeça
aos pés, porém não era com qualquer um que ele estava lidando.
Ao invés de se intimidar, Samantha apontou um dedo com uma
unha vermelha na direção do rei.
— Se você me desafiar mais uma vez, se arrependerá para o
resto de sua medíocre vida — alertou. — Lembre-se que fui eu que
arranjei este casamento, também posso desfazê-lo em um estalar de
dedos. — Estalou os dedos para selar sua sentença.
Eros suspirou profundamente. Não confiava nem um pouco
naquela mulher, porém admitia que ela era esperta para conquistar o
que desejava. Era melhor tê-la como parceira do que como inimiga.
— Eles marcaram um encontro amanhã. Faça algo!
— Você me ofende ao achar que ficaria de braços
cruzados, majestade. Cuide de apressar esse matrimônio que eu
cuidarei da minha sobrinha. — Levantou-se retirando-se dali. O cheiro
de mofo e as incontáveis teias de aranha estavam incomodando-a, sem
contar que seus sapatos caríssimos adquiriram tanta poeira que ela
precisaria de novos urgentemente.
Entretanto, sua sorte não demorou muito tempo para aparecer. No
percurso de volta para o hotel onde se hospedara, pensava no que diria
à sobrinha para mandá-la embora do país quando recebeu um
telefonema.
— Samantha, eu tenho algumas informações que podem lhe
interessar. — Foram as primeiras palavras que a pessoa do outro lado
da ligação disse.
Ela marcou um encontro com seu velho e sempre prestativo
amigo. Passaram a madrugada envoltos em conversa e luxúria.
Samantha queria que as notícias recebidas fossem mais do seu
agrado, mas sua mente ardilosa sempre buscava um jeito para reverter
uma situação ruim e torná-la mais favorável a seus interesses.

Andrew
Quando acordei, notei que meus olhos estavam roxos como se
tivesse sido golpeado. As olheiras eram consequência das últimas
noites mal dormidas. Eram tantos problemas para pensar que quando
conseguia fechar os olhos e adormecer, o despertador tocava avisando
que eu deveria levantar. Minha aparência física estava deplorável, só
não tanto como meu emocional.
O dia no castelo começou em uma correria. Antes de tomar o café
da manhã, tive que assinar documentos e analisar projetos. Aproveitei
os serviços do secretário do meu pai para organizar uma agenda para o
restante da semana, mas deixando um espaço livre nas próximas horas
para que pudesse ir ao encontro com a Hannah.
Ao terminar as primeiras atividades do dia, fui informado que o Sr.
Morris estava a minha espera. Chamei-o no meu escritório tentando
disfarçar a ansiedade que sentia para ver os resultados do seu
trabalho.
— Bom dia, Oliver! — o cumprimentei quando se sentou na
cadeira a minha frente.
Prontamente, ele apontou para um envelope em cima da mesa.
Uma batida falhou no meu peito ao ver do que se tratava.
— Foi o máximo de informações que eu consegui, Alteza. Espero
que lhe sejam úteis.
— Obrigado, procure o Henry para acertar seu pagamento. — Ele
saiu me deixando sozinho com aqueles papéis.
Relutei inúmeras vezes antes de abrir aquele envelope. Eu queria
mesmo saber como foi sua vida nos últimos anos? Eu não me
importava mais com ela, por que então precisaria investigar sua vida?
Diabos, a quem eu queria enganar? Eu tinha medo do que poderia
encontrar ali.
Respirando fundo, tomei coragem e abri o envelope.
Hannah Price
Data de nascimento: 12/12/1999
Filiação: Jonathan Price e Elizabeth Price
Na primeira folha não havia nenhuma informação relevante,
apenas coisas das quais já tinha conhecimento, como sua avó que
trabalhou como criada no castelo e seu pai como guarda, entre outras
coisas. A única informação que chamou minha atenção ali foram os
dados da sua conta bancária. Passei a página e logo desisti da leitura
ao ver uma informação que não me agradou. Guardei os papéis de
volta no envelope colocando dentro da gaveta.
Saí caminhando pelos corredores do castelo sem rumo algum,
pensando no que acabara de ler. Neste momento, senti uma falta
absurda do meu pai. Gostaria de conversar com ele, poder desabafar,
ouvir sua opinião e seus sábios conselhos.
Ainda estava perdido em pensamentos quando encontrei Sophia
no salão principal do palácio. Ela usava um comportado vestido branco
e o cabelo estava preso em uma trança lateral. Sua aparência estava
perfeita como sempre. No entanto, as feições em seu rosto indicavam
tristeza.
— Bom dia, Sophia!
Ela fingiu não me escutar. Sophia ainda estava chateada por
trocar seu nome quando estávamos juntos, desde então vinha me
ignorando.
— Gostaria de tomar café comigo no jardim? — sugeri, pegando
sua mão delicada e levando-a aos lábios. — Creio que precisamos
conversar.
— Eu preciso fazer minhas malas para voltar ao meu país,
podemos deixar para outra oportunidade. Desculpe. — respondeu com
gentileza forçando um sorriso.
Senti-me o mais canalha dos homens. Eu realmente tinha
magoado minha noiva por causa de alguém sem importância. Ela
estava pronta para desistir de tudo que construímos por causa de um
momento nostálgico meu. Hannah fazia parte do meu passado, Sophia
era o meu presente e futuro. Não podia permitir que uma ex-namorada
interferisse na minha vida desse modo, fazendo-me perder a única
pessoa que eu tinha no momento.
Com isso em mente, segurei o rosto da Sophia a fazendo me
encarar.
— Eu sei que nada justifica o erro que cometi com você e não
estou pedindo para me perdoar tão facilmente, mas não podemos nos
separar por algo tão bobo. Hannah fez parte do meu passado e você
sabe disso. Naquela noite eu estava com a cabeça cheia, bebi mais do
que devia, o que me fez perder a lucidez. Eu estou com você, iremos
nos casar em breve e garanto passar o resto dos nossos dias provando
que você é a única mulher em minha vida. — Seus olhos azuis
brilharam de emoção e ela me abraçou. Rodeei-a com meus braços
buscando oferecer algum tipo de conforto no abraço.
— Preciso de você aqui comigo, não sou capaz de suportar toda
esta pressão que jogam em meus ombros se estiver sozinho. Prometa-
me que ficará até tudo melhorar?
— Sim, eu prometo — ela disse. Toquei seus lábios com os meus,
beijando-a com carinho.
Ordenei que servissem nosso café da manhã no jardim. Enquanto
aguardávamos, Sophia me contou a repercussão que o cancelamento
do nosso casamento teve no mundo todo.
Nosso sossego não demorou muito, pois seu pai se juntou a nós
no jardim. O homem não calava a boca nem para beber seu chá, ora
falando dos problemas do reino, ora sobre o meu casamento e o
quanto ajudaria ter alguém ao meu lado. Sophia quem o deu atenção e
os dois passaram a discutir sobre uma nova cerimônia. Só entrei na
conversa ao me dirigirem uma pergunta:
— Andrew, alguma ideia de para quando será remarcada a
cerimônia? Seria vantajoso para Mirabelle selar de uma vez a união de
vocês.
Desviei meu olhar da xícara de café alternando entre minha noiva
e seu pai. Meu primeiro pensamento foi dizer que o casamento só
aconteceria quando meu pai acordasse, afinal eu gostaria de tê-lo ao
meu lado em um momento tão marcante. Contudo, os médicos não
tinham previsão de quando ele poderia despertar, talvez em dez dias ou
dez anos, era impossível saber. Obriguei-me a pensar mais
racionalmente e percebi como Sophia poderia me ajudar estando na
posição de rainha e que a cerimônia alegraria os cidadãos de Mirabelle.
— Por mim, pode ser no próximo domingo, mas a decisão cabe a
Sophia. — Dei de ombros. Casamento para mim deixou de ter
importância quando Hannah negou meu pedido.
— No domingo? É impossível. Precisamos de no mínimo um ano
para organizar outro evento, apenas o vestido demora meses para ser
confeccionado. Sem mencionar nos convidados que vieram na semana
passada...
— Andrew precisa de você ao lado dele, Sophia. — Eros interferiu
com rispidez. — Seu dever é ajudá-lo, não organizar a maior festa do
mundo.
— Tem razão, papai. — respondeu Sophia com a cabeça baixa.
— Podemos fazer uma cerimônia mais simples, apenas para os
familiares e nossos aliados.
— No domingo, então? — Eros indagou sorrindo, parecendo mais
ansioso que a própria noiva.
— No domingo — confirmei.
— Apresse-se, Sophia. Temos que agilizar os preparativos, avisar
a imprensa... — Eros começou e eu o interrompi.
— Sophia, eu terei o restante da manhã livre, o que me diz de
passarmos um tempo juntos?
— É claro que ela aceita — o rei respondeu. Me irritava o modo
como ele tratava a filha como uma marionete.
— Você aceita, Sophia? — repeti a pergunta olhando diretamente
para ela.
— Será um prazer, Andrew. — disse sorrindo.
— Ótimo. Enquanto, isso irei contatar a assessoria de imprensa
para divulgar a notícia. Tenham um bom dia — avisou Eros, finalmente
se afastando.
— Eu deveria cuidar do nosso casamento, mas não posso negar
um pedido seu. Para onde iremos?
— Pensei em irmos ao hospital infantil, já faz um tempo que visitei
as crianças. — Vi o sorriso no seu rosto morrer com minhas palavras.
— Algum problema?
— Não, é que pensei que passaríamos o tempo sozinhos, mas
tudo bem. Irei me arrumar, encontro você em meia hora. — Levantou-
se. Fiz o mesmo, segurando seu braço.
— Não temos muito tempo e você está perfeita assim. — Ela
sorriu com o elogio e só entrou no castelo para pegar a bolsa.
Em menos de uma hora estávamos no hospital. Visitamos todas
as crianças em seus leitos, as meninas sempre ficavam encantadas
conosco por parecermos um casal dos seus filmes favoritos; passamos
na sala de jogos, porém não nos juntamos a brincadeira; conversei com
o diretor me informando sobre questões administrativas, e por fim fui
ver a pessoinha que eu considerava uma das mais especiais ali.
Lily era a criança que estava há mais tempo no hospital. Lutava
contra a doença há mais de três anos e nunca perdeu o sorriso nem o
brilho no olhar. Eu gostava de me espelhar em sua força quando estava
enfrentando um problema e me sentia fraco demais.
— Olá, minha princesa! — Ao ouvir minha voz, ela virou o rosto
para o lado sorrindo quando me viu.
— Tio... Cof... Cof... Andrew! — conseguiu dizer depois de tossir
repetidas vezes.
— Estava com saudades de mim, mocinha? — Me aproximei
fazendo cócegas levemente em sua barriga. Ela gargalhou, mas logo
começou a tossir muito.
Uma enfermeira se aproximou e nos explicou que ela havia feito
uma sessão de quimioterapia ontem, e devido a isso seu corpo estava
ainda mais fraco.
— Sim, muita! Cof... Cof... Você nem acredita quem veio me
visitar — falou super empolgada. Fiz cara de pensativo sentando na
sua cama.
— Deixa eu tentar adivinhar... Um príncipe encantado quase tão
lindo quanto eu? — Ela balançou a cabeça negando sorrindo ainda
mais. — Hmmm... O Papai Noel?
— Não é Natal! — replicou rindo, voltando a tossir.
— Já sei! A fada do dente! —afirmei com convicção e ela me
olhou séria.
— Você é muito lerdo, tio. — Ela me chamou para mais perto se
esticando para cochichar no meu ouvido. — Vou dar uma dica: ela é
minha amiga, é linda e é o amor da sua vida! — Senti meu corpo travar
imediatamente. Eu sabia que ela não se referia à Sophia.
Capítulo Dez

Dez
Me ajude
É como se as paredes estivessem desmoronando
Às vezes, sinto vontade de desistir
Mas eu não posso
Não está no meu sangue
In My Blood - Shawn Mendes

Tive mais uma péssima noite de sono. Andrew não saiu dos meus
pensamentos um segundo sequer. Eu tinha cogitado levar a Hailey
comigo, Andrew não teria como negar a semelhança entre os dois
quando a visse, contudo temia sua reação e não queria a Hailey no
meio de uma cena desagradável. Além do mais, iríamos nos encontrar
em um lugar público, outras pessoas poderiam perceber os traços
semelhantes entre eles.
Levantei bem cedo, tomei banho e precisei rebocar o rosto com
maquiagem para disfarçar as olheiras. Como Ed ainda dormia, preparei
o café da manhã e fiquei na cozinha esperando o tempo passar. Neste
período, recebi uma ligação do Jake.
— Hannah, minha mãe passou mal. Estou com ela no hospital.
Não poderei ficar com a Hailey hoje, desculpe — comunicou assim que
atendi a ligação.
— Não precisa se preocupar conosco, Jake. Sua mãe precisa
mais de você do que nós. Como ela está?
— Ela não vem se alimentando nem dormindo direito desde a
morte do meu pai. Hoje cedo, eu e minha irmã a encontramos
desmaiada na cozinha. Os médicos disseram que o corpo dela está
fraco e exausto.
— Espero que ela se recupere logo. Ainda a devo uma visita.
— Esteja preparada, pois ela já está preparando nosso
casamento e agradecendo aos céus por eu "ter tomado jeito de gente"
— imitou uma voz feminina na fala da mãe, o que me fez sorrir. Daisy
acreditava que éramos um casal desde o dia que Jake contou a ela que
morávamos juntos, e continuava insistindo nisso apesar do filho sempre
negar.
— Não quero nem imaginar o que ela irá pensar quando conhecer
a Hailey.
— "Jake Thomas Reynolds, você teve a insensatez de esconder
minha netinha de mim? Está merecendo umas chineladas, rapaz." —
imitou mais uma vez a voz da mãe e gargalhei alto ao lembrar de
quando éramos crianças e ela dizia coisas desse jeito.
Após as risadas, seu tom de voz ficou sério.
— E você? Está preparada?
— Não. Estou tão confusa! Andrew me trata com frieza, mas as
vezes eu vejo nele o garoto que eu conhecia. Quando ele age dessa
forma, penso que nada mudou entre a gente. Aí ele volta a ser um
babaca, e eu não consigo conversar com ele sem sentir vontade de
bater em sua cara e mandá-lo para o inferno.
— Só tente não o espancar em público para não aumentar nossos
problemas. — Tentou fazer piada, porém eu não sorri e ele percebeu.
— Seja sincera, Hannah. Você se livrará desta culpa que carrega há
anos dentro de si. Caso Andrew não acredite, voltaremos às nossas
vidas e você seguirá em frente com a consciência limpa, sabendo que
fez a sua parte. — Jake fez uma pequena pausa. — Eu sempre estarei
com vocês.
Eu chorava silenciosamente quando ele terminou de falar. Ao
longo dos últimos anos, nós cultivamos uma relação única. Era
diferente da relação que tinha com o Andrew. Existia a confiança, o
respeito, a cumplicidade, o amor. Devido a isso, muita gente nos
confundia com um casal. No entanto, faltava atração carnal entre nós.
Jake era o irmão que eu nunca tive, meu gostoso anjo da guarda.
— Obrigada, Jakezinho — chamei-o da forma que ele odiava. —
Eu amo você!
— Eu também, minha Rapunzel — zombou de volta. — Se cuida!
Encerramos a ligação e minutos depois Ed apareceu na cozinha,
trajando seu pijama cor de rosa, pantufas da mesma cor e com cara de
quem caiu da cama.
— Vestida desse jeito você vai se encontrar com o homem da sua
vida ou com o rei? — Ed resmungou. — Não, pera... Eu sou lerdo como
você quando acordo. — Esfregou os olhos bocejando.
— Bom dia, Ed! Como foi sua noite?
— Melhor que a sua, pelo visto. — respondeu, dirigindo-se à
mesa, e encheu uma xícara de café dando um longo gole em seguida.
— Por tudo que é mais sagrado, Hannah, vai se vestir de forma
decente. Coloca um decote profundo que eu duvido que o príncipe não
vá lhe dar total atenção. — Ele saiu me empurrando em direção ao
quarto.
— Você deve começar falando com ele sobre o dia que se
conheceram, lembre-o de tudo que vocês viveram, das loucuras que
vocês faziam na cama, então você conta em detalhes do dia em que
esqueceram a camisinha e puff... a Andrewconda lançou o veneno na
sua caverninha.
— Sem dúvidas, seguirei seu conselho — ironizei.— Agradeço
sua ajuda, mas estou bem assim. — reclamei baixo para não acordar a
Hailey que dormia em minha cama.
É claro que Ed não me ouviu. Ele abriu o guarda-roupa e, minutos
depois, estava trocando meu vestido longo e folgado por um vestido
azul colado, com um decote generoso, mas vesti um sobretudo fechado
por cima. Eu só usaria as artimanhas do Ed no último caso. Depois de
me trocar no banheiro, voltei ao quarto para beijar a testa da minha
bebê que ainda dormia.
— Ed, por todo o tesão que você sente pelo Jake, cuide bem da
minha filha — supliquei.
— Pode deixar. E espero que você volte mais tarde com o pai
dela. — Ed beijou minha testa e me abraçou forte. — Boa sorte!

Olhei a hora no meu celular pela décima segunda vez. Andrew


estava atrasado. Muito atrasado. Tentei me convencer que ele poderia
estar em algum compromisso importante, mas a cada minuto que se
passava minhas expectativas que ele iria aparecer diminuíam.
— Ainda esperando alguém? — perguntou a Scarlett ao se
aproximar.
— Sim. Poderia me trazer mais um café? — este seria o quarto.
— Claro. — Ela anotou meu pedido, mas antes de se afastar
disse: — Olha, daqui a pouco tenho alguns minutos de folga e pelo
visto seu acompanhante te deu um bolo. Se quiser conversar... —
concordei sem pensar duas vezes.
Trinta minutos depois e nenhum sinal do Andrew, Scarlett sentou-
se à mesa comigo.
— Você devia perceber que nunca concordei com as coisas que
minha mãe fazia. Eu sabia que ela roubava seu dinheiro, mas nunca te
contei por medo dela me trancar naquele porão. Quando você foi
embora, nossa casa "desabou". Não tínhamos dinheiro para pagar uma
empregada, então passei a fazer algumas das suas atividades. Até que
um dia mamãe apareceu dizendo ter recebido uma oferta de trabalho
em outro país. Eu logo desconfiei, afinal é mais fácil o mar secar do que
minha mãe trabalhar de verdade. Então fugi de casa e tenho vivido o
mais longe possível dela.
— Você fugiu? Como? — imaginei uma Scarlett mais jovem,
sozinha pelas ruas...
— Lembra que você me via saindo a noite às escondidas? — ela
prosseguiu após eu assentir. — Eu trabalhava como garçonete em um
bar alguns dias da semana, então tinha um dinheiro guardado. Passei
uns tempos na casa da minha namorada até conseguir um lugar para
mim. Mamãe nunca me procurou.
Scarlett me deixou chocada com sua história. Morei anos com ela
e nunca imaginei que ela era tão forte e corajosa.
— E você? A última vez que te vi foi quando seus amigos te
tiraram lá de casa. — Nunca seria grata o suficiente ao Ed e ao Jake
por terem me tirado daquele lugar.
— Passei algum tempo morando no castelo, depois fui embora do
país.
— No castelo? Se me lembro bem, na época da escola o príncipe
era seu amigo, não era?
— Namoramos durante alguns meses, mas precisei ir embora. —
falei tentando não demonstrar o quanto doía relembrar aquilo, a voz do
Andrew me pedindo pra ficar nunca saiu da minha cabeça.
— Você namorou com o príncipe? — indagou baixinho. — Deixe-
me adivinhar... Minha mãe está envolvida na separação, estou certa?
— Sim. Ao que tudo indica, esse "trabalho" que ela arrumou em
outro país foi para se juntar a princesa Sophia e me fazer terminar com
o Andrew.
— Sério? Isso daria uma ótima matéria em um jornal de fofocas.
— comentou rindo.
— Você não pode contar isso a ninguém. Há muita coisa
envolvida, pessoas se prejudicarão se esta história vier à tona. —
alertei.
— Não se preocupe, não sou como minha mãe.
Ela não fez mais nenhuma pergunta e eu agradeci, não queria ter
que contar o restante da minha vida.
— Você tem alguma notícia da Charlotte? — ela balançou a
cabeça negando ,bebendo um gole do seu café.
— Acho que ela ainda está com nossa mãe, ou pode ter casado
com um homem rico, não sei, tampouco me importo.
Passamos mais algum tempo conversando e degustando o
maravilhoso café daquele Starbucks, até uma notícia que estava
passando na TV embutida na parede chamar nossa atenção.
“Está mais que confirmado! O casamento real acontecerá no
próximo domingo!
Depois de ter sido cancelado devido ao acidente do rei Dominic, o
casamento dos príncipes Andrew e Sophia já tem nova data marcada!
Os pombinhos apaixonados não conseguem mais esperar para
oficializar a relação e remarcaram a matrimônio para daqui a quatro
dias!”
Ignorei o restante da notícia em que passavam fotos dos dois.
Conversei mais alguns minutos com a Scarlett desprezando a dor que
sentia no peito, indo embora assim que o descanso dela acabou.
Andrew devia estar ocupado com os preparativos do casamento,
certamente não iria aparecer.
Como o Starbucks se localizava em frente ao hospital, decidi fazer
uma rápida visita ao rei Dominic. Porém, os guardas me barraram em
frente a porta do seu quarto.
— A entrada só é permitida para pessoas autorizadas, senhoritas.
— Um deles, o mais velho, disse.
— O Andrew, digo, o príncipe me deu permissão. Eu estive aqui
duas noites atrás.
— Perdão, só estamos fazendo o nosso trabalho, não podemos
deixá-la entrar. — Fui embora cabisbaixa. Não havia como eu entrar, fui
ingênua ao acreditar quando o Andrew disse que poderia visitar seu
pai.
Já fora do hospital, liguei para o Ed a fim de saber como estava
minha filha. Ele demorou pra atender e eu fiquei preocupada. Sabe
aquele instinto de mãe que sente que algo ruim está prestes a
acontecer? Eu tive esta sensação. Graças a Deus estava tudo bem e
ele só estava ocupado a ajudando a tomar banho.
— Ed, tem certeza que está tudo bem? Ela não se machucou ou
se sentiu mal?
— Relaxa, mulher! Ela tá aqui fazendo uma bagunça no banheiro.
Está tudo sobre controle. HAILEY! — Ed gritou e meu coração parou de
bater.
— O que aconteceu? — perguntei em pânico, mas tranquilizei ao
ouvir sua gargalhada.
— O Sr. Cenoura acaba de morrer afogado dentro da banheira,
tirando isso está tudo bem.
— Okay. — Suspirei aliviada. — Vou só fazer uma visitinha a Lily,
daqui a pouco chego aí.
Encerramos a ligação. Segui para o hospital infantil que ficava no
mesmo quarteirão. Lily realmente era especial pra mim, talvez este
pressentimento ruim fosse relacionado a ela. Com sua luta contra o
câncer, as chances de uma lástima acontecer eram maiores. Eu
precisava saber como ela estava.
A mesma mulher que me acompanhou da última vez me levou até
a ala. No caminho, contou que Lily estava fraca devido uma sessão de
quimioterapia no dia anterior. Ninguém sabia o quanto ela ainda era
capaz de suportar e os médicos já não acreditavam mais na sua cura,
uma vez que nenhum tratamento surtia o efeito desejado. Contudo, eu
nutria esperanças que ela poderia se recuperar.
Entrei no local e fui caminhando até sua cama, mas a uma
determinada distância vi que ela não estava sozinha. Havia uma mulher
loira e elegante em pé próxima a um homem sentado na sua cama.
Confirmei que ela estava bem e tentei sair de fininho antes que algum
deles me visse, entretanto o sorriso no rosto do Andrew e o som da
gargalhada da Lily, impediram minhas pernas de se moverem. Naquele
momento, imaginei como seria ele cuidando da nossa filha.
— Hannah? — ouvi a voz da Lily gritando meu nome, e no mesmo
instante o olhar da Sophia e do Andrew caíram sobre mim. Ela me
olhava surpresa enquanto ele me lançou um olhar frio, o sorriso
sumindo da sua face. Respirei fundo caminhando até lá.
— Oi, princesa! Altezas! — Fiz uma reverência focando o olhar na
Lily. — Como você está? — perguntei tentando sorrir. Ela abriu os
bracinhos, esperando um abraço. Andrew levantou-se para que eu
pudesse abraçá-la.
— Cof... Cof... Agora melhor que nunca. Cof... Cof... Você e tio
Andrew aqui comigo. — disse entre repetidas tossidas e esticou uma
mão para o príncipe segurá-la. — Se eu tivesse que ir pro céu agora,
iria feliz. — Um aperto no peito fez uma lágrima cair pela minha face,
olhei para o Andrew e o mesmo aconteceu com ele, enquanto a Lily
mantinha um sorriso verdadeiro nos lábios.
— Você vai ficar bem, Lily. — Andrew garantiu se aproximando de
nós. — Eu preciso ir embora agora, mas antes queria te convidar para
ser a daminha do meu casamento, o que acha?
Fiz minha melhor cara de paisagem para tentar ignorar aquilo, o
que não funcionou muito, pois a careta de nojo foi inevitável.
— Você vai casar com a Hannah? — Engasguei com minha
própria saliva tossindo em seguida.
— Não, minha noiva é a Sophia. — Ele apontou para a Barbie que
sorriu docemente para mim. — Mandarei fazer um vestido digno de
uma princesa para você. Agora preciso ir embora. — Beijou a mãozinha
dela.
— Por que ela, tio? Você era mais feliz com a Hannah.
Meu Deus, Lily estava bancando a destruidora de casamentos.
Não sei se devia amá-la ou odiá-la por isso.
— Você é só uma criança, Lily. Não compreende como as coisas
funcionam. — respondeu o Andrew.
— Mas eu compreendo o que é ter uma vida infeliz, tio. Eu sei que
meus pais choram todas as noites por minha causa, vejo a vida passar
deitada nessa cama, sei que as chances de algum dia eu não acordar
mais são enormes e ainda assim procuro motivos para sorrir. O que
impede vocês de correr atrás da felicidade?
A esse ponto eu já estava chorando. Os olhos do Andrew
brilhavam por conta das lágrimas que segurava e ele olhava para a Lily
emocionado. Aquela garotinha era mais sábia e madura que nós dois
juntos.
Nem um de nós respondeu sua pergunta Eu não podia responder
pelo Andrew, mas em minha cabeça minha resposta era clara: eu tinha
medo de ser feliz e algo acabar com essa felicidade de novo.
— Eu preciso ir, Lily. — Andrew anunciou. Beijou a mão da Sophia
e começou a se afastar.
Então, tudo aconteceu muito rápido. O rosto da Lily ficou ainda
mais pálido, seu nariz começou a sangrar e aos poucos seus olhos
foram se fechando. Gritei por uma enfermeira e o Andrew virou-se
abruptamente. A forma desesperada como ele a olhou só fez meu
pânico aumentar, meu pressentimento ruim estava se concretizando.
— Lily, olha pra mim. Não fecha os olhos. Eu não posso perder
você também. — Andrew não chorava, mas o medo estava estampado
nos seus olhos.
Meu celular escolheu justo este momento de aflição para tocar,
enfiei minha mão na bolsa e desliguei o aparelho. Independente do que
fosse não podia ser mais importante que a vida da Lily.
— Afastem-se! — Uma enfermeira, finalmente, apareceu abrindo
espaço.
O médico também chegou e observamos de longe eles prestarem
os primeiros socorros. Após alguns minutos, levaram-na para outra ala.
Senhor, ela é só uma criança que passou sua infância em um
hospital, ainda tem tanta coisa pra conhecer, não a leve agora, por
favor. Rezei mentalmente.
— Andrew, vamos? — fixei meu olhar no casalzinho real. Andrew
ainda olhava para a porta por onde levaram Lily em completo estado de
choque, enquanto a Sophia tocava seu rosto.
— Pode ir, eu vou ficar — respondeu. Sua noiva olhou pra mim,
tentei disfarçar que não estava olhando para os dois, mas ela notou.
Andrew segurou seu queixo, fazendo-a olhar de volta para ele. — Vá
Sophia e mande as costureiras fazerem o vestido da Lily. Ela vai ficar
bem! — Ele beijou seus lábios e eu me afastei dos dois, matando-os de
centenas de formas diferentes na minha cabeça. Eu tinha que parar de
ter ciúmes de algo que não é meu.
Sentei em uma cadeira de espera no canto do enorme quarto, eu
não iria embora enquanto não soubesse notícias sobre o estado da Lily.
Minutos depois, Andrew sentou a duas cadeiras de distância de
mim. Passamos cerca de meia hora ali sem trocar nenhuma palavra.
Eu queria perguntar a ele quando poderíamos nos encontrar de novo,
porém a expressão em seu rosto deixava claro que ele não queria ser
incomodado. Assim sendo, usei o tempo para rezar pedindo saúde não
só para a Lily, mas para todas as outras crianças ali. Vi a enfermeira
que levou a garotinha vindo em nossa direção. Levantamos juntos e
fomos até ela.
— Como ela está? — A pergunta foi pronunciada por nós dois
simultaneamente.
— Ela está bem. — O suspiro de alívio que eu soltei só não foi
maior que o do Andrew.
— Eu quero ir vê-la — disse o príncipe.
— Ela está dormindo, Alteza, precisa de repouso. Sugiro que
voltem outro dia.
— Prometa avisar-me sobre qualquer coisa que aconteça a ela. —
Ele entregou um cartão, provavelmente com seu número de telefone
pessoal e ela se afastou.
Passado o momento de angústia, respirei fundo e me aproximei
dele.
— Andrew... — O chamei quando ele já estava se afastando.
— Já lhe avisei para não me chamar assim. — respondeu com
severidade. Caminhei até alcançá-lo, xingando-o mentalmente.
— Desculpe, Alteza. Nós tínhamos um encontro marcado e você
não apareceu. Será que podemos conversar agora?
— Não, tenho compromissos mais importantes. — Olhei para o
corredor para ver se ninguém prestava atenção em nós, porque eu iria
bater na sua cara.
— O que eu tenho pra falar também é importante. — Ele parou de
andar me olhando com tanta frieza que pisquei inúmeras vezes para
não chorar.
— Hannah, não fui encontrá-la porque percebi que não me
interesso em saber nada do que você tenha a dizer. Acreditei que não
ter aparecido no encontro seria suficiente para você entender isso, mas
mesmo assim insiste em me perseguir. Por que será? Ainda acredita
que sou o garoto tolo que fazia de tudo por você? Aprendi com os meus
erros, Hannah. Seja o que quer que você tenha para falar, não estou
disposto a ouvir. Não me procure mais, por favor, só consigo sentir
desprezo quando olho para você.
Imaginei que estivesse em um pesadelo, porém tentei acordar e
não consegui. Era tudo real. Seu olhar confirmava suas palavras. A dor
rasgava meu peito ao meio. Minhas pálpebras piscavam sem parar
tentando segurar as lágrimas. Desprezo.
— Pois continue levando sua vida cercado por mentiras, Alteza.
Saí correndo dali para evitar que ele me visse chorar. Por sorte o
elevador não demorou a chegar e ele não entrou no mesmo que eu. As
pessoas que estavam ali me olhavam com pena, já que por mais que
tentasse, não conseguia impedir o choro de ficar cada vez mais alto.
Já dentro do táxi voltando para o apartamento do Ed, peguei meu
celular na bolsa religando-o. Me assustei quando vi mais de trinta
chamadas do Ed e outras vinte do Jake. Minhas mãos começaram a
tremer e a muito custo consegui retornar para o Ed.
— Hannah... — Ele atendeu a ligação na primeira chamada.
— Ed, o que aconteceu? — perguntei cautelosa e ele começou a
chorar. — ED? — Gritei.
— Hannah. — Dessa vez era a voz do Jake, ele parecia nervoso.
— Onde você está?
— Voltando pra casa. Jake o que aconteceu? A Hailey... — parei
de falar quando ouvi ele fungar do outro lado.
— Quando você chegar em casa, eu te conto.
— JAKE, SE ALGO ACONTECEU COM A MINHA FILHA, EU
EXIJO SABER! — gritei recebendo um olhar severo do taxista. Meu
amigo respirou fundo antes de responder.
— Levaram a Hailey.
Capítulo Onze

Onze
Eu sei que não posso dar nem mais um passo até você
Porque tudo que me espera é arrependimento
Você não sabe que não sou mais o seu fantasma?
Você perdeu o amor que mais amei
Jar of Hearts - Christina Perri

Uma parte de mim desfalecia a cada segundo sem notícias da


minha filha. Uma angústia dominava meu peito ao imaginá-la sozinha
com alguém disposto a feri-la. Minha mente não parava de pensar em
casos de crianças desaparecidas que acabaram em tragédias, como
noticiado diariamente em jornais pelo mundo. O que pretendiam fazer
com ela?
Um calafrio percorria meu corpo ao pensar nas lamentáveis
possibilidades.
Fui para o apartamento do Ed em modo automático. Não sei como
paguei a corrida ao taxista ou como cheguei ao hall de entrada do
prédio, onde Jake me esperava. Chorava tanto até ali que meus olhos
ardiam.
— A polícia já está no caso, estão percorrendo os arredores e
interrogando pessoas que estavam aqui no prédio no horário que a
levaram, em busca de qualquer informação. — Jake disse, diferente do
Ed e eu que estávamos aos prantos. Ele andava de um lado para o
outro tentando se acalmar. — Depois de oito horas de sumiço
colocarão um investigador no caso.
— Oito horas? Sabe-se lá o que são capazes de fazer com a
minha filha em todo esse tempo! — exaltei, desesperada.
— Tu-tudo isso é culpa-pa minha. — Ed choramingou, em meio a
soluços, e me fitou com os olhos vermelhos cheios de culpa. — Eu
prometi a você que cuidaria bem dela. Eu pro-prometi.
Me aproximando, envolvi-o em meus braços tentando consolá-lo.
— Ed, invadiram o seu apartamento e te deixaram desacordado.
Mesmo que estivéssemos todos aqui, não teríamos como impedir. —
Afaguei seus fios de cabelo rosa acalmando seu choro. A princípio,
também me culpei por não estar com a Hailey, protegendo-a como uma
mãe deve fazer. Porém Jake relatou que chegou ao apartamento do
Ed, encontrando-o inconsciente no chão e sem nenhum sinal da Hailey.
O que me convenceu que o mesmo teria acontecido conosco se
estivéssemos em casa.
— Nós não podemos ficar aqui de braços cruzados nos
lamentando — proferi, recuperando a compostura. — Vamos à
delegacia, pedir que aumentem as buscas e coloquem logo um
detetive. — Peguei minha bolsa me preparando para sair.
— Hannah? — Jake chamou e virei para encará-lo. Apesar de
parecer tranquilo, a tristeza e o nervosismo estavam visíveis em seus
olhos castanhos.
Ele se aproximou a passos lentos segurando firme minhas mãos.
— Você sabe que não há mais como escapar, não é? Chegou a
hora de contar a ele.
Senti vontade de chorar novamente ao pensar no Andrew e
lembrar de suas palavras ditas duas horas atrás.
— Eu não sei se consigo, Jake. — Fui sincera, não seria capaz de
suportar outra rejeição. — Nos encontramos hoje e ele deixou claro que
me despreza e não quer me ouvir.
Parecendo adivinhar o que eu mais precisava naquele momento,
ele esticou os braços me puxando para um abraço.
— Andrew é um príncipe, Hannah, ele pode colocar todo o país
atrás da nossa garotinha. — disse o Ed, juntando-se ao nosso abraço.
Passamos cerca de dois minutos abraçados, em silêncio. Nesse
tempo, pensei no choro da Hailey quando sentia medo e no quão
assustada estaria agora. Meu coração se quebrou mais uma vez. Ela
precisava de mim e não podia permitir que meu orgulho ou meus
medos me impedissem de implorar ajuda ao Andrew.
— Eu vou contar, prometo.
— Você sabe como vai encontrá-lo? — Ed indagou.
Busquei em minha mente uma resposta para sua pergunta. Em
todas as vezes que encontrei o Andrew foi por pura coincidência: no
cemitério, no hospital, no Starbucks, com a Lily...
— Lily! — exclamei e dois pares de olhos confusos se voltaram
para mim.
— Quem é Lily? — perguntou o Jake. — E como ela poderá nos
ajudar?
— É uma garotinha do hospital. Andrew tem um enorme carinho
por ela, hoje mesmo nos encontramos lá e o vi entregar um cartão a
uma enfermeira, pedindo para informá-lo caso algo acontecesse à Lily.
— expliquei.
— E você quer que roubemos o cartão dessa enfermeira? —
constatou o Ed, surpreso. — Vou vestir minha roupa preta. Só um
minuto.
Jake o puxou pelo braço antes que se afastasse.
— Andrew não vai querer falar com você por telefone. — Jake
disse a mim.
— Não, mas talvez ele apareça se a Lily passar mal. — respondi.
— Qual a probabilidade de isso acontecer, tipo, agora? — Ed
inqueriu. — E que não seja nada grave, Senhor. — Se benzeu
repetidas vezes.
Jake, por outro lado, me lançou um olhar perspicaz,
compreendendo minha intenção.
— Você estaria usando a criança, Hannah.
— Eu pedirei a ela. Lily ficará feliz em ajudar, tenho certeza. —
Diante do olhar acusatório de Jake, acrescentei: — Estou desesperada,
se você tiver uma ideia melhor, sinta-se à vontade para dividir conosco.
Jake acabou concordando, embora não considerasse certo o que
eu estava prestes a fazer. Era algo constante em nossas vidas,
discordávamos de certas atitudes minhas, porém ele sempre me
apoiava.
— Tem certeza que não quer que eu fique com você? Se o Drew
agir como um idiota, posso matá-lo, adotar a Hailey e nós três
viveremos felizes para sempre. — Jake brincou ao parar o carro em
frente ao hospital infantil conseguindo arrancar um pequeno sorriso do
meu rosto.
— Você acabaria preso e Hailey sem os dois pais. Vou dispensar
sua proposta. — Dei dois tapinhas no seu braço direito e tirei meu cinto
de segurança. — Vá com o Ed para a delegacia e certifique-se que ele
vai fazer barraco até colocarem inclusive a guarda florestal atrás da
minha filha. — Ele assentiu e beijei seu rosto — Ed, dê o seu melhor. —
Pisquei para ele que estava no banco de trás e saí do veículo. Fiquei
na calçada até o carro sumir do meu campo de visão, em seguida
entrei no hospital. A voluntária estranhou o fato de ser minha segunda
visita no mesmo dia e não queria me deixar vê-la, mas expliquei a ela
que estava preocupada com o estado da Lily e depois de muitas
lágrimas minhas, ela disse que daria um jeitinho.
Minutos depois, encontrei a garotinha deitada em sua cama
tomando soro. Ela percebeu minha aproximação e ao notar meu
semblante triste não sorriu como de costume ao me ver.
— Você veio de novo. — comentou. Observei seu semblante
abatido e me xinguei mentalmente por usá-la para atrair o Andrew.
— Vim saber como você está. Se sente melhor?
Ela balançou a cabeça levemente. Respirei fundo pedindo perdão
aos céus antes de prosseguir.
— Lily, eu sei que você ama muito o Andrew e eu, por isso vim
pedir sua ajuda. — Seus olhos me observaram com atenção. — Eu
preciso falar com ele com urgência e a única maneira de fazer isso é
trazendo-o aqui. Sei que isso é muito errado, mas gostaria de sua ajuda
para vê-lo.
Lily passou o minuto seguinte pensativa.
— Você me faz um favor em troca? — disse, por fim.
— O que você quiser que esteja ao meu alcance — respondi sem
pensar duas vezes.
— Não deixe o tio Andrew casar com a princesa Sophia.
— Minha princesa, eu não posso fazer isso.
— Então, não posso ajudar você. — respondeu com firmeza.
Peguei sua mãozinha suplicando.
— Lily, estou desesperada, sem saber o que fazer. Eu tenho uma
filha, ela está em perigo neste momento. Andrew é o único que pode
me ajudar a encontrar a nossa filha, antes que seja tarde demais. Ele
precisa saber disso.
— Tia, você precisa prometer que vai separá-los. Ele não é feliz
com ela.
— Nós não podemos interferir no destino de alguém, Lily. O
Andrew precisa casar com a Sophia e governar o país. — Ela parou de
chorar me encarando, com os olhos azuis brilhantes por causa das
lágrimas.
— O Andrew está se esquecendo quem realmente é, Hannah. Ele
não vai mais saber o que é amar e se sentir amado, e vai se tornar uma
pessoa amargurada e um péssimo rei. Você não pode deixar isso
acontecer!
— Meu Deus, Lily, como é que você sabe sobre isso? — perguntei
enquanto a observava com os olhos arregalados e, de certo modo,
assustada. Não era comum uma menininha falar algo como se
estivesse prevendo o futuro.
— Não há muita coisa pra se fazer em uma cama de hospital, eu
gosto de pensar sobre a vida dos outros. — Foi sua única resposta
antes de começar a tossir. Ela gritou alto fazendo uma expressão de
dor. A olhei preocupada, enquanto enfermeiras se aproximaram
levando-a para a mesma sala de mais cedo. Antes de sumir do meu
campo de visão, vi ela erguer a mão fazendo sinal de positivo,
confirmando que era tudo parte do plano para me ajudar.
— As coisas estão dando certo por aí? — perguntou o Jake ao
atender minha ligação.
— Nenhum sinal dele ainda, e aí?
— Tudo sob controle. Ed já deu em cima de uns quatro policiais, o
delegado já ameaçou prendê-lo, mas acabou desistindo quando o Ed
disse... pensando bem... melhor você não saber. — Podia imaginar o
caos que estava por lá. — Quanto ao caso da Hailey, já contataram o
melhor investigador do país para buscar informações, ao que parece as
câmeras do prédio estavam desl...
— Jake, preciso desligar! Até logo! — Encerrei a ligação antes
dele falar mais alguma coisa pois Andrew entrou na sala. Guardei o
celular na bolsa indo até ele.
— Precisamos conversar e não adianta dizer que não vai me
ouvir! — Ele se virou para mim me lançando um olhar cortante.
— Ora, o que temos aqui? Rainha Hannah que pode exigir falar
com quem quiser quando bem entender — debochou. — Não vamos
inverter nossos papéis, certo?
Andrew virou as costas se afastando, mas quando segurei seu
braço, ele parou. Se eu o tratasse com grosseria, ele não ouviria uma
palavra sequer. Precisava controlar minha raiva e minha língua afiada.
— Andrew... — Diminuí a distância entre nós rezando para que
ainda existisse ao menos 1% do meu antigo Andrew nele. — Prometo
que serei breve, é realmente importante. — Ele girou o corpo voltando
a me encarar.
— Você não tem permissão para me chamar pelo meu nome.
— Perdão, Alteza. — Controlei a vontade de revirar os olhos.
Então, sem nenhuma dificuldade, ele puxou o braço e mais uma
vez foi se afastando. Eu não sabia o que dizer, não adiantaria implorar
mais uma vez, Andrew parecia me odiar mais do que no dia que nos
reencontramos.
Mostre o decote. Ouvi a voz do Ed em minha cabeça. Até quis
ignorar tamanha idiotice, porém, na falta de opções, eu usaria todas as
minhas armas. Torci para ainda existir uma parte daquele Andrew
pervertido.
Caminhei na direção que ele seguia, enquanto desabotoava o
sobretudo. Distraída na tarefa, não percebi que ele tinha parado e
continuei andando. O resultado? Acabei trombando em suas costas.
— Qual o seu problema, Hannah? — perguntou antes mesmo de
se virar para me olhar.
Quando se virou, seu olhar não focou em meu rosto. Meu Andrew-
fofo tinha morrido, mas o safado ainda existia, constatei.
Eu teria que tirar vantagem disso se quisesse ser ouvida. Assim
sendo, ajeitei minha postura, joguei meu cabelo para o lado fazendo a
cara mais sexy que consegui.
— Por favor, Alteza? Nossa conversa não levará mais de 5
minutos. — Mordi o lábio ao terminar a frase e sua atenção voltou-se
para minha boca, permanecendo ali por alguns segundos, e seus olhos
ficaram mais escuros indicando um traço de desejo.
Até que ele piscou e seu olhar frio retornou. Merda!
— Você acha mesmo que pode me seduzir? — indagou
arqueando a sobrancelha e eu senti um baque na minha autoestima. —
Eu tive o desprazer de conhecer todos esses seus truques, já não sou
mais vulnerável a eles.
— Vai ser chato assim com sua princesinha — resmunguei ao
perder a paciência, dei um passo na direção oposta a ele. Não dava
para ter uma conversa com aquele príncipe. Eu procuraria outra
maneira para encontrar a Hailey.
— Se eu ouvir o que você tem a falar, pode me garantir que
depois deixará de me perseguir? —quis replicar dizendo que não o
perseguia, porém optei por assentir ficando caladinha. — Me
acompanhe.
O segui em silêncio. Minhas pernas tremiam, minhas mãos
suavam e minha cabeça imaginava milhares de reações diferentes que
ele poderia ter ao saber que menti durante todo esse tempo.
No caminho passamos por uma enfermeira que avisou que Lily
estava bem. Paramos em frente a uma porta no fim do corredor, e ele
entrou sem bater. Havia apenas uma mulher lá dentro. Ele a mandou
sair sem usar um pingo sequer de educação, só não o critiquei porque
a qualquer momento ele podia mudar de ideia e desistir de me escutar.
— Vamos logo, não tenho muito tempo. — Ele sentou apoiado no
tampo da mesa e ficou me encarando,e desviei meu olhar para o chão
procurando coragem dentro de mim para começar.
— No dia que fui embora...
— Se veio dizer que está arrependida pode ir parando.
— Você vai me deixar falar ou não?
— Se você for direto ao ponto, sim.
Okay, ele queria objetividade. Iria obedecê-lo, afinal ele é o
príncipe.
— O ponto é que, quando fui embora, levei uma pequena parte de
você comigo...
— Eu sei. Meu coração que te entreguei e você despedaçou. No
entanto, o mundo dá voltas, hoje eu não me importo mais. — Soou
irônico e eu o olhei incrédula.
— Pare de agir feito criança, Andrew!
— E pare de querer me enganar, Hannah! Eu já lhe disse que não
sou mais aquele adolescente tolo que se apaixonou por você.
Senti o impacto de suas palavras, mas não baixei a guarda.
— Já que você agora é um ser humano evoluído, superinteligente,
e eu não sou capaz de lhe enganar, por que você tem tanto medo de
ouvir o que tenho a falar?
— Porque você me assusta, Hannah! — respondeu sem pensar e
sua sinceridade me desarmou. — Você me destruiu quando me
abandonou, eu sofri dia e noite por sua causa, abandonei minhas
responsabilidades por não ter ânimo para nada, cheguei a perder
minha vontade de viver. Mas com o tempo consegui seguir em frente e
esquecer o que sentia por você. Agora que estou prestes a casar, você
reaparece acreditando que vou permitir que destrua minha vida outra
vez?
Eu vi a dor em seu olhar, a mesma que vi no dia que fui embora.
No entanto, dessa vez ele não estava me pedindo para ficar. Mandava
que eu fosse embora.
Como era possível sentir vontade de abraçá-lo e matá-lo ao
mesmo tempo?
Aproveitando seu momento de sensibilidade, parei de enrolar.
— Andrew, eu sei que errei com você no passado, porém não
voltei à Mirabelle para tentar conquistá-lo ou impedir seu casamento.
Eu voltei para contar a você que temos uma filha. — falei tudo rápido
para não perder a coragem.
Andrew não pareceu surpreso.
— Não é um pouco tarde para dar o golpe da barriga? Eu
esperava algo mais inteligente vindo de você.
Não me abalei, eu já esperava esse tipo de reação.
— Andrew, eu não estou mentindo... — ele me cortou.
— Tem certeza, Hannah? Porque me lembro bem de ter me
prevenido todas as vezes que transamos, justamente para evitar
um bastardinho na minha família. — Seu tom de desprezo e a forma
como se referiu a Hailey acabaram com a calma que eu estava tendo
com ele.
— Você não ouse chamar nossa filha assim! — Apontei um dedo
na sua cara e segurei todas as lágrimas que queriam cair.
— Não se preocupe. — Ele apertou minha mão abaixando meu
dedo, fuzilando-me com o olhar. — Para ser bastarda ela precisaria ser
minha filha, não é? O que é impossível.
— Ela é a sua cara, posso mostrar uma foto a você. — Tentei me
soltar do seu aperto para pegar o celular na bolsa, mas isso só o fez
intensificar a força com a qual me apertava.
— Por que demorou tanto para me contar, então? — Seu olhar
não deixava transparecer nada e ficava impossível saber o que se
passava na sua cabeça.
— Porque eu temia acontecer o que está acontecendo agora, não
deixaria minha filha ser rejeitada pelo pai. Só estou te contando por que
ela foi sequestrada e eu preciso da sua ajuda! — Supliquei a última
parte e seu olhar se tornou surpreso por alguns segundos. Andrew
soltou minha mão e ficou perdido em pensamentos por um bom tempo.
— Tudo faz sentido! — falou mais para si mesmo do que para
mim, em seguida me olhou de cima a baixo e me senti intimidada. Seus
olhos verdes tornaram-se obscuros, suas feições endureceram, parecia
uma pessoa completamente desconhecida ali na minha frente. — Você
está usando sua filha para arrancar mais dinheiro de mim.
— O quê? É claro que não! — gritei, no entanto ele fingiu não me
ouvir.
— Como eu fui tolo ao me apaixonar por você. — disse,
caminhando pela pequena sala. — Você é capaz de tudo para
conseguir o que quer, como eu pude demorar tanto para enxergar? —
Parou bem no meio do local me olhando. — Você é um lixo, Hannah!
A última frase ele pronunciou me olhando com desdém.
Caminhando a passos duros e com o restinho da minha dignidade,
ergui a mão dando um tapa em seu rosto.
— Você irá se arrepender do erro que está cometendo.
— E você tem muitos erros dos quais deveria se arrepender —
replicou, indo embora logo em seguida.
Quando me vi sozinha, deixei de segurar as lágrimas e entreguei-
me ao choro.
Suas palavras machucaram mais do que tapas, pois feriram meu
interior. Eu poderia ouvir aquelas palavras de qualquer outra pessoa
que talvez não me importaria, mas era o Andrew ali, o único homem
que eu amei de verdade, e o peso com o qual ele pronunciou tais
palavras doeu. Muito.
Além de tudo, o que eu mais temia aconteceu. Ele não acreditou e
justo no momento em que a Hailey mais precisaria dele.

Deixei o hospital quando Jake me ligou para avisar que um


investigador iria ao apartamento do Ed para nos interrogar a respeito do
sequestro. No caminho, tentei encontrar um equilíbrio entre o ódio que
sentia do Andrew e a culpa por ser a responsável pela pessoa
insensível que ele se tornou. Não tive sucesso. Continuei odiando a ele
e a mim mesma.
Quando cheguei ao apartamento, contei aos meus amigos que a
conversa com o príncipe tinha sido um fracasso - ocultando alguns
insultos - e Jake garantiu que encontraríamos outra maneira de
resgatar Hailey. Me apeguei a isso com todas as forças. O investigador
chegou instantes depois. O primeiro a ser ouvido foi o Ed, por ser o
único presente quando a levaram.
— Ela e eu estávamos brincando na sala quando a campainha
tocou. Fui ver quem era pelo olho mágico, abrindo a porta quando
identifiquei o porteiro do prédio. Vários homens... entraram... e... e... —
Ed não conseguiu terminar o depoimento, chorando de soluçar.
Abracei-o forte chorando junto. O desespero aumentava a cada
segundo. Quando seu choro cessou, ele prosseguiu. Descreveu a
estatura dos homens, que eram grandes e fortes; e como se vestiam,
trajavam roupas escuras e toucas pretas. Aconteceu tudo muito rápido
e Ed não conseguiu enxergar os rostos deles, só lembrava que havia
no mínimo quatro.
— As câmeras do prédio não captaram essa invasão. O porteiro
sumiu, tentei entrar em contato, mas sua mulher disse que ele não
voltou para casa desde que saiu para o serviço, pela manhã. Estamos
recolhendo as imagens das câmeras da rua e conversando com os
funcionários e moradores. Talvez alguém tenha visto algo suspeito. Não
descartamos a hipótese de ela ainda estar dentro do prédio, porém só
podemos averiguar os apartamentos quando recebermos um mandado
judicial. Até lá policiais estarão vigiando todas as saídas— informou o
Sr. Morris.
— Por que não divulgamos o caso na mídia? Alguém pode ter
visto algo e nos ajudar com as informações. — Ed sugeriu.
— Ainda é cedo para tornarmos o caso público. Não sabemos o
que motivou o crime. Em geral, sequestradores entram em contato
dentro de um período de 24 horas, caso queiram algo em troca.
Devemos esperar o contato antes de tomarmos a próxima decisão.
— E você sugere que fiquemos sentados esperando um
telefonema de sabe-se-lá-quem? — Desafiei o homem. Eu estava há
horas sem nenhuma notícia da minha filha e a angústia me sufocava
cada vez mais.
O investigador desviou o olhar da sua agenda para mim.
— Devemos focar primeiro no que sabemos — replicou com
calma. — A senhorita tem alguma suspeita de quem a levou? Sabemos
que não foi qualquer pessoa, pois o crime foi bem orquestrado. Perdoe-
me pela intromissão, mas preciso saber caso haja alguém que se
beneficiaria com o rapto de sua filha.
Ao ouvir suas palavras, parei para pensar no ocorrido. Quem
sequestrou minha filha sabia exatamente o lugar onde estávamos,
levando em consideração que chegamos há pouco tempo em Mirabelle,
e não conheci ninguém nesse período, então o responsável era alguém
do meu passado. Meu corpo tremeu de medo ao lembrar a única
criminosa que conhecia.
Não! Não! Minha filha não podia estar nas mãos de Tia Satan!
Jake percebeu o pânico percorrer meu corpo, pousando sua mão
sobre minha coxa.
— Eu não consigo pensar em nenhum suspeito. — Jake
respondeu.
— Na verdade...
— Passamos muito tempo longe de Mirabelle e não temos
nenhum laço aqui. — Jake afirmou, me interrompendo.
Confusa, o encarei em busca de alguma explicação. Jake sabia
do que minha tia era capaz, não fazia sentido ignorar esse fato. No
entanto, quando nossos olhares se encontraram, notei que ele pensara
o mesmo que eu, só não entendi o porquê de esconder tal informação.
— Confie em mim. — disse apenas movendo os lábios.
Dei-lhe um voto de confiança, ele deveria ter uma boa razão para
não confiar no investigador.
— Então só nos resta seguir com as buscas e esperar algum
contato. — Sr. Morris levantou-se. — Precisarei me ausentar por uns
instantes. Um policial ficará aqui com vocês e me informará sobre
qualquer novidade.
Após apertar nossas mãos, ele se foi.
— Algo me pareceu estranho nesse homem. — Jake murmurou
no instante em que a porta se fechou.
— Ele tem o bigode castanho e a barba branca — apontou Ed.
— Isso também. — Jake riu olhando para mim — Mas não senti
confiança em suas palavras, por isso achei melhor não falar das suas
suspeitas.
— Quais suspeitas? Eu ainda não aprendi a decifrar esses
olhares cheios de segredinhos de vocês.
— Creio que a tia da Hannah está com a Hailey. — Jake explicou
ao Ed.
— Imagino ela não seja a única envolvida — acrescentei, me
dando conta que a situação era bem pior do que eu pensava.
Dois pares de olhos me fitavam esperando-me continuar. Suspirei.
— Andrew está prestes a casar, não seria nada bom aparecer
uma filha dele fora do casamento justo agora, certo? — Eles
assentiram. — E se, de algum modo, descobriram sobre a Hailey e
sequestraram-na para evitar um escândalo, que pode manchar a
imagem da família real? Não seria a primeira vez que o pai da Sophia
iria se juntar a Tia Satan usando meios baixos para garantir esse
maldito casamento. — Conforme a teoria ganhava forma em minha
cabeça, minha aflição aumentava. E se eles não devolverem minha
filha?
— Do que você está falando? O que o pai da princesa Sophia tem
a ver com isso? — perguntou Ed, confuso.
— Não é o melhor momento para explicar isso, Ed. — Olhei para
Jake. — É a única explicação que consigo pensar. Ninguém mais teria
motivos para sequestrá-la.
— Faz sentido. Talvez eles a usem para ameaçar você a deixar o
país ou... — Jake parou de falar, o medo transpareceu em seu olhar ao
pensar na possibilidade mais provável.
— Talvez eles não planejem devolver a Hailey. — Me ouvi
murmurando.
— Andrew precisa fazer algo! Não é possível que eles acreditem
na paternidade da criança e o imbecil do príncipe não! — proclamou
Ed.
— Eu não sei o que fazer para ele acreditar — lamentei. —
Andrew está convicto que armei esse sequestro para extorquir seu
dinheiro. Não posso exigir confiança da parte dele depois de ter o
deixado anos atrás. — Lágrimas começaram a deslizar por minhas
bochechas. — Eu sabia que não era uma boa ideia voltar à Mirabelle!
Deveria ter previsto que Tia Satan daria um jeito de arruinar minha vida
mais uma vez, e para piorar é a vida da minha filha que está em risco.
Não irei me perdoar se algo ruim acontecer a ela. — Chorava
copiosamente quando terminei de falar.
Braços fortes me rodearam e Jake me puxou de encontro ao seu
peito. Um abraço forte tem poder de reconfortar uma pessoa em um
momento de aflição, porém não foi capaz de me consolar naquele
instante.
— Nada acontecerá a Hailey, eu garanto. Iremos pensar em algo.
— Jake sussurrava repetidamente essas palavras, enquanto minhas
lágrimas molhavam sua camisa cada vez mais.
Perdi a noção do tempo, sofrendo com as imagens do passado
que apareciam em minha cabeça. Minha filha nunca ficou longe de
mim, ela deveria estar apavorada chamando por mim. E se Tia Satan
mantivesse Hailey trancada em um lugar sujo e sem comida como fazia
comigo? E se...
Meus pensamentos foram interrompidos pelo toque de
mensagens do meu celular. Ed foi quem pegou o aparelho dentro da
minha bolsa e me entregou. Meus dedos tremiam enquanto
desbloqueava a tela. Mais lágrimas rolaram ao ver o papel de parede
com a foto da minha princesinha dormindo abraçada ao Sr. Cenoura.
Sequei as lágrimas e puxei o ar com força para os pulmões. A
mensagem só podia ser dos sequestradores.
Eu estava certa.
Minha querida sobrinha, que garotinha mais adorável essa sua!
Se quiser que ela continue ilesa, recomendo seguir algumas regrinhas:
1. Afaste-se do príncipe;
2. Tire a polícia do caso, afinal sou apenas uma tia cuidando da
sua sobrinha-neta;
3. Se o príncipe lhe procurar, o convença que a filha não é dele.
Entregarei sua filha após o casamento real e no mesmo dia vocês
duas sumirão do país. Caso o casamento não aconteça, sua filhinha
quem sofrerá as consequências.
Capítulo Doze

Doze
Eu sei que você está pensando que eu não tenho coração
Eu sei que você está pensando que eu sou frio
Eu estou apenas protegendo minha inocência
Estou apenas protegendo minha alma
Too Good at Goodbyes - Sam Smith

Andrew

Após apreciar o teatrinho da Hannah, aproveitei que estava perto


do hospital para visitar meu pai. Já era o quarto dia que estava ali, sem
apresentar nenhuma melhora, ainda assim, eu sentia necessidade de
conversar com ele. Então, fui ao seu quarto e contei a ele sobre os
problemas do reino, acreditando que ele pudesse me ouvir.
Falei sobre a economia de Mirabelle, as relações com nossos
aliados, meu casamento remarcado para o domingo e me desculpei por
ele não poder estar presente, ocultei a parte que a cerimônia serviria
também para fortalecer a monarquia, que estava abalada diante do
estado de saúde do rei.
Passaram-se horas e eu ali, segurando sua mão, falando sobre
qualquer coisa que vinha a cabeça. Até a vida dos pinguins ameaçadas
pelo aquecimento global entrou nos meus assuntos.
— Por falar em ameaças, o senhor se lembra da Hannah?
Me senti um grande idiota, não sei se por fazer perguntas a um
homem em coma, que não me responderia, ou por perguntar sobre
alguém que já tinha me magoado de tantas formas que eu nem deveria
mais tocar em seu nome. De qualquer modo, eu precisava desabafar.
— Ela está de volta. Outro dia deixei que ela lhe visitasse. Não sei
se o senhor reconheceu a voz dela depois de tanto tempo — me
interrompi ao lembrar do dia em que permiti a ela ver minha
vulnerabilidade. O que provavelmente contribuiu para ela crer que seria
fácil me enganar.
— Mas a questão é que finalmente consegui juntar todas as peças
e entender o que houve entre nós. Foi tudo armação, desde o princípio.
— Era doloroso pronunciar tais palavras em voz alta. Eu vinha
guardando-as para mim desde o instante em que recebi o relatório com
dados sobre sua vida.
Hannah era fria e calculista. Gastou quase todo o dinheiro que
depositei em sua conta anos atrás e agora estava querendo mais. Por
ser um pouco tarde para dar o golpe da barriga, teve a esperteza de
inventar um sequestro e dizer que a filha era minha. Eu poderia ter me
comovido com sua historinha se já não estivesse um passo à frente,
sabendo da existência da criança e quem era o pai, que felizmente não
era eu.
— E sabe o que é pior, pai? Ela ainda é capaz de mexer comigo.
Eu não a amo como antes, tenho certeza disso, mas quando a vejo,
lembro da época em que estávamos juntos e de como eu me sentia
feliz ao seu lado. — Fiz uma pausa para engolir o nó que se formou em
minha garganta.
— Então, lembro de quando ela disse estar comigo só por
gratidão e revivo toda a dor que senti naquele dia. — Tive que parar de
falar novamente, pois não consegui segurar as lágrimas ao relembrar a
cena, eu ajoelhado, prestes a pedi-la em casamento, e ela terminando
tudo entre nós. Por meses, lamentei não ter feito o suficiente para ela
me amar e só agora soube que todos os erros foram dela. O único erro
que cometi foi não ter notado quem era a verdadeira Hannah antes de
me envolver com ela.
Perdido em pensamentos, demorei para perceber um leve aperto
em minha mão.
Toda minha atenção voltou-se para meu pai. Seus olhos
continuavam fechados e nenhuma outra parte do corpo se moveu.
Cheguei a pensar que tivesse sido obra do meu subconsciente para me
fazer parar de pensar na Hannah. No entanto, a esperança foi mais
forte. Segurei mais firme a sua mão, à espera de outra reação.
— Pai? O senhor está me ouvindo? — Não houve resposta —
Consegue apertar a minha mão novamente? — Nada.
Suspirei presumindo que foi coisa da minha imaginação.
— Tenho que ir embora, amanhã voltarei para vê-lo. — Beijei sua
mão e no instante que ia soltá-lo, seus dedos pressionaram minha pele,
dessa vez tive certeza.
— Você ficará bem, pai. Aguente firme! — Sorri em meio as
lágrimas de emoção quando ele apertou minha mão outra vez.
Rapidamente comuniquei o ocorrido ao médico responsável, que
ficou otimista sobre a melhora do rei. Segundo ele, o sistema neural
estava funcionando e era um grande avanço.

