Salvador
2011
CARLOS MANUEL DIAS FERNANDES
Salvador
2011
SIGLAS E ABREVIATURAS
_____________________________________
Prof. Dr. Valdemir Zamparoni - (Orientador)
Universidade Federal da Bahia
_______________________________________
Profª Dra. Maria Rosário Gonçalves de Carvalho
Universidade Federal da Bahia
_______________________________________
Prof. Dr. Jocélio Teles dos Santos
Universidade Federal da Bahia
_____________________________________
Prof. Dr. Jacques Depelchin
Universidade Estadual de Feira de Santana
_______________________________________
Prof: Dr. Cláudio Alves Furtado
Universidade de Cabo Verde
RESUMO
This study intends to examine the social conditions of scientific knowledge production in
post- independence Mozambique particularly during the period of "socialist transition" (1975-
1990). The case study is the Center for African Studies (CEA).
The main thesis of the study is that the very process of knowledge production in a context
where the ruling party wanted to introduce radical changes in society, generated dynamics
that problematized the assumptions within which the CEA should have produced knowledge.
These inter-relationships between knowledge production and legitimation of the state, could
then not only explain the specificities of the CEA but also the conditions under which the
social sciences gained contours in Mozambique as privileged mode of knowledge production
on society.
Thus, the critical work of the CEA would radically change the dynamics of research at the
Centre allowing the emergence of a new field of research in the post-independence,
introducing three innovations: (1) an approach to the contemporary issues (without, however,
fail to take into account its historical roots), rather than focus on history as such, (2) a change
in an individual search for a collective research, and (3) the introduction of a sense of urgency
in research to answer the immediate concerns of the power politics.
Esta Tese não teria sido possível sem a ajuda de várias pessoas que de uma forma ou
de outra contribuíram e alargaram a sua valiosa assistência na preparação e finalização deste
estudo. Queria, em primeiro lugar, expressar a minha profunda gratidão ao meu orientador,
Prof. Dr. Valdemir Zamparoni pela sua postura crítica, atenta, rigorosa, e sempre também,
humana, paciente e carinhosa. Estou grato ainda a sua forma de orientar, possibilitando uma
liberdade de acção que foi decisiva para que este trabalho contribuísse para o meu
desenvolvimento pessoal.
Este trabalho não teria sido realizado se não fosse também o apoio financeiro, em
momentos diferentes, da FASPEB e da CAPES. Não posso deixar de registar o meu
reconhecimento pelos professores Jocélio Teles Santos, Lívio Sansone, e Valdemir
Zamparoni, que lutaram incansavelmente para que eu sempre tivesse uma bolsa de estudos.
Não posso deixar de estar profundamente grato aos comentários construtivos do Prof.
Luís de Brito ao capítulo sobre a Questão Rodesiana, ás professoras Teresa Cruz e Silva e
Conceição Osório pela assistência e comentários críticos valiosos, quando este trabalho ainda
era um projecto de pesquisa. Ao professor Elísio Macamo que já na licenciatura nos finais
dos anos 1990, incentivou-me a explorar este campo da sociologia do conhecimento e das
condições sociais da produção do conhecimento científico e pelos ricos comentários que se
estenderam até a conclusão do trabalho.
A professora Maria do Rosário pelo seu apoio inicial ao projecto e inspiração na sua
forma peculiar e cativante de dar aulas. Aos meus colega do Mestrado e do Doutorado do
POSAFRO/UFBA, Saravá! Muito obrigado Cristina Mchanon, pela amizade e sugestão de
bibliografia pertinente para a construção deste estudo. Um Kanimambo, ao Prof. Georgui
Delurguian da Northwestern University, Chicago, pelo carinho, amizade, hospitalidade no seu
departamento de sociologia e também sugestões de leitura. Ao pessoal do CEA e do seu
Centro de Documentação, especialmente a Deolinda e Teresa, por me deixarem consultar
livremente as várias “caixas” de documentação do Centro. Aos funcionários do Arquivo
Histórico de Moçambique, na pessoa do seu director Joel das Neves, pela sua ajuda
prestimosa na consulta do espólio “Fernando Ganhão”.
Que seria de mim sem a minha família? Meu saudoso pai, José, minha mãe Filomena,
irmãos, Zé, Nitinha, Dindinha e Luís e queridas sobrinhas, Liane e Melanie, merecem uma
atenção especial pelo seu carinho, amor, amizade e apoio incondicional. Sem vocês não sei se
conseguiria levar esta empreitada até ao final!
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................14
1.3 A crise do Estado Novo e a fundação do ensino superior em Moçambique (1960-1975) ........................ 41
3.2 O Retorno Temporário de Ruth First à África Austral…Cada vez mais perto da Toca do Lobo ......... 99
7.4 Não vamos Esquecer!: História Social Contada pelos “de baixo” .......................................................... 178
7.5 Não Vamos Esquecer! nº1: Resistência Africana e Luta armada ........................................................... 181
7.6 Não Vamos Esquecer! nº2/3: Reconstituindo a História da “Classe Operária Moçambicana” ........... 183
7.7 Não Vamos Esquecer! nº4: Persistindo na Reconstituição Histórica da Experiencia da Luta de
Libertação Nacional ......................................................................................................................................... 187
7.8 O Colectivo de Artesãos da Oficina de História: Historiadores como Activistas? ................................. 193
8. ESTUDOS MOÇAMBICANOS: PENSAR MOÇAMBIQUE NO CONTEXTO DA
ÁFRICA AUSTRAL ............................................................................................................202
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................259
ANEXOS ...............................................................................................................................283
ÍNDICE DE QUADROS
INTRODUÇÃO
Objecto da pesquisa
Esta reflexão teórica - que procura interligar produção científica e existência social -
terá como “objecto empírico” o Centro de Estudos Africanos (CEA) da Universidade Eduardo
Mondlane (UEM). Este Centro foi, no período em análise, a mais importante e prolífica
instituição de pesquisa e ensino em Ciências Sociais. Como afirmou Teresa Cruz e Silva,
Uma das principais causas desta preeminência do CEA no campo da pesquisa e ensino
no pós-independência se deveu ao facto deste lugar ter atraído um número considerável de
1
Traçar limites cronológicos rigorosos sobre este contexto histórico pode ser problemático. Neste estudo, por
uma questão metodológica, preferimos, olhar para esta fase de uma forma fluida, sem contudo deixar de
utilizar como barreiras temporais o ano de 1977, quando a Frelimo no seu III Congresso se transformou num
partido marxista-leninista; e, o ano de 1990 quando entrou em vigor a nova Constituição da Republica,
preconizando um sistema de democracia multipartidária. Há no entanto outras datas significativas desse
período “socialista”, como o ano de 1984 quando se deu a assinatura dos acordos de não-agressão (Acordo de
Nkomati) com a África do Sul, que iriam ter - como veremos ao longo deste estudo - grandes repercussões no
trabalho crítico do CEA. Não menos importante é o ano de 1986, com a morte do presidente Samora Machel e
do director do Centro, Aquino de Bragança. Por fim, poderíamos também mencionar o ano de 1987, quando a
Frelimo introduziu um programa de reajustamento estrutural (PRE) financiado pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI). Dois anos depois, o partido Frelimo formalmente abandona o marxismo-leninismo, a sua
ideologia oficial desde 1977.