No castelo todos estavam ocupados em suas tarefas. Sophia


cuidava dos preparativos do casamento com a ajuda da sua mãe e da
cunhada, que tinham retornado naquela tarde para ajudá-la. O príncipe
Sebastian, irmão da Sophia, também veio, mas só porque não
conseguia ficar longe da esposa e do filho.
Passei o restante do dia cuidando dos afazeres do reino, o que
ocupou minha mente. Saí do escritório no fim da tarde dirigindo-me ao
meu aposento para tomar banho antes de jantar. Quando cheguei ao
corredor do meu quarto, cenas vieram à minha cabeça
involuntariamente. Passei a mão pelo cabelo na tentativa de esquecer a
maldita imagem de Hannah em meus braços, totalmente entregue às
minhas carícias. Como ela conseguia fingir tão bem?
— Eu sou um idiota! — resmunguei para mim mesmo.
— Concordo plenamente com Vossa Alteza.
Ergui o olhar na direção da voz grave e não me surpreendi ao ver
meu ex-amigo em carne e osso bem na minha frente.
— Como conseguiu entrar aqui? — Assumi minha postura mais
fria.
— Convivi neste castelo por anos, Drew, conheço uma ou outra
passagem secreta. — Jake deu de ombros.
— Eu poderia mandar meus guardas lhe expulsarem agora
mesmo, mas deixe-me adivinhar o que o trouxe aqui... — coloquei a
mão no queixo, fingindo pensar. — Eu tenho uma filha que nunca
soube da existência, mas agora ela foi sequestrada e precisam de
minha ajuda. Já ouvi essa história e não me comovi, deseja mais
alguma coisa?
— Sim, gostaria que você parasse de agir como um garoto
magoado e passasse a agir como um príncipe
— Agradeço o conselho. Com licença. — Caminhei até a porta do
meu quarto, ignorando-o. Entretanto, Jake estava disposto a me fazer
perder meu precioso tempo e colocou-se em frente a porta para impedir
minha passagem.
— Como príncipe você deve analisar todos os desfechos
possíveis para uma situação, certo? — Não o respondi, mas isso não o
impediu de continuar. — Quais problemas apareceriam em seu reino
caso descobrissem que você tem uma filha fora do casamento?
— Eu não tenho filhos fora do casamento.
Jake respirou profundamente.
— Há outras pessoas que pensam diferente de você e pegaram a
criança, justamente para que você não venha a conhecê-la. Sendo sua
filha ou não, você tem culpa no sequestro.
— Quanto vocês querem? — Perdi a paciência para aquele
joguinho, vê-los tentando me enganar de novo era como cutucar uma
ferida ainda não cicatrizada.
— Como?
— Quanto dinheiro vocês querem para sumirem do meu país de
uma vez por todas?
Jake ficou me encarando com uma falsa expressão de indignação
e não disse nada.
— Vamos, Jake. Eu não tenho o dia inteiro, ou prefere falar com a
Hannah antes? Chame ela aqui e colocamos um ponto final nessa
história toda. Avise-a que estou disposto a pagar uma enorme quantia
para nunca mais vê-los em minha frente.
Vi a fúria surgir em seu olhar e no instante seguinte fui empurrado
de encontro a parede, um braço pressionava meu peito para me manter
imóvel.
— Eu só não dou um soco na sua cara porque há muita coisa que
você ainda não sabe — rosnou as palavras. — Dê a Hannah uma
chance para se explicar e quando você conhecer a história completa,
pode tirar suas próprias conclusões. Seu pai não lhe ensinou a fazer
julgamentos precipitados. — Me irritei quando ele tentou usar meu pai
para me manipular e o empurrei, livrando-me do aperto.
Rei Dominic me ensinara a averiguar fatos, e esses comprovavam
que a mulher que eu amei e o homem que chamei de amigo me
apunhalaram pelas costas e tentavam fazer o mesmo outra vez.
— Meu pai também me ensinou a não confiar cegamente em
alguém, pois sempre haverá pessoas que se aproximarão por interesse
— Você não percebe o quanto magoa a Hannah e a mim
insinuando que somos interesseiros?
— Por que eu deveria me importar com os sentimentos de vocês,
quando não pensaram nos meus antes de me traírem? — disse, sem
pensar.
Jake se calou por longos segundos, como se analisasse minhas
palavras. Por fim, abriu um sorriso irônico arqueando uma sobrancelha.
— Você acha que Hannah e eu estamos juntos como um casal?
— Acho que essa conversa chegou ao fim. Em consideração a
seu falecido pai, darei 5 segundos para você desaparecer da minha
frente ou passará a noite atrás das grades.
— Pense na criança que está correndo perigo. Ela não tem culpa
dos erros de nenhum de nós.
— Seu tempo acabou. Guardas!
Jake me lançou um último olhar de súplica desaparecendo em
segundos após tocar uma parte da parede do lado oposto a porta do
meu quarto.
— Algum problema, Sua Alteza? — perguntou um dos três
guardas que vieram ao ouvir meu chamado, olhando ao redor em
busca de alguma ameaça.
— Avise aos meus convidados que lamento, mas não descerei
para o jantar.
Assentiram voltando aos seus postos. Passei a mão em meus
cabelos entrando em meu quarto, resmungando o quanto eu era
estúpido por permitir que ele implantasse a dúvida em minha cabeça.
Jake não aceitou minha oferta. Hannah pediu minha ajuda e não
meu dinheiro. Eles estavam apenas atuando para distorcer suas
imagens de interesseiros ou realmente a criança foi sequestrada?
Se foi esse o caso, teriam a levado por acreditarem que era minha
filha, como Jake insinuou? E quem diabos sabia do meu
relacionamento com Hannah para supor tamanha idiotice? Por Deus,
havia chances de Hannah estar dizendo a verdade e eu ser mesmo o
pai da criança?
Não, não. Quanto a paternidade da criança, tinha certeza que ela
estava mentindo. Contudo, Hannah poderia ter contado aquela falsa
história a mais alguém e a notícia ter chegado aos ouvidos das
mesmas pessoas envolvidas no acidente do meu pai, que eu acreditava
não ter sido tão acidental.
Engoli em seco ao juntar os fatos. Se eu estivesse certo, tentaram
assassinar o rei e sequestraram minha suposta filha, o que indicava
que havia rebeldes em meu reino querendo o fim da monarquia, como
nos livros que Hannah lia.
Tais hipóteses eram fantasiosas demais, e eu não podia descartar
a possibilidade de tudo ser uma grande coincidência. O carro do meu
pai poderia ter capotado e explodido acidentalmente, e Hannah e Jake
estariam inventando aquele sequestro. Entretanto, se os crimes fossem
verdadeiros e estivessem interligados, não restaria dúvidas que
estavam tentando eliminar minha família. Eu precisava investigar
aquela história a fundo.
Peguei meu celular ligando para o Sr. Morris. Eu precisava saber
tudo sobre a filha da Hannah e seu suposto sequestro.
Relatório de Oliver Morris para o Príncipe
Andrew

Hannah Price
12/12/1999 (20 anos)
Filiação: Jonathan Price e Elizabeth Price
Estado Civil: Casada
Saldo em conta corrente: £ 2.700,00
Hannah nasceu em Florence, Mirabelle. Filha única do Sr. e
Sra. Price, nada se sabe sobre sua família materna, pois sua mãe
foi criada por parentes distantes. Sua avó paterna trabalhou como
criada no castelo por mais de cinquenta anos até chegar ao leito de
morte, o avô morreu em 1981 servindo a guarda real do país. Há
seis anos, seus pais morreram em um acidente de carro, em que ela
foi a única sobrevivente. A órfã foi morar com sua tia Samantha
Mitchell, viúva do Sr. Mitchell, um grande empresário. Seus únicos
parentes vivos são a tia e duas primas. (...)
Três anos atrás, deixou Mirabelle indo morar em Londres,
Inglaterra. Casou-se com Jake Reynolds, dois meses depois e se
mudaram para Paris, França. O casal leva uma vida luxuosa,
possuem uma casa em um bairro nobre da cidade e nada se sabe
sobre terem trabalhado durante os últimos três anos.
No fim de 2018, tiveram a primeira filha. (...)
Reli o relatório, novamente incapaz de continuar depois da
palavra filha. Minha mente queria acreditar que não passava de uma
ilusão, mas a frase continuava ali. Jake e Hannah estavam juntos e
tinham uma filha. Perceber que a mulher que amei estava vivendo
meu sonho com outro homem era doloroso demais.
Capítulo Treze

Treze
Você se sentiria melhor
Se assistisse enquanto eu sangro?
Todas as minhas janelas ainda estão quebradas
Mas estou de pé
Skyscraper - Demi Lovato

Entregarei sua filha após o casamento real e no mesmo dia vocês


duas sumirão do país. Caso o casamento não aconteça, sua filhinha
que sofrerá as consequências.
Reli a mensagem pela milésima vez. Fazia horas que estava
sentada no sofá sem desviar os olhos da tela e ainda não tinha
decidido o que fazer. Confiar que Tia Satan entregaria minha filha após
o casamento do Andrew era o mesmo que entrar em uma jaula com
cinco leões famintos acreditando que sairia de lá inteira. Por outro lado,
sabia que ela falava sério ao dizer que machucaria a Hailey caso eu
não seguisse suas ordens.
— Não sei o que fazer! — resmunguei para ninguém.
O apartamento estava quieto, com ar melancólico, totalmente
diferente do que era um dia atrás. Jake teve que ir à casa dos pais e
estávamos apenas eu e Ed em casa. Meu amigo estava na cozinha
fazendo chá para nos acalmar, embora já tivéssemos tomado duas
chaleiras e o desespero continuasse o mesmo. Um bip irrompeu o
silêncio e quase derrubei o celular das mãos. A notificação "você tem
uma nova mensagem" fez meu coração parar de bater.
Soltei um suspiro de alívio ao ver que era do Jake.
Venha para cá! Precisamos de um momento sozinhos e aí o Ed
pode ouvir nossos gemidos, aqui as paredes não têm ouvidos. Espero
que você lembre o endereço, Minha Rapunzel ;)
Por um momento, meu desespero deu lugar a confusão. Que
mensagem absurda era aquela? Se não fosse pelo apelido ridículo, eu
poderia jurar que ele enviou para a pessoa errada ou então só queria
me importunar. No entanto, Jake não ousaria brincar comigo naquele
momento de aflição, o que me levava a crer que sua mensagem
deveria ter algum significado. Li a mensagem novamente, olhando cada
palavra com atenção.
Ed pode ouvir nossos gemidos...
Jake queria conversar comigo sem que Ed pudesse nos ouvir, era
isso?
...aqui as paredes não têm ouvidos.
Ou talvez ele desconfiasse que mais alguém poderia nos ouvir!
Jake é um gênio!
Levantei do sofá ouvindo minha coluna estalar, devido ao longo
tempo que passei em uma única posição. Encontrei Ed na cozinha,
escorado na pia olhando para a xícara vazia em suas mãos. A água
que estava fervendo no fogão já tinha evaporado quase por completo e
ele parecia não se dar conta disso. Desliguei o fogão me aproximando
de meu amigo. Tirei a xícara das suas mãos e o arrastei para outro
cômodo.
Peguei sua carteira, as chaves do carro e minha bolsa que
estavam jogados pela sala.. Eu não queria deixá-lo sozinho, mas ele
ainda parecia estar em choque, não seria de grande ajuda levá-lo
comigo.
— Ed, por que não vai para a casa dos seus pais? Vai ser bom
para você ficar em um lugar diferente e poder descansar. Nos próximos
dias preciso de você saudável e sendo o Ed que sempre me faz sorrir
quando eu preciso.
— Não vou sair do seu lado. Estou bem, só essa sua cara de
choro que me assusta. — Abri um sorriso fraco — Eu consigo fazer
você sorrir, está vendo?
— Ficarei bem, vamos.
O arrastei para fora do apartamento.
Havia um policial no corredor vigiando nossa porta, ele nos barrou
e avisou que não poderíamos sair. Se Jake estivesse certo e o
investigador Morris não fosse confiável, não podia confiar no policial
também. Então, falei a primeira desculpa que veio à mente:
— Meu amigo ainda está em choque pelo ocorrido e passou mal,
preciso levá-lo ao hospital.
— Hospital? — Ed perguntou e dei uma cotovelada discreta em
sua barriga. Ele gemeu de dor. — É, hospital. Estou tão mal que acho
que vou desmaiaaaaaar!
E ele desmaiou. Melhor dizendo, se atirou nos braços do policial.
Entrando na atuação, comecei a chorar. O pobre homem segurou
o Ed até ele recobrar a consciência, logo depois seguimos para o
elevador com o policial nos escoltando.
— Você pode não comentar sobre essa situação com seus pais,
por favor? Ainda não sabemos o tamanho do problema e eu não quero
envolver mais gente. — disse ao Ed, e após ele assentir, o puxei para
um abraço.
— Estou indo encontrar o Jake, acho que ele tem um plano.
Amanhã eu te conto. Fique calado! — sussurrei no seu ouvido me
afastando antes que ele pudesse responder.
Já na garagem do prédio, o policial se ofereceu para dirigir e
passei o caminho cochichando com Ed no banco de trás. Combinamos
de usar a saída dos funcionários para despistar o policial. Ed iria pegar
um táxi para a casa dos pais e eu outro para a casa do Jake, pela
manhã nos encontraríamos no hospital e se o policial ainda estivesse
na escolta pensaria que Ed estava internado.
— Estou impressionado com seus talentos de agente secreto,
Hanninha!
— Eu namorei um príncipe, precisei despistar paparazzis algumas
vezes — respondi e uma onda de nostalgia me atingiu.
Chegamos no hospital e tudo correu como combinado. Em menos
de uma hora, o táxi parava na vizinhança que morei ao que parecia
uma vida atrás. Lembranças da infância me atingiram com força. Nunca
tinha voltado ali desde a morte dos meus pais e por evitar pensar nisso
não me dei conta do quanto sentia falta do lugar em que cresci.
Avistei o coreto que eu fingia ser meu próprio castelo, a pracinha
onde brincava com as outras crianças da rua, a capela em que fui
coroinha — e fui afastada do cargo após derrubar um microfone dentro
da água benta, mas isso não vem ao caso — e por fim, a casa que um
dia foi meu lar.
Uma lágrima deslizou por meu rosto conforme as memórias se
formavam em minha mente. Não sei quantos minutos fiquei parada na
rua olhando na mesma direção, porém saí do transe ao perceber que
as gotas das lágrimas não eram as únicas me molhando. Estava
chovendo.
Corri para a casa vizinha. Antes mesmo de bater na porta, ela
abriu e fui puxada para dentro.
— Veio sozinha? — Jake perguntou, me conduzindo para o sofá
da sala.
— Claro, eu não traria alguém para escutar nossos gemidos. —
Ele sorriu diante do meu sarcasmo sentando ao meu lado.
— Não sabemos se eles têm acesso às suas mensagens e não
queria arriscar dizendo "eu tenho um plano, mas acho que pode ter
uma escuta no apartamento do Ed".
Meus olhos se arregalaram.
— Eu não tinha pensado nisso.
— O detetive Morris também não, o que nos dá mais um motivo
para não confiarmos nele. Qualquer pessoa com experiência teria feito
uma vistoria mais detalhada no local.
Jake mais uma vez tinha razão.
— Pode me falar seu plano? Preciso de alguma esperança para
encontrar minha filha ou vou enlouquecer.
— É simples, você vai aceitar o trato de sua tia.
Esperei alguns segundos para ele dizer que não tinha falado
sério.
— Eu não posso confiar nela, você sabe disso. — Cobri meu rosto
com as mãos — Sobre ficar longe do Andrew eu nem preciso fazer
esforço já que ele me odeia, mas não posso parar com as
investigações.
— Você vai afastar a polícia do caso como ela sugeriu, mas
iremos continuar investigando às escondidas.
Nesse momento ouvimos o estrondo de um trovão e o barulho da
chuva batendo no telhado ficou mais forte. Parecia um aviso divino que
iríamos nos meter em encrenca com aquele plano. Contudo, tinha
deixado Tia Satan me manipular anos atrás, quando deixei o Andrew,
não podia permitir que ela vencesse outra vez, sobretudo quando
minha filha estava envolvida.
— Se ela desconfiar de algo, pode machucar a Hailey. Então
teremos que fazer isso bem feito, e precisaremos de um investigador
confiável. Você já tem alguém em mente, certo?
— É claro. Estudei com um cara no ensino médio que entendia de
computadores e sabia tudo sobre todos. Hoje ele é foragido por ter
invadido o sistema de umas grandes empresas e desviado alguns
milhões para obras de caridade.
— Você quer confiar a vida da minha filha a um ladrão?
— Eu diria que ele é um Robin Hood moderno. — Meu olhar
deixou claro que não gostei da brincadeira. — Mas o cara é bom,
Hannah. E digamos que prometi que o príncipe vai limpar a sua ficha
criminal se ele descobrir o paradeiro da Hailey, e isso o motivou.
— Você o quê?
Aquele plano não parecia mais tão genial.
— Estou contando que daqui pra lá Andrew deixe de ser babaca
ou que Rei Dominic desperte.
— Não posso confiar nisso, Jake. Não há outra pessoa?
— Não tão bom quanto ele. O cara consegue as imagens das
câmeras de segurança de qualquer lugar da cidade, Hannah, e isso
facilitaria muito para nós. Além disso, não dá pra jogar limpo com sua
tia, ou você joga com as mesmas cartas ou ela vai vencer.
— Preciso pensar antes de ter um criminoso como cúmplice.
Aliás, como você encontrou um cara que a polícia não consegue
encontrar?
— Melhor você não saber, mas saiba que eu faria de tudo para
proteger a Hailey.
Em meio a todo o caos, suas palavras me tocaram e, pela
primeira vez, olhei de forma diferente para Jake.
Externamente se via um homem lindo, forte, másculo, divertido e
que nunca teve problemas para conquistar uma mulher. Mas por trás da
bela fechada —e põe bela nisso —, tinha um cara inteligente, doce e
com um superinstinto de cuidar e proteger as pessoas que ama. Os
anos de convivência me mostraram que ele era carente de afeto. Torcia
muito para ele encontrar alguém para amar e ser amado na mesma
medida e construir uma família.
— Então, o que me diz?
— Que está na hora de você conhecer alguém.
Quando as palavras saíram da minha boca, Jake me lançou um
olhar confuso, e eu notei que ele se referia ao plano de resgate da
Hailey. Tratei de me corrigir imediatamente:
— Alguém sem antecedentes criminais, foi o que quis dizer. Mas
se a nossa melhor opção é esse seu amigo, quero conhecê-lo antes de
envolvê-lo nessa situação.
— Duvido que ele vá sair de casa com esse temporal lá fora.
Marcarei uma reunião para amanhã, só um minuto.
Jake pegou o celular no bolso se afastando para fazer uma
ligação. Enquanto ele não retornava, me distraí observando as
fotografias que estavam em porta retratos no centro da sala. Entre elas,
teve uma que chamou minha atenção: Jake, sua irmã e eu em um
parque de diversões. Tinha sido tirada há mais de 8 anos, na época em
que meu maior problema era escolher qual garoto do One Direction eu
preferia.
— Pronto, amanhã você conhecerá o Robin Hood.
Jake voltou a sentar ao meu lado. Eu coloquei o porta-retrato de
volta no lugar para voltar minha atenção a ele.
— Eu nem sei como agradecer tudo o que você fez e tem feito por
mim.
— Bem, eu tenho algumas sugestões... — Ele abriu um sorriso
meio de lado e lançou um olhar inocente. — Você pode ser minha
escrava sexual e ficar em casa usando uma daquelas fantasias bem
sexy... — o interrompi com um soco no peito. — Tudo bem, sem as
fantasias então. — Ergueu as mãos em sinal de rendição, me fazendo
sorrir.
— É assim que eu gosto de ver você. Sorrindo. — Sua mão tocou
meu rosto e meu corpo, automaticamente, relaxou com o simples ato
de carinho.
— Prometo que irei sorrir mais quando encontrarmos a Hailey e
formos embora de Mirabelle. Dessa vez vou recomeçar minha vida sem
ficar olhando para trás. Me permitirei ser feliz.
— Se depender de mim você será — sussurrou.
Jake passou um braço por minhas costas, envolvendo-me em um
abraço, sua outra mão se manteve em meu rosto e ele beijou meus
cabelos. Fechando os olhos, apreciei o barulho da chuva e as mãos
que me acariciavam. Pouco a pouco a tensão do dia foi deixando meu
corpo.
— Encontrei o Andrew hoje mais cedo. — Resmunguei qualquer
coisa em concordância, sem prestar muita atenção no que ele dizia.
— Ele perguntou se queríamos dinheiro para irmos embora do
país.
Sua barba arranhava levemente meu rosto conforme ele falava e
meu corpo estava gostando da sensação.
— Mas de certa forma consigo entendê-lo. Andrew acha que você
o deixou para ficar comigo, que Hailey é nossa filha e que armamos
esse sequestro para ele pagar um resgate. É absurdo, mas faz sentido.
— Andrew se tornou um babaca e merece ter uma vida infeliz ao
lado da Sophia. Eu o odeio, ponto. Podemos não falar mais sobre ele?
— Você ouviu o que eu acabei de dizer?
— É claro. Andrew acha que o deixei para ficar com você e... Meu
Deus! — ergui a cabeça em um sobressalto e acabei machucando o
nariz do Jake com o movimento. — Nós dois juntos? Andrew não pode
ser burro a esse ponto! Você é o penúltimo homem na face da terra que
eu me envolveria, só perde para o Ed.
— Não sei o que você machucou mais: meu nariz ou meu orgulho
masculino. — Seu tom de voz não tinha o sarcasmo de costume,
parecia mais... magoado.
Jake levantou seguindo em direção a cozinha, com uma postura
de derrota e a mão massageando o nariz. Fui logo atrás dele.
— Não foi o que eu quis dizer, mas nós somos como irmãos,
qualquer um pode ver isso.
— Não, Hannah. Você é a única pessoa que enxerga isso. —
Havia uma fúria contida em sua voz. Fiquei parada vendo-o se afastar,
enquanto absorvia suas palavras. Ao voltar a falar, ele estava mais
calmo:
— O quarto da minha irmã fica na primeira porta à esquerda, vá
descansar. — O obedeci prontamente, pois tudo que precisava era ficar
sozinha e pensar no que ele acabara de dizer. Jake não me via como
uma irmã?
Capítulo Quatorze

Quatorze
Quando o silêncio não é quieto
E parece que está ficando difícil de respirar
E eu sei que você sente como se estivesse morrendo
Mas eu prometo que vou levar o mundo a seus pés
Rise up – Andra Day

Pela manhã, as olheiras não foram o único resultado da noite mal


dormida. Meus pensamentos, que oscilaram entre Hailey, Andrew, Tia
Satan e Jake, me fizeram rever certas atitudes e decisões. Consegui
perceber detalhes que sempre ignorei e em quais pontos eu vinha
falhando.
Levantei da cama disposta a fazer tudo diferente.
Ao sair do quarto e chegar no estreito corredor que levava à sala,
encontrei com Jake. Ele vestia uma calça moletom preta e uma regata
de mesma cor, e em suas mãos havia uma bandeja contendo um
reforçado café da manhã.
— Sua mãe já voltou do hospital?
— Não, estava levando para você. A propósito, bom dia! — Jake
sorriu e nem mesmo as olheiras profundas afetavam sua beleza.
— Pra mim? Er... obrigada. — Me bati mentalmente por estar me
sentindo constrangida perto dele. — Mas como já levantei, vou comer
na cozinha.
— Como desejar, senhorita. — Fez uma mesura, dando espaço
para eu passar.
Enquanto caminhávamos, ele conversava naturalmente e decidi
agir da mesma forma.
— Vamos nos encontrar com meu ex-colega de classe às 9 horas,
ele vai mandar o endereço alguns minutos antes. Já decidiu se vamos
contratá-lo?
— Pensei sobre isso ontem à noite e percebi que é a nossa
melhor solução no momento. Posso me aliar a um criminoso se for pelo
bem-estar da Hailey.
— Lembre-se que ele deixará de ser um criminoso.
— Eu não estou contando com a ajuda do Andrew. Assim que
minha filha estiver comigo, pagaremos a ele e deixarei Mirabelle.
Logo que sentamos a mesa, bebi um longo gole de chá antes de
prosseguir.
— Ainda tenho a maior parte do dinheiro da herança dos meus
pais, é uma boa quan... — parei de falar ao reparar a mudança de
expressão no rosto do Jake. — Por que essa cara?
— Nada, mas é que dinheiro não é bem um problema para ele.
— Mas será minha oferta. Não posso prometer algo que não está
ao meu alcance. Caso ele não aceite, você o segura e eu chamo a
polícia. Talvez ele mude de ideia.
Jake arregalou os olhos.
— Você quer ameaçar um criminoso, Hannah? — seu tom
continha uma falsa surpresa.
Assenti.
— Essa é minha garota! — Suas mãos bagunçaram meu cabelo
como fizeram centenas de vezes, porém dessa vez minha reação foi
diferente.
Meu corpo ficou rígido e eu apertei a xícara em minhas mãos.
Respirando fundo, disse a mim mesma que era capaz de ter aquela
conversa com ele. Eu tinha o magoado na noite anterior e sua
revelação despertou algo em mim. Apesar de ter certeza que nosso
relacionamento nunca mais seria o mesmo, nós dois não podíamos
fingir que nada tinha acontecido.
— Jake, nós precisamos conversar sobre ontem.
— Temos assuntos mais importantes a tratar, como, por exemplo,
você não ter se alimentado ontem. Coma algo.
Ele me entregou uma torrada pegando outra para si, ocupando
sua boca em um claro sinal que queria desviar do assunto. Coloquei a
xícara em cima da mesa e toquei seu braço para fazê-lo olhar para
mim.
— Jake, tenho inúmeros assuntos mal resolvidos em minha vida,
e não quero que você se torne um deles. Você mesmo vive me
aconselhando a ter uma conversa madura em que se discuta os dois
lados, e não dá para mantermos nossa amizade se ignorarmos o que
você me disse ontem.
Sua resposta demorou a vir. Não devia ter sido fácil para ele
manter seus sentimentos escondidos de mim, e falar sobre isso depois
de tanto tempo seria, no mínimo, constrangedor. Se aquele não fosse o
menor dos meus problemas, eu certamente não iria querer discuti-lo.
— Eu sei que vamos precisar conversar sobre isso, mas este não
é o momento. Sua mente está cheia de outros contratempos e pode
influenciar qualquer decisão que tenha tomado. Mereço um pouco mais
de consideração, você não acha? — Sua seriedade me desarmou, e
não tive uma resposta imediata.
Como se adivinhasse o silêncio constrangedor que se formara,
meu celular alertou a chegada de uma nova mensagem.
Estou à espera de sua resposta. Não me faça descontar a
impaciência em sua filha.
— Espero que seu amigo seja muito bom. — comentei enquanto
digitava a resposta para Tia Satan.
Eu farei o que você disse, mas quero receber vídeos dela todos
os dias.
A resposta veio quase imediatamente.
Não estamos negociando, querida sobrinha.
— Se acalme. — Jake sussurrou ao ver a força com a qual eu
apertava o celular.
Não confio em você para cuidar de uma criança. Se quer que eu
não estrague seus planos, seja qual forem, é melhor provar que ela
está bem.
A mensagem seguinte era uma imagem. Meus olhos marejaram
ao reconhecer o pequeno corpo deitado em uma cama. Ela usava a
mesma roupa do dia em que a levaram e não havia marcas visíveis de
agressão, o lugar não era sujo, tampouco horrendo como o porão que
ela me trancava. Na verdade, Hailey dormia serenamente, alheia ao
que acontecia ao seu redor.
— Ela não parece estar machucada. — Jake comentou no
instante que outra mensagem chegou.
Não tente aprontar. Seria um pecado machucar esse rostinho de
princesa.

Uma hora mais tarde, estávamos colocando o plano em prática.


Fui à delegacia retirar a queixa, alegando que Hailey havia sido
encontrada. Após assinar a papelada, liguei para o Ed e marcamos de
nos encontrar no endereço que o amigo do Jake nos mandou. Era uma
cafeteria na zona oeste da cidade. Naquele horário, o local não estava
muito movimentado, além de nós havia uns oito clientes e dois
atendentes.
Enquanto o esperávamos, contamos ao Ed o que pretendíamos
fazer e esse, por sua vez, se tornou o mais empolgado de nós por fazer
parte de uma "missão secreta", dando sugestões e apontando onde
deveríamos ser mais cuidadosos.
— Isso me lembra a vez que resgatamos a Hannah do porão da
casa da tia dela. Quando tudo isso acabar bem, podemos montar uma
dupla de resgate, Jakícia.
— É algo a se pensar, isso se não acabarmos presos como
daquela vez.
Eles ainda conversavam tentando fazer graça com a situação
quando Jake fixou o olhar na entrada da cafeteria sussurrando para
nós:
— É ele!
Ed e eu olhamos na mesma direção, porém de maneira menos
discreta, o que chamou a atenção do homem. E que homem!
Pelo que Jake disse eu esperava um cara magricela, com óculos
de grau e um corte de cabelo esquisito, como os nerds dos filmes de
Hollywood. No entanto, não havia nada disso no homem. Só os óculos,
mas o acessório o tornava sexy, e isso somado a um metro e oitenta de
músculos, que deveriam estar escondidos embaixo do terno feito sob
medida. Sem falar na pele morena, a barba por fazer e a carinha de
bom moço que disfarçava bem sua identidade.
— Eu já disse que tenho um fetiche por criminosos? — Ed
perguntou, babando ao meu lado.
— Não.
— A partir de agora eu tenho.
— Eu também.
Jake foi o primeiro a se levantar para cumprimentá-lo.
— Estes são meus amigos: Hannah e Ed. Hannah, Ed, este é
Michael Frost.
O homem nos encarava minuciosamente, como se avaliasse
algum tipo de mercadoria a procura de alguma falha. Estendi a mão,
mas ele ignorou meu gesto sentando na cadeira vazia ao lado do Jake.
Todos nós sentamos logo em seguida.
— Bem, onde está o príncipe ou devemos esperá-lo?
— O príncipe? — perguntei de volta.
— Jake disse que ele estaria envolvido em nosso acordo, e essa
é a razão pela qual estou aqui. Não me diga que armou para mim,
Jake? — Michael fuzilou Jake com o olhar e eu o imitei.
— Óbvio que não. O príncipe está envolvido, porém de forma
indireta. Deixe-nos explicar a história toda e você entenderá. — Jake
chutou minha perna por baixo da mesa, em um aviso para eu me
manter calada.
— Se isso for uma armadilha e a polícia aparecer, vocês nunca
mais saberão o que é privacidade. — Sua carinha de bom moço
assumiu uma expressão sombria.
— Ele pode invadir a minha quando quiser. — Ed comentou
baixinho ao meu lado e quase me fez rir.
— Não se preocupe, já temos problemas o suficiente para lidar e
colocar você na cadeia não está entre eles — resmunguei.
Michael ainda me lançou um olhar de desconfiança, mas baixou a
guarda.
— Então, me contem qual trabalho sujo eu terei que fazer para
deixar de ser um foragido.
Avaliei a situação por um instante. Estava claro no olhar do
Michael que ele não negociaria com nada além do perdão da sua pena.
Rei Dominic era o único com tal poder, mas com ele em coma, esse
poder passava para o príncipe... Considerando meu último encontro
com Andrew, só me restava rezar muito para o rei despertar.
Respirando fundo, abri a boca contando tudo que ele precisava
saber, tomando cuidado para ninguém na cafeteria nos ouvir. Falei
sobre minha relação com minha tia e seu passatempo favorito: arruinar
minha felicidade. Ed narrou como ocorreu o sequestro. Jake pontuou
que era impossível entrarem e saírem do prédio sem deixar nenhuma
pista. Mostrei as mensagens que recebi de Tia Satan e ele pegou o
número para ver se descobria algo. Não omiti que Hailey era filha do
príncipe, detalhe que o motivou ainda mais. No entanto, o que fez seus
olhos brilharem de empolgação foi quando Jake citou o nome do
investigador Oliver Morris.
— Morris está há três anos me perseguindo, se ele estiver
envolvido no sequestro, será um prazer desmascará-lo.
— Podemos confiar em você, então? — perguntei.
— Nós temos um acordo, Hannah Price. — Michael estendeu a
mão para selar o acordo e a apertei, apesar da vontade de querer
ignorá-lo como ele fez ao chegar.
Ao soltar minha mão, ele prosseguiu:
— Desde já aviso que só trabalho com computadores e
informações digitais. Garanto encontrar o paradeiro da garota, mas não
contem comigo para tirá-la de lá.
— Faça sua parte, cuidaremos do resto. — disse Jake.
— Você tem dois dias para fazer seu trabalho — completei.
Michael assentiu e tirou um celular de dentro do blazer.
— Usem este telefone para se comunicarem apenas comigo. —
Michael me entregou o aparelho. — Ele não pode ser grampeado. Meu
número está salvo na agenda. Eu manterei vocês atualizados do meu
progresso e caso sua tia entre em contato, me avise imediatamente.
Sem dizer mais nada, ele se afastou indo embora.
No fim da tarde, estávamos os três jogados na cama do Ed,
exaustos. Tínhamos revirado cada canto a procura de alguma escuta e
a única coisa de anormal que encontramos foram os brinquedos
sexuais do Ed.
Jake ainda sustentava a suspeita que estávamos sendo vigiados,
portanto decidimos não falar sobre o plano e usar papel e caneta para
dizer algo importante um ao outro.
Eu tinha conversado com Michael cerca de uma hora atrás e ele
não tinha feito nenhum progresso. Tia Satan não entrou mais em
contato, nem respondeu minhas mensagens exigindo fotos da Hailey. A
falta de informações só me deixava mais paranoica.
Além do clima melancólico no apartamento, havia uma tensão
estranha entre Jake e eu. Após confrontá-lo no café da manhã, ele
tinha parado de fingir que nada aconteceu e agora estava evitando
qualquer contato físico comigo ou dizer palavras de afeto, como de
costume. Meu medo era que Ed notasse algo, porém até o momento
ele não o fizera.
Ouvimos a campainha tocar e suspiramos com exaustão. Não
sobrara forças em nós para atender a porta.
— Deve ser a pizza. A casa é sua, você vai, Ed. — murmurei.
— Ah não. Jakícia tem mais músculos e deve estar menos
cansado. Ele vai.
— Empurrei móveis o dia inteiro, meus músculos precisam de
descanso.
— Se eu não estivesse tão morto, ofereceria uma massagem.
A campainha continuava a tocar enquanto eles resmungavam.
— Vamos decidir isso de forma justa com pedra, papel ou tesoura
— sugeri.
— Eu sou a pedra. — disse Jake.
— Eu posso ser o papel — emendou Ed.
— Ah, danem-se vocês. Eu vou.
Caminhei até a porta de entrada reparando na bagunça que
havíamos deixado o ambiente. A ideia de colocar tudo aquilo de volta
no lugar era cansativa só de pensar. Chutei um ou outro objeto que
apareceu no meu caminho e ainda assim não consegui evitar o tombo
ao pisar em uma revista. Continuei minha caminhada até a porta com a
bunda e a dignidade doendo. O entregador não parava de tocar a
campainha e aquele som começou a me irritar.
— JÁ VAI!
Abri a porta sem muita paciência e a primeira coisa que meus
olhos viram foi um terno preto cobrindo um peitoral largo. Um calafrio
percorreu meu corpo e o ar passou a entrar com mais dificuldades em
meus pulmões. Ergui o olhar apenas para confirmar o que meu corpo já
sabia e olhos verdes me fitaram de volta. Meu coração traidor pareceu
se esquecer que foi pisoteado no dia anterior e já batia mais rápido que
escola de samba.
Meu cérebro, por outro lado, lembrava bem de suas palavras.
— Que merda você veio fazer aqui, Alteza?
Capítulo Quinze

Quinze
Ninguém disse que seria fácil
É uma pena nos separarmos
Ninguém disse que seria fácil
Mas também não disseram que seria tão difícil
Oh, me leve de volta ao começo
The Scientist - Coldplay
Andrew
Quase 24 horas depois da conversa com Jake, eu ainda não tinha
feito muitos avanços na investigação sobre o tal sequestro. Sr. Morris
estava trabalhando no caso, porém não me passara nenhuma
informação até o momento, pois ainda estava averiguando as causas
do acidente do meu pai, e o rei era prioridade.
Apesar da falta de informações concretas, fui juntando os pontos
e as coisas começaram a fazer um certo sentido em minha cabeça.
Meu pai sofreu um acidente no dia do meu casamento, evento
que iria fortificar os laços de Mirabelle com Lorena. O rei quase morreu
e a cerimônia foi cancelada. Dias depois, surgiu uma suposta filha
minha, que havia uma mínima - e quase impossível - esperança de vir a
ser minha sucessora, e a criança aparentemente foi sequestrada.
Se tudo isso fizesse parte de um plano contra a monarquia, eu
tinha cometido um erro terrível ao acusar Hannah e Jake de terem
inventado o sequestro e, pior ainda, uma criança inocente estaria
correndo perigo por minha causa.
Por Deus, se de algum modo inconcebível ela fosse mesmo
minha filha, eu nunca me perdoaria.
Com isso em mente, passei por cima de todo o meu orgulho e
decidi buscar informações por conta própria.
Não foi difícil encontrar em qual lugar da cidade Hannah estava,
afinal eu tinha um relatório sobre sua vida. Era por volta das sete da
noite quando cheguei ao endereço indicado. Ao chegar no prédio, o
porteiro me reconheceu de imediato e facilitou minha entrada. A
recepcionista também fora gentil - e um tanto assanhada - me
informando com facilidade o número do apartamento do Sr. Edgar
Lewis. Ordenei aos dois guardas que me acompanhavam que me
esperassem na recepção, e entrei no elevador seguindo rumo ao nono
andar.
Ao chegar ao meu destino, toquei a campainha do apartamento
905 esperando impacientemente alguém vir abrir a porta. Repeti o
gesto diversas vezes, chegando a pensar que não havia ninguém em
casa. Já estava quase indo embora quando ouvi um barulho do outro
lado, como se algo tivesse caído, e logo em seguida a porta foi aberta.
Hannah apareceu em meu campo de visão usando um pijama
folgado que cobria quase todo o seu corpo, o cabelo estava uma
bagunça com uma parte solta e o restante preso. Meu primeiro
pensamento ao vê-la naquele estado foi o quanto ela ficava adorável ao
acordar.
— Que merda você veio fazer aqui, Alteza? — Ela adotou uma
postura desafiadora, que fez meu coração errar uma batida. Inferno!
Assumi minha postura fria para não demonstrar que tinha sido
afetado.
— Minha paciência para sua falta de educação está esgotando,
Hannah. É bom passar a me tratar com respeito, se não quiser
conhecer o ótimo sistema carcerário de Mirabelle.
Ela revirou os olhos, marcados por olheiras que indicavam
péssimas noites de sono.
— Perdão, Sua Alteza Real. — Fez uma reverência exagerada. —
Pode me informar por que uma mera mortal, desprezível como eu, está
tendo a honra de sua visita? — suas palavras escorriam sarcasmo.
— Nós precisamos conversar. — Dei um passo à frente para
entrar e ela se colocou no meio da porta, me impedindo de passar.
— Não, não precisamos. Vossa Alteza deixou bem claro que não
queria mais me ver ou conversar comigo. Estou cumprindo suas
ordens.
— Me poupe desse sarcasmo, Hannah. Nossa conversa naquele
dia não chegou ao fim. A culpa foi minha por deixar a raiva atrapalhar
meu julgamento. Quer que eu admita que eu errei? Está bem, eu
admito. Mas vim aqui tentar consertar as coisas e você vai me dizer
tudo o que tem para falar, não importa o que seja mentira ou verdade.
De repente, seu rosto empalideceu e os olhos perderam o foco.
Aproximei-me, em alerta, achando que ela iria desmaiar. Embora ela
não merecesse minha gentileza, eu ainda era um cavalheiro e não
negaria ajuda.
— Você está bem?
— Eu... eu...
Percebi que seu corpo ia fraquejar e minhas mãos rapidamente
seguraram sua cintura para ampará-la. Maldita ideia! Hannah tinha
mudado nos últimos anos. Seu corpo ganhou mais curvas e minhas
mãos formigavam, querendo explorá-las. Meu corpo todo incendiava e
algo em mim pareceu voltar a vida.
Ela também reagiu ao contato, voltando a realidade. Seus olhos
encontraram os meus e, por um rápido instante, esqueci todas as
mágoas que havia entre nós. Éramos apenas duas pessoas com uma
história inacabada, se reencontrando depois de muito tempo.
Mas então, para acabar com o momento, ela me empurrou
lançando um olhar que congelou qualquer chama de desejo existente.
Olhar esse que ela usou, anos atrás, quando disse não me amar.
— O que você quer saber, Andrew? Se a criança é sua filha? Não,
ela não é. De onde eu tirei a história do sequestro? Eu vi em um filme.
Por que eu achei que você acreditaria? Sei lá, pensei que você
continuasse sendo um bobo. O que eu queria conseguir? Dinheiro, é
óbvio. Mais alguma pergunta?
— Sim, há mais uma. — Adotando a mesma postura que ela,
olhei no fundo dos seus olhos e perguntei: — Onde está a garota? Eu
quero vê-la.
— Está dormindo. — respondeu rapidamente.
— Eu quero vê-la.
— Ser um príncipe não lhe dá autoridade de perturbar o sono dos
outros.
— Mas me dá autoridade para entrar onde quiser sem precisar ser
convidado. — Hannah abriu os braços, colocando as mãos no batente
da porta. Ela queria esconder a garota, e eu tinha que descobrir por
qual motivo.
— Desculpe, Alteza, mas eu sei o que é melhor para minha filha.
E, no momento, é descansar.
Dei um passo à frente, diminuindo quase toda a distância entre
nós.
— Você pode me deixar entrar por bem ou posso chamar meus
guardas.
Ela não cedeu.
— Por que esse interesse repentino em uma
suposta bastardinha?
— Porque eu... — me interrompi antes que falasse a primeira
resposta que veio a minha mente. — Deixe-me entrar, Hannah.
— Não.
— Você já está bem grandinha para continuar com essa teimosia.
— Dei mais um passo e meu corpo ficou colado ao seu. Ela não
recuou. — Eu não vou pedir permissão novamente, Hannah.
— Não peça, me poupa o esforço de ne... — Ela se calou quando
passei o braço em volta da sua cintura.
Por instinto suas mãos soltaram o batente segurando meus
ombros. Sem nenhuma dificuldade, girei nossos corpos, invertendo
nossos lugares e fiquei dentro do apartamento.
Teria sido um bom plano se meu corpo não tivesse recusado a se
afastar. A sensação de tê-la em meus braços era tão reconfortante em
meio a todo o caos que estava vivendo e o calor que emanava dela
aquecia mais de uma parte da minha anatomia.
Dessa vez, Hannah não me empurrou. Pelo contrário, suas mãos
agarraram meus ombros com força, como se pedisse para eu não me
afastar. Sentia as batidas aceleradas do seu coração se misturando as
minhas. Sem conseguir resistir, toquei seu rosto e ela olhou para
mim. Diabos! Hannah fingia tão bem que se naquele momento ela
dissesse que tudo não passou de um mal-entendido e pedisse para
voltar para mim, eu a aceitaria de braços abertos.
— Hannah, aconteceu algum problema? — A voz do Jake nos fez
nos separarmos imediatamente.
Virei o corpo a tempo de vê-lo chegando na sala. Ao menos ele
não viu que eu estava prestes a agarrar sua mulher.
— Você estava demorando, eu vim ver... — Ele se interrompeu ao
notar minha presença. — Boa noite, Alteza. — Fez uma reverência
direcionando o olhar para Hannah.
— Oi, amor. Está tudo bem, o príncipe já está de saída. — Meu
cérebro não processou nenhuma palavra após o "amor".
Fiquei como um espectador vendo Hannah caminhar até Jake, se
erguer na ponta dos pés e dar um beijo rápido em seus lábios. Ele
demorou cerca de três segundos para reagir, e quando o fez, passou o
braço pela cintura dela, como eu fiz minutos atrás, e a puxou para um
beijo de verdade.
Não permaneci ali para continuar vendo a cena. Há um limite de
decepção que um coração consegue suportar.

Hannah

No instante em que ouvimos a porta ser fechada, Jake e eu nos


separamos, e, imediatamente, um clima tenso se instalou entre nós.
Ele caminhou pela sala até decidir sentar no sofá, mantendo uma
certa distância de mim, ao passo que eu continuei petrificada onde
estava, inspirando o ar lenta e profundamente para não deixar o pânico
me dominar.
Desconcertada, repassei os motivos que me levaram a beijá-lo e,
por fim, sentei ao seu lado, pronta para arcar com as consequências.
— Jake, eu sei que não foi certo usar você para afastar o Andrew
e entendo a raiva que está sentindo de mim, mas ele queria que eu
contasse a verdade e não podia arriscar o acordo que fiz com minha
tia. É a vida da Hailey que está em jogo. Me desculpa, por favor. — O
tom de súplica em minha voz o fez me olhar.
— Você errou, mas não é a mim que deve um pedido de
desculpas. Eu sabia quais eram suas intenções, tanto que entrei na
cena, e não posso julgá-la por tentar proteger sua filha.
A capacidade do Jake de avaliar as coisas com bom senso e
clareza me surpreendia a cada dia. Diferente de mim, que sempre
complico tudo.
— Então, você não está chateado? — Ele desviou o olhar e eu
soube que iria mentir. — Seja sincero, Jake.
Ele bufou irritado.
— Você quer sinceridade?
Assenti, porém com não tanta certeza se gostaria de ouvir.
— Eu estou chateado, Hannah! Confesso que passei a nutrir um
sentimento por você nos últimos anos e estava esperando o momento
certo para lhe beijar, quando você abrisse seu coração me permitindo
entrar. Mas nós nos beijamos por uma mentira para o Andrew! E apesar
de entender que foi necessário, eu não sou capaz de ignorar que
finalmente a beijei.
Ah, merda!
Antes que eu pudesse esboçar alguma reação — que não
surpresa — Jake se levantou dizendo:
— Eu estou indo para a casa da minha mãe. Boa noite.
O medo me atingiu instantaneamente e fiquei de pé. Eu tinha
cometido um erro terrível, mas não podia perder sua amizade.
— Jake, nós podemos conversar sobre isso. Você não precisa se
afastar... — Fui interrompida por ele.
— Eu não seria tolo de me afastar, Hannah, sobretudo com essa
situação toda que está acontecendo. Preciso de um tempo sozinho,
porque se eu ficar perto de você, vou querer te beijar novamente, mas
de verdade, e aí teremos mais um problema.
Mais uma vez fiquei desnorteada com a sua franqueza e não
disse nada. Assisti ele procurar seus pertences em meio a bagunça do
apartamento e ir embora sem se despedir — ou se o fez eu estava
atônita demais para prestar atenção.
Quando a porta foi fechada e, enfim, eu pude deixar as lágrimas
caírem, Ed apareceu na sala.
— Isso estava melhor que minhas novelas mexicanas!
Ele veio até mim batendo palmas e com uma expressão de
admiração no rosto.
— Há quanto tempo você estava aí?
— Tempo o suficiente para ver o beijo e o príncipe saindo com o
rabo entre as pernas. Quanta maldade, Hannah!
— Que outra opção eu tinha, Ed? Eu disse que o sequestro era
mentira e que Hailey não era sua filha, ainda assim ele insistiu em vê-
la. Fiz o que tinha que fazer para ele ir embora.
— E não se importou com os sentimentos do coitado.
Um nó se formou em minha garganta ao pensar no Andrew. Eu
tinha visto um resquício do meu príncipe quando estávamos com os
corpos colados. Seus olhos evidenciavam tantas emoções que ele
represava até para si mesmo, que tudo que eu queria era confortá-lo.
— É claro que eu me importo! Antes do Jake aparecer, eu estava
nos braços do Andrew e ele me olhava com tanta saudade que eu
estava disposta a pedir perdão por todas as mentiras que contei. Então
vi o Jake e me dei conta que estaria arriscando a vida da minha filha.
Não queria magoá-lo, uma parte de mim quebra toda vez que penso
nele sofrendo, mas eu tive que escolher, e eu escolhi proteger a Hailey.
Em algum momento enquanto eu falava, as lágrimas começaram
a jorrar e os braços do Ed me envolveram em um forte abraço. Ficamos
em silêncio por algum tempo, até que os soluços do meu choro
cessaram e ele me soltou.
— Tá bom, chega disso. Agora eu quero saber se o Jakícia beija
tão bem quanto nos meus sonhos.
Ele conseguiu me arrancar um sorriso. Diante de todo o caos da
minha vida, discutir um problema amoroso era quase uma terapia.
— Foi um beijo de mentira, Ed.
— Mas eu o ouvi dizendo que quer beijar você de novo, então
você testa e me conta.
— Não vou beijá-lo outra vez. Jake sente algo por mim, mas o
amor que sinto por ele não mudou, continua sendo somente fraternal.
Não quero machucá-lo.
Ed suspirou.
— Você poderia dar uma chance a ele. Sabe, depois que o
príncipe casar, seu coraçãozinho vai ter que seguir em frente. E Jake
sempre foi ótimo para você, e Hailey o ama. E por mais que eu o ame
também, eu cedo ele para você.
Forcei um sorriso, sentindo uma angústia crescer dentro de mim
ao pensar no casamento do Andrew. Pela manhã, eu estava decidida a
esquecê-lo e seguir com a minha vida, no entanto algo mudou depois
que vi o medo, a dor e a paixão em seu olhar. Por mais que negasse
até para si mesmo, Andrew ainda sentia algo por mim.
— Você ainda o ama, né!? — perguntou depois de eu passar
minutos em silêncio.
Balancei a cabeça em concordância. Meu celular escolheu este
exato momento para alertar uma nova mensagem de tia Satan.
Sua filhinha agradece sua obediência.
Junto com o texto havia uma foto da Hailey. Ela parecia ter
acabado de sair do banho e estava com uma roupa diferente. Seu
corpo continuava sem marcas e não havia expressão de choro na face.
Minha bebê estava bem.
Após me recuperar do surto de emoção, enviei a mensagem para
o Michael pelo aparelho que ele me deu rezando para que ele
descobrisse o paradeiro da Hailey antes do maldito casamento.
Capítulo Dezesseis

Dezesseis
Tem uma tempestade se formando
E estou preso no meio disso tudo
E isso toma o controle
Da pessoa que eu pensei que eu era
Do garoto que eu costumava conhecer
Waves – Dean Lewis
Andrew
Hannah deveria entrar para o livro dos recordes como a maior
mentirosa do universo, e eu como o maior tolo por acreditar em suas
mentiras. Estava arrependido de ter procurá-la na noite anterior. O que
eu esperava, afinal?
A verdade é que nós nunca teríamos uma conversa madura e
sincera. Hannah era dissimulada demais para isso e eu perdia meu
controle emocional quando estava perto dela. E, além de tudo, houve
aquele maldito beijo...
— Andrew, está me ouvindo? — agradeci a voz que desviou o
foco dos meus pensamentos.
— É claro, Sebastian — respondi por educação. Não fazia ideia
do que ele disse nos cinco minutos que passamos ali.
Estávamos tomando café no jardim, afastados do castelo e da
movimentação com os preparativos do casamento. Benjamin, o filho
dele, estava conosco, porém muitíssimo ocupado se lambuzando com
um pedaço de torta, havia chocolate até em seu cabelo loiro.
— Então, você concorda comigo?
— É claro. — Forcei um sorriso tomando um longo gole de café.
— Eu sabia que você não me negaria um título de duque no seu
país. Fico muito honrado.
— Perdão, o que disse? — quase cuspi o líquido que acabara de
beber.
Sebastian gargalhou.
— Vai contra as regras de etiqueta não prestar atenção na
conversa — recriminou com ironia. — Mas vou ignorar sua falta de
educação porque sua cabeça está cheia no momento.
Ele nem tinha ideia do quanto.
— Você tem razão, me desculpe. Sobre o que realmente estava
falando?
O sorriso dele ampliou e um brilho suspeito surgiu nos seus olhos
azuis.
— Uma despedida de solteiro!
Minha reação não foi tão diferente de quando ele citou o título de
duque.
— Você não pode estar falando sério.
— É claro que estou! Já tenho tudo planejado. Vamos contratar
algumas strippers e você vai beber como se não houvesse amanhã! —
sua animação poderia contagiar qualquer pessoa, menos eu.
— Papai, o que é estipi?
Ben arrancou um sorriso meu com sua pergunta.
— Ele só tem três anos, cuidado com a resposta.
Sebastian pensou por um instante e olhou para o filho, que era
uma cópia idêntica sua.
— É algo que vai lhe divertir bastante quando você estiver
grandinho. Mas a mamãe não pode ouvir essa palavra, certo? — Ben
assentiu voltando sua atenção à torta.
— O que Rachel pensa dessa despedida? — perguntei.
— Ela não vai se importar, afinal a festa será um presente meu
para você, um gesto de gratidão por me livrar da minha irmã. — Ri de
nervoso.
Amanhã eu estaria casado com Sophia.
Para sempre.
— Acho que eu preciso mesmo beber como se não houvesse
amanhã — resmunguei.
Apesar de já ser a segunda véspera do nosso casamento, desta
vez estava tudo diferente.
— Esse é o clima, garoto! Vou convidar os outros príncipes. —
Sem dizer mais nada ele pegou o celular passando minutos focado no
aparelho.
Sebastian estava ocupado e não viu Rachel se aproximar. Ela
estava grávida outra vez, seu vestido verde marcava a barriga de
quatro meses, o sorriso radiante que ela trazia no rosto desapareceu à
medida que olhava seu primogênito com o rosto e o cabelo sujos de
chocolate.
— Olá, Rachel. — Levantei-me para cumprimentá-la e só então
Sebastian notou sua presença.
Foi impossível não notar a devoção com o qual ele a olhou.
Apesar de terem sido obrigados a se casarem, por causa do Ben, eles
desenvolveram um amor invejável depois do matrimônio.
— Oi, docinho. — Sebastian ia ao seu encontro, mas desistiu
quando percebeu o olhar dela.
— Eu deixo o Ben 10 minutos com você e ele fica assim? —
apontou para a criança, que ao ouvir a voz da mãe, desceu da cadeira
e abraçou-a, sujando seu vestido. Rachel pareceu não se importar.
— Mamãe, o papai disse que quando eu crescer posso ter uma
estipi. — Precisei segurar a risada.
— Seu traíra — resmungou Sebastian.
Rachel pegou o filho no colo, enquanto fuzilava o marido com o
olhar.
— Eu posso saber como o Ben aprendeu essa palavra?
— Andrew estava falando da despedida de solteiro dele e deixou
escapar.
— Não me metam na discussão.
Ela desviou o olhar para o filho, suavizando a expressão.
— Ben, quando você crescer vai conquistar o coração de uma
princesa ou de uma moça qualquer e não vai precisar disso que o papai
falou.
— A mamãe está certa, como sempre. — Sebastian foi até eles,
abraçou-os e sussurrou algo no ouvido do Ben, que o fez rir. — Venha
me ajudar a limpar esse moleque, docinho.
— Você pode limpar enquanto me fala mais sobre essa tal
despedida. Estou pensando em fazer uma para a Sophia também.
Eles saíram, discutindo algo sobre direitos iguais e gogo boys.
Reprimi a pontada de inveja que senti da felicidade deles. Eu
jamais teria aquele tipo de relação com Sophia. Por mais que nos
déssemos bem, não existia aquela intimidade entre a gente, e eu
duvidava que depois de 3 anos de namoro isso fosse mudar.

Rachel e Sebastian levaram a sério as despedidas. No fim da


tarde, quando retornei da visita ao meu pai, fui informado que
chegaram diversos visitantes informais no castelo.
O primeiro que encontrei foi o príncipe Matthew, um dos mais
próximos a mim na época que estudava em Londres, e que seria
padrinho do meu casamento juntamente com sua esposa, Natalie.
— É bom revê-lo, Matthew. — Nos cumprimentamos com um
aperto de mão — Onde está a Natalie?
Se havia no mundo um casal perfeito, sem dúvidas eram eles. Era
possível enxergar o amor entre aqueles dois há milhas de distância, e
eu pude testemunhar tamanho sentimento quando uma voz suave
preencheu o local e ele olhou na direção do som.
— Olá, Andrew. Eu estava procurando esses pestinhas.
Só então eu percebi que havia dois garotos loiros e idênticos
segurando suas mãos. Anthony e Benedict tinham apenas 15 minutos
de diferença de idade, porém cruciais para definir quem estaria em
primeiro na linha de sucessão.
Natalie veio até nós e eu a cumprimentei com um beijo na mão,
ela se voltou para o marido, que beijou seus lábios rapidamente, e os
gêmeos fizeram careta pela cena.
— E como andam os preparativos da sua despedida de solteiro,
Andrew? — perguntou a Natalie em tom irônico. As mulheres tinham se
unido por ódio a essa despedida.
— Na verdade, não sei responder, Sebastian é quem está
cuidando disso.
— Eu ainda acho essa ideia estúpida. Sofri bastante na última
despedida que houve. — Natalie lançou um olhar ao Matthew como se
lembrasse perfeitamente do que ele falava.
— Olhe pelo lado positivo, dessa vez conseguimos nossa
igualdade de gênero e teremos uma tão divertida quanto a de vocês —
retrucou a Natalie e seu marido olhou pra mim pedindo socorro com o
olhar.
— Cancela essa maldita despedida. Como você pode permitir que
sua futura mulher veja... — ele não completou a frase.
— Veja muito macho gostoso tirando a roupa? Ah, isso ficará para
a história! — viramos todos o olhar na direção da porta de entrada e
uma ruiva, mais conhecida como princesa Katherine, entrou na sala de
espera se juntando a nós.
Nos últimos anos, graças a Sophia e as centenas de bailes que fui
obrigado a comparecer, tive mais contato com os demais príncipes e
princesas herdeiros. A grande maioria deles eram pessoas que eu
chamaria de amigos. Éramos uma geração diferente dos nossos pais,
mais flexíveis e abertos para o mundo globalizado.
— O Sebastian disse que ia te matar, acho que eu vou ajudá-lo.
— resmungou o Matthew e Katy veio me cumprimentar.
— Além de vocês, quantos outros invadiram minha casa? — Katy
contou nos dedos e fez uma expressão pensativa.
— Até agora: eu, Matt, Nat, Eric, Violet, Victor, Evelyn, Theo e
Arya. Inclusive esses dois últimos estavam se pegando em um
corredor.
As duas mulheres presentes na sala engataram uma conversa
sobre a recente fofoca e Matthew se retirou dizendo que levaria os
gêmeos para conhecer o jardim. Fui a procura dos outros.
Logo encontrei o príncipe Theodore, irmão da Rachel e príncipe
herdeiro de Leicester. A julgar pelo seu cabelo bagunçado, sorriso
satisfeito e a princesa Arya vindo atrás dele nas mesmas condições,
deduzi que, futuramente, ele também seria um homem casado.
— Andrew! Quanto tempo! — ele me abraçou e eu soube que
tentava disfarçar o fato de que ele sabia que eu sabia o que estavam
fazendo.
— Nos vimos no sábado passado, Theo. — Ele deu dois tapas
nas minhas costas e mudei minha atenção para a mulher ao nosso lado
— Como vai, Arya? — as bochechas extremamente vermelhas
mostravam que ela estava envergonhada.
Arya era a princesa mais jovem da nossa geração. Dois meses
atrás fui ao seu baile de décimo oitavo aniversário, e passei a cerimônia
inteira lembrando cada detalhe do meu.
— Bem. Er... Você viu a Rachel? — quando neguei ela se afastou
dizendo que ia procurá-la.
— Acho que vou procurar minha querida irmã também. ARYA,
ESPERE!

Horas mais tarde, estava uma tropa de jovens da nobreza prontos


para uma noitada, e quem pensa que eram comportados, se engana
totalmente.
— Andrew, pelo amor que você tem a sua noiva, manda a Katy
embora do seu país. — Olhei para o Sebastian sentindo vontade de rir,
se dependesse do meu amor pela Sophia, Katy nunca sairia de
Mirabelle.
— Não vejo motivos para isso, eu adoro a Katy. — Recebi uma
piscadela da ruiva.
— Lembre-se que quem começou com essa ideia de despedida
foi você, meu amor — interveio a Rachel.
— Eu sou testemunha disso. — comentei.
— Afinal, de que lado você está, Andrew? — questionou o
Matthew.
— Ora, de nenhum. Se não querem que suas mulheres se
divirtam sem vocês, também não deveriam se divertir sem elas. —
Recebi aplausos das princesas.
— Estão vendo por que eu amo o Andrew? — evitei olhar para a
Sophia quando ela falou isso e segurou a minha mão.
— Vocês nem pensem em cancelar, eu não passei duas horas
dentro de um jatinho para não ter despedida. — disse o Theo.
— E eu pensando que seu interesse era só ficar perto da Arya.
— KATY! — três vozes gritaram ao mesmo tempo. Theo, Arya e
seu irmão, Eric.
— Eu não falei nenhum segredo, todos aqui já sabiam. — Se
defendeu. Alguns disseram que não sabiam e deram início a mais uma
calorosa discussão.
— Andy, eu não acho uma boa ideia essas despedidas. — Sophia
se aproximou, ignorando o tumulto.
— Não tem por que se preocupar, Soph. É só uma noite de
diversão com nossos amigos. — Peguei suas mãos levando-as aos
lábios. — E Sebastian e Rachel nos matariam se cancelássemos.
Ela sorriu.
— Tem razão. Saiba que passarei a noite pensando em você. —
Ela beijou meus lábios com afeição.
— Vamos parar de brigas porque não temos a noite toda! —
chamou o Theo e cada grupo entrou em uma limusine para ir ao seu
destino.

— O SHOW VAI COMEÇAR! — gritou o Sebastian e todas as


luzes da boate se apagaram.
Eu estava amarrado em uma cadeira com as mãos presas para
trás. Tinham me feito beber tanto que eu não conseguia ver o mundo
parado, tudo girava e girava, como um carrossel.
Um único feixe de luz se acendeu no palco e a silhueta de uma
mulher apareceu. Minha mente pouco lúcida, automaticamente, atribuiu
um rosto a ela e todo meu corpo esquentou. Uma música sensual
começou a tocar e ela se mexeu de acordo com o ritmo. As curvas do
seu corpo eram capazes de chamar a atenção de qualquer homem,
porém eram diferentes das quais eu queria explorar.
— Sebastian, você acertou na escolha. — comentou o Theo à
medida que a mulher se aproximava de onde nós estávamos.
A luz se tornou mais intensa, vi seu cabelo amarrado em um
coque, ela vestia roupas sociais e óculos de grau completavam seu
visual. Quando a mulher desceu do palco, soltou os cabelos e longos
fios castanhos caíram sobre seus ombros. Ela veio andando
lentamente na minha direção abrindo os botões da blusa. Perdi o
encanto ao notar que não era quem eu queria.
Passei a desejar loucamente que fosse Hannah ali, se insinuando
para mim. Diabos, mesmo que fosse de mentira, eu a queria!
Quando parei de pensar na Hannah, a stripper já estava na minha
frente se insinuando pra mim apenas com um conjunto de lingerie
vermelho, ela rebolava ao ritmo da música enquanto os outros
príncipes gritavam.
— APROVEITA QUE HOJE É O ÚLTIMO DIA, ANDREW. — Era a
voz do Príncipe Owen.
Fui obrigado a fingir que estava me divertindo com aquilo, me
forçando a sorrir e mostrar aos outros que estava no clima. A mulher
interpretou isso como um aviso para avançar e sentou-se no meu colo.
Os minutos seguintes se resumiram a mulher tentando me
seduzir, os príncipes me enchendo de álcool e eu evitando os dois a
todo custo.
O álcool já estava surtindo efeito ativando minha memória
subconsciente. Tudo que eu tentava não lembrar estava exposto ali. Eu
não via uma desconhecida rebolando em meu colo, mas Hannah na
nossa última vez, me dominando com seus movimentos, me sentindo
sem barreiras dentro dela. Ou em tantas outras vezes que ela assumia
o controle do ato e eu apenas apreciava o momento em êxtase.
— DESSA VEZ EU MATO A DESGRAÇADA DA KATHERINE! —
o grito do Sebastian reverberou sobre a música e sobre meus
devaneios. A dançarina se levantou para conferir se havia algo errado.
— Pra onde você tá indo, Sebastian? — perguntou seu irmão,
Samuel.
— Matar a Katy e eu vou com ele! — rosnou o Matthew.
— Eu vou junto! — disseram o Victor e o Eric.
— O que aconteceu? — perguntei, atordoado, atormentado pelas
lembranças há tanto tempo guardadas.
— O combinado era um stripper pra noiva, mas fui informado que
são 12!
— E o que vocês pretendem fazer?
— Acabar com a festa delas! — várias vozes disseram em
uníssono e senti minha cabeça girar 360°.
— Você vem conosco, Andrew? — perguntou o Victor após
desamarrar minhas mãos. Levantei meio cambaleando e ele me
segurou. — Sua futura mulher está lá também.
Não, não. Minha mulher, a única que eu queria, estava em outro
lugar.
E era atrás dela que eu iria!
Capítulo Dezessete

Dezessete
Ninguém nunca te machucou como eu te machuquei
Mas ninguém precisa de você como eu
Eu sei que existem outros que te merecem
Mas querida, ainda estou apaixonado por você
Happier – Ed Sheeran

Só a pessoa mais burra do universo tenta resolver um problema


criando outro.
No caso, eu ocupo essa posição.
Cheguei a essa conclusão após passar a noite pensando no que
aconteceu.
No calor do momento eu só tinha pensado em seguir com o plano
e proteger a Hailey, mas agora percebia a merda gigantesca que tinha
feito. Jake não merecia que eu o usasse, tampouco brincasse com
quaisquer que sejam os sentimentos que ele disse nutrir por mim. Eu o
amava imensamente, mas nunca seria da forma que ele esperava.
Do outro lado da história, eu tinha confirmado ao Andrew meu
relacionamento com o Jake, e ele nunca mais acreditaria em uma
palavra que saísse da minha boca. Apesar de ter sido minha intenção,
me entristecia deixá-lo pensar que nós o traímos desse modo.
Tentava me justificar acreditando que fiz pela Hailey, mas não
parava de questionar se haveria outra maneira de ter expulsado o
Andrew sem machucar ninguém.
Apesar de tudo, o plano seguia intacto e tivemos um avanço na
manhã seguinte, quando encontramos Michael em outra cafeteria,
também afastada da parte central da cidade.
— Uma câmera captou imagens da Samantha em uma loja de
vestidos de luxo. — disse o criminoso-detetive, tomando um grande
gole de chá logo em seguida.
— E como a encontramos agora? — perguntei, ansiosa.
— Mapeando os próximos eventos da alta sociedade que haverá
na cidade, buscando seu nome nas listas de convidados.
— Mas ela pode estar usando um nome falso. — Jake interveio.
Ele não tinha se afastado, porém parecia mais distante de mim.
Não julgava suas razões.
— Obrigado por deixar eu terminar minha fala, Jake — resmungou
Michael e bebeu mais do seu chá. — Para descobrir qual nome ela está
usando seria bem simples, na verdade. Bastaria saber quem são os
outros convidados do evento, e se eu não conseguir dados sobre
alguém com determinado nome, saberemos que é ela.
— Em quanto tempo você consegue isso? — foi a vez do Ed
entrar na conversa.
— Eu já consegui. — Então olhou para Jake. — E ela está usando
o próprio nome.
Michael tirou uma folha da mochila colocando sobre a mesa. Fui a
primeira a pegar e quase engasguei ao ver o título da lista.
— O casamento do príncipe. — disse Jake tirando o papel da
minha mão. — Então, se ela for mesmo entregar a Hailey após o
casamento, quando ela sair da cerimônia, devemos segui-la e
acharemos seu esconderijo.
O detetive balançou a cabeça em negativo.
— Prefiro pensar que a criança está sendo usada como um meio
de garantir o casamento, e, quando acontecer, ela só servirá para
manchar a imagem da realeza. Duvido muito que ficará viva. — falou
casualmente.
Em um milésimo de segundo três pessoas levantaram da mesa,
olhando com ódio para ele. Como ele tinha coragem de dizer tal
absurdo?
Ed foi o primeiro a alcançar a gola da sua camisa.
— Você está aqui para nos ajudar ou falar o que não deve?
— Estou falando a verdade apenas. Sei de casos em que a
realeza obrigou mães a abortarem o que seriam bastardos de reis. Não
seria tão difícil matar uma criança que já está sequestrada. — disse
sem nem ao menos piscar.
A informação fez o Ed soltá-lo, um tanto atordoado. Todos
voltamos a ficar sentados. Eu não podia negar que era uma
possibilidade, porém não era algo que gostava de ouvir em voz alta.
— Vocês devem entender que essa gente não tem escrúpulos
para manter a imagem imaculada da realeza. Como acham que
conseguem manter a monarquia até hoje?
— Rei Dominic e Andrew não são assim. — me ouvi dizer.
— Uma pena pra gente que eles não sejam os sequestradores —
ironizou, fazendo-me perder a paciência.
— Se tiver alguma informação relevante, vá direto ao ponto —
prossegui. — Caso contrário, vá trabalhar e descobrir algo que nos seja
realmente útil.
Ele somente arqueou uma sobrancelha ajeitando sua postura na
cadeira.
— Meu objetivo também é salvar a garota e poder ter minha
liberdade, sobretudo depois que cometi 23 crimes no último dia. Todos
de privacidade — acrescentou a última frase quando o fuzilei com o
olhar. — Ah, e um de contrabando porque eu precisei de um
dispositivo.
Michael colocou a mão na mochila tirando de lá um aparelho
pequeno.
— É um bloqueador de dispositivos eletrônicos. Vocês vão colocá-
lo no apartamento e os sequestradores não terão acesso a áudio ou
imagens de lá.
Por que ele não me entregou isso ontem? Resmunguei
mentalmente.
— Pessoal, o casamento é amanhã. Precisamos de um plano
urgente! — Jake entrou na conversa novamente.
— Eu tenho uma ideia! — Ed sussurrou e todos voltaram a
atenção para ele. — A tia da Hannah não faz o tipo de quem dirige o
próprio carro, e se a gente sequestrar o motorista dela depois que a
deixar no castelo e obrigá-lo a nos levar em todos os lugares que ela
passou recentemente? Nós podemos conseguir mais informações ou
até encontrar a Hailey — disse, esperançoso.
— Mas o casamento só vai durar no máximo uma hora. Talvez
não seja tempo o suficiente — contestou Jake.
— A não ser que a cerimônia atrase — completou Michael e todos
olharam para mim.
— Tenho que falar alguma coisa também? — indaguei, confusa.
Ed abriu um sorriso malicioso. Jake fechou a cara, pensativo.
Michael bebeu mais do seu chá. Eu me senti intimidada.
— Okay, acho que perdi uma parte da conversa. Alguém pode me
explicar?
— Você vai ao casamento! — disseram três vozes
simultaneamente.
— O QUÊ? Sem chances! Não posso me meter nesse casamento
ou vocês se esqueceram disso?
— Hannah, você não precisa fazer uma cena quando o padre
perguntar "alguém tem algo contra esse casamento?" — Ed imitou uma
voz grossa. — Você pode simplesmente colocar pó de mico na batina
do bispo, que isso vai atrasar a cerimônia.
Michael riu alto.
— Isso deve ser pecado— resmunguei. — Além disso qualquer
um de vocês poderia atrasar o casamento. Que tal o Ed rasgar o
vestido da Sophia?
— Ela conseguiria outro em dez minutos. — respondeu meu
amigo. — E seria muito suspeito.
— E se o Jake roubar as alianças?
— A realeza tem uma coleção enorme de joias. — Jake deu de
ombros.
— Michel, você pode cortar a luz do castelo? — insisti.
— Não, e mesmo se pudesse, o casamento é durante o dia e ao
ar livre.
— E como diabos vocês acham que eu vou conseguir atrasar
esse maldito casamento?
— Hannah, pensa comigo… o que é extremamente necessário ter
em um casamento? — Ed perguntou.
— Padre, alianças, convidados, noivos… — Finalmente entendi o
que eles estavam insinuando. — Sem chances. Não tem como eu fazer
isso. Andrew me odeia, ele não quer me ver nem pintada de ouro.
— É nossa única chance no momento, você tem que tentar. — Ed
insistiu.
— E lembrando que esse é nosso plano B. O plano A ainda é
encontrar o local em que sua filha está antes do casamento. —
comentou Michael, me deixando menos aflita.
— Eu consigo te colocar no castelo sem ser vista, o principal
obstáculo vai ser não ser expulsa. — disse Jake.
Respirei profundamente uma, duas, três vezes. O que poderia dar
errado?
1- Andrew me expulsar;
2- Andrew me expulsar e mandar me prender;
3- Andrew me expulsar, mandar me prender e me exilar de
Mirabelle.
Bem… eu tinha que acreditar no meu potencial.
— Eu consigo. Mas preciso que vocês me atualizem a cada 2
minutos e assim que eu puder, vou encontrar vocês.
Todos assentiram. E eu fiquei me perguntando como diabos ia
conseguir atrasar o Andrew.

O destino parecia ter voltado a sorrir para mim, pois tarde da noite
naquele mesmo dia, alguém bateu desesperadamente na porta do
apartamento do Ed.
Estávamos apenas eu e Ed em casa, mas este dormia como um
anjo. Andei cuidadosamente até a cozinha para pegar uma faca antes
de ir para a sala e espiar pelo olho mágico. Já eram mais de duas
horas da manhã. Minhas mãos tremiam de medo. Imaginava ser algum
capanga ou a própria Tia Satan me esperando do outro lado.
Meu choque não poderia ter sido maior quando vi ninguém mais
ninguém menos que o príncipe parado ali.
A faca caiu da minha mão, faltando pouco para acertar meu pé, e
se acertou eu não senti, pois só sentia meu peito batendo forte,
muitíssimo forte. Ele continuou a bater com cada vez mais força. Fui
obrigada a sair do estado de transe e reagir, senão os vizinhos
acabariam acordando.
Foi um pouco difícil girar a chave com as mãos trêmulas, mas
depois de algumas tentativas eu consegui.
— Que merda você tá faze… — não pude terminar a frase, pois
ele me puxou para um beijo.
A primeira coisa que senti foi a maciez dos seus lábios, depois
sua língua invadindo minha boca, suas mãos rodeando meu corpo em
um abraço tão apertado que seria impossível me soltar mesmo se eu
quisesse.
Eu não deveria retribuir o beijo. No entanto, meu corpo não queria
obedecer a minha mente e passou a ter controle próprio. Quando me
dei conta minha mão já estava no seu cabelo, que agora já não era
mais tão volumoso para eu poder bagunçar. Meus lábios se moveram,
acompanhando o ritmo dos lábios dele. Meu coração então nem se
fala, batia mais que tambor em escola de samba.
— Eu senti tanta falta disso, Hannah…. — sussurrou entre o beijo.
Uma das suas mãos subiu para minha nuca, puxando levemente
meu cabelo, mas o suficiente para enviar arrepios por todo meu corpo.
Andrew tentou diminuir a distância entre nós, mas acabou perdendo o
equilíbrio jogando seu corpo em cima do meu.
Em menos de um segundo estávamos os dois no chão, ele por
cima de mim.
— Você se machucou?
Após eu negar, ele deu um chute na porta e, não sei como,
conseguiu fechá-la. Em seguida voltou a me beijar e sussurrar coisas
que eu não conseguia ouvir direito porque estava sentindo algo duro,
muito duro, pressionar minha coxa.
— Andrew… — Ia pedir para ele parar, mas as palavras não
chegaram a se formar, pois ele desceu os lábios para meu pescoço e
suas mãos começaram a passear pelo meu corpo.
Socorro, Senhor! Estou na seca a um bom tempo, não me deixeis
cair em tentação.
— Estou com vontade de fazer isso desde aquele maldito dia que
te encontrei no cemitério.
Soltei um grito — porque me recuso a acreditar que tenha sido
outra coisa —, quando suas mãos alcançaram minha bunda e ele se
ajeitou de modo com que aquele maldito volume, agora um volume
pulsante, pressionasse bem na minha virilha.
Não me deixeis cair em tentação, Senhor!
Não me deixeis cair em tentação, Senhor!
Então parei para analisar a situação e me toquei que tudo aquilo
não deveria passar de um sonho, como tantos outros que tivera com
ele. Afinal, depois de me ver beijando o Jake, Andrew jamais desejaria
me beijar, sobretudo na véspera do seu casamento.
Porém, o sonho parecia tão real… seria um grande desperdício
não deixar minha imaginação brincar. Foi pensando assim que cruzei
as pernas ao redor da sua cintura e mexi meu quadril em direção ao
seu.
— Ah, Hannah… por que não te agarrei antes? — sussurrou com
a voz rouca no meu ouvido.
— Porque você é um grande idiota.
Soltei mais um gemido ao sentir suas mãos entrarem na camisa
do meu pijama e tocar minha pele.
— Você não deveria se referir ao príncipe assim. — Suas mãos
levantaram a camisa, expondo minha barriga e logo depois meus seios.
Andrew baixou o olhar para eles e os encarou por um bom tempo.
Meus seios tinham aumentado de tamanho depois da gravidez, mas
como era só um sonho, ele não deveria estar comparando.
Senhor, não me deixeis acordar desse sonho!
— Mas você tem razão, eu sou um grande idiota.
Sua boca encontrou meu seio direito e o chupou com uma fome
absurda enquanto sua mão apertava o outro seio, e depois de um
tempo inverteu os lados. Eu só sabia gemer, arranhar seus ombros e
fazer uma prece mental para o sonho não acabar.
— Acho que está na hora de consertar as coisas com você —
sussurrou, voltando a beijar meus lábios. — Eu preciso de você,
Hannah.
Andrew me olhou com desejo, mas transparecia um pouco de
afeto também.
Em todos os sonhos tinha essa parte, agora ele pediria para eu
voltar e diria que acredita em qualquer coisa que eu disser.
Entretanto, suas palavras foram totalmente diferentes.
— Você aceita ser minha amante?
Meus olhos se arregalaram, eu tinha escutado certo? O empurrei
e ele, meio desengonçado, sentou no chão.
— O que você disse? — perguntei e comecei a me beliscar até
começar a sentir dor no braço, percebendo que não tinha nada de
sonho naquele pesadelo. Merda!
— Você tem o Jake e eu tenho a Sophia. Mas ainda existe essa
química entre nós, que eu nunca vou ter com minha esposa. E você
mostrou que sente o mesmo por mim.
Andrew tentou se aproximar. Senti o cheiro de álcool exalando
dele. Merda, merda, merda!
— Você está bêbado, Alteza! E deve estar imaginando coisas,
porque não aconteceu absolutamente nada aqui!
— Tem certeza? — Ele olhou para um lugar específico das calças
dele e foi impossível não ser atraída para olhar também.
— Hannah, não consigo parar de pensar em você. Eu sonho com
você. Algumas horas atrás, eu estava na minha despedida de solteiro e
o único corpo nu que desejava era o seu. Por que não podemos ser
amantes?
Só não chorei naquele instante, porque o ódio que estava
sentindo era mil vezes maior. Dominada por esse sentimento, acertei
um tapa na cara dele.
— Vossa Alteza tem uma noiva e é nela que deve pensar!
— Ela não é como você. — Seu tom de voz baixou abruptamente
e uma tristeza tomou conta do seu olhar.
— Então por que diabos vai se casar com ela?
Ele me encarou com uma intensidade tão grande no olhar que
precisei desviar para não o beijar de novo.
— Por que eu vou me casar com a Sophia? A resposta é bem
simples. Porque você me deixou, Hannah! Sou tão idiota que ainda
insisto em correr atrás de você. E ainda te quero nem que seja pela
metade. — O vi secar uma lágrima.
Senti meu coração quebrar mais uma vez, detestava ouvir ele
sendo sincero e não poder retribuir.
Bendito álcool que entra e faz a verdade sair.
E maldita eu que iria me aproveitar disso.
— O que você ainda sente por mim?
— Eu a odeio — disse sem nem pensar e prosseguiu — Eu tinha
planos para nós dois, tinha visto toda a nossa vida juntos, como marido
e mulher, como governantes, como pais, avós… — Fez uma pausa,
pois sua voz estava falhando devido ao choro. — Mas estava disposto
a mudar esses planos também, caso você não se visse neles. Eu
poderia abdicar da minha coroa, desejar apenas 3 e não 9 filhos, morar
em uma casa de 5 cômodos ao invés do Castelo. Não importaria qual
fosse meu futuro, desde que você estivesse nele. — Andrew sorriu
tristemente. — Mas você viu seu futuro sem mim e eu a odeio por não
ser capaz de seguir minha vida sem você.
Eu não tinha resposta para seu desabafo. O silêncio se instaurou
na sala. Andrew deixou claro que não era feliz, tampouco via felicidade
sem mim, em outras palavras ,ele não deixou de me amar.
— E você, o que sente por mim? — perguntou depois de minutos.
Eu já estava com a resposta automática na ponta da língua. Iria
negar tudo o que sentia. Porém, ele estava muito bêbado e certamente
não se lembraria de nada na manhã seguinte. E como ele tinha sido
sincero comigo, ele merecia o mesmo.
— Eu também tinha planos para nós dois, quase iguais aos seus,
exceto os 9 filhos. — Ele riu. — Mas tive que fazer uma escolha difícil,
Andrew. Não o deixei para ficar com o Jake, tampouco por não amar
você. Não teve um dia nesses três anos que não tenha pensado em
você, lembrado do seu sorriso, do seu abraço ou do seu beijo. Mas eu
tive uma filha e ela me ajudou a ser feliz, porque é uma parte de você
também. Quando você tiver filhos com a Sophia vai entender o que
estou dizendo, eles vão se tornar seu mundo, e nada mais vai importar
além da felicidade e o bem-estar deles. — Parei para respirar fundo e
meus lábios se abriram em um sorriso forçado.
— Que merda eu tô falando? Eu não quero que você tenha filhos
com ela, eu não quero que você se case com ela ou que tenha
qualquer contato com ela, porque ainda tenho esperança que tudo vai
se ajeitar e você vai voltar para mim, e então nós poderemos viver
todos os planos que tivemos, além de dar irmãozinhos pra Hailey e
viver aquele clássico clichê de "felizes para sempre".
Ao terminar de falar, olhei para ele e o desgraçado estava
dormindo. Eu não tinha noção do quanto ele tinha ouvido ou se
lembraria de qualquer coisa pela manhã, mas mesmo assim me senti
mais leve em "contar" meus sentimentos para ele.
— Eu ainda te amo, seu idiota — sussurrei.
Aproveitei os minutos seguintes, com ele desacordado, para
admirar seus traços. Andrew estava ainda mais lindo do que na época
em que estudávamos juntos. A barba por fazer combinava bem com
seu maxilar forte. Hailey possuía muitos traços dele, como o formato
dos lábios e o sorriso.
Em poucos segundos minha mente imaginou a cena dos dois
brincando juntos e me vi chorando porque não havia possibilidade de
isso acontecer.
Após me recompor secando todas as lágrimas, me aproximei do
Andrew e comecei a sacudi-lo.
— Andrew, acorda! Você precisa ir para o castelo. — Repeti isso
umas três vezes e ele sequer mexeu a pálpebra.
Quando ia falar pela quarta vez, lembrei do plano para atrasar o
casamento… Eu não precisaria ir ao castelo, se o mantivesse por aqui!
E graças ao Michael, Tia Satan não podia ouvir nossas conversas aqui
dentro.
Eu iria sequestrar o príncipe!
Ou não, já que foi ele que veio até o cativeiro. Eu só o manteria
trancado.
— Andrew, levanta! — O sacudi com mais força e acho que foi um
pouco demais, porque ele não só acordou como colocou para fora
metade do que deve ter ingerido durante o dia.
— Merda! Fica aí.
Tranquei a porta para evitar que ele fugisse. Peguei um pano e
um balde para limpar o maldito vômito. Eu já tinha limpado muito vômito
e cocô da Hailey, então não seria tão ruim.
Quinze minutos e muitas ânsias de vômito depois, eu tinha
terminado. Andrew ainda estava deitado no chão, parecendo sonhar
com os anjos. Para acordá-lo dessa vez fui menos gentil, simplesmente
peguei sua perna e sai arrastando em direção ao meu quarto.
Funcionou. Em dez segundos ele estava acordado.
— Vem, você vai tomar um banho e dormir.
— Você vai tomar banho e dormir comigo?
— Claro que não!
— Então acho melhor ir para casa.
Andrew se levantou virando em direção a porta, e rapidamente
apoiei seus braços em meus ombros fazendo-o mudar de rumo.
— Vou cuidar de você, querido — resmunguei.
— Sabia que você aceitaria minha proposta.
Eu apenas o ignorei levando-o até o banheiro. Deixei-o sentado
embaixo do chuveiro ligando o jato d'água fria. Andrew resolveu tirar a
camisa e tentei evitar ao máximo reparar em seu corpo mais definido.
Após uns dez minutos desliguei o chuveiro. O coitado estava
tremendo de frio, mas ele merecia.
— Vem! — o ajudei a se levantar entregando a toalha.
— Sabia que eu tomava banho de água fria para diminuir meu
desejo por você?
Senti minhas bochechas queimarem, porém o ignorei.
— Vá se secar e depois vá para a cama.
— Você fica sexy toda mandona assim.
Andrew abriu um maldito sorriso safado e começou secando os
cabelos, e isso sim era a verdadeira definição de sexy.
Sai correndo do banheiro indo ajeitar a cama para ele dormir. Eu o
deixaria trancado ali e iria para o quarto da Hailey. Amanhã pensaria
em um jeito de mantê-lo lá dentro.
Tinha terminado de colocar os cobertores na cama quando senti
um corpo se encaixar atrás do meu e lábios beijarem meus ombros.
— Você disse que dormiria comigo.
— Eu não disse isso.
— Mas eu não tô me sentindo bem, Hannah. E você disse que
cuidaria de mim.
Eu ganharia mais tempo se não discutisse.
— Certo. Me solte agora e vá deitar. Eu vou pegar um cobertor
para mim.
— Nós podemos dividir, como antes.
— Vá deitar ou lhe deixarei sozinho.
Ele me obedeceu prontamente e quando passava por mim para
chegar até a cama, eu notei como ele estava.
— Cadê a merda da sua roupa?
— Você me deu banho com ela, não quero ficar resfriado. — Abriu
um sorriso safado. — E não tem nada aqui que você já não tenha visto.
— Apontou para a toalha, que era a única peça que cobria seu corpo.
Eu odiava o Andrew versão bêbado.
— Vá deitar logo!
Finalmente ele me obedeceu e se enfiou dentro das cobertas,
atirando a toalha no chão.
— Eu só vou dormir quando você deitar aqui.
— Estou indo — resmunguei e deitei o mais longe possível dele.
Não valeria a pena insistir no contrário quando claramente ele
pensava que eu tinha aceitado ser sua amante. Minha melhor escolha
era esperar até ele dormir e logo em seguida sair do quarto. Tudo daria
certo.
Ou ao menos quis acreditar nisso.
Capítulo Dezoito

Dezoito
O que eu devo fazer sem você?
É tarde demais para catar os pedaços?
Muito cedo para se desfazer deles?
Você se sente abatida assim como eu?
Always – Gavin James
Andrew
Eu não lembrava quando tinha sido a última vez que senti uma
dor de cabeça tão grande acompanhada de um mal-estar na barriga.
Odeio ressaca!
Tentei me remexer na cama, porém um corpo colado de
conchinha ao meu impediu que me movesse muito, também percebi
que meu membro estava mais acordado que eu sendo pressionado por
uma bunda. Apesar da ótima sensação, abri os olhos para tentar me
mover devagar e não acordar a Sophia.
— Porra! — xinguei quando vi longos cabelos castanhos
espalhados pelo colchão. Sophia é loira!
Assustado, busquei na memória os acontecimentos da noite
anterior. Eu lembrava de ter ido para uma casa de show com os outros
príncipes, ter bebido bastante e de uma dançarina morena. E agora eu
estava em um quarto desconhecido, sem roupa e com uma mulher ao
meu lado.
Diabos! Eu traí Sophia nas vésperas do nosso casamento!
Afastei-me da mulher, que nem lembrava o nome, com o mínimo
de delicadeza possível. No entanto, não notei que ela estava na ponta
da cama e minha brutalidade empurrou a coitada para o chão.
— Aiiii!
— Me desculpe. — Eu ia estender a mão para ela, mas me detive
quando lembrei que estava sem roupa. Procurei o cobertor para cobrir
minha virilidade e quando voltei o olhar ela já tinha se levantado e
estava sentada de costas para mim, com as mãos cobrindo o rosto.
Aproveitei para olhá-la por alguns segundos. Diferente de mim,
ela estava vestida. Seu pijama cinza pouco lembrava a roupa sexy que
ela estava ontem, porém meu corpo sentiu coisas que não sentira
durante seu show na noite anterior.
— Er... — Limpei a garganta, pois não fazia ideia do que falar.
Nunca tinha ficado com ninguém só por uma noite e não parecia certo ir
embora sem falar coisa alguma, sobretudo porque eu precisava garantir
que ela não espalhasse absolutamente nada do que aconteceu entre
nós.
— Então... Eu quero me desculpar por ter ficado com você e
gostaria de saber quanto você aceita para assinar um termo que não
falará nada do que aconteceu entre nós.
— Você acha que tudo se resolve com dinheiro? — retrucou com
rispidez. Sua voz soava muito, mais muito familiar. Talvez eu ainda
estivesse bêbado, se não juraria que era a Hannah.
— Bem, para a maioria das pessoas, sim. — Eu teria que ser
gentil para negociar com ela. — Mas se você tiver interesse em alguma
outra coisa que esteja ao meu alcance, posso providenciar.
Ela passou algum tempo em silêncio. Decidi tentar outra
abordagem.
— Hmmm, como é mesmo seu nome?
Seu corpo ficou ereto e ela abaixou o rosto.
— Você não lembra? — Sua voz mudou, ficando mais fina que
antes.
— Infelizmente, não. Bebi mais do que devia ontem e creio que
tivemos uma ótima noite. — Meu membro era prova viva disso. — Mas
eu não consigo me lembrar. Desculpe.
— Não achei que o príncipe fosse esse tipo de homem. — Sua
entonação demonstrava uma certa raiva.
— E eu não sou. Foi um deslize e eu peço perdão.
— Entendo. Eu só prometo ficar calada se puder ser sua amante.
Eu não poderia ficar mais chocado com seu pedido. Se ela
pedisse uma pedra da lua, eu conseguiria, porém jamais teria uma
amante, apesar dessa ideia ter passado algumas vezes pela minha
cabeça, mas só se a mulher em questão fosse Hannah, não uma
pessoa qualquer.
Então, um flash de memória surgiu em minha mente.
Eu estava deitado no chão, com o corpo da Hannah embaixo do
meu. Eu a beijava com todo o desejo que guardei nos últimos anos e
toda a paixão que ainda sentia por ela. Durante o fogo da paixão,
perguntei se ela aceitaria ser minha amante.
Aquela memória poderia ter sido só um sonho. Entretanto, quando
reparei melhor na mulher a minha frente, outros flashes de memória
surgiram e vi o tamanho da burrada que tinha feito.
Eu tinha saído da festa com vontade de ir atrás da minha mulher.
Tinha beijado a Hannah.
E lembrava também de ter vomitado na frente dela, apesar dessa
parte não ser tão atraente.
— Hannah? — perguntei retoricamente.
Ela se virou e meu coração — e outro órgão — pulsaram mais
forte. Havia esquecido como ela ficava tão linda ao acordar.
— Então agora você se lembra?
— De algumas coisas.
— De quê? — Hannah parecia ansiosa pela resposta e eu não
resisti a vontade de provocá-la, mesmo que precisasse inventar.
— Você retribuiu meu beijo, dormimos na mesma cama e eu estou
sem roupa. O que Jake acharia disso?
— E sua noiva, que deve estar se preparando para o casamento
agora, como ela se sentiria?
Ela conseguiu me deixar na defensiva. Realmente, tinha bem
mais a perder do que ela.
— Eu sei que você não vai contar nada a ninguém.
— Sabe? Dias atrás você disse que sou uma golpista.
Mulher rancorosa dos infernos!
— Então o que você quer em troca do seu silêncio? Realmente
quer ser minha amante?
— Claro que não! Mas tenho uma proposta para você — ela fez
uma pequena pausa, parecendo incerta. Ergui uma sobrancelha para
encorajá-la a negociar seus termos. — Quero que você se atrase para
o casamento.
Fitei-a desconfiado, sua exigência não fazia sentido para mim.
— O que você está tramando?
— Garanto que não tem nada a ver com você, porque se eu
quisesse acabar com o seu casamento já teria enviado nossas fotos
para algum site de fofoca.
Fotos? Inferno!
— Você não tem escrúpulos, Hannah.
— Eu não lhe obriguei a vir aqui e ficar comigo. O errado da
história é você, querido.
Hannah era uma boa negociadora, porém foi burra ao dizer que
tinha fotos e deixar seu celular perto da cama.
— Certo. Se você me explicar detalhadamente por que devo me
atrasar para o meu próprio casamento, tem a minha palavra que
cumprirei.
— Você não vai acreditar.
Segurando o cobertor, sentei na beira da cama bem ao seu lado e
muito próximo do celular.
— Hannah, vamos ser maduros ao menos uma vez e conversar
sem os ressentimentos do passado. Prometo que não a julgarei. —
Coloquei a mão na sua coxa e o gesto a deixou desnorteada.
Ela olhou para onde minha mão a acariciava e eu usei esses
segundos de distração para esticar o braço e pegar seu celular.
Contudo, não fui rápido o suficiente, pois ela notou meu
movimento.
— Largue!
— Desculpe-me, mas não vou me meter nos seus planos. —
Apertei o celular na mão calculando o tempo que levaria para chegar
até a janela e arremessar o aparelho.
Ia levantar para correr, quando Hannah se jogou em cima de mim
tentando tirar o celular da minha mão.
— Me devolva!
Ela começou a me arranhar e me bater. Eu só precisei de um
mínimo esforço para empurrá-la para a cama. Só não esperava que ela
fosse chutar minhas joias reais.
— Diabos! — Cai na cama, me contorcendo de dor, mas mantive
o celular em minhas mãos.
Hannah não desistiu e usou o segundo pior golpe de tortura — o
primeiro já tinha feito. A desgraçada começou a fazer cócegas em mim.
A dor se misturou as risadas e tive que largar o aparelho para
detê-la. Segurei seus braços com força, mas ela não desistiu, usando
as pernas para me chutar, o que pouco surtiu efeito.
— Desista, Hannah!
— Nunca! — Ela mordeu meu braço com força, me fazendo soltar
o seu.
Usei o feitiço contra o feiticeiro e passei a fazer cócegas nelas.
Hannah gargalhava entre os xingamentos que proferia contra mim e eu
fui arrebatado pelo lindo som estranho da sua risada. Parei com as
cócegas admirando por um segundo aquela cena. Os cabelos dela
caiam sobre o rosto e ela não parecia se importar com a aparência, na
verdade ela nem precisava, pois o sorriso radiante que emoldurava
seus lábios trazia a maior beleza possível a sua face.
Iludi-me, imaginando uma vida em que acordasse com essa
imagem todos os dias.
— Você é um idiota, Andrew! — Ela não desfez o sorriso ao dizer
isso e suas palavras me transportaram para o passado.
Ignorando qualquer bom senso que restava em mim, eu a puxei
para perto e a beijei. Hannah não hesitou um segundo sequer antes de
retribuir com a mesma louca intensidade.
Era por isso que eu não a entendia. Em um momento, beijava o
Jake na minha frente e dizia me odiar, mas correspondia
fervorosamente a meus beijos. Talvez seu objetivo fosse só me deixar
doido, e ela obtinha muito sucesso.
Até esqueci porque estávamos brigando um minuto atrás. A beijei
como se fosse a última vez, e provavelmente seria mesmo.
Não me sentia culpado por estar traindo minha noiva no dia do
nosso casamento. Não me culpava por estar beijando uma mulher que
tinha outro. A carícia entre nós não parecia errada, pelo contrário, nós
dois juntos parecíamos tão certo quanto a soma do quadrado dos
catetos era igual ao quadrado da hipotenusa.
Apertei-a forte em meus braços, como se jamais fosse soltá-la,
aprofundando o beijo.
— HANNAH!!! — Alguém gritou do outro lado da porta e ela saiu
de cima de mim.
— Que merda aconteceu, Ed? — Ela parecia tão feliz quanto eu
pela interrupção.
— Levanta, mulher! Temos que começar com nosso plano. —
Hannah me olhou fazendo um gesto para eu ficar calado. Quem era eu
para desobedecer?
— Estou cuidando disso nesse exato momento, Ed. Em 10
minutos te conto.
— Espero que esteja se depilando para atrasar o príncipe.
Hannah ficou com as bochechas vermelhas.
— 10 minutos, Ed! — ela resmungou e ouvimos passos se
afastando da porta.
— Então seu plano para me atrasar para o casamento é me
seduzindo?
— Esse é o plano do Ed. O meu é deixá-lo aqui trancado.
— Prefiro o do Ed.
— Você é um cafajeste, Alteza!
— Você está traindo o Jake, não é tão diferente de mim.
— Eu não tenho nada com o Jake!
Como eu queria acreditar naquela mentira.
— Eu vi vocês se beijando.
Hannah deu um suspiro, como se estivesse cansada, e me
encarou.
— Pega meu celular.
Não entendi seu pedido, mas ela repetiu e a curiosidade me fez
obedecer. Procurei o aparelho em cima da cama e apesar de toda a
briga por ele, eu estendi a ela.
Hannah sentou na cama e imitei-a, esperando ansioso para o que
me mostraria.
— No dia que eu beijei o Jake, você queria entrar no apartamento
e ver minha filha. Eu não podia deixar, pois ela não está aqui, então eu
beijei o Jake para obrigar você a ir embora.
— Por que... — ela me mandou continuar calado.
Observei, em silêncio, ela desbloquear o celular e ir para as
mensagens. Em seguida me entregou o aparelho pedindo para eu ler a
mensagem.
Minha querida sobrinha, que garotinha mais adorável essa sua!
Se quiser que ela continue ilesa, recomendo seguir algumas regrinhas:
1. Afaste-se do príncipe;
2. Tire a polícia do caso, afinal eu sou apenas uma tia cuidando
da sua sobrinha-neta;
3. E se o príncipe lhe procurar, o convença que a filha não é dele.
Entregarei sua filha após o casamento real e no mesmo dia vocês
duas sumirão do país. Caso o casamento não aconteça, sua filhinha
quem sofrerá as consequências.
Tentei absorver o conteúdo da mensagem. Aquilo poderia ser
mais uma grande mentira, porém explicaria muita coisa sobre o
comportamento estranho dela e suas variações de humor.
Hannah tomou o celular da minha mão e antes que eu pudesse
reclamar, me devolveu. Dessa vez não estava no aplicativo de
mensagens e sim na galeria, mais especificamente na foto de uma
menininha.
— Isso, di-digo e-ela é... — Não consegui formular palavras vendo
aquela imagem.
A criança da foto usava um vestidinho azul, sua pele era clara e
seus cabelos castanhos como o da Hannah, o sorriso faltando alguns
dentes também eram familiares, as bochechas rechonchudas davam
um toque de fofura a sua face. Porém o que mais me chamou atenção
foi o seu olhar. Seus olhos possuíam um tom de verde absurdamente
brilhantes, idênticos aos meus e aos do meu pai.
Hannah passou o dedo na tela e outra foto apareceu. Nesta, a
criança estava de pijama, toda descabelada e fazendo o bico mais fofo
que já vi na vida. A cada foto que Hannah passava, sentia meu peito
bater mais forte e ser preenchido de amor.
— Essa é nossa filha — Hannah disse, confirmando o que eu já
sentia.
Capítulo Dezenove

Dezenove
Achei que poderia te afastar com a noite fria
Deixar alguns anos diminuírem o que eu sinto por você
E toda vez que conversamos
Cada palavra nos traz para esse momento
E tenho que me convencer de que não quero isso
Back to you – Selena Gomez

Andrew não esboçou reação durante, no mínimo, uns cinco


minutos. Ele só mexia o dedo para passar as fotos. Seus olhos não
piscavam e eu podia jurar que ele não estava respirando também.
Pacientemente, aguardei ele ver foto por foto. Andrew podia ser
burro em muitas coisas, mas até um cego veria a semelhança entre ele
e a Hailey. Seria impossível aquelas fotos não mexerem um pouquinho
com o coração congelado dele.
Ao que pareceram horas depois, ele parou em uma imagem
analisando mais atentamente. A foto tinha sido tirada dias atrás,
quando Hailey saiu do hospital.
— Eu a vi — Andrew disse com a voz tão baixa, que achava ter
entendido errado.
— O que disse?
— Eu a vi na cafeteira. Ela esbarrou em mim e caiu, então a
consolei.
Meus olhos se arregalaram. Não podia ser verdade. Tentei
recobrar as memórias daquele dia em que nós estávamos no mesmo
lugar e eu tinha saído antes sem a Hailey, que saiu com uma amiga
que Ed fez no banheiro. Inclusive Hailey tinha dito que conheceu um
príncipe e eu não a levei a sério.
Eu não conseguia formular uma frase, e ele continuou a falar.
— Ela mencionou que tinha um tio chamado Ed, mas não liguei a
você.
Claro, Vossa Alteza com sua lerdeza... Pensei em responder, ao
invés disso perguntei:
— Vocês conversaram?
— Um pouco. Ela é uma garotinha esperta — Andrew fez uma
pausa longa, em seguida me olhou. — Pena que herdou seu jeito
desastrado.
Aquilo no seu rosto era um sorriso? Foi tão rápido que meu
cérebro não processou se era real ou não.
Fez-se outro minuto de silêncio, porém eu o quebrei dessa vez.
— Então você acredita?
— Não vou negar que ela tem traços semelhantes ao da minha
família, mas eu preciso de um teste de DNA.
Quase pulei nos seus braços agradecendo por finalmente ter me
escutado sem julgamento e ter sido racional pela primeira vez desde o
nosso reencontro. Ainda estava comemorando internamente quando
Andrew fez a pergunta que tanto temia:
— Se tudo isso for mesmo verdade, por que diabos a escondeu
de mim? — seu tom de voz não era um dos mais calmos, mesmo assim
tentei manter a serenidade.
— Eu tive medo, Andrew. Você podia achar que estava dando um
golpe, como você mesmo insinuou dias atrás, ou pior, podia tirá-la de
mim. Também tinha minha tia e...
— Sem dúvida eu pegaria a guarda, ao menos ela estaria segura
se estivesse comigo — interrompeu.
Eu me irritei profundamente com sua afirmação.
— Uma bastarda estaria segura? Pense bem, Alteza... Nossa filha
foi sequestrada para manter a merda desse seu casamento, porque a
viram como uma ameaça a imagem imaculada da realeza.
— A mensagem que você me mostrou foi enviada pela sua tia, o
que ela tem a ver com meu casamento?
— A última vez que eu a vi, ela estava bem amiguinha da sua
noiva, lembra?
Ele parou para pensar. Andrew devia lembrar muito bem da cena
que Tia Satan e aquela princesinha fizeram no casamento do outro
príncipe lá, em que tentaram me humilhar.
— Me poupe, Hannah! Você some da minha vida, volta depois de
anos dizendo que temos uma filha e agora acusa minha noiva de
sequestro? Eu conheço bem a Sophia e sei que ela jamais seria capaz
disso.
Senti vontade de contar toda a história de uma vez, sobre a
Sophia, sobre seu pai, sobre tudo. No entanto Andrew tinha voltado a
desconfiar e se brigássemos naquele momento, eu perderia a chance
que tinha de salvar a Hailey. Sendo assim, respirei profundamente
diversas vezes até focar no objetivo principal que era salvar minha filha.
Minha história de amor podia ficar em segundo plano.
— Desculpe-me pela acusação, mas estou apavorada, Andrew.
Minha filha está em perigo e se eu não a encontrar até o seu
casamento, não sei qual será o destino dela. Ela é só uma criança, não
deveria estar pagando pelos nossos erros e se eu a perder, minha vida
estará perdida também.
Eu não percebi que estava chorando até sentir a mão do Andrew
tocando minha bochecha para secar as lágrimas.
— Vem cá. — Andrew passou um braço sobre meus ombros me
abraçando. — Vai ficar tudo bem, Hannah. — Suas palavras me
passaram segurança e eu soube que ficaria.
Eu me sentia tão acolhida em seus braços. Sentia a certeza que
se estivéssemos juntos nós poderíamos lutar contra o mundo.
— Peço perdão por estar duvidando de você. Independente dela
ser ou não minha filha, ela é uma criança que está no meu país e é
mais do que minha obrigação ajudá-la. Vou colocar o exército de
Mirabelle para revirar cada canto desse país.
— Não! — disse subitamente, saindo do seu abraço.
— Não?
— Andrew, você viu a mensagem! Minha tia não pode saber que
eu lhe disse. Não sei com quem ela está envolvida, mas sei que não
está sozinha.
— Você quer que eu fique de braços cruzados?
— Não. Nós já temos um plano.
Contei a ele sobre o plano de sequestrar o motorista e qual seria o
papel dele na história toda. Omiti o fato que estávamos trabalhando
com um criminoso que estava à espera de uma limpeza em sua ficha
criminal, afinal Andrew só precisaria saber disso depois.
— Hannah, se você disse que ela estará no meu casamento, não
é mais fácil prendê-la e esperar sua confissão?
— Não podemos arriscar assim, alguém poderia ver e avisar para
seus cúmplices. Tudo o que fizermos tem que ser da maneira mais
discreta possível.
— Tudo bem. Irei cuidar para que a cerimônia atrase, mas tenho
uma condição. —assenti e ele prosseguiu. — Mandarei alguns dos
meus guardas e você vai ficar em casa, escoltada por outros que são
de total confiança.
— Sem chances!
— Hannah, os sequestradores provavelmente estarão armados.
Você não pode se arriscar. Quem cuidaria da sua filha depois?
— Ela precisa de mim agora! Posso concordar com alguns
guardas, mas irei junto.
— Você nunca vai deixar de ser teimosa?
Ignorei sua pergunta e combinamos o restante do plano. Ficou
definido que Jake se vestiria de guarda e esperaria junto com os outros
na garagem do castelo. Também teriam guardas monitorando cada
saída, caso o motorista não fosse até a garagem. Ed e eu ficaríamos
fora do castelo, esperando o alerta para seguirmos. Depois nos
dividiríamos e cada um seguiria para um dos locais que o motorista
informasse em busca de qualquer pista. Seria uma missão tão difícil
que eu esqueceria que Andrew estaria se casando.
Depois de toda essa conversa, senti que o plano tinha mais
chances de dar certo.
— Acho que você já pode ir embora. Devem estar sentindo sua
falta no castelo.
— Você tem razão. Mas ainda tenho duas perguntas... — Andrew
apontou para o celular. — Qual o nome dela?
— Hailey.
— Hailey — ele repetiu, abrindo um pequeno sorriso. — Um lindo
nome, combina com ela.
— Sim. — Sorri também. — Qual a outra pergunta?
— Realmente não existe nada entre você e o Jake?
Fiquei me perguntando qual era sua intenção com aquela
pergunta, pois meu coração se encheu de falsas esperanças, e
respondi:
— Nunca existiu. Jake sempre foi como um irmão para mim.
Andrew desviou o olhar.
— Preciso me vestir você pode sair? — Mudou de assunto
repentinamente.
Saí do quarto sem dizer nada, mesmo havendo muita coisa para
ser dita.
Assim que fechei a porta a realidade me atingiu. Ali estava o
homem que eu amava e eu sabia que ele ainda sentia algo por mim,
porém estava a poucas horas de se casar com outra. E não havia nada
que eu pudesse fazer. Não até encontrar Hailey...
Recompus minha postura indo procurar o Ed. Meu amigo estava
na cozinha, em frente a pia preparando cookies e não me viu chegar.
— Ed, eu preciso te cont... — Antes que eu pudesse terminar a
frase, uma voz atrás de mim me interrompeu.
— Estou indo, Hannah.
Ed virou abruptamente, derrubando a bandeja que estava em
suas mãos quando viu a quem pertencia aquela voz.
— Alteza? — O olhar do Ed intercalou entre Andrew e eu umas
oito vezes. — Qual cena da história eu perdi?
— Hannah pode lhe explicar melhor, não lembro de muita coisa.
— respondeu, e em seguida voltou o seu olhar para mim. — A proposta
que fiz ontem ainda está de pé, Hannah. — O desgraçado piscou o
olho dando as costas.
Se eu tivesse com qualquer objeto em mãos, teria atirado nele.
Diferente de mim, Ed atirou. Não um objeto, mas palavras.
— Você criou vergonha na cara e pediu a Hannah em casamento?
Eu quase morri ali.
— Ela recusou quando eu pedi. — Andrew respondeu indo
embora.
— Eu vou te matar, Ed! — gritei assim que o príncipe fechou a
porta.
— Não sem antes me contar detalhe por detalhe dessa história,
que não estou entendendo nada.
Não tive escolha a não ser responder ao inquérito do Ed. Ele quis
saber o que levou o Andrew ali, enlouqueceu quando disse que o
príncipe tinha dormido no apartamento, omitindo o fato que tínhamos
dividido a mesma cama, falei sobre ter mostrado a Hailey e sobre a
ajuda que ele dará ao resgaste. No entanto, era o Ed e ele não deixou
de questionar qual tinha sido a maldita proposta feita pelo Andrew.
— Ele perguntou se eu queria ser sua amante.
— Eu não recusaria essa proposta.
— Mas não o quero assim — choraminguei.
— Realmente, você não merece ter que dividir a Andrewconda —
disse de forma doce, me fazendo rir.
Coloquei fim a conversa porque precisávamos nos arrumar para
sair. Íamos encontrar Jake e Michael para ajustar os últimos detalhes
da nossa missão e eu teria que passar as novas informações para eles.
Estávamos saindo de casa quando meu celular alertou uma nova
mensagem de Tia Satan.
Espero que você não apronte nada hoje, querida sobrinha!
Capítulo Vinte

Vinte
Me dê amor como nunca antes
Porque ultimamente eu tenho desejado mais
E faz algum tempo, mas ainda sinto o mesmo
Talvez eu deveria deixar você ir
Give me love – Ed Sheeran
Sophia
— Nada dará errado hoje! — falei para meu reflexo no espelho
repetidas vezes.
Tinha acordado com um pressentimento ruim, mas tentava ignorá-
lo, pois devia ser por causa do nervosismo e da cerimônia anterior que
não chegou a acontecer. No entanto, dessa vez tudo daria certo.
Apesar de ter tido pouco tempo para organizar a festa e não poder
ser um evento tão alegre, devido ao rei estar internado, eu iria casar
com o homem que amo. Esperei a vida toda por ele, e nenhum detalhe
podia estragar isso, nem mesmo meu vestido confeccionado em
apenas três dias.
Reparei no meu reflexo no espelho. Eu estava horrível! A noite
com as garotas ontem tinha sido intensa, ao menos até o momento em
que os maridos/namorados das outras mulheres chegaram e acabaram
com a festa.
Como meu Andy não era um imbecil como meus irmãos e os
outros, ele não apareceu. Eu sabia que ele confiava em mim.
Sorri ao lembrar dele. Em poucas horas nós seríamos um do outro
para sempre. Eu me tornaria Sophia Leah Bachmann Leining, princesa
de Mirabelle. E em breve, Andrew e eu estaríamos cuidando dos
nossos herdeiros.
Era um sonho de anos se tornando realidade.
Batidas na porta interromperam meu devaneio. Após minha
ordem, as camareiras entraram no quarto.
— Vossa Alteza! — disseram as duas mulheres se curvando. —
Está na hora de começar seu dia de noiva.
Segurei a vontade de dar pulinhos de emoção. Nada irá dar
errado! Pensei mais uma vez. No evento anterior, eu estava prestes a ir
para a igreja quando recebi a notícia do acidente do Rei Dominic e que
o Andrew tinha cancelado o casamento. Chorei por horas naquele dia.
Para mim tudo estava perdido. Contudo, Andrew também estava
ansioso para se casar comigo e remarcou a data apressadamente.
As duas mulheres me ajudaram a me trocar e a disfarçar as
olheiras em minha face. Deixei o quarto seguindo o caminho até onde
meu motorista aguardava. Porém, interrompi minha caminhada ao
encontrar meu irmão Sebastian e a princesa Katherine discutindo. Eles
não viram minha aproximação.
— Como assim você não sabe onde ele se meteu?
— Eu não sou babá dele, ora. E eu tinha que salvar minha mulher
de você!
— Ao menos ninguém sumiu da minha festa!
— Ele vai aparecer. E sabemos que ele não saiu com a dançarina.
— Vocês estão falando sobre quem? — invadi a conversa, pois
estava ficando curiosa.
Os dois viraram a cabeça na minha direção abrindo sorrisos falsos
para parecerem relaxados.
— O Theo. — disse Katherine.
— O Eric. — falou meu irmão simultaneamente.
Olhei para os dois desconfiada.
— O Theo e o Eric não voltaram da festa ontem e não sabemos
onde estão. — Katherine respondeu calmamente.
— Devem estar se divertindo com outras mulheres por aí. Vocês
viram o Andy?
— Você não pode vê-lo no dia do casamento! Dá azar. —
Sebastian falou.
— Você nunca foi supersticioso, Sebastian.
— Mas nós não queremos outra cerimônia cancelada, não é
irmãzinha? Preciso me livrar logo de você.
Não dei atenção a sua provocação.
— Preciso ir para o meu dia de noiva. Se virem o Andy, digam-lhe
que estou com saudades.
— Vou até começar a procurá-lo para dar seu recado, irmãzinha.
— Sebastian disse, beijando minha mão e em seguida saindo pelo
corredor.
— E eu vou procurar algo divertido para fazer nesse país. Nos
vemos no casamento, Sophia. — Katherine se despediu indo para o
lado contrário ao que meu irmão seguiu.
Eles pareciam estranhos, mas optei por não me preocupar.
Aquele era meu dia e nada poderia me tirar a paz.
Passei horas no salão, cuidando da pele, unhas, cabelo e tudo
que eu tinha direito no dia do meu casamento.
Por volta do meio-dia, minhas queridas madrinhas se juntaram a
mim. Passamos grande parte da tarde conversando amenidades e
histórias de casamento. Rachel contou como tinha detestado o seu dia
de noiva, pois estava casando por obrigação e não queria nada daquilo.
— Meu pai deixou guardas vigiando cada janela e porta do SPA
onde eu estava para garantir que eu não fugisse. — disse às risadas.
Rachel e meu irmão tinham uma história de amor engraçada. Eles
gostavam um do outro, mas não se amavam a ponto de pensar em
casamento, porém o pequeno Benjamin fez as coisas se apressarem e
eles tiveram que se casar para não ter um bastardo nas duas famílias
reais. É claro que ambas as famílias se beneficiavam muito com esse
casamento. Porém, após o nascimento do filho, Rachel e Sebastian se
aproximaram mais aprendendo a se amar. Eu sabia que o Andy ainda
não me amava como meu irmão amava a sua mulher, mas acreditava
fielmente que tudo iria mudar após o nosso casamento.
Casamento esse que seria às 16 horas. Dessa vez, a cerimônia
não seria na principal igreja de Mirabelle, pois tinha que ser em um
ambiente mais reservado, e Andrew optou pelo jardim do castelo. Outro
ponto negativo é que não teríamos lua de mel, porque o rei estava no
hospital e Andrew precisava representá-lo nos assuntos da corte. Me
entristecia nada estar saindo como planejei durante todos nossos anos
de namoro. Contudo já planejava uma viagem para fazermos quando
os ânimos se acalmassem na realeza.
— Soph, está na hora de colocar o vestido! — disse Rachel
animada.
Meus olhos se encheram de lágrimas, mas me esforcei para não
chorar e destruir a maquiagem. Meu coração batia acelerado. E
vislumbrava a imagem do Andy me esperando no altar.
Ele estaria com aquele sorriso tímido me olhando como se fosse a
mulher mais linda do mundo e prestes a me tornar sua.
As minhas quatro madrinhas já estavam deslumbrantes com seus
vestidos em tom de rosé, assim como as duas daminhas que entrariam
comigo e a menina do hospital que o Andy tinha convidado.
Minhas camareiras me ajudaram a colocar o vestido. A peça era
mil vezes mais simples que a outra, não havia tantas camadas, sendo
este mais justo ao corpo abrindo-se mais abaixo do joelho, o grande
destaque estava no decote que deixava os ombros expostos e as
mangas eram transparentes com alguns detalhes em branco.
Terminaram de fazer os últimos ajustes no vestido e eu admirei
minha imagem no espelho. O vestido combinava com o penteado
delicado do meu cabelo, um coque com alguns fios soltos, adornado
por uma coroa delicada de topázios imperiais cor de rosa que
contrastavam harmonicamente com as tulipas rosas do meu buquê.
A maquiadora estava fazendo os últimos retoques na minha
maquiagem quando percebi minhas madrinhas cochichando entre si.
Antes que eu pudesse perguntar o que era, Rachel se virou vindo na
minha direção com um sorriso enorme.
— Estou tão feliz por você, Soph! Você está linda. — Ela me olhou
emocionada. — Mas uma noiva que se preze deve atrasar para o
casamento, então vamos esperar mais um pouco.
— Não, Rachel. Eu já esperei o Andrew por tempo demais!
— Mas… — A interrompi.
— Mas nada, vamos.
— Tudo bem, vou ser sincera com você. — Ela segurou minhas
mãos apertando-as com força. — Andrew não voltou para o castelo
ontem depois da festa.
— Como assim?
— Ninguém sabe para onde ele foi, mas Sebastian me garantiu
que ele não saiu com a stripper.
— E onde ele estava?
— Não sabemos.
— Onde ele está agora?
— No castelo.
Rachel estava dando respostas curtas demais.
— E qual o problema?
— Ele está bêbado, a ponto de não conseguir ficar de pé, e o
bispo disse que não vai casar alguém nesse estado.
— Isso não é verdade! Andrew raramente bebe.
— Sebastian já chamou um médico e estão cuidando dele, em
uns 30 minutos ele deve ficar bem.
Olhei para o teto para não deixar as lágrimas caírem. Andrew não
tinha o direito de fazer isso comigo! Ele tinha sumido na noite anterior e
aparecia bêbado no castelo? Onde ele estava com a cabeça?
— Soph, se acalma.
— Eu estou calma, Rachel. Mas preciso de um minuto sozinha.
Levantei sob os protestos das camareiras, pegando meu celular
para tentar falar com o Andrew. Afastei-me da multidão, indo para a
sala de massagem que estava vazia e disquei seu número. Chamou
diversas vezes e ninguém atendeu. Iria tentar pela sexta vez, quando
meu pai decidiu me ligar.
— Você está com o Andrew? — foi a primeira coisa que falei.
— Não, mas ele logo ficará bem. Como você está?
— Odiando-o, papai! Ele não podia estragar nosso dia.
— Não tem nada estragado, minha princesa. Seu noivo logo, logo
ficará bem.
— Mas eu não quero casar com ele estando bêbado.
— Nem pense em fazer nada imprudente, Sophia. Lembre-se que
você espera por esse dia há anos, não invente de ficar brava com seu
noivo, ele apenas quis curtir o último dia de solteiro, mas a partir de
hoje ele será somente seu. Se quiser discutir com ele, guarde a raiva
para amanhã, mas não permita que nada estrague seu grande dia.
— Obrigada pelo conselho, papai.
— Estou lhe esperando para levá-la ao altar.
Sorri encerrando a ligação. Papai sempre desejou minha
felicidade e incentivou o meu amor pelo Andrew, e até mesmo quando
aquela plebeia tentou se meter no meu caminho, ele me ajudou a
separá-la do Andrew. Embora isso tenha custado algumas joias e
dinheiro dos nossos cofres, valeu muitíssimo a pena.
— Você não vai ser feliz. — Ouvi uma voz infantil dizer e virei-me
em direção ao som.
Era a garotinha do hospital, Lola, Luana, Lara… não lembrava seu
nome.
— O que disse? — sorri gentilmente para ela me aproximando
para ouvi-la melhor, sua voz era baixinha devido a sua enfermidade.
— Você não vai ser feliz. Você não ama o tio Andrew de verdade.
— É claro que eu o amo, nós vamos nos casar.
— Você só está fazendo isso para agradar sua família. No fundo,
bem no fundo, o seu sonho é outro.
Quem era ela para achar que me conhecia?
— Eu nasci para casar com um príncipe e governar um país, fui
criada e educada para essa vida.
— Mas é o que você realmente quer?
Demorei para responder. Ora, todo mundo na vida tinha desejos
impossíveis, algumas pessoas eram loucas o suficiente para largar tudo
e ir em busca do que desejavam e a maioria dessas pessoas
fracassava. Eu estava bem com a minha vida e tinha certeza que seria
feliz com o Andrew.
— Eu quero me casar com o Andrew, governar Mirabelle e criar o
próximo rei do país.
— Se Andrew não fosse um príncipe, você se casaria com ele?
— Soph, vamos tirar algumas fotos. — Ashley entrou na sala.
— Vem, princesinha. — Peguei a mão da garotinha e voltei para
onde estavam minhas madrinhas.
Apesar de não ter respondido à pergunta, aquilo ficou martelando
em minha mente e alguns minutos depois cheguei à conclusão que
não, pois se Andrew não fosse um príncipe eu jamais o teria conhecido
para poder amá-lo.
Quase uma hora de atraso depois, avisaram que o príncipe já
estava bem e eu podia ir para o castelo. Por sorte, a cerimônia tinha
poucos convidados e a notícia da bebedeira do Andrew não chegaria
aos jornais e revistas.
Fizemos os últimos retoques na maquiagem e cabelo, então
partimos para a limusine. As madrinhas foram em um carro e eu no
outro com as três daminhas de honra e a enfermeira que acompanhava
a garotinha, que não parou de me olhar um segundo sequer durante
todo o percurso.
Em menos de quinze minutos chegamos ao castelo. Meu pai me
esperava um pouco antes do local em que o evento aconteceria
fazendo questão de abrir a porta do veículo para mim.
— Você está uma verdadeira rainha! — Sorri aceitando o braço
que ele estendia para me ajudar a sair da limusine.
Esperamos as madrinhas entrarem e logo em seguida ouvi o som
da marcha nupcial tocar. As daminhas foram na minha frente. Meu pai
me guiou até o corredor que tinha sido feito no jardim que levava ao
altar.
Foi quando eu o vi. Andrew estava impecável no seu traje azul
marinho, sua coroa demonstrava todo seu poder e sua seriedade era
digna de um rei.
Inspirei fundo dando o primeiro passo. Meu coração estava
aceleradíssimo. Finalmente o grande momento havia chegado!
Capítulo Vinte e um

Vinte e um
Não consigo encontrar outro caminho
E eu não quero ouvir aquele som
de perder o que eu nunca encontrei
Down – Jason Walker
Andrew
Por que diabos eu tinha marcado o casamento para aquele dia?
Era a pergunta que estava remoendo em minha cabeça desde
que saí do apartamento do Ed. É claro que a razão principal da dúvida
era o sequestro da garota, que podia ser minha filha. Mas além disso,
outro assunto martelava em minha mente: se eu tivesse mais tempo
poderia entender melhor a história da Hannah com o Jake.
Essa mulher foi enviada das profundezas do inferno para
atormentar minha vida. Ela tinha dito que não estava com o Jake, mas
eu tinha visto os dois se beijando e tinha um dossiê da vida dela, que
alegava que os dois eram casados. Então, do nada, ela dizia que tinha
fingido estar com ele para me afastar e, como o trouxa que era, eu
queria acreditar nisso.
Sendo sincero, gostaria de saber a real história sobre ela e seguir
minha vida sem esse grande ponto de interrogação.
Contudo, eu tinha que esquecê-la e pensar na garotinha
sequestrada. Sentira fortes palpitadas no peito quando vi a foto e
lembrei do nosso encontro dias atrás. Sendo ou não minha filha, ela era
uma menina adorável e inocente, não merecia estar correndo perigo.
Meu maior desejo era mover Mirabelle inteira até encontrá-la,
porém Hannah mostrou que não era uma ideia tão boa e eu estava me
sentindo impotente por não saber o que fazer, e pior por ter remarcado
o casamento para uma data tão próxima e ter pouquíssimo tempo para
resgatá-la.
— Grant, eu preciso de um grande favor seu. — disse ao meu
guarda no caminho de volta para o castelo.
— Às suas ordens, Alteza.
Eu o tinha encontrado no hall do prédio da Hannah. Grant
informara que ele tinha me levado até o local após a despedida de
solteiro e se manteve disfarçado lá, trocando o uniforme azul da guarda
real por roupas normais, que não fazia ideia de como as conseguiu.
Certamente, ser invisível quando necessário era uma lição do seu
treinamento para ser um guarda. Além disso, ele conseguiu apagar as
imagens das câmeras de segurança do prédio e tinha evitado um
grande escândalo.
— Você tem algum amigo na guarda real a quem confiaria sua
vida?
Eu não possuía proximidade com os guardas para saber em quais
poderia confiar, o único ao qual me sentia próximo era Carl, que faleceu
no acidente do meu pai. Não tinha tempo para conhecer os guardas e
escolher alguns para ajudar no plano da Hannah, mas estranhamente
eu confiava no Grant, e ele conhecia os seus companheiros melhor do
que eu.
Portanto, contei a história sobre a Hailey e seu sequestro, o plano
de resgate e como ele e os outros guardas iriam ajudar. Só alterei
alguns detalhes do que tinha sido acordado com Hannah.
— Eu tenho uma filha pequena e posso imaginar o quanto está
sofrendo, Alteza. Prometo que farei o que estiver ao meu alcance. —
disse Grant ao ouvir todas as minhas instruções.
Ao chegar ao castelo, nós entramos pela entrada dos funcionários
ao invés da principal. O caminho percorrido para chegar até o meu
quarto também foi evitando os corredores mais frequentados, para não
me deparar com algum dos meus convidados e ser interrogado de onde
eu passara a noite anterior.
Meu próximo problema era encontrar um jeito de atrasar a
cerimônia por alguns minutos para dar mais tempo aos guardas que
iriam ajudar no resgate. Ainda era por volta de meio dia, e a cerimônia
seria às 16h.
De início, fui pelo mais óbvio que era me esconder. Decidi ir para
os aposentos ao lado do meu, que anos atrás pertencera a Hannah.
Desde que ela se foi, nunca deixei ninguém entrar, nem mesmo as
criadas entravam para limpar. Sujeira e teias de aranha cobriam o
ambiente, mas mesmo assim me tranquei lá dentro permanecendo ali
por algumas horas.
Meu celular estava descarregado desde a noite anterior. Ninguém
me perturbava, nem havia meios de passar o tempo e distrair minha
mente, então começaram a surgir cenas na minha cabeça de anos
atrás, naquele mesmo lugar.
Lugar onde passei ótimos momentos, mas também onde meu
coração foi quebrado.
Engoli minha autopiedade e resolvi fuçar os armários e gavetas
presentes ali para o tempo passar mais rápido. A maioria das roupas
que ela deixou para trás foram doadas, porém havia umas peças que
não permiti que fossem entregues a outras pessoas. Na terceira gaveta
do closet as encontrei, o vestido que usou no dia que voltou do hospital,
a lingerie usada em nossa primeira vez e a touca cinza que costumava
usar na escola. Eu tinha lhe dado aquela peça no seu aniversário, mas
ela deixou para trás.
Não vi o tempo passar perdido ali com minhas memórias.
Quando resolvi olhar meu relógio vi que eram 15:20. Decidi que
era uma boa hora para voltar. Sai do quarto abandonado indo para o
meu, pronto para despertar o ator que existia em mim.
— Pensei que não fosse aparecer! — disse uma voz assim que
abri a porta dos meus aposentos.
— Hannah lhe atualizou sobre as mudanças no plano? — Mantive
a maior frieza possível, segurando-me para não socar sua cara.
Jake apontou para o próprio corpo. Ele trajava o uniforme dos
meus guardas, o que respondia a minha pergunta.
— Peguei no guarda-roupa do meu pai. — Deu de ombros. —
Michael pediu para te entregar isso. Você precisa usar, mas ninguém
pode ver — Jake parecia tão amigável quanto eu.
Ele estendeu a mão com um minúsculo objeto. Olhei desconfiado.
— Quem é Michael e que diabos é isso?
Jake revirou os olhos.
— Michael é alguém que está nos ajudando e isso é para você
colocar na orelha se quiser saber o que está acontecendo.
Peguei o minúsculo ponto eletrônico, mas não coloquei no ouvido.
Meu olhar encontrou o dele, que era tão frio quanto o meu.
Por um instante analisei suas características. Jake tinha olhos
castanhos escuros, o nariz era longo e fino e os traços do seu rosto
eram muito diferentes do da Hailey. Acho que eles só tinham o branco
dos olhos parecido.
Não havia uma semelhança sequer entre eles e a garota não se
parecia tanto com Hannah para só ter herdado as características dela.
Meu Deus, o que estava pensando?
— Obrigado, pode seguir para o seu posto, os convidados já vão
começar a chegar. — O expulsei, pois não queria mais ser atormentado
com tais pensamentos.
— Eu preciso lhe pedir mais uma coisa. — Fiz apenas um gesto
para ele prosseguir e tirá-lo rápido dali. — Coloque soldados em todas
as saídas de Mirabelle, caso o plano dê errado.
Ao menos ele era mais sensato do que Hannah.
— Eu já fiz isso.
— E mais uma coisa, pode deixar algum guarda protegendo a
Hannah também, já que eu não estarei com ela?
A insinuação que ele tinha o dever de protegê-la despertou uma
absurda onda de ciúmes em mim. Tentei me convencer que era o ego
de governante, que tinha a obrigação de proteger os cidadãos de
Mirabelle.
— Farei isso. — Não admiti que já tinha dado ordens a Grant para
ele próprio ficar ao lado dela.
Jake assentiu e se movimentou em direção a saída. Me segurei
para não perguntar qualquer coisa sobre Hannah ou Hailey.
Entretanto, Jake estava caminhando devagar demais até a porta e
a cada segundo que passava uma pergunta sobre elas surgia. Meu
orgulho dizia que eu não deveria remoer o passado. Meu coração, por
sua vez, queria que ele confirmasse a história da Hannah.
— Andrew.
— Jake — dissemos simultaneamente.
— Você primeiro — completei.
Nunca tinha visto insegurança no Jake até aquele momento, seus
olhos expressavam angústia. Ele abriu a boca duas vezes ensaiando o
que dizer, por fim limpou a garganta e falou:
— Eu fui embora com a Hannah a pedido do seu pai, para não
deixá-la sozinha.
Não era uma novidade, meu pai tinha me contado quando decidi ir
atrás dela.
— Só que Hannah é uma mulher incrível e foi inevitável não me
apaixonar, por isso permaneci com ela.
Uma declaração de amor era absolutamente tudo o que eu
precisava ouvir nesse momento. Agora eu podia seguir em frente com
minha vida e meu casamento.
— Mas nunca tentei nada porque o coração dela pertencia a outro
homem.
Ótimo, mais um na história!
Usando toda minha inteligência emocional, encarei seus olhos
respirando fundo antes de falar.
— Jake, não sei por que está me contando isso, eu realmente não
tenho nada a ver com a vida amorosa da Hannah.
— Ela nunca lhe esqueceu, seu idiota.
Aquilo atingiu em cheio o meu peito. A sensação de não ter sido o
único a não ter superado fez meu coração bater três vezes mais
rápido…. Até eu lembrar que poderia ser apenas mais uma mentira do
joguinho deles.
— A história de vocês ficou mal resolvida e ela nunca conseguiu
seguir em frente, mas depois do seu casamento não haverá mais
chance para vocês, e não vou medir esforços para conquistá-la.
E eu não vou medir esforços para quebrar a sua cara.
— Não entendo por que está me fazendo perder tempo com esse
desabafo.
— Porque nós éramos amigos, Andrew. Não quero que você
passe o resto da vida pensando que traí sua confiança. Me arrependo
por ter sumido e por não ter convencido Hannah a voltar para Mirabelle
quando descobriu a gravidez, ou de ter avisado a você sobre a criança.
Talvez eu tenha sido egoísta e quisesse ficar com elas para mim, mas
você não merecia. Espero que um dia me perdoe.
Seu pedido de desculpas soou sincero, mas como eu poderia
perdoá-lo?
Jake ficou em silêncio, na espera de uma resposta que não veio.
Eu precisava juntar todas as peças do quebra-cabeça antes de tomar
qualquer decisão a respeito dele e de Hannah. Se os dois estivessem
falando a verdade, o Sr. Morris, meu investigador, tinha me passado
uma informação falsa.
Eu ia fazer uma pergunta ao Jake, porém barulhos vindos do
outro lado da porta do meu quarto me impediram. Segundos depois,
dois homens entraram no quarto.
— Isso é hora de aparecer, Andrew? — gritou Sebastian.
Seu irmão, Príncipe Samuel, o acompanhava.
Tive que improvisar incorporando o bêbado que havia em mim.
— Xebastian, meu amigo do peito! — Andei até ele o abraçando,
dando alguns tapas nas suas costas. — Voxê me deu a melhor fexxta
da minha vida toda!
Pelo canto do olho vi Jake segurar uma risada, mantendo seu
disfarce de guarda.
— Onde diabos você estava? — Ele me empurrou em direção a
parede. Senti a batida nas minhas costas e, mantendo o papel de
bêbado, perdi o equilíbrio e caí no chão.
— Comemorando meu último dia xoltero como voxê mandou.
— Eu só não o mato agora porque a cerimônia começa em 20
minutos e você precisa se arrumar!
Tentei levantar, mas meu corpo mole devido a suposta
embriaguez não permitiu e voltei a cair no chão.
— Pode me axudar? — Estendi a mão para o Sebastian e ele me
ignorou, lançando um olhar de nojo.
— Você desaparece por horas e volta bêbado na hora do seu
casamento, seu imbecil! — gritou Sebastian irritado.
Se alguém fizesse o mesmo com a minha irmã, eu também
estaria odiando-o.
Ele controlou a raiva e seu olhar desviou para Jake.
— Você sabe onde ele estava?
— Os guardas o encontraram em um bar próximo ao local da
festa — mentiu Jake.
— Vou chamar seus empregados para lhe darem um banho.
Eles saíram e levantei rapidamente.
— Você precisa ir, os convidados já devem estar chegando.
Manterei o papel de bêbado pelo máximo de tempo que conseguir.
Jake assentiu indo embora. Aproveitando que estava sozinho,
coloquei o ponto eletrônico no ouvido. De início escutei alguns ruídos
seguidos da voz do Ed dizendo algo sobre sequestrar o bispo.
— Vocês conseguem me ouvir? — testei.
— Sim — responderam diversas vozes.
Haveria várias pessoas me ouvindo falar besteira de bêbado.
Lamentável.
Me deitei no chão e fiquei jogado até alguém aparecer.
Não demorou para alguns dos empregados do castelo chegarem
e me levarem para o banheiro. Foi ridículo eles tentando me levantar, e
depois de muito esforço e reclamações da minha parte, conseguiram.
— Eu xei tomar banho xoxinho!
— Ontem não sabia. — Ouvi Hannah resmungar e sorri.
Os empregados não queriam me deixar sozinho e eu tive que
ameaçar demiti-los. Após saírem, conversei alguns segundos com os
envolvidos no plano. Hannah, Ed e Grant estavam fora do castelo, Jake
e outros guardas estavam espalhados entre a garagem e o jardim do
castelo, onde aconteceria a cerimônia, e o tal de Michael estava em
casa monitorando as câmeras da cidade, o que era ilegal, mas decidi
não reclamar sobre aquilo no momento.
Tirei o ponto eletrônico e entrei na banheira. Permaneci lá por um
longo momento, ignorando todas as batidas na porta e gritos que eu
estava atrasado para o casamento.
Só acabei meu banho quando ouvi o grito do Sebastian dizendo
que iria arrombar a porta e eu não duvidava dele. Coloquei o dispositivo
de volta na orelha, era tão pequeno que dificilmente seria visto, vesti o
roupão e sai cambaleando do banheiro.
— Os convidados já chegaram, menos tia Satan. E se ela não
vier? — Hannah perguntou.
— Eu consigo atrasar mais alguns minutos até ela chegar —
respondi antes de sair do banheiro e voltar a ser um bêbado.
Os minutos seguintes foram de pura loucura. Tentaram me vestir a
força. Esperneei como uma criança de 5 anos pedindo minha coroa,
também fingi que iria vomitar, mas a melhor parte foi quando a notícia
chegou aos ouvidos do bispo e ele se recusou a casar um homem
alcoolizado.
Então, o castelo enlouqueceu. Queriam adiar o casamento, porém
o pai da Sophia não permitiu que outra cerimônia fosse cancelada. Até
que chamaram um médico, que aplicou um soro com glicose e depois
disso eu não pude mais fingir.
A tia da Hannah ainda não tinha aparecido quando desci para o
jardim e o desespero começou a surgir, tanto pelo plano estar dando
errado, como por em poucos minutos eu estar me casando com outra
mulher que não Hannah.
Capítulo Vinte e dois

Vinte e dois
Tão longe, mas ainda assim tão perto
As luzes se acendem, a música morre
Mas você não me vê, aqui de pé
Eu só vim aqui para dizer adeus
Dancing on my own - Calum Scott
Andrew
Sempre me considerei um cara romântico. Sonhava em casar e
ter uma grande família com a mulher que amava.
No entanto, o dia do meu casamento havia chegado e felicidade
não combinava com aquele momento. Minhas mãos suavam frio, mas
não era pela ansiedade em ver minha noiva entrar. Havia um nó em
minha garganta, mas não era por segurar o choro de felicidade. Todas
as emoções pareciam erradas e eu tinha a sensação de estar
cometendo um terrível erro.
É engraçado como as coisas mudam rapidamente em uma
semana. No sábado passado, em que aconteceria o casamento, eu não
senti nada parecido com aquele aperto no peito. É claro que eu não
estava explodindo de felicidade, porém o casamento parecia a escolha
certa a se fazer.
Agora tudo mudara.
Olhei ao meu redor e o pensamento de cancelar tudo aquilo
passou por minha mente, porém o peso da responsabilidade com meu
reino e meu povo não permitiu que eu movesse um músculo sequer.
A cerimônia acontecia no jardim em frente ao castelo e tinham
poucas pessoas presentes, na verdade, apenas os membros da
realeza e os guardas. A família da Sophia estava toda ali: pais, irmãos,
cunhada e sobrinho; enquanto do meu lado sequer havia um parente,
somente o príncipe Matthew e sua esposa, Natalie, porque o bispo
exigiu padrinhos.
Mais um detalhe que parecia errado: eu estava ali sozinho.
E o fato de estar prestes a ter uma esposa não amenizava esse
sentimento de solidão.
Enquanto eu dramatizava minha vida, três menininhas entraram
pelo corredor, delimitado por rosas em diversos tons, jogando pétalas.
Foi impossível minha atenção não se voltar para elas, pois uma era a
Lily. Ela estava radiante em um vestido rosa e usava um turbante na
mesma cor do vestido. Seu olhar encontrou o meu e ela abriu um
sorriso, passando-me a mensagem de que eu não estava tão sozinho
assim.
Ao chegarem próximo ao altar, elas saíram de cena dando início a
marcha nupcial.
Minha expressão facial fechou novamente. Não consegui ser falso
a ponto de tentar esboçar um sorriso, enquanto sentia meu peito ser
destroçado por dentro.
Sophia entrou sorrindo, ao lado do seu pai. Ela estava
maravilhosa e espelhava felicidade, como qualquer noiva em seu
grande dia. Me senti culpado por não retribuir seus sentimentos.
Cada passo que ela dava em minha direção causava um aumento
na minha angústia.
— A cerimônia começou e a tia da Hannah não apareceu, duvido
muito que ela ainda venha. — Ouvi a voz do Jake no meu ouvido e eu
nunca fiquei tão feliz em escutá-lo, pois isso desviou totalmente meus
pensamentos. No entanto, ao entender o que ele disse, meu corpo
congelou.
— Mas é a nossa única opção, ela tem que vir! — Ed respondeu,
com certo desespero na voz.
— Michael, me diga que você conseguiu uma nova informação! —
Foi a vez da Hannah falar, compartilhando do mesmo sentimento do
Ed.
— Infelizmente nada ainda. — respondeu uma voz desconhecida,
que deveria ser o Michael.
Enquanto isso, Sophia estava a um metro de distância de mim.
Seu pai beijou sua testa. Dei um passo à frente para segurar e beijar
sua mão. Involuntariamente, abri um sorriso. Não por ter tocado a mão
da Sophia, mas por ouvir uma voz feminina resmungando "ridículos"
pelo ponto eletrônico.
Minha quase-esposa deve ter achado que o sorriso foi para ela,
pois o seu se alargou e seus olhos marejaram, com uma felicidade
pura.
— Cuide bem dela, garoto — disse rei Eros.
De mãos dadas, viramos para o bispo e nos ajoelhamos. O bispo
olhava de cara feia para mim, e certamente só estava realizando a
cerimônia porque era a de um príncipe, caso contrário teria isso embora
ao descobrir que eu estava bêbado.
— Sejam todos bem-vindos para esta celebração do testemunho
e da confirmação do amor… — o bispo iniciou o matrimônio com um
discurso sobre o significado de amar.
— Ela mandou mensagem! — Hannah gritou lendo em seguida.
— “Não esperava que você fosse se comportar, querida sobrinha.
Estragou todos os planos que eu tinha feito para sua filhinha.”
Hannah respondeu a mensagem falando em voz alta o texto para
todos: “Agora é sua vez de cumprir o acordo. Onde eu posso buscá-
la?”
— “Para que tanta pressa? O casamento ainda não terminou,
muita coisa pode acontecer” — Hannah leu com uma voz fina e disse
por fim: — Eu a odeio!
— Não tem como rastrear essas mensagens? — Grant, que
estava com Ed e Hannah, perguntou.
— Não, as mensagens são criptografadas e impossíveis de
rastrear — respondeu Michael fazendo todos ficarem extremamente
calados.
Exceto o bispo.
— Hoje celebramos o amor em forma de entrega, doação, ternura
e graça. Celebramos, na fé, o amor de Andrew Henrich Walker Leining-
Steinfield-Dalgliesh e Sophia Leah Bachmann Gleeson.
Amor… agora estava fazendo o bispo mentir.
— Temos um plano B? — Grant indagou.
— Confiar que ela vá entregar a Hailey após o casamento. —
Hannah disse e pelo tom de voz estava chorando.
O peso do remorso me consumiu.
Eu poderia ter evitado tudo isso se tivesse acreditado na Hannah
desde o início. No entanto, tinha deixado minha mágoa ser maior que o
bom senso e agora uma criança inocente estava sofrendo as
consequências da minha idiotice.
Se meu pai estivesse ali, sentiria vergonha de mim.
— Cof.. cof… desculpem. — Tossi, enviando a mensagem que
tinha combinado com Grant.
— Certo, Alteza! — respondeu e poucos segundos depois falou —
Está feito.
— O que está feito? — Hannah perguntou, com um tom de voz
ameaçador. Não gostaria de estar no lugar do Grant.
— O plano B — meu pobre guarda respondeu, sem tanta
confiança.
Pude sentir o olhar ameaçador da Hannah sobre ele.
— Andrew, você estava conspirando por nossas costas? Eu vou
te matar!
Ouvi algum barulho, seguido pelo grito de Grant.
— Calma, calma, Hannah! Eu vou explicar.
— Escuta ele, Hanninha. — Ed interveio e pelo visto funcionou,
pois o que ouvi a seguir foi minha própria voz.
“Hannah, se você está ouvindo este áudio é porque o seu plano
não deu certo. Tenho uma parcela de culpa muito grande por nos… por
sua filha estar em perigo. Não podia ficar de braços cruzados se o
plano A desse errado, então deixei a ordem com Grant para fechar
todas as fronteiras da cidade e do país e enviar a foto da sua tia para o
nosso serviço de inteligência e os de países vizinhos, caso ela já tenha
fugido. Sei que há o risco dela descobrir, mas não temos outra escolha
agora. Perdão por ter escondido de você, e se não der certo você pode
me matar.”
— INFERNO! — gritou Michael assim que a gravação terminou.
— Como eu não pensei nisso antes?
— Em enviar a foto de Satan para outros países? — Ed
perguntou, confuso.
— Não, na gravação!
— Por que você gravaria um recado pra Hannah? — Jake entrou
na conversa.
— Vocês têm o raciocínio muito lento. Não estou falando de
gravação para Hannah, mas sim de outras gravações.
— Pode explicar melhor, Sr. Gênio? — Ed ironizou.
— Lembram dos gravadores que ela colocou no apartamento? As
gravações eram enviadas para ela, certo? E para um arquivo ser
enviado é necessário um endereço de destino, então com esses
dispositivos eu posso tentar rastrear para qual dispositivo foi mandado
o sinal e buscar a localização dele.
Tive que concordar que ele era um gênio.
— Por que diabos você não pensou nisso antes? — Jake gritou.
— Porque eu trabalho descobrindo senhas, não resgatando
crianças. Mas podemos ficar aqui perdendo tempo discutindo ou
podemos ir ao apartamento agora mesmo.
— Eu vou com você, não vou deixar outro criminoso entrar em
minha casa. — Ed alertou.
Criminoso? A palavra quase saiu da minha boca.
Ouvi a movimentação deles dois. Ed estava se despedindo de
Hannah e oferecendo palavras de conforto a ela. Jake comentou que
ficaria atento e iria com meus guardas até o local que eles indicassem.
E eu fiquei responsável pela única coisa que estava ao meu
alcance: fazer aquela cerimônia demorar o máximo possível.
Primeiro tive que agradecer ao ritual da Igreja Católica e suas
leituras que demoraram quase 30 minutos. Foi o tempo de Ed e
Michael chegarem ao apartamento e iniciarem as buscas pelo gravador.
A seguir, teria início os votos do matrimônio em si, porém o
Andrew de Hollywood entrou em cena.
— Com sua licença, Vossa Eminência. — Levantei-me sobre o
olhar julgador do bispo.
Sophia me olhou sem entender o que estava acontecendo e um
semblante de medo dominou sua face. Ignorei-a, virando-me para os
convidados.
— Antes de irmos para os votos matrimoniais, temos um ritual
aqui em Mirabelle...
Os convidados olharam-me com interesse, exceto o pai da Sophia
que parecia querer minha cabeça naquele instante.
— Todos devem saber que Mirabelle surgiu após uma guerra
entre os dois irmãos Reagan e Archibald. — Várias cabeças
assentiram. — Algumas lendas locais dizem que eles disputavam o
coração de uma mulher e o vencedor teria o seu amor para sempre.
Então, ao longo dos séculos, a família real tem mantido a tradição de
que o noivo precisa disputar o coração da noiva e ser merecedor do
seu amor para sempre.
Algumas mulheres suspiraram.
— Como eu nunca soube dessa tradição? — questionou o rei
Eros saindo do seu lugar.
Porque nunca existiu. Foi o que eu pensei, mas disse:
— O casamento do meu pai foi meio caótico e não seguiu bem os
padrões, alguns devem se lembrar. E o casamento dos meus avós foi
há mais de sessenta anos, acredito que nenhum de vocês esteve
presente.
— E como é essa disputa? — perguntou o príncipe Theodore.
— ACHEIIIII — um grito do Ed no meu ponto eletrônico me
assustou, mas ao entender o que ele quis dizer, um sentimento de
esperança me atingiu.
— Vai demorar para rastrear? — Jake indagou.
— Não… em 10, 9, 8… — Enquanto Michael fazia sua contagem
regressiva, voltei meu foco ao casamento.
— O noivo e o pai da noiva devem ter uma luta de espadas! —
anunciei e torci para que o rei Eros nunca tivesse usado uma espada
na vida.
— VOCÊ QUER SE MATAR? — Hannah gritou.
— Encontrei! — Michael gritou também.
Minha cabeça estava começando a ficar confusa com tanta
informação.
— Eu me recuso a participar de uma luta idiota, vamos direto aos
votos. — Eros revidou impaciente me dando tudo que eu precisava: um
motivo de confusão!
— Essa luta idiota faz parte dos costumes do meu país, não
aceitarei que ofenda a cultura do meu povo. E se a tradição não for
cumprida, não haverá mais casamento.
Houve um murmurinho, com algumas pessoas concordando que
era um costume medieval e outras adorando a tradição.
— Por favor, papai. Como serei rainha de Mirabelle um dia,
preciso honrar a cultura e as tradições daqui — suplicou Sophia.
Diante do pedido da filha, a postura de Eros mudou totalmente.
— Tragam as espadas! — disse o rei.
Enquanto isso, Jake se reunia com os guardas para irem até o
local que Michael rastreou. Grant estava levando Hannah para um local
seguro, sem ela saber. Sentia um frio na barriga e não sabia dizer se
pelo plano ou por estar prestes a ter uma luta de espadas.
Dois guardas foram até o castelo buscar espadas no nosso
arsenal de armas e em poucos minutos retornaram. Nesse período,
fiquei escutando o que Hannah sussurrava baixinho: “mamãe está indo
te salvar, princesa”, “tudo vai dar certo”. Desejei estar ao seu lado,
segurando sua mão, indo resgatar nos… a filha dela.
E desejei ainda mais que encontrassem a criança antes do
casamento terminar.
As armas chegaram e precisei esquecê-las por alguns minutos se
não quisesse morrer. Quando criança eu tive aulas de esgrima, no
entanto tinha deixado de praticar há um bom tempo. Minha esperança
estava em Eros não saber manusear a espada e nas oito temporadas
de Game of Thrones que assisti.
Tirei minha coroa, o paletó do traje real e arregacei as mangas da
camisa antes de pegar a arma, rei Eros fez o mesmo. Um círculo se
formou ao nosso redor. Meus guardas lançavam olhares incrédulos e
pareciam prestes a me tirar dali pela minha segurança, sobretudo por
saberem que tal tradição nunca houve em Mirabelle.
Estava fazendo aquela loucura pela Hailey.
Só precisava de alguns minutos até Jake e os guardas chegarem
ao local para organizarem o resgate.
Ajeitei minha postura, olhando fundo nos olhos de Eros e a luta
teve início. Ele fez o primeiro ataque meio desengonçado e eu defendi.
Como queria ganhar tempo, fiquei apenas defendendo as investidas
que ele fazia. Aos poucos fui percebendo a pouca habilidade de rei
Eros com uma espada, decidindo partir para o ataque.
Poucos minutos depois eu já estava cansado, gotas de suor
caiam no meu rosto e o peito batia acelerado. O único som que se
ouvia no ambiente era o tintilar das espadas.
Até que ouvi outro som. A voz do Jake.
— Chegamos. Dois guardas comigo, o restante deve cercar o
prédio, não deixem ninguém sair — ordenou. Ele parecia ser tão bom
quanto o pai para liderar os guardas.
— Grant, já estamos perto? — Hannah perguntou, ainda não
percebendo que eu jamais a deixaria chegar perto da sua tia maluca, e
que meu guarda estava apenas rodando pela cidade. Quando ela
descobrisse, a criança já estaria a salvo e nem se lembraria desse
minúsculo detalhe.
Distraído, demorei para perceber o ataque de Eros e sua espada
quase atingiu meu rosto, só não o fez porque ele parou o ataque antes
de me machucar. Obviamente, não queria cancelar o casamento e ter
que me levar ao hospital.
Resolvi encerrar a luta, acertando um golpe que o fez derrubar
sua espada. É claro que ele encenou, mas para os convidados eu tinha
vencido a disputa.
As pessoas presentes aplaudiram e voltaram a seus respectivos
lugares. Um guarda me deu um lenço para secar meu suor e outro
entregou meu paletó e a coroa. Dois minutos depois a cerimônia
recomeçou.
— Andrew e Sophia, viestes aqui hoje para unir-vos em
matrimônio. Por isso, eu vos pergunto perante a Igreja: é de livre e
espontânea vontade que o fazeis? — perguntou o bispo.
— Sim — eu respondi.
Sophia demorou para responder e eu virei o rosto para olhá-la.
Sua boca parecia tremer, como se ela quisesse dizer algo, mas não
conseguia. Vi insegurança em seu semblante. Ela estaria pensando em
dizer não? Isso destruiria meu orgulho, porém me deixaria
extremamente feliz.
— Você é livre para responder o que desejar, Soph — cochichei.
Ela ergueu o olhar para mim, em seguida olhou para o lado, onde
estavam os pais e depois olhou para a Lily. Seus olhos marejaram
antes dela voltar sua atenção para o bispo e responder:
— Sim.
— Abraçando o matrimônio, prometeis amor e fidelidade um ao
outro. É por toda a vida que o prometeis?
Eu tinha proposto a Hannah ser minha amante na noite anterior...
— Sim — respondemos juntos.
— Estais dispostos a receber com amor os filhos que Deus vos
confiar?
— Sim.
Acho que em meus 21 anos de vida eu nunca tinha mentido tanto
quanto menti naquele dia.
— Se alguém tem algo contra esse casamento, fale agora ou
cale-se para sempre.
Esperei alguém levantar e dizer ser contra. Esperei Hannah entrar
no jardim e fazer um escândalo. Esperei até Sophia desistir do
casamento. No entanto, só houve silêncio até que…
— Pessoal! — Jake falou e senti um alívio. — Invadimos o
apartamento, encontramos várias roupas e itens infantis, ou seja, Satan
esteve aqui recentemente com a Hailey, mas parece que houve alguma
confusão — ele fez uma pausa e sua voz enfraqueceu antes de
prosseguir — Há sangue no suposto quarto em que Hailey estaria.
Meu mundo desabou.
Ouvi Hannah chorar, Grant tentava confortá-la dizendo que o
sangue podia não ser da criança. Jake disse que continuaria
vasculhando o lugar a procura de alguma pista, mas ele também
chorava.
— Agora, convido vocês, caros noivos Andrew e Sophia, a se
darem as mãos e manifestar publicamente o seu consentimento.
— Príncipe Andrew, repita comigo — o bispo falou as palavras,
mas sua voz parecia tão distante. Eu não conseguia falar.
Hailey podia estar machucada ou morta nesse momento e a culpa
era toda minha. Eu deveria protegê-la, ainda assim tinha sido a causa
dela ter sido sequestrada. É espantoso como todas as pessoas da
minha família corriam perigo, primeiro foi minha mãe que não resistiu
ao acidente, meu pai que estava lutando contra a morte e agora minha
possível filha. Eu seria o próximo?
Hannah teve sorte ao sair da minha vida, ao menos ela estava
segura vivendo com o Jake. Diabos, será que ela me deixou por ter
sido ameaçada?
— Andrew, para termos ainda alguma chance de resgatá-la, você
precisa concluir o casamento. — Hannah disse, mas eu estava
atordoado para falar qualquer coisa.
— Andy, você está bem? — Sophia cochichou ao meu lado e olhei
para ela.
Sophia era uma mulher linda, mas não era o rosto que eu queria
ver todos os dias ao acordar.
— Drew, você não pode parar o casamento enquanto não
estivermos com a Hailey. — Jake implorou.
— Andrew, eu concordo em ser sua amante ou o que você quiser,
mas termina a merda desse casamento! — Hannah choramingou,
desesperada, e eu voltei a realidade. Não por ela ter aceitado minha
proposta, até porque eu jamais aceitaria sua resposta em um momento
de angústia como aquele, porém mostrava que ela faria qualquer coisa
pela filha e eu estava ali fraquejando, por medo de ser infeliz ao lado da
Sophia. Que péssimo rei eu seria!
— Eu, Andrew, te recebo, Ha… Sophia, por minha esposa, e te
prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te na alegria…
Enquanto eu falava, as lembranças rompiam em minha mente.
Seguíamos o caminho de mãos dadas, no percurso eu mostrava
os principais cômodos do castelo, porém ela não estava me dando
atenção e parecia perdida em pensamentos.
— Um beijo por seus pensamentos — pronunciei chamando sua
atenção, ela parou de andar me olhando, em seguida desviou o olhar
para a janela próxima a nós admirando o céu estrelado lá fora.
— Fazia tempo que eu não terminava o dia com um sorriso no
rosto — respondeu e meu peito se encheu de uma felicidade sem
tamanho por saber que eu era o principal motivo para isso.
— E na tristeza…
Hannah chorava com medo de eu acreditar no que sua tia a
acusou, mas nada daquilo importava para mim, e daí se todos achavam
que ela era uma interesseira? Eu não me importava, a única coisa que
estava me incomodando era a tristeza no seu olhar. Acabei agindo
como um bobo e idiota para conseguir fazê-la voltar a sorrir.
— Na saúde e na doença…
Ela estava no hospital, Jake e Ed a encontraram trancada em um
porão na casa de sua tia passando dias sem comer. Além de estar
doente, estava magoada comigo e com ciúmes de uma matéria que viu
sobre a Sophia e eu formarmos um lindo casal. Aquilo acabou comigo
dando comida na sua boca e a arrastando para ir morar comigo.
— Todos os dias da minha vida. — Finalizei, segurando as
lágrimas.
— Eu, Sophia, te recebo, Andrew, por meu esposo, e te prometo
ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença, todos os dias de minha vida.
— As alianças que agora serão abençoadas traduzem e
expressam para Andrew e Sophia o compromisso recíproco de
fidelidade e ajuda mútua — continuou o bispo.
O pequeno Benjamin trouxe as alianças. Ele tinha quase a mesma
idade da Hailey e estava ali, seguro, sendo protegido por seus pais.
Minhas mãos tremiam quando peguei o anel, não conseguia
respirar e um sentimento de angústia estava mais forte em meu peito.
Sophia estendeu sua mão e eu coloquei a aliança no seu dedo
anelar esquerdo.
— Sophia, recebe esta aliança em sinal do meu amor e da minha
fidelidade.
Uma lágrima caiu quando terminei de colocar a aliança.
— Andrew, recebe esta aliança em sinal do meu amor e da minha
fidelidade.
— O noivo pode beijar a noiva! — anunciou o bispo.
Inclinei meu corpo para me aproximar da Sophia e beijar seus
lábios, selando assim a nossa união para o resto da vida.
— PAREM ESSE CASAMENTO! — todos se viraram na direção
da voz masculina e meus olhos quase não acreditaram no que eu
estava vendo.
Capítulo Vinte e três