2
Frente de Libertação de Moçambique.
3
SILVA, Cruz, Teresa. Instituições de Ensino superior e investigação em Ciências Sociais: A herança colonial,
a construção de um sistema socialista e os desafios do século XXI, o caso de Moçambique, Lusofonia em
África Historia, Democracia e integração africana. Dakar, CODESRIA, 2005, p.34-76.
15
É de referir que este estudo, não se propõe avaliar se Moçambique foi, realmente, um
Estado socialista, ou mesmo se a FRELIMO foi de facto um partido marxista-leninista.
Autores, como Marina Ottaway (1998)4, Catherine Scott (1988)5 e, Michel Cahen (1993)6 na
sua análise sociológica sobre o contexto do pós-independência em Moçambique, se
debruçaram com maior afinco nas fraquezas do Partido/Estado freliminiano. Por exemplo, na
visão de Cahen e Ottaway, a Frelimo nunca tinha chegado a ser um partido de vanguarda e o
Estado moçambicano tinha falhado, logo de inicio, em transformar a economia moçambicana
em moldes socialistas. Ainda na óptica de Marina Ottaway, tudo não passava de um
“socialismo simbólico” e de uma “reforma simbólica”, sem nenhuma modificação real na
economia como também no sistema político. Na mesma senda, Catherine Scott (1986), vai
aplicar o conceito de soft state e de “política personalista” para definir a primeira década de
“transição socialista” em Moçambique. Segundo esta autora, a emergência das características
do “Estado fraco” e da “política personalista” em Moçambique deveria ser vista no contexto
das tentativas que foram feitas pelo regime frelimista como forma de criar novas instituições
sócio - económicas e administrativas.
Assim, neste trabalho o foco esteve mais direcionado em olhar para o contexto da
“transição socialista”, na sua dimensão processual, dinâmica, não-essencialista, mais
preocupado com uma ordem discursiva (por exemplo, a construção da sociedade socialista, do
4
OTTAWAY,Marina. Mozambique: From Symbolic Socialism to Symbolic Reform. The Journal of Modern
African Studies, vol.26, nº2, p.211-226, Junho,1988.
5
SCOTT, Catherine V. Socialism and the 'Soft State' in Africa: An Analysis of Angola and Mozambique. The
Journal of Modern African Studies, vol. 26, nº 1, Mar.ço, 1988 p. 23-36.
6
Cahen, Michel. Check on Socialism in Mozambique: What check? What Socialism?, ROAPE, nº57, 1993,
p.46-59.
16
Perguntas de Partida
Tese do Estudo
7
Usamos este termo no seu sentido mais lato, o que incluiria não somente os aspectos sociais, mas também
políticos, econômicos e culturais. Neste sentido, estaríamos então falando, grosso modo, basicamente da
primeira década do pós -independência (1975-1986) onde se deu a tentativa de construção do socialismo em
Moçambique liderado por um partido auto-intitulado “marxista-leninista”, a solidariedade e apoio
internacional a causa da “revolução” moçambicana, a emergência de uma guerra civil, a crescente crise
econômica, etc.
17
A primeira asserção remete-nos para uma discussão sobre a relação entre produção de
conhecimento e contexto politico, o que possibilitará também discutir a questão de que como
eram definidas as escolhas dos objectos de pesquisa, os temas eram privilegiados, e quais
provavelmente “desclassificados”.A segunda, para uma discussão sobre a contribuição teórica
e metodológica do CEA para o panorama das ciências sociais no pós-independência.
Quadro Teórico
8
Como vermos ao longo deste trabalho, a estruturação do Centro em”facções”, a relação de complementaridade
e de ambiguidades entre o director do CEA (Aquino de Bragança) e a directora científica (Ruth First) a
indiferença em relação aos estudos antropológicos, etc.
9
Veja-se por exemplo, a tónica do Reitor da Universidade Eduardo Mondlane na distinção entre a teoria da
“transformação social” e a teoria “burguesa” e “reaccionária” da ordem social; mas por outro lado, no interior
do CEA em relação as diferentes abordagens teóricas e metodológicas da Oficina de História, do Núcleo da
África Austral, e do Curso de Desenvolvimento). GANHÃO, Fernando. Problemas e prioridades na formação
em ciências Sociais. Estudos Moçambicanos, nº. 4, Maputo:CEA, 1984, p.5-17 .Este tema será retomado no
último capítulo.
10
No sentido usado por Karl Mannheim, como aqueles que defendem o status quo, em oposição aos “utópicos”,
os que lutam para mudar uma determina visão de mundo dominante. Vide, MANNHEIM, Karl. Ideologia e
Utopia. Rio de Janeiro:Zahar,, 1982.
18
14
FATTON, Robert. Gramsci and the legitimization od the State: The case of the Senegalese Passive
Revolution. Canadian Journal of Political Science, vol.19, nº4, 1986, p.735.
15
BALANDIER, George. Problematique des classes sociale en Afrique noire », In : Cahier Internatioux de
Sociologie, XXXVIII, 1965, P.141, Apud, ZAMPARONI, Valdemir. Entre Narros &Mulungos –
Colonialismo e Paisagem Social em Lourenço Marques c. 1890-c.1940.1998, 582f. Tese (Doutorado em
História) – São Paulo. Nesta Tese o autor reserva um capitulo, para discutir de forma minuciosa, os eixos
centrais na grande discussão em torno do conceito de classe, que segundo ele, tem envolvido não só
investigadores como também políticos.
16
Ver Quadro 2 - Movimento de Investigadores do CEA (1976-1990).
20
17
SANTOS, op.cit.p.97.
18
HALON, Joseph. Mozambique: Revolution under fire, London :Zed Books, 1984. SAUL, Jonh. (editor), A
difficult Road: The transition to socialism in Mozambique, New York : Monthly Review Press, 1985.
21
processo revolucionário iniciado pela Frelimo durante a luta armada de libertação nacional.
19
”
Os autores chamavam a atenção para as artimanhas das justificações ideológicas na
análise da história de Moçambique, onde segundo eles, “um dos problemas de fundo da
História da Frelimo provém, não só da forma vitoriosa como esta história é abordada, mas,
sobretudo, da utilização dos seus conhecimentos de forma inquestionável”.20 Encontramos
também no CEA, Ruth First, diretora de investigação do Centro, socióloga e esposa de Joe
Slovo, chefe do braço armado do ANC (Unmkonto we Sizwe), que desenvolve no Centro um
“Núcleo da África Austral”, compreendendo maioritariamente investigadores estrangeiros,
procurando estudar a realidade moçambicana no contexto da África Austral, bem como
análises mais especificas relacionadas com a luta anti-apartheid na África do Sul. Sob
direção de Ruth First foi produzido em 1977, a maior pesquisa levada a cabo no CEA,
apresentada na forma de livro como “O mineiro moçambicano21”, um trabalho exaustivo, que
procurava grosso modo, medir as implicações para a economia de Moçambique do corte (pelo
poder político) do fluxo migratório de mão-de-obra moçambicana para as minas do regime do
apartheid.
Enfim, encontramos no Centro, pesquisadores que procuraram manter um certo
distanciamento em relação ao discurso do poder, lendo a realidade social de forma critica e
desmistificadora, porém sempre aliada a uma espécie de “militância critica” à causa que
apoiavam. Na mesma senda há uma preocupação de ligar o trabalho intelectual, com as
estratégias do poder no campo social, econômico e político de transformação socialista da
sociedade moçambicana.
É neste sentido que a noção de “conhecimento politicamente engajado” de Allen
Isaacman ajudará a traçar melhor os limites da “independência” dos intelectuais do CEA em
relação a ideologia “hegemônica” do parido no poder. De acordo com este autor fazem parte
deste grupo,
19
BRAGANÇA, Aquino e DEPELCHIN, Jacques.Da idealização da Frelimo à compreensão da História de
Moçambique. Estudos Moçambicanos, nº5/6, CEA, Maputo, 1986, p.29-52.
20
Ibid., p.33.
21
O livro foi publicado postumamente. Em 1982 Ruth First foi assassinada no CEA, através de uma carta-
bomba. A obra surgiu inicialmente em inglês com o título: The black gold: the Mozambican miner,
proletarian and peasant. Esta obra foi o culminar de cerca de seis anos de pesquisa iniciada em 1977 com a
chegada desta investigadora ao Centro.
22
Até que ponto então estes investigadores conseguiram manter um espaço onde
pudessem exercer a crítica e questionamento? Esta é uma das questões que serão discutidas ao
longo deste trabalho.
22
No original: “engaged scholars as intellectuals who challenge existing social hierarchies and oppressive
institutions as well as the truth regimes and structures of power that produced and \supported them. Not
content simply to critique the status quo, these scholars seek to change it. Their insurgent work is thus
organically and inexorably intertwined with their oppositional scholarship.”, ISAACMAN, Allen. Legacies of
engagement: Scholarship informed by political commitment. African Studies Review, vol. 46, nº.1, p.1-41,
p.3, April 2003.
23
Vide, KNORR-CETINA, K. Epistemic Cultures: How Science Make Knowledge, Harvard: President and
Fellow of Harvard Collge,1999.
24
KNORR-CETINA, K. Epistemic Cultures: How Science Make Knowledge, Harvard. President and Fellow of
Harvard Collge. 1999, p.1.
23
25
KNORR-CETINA, K. Epistemic Cultures: How Science Make knowledge, Harvard:President and Fellow of
Harvard Collge, 1999, p.3.
26
Ibid, p.4.
27
Tradução nossa: The philosophical evidence suggest that method in the natural sciences is based upon the
same kind of cycles of interpretation commonly associated with the social sciences”.Vide, KNORR-CETINA,
K. Social and scientific method or what do we make of the distinction between the natural and social
sciences?. Philosophy of the Social Sciences, vol.II, p.335-359, 1981, p.336.
28
GIERE, Ronald. Distributed Cognition in Epistemic Cultures. Philosophy of Science, nº 69, Dezembro, 2002,
p. 637–644, p.640.
29
Ibid, Idem.
24
grande obra de referência do CEA que foi “O Mineiro Moçambicano”. Como pretendemos
mostrar neste trabalho, havia no CEA pessoas que eram consideradas experts em
determinadas áreas de conhecimento. Por exemplo Marc Wuyts, nas questões
macroeconômicas, Alpheus Manghezi, mais do que ninguém no CEA dominava fluentemente
as várias línguas faladas no sul de Moçambique, sendo de extrema importância para pesquisa
empírica com as comunidades rurais. Poderíamos também mencionar, Bridget O’Laughilin e
Helena Dolny que eram especialistas nas questões agrárias.
30
Congresso Nacional Africano. No original, African National Congress (ANC). Foi fundado em 1912 e com
um dos propósitos fundamentais de lutar contras as injustiças contra os negros sul-africanos sob domínio de
um governo minoritário branco. Em 1961, o ANC fundou o seu braço armado, Umkhonto We Sizwe, onde
teve como seu chefe, Joe Slovo, marido de Ruth First. Vide, ROSS, Robert A concise history of South Africa.
Cambridge University Press,1999.
25
Metodologia
31
Esta recolha foi executada, sobretudo no Centro de Documentação do CEA e no Arquivo Histórico de
Moçambique (AHM).
32
Uma das principais limitações deste trabalho refere-se ao facto de não fazer uma análise de mais de metade de
toda a produção científica do CEA. Colin Darch (1990), na altura documentalista do CEA, produziu um
“inventário de todos os trabalhos difundidos externamente ou não, ou pelo CEA no período que vai de 1977 a
1989”. Ainda segundo Darch, nesta compilação do acervo teórico do CEA, estavam “inclusas obras não só do
CEA e seus investigadores directos, mas também de outros colaboradores quer sejam estas pessoas singulares,
quer sejam instituições que participaram em projectos conjuntos de investigação com o CEA”. Este inventário
registou cerca de 267 referências bibliográfica (Cf.., DARCH, Colin, Bibliografia 1977-1989. Estudos
Moçambicanos nº7, Maputo, 1990, p.121-136. É de referir que estão aqui incluídas os artigos do CEA
publicados na revista, Estudos Moçambicanos (41) e na Não Vamos Esquecer! (13) e os vários Relatórios
Científicos produzidos no Curso de Desenvolvimento (35). Uma segunda limitação deste estudo relaciona-se
com o facto deste estudo não pretender fazer uma apreciação critica sobre o impacto da produção cientifica do
CEA na definição e criação (ou não) de políticas públicas do governo com vista ao tão almejado,
“desenvolvimento socialista” na primeira década do pós - independência. O seu objectivo é mais localizado e
modesto, no sentido de delinear a história intelectual de uma instituição de produção de conhecimento, como
também de estabelecer as várias conexões existentes entre produção de conhecimento e contexto social e
político.
26
Estrutura do Estudo
33
Segundo José Luís Cabaço, apud Lorenzo Macagno, a operação produção “consistiu no envio forçado de
cidadãos considerados improdutivos da cidade para as áreas rurais, em particular, para a província do Niassa.”
Ainda na mesma senda, Luís de Brito apud, Macagno, afirmou que “no imaginário dos dirigentes da FRELIMO,
aqueles que eles consideravam 'improdutivos' (desempregados e outros) eram os preguiçosos, os bandidos, os
criminosos. Assim [...] o objetivo foi também o de eliminar a 'ameaça' que representava, nas grandes cidades,
uma camada social potencialmente perigosa e susceptível de apoiar a RENAMO”. Vide, MACAGNO, Lorenzo.
Fragmentos de uma Imaginação Nacional. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol.24, nº70, São Paulo,
Junho, 2009, p.27. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69092009000200002#nt35. Acesso em 15-6-2007.
29
pesquisa e ensino no pós-independência; uma vez que um dos grandes princípios do curso era
de encarar o ensino como um acto de investigação e de formar quadros nacionais para
trabalharem em problemas relacionados com o desenvolvimento social e econômico de
Moçambique. Por fim, o capítulo irá abordar as tensões existentes neste Curso, tanto no que
concerne às críticas (relacionadas com a sua natureza, grupo alvo e abordagem teórica) de
outros investigadores e docentes da universidade, como também as críticas vindas do interior
do próprio Curso, fundamentalmente dos seus estudantes.