Vinte e Três
Mas eu fiquei mais esperta
Fiquei mais dura
Com o passar do tempo
Querido, eu me levantei dos mortos
Look what you make me do - Taylor Swift

Horas antes do casamento…


Naquele domingo, Mirabelle despertou em clima de festa. Era o
dia do casamento do príncipe herdeiro, um evento que o país não
vivenciava há mais de vinte anos.
Para a população, era um momento de fortalecer a economia e às
relações internacionais do país, sobretudo porque o rei estava
hospitalizado. Além disso, há muito tempo ansiavam por uma figura de
liderança feminina na realeza, pois não possuíam uma desde a morte
da Rainha Cristal.
Para as meninas, o sentimento era diferente, elas se sentiam em
um conto de fadas, imaginando crescerem e conquistar um príncipe
como nas histórias que suas mães e avós contavam. No entanto, havia
uma única criança em Mirabelle que não estava compartilhando
daquele sentimento.
— Mamãe me busca hoje? — perguntara pela terceira vez
naquela manhã.
— Eu já disse que os homens maus pegaram sua mamãe e ela
não pode ver você.
— E tio Jeika? — choramingou.
— Está com ela. Você precisa ser uma boa menina se quiser que
os homens maus não machuquem sua mamãe, certo?
Seus olhinhos estavam cheios de lágrimas quando balançou a
cabeça dizendo que sim.
— Boa menina. Nem parece com a ingrata da mãe — resmungou
baixinho deixando o quarto.
Samantha foi para o quarto se arrumar para o casamento real.
Odiava ter que voltar ao castelo depois de tanto tempo, porém ela
precisava ver a infelicidade nos olhos do príncipe por estar se casando
com aquela princesinha mimada da Sophia. O lado bom da situação é
que a princesa era fácil de ser manipulada e podia ajudá-la em seus
planos de vingança.
Lembrou-se de um momento, anos atrás, quando Sophia a
procurou para desmascarar a sobrinha que estava com o príncipe
Andrew. O primeiro plano que fora realizado no casamento do príncipe
Sebastian não dera tão certo, no entanto isso não fizera Samantha
desistir.
— Nem tudo está perdido, princesa. Sempre há um plano B.
Ela viu a esperança ressurgir nos olhos da princesinha mimada,
que logo se apressou em saber qual era o plano.
— Seu pai vai oferecer uma boa quantia em dinheiro para ela sair
da vida do seu querido príncipe. Minha sobrinha é ambiciosa, jamais
recusaria essa oferta, e o caminho estará livre para você.
Sophia sorriu empolgada com a ideia e rei Eros lançou um olhar
conspiratório para Samantha.
Olhando seu reflexo no espelho, admirou sua beleza por um
instante. Seus cabelos estavam em um tom de ruivo acobreado e não
com o loiro natural, e apesar dos anos ainda era uma mulher que se
destacava em meio às outras. Não entendia como um homem podia
olhar para qualquer outra quando ela estivesse no ambiente.
O som da campainha tirou Samantha dos seus devaneios. Deve
ser a equipe que vai me arrumar para o casamento, ela pensou
enquanto caminhava até a porta, afinal poucas pessoas tinham aquele
endereço. Tamanha foi sua frustração ao ver quem era sua visita.
— Se não veio me trazer alguma joia para combinar com meu
vestido, pode ir embora.
— Estou sem tempo para os seus joguinhos. Onde está a garota?
— Eros perguntou exasperado, entrando no apartamento.
— Bom dia para você também, querido. Como estão os
preparativos para o casamento? — Samantha fechou a porta,
sentando-se no enorme sofá da sala de estar.
— O imbecil do noivo sumiu! — Sua irritação foi motivo de riso
para Samantha.
— E por que você está aqui? Não me recordo de ter sido
contratada para ser babá dele. — O sarcasmo em sua voz aumentou a
ira no olhar de Eros.
— Ele sumiu da despedida de solteiro e ainda não voltou, tenho
certeza que sua sobrinha deve estar envolvida nesse sumiço.
Samantha soltou uma gargalhada alta.
— Ora, ora, o príncipe é infiel. Agora sim é um legítimo herdeiro
do trono — comentou. — Mas sinto muito em dizer que ele não está
com minha sobrinha. Tenho gravadores lá e não ouvi a voz do príncipe
hoje.
— Não importa, Samantha. Eu quero a garota!
Eros avançou na sua direção, ficando de pé em frente a ela. A
postura do homem teria amedrontado qualquer outra pessoa, mas
Samantha apenas encarou aqueles olhos cheios de ira e, erguendo
uma sobrancelha, lhe disse:
— Não é problema meu.
Tomado pela raiva, Eros avançou sobre Samantha fechando sua
mão em volta do seu pescoço, apertando-o com força.
— Você me garantiu que com o sequestro da pirralha nada
estragaria o casamento. Se o príncipe não aparecer então ela não
servirá para nada.
— Eu lhe garanti que minha sobrinha não estragaria o casamento,
se o príncipe é um cafajeste e foi atrás de outra mulher não é culpa
minha.
— Samantha, eu não vou perguntar outra vez. Onde está a
garota?
A mão que apertava o pescoço foi se fechando cada vez mais. O
rosto de Samantha começava a ficar vermelho e ela não conseguia
respirar. Não confiava em seu cúmplice para arriscar sua vida, por isso
não teve outra alternativa senão abrir a boca.
— Ela está no castelo!
— No castelo? — Eros afrouxou a mão, surpreso com a
revelação. Samantha aproveitou a deixa para empurrar sua mão e se
levantar.
— Qual o melhor lugar para se esconder um tesouro do que
embaixo do próprio nariz? Nem mesmo a polícia cogitaria procurar uma
criança raptada por lá. A deixei com uma velha conhecida na ala dos
empregados.
— Se você estiver mentindo, juro que mato você e aquela pirralha.
— E se eu fosse você, não seria tão tolo a ponto de me ameaçar.
Você tem muito mais a perder do que eu.
Samantha sorriu ao ver a postura do rei fraquejar. Ela conhecia
todos os seus planos sujos de usar os filhos para aumentar o poder da
sua família, mas fora um tolo ao se juntar a ela para conquistar
Mirabelle. Os interesses de Samantha eram bem distintos dos dele,
porém ele era um ótimo meio de alcançá-los. Tão cego pelo poder que
acreditava que podia manipulá-la com ameaças e agressões, quando
acontecia exatamente o oposto.
Samantha deu as informações de uma falsa empregada que
estaria com a criança e acreditava que a menina era sua neta.
Eros se virou caminhando em direção a porta. Samantha ficou
pensando em qual seria o destino da criança, já que logo o rei se daria
conta da mentira voltando ali. O apartamento não era mais um lugar
seguro.
— Que barulho foi esse? — o rei virou-se abruptamente, olhando
em direção ao corredor.
— Os fantasmas que eu tenho de estimação — ironizou, tentando
parecer despreocupada — Deixei a TV do quarto ligada.
Então o barulho do choro da criança aumentou. Pirralha maldita!
Samantha pensou.
— Ora, ora, qual o melhor lugar para se esconder um tesouro do
que embaixo do próprio nariz? — usou o mesmo tom de sarcasmo que
Samantha usava.
— É melhor você ir embora agora ou destruo a sua vida —
ameaçou com um olhar gélido capaz de fazer qualquer pessoa tremer.
Entretanto, ele era tolo o suficiente para não acreditar.
— Não tenho medo de você, Samantha. Eu vou pegar essa garota
e você não vai me impedir. — Ignorando o alerta, ele correu para o
quarto de onde vinha o som do choro.
Ao invés de segui-lo, Samantha foi para o seu próprio quarto,
pegou um objeto na gaveta da mesinha de cabeceira e enviou uma
mensagem. Ao voltar para o aposento onde estava a criança, flagrou
Eros com Hailey nos braços e ela chorava ainda mais alto.
— Coloque-a no chão e eu ainda posso considerar deixá-lo viver
— ameaçou apontando o revólver em sua direção.
— Por que toda essa preocupação com a fedelha? Ela despertou
o seu instinto maternal, Samantha? Acho que vou matá-la na sua frente
e depois mato você. — Eros tirou um revólver da calça e encostou o
cano frio na cabeça de Hailey.
Samantha viu o medo nos olhos da criança, enquanto seu choro
aumentava e ela chamava pela mãe. Eros estava certo por dizer que
ela se importava com a criança, Samantha se importava e muito, pois
ela era a única chance de se livrar de todos os crimes que cometeu.
Abaixando sua arma, Samantha afastou-se da porta saindo para o
corredor. O espaço ficou livre para ele sair.
— Você pode levar a criança e fazer o que quiser com ela, mas
espere até o casamento acabar.
O rei sorriu, acreditando que tinha vencido a batalha, dirigindo-se
a porta do quarto com a criança nos braços e com a arma ainda na
cabeça dela. Seus olhos não saiam dos de Samantha, esperando
algum ataque dela.
Entretanto, o ataque veio por trás. Assim que deixou o quarto,
levou uma pancada forte na cabeça. Ouviu algo se quebrar antes de
sua mente apagar e o corpo cair no chão junto com a menina.
— A pancada foi fraca, Charlotte — disse Samantha examinando
o pequeno corte que fez na nuca dele, mal daria pra perceber. —
Temos que sair daqui rápido antes que ele acorde.
Samantha pegou Hailey no colo e foi trocar a roupa dela, que
sujou com o sangue do rei. Em poucos minutos, as três mulheres
saíam do apartamento deixando o rei desacordado.
— Você está segura, minha princesinha — falou, acariciando os
cabelos da garota.
— O que faremos agora, mamãe? — perguntou Charlotte,
achando estranha a demonstração de afeto da mãe.
— Vamos acabar um casamento, querida.
Samantha já tinha previsto que em algum momento o rei teria um
surto e iria voltar-se contra ela. Como a mulher fria e calculista que era
não estava blefando quando disse que iria destruir todos os planos de
Eros. A consequência de sua vingança contra ele seria um pequeno
desvio do plano que tinha até o momento, porém seu objetivo principal
seria concluído com sucesso. Tendo esse pensamento em mente, ela
pegou o celular e enviou uma mensagem.
Agora é só aguardarmos o desastre, disse a si mesma.
Capítulo Vinte e quatro

Vinte e Quatro
E nem tudo é o mesmo agora
Parece que todas as nossas vidas mudaram
Talvez, quando eu for mais velho, tudo se acalme
Mas isso está me matando agora
Lonely – Justin Bieber
Andrew
Parem esse casamento. Foram as três palavras que eu mais
gostei de ouvir em toda minha vida. Supera até mesmo quando Hannah
me disse “eu te amo” pela primeira vez.
Todos os convidados, além dos guardas presentes se viraram na
direção do homem que chegou exasperado no jardim, trazendo alguns
papéis nas mãos. A realeza ama um escândalo quando não é sua
família envolvida.
— Qual a loucura agora? — resmungou o bispo baixinho, porém
como estava perto, escutei e não pude evitar abrir um sorriso.
— Os votos já foram feitos, o casamento não pode parar! — Eros
ordenou.
Os guardas estavam indo a caminho do intruso. O olhar dele
estava fixado em mim e a curiosidade foi maior que qualquer outro
pensamento, isso e o fato que eu queria prorrogar o término do
casamento.
— Esperem! — Levantei uma mão e os guardas pararam onde
estavam. — Acredito que o Sr. Morris não iria interromper a cerimônia
se não fosse algo de extrema urgência.
— Qualquer assunto que seja pode ser tratado depois do
casamento, Alteza — interveio Eros.
— Na verdade não, rei Eros. Este casamento deve ser anulado
agora mesmo! — vociferou o Sr. Morris.
Ele ergueu um papel e veio em minha direção no altar. Os
guardas me olharam esperando a ordem para prendê-lo, mas balancei
a cabeça negativamente. Morris estava responsável por investigar a
vida das três pessoas que mais me importavam, se ele tinha algo a
dizer então eu gostaria de ouvir.
— Andrew, não para o casamento. A Hailey… — Hannah implorou
me fazendo voltar atrás na minha decisão.
— Morris, me aguarde no escritório do rei, assim que acabarmos
aqui eu o encontrarei.
— Alteza, descobri que o carro do seu pai foi sabotado!
Um grande coro de “oh” foi ouvido no jardim, até os guardas
ficaram chocados com a revelação. Eu não sabia o que dizer.
— Ora, este não é o momento de discutirmos isso — Eros falou.
— As provas apontam o senhor como o culpado! — o detetive
gritou.
O “oh” dessa vez foi ainda maior, ouvi o som de surpresa até pelo
ponto eletrônico.
— Melhor que novela mexicana — Ed comentou.
— Você será preso por esta calúnia. Guardas! — Meus guardas
não obedeceram a ordem do rei Eros.
— Eu não seria tolo de vir aqui se não tivesse total certeza disso.
Rei Eros está envolvido no acidente do Rei Dominic e este casamento
deve ser anulado!
Morris trabalhava para a família real antes mesmo de eu nascer.
Ele não era um garoto idiota para fazer aquela acusação se não tivesse
provas. Estendi a mão e o detetive me entregou os papéis que trazia, e
li rapidamente as informações contidas ali.
Uma peça minúscula do carro tinha sido danificada e foram
encontradas digitais nela. As digitais eram de um sujeito chamado
Aidan Thompson, cidadão de Lorena. Sua ficha criminal registra vários
casos de roubo, porém nunca tinha sido julgado.
Na página seguinte tinha fotos de mensagens trocadas por Aidan
e Eros.
“Eros: Que merda você fez? O acidente deveria ser depois da
cerimônia!!!
Aidan: Eu fiz exatamente como foi ordenado.”
Continuei folheando o arquivo. Vi fotos do corpo de Aidan
encontrado já em estado de decomposição. Encontraram também outra
amostra de DNA pertencente a Louis Hughs, provável assassino do
compassa, e em sua ficha contava que ele era guarda real de Lorena.
Ainda precisava averiguar aquelas informações. Se fossem
verídicas Eros tinha planejado um golpe contra o rei e contra Mirabelle.
Eu jamais poderia me casar com a filha de um traidor.
No entanto, tinha a Hailey e a vida dela dependia do casamento
acontecer.
O acidente já tinha acontecido e salvar meu pai não era uma
tarefa que estava ao meu alcance, porém eu ainda podia salvá-la.
Podia garantir que ela ficasse segura.
— Guardas, prendam o Sr. Morris! — ordenei, pensando na
segurança da Hailey.
— Também tenho informações sobre a garota — o detetive disse
e vi uma nova chance de resgatá-la, sem ficar à mercê da tia da
Hannah.
— E prendam o rei Eros também. O casamento está suspenso até
termos certeza de todos os fatos.
— Você não pode fazer isso, esse imbecil está mentindo — Eros
vociferou.
— É uma acusação muito grave, Eros. Todos aqui devem
concordar que não tenho outra escolha.
Cabeças assentiram.
— Andrew! — o chamado veio de Hannah e Sophia
simultaneamente.
— Desculpe-me — o pedido também serviu para as duas antes
que eu saísse do jardim, ouvindo as fofocas dos convidados.
Eu precisava interrogar Morris com urgência e buscar outro meio
de confirmar as informações trazidas por ele, sobretudo as a respeito
da Hailey.

— Alteza, desculpe-me por ter interrompido a cerimônia e pelo


escândalo, mas não podia permitir que esse assassino entrasse para a
família real do nosso país — Morris desatou a falar assim que entramos
no escritório do rei.
— Sente-se. — Indiquei a poltrona a minha frente e ele obedeceu.
Tinha removido e desativado o ponto eletrônico alguns minutos
atrás. Não podia compartilhar informações sobre a segurança da minha
família com outras pessoas, sobretudo quando Ed chamou Michael de
criminoso.
— O que descobriu sobre a garota?
— Vossa Alteza não prefere que eu comece pelo acidente do
nosso rei?
Eu não sabia quanto tempo levaria até a notícia do término do
casamento se espalhar, a assessoria da minha família estava cuidando
para que não fosse exposto o real motivo da interrupção, pois uma
acusação grave como aquela poderia trazer até uma guerra para
Mirabelle, sobretudo se Morris estivesse errado. Ainda assim, minha
inquietação era por outro motivo.
— A garota, Morris.
— O dossiê que lhe entreguei sobre Hannah Price estava
falsificado. — Morris abriu sua maleta tirando algumas folhas. Levantei
o olhar para ele sem entender o que estava dizendo. Ele havia
mentido? — Vossa Alteza sabe que tenho alguns detetives que
trabalham comigo no Serviço de Inteligência Real e deixei um deles
responsável por investigar a vida da Srta. Price, mas sinto dizer que ele
estava sendo chantageado pelo rei Eros e alterou algumas
informações.
— Como diabos você se chama de detetive se tem um mentiroso
na sua equipe e não percebe? — O tom da minha voz não foi um dos
mais amigáveis, também pudera diante de tanta incompetência.
— Apesar de ter pedido para eu investigar sobre a vida da Srta.
Price, sirvo à família real e o nosso rei era a prioridade no momento.
Quando percebi que tinha algo de errado fiz as buscas por conta
própria, percebendo as alterações.
Morris colocou o documento sobre a mesa de mogno que nos
separava indicando com o olhar o que eu deveria ler, então meus olhos
caíram nas primeiras informações.

Hannah Price
Data de nascimento: 12/12/1999 (20 anos)
Filiação: Jonathan Price e Elizabeth Price
Estado Civil: Solteira
Mãe de Hailey Price, nascida dia 13 de setembro de 2018

— A criança não tem o nome do pai registrado na certidão de


nascimento. Ela nasceu nove meses após a Srta. Price ir embora de
Mirabelle. Também encontrei o registro de uma consulta em um
obstetra em Londres, dois meses após ela deixar o país.
Posteriormente ela se mudou para uma pequena cidade no sul da
França. Não precisa ser muito inteligente para deduzir que ela quis
esconder a criança.
Dei uma rápida lida no relatório, que continha informações sobre o
trabalho da Hannah e a escola da Hailey. Citava uma coisa ou outra
sobre o Jake, mas nenhum envolvimento amoroso entre os dois. Eles
tinham uma vida simples, moravam em uma pequena casa com cercas
brancas e um jardim. Uma vida bem humilde comparada à que eu
podia oferecer a ela no castelo. Como eu pude tê-la chamado de
interesseira?
Uma cena de anos atrás surgiu em minha mente. Era meu baile
de aniversário e todas as garotas do reino estavam lá para conhecer o
príncipe, exceto uma. Hannah tinha ido ao baile por causa do Andrew,
seu companheiro nas aulas de matemática, e ela quase surtou quando
descobriu a verdade.
— Se eu for o pai, não faz sentido ela ter escondido a criança de
mim.
— Considerando que a garota foi sequestrada ao vir para
Mirabelle, eu diria que Vossa Alteza está errada.
Jake tinha me dito algo bem parecido.
— Ela sofreu algum tipo de ameaça? Por isso não voltou quando
descobriu a gravidez? — ou por isso ela foi embora? Guardei essa
pergunta para mim.
Ele se ajeitou na cadeira, como se estivesse desconfortável, antes
de responder.
— Não tenho provas suficientes para confirmar, porém se o rei
Eros tentou enganá-lo sobre a vida da Srta. Price, ele pode ter alguma
relação com a partida dela. Posso interrogá-la e alegar que é sobre o
sequestro da garota.
— Não precisa.
Meu olhar se perdeu em um canto aleatório da sala, enquanto
mais flashes de memórias vieram à tona.
No dia que estava na cafeteria acompanhado do rei Eros e
encontramos Hannah, ela insinuou algo sobre Eros saber o motivo pelo
qual ela foi embora.
Horas antes do casamento ela tinha acusado até a Sophia.
Diabos! As peças do quebra-cabeça estavam começando a se
juntar. Tudo não passava de um plano do Rei Eros para me casar com
a sua filha e torná-la rainha de Mirabelle.
Minha cabeça começou a doer ao perceber o tanto que demorei
para notar um fato tão óbvio.
— Eu tenho mais informações sobre a garota — Morris falou me
puxando de volta ao presente momento. — Samantha Mitchell, tia da
Srta. Price, está com ela.
O apelido que Hannah a deu de Tia Satan nunca fez tanto
sentido.
— E ela está trabalhando junto com Eros — conclui e Morris
assentiu.
— Isso explica por que o sequestro foi tão bem orquestrado e não
deixou vestígios. Descobri o envolvimento da Sra. Mitchell através das
mensagens rastreadas do celular da Srta. Price, em que a tia fazia
ameaças para ela não contar o que estava acontecendo a Vossa Alteza
e que só entregaria a garota quando o casamento estivesse
consumado.
— Se você sabia disso, por que diabos parou o casamento? Se
essa maldita machucar a criança você será severamente punido! —
Levantei do assento me inclinando sobre a mesa, aproximando meu
rosto do dele para deixar claro que eu estava falando sério. Não era
uma postura que eu costumava adotar, porém a raiva e o desespero
eram maiores que minha etiqueta naquele momento.
— Alteza, eu jamais colocaria a vida de um membro da família
real em perigo, mesmo que uma bastarda…
— Não a chame assim — interrompi-o. Eu mesmo tinha me
referido a ela desse modo mais de uma vez e agora parecia muito
errado.
— Perdão. Como ia dizendo, não colocaria a vida dela em risco.
Então antes de vir para o castelo, entrei em contato com a Sra. Mitchell.
Contei que havia descoberto o seu envolvimento com o rei Eros. Ela
disse que trocaria a garota pela sua liberdade.
— Usar uma criança inocente como moeda de troca? Essa mulher
não tem escrúpulos! Vou colocar agora mesmo toda a guarda e o
exército de Mirabelle atrás dela e da Hailey.
Estava indo em direção a porta, mas a frase dita por Morris me
parou.
— Ela deixou claro que se isso acontecer matará a menina.
— Eu não posso perdoar os crimes que ela cometeu contra minha
filha.
Morris expressou surpresa em sua face e eu me dei conta do que
tinha falado.
— Bem, podemos planejar um resgate, mas como não sabemos
se há outros envolvidos perto de nós, é um grande risco à segurança
dela.
Ele tinha razão, por isso Hannah estava fazendo tudo por baixo
dos panos e se envolvendo até mesmo com um hacker criminoso.
— O que sugere que façamos?
Morris tinha se mostrado ser alguém de confiança ao impedir o
casamento para denunciar um traidor e garantir a segurança da Hailey,
mesmo atrapalhando a cerimônia.
— Considerando que a garota e o rei são nossas prioridades,
sugiro que Vossa Alteza negocie com ela o resgate e mais informações
sobre o rei Eros. A mulher deve ser apenas um peão nas mãos do rei,
mas deve saber muito e ter provas que possam ajudar na investigação.
Depois podemos exilá-la de Mirabelle e recuperar a menina.
— Agradeço a sugestão, pensarei a respeito.
E falarei com Hannah que conhece a tia melhor do que eu,
completei mentalmente.
Deixei o escritório pronto para falar com Hannah sobre as novas
descobertas. Ela devia estar acreditando que tudo deu errado e que
nossa filha estava em perigo. Entretanto, encontrei o secretário do meu
pai no corredor e ele me impediu de passar.
— Alteza — Inclinou-se em uma reverência antes de prosseguir.
— Os conselheiros do reino estão aqui e exigem uma reunião urgente.
Ofeguei com impaciência. Para os conselheiros terem se reunido
tão rapidamente os problemas da realeza estavam bem além do que o
sequestro da Hailey.
Capitulo Vinte e cinco

Vinte e cinco
Porque ela era uma garota com boas intenções
Sim, ela tomou algumas decisões ruins
E ela aprendeu algumas lições
She -Selena Gomez

A esperança é um sentimento intenso. Ela te dá forças quando


tudo ao seu redor está desmoronando, mas se perdê-la, resta apenas
destruição.
Eu estava perdendo a minha.
Tia Satan deixou claro que só entregaria a Hailey se o casamento
acontecesse, mas alguém tinha interrompido. Apesar de uma pequena
parte de mim ter comemorado esse acontecimento, todo o restante se
despedaçou por dentro.
Andrew tinha sumido e não nos respondia pelo ponto eletrônico,
então estávamos totalmente no escuro quanto às informações que
Morris possuía. Eu também tinha desativado o aparelho para ninguém
além de Grant presenciar meu choro de desespero.
— Hannah, você ouviu o detetive Morris, ele tem informações
sobre a Hailey. Ainda há uma chance! — Grant tentou me animar.
— Não confio nele — era mais fácil confiar no Michael, que era
procurado pela polícia.
Passamos alguns minutos em silêncio. O guarda tinha
estacionado o carro quando a cerimônia parou e eu comecei a chorar.
Desde então ele tentava me consolar e eu senti uma enorme gratidão
por ele.
— Você deseja que a leve para casa, Hannah? — ele perguntou,
quebrando o silêncio.
— Me leve para o castelo, por favor.
Grant me olhou pelo retrovisor e seu olhar demonstrou que era
uma péssima ideia.
— O castelo deve estar uma loucura neste momento, não sei se
você conseguiria entrar sem ser vis... — ele se interrompeu. — A não
ser que você entre disfarçada!
Meu olhar confuso o fez se explicar.
— Minha esposa trabalha como empregada no castelo. Talvez
não se lembre, mas ela foi sua camareira na época em que morou por
lá.
— Você é o esposo da Beth? — quase gritei. É claro que eu me
lembrava dela e das histórias que me contava sobre o casamento dos
dois! Pela primeira vez reparei nele. Grant tinha a pele negra, era muito
alto e forte, e dava para perceber muitos músculos sob o uniforme. Seu
rosto era muito bonito e a barba lhe dava um charme extra. Beth
sortuda! — Como ela está?
— Grávida — Ele sorriu e seus olhos castanhos brilharam de
felicidade ao responder. — Descobrimos recentemente, ela está com
dois meses de gestação. Temos outra filha também que deve ter a
idade da sua, quando tudo isso acabar quem sabe elas possam brincar
juntas.
Abri um sorriso pela centésima tentativa dele em me confortar.
— É claro, se ela herdou a gentileza dos pais tenho certeza que
serão ótimas amigas.
Sorrindo, Grant deu a partida no carro e seguiu em direção ao
castelo.
Ele não deixou de falar por um minuto, contando histórias sobre
Beth e a filha deles, Louise. Dava para sentir amor em cada palavra
que dizia. Senti um enorme desejo de ter uma família como a deles, ao
lado de Hailey e Andrew, algo que nunca seria possível.
Em menos de vinte minutos chegamos ao castelo. Fiquei com a
sensação de ser rápido demais comparado ao tempo que ficamos
rodando para chegar ao endereço de Tia Satan, mas deixei o
pensamento de lado.
Fomos pela entrada dos funcionários, localizada na lateral do
castelo. Agradeci por não ter ido pela frente para ver o cenário onde o
casamento estava acontecendo. Mesmo assim, vislumbrei um pouco do
lugar que foi minha casa por dois meses. O castelo não mudara nada
nos últimos anos.
Ao estacionar o carro, Grant ligou para sua esposa explicando
rapidamente a situação. Sabia que eles estavam se arriscando ao
colocar alguém sem permissão no castelo, e as punições para isso
podiam chegar até a exilo do país ou a prisão perpétua. Precisava
confiar que Andrew entenderia.
— Ela disse que vai aparecer em cinco minutos — disse ao
encerrar a chamada.
Como prometido, após os cinco minutos ela apareceu. Tive que
trocar de roupa dentro do carro. Os vidros fumês me deram privacidade
suficiente. O uniforme era um vestido preto que ia até os joelhos. Um
avental branco com alguns detalhes de renda cobria a parte da saia.
Para completar, uma faixa do mesmo tecido para os cabelos.
Devidamente uniformizada e com o cabelo preso em um coque,
acompanhei Beth para a cozinha onde ela fazia suas atividades. O
lugar era enorme, como tudo no castelo evidentemente. Os
empregados trabalhavam a todo vapor enquanto uma mulher, a
governanta do castelo, dava ordens a um e a outro.
— Está tudo uma bagunça por causa do buffet do casamento,
precisamos organizar tudo — Beth cochichou.
Como se tivesse escutado o cochicho, a governanta mirou os
olhos em nós vindo em nossa direção. Abaixei a cabeça, com medo
dela ter me reconhecido.
— Se vocês estão fofocando é porque estão desocupadas, então
podem ir servir o chá para o príncipe e os conselheiros na sala de
reuniões.
— Certo, Sra. Abernathy — Beth respondeu e a mulher deu as
costas. — Parece que você vai encontrar o príncipe mais rápido do que
imagina — cochichou novamente, me fazendo arregalar os olhos.
Calma, Hannah… Você serviu chá por anos pra Tia Satan, nada
deve ser pior que servir o próprio capeta em forma de gente.
O pensamento me fez relaxar. Segui as instruções de Beth sobre
como organizar a prataria e colocar os bules no carrinho.
— Andrew detesta chá — comentei e diversos olhares julgadores
se voltaram em minha direção. Esse povo estava trabalhando ou
ouvindo fofoca?
— Meu irmãozinho se chama Andrew, não estava me referindo ao
príncipe — completei rapidamente falando alto demais. Beth riu,
enquanto a governanta me repreendia com o olhar.
Terminamos de organizar o carrinho e lembrei de colocar café
para o Andrew, lutando contra a vontade de deixar sem açúcar para
fazê-lo sofrer um pouco por ter sumido depois que o casamento parou.
A sala de reunião ficava no terceiro andar do castelo, o que me
fez lembrar o quanto eu detestava as escadas daquele lugar. No
entanto, seguimos por um caminho diferente, em que tinha uma rampa
para subirmos com o carrinho e não havia movimento de convidados.
Fiz questão de empurrar o carrinho já que Beth estava grávida e não
devia fazer tanto esforço.
Meu coração batia mais forte conforme nos aproximávamos da
sala, indicando que o ódio pelas escadas não foi o único sentimento
que voltar ao castelo despertou em mim.
Eu estava ansiosa para vê-lo. Claro que estava ansiosa, pois
precisava descobrir o que aquele homem nojento disse a ele. Somente
por isso.
Beth bateu na porta e em segundos uma voz grave nos mandou
entrar.
A sala tinha as paredes marrons e o teto era no mesmo tom,
porém tinha alguns detalhes em dourado. No lado esquerdo, duas
janelas de vidro se erguiam do chão ao teto e cortinas brancas
ocultavam a visão do jardim, em frente as janelas tinha uma lareira e
acima dela uma pintura do Rei Reaghan em seu cavalo exalando
soberania.
Uma mesa enorme ocupava o centro da sala, onde estavam
sentados cerca de dez conselheiros, alguns velhos e outros nem tanto.
Não deixei de reparar que não havia uma mulher sequer no meio
daqueles que decidiam o futuro do reino.
Eles olhavam na direção da cabeceira. Andrew, bem mais jovem
que todos ali, falava alguma coisa e sua postura refletia a autoridade
que possuía sobre os demais, talvez a cadeira maior que as outras e
com o estofado vermelho ajudasse nessa imagem também.
— Venha, Hannah. Empurre o carrinho e deixe que eu os sirvo —
Beth cochichou. Enquanto a obedecia aproveitei para ouvir o que
Andrew dizia.
— Morris possui todas as provas necessárias para incriminar o rei
Eros, vamos julgá-lo e fazer justiça pelo rei Dominic. Não há o que
discutir.
— Pare de pensar com o coração, Alteza. Lorena é nosso
principal parceiro econômico, se o perdermos será a ruína de Mirabelle
— argumentou um dos conselheiros, que devia ter uns quarenta anos.
Eu já tinha ouvido aquela história antes.
— Uma traição assim é motivo para guerra. Devemos tomar o
país dele em nome da honra do nosso rei! — foi a vez de um senhor
com seus setenta anos falar. Apesar da idade avançada e dos cabelos
brancos o homem parecia estar em forma, me levando a deduzir que
tinha sido do exército.
— Não haverá guerra, General Dudley. Meu pai não se sentiria
honrado com milhares de pessoas morrendo, posso lhe garantir —
Andrew interveio e o encarei admirada.
— Concordo com o príncipe, devemos ser diplomatas e negociar
com o rei Eros. Podemos deixá-lo livre, mas sob a condição de
renunciar à coroa, assim mantemos a aliança entre os países — disse
o que parecia ser o mais jovem entre os conselheiros.
— Deixá-lo impune seria traição com o nosso povo! — exaltou o
general.
— Prefere que o povo passe fome, general? — rebateu o jovem.
— Vocês, jovens, não sabem de nada — um homem de 50 anos
se meteu na conversa. — O que manteve a monarquia em Mirabelle
até hoje foi o amor e a confiança que nosso povo tem pela família real,
se inocentarmos um traidor eles deixarão de acreditar nos nossos
governantes e haverá um grande risco de uma revolução. Então, uma
parceria econômica será o menor dos nossos problemas.
— O povo não precisa saber da acusação sobre o rei Eros —
comentou o cara de quarenta anos recebendo olhares nada gentis dos
homens mais velhos — Até parece que esse conselho nunca escondeu
uma informação do povo.
— Ou o príncipe pode arrumar outro casamento vantajoso. A
princesa Arya está na idade de se casar — sugeriu outro senhor de
cabelos brancos.
Senti pena pelo Andrew, o coitado mal acabara de sair de um
casamento e já o queriam jogar para outro.
— O país dela mal tem recursos para se sustentar, quem dirá
salvar Mirabelle — rebateu outro.
Andrew baixou a cabeça levando a mão ao cabelo. Era um gesto
que fazia quando estava nervoso, pelo visto não tinha mudado certas
manias. No entanto, ao erguer o olhar de volta aos conselheiros ele não
demonstrava nenhum sentimento.
— Já que estamos discutindo o presente e o futuro da minha
família, tem mais uma coisa que os senhores precisam saber —
Andrew se interrompeu para pegar a xícara de café que Beth estendia
— Eu tenho uma filha.
Um grito escapou da minha boca e inúmeros olhares se voltaram
para mim. Abaixei a cabeça antes que Andrew me visse.
— Queimei o dedo com chá, desculpem-me — falei com uma voz
mais aguda.
Eles decidiram me ignorar, pois a revelação do príncipe era bem
mais chocante que uma empregada desastrada.
— A princesa Sophia está grávida? Que inferno! — resmungou
alguém, que não tive coragem de erguer a cabeça para saber quem
era.
— Ao menos a criança vai garantir a aliança — comentou outro.
— A neta de um traidor jamais vai ser herdeira do trono — rebateu
o general.
— Não é da Sophia — Andrew os cortou. — É filha de uma ex-
namorada, a criança já tem mais de dois anos de idade.
Mordi o lábio para evitar outro grito.
— Bastardos não são bem vistos pelo povo.
— Não a chame de bastarda, Conde Rathbone — o tom na voz do
príncipe era pura hostilidade.
Não resisti em erguer o olhar com indignação, pois ele mesmo
tinha chamado-a assim. Entretanto, foi uma péssima decisão. Andrew
resolveu olhar na minha direção no mesmo instante e nossos olhares
se esbarraram por um segundo antes de eu abaixar a cabeça
novamente. Merda!
— Em meus setenta e quatro anos de idade, nunca ouvi outro
termo para um filho fora do casamento — era a voz do general.
— Se ninguém soube dela até hoje, podemos colocá-la em um
orfanato e depois mandá-la para outro país, assim evitaremos mais
problemas. — Tive que lutar contra a vontade de atirar um bule de chá
no homem que falou isso.
— Eis o problema: Eros descobriu e sequestrou a criança —
relatou o príncipe.
— Então devemos votar em qual vai ser o motivo da ruína de
Mirabelle: a quebra da economia, a libertação de um traidor ou a
existência de uma filha bastarda? Façam suas apostas, cavalheiros! —
zombou o conselheiro mais jovem.
— Chega! — não me aguentei calada e quando vi já estava me
aproximando da mesa. O que eu tinha a perder? — Acredito que todos
vocês vieram até aqui pelo mesmo motivo que é salvar o reino, mas
estão se comportando como moleques, discutindo quem está certo ou
errado e insultando uma criança que não tem nada a ver com essa
disputa de poder da realeza. Rei Dominic estaria decepcionado se
visse a bagunça que estão fazendo na ausência dele!
— Não sabia que criadas discutiam política — grunhiu o general.
— Tampouco que faltavam ao respeito com seus superiores —
completou outro velho escroto, me lançando um olhar de rispidez.
— A meu ver, ela disse a frase mais coerente desta reunião.
Obrigado, senhorita — Andrew abriu um leve sorriso para mim antes de
voltar a atenção para os outros, o que foi o suficiente para deixar
minhas pernas bambas, e prosseguiu: — Rei Eros tentou assassinar o
meu pai e sequestrou minha filha, foi um golpe contra minha família e
sua punição é inegociável.
Okay, eu estava derretida ouvindo-o falar “minha filha” e “família”
na mesma frase.
— Peço encarecidamente que os senhores acalmem os ânimos
para que possamos pensar em uma solução que vá causar o menor
dano possível ao nosso povo — Andrew se levantou obrigando a todos
a se levantarem também. — Voltaremos à reunião quando os outros
conselheiros chegarem ao castelo. Pensem no que a dama disse: não
estamos em uma briga de egos para debater quem está certo ou
errado.
Os homens seguiram em direção a porta, e alguns passaram
olhando de cara feia para mim, mas mantive minha cabeça erguida. O
que eles pensavam de mim pouco me importava.
— Deixe-nos a sós — ouvi a voz de Andrew dizendo e logo Beth
seguiu o mesmo caminho dos conselheiros. Olhei ao redor da sala e só
havia nós dois ali.
Engoli em seco. Dai-me forças, Senhor! Não sei para que
exatamente, mas eu preciso.
Capítulo Vinte e seis

Vinte e seis
Eu estava tão assustado de encarar meus medos
Pois ninguém me disse que você estaria aqui
Eu podia jurar que você havia se mudado para o exterior
Foi isso o que você me disse, quando me deixou
When we were young - Adele

Andrew
Certa vez alguém me falou sobre a lei da atração, e em uma
definição simples você atrai aquilo que pensa. Mentalize coisas boas e
atrairá coisas boas, mentalize coisas ruins e atrairá coisas ruins,
mentalize confusão e atrairá Hannah Price.
Desde o momento em que ela soltou um gritinho, soube que não
era uma empregada do castelo. Todos os funcionários ali eram
treinados e seguiam as normas como se sua vida dependesse disso, e
uma das normas mais claras era: seja invisível. Sabendo que tinha algo
errado, passei a observá-la, até o instante em que nossos olhares se
cruzaram e pude confirmar minhas suspeitas.
Minha cabeça parou de funcionar daquele momento em diante.
Pouco me importava as besteiras que os conselheiros falavam, que não
levariam a lugar algum. Eu queria expulsá-los e ficar a sós com Hannah
para ela me contar toda a verdade.
Pouco me surpreendi quando ela ergueu a voz criticando os
homens mais poderosos de Mirabelle. Esse detalhe deveria ter me
deixado furioso, mas ela tinha feito aquilo para defender a Hailey. Eu só
conseguia sentir admiração pelo modo como protegeu nossa filha.
Usei suas palavras como pretexto para pausar a reunião e termos
um momento de privacidade. Entretanto, quando ficamos sozinhos na
sala, não sabia como iniciar o assunto.
Felizmente, Hannah não era tão boa em ficar calada e logo
começou a falar:
— Não precisa me passar um sermão por ter invadido o castelo e
participado de uma reunião confidencial. Sei que é crime e você pode
mandar me prender daqui a pouco. Mas antes preciso falar com você.
Eu tinha me apoiado na mesa e ela estava a uns dois metros de
distância de mim, me olhando de queixo erguido e braços cruzados.
Sua postura que devia ser intimidadora tornava-a sedutora demais para
a sanidade de qualquer homem.
— Andrew, digo, Alteza, pode segurar sua fúria por alguns
minutos e conversar comigo? — ela deu alguns passos, encurtando a
distância entre nós. Mais uma vez a lei da atração fez sua mágica, pois
agora meu corpo sentia-se atraído querendo acabar com qualquer
distância entre nós.
— Olha, perdão por ter insultado seus conselheiros, apesar de
terem merecido. Juro que minha intenção não era aparecer nessa
reunião, só queria encontrá-lo, mas o universo adora zombar com a
minha cara e me jogou aqui…
— Hannah… — ela ignorou meu chamado.
— Prometo que não falarei nada sobre o que ouvi para…
— Hannah, eu não estou com raiva de você.
— E por que não fala nada?
— Você, por acaso, me deixou dizer alguma coisa?
Ela se calou, sem ter uma resposta pronta. Passei a mão no
cabelo enquanto pensava como abordar aquela conversa de modo a
parecer sem muita importância. Três anos esperando pelo momento em
que descobriria toda a verdade sobre ela ter me deixado e agora que
conseguiria, estava aterrorizado.
Por Deus! Naquele dia tinha me fingido de bêbado, mentido para
o bispo, organizado um resgate, participado de uma luta de espadas,
quase casado com uma mulher que não amava, ordenado prender um
rei e ouvido inúmeras broncas dos conselheiros, mas nem todos esses
acontecimentos somados não me deixaram tão assustado quanto a
conversa que teríamos.
— Sente-se, precisamos conversar — puxei a cadeira para
Hannah. Ela me encarou por alguns segundos sem dizer nada, e por
fim se sentou. Eu deveria ter ido para o assento da cabeceira, que era
o lugar do rei, porém sentei-me na cadeira mais próxima a ela.
Perdi-me por um instante observando o seu rosto. Hannah é uma
mulher indiscutivelmente linda, mesmo com os olhos vermelhos e
inchados por ter chorado recentemente ou com a roupa sem graça das
empregadas do castelo, ela conseguia chamar atenção de qualquer
pessoa com sua postura elegante, seu olhar determinado e sua boca…
me recusei a concluir o pensamento.
— Tenho informações sobre a Hailey — comecei pelo assunto
mais importante e menos desconfortável para mim.
— Ela está bem? — perguntou instantaneamente.
— Até o momento acredito que sim, mas antes de lhe explicar
preciso lhe confessar algumas coisas.
— Pelo seu tom de voz não é algo que eu vá gostar — Hannah
cruzou as pernas, o movimento levantou um pouco do seu vestido
atraindo minha atenção para sua coxa descoberta.
Resolvi desviar o olhar para seus olhos, a fim de evitar qualquer
pensamento capaz de me distrair.
— Creio que não, mas já houve mentiras demais entre nós dois e
está na hora de sermos sinceros um com o outro.
Seus olhos piscaram repetidas vezes. Notei sua postura tornar-se
mais rígida, demonstrando nervosismo. Ao menos eu não era o único.
— Quando você voltou a Mirabelle, pedi para investigarem sua
vida nos últimos anos…
— VOCÊ O QUÊ? — gritou, batendo uma mão na mesa. —
Invasão de privacidade é crime, sabia?
Eu poderia dizer a ela que como regente tinha o direito de saber
informações sobre qualquer cidadão do meu país caso ele
representasse alguma ameaça, e ela era uma grande ameaça para
minha sanidade mental, no entanto optei por evitar essa discussão.
— Hannah, guarde seus julgamentos para depois e vamos focar
no mais importante — disse calmamente tocando sua mão que estava
sobre a mesa.
Confesso que o ato foi involuntário, porém como ela relaxou,
decidi deixar minha mão sobre a dela, e também porque o calor da sua
pele me passou uma sensação de conforto em meio a todo o caos que
estava sendo aquele dia.
— Não me orgulho de ter feito isso, mas não posso voltar atrás.
Quando solicitei a investigação, estava atordoado com a sua volta e
queria descobrir qualquer coisa que fosse relacionada a você —
confessei, me sentindo um bobo.
— Se você sabia da minha vida, como achou que eu tinha algo
com o Jake? Ou que Hailey era filha dele? Ela sequer tem o pai
registrado na certidão de nascimento.
Um erro que eu iria consertar em breve.
— Recebi um dossiê adulterado. Nele dizia que você e Jake eram
casados e tinham uma filha. Por isso não acreditei em você quando me
contou sobre a Hailey.
Ela arregalou os olhos, assimilando minhas atitudes baseadas
nessas mentiras.
— Bem, isso explica muita coisa — comentou. — Primeiro que
você é um idiota, mas isso todo mundo sabe. Segundo, você tem um
péssimo investigador. Como descobriu a falsificação?
— O detetive Morris trabalha para a família real há décadas e o
encarreguei desta tarefa, mas comecei a desconfiar quando você me
mostrou a foto — parei de falar, pois fui tomado pela emoção.
Quando reconheci na foto a menininha que conversei na cafeteria,
soube que tínhamos uma ligação. Meu coração sentiu um amor tão
forte como nunca antes. Um instinto primitivo de protegê-la foi
despertado em mim, e todas as loucuras que fiz desde então foi
pensando em garantir o seu bem-estar.
Sentia como se ninguém no mundo importasse mais que ela, na
verdade quase ninguém. Por mais que negasse a mim mesmo, a
mulher a minha frente, que mexia os dedos levemente acariciando
minha mão, também me importava.
— Eu sabia que não devia confiar nesse detetive! — relatou.
— Aí está a surpresa, na cerimônia do casamento ele me
entregou um novo dossiê. Todas as informações condizem com o que
você me disse — a boca dela se abriu em surpresa. — Morris contou
que esteve ocupado com as investigações do acidente do meu pai e
delegou a tarefa para outro detetive da sua equipe, e que esse homem
estava trabalhando para o rei Eros e alterou o documento sobre você.
Morris descobriu todos os planos do rei e por isso parou a celebração.
— Você não acha suspeito que alguém da equipe dele estivesse
trabalhando para o inimigo e ele não percebesse? Afinal, ele é um
detetive.
— Sim, pensei nesta possibilidade e vou procurar o homem em
questão assim que tiver tempo. Agora voltando ao ponto central que é a
Hailey, Morris trouxe outras informações.
Repeti para ela tudo o que Morris falou sobre o sequestro e a
negociação com sua tia. Hannah se animou com a nova chance de
salvarmos nossa filha e senti-me exultante por trazer a esperança de
volta ao seu olhar. Se eu estava desesperado para encontrar a garota,
nem sabia medir como ela se sentia.
— Mas não podemos deixar Tia Satan ser inocentada, ela precisa
pagar por cada segundo que Hailey ficou em perigo. Precisamos de um
plano para resgatá-la e prender minha tia — disse com determinação.
— Morris aconselhou que cumpríssemos o acordo com sua tia,
pois ela deve ser apenas uma marionete do rei Eros.
Hannah gargalhou alto.
— Minha tia uma marionete? É mais fácil rei Eros ser manipulado
por ela do que o contrário, posso lhe garantir. E eu ainda não confio
nesse seu detetive, você não acha muito estranho que ele tenha
aparecido com uma acusação contra o rei Eros e um acordo com tia
Satan na mesma hora?
— Na verdade, a história que ele me contou foi bem convincente,
mas gostaria de saber o que pensa sobre ele.
Se adquiri algum aprendizado na última semana foi que Hannah
falou mais a verdade para mim do que qualquer outra pessoa.
— Não sei, sinto que ele tem algum envolvimento nesse
sequestro. Sexto sentido de mãe talvez, mas se eu pudesse não
contaria a ele sobre os planos de resgate.
— Bem, lhe devo um voto de confiança, então faremos como você
acredita ser o melhor — não resisti mais e a mão que apenas tocava a
dela, segurou-a totalmente e a trouxe até meus lábios.
Um beijo que deveria ser singelo acendeu uma chama em meu
corpo, despertando um desejo inconveniente de subir meus lábios por
seu braço, chegar aos ombros, ao pescoço e a sua boca...
— Andrew, já que estamos abrindo o jogo e conversando como
adultos pela primeira vez desde nosso reencontro, preciso te contar
algo também.
Um balde de água fria seria melhor para refrear meus
pensamentos.
Hannah deve ter percebido que minhas mãos gelaram e minha
respiração parou por alguns segundos, evidenciando meu desespero.
Ela iria contar? Diabos, eu ainda estava me preparando
emocionalmente para essa conversa.
Olhei na direção da porta na espera de alguém aparecer, afinal
sempre quando algo grande está prestes a ser revelado alguém
interrompe. Os conselheiros poderiam estar voltando para a reunião,
Sebastian poderia aparecer para negociar a prisão do pai, uma
empregada chegaria com mais chá, Sophia apareceria querendo me
matar por abandoná-la no altar ou até mesmo o bispo vindo me
convidar para confessar todos os pecados que cometi naquele dia.
Contudo, absolutamente nada aconteceu.
— Quando você me pediu em casamento eu tive que fazer uma
difícil escolha…
— Sua liberdade ou eu — a interrompi. Eu conseguia falar
seriamente com ela sobre a segurança da Hailey, porém não conseguia
agir racionalmente ouvindo-a contar sobre a maior decepção que já
senti.
Ainda doía.
— Está sendo difícil para mim falar sobre isso, não interrompa por
favor — eu não tinha como negar um pedido com aqueles olhos
castanhos suplicantes, sendo assim me calei. — Na noite anterior a
meu aniversário, estava caminhando pelo castelo e sem querer ouvi
uma conversa do rei Dominic com esses conselheiros idiotas...
Ela realmente estava abrindo o jogo. Meu corpo começou a reagir
a ansiedade que o dominou, as mãos começaram a tremer e tentei
soltar a que segurava a mão da Hannah, mas a maldita entrelaçou os
dedos nos meus, segurando-a mais firme.
— Rei Eros estava ameaçando acabar a aliança com Mirabelle,
caso você não casasse com a filha dele. Os conselheiros comentavam
que seria a ruína do nosso reino, porque já tínhamos perdido a aliança
com aquele ditador. As pessoas mais humildes passariam fome, não
haveria recursos para garantir saúde e segurança para todos, talvez as
crianças do hospital não pudessem ter o tratamento que precisam —
uma lágrima solitária desceu por seu rosto e ela fez uma pausa para
segurar o choro.
— Se isso tivesse acontecido eu saberia — apontei com o tom de
voz mais gentil possível. Não estava desacreditando totalmente na
história dela. Depois do rei Eros tentar matar meu pai, não duvidaria de
nada vindo dele, porém era estranho eu não ser comunicado sobre algo
tão importante.
— Seu pai devia ter seus motivos para não lhe contar e eu não os
conheço — respondeu. — A questão é que a única razão para você
não se casar com a princesa Sophia e salvar a economia de Mirabelle
era eu.
— Salvar a economia de Mirabelle é um assunto que diz respeito
ao rei e aos conselheiros, não era problema seu.
— Como não? Se eu ficasse, iria aceitar seu pedido de
casamento e me tornaria rainha algum dia — meu peito se apertou ao
visualizar essa imagem. — Mas que tipo de governante seria se
colocasse meus interesses e minha felicidade acima do povo?
— Admiro o seu altruísmo, Hannah, mas uma boa governante tem
força o suficiente para não fugir quando um problema aparece — minha
voz soou mais fria do que eu pretendia. — Você poderia ter ficado e
enfrentaríamos isso juntos.
— Foi a escolha que me pareceu mais certa no momento. Você
uma vez me disse que se o país entrasse em crise, o povo poderia
exigir o fim da monarquia. Eu não podia deixar sua família perder o
trono e o povo não podia perder você e seu pai como governantes.
— Hannah, olhe onde estamos — soltei sua mão abrindo os
braços, indicando o nosso redor. — Depois de três anos corremos o
mesmo risco. Do que adiantou você ter ido embora? Serviu apenas
para piorar nossa situação, já que o nosso rei está entre a vida e a
morte e uma filha bastarda apareceu.
— Não a ofenda — me cortou.
— Você acha que gosto de chamá-la assim? Ela é uma bastarda
por sua causa e você sabe as consequências que isso pode trazer para
o reino? — não esperei uma resposta e continuei — Aqueles que são
contra minha família vão usá-la como pretexto para se rebelar contra a
monarquia e isso pode causar uma guerra civil dentro do país. Você
pensou nisso quando a escondeu de mim?
Levantei-me furioso, evitando olhar em seus olhos. De todas as
hipóteses que tinha levantado sobre ela ter ido embora, jamais pensei
que o motivo seria a falta de confiança em me contar a verdade.
Juntos, poderíamos ter resolvido tudo!
— Fiz o que acreditava ser certo, Andrew. Você pode pensar que
eu estava fugindo de problemas, mas fiz o que estava ao meu alcance
para salvar o reino — Hannah entrou em meu campo de visão e não
tive coragem de encará-la, então mantive meu olhar na pintura do rei
Reaghan. — Todos os dias chorei desejando voltar para você e
construirmos nossa família com a Hailey. Mas ao mesmo tempo
pensava em outra família passando fome ou uma pessoa doente sem
assistência enquanto nós estaríamos aqui vivendo um conto de fadas.
Se você já tivesse passado por alguma necessidade na vida saberia
que a dor de um coração quebrado não é nada perto do que sente um
pai ou uma mãe sem ter como alimentar ou garantir a segurança dos
seus filhos. Você como o futuro rei de Mirabelle deveria entender isso
melhor do que ninguém.
Suas palavras me abalaram e fiquei sem argumentos.
Reconsiderei o julgamento que eu tive sobre sua decisão. Hannah tinha
feito algo que até eu mesmo, como príncipe herdeiro, jamais faria. Sua
intenção tinha sido louvável, digna de uma rainha. Entretanto, saber a
verdade não diminuiu a mágoa em meu peito.
— Por que você não me contou a verdade antes de ir embora? —
voltei a encará-la, seu rosto estava coberto por lágrimas.
— Você não me deixaria ir — realmente não, era mais provável eu
ter ido junto com ela.
— Quem ama não deixa ir, Hannah.
— Exceto quando é melhor para o outro.
— Não foi o melhor para mim.
— Mas foi para o reino. Um bom líder coloca as necessidades do
povo acima das suas.
Senti-me acuado com sua afirmação. Meu pai sempre repetia
aquela frase para mim. Eu não conseguia colocá-la em prática tão bem
quanto ele ou Hannah fizeram. Ainda tinha muito a aprender até me
tornar um rei digno como meu povo merecia.
Hannah, por outro lado, nasceu para ser rainha.
— Te devo um agradecimento por ter salvado meu reino, mas
nada disso importa agora — voltei a sentar-me, mas desta vez, na
cadeira do rei.
Precisava manter distância da Hannah até meus sentimentos se
reorganizarem. Eu sentia um misto de emoções por ela que envolviam
raiva, admiração, mágoa, saudades, decepção e desejo. Se qualquer
um deles me dominasse, não conseguiríamos terminar aquela
conversa.
Hannah sentou-se na cadeira mais próxima do meu lado direito e
retornou a falar, como se não tivesse acabado de me revelar algo que
esperei durante três longos anos.
— Andrew, sei que não sou a melhor pessoa para discutir política,
mas, ao longo desses anos, fiquei pensando no que eu poderia ter feito
de diferente para ajudar Mirabelle. Estudei um pouco de relações
internacionais e comércio exterior — Hannah era muito inteligente não
tinha como negar, então fiquei curioso para conhecer suas sugestões e
pedi que contasse suas ideias.
— Há outros países no mundo que importam e exportam os
produtos que Mirabelle negocia com Lorena, por exemplo, o Brasil é um
grande exportador de grãos e poderia suprir a demanda que nós temos
desse produto. Talvez esteja na hora de abrirmos as negociações
internacionais com países que não tenham monarquias.
Fascinado. Encantado. Deslumbrado. Não conseguia encontrar a
melhor palavra para descrever como me sentia vendo-a discutir
assuntos tão importantes para o reino. Também não passou
despercebido o pronome "nós" em suas frases. Em todo o tempo de
noivado com Sophia, ela nunca tinha se incluído como parte de
Mirabelle.
Além do coração de rainha, Hannah possuía a mente de uma
também.
— Fico contente por ter se preocupado com Mirabelle mais uma
vez, mesmo não morando mais aqui. Sua sugestão é uma ótima
alternativa. Contudo, correríamos o risco de perder o apoio de outros
reinos por estarmos negociando com países democráticos, pois eles
veriam essa decisão como um primeiro passo extinguirmos a
monarquia — Hannah assentiu, entendendo os problemas que
criaríamos. — Ainda assim, passarei sua ideia aos conselheiros para
discutirmos.
Eu não queria conversar com eles, queria passar horas ali
ouvindo Hannah com suas ideias e sugestões, vendo como poderíamos
adaptá-las à realidade do país e sair dali com soluções e planos de
ação para resolver os problemas que surgiriam em breve.
Entretanto, não demoraria muito para que os conselheiros das
cidades mais distantes chegassem ao castelo e o tempo que tínhamos
estava acabando.
— Obrigado pela sinceridade, Hannah. Apesar de não concordar
com sua decisão, compreendo seus motivos — ela me olhou, surpresa
com o agradecimento. Minha voz, no entanto, não demostrava
nenhuma emoção.
— Eu pensei que seria bem mais difícil, confesso. Achei que você
não acreditaria em mim.
— Se não fossem as provas do envolvimento de Eros no acidente
do meu pai, certamente não acreditaria. Contudo, não ache que perdoei
seus outros erros como esconder a Hailey de mim.
— O que vamos fazer? — ela trocou de assunto.
— Vou marcar um encontro com sua tia para negociarmos e
garantir que ela não revele a identidade da Hailey. Precisamos evitar
este problema por enquanto.
— Vou com você.
— Não, você vai juntar sua equipe de resgate e descobrir como
conseguiremos prender sua tia.
— Posso fazer isso, mas também irei com você. Afinal vocês
estarão "negociando" a minha filha.
— A nossa filha — corrigi-a e vi seus olhos brilharem.
— Andrew, preciso disso. Preciso me certificar de algum modo
que ela não foi machucada e que está bem — Hannah suplicou. A
maldita sabia como me manipular. Eu sequer era capaz de cogitar um
"não" para um pedido como aquele.
— Tudo bem.
— Vou reunir meus amigos para pensarmos em um plano.
Obrigada por me ouvir e acreditar em mim.
Hannah se levantou estendendo a mão para mim. Qualquer outra
pessoa fazendo aquele gesto de despedida seria uma falta de respeito,
afinal ela deveria se curvar em uma reverência. Todavia, Hannah não
me enxergava como um príncipe a ponto de manter formalidades
quando estávamos sozinhos. Eu gostava disso, por isso levantei e
apertei sua mão de volta.
Também gostava da eletricidade que percorria pelo meu corpo
quando nos tocávamos.
— Grant ficará com você pelos próximos dias — me ouvi dizendo.
— Não preciso de uma babá.
— É para a sua segurança, não sabemos o que sua tia pode
fazer.
— Não preciso de proteção, e se eu precisar de uma parede de
músculos, tenho o Jake — ela só podia ter dito aquilo para me provocar
e conseguiu.
— Mas eu quero protegê-la, Hannah — falei mais do que devia. —
Por tudo que fez pelo meu país e por ser mãe da minha filha, é mais
que meu dever garantir a sua segurança — péssima desculpa, Andrew.
Hannah sorriu pela primeira vez desde que entrou naquela sala.
Um sorriso capaz de iluminar o dia mais sombrio e capaz de aquecer
meu coração que há tempos se sentia frio.
Era difícil controlar minhas emoções, o desejo para ser mais
específico, vendo seus lábios emoldurarem um sorriso tão bonito. Eu
queria colar meu corpo no seu e beijá-la por horas, para saber se ela
ainda tinha o costume de dar um sorriso durante o beijo.
— Certo. Ficarei com Grant, mas só porque ele é uma ótima
companhia.
Hannah puxou sua mão que ainda segurava a minha, mas não
permiti que ela se soltasse. Ainda tinha tanta coisa para ser dita.
—Quando eu resolver tudo por aqui vou procurá-la para
salvarmos a Hailey — dei um passo à frente beijando sua mão, mas
sem deixar de olhar em seus olhos.
— Preciso ir — ela disse. Sem dúvidas tinha notado a tensão que
se instalou entre nós.
Liberei sua mão, sabendo que era a melhor escolha a se fazer.
Nossa conversa tinha fluído bem quando colocamos as mágoas do
passado de lado, deveríamos continuar assim enquanto estivéssemos
trabalhando juntos para resgatar a Hailey.
Depois disso eu poderia voltar a odiá-la e desejá-la.
Capítulo Bônus

Bônus
Todo mundo se machuca às vezes
Todo mundo se machuca algum dia
Mas vai ficar tudo bem
Memories – Maroon 5
Jake
Os guardas e eu reviramos todo o apartamento em busca de
alguma pista sobre o paradeiro da tia da Hannah. A mulher estava de
posse do bem mais precioso que eu tinha e cada segundo para mim
era uma tortura. Apesar de não termos laços de sangue, eu amava a
Hailey mais do que qualquer outra pessoa no mundo e daria minha vida
por ela sem pensar duas vezes.
Eu não descansaria até pegá-la em meus braços garantido que
estava segura, por isso vasculhava o local com minuciosidade. Até o
momento, já tinha reparado algumas coisas: o apartamento tinha três
quartos, e todos estiveram ocupados recentemente, pois estavam bem
bagunçados, e os ocupantes tinham deixado o lugar às pressas; na
porta que dava acesso ao aposento que provavelmente Hailey estaria,
havia cacos de porcelana espalhados sobre o chão além da mancha de
sangue. Tínhamos coletado uma amostra para descobrir a quem o
sangue pertencia e meu maior medo era que fosse da Hailey.
Caso não fosse, e eu rezava muito por isso, podia deduzir que
houve uma grande confusão no local e Samantha resolveu fugir, depois
de atingir alguém.
— Reynald, encontramos mais uma coisa — um dos guardas me
chamou.
Senti-me estranho por terem se referido a mim como chamavam
meu pai. Foi inevitável não sentir saudades do homem que mais
admirava. Ele tinha me ensinado a valiosa lição de cuidar das pessoas
que amo. Infelizmente, eu não tinha conseguido fazer isso com ele.
Ao chegar na suíte do local, o guarda segurava um notebook
branco, porém a tela estava bloqueada.
— Não podemos levar nada para não levantar suspeitas que
estivemos aqui.
O aparelho devia ter informações para nos ajudar na investigação
e por sorte tínhamos um hacker trabalhando conosco. Michael sem
dúvidas conseguiria um acesso remoto.
Entrei em contato com ele pelo ponto eletrônico esperando uma
eternidade pela resposta. Todos pareciam ter desligado o dispositivo
depois do casamento ser interrompido e a falta de comunicação entre
nós me aborreceu.
Ao que pareceu cinco minutos depois, Michael me respondeu.
— Alguma novidade? — perguntou, sua voz estava meio ofegante
como se tivesse corrido uma maratona.
Ele se animou com a descoberta do notebook e me passou as
instruções para que conseguisse acessá-lo. Não demorou mais que
dez minutos para o homem destravar a senha e começar a copiar os
arquivos.
— Espero que tenha algo de interessante aqui — o hacker
comentou e ouvi a voz do Ed no fundo concordando.
Enquanto a transferência dos arquivos carregava, os guardas e eu
organizamos a bagunça no apartamento, deixando tudo como estava
ao chegarmos.
— Feito, assim que encontrar alguma informação importante lhe
passo — disse Michael e coloquei o notebook onde o guarda tinha
achado.

Voltei ao castelo com os guardas, disposto a encontrar Andrew


para traçarmos um novo plano de resgate. Por estar com o uniforme da
guarda, podia caminhar calmamente pelos corredores principais do
palácio.
O lugar estava uma bagunça. Pessoas cochichavam de um lado e
do outro sobre o rei Eros estar envolvido no acidente de rei Dominic,
desde nobres a empregados. Alguns acusando-o, outros defendendo-o.
Caso a história fosse verdadeira, rei Eros era o culpado pela
morte do meu pai e de toda a dor que causou a minha família. Eu não
ficaria em paz até ser feita a justiça por eles.
Caminhava pelos corredores, atento a qualquer murmurinho das
pessoas. Cheguei a ouvir coisas inacreditáveis como uma insinuação
de guerra contra o reino de Lorena e até mesmo que o casamento não
deveria ter sido interrompido.
Havia um lado egoísta em mim que estava triste por Andrew não
ter se casado com a Sophia, pois isso tinhapoi deixado o caminho livre
para Hannah voltar para o príncipe, algo que não deveria demorar a
acontecer.
Deus era testemunha do quanto eu tinha me esforçado para
conquistar um espaço no coração daquela mulher. Dediquei minha vida
a ela e a Hailey por anos, enxugado suas lágrimas mais de uma vez,
segurado sua mão em momentos difíceis e a abraçado sempre que se
sentia sozinha. Contudo o único amor que ela sentia por mim era de um
grande amigo, ou pior, de irmão.
Sentia-me sujo quando ela fazia aquela comparação. Um irmão
jamais a desejaria como eu. De certa forma, eu tinha culpa por ela ter
essa visão distorcida. Nunca falei claramente sobre minhas intenções e
meus sentimentos até o dia em que ela me beijou para afastar o
Andrew. Meus dias vinham sendo um verdadeiro martírio desde então.
Eu queria mais.
E não podia tê-la.
Seu coração sempre pertenceu ao Andrew e o sentimento era
recíproco, ambos só eram imaturos demais para se darem conta disso.
Eu a amava, entretanto desejava ainda mais vê-la feliz,
independentemente de estar comigo ou não. Acho que amar é isso.
Não é sobre possuir a outra pessoa, mas sobre desejar o bem ao outro
mesmo que isso lhe faça abrir mão de estarem juntos.
Foi isso que Hannah fez ao deixar o Andrew.
Embora estivesse distraído com meus pensamentos, ouvi um
barulho de choro quando passei em frente a porta de acesso à
biblioteca. Abri achando que podia ser Hannah.
Abri a porta lentamente para não assustar a pessoa lá dentro.
Meus olhos varreram o local e logo encontraram a responsável pelo
som. Não era difícil notar alguém vestida de noiva sentada no chão.
O melhor a se fazer era fechar a porta e deixá-la afogar suas
mágoas sozinha, afinal eu tinha preocupações maiores naquele
momento, e ela era a filha do homem suspeito pela morte do meu pai.
No entanto, meu instinto protetor era maior que eu. Graças a essa
característica, tinha ido embora do país para cuidar de Hannah e me
sentia responsável pela Hailey. Sendo assim, meu corpo se moveu em
direção a mulher aos prantos.
Deixei um pouco todos os meus problemas de lado tentando ser
empático com ela. Sophia tinha sido deixada no altar pelo seu noivo. Eu
conhecia o suficiente de mulheres para deduzir que ela se sentia
rejeitada e humilhada, e sabia ainda mais sobre um amor não
correspondido para entender sua dor.
Perguntei-me se, em meio ao escândalo na cerimônia, alguém
tinha parado para pensar em como ela se sentia.
Pelo visto não, já que ela chorava em um canto sozinha.
— Está precisando de algo, princesa? — indaguei, pois ela não
tinha notado minha presença.
— Preciso ficar sozinha — sua voz fraca era bem distinta da usual
de menina mimada que eu lembrava.
Desativei o ponto eletrônico e me aproximei, sentando no chão ao
seu lado esquerdo sem dizer uma palavra. Sophia tentava abafar o som
do choro escondendo o rosto com o véu, então demorou um tempo
para reconhecer quem invadia seu momento de privacidade. Talvez ela
nem lembrasse de mim, afinal fazia anos que não nos encontrávamos.
Ainda assim, permaneci ao seu lado e não sabia explicar o porquê.
Quem sabe eu estivesse sentindo o mesmo que ela e era
confortável saber que não era o único a amar alguém que o coração
pertencia a outro.
Passaram-se dois, cinco, talvez dez minutos até que ela resolveu
quebrar o silêncio.
— E-eu esperei minha vida-da toda por este mo-momento — sua
voz entrecortada em algumas letras por causa do choro, mas dava para
entendê-la. — Desde meus treze anos, eu sonho em ca-casar com o
Andrew. E-eu fiz de tudo por ele.
Inclusive armar para separar ele da Hannah, pensei, mas guardei
para mim. Apesar dos seus erros, não era um bom momento para
julgamentos.
— Sophia, não importa o que você faça ou o quanto se doe para
alguém. Se a pessoa for a errada, você nunca terá valor para ela, não
do modo que espera.
A princesa ergueu o olhar para mim, afastando o véu do seu rosto
molhado por lágrimas. Vi o reconhecimento nos seus olhos que se
encheram de surpresa.
— O que você faz aqui? — a voz de princesa mimada voltou a
sua fala. Ao menos ela tinha parado de chorar.
— Encontrei alguém que teve o coração partido e quis me juntar
ao time — minha mão tocou o peito fingindo uma certa dor.
— Dispenso sua companhia. Vá e deixe-me sozinha.
— Calma, princesa. Eu estava passando pelo corredor e a ouvi
chorando, vim me certificar se você estava bem.
— Não entendo sua preocupação comigo, mas como pode ver eu
não estou bem. Fui abandonada no altar e meu noivo sequer me
procurou depois para conversar — ela voltou a chorar novamente.
— Andrew teve seus motivos para encerrar o casamento, Sophia.
Você sabe a gravidade da acusação contra seu pai.
— Papai jamais faria isso. Ele sempre apoiou meu namoro com o
Andrew, como seria capaz de mandar matar o rei Dominic justo no dia
do nosso casamento? Ele jamais faria algo para estragar a cerimônia.
Andrew deveria confiar nele! Confiar em mim!
Eu sabia que o pai dela não era um santo, pois tinha ameaçado
levar Mirabelle a ruína para ter aquele casamento. Realmente fazia
sentido o que Sophia disse. Rei Eros queria casá-la com o Andrew a
qualquer custo, certamente não iria escolher justo o dia da cerimônia
para provocar o acidente. Seria muita tolice.
— Cabe ao tribunal de Mirabelle julgá-lo — respondi por não
haver nada melhor a dizer.
O silêncio se instalou entre nós. Meus neurônios não paravam de
tentar juntar as peças do quebra-cabeça que envolviam o atentado
contra o rei e o sequestro da Hailey.
— Preciso ir — Sophia tentou se levantar, mas acabou pisando na
barra do vestido e antes de ficar totalmente de pé ela se desequilibrou.
Seu corpo tombou para o lado esquerdo, fazendo-a cair sobre minhas
pernas.
— Perdão, Jake — ela tentou se levantar rápido e acabou não
conseguindo de novo — Odeio esse vestido! — choramingou.
Eu tinha total clareza dos meus sentimentos por Hannah e, se ela
tivesse me dado uma chance, eu lhe seria extremamente fiel. Mas
como nunca tivemos um relacionamento, nunca deixei de me sentir
atraído por outras mulheres. Não foi diferente agora.
Sophia tinha uma pele bem clara e suas bochechas foram
tomadas por um vermelho de vergonha, combinando com seu nariz e
olhos que estavam vermelhos pelo choro, porém em meio a tanto rubor
em seu rosto, o tom que mais chamava atenção era o dos seus lábios.
E por um segundo tive vontade de beijá-los.
Premeditando o meu ataque, ela saiu graciosamente do meu colo
voltando a se sentar a meu lado. Eu era experiente o suficiente para
reconhecer que ela havia sido afetada também, o lábio que ela mordia
levemente era um sinal de desejo.
Abri um sorriso. Aquela situação não poderia ser mais estranha.
Por isso decidi fingir que não houve nada e me levantei para estender
uma mão e ajudá-la a se levantar. Sophia não olhou em meus olhos
quando segurou minha mão e ergueu seu corpo, sem cair dessa vez.
Ela continuava ruborizada e eu não resisti a ideia de provocá-la.
— Posso lhe fazer uma pergunta, princesa?
Sophia assentiu soltando minha mão para segurar as saias do
vestido e conseguir andar sem cair.
— Você está com alguma lingerie branca embaixo desse vestido?
Sempre quis despir uma noiva.
Seu rosto ficou ainda mais vermelho, como se jamais tivesse
ouvido algo parecido. Pelo visto Andrew nunca tinha provocado aquela
mulher.
Não foi isso que lhe ensinei, amigo.
— Isso não é algo que se pergunte a uma princesa!
— Perdão, Alteza. Melhor eu ir então.
Não esperei ela responder, saindo da biblioteca o mais rápido que
pude. Meu objetivo ao entrar ali tinha sido concluído, Sophia tinha
parado de chorar e certamente não iria se sentir tão rejeitada pelas
próximas horas.
Ao fechar a porta, voltei a ativar o ponto eletrônico e em poucos
segundos ouvi a voz de Michael mandando eu ir para o apartamento do
Ed, pois tínhamos um novo resgate a combinar.
Capítulo Vinte e sete

Vinte e sete
Ninguém vai vencer desta vez
Eu só quero você de volta
Estou correndo para o seu lado
Surrender - Natalie Taylor
Hannah
Uma montanha russa de emoções, era o termo mais adequado
para descrever aquele dia. Houve tantos acontecimentos, momentos de
altos e baixos, porém mesmo assim não tínhamos avançado em nada
no resgate da Hailey, algo que eu estava esperançosa para mudar em
breve
— Então, ela quer trocar a Hailey por sua liberdade? Essa menina
deveria se chamar habeas corpus — comentou Michael após eu contar
sobre o acordo que Tia Satan queria fazer com o Andrew.
— Por que você não encontra algo de útil se quer sua liberdade
também? — Jake rebateu a piadinha do hacker.
Já tinha anoitecido quando o nosso pequeno grupo de resgate
formado por Jake, Ed, Michael, Grant e eu nos reunimos todos na sala
do apartamento do meu amigo, prontos para criar um novo plano, um
que funcionasse dessa vez.
Jake tinha encontrado um computador no esconderijo da minha tia
e Michael analisava os arquivos em busca de informações que
pudessem nos ajudar, porém até o momento não teve sucesso.
— Tem algo nessa história que não se encaixa — Jake continuou
a falar. — O pai da Sophia queria o casamento, não faz sentido ele ter
planejado o acidente para aquele dia. Mesmo que fosse premeditado
acontecer após a cerimônia, ainda assim seria um grande escândalo
para manchar um dia de comemorações.
— Também achei estranho o detetive Morris aparecer do nada
com um relatório sobre mim, uma acusação contra o rei Eros e um
acordo com minha tia. Parece que foi fácil demais — concordei.
— Ele pode estar envolvido com sua tia e estar contra o rei —
Michael voltou a opinar.
— Impossível! Aquela bruxa quer manter Hannah e Andrew
separados. Não iria interromper o casamento — Ed entrou na conversa.
— Ela sequestrou a Hailey justamente para garantir que eu não
me envolvesse com o príncipe — complementei.
— E se ela brigou com o rei Eros e decidiu acusá-lo? — Grant
indagou, o único que estava calado até então.
— Eu gosto dessa teoria! — afirmou o hacker. — Ela quer se
inocentar de seus crimes e jogou toda a culpa do acidente para o rei, e
aquele detetive nojento, que me caça há anos, ajudou-a a levantar
provas falsas!
— Faz sentido, mas ao fazer isso ela deixaria o caminho livre pra
Hanninha fisgar o príncipe de novo — Ed contestou.
— Eu não vou fisgá-lo!
— Minha futura rainha, agora que você contou a verdade sobre ter
ido embora, Andrew vai rastejar aos seus pés e pedir para ensiná-lo a
governar um país. — Senhor, Ed tinha voltado a bancar o cupido!
— Você contou ao Andrew? — Jake perguntou.
Ed, que estava sentado ao seu lado, tocou seu ombro e suspirou.
— Jakícia, o caminho da Hannah se fechou para você e lamento
que o meu também. — O olhar do meu amigo se voltou na direção de
Michael e o hacker ajeitou os óculos antes de desviar o olhar para o
computador. Ah, não… Os dois?
— Creio que estamos desviando do assunto que nos importa —
pronunciei, a fim de acabar com o constrangimento de todos os
envolvidos. —Vamos deixar essa discussão para depois, a prioridade
do momento é salvar a Hailey.
Todos assentiram, exceto Grant, que observava tudo com um
misto de confusão e espanto. Coitado.
— Andrew e eu vamos nos encontrar com tia Satan ainda hoje
para negociar o resgate. Precisamos de um plano para prendê-la após
estarmos com a Hailey — expliquei. — Por isso todos estão aqui,
temos poucas horas para decidir o que fazer.
Iniciamos um debate que durou cerca de uma hora. Entre pontos
de concordância e discordância, ao final, tínhamos algumas ideias:
1) a mais óbvia, montar uma operação para prender tia Satan
após ela entregar a Hailey;
2) deixá-la acreditar que estava livre e prendê-la só quando Hailey
estivesse em um lugar seguro;
3) exilá-la de Mirabelle e eu fugir com Hailey para outro país,
depois prendê-la. Algo me dizia que Andrew não gostaria dessa;
4) encontrar o novo esconderijo dela e resgatar Hailey por nossa
conta, ideia de Michael.
— Isso já deu errado uma vez — Jake alertou.
— Então já sabemos onde erramos: não podemos confiar em
motoristas ou outras pessoas — argumentou o hacker. — Hannah vai
se encontrar com ela, certo? Então pode colocar um mini GPS para
rastrear sua localização e saberemos seus passos.
— Se ela descobrir pode machucar a Hailey — contrariei.
— As circunstâncias mudaram, Hannah. A criança agora é a
moeda de troca dela com o príncipe, a mulher não é louca de perder
essa arma. E claro, teremos o cuidado para ela não descobrir.
— É arriscado, mas é uma boa ideia — Grant concordou.
— E se não der certo, ainda temos a alternativa de prendê-la após
salvar a Hailey — argumentou Michael.
Ele explicou mais sobre o dispositivo e como eu colocaria na
roupa de Tia Satan, sugerindo que fosse nas costas onde ela não
poderia ver tão bem. O hacker garantiu que conseguiria um GPS quase
invisível, porém deixou claro que iria cometer mais dois crimes para ter
e usar o objeto.
Andrew sofreria um infarto quando soubesse que precisaria
inocentar os crimes de Michael, contudo esse era um assunto para
pensar depois.
— Tudo bem, eu tentarei — aceitei, após pensar em todas as
possibilidades.
Michael saiu para conseguir o tal dispositivo e aproveitei para
tomar um banho. Ao voltar para a sala, Jake, Ed e Grant estavam
assistindo TV e não me viram chegar. A televisão exibia um programa
de fofocas, que falava sobre o casamento do príncipe.
O casamento foi cancelado! Ainda não sabemos por fontes oficiais
qual foi o motivo, mas há murmúrios que o príncipe Andrew estava
bêbado durante a cerimônia.
— Vai gerar uma grande repercussão quando for revelado o
verdadeiro motivo — Grant enunciou. — Faz um certo tempo que
estudei história, mas lembro que não temos um rei assassinado há
mais de um século, e a monarquia vai ser fortemente abalada se
confirmada a acusação.
— Há quase um século também não há filhos fora do casamento,
e se a história da Hailey vir à tona vai ser bem pior — completou Jake.
— Sempre torci por um escândalo na realeza, mas não com
minha princesinha envolvida — Ed lamentou. — Rei Dominic deveria
acordar e colocar tudo em ordem de novo.
Abri a boca para dizer que Andrew era capaz de minimizar todo o
caos que viria, porém no momento em que Ed terminou de falar, a
campainha tocou. Me apressei em abrir a porta, com o coração
espancando meu peito por saber quem era do outro lado.
Andrew tinha avisado que viria após o término da reunião com o
conselho, ainda assim não estava preparada para vê-lo. Não do jeito
que ele estava.
O príncipe não parecia o príncipe. Ele vestia uma calça jeans escura,
camisa azul de mangas curtas, óculos escuros, mas um item em
especial chamou minha atenção, a touca cinza que cobria seus
cabelos. Andrew conseguia estar ainda mais gato que horas atrás,
quando usava um dos seus trajes da realeza. Não que ele não ficasse
lindo usando terno ou roupas formais, mas aquilo era absurdamente
sexy.
Além disso, me lembrava nossa época de escola.
— Lamento ter demorado tanto. Os conselheiros são pessoas
difíceis de lidar e estenderam a reunião por mais tempo do que eu
esperava — desculpou-se, mas eu não me importei, pois ainda estava
tentando não babar diante da visão do Andrew pelo qual me apaixonei.
Abri espaço para ele entrar, sem saber direito o que falar e com
medo de abrir a boca para dizer algo como "você fica tão sexy com
essa touca".
O príncipe cumprimentou as outras pessoas no local. Eles se
levantaram imediatamente para fazer uma reverência, então percebi
que não tinha o saudado como se espera então copiei meus amigos. O
príncipe me olhou sorrindo apenas com o canto da boca, insinuando
alguma provocação.
Então, sua atenção desviou para a televisão, onde ainda falavam
sobre o casamento dele.
Já foram duas cerimônias canceladas e achamos que esse
casamento não vai mais acontecer, o que deixa o caminho livre
novamente para as jovens solteiras de Mirabelle. Será que depois de
anos teremos outro baile para o príncipe encontrar uma esposa?
— Mal sai de um casamento e todos querem me jogar em outro —
grunhiu baixinho, mas consegui ouvir e não pude evitar sorrir.
Ed percebeu que era um bom momento para desligar a televisão.
Aproveitei para contar ao Andrew o que tínhamos decidido acerca de
Tia Satan, e ele contou sobre o encontro que teríamos com ela. Morris
tinha marcado para às 22h em um restaurante em uma cidade vizinha,
e tinha deixado bem claro que Andrew não poderia levar guardas. Não
tinha falado nada sobre me levar.
Claro que Andrew não iria sem escolta, então ficou combinado
que Jake, Grant e mais alguns guardas ficariam estrategicamente
escondidos para o caso da conversa não sair como esperávamos e tia
Satan ter outros planos para o resgaste.
Enquanto conversávamos, Michael chegou com o dispositivo e
tínhamos tudo o que precisávamos para nosso encontro.
Andrew e eu estávamos no carro, indo ao local de encontro com
tia Satan. Grant, usando roupas do Ed como disfarce, estava à frente
como nosso motorista, mas havia uma divisória entre o assento que ele
estava e o nosso, o que nos dava alguma privacidade. Mais uma vez
lembranças do passado vieram a mente, trazendo memórias do tempo
que ele me dava carona para casa.
Ficamos em silêncio por um longo tempo. Havia tantos assuntos
mal resolvidos entre nós que eu mesma não sabia o que conversar.
Andrew observava as ruas iluminadas por postes, distraído com os
próprios pensamentos, provavelmente fingindo que eu não estava ao
seu lado.
Chegou um momento em que não aguentei mais o silêncio e
puxei um assunto qualquer.
— Já sabe o que fazer com Diaberos, digo, com o rei Eros?
Ele demorou alguns segundos para responder e quando o fez não
olhou para mim.
— O julgamento será em sigilo, o povo só saberá quando tivermos
certeza de todos os fatos. Se ele realmente for o culpado pelo atentado,
será condenado a prisão perpétua, como manda a nossa lei — fez uma
pausa, provavelmente pensando se deveria me contar informações tão
importantes, até que prosseguiu — O rei acusado de assassinato
causará mais problemas em Lorena do que para nós. Outros
governantes podem desfazer alianças. Então fortalecerei as
negociações com esses países, para suprir a demanda que Mirabelle
possui.
— Você vai precisar casar-se com alguém para fortalecer as
negociações? — questionei antes de pensar direito.
— É provável que eu receba algumas propostas, contudo não
desejo viver mais uma farsa de casamento — seu olhar encontrou o
meu rapidamente, ainda assim foi possível ver um pequeno brilho nas
suas íris verdes. — Já mapeamos alguns reinos com governantes
pacíficos que possivelmente vão preferir estar ao nosso lado ao invés
de apoiar um assassino. Temos três ou quatro países em mente.
— E você não deveria estar negociando com eles nesse
momento?
Andrew poderia ser considerado um péssimo governante por não
colocar o reino como sua prioridade, no entanto encheu meu peito de
orgulho saber que ele estava mais preocupado com a Hailey.
— Precisamos salvar nossa filha, pela segurança dela e por
questões políticas também. De nada adiantará salvarmos a economia
se ela pode causar uma revolta nos cidadãos daqui.
Aproveitei que ele tinha comentado sobre ela para questionar
seus planos futuros.
— O que faremos depois de resgatá-la? Imagino que não será
seguro vivermos em Mirabelle.
— O povo não pode saber sobre ela e precisamos que continue
assim. Os conselheiros acreditam fortemente que preciso mandá-la
para um internato a fim de garantir que ela nunca saiba sua verdadeira
origem.
Senti-me enfurecer ao entender em que aquilo acarretaria.
— Eu não vou me afastar dela!
Andrew passou a mão pelos cabelos respirando profundamente,
antes de me olhar e responder:
— Eu sei, Hannah, também não quero que ela cresça sem a
presença de nenhum dos pais. A outra opção é que você vá embora do
país e nunca fale sobre mim para ela — pude sentir a dor dele ao
pronunciar aquilo. — Eu vou sofrer por não estar presente na sua vida,
porém é o necessário a se fazer para que ela e o reino fiquem seguros.
— Deve haver outra opção — tentei argumentar, mas nada me
veio à cabeça.
— Na verdade, há. Mas creio que não seja viável.
— Nada pode ser pior do que mandá-la para um orfanato e de
não termos contato!
— Bem, eu poderia legitimar a criança me casando com a mãe
dela. — Ele abriu um sorriso tímido no final da frase.
Ainda bem que estava sentada, caso contrário minhas pernas
teriam fraquejado e eu cairia no chão por tamanha surpresa. Menos de
vinte e quatro horas atrás, ele tinha me pedido para ser sua amante, e
agora estava mencionando casamento? Na verdade, ele não pediu
minha mão, mas Andrew tinha cogitado a possibilidade de nos
casarmos e criar a Hailey juntos. Então, isso significava alguma coisa.
Meu coração ia sair pela boca a qualquer instante.
— Vejo que essa opção lhe chocou mais que as outras. — Tinha
algo na sua voz, algo que eu não era capaz de decifrar. Mágoa?
Desapontamento?
Não tive tempo para lhe dar alguma resposta racional. Meu
coração queria gritar que aquilo era tudo que tinha sonhado, que formar
uma família ao lado dos dois me tornaria a pessoa mais feliz do mundo.
Entretanto, a voz de Grant me impediu de expressar qualquer
sentimento.
— Alteza, chegamos.
Após ouvir essa frase, tudo em que pensei foi em como não
estrangular minha tia até ela me entregar a Hailey.
Capítulo Vinte e oito

Vinte e oito
Estou pronta para te perdoar
Mas esquecer é uma batalha mais árdua
Você mal sabe que preciso de mais tempo
Little do You Know – Alex & Sierra

O último contato que tive com Samantha foi no casamento do


irmão da princesa Sophia, quando o irmão dela tentou me agarrar a
força — não o que estava casando, é claro, foi o irmão escroto, o
Samuel.
Antes disso, tínhamos conversado quando ainda estava trancada
no porão por ir ao baile do príncipe.
Sua luta para me manter longe do Andrew era incansável.
E agora, estava de posse da nossa filha, que era a parte mais
importante de nós dois.
— Não precisa ficar nervosa, Hannah. Vamos enfrentá-la juntos —
Andrew disse após sairmos do carro e eu não conseguir dá um passo à
frente.
Surpreendendo-me, ele segurou minha mão, o que me fez sair do
estado de transe. Impossível continuar paralisada quando cada fibra do
meu ser inflamava com o simples gesto de estarmos de mãos dadas.
Tia Satan podia ter conseguido nos separar durante três longos e
tortuosos anos, porém ela jamais seria capaz de apagar o que
sentíamos um pelo outro.
— Vamos — assenti.
Grant tinha estacionado algumas ruas antes do local de encontro,
para ela não saber que tínhamos um guarda conosco. Andrew, com sua
touca ajudando no disfarce e andando de cabeça baixa, passava
despercebido pelos moradores, o que não evitava de ouvirmos fofocas
sobre o casamento dele.
Em menos de cinco minutos chegamos ao restaurante onde seria
o encontro. Andrew soltou minha mão antes de entrarmos. O local era
aconchegante, porém simples se comparado aos gostos refinados de
tia Satan. As mesas e cadeiras eram de madeira e quando chegamos
ninguém veio nos recepcionar.
Devido ao horário, havia poucas pessoas no ambiente, então foi
fácil distinguir o demônio entre as pessoas, digo, foi fácil avistar tia
Satan. Ela estava em uma mesa ao fundo do recinto, afastada dos
outros clientes.
A mulher não mudara muito, a exceção da cor de seus cabelos
que agora estavam ruivos. O olhar demoníaco permanecia o mesmo,
se não pior.
— Não esperava vê-la aqui, sobrinha. Quanto tempo, não é
mesmo!? — Seu sorriso falso destilava mais veneno que uma cobra
cascavel.
— Nós tínhamos um acordo e como você não o cumpriu, vim em
busca de um novo — respondi, sentando-me à sua frente antes que
Andrew puxasse a cadeira para mim.
Ele logo sentou ao meu lado.
— Se livrou da pobre Sophia e já correu atrás de outra, Alteza?
Príncipes não perdem tempo quando o assunto é mulher — disse em
tom de zombaria.
— Tenho algumas exigências para o nosso acordo — Andrew
cortou qualquer outro assunto.
— Para que tanta pressa? Antes vamos pedir um vinho, por conta
da realeza é claro. — A víbora chamou um garçom fazendo o pedido,
como se alguém fosse idiota o suficiente para beber com ela.
— Você manteve sua sobrinha em cárcere privado anos atrás, é
cúmplice do suspeito de tentativa de assassinato do rei, sequestrou
uma criança e a mantém em seu cativeiro... Não sou bom em
matemática, mas creio que isso lhe condena a uma vida toda na prisão.
Vai ter que entregar mais do que a criança se quiser sua liberdade. —
O tom de voz do príncipe era calmo e controlado, enquanto eu
observava os talheres sobre a mesa e pensava se usaria o garfo ou a
faca para atacá-la.
— Acredito que a vida na prisão não seja como um retiro
espiritual, então estou aberta para ouvir seus termos.
Andrew esperou alguns minutos para respondê-la, como se
refletisse no que pedir.
— Você será testemunha dos crimes do rei Eros e depois sairá de
Mirabelle para nunca mais voltar, também não deve falar para ninguém
sobre a criança.
— Eu já ia depor contra o rei Eros, onde já se viu cometer tal
atrocidade com o nosso rei? Dom é uma pessoa tão justa, não...
Parei de ouvir o que ela dizia ao reparar em como chamou o rei.
Dom. Eu já tinha ouvido alguma referência a esse apelido ligado a tia
Satan, mas onde?
Meu Deus!
Seu Dom. A carta que achei no porão anos atrás podia ser do rei
Dominic para ela. Na época acreditei que era um dominador, mas
ouvindo o apelido fazia sentido ser a abreviação de Dominic. Que
diabos tinha acontecido entre eles?
O garçom chegou com o vinho, desviando meus pensamentos.
Tia Satan foi a única que se serviu, bebendo um longo gole antes de
voltar a falar.
— Quanto a falar sobre a criança, isso vai depender de vocês. Se
não seguirem o nosso acordo e tentarem qualquer brincadeirinha, o
mundo todo vai saber que Vossa Alteza tem uma filha bastarda e isso
vai ser a ruína da realeza.
Pensei no GPS no bolso da minha calça e no plano de ir até seu
cativeiro. Caso fosse presa, ela podia ter outros cúmplices que falariam
sobre a Hailey. Merda, merda, merda!
— Preciso de uma prova que ela está bem — falei.
— Você me magoa achando que não cuidaria bem dela, cuidei tão
bem de você depois que seus pais morreram — rebateu ironicamente.
— Não haverá acordo se eu não tiver certeza que ela está bem —
Andrew proferiu com toda sua autoridade.
Em silêncio, Tia Satan colocou a mão na bolsa tirando o celular.
Mexeu no aparelho antes de virar a tela para nós. Nenhum dos
acontecimentos do dia tinha me preparado para aquilo. Ver minha
princesinha sentada em uma cama abraçando os próprios joelhos,
numa posição que a deixava tão pequena e vulnerável. Hailey sempre
ficava assim quando tinha medo.
Senti-me uma péssima mãe, vendo-a assustada sem poder
abraçá-la e protegê-la de tudo e de todos.
— Hailey... — minha voz saiu em meio ao choro silencioso que
me dominou. Eu queria dizer "mamãe logo estará com você", no
entanto não fui capaz de formular uma palavra.
Meu coração se angustiou ainda mais quando ela pareceu ouvir
minha voz e sua cabeça se ergueu, mostrando que estava chorando.
No mesmo instante, uma mão apertou minha coxa por baixo da
mesa lembrando-me que não era a única a estar sofrendo. Contudo, ao
olhar para o lado, Andrew tinha os olhos fixados na tela e não esboçava
nenhuma reação.
Parecia um iceberg de tão frio que estava o seu olhar.
Algo estava errado com ele.
— Como viram, ela está ótima! — Tia Satan encerrou a chamada
guardando o celular de volta na bolsa.
— Você tem até amanhã às 10 horas para me entregá-la. A cada
minuto de atraso será um ano de prisão que você terá de cumprir — o
tom de voz dele era assustador... para qualquer outra pessoa que não
fosse minha tia.
— Eu estou com sua bastardinha, você não está em posição de
me dar ordens.
— Eu estarei com o documento que garante sua liberdade.
— Agora estamos entrando em um acordo! — comentou com
animação bebendo mais da sua taça de vinho. — Mas eu tenho outra
condição: Hannah irá me acompanhar hoje.
— Não — foi a resposta seca de Andrew.
— Não sabia que ele respondia por você, sobrinha. Não lembro
de ter lhe ensinado a receber ordens de algum homem. — Seu olhar se
voltou para mim.
— Por que diabos eu iria com você?
— Ora, acredito que não fui clara o suficiente. Eu vou entregar a
criança a você, meu lado sentimental não gosta de deixar uma criança
longe da mãe. — Ela usou um guardanapo para secar uma falsa
lágrima.
— Pare com essa enrolação, meu tempo é precioso — Andrew
resmungou, impaciente com o teatrinho dela.
— Me preocupo muito com Mirabelle e jamais permitiria que uma
bastarda se torne a próxima herdeira do trono, então vou entregar a
criança a Hannah e as duas vão embora do país... comigo.
Eu vou furar o olho dela com o garfo.
— Samantha, se acredita que eu tenho algum interesse em casar-
me com sua sobrinha e deixar uma bastarda ser minha herdeira,
lamento decepcioná-la. Não sei o quanto você entende de política para
saber que o escândalo com rei Eros nos trará graves consequências, e
eu precisarei de um casamento vantajoso com alguma princesa.
Hannah seria no máximo minha amante, jamais minha esposa.
Olhei para o lado, sentindo-me humilhada, e pensei qual olho dele
furaria primeiro com o garfo, para ele sentir um terço da dor que meu
coração sentia.
— Meu interesse na criança também é puramente político, eu
mesmo a mandarei para um internato quando você me entregá-la.
Interesse político? Que merda ele estava dizendo? No carro ele
tinha dito que podíamos nos casar e... Finalmente entendi sua
estratégia, ele estava enganando tia Satan para eu não ser levada por
ela.
Andrew estava um ótimo ator naquele dia.
— Não foi isso que acordamos, você disse que eu poderia ficar
com ela! — falei, entrando no personagem também.
— Agora não é o momento de tratarmos disso.
— Como não? Você me enganou!
— Você me enganou por anos quando escondeu a criança de
mim, acha mesmo que confio em você para ficar com ela? — retrucou,
encarando-me friamente. — Quando a criança crescer, ela pode querer
reivindicar o trono do meu herdeiro legítimo. Não vou esperar isso
acontecer para tomar alguma atitude.
Ele atuava tão bem que estava começando a acreditar e sentir
ódio.
— Ótimo, está decidido! Vou com Tia Satan, então fico com a
Hailey e será você quem nunca mais irá vê-la!
— Pouco me importa o que você faz ou deixa de fazer. — Ele se
virou para minha tia, que nos observava atentamente em silêncio. —
Samantha, você me entregará a criança amanhã às 10 horas ou todo o
exército de Mirabelle irá perseguir você.
— Se isso acontecer, vou relevar sobre...
— Não precisa fazer esse esforço, eu mesmo divulgo a
informação anunciando que ela está morta. Problema resolvido. Vocês
podem continuar aí neste draminha de família que eu não quero fazer
parte — ele se levantou e sua voz ao voltar a falar estava baixa e
carregada de um tom ameaçador. — Às 10 horas, neste mesmo lugar,
e aviso que é sua última chance. Não a desperdice.
Sem esperar uma resposta, ele se foi, deixando-me boquiaberta
com a demonstração de poder.
—Parece que meus planos mudaram. Eu lhe avisei para não
confiar em príncipes, eles costumam ser canalhas e mentirosos —
comentou Tia Satan, vendo Andrew se afastar.
— Não entregue a criança a ele. Me leve com você e farei o que
quiser — supliquei. Se ela não quisesse me levar, teria a confirmação
de que ela acreditou na discussão.
— Você não tem nada a me oferecer, sobrinha. — Ela voltou a
tomar seu vinho.
— Vou embora de Mirabelle e fico longe do Andrew, não é isso
que você sempre quis?
O som da sua risada maligna pôde ser ouvido de outras mesas e
alguns olhares se voltaram para nós.
— Ai, ai, você só não é mais tola por falta de experiência —
debochou.
— O que eu lhe fiz pra você me odiar tanto?
— Não é nada pessoal, posso lhe garantir, mas você deveria ter
morrido naquele acidente também.
As palavras me surpreenderam e eu demorei longos minutos para
absorver o real significado delas.
Tia Satan me maltratou desde o momento em que saí do hospital
e fui para a sua casa, então realmente aquele sentimento de ódio não
era por algo que eu fiz. Ela devia odiar meus pais e esse ódio foi
passado para mim depois que se foram, era até provável que...
— Você matou meus pais! — quase gritei.
A afirmação não a chocou, e ela continuou bebendo seu vinho
como se eu tivesse falado que a noite estava fria. Diferente dela, eu
estava abalada com a revelação. Foram anos acreditando que o
acidente tinha sido uma obra triste do destino, e agora eu descobria
que alguém podia ter planejado a morte deles.
Ainda lembrava claramente daquela cena. Um nó se formou em
minha garganta impedindo-me de respirar, enquanto minha mente me
levava de volta aquele dia horrível.
Em um momento meus pais estavam sorrindo e se provocando, e
em questão de segundos a expressão de medo dominou o semblante
de papai. A única coisa que me lembro depois disso é do sangue
jorrando de sua cabeça e mamãe gritando seu nome.
— Eles se meteram onde não deviam, e se eu fosse você não
cometeria o mesmo erro — respondeu depois de um longo tempo.
Eu encarei-a chocada. Quis chorar, mas segurei fortemente as
lágrimas para não lhe dar mais um gostinho do meu sofrimento. A
demônia tinha confessado ter matado duas pessoas e dizia isso
naturalmente! Onde estava o coração daquela mulher?
E minha filha estava nas mãos dela.
Meu primeiro pensamento foi pegar o garfo e a faca, furar seus
dois olhos de uma vez e fazê-la sofrer até me contar onde Hailey
estava. Contudo, ao refletir as consequências dessa atitude eu me
detive. De nada adiantaria descontar minha raiva agora.
Eu precisava agir logicamente e encontrar uma maneira de
colocar o GPS nela. Já não me importava mais a ameaça que ela fez
de falar sobre a Hailey, qualquer escândalo era melhor do que deixar a
minha princesinha nas mãos dela.
— Eu ainda farei você pagar por isso — ameacei, tentando não
mostrar o quanto estava abalada pela descoberta.
— Amanhã serei uma mulher sem crimes, sobrinha. — Ela se
levantou. — Como o príncipe foi embora, a conta é sua.
Merda! Não podia deixá-la ir embora. Eu ainda precisava colocar
o rastreador, mas como?
Pela primeira vez, o universo pareceu atender minhas preces.
Ouvimos um barulho de cadeiras caindo e logo a atenção de
todos se voltou para um cara discutindo com um outro enorme, que
usava uma camisa com o desenho de um unicórnio. Grant.
Os dois homens estavam prestes a brigar e minha tia observava a
cena, distraída. Era a oportunidade perfeita!
Me aproximei dela tocando suas costas, falando em seu ouvido.
— Ainda não acabou entre nós, Samantha.
Após encaixar o GPS em seu vestido, me afastei. O dispositivo
era bem pequeno e quase imperceptível, e quem visse pensaria ser
alguma sujeirinha. Michael estava certo ao dizer que seria praticamente
impossível notá-lo.
Dessa vez ela não me escapa.
Capítulo Vinte e nove

Vinte e nove
Eu preciso de alguém para curar
Alguém para conhecer
Alguém para ter
Alguém para abraçar
Someone you loved - Lewis Capaldi
Andrew
Nas minhas aulas de negociação, aprendi a conhecer meu
oponente e a usar isso a meu favor. Não foi difícil perceber que
Samantha possuía uma visão de que príncipes são mentirosos e
grandes canalhas com as mulheres, então precisei agir como ela
acreditava para conseguir enganá-la.
Para fechar minha atuação com chave de ouro, deixei Hannah lá
e fui para o local onde Grant nos esperava, mas como ela estava
demorando a voltar para o carro, o mandei para o restaurante para
causar alguma distração para tirá-la de lá.
Enquanto estava sozinho, liguei para Morris contando a ele sobre
o encontro e os termos acordados. Deixei-o responsável por redigir o
documento de presunção de inocência de Samantha, além de buscar
um internato seguro para deixar a Hailey.
Se ele tivesse qualquer envolvimento nos crimes, como Hannah
suspeitava, isso ajudaria a fazer com que eles acreditassem na história
que contei.
Alguns minutos após encerrar a ligação com o detetive, Hannah
apareceu. Conforme ela se aproximava do veículo, a luz incidia sobre
seu rosto e notei que estava chorando. Diabos, ela tinha confundido as
coisas!
Abri a porta e ela logo se sentou ao meu lado. Seus ombros
estavam rígidos, o olhar não buscou o meu em nenhum momento e
aparentava que ela mal conseguia respirar. Toquei seu braço na
tentativa de ajudá-la a relaxar e no instante em que ia explicar a
mentira, Hannah revelou:
— Ela matou meus pais.
Desconcertado, aguardei alguns segundos para ela dizer algo
mais, porém não houve explicação.
— Como você descobriu?
— Não posso deixar que ela vá embora sem pagar por seus
crimes — disse, ignorando minha pergunta. — Coloquei o GPS nela,
vamos segui-la e prendê-la.
— Nós vamos prendê-la quando estivermos com a Hailey —
acrescentei com cautela.
— Não posso deixar minha filha por mais nenhum segundo nas
mãos dela.
Hannah finalmente voltou o olhar para mim, e vê-la tão triste foi
como sentir uma espada entrando no meu peito.
— Ela matou meus pais, Andrew, e vai fazer o mesmo com minha
filha. Com ou sem o seu apoio, vou segui-la. — Sua determinação era
invejável, mas ela não pensava racionalmente.
— Hannah, não sabemos se ela está indo para o local onde está a
Hailey e não podemos arriscar que ela descubra nossos planos. Se
Samantha confessou mais um crime a você, ela mais do que nunca vai
querer ter liberdade. Temos que deixá-la acreditar que está ganhando.
Peguei suas duas mãos, para ver se eu conseguia passar um
pouco de calma para ela.
— Entendo como você deve estar se sentindo ao saber que
alguém tirou a vida dos seus pais, mas não há nada que você possa
fazer para trazê-los de volta. Ao contrário da Hailey, que temos a
chance de salvá-la.
Seus ombros relaxaram e ela deixou o corpo se encostar no
assento do carro, entendendo meu ponto de vista.
— Eu estava naquele carro, poderia ter morrido também...
— Espera, foi um acidente de carro? — a interrompi, as peças
começando a se juntar em minha cabeça.
— Sim, acho que lhe contei em algum momento.
— Eu sei, porém agora que comentou fiz uma associação. Não foi
Eros que orquestrou o acidente do meu pai, foi sua tia. — Eu estava me
sentindo o próprio Sherlock Holmes.

— O que sabemos até agora? Tia Satan estava no casamento do


irmão da Sophia quando armaram para me separar de você. Logo
depois Eros ameaçou acabar a aliança com Mirabelle e eu fui embora
deixando o caminho livre para a Sophia. Quando voltei, você recebeu
um relatório falso sobre mim e sequestraram nossa filha para que você
não a conhecesse. Morris mentiu para você porque ele estava
envolvido em tudo.
— Então por que ele interrompeu o casamento? — Perguntei
confuso, parecendo mais um ajudante do que o detetive.
— Jake encontrou sinais de briga no apartamento de Tia Satan,
ela pode ter discutido com Eros e decidido se voltar contra ele. Então
Morris criou provas falsas para culpá-lo acabando com o casamento.
— Eu só não entendo por que sua tia tentaria matar o meu pai.
— Eles se conheciam. Quando eu estava trancada no porão da
casa dela, encontrei uma carta de amor assinada por Dom. Hoje tia
Satan chamou o rei por esse mesmo apelido. Acho que eles tiveram
algum caso que não acabou bem e ela resolveu se vingar.
— Isso pode explicar por que ela acha que príncipes são
mentirosos. Ela sabia que eu jamais perdoaria sua tentativa de
assassinato contra nosso rei, por isso procurou um culpado.
Se Samantha fosse mesmo a culpada, Eros tinha sido falsamente
acusado por tentativa de assassinato na frente de todos os monarcas
aliados a Mirabelle. O problema que isso causaria a nossa economia
era bem pior do que se ele realmente fosse o mandante do crime.
Perderíamos toda a confiança de outros governantes. Decidi não
comentar sobre isso com Hannah para não a preocupar com mais um
assunto.
Em uma semana como regente de Mirabelle, eu já tinha criado
uns cinco motivos para a ruína do país. Seria cômico se não fosse
trágico.
— Está vendo por que não podemos deixá-la livre? — Hannah
quase gritou.
— Mandarei alguns guardas ficarem de tocaia até o horário do
nosso encontro amanhã.
— Eu irei com eles.
— Você não vai, é perigoso. — Já bastava nossa filha nas mãos
daquela mulher desumana, não colocaria Hannah em perigo também.
Ela já ia abrir a boca para protestar quando lembrei que minhas
ordens funcionavam com qualquer pessoa, exceto com ela. Então
acrescentei rapidamente:
— Hailey vai precisar que você esteja bem quando a resgatarmos.
Ela estará assustada e eu sou um completo estranho, não serei capaz
de acalmá-la.
— Você está tentando me manipular, Andrew. — Seus olhos
semicerraram.
— Estou lhe apresentando fatos, minha querida.
— Eu não sou... — Sua voz foi interrompida pelo som da porta se
abrindo e Grant entrando no carro.
— Desculpe-me pela demora, Alteza, o dono do restaurante
queria chamar a polícia.
O encarei meio confuso, até que Hannah cochichou que Grant se
envolveu em uma briga. Se nada desse certo, nós poderíamos seguir
uma brilhante carreira como atores.
— A caminho daqui Jake me informou que ele e Michael estão
seguindo Samantha e aguardam instruções — comunicou o guarda.
Agradeci voltando minha atenção para a mulher ao meu lado.
— Você concorda em ficarmos observando-a e, se ela não
cumprir o acordo, nós invadimos o local?
— Tudo bem — Hannah concordou.
Ela ligou para Jake informando o que deveriam fazer, repetindo
três vezes a ele que estava bem. Sua preocupação com ela me
causava um certo desconforto. Na verdade, ciúme era a palavra mais
específica para expressar como eu me sentia.
Um sentimento primitivo e irracional de que eu deveria garantir o
bem-estar dela, não o Jake, me consumia. Hannah não concordaria
com essa disputa de alguém querendo protegê-la como se fosse
incapaz, por isso optei em guardar a emoção para mim.
Meu guarda deu partida no carro e um silêncio ergueu-se entre
nós. Meus pensamentos alternavam-se entre o sequestro, o acidente
do rei e os problemas que Mirabelle enfrentaria em breve.
Todas essas preocupações sumiram quando Hannah encostou a
cabeça em meu ombro.
Ela tinha adormecido e a cabeça pendeu para o lado, encontrando
apoio em mim. Passei um braço por suas costas com cuidado para não
acordá-la, a aconchegando melhor na curva do meu pescoço.
Concentrei-me na satisfatória tarefa de acariciar seu cabelo,
deixando a paz que aquele momento trazia me consumir por inteiro.

Quando Grant estacionou o carro em frente ao prédio do Ed,


Hannah ainda dormia serenamente com a cabeça sobre meu ombro.
Tive pena de acordá-la. O dia tinha sido tão exaustivo psicologicamente
e se ela acordasse provavelmente não conseguiria voltar a dormir.
Como o cavalheiro que fui educado a ser e sabendo que Hannah
tinha o sono bem pesado, decidi que a levaria em meus braços até o
apartamento.
Foi a melhor desculpa que arrumei para não me afastar dela ainda
— Grant, subirei para deixar a Hannah e preciso que me ajude.
O guarda concordou saindo do carro para interfonar ao Ed. Após
o portão ser aberto ele seguiu na frente para ver se o caminho estava
livre e ao garantir que sim, saí do carro com Hannah em meus braços.
Entramos pela garagem direto para o elevador, evitando encontrar o
porteiro ou qualquer outra pessoa, pois eu chamaria muita atenção
carregando uma mulher e alguém poderia me reconhecer. Tudo que eu
menos precisava era de outro escândalo.
Chegamos ao nono andar, onde ficava o apartamento do Ed. Ele
nos esperava com a porta aberta. Nossa conversa se resumiu a minha
pergunta sobre em qual quarto deixar a Hannah e sua resposta
indicando a segunda porta a esquerda no corredor.
Foi bem difícil colocá-la na cama, pois meu corpo se recusava a
afastar-se do seu. Talvez amanhã, quando tivéssemos salvado a
Hailey, eu precisaria mandar as duas para outro país e nunca mais vê-
las.
Apesar de ser o certo a se fazer, a escolha não me agradava de
maneira alguma. Por isso vinha pensando em alguma forma de não
precisar me afastar, mas a única solução que conseguia encontrar era
casar-me com Hannah e buscar algum jeito de legitimar nossa filha.
Os membros da realeza fazem isso quando descobrem uma
gravidez. Eu só faria o mesmo com alguns anos de atraso.
Contudo, a possível esposa em questão não ficou contente
quando mencionei a possibilidade.
Aquela mulher era mais incompreensível que (x+y)² não ser igual
a x² + y².
Com cuidado, deitei-a na cama vendo-a se remexer quando me
afastei. Após comprovar que ela não tinha acordado, beijei sua testa e
caminhei em direção à porta.
— Você fica tão sexy com essa touca.
Virei-me rapidamente ao ouvir sua voz, um sorriso involuntário se
formando em meus lábios ao ouvir a provocação. Tamanha foi minha
decepção ao perceber que ela estava dormindo e ainda tinha a mania
de falar durante o sono.
Mesmo assim, saí do seu aposento com um sorriso no rosto por
saber que ela estava sonhando comigo.
— Onde está Grant? — questionei ao entrar na sala e só
encontrando Ed sentado no sofá.
— Eu o dispensei por você, o coitado parecia cansado.
— Você parou para pensar em como eu voltaria para casa? —
rebati, com impaciência.
— Você tem muitos assuntos pendentes aqui. — Ed deu alguns
tapinhas no sofá ao seu lado, indicando que eu deveria me sentar.
Como não podia voltar para o castelo, resolvi escutá-lo.
Joguei meu corpo no sofá, pouco me preocupando com a postura,
e meu corpo finalmente sentiu o cansaço do dia. Eu poderia adormecer
ali mesmo se Ed não tivesse continuado a falar.
— Lembra quando me pediu ajuda para levar Hannah ao seu
baile?
— Sim — respondi com sinceridade.
— Naquele dia você me prometeu que não iria machucá-la.
— Essa promessa deixou de ser válida quando ela foi embora.
— Não para mim, e lembro que vossa Alteza me deu permissão
para usar meus golpes secretos de luta contra você caso a
machucasse. — Ele me olhou e deve ter notado meu estado de
exaustão, porque desistiu de me agredir.
— Eu sei aonde você quer chegar com essa conversa, Ed, e já
adianto que é perda de tempo.
— Eu vi vocês dois ontem se pegando aqui no chão da minha
sala. — Ele apontou para um ponto próximo à porta, e fechei os olhos
tendo alguns flashes de memória surgindo em minha mente.
— Eu estava bêbado.
— Você consegue inventar uma desculpa melhor, Alteza.
— Mas eu realmente estava bêbado... e senti falta dela. — As
palavras deixaram minha boca antes que pudesse raciocinar. Devia ser
o efeito do sono que me vencia a cada segundo.
— Você tem a chance de reconquistá-la ainda, sabia? — Ed
bancava o cupido e minha cabeça o imaginava com asas e uma flecha
de coração.
— Ela não me quer.
— Por isso disse para reconquistá-la. Cadê o Andrew que
convidou centenas de garotas para o baile só para que a garota que ele
gostava pudesse ir?
Ed sabia como deixar alguém nostálgico.
— Ele morreu quando ela negou meu pedido e mentiu par... Ai! —
gritei ao sentir um soco no meu braço abrindo os olhos para encará-lo
com fúria. — Você está louco? Eu posso prendê-lo por agressão.
— Olhe o covarde que você se transformou! Se não consegue
perdoar Hannah por ter ido embora para salvar a merda do seu
reinado, você realmente não a merece. — Ed se levantou ficando a
minha frente, com o dedo em riste na minha cara. — Saiba que a partir
de hoje vou fazer de tudo para ela arrumar um cara que a mereça, na
verdade já tem o Jakícia na fila.
Levantei também porque não ia deixá-lo me intimidar.
— Por que você não para de se meter na vida dos outros?
— Porque a minha amiga merece ser feliz mais que todo mundo,
e fui tolo ao achar que você poderia fazê-la feliz.
— É claro que eu posso, eu dedicaria a minha vida a ela e a
nossa filha, só basta ela aceitar cas... — me interrompi, tomando
consciência do que estava prestes a dizer.
Ed era um especialista para arrancar os sentimentos dos outros.
O desgraçado ainda sorriu quando me calei.
— Hannah voltou a Mirabelle e você se livrou do casamento com
aquela princesinha sem sal, o destino está dando uma segunda chance
a vocês. Não a desperdice sendo um babaca.
Ed se virou e foi se afastando lentamente, como se esperasse
alguma reação minha. Ao perceber que eu não diria mais nada, ele
comentou:
— Pode dormir no sofá, ele é bem confortável. — E sumiu no
corredor, deixando-me atordoado. Imagens invadiram minha mente.
Uma manhã de domingo, uma criança correndo pelo jardim do castelo
enquanto eu corria atrás fingindo que ia pegá-la, uma mulher linda
observando a cena com um sorriso no rosto e uma mão na barriga
enorme deixando claro que outro filho estava a caminho. Ao seu lado
estava o meu pai, bem e saudável, acariciando a cabeça de um
cachorro.
Um futuro perfeito, como sempre sonhei!
Capítulo Trinta

Trinta
Se eu pedir cê volta pro meu coração?
Pelo amor de Deus, não me diga não
Vem que tá na hora, tá aberta a porta pra você entrar
Se Eu Pedir Cê Volta – Jorge e Matheus

Andrew
Passei a noite acordado, mas não pelo fato de ter trocado minha
cama no castelo por um sofá. O motivo principal da minha insônia era
porque estava assustado.
Em poucas horas eu iria resgatar a Hailey e não sabia quase nada
sobre ela, tampouco ela sobre mim. Tinha medo de pegá-la em meus
braços e ela não se sentir segura. O que eu diria a criança? “Oi, eu sou
seu pai. Você está salva agora”?
Esse não era o único motivo para a minha insegurança. Pior do
que Hailey não me ver como seu pai, era ela ficar feliz em me conhecer
e eu precisasse tirá-la do país logo em seguida, nunca mais podendo
vê-la.
Casar com Hannah cada vez mais parecia a ideia certa, isso se
eu ignorasse mais um escândalo na minha família, é claro. Contudo, a
polêmica de arrumar uma noiva em tão pouco tempo seria menor que a
de uma filha bastarda. Eu poderia usar esse argumento quando os
conselheiros viessem me criticar. A parte mais difícil do plano seria
engolir meu orgulho e fazer Hannah aceitar meu pedido dessa vez.
Uma solução bem prática para o problema seria usar a Hailey e
ameaçar ficar com sua guarda.
Entretanto, nós nunca seríamos felizes dessa maneira, e desejo a
felicidade da Hannah mais que tudo. Por isso peguei-me refletindo nos
conselhos do Ed e lembrando do cara romântico que outrora fui. Não
era uma missão impossível voltar a ser aquele Andrew, afinal era
apenas eu mesmo sem nenhuma máscara.
Quando os primeiros raios de sol entraram no apartamento pela
janela de vidro, tinha decidido que iria reconquistá-la. Ainda faltava o
planejamento de como iria acontecer, porém já tinha avançado bastante
ao superar meu orgulho e minhas mágoas.
Sendo bem sincero, houve outro motivo para eu chegar a essa
decisão. Jake tinha ligado no meio da noite para informar que
Samantha estava em um quarto de hotel na mesma cidade em que nos
encontramos e que não houve movimentações suspeitas por lá. O
conteúdo da ligação não foi relevante para minha escolha, mas sim o
fato de que ele vinha fazendo de tudo pela Hannah e, se eu não
tomasse alguma atitude, iria perdê-la para sempre.
Além de Jake, Michael também ligou para contar que encontrou
alguns documentos no computador clonado. Havia dois passaportes
falsos: um em nome de Andrea Smith e outro para sua neta, Grace,
uma criança de dois anos; e passagens de avião para um voo com
destino ao Canadá.
Samantha pretendia fugir com Hailey, então já adiantamos alguns
planos:
1) seria montada uma força armada no momento do encontro para
não deixá-la escapar;
2) ninguém com os nomes verdadeiros e falsos delas poderia
deixar o país;
3) eu precisaria enganar Morris.
Como precisava voltar ao castelo para conversar com o detetive,
logo cedo liguei para Grant vir me buscar. Enquanto o aguardava,
Hannah apareceu na sala usando as mesmas roupas de ontem, mas
com o cabelo completamente desalinhado. Meu coração errou umas
batidas, e me arrependi de não ter ido para o seu quarto durante a noite
e ter o prazer de vê-la acordar.
Ao notar minha presença, Hannah tentou arrumar os fios para
parecerem menos revoltos.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou, com a voz rouca
de sono.
Segurei a resposta irônica que estava na ponta da língua
percebendo que o primeiro passo para a tornar minha futura esposa
seria deixar de lado minha arrogância.
— Estava esperando você acordar para admirá-la. — Forçado
demais, Andrew. Eu podia ouvir a voz do Ed na minha cabeça dizendo
isso.
Graças aos céus, Hannah me ignorou.
— Você está bem? — Ela se aproximou, sentando-se na outra
extremidade do sofá.
Será que chamá-la para sentar em meu colo seria muito
precipitado?
— Não consegui dormir — respondi, contendo meus desejos, e
inclinei meu corpo para o lado, de modo que pudesse encará-la melhor.
— Estou surpresa por ter conseguido, na verdade nem lembro
como adormeci.
— Você dormiu no carro. Tive receio de acordá-la quando
chegamos então a trouxe para cá. Sabia que você não conseguiria
dormir de novo se a acordasse.
— Ah, obrigada. — Ela aparentou estar surpresa e envergonhada,
já que suas bochechas adquiriram um lindo tom vermelho. Ponto para
você, Andrew.
— Fiquei porque tinha alguns assuntos pendentes aqui. —
Hannah encarou-me com interesse, esperando-me prosseguir, e tive
que pensar rápido em um assunto.
— Não sei nada sobre a Hailey, gostaria de conhecê-la melhor.
Qual foi sua primeira palavra, quando deu o primeiro passo, o
brinquedo ou a comida preferida, se ela é alérgica a cachorros… — me
interrompi antes de perguntar qual cor de joias ela gostaria em sua
coroa.
Hannah abriu um sorriso triste.
— Perdoe-me por ter tirado seu direito de estar presente na vida
dela, espero que possamos encontrar um jeito de não precisar criá-la
longe de você.
— Nós acharemos — eu já tinha achado. — Agora me fale sobre
nossa filha.
Seu sorriso transformou-se em algo mais alegre e, conforme
falava, podia sentir seu amor pela criança em cada palavra. Foi a
conversa mais leve que tivemos desde sua volta. Passamos cerca de
meia hora envolvidos em histórias. Ao final, já sabia que Hailey amava
brócolis e bolo de chocolate — equilíbrio é tudo, afinal — , dava nomes
de comida a seus brinquedos, sua primeira palavra foi “mama”, o
primeiro passo foi aos nove meses, não era alérgica a cachorros,
amava filmes de princesas e suas cores preferidas são rosa e azul.
Enquanto conversávamos, Hannah me levou ao quarto que Ed
tinha preparado para a criança. Seus brinquedos ainda estavam
espalhados pela cama e pelo chão, como se ela estivesse ali brincando
quando a levaram.
Fiquei horrorizado ao ver a coitada da princesa pipoca sendo
torturada em uma mesa de chá.
— Acho bom você começar a gostar de chá se quiser participar
das brincadeiras — Hannah comentou, rindo.
— Vou ensiná-la que existem bebidas muito melhores que essa
água suja — resmunguei. — Esse é um dos piores costumes que a
realeza inventou. Onde já se viu tomar chá enquanto conversa com
outras pessoas? É a mesma bebida que se dá a alguém que está
doente, não faz sentido que as pessoas tomem por vontade própria.
Hannah gargalhou, e o som irrompendo na manhã silenciosa me
fez sorrir também. Eu tentava conquistá-la, mas era ela quem estava
fazendo isso comigo, sem o menor esforço. Meu coração traíra estava
quase se oferecendo em uma bandeja a ela.
— Senti saudades das suas piadas.
— Não foi uma piada, Hannah. Quando for rei, vou acabar com a
comercialização dessas folhas e deixar só para fins medicinais.
— E se sua rainha for apaixonada por chá? — indagou, em tom
de brincadeira, e eu não resisti a chance de provocá-la.
— Bem, ela terá que me oferecer algo em troca para eu mudar de
opinião.
Meus olhos encontraram os seus e eu tenho certeza que minha
expressão não era a de alguém que falava de chá. O clima divertido
que estávamos deu lugar a uma tensão muito maior, principalmente
quando ela entrou no meu joguinho, perguntando:
— Tipo o quê?
— Não serei um rei tão exigente, poderia contentar-me facilmente
com alguns beijos…
Minhas pernas se moveram, diminuindo a distância que havia
entre nós. Tinha um sorriso de lado fixado em meus lábios enquanto
observava-a morder suavemente o lábio inferior.
— Só isso? Escolha bem sua rainha para ela não lhe manipular e
destruir seu reinado.
— Não me preocupo com isso. A pessoa que tenho em mente
cuidaria do meu país bem melhor que eu.
Um brilho malicioso surgiu em seu olhar.
— Vai reatar com a Sophia?
— Pretendo reatar com uma ex, mas não é ela. — Quando
terminei a frase, a distância entre meu corpo e o dela era quase
inexistente. Percebi que ela prendeu o ar quando toquei seu rosto.
— Andrew, eu não…
— Shhh… — toquei seus lábios para silenciá-la. — Três anos já
foi tempo demais sem beijá-la.
Nossos narizes se encostaram e eu estava prestes a tomar seus
lábios, quando suas mãos tocaram meu peito me empurrando
levemente.
— Eu ia dizer que ainda não escovei os dentes, seu nojento!
— Depois você me compensa com outro beijo. — Não esperei sua
resposta, colando meus lábios nos seus.
Hannah demorou cerca de dois segundos para corresponder ao
beijo. Quando se rendeu ao desejo, uma das suas mãos foi parar em
meu cabelo enquanto a outra permaneceu no meu peitoral,
arranhando-me por cima da camisa de malha. Também foi ela quem
tomou a iniciativa de deixar sua língua invadir a minha boca. Segurei-
me para não pegá-la em meus braços e a jogar naquela cama de
criança. Tive que me contentar em agarrar forte a sua cintura
eliminando qualquer distância entre nós para que ela pudesse sentir a
rigidez do meu corpo.
Beijá-la era como uma amostra do paraíso e do inferno ao mesmo
tempo, sendo cativado por um afeto puro e inebriado por um desejo
ardente.
Minhas mãos passeavam por seu corpo, apertando seus seios e
descendo até sua bunda. Entrelacei meus dedos levemente em seu
cabelo para inclinar seu pescoço para beijar sua pele ali. Hannah
cravou as unhas em minhas costas arfando de desejo, enviando uma
corrente de excitação a um ponto muito específico do meu corpo.
— Como eu sobrevivi três anos sem você? — As palavras foram
sussurradas no seu ouvido e vi sua pele se arrepiar.
— Estou me perguntando a mesma coisa. — Diabos! Sua frase
levou embora o restante de autocontrole que havia em mim. Voltei a
beijá-la, erguendo seu corpo. Ela cruzou suas pernas em minha cintura,
tendo o atrevimento de se esfregar em meu membro.
— Espero que essa cama suporte nós dois.
— Andrew, não… — ela interrompeu o beijo.
— Vamos para o seu quarto então. — Caminhei na direção da
porta, com ela ainda agarrada em mim.
— Não, nós não podemos fazer isso. — Coloquei-a no chão ao
ouvir a rejeição.
Não seja covarde, Andrew. Estava sendo estranho ouvir a voz do
Ed em minha mente, porém ouvi seu conselho.
— Andrew, não vamos confundir as coisas. — Sua voz estava
baixa, quase sussurrada.
— Eu a desejo e você me deseja, o que há de errado? — Minha
mão saiu do seu corpo, pois a conversa começou a ficar mais séria.
— Como você pergunta isso? Dois dias atrás você me odiava…
— Dois dias atrás eu estava noivo. As coisas mudaram
rapidamente, Hannah — disse, interrompendo-a.
— E tem a Hailey, precisamos decidir o futuro dela…
— Estou fazendo isso neste momento — cortei-a de novo.
— Querendo transar comigo?
— Te seduzindo para você reconsiderar a ideia de casar comigo.
Eu teria a chocado menos se dissesse que era um ET vindo do
futuro. Hannah tinha os olhos arregalados e a boca formando um
perfeito “o”.
— Se você analisar bem, vai ver que é a melhor alternativa para
salvar a Hailey e Mirabelle de um escândalo.
— Você casaria comigo depois de tudo que lhe fiz? Ir embora sem
te contar o motivo, esconder nossa filha…
— Considerando seus erros, você será uma péssima esposa, mas
dará uma ótima rainha.
— E você acha que eu aceitaria me casar com você depois de ter
me acusado de ser golpista, interesseira e de dizer que eu sou um lixo?
— Mulher rancorosa.
— Bem, terei uma vida para fazê-la me perdoar. — Abri um
sorriso meio constrangido ao lembrar de como a vinha tratando desde
que ela voltou. É claro que tive meus motivos, porém até meu pouco
conhecimento sobre mulheres me dizia que até 2050 ela ainda
remoeria aquele assunto.
— Hannah, não estou pedindo-a em casamento agora, mas o
farei em breve. Então tudo o que peço no momento é que me prometa
não sair de Mirabelle depois de resgatarmos a Hailey.
— Eu não farei isso.
— Você faria de tudo para salvá-la, e ir embora vai parecer a
melhor solução quando as coisas aqui ficarem difíceis. E vão ficar muito
difíceis, eu garanto. — Toquei seu queixo, erguendo seu rosto para ela
me encarar mostrando que eu falava de peito aberto, sem nenhum
julgamento. — Reflita no que você fez: pode ter resolvido o problema
naquele momento, mas o tornou uma bola de neve e está mil vezes
maior agora.
— Eu fiz exatamente o que minha tia queria — confessou.
Eu deveria estar comemorando por ela finalmente admitir que
esteve errada o tempo todo, contudo não foi isso que senti vendo seus
olhos marejados.
— Nós dois erramos, eu deveria ter lhe confrontado quando fui
atrás de você em Lon...
— Você foi atrás de mim? — questionou, quase gritando.
— Não exatamente, fui a Londres e… — me calei, pensando se
deveria contar a fase humilhante que passei depois que ela se foi. Não
seja um covarde, Andrew. A voz do Ed apareceu de novo.
— Para ser sincero, fui. Tinham se passado dois meses da sua
ida. Nesse tempo não fiz nada além de me trancar no quarto e beber
sem parar, então meu pai contou onde você estava e fui procurá-la.
— O que aconteceu?
— Sair de Mirabelle sempre foi seu sonho e você estava tão feliz
quando a vi, não quis estragar tudo…
— Você entendeu a pergunta errada, o que aconteceu para rei
Dominic mandar você me procurar?
— Provavelmente ele não queria um príncipe alcóolatra como
herdeiro.
— Seu pai sabia da ameaça do Rei Eros e não me impediu
quando eu fui embora, pois sabia que era o melhor a se fazer. Mas se
ele mandou você ir atrás de mim…
— Foi porque tinha encontrado outra solução! — dissemos em
uníssono.
— Meu pai devia ter um plano para a retomada da economia.
Assim que eu tiver um tempo, vou procurar nos seus arquivos e
conversar com o secretário dele, talvez nos ajude agora. Você é um
gênio, Hannah! — Beijei sua testa, ela sorriu.
— Eu sei, já fui até professora de um príncipe.
— Não sabia que você era tão convencida, Srta. Price.
Hannah não pôde sair com a última resposta, pois a campainha
tocou, atrapalhando o momento.
— Grant veio me buscar, preciso encontrar Morris antes de ir. —
Dei um último selinho em seus lábios antes de voltar para o castelo
com o guarda.
Em menos de uma hora eu estava em frente a Morris. Precisei ser
frio o suficiente para não o acusar de estar envolvido no sequestro da
Hailey e no acidente do rei. Ele me entregou o documento para
inocentar Samantha, o qual não assinei naquele momento. Também me
apresentou um internato no Canadá e, para completar, trouxe uma
identidade falsa para Hailey. O nome na identidade era Grace Smith, o
mesmo encontrado no computador de Samantha. Desgraçado!
Continuei seguindo o plano, apesar do ódio que sentia pela sua
traição. Deixei-o responsável por levar uma equipe de guardas ao local
caso algo não saísse como planejado, para fazê-lo crer que não
desconfiava de nada. Ainda enfatizei o ódio por Hannah e que ela seria
exilada muito em breve.
Enquanto isso, Grant também montava outra equipe para ir até o
local, essa pronta para prender Morris e Samantha.