O sexto capítulo na senda do anterior, irá examinar de forma mais detalhada seis
Relatórios de Investigação produzidos no âmbito do Curso de Desenvolvimento e que estavam
relacionados com as prioridades políticas da FRELIMO para o desenvolvimento socialista de
Moçambique. O objectivo é assim o de enfatizar a ligação profunda existente entre
prioridades de pesquisas e prioridades políticas. Estes estudos do CEA estavam dentro das
seguintes áreas de investigação (que se confundiam com as prioridades politicas do governo):
a questão do fluxo migratório para as minas da África do Sul, os camponeses e a economia
rural, os problemas da transformação rural, a questão da produção algodoeira (uma das
principais culturas de produção no tempo colonial), a problemática da comercialização
agrária, a nível distrital e a questão da socialização do campo, especialmente da construção e
organização dos camponeses em aldeias comunais.
O oitavo capítulo, com a mesma lógica que no capítulo anterior, vai focalizar a sua
atenção numa outra forma de difusão literária do Centro, a revista científica, publicada duas
vezes por ano, Estudos Moçambicanos. Esta revista foi fundada em 1980 e até 1990 publicou
oito números onde, através da sua produção científica, o CEA propunha ”construir uma
30
economia política de Moçambique34”. Serão deste modo analisados neste capítulo, a linha
teórica e de investigação da revista, métodos, objectivos, os artigos publicados e, por fim,
seleccionados 12 destes estudos para uma análise crítica.
34
ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº1 , Revista Semestral de Ciências Sociais, CEA, Maputo, 1980.
31
Um dos traços mais característicos desta época foi também o estabelecimento das
fundações para a predominância dos missionários da igreja católica em Moçambique. A
empreitada colonial, na óptica dos seus representantes, deveria trazer a “civilização” para os
povos “primitivos” de Moçambique. Os portugueses acreditavam, como afirmou James Duffy
(1961), que a sua missão em África era a conquista espiritual sobre as forças da ignorância39.
Daí então as primeiras campanhas educacionais para os africanos terem sido relegadas aos
missionários católicos. Como observou Valdemir Zamparoni, “Estado e igreja, espada e
35
Por exemplo, a conquista militar portuguesa do Estado de Gaza, no sul de Moçambique (1895-7).
36
Durante a Conferência de Berlin, as grandes potências europeias rejeitaram a reivindicação histórica de Lisboa
em relação a Moçambique decretaram que pacificação e controlo efectivo eram pré-requisitos para um
reconhecimento como potencia colonial. Vide, ISAACMAN, Allen. Mozambique – from colonialism to
revolution, 1900 – 1982, Boulder:Westview Press, 1983.
37
A presença portuguesa em Moçambique remonta ao século XVI, relacionada fundamentalmente a expansão
marítima portuguesa em toda a costa oriental africana em busca de especiarias, assentando-se como afirmou
Zamparoni “no sistema de feitoria e portos para o abastecimento desta nova rota”. Esta primeira fase
caracterizou-se também pelo estabelecimento de trocas comerciais nomeadamente de ouro, marfim, tecidos e
escravos, de exploradores portugueses, caçadores e aventureiros, com os povos africanos, árabes que já se
tinham instalado na costa oriental africana e construídos cidades-estados arabo-africanas. Por outro lado, é
preciso referir que antes da Conferencia de Berlin, particularmente, “entre 1770 e 1850, o tráfico de escravos
constituiu-se na principal actividade econômica da colónia”: Vide, ZAMPARONI, Valdemir. De Escravo a
Cozinheiro – Colonialismo e racismo em Moçambique, Salvador : EdUFBA, 2007.
38
MACAGNO, Lorenzo. O discurso colonial e a fabricação dos usos e costumes. FRY, Peter (Org.).
Moçambique Ensaios. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001.p.63.
39
DUFFY, James. Portuguese Africa (Angola and Mozambique): Somes crucial problems and the role of
education in their resolution. The Journal of Negro Education, vol.30, nº3, 1961, p.294-301.
32
bíblia, sempre andaram de mãos dadas40”. No entanto, com o estabelecimento dos Jesuítas
(1610 a 1760) na Ilha de Moçambique e mais tarde os Dominicanos no Vale do Zambeze, na
zona central, os missionários católicos em Moçambique tiveram que contestar a forte
influência islâmica que tinha existido por muito tempo por toda a costa do nordeste de
Moçambique.41
40
Não obstante, neste “casamento” entre o Estado e a Igreja católica, Zamparoni adverte-nos da “excepção do
período Pombalino (Marquês de Pombal) e do período entre 1911 e 1936, no qual ideias de um
republicanismo positivista e de um certo anti-clericalismo abalaram tais relações”. Cf. ZAMPARONI,
Valdemir. Entre Narros &Mulungos – Colonialismo e paisagem social em Lourenço Marques c. 1890-c.1940.
Tese apresentada para a obtenção do Grau de Doutor em Historia Social junto à Faculdade de Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1998, p.416.
41
Vide, ZAMPARONI, 2007, op.cit.
42
Para uma leitura mais atenta sobre missionários protestantes em Moçambique, veja, BUTSELAAR, Jan Van.
Africains, Missionaires et Colonialistes. Leiden: E.J. Brill, 1984; Trabalhos mais recentes, veja, CRUZ e
Silva, Teresa. “Protestant churches and the formation of political consciousness in Southern Mozambique
(1930-1974): the case of the Swiss mission”, Bradford, University of Bradford, PhD thesis, 1996, Mimeo. Na
mesma senda, os seguintes artigos: CRUZ e Silva, Teresa. Identity and political consciousness in Southern
Mozambique, 1930-1974: Two Presbyterian biographies contextualized. Journal of Southern African Studies,
nº24, 1, 1998, p.223-236. CRUZ e Silva, Teresa. Colonizadores e protestantes: o jogo de identidades e
diferenças”. SERRA, Carlos ed., Estigmatizar e desqualificar: casos, análises, encontros. Maputo: Livraria
Universitária, 1998, p.203-226. CRUZ e Silva, Teresa. Educação, identidades e consciência política – A
missão Suíça no sul de Moçambique (1930-1975), Bourdeux: Lusotopie, 1998, p.397-405.
43
ZAMPARONI alerta-nos, no entanto, para o facto de que esta presença missionária protestante em
Moçambique data das últimas décadas do século XIX, “embora o protestantismo já se fizesse presente através
de alguns indivíduos catequizados nos territórios vizinhos”. ZAMPARONI, Valdemir, 1998, op.cit. p.427.
44
CROSS, Michael. The political economy of colonial education: Mozambique, 1930-1975. Comparative
Education Review, vol.31, nº4,, nov. 1987, p.550-569 op.cit, 1987, p.554 e ZAMPARONI, Valdemir, , op.cit.
1998.