Às 10 horas em ponto eu estava no restaurante da noite anterior,


aguardando a tia da Hannah. Tinha voltado a usar o ponto eletrônico
para me comunicar com o restante dos envolvidos. Jake avisou que ela
tinha deixado o hotel dez minutos atrás sozinha, e ele então invadiu o
local.
— Ela não está com a Hailey e o quarto está vazio, tem algo
errado — comentou meu antigo amigo quando a mulher entrou no
recinto.
Não tive tempo para responder pois ela sentou à minha frente.
— Não estou vendo a criança. — Minha voz soou ríspida.
— Vamos com calma, Alteza. Tenho mais uma condição para o
nosso acordo: quero ver o rei.
Controlei-me para não demonstrar surpresa ou qualquer outra
reação.
— Não estou interessado em outra condição. O seu tempo está
passando, Samantha. Entregue-me a garota ou você será presa agora
mesmo.
— Eu a entregarei no hospital, após ver o rei — disse, com
arrogância.
Levantei-me, transparecendo a maior calma possível.
— Creio que nosso acordo chega ao fim então. — Pegando o
documento de inocência na mão, fingi que ia rasgá-lo e sua mão
segurou meu braço, detendo-me.
— Se você fizer isso, vou contar a todos a verdade sobre a sua
linhagem — ameaçou.
— Já lhe disse que inventarei uma história sobre a garota. Em
quem você acha que vão acreditar: em uma louca envolvida no
acidente do rei ou em mim?
Eu tinha que admitir, Hannah ter ido embora tornou-me mais rude
e isso podia ser bom em alguns momentos, especialmente como
aquele.
No entanto, quando ela me entregou um papel e li o conteúdo,
toda a firmeza sumiu do meu corpo quase me fazendo cair de volta na
cadeira. Tinha certeza que todo o sangue sumiu do meu rosto e eu
devia estar mais branco que um fantasma.
Era um exame de DNA e dizia que ela era...
— Estava me referindo a você, filho.
Capítulo Trinta e um

Trinta e um
Houve um tempo em que eu olhava nos olhos do meu pai
Em um lar feliz, eu era um rei, eu tinha um trono dourado
Aqueles dias se foram, agora as memórias estão na parede
Don't You Worry Child - Swedish House Mafia

Andrew
— Você acha que eu vou acreditar nisso? — questionei, tentando
recompor-me do abalo que senti. A mulher devia ter tomado um chá
muito estragado naquela manhã para insinuar tal atrocidade.
— Eu o chamaria de burro se acreditasse vendo apenas um teste.
Sente-se, eu tenho uma história para contar. — A obedeci, porque meu
cérebro tinha sido danificado com a revelação e não raciocinava tão
bem. Antes de sentar, mexi na orelha retirando o ponto eletrônico.
— Minha mãe era uma das criadas principais da rainha Antonella,
sua avó — iniciou. — Desde cedo, frequentava o castelo com ela, para
ajudá-la em algumas tarefas simples, e um dia conheci o príncipe
Dominic, na época tínhamos uns dez anos.
Seus olhos estavam marejados enquanto falava, transparecendo
as emoções que sentia. Eu, por outro lado, tentava imaginar meu pai,
mais jovem, se envolvendo com ela e a imagem parecia ser impossível.
Na minha cabeça sempre existiu apenas minha mãe.
Apesar disso, as cartas que Hannah encontrou confirmavam a
ligação entre eles.
— Cerca de dois anos depois, começamos a namorar escondido,
mas com pouco tempo ele precisou ir para um colégio interno em
Londres. Dom prometeu que me tornaria sua rainha quando retornasse
e eu prometi esperá-lo, sonhando com um conto de fadas. Eu era tão
tola e apaixonada — resmungou mais para si mesma. — O príncipe só
voltou depois de cinco anos, quando o pai estava doente. Ele precisava
se inteirar do reino caso precisasse assumir. Não demorou muito para
retomarmos nosso namoro e ele refazer as mil e uma promessas de
que nos casaríamos.
Samantha empurrou alguns papéis velhos sobre a mesa.
Espantado, logo tratei de ler as cartas em busca de alguma mentira,
contudo a letra era indiscutivelmente a do meu pai.
Querida Sam,
Eu estou de partida, mas meu coração ficará aqui, em suas mãos.
Prometo não demorar, tampouco esquecer de você. Em breve
estarei de volta, e peço que espere por mim, pois eu estarei esperando
por você.
Com amor, Dom.
A carta seguinte era de cinco anos depois, conforme ela contou.
Querida Sam,
Papai está cada vez mais doente e precisará passar alguns dias
no hospital. Teremos mais tempo juntos esta semana e não vejo a hora
de beijá-la. Encontre-me às 20h, no mesmo lugar de sempre.
Com amor, Dom.
Peguei outra carta, datada de dois dias após a primeira.
Querida Sam,
Tivemos uma noite esplêndida! Quero senti-la mais e mais,
podemos nos ver hoje?
Com amor e muito desejo, Dom.
Precisei ler mais uma para realmente acreditar que aquilo tinha
sido real.
Querida Sam,
John informou-me que os funcionários do castelo estão
comentando sobre nós e temo que o rei descubra. Não poderei vê-la
esta semana.
O terceiro bilhete pareceu mais frio e sem emoção, sequer havia
assinatura. Em nada se assimilava com o jovem apaixonado dos
outros. Fiz as contas rapidamente, naquela época meu pai deveria ter
uns 20 anos, como ele se casou aos 21, dava para concluir que
Samantha foi trocada por minha mãe.
Ora, um chifre não justificava todos os seus atos.
— Depois disso, quase não nos víamos — prosseguiu. — Um
belo dia descobri que estava grávida. Estava desesperada porque
sabia que não podia ter um filho bastardo do príncipe e esperançosa ao
mesmo tempo, achando que Dom enfrentaria o pai de uma vez por
todas e poderíamos nos casar — ela se interrompeu secando a única
lágrima que desceu por seu rosto.
Certa vez, meu pai comentou que o meu avô não era tão
compreensivo. Não imaginava ele com tanto medo do próprio pai.
Talvez tenha sido por isso que ele nunca me impediu de escolher a
minha esposa.
— Pedi a minha melhor amiga, Cristal, para entregar uma carta a
Dom. No entanto, quem recebeu a carta foi o rei. Ele me procurou na
mesma tarde, quando eu estava sozinha no quarto de descanso da
minha mãe. Chamou-me de prostituta, me acusando de estar dando o
golpe da barriga no príncipe. Naquele dia, ele me violentou.
Não consegui disfarçar o espanto.
— Suas palavras nunca deixaram de me atormentar: "Por que ser
a puta de um príncipe quando pode ser a de um rei?". — A expressão
de horror e dor em sua face era o suficiente para acreditar no relato.
Mais lágrimas desceram por suas bochechas. Estendi o
guardanapo que estava na mesa, ela aceitou usando-o para secar o
rosto. Alguns minutos depois, se recompôs voltando a falar:
— Depois do estupro, vivi um verdadeiro inferno nos meses
seguintes. Tentaram realizar um aborto contra a minha vontade e eu
consegui fugir na hora. Depois tive que lutar para sobreviver e me
esconder do rei. Acabei me relacionando com pessoas erradas. Não
me orgulho das coisas que fiz nessa época, mas foi o necessário para
manter a mim e o bebê vivos.
Eu começava a sentir um pouco de empatia por ela. Um nó se
formou em minha garganta ao imaginar todo aquele tormento.
A imagem de Hannah passando por algo semelhante surgiu em
minha mente e senti uma enorme gratidão por Jake não tê-la deixado
sozinha durante todo esse tempo.
— Graças aos céus, em menos de três meses o desgraçado
morreu e pude voltar. Sabe o que eu encontrei quando voltei? — Não
respondi, mesmo tendo certeza da resposta. Ela deu continuidade. —
Minha querida melhor amiga e meu namorado juntos.
— Você contou a meu pai?
— Sim, narrei tudo o que aquele cretino fez comigo. Ele até
acreditou no sofrimento que passei, mas não quis assumir a criança. O
novo rei de Mirabelle já estava enfeitiçado pela sua bela Cristal,
desonrando todas as promessas que um dia me fez.
— Mas ele não deixaria nada acontecer a criança — o defendi.
— Oh, não, Dom não era tão cruel e me deixou ficar em Mirabelle
para ter a criança por perto. Garantiu que ela cresceria no castelo e eu
receberia ajuda para criá-la. Em troca, eu precisava contar a todos que
fui embora com outro homem e ele me abandonou grávida. Minha
família achou que eu era amante do antigo rei e não me apoiaram.
Aceitei tudo de bom grado, pois na época não passava de uma jovem
tola e apaixonada, que acreditava ser possível reconquistá-lo quando
nosso filho nascesse. Até mesmo quando ele se casou, tinha
esperança que ele voltaria, nem que fosse para sermos amantes.
A mulher parecia tão vulnerável enquanto falava! Eu estava cada
vez mais envolvido com a sua história.
Meu pai tinha devoção absurda por sua esposa, e mesmo depois
de anos da morte dela, nunca soube do seu envolvimento com outra
mulher. Era difícil aceitar, mas havia uma grande possibilidade de ele
ter escolhido ficar com ela ao invés da mãe de seu filho.
Um calafrio percorreu meu corpo ao me imaginar crescer como
um bastardo do rei, vivendo à margem da família real.
— Então, Cristal engravidou e mais uma vez estragou tudo. Dom
sequer foi ver o bebê quando ele nasceu, pois estava muito ocupado
com sua esposa grávida e sua vida feliz no castelo, também não o viu
quando completou o primeiro mês, o segundo, terceiro... Até que veio o
acidente da rainha e eis a novidade que a família real sempre tentou
esconder: o jovem príncipe também estava naquele carro.
— Impossível, não houve sobreviventes.
— Exatamente! A rainha e o príncipe herdeiro de Mirabelle
estavam mortos, mas não foi essa a história que a realeza contou. —
Compreendi o que ela insinuava.
— Pegaram o seu filho?
Ela assentiu me estendendo mais um documento. A certidão de
nascimento de Gregory Price, nascido em 13 de fevereiro de
1999. Price. Diabos, se ela estivesse dizendo a verdade, Hannah e eu
éramos primos!
— Como o bebê era oito meses mais velho que o da rainha,
decidiram escondê-lo até os dezoito anos, quando ninguém notaria a
diferença de idade.
Meu Deus, toda a minha vida podia ter sido uma grande mentira!
— No início eu o entreguei voluntariamente, você já deve imaginar
o porquê. Quando percebi que Dom não voltaria para mim, quis contar
a verdade, mas ameaçaram matar a criança e eu não deixaria meu filho
morrer depois de tudo que passamos. Pode achar que não, mas como
mãe quero sempre o melhor para os meus filhos. Principalmente, você.
— O melhor para mim? Você se envolveu com Eros para destruir
toda a minha vida e deseja o melhor para mim? — ironizei.
— Eros queria matar a Hailey horas antes do casamento —
revelou, esquivando-se da minha pergunta. — Eu entreguei as provas
contra ele, mesmo que me acusassem também, para salvar minha
neta. Jamais deixaria algo acontecer com a criança.
Ela tinha sentimentos?
— Se minha vida está ameaçada e você se importa comigo, por
que está ameaçando revelar isso agora?
— Dom está à beira da morte e certamente não terá outro filho.
Acabou a manipulação. Eles não podem matar você, pois assim o trono
ficaria sem herdeiro legítimo. Agora cabe a você decidir se o povo
saberá dessa história ou não.
Sua história até que tinha sentido, mas me recusava acreditar que
meu pai tivesse roubado a criança da mãe e, pior, que eu desejava
minha prima. O bispo odiaria ter que nos casar.
Analisei mais uma vez a certidão de nascimento memorizando o
nome do hospital, onde supostamente nasci. Assim que pudesse,
mandaria Michael investigar a veracidade daquilo.
— Alteza, não estou pedindo para você me aceitar como mãe e
recuperarmos o tempo perdido. — Ela fez uma careta de nojo, e eu a
imitei. — Tudo que peço é uma última chance de ver Dom antes de ir
embora. — Sua voz não tinha o tom sarcástico de costume. Ou a
mulher atuava muito bem ou realmente o passado a deixava vulnerável.
Samantha era a suspeita de ter causado o acidente do rei, além
de ter revelado ser culpada pela morte do próprio irmão, nem um louco
a deixaria chegar perto dele.
Entretanto, sua história comovente e suas evidências, mesmo que
falsas, seriam o suficiente para causar mais um escândalo na família
real.
O rei em coma, entre a vida e a morte.
O casamento do príncipe cancelado.
Uma aliança entre países desfeita.
Uma filha bastarda do príncipe.
E o príncipe acusado de ser um bastardo também.
Seria o suficiente para o povo exigir o fim da monarquia em
Mirabelle. Não tinha outra escolha a não ser aceitar seus termos.
— Você me entrega a criança primeiro e a deixo ver meu pai. É
minha última oferta. — Ela abriu a boca para tentar rebater e
acrescentei: — Caso contrário você será presa agora e pouco me
importa o que fará com essas informações. Já estou cansado desse
trono e das mentiras que o cercam. Perdê-lo será um favor que você
estará fazendo a mim.
— Não acredito em suas palavras. Você gosta do poder como
qualquer homem da sua família, posso ver isso em suas falas. — A
maldita era boa em ler as pessoas. — Tenho diversas pessoas de
confiança com estes documentos. Se não cumprir qualquer parte que
seja do nosso acordo, não serei a única a perder algo.
— Você tem a minha palavra — assegurei. — Em uma hora esteja
no hospital com a criança.
Uma hora seria tempo o suficiente para Michael confirmar o
nascimento do bebê. Infelizmente um teste de DNA levaria mais tempo
que isso, e precisávamos salvar a Hailey antes que ela aparecesse
com outra história descabida e mais uma ameaça.
De toda forma, eu daria um jeito de conseguir uma amostra do
DNA dela para realizar o teste em breve. Enquanto meu pai não
acordasse para confirmar a história, eu teria que buscar outras
maneiras de descobrir a verdade. Se Samantha fosse mesmo a minha
mãe, eu já tinha garantido minha passagem para o inferno por ter uma
filha com a minha prima.
A caminho do hospital, conversei com Michael. Ele confirmou o
nascimento de Gregory Price naquele dia, mas informou que seria
muito fácil para Morris plantar uma certidão falsa e não devíamos
confiar apenas nisso para garantir que Samantha podia ser minha mãe.
Também levantamos uma discussão sobre como conseguir um
teste de DNA e o melhor plano foi o do Ed: Hannah arrumar uma briga
com a tia, quando ela estivesse saindo do hospital, e arrancar alguns
fios de cabelo dela, para que pudéssemos fazer o teste sem ela saber.
— Vou adorar ver Hannah dando uns tapas na cara daquela
megera! — comentou Ed, em seu tom animado.
Chegando no hospital, avisei aos guardas em frente a porta do
meu pai que receberíamos uma visita e eles precisavam chamar uma
policial para revistar Samantha. Enquanto isso, alguns guardas a
seguiam. Ela não fez nenhum desvio no seu percurso até o novo local
de encontro.
Aproveitando que estava sozinho com meu pai, segurei sua mão.
Comecei a conversar com ele, na esperança de obter alguma resposta
sobre o seu passado.
— O senhor nunca me falou muito sobre a mamãe, então não sei
bem no que acreditar. Caso Samantha esteja falando a verdade,
gostaria de compreender seus motivos para tomar um filho da própria
mãe. Sei que não foi apenas para ter um príncipe herdeiro, já que era
jovem e poderia se casar de novo. Talvez você nunca tenha se casado
para garantir que não houvesse um herdeiro legítimo... faria sentido.
Ele não reagiu em nenhum momento enquanto eu falava.
— Este seria um bom momento para acordar e resolver essa
história maluca, e ainda conheceria sua neta. — Abri um sorriso,
lembrando da cena que imaginei na noite passada. — Eu também não
a conheço direito, mas ela parece ser uma criança incrível e trará um
pouco de alegria para o castelo, se ainda restar monarquia quando tudo
isso acabar.
Seus dedos apertaram levemente a minha mão. O gesto foi tão
suave como da outra vez, passando a certeza que ele ainda estava ali,
lutando pela vida.
No mesmo instante, ouvi um barulho do outro lado da porta.
Presumi que a convidada tinha chegado.
— Permiti que Samantha viesse visitá-lo, estarei aqui do seu lado
para garantir que ela não o perturbe. — Beijei sua mão saindo do
quarto para ver se ela tinha cumprido sua parte do acordo e estava com
a Hailey.
Não sei como ainda me surpreendi ao vê-la sozinha.
— Ela já foi revistada, Alteza — comunicou a segurança. Com um
gesto de mão, dispensei todos para que nos dessem privacidade.
— Minha filha, Charlotte, está a caminho daqui com a criança —
Samantha informou antes que eu perguntasse.
— Não foi esse o acordo.
— Precisava garantir que teria tempo o suficiente para conversar
com o rei, a criança será entregue quando eu decidir que a conversa
acabou. — A megera, como dizia Ed, era uma ótima manipuladora. —
Ordene aos guardas para liberarem a entrada de Charlotte quando ela
chegar.
— O hospital está cercado de guardas, você só conseguirá sair
daqui quando me entregá-la.
— Você tem a minha palavra, filho.
— Não me chame assim — resmunguei entre dentes. — Você não
tocará no meu pai, mantendo no mínimo um metro de distância dele,
entendeu?
— Sim, sim. Como prova da minha lealdade ao nosso rei, trouxe
algumas provas contra o rei Eros e seu plano de dominar Mirabelle.
Está na minha bolsa que a segurança confiscou. — Ela apontou para a
mulher e pedi que pegasse a pasta lá dentro.
Folheei o documento, que continha diversos prints de conversas
entre ela e rei Eros. Falavam sobre o início do sequestro, se o plano de
manter Hannah calada estava dando certo e as últimas mensagens
eram ele ameaçando matar a criança. Desgraçados!
— Posso ver o Dom agora? — questionou Samantha.
— Eu entrarei com você. — Abri a porta do quarto a deixando
adentrar.
Notei uma leve fraquejada na postura de Samantha quando viu o
corpo imóvel do meu pai sobre a cama. A mulher era uma das
responsáveis por ele estar ali, não acreditaria em sua falsa tristeza.
Em alerta, posicionei-me entre Samantha e o leito garantido que
ela não se aproximasse dele.
— Eu não podia ir embora de Mirabelle desta vez sem lhe dizer
adeus. Espero que esteja consciente para ouvir tudo o que tenho para
falar, Dom — disse com a voz embargada. — Nunca esqueci as
promessas que me fez décadas atrás e também nunca compreendi
como você foi capaz de quebrá-las com tanta facilidade. Vivi todos
esses anos carregando a dor de ser abandonada no momento em que
eu mais precisei de alguém ao meu lado. E desde então passei a odiar
você, Cristal e todos os que me viraram as costas. Odiei vocês com
tanta força que cheguei a acreditar que esse sentimento nunca
passaria.
Samantha calou-se por um instante e só se ouvia o bip do monitor
cardíaco.
— Surpreendentemente, não sinto mais nada por você. Nem um
amor doentio, tampouco ódio. Percebi que tenho a chance de
recomeçar minha vida e deixar para trás todas as mágoas que
carregava. Você não teve culpa pelo o que seu pai fez comigo ou por
ter se apaixonado pela Cristal. Eu estava cega pela rejeição e só
recentemente consegui enxergar esse fato. Por isso vim aqui dizer que
lhe perdoo por tudo.
De todas as coisas que pensei que ela teria a dizer, um perdão
não passou pela minha mente.
O monitor indicava uma alteração na frequência cardíaca do meu
pai. Não era o suficiente para causar preocupação, mas dava para
deduzir que ele reagiu de alguma forma a fala dela.
Neste momento, alguém bateu na porta do quarto. O guarda
avisou a chegada de outra visitante trazendo uma criança. Hailey. Se
meus batimentos estivessem sendo monitorados, estaria indicando uns
250 por minuto, no mínimo.
Em poucos segundos, uma jovem loira que me despertava uma
vaga lembrança entrou no aposento. Era a própria cópia da mãe, até na
postura de quem se acha superior aos outros. Baixei o olhar para ver
uma criança pequenininha, cabelos castanhos escuros, como os da
Hannah, e olhos verdes segurando sua mão.
Ainda bem que estávamos no hospital, se eu tivesse algum
ataque cardíaco seria atendido rápido.
Engoli em seco diversas vezes, buscando alguma coisa para falar.
Tinha passado a noite ensaiando diversas frases, mas nenhuma
parecia se encaixar com o momento. Felizmente, Samantha quebrou o
silêncio por mim.
— Aqui está a criança como prometido, agora cumpra sua parte
do acordo, Alteza.
A filha dela soltou a mão da criança e me aproximei devagar,
emocionado demais até para conseguir respirar. Ao chegar mais perto
dela, reparei em algumas diferenças desde o nosso último encontro.
Hailey parecia mais magra e suas bochechas não estavam tão
rechonchudas como eu lembrava das fotos que Hannah me mostrou.
Ela não deveria ter se alimentado bem durante o sequestro.
— Você está segura agora, minha princesa. — Segurei sua
mãozinha e a beijei, sentindo lágrimas brotarem em meus olhos.
— E você está livre, Samantha. — Tirei o documento, já assinado,
do bolso e o entreguei a ela. Só desejava que ela fosse viver do outro
lado do mundo e nunca mais fizesse nenhum mal as pessoas que amo.
— Em outra vida, esta seria a nossa família, Dom. Eu, você,
nossos filhos, os netos e talvez alguns animais de estimação.
Poderíamos ter sido felizes se Cristal não tivesse roubado a vida que
era minha. Nada mais justo do que eu ter roubado a dela também, não
é?
Minha cabeça girou para encará-la. Samantha tinha acabado de
confessar ter matado a minha mãe? Ou Cristal, sei lá como deveria
chamá-la.
O choque de ver a Hailey não foi quase nada comparado àquilo.
Infelizmente, não fui o único a não reagir bem a sua revelação. Os
batimentos cardíacos do meu pai se alteraram e o som do bip ficou
muito mais alto, alertando que aquilo era um grande problema.
Gritei desesperado, chamando um médico. Se meu pai piorasse,
a culpa teria sido toda minha ao deixar aquela mulher conversar com
ele. Eu sabia que ele não podia sofrer fortes emoções e o coitado
descobrir que seu grande amor foi assassinado era a pior emoção que
alguém poderia sentir.
Ainda segurando a mão da Hailey, para garantir que não a
levassem de novo, fui até a porta ordenando que um médico viesse
logo.
Os segundos que se passaram foram como um borrão, pois
diversas coisas aconteceram ao mesmo tempo e não consegui
acompanhar tudo. Vi uma equipe de médicos e enfermeiros entrando
correndo no quarto. Os guardas falaram alguma coisa comigo, no
entanto pareciam estar falando um idioma desconhecido, pois as
palavras não faziam nenhum sentido.
Minha mente estava zonza, os olhos não focavam em um ponto, e
eu só estava consciente de duas coisas:
1) meu pai estava morrendo;
2) eu não podia soltar a mão de Hailey por nada.
Senti meu corpo sendo arrastado e fechei minha mão com mais
força, sobretudo quando pediram para eu soltá-la. Eu não a perderia.
— Alteza, solte a criança. — A voz era um tanto familiar, porém
não confiaria em ninguém.
— Você não vai tirá-la de mim. Guardas, prendam esse traidor!
— Alteza, o senhor está machucando a menina. Solte-a ou vou
precisar machucá-lo.
— Vai tentar me matar, como fizeram com meus pais?
Percebi que não tinha sido uma boa pergunta, quando ele apertou
meu braço tão forte que minha mão começou a se afrouxar. Eu não
podia soltá-la.
Com a mão livre consegui acertar um soco no borrão com
manchas pretas que deveria ser seu rosto. Isso fez ele me soltar.
— O que deu no senhor? Estou tentando lhe ajudar! A menina
está chorando, não está ouvindo?
Tentei me concentrar no som do choro infantil e meu aperto
relaxou um pouco. Meu Deus, eu a tinha machucado. Em menos de
dez minutos com ela já estava sendo um péssimo pai.
Esfreguei meus olhos, tentando ajustar o foco da minha visão, e
consegui enxergar os olhos esverdeados banhados em lágrimas.
— Desculpe-me, estou tentando salvá-la. — Ela continuou
chorando.
— Alteza, estão seguros aqui comigo. Pode soltá-la. —
Finalmente reconheci a voz de Grant e meu corpo saiu do estado de
alerta.
— Minha cabeça está zonza. — Larguei a Hailey segurando a
cabeça, para ver se meu cérebro voltava ao lugar. — Cadê meu pai?
Olhei ao redor, estávamos em um quarto desocupado. Ele deveria
ter me arrastado no meio do tumulto.
— Pelo que entendi, ele sofreu uma taquicardia, os médicos estão
tentando acalmar os batimentos.
— Aquela desgraçada revelou ter causado a morte de minha mãe
e o deixou assim. Onde ela está?
— Tem uma criança aqui, por favor, fale direito — Grant me
recriminou, deixando-me surpreso. Ele devia ser pai provavelmente, um
ótimo pai. — Samantha é um grande problema. Devido a confusão de
médicos entrando no quarto, ninguém a viu sair. Nem mesmo Michael
que está monitorando as câmeras a viu deixar o aposento.
— A mal... — Me interrompi antes de xingá-la. — A mulher
planejou tudo, eu não podia tê-la deixado me manipular com aquela
história de ser trocada. Péssima ideia trazê-la até aqui.
— Vamos dar continuidade ao plano de prendê-la? — mudou de
assunto, sem julgar minha atitude.
— Me dê um momento, preciso pensar. — Fechei os olhos, em
busca de alguma resposta. Se eu fosse tomar uma decisão pela
emoção do momento, mandaria prendê-la, contudo eu precisava
pensar nas consequências.
Ela tinha evidências de um relacionamento amoroso com meu pai
e um teste de DNA, sendo falso ou não. Levaria dias até eu conseguir
um teste novo e esse tempo seria o suficiente para causar um
escândalo no país.
Mesmo se fosse comprovada a mentira, ela ainda detinha
informações sobre a Hailey.
O pensamento de que nada disso estaria acontecendo se não
houvesse relações sexuais antes do casamento surgiu em minha
mente ainda confusa.
Olhei para a criança ao meu lado e ao pensar nela com seus
namoradinhos no futuro, seria uma ótima ideia proibir o sexo até o
matrimônio. Uma decisão para depois.
Mas tendo a beleza da mãe e com o título de princesa herdeira,
os homens do país entrariam em guerra por ela. Santo Deus!
Como se fosse atraída por meus pensamentos, a mãe em
questão apareceu no quarto. Linda como sempre e um pouco
exasperada.
— Tia Satan não passou pela recepção, algo deu errado? Onde
está a Hailey? — Ela falou tão rápido que precisei de um certo esforço
para entender.
— O quadro do meu pai piorou, ela fugiu em meio à confusão de
médicos e enfermeiros, mas nossa filha está salva.
Apontei para a menininha, que tinha parado de chorar e estava
em silêncio. Os olhos de Hannah se arregalaram demostrando que
havia algo de errado, porém não estava preparado para ouvi-la dizer:
— Está não é a Hailey.
Capitulo Trinta e dois

Trinta e dois
É um conto de fadas que não consigo explicar
Cheio de palavras que não sei dizer
E sem uma pequena virada do destino
Eu sei que ainda estaria procurando, amor
Always Been You – Shawn Mendes
Hannah
— Como não? — Andrew questionou, olhando assombrado para a
criança.
— Sua lerdeza agora foi longe demais. Como você não a
reconheceu, seu imbecil? — gritei, a aflição me dominando de novo.
— Talvez pelo fato de você a ter escondido de mim todos esses
anos — rebateu.
— Vão começar outra vez — ouvi Grant resmungar.
— Não tente pôr a culpa em mim, Andrew! As fotos que lhe
mostrei eram suficientes para você reconhecê-la. Você a pegou no colo
no café, oras.
— Peço perdão pelo meu engano, mas olhe para a garota! — Meu
olhar se voltou na direção que ele apontava. — Ela se parece com a
Hailey, acreditei que sua tia não estava alimentando-a bem, como fez
com você, e por isso ela estava mais magra.
Encarei a criança, que parecia assustada. Realmente algumas
características eram semelhantes como a altura, o cabelo e a cor dos
olhos. Contudo, suas bochechas não eram tão gordinhas como as da
Hailey, o nariz era mais fino e eu não precisava vê-la sorrir para saber
que seria diferente também. Além do mais, se fosse Hailey ela estaria
tagarelando coisas incompreensíveis e não em silêncio como a
menininha estava.
Infelizmente, eram detalhes que Andrew não conhecia. O
pensamento me fez baixar a guarda.
— Esqueci que você não a conhece tão bem quanto eu, me
desculpe. — Meu pedido pareceu tirar um peso das suas costas, devia
estar sendo difícil para ele também. — Nós temos outro plano, não é?
Não posso aceitar que nunca mais verei minha filha!

— Se me permitir, Alteza, pedirei aos guardas das entradas para


checar cada veículo que deixar o prédio, até mesmo ambulâncias.
Enquanto o resto de nós começará a procurar em um raio de 5km. Ela
não deve estar muito longe.
— Temos que despistar Morris ou ele vai informar tia Satan sobre
a perseguição — acrescentei ao plano de Grant. — Os dois precisam
acreditar que o plano funcionou.
— O chamarei para vir buscar a criança e levá-la ao internado,
então o prenderemos. Se eu estiver certo, Morris vem enganando
minha família há muito tempo — o príncipe disse a última frase
pensativo.
— Peço licença, Alteza, estou indo dar as ordens aos guardas
antes que Samantha consiga ir longe demais. — Grant fez uma
reverência saindo do quarto, deixando Andrew e eu sozinhos com a
criança.
— Precisamos encontrar os pais dela, me dói só de pensar em
outra mãe tendo a filha raptada — falei, me aproximando da menininha
apavorada e abaixei para ficar da sua altura. — Oi, princesa. Eu me
chamo Hannah e você?
Ela não respondeu se encolhendo ainda mais, juntando as
mãozinhas em seu peito.
— Como se chama sua mamãe? Vamos avisar que você se
perdeu e está segura conosco. — Mais uma vez não obtive resposta.
— Ela não disse uma palavra desde que chegou. Eu deveria ter
desconfiado que uma filha sua não ficaria mais que um minuto calada.
— Andrew se abaixou ao meu lado também.
Ignorei seu insulto dando atenção a criança, tentando outra
abordagem para deixá-la menos assustada.
— Você está com fome? — A menina assentiu. — Diz para a tia
Hannah o que gosta de comer e nós vamos trazer para você. — Imitei a
voz de um dos personagens dos filmes que Hailey gostava e toquei seu
nariz com a ponta do dedo, ela sorriu.
— Sovete de moango — ela disse.
— Hailey também não consegue pronunciar o "r" nas palavras —
informei ao Andrew por garantia.
— Lembro que ela me chamou de plicipe. — Andrew sorriu
levantando. — Vou mandar alguém trazer o sorvete e ligar para Morris.
Veja se consegue descobrir os nomes dos pais dela. Volto em cinco
minutos.
Quando o príncipe retornou, eu já tinha descoberto que ela se
chamava Julia e seus pais eram Mary e Paolo. Liguei para Michael e
ele já estava buscando sua família.
— Demorei porque os médicos vieram me avisar que
conseguiram estabilizar os batimentos cardíacos do meu pai. Morris
deve chegar aqui em dez minutos. — Ele se voltou para a criança. —
Seu sorvete, princesa.
Sentei Julia em uma poltrona de descanso, deixando-a entretida
com o sorvete enquanto conversava com Andrew.
— Minha tia vai expor a verdade sobre a Hailey quando for presa
— comentei. — O que faremos?
— Você, lamentavelmente, não terá escolha a não ser casar
comigo. — Ele abriu um sorriso de lado.
— Como você consegue brincar neste momento, Andrew? — o
repreendi e seu sorriso desapareceu. — A única solução que consigo
pensar é dizermos que ela morreu no sequestro e irmos embora de
Mirabelle.
— Você me prometeu que não faria isso.
— Mas o reino... — não terminei a frase, pois ele segurou meus
ombros, me interrompendo.
— Que venha o escândalo, Hannah! Quando prendermos
Samantha, eu mesmo vou me reportar ao povo e contar tudo o que
está acontecendo. Sobre meu pai, sobre a Hailey e sobre nós. Não
permitirei que outra pessoa use os segredos que carregamos para nos
manipular. Se o povo quiser acabar com a monarquia, vamos trabalhar
incansavelmente para que isso não aconteça, e se não for o suficiente,
terei que aceitar que o legado da minha família acabou.
Suas mãos desceram por meus braços até alcançarem as minhas
mãos. Ele levou-as ao seu peito, onde era possível sentir seu coração
batendo com força. Sua voz estava mais suavizada quando voltou a
falar.
— Não vou deixá-las irem embora. A maior lição dessa confusão
toda é que a história volta a nos perseguir em algum momento.
Precisamos enfrentar isso agora, mas eu não conseguirei sozinho.
Preciso de você ao meu lado, amor.
Era difícil recusar seu pedido carinhoso
No entanto, a emoção não me deixou formular uma resposta e ele
continuou:
— Preciso da força e determinação que existe em você, da sua
inteligência, de sua coragem em dizer quando estou errado. Você me
torna uma pessoa melhor e, consequentemente, um governante
melhor, Hannah. Esses anos que passei sem você me tornaram um
príncipe arrogante e orgulhoso, agora mais do que nunca preciso ser
humilde e resiliente. Não conheço uma pessoa no mundo mais apta
para me ensinar isso do que você.
Ele afastou uma mecha do meu cabelo para trás da orelha, os
dedos deslizando com suavidade pela minha face.
— Diga alguma coisa, Hannah! Faz um bom tempo que não me
declaro e devo estar enferrujado.
Eu sorri, em parte pelo seu tom levemente desesperado, outra
pela sensação de saber que ele não se declarava para a Sophia e,
principalmente, por ver tão claramente o Andrew que eu conhecia ali.
Contudo, faltaram três palavrinhas no seu discurso, e evitei o
pensamento pois também não estava pronta para dizê-las outra vez.
—Não faço ideia de como reerguer um país, Andrew. — Uma
aflição dominou seu olhar e me diverti com seu desespero.
— Mas eu adoro te xingar de idiota ou imbecil quando você faz
alguma merda, e se acredita que isso pode ajudá-lo a ser alguém
melhor, posso fazer este sacrifício.
Um sorriso lindo nasceu em seus lábios.
— É errado beijá-la na frente da criança?
— Si... — Eu nem terminei a palavra e seus lábios tocaram
rapidamente os meus.
— Ela não estava olhando para cá — deu de ombros.
— Vocês são tão lindos — comentou outra voz e olhei na direção
da porta onde estava o Ed, enxugando algumas lágrimas.
— Por que está chorando, Ed? O que aconteceu? — questionei, a
angústia me invadindo de novo.
— Estou emocionado, imaginando seu vestido de casamento. —
Respirei aliviada e quis gritar com ele pelo susto, no entanto meu amigo
logo prosseguiu: — Mas não foi isso que vim fazer aqui. Jake pediu
para avisar que encontrou a aprendiz de Satan, Charlotte, na
lanchonete do outro lado da rua. Michael mandou vocês usarem o
ponto eletrônico para atualizações sobre a perseguição, e para eu não
perder nenhum momento fofo.
— Foi Charlotte quem trouxe a menina, ela sabe onde a mãe está.
— Assim como eu, Andrew colocou seu ponto eletrônico ordenando: —
Jake, traga-a para o hospital, vou procurar uma sala para interrogá-la.
Ed, você olha a criança.
— Hannah, é bom você saber que suas primas estavam juntas —
Jake avisou, deixando-me desconcertada.
— Impossível — murmurei mais para mim mesma, lembrando da
história que Scarllet me contara. Eu tinha acreditado nela!
— Estou levando as duas aí, você pode tirar suas próprias
conclusões.
— Morris acabou de chegar no hospital — informou Michael, logo
após a fala de Jake.
— Eu cuido das minhas primas, você se resolve com o detetive.
— Antes que Andrew pudesse me dar uma resposta, eu já estava
deixando o quarto, dominada pelo ódio das duas estarem envolvidas no
sequestro.
Passaram-se quinze minutos até eu estar de frente as duas.
Andrew tinha conseguido uma sala administrativa no terceiro andar do
prédio. Jake e três guardas as trouxeram pelas escadas, onde não
havia movimentação de pessoas. Os guardas as algemaram,
colocando-as sentadas em um sofá de espera. Tive que ser forte e
controlar a vontade de atacá-las assim que as vi.
Charlotte estava ainda mais parecida com a mãe, até sua postura
esnobe era idêntica. Já Scarllet, com seu uniforme sujo da lanchonete,
não aparentava ser como elas, e mesmo assim estava envolvida em
tudo aquilo. As aparências enganam, afinal.
— Onde está a Hailey? — Eu sabia que elas não responderiam na
primeira tentativa, mas ainda assim não consegui evitar.
— Em um lugar que você nunca vai encontrar — respondeu
Charlotte.
Antes que eu pudesse raciocinar minha mão acertou um belo tapa
na sua cara. A pele clara ficou marcada com meus cinco dedos.
— Hannah, calma — Jake pediu, falando baixo no meu ouvido. —
Você conseguirá arrancar mais delas se não as irritar.
Ele tinha razão. Perder a cabeça não me ajudaria. Voltei-me para
a Scarlett.
— Eu não esperava que fosse capaz de se envolver nos crimes
da sua mãe.
— Hannah, eu juro que não sabia nada sobre o sequestro até eles
me prenderem. Ajudei a Charlotte agora porque ela me disse que
mamãe queria casá-la com um velhote e ela precisava se esconder —
se defendeu.
— Scarlett é fácil de enganar igual a você, priminha — a outra
abriu a boca e parecia Tia Satan falando.
— Parece que você também é fácil de ser enganada, não é? Sua
mãe fugiu e deixou-a para trás. Você vai passar alguns anos na cadeia
enquanto ela vive feliz e livre em outro país. — Isso a desarmou. Ao ver
o medo surgir em seu olhar, pensei em um modo de fazê-la confessar e
para isso pedi a Jake para deixar-me a sós com elas.
— Eu não cometi nenhum crime, não posso ser presa.
— Tem certeza? Você entregou uma criança raptada ao príncipe
dizendo que era a filha dele. Sabe quantos anos são de punição para
quem tenta falsificar a identidade de um membro da realeza? De 70 a
85 anos. — Provavelmente eu tinha acabado de inventar essa lei,
porém Charlotte era ignorante o suficiente para não saber a existência
dela, e usaria isso para amedrontá-la.
— Se algo acontecer comigo, mamãe vai revelar que o príncipe
tem uma filha bastarda. — Entendi perfeitamente o que Andrew disse
sobre não deixar mais elas nos manipular.
— Daqui a alguns minutos o próprio príncipe vai falar para a mídia
sobre nossa filha. Sua mãe não terá mais como manipulá-lo e você
passará o resto da vida na prisão, Charlotte.
Os olhos dela se arregalaram ainda mais e percebi que ela
engoliu em seco. Só precisava pressioná-la um pouco mais para ela
falar.
— Já imaginou passar a vida atrás das grades, vivendo em uma
cela imunda sem qualquer tipo de luxo? Trocar suas roupas de grife
pelo uniforme presidiário? Não ter a chance de se casar e ter filhos?
Você sequer receberá visitas, pois sua mamãe estará curtindo a própria
vida enquanto você paga pelos crimes que ela cometeu. É isso que
você quer, Charlotte?
Minha queridíssima prima não respondeu.
— Mas sempre há outra alternativa, é claro. Se você contar onde
está a Hailey, eu posso convencer o príncipe que você foi mais uma
marionete nas mãos dela e ele vai perdoar sua pena.
— Mamãe só quer proteger a garota — ela disse.
— De quem?
Charlotte relutou e depois de alguns segundos respondeu:
— Da realeza, das pessoas que acabaram com a vida dela. Você
sabia que o Rei Eros queria matar a menina quando descobriu? Mamãe
o convenceu a realizar o sequestro para salvá-la e mantê-la escondida
dele. Até que no dia do casamento ele a encontrou. Ele estava com
uma arma apontada na cabeça da sua filha, pronto para matá-la,
quando quebrei um jarro na cabeça do desgraçado e nós fugimos.
A história dela batia com a descrição da cena que Jake viu no
apartamento. Senti uma dor dilacerante no peito ao imaginar uma arma
sendo apontada para a Hailey.
— Mamãe quer salvar sua filha dessa confusão, por isso vai fugir
do país com ela — confessou.
— Como elas vão fugir?
— Eu não sei, ela não me contou.
— Charlotte, fale o que sabe ou você vai sair daqui direto para a
prisão — grunhi, impaciente.
— Mamãe sabia que o príncipe traria a maior parte dos guardas
para prendê-la aqui deixando o castelo com pouca proteção. Ela está a
caminho de lá para pegar a menina.
Capítulo Trinta e três

Trinta e três
Eu não estava lá no momento
Em que você aprendeu a respirar
Mas eu estou a caminho, a caminho
On my way - Boyce Avenue

Andrew
No instante em que Hannah contou que Hailey estava no castelo
desde o casamento, me senti o mais burro dos homens. Como eu não
enxerguei embaixo do meu próprio nariz?
Precisava confessar que Samantha era uma mulher ardilosa e
inteligente, pois eu reviraria Mirabelle inteira e jamais pensaria na
possibilidade de Hailey estar dentro da minha própria casa.
O único lado bom disso é que ela já ficaria por lá mesmo.
O lado ruim era que tínhamos alguns problemas para realizar o
resgate. A grande maioria dos guardas estava cercando o hospital e
não conseguiriam chegar ao palácio antes de Samantha, e os guardas
que restaram no palácio não podiam deixar seus postos para revistar o
local. A solução que encontrei foi colocar todos os empregados do
castelo para procurar uma criança lá dentro e convocar os guardas que
estavam de folga e moravam por perto para irem até lá. Também
ordenei que ninguém, absolutamente ninguém, poderia sair do castelo
até encontrarmos a garotinha.
A esse ponto, Samantha ainda não devia ter chegado lá e
poderíamos encontrar a Hailey antes dela.
— Um helicóptero está a caminho para levá-lo ao castelo, Alteza
— Grant informou pelo ponto eletrônico. Ele tinha prendido Morris e
continuava coordenando a força tarefa em volta do hospital, pois havia
a possibilidade de Samantha ainda não ter deixado o prédio. Não
podíamos perder a chance de prendê-la.
— Ainda tem medo de altura, Hannah? — perguntei, voltando
minha atenção para ela, que se juntou a nós logo que descobriu a
informação.
Além de nós, Ed e a criança sósia da Hailey também estavam no
quarto, ele distraindo a menina com uma história de uma garota
apaixonada por um príncipe, e também tinha algo sobre uma bruxa e
uma fada.
— Você ainda lembra... — Ela abriu um pequeno sorriso e sua
expressão tornou-se nostálgica por alguns segundos.
— Eu não esqueci nem um detalhe seu — confessei.
— Muito fofo da sua parte, mas não me convenceu a andar de
helicóptero — ela respondeu.
— Teoricamente você vai voar, não andar.
— Andrew! — me repreendeu dando um tapa do meu peito, e
abrindo um sorriso.
— Precisamos chegar rápido ao castelo e Hailey vai precisar de
um rosto conhecido quando a encontrarmos. Vamos! Prometo segurar
sua mão no caminho.
— Só vou fazer esse sacrifício pela Hailey — avisou.
Subimos para a cobertura do hospital, onde o veículo acabara de
pousar. O vento causado pelas hélices bagunçava o cabelo de Hannah,
levando os fios para o rosto que esboçava uma reação de total pavor.
— Andrew, acho que não é uma boa ideia. Se nós morrermos,
quem vai cuidar da Hailey? — tentou argumentar.
Peguei sua mão, disfarçando o riso.
— Relaxe, meu amor. Você ainda terá muitos anos para me
aguentar.
O piloto, que se apresentou como Coronel Kennedy, nos entregou
os fones de ouvido. Em segundos estávamos levantando voo. Não
soltei a mão da Hannah por nenhum minuto enquanto sobrevoávamos
a cidade. Ela murmurava algumas palavras incompreensíveis, já que o
microfone do fone estava fora de alcance, mas apostaria minha coroa
que devia ser uma oração.
O Coronel Kennedy atendeu minha ordem de ir o mais rápido
possível, e em poucos minutos o helicóptero pousava no jardim do
castelo. Praticamente pulei para fora do veículo puxando Hannah
comigo. Alguns empregados espiaram pelas janelas a chegada
repentina da aeronave quando deviam estar procurando pela Hailey, e
isso me revoltou.
— Alteza — saudou um guarda com uma reverência. O homem
era um dos guardas mais antigos e um dos homens de confiança do
meu pai. — Já revistamos todos os quartos dos empregados e os
quartos de hóspedes vazios, nenhum sinal da garota.
— Ainda temos hóspedes no castelo?
Ele informou que alguns membros da realeza que vieram ao
casamento ainda estavam lá, pois queriam conversar comigo e eu não
tinha aparecido até então.
— Revistem os quartos deles também.
— Quem revistou a ala dos empregados? — Hannah perguntou.
O guarda me olhou hesitante se deveria responder, e concordei com
um aceno de cabeça.
— As próprias funcionárias, senhorita.
Ela se voltou para mim.
— Andrew, minha tia disse que vivia no castelo quando era mais
jovem. Ela ainda deve ter contato com alguma das empregadas e essa
pessoa pode estar a ajudando. Poderíamos interrogar as funcionárias
que trabalham aqui há mais de vinte anos e os guardas revistariam a
ala novamente.
Desviei o olhar para o guarda, antes que a beijasse com toda a
admiração que sentia.
— Você a ouviu. Reúna esse grupo e coordene uma nova busca
— dei a ordem.
— Entendido, Alteza. Antes de ir, sinto-me no dever de informar
que estão circulando fofocas sobre a menina ser sua filha com a sua
antiga namorada que morou aqui no castelo. — Ele não disfarçou
quando olhou para minha mão segurando à da Hannah.
— As fofocas são verdadeiras. Estamos procurando pela princesa
e temos que encontrá-la o quanto antes.
O guarda assentiu, sem dizer uma palavra de julgamento.
Hannah e eu entramos no castelo ainda de mãos dadas. Ela até
tentou se soltar, alegando que eu tinha acabado um casamento no dia
anterior e não podia simplesmente aparecer com outra. Eu não lhe dei
ouvidos, me arrependendo no instante em que pisamos no primeiro
degrau da escada do salão principal e vi uma mulher loira vindo em
nossa direção.
Sophia estava abatida, como nunca tinha visto. Olhos vermelhos,
a pele mais pálida que o normal e olheiras indicavam que ela não tinha
descansado bem. Seu olhar encontrou o meu e logo desviou para a
pessoa ao meu lado.
— Agora está explicado o seu sumiço depois de me abandonar no
altar — disse com desdém. Até o momento não tinha parado para
pensar na Sophia ou nos seus sentimentos, mas só de olhar sua
aparência dava para imaginar que ela estava sofrendo.
— Sophia, preciso lhe explicar algumas coisas. Poderíamos
conversar em duas horas?
— Explicar-me o quê? Que você nem teve a consideração de
terminar comigo antes de correr para esta interesseira?
— Cuidado em como se refere a mim, sua princesinha egoísta —
Hannah rebateu.
Ainda bem que havia uns vinte degraus separando as duas ou
elas podiam se atacar a qualquer momento. Tentei intervir na conversa
nada diplomática das mulheres, pois tínhamos assuntos mais
importantes, porém Sophia me cortou.
— Andrew sabe que você aceitou dinheiro para terminar com ele?
— questionou, olhando para mim.
Minha atenção automaticamente se voltou para Hannah. A frase
dela atingindo em cheio o meu peito, seria verdade?
O pensamento logo desapareceu quando Hannah me olhou, seus
olhos mostrando o receio de eu acreditar na princesa. Certamente,
alguns dias atrás eu teria acreditado e meu ego seria altamente
machucado, contudo já tinha perdoado Hannah por ter ido embora e a
mágoa ficou no passado, assim como qualquer envolvimento com a
Sophia.
— Nós iríamos nos casar por causa de títulos, Sophia — respondi.
— Isso também nos faz interesseiros.
— Eu ia me casar por amor! — ela quase gritou, amargurada.
— Sophia, você só me conhece pelos olhos da minha tia —
Hannah voltou a falar e sua voz estava mais suave, como se falasse
com uma criança. — Não sei qual história ela inventou para você, mas
eu me apaixonei por esse idiota antes de saber que ele era um
príncipe, e precisei terminar com ele por acreditar que seria o certo,
mesmo que implicasse ele se casar com outra. E sabe por que fiz isso?
Porque o amo e sempre vou desejar o melhor para ele. Se você
amasse o Andrew como diz, não tentaria atrapalhar sua felicidade,
mesmo que seja com outra pessoa.
Suas palavras foram direcionadas para a Sophia, porém as
absorvi como uma declaração dita a mim. Hannah tinha conjugado o
verbo amar no presente e ela era inteligente demais para errar algo
assim. Quis ajoelhar-me e pedi-la em casamento ali mesmo, torná-la
minha para sempre e apagar os três anos que passamos separados.
— Você é a segunda pessoa que me diz isso. — comentou
Sophia, pensativa. As palavras de Hannah surtiram algum efeito.
— Um conselho de inimiga: se ele não te quer, supera! Tem tantos
homens no mundo que podem te fazer feliz, você não precisa se
rebaixar por um que não te valoriza.
Elas deviam ter se esquecido que eu estava ouvindo a conversa.
— Eu continuo não gostando de você, mas agradeço o conselho.
Realmente Andrew não merece que eu passe a noite disputando com
uma criança para ver quem chora mais. Adeus! — Sophia se virou para
ir embora.
— Espere, o que você disse?
— Que não derramarei mais lágrimas por você!
— Não isso. Você falou sobre disputar com uma criança para ver
quem chora mais.
— Por que isso importa?
— Onde diabos você ouviu uma criança chorar? — Hannah
perguntou, a voz ameaçadora, e que em outra ocasião eu acharia
extremamente sexy, porém não era adequado ter pensamentos
pervertidos naquele momento.
— Há uma criança desaparecida no castelo e você pode nos
ajudar — supliquei.
— Depois do casamento, eu queria ficar sozinha, primeiro fui para
a biblioteca e me encontraram lá, então tive que buscar outro
esconderijo e... — Ela se interrompeu. — Eu estava desesperada, não
queria que ninguém me visse cho...
— Fale logo! — Hannah gritou, subindo os degraus na sua
direção, parecendo uma leoa atrás da sua presa. Eu fui atrás para
evitar um homicídio.
— Fui para os aposentos do rei.
— Como conseguiu entrar lá? Dane-se, isso não importa. A
criança estava lá?
— Não sei exatamente, mas eu conseguia ouvir um choro por
alguns minutos e logo parava como se alguém cuidasse dela, então
não estra... — Não esperei ela terminar sua explicação correndo
escada acima.
Eu tinha uma ideia de onde ela podia estar.
Hannah me seguiu, fazendo algumas perguntas que não consegui
responder. A adrenalina dominava meu corpo, me fazendo subir três
degraus por vez em cada lance de escadas que passávamos. Cheguei
à torre, onde fica o quarto do rei, alguns segundos antes dela. Havia
dois guardas protegendo a escada que dava acesso aos aposentos.
Dispensei os homens e logo Hannah apareceu, arfando de
cansaço.
— Esse castelo precisa de elevadores urgentemente —
resmungou.
— Quando casar comigo, pode fazer a reforma que quiser.
Vamos!
Segurei sua mão e praticamente a arrastei pelo resto do caminho.
Meu coração saltitava no peito, ansioso porque finalmente seguraria
minha filha nos braços e a protegeria de tudo e todos. Hannah apertou
minha mão, notando a ansiedade me dominando.
Entramos no aposento que eu visitara poucas vezes. O quarto se
destacava pelo tom dourado, desde a pintura, adornos na parede,
móveis, roupa de cama e cortina; o tapete que cobria todo o piso era
vermelho e alguns detalhes em dourado também, e um lustre enorme
de cristal pendia do teto. Na parede ao lado da cama, havia um quadro
enorme da rainha Cristal vestida de noiva e na parede oposta tinha um
quadro com o rei e a rainha segurando seu filho. Eu não gostava de ver
essa imagem, pois me remetia à família perfeita que nunca tive.
— Pode me dizer em qual lugar ela está? — Hannah perguntou,
seu olhar vagando pelo quarto. — Não há nenhuma outra porta aqui.
— Quando o castelo foi construído, fizeram essa torre para
proteger a família real em caso de algum ataque. Neste quarto tem uma
passagem que dá acesso ao ponto mais alto, e ninguém além da
família real sabia como entrar lá. Se Sophia disse que ouviu o choro
daqui, só pode ser dessa sala secreta.
— E como entramos?
— Não faço ideia. O castelo não sofre ataques há uns cem anos,
e essa sala não tem mais serventia.
— E como tia Satan sabe da existência dela?
— Meu pai pode tê-la trazido aqui quando eles namoravam, não
sei. Sem mais perguntas agora, precisamos encontrar a passagem.
— Está atrás do quadro. — Hannah apontou para a fotografia da
minha família, encarei-a em um misto de surpresa e confusão. Ela
explicou:
— Você disse que só a família real sabia a passagem, logo a
passagem está atrás da família real. É pura lógica. — Deu de ombros.
— Me ajude a tirar esse quadro.
A obedeci sem dizer nada.
O objeto era mais pesado do que imaginávamos e levou alguns
minutos para conseguir tirá-lo. Cuidadosamente, o colocamos no chão
e apertei a parede em busca da passagem.
— Mirabelle e a câmara secreta — Hannah sussurrou quando
uma porta se abriu em nossa frente.
Ela me empurrou entrando no cômodo parcialmente iluminado
pela luz que penetrava através das janelas do quarto, eu a segui. Tinha
uma escada a dois metros da porta que entramos. Conforme subíamos
os degraus, a luz diminuía e logo estava tudo escuro.
— Tem uma porta aqui — informou. — Está trancada.
Tateei as paredes em busca de outra passagem secreta. Ao
entender o que eu fazia, Hannah começou a procurar também. O
universo decidiu nos ajudar dessa vez e em pouco tempo a porta se
abriu.
Os raios de sol adentravam pelas pequenas janelas da torre,
clareando o ambiente. A sala era minúscula, se comparada aos
cômodos do castelo, e também não havia luxo, somente um tapete
empoeirado no chão e um sofá de descanso. No sofá havia uma
criança sentada, de costas para nós.
— Hailey? — Hannah chamou.
A menininha virou a cabeça e senti o mundo parar de girar.
Hannah correu até ela abraçando-a. Sussurrou algumas palavras de
conforto que eu não entendia. Estava maravilhado demais em ver as
duas juntas. Meu cérebro não enviava estímulos para qualquer lugar do
meu corpo além do coração, que batia descompassado no peito. Meus
olhos começaram a marejar de lágrimas observando Hannah pegar
nossa filha no colo e trazê-la em minha direção, ainda na entrada da
porta.
— Você precisa conhecer alguém — ela disse, parando a minha
frente.
Em meio às lágrimas, conseguia ver Hailey abraçada forte ao
pescoço da mãe captando o exato momento em que ela moveu a
cabeça e um par de olhinhos verdes me fitaram. Não lutei contra a
emoção que me dominou, levando ainda mais lágrimas a meus olhos.
O sentimento que brotou em meu peito era o mais singelo e puro que
senti até aquele dia, me arrebatando de uma maneira tão forte que me
impossibilitava de falar algo.
Contudo o silêncio foi quebrado por outra voz.
— Entregue-me a garota e ninguém se machuca. — Senti o cano
frio de uma arma tocar minha cabeça e a voz ameaçadora de
Samantha.
Meu corpo reagiu ao alerta de perigo, lembrando-me que
precisava proteger minha família. Hannah escondeu o rosto da nossa
filha na curva do seu pescoço para ela não precisar ver nada daquilo.
— Samantha... — Ergui os braços e virei-me lentamente para ficar
de frente a ela. O revólver foi apontado na minha testa. A mulher me
encarava com indiferença. Esforcei-me para manter a compostura e
negociar. — Mesmo que eu entregue a garota, você não conseguirá
fugir do castelo. Vamos criar um novo acordo, a deixarei sair livre daqui.
— O único acordo que estou disposta a fazer é que me entreguem
a garota e eu não acerto um tiro em vocês.
— Por que essa obsessão por minha filha? — Hannah se exaltou,
atrapalhando a negociação. — Você não ganha nada levando-a. Leve a
mim, que você sempre odiou.
— Hannah... — repreendi com severidade. Ela não podia dar
ideias a essa louca psicopata.— Samantha, posso lhe dar uma
passagem para qualquer lugar do mundo e dinheiro o suficiente para
ter uma vida de luxo. Abaixe essa arma e vamos conversar.
— O que eu quero seu dinheiro não pode comprar — protestou.
— Você quer a garota. Por que ela é mais importante para você
do que dinheiro e luxo?
— Ela me traz algo que não sinto há décadas: felicidade. Um
sentimento que já foi roubado de mim muitas vezes, e não vou aceitar
perdê-lo de novo.
Por um instante identifiquei aflição no seu rosto, ela também notou
sua fraqueza e reagiu apontando a arma para Hannah.
— Chega de conversa. Entregue-me a garota ou irei atirar na sua
querida Cris... Hannah.
A mulher estava fora de si. Coloquei-me na mira da arma, no
intuito de ser um escudo para as duas atrás de mim. Eu morreria antes
de deixar algo acontecer com elas.
— Pense um pouco, Samantha. Se atirar, os guardas vão correr
para cá e você será presa antes de deixar os aposentos do rei. Mas se
abaixar a arma, tem a minha palavra que sairá livre daqui.
— Não teremos acordo. — Ela engatilhou o revólver, apontando-o
para minha cabeça. Fechei os olhos, aguardando o meu fim.
— Espere! — Hannah gritou. — Não machuque o príncipe, eu a
entrego para você.
— Não faça isso — grunhi.
A teimosa não me ouviu e caminhou na direção da tia,
estendendo nossa filha para aquela louca. Chorando, Hannah implorou
para que cuidasse bem da Hailey. Meus olhos não conseguiam
acreditar que ela estava dando a menina como se fosse um objeto.
Samantha usou o braço livre para pegá-la e neste instante,
enquanto estava distraída com a criança, vi um homem aparecer na
porta ainda aberta e agarrar o braço com a arma, desarmando-a em um
milésimo de segundo.
Hannah tomou nossa filha dos braços da tia, enquanto Jake
segurava as mãos de Samantha para trás do corpo, prendendo-a.
— Cheguei no castelo e Sophia me contou onde vocês estavam
— informou. — Ela está bem?
— Agora sim — Hannah respondeu e finalmente voltei a respirar,
correndo para abraçá-las.
Capítulo Trinta e quatro

Trinta e quatro
Parece que conseguimos
Veja quão longe chegamos, meu querido
Podemos ter escolhido o caminho mais longo
Mas sabíamos que chegaríamos até aqui algum dia
You're still the one - Shania Twain
Hannah
— Isso ainda não acabou — rosnou Tia Satan, em mais uma
ameaça.
— Vou levar essa doida para um calabouço — Jake disse.
— Você é um trouxa, garoto. Eu sei que ama a Hannah e mesmo
assim ajuda-a a ficar com outro. Me solte e eu cuidarei para deixar o
caminho livre para você.
Os braços de Andrew, que me envolviam num abraço, se
tensionaram com a menção de Jake sentir algo por mim e minha tia
usar isso contra nós. A megera sabia reconhecer as fraquezas de cada
pessoa para usar em manipulação. Foi assim comigo, com Andrew e
agora tentava o mesmo com Jake.
— Nem todo mundo é egoísta como você — rebateu meu amigo,
não caindo nas artimanhas dela. — Agora, fique calada ou colocarei um
pedaço deste tapete sujo na sua boca.
Tia Satan tinha conseguido irritá-lo e sem nenhuma delicadeza,
ele a arrastou para fora da sala sob resmungos e ameaças.
Andrew soltou-nos do seu abraço, acariciando os cabelos da
Hailey, que estava sonolenta agora que estava segura em meus
braços.
— Você acha que Samantha pode manipulá-lo? — perguntou o
príncipe.
— Ele é a pessoa mais leal que conheço, confio de olhos
fechados. Esteve comigo todos esses anos e nunca nos deixou na mão
— defendi. — Vocês deveriam voltar a ser amigos.
— Não tenho maturidade para ser amigo de alguém que deseja
minha mulher.
A frase enviou arrepios por meu corpo inteiro.
— Só de lembrar dele te beijando, tenho vontade de colocá-lo na
mesma cela que sua tia.
— Não culpe o Jake, fui eu quem o beijei. — Não resisti a
provocá-lo com um pouco de ciúmes. Eu o tinha visto quase se casar
com outra, ele merecia sofrer um pouco também.
— Você está estragando nosso momento família com esses
detalhes desnecessários — comentou carrancudo.
— É divertido vê-lo com ciúmes, mas você está certo, temos que
cuidar da Hailey agora.
— Vamos levá-la para o meu quarto?
Concordei sem hesitar. Não sabíamos nem um terço do que
Hailey tinha passado durante o sequestro e precisávamos cuidar dela.
Andrew segurou minha mão livre me fazendo algumas perguntas sobre
quais comidas pedir para os empregados levarem ao quarto e qualquer
outra coisa que nós duas precisássemos. Sua preocupação era fofa.
— Só precisamos de uma boa refeição e, se for possível, uma
roupa limpa — respondi.
Ele deu a ordem a primeira funcionária que encontramos,
assustando a coitada quando mandou ela se apressar, pois era uma
urgência. Eu apenas sorri quando vi a mulher saindo correndo, toda
desconcertada. Em outra ocasião teria reclamado dos seus modos,
porém sentia-me feliz demais por finalmente estar com a Hailey que
deixei passar.
Não conversamos muito no caminho até seu quarto para não
despertar nossa filha. Quando chegamos no corredor dos seus
aposentos, meu coração se agitou, relembrando memórias de um
passado que já não parecia tão distante, e a maioria das lembranças
daquele lugar eram alguns amassos nas paredes. Pensar nisso fez
meu rosto esquentar.
Como se pensasse o mesmo que eu, Andrew sussurrou:
— E foi aqui que começamos a fazer nossa linda princesa.
Ignorar seu comentário foi a escolha mais sensata a tomar.
Andrew abriu a porta do seu quarto e foi como voltar três anos no
tempo. Nada parecia ter mudado ali. As paredes tinham os mesmos
tons de marrom, as cortinas eram brancas, os móveis eram os mesmos
e a cama enorme, que dividimos por várias noites, ainda estava no
mesmo lugar.
Com cuidado para não despertar minha pequena, soltei seus
bracinhos que rodeavam meu pescoço, a colocando sobre a cama.
Hailey se mexeu, ajeitando sua posição e se deitou de lado abraçando
um travesseiro, como fazia com seu ursinho preferido. Antes de cobri-la
com um cobertor, chequei seu corpo em busca de algum sinal de maus
tratos, porém não havia um arranhão ou machucado sequer.
Surpreendentemente, tia Satan cuidara bem dela.
— Ela é tão perfeita — Andrew sussurrou, se pondo ao meu lado.
Sua mão pousou nas minhas costas. Quando o olhei,
identifiquei um certo medo em sua expressão. Logo deduzi o que se
passava em sua mente.
— Só precisa ser você mesmo e ela vai amá-lo — garanti, afinal
sou a prova viva que é impossível não amar aquele príncipe idiota.
— Confesso que estou um pouco inseguro.
Andrew me puxou para longe da cama, nos deixando de frente a
janela que tinha uma vista perfeita dos jardins do castelo. Ele ficou
atrás de mim, seus braços me envolvendo em um abraço forte. Senti o
tempo congelar durante os minutos que ficamos ali em silêncio,
aconchegados no corpo um do outro.
— Todos esses anos sonhei em voltar para você, mas nunca tive
coragem — comentei, sem aguentar todo aquele sentimento preso em
mim há tanto tempo.
Andrew me apertou ainda mais beijando meus cabelos.
— Chega de arrependimentos, vamos recomeçar nossa história a
partir de hoje. — Ele afastou meu cabelo para o lado, deixando o
pescoço livre e não teve um pelo do meu corpo que não se arrepiou
quando seus lábios tocaram minha pele ali. Malditos anos de seca, que
me faziam querer tirar a roupa para sentir seus beijos em mim toda.
Apesar do desejo, lembrei que tinha uma criança no mesmo
ambiente que nós.
— Teremos muitos problemas daqui para frente — mudei o
assunto, sabendo que a frase interromperia sua tentativa de me
seduzir. Estava enganada.
— Eu considero um grande problema Hailey não ter um
irmãozinho, podemos começar resolvendo esse. — Andrew apertou
seu quadril contra minha bunda e senti sua rigidez.
— Pode parar de tentar me levar para cama! Antes de querer
outro filho, nós precisamos resolver o escândalo que teremos com a
Hailey — lembrei-o.
— Vou ter que me acostumar com banhos frios outra vez —
resmungou baixinho. — Mas você tem razão. Convocarei os
conselheiros para avisar-lhes que pretendo revelar tudo e tentar
conseguir o apoio deles, será mais fácil se estiverem ao meu lado.
Enquanto Andrew falava, vimos uns sete carros pretos chegando
ao castelo e vários homens fardados saindo de dentro deles.
— Os guardas chegaram do hospital — declarou. — E já que você
insiste tanto em resolver problemas, preciso falar com Grant para
investigarmos quem deixou Samantha entrar no castelo. — Fez uma
pausa e pensou mais um pouco, antes de prosseguir. — E avisar aos
empregados para não levarem nenhuma fofoca sobre a Hailey para
além dos nossos muros.
Ele girou meu corpo e sua boca alcançou a minha antes que eu
pudesse protestar. O beijo foi rápido, apenas nossos lábios se tocaram
e ainda assim quase derreti em seus braços. Senhor, dai-me forças
para não agarrá-lo.
— Prometo voltar o mais rápido possível — garantiu. — Sinta-se
em casa.
Segurou meu rosto entre as mãos dando um último beijo rápido.
Quando Andrew se foi, voltei minha atenção para Hailey, ela ainda
dormia tranquilamente.
Enquanto a observava, a preocupação voltou mais forte. Apesar
de estar segura conosco agora, as experiências pelas quais passou
poderiam provocar algum trauma. Talvez ela precisasse de anos de
terapia para se recuperar e voltar a ser a mesma de sempre.
Sentei-me ao seu lado e rapidamente o cheiro do Andrew nos
lençóis invadiu minhas narinas. Como uma adolescente boba e
apaixonada, peguei um travesseiro inspirando o perfume amadeirado
do seu dono cravado ali. Como não resistir àquele homem se até o
cheiro dele me trazia uma sensação de paz e desejo ao mesmo tempo?
— Mamãe... — Hailey despertou, me pegando no flagra.
— Oi, minha princesa. — Larguei o travesseiro abrindo meus
braços quando ela se aproximou para me abraçar.
— Senti sadade — disse, agarrando forte o meu pescoço.
Lágrimas brotaram nos meus olhos, um misto de felicidade por tê-
la comigo e culpa por ela ter passado por tanto sofrimento.
— Eu também senti muitas saudades, mamãe nunca mais vai
deixar você. — Acariciei seus cabelos bagunçados, para convencer
meu cérebro que a tinha comigo de novo. — Você está bem?
— Fominha.
Ela se soltou do meu abraço, ficando em pé na cama, passando a
mão na barriga.
— Já, já sua comida vai chegar, enquanto isso vamos tomar um
banho cheio de espuma e bolhas? — Andrew tinha mandado eu me
sentir em casa, sem dúvidas o obedeceria.
Hailey concordou com o banho e se animou muito, pulando sobre
a cama. Felizmente, seu espírito não tinha mudado nada, ela
continuava sendo uma garotinha alegre.
De repente, ela parou de pular e olhou ao redor do quarto, se
dando conta do lugar desconhecido.
— Onde é aqui?
— Estamos em um castelo.
Seus olhinhos verdes se arregalaram em surpresa.
— Tem plicipe?
— Tem sim, você gostaria de conhecê-lo?
Ela gritou sim repetidas vezes e voltou a pular na cama. Não a
repreendi, Andrew que aguentasse seu colchão virando pula-pula.
— Ele vai chegar daqui a pouco e você precisa estar limpa para
conhecê-lo, vamos para o banho? — Levantei da cama e ela pulou em
meus braços.
Enquanto a levava para o banheiro, Hailey me encheu de
perguntas.
— Cadê tio Jeika?
— Ele está louco de saudades e logo estará aqui.
— E tio Edi?
— Também virá.
— E tia Sam? — Me surpreendi com sua pergunta.
— Você gosta dela? — Hailey assentiu.
— Ela me savou do home mau — respondeu.
— Você estava com ela esse tempo todo? — Assentiu
novamente.
— Despos do home mau me pega, ela me condeu.
Precisei de um esforço extra para entender sua frase.
— Quem estava com você nesse esconderijo?
— Evie, num gosto dela.
— Você lembra como ela é?
Como Hailey gostava de falar, descreveu a mulher com inúmeros
detalhes. Segundo sua descrição, a mulher era velha, tinha o cabelo
"blanco e pleto", usava um vestido preto e um avental branco, e a
característica mais importante: um pontinho pleto peto da boca.
— Só um minuto. — Coloquei-a de volta na cama, peguei o
celular e liguei para Michael. Em meio a toda confusão, não sabia onde
tinha colocado o ponto eletrônico minúsculo, e o hacker era a única
pessoa que podia ligar sem medo da chamada ser rastreada.
Quando atendeu, contei que estávamos com Hailey e passei a
descrição da empregada que estava com ela. Michael garantiu que
informaria a Grant e avisou que ele e Ed estavam chegando ao castelo.
Os dois viviam muito grudados recentemente.
Após encerrar a chamada, voltei minha atenção para Hailey e a
levei para o banheiro.
Ela se divertiu muito, brincando com a espuma formada dentro da
banheira. Em um dado momento, cansou de brincar sozinha e começou
a jogar espuma em mim.
Eu não teria forças para reclamar com ela nem tão cedo e por isso
decidi entrar na sua brincadeira, jogando espuma no seu rosto. Ela,
nada vingativa, não parou até eu estar coberta de espuma dos pés à
cabeça.
Acabei entrando na banheira também, pois já estava toda
ensopada e precisava de um banho. A guerra de espuma continuou.
Minha pequena gargalhava sem parar, fazendo-me perceber como
meus últimos dias tinham sido tristes sem sua presença.
— Hannah... — A porta do banheiro se abriu e a voz preocupada
de Andrew invadiu o ambiente. Seu olhar recaiu sobre nós e um lindo
sorriso brotou em seus lábios ao ver apenas as nossas cabeças cheias
de espuma para fora da banheira.
— Eu não as vi no quarto e pensei que alguém as tinha levado,
mas vejo que estão bem. Perdão por entrar assim e atrapalhá-las. —
Saiu fechando a porta atrás de si, gritando logo em seguida:
— A comida chegou, tentem se apressar.
— Vamos terminar o banho e conhecer seu pa... o príncipe?
Hailey respondeu jogando espuma para cima. Terminamos o
banho e procurei toalhas no armário embaixo da pia. Além delas,
encontrei um roupão azul marinho e o vesti, já que minha roupa tinha
molhado. A peça era um pouco maior que eu e o tecido quase
arrastava no chão, mas a pior parte era o perfume do Andrew mais uma
vez inebriando minha mente.
Ajudei Hailey a se secar, penteei seus cabelos e depois o meu.
Deixei-a enrolada na toalha enquanto fui para o quarto ver se a
empregada tinha conseguido alguma roupinha para ela.
— Eu mandei buscar uma roupa para você também, mas creio
que vou cancelar o pedido. Você está perfeita assim!
O príncipe estava sentado na cama, seus olhos fixados em mim.
Meu rosto esquentou e desviei o olhar pelo quarto, procurando a roupa
da Hailey. Encontrei o pacote sobre uma mesinha, onde estava servida
uma refeição suficiente para matar a fome de cinco pessoas, peguei-o
e corri de volta ao banheiro.
Voltamos ao aposento após tê-la vestido. O vestidinho branco
cheio de babados serviu quase perfeitamente nela, só ficara um pouco
folgado.
Andrew continuava sentado na cama e se levantou ao nos ver. A
postura dele tinha mudado totalmente nestes poucos minutos, agora
ele parecia nervoso.
— Olá, Hailey — disse, se aproximando. — Sou o príncipe
Andrew. — Estendeu a mão para cumprimentá-la.
— Vouxe é mesmo um plicipe? — questionou Hailey, observando-
o com curiosidade e colocou sua mãozinha sobre a dele.
Andrew se curvou para beijá-la ali.
— Sou sim, depois eu posso mostrar minha coroa se quiser.
— Eu tabem tenho uma coloa, ficou lá na casa ates do aviaum.
— Ela quis dizer que ficou na nossa casa da França — expliquei,
diante do semblante confuso de Andrew.
— Você não precisa mais dessa coroa, podemos conseguir uma
nova aqui e ainda mais bonita!
Hailey me fitou, seus olhinhos brilhando de empolgação.
— Pode, mamãe?
— Pode sim, mas antes de pegar coroas, mamãe tem uma
história para lhe contar. — Segurei-a nos braços e a levei até a cama.
O príncipe me olhou em pânico e perguntou "Agora?" só movendo os
lábios.
— Hitolia de que? — Diferente dele, nossa filha se animou.
Hailey e eu sentamos na cama, enquanto Andrew permaneceu de
pé ao meu lado.
— De uma princesinha que não conheceu seu papai — informei.
Ao invés de jogar a bomba e dizer "ele é seu pai", narrei uma
versão adaptada da minha história com Andrew, envolvendo elementos
dos contos de fada que ela assistia para ajudá-la a entender.
Em resumo, contei que namorava um príncipe e uma bruxa
malvada tinha lançado um feitiço e nos separado por anos, nesse
tempo eu tive uma bebê e ela não pôde conhecer o pai, pois a bruxa
não deixava eles se aproximarem, mas uma fada madrinha tinha
quebrado o feitiço e agora nós três podíamos ficar juntos.
— Vouxe é meu papai?
O príncipe sentou na cama ao seu lado e assentiu, segurando as
lágrimas. Hailey, por outro lado, estava interessadíssima com a história.
Eu só os observava, com o coração quase saindo do peito de tanta
emoção por finalmente vê-los juntos.
— Vouxe e mamãe vaom casá? — Ela tinha herdado o lado direto
do pai, sem dúvidas.
— É meu maior desejo e você pode me ajudar a convencê-la se
casar comigo.
— Tio Edi diz que ela plesissa de um namoado pla tila a teia de
alanha — fofocou e Andrew caiu na risada.
Eu memorizei que precisava matar o Ed lentamente por ter dito
isso na frente da menina.
— O tio Ed estava falando das teias que tem na casa dele e não
conseguimos alcançar para limpar — expliquei.
— Creio que eu sou grande o suficiente para tirá-las — respondeu
o príncipe me encarando. O idiota só era lerdo para assuntos
importantes, duplo sentido ele entendia.
— Se vouxe casá com minha mamãe, vai mola com nós?
— Vou sim, se vocês quiserem podem vir morar aqui no castelo.
— Andrew voltou sua atenção para Hailey.
— E tio Jeika?
— Ele pode morar conosco também, temos muitos quartos. —
Quase gargalhei da cara dele se esforçando a dizer aquelas palavras.
— Tio Edi também? Ele faz boulo de colate.
— Você pode convidá-lo, mas temos cozinheiras aqui no castelo
que podem fazer quantos bolos você quiser.
O príncipe tentava impressionar a criança e estava conseguindo.
Ela continuava suas perguntas querendo saber se teria um quarto
próprio, se poderia trazer seus brinquedos, se teria uma mesa de chá, e
nunca recebia um "não". Não duvidava que se ela pedisse um foguete,
ele diria que ia conseguir.
Resolvi me meter na conversa quando ouvi o pai coruja prometer
criar uma piscina no jardim.
— Tem alguém com fome?
— EU! — Hailey se levantou e pulou mais sobre a cama. Andrew
sorria feito criança olhando-a com devoção.
— Posso ajudá-la, minha princesa? — Se ofereceu para pegá-la
no colo.
Ela aceitou prontamente e só percebi que chorava com a cena,
quando nossa filha perguntou se eu estava triste.
— Não, não. Nunca estive mais feliz na vida — respondi.
Capítulo Trinta e cinco

Trinta e cinco
Prometo que ficarei aqui até de manhã
E te pegarei quando você estiver caindo
Quando a chuva ficar forte
Quando você já estiver cansada
Eu te levantarei do chão e te consertarei com o meu amor
My only one – Sebastian Yatra Feat. Isabela Moner