45
CROSS, op.cit, 1987
33
46
ISAACMAN Allen. e Isaacman, Barbara. Mozambique: from colonialism to Revolution, 1900 -1982, Boulder,
Colorado: Westview Press, 1983, p.50
47
Termo usado por HENRIKSEN, Thomas, op.cit.
48
HEDGES, David (Coord,). História de Moçambique – Moçambique no auge do colonialismo, 1930 – 1961,
Livraria Universitária, Maputo: UEM, 1999, p.1.
49
Kathleen Sheldon, observa no entanto, que as poucas escolas das companhias que haviam (em 1895 a única
escola que existia na região nordeste do Niassa - território da companhia do Niassa – era uma pequena escola
no Ibo, somente para rapazes e outra em Querimba que “mal funcionava” . Ainda segundo a autora, nos
distritos da Companhia de Moçambique no centro do país, no porto da Beira, havia uma pequena escola
aberta em1897 pelas Irmãs franciscanas .Vide, SHELDON, Kathleen. I studied with the Nuns, Learning to
34
Em 1907 foi estabelecida uma estrutura legal para o controle estatal da educação na
colônia, embora não tenha sido aplicada por muitos anos. De acordo com esta regulação, era
exigido aos professores que passassem num exame de qualificação e que todos os livros
escolares teriam que ser autorizados pelo Estado. O ensino tinha que ser em português ou
numa língua local e não numa outra língua europeia, uma restrição que era direccionada
principalmente para as missões protestantes de língua inglesa.51 Kathleen Sheldon (1998)
afirma ainda, que neste período tinham sido também abertas algumas escolas do Estado,
contudo não eram ainda satisfatórias52.
make blouses: Gender ideology and colonial education. The International Journal of African Historical
Studies, Vol.31, nº3, 1998, pp.595-625.
50
NEWITT, Malyn. A History of Mozambique, London : Hurst & Company, 1995, p.439.
51
SHELDON, op.cit, p.599 e ZAMPARONI, Valdemir, 1998, op.cit. p. 416 e segtes.
52
SHELDON, op.cit, p.599.
53
CROSS, op.cit, p.556.
54
CROSS, 1987:556 apud HERRICK, Allison et al. 1969.
35
nas sociedades africanas, conduzindo os africanos - como então era propalado pela ideologia
colonial - da “selvajaria para a civilização”55.
55
CROSS, op. cit, 1987,p.555.
56
Para uma leitura mais atenta deste período vide, WHEELER, Dougals L. The Portuguese Revolution of 1910,
The Journal of Modern History, Vol.44, nº2, June, 1972, pp.172-194; Republican Portugal: A Political
History 1910-1926, The Review of Politics, Vol.41, nº2, 1979, pp.317-319.
57
Para Zamparoni, “era uma situação que parecia absurda: o estado não mantinha, não apoiava e não criava
escolas, mas era eficiente para criar obstáculos contra quem o fazia, temendo a desnacionalização do nosso
indígena. Zamparoni, 1998, op.cit. p.419.
58
Em relação a introdução das línguas vernáculas na educação africana, encontramos somente o trabalho das
missões protestantes, particularmente a Missão Suíça, que segundo Cruz e Silva começou a operar em 1880.
Segundo esta autora, desde o primeiro momento esta missão era vista com desconfiança pelos portugueses. É
de referir que a igreja católica nunca esteve interessada em ensinar nas línguas nativas. Ver ZAMPARONI,
1998, op. cit.
59
De acordo com Cláudia Castelo (2004), “Regime político autoritário, filo-fascista, católico e colonialista que
imperou em Portugal entre 1933 e 25 de Abril de 1974. Sucedeu à ditadura militar instaurada com o golpe de
28 de Maio de 1926, que derrubou a I República (1910-1926)”.
36
ainda mais o controle de Portugal e tornar a sua exploração, tanto da força de trabalho como
dos recursos naturais, mais eficiente e para benefício dos capitalistas portugueses61 (e não dos
produtores africanos ou investidores estrangeiros62).
60
Em, 1926 dá-se o golpe de estado em Portugal, encabeçado por um grupo de generais. Em 1928, Salazar,
professor da universidade de Coimbra é convocado para gerir o sector financeiro. Só em 1932 assumira o
cargo de Primeiro-ministro que ocupara ditatorialmente ate 1968, quando é sucedido pelo seu amigo pessoal e
então Ministro das colónias, Marcelo Caetano.
61
Não podemos deixar de referir que quando Salazar ascende ao poder, a grande depressão de 1930 tinha
afectado profundamente Portugal, mais do qualquer outro país na Europa. A depressão iria assim forçar
Portugal a se tornar mais auto-suficiente em casa e de procurar investimento estrangeiro no exterior. Vide por
exemplo, BIRMINGHAM, David. A Concise History of Portugal, Cambridge:Cambridge University Press,
1993.
62
SHELDON, Kathleen. I studied with the Nuns, Learning to make blouses: Gender ideology and colonial
education. The International Journal of African Historical Studies, Vol.31, nº3, 1998, p.595-625.
63
“ O Acto Colonial define assim o quadro jurídico - institucional geral de uma nova politica para os territórios
sob dominação portuguesa. Dentro da opção colonial global do estado português, abre-se uma fase ‘imperial’,
nacionalista e centralizadora, fruto de uma nova conjuntura externa e interna e traduzida numa diferente
orientação geral para o aproveitamento das colónias. (THOMAZ, 2002, p.72, apud, ROSAS, 1994)
64
CROSS, 1987, p.558.
65
Segundo Michael Cross, a mudança deste estatuto teve como intenção, reforçar a situação colonial contra as
pressões desnacionalizante. Vide, CROSS, op.cit, 1987, p.558.
66
Zamparoni aborda especificamente a “criação do indígena”, onde afirma que “o primeiro diploma da
legislação colonial portuguesa, em Moçambique, que se preocupou em definir quem seria classificado como
indígena e quem estaria isento de tal classificação, remonta aos últimos anos do século XIX” quando da
“campanha movida por António Ennes em prol da obrigatoriedade do trabalho para os indígenas das colônias
africanas”. Ver, ZAMPARONI, 1998; 2007, op.cit.
67
Segundo Zamparoni, a lei de 1917, considerava assimilado ao europeu, o individuo da raça negra ou dela
descendente que: a) tivesse abandonado inteiramente os usos e costumes daquela raça; b) que falasse, lesse e
escrevesse a língua portuguesa; que adoptasse a monogamia; que exercesse profissão, arte ou oficio,
compatíveis com a “civilização” européia ou que tivesse obtido por “meio licito” rendimento que fosse
suficiente para a alimentação, sustento, habitação e vestuário dele e de sua família. Ver, ZAMPARONI,
37
A igreja não oferecia educação universal e gratuita, mas em vez disso introduziu
barreiras em forma de propinas e restrições de idade que tornaram difícil para as crianças
africanas ingressarem nas escolas. Também requeria que as crianças fossem baptizadas como
católicas como condição básica para serem admitidas. Os estudantes só poderiam prosseguir
para o nível seguinte de educação se tivessem completado o 3º ano da “escola rudimentar” por
volta dos 14 anos de idade. Aliada a uma grande limitação de acesso as escolas, esses
constrangimentos iriam contribuir para que a maioria das crianças moçambicanas ficassem de
fora e tornasse difícil o êxito dos alunos.74
Privado 403 -
Foram criados dois sistemas escolares na colônia: o sistema estatal, que era uma
duplicação do sistema escolar metropolitano português, onde se encontravam as escolas
governamentais para os brancos, asiáticos, mulatos e “assimilados”.75 O ensino de adaptação”
(chamado até 1956, “ensino rudimentar”) que era exclusivo aos estudantes africanos e estava
sob responsabilidade das missões católicas. Este sistema - porque baseado numa filosofia
racista e discriminatória, que via o africano como “primitivo” que deveria ascender à
“civilização” portuguesa - tinha como propósito providenciar uma instrução para a
73
SHELDON, Kathleen, op.cit, p.614.
74
SHELDON, Kathleen, op.cit, p.615.
75
CROSS, op.cit, p.559
39
76
Vide, DUFFY, James. Portuguese Africa (Angola and Mozambique): Some crucial problems and the role of
education in their resolution. The Journal of Negro Education, Vol.30, nº3, 1961, p.294-301.
77
NEWITT, 1995 op.cit, p..480.
78
Líder da luta anti-colonial, membro fundador da Frelimo e primeiro presidente de Moçambique no pós–
independência.
79
NEWITT, 1995 op.cit, pp.480
80
MONDLANE, 1995, p.55.
40
Este sistema de educação colonial em nada beneficiou a população nativa, pois que
mais do que formar, instruir e libertar os africanos - porque baseada num pressuposto racista e
discriminatório - procurava somente, através do trabalho compulsório, tirar vantagem na
exploração lucrativa da colônia.
81
Ibid., p.56.
82
Vide, MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique. Maputo: Nosso Chão,1995.
41
Os finais dos anos 1950 foram caracterizados pela adopção de uma política colonial
mais flexível por parte do Estado salazarista devido em grande parte às pressões externas e
internas para a descolonização. A agudização dos protestos anti-coloniais no mundo83, bem
como o crescente aumento dos protestos no interior de Moçambique, que culminaria com a
luta armada proclamada pela FRELIMO podem deste modo, ser vistas como dois dos
principais factores que determinaram a emergência de uma nova estratégia colonial.
83
Reflectida fundamentalmente na Conferência de Bandung (Indonésia), onde 29 países afro - asiáticos, com
destaque para a URSS, China e Índia, condenaram o colonialismo e apelaram a unidades dos povos contra ele.
Vide, CARDINA, Miguel. Violência e anti - colonialismo nas oposições ao Estado Novo, Revista Critica de
Ciências Sociais nº88, Coimbra: Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Março, 2010, p.207-
231.
84
Vide, UNIVERSIDADE DE LOURENÇO MARQUES (ULM) , Prospecto Geral, 1971/1972, Lourenço
Marques:ULM, 1971, p.3.
85
ULM. Prospecto Geral, op.cit.
86
Neste ano, entram em funcionamento os 5º anos dos cursos: médico - cirúrgico, engenharia civil,
electrotécnica e químico - industrial. Em 1968/69, forma criados os 5º anos dos cursos de engenharia
42
Como podemos notar, o ensino das disciplinas das Ciências Sociais e Humanas ainda
não faziam parte dos objectivos da universidade. Somente no ano de 1969 seriam então
criados os cursos de Letras, nomeadamente os bacharelatos em Filologia Românica, História e
Geografia. No ano seguinte seria a vez do curso de Economia.87 Cursos em Direito e Ciências
Sociais, só estavam disponíveis em Portugal. Uma vez que o ensino primário e secundário era
por natureza selectivo, praticamente todos os estudantes universitários eram portugueses ou
filhos de portugueses nascidos em Moçambique88.
Como observou Miguel Buendia (1999), “em 1973 somente 40, em 3.000 estudantes,
eram negros89.” E estes estudantes, se quisessem prosseguir os seus estudos universitários, por
exemplo, para o nível de licenciatura, teriam que se deslocar à metrópole. O que tornava-se
muito difícil, uma vez que implicava grandes despesas em termos de viagem, acomodação e
propinas. O prosseguimento de uma licenciatura em Portugal tornava-se assim numa “missão
quase impossível.90” Daí encontramos no seio do universo de estudantes matriculados, na
altura da independência nacional, apenas 40 estudantes moçambicanos91.
mecânica e silvicultura, os 6º anos dos curso de médico - cirúrgico, engenharia civil, electrotecnia e químico
industrial. Vide, ULM, 1971, op.cit., p.4.
87
ULM. Prospecto Geral, op.cit, p.4.
88
Vide, EGERO, Bertil. Mozambique and Angola: Reconstruction in the Social Sciences. Research Report nº4,
The Scandinavian Institute of African Studies, Uppsala, Sweden, 1977.
89
BUENDIA, op.cit.
90
Poderíamos referir aqui, como excepção, o pequeno grupo de moçambicanos, negros “assimilados” e mestiços
que conseguiram prosseguir os seus estudos na metrópole e que lá teriam um papel decisivo na dinamização
das campanhas anti - coloniais e no desencadeamento da luta armada contra o colonialismo português. Vide o
capítulo a seguir sobre o contexto histórico da luta armada e do pós -independência.
91
BEVERWIJK, 2005, p.36.
92
Ibid.,.p.27.
93
BEVERWIJK, 2005,p.102
94
Ibidem, Idem.
43
A ULM era a única instituição de ensino superior a operar na colônia, onde até à
independência nacional não tinha ainda nenhum curso na área da Sociologia, Ciências
Politicas ou mesmo Direito98. O seu currículo estava assim mais virado para a área das
Ciências Naturais, o que reflectia uma certa desconfiança do governo colonial português em
relação às disciplinas das Ciências Sociais e o seu carácter de questionamento social e
político. A esse respeito Teresa Cruz e Silva (2005), traçou um perfil rigoroso da realidade
universitária no país, antes da independência nacional, e que vale a pena transcrever
demoradamente,
95
Somente em 1968, eles foram autorizados, pela primeira vez, a conceder diplomas de fim do curso.Vide,
JINADU, Adele. The social sciences and development in Africa: Ethiopia, Mozambique, Tanzania and
Mozambique, Uppsala:SAREC Report, 1985.
96
Um caso paradigmático seria o de Eduardo Mondlane, primeiro presidente e fundador da Frelimo, que teve
que se exilar na África do Sul e mais tarde nos EUM onde concluiria o seu doutoramento em Antropologia.
97
BUENDIA, 1999, op.cit.p.74.
98
Vide, SILVA e Cruz, Teresa. Instituições de Ensino Superior e Investigação em Ciências Sociais: A herança
colonial, a construção de um sistema socialista e os desafios do século XXI, o caso de Moçambique.
Lusofonia em África – História, Democracia e Integração Africana, Dakar, CODESRIA, 2005, p.36.
44
Não podia ser de outra forma, pois que mesmo na metrópole, o ensino de Ciências
Sociais na universidade seria introduzido somente no inicio dos anos 1970, num novo
contexto histórico, do Estado social sob liderança de Marcelo Caetano100, pese embora, o
primeiro curso de Pós-Graduação em Ciências Etnológicas e Antropológicas (especialização
em Administração Colonial) tenha sido iniciado no ano lectivo 1968/69101.