Andrew
Embora meu desejo fosse permanecer o resto do dia ao lado de
Hannah e Hailey, não demorou muito para as responsabilidades do
reino me chamarem e eu precisar deixá-las. As duas ficaram na
companhia do Ed, que tinha chegado ao castelo poucos minutos antes
e tinha se juntado a mim para babar a criança.
— Vocês têm que aprender a dizer não! Se ela crescer uma
garota mimada, eu matarei os dois — Hannah tinha ameaçado em um
certo momento quando estávamos todos sentados no chão, planejando
uma viagem à Disney.
— Inclua meu nome na sua lista negra também.
— Tio Jeika! — Hailey gritou ao ouvir a voz de Jake e correu em
direção à porta.
Ele se abaixou para pegá-la e girou com ela em seus braços. O
som da risada infantil invadiu o ambiente.
Um sentimento desagradável surgiu em mim, era um pouco de
ciúmes por ele ter estado presente nos momentos importantes da vida
dela, e algo além disso. Um receio de não ser capaz de substituir a
figura paterna que ela tinha do Jake.
—Vejo que já conheceu o príncipe, gostou dele? — ele perguntou,
notando meu desconforto.
— Siiiiiiiim! — respondeu animada, fazendo meu peito derreter.
— Mamãe vai casa có ele.
— Andrew conquistou mais uma aliada para seus planos —
comentou Ed.
— Então você será oficialmente uma princesa! — Se Jake não
gostou da notícia, não demonstrou. — Eu posso ser seu guarda para
protegê-la das bruxas e de príncipes babacas?
Hailey assentiu e o abraçou.
Apesar do ciúme ainda estar ali, senti mais afeição por Jake. Ele
não tentaria pegar meu lugar como pai da Hailey ou marido da Hannah.
Sua lealdade que eu conhecia anos atrás continuava a mesma e talvez
eu reconsiderasse nossa aproximação, para a felicidade das duas que
o amavam e para a minha também.
Cerca de cinco minutos após a chegada de Jake, nós dois
precisamos sair. Eu para uma reunião com os conselheiros e ele para
ajudar Grant com o interrogatório da empregada que prendemos, a fim
de encontrar outros cúmplices de Samantha dentro do castelo.
Ganhei um abraço tão apertado da minha filha, que quase desisti
da reunião para ficar ali. Acabei demorando mais um minutinho
abraçando-a e Jake saiu antes de mim.
Quando saí, Hannah me acompanhou até o corredor, fechando a
porta atrás de si. Entendendo que ela queria um momento a sós
comigo, dispensei os dois guardas que vigiavam o quarto.
— Eu sabia que você não resistiria mais tempo sem me beijar —
provoquei, passando um braço em volta da sua cintura.
— O quê? Não! É um assunto sério, Andrew. — Me empurrou. —
Se tia Satan estiver dizendo a verdade, nós somos primos.
Não fazia questão de gastar meus neurônios para lembrar do
detalhe abominável de ser filho de Samantha.
— Você realmente acredita nela?
— Não sei, a história dela faz um certo sentido. Sabemos que ela
causou o acidente da rainha Cristal, e se o príncipe realmente estivesse
lá? Minha tia pode ter arquitetado tudo para o filho dela chegar ao
trono. — Seus olhos estavam marejados quando me encarou. —
Precisamos saber a verdade.
Hannah não precisou dizer em palavras para eu compreender que
se fôssemos primos, não poderíamos ficar juntos. Quis argumentar
sobre a realeza ter se casado com parentes por séculos e que o
estrago já havia sido feito por termos uma filha, porém desisti, qualquer
argumento seria o mesmo que aceitar ter algum parentesco com aquela
louca assassina. Eu me recusava a acreditar.
— Vou providenciar um teste de DNA com urgência para nós dois
e ver o que consigo extrair dos conselheiros mais antigos. Algum deles
deve saber se sou um bastardo.
— Espero que seja só mais uma mentira dela — Hannah disse
antes de me abraçar forte.
Apertei-a em meus braços, deixando a paz que ela trazia acalmar
minha mente. Meus sentimentos por aquela mulher eram complexos
demais para buscar entender. Passamos três anos separados e o amor
que eu sentia não diminuiu. Era como uma lâmpada apagada durante
um tempo que quando alguém aperta o interruptor ela volta a brilhar
como antes.
— Independente do que venhamos a descobrir, saiba que sempre
amarei você. — Beijei seus cabelos e logo em seguida Hannah me
encarou, com um pequeno sorriso nos lábios.
— Também já aceitei que nunca vou deixar de te amar — disse
timidamente.
— Você não pode dizer isso e esperar que eu não te beije. —
Toquei seu queixo, erguendo-o para beijar seus lábios.
Meu coração saltitava no peito mais que Hailey pulando no meu
colchão.
— Vá para a reunião e me traga boas notícias, que prometo te dar
mais que beijos.
Praticamente corri para a sala de reuniões, disposto a ter a
reunião mais rápida da história da humanidade. Hannah sabia como me
deixar louco. Com apenas poucas palavras me transformou em um
devasso ansioso para tê-la outra vez.
Para dissipar meus pensamentos do corpo dela suando embaixo
do meu, comecei a enumerar os problemas do reino, e eram tantos que
foi o suficiente para acabar com a ereção que tive.
O resgate da Hailey tinha exigido minha total atenção e
negligenciei por completo as outras adversidades. Ainda tínhamos que
resolver a questão do rei Eros e a aliança com seu país. Se
comprovado que ele não teve envolvimento no acidente e o acusamos
falsamente, perderíamos forças entre os demais reinos, e também seria
motivo para Lorena declarar guerra à Mirabelle. Como se não fosse
desgraça o bastante, ainda tinha as acusações da tia de Hannah que
poderiam causar outra guerra, só que dentro de Mirabelle.
Ao chegar na sala, os 18 conselheiros estavam reunidos e todos
se levantaram para me cumprimentar. Sentei-me no assento destinado
ao rei e os encarei, um por um.
— O que sabem sobre Samantha Price?
As reações foram as mais diversas possíveis. Olhares de
curiosidade, desinteresse e surpresa foram lançados para mim. Alguns
dos homens eram velhos o bastante para estarem no cargo desde a
época do meu avô, e foram nesses que eu concentrei minha atenção.
— Aguardo uma resposta — comentei diante do silêncio.
— Eu não faço ideia, mas sinto que teremos grandes revelações
aqui — respondeu Logan, o conselheiro mais jovem. Ele era poucos
anos mais velho que eu e tinha herdado o título de duque há dois anos,
após a morte do pai.
— Samantha teve um relacionamento amoroso com meu pai, na
época que ele ainda era um príncipe — expliquei. — A jovem era filha
de uma empregada e parece que meu avô não era a favor do namoro
dos dois. Algum de vocês se recorda?
— Por que estamos falando sobre isso quando temos problemas
maiores? — indagou o general com a frieza de um militar.
— Creio que Samantha é responsável por 80% dos nossos
problemas atuais. — Surgiram vários questionamentos e dúvidas, uma
voz por cima da outra, e era impossível ouvir alguém. Levantei-me do
assento e imediatamente todos se calaram para me observar. — Eu
descobri que Samantha causou o acidente da rainha Cristal.
— Impossível, não foram encontrados vestígios de sabotagem —
rebateu o general Dudley.
— Oliver Morris, detetive da família real, estava envolvido com ela
todo esse tempo e creio que ele também incriminou o rei Eros no
acidente do meu pai.
— Ele é inocente? Diabos! — praguejou o duque Lansdale, um
homem de quarenta anos. — Dudley, prepare suas armas para a
guerra.
— Eros pode ser inocente desse crime, mas fez parte do
sequestro da princesa. — Diante dos olhares confusos, acrescentei: —
Minha filha.
— Ela não é uma princesa.
— Eu quem decido isso, conde Rathbone — contestei. — Porém
este não é o assunto do momento, preciso que me digam tudo o que
sabem sobre Samantha Price.
Aguardei pacientemente dois minutos de silêncio, até a primeira
pessoa se manifestar.
— Nossa honra nos proíbe de revelar os segredos da realeza,
mas abrirei uma exceção somente porque ela tentou assassinar o
nosso rei. Saiba que permaneço leal a minha palavra, Alteza.
Assenti para Rathbone. Ele era o mais velho entre os conselheiros
e tinha a mente muito fechada para diversos assuntos, apesar disso era
um homem totalmente fiel à coroa.
— Samantha Price engravidou do rei, na época apenas príncipe
Dominic. Seu avô descobriu e não aceitou que ele casasse com alguém
de classe inferior, principalmente quando ficou doente. O príncipe
precisaria de uma esposa para ajudá-lo a governar, e o rei acreditava
que a filha de uma empregada nunca poderia ser uma rainha. Então
tomou a decisão para evitar um bastardo, fazendo a moça abortar o
bebê.
— O aborto foi realizado? — perguntei. A história de Samantha
até agora se confirmava.
— Não, ela conseguiu escapar da clínica.
— Onde está a criança? — indagou Logan, pois eu não tive
coragem de fazer a pergunta.
— O rei tinha deixado suas ordens bem claras: a criança não
podia viver. Vejam bem, não sou a favor de bastardos na família real,
porém jamais aceitaria o assassinato de alguém, sobretudo de um
bebê.
— Vá direto ao ponto: a criança sobreviveu ou não? — indaguei,
impaciente.
— Samantha voltou ao país depois que o rei morreu, mas ele
tinha deixado pessoas responsáveis para caçá-la e mataram a
menininha no dia que ela nasceu.
O silêncio voltou a reinar na sala. Esqueci-me das histórias por
um momento e pensei na criança, minha irmã, sendo assassinada logo
ao nascer, talvez nem tenha chegado a abrir os olhos e ver o mundo
pela primeira vez. Fiquei imaginando se ela tinha olhos verdes iguais
aos meus e se seu sorriso seria igual ao do meu pai.
Nesse momento me passou pela cabeça que Samantha devia ter
visto em Hailey sua filha assassinada. Explicaria sua obsessão doentia
por ela.
— Espero que essa história nunca saia daqui, nem o próprio rei
Dominic sabe disso — acrescentou o conde e todos assentiram.
— Recapitulando a história: mataram a filha dessa Samantha e
ela resolveu se vingar matando a rainha Cristal e tentou matar o rei
também? Que mulher vingativa — comentou Logan, trazendo-me de
volta ao momento.
— Ela também se envolveu com rei Eros para me casar com a
Sophia e sequestraram minha filha para garantir isso. Eles deviam ter
um plano para tomar o poder de Mirabelle, mas ela se revoltou contra
Eros e o acusou durante meu casamento.
— Onde está essa desgraçada? Vamos prendê-la e arrancar
informações sobre esse rei maldito — vociferou o general Dudley.
— Ela, Morris e outros cúmplices já foram presos. No entanto, ela
tem informações sobre a minha filha e ameaçou... — Minha fala foi
cortada pela porta da sala se abrindo abruptamente.
— Hailey está em todos os jornais — Hannah esbravejou,
entrando no local.
Levantei-me e caminhei rapidamente em sua direção, com os
nervos à flor da pele, ela estendeu o celular e li a manchete do site:
Princesa escondida: Príncipe Andrew esconde filha por dois
anos!
— Como eu ia lhes dizendo, senhores, ela ameaçou revelar que
tenho uma filha fora do casamento.
Capítulo Trinta e seis

Trinta e seis
Eu preciso de você, querido
E se estiver tudo bem
Eu preciso de você, querido
Para aquecer as noites solitárias
Can't Take My Eyes Off You - Frankie Valli
Hannah
Diversos palavrões foram exaltados quando Andrew lhes deu a
notícia. Ver a reação dos homens deixou-me insegura com o que
estava por vir. De todo modo, tia Satan cumpriu sua ameaça de falar
sobre Hailey. Eu não podia mais fugir de Mirabelle e escondê-la pelo
resto da vida. Só restava-me encarar a realidade e aqueles lordes
enfurecidos.
— Agradecemos a notícia, agora pode se retirar. Temos assuntos
importantes a discutir — disse um dos conselheiros mais idosos.
— Eu ficarei! — Meu tom soou um pouco mais afrontador do que
eu gostaria. Não queria briga com eles, porém se a discussão era sobre
a minha filha, nem o rei me tiraria dali.
Andrew me olhou com a testa franzida, refletindo se permitiria
uma intrusa na reunião do conselho. Antes que ele pudesse protestar
me mandando embora, me apressei em dizer apenas para ele ouvir:
— Se você quer mesmo que eu seja sua esposa, precisa me
deixar estar presente nas decisões do reino, sobretudo às que se
referem a nossa família.
— Você está tentando me manipular, querida? — indagou, com
uma falsa expressão de ultraje. — Temo que eu vá enfrentar grandes
apuros futuramente se não aprender a lhe dizer não.
Andrew se voltou para os conselheiros e anunciou:
— Senhores, esta é Hannah Price, mãe da minha filha, e estará
conosco na reunião.
— Na última reunião ela não era uma empregada? — indagou o
homem mais jovem.
Ninguém lhe respondeu, pois todos me encaravam como uma
aberração, um ser de outro planeta. Podia sentir os olhares de
julgamento sobre mim, certamente pensavam que eu era uma
interesseira ou golpista.
Percebendo meu desconforto, Andrew pousou a mão em minhas
costas me guiando até uma cadeira no assento oposto ao do rei.
Hesitei por um segundo, entendendo a posição na qual ele estava de
colocando.
— Se não sentar, vou colocá-la no meu colo — sussurrou o
príncipe próximo a meu ouvido, provocando um arrepio em meu corpo.
Com toda a atenção que os conselheiros destinavam a mim,
certamente viram meu rosto ficar vermelho. Inspirei fundo para me
recompor. Péssima decisão, pensei assim que minha bunda alcançou o
assento e inúmeros questionamentos se voltaram para mim.
"Por que diabos você escondeu a criança até agora?", "Onde está
o teste de DNA para comprovar que o príncipe é o pai?", "Qual sua
relação com Samantha Price?". Foram algumas das perguntas que
consegui entender.
— Silêncio — pediu o príncipe e todos obedeceram. — Ouçam
nossa história antes de qualquer julgamento.
Andrew, que estava de pé ao meu lado, contou sobre o momento
que nos conhecemos na escola, o baile, minha relação com Tia Satan e
os motivos pelos quais me trouxe para morar no castelo anos atrás.
Tive vontade de criar um buraco na mesa para enfiar minha cabeça
quando ele disse que me apaixonei por ele antes mesmo de saber
sobre o seu título e que nunca tinha me importado com ele ser um
príncipe ou não.
A fim de acabar com o constrangimento de ouvi-lo falar sobre mim
como se eu não estivesse ali, decidi continuar a narração falando sobre
a conversa que ouvi de alguns deles com rei Dominic, o que me levou a
ir embora de Mirabelle, sobre a descoberta da gravidez e porque decidi
esconder a Hailey.
Ao final da história, a maioria dos olhares eram mais
compreensivos, e arriscava dizer até que dois ou três me olhavam
admirados.
— Lembro de ter tentado convencer rei Dominic a lhe mandar
embora para salvar o reino e ele se recusou, dizendo ser escolha do
príncipe — comentou um homem bonitão. Ele tinha a pele morena, a
cabeça quase careca e músculos que deveriam ser assustadoramente
rígidos sob o terno.
— Na verdade, a decisão cabia a mim também. Andrew não se
casaria com a princesa Sophia enquanto eu estivesse aqui, então fui
embora para ele fazer o certo e salvar o reino.
— Hannah tomou a decisão que achou certa naquele momento
para ajudar Mirabelle, mesmo sacrificando nossa felicidade — o
príncipe acrescentou. — Meu pai sempre diz que um bom governante é
aquele que coloca as necessidades do povo acima das suas, Hannah
já fez isso pelo nosso país e confio plenamente que faria de novo se
necessário. Como ela é a mãe da minha filha e enxergo nela força e
inteligência suficiente para ser rainha algum dia, além de ser a mulher
que sempre amei, gostaria de saber se algum de vocês se opõe ao
nosso casamento.
Quis levantar e gritar "EU". Ora, ele nem tinha me feito um pedido
decente! Guardei meu protesto para um momento em que
estivéssemos a sós.
— Tenho mil e um motivos para ser contra isso — contestou o
senhor mais velho, que tinha o sobrenome parecido com rato-alguma-
coisa. — Entretanto, como esta é a única maneira de legitimar a criança
e evitar mais bastardos, o casamento tem minha benção.
— Acredito que o príncipe irá se casar independente das nossas
opiniões, então não vejo o porquê ser contra ou a favor — disse o
moreno gato. — Contudo, o matrimônio não será suficiente para
apaziguar o escândalo.
— Por isso contarei a verdade ao nosso povo — Andrew declarou,
com confiança. — Deixarei-os cientes das ameaças que minha família
vinha sofrendo e que os culpados já foram presos, além de contar
sobre Hannah e eu. — Sua mão tocou meu ombro, indicando que não
voltaria atrás em sua decisão.
— Os mirabellienses adoram uma boa história de amor, podemos
conseguir um grande apoio com o romance de vocês — sugeriu o
conselheiro jovem, o mais falante entre todos. — Eu mesmo já quero
chamá-la de minha rainha.
— Ainda me preocupo com o futuro da garota — interveio outro
homem. — Podem não aceitá-la como herdeira do trono.
— Teremos um longo tempo para fazermos o povo aceitá-la. No
momento, temos que nos preocupar em não deixar que a mídia crie
diversas histórias falsas sobre ela e o povo odeie-a antes de conhecê-
la — Com essa fala Andrew encerrou a discussão e delegou algumas
atividades aos homens.
O duque bonitão se voluntariou para chamar a assessoria de
imprensa para planejarem o anúncio da filha do príncipe e o
rompimento do casamento com Sophia, enquanto outros tomariam as
medidas para as notícias falsas serem excluídas.
Os demais conselheiros deixaram a sala, alguns espiando os
celulares para lerem as fofocas e praguejando ao verem as matérias
sensacionalistas. A esse ponto já deviam ter publicado inúmeras
atrocidades sobre nós.
— Temo que o mundo inteiro saberá que nos casaremos e eu
ainda não lhe fiz um pedido oficial — comentou ao estarmos sozinhos
no ambiente. Ele estendeu a mão para me ajudar a levantar e eu
aceitei.
— Se eu disser "não", você será humilhado mundialmente.
— Sua tia está presa, descobri que não somos primos, os
conselheiros a aprovaram como minha futura rainha e você confessou
que ainda me ama. Não tenho dúvidas que me dirá um "sim". —
Enquanto falava, Andrew guiou-me para o corredor e seguimos em
direção ao seu quarto.
— Brincadeiras à parte, a escolha é sua. — Seu tom ficou sério de
repente e um par de olhos verdes me encarou. — Acabamos de nos
reencontrar e não quero que se sinta pressionada a aceitar agora.
— Andrew — o interrompi, sem paciência para seu discurso. —
Você quer casar comigo?
— O quê? — Olhou-me confuso.
— Estou lhe pedindo em casamento, você responde sim ou não.
— Esse é meu papel, Hannah — resmungou. — Não tente
estragar o romantismo.
— Eu não quero um pedido de casamento enorme como você
deve estar planejando. Nesses três anos que passei longe, tudo que
sempre desejei foi construir uma vida ao seu lado e cuidarmos da
Hailey. Agora que nada mais nos impede de ficarmos juntos, para que
esperar?
A sua resposta foi passar o braço em volta da minha cintura e me
puxar para os seus braços ali mesmo, no meio do corredor.
— Eu só não chamo o bispo para realizar nosso casamento agora
porque temos outros assuntos a resolver, mas saiba que assim que as
coisas se acertarem, você se tornará minha esposa. — Sem dizer mais
nada, seus lábios tomaram os meus em um beijo lento e cheio de
sentimentos.
Eu jamais deixaria de amar a forma como nossos corpos se
encaixavam e como o mundo parecia parar de girar enquanto nos
beijávamos.
Infelizmente, nosso beijo não durou mais que dez segundos, pois
alguém limpou a garganta perto de nós. Um déjà vú dessa cena passou
por minha cabeça, recordando as vezes que rei Dominic nos flagrou em
momentos de pegação pelo castelo.
Virei o rosto na direção do som, ansiando em encontrar o rosto
daquele homem que tinha minha eterna gratidão.
— Havia repórteres em volta do castelo e os convidei para o
pronunciamento. Aguardam Vossa Alteza em cinco minutos na sala do
trono — informou o conselheiro. Não disfarcei minha expressão de
decepção.
— Fique com Hailey no quarto, logo, logo estarei com as duas. —
Andrew beijou minha mão e saiu junto com o homem na direção oposta
à qual eu segui.

— A mãe da criança sofreu ameaças para sair do país e


escondeu nossa filha para protegê-la... — dizia o príncipe em seu
anúncio oficial.
Eu estava no quarto com Ed, Jake e Hailey, assistindo ao vivo a
coletiva de imprensa que já durava cerca de quarenta minutos. Até
então, Andrew tinha contado nossa história desde o momento em que
nos conhecemos até o dia que voltei para Mirabelle. Hailey tinha
dormido quando ele ainda falava das aulas de matemática.
— Como ficará a criança agora? Sabemos que bastardos não são
bem aceitos pelo povo — indagou um dos jornalistas.
— A criança não é uma bastarda. Ela é minha única filha até o
momento e espero que todos compreendam os motivos pelos quais ela
foi criada longe de mim. Precisávamos garantir sua segurança acima
de tudo. O acidente do meu pai é uma prova de como a família real
estava em risco, mas agora que conseguimos prender esses
criminosos, poderei reatar meu relacionamento com a mãe da minha
filha e em alguns meses nos casaremos.
— E a princesa Sophia? — questionou outro repórter. — Ainda
não foi anunciado nada sobre o rompimento do noivado.
— Eu posso responder essa pergunta. — A câmera desviou do
Andrew para a mulher que acabara de falar. Sophia parecia outra
pessoa desde o nosso último encontro, camadas de maquiagem
escondiam suas olheiras, usava um vestido longo em um tom de azul
pastel e ela aparentava estar perfeita como sempre.
— Meu relacionamento com o príncipe foi uma grande farsa esse
tempo todo — anunciou, fazendo meu queixo cair com a surpresa. Que
merda tinha atingido a cabeça dela? — Descobri que meu pai armou
um esquema para unir nosso país a Mirabelle e me usou para alcançar
seu objetivo.
— Sophia, este não é o momento... — Andrew apareceu ao seu
lado, tentando silenciá-la. Ela estava prestes a acusar o próprio pai em
rede nacional?
— Foi ele quem ameaçou a namorada do príncipe, para deixar o
caminho livre para mim, e esteve por trás do sequestro da criança para
não deixar que ela estragasse o nosso casamento.
— Chocada em Cristo — murmurou Ed, sem desgrudar os olhos
da TV.
— Como ela descobriu tudo isso? — perguntei retoricamente, no
entanto Jake respondeu:
— Encontrei a princesa algumas horas atrás e lhe contei a
verdade, mostrando algumas provas do envolvimento do seu pai no
sequestro. Ela não sabia dos planos de Eros com Samantha,
acreditava que ele tinha oferecido dinheiro a você para deixar o país.
— Ela mencionou algo parecido quando cheguei hoje no castelo
— comentei.
— Creio que Sophia foi a pessoa mais manipulada por Samantha.
Eu ajudei-a a abrir os olhos — Jake acrescentou.
— A ambição do meu pai quase destruiu a família do príncipe
Andrew, mas espero que de agora em diante ele consiga reconstruí-la e
que sejam felizes, pois eles merecem — completou Sophia.
Capítulo Bônus

Bônus
Promete cuidar bem dos seus cachinhos
E sempre me abraçar quando eu chegar
Promete sorrir sempre com os olhinhos
E cantar cantigas na sala de estar
Promete – Ana Vilela
Andrew
— Socorro, Hannah.
— Eu lhe disse para aprender a dizer "não" pra ela, agora sofra as
consequências — respondeu, sem um pingo de misericórdia de mim.
— Você não tem coração — resmunguei e me voltei para a
criança que me encarava esperando uma resposta. Diabos, como eu
negaria um pedido a ela?
— Minha princesa, que tal tomarmos sorvete ou um milkshake?
Podemos pedir de chocolate, morango e todos os sabores que
quisermos. — Tentei negociar e Hailey balançou a cabeça negando.
— É hola do chá.
— E que tal um chocolate quente bem delicioso?
— Naum é hola de colate.
— Péssimos hábitos que você ensinou para essa menina, Hannah
— reclamei baixinho e a maldita gargalhou.
— Você que lute, Alteza — retrucou e se abaixou, ficando da
altura de Hailey. — Mamãe precisa ir na casa do tio Ed buscar algumas
coisas suas, você quer ficar aqui com o papai?
— Siiiiim!
— Vai me deixar sozinho para enfrentar essa tortura? —
murmurei, porém estava enternecido por ela estar confortável a passar
um tempo comigo.
— Você vai sobreviver. — Hannah beijou a bochecha
rechonchuda da nossa filha e se levantou. — Aproveitem o chá, vou
pedir a alguém para levar uns três bules para vocês — disse saindo do
quarto rindo.
Desde que resgatamos nossa filha, três dias atrás, as duas viviam
no castelo. Eu queria mantê-las perto de mim e aqui elas estavam
seguras das pessoas que ainda não tinham aceitado Hailey como
princesa. Apesar de estarmos sob o mesmo teto, tive pouco tempo
disponível para passar com elas, pois vivia indo de uma reunião para
outra, oferecendo entrevistas e esclarecendo rumores sobre nós três.
Hannah me acompanhou em algumas reuniões do conselho e sempre
podia agarrá-la depois que todos iam embora.
Já com Hailey o meu contato era menor, pois quando eu acabava
as atividades do dia já era tarde da noite e ela estava dormindo. Hoje
arrumei um tempo livre e decidi me aproximar mais dela, infelizmente o
horário disponível era justo a pior hora do dia: o momento do chá da
tarde.
— Vamo? — Ela estendeu sua mãozinha para mim e em um
segundo esqueci todo o ódio que tinha por aquela bebida horrível.
Ingerir alguns goles de água suja era um preço baixo a se pagar para
me divertir com ela.
— Não quer ir escolher uma linda coroa para você? — tentei
argumentar uma última vez, pegando sua mão.
— Despôs do chá — respondeu, dando a batalha como
encerrada.
Minha princesinha não parou de falar um segundo enquanto
caminhávamos para o jardim. Certas frases eu não entendia e
concordava sem saber ao menos o que estava concedendo. Ela fazia
várias perguntas sobre tudo o que via no castelo e eu respondia
contando histórias inventadas, como a armadura de uma guerreira que
salvou a vida do rei ou a espada de um gigante que matou um dragão.
Em um certo momento, Hailey se cansou de andar e como o pai
nada babão que sou, coloquei-a sobre meus ombros. Ela se agarrou no
meu pescoço e, assim como eu, não parou de gargalhar um segundo
sequer.
Lamentavelmente, minha risada foi embora quando chegamos ao
jardim e uma mesinha já estava posta com um bule e duas xícaras,
além de biscoitos e um bolo de chocolate.
— Hola do chaaaaaaa! — gritou animada e eu respondi um
"ééééééé" sem nem um terço da sua empolgação.
Desci-a dos meus ombros e como um perfeito cavalheiro, puxei a
cadeira para ela se sentar. A altura da mesa nem chegava a meus
joelhos, as cadeiras então eram minúsculas como as do jardim de
infância. Não sei como eu, com 1,85m de altura, caberia em um
assento tão pequeno.
— Posso lhe servir, princesa?
— Sim, sim, sim!
Segurei o bule e despejei aquela água amarelada na sua xícara e
em seguida na minha. Apertei-me para sentar na cadeira a sua frente e
observei-a tomar aquilo como se fosse uma bebida saborosa.
— Vouxe naum tá bebedo — constatou.
— Estou esperando esfriar um pouco. — Assoprei o chá e minhas
narinas foram invadidas por aquele cheiro horrível
Hailey propôs um brinde e ficou me observando para averiguar se
eu beberia. A menina era esperta. Levei a xícara aos lábios e quase
vomitei ao sentir o gosto desagradável em minha boca.
— Olha uma borboleta! — Apontei em qualquer direção e quando
ela desviou o olhar, joguei o líquido na grama.
— Ah, ela voou. — Pousei a xícara na mesa para ela ver que
estava vazia. — Já bebi tudinho, estava uma delícia.
— Vo coloca mais! — Antes que eu pudesse recusar, ela já
segurava o bule e me servia.
Consegui derramar a segunda vez, no entanto não tive como fugir
da terceira, quarta, quinta e sexta... Aquele bule parecia ter 5 litros de
chá, pelo amor!
Trinta minutos depois de estarmos ali, me sentia nauseado e
prestes a vomitar.
— O que acha de irmos brincar de outra coisa agora? — sugeri,
antes que precisassem me levar ao hospital.
— Colida!
Só entendi o que ela disse quando a vi se levantar e começar a
correr pelo jardim. Provavelmente não era saudável correr após
bebermos tanto chá, ainda assim não resisti indo atrás dela.
— Eu vou pegar você!
Não demorei muito para alcançá-la. Hailey gritou quando a peguei
e começou a gargalhar.
— Mia vez, mia vez! — pediu. Coloquei-a no chão e corri
devagarinho, e em poucos segundos ela agarrou minha perna,
fazendo-me perder o equilíbrio e cair no chão.
— Peguei vouxe! — afirmou com entusiasmo, se jogando em cima
do meu peito e agarrando meu pescoço em um abraço.
Desejei ter o poder de parar o tempo para não sair daquele
momento. Aquela menininha trazia alegria para todos a sua volta e não
era diferente comigo. Mesmo que não tivesse visto-a nascer e
acompanhado seus primeiros anos de vida, o amor que sentia por ela
era intenso e verdadeiro da mesma forma, e me certificaria de não
passar mais um dia longe dela pelo resto da vida.
Capítulo Trinta e sete

Trinta e sete
E se você soltar eu flutuarei ao redor do sol
Eu sou forte porque você me preenche
Mas quando o medo vem e lentamente caio no chão
Eu sou sortuda porque você está por perto
Helium - Sia
Andrew
A semana que se passou foi um verdadeiro caos em Mirabelle.
Como imaginávamos, muitos cidadãos não aceitaram bem a história
sobre a Hailey e houve protestos por todo o país. Tivemos que pintar os
muros do castelo três vezes em sete dias, pois a palavra "bastarda" era
pichada constantemente nas paredes.
Por outro lado, surgiu um movimento progressista que lutava
contra as normas rígidas e arcaicas da realeza, acreditando que
devíamos deixar de ser um país conservador e começar excluindo a
palavra bastarda do nosso vocabulário. Hannah era uma forte
apoiadora desse grupo em questão.
Além destes, havia um terceiro grupo que causava mais dor de
cabeça que os outros dois juntos. Eram os cidadãos revoltados com os
crimes do rei Eros. Depois do anúncio da Sophia em rede nacional, não
tivemos como levar o julgamento dele em segredo e as provas que
tínhamos foram divulgadas. Desde então o povo pedia justiça e até
pena de morte, além de exigir o fim da nossa aliança com Lorena.
O ponto da aliança ainda era um assunto que causava
desavenças até mesmo entre os conselheiros. Uma parte acreditava
que devíamos mantê-la e exigir mais benefícios, a outra parte pregava
que não podíamos ter qualquer relação amigável com o reino deles.
Por esse motivo, no dia anterior tinha me reunido com Sebastian,
atual rei regente de lá, para debatermos assuntos envolvendo nossos
reinos. O príncipe me surpreendeu ao se desculpar por não ter
enxergado os planos de Eros desde cedo e pediu que fizéssemos
justiça.
— Me coloco no seu lugar e penso no que faria se alguém
sequestrasse o Ben, provavelmente não seria misericordioso. Meu pai
deve ser julgado e condenado segundo as leis de Mirabelle — dissera
em algum momento da reunião.
Depois dessa fala nosso debate seguiu para o lado político. Ele
compreendia que os mirabellienses estavam revoltados com nossa
parceria e argumentou sobre nossos países serem altamente
dependentes um do outro. Lorena estava em uma situação complicada
perante as relações exteriores. Diversos reinos queriam pôr fim às
alianças e por essa razão ele tinha me procurado, afinal se Mirabelle, o
país mais afetado por Eros, mantivesse os acordos comerciais, os
demais não teriam por que fazer diferente. Ainda assim, expus todas as
ressalvas que tínhamos e, após duas horas de reunião, chegamos a
um acordo.
— Sebastian, em nome da família real e do povo de Lorena, fará
um pedido de desculpas formal ao nosso povo, e não deixará de
importar nossas mercadorias, mesmo que paremos de comprar as do
seu país. Desse modo, ficamos livres para negociar com quem
desejarmos — informei aos conselheiros no encontro que estava no
momento.
— Lorena é o maior produtor de grãos entre os reinos, de quem
importaremos senão deles? — questionou o marquês de Arken, um
senhor de 60 anos.
— Abrindo o comércio para países que não são monárquicos —
Hannah respondeu. Ela tinha prazer em anunciar as ideias que fariam
os homens discutirem por horas. Apesar disso, durante a semana ela
participou de quase todas as reuniões do conselho e conquistou o
respeito de metade deles, a outra metade ainda não concordava com a
sua presença, porém aceitou depois dela ter dito "se o problema for eu
não ser da realeza, chamem um padre, Andrew e eu nos casamos
agora e depois vamos para a reunião".
— E daqui um ano iremos proclamar república — ironizou o
general Dudley. — Não podemos enfraquecer a monarquia desse jeito.
— Na verdade, meu pai vinha planejando a abertura da nossa
economia para o resto do mundo há alguns anos — prossegui. —
Encontrei nos seus arquivos diversos documentos com informações
sobre países que poderíamos comercializar nossos bens, como China,
Estados Unidos, Alemanha, entre outros. Creio que ele desejava
acabar com essa dependência que temos de Lorena para não deixar
ninguém nos ameaçar outra vez.
Antes que um novo debate fosse iniciado, apresentei os planos
que encontrei no escritório do meu pai e as alterações que tinha feito
com Hannah. Em resumo, era um mapeamento dos países que
podíamos importar e exportar bens, quantidades, valores e contatos de
governantes de cada país com quem podíamos negociar.
Hannah mostrou quais eram os outros benefícios dessa decisão.
O primeiro impacto seria sobre as empresas locais, que teriam a
oportunidade de adquirir insumos mais baratos e de qualidade, além de
avanços tecnológicos já existentes em países mais desenvolvidos que
aumentariam a eficiência na produção. Com o aumento da produção,
surgiriam novas oportunidades de emprego para os cidadãos, além de
um crescimento no nosso PIB, que implicaria em maiores arrecadações
de impostos para serem investidos em mais desenvolvimento.
Nas projeções feitas por meu pai, o aumento do nosso PIB
cresceria em média de 4 a 5% nos próximos três anos, valor duas
vezes maior que o crescimento atual.
Em contrapartida a esse avanço, não colocaríamos fim às
negociações com os outros reinos, sobretudo porque foi graças ao
apoio entre os países que conseguimos manter as monarquias até
hoje, e ainda precisaremos uns dos outros para não perder força no
futuro. Portanto, em breve eu me reuniria com todos os reis e rainhas
que tínhamos relação econômica para explicar meus pontos.
Apesar de todos os benefícios apresentados, quatro conselheiros
continuavam contra à abertura da nossa economia, e quando
expunham seus argumentos sempre eram voltados para o medo da
monarquia acabar.
— Algo que aprendi nas últimas semanas é que nosso papel aqui
é tomar decisões que favoreçam o povo, não os nossos interesses —
pronunciei. — Se continuarmos com o modelo econômico atual,
amanhã um reino pode se revoltar e ameaçar nos deixar sem alimentos
ou insumos, e não permitirei que isso aconteça outra vez. Minha
prioridade é o povo, não a monarquia.
Depois das minhas palavras, a reunião se voltou para os planos
de abertura do comércio e seguiu assim por mais uma hora.
— A cada dia me orgulho mais de você, sabia? — Hannah
comentou após todos os outros deixarem a sala. — Vejo o modo como
está sendo confiante nas suas decisões e o quanto se dedica a buscar
o melhor para o nosso povo. Me lembra muito o seu pai em alguns
momentos.
— Ainda tenho um longo caminho a percorrer para ser como ele,
mas percebo que venho evoluindo e grande parte disso devo a você.
Cruzei a sala para me aproximar dela. Hannah sempre recusava
os convites para sentar no meu colo e preferia ficar na cadeira que era
minha antes de assumir a posição de rei regente. Posicionando-me
atrás dela, toquei seus ombros e sua postura foi relaxando conforme eu
massageava a região ali.
— Achou que eu só sabia ensinar matemática, querido? —
brincou e decidi aproveitar sua descontração para mudar de assunto.
— Quais são seus planos para hoje?
— Marquei de ver Cinderela com a Hailey.
— De novo?
— Ela não se cansa — deu de ombros.
Alguns dias atrás, eu tirei parte do dia de folga e nós três tivemos
nosso primeiro momento família juntos, assistindo Cinderela. Ao final
eu tinha prometido um baile, sapatos de cristal e um rato para ela. Ao
ver o filme novamente, sabe-se lá o que ela podia me pedir dessa vez.
— E depois do filme?
— Vou colocá-la para dormir e descansar também.
— Ed perguntou se poderia dormir aqui hoje. Podíamos deixar a
Hailey com ele e jantarmos juntos, o que acha?
— Que você e Ed estão tramando algo, e se eu puder arriscar
diria que envolve você me levar para a cama — respondeu, direta.
— Já que descobriu meu plano, posso confessar que planejei
absolutamente tudo para ninguém nos atrapalhar hoje. Ed e a babá vão
ficar com a Hailey, iremos para um quarto de hóspedes onde não há
ninguém por perto, e Grant está responsável por resolver qualquer
problema que surja esta noite sem me procurar.
Eu estava ficando louco. Hannah morava no castelo há uma
semana e ainda não tínhamos conseguido um instante a sós para que
pudéssemos matar a saudade dos corpos um do outro. Sempre que
estávamos em um momento mais íntimo, alguém aparecia para
interromper.
Foi assim nas quatro vezes que a sentei na mesa de reunião onde
estamos agora, encaixando-me entre suas pernas e beijando seu
pescoço, porém antes mesmo que meus lábios pudessem chegar a
seus seios, algum maldito batia na porta.
Além dessas ocasiões, tivemos outras no meu quarto em que a
pessoa a atrapalhar foi uma linda princesinha com menos de um metro
e um péssimo horário para sentir fome. Hailey e Hannah estavam
hospedadas no quarto ao lado do meu, que passou por uma grande
faxina e repaginação. O intuito era mantê-las perto de mim, porém em
certos momentos eu detestava aquela proximidade. Nossa pequena
tinha um senso perfeito para escolher justo o instante em que eu estava
tirando a roupa da sua mãe para chorar. Mesmo com uma babá no
quarto dela, sempre que Hannah ouvia seu choro pela babá eletrônica
que carregava, corria para o quarto ao lado e eu para uma banheira de
água fria.
Entretanto, desta vez eu tinha pensado em tudo, e nenhum ser
vivente no castelo iria nos atrapalhar.
— Todo esse trabalho pra me levar pra cama, Alteza? — Riu.
— Eu conseguiria passagens para a lua se esse fosse o único
modo de ficarmos a sós, meu amor. — Ela gargalhou, sem perceber
que eu falava sério, e se levantou, ficando de frente para mim.
— Supondo que eu aceite seu convite, qual será a programação?
— Encarou-me com um brilho de desejo no olhar.
— Primeiro vamos assistir ao filme com nossa princesa — disse,
aproximando-me até prender seu corpo entre o meu e a mesa, minha
voz estava mais baixa quando voltei a falar. — Depois vamos jantar a
sós, e pretendo acabar a noite com meu nome saindo dos seus lábios
enquanto lhe proporciono o mais intenso prazer.
Eu não era o único louco para fazermos amor novamente. Hannah
também me desejava e logo passou os braços em volta do meu
pescoço me puxando para mais perto.
— E se invertermos a ordem? — Só bastou ela terminar a
pergunta e minhas mãos agarraram sua cintura erguendo seu corpo
para colocá-la sentada na mesa. Me encaixei entre suas pernas e o
movimento fez seu vestido subir, expondo suas coxas.
— Você sempre tem as melhores ideias, meu amor.
Meus lábios tocaram os seus em um beijo lento. Provoquei-a
mordendo seu lábio inferior e fiquei beijando-os sem deixar minha
língua invadir sua boca. Hannah não aguentou a lenta provocação por
mais de dez segundos. Sua mão segurou minha nuca e ela tomou a
iniciativa de aprofundar o beijo. Sorri, apreciando o modo faminto como
sua língua buscava a minha e sua mão atrevida arranhava minhas
costas sobre o tecido da camisa social.
Após um beijo de tirar o fôlego, seus beijos desceram para o meu
pescoço e eu rezei para que ninguém aparecesse quando ela começou
a desabotoar minha camisa. Enquanto Hannah se ocupava com os
botões, minhas mãos acariciavam suas coxas, aproveitando para subir
mais o seu vestido e roçar meu membro, extremamente duro a esse
ponto, na sua virilha.
Toc, toc.
— Estava demorando — resmunguei ao ouvir alguém bater na
porta. — Só um momento — gritei para a pessoa do outro lado,
enquanto ajudava Hannah a descer da mesa e abotoava minha camisa.
— Hoje à noite eu juro que ninguém irá nos atrapalhar — prometi.
O intruso em questão era um dos conselheiros, que havia
esquecido seu chapéu na sala. Depois que ele saiu, Hannah disse que
ia tomar banho e se arrumar com Hailey para o nosso cinema. Eu
acompanhei-a até o quarto aproveitando para ver nossa filha, porém
me escondi ao ver que ela estava torturando a babá, seus brinquedos e
sua nova amiguinha Louise, filha de Grant.
Retirei-me do quarto antes que ela me visse, pois ainda não tinha
superado a última hola do chá e não queria ser convidado nem tão
cedo para outra.

Uma hora mais tarde estávamos em frente à TV vendo o filme


preferido de Hailey mais uma vez. Ela estava produzida com um
vestido como o da princesa, sapatos de cristal e a tiara que eu tinha lhe
dado no dia anterior, só faltava o rato de pelúcia porque Hannah
escondeu o único que consegui.
Nós três dividíamos o sofá, e como Hailey estava no meio, eu
precisava esticar meu braço por trás dela para fazer cafuné em
Hannah. Além de nós, Ed estava sentado no chão com as costas
escoradas no sofá e um balde de pipoca no colo.
O filme teve início e eu nem prestava atenção, ansioso pelo que
aconteceria logo em breve. Quando chegou a cena do baile, Ed
comentou que eu sabia valsar e ao ver minha pequena toda animada
não tive outra escolha a não ser chamá-la para dançar. Conforme o
príncipe Kit dançava com Cinderela, eu valsava e rodopiava com Hailey
nos braços, sendo presenteado com suas risadas.
Depois disso, o filme seguiu sem mais surpresas até a cena em
que o casal se reencontra para testar o sapatinho. No instante em que
ele se ajoelha, a mágica da edição acontece e outro príncipe aparece
em seu lugar. Hannah me olhou confusa e logo voltou a atenção à TV
quando minha voz ecoou de lá.
— Faz pouco tempo que nos reencontramos. Tive algumas
atitudes reprováveis nesse tempo, mas desde que esbarramos no
cemitério, percebi que nunca deixei de te amar. Sempre foi você,
Hannah, desde o dia em que conversamos pela primeira vez na escola
e será até o dia em que eu der meu último suspiro. Não haverá outra
pessoa para ocupar esse lugar no meu peito que é só seu. Nunca
esqueci quando me disse não se interessar pelo príncipe somente por
causa do título, e eu sei que até hoje você ama quem eu sou de
verdade, um Andrew cheio de medos e defeitos. Não deixarei mais
nada interferir entre nós e se me disser sim dessa vez, prometo te fazer
feliz para sempre e esse para sempre será vivido todos os dias.
O Andrew do vídeo se calou e eu continuei a fala, já que estava
ajoelhado em frente a mulher da minha vida estendendo-lhe um anel.
— Hannah Price, aceita passar o resto da vida comigo?
— Eu fiz essa pergunta primeiro — brincou com um sorriso doce,
enquanto lágrimas banhavam seus olhos.
— Eu conferi nos regimentos da realeza e um pedido só é
confirmado quando o anel é entre... — Não cheguei a terminar a frase,
pois minha fala foi silenciada com um beijo.
— É claro que eu aceito, seu príncipe idiota — disse ao afastar os
lábios dos meus. As palavras atingiram meu peito como um canhão de
felicidade e não resisti a beijá-la de novo.
— Tem criança na sala — Ed alertou e foi somente por isso que
afastei Hannah do meu abraço.
Aproveitei para segurar sua mão e colocar o anel, sentindo
lágrimas descerem por minha face. Nem acreditava que finalmente eu
tinha a certeza que ficaríamos juntos.
— E pensar que eu juntei esse casal — Ed falou e quando olhei
para ele, vi que chorava mais do que eu.
— Eu tabem axudei o papai — Hailey comentou, deixando-me
chocado e ainda mais emocionado. Até o momento, ela ainda não tinha
me chamado de papai. Nós não a tínhamos pressionado para se referir
a mim como seu pai. Era um processo que levava um certo tempo e
preferi esperar que ela me enxergasse desse modo, felizmente não
demorou tanto tempo.
— O que disse? — Hannah fez a pergunta que eu não consegui
pronunciar.
— Eu axudei. — Ela realmente tinha me ajudado, ficando
responsável por marcar o cinema com a mãe.
— Como você me chamou, minha princesa? — indaguei,
controlando um pouco das minhas emoções.
Hailey abaixou a cabeça, parecendo envergonhada por ter
cometido algum erro. Afastei-me de Hannah por um instante e dirigi
minha atenção a ela.
— Você pode me chamar de papai sempre que quiser, minha vida.
— Ergui seu queixo e encarei aqueles olhinhos tão semelhantes aos
meus. — Na verdade, o papai ficará muito feliz se me chamar assim de
agora em diante. — E ela teria mais uma arma na mão para me
manipular. Eu já não conseguia dizer não a ela, agora se me pedisse
um pônei, além de concordar eu lhe traria um cavalo puro sangue...
— Agora você precisa ir com o tio Ed. O papai vai levar a mamãe
para jantar, ok?! — Beijei sua testa. — Boa noite, minha princesa.
— Boua note. — Hailey se virou para a mãe e a abraçou. — Boua
note, mamãe.
— Para esta noite ser mais perfeita, só falta mais uma coisa —
sussurrei, quando nos vimos sozinhos.
— O que seria? — questionou, com um brilho malicioso no olhar e
eu respondi agarrando-a.
Capítulo Trinta e oito

Trinta e oito
Porque eu quero te abraçar
Quero beijar seus lábios
Quero fazer você se sentir desejada
Quero chamar você de minha
Quero segurar sua mão para sempre
Wanted - Hunter Hayes
Andrew
— Você realmente não estava exagerando quando disse ter
arrumado um quarto distante de todos — Hannah comentou depois de
uns oito minutos caminhando pelo castelo.
— Já estou arrependido de não ter começado a noite naquele
maldito sofá.
Sua resposta a meu sofrimento foi uma gargalhada estrondosa.
Às vezes tentar ser romântico pode não ser uma das escolhas
mais sábias. Com a ajuda do Ed, tinha planejado a noite para ser
inesquecível. Afinal, depois de tanto tempo, eu queria que o momento
fosse mais que especial para nós dois e também para fazê-la esquecer
de qualquer outro homem que tenha existido em sua vida durante esse
tempo.
Entretanto, não tinha calculado que teria que cruzar o castelo
quase inteiro para sair da sala onde vimos o filme para o quarto.
Aqueles minutos foram uma verdadeira tortura. Depois de Hannah ter
dito "sim" ao meu pedido de casamento, eu só queria estar dentro dela
e torná-la minha de todas as formas possíveis.
— Chegamos! — anunciei em um tom mais alto do que o
esperado.
Apesar de estar mais que ansioso para nossa noite, quando
paramos em frente a porta branca que dava acesso ao quarto, senti um
leve nervosismo. Eu tive relações sexuais com a Sophia mais de uma
vez, no entanto com Hannah sempre foi e será diferente. Com ela, não
seria um ato puramente carnal, pois tem cuidado e amor envolvidos. Há
tanto tempo eu não sabia como era isso, que me sentia quase um
virgem outra vez.
— Estou sentindo como se fosse nossa primeira vez de novo —
ela comentou, como se lesse meus pensamentos.
Virei o rosto para encará-la.
— Confesso que me sinto assim também. — Ergui minha mão
que segurava a sua e levei até meus lábios, o anel de ouro branco com
uma pedra de diamante cintilava em seu dedo anelar. — É nossa
primeira vez como noivos, então vamos considerar como a primeira vez
do resto de nossas vidas.
— Você às vezes exagera demais, sabia? — riu.
— Exagerar? Espere até ver isso, meu amor. — Abri a porta a
guiando para dentro do quarto.
Hannah observou o ambiente quase de queixo caído. O quarto
estava iluminado por velas — tive o cuidado de usar velas de led para
não correr o risco dela tropeçar e nossa noite acabar com um incêndio.
Pétalas de rosas vermelhas formavam uma trilha até a cama, onde
tinham mais pétalas sobre o lençol branco. Além disso, a alguns metros
da cama, estava posta uma mesa de jantar com um buquê de rosas do
mesmo tom, uma garrafa de vinho com duas taças, morangos e o prato
principal, gnocchi, disposto em um réchaud para manter a comida
aquecida.
— Tem dedo do Ed nisso, não é? — Abracei seu corpo por trás,
para ela não ver meu sorriso ao lembrar de toda a armação para aquele
momento.
— Não gostou?
— Não, não, está lindo. Mas estou notando o esqueminha de
vocês — murmurou. — Logo, tem dedo seu na lingerie que ele me
obrigou a usar, não é?
Meu membro voltou a acordar só de imaginá-la usando o conjunto
vermelho.
— Prometi um título a ele em troca disso, diga-me que ele
conseguiu.
— Terá que descobrir por conta própria, Alteza.
— Será uma honra, meu amor. — Em um segundo, virei seu
corpo de frente para o meu e minha boca possuiu a sua.
Hannah tem o poder de me deixar louco com poucas palavras, só
basta uma provocação para me deixar duro feito pedra.
Enquanto minha língua explorava sua boca, minhas mãos não
perderam tempo em deslizar por seu corpo, alcançando a barra da sua
camisa para despi-la e contemplar suas curvas. Todavia, quando
estava subindo a peça de roupa, ela me empurrou.
— Primeiro vamos jantar, seria um desperdício perder essa
comida.
— Podemos jantar depois — contestei. — Você mesma me
ensinou que a ordem dos fatores não altera o produto.
O som da sua gargalhada só me excitou ainda mais. Ela não tinha
noção de como fazia um homem se sentir com a visão do seu sorriso.
Digo isso porque ela sabia como tinha me deixado, já que minha
ereção era nada discreta sob a calça e ela sentiu-a durante o beijo,
mas, ainda assim, a maldita não teve um pingo de misericórdia pelo
estado que me deixou indo se sentar frente a mesinha de jantar, como
se nada estivesse acontecendo.
— Maldito seja quem teve a ideia desse jantar — resmunguei
frustrado, sentando-me no assento a sua frente.
— Quer vinho, Alteza? — ofereceu, com um tom de voz doce.
Enquanto ela servia as taças com uma expressão inocente no rosto,
entendi seu joguinho: ela realmente queria me enlouquecer.
E seria um grande prazer retribuir.
— Se eu disser o que quero, Hannah, você ficaria mais vermelha
que essas rosas.
No mesmo instante ela parou de servir. Observei-a umedecer os
lábios — movimento que me deixou mais louco —, inspirar o ar
profundamente e suas bochechas adquirirem um tom de vermelho.
Degustando o doce sabor da vitória, prossegui:
— Poderia jogar tudo que está nessa mesa no chão e possuí-la
aqui mesmo.
Hannah ergueu o olhar para mim e meu membro pulsou quando vi
seus olhos ardendo de desejo, deixando transparecer que ela também
imaginava a cena.
— Está esperando o quê?
Como resistir a essa provocação? Eu não tinha estruturas para
competir contra ela, não com ela me olhando daquela forma tão lasciva
e mordendo seu lábio inferior. Diabos, ela tinha que ser tão sexy?
— Pelo modo como me sinto agora, temo que eu não resistiria a
mais de um minuto se pegá-la nessa mesa — confessei. — Mas
prometo que depois de tê-la feito sentir prazer, o nosso segundo round
será aqui.
Levantei-me e vi a expectativa surgir no seu olhar. Hannah
esperava que a levasse para a cama, porém como ela mesma tinha
sugerido jantar primeiro, não seria eu a desobedecê-la. Peguei seu
prato para servi-la e vi a mesma frustração que senti minutos atrás
surgir em sua face.
O jantar se seguiu com mais provocações de ambos os lados.
Minha ereção não diminuiu um segundo sequer durante esse tempo,
principalmente porque Hannah ia se soltando ainda mais a cada taça
de vinho e suas provocações tornavam-se mais diretas.
— Creio que já podemos partir para a sobremesa — anunciei,
tirando a garrafa de vinho de cima da mesa e colocando-a no chão para
evitar que Hannah ficasse bêbada e nossa noite tivesse que ser adiada.
— Finalmente. — Provando meu ponto que o álcool tinha deixado-
a mais desinibida, ela se levantou parando a poucos centímetros de
mim.
— Eu estava me referindo a sobremesa de verdade, porém gostei
muito mais da sua interpretação.
Afastando minha cadeira da mesa, segurei sua mão e a puxei
para meu colo. Sem nenhum pudor, ela sentou com uma perna de cada
lado do meu corpo e seus lábios buscaram os meus.
Eu tinha esquecido o quanto ela ficava majestosa quando tomava
a iniciativa, me dominando como queria.
Hannah começou a rebolar lentamente, se esfregando na minha
ereção. Agarrei forte sua cintura para que ela não ousasse parar o
movimento. Como se já não fosse o suficiente para me torturar, suas
mãos foram desabotoando minha camisa avidamente, e interrompeu o
beijo apenas para tirar a peça do meu corpo.
— Temos que ser justos, não é? — disse, já erguendo sua blusa
para despi-la também.
Senti falta dos vestidos que ela tinha que usar durante as reuniões
com os conselheiros. A espera para ver seu corpo teria sido menor do
que com a camisa e calça que ela vestia. Qualquer pensamento
racional desapareceu da minha mente ao ver o sutiã que ela usava.
A peça era de renda vermelha e isso por si só já era atordoante,
mas a pior — ou melhor — parte era que seus seios estavam
completamente expostos, pois o tecido que os cobria era transparente.
Quase babei enquanto contemplava seus seios, maiores do que antes,
e seu mamilo enrijecido, doido para se ver livre do tecido.
— Ainda lembra como se abre? — provocou com a voz rouca.
— Veremos.
Hannah soltou um gritinho de surpresa quando levantei com ela
em meu colo e rapidamente suas pernas se cruzaram em volta do meu
corpo. Voltei a beijá-la enquanto caminhava em direção a cama. Ela já
tivera seu momento e agora seria a minha vez de comandar.
A rapidez com a qual cheguei até a cama foi impressionante e
logo seu corpo estava deitado sob o meu.
— Mesmo que eu morra de desejo, vou venerar cada parte do seu
corpo — sussurrei em seu ouvido. — Quero conhecer todas as
mudanças que teve nesse tempo e admirar cada detalhe que encontrar.
Vou lembrar-lhe como é se sentir a mulher mais amada e desejada de
todo o universo. Quero ouvir seus gemidos quando estiver lhe dando
prazer.
Senti seu corpo se contorcer e sua respiração se tornar mais
ofegante. Sem aguentar mais um segundo sem tocá-la, segurei sua
mão com o anel de noivado e comecei a beijar sua pele ali. Sem
nenhuma pressa, fui subindo meus beijos por seu pulso, braço,
ombro...
— Andrew, você já pode pular essa parte — ofegou, agarrando
meus ombros com as unhas.
Ignorei-a repetindo todo o processo com o outro braço. Ao chegar
no ombro, desci os beijos pelo vale entre seus seios resistindo a
tentação de beijar seus mamilos que praticamente imploravam atenção.
Primeiro queria apreciar o conjunto da obra daquela lingerie. Sim, eu
mesmo estava me torturando e amando a sensação.
Beijei sua barriga e minhas mãos foram baixando sua calça
lentamente. Interrompi as carícias por um instante ao notar uma cicatriz
que não estava ali antes.
— O parto da Hailey foi meio complicado — explicou baixinho.
— Prometo estar ao seu lado nos próximos. — Que se
dependesse de mim seriam muitos.
Não pude evitar de beijar toda a linha que marcava o lugar que
trouxe nossa filha ao mundo. Antes que eu perdesse minha postura de
safado para assumir a do pai coruja, ocupei-me em terminar de tirar a
calça e os sapatos de Hannah, e fui atingido mais uma vez com a
perfeição daquela mulher.
O conjunto da lingerie era ainda mais tentador do que apenas o
sutiã. A calcinha seguia o mesmo modelo, sendo transparente no ponto
onde eu não via a hora de tocá-la. Fiquei de joelhos na cama,
extasiado, observando cada detalhe e salvando aquela imagem em
minha memória. A luz das velas deixava sua pele com um tom mais
sensual. A cor da lingerie combinava com as pétalas de rosa sobre a
cama, seu cabelo castanho esparramado lembrava o de uma deusa,
mas nada, absolutamente nada, se comparava a expressão em seu
rosto.
Por um segundo, desejei ser um pintor para ser capaz de
eternizar aquela imagem sobre uma tela.
— Vai ficar só olhando? — A voz dela me tirou dos devaneios, me
fazendo sorrir. Menina exigente.
— Você é linda demais, não posso evitar. — Hannah sorriu e não
lutei contra a vontade de voltar a beijá-la.
Dessa vez, meu beijo foi diferente. Mais exigente, mais faminto.
Minhas mãos tocavam seus seios, sua cintura, suas coxas. Ela
arquejava quando eu alcançava pontos sensíveis do seu corpo. Alguns
sons deliciosos deixavam seus lábios e para ouvi-la gemer desci meus
beijos para seu pescoço. Hannah respondia minhas carícias
arranhando minhas costas e braços.
Minhas mãos foram para trás do seu corpo e sem nenhuma
dificuldade abri o fecho do seu sutiã. Praticamente arranquei a peça,
me deliciando com a visão dos seus seios.
— Você me deixa doido, mulher! — Foram minhas últimas
palavras antes de beijar seu mamilo e deixar minha mão brincar com o
outro seio.
Hannah murmurava meu nome junto a outras coisas
incompreensíveis. Em dado momento, troquei os beijos para o outro
mamilo e seus gemidos não pararam. Diabolicamente, minha mão
desceu para tocar seu ponto sensível ainda por cima da calcinha. Por
sorte estávamos afastados de todos no castelo ou teriam ouvido o grito
que escapou da sua garganta.
Parei de beijá-la para tirar sua calcinha e finalmente tê-la
totalmente nua. Apesar da vontade de querer admirá-la, optei por abrir
suas pernas e, diante do seu olhar de surpresa, aproximar minha
cabeça de sua feminilidade.
— Andrew, você não... Ah! — Ela não terminou a frase, pois
minha língua tocou-a — e espero que tenha parado de raciocinar.
Concentrei toda minha atenção em chupá-la, lhe dando o máximo
de prazer. Seus gemidos eram um indicativo de que meu objetivo
estava sendo alcançado e não demorou muito para ela agarrar meu
cabelo, apertar as coxas em volta da minha cabeça e deixar o orgasmo
lhe atingir por inteira.
Aproveitei o instante em que ela tentava controlar a respiração
para tirar o restante das minhas roupas. Não tinha como aguentar mais
um segundo longe dela, meu membro estava dolorido de tão rígido.
Hannah percebeu isso no instante em que terminei de me despir, pois
seus olhos logo focaram na minha ereção.
— Eu... er... você... — disse, sem conseguir formar uma frase. Ela
limpou a garganta e voltou a falar: — Camisinha!
— Para que? Podemos começar os oito irmãozinhos da Hailey
hoj...
— Camisinha, Andrew! — Ela não conseguia falar, porém sabia
dar ordens.
Rindo, abri o criado mudo perto da cama pegando um pacote. Ao
colocar o preservativo, voltei para a cama e fiquei em cima dela,
apoiado nos meus cotovelos.
— Onde paramos? — Minha querida noiva respondeu agarrando
minha nuca e me puxando para um intenso beijo.
Enquanto nos beijávamos, posicionei meu membro em sua
entrada e fui preenchendo-a devagar. Nós dois arfamos quando eu
estava totalmente dentro dela. Meu Deus, a sensação era mil vezes
melhor do que minhas memórias.
— Senti tanta falta disso — murmurei, começando a me
movimentar dentro dela.
— Eu também — gemeu.
Minhas investidas foram aumentando a intensidade conforme seu
corpo se acostumava com o meu. Logo meu quadril se movimentava
num ritmo frenético, acariciando aquela sua região tão íntima até ela
incendiar completamente.
Hannah arqueava o corpo em direção ao meu, pedindo e
implorando por mais. Troquei de posição e ergui suas pernas,
apoiando-as nos meus ombros afundando ainda mais nela, investindo
cada vez mais rápido. Tive que me controlar muito para não chegar ao
clímax ouvindo seus gemidos deliciosos, e quase não consegui quando
seu corpo ficou rígido e ela gritou chegando a mais um orgasmo.
Abaixei suas pernas beijando-a delicadamente, no intuito de me
recuperar para aguentar mais tempo. Hannah, no entanto, não
compartilhava dos mesmos pensamentos que eu e, aproveitando minha
distração, conseguiu inverter nossas posições ficando por cima de mim.
— Minha vez — sussurrou, encaixando-se no meu membro e
deixando-o deslizar para dentro de si.
Estou perdido, pensei em dizer, porém não tive forças para
pronunciar qualquer outra coisa que não seu nome. Hannah cavalgava
em cima de mim, seus seios balançavam conforme ela se movimentava
e minhas mãos não aguentaram ficar sem tocá-los. Senti que
começava a me aproximar do clímax e dessa vez não teria como parar,
já que ela estava no comando. Sendo assim, minha mão deslizou para
o seu íntimo estimulando seu clítoris enquanto explodia dentro dela,
dando a ela um novo orgasmo. Seu corpo trêmulo caiu sobre o meu.
Perdi a noção do tempo. Hannah tinha se aninhado em meu peito
e eu acariciava seus cabelos enquanto a mantinha em meu abraço. O
silêncio entre nós era agradável e eu jurava que ela tinha adormecido
até ouvir sua voz baixinha:
— Estou com medo de dormir e descobrir que tudo não passou de
um sonho.
— Eu sei um ótimo jeito de nos mantermos acordados.
Minha mão tocou sua bunda e ao invés de me reprimir como eu
esperava, ela virou o rosto para me encarar.
— E a promessa sobre a mesa?
Nem pensei quando levantei da cama com seu corpo ainda
grudado ao meu indo em direção ao móvel. Afastei alguns objetos e
sentei Hannah sobre a ponta da mesa, me encaixando entre suas
pernas. Meu membro já estava ereto e quando a toquei senti que
estava pronta para me receber também.
— Eu te amo demais, mulher — sussurrei contra seu pescoço
antes de penetrá-la.
— Eu também te a...
Toc, toc.
— Ah, não! — choraminguei e parei qualquer movimento.
— Você não disse que ninguém iria nos perturbar? — minha noiva
zombou.
— Eu disse que só poderiam bater nessa porta se algo
acontecesse com nossa filha ou o castelo pegasse fogo.
— Se fosse com a Hailey, o Ed chegaria gritando — comentou. —
Será que é fogo?
— Espero que seja, senão matarei a pessoa do outro lado. —
Contra minha vontade e todo o meu desejo, afastei-me de Hannah.
Não me preocupei com as vestimentas quando caminhei até o
intruso, pois eu só iria abrir a porta o suficiente para mandá-lo ir dormir.
— Vossa Alteza — Grant cumprimentou.
— Foi algo com a Hailey? Incêndio? Alguém invadiu o castelo? —
Ele negou todas as alternativas. O rosto do homem era inexpressivo. —
Que diabos aconteceu então?
— Ligaram do hospital...
— O que aconteceu com meu pai? — Um arrepio percorreu meu
corpo, e não como os que Hannah provocou durante a noite. Para
Grant aparecer depois de todas as instruções que lhe dei, a informação
devia ser muito importante.
— O rei acordou — anunciou.
Capítulo Trinta e nove

Trinta e nove
Porque dizem que lar é onde o coração se grava em pedra
É onde você vai quando está sozinho
É onde você vai para descansar seus ossos
Não é só onde você encosta sua cabeça
Não é só onde você faz a sua cama
Home - Gabrielle Aplin

Hannah

— O rei acordou — foram as palavras ditas por Grant do outro


lado da porta.
Andrew ficou estático onde estava por cerca de um minuto, sem
esboçar nenhuma reação. Rei Dominic tinha apresentado algumas
melhoras na última semana, respondendo a estímulos motores, no
entanto os médicos não tinham nos dado nenhuma esperança de
quando ele podia acordar, e pelo visto ele escolheu um ótimo momento.
— Eu não deveria tê-los interrompido, mas acreditei que Vossa
Alteza gostaria de receber a notícia em primeira mão — acrescentou o
guarda, diante do silêncio do príncipe.
Já estava me enrolando no lençol para ir até ele quando sua voz
grave pediu ao guarda para preparar um carro, que ele sairia em dez
minutos. Após fechar a porta, Andrew se virou para mim.
— Eu tinha planejado passar a noite inteira com você e acordar ao
seu lado, contudo preciso ir ao hospital ver com meus próprios olhos —
informou, em tom de desculpas.
— Não poderia haver motivo melhor para interromper nossa noite
— respondi, me aproximando. Andrew parecia um tanto abalado pela
notícia. Mesmo sendo uma ótima novidade, ainda era inesperada, e ele
parecia não saber lidar com a onda de sentimentos que o invadia.
Toquei seu ombro, para mostrar que estava ali ao seu lado.
— Posso ir com você?
— Claro.
E assim, depois de quarenta minutos estávamos diante da médica
que fazia plantão naquela noite. A doutora Yang fez um breve resumo
sobre o atual estado do rei: ele tinha despertado cerca de uma hora
atrás e até o momento se mantinha de olhos abertos e respirando sem
a ajuda de aparelhos, também conseguiu mexer as mãos e mesmo
com a voz fraca conversou com a equipe que o atendia.
— O rei está consciente e não parece haver danos neurológicos.
Sua memória parece intacta, no entanto sua visão do olho esquerdo e
locomoção foram afetadas. Ainda é cedo para dizer se as sequelas
serão irreversíveis — relatou. — Precisaremos de tempo para avaliar,
mas faremos todo o possível para que sua majestade esteja bem logo.
Disso eu não tinha dúvidas, o rei é um homem forte e logo estaria
totalmente recuperado. Quem sabe até correndo atrás da Hailey no
jardim do castelo. Sorri ao imaginar a cena e apertei a mão do Andrew,
que estava sobre sua coxa, para passar um pouco da confiança que
sentia. Ele me olhou em agradecimento.
— Podemos vê-lo? — perguntou o príncipe.
— Sim — consentiu. — Só temo que não terão muito tempo, pois
as medicações para aliviar as dores podem causar sono.
Ela nos guiou até o quarto do rei. Havia uma enfermeira lá e ela e
a médica nos deixaram a sós para termos privacidade. Pensei em sair
também, porém Andrew não soltou minha mão e não tive como negar
seu pedido implícito para ficar.
Foi inevitável não chorar de alegria quando observei rei Dominic
deitado sobre a cama, com os olhos totalmente abertos e sem
inúmeros tubos para mantê-lo vivo. Havia apenas a sonda no seu nariz
que era usada para alimentá-lo e o equipo do soro no seu braço.
A aparência dele também estava diferente. O rei usava a barba
longa desde que me entendo por gente. Contudo, como estava
entubado, era complicado manter a higiene da barba então Andrew
concedeu a permissão para os enfermeiros rasparem os pelos do seu
rosto, e agora restava apenas uma barba rala. Apesar de estar mais
magro do que eu lembrava, o homem parecia ter rejuvenescido uns dez
anos.
O príncipe apertou minha mão mais forte se aproximando do leito.
Os olhos dele também estavam marejados e pude sentir o alívio que
tomava conta de seu corpo ao ver o pai acordado outra vez.
— Olá, pai — sussurrou, levando a mão livre aos olhos para secar
as lágrimas.
Rei Dominic virou a cabeça lentamente na direção da voz e seu
rosto foi tomado pela surpresa.
— Andrew! — a voz dele estava fraca, como se estivesse fazendo
um grande esforço para falar, mas ainda assim foi ótimo ouvi-la depois
de tantos anos. — Espero que tenha cuidado bem do reino na minha
ausência.
Sem dúvidas, a primeira preocupação dele seria Mirabelle. O
homem vivia para servir ao país.
— Creio que sim, depois posso lhe passar um relatório detalhado
das últimas semanas. — Segurando o riso, ele soltou minha mão para
pegar a do pai. — Mas o que importa agora é o senhor, como está se
sentindo?
— Estou vivo, é o que importa. — O homem era orgulhoso demais
para admitir fraquezas. — A médica informou que poderei recuperar-me
aos poucos, enquanto isso você me manterá atuali...
— Pai, o senhor acabou de acordar depois de semanas —
Andrew o interrompeu gentilmente. — Não se preocupe com o reino,
está tudo sob controle.
O rei moveu os lábios prestes a contestar, quando seu filho
acrescentou:
— Tenho permissão de dar ao menos um abraço em meu pai
antes do interrogatório do rei?
— Bem, eu não conseguirei abraçá-lo de volta — respondeu, meio
constrangido.
Como uma espectadora, assisti Andrew se inclinar sobre a cama
e envolver seu pai em um abraço meio desajeitado. Senti-me uma
intrusa no momento que deveria ser só deles. Me afastei um pouco
para lhes dar alguma privacidade.
— Senti tanto sua falta. — Pela voz entrecortada dava para notar
que o príncipe chorava.
Eu nem conseguia imaginar a felicidade que devia estar
dominando-o. Antes de eu voltar com Hailey, Dominic era a única
família que ele tinha, e as semanas que passou sem saber se o pai
acordaria ou não foram um tormento para o coitado.
Ao se afastarem, vi lágrimas iluminando o rosto do rei. Eu
definitivamente não devia estar ali.
E tive mais certeza disso, quando vossa excelentíssima
majestade virou a cabeça em minha direção, parecendo me avaliar.
— Perdão, senhorita, só consigo enxergar um borrão quando olho
para você. Poderia dizer seu nome?
— Olá, majestade. — Fiz uma reverência, mesmo sem saber se
ele conseguia ver o movimento. — So...
— Hannah! — constatou, antes que eu pudesse dizer meu nome.
— Não sabia que estava de volta à Mirabelle.
— Voltei depois do seu acidente. — Caminhei até ficar ao lado de
Andrew para ver se ele me enxergava melhor.
— Então presumo que meu acidente tenha atrapalhado o
casamento com a princesa Sophia.
— Sim, evitou que eu cometesse um dos maiores erros da minha
vida. — Andrew desviou o olhar para mim, me lançando um sorriso de
bobo apaixonado que fez meu coração derreter. — E o universo me
deu uma nova chance de reencontrar a felicidade.
— Espero que meu filho não a tenha dado trabalho, Hannah.
— Claro que não, eu sou um perfeito cavalheiro — o acusado
contestou.
— Um pouquinho no início, mas agora o tenho em minhas mãos
— respondi e ele abriu um leve sorriso.
— Pelo visto, cumpri minha promessa mesmo indiretamente —
afirmou.
— Qual promessa? — meu noivo indagou.
— Quando estava indo embora do castelo, encontrei seu pai e ele
disse que iria adiar o casamento de vocês o quanto pudesse —
respondi, para evitar que rei Dominic se esforçasse mais.
— Como rei, sempre cumpro minha palavra — falou e ao final da
frase bocejou. — Perdão, esses remédios deixam-me exausto.
— Descanse um pouco, mais tarde teremos longas histórias para
lhe contar e traremos alguém para conhecê-lo. — Andrew beijou a mão
do pai, que já estava de olhos fechados.
Deixamos o quarto e voltamos a conversar com a médica sobre a
recuperação do rei. Ele precisaria passar mais uma semana no
hospital, para realizar novos exames e ser monitorado 24 horas por dia,
e se não apresentasse complicações, poderia continuar os tratamentos
no castelo.
O príncipe queria permanecer ali, mas consegui convencê-lo que
sua presença não ajudaria em nada e ele só estaria cansado no dia
seguinte, quando realmente o pai precisaria dele para informar os
últimos acontecimentos. Assim, retornamos ao castelo e dormimos
juntos em seu quarto. Andrew não me soltou um segundo sequer
durante a noite e foi o sono mais tranquilo da minha vida depois de
anos.
~
Na manhã seguinte retornei ao hospital acompanhada de Hailey,
Jake e dois guardas. Segundo um dos protocolos da realeza, dois
sucessores do trono não podiam viajar no mesmo veículo e por isso
Andrew foi em outro carro. Já Jake, nos acompanhou por insistência da
Hailey, ela o convenceu dizendo que tinha medo de hospital e que
queria que ele fosse junto. O coitado era mais um na lista dos que não
sabiam dizer não a ela.
— Fico feliz por vocês — Jake quebrou o silêncio desconfortável
em algum momento do percurso, olhando o anel em meu dedo. —
Sempre soube que vocês foram feitos um para o outro.
Encarei-o com afeto. Estivemos distantes na última semana, mas
ele frequentava o castelo vez ou outra para ver Hailey e nossas
conversas eram mais casuais. Além disso, o ciúme do Andrew já tinha
sumido e eu percebia que ele sentia falta do amigo, assim como eu
também sentia.
— Nunca foi minha intenção magoar você, Jake — disse, com
sinceridade. — Sei que não posso lhe pedir para voltarmos a ser como
antes, mas gostaria de ter sua amizade de volta algum dia.
— Acha que vai se livrar de mim tão fácil, sua bobinha? — Ele
esticou o braço e bagunçou meu cabelo, como se eu fosse uma
criança. — Estive distante porque eu precisava de um tempo para
entender melhor meus sentimentos e não queria atrapalhar nada entre
vocês.
Eu sempre me surpreendia com seu nível elevado de maturidade.
— Ótimo, porque senti sua falta. — Jake riu e me puxou para um
abraço.
— Só falta convencer aquele príncipe cabeça dura de que eu já
superei você, pois sinto falta dele também — confessou.
— Logo, logo ele vai ceder, tenho certeza.
— Tio Jeika! — Hailey, que estava na cadeirinha do meu outro
lado, o chamou e logo toda sua atenção se voltou para ela.
Chegamos ao hospital e usamos um elevador privado para
despistar os repórteres. A notícia que o rei tinha acordado se espalhou
rapidamente pelo país e pelo mundo, e agora jornalistas dos quatro
cantos do planeta estavam ali em busca de mais notícias sobre a
família real de Mirabelle.
Conseguimos entrar sem alardes. Andrew já estava lá há cerca de
uma hora, pois queria explicar alguns acontecimentos ao pai, evitando
que ele soubesse por outras fontes. Antes de ir para o quarto, tive que
seguir os protocolos do hospital e passar com Hailey na psicóloga, que
a preparou para o momento, explicando que o rei estava dodói e não
podia se mexer por enquanto.
Quando batemos na porta do quarto, foi Andrew que surgiu,
abrindo um enorme sorriso ao nos ver.
— Finalmente — enunciou. — Ele estava quase levantando da
cama e indo confrontar Samantha.
O príncipe tinha decidido informar primeiramente ao pai sobre a
tentativa de assassinato. Guardou as informações sobre a Hailey e o
que descobrimos sobre o acidente da rainha Cristal para depois, o
coração do homem podia estar fraco ainda para tantas revelações.
— Oi, minha princesa — Andrew se voltou para nossa filha
estendendo os braços para pegá-la. Hailey, já apaixonada por ele,
prontamente aceitou. —Está pronta para conhecer o rei?
A criança concordou animadamente.
— Obrigado por acompanhá-las, Jake. — Agradeceu ao amigo e
meu peito se encheu de alegria. — Quando os médicos liberarem para
outras visitas, você poderá vê-lo. Tenho certeza que ele gostará de
prestar as condolências pelo seu pai.
— Obrigado, Alteza.
— Ora, não precisamos dessa formalidade, pode me chamar de
Andrew ou de Drew. — Jake sorriu diante a abertura que ele o
concedeu.
— Diu — nossa filha repetiu, quando todos estavam em silêncio.
— Papai, Hailey, pa-pai — soletrou o príncipe, com uma
expressão de desespero.
— Papai diu.
— Não, minha princesa, apenas papai — argumentou.
— Vamos entrar? — interrompi o momento, sabendo que logo ela
esqueceria o nome, mas se ele continuasse insistindo, Hailey
realmente iria passar a chamá-lo de Diu.
Jake deixou-nos a sós e entramos no quarto. O rei virou a cabeça
na nossa direção ao ouvir o som da porta se abrindo, seus olhos
tentando focar em Andrew e na criança em seus braços.
— Pai, lembra quando comentei na noite passada que lhe
apresentaria alguém especial? — Ele caminhou até o leito. — Esta é a
Hailey.
— Ela... — o rei não terminou a pergunta, seus olhos arregalaram-
se em surpresa, compreendendo quem era ela antes mesmo de ser
dito.
— Ela é minha filha com Hannah. — Olhou para a criança. —
Hailey, esse é o rei Dominic, seu vovô.
— Como? — indagou o rei, atônito.
— Eu realmente não gostaria de lhe explicar como ela foi feita —
Andrew brincou.
— Eu a escondi durante esse tempo, achando que assim estava
protegendo-a — respondi. — Peço perdão por isso, jamais me
perdoaria se vossa majestade mor.. — Senhor, eu não podia falar da
sua morte na sua frente. Limpei a garganta e corrigi: — Se vossa
majestade não a conhecesse.
Levou alguns segundos para a surpresa sumir e uma certa
compreensão surgir em seu rosto.
— Não irei julgá-la sem conhecer seus motivos, minha jovem —
disse, e em seguida desviou o olhar para a menininha encolhida nos
braços do pai. — Olá, Hailey! Já conheceu nosso castelo?
E com essas palavras, ele a conquistou.
Hailey contou, com suas palavras incompreensíveis, que amava o
castelo e tinha ganhado uma coloa, além de ter chá toda hora.
Duvidava que o rei tivesse entendido mais do que uma frase, no
entanto ele sorria largamente com os relatos da neta.
— É estranho dizer isso quando meu pai despertou do coma há
menos de 24 horas, mas nunca o vi tão feliz — comentou o príncipe
depois de uns dez minutos de conversa entre os recém-conhecidos.
Quis expressar que também nunca me senti tão feliz como
naquele instante, mas o nó em minha garganta impediu as palavras de
saíram.
Senti a ardência das lágrimas brotando em meus olhos. Semanas
atrás, quando soube do acidente do rei, meu maior desejo era
apresentá-lo à neta. Finalmente tinha conseguido e, mais que isso,
também consegui recuperar minha família.
Capítulo Quarenta