99
SILVA e Cruz, Teresa, op.cit, p.36.
100
Marcelo Caetano, sucedeu a Salazar na presidência, em 1968 até ao golpe militar do 25 de Abril de 1974,
depois deste ter se retirado da actividade política, “devido a uma queda que o incapacitaria definitivamente”
(Castelo, 2004, op.cit.). Alguns autores afirmam que a sucessão de Marcelo não mudou em nada a política
salazarista, tendo somente dado continuidade ao que Salazar tinha projectado. Por exemplo, Erik Blakanoff
(1992), afirma que o período da administração de Marcelo, conhecido como o estado social, foi marcado pela
“evolução com continuidade”. Vide, BAKLANOFF, Eric N. The Political Economy of Portugal's Later
"Estado Novo": A Critique of the Stagnation Thesis. Luso - Brazilian Review, Vol. 29, No.1, 1992, pp. 1-17.
Thomas Henriksen, na mesma senda, afirma, “a doença de Salazar e a transferência do poder para Marcelo
Caetano em Setembro de 1968, dois anos após a morte de Salazar, não introduziu nenhuma mudança na
dependência politica do governo me relação as sua possessões africanas. Vide, HENRIKSEN, Thomas.
Portugal in Africa. A Non–Economic Interpretation. African Studies Review, vol.16, nº3, Dec., 1973, pp.405-
416. Houve no entanto autores como Stephen Stoer e Roger Dale, que afirmaram que o “reino” de Caetano
tinha iniciado um período de “liberalização”, um dos principais símbolos do que viria a ser a reforma de
Veiga Simão, na educação. É de referir, que o ministro da educação de Caetano, Veiga Simão, tinha sido
anteriormente reitor da universidade Lourenço Marques. Um dos principais objectivos desta reforma tinha
sido a “democratização do ensino”, o aumento do período da instrução compulsória dos 6 aos 8 anos, e
também a reforma e criação de novas instituições de ensino superior. Vide, STOER, Stephen & DALE,
Roger. Education, state and society in Portugal. Comparative Education Review, vol.31, nº3, August, 1987,
p.400-418.
101
FIALHO, José. As Ciências Sociais em Portugal – Algumas questões para as Ciências em Moçambique.
Seminário: Formação e Investigação em Ciências Sociais de 4 - 5 de Março, , Maputo :UEM, 1993.
45
portuguesas, como são o caso da Economia, História e Geografia, que estavam implantadas
em todas as universidades portuguesas102.
Como podemos depreender, o modelo de ensino das Ciências Sociais na colônia seria,
deste modo, um reflexo do próprio atraso no ensino e pesquisa em Ciências Sociais em
Portugal. Como afirmou Jinadu, o carácter autoritário do sistema político português sob
direcção de António Salazar e de Marcelo Caetano não era também conducente a uma ciência
social crítica no Moçambique colonial.103 Daí então Bertil Egero (1977) afirmar, que a
separação da pesquisa do ensino universitário ter sido uma das características da estrutura
universitária portuguesa, “uma estrutura desenhada para servir um sistema político autoritário
que não permitia nenhum espaço para debate e questionamento104”.
Gerald Bender e Allen Isaacman (1976), referiram que antes da instituição do “Estado
102
Vide, FIALHO, op.cit.
103
Como observou Jinadu, mesmo em Portugal, sob comando de António Salazar em 1932 a 1968 e do seus
sucessor, Marcelo Caetano de 1968 a 1974, a educação superior sofreu vários reveses, com professores a
serem demitidos ou perseguidos. Vide, JINADU, 1985, op.cit.
104
EGERO, Bertil. “Mozambique and Angola: Reconstruction in the Social Sciences.”, Research Report nº4,
The Scandinavian Institute of African Studies, Uppsala:Sweden, 1977.
105
Vide, ULM. Prospecto Geral, 1971, op.cit.
46
Uma vez que as culturas africanas eram consideradas, a priori, de serem estagnantes e
atrasadas, os antropólogos não estavam interessados em estudar como elas funcionavam nem
mesmo como elas interagiam com o ambiente109. Estavam mais preocupados com os aspectos
“exóticos” das sociedades africanas, e que de certa forma, pudessem vincar a suposta
inferioridade dos africanos e legitimar os princípios da “missão civilizadora” portuguesa.
Eram assim produzidos trabalhos sobre escarificações, craniometria, estilos de cabelos,
magia, cerimónias rituais, etc. Como afirmaram Bender & Isaacman (1976), “esta auto-
adulação sobre a sua “missão civilizadora”, estava dependente dessa inferioridade. Até
mesmo os melhores antropólogos portugueses apoiavam essa visão”.110
Um dos mais eloquentes exemplos deste movimento colonial que pretendia apoiar as
pretensões imperialistas da monarquia portuguesa foi sem dúvida a fundação em 1875 de uma
instituição de iniciativa privada, a Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL), pelo jornalista e
geógrafo português Luciano Cordeiro111, e mais um pequeno grupo de historiadores,
jornalistas, administradores coloniais, professores do ensino superior, oficiais do exército,
106
BENDER, Gerald; ISAACMAN, Allen. The changing historiography of Angola and Mozambique. African
Studies since 1945 – A tribute to Basil Davidson, edited by Christopher Fyfe, London :Longam, 1976, p.220-
248.
107
BENDER & ISAACMAN, op.cit, p.220.
108
Idem, Ibid.
109
Ibidem, Ibid.
110
BENDER & ISAACMAN, op.cit, p. 221.
111
Acabou sendo também um dos 6 delegados portugueses a Conferencia de Berlin (1884-85). Vide,
The Colonial Congress at Lisbon 190:J. BARRET - LENNARD e Vicente Almeida d'Eça. Journal of the Royal
African Society, Vol. 2, No. 7 (Apr., 1903), p. 292-307.
47
industriais com particular interesse na área naval e do exército112. Uma das principais missões
da Sociedade foi o de propagar numa escala mais alargada, a ideia do império colonial
português e da necessidade de reter e expandi-lo.
No que concernia ao caso português, esta instituição acabaria sendo, como observou
José Mattoso, “o fulcro do renascimento colonial português, despertando o interesse da
opinião pública para as questões do império118”. É no entanto Omar Ribeiro Thomaz quem
nos fornece subsídios para pensar mais profundamente as conexões entre produção de
conhecimento e ideologia colonial (tanto no que concernia a nação” como ao “império”), e
que vale a pena citar demoradamente,
117
Em termos cronológicos surgiu primeiro a de Paris (1821), a sociedade de Berlin (1828), e de Londres em
1830. Vide, Rego, Silva, A. O ultramar português no sec. XIX, Lisboa:Agencia - Geral do Ultramar,
,MCMLXIX, 2ªed., 1966.
118
MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal – O Liberalismo (1807-1890), Vol. V, Lisoba:Estampa, , 1993,
pp.308
119
THOMAZ, Omar Ribeiro. “O Bom Povo Português”: Usos e Costumes de AʹQuém e DʹAlém- Mar. Mana 7
(1):55 - 87, 2001, p.55-87, p.65. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/mana/v7n1/a04v07n1.pdf. Acesso em
23-10-2007.
120
NOWELL, 1947 op, cit, p.6.
49
Em relação ao contexto colonial moçambicano, podemos afirmar que até finais dos
anos 1950 não havia ainda instituições viradas exclusivamente para a pesquisa em Ciências
Sociais. Encontrávamos somente trabalhos de carácter individual, ou filiados às pouquíssimas
instituições de pesquisa na metrópole. Estas investigações consistiam basicamente em
pequenos trabalhos descritivos e etnográficos sem nenhuma pretensão de análise ou
interpretação e sem nenhuma filiação a instituições de pesquisa baseadas em Moçambique. A
pesquisa em Ciências Sociais, em disciplinas como Antropologia e Sociologia eram
praticamente inexistentes no Moçambique colonial. Como observou Lorenzo Macagno,
121
GUIMARÃES, Ângela. Uma corrente do colonialismo português: a Sociedade de Geografia de Lisboa,
1875-1895, Lisboa: Livros Horizonte, 1984 , p.21, apud, MATTOSO, op.cit, p.309.
122
MACAGNO, Lorenzo. O discurso colonial e a fabricação dos usos e costumes. FRY, Peter (Org).
Moçambique ensaios. Rio de Janeiro:UFRJ,2001, p.88.
50
123
LOFORTE, Ana. Trabalhos realizados no âmbito da Antropologia em Moçambique. PRIMEIRO
SEMINÁRIO INTERDISCIPLINAR DE ANTROPOLOGIA. Maputo:UEM, Março, 1987, p59.
124
Ibid. p.62.
125
LOFORTE, Ana &Mate, Alexandre. As Ciências Sociais em Moçambique, Maputo:UEM,1993,p.2
126
LOFORTE, Ana et al, Loc.cit.p.2
127
MAZULA, Brazão. Educação, cultura e ideologia em Moçambique: 1975-1985, Lisboa:Afrontamento, 2004,
p.69.
51
Lorenzo Macagno (2002) argumentou, que uma das razões que explicavam a chegada
tardia ao terreno colonial por parte dos antropólogos portugueses, tinha sido a posição
subalterna de Portugal em relação ao resto do establishment antropológico internacional.131
Além disso, as condições políticas do salazarismo teriam contribuído, em grande medida, para
um certo isolamento teórico da Antropologia em Portugal.
Como afirmou Lorenzo Macagno (2002), até a segunda metade da década de 1950,
numa altura em que países como a Inglaterra, França e EUA, começavam a desenvolver novas
correntes teóricas, críticas do etnocentrismo antropológico colonial, a Antropologia praticada
por portugueses na colônia de Moçambique era caracterizado por um profundo desvio
biologista, derivado sobretudo das correntes da Antropometria. Esta escola tinha alcançado
uma posição hegemônica através de Santos Júnior, antropólogo comprometido com a
128
MAZULA, Brazão, 2004, op.cit, p.78.
129
PRITCHARD, Evans, apud NTARANGWI, op. cit. p.12.
130
LOFORTE Ana & MATE, Alexandre., op.cit., 1993, p.2
131
MACAGNO, Lorenzo. Lusotropicalismo e nostalgia etnográfica: Jorge Dias entre Portugal e Moçambique.
Afro-Ásia, nº 28, Salvador. CEAO/ UFBA, 2002, p.97-124, p.100.
52
administração colonial portuguesa e seus discípulos do Porto, como António Augusto132, que
empreenderam uma série de campanhas em Moçambique entre 1937 e 1955.
Foi de facto com Jorge Dias, que este autocentramento da disciplina antropológica em
torno de Portugal foi, de alguma forma, posto em questão. Depois do seu regresso dos Estados
Unidos, onde foi profundamente influenciado pela antropologia cultural de Franz Boas136,
Jorge Dias, “comprometido com a administração colonial137”, foi encarregado pelo Ministério
de Ultramar de empreender missões para o estudo das minorias étnicas dos territórios
portugueses do Ultramar. Em Moçambique essa missão iria culminar com a famosa obra “Os
132
Estes autores, através da antropologia física e áreas afins, procuravam estabelecer uma espécie de caução
científica para a subordinação dos povos africanos e hierarquização das raças humanas. Segundo Lorenzo, [...]
“nesse trabalho, além de considerar óbvia e irrefutável a importância do cabelo como elemento de
classificação ‘racial’, Santos Júnior elabora uma detalhada tabela com uma tipologia de cabelos. Inclusive,
António Augusto (colaborador de Santos Júnior) aplicou um conjunto de testes para estabelecer cotas de
inteligência, comparando crianças portuguesas e crianças moçambicanas”.Ver António Augusto, “A evolução
intelectual das crianças pretas de Moçambique”, separata de A criança portuguesa (Lisboa, 1949).
MACAGNO, op.cit.,p.101.
133
LEAL, João, Recensão a obra de Jorge Dias, Os Macondes de Moçambique, Vol. I: Aspectos históricos e
económicos:<http://www.CEAS.iscte.pt/etnografica/Docs/vol_03/N1/vol_iii_N1_213-228.PDF.» Acesso:em
19/092007.
134
“Antropologia da construção da Nação” (tradução nossa). STOCKING, 1982 apud LEAL, 1998, p.213.
135
“Antropologia da construção do Império” (tradução nossa), STOCKING, 1982 apud LEAL, 1998, p.213.
136
De Franz Boas, Jorge Dias resgata a ideia de que as culturas não são mônadas e estáticas, e enfatizou uma
análise que privilegiasse os processos de aculturação. Não obstante esta influência de Boas, Macagno irá
sumarizar o trabalho antropológico de Dias afirmando, que “a Etnografia sobre os Macondes se localiza em
um registro descritivista e, até certo ponto, estático (Macagno, no entanto adverte que o próprio Dias
reconheceu este viés sincrónico e advertiu sobre os resultados parciais de seu trabalho. Cf. MACAGNO,
op.cit., p.121.
137
PERREIRA, apud MACAGNO, 2002 op.cit., p.105.
53
Macondes de Moçambique”138.
Como observou Rui Pereira (2002) foi a partir da reorientação da política colonial
portuguesa que ocorreu na segunda metade dos anos 1950 – no rescaldo da Conferência de
Bandung - que se tornou não só possível, mas necessário o desenvolvimento de estudos de
natureza antropológica nas ex-colônias, de forma a proporcionar às autoridades coloniais
portuguesas os meios para gerir política e socialmente as consciências das populações
africanas, na tentativa de impedir o desenvolvimento de um clima favorável às aspirações
independentistas.139
Um dos seus objectivos principais era o de, na Colônia, desenvolver de forma directa,
prolongada e intensiva, investigação científica, tecnológica, econômica e sociológica. O seu
pendor analítico ligava-se fundamentalmente à pesquisa social “aplicada” (sem deixar no
entanto de também realizar pesquisa de carácter mas especulativo, ou desinteressado), que
procurava, segundo os seus proponentes, “contribuir para o desenvolvimento