Quarenta
Mostre-me como é
Ser o último a ficar de pé
E ensine-me a diferença entre o certo e o errado
E eu te mostrarei o que posso ser
Saving’me - Nickelback
Andrew
É incrível como a vida passa mais rápido quando você está cheio
de felicidade. Os dias que Hailey passou sequestrada pareceram durar
uma eternidade, ao contrário do último mês em que tantas coisas boas
aconteceram que nem vi o tempo passar.
As negociações com países republicanos vinham sendo um
sucesso e as projeções para nossa economia eram esperançosas.
Hannah se mudou oficialmente para o meu quarto e tinha iniciado
os preparativos para o casamento. Além disso criou um projeto social
voltado para o tráfico de crianças, pois, com o sequestro da princesa, o
assunto ganhou repercussão na mídia e muitas mães ganharam voz
para expor casos contra suas filhas ou parentes. Então, minha noiva se
juntou a elas nessa luta, que ganhou grande foco sendo discutido em
Mirabelle e também em outros países. Hannah se orgulhava muito em
estar fazendo alguma diferença no mundo e não parava de planejar
projetos futuros.
Cada dia eu tinha mais certeza que não poderia haver rainha
melhor para meu povo.
Meu pai concordava comigo. Ele saiu do hospital uma semana
após acordar do coma e vinha evoluindo gradualmente na recuperação.
Já conseguia se alimentar sem precisar de sonda e sua visão do olho
esquerdo se recuperou em poucos dias. Com a ajuda da fisioterapeuta,
ele restaurou o movimento dos membros superiores, mas suas pernas
ainda não demonstraram avanços. Portanto, uma cadeira de rodas
automática o ajudava a se locomover e seu quarto bem como a sala do
trono foram transferidos para a parte do térreo do castelo. Elevadores
já vinham sendo instalados para tornar nossa casa mais acessível e
três empregados o ajudavam com todo o resto das suas necessidades.
De certa forma era estranho vê-lo tão dependente de outras
pessoas.
— Algum tempo atrás, eu certamente preferiria morrer a ter que
ficar preso a uma cadeira. Contudo, se tivesse falecido, não teria
conhecido minha neta, e coitada dela se não tivesse um avô como eu
para mimá-la — dissera no jantar de duas noites atrás, quando
questionado por Hannah sobre como ele se sentia.
Hailey e meu pai se tornaram os maiores companheiros um do
outro nesse período. Por recomendação dos médicos, ele ainda não
estava em condições de exercer as atividades de rei, logo continuei a
frente de suas responsabilidades. Tirando as horas da fisioterapia, seu
dia era todo vago. Assim, ele passava a maior parte do tempo com a
neta.
A melhor parte disso tudo era que eu raramente precisava
comparecer a hola do chá, pois o rei é um grande degustador da
bebida e os dois juntos tomavam um bule ou mais todos os dias.
Rei Dominic tornou-se outra pessoa desde que acordou. Minha
suspeita era que sua mudança se devia total e exclusivamente à Hailey.
Ela trouxe alegria à vida dele. Meu pai sorria mais e vivia de bom
humor. Certa vez, me atrasei para uma reunião porque passei pelo
salão principal do castelo e vi os dois brincando, e nada no mundo me
faria perder aquela cena.
Eles apostavam corrida, o rei na sua cadeira e ela no carro
elétrico, que misteriosamente surgiu ali e era controlado pela babá. Não
sei quanto tempo ficaram na brincadeira, mas nos dez minutos que
assisti, quando um ganhava o outro pedia revanche e recomeçavam a
corrida.
O despertar do rei também contribuiu para desviar o foco da
imprensa sobre os demais problemas de Mirabelle. Quase não se
falava sobre a "bastarda", sobretudo depois dele ter levado a neta em
sua aparição ao povo e apresentado-a formalmente como Hailey Price
Walker Leining-Steinfield-Dalghiesh pela primeira vez.
Hannah tinha reclamado que nossa filha nem conseguiria
pronunciar seu nome até os dez anos de idade.
Apesar da imprensa ter tirado o foco dos problemas, eles ainda
existiam. Ao menos um ainda não tinha sido resolvido: o julgamento de
Samantha e Eros.
Michael, agora um cidadão que cumpria serviços voluntários para
pagar as penas de seus crimes, isso quando não estava se agarrando
com o Ed, entrou no serviço de inteligência para ajudar nas
investigações sobre Morris e Samantha.
O hacker fez um ótimo trabalho desenterrando provas de crimes
do antigo detetive e acabou sendo contratado oficialmente. Nas suas
descobertas, ele encontrou documentos alterados por Morris das
perícias dos acidentes envolvendo meus pais e os pais de Hannah.
— Eu acredito que os pais da Hannah estavam investigando a
morte da rainha e por isso Samantha os matou — Michael expôs sua
teoria quando nos apresentou as provas contra Morris.
Apesar de todas as hipóteses que tínhamos, só descobriríamos
toda a verdade ao interrogá-la. O que aconteceria naquela manhã.
Esperamos tanto tempo pelo julgamento devido ao estado de
saúde do meu pai. Tinha receio dele não suportar que a morte de
minha mãe não foi um acidente e estava certo em esperar.
Na noite anterior ao julgamento, contei a ele todas as suspeitas de
crimes e nunca o vi tão furioso. Até aquele momento, ele só sabia do
envolvimento de Samantha no seu acidente e no sequestro da Hailey, e
isso já era motivo o bastante para ele estar odiando-a. Contudo, ao
mostrar a perícia alterada do acidente de minha mãe, o homem perdeu
a cabeça.
Dominado pela raiva, o rei atirou na parede vários objetos que
estavam ao alcance dos seus braços, gritou, ameaçou fazer justiça com
as próprias mãos e, por fim, ele chorou.
Chorou com uma criança, os soluços expressando toda a dor
dilacerando seu peito. Sua angústia era tanta que lágrimas brotaram
em meus olhos também.
— Eu jurei protegê-la e não cumpri minha palavra — dissera em
algum momento do seu pranto.
Quando ele se acalmou, abaixei-me para abraçá-lo e dizer
palavras de conforto. Acho que ficamos horas nessa posição, pois os
primeiros raios de sol já surgiam quando voltei para o meu quarto.
Ao nos encontrarmos para ir ao tribunal, ninguém acusaria que ele
teve uma noite ruim. O rei, mesmo na cadeira de rodas, exalava todo o
seu poder só por sua postura e olhar gélido. Ele seguiu até o local em
um veículo e Hannah me acompanhou no outro.
O rei não perdeu o controle quando Samantha chegou até a sala
onde estávamos na companhia do juiz e advogados. Observei ele
encará-la friamente enquanto ela, algemada, cruzava a mesa para se
sentar no lugar de réu.
— Uma pena que sobreviveu — resmungou ela, devolvendo o
olhar gélido do meu pai.
— Por que, Samantha? — foi a pergunta do meu pai em todo o
seu autocontrole, a frase expressando bem mais que um simples
questionamento.
Os dois se fitaram, sem ao menos piscar os olhos. A tensão
instaurada no local mostrava que aquele era um momento deles para
desenterrarem todas as mágoas do passado, e nós éramos apenas
espectadores intrusos. Sentindo isso, o juiz pediu a todos para se
retirarem. Silenciosamente, os outros deixaram a sala, e somente
Samantha, meu pai e eu permanecemos. Eu jamais confiaria em deixá-
lo sozinho com aquela megera manipuladora.
— Você era uma garota tão doce, o que aconteceu? — continuou
o rei, quando não recebeu uma resposta.
— A culpa é sua, Dominic — rebateu, em tom amargurado. —
Você brincou com meus sentimentos, estragou a minha vida, meus
sonhos, toda e qualquer chance de felicidade que eu pudesse ter. Eu
apenas devolvi o que você me fez sentir.
— Você foi embora, não pode me culpar por ter me apaixonado
pela Cristal.
— Não se faça de bobo, você já é velho demais para isso —
disse. — Sei que você e Cristal tinham um envolvimento bem antes da
minha ida.
Meu pai não negou.
— Me arrependo de não ter percebido na época, teria evitado de
cair no seu papinho de conquistador barato.
— Cristal e eu éramos amigos, nunca aconteceu nada entre nós
quando eu estava com você — o rei se defendeu.
— Aquela sonsa sempre quis tudo que era meu. Ela roubou o
carinho da minha mãe, as brincadeiras com meu irmão e como se não
bastasse ainda roubou você.
— Ela não era assim. Mesmo depois que você foi embora, Cristal
não queria ficar comigo por lealdade a você, para não machucá-la.
— Você acredita mesmo nisso? Eu fui machucada de todas as
formas possíveis por culpa dela. — Samantha perdeu a compostura e
lágrimas desciam por seu rosto.
— Pare de acusá-la sem ela poder se defender.
— Pare de defendê-la sem saber de tudo! — gritou. — Pedi a ela
para te entregar uma carta contando que eu estava grávida e sabe o
que ela fez? Entregou para seu pai.
— Impossível... — murmurou, mas Samantha nem ouviu.
— Seu pai descobriu nosso romance. Me violou, me tirou do país
e me forçou a realizar um aborto contra a minha vontade — gritou,
chorando sem parar.
— Perdão, eu não sabia. Eu teria a protegido se soub... — ele não
terminou a frase.
— É claro que não tinha como saber. Você acreditou na história
que contaram, caso se importasse comigo teria buscado a verdade!
Meu pai ficou sem respostas. Ele realmente não conhecia aquela
parte da história, como eu suspeitava. O silêncio invadiu o local por
alguns minutos, até Samantha voltar a expressar suas mágoas.
— Eu consegui fugir, voltei para Mirabelle depois que aquele
desgraçado morreu, estava louca para lhe contar sobre nosso bebê e
acreditava que poderíamos ficar juntos. Mas quando cheguei, você
estava vivendo um conto de fadas com sua amada Cristal.
— O que aconteceu com o bebê? — ele indagou.
— Nem tive a chance de conhecê-la, pois a mataram assim que
nasceu.
A surpresa dominou a expressão do meu pai. Eu tinha omitido
aquela parte da história, pois não tinha provas a respeito.
— Você deveria ter me procurado, eu a teria ajudado e protegido
você e a criança.
— Eu não queria sua pena — vociferou, voltando a chorar. —
Queria que você cumprisse todas as promessas que um dia me fez!
— Eu entendo parte da sua dor. Gostaria de voltar no tempo e ter
evitado as atrocidades que meu pai cometeu com você e o bebê.
Desculpe-me.
— Não preciso de desculpas. Eu cuidei para que você sentisse a
dor de perder alguém que ama, da mesma forma que senti.
O rei desviou o olhar pela primeira vez, ainda abalado pela
revelação. Ele sofria pela perda da esposa desde o acidente, e saber
que alguém armou para matá-la era ainda mais doloroso.
— Isso lhe trouxe alguma felicidade? Diminuiu sua amargura? —
questionou depois de alguns minutos.
Samantha não respondeu.
— Pensou que eu voltaria para você sem ela no caminho? —
continuou. — Você pode ter tentado tirá-la de mim, contudo Cristal
nunca saiu dos meus pensamentos ou do meu coração. Sabe
Samantha, a única coisa que lembro quando estava em coma são os
sonhos que tive com ela, sempre me pedindo para eu ser feliz, pois
assim ficaria feliz de onde está. Isso é amor, lamento muito por você
nunca ter sentido.
Meu pai fez um gesto para mim, e entendi que a conversa tinha
chegado ao fim e ele queria ir embora. Chamei os enfermeiros para
levá-lo para o castelo, pedindo para avaliá-lo, pois as revelações
deviam tê-lo destruído por dentro e isso poderia afetar sua saúde.
Todos voltaram à sala e demos continuidade ao interrogatório, e a
tia de Hannah não hesitou em confessar todos os crimes. Ela já sabia
que nunca sairia da prisão, então desatou a falar.
Confirmou a teoria de Michael sobre o seu irmão estar
investigando sobre o acidente da rainha e por isso o matou junto com a
esposa. Também confessou que esse foi o motivo pelo qual tentou
afastar Hannah de mim, pois ela poderia saber algo a respeito da
investigação do pai e contar a suspeita ao rei.
Quando questionada sobre o envolvimento com a Sophia e sua
família, ela contou que enxergou uma oportunidade de se aliar a Eros
para ter sua vingança final contra meu pai.
— Nunca compactuei com aquele rei imbecil, o ajudava para
atingir meus objetivos — declarou.
O assunto seguinte foi o sequestro da Hailey. Samantha revelou
que inicialmente planejavam matar a criança logo após meu casamento
com a Sophia, porém ela se apegou a garota e quando Eros ameaçou
matá-la, resolveu acabar com seus planos de conquistar Mirabelle e,
com a ajuda de Morris, interromperam o casamento.
Depois de uma hora de confissão, ela foi condenada à prisão
perpétua por todos os crimes cometidos contra à realeza. E como não
era do tipo que ia para o buraco sozinha, nos deu um endereço onde
tinha um pen drive com mais provas contra o rei Eros. Um guarda se
deslocou para o local no mesmo instante para termos as informações
em mãos na hora do próximo julgamento.
Quando estávamos com as provas em mãos, Eros foi trazido para
a sala. Arrancar sua confissão foi bem mais difícil do que com
Samantha.
Pelas mensagens e gravações, o antigo rei teve envolvimento
direto com o sequestro da Hailey e ameaçou a princesa de morte várias
vezes. As provas foram suficientes para condená-lo à prisão perpétua,
embora uma pequena parte de mim tenha desejado ainda haver pena
de morte para ele e sua cúmplice.
O último julgamento do dia foi das filhas de Samantha, que eram
suspeitas de ajudar no sequestro. Uma delas se provou inocente e a
outra foi condenada a 16 anos de detenção por ter ajudado a mãe no
sequestro.
Quatro horas depois de chegarmos ali, fomos liberados pelo juiz e
voltei com Hannah para o castelo.
— Finalmente os problemas acabaram — ela falou, fechando os
olhos e deixando o corpo descansar no banco do carro.
— Na verdade, ainda falta um grave problema a ser resolvido.
Seus olhos se abriram arregalados e eu ri, perdendo a postura
séria. Toquei seu queixo sussurrando próximo aos seus lábios antes de
beijá-la:
— Considero um grave problema a senhorita ainda não ser minha
esposa.
Capítulo Quarenta e um

Quarenta e um
Porque éramos apenas crianças quando nos apaixonamos
Não sabíamos o que era
Eu não vou desistir de você dessa vez
Perfect - Ed Sheeran
Hannah
2 meses depois...
Oito horas. Esse era o tempo de duração do casamento, que
contava com uma cerimônia na igreja, um passeio de carruagem até o
castelo e depois um baile.
O culpado disso tudo era o rei Dominic.
Dois meses atrás, durante o jantar, comentei como estava a
organização para o casamento e o excelentíssimo rei não gostou das
minhas ideias. Segundo ele, fazia décadas que Mirabelle não via um
casamento real e precisávamos usar esse evento para mostrar ao povo
"os encantos da realeza" e também para atrair turistas ao país.
Eu poderia ter me oposto naquela hora, porém conheci o lado
chantagista do rei.
— É o casamento do meu único filho e, depois de duas tentativas,
ele está casando com a pessoa certa. Permita-me realizar o sonho
desse velho pai? — fora seu pedido e eu não tive forças para dizer não.
Agora, depois de três horas no salão, me arrependia de ter caído
naquela chantagem emocional.
— Mamãe, mamãe.! — Hailey apareceu gritando.
Rapidamente meus pensamentos de matar rei Dom sumiram e
admirei a coisa mais fofinha do mundo parada a minha frente. Ela já
estava toda arrumada. O corpete e as mangas curtas do seu vestido
eram de renda branca e tinha uma abertura em forma de coração nas
costas, uma faixa de cetim azul ao redor da sua cintura formava um
laço na parte de trás e marcava a saia super armada. Uma tiara com
pedras azuis combinava perfeitamente com a faixa e enfeitava o coque
do seu penteado.
— Você está linda, minha princesa! — Quis me abaixar e apertar
suas bochechas, mas algo me dizia que ser a noiva do príncipe não me
dava permissão para me mover enquanto alguém trabalhava no meu
penteado.
— Obligadu! — Ela deu uma voltinha, fazendo a saia do vestido
rodar em volta dela. — Falei com papai, papai disse tá loco.
— Louco? — Hailey assentiu sem completar a informação.
— Louco para ver você, tia Hannah. Ele pediu para se apressar —
Lily completou.
Cumprindo a missão de dar o recado do pai, Hailey voltou a correr
e se juntou a outra daminha, Louise. A babá correu atrás, gritando que
ela iria sujar o vestido.
— Você também está linda — falei para Lily que não negou meu
pedido para ser nossa daminha.
Seu quadro estava estável nas últimas semanas e conseguimos
permissão do hospital para ela participar do casamento. Lily foi uma
das pessoas que sempre torceu por nós e merecia participar de tudo.
Ela usava um vestido parecido com o de Hailey, porém seu cabelo
castanho recém conquistado estava solto e com uma tiara de enfeite.
Quando fui ao hospital fazer o convite, minha filha comentou que
poderiam usar coloas e Lily, tristemente, informou que não conseguiria
usar porque não tinha cabelo. No dia seguinte, apareci com sua peruca
e meu cabelo na altura dos ombros. Um gesto que para mim pareceu
tão simples, mas segundo ela foi um sonho que realizei.
— Obrigada, tia Hannah — Lily agradeceu.
— Só falei a verdade, você está uma verdadeira princesa.
— Obrigada pelo elogio também, mas principalmente obrigada por
não ter desistido do tio Andrew. Fico muito contente em vê-los juntos e
felizes.
— Não diria que ele está feliz nesse momento. O homem surtou e
ameaçou me condenar à forca se eu não levar a noiva agora mesmo —
Jake apareceu, antes que eu pudesse refletir nas palavras da Lily.
— Mas ainda falta meia hora para a cerimônia — constatei,
olhando o relógio na parede. Jake deu de ombros e se voltou para a
criança.
— A senhorita está encantadora, espero que reserve uma dança
para mim no baile.
Ele e Lily engataram uma conversa sobre ela não saber dançar e
ele prometeu ensiná-la. Jake era um conquistador nato, nenhuma
pessoa resistia a sua simpatia, e rapidamente ele conquistou a amizade
da criança.
Meu amigo vestia smoking preto elegantíssimo, a criatura estava
tão linda que até a cabeleireira esqueceu meu penteado olhando para
ele. Enquanto o observava se despedir de Lily, notei uma caixa de
veludo preta em suas mãos e antes que minha curiosidade desse as
caras, ele voltou a atenção para mim.
— O rei mandou um presente para você. — Estendeu-me o
objeto.
Leila, a cabelereira, se afastou para nos dar alguma privacidade.
Abri a embalagem e tenho certeza que meu queixo caiu. O
presente em questão era uma tiara de ouro com inúmeras pedras de
pequenos diamantes, e outras pedras azuis distribuídas em alguns
pontos davam um destaque a joia. Era uma peça simples comparada
às da coleção que Andrew tinha mostrado a mim e a Hailey, no entanto
eu tinha gostado bem mais dela do que das outras que vi.
Junto à tiara também havia um pedaço de papel com a letra do
rei.
Mandei fazê-la para Cristal quando nos casamos, pois ela preferia
itens mais simples e vejo que você também. Peço que aceite o
presente como algo dela para a mulher que mostrou ao nosso filho o
significado de amar e ser amado. Ela ficará bem decepcionada se você
não aceitar.
Com amor e um pouco de chantagem, Dom
O homem era capaz de convencer uma pessoa com um simples
bilhete. Deus me livre de decepcionar Cristal e ela vir puxar meu pé
durante a noite.
— Obrigada — falei para ninguém em específico.
Jake me ajudou a colocar a tiara. Quase chorei de emoção vendo
meu reflexo no espelho. A maquiagem delicada destacava os traços do
meu rosto, meu cabelo — agora mais curto — estava meio preso meio
solto, apenas uma parte estava presa formando um volume no alto da
cabeça e a tiara combinou perfeitamente para realçar o penteado.
— Drew é um sortudo do caralho por ter conquistado você —Jake
comentou, me fazendo sorrir.
Ele entraria na igreja comigo. A sugestão fora de rei Dominic, que
não conhecia os detalhes da história. Contudo, ao invés de ficar
desconfortável, Jake se sentiu extremamente honrado em
desempenhar o papel de irmão mais velho e entregar-me ao noivo.
Além dele, Ed e Michael seriam meus padrinhos. Era uma grande
quebra nos protocolos da realeza ter um casal homoafetivo, porém era
um detalhe do qual eu não abriria mão e ninguém ousou negar o único
pedido da noiva.
Como não teria meus pais presentes em um dos momentos mais
importantes da minha vida, não abriria mão dos amigos que se
tornaram minha família nos últimos anos.
Como se lesse meus pensamentos, Ed apareceu.
— Está na hora do vestido, Hanninha — anunciou, me puxando
para outro cômodo.
Foram necessárias três mulheres para me ajudar a colocar o
vestido. Fiquei imaginando no trabalho que Andrew teria para tirá-lo
depois. Uma quarta mulher prendeu o véu nos meus cabelos e
somente quando elas acabaram, pude ir para outro cômodo me olhar
no espelho.
— Uau! — disse Jake, parando de flertar com Leila e me olhando.
— Eu sonhei com esse momento por anos — comentou Ed, já
chorando.
— Vouxe palece uma lainha, mamãe! —
— Está perfeita, tia Hannah — elogiou Lily.
Olhei meu reflexo e tive que concordar com eles. O vestido que
escolhi com Ed era um modelo sem mangas e com um pequeno decote
V desenhado por apliques e pedras na cor azul. O corpete era em um
tom de azul mais claro em uma mistura harmonizada de apliques em
formatos de flores. Já a saia armada do vestido era toda branca,
contando com alguns detalhes de renda na barra. Na parte de trás,
uma cauda com três metros de comprimento estaria arrastando pelo
chão se não fosse pela camareira segurando-a. O véu era em um
tecido branco quase transparente com alguns detalhes semelhantes ao
do vestido em suas bordas e, quando solto, unia-se à causa.
A tiara da rainha Cristal criou o contraste perfeito com o vestido.
Com a noiva pronta, todos se ajeitaram para ir à igreja. Ed saiu
primeiro, pois os padrinhos entravam antes.
Pude assistir o início da cerimônia enquanto estava na limusine
com Jake e as daminhas, pois o querido rei decidiu que a celebração
seria transmitida ao vivo pela televisão. Assim, vi Ed e Michael
entrando de braços dados na igreja, seguidos por Grant e Beth —
padrinhos do Andrew. O noivo entrou logo em seguida, ao lado do pai
na cadeira de rodas.
Três minutos após a entrada deles, a limusine estacionou em
frente a catedral. Jake ajudou primeiro as daminhas a descerem do
veículo e depois veio em meu auxílio, pois era quase impossível me
mover com aquela cauda gigante.
Organizamo-nos nas posições, com as daminhas a frente. Jake
segurou meu braço e a camareira, que veio em outro carro, me
entregou um buquê de gardênias brancas e foi segurar a cauda do
vestido. Olhei para as flores em minhas mãos, lembrando que eram as
preferidas de mamãe e pude senti-la comigo naquele momento.
Estava pensando nela quando a porta da igreja se abriu e a
orquestra — ideia do rei — começou a tocar uma melodia instrumental
da música Perfect, do Ed Sheeran.
As daminhas caminharam na frente e, quando entrei, diversos
olhares se voltaram para mim. Havia muita gente ali. Famílias reais de
outros países, inclusive Sophia e seus parentes, os conselheiros e suas
famílias, alguns amigos de rei Dominic, mas entre os meus convidados
tinham apenas a família do Jake e a de Ed. Senti um nervosismo ao ver
tanta atenção sobre mim e Jake teve que me puxar para eu notar que
precisava caminhar até o altar.
Foi quando desviei minha atenção dos convidados e vi o homem
em pé ao final do corredor. Ele usava seu traje real azul marinho e
esboçava o mais lindo dos sorrisos. Esqueci as pessoas ao meu redor
e qualquer traço de nervosismo, pois aqueles olhos verdes me
hipnotizavam. Fui recordando de todos os momentos que nos levaram
até ali.
Desde a primeira conversa na porta da aula de geografia, as
nossas aulas de matemática, o encontro na sorveteria, o baile, o
primeiro beijo, os anos que passamos distante um do outro, nosso
reencontro... E agora firmaríamos o compromisso de não deixar nada
nos separar novamente.
Chegando próximo ao altar, Andrew saiu do seu lugar,
caminhando na nossa direção.
— Não aguentava mais um segundo longe de você — explicou-
se, estendendo a mão.
— Eu deveria ter caminhado mais devagar — Jake zombou antes
de soltar meu braço se afastando para seu lugar ao lado dos meus
padrinhos.
Segurei a mão gelada do meu noivo e ele levou-a até os lábios,
sem desviar os olhos dos meus.
— Você não faz ideia do quanto sonhei em vê-la assim, porém
meus sonhos não se aproximaram da perfeição que você está hoje.
— Três horas em um salão tinham que servir para algo, não é?!
Ele sorriu com a piada, enviando espasmos diretamente a meu
coração.
— Você é linda, amor. Só não a beijo agora porque o bispo já me
odeia e pode parar a cerimônia — cochichou me fazendo sorrir
também.
Entrelacei meu braço ao seu e nos voltamos para o bispo que já
começava a cerimônia.
— Sejam todos bem-vindos para esta celebração do testemunho
e confirmação do amor...
Ele fez um discurso sobre a importância do amor e de escolher a
pessoa certa para casar, direcionando olhares reprovadores para
Andrew.
Quase uma hora depois, a orquestra começou uma nova melodia
e Hailey entrou novamente trazendo as alianças. O príncipe pegou-as e
beijou a testa da nossa filha, em seguida entregou os anéis para o
bispo abençoá-los. O presbítero teceu algumas palavras sobre a
aliança que fazíamos naquele instante e em seguida abriu o momento
para os votos.
Meu noivo segurou minhas mãos e iniciou sua fala, fitando-me
com aqueles olhos verdes brilhando com lágrimas.
— Já lhe confessei que a melhor escolha da minha vida foi ir à
escola, pois foi lá que conheci uma garota incrível que pôde me
conhecer sem o peso do meu título. Desde ali soube que você era a
mulher da minha vida, Hannah Price, e nem mesmo três anos
separados foram capazes de me fazer esquecê-la. Nosso amor é para
a vida toda e tivemos a prova que, apesar dos obstáculos, sempre
encontraremos o caminho de volta um para o outro. Hoje te recebo
como minha esposa e, diante de todos, prometo te amar e te respeitar
ainda mais a cada dia, prometo continuar sendo um bobo para arrancar
seu sorriso e juro que sempre colocarei a felicidade da nossa família
em primeiro lugar.
Eu estava chorando de tanta emoção quando ele terminou seus
votos. Apesar de ter ensaiado os meus, o nervosismo fez todas as
palavras desapareceram da minha mente e deixei meu coração
responsável por expressar tudo que sentia por aquele príncipe idiota.
— Eu acreditava que nossa história tinha chegado ao fim quando
fui embora de Mirabelle. Na minha cabeça, você seguiria sua vida e eu
a minha, encontraríamos outras pessoas e seríamos apenas uma
paixão adolescente que acabou. Eu não podia estar mais enganada.
Quando alguém aparecia na minha vida, ele não tinha o mesmo sorriso,
o mesmo abraço ou a mesma segurança que eu tinha em seus braços.
E quando reencontrei você, mesmo agindo como um ogro grosseiro,
meu coração bateu mais forte outra vez. E eu sinto isso toda vez que
lhe vejo, inclusive estou sentindo agora. — Ele abriu um sorriso em
meio às lágrimas que desciam por seu rosto.
— Eu lhe prometo, Andrew Walker, sempre ser sincera com você
para não deixar que mentiras nos separem e também prometo puxar
sua orelha quando for necessário. Vou te amar e ser sua melhor amiga
para o resto da vida.
Trocamos olhares cheios de significados, olhares que deixavam
meu peito palpitando. O bispo nos entregou as alianças abençoadas e
perguntou:
— Andrew Henrich Walker Leining-Steinfleid-Dalgliesh você aceita
Hannah Price como sua...
— Sim, eu aceito! — Andrew cortou a pergunta do bispo e colocou
a aliança delicadamente em meu dedo.
O cardeal se voltou para mim de cara feia.
— Hannah Price, você aceita Andrew Henrich Walker Leining-
Steinfeld-Dalgliesh como seu legítimo esposo?
— Sim!
Meu esposo abriu o sorriso mais largo que vi na vida.
— Se alguém tem algo contra esse casamento, fale agora ou
cale-se para sempre — pediu o bispo com zero empolgação.
— Eu tenho!
Olhei confusa para Andrew, esperando uma explicação, enquanto
o bispo o fuzilava com o olhar.
— Sou contra não poder beijar a noiva agora.
O pobre homem de Deus soltou um suspiro de frustração e
anunciou:
— O noivo pode beijar a noiva!
Contudo, Andrew já estava com os lábios grudados aos meus
quando ele terminou a frase.
Capítulo Quarenta e dois

Quarenta e dois
Bem, eu encontrei uma mulher
Mais forte que qualquer pessoa que conheço
Ela compartilha dos meus sonhos
Eu espero que um dia eu compartilhe seu lar
Perfect - Ed Sheeran
Andrew
Nunca odiei ter um nome longo, afinal meus sobrenomes
representavam gerações e gerações das famílias reais de Mirabelle.
Até mesmo quando eu estava aprendendo a escrever, sentia orgulho
de ter herdado nomes tão importantes da história do meu país.
Contudo, enquanto assinava aquela certidão de casamento, meu nome
pareceu interminável.
A verdade é que não via a hora de oficializar meu relacionamento
com Hannah, e cada segundo de demora era uma verdadeira tortura.
Posso parecer um tanto ansioso, mas depois de dois casamentos que
deram errado, creio que alguns surtos sejam normais.
Ao terminar de escrever a última letra do meu sobrenome,
aguardei cinco segundos para ver se algo fora do comum aconteceria.
E aconteceu.
— Finalmente — sussurrou o bispo, aliviado por não precisar
realizar outro matrimônio, pois dali em diante eu era um homem
oficialmente casado.
A orquestra tocou a mesma música da entrada da noiva, dessa
vez acompanhada pela voz de um cantor. A letra da canção
evidenciava tudo que eu sentia.
“Eu encontrei um amor para mim.”
Segurei a mão da minha esposa e guiei-a para a saída da igreja.
Todos se levantaram enquanto percorríamos o corredor. Tentei sorrir
para os convidados, mas vez ou outra meu olhar desviava para a
mulher ao meu lado e meus sorrisos eram todos dela.
“Bem, eu encontrei uma mulher
Mais forte que qualquer pessoa que conheço”
Nesse trecho da música, Hannah me olhou com uma expressão
tão sincera de felicidade que precisei me controlar para não quebrar
mais um protocolo e beijá-la de novo.
— Agora que já saímos da casa de Deus, posso lhe contar meu
plano de pularmos direto para a noite de núpcias — cochichei assim
que passamos da porta da igreja e apreciei suas bochechas ficando
vermelhas.
Hannah estava abrindo a boca para alguma resposta afiada, mas
se deteve ao ver a cena a nossa frente.
Cerca de trinta guardas reais montados em cavalos, vestiam seu
uniforme de casacas azul marinho e calças brancas. No meio deles,
uma carruagem presa a quatro cavalos nos aguardava. O veículo era
na cor branca, com detalhes em dourado e azul, e o teto era aberto
para que os cidadãos nos vissem.
— Cavalos? Lembre-me de proibir seu pai de assistir filmes com a
Hailey.
— Vamos nos apressar antes que a carruagem vire uma abóbora,
minha Cinderela.
— E vou proibir você também — contestou.
Disfarçando o riso, abaixei-me e segurei a cauda do seu vestido
para que ela pudesse subir no veículo. O pensamento de livrá-la
daquele tecido todo aqueceu meu corpo. Sem dúvidas, a melhor parte
do casamento seria a noite de núpcias.
Entrei na carruagem e em segundos o cocheiro deu partida. O
trajeto até o castelo demorou pouco mais de uma hora. Cidadãos
mirabellienses e turistas se amontoavam em volta das ruas para nos
ver passar, e minha esposa não deixava de sorrir e acenar para eles.
Até mesmo resmungando que mataria o rei por ter inventado tudo
aquilo, ela mantinha o sorriso.
Nossos parentes e convidados estavam no salão principal do
palácio quando chegamos, já que eles tinham ido em veículos
motorizados e mais rápidos. Aos poucos eles começaram a nos
cumprimentar e desejar felicidades. Após a recepção, teríamos o
pronunciamento do rei, em que nos concederia algum título de ducado,
e por fim haveria o baile. Depois disso eu estava liberado para raptar
minha noiva e comemorarmos à sós.
Lamentavelmente, não teríamos nossa lua de mel tão cedo. Eu
não podia ficar longe do castelo pois continuava exercendo as
atividades de rei regente enquanto meu pai cuidava da sua saúde.
Contudo, não ter lua de mel não significava que eu não tinha preparado
uma noite especial para nós.
— Sophia está vindo — Hannah avisou, tirando-me dos
devaneios com seu corpo.
— Altezas! — A princesa fez uma reverência.
Eu não a via desde o pronunciamento que fez em rede nacional
contra o pai e também não soube nada sobre ela nesse período. O
olhar de Sophia focou em minha esposa e, por precaução, toquei a
mão de Hannah entrelaçada em meu braço direito.
— Creio que não tive a oportunidade de desculpar-me
diretamente com você, Hannah — disse, deixando-me surpreso. —
Perdão por ter procurado sua tia. Eu realmente acreditei que você era
apenas uma interesseira e quis afastá-la do Andrew. Hoje, na igreja , vi
o jeito que vocês se olham e percebi o quanto fui tola em tentar separá-
los.
Surpreendendo-me ainda mais, Hannah tirou a mão do meu braço
e tocou o braço da minha antiga noiva em um gesto carinhoso.
— Aprendi que as vezes cometemos erros pensando que
estamos fazendo a coisa certa, não duvido que esse foi o seu caso. Eu
te perdoo e torço para que um dia você encontre alguém que te faça
feliz.
— Obrigada — respondeu Sophia, com os olhos marejados. —
Espero que vocês sejam felizes também.
— Ela não é má pessoa — Hannah comentou em voz alta quando
Sophia deu as costas. — Desde que ela não o chame de "Andy", posso
suportá-la.
Reprimi o comentário que iria fazer para ela me dar um apelido
carinhoso porque o príncipe Theo se aproximou.
— Três tentativas! Você deve ser o homem com mais vontade de
se casar em todo o universo.
Os convidados continuaram a vir falar conosco por quase
quarenta minutos, até o momento em que o rei chamou a atenção de
todos com um caloroso "boa noite".
Nos aproximamos dele e, ouvindo a voz do avô, Hailey correu na
mesma direção. Peguei minha pequena nos braços antes que ela
tropeçasse no vestido e se machucasse. A esse ponto seu penteado já
não existia mais e ela se justificou dizendo algo sobre o chato do Ben
puxar seu cabelo e ela ter pisado no pé dele.
Anotei mentalmente ter uma conversa séria com Sebastian sobre
manter seu filho longe da Hailey, pois príncipes parecem gostar de
mulheres que os maltratam, e tudo que menos preciso é um
pretendente para minha filha. Tudo bem que eles só têm três anos,
mas era melhor precaver desde cedo.
— Obrigado a todos que vieram participar deste dia tão
importante para a história de Mirabelle — o rei iniciou seu discurso
quando todos no salão se levantaram olhando para ele.
— Quando Andrew nasceu, sua mãe e eu prometemos ensiná-lo
a ser um homem honrado para um dia ser o melhor governante que
Mirabelle já possuiu. Infelizmente Cristal não pôde acompanhar seu
crescimento, e creio que fui um pai ausente em muitos momentos.
Apesar disso, eu olho para esse rapaz e vejo que ele se tornou um
homem bem melhor do que imaginávamos. — O rei desviou o olhar
para mim. — Sua mãe estaria orgulhosa, filho, assim como eu estou.
Um nó se formou em minha garganta e esforcei-me para conter a
vontade de ir abraçá-lo. Ele abriu um pequeno sorriso e trocou o olhar
para a pessoa ao meu lado.
— Andrew também soube escolher a mulher para ajudá-lo daqui
para frente. Hannah lembra muito minha esposa, é visionária e não
teme em sacrificar sua felicidade pelo nosso reino. Bem, e eles não
terão problemas com herdeiros já que se adiantaram.
Algumas pessoas riram e meu pai lançou um olhar carinhoso para
a neta, que estava alheia ao momento enquanto brincava com os
adornos do meu traje.
O rei se voltou para os convidados.
— Como todos sabem, não sou mais um homem tão saudável e
já não consigo cumprir as responsabilidades do meu cargo. Desde meu
acidente, Andrew vem governando o país e estamos prosperando em
diversos aspectos, tanto econômicos como sociais. Vejo potencial para,
em poucos anos, ele se tornar o melhor governante que já tivemos.
Diabos! Meu pai não faria o que eu estava pensando que ele
faria...
— Diante disso, renuncio meu direito ao trono e como último
pedido, peço que saúdem o novo rei e a rainha de Mirabelle!
— O quê? — Hannah sussurrou ao meu lado, porém eu estava
tão chocado quanto ela e não emiti resposta.
O som de aplausos dominou o salão e todos, de reis a
empregados, se curvaram perante nós. Olhei para o rei em busca de
alguma explicação e ele apenas sorriu. Aquilo tudo era muito estranho,
primeiro porque meu pai só tinha 44 anos e uma vida de reinado inteira
ainda pela frente, segundo, ele poderia ter me comunicado antes para
eu me preparar emocionalmente para a notícia, e terceiro, eu não
estava pronto para assumir tanta responsabilidade. Ou estava?
— Seu pai não está bem da cabeça.
— Também acho, pedirei para chamar os médicos.
— Vovô tá dodói? — Hailey questionou, ouvindo nossos
cochichos.
Ele enlouqueceu! Pensei em responder, mas o que saiu da minha
boca foi:
— Não, minha querida, mas o papai precisa ir falar com ele.
Coloquei Hailey no chão e nem precisei me afastar, pois o homem
em questão já vinha em nossa direção na cadeira de rodas,
estampando um enorme sorriso no rosto.
— A coroação está agendada para depois de amanhã —
informou.
— O senhor enlouqueceu? — Hannah perguntou, a voz baixa
apenas para nós ouvirmos.
— Na minha ausência, vocês descobriram e solucionaram um
golpe contra nosso país, a tentativa do meu assassinato, fizeram o
povo aceitar uma filha fora do casamento e convenceram aqueles
conselheiros a abrir nossa economia. São mais feitos do que em todos
meus anos de reinado.
— Pai, nós podemos continuar ajudando-o sem precisar tomar o
seu lugar — argumentei.
— Minhas motivações são egoístas também, filho. Percebi que
meus últimos anos tinham se limitado somente a trabalho e, no meu
estado atual, teria que dedicar ainda mais tempo para as atividades de
um rei. Como tive uma nova chance de viver, quero aproveitar meus
dias e ter tempo para brincar com minha netinha e com os próximos
que virão. Confio plenamente que vocês juntos dividirão o peso da
responsabilidade e cuidarão bem do reino.
— E se o povo não aceitar? — Hannah indagou.
— Esse casamento gigante foi uma estratégia para ganhar a
aceitação, eles estão encantados pela história de vocês e os receberão
de braços abertos.
— Você é um grande chantagista, rei Dominic.
— Apenas Dominic, por favor.
Eu tinha um milhão de indagações para fazer ao meu pai, porém
tínhamos que seguir a programação do evento e logo a orquestra
iniciou a melodia da valsa dos noivos. Deixei o assunto de coroação
como encerrado por enquanto.
— Concede-me a honra desta dança, rainha Hannah?
— Eu não poderia negar o pedido de Vossa Majestade —
respondeu fazendo uma leve reverência.
Ela aceitou a mão que estendi e juntos caminhamos para o meio
do salão. Foi inevitável não ser inundado por lembranças enquanto a
conduzia pela valsa.
Anos atrás, naquele mesmo lugar, ela foi a primeira garota com
quem dancei no meu baile. Na ocasião, Hannah tinha acabado de
descobrir minha identidade e eu me preparava para revelar meus
sentimentos a ela. Agora, dançávamos como marido e mulher, mas o
coração acelerado e o frio na barriga ainda eram os mesmos de antes.
Fitei seus olhos castanhos deixando a imaginação fluir para o
futuro feliz que nos esperava dali para frente.
— Certa vez uma garota me perguntou por que eu dançava com
ela enquanto havia centenas de outras esperando por mim.
Quebrei o contato visual para girá-la conforme o ritmo da
música. Péssima ideia. Hannah pisou no meu pé com a ponta do salto.
— E você respondeu que ela era a única que não tinha vindo pelo
príncipe — Hannah apontou com um sorriso nos lábios, o que me fez
ignorar a dor no pé.
— Eu estava errado. — Nossos olhares voltaram a se encontrar,
ela franziu a testa. — Eu dancei com ela porque já sabia que outra
pessoa não faria meu coração bater tão forte como batia perto dela. —
Girei-a novamente e meu pé foi salvo dessa vez.
— Se hoje ela me perguntasse por que a escolhi como minha
esposa entre centenas de outras, minha resposta seria que somente
ela ainda faz meu coração bater como no primeiro dia.
— Para sua sorte, desta vez ela não precisa ir embora a meia
noite, já que ficará com você para o resto da vida.
A música encerrou junto com a sua fala. Eu deveria soltá-la para
dançarmos com os convidados, entretanto, agora como rei de
Mirabelle, me dei o poder de dançar novamente com minha rainha. E
assim, puxei-a para mais perto e voltamos a valsar quando uma nova
música iniciou. Valia a pena ter os pés massacrados para tê-la em
meus braços.
Os casais a nossa volta também começaram a se formar. Ed
puxou Michael para o salão, Sebastian dançava com Rachel, Matthew
com Natalie e um dos filhos gêmeos deles tirou a Lily para dançar
enquanto o outro teve a audácia chamar a Hailey.
— Você está vendo aquilo? — Hannah perguntou.
— Sim, espero que Hailey dance tão bem como você e arranque
o pé dele. — O comentário fez eu ganhar mais uma pisada no pé e
dessa vez tenho certeza que foi proposital.
— Não estou falando da nossa filha, mas daquilo.
Olhei na mesma direção que ela, buscando algo de diferente. Só
vi casais valsando.
— O que exatamente eu deveria estar vendo?
— Jake e Sophia — relatou como se fosse óbvio. Olhei para o
casal que dançava como os outros e não vi nada de anormal.
— Você não acha estranho que ela seja a primeira pessoa que
ele convide para dançar?
— Creio que seria um casal bem inusitado — comentei por não
saber ao certo o que ela esperava de resposta.
— Como você vai ser rei com tanta lerdeza? — Revirou os olhos.
— Tenho a melhor rainha ao meu lado. — A frase reconquistou a
atenção dela para mim.
Continuamos a valsa, desviando nossa atenção um do outro
somente quando vimos Jake e Sophia deixarem o salão. Realmente,
eles formariam um casal bem inusitado, porém eu conversaria com
meu amigo para não brincar com os sentimentos dela como eu fiz.
A música acabou e não tive como prosseguir para uma terceira
dança, pois Ed se aproximou para dançar com Hannah, mas eu podia
garantir que ele queria fofocar sobre o casal saindo escondido do baile.
Deixei os dois e fui conversar com meu pai, que estava apenas
observando os casais no salão com um olhar melancólico.
— Está tudo bem, pai?
— Sim — respondeu rapidamente, depois pensou melhor e
prosseguiu: — Estava pensando em sua mãe, ela amava dançar.
— Sorte a sua não ter sofrido com pisões no pé. — Ele sorriu. —
Agora que pretende recomeçar a vida, o senhor não acha que está na
hora de seguir em frente?
A pergunta era meio invasiva, falar da minha mãe era sempre um
assunto delicado e que mexia muito com ele. Tanto que me surpreendi
quando ele respondeu:
— Quando estava em coma sonhei com ela e no sonho ela pedia
exatamente isso. É o que pretendo fazer de agora em diante.
Ficamos em um silêncio confortável, admirando o baile a nossa
volta. A música trocou e Hannah veio em nossa direção, mas antes que
ela pudesse chegar até nós, o príncipe Theo a interceptou e ela não
negou a dança. Tive que controlar os ciúmes para não agir como um
homem das cavernas e tirá-la dos braços deles. Consegui evitar a
cena, mas não evitei ouvir a risada do meu pai.
Desviei o olhar para uma das janelas a fim de dissipar os ciúmes
bobo, e foi quando vi uma mulher loira perto das cortinas segurando
um revólver na mão. Ela apontava para a direção onde estavam as
crianças, mais especificamente apontava para a Hailey.
— Guardas!
Meu grito foi ouvido no mesmo instante em que a bala cruzou o
salão atingindo o alvo. Meu cérebro processou a cena em câmera
lenta, enquanto meu coração se partia na velocidade da luz ao ver o
corpo caindo no chão e o sangue formando uma poça ao seu redor.
Capítulo Quarenta e três

Quarenta e três
Existe um herói, se você olhar dentro de seu coração
Não precisa ter medo do que você é
Existe uma resposta, se você procurar dentro da sua alma
Hero – Mariah Carey
Hannah
Mesmo sabendo que todos um dia partiremos desta vida, nunca
estamos prontos para lidar com a perda de alguém que amamos. O
pensamento de que não veremos mais aquela pessoa ou não
poderemos mais abraçá-la e ver seu sorriso é difícil de ser enfrentado.
Quando acontece com uma criança é ainda mais doloroso, porque é
uma vida inteira de sonhos sendo interrompidos.
Andrew, Jake, rei Dom e eu estávamos no cemitério dando o
último adeus à criança que perdera a vida na noite anterior. Todos os
presentes choravam, embora alguns fossem mais contidos. O príncipe
era o que controlava melhor suas lágrimas enquanto fazia um discurso
em homenagem a garotinha, ressaltando o quanto ela foi e sempre
será importante para nós.
Ao finalizar, foi minha vez de falar. A parte mais difícil foi engolir o
nó em minha garganta, pois falar sobre minha gratidão a ela era a coisa
mais natural do mundo.
— Desde que conheci Lily, ela lutava contra o câncer e mesmo
assim nunca deixou de buscar motivos para sorrir. Com ela eu aprendi
a correr atrás da minha felicidade antes de ser tarde demais e a ser
grata por cada minuto da vida. — Enquanto falava lembrei da nossa
conversa logo após eu voltar para Mirabelle e o quanto me surpreendi
com sua forma de ver o mundo.
— Lily era uma garota especial. De certa forma, me conforta saber
que ela foi feliz no seu último dia, quando pôde usar um vestido lindo e
se divertir no baile como uma princesa, ao invés de estar sozinha no
hospital. Além disso, garanto que ela será lembrada como uma heroína
e jamais esqueceremos o que ela fez por Hailey e por todos nós.
Um flashback da noite anterior invadiu minha mente.
Estava sendo o dia mais feliz da minha vida até ouvir o maldito
barulho de um tiro. Talvez tenha sido o instinto de mãe que me fez olhar
para a Hailey no momento em que ouvi o som, sabendo que a ameaça
era contra ela. Infelizmente não tive tempo para correr e protegê-la,
pois quando dei o primeiro passo, a bala tinha encontrado um alvo e
um corpo desacordado caía no chão.
Lily, que estava ao lado da minha filha, se jogou na frente de
Hailey e tomou o tiro em seu lugar.
Tudo aconteceu muito rápido para que eu pudesse acompanhar.
Gritos eram ecoados por todo o salão, pessoas corriam em busca de
um lugar seguro, alguns guardas se posicionaram ao nosso lado e
outros para proteger os convidados. Minhas pernas se moveram na
direção das duas, sem se preocupar que poderia estar na mira do
atirador.
Andrew logo apareceu ao meu lado e se apressou em pegar
nossa filha nos braços, que chorava aterrorizada. Por Deus, quando
teríamos paz?
Abaixei-me perto de Lily, com os olhos inebriados por lágrimas. O
vestido branco foi colorido pelo vermelho do sangue que jorrava do seu
peito atingido pela bala e seus olhos azuis perderam o brilho.
— Você aguentou até agora, não desista — disse, mas já
sabendo que sua alma não estava mais presente naquele corpo.
Conforme as pessoas tentavam sair do local, pude ouvir meu
nome soando do outro lado do salão, mais especificamente na direção
de onde veio o tiro. Tamanho foi meu choque ao ver a pessoa que
segurava a arma na mão.
— Hannah, me perdoe! Mamãe me obrigou. — Era Scarlett.
— Abaixe a arma agora e ninguém vai se machucar — Grant
apareceu apontando uma arma para ela, além dele outros 5 guardas
faziam o mesmo.
— Por que a Hailey? — perguntei, avançando furiosa em sua
direção.
— Mamãe acha que se não pode ter algo que deseja, então
ninguém merece ter — respondeu chorando. —Um cúmplice dela
sequestrou minha namorada hoje e não tive tempo nem escolha para
salvá-la a não ser fazendo o que ela pediu, mas eu falhei e agora ela e
uma criança morreram por minha causa. Não saberei viver com isso. —
Ela apontou o revólver para sua cabeça e disparou o gatilho, e meu
grito ecoou junto com o barulho do tiro.
À noite, que era para ser de núpcias, foi um verdadeiro
sofrimento.
Todo o castelo se fechou. Apenas a equipe médica estava
liberada para entrar e levar os corpos. Todos os convidados e
funcionários seriam investigados para saber se alguém tinha ajudado
Scarlett a entrar na festa. Apenas Andrew, Hailey, Rei Dominic e eu
estávamos liberados para deixar o salão e fomos para o quarto do rei,
que era o mais próximo, a fim de cuidar e proteger a princesa.
Somente após 4 horas de investigação, Michael apareceu para
nos informar que 3 funcionárias foram presas por suspeita de
envolvimento no crime. Elas alegaram que não sabiam do plano de
assassinar a princesa, pois a história que Scarlett contou era sobre
encontrar um príncipe no baile. Ainda assim, Rei Dominic ficou furioso e
elas seriam acusadas por facilitarem a tentativa de assassinato da
princesa.
Junto com Michael, Ed surgiu trazendo uma muda de roupa para
mim e me ajudaria a trocar o vestido de noiva, para que eu pudesse
ficar mais confortável. Deixamos o quarto onde Hailey tinha
adormecido, deixando-a com o avô e o pai.
Ao menos ela conseguiu dormir depois do trauma, enquanto nós
adultos não conseguiríamos descansar tão cedo.
O rei Dominic se culpou pelo castelo não estar seguro. Durante a
noite, conseguiu a transferência de Tia Satan para um presídio de
segurança máxima fora de Mirabelle, onde ela não conseguiria ter
nenhum contato com pessoas externas. Além disso, iniciou a busca
pela namorada da Scarlett e o tal cúmplice de Samantha.
Voltei meus pensamentos para o momento presente ao sentir uma
brisa de vento, que me trouxe a sensação de que era um sinal da Lily
dizendo que está bem.
— Sei que você está em um bom lugar e que sempre estará
torcendo por nós. Descanse em paz, princesa. — Joguei uma rosa para
ela sorrindo ao sentir a brisa novamente.

— Quando aceitei me casar com você, eu pensava que esse dia


só chegaria daqui a uns 20 anos — resmunguei.
Andrew deu a volta no quarto parando atrás de mim. Como eu
estava em frente ao espelho, pude ver quando o idiota abriu um sorriso
com a maior naturalidade do mundo.
O assunto em questão era a coroação. Devido ao ataque no baile
de casamento, em que infelizmente Lily perdeu a vida, a cerimônia foi
adiada para a semana seguinte. Esses 7 dias não foram o suficiente
para eu me preparar psicologicamente.
— Quando a pedi em casamento, sabia que você estava pronta,
Hannah. Na verdade, desde que a conheci soube que você nasceu
para ser rainha.
Sua mão afastou uma pequena mecha do meu cabelo que se
soltou do coque e a enrolou no dedo. O gesto — por mais inocente que
fosse — fez meu corpo arrepiar.
— Gosto do seu cabelo curto.
— Não tente desviar do assunto, Andrew!
Ele comprimiu os lábios para esconder uma risada.
— Pense assim então: quando eu era péssimo em matemática,
você me ajudou e consegui aprender, certo?
Assenti, sendo tomada por um sentimento de nostalgia.
— Se você estiver sendo uma péssima rainha, mesmo tendo
certeza que isso não vai acontecer, estarei ao seu lado para ajudá-la.
— Você não pode ficar usando essas lembranças para me
manipular, Alteza!
Ainda com o sorriso no rosto, Andrew segurou minha cintura me
puxando para mais perto. A tensão do meu corpo desapareceu no
instante em que seus lábios encontraram a pele do meu ombro,
descoberta pelo vestido, e desenharam uma trilha de beijos delicados
até meu pescoço, parando próximo a minha orelha.
— Você só está nervosa, meu amor — sussurrou e com uma das
mãos ele ergueu meu queixo, direcionando meu olhar para o reflexo no
espelho.
O luxuoso vestido realmente me deixava parecida com alguém da
realeza. Eu tinha me inspirado no traje de coroação da primeira mulher
a assumir o trono de Mirabelle, e agora usava um vestido longo em
estilo princesa na cor azul escuro, como a bandeira do país. O decote
era de ombro a ombro e possuía adornos dourados, que davam a
impressão do tecido ter sido costurado com ouro, representando as
flores da árvore Mirabelle, de um braço a outro. As mangas, se abriam
na altura do cotovelo até o pulso, onde havia uma pequena pulseira
que combinava com meus brincos.
O traje de Andrew também era azul, a diferença era que havia um
manto azul com as bordas douradas, que cobria seus ombros e ia até
seus pés.
— Eu gostaria que você se enxergasse como eu a vejo. Quando
olho para você, enxergo uma pessoa que enfrentou muitos obstáculos
na vida e sempre os venceu de cabeça erguida. Uma mulher forte, fiel a
seus princípios, inteligente, humilde e corajosa, tudo aquilo que uma
rainha precisa ser. Se lhe faltar confiança em algum momento, olhe
para si mesma e lembre da sua história. Caso ainda não seja o
suficiente, você tem um marido para ajudá-la a compreender isso.
Ele beijou o topo da minha cabeça ficando em silêncio para me
deixar refletir.
As cenas invadiram minha mente imediatamente, como se as
palavras dele tivessem ativado um filme das minhas memórias. Andrew
tinha feito uma boa leitura sobre minha história. Desde o momento em
que perdi meus pais e fui morar com Samantha, tive que aprender a me
virar sozinha e tudo que passei me ajudou a me tornar quem sou hoje.
Talvez se tivesse crescido no lar estruturado que tive até os catorze
anos, não teria amadurecido tanto e não estaria pronta para governar
um país inteiro. Minha trajetória nos últimos anos tinha me preparado
para aquilo.
Andrew notou a mudança em minha postura e sorriu orgulhoso.
— Está pronta para a coroação?
Virei meu corpo, ficando de frente para ele encarando seus lindos
olhos verdes. Minha intenção era beijá-lo em agradecimento por suas
palavras, mas me detive por um instante. Em meus surtos na última
semana, não tinha parado para pensar que Andrew também estaria
assumindo uma grande responsabilidade — ainda maior que a minha
— e em nenhum momento ele tinha demonstrado insegurança, pois
passava o tempo me ajudando a me sentir confiante. Será que por
dentro ele estava surtando também?
Ergui a mão tocando seu rosto, apreciando a sensação dos pelos
ralos de sua barba. Seus olhos se fecharam por um segundo e a
respiração ficou mais pesada, em reação a meu toque.
— Você será um bom rei — falei, com a voz baixa, e ele me olhou
surpreso com o elogio. — Quando eu pensava no príncipe, sempre
vinha a imagem de um garoto mimado, que cresceu tendo tudo de mão
beijada, e você me mostrou ser o contrário disso. — Andrew riu,
lembrando da época em que eu dizia isso a ele sem saber que estava
falando com o príncipe.
— Olho para você e vejo um homem confiante, mas que sabe
reconhecer os próprios erros e busca corrigi-los. Você tem o dom de se
relacionar com outras pessoas, suas falas têm o poder de influenciar os
que te cercam, e isso torna você um líder inspirador para o nosso povo
e um excelente negociador para as relações internacionais. Me sinto
mais confiante por saber que o terei ao meu lado nessa loucura que
virá.
Andrew sorria largamente quando terminei de falar. Seus olhos
estavam marejados e me dei conta que era sempre ele a tecer elogios
a mim e raramente eu retribuía, mas naquele instante percebi como é
importante falar para as pessoas o quanto você as admira.
— Eu nem sabia que precisava ouvir isso, obrigado! — Segurando
minhas mãos, ele as levou até os lábios beijando-as.
Em poucos minutos deixamos o quarto em direção à sala do
trono. No local estavam alguns membros das famílias reais de outros
países, nossos amigos Jake, Michael e Ed, rei Dominic com Hailey em
seu colo e próximo aos dois tronos de ouro com estofados brancos
estava o bispo que realizaria a cerimônia. Além deles, tinha a equipe
que estava transmitindo o evento para o povo e os guardas fazendo a
segurança do local.
Andrew apertou minha mão mais forte e caminhamos pelo longo
tapete estendido no chão. O príncipe, em seu último momento como
príncipe, deu dois passos à frente se ajoelhando perante o bispo. As
joias da coroa foram entregues uma a uma. Um anel foi colocado em
sua mão direita, e recebeu um orbe com a mão esquerda e o cetro com
a cruz na outra mão livre. Por fim, a coroa de ouro, passada de geração
em geração há mais de 300 anos, foi colocada sobre a cabeça do novo
monarca de Mirabelle, enquanto as palavras do bispo ecoavam pelo
salão:
— Eu agora proclamo Andrew Henrich Walker Leining-Steinfield-
Dalgliesh como 14° rei de Mirabelle.
Andrew levantou em toda sua glória indo sentar-se no trono, e
logo em seguida o público presente gritou:
— Vida longa ao rei!
Outra vozinha foi ouvida em meio a pequena multidão, arrancando
risadas até mesmo do rei.
— Papai tem coloa! — dissera Hailey.
A seguir, ajoelhei-me e o bispo colocou a coroa dourada em
minha cabeça repetindo a proclamação.
— Vida longa à rainha! — gritaram.

Uma hora mais tarde a cerimônia tinha chegado ao fim e os


convidados foram embora do castelo. Assim que ficamos a sós, Andrew
me puxou para um canto confessando que nunca tinha feito amor com
uma rainha.
— Preciso dessa experiência o quanto antes, Hannah — foi sua
desculpa para me arrastar ao quarto.
Infelizmente, nossa fuga não foi bem-sucedida. Hailey, que ainda
estava usando um vestido azul bem parecido com o meu, surgiu sendo
carregada nos ombros de Jake e disse a frase mais amada por Andrew:
— Hola do chá!
— Você lembra quando eu disse que proibiria o consumo de chá
no país? — Andrew sussurrou só para eu ouvir. — Será o meu primeiro
decreto como rei.
— Seu papai está louco para ver a xícara gigante que compramos
para ele poder tomar mais chá — Jake informou a Hailey. A animação
fez os olhinhos verdes da criança brilharem.
— Eu sivo o papai! — Ela estendeu os braços para o pai e
Andrew tirou nossa filha dos ombros de Jake, segurando-a nos braços.
Ela só precisou dá um beijinho na bochecha dele para fazê-lo ceder.
— Talvez meu decreto possa esperar alguns anos — comentou,
derrotado.
— Mamãe precisa se livrar desse vestido e depois encontrará
vocês — comuniquei a minha princesa, dando uma leve apertada na
bochecha dela.
— Não mesmo, querida — Andrew protestou. — Se eu serei
torturado com chá, vossa majestade será torturada com esse vestido.
— Mal virou rei e já está se tornando um tirano? — retruquei.
Mais tarde descobriria que o intuito dele era despir aquele vestido,
já que não tivera a chance de tirar o meu vestido de noiva.
Acabei decidindo ficar com aquela roupa. Demoraria uns vinte
minutos para trocá-lo e perderia a emoção de ver as caretas do meu
lindo marido tomando a bebida que mais odeia.
Como era de costume, o chá foi servido no jardim do castelo.
Quando chegamos, rei Dom já estava lá rindo de alguma piada do Ed.
Michael também estava com eles segurando um celular na mão.
— Você pode ver as fotos das mulheres e clicar no coração
quando gostar de alguma — informava o hacker.
— No meu tempo, o modo de flertar era bem diferente —
comentou o mais velho, rindo.
— Diga-me que não estou vendo os dois procurarem uma
namorada para o meu pai.
— Na verdade, criamos um perfil falso e prometo investigar o
histórico de todas as mulheres para garantir que nenhuma queira se
vingar no futuro— Michael assegurou e todos riram do seu humor
ácido.
As brincadeiras pararam com a chegada de duas empregadas,
trazendo o tão amado chá, e Hailey sentenciou todos a tomarem a
bebida. O único a relutar era Andrew, que se esforçava para fazer os
gostos da nossa filha — mesmo que eu o tenha flagrado derramando o
líquido duas vezes quando pensava não ter ninguém vendo.
Depois de servido o chá, as provocações voltaram e Jake se
tornou o alvo da vez. Não passara despercebido por Ed e Michael que
nosso amigo não tirava os olhos de Sophia durante a coroação e todos
questionavam quando os dois iriam assumir o romance.
Em meio ao clima de descontração, olhei em volta e me vi
cercada de pessoas que amava e a quem confiaria minha vida. Um
marido incrível, uma filha encantadora e amigos leais. A família que eu
sempre sonhei estava ali, um pouco fora dos padrões, mas perfeita
mesmo assim.
Aqueles contos de fada que eu acreditava quando criança
estavam se tornando realidade e naquele jardim do castelo, durante
a hola do chá, senti que meu felizes para sempre acabara de começar.
Epílogo

— Minha princesa, você já está grandinha o suficiente para


termos esta conversa — disse Andrew com seriedade e Hailey o
encarou com um interesse estampado no olhar.
— Eu odeio chá — revelou. — Todos esses anos fui torturado nos
nossos encontros e só não proibi o consumo disso em Mirabelle porque
sua mãe me impediu.
— Eu sei, papai. — As palavras dela não poderiam ter deixado o
homem mais chocado. — Suas caretas não negam, parece o John
quando vomita na mamãe.
— Você sabia? Esse tempo todo você sabia e mesmo assim
continuou me torturando? — Seu olhar se voltou para mim. — Hannah,
você está criando um monstro!
— Até onde sei ela nunca te obrigou, a culpa é toda sua por
nunca ter dito não.
— As duas estão contra mim! Recuso-me a permanecer aqui. —
Ele se levantou olhando para a criança sentada ao meu lado devorando
um pudim. — Venha, John, vamos procurar alguma atividade para
substituir essa hora do chá.
O pequeno Jonathan, com um aninho e seis meses de vida,
estava ocupado demais com sua comida e o ignorou totalmente.
— Mais um que não respeita o rei — lamentou. — Kit, só resta
nós dois.
Dessa vez ele teve sucesso no convite. Ao ouvir seu nome, Kit
rapidamente se levantou da grama e pulou em cima de Andrew,
ganhando um carinho no topo da cabeça.
— A que ponto cheguei para o único a me respeitar neste castelo
ser o cachorro. — Ele mal terminou a frase e seu companheiro o
abandonou para correr atrás da bolinha azul que foi atirada poucos
metros à frente.
O animal de estimação da família era da raça golden retriever e
estava conosco desde o aniversário de 5 anos da Hailey, cerca de dois
anos atrás. O nome do cachorro foi uma homenagem dela ao
personagem do seu filme favorito.
— Pega, pega — gritou John, animado, largando os restos do seu
pudim e saindo da cadeira para receber a bola que Kit trazia na boca.
— Você deve atirar mais longe, John. — Hailey também saiu da
cadeira pegando a bola toda babada, atirando-a uns 5 metros à frente.
— Vamos ver quem chega primeiro!
Ela, Kit e John correram para alcançar a bola. O pequeno, com
suas pernas curtas e gordinhas, se esforçava para correr, mas a
velocidade era dez vezes menor que a da irmã.
— Não vejo a hora de termos os nove correndo pelo jardim —
Andrew comentou, puxando a cadeira e se sentando ao meu lado.
— Só se forem nove cachorros, porque essa é a última gravidez.
— Apontei para minha barriga enorme de 7 meses coberta pelo tecido
rosa claro do vestido e seu olhar seguiu meu dedo. O maluco sorriu.
— Você disse exatamente isso antes de John nascer.
— Naquele momento eu estava sentindo contrações e não queria
sentir a mesma dor outra vez, mas agora estou falando sério. Lily vai
ser a terceira e última filha.
— As próximas serão as gêmeas Cristal e Elizabeth, depois o
Reagan, o Andrew II, a...
— Andrew, já tivemos essa conversa — interrompi sua lista de
nomes, que segundo ele foi criada quando ainda namorávamos, uns 8
anos atrás. — No máximo quatro.
— Sete? — insistiu.
— Quatro.
— Seis?
— Quatro.
— E se a próxima gravidez for de gêmeos?
Resolvi ignorá-lo desviando o olhar para os nossos filhos. As duas
cópias perfeitas do pai ainda brincavam com o cachorro. Hailey
ensinava John a atirar a bola com mais força e o pobre Kit corria de um
lado para o outro para pegar o brinquedo.
Uma mão quente tocou minha barriga, em um gesto carinhoso,
me fazendo desviar o olhar de volta para meu marido com o coração
saltitando no peito.
— Na noite que dormi no sofá do apartamento do Ed e acordei
disposto a reconquistá-la, sonhei com uma cena bem parecida com
essa. Nossos filhos brincando, você toda linda com essa barrigona e
até o Kit estava lá, não com esse nome é claro — Ele fez uma pausa
para retomar o raciocínio. — No sonho enxerguei um futuro feliz, e
soube que a única pessoa capaz de me proporcionar isso era você.
Seu olhar encontrou o meu e só bastava isso para qualquer um
saber que éramos felizes.
— Isso me lembrou uma conversa que tive com a Lily quando
voltei à Mirabelle. — Olhos verdes me encararam com interesse. — Ela
disse que se você casasse com a Sophia teria uma vida infeliz, mas se
eu ficasse com você, enxergava um futuro com nós dois felizes
brincando com nossos filhos no jardim do castelo.
— Bem, ela estava certa. Sou extremamente feliz.
Andrew acariciou minha barriga com movimentos circulares e o
bebê se remexeu, chutando levemente onde sua mão tocava. Lágrimas
brotaram nos olhos verdes daquele pai orgulhoso e ele começou a falar
com o neném, todo emocionado.
Apesar dos desejos loucos de Andrew em ter nove filhos, eu não
tinha dúvidas que ele seria um bom pai para todos — não que eu esteja
considerando a possibilidade —, mesmo com sua rotina super corrida
com as atividades do reino, ele sempre arrumava tempo para ficar com
as crianças, nem que fosse para dar ao menos um beijo de boa noite
ou passar o dia inteiro com eles, como fazíamos hoje.
— Quando você nascer vai me ajudar a convencer a mamãe de
lhe dar mais irmãozinhos — disse ao bebê, recebendo outro chute que
ele interpretou como uma confirmação. — Está sentindo, Hannah? Ela
gostou da ideia e já temos que ir treinando.
A conversa voltou ao foco inicial e ele ganhou mais dois aliados
quando Hailey e John voltaram para a mesa e se animaram com a
expectativa de ter mais crianças para brincarem, já que eles viviam
reclusos no castelo. O único do meu lado era Kit porque o coitado não
entendia nada para se posicionar.
— Ok, vamos até o quinto — cedi depois de muitas insistências.
Agradecimentos

Queria poder colocar o nome que cada pessoa que esteve ao meu
lado durante o longo processo que foi terminar esse livro, desde amigos
próximos à leitores que me motivavam com mensagens e comentários.
Infelizmente, não é possível colocar o nome de todos ou levaria muitas
páginas, então caso você seja uma das pessoas que me mandou uma
mensagem fofa e de apoio, mando aqui um forte abraço e um obrigado.
Também não poderia deixar de agradecer às minhas leitoras betas,
Ythamara Andrade e Isabelly Sousa, ou simplesmente Ytha e Belly, por
não me abandonarem mesmo quando passei mais de um ano sem falar
em nosso grupo. Valeu por não terem desistido de mim!
Obrigada também a todos meus amigos que me perdoaram por só
contá-los que escrevia após anos e anos de amizade. E obrigada ainda
mais aqueles que apoiam meus sonhos, por mais loucos que sejam, e
que agora me apresentam como “esta é minha amiga escritora!”.
E por fim, meu agradecimento ao Grupo Editorial Portal por
proporcionar a realização de segurar esse sonho nas mãos. Muitíssimo
obrigada!
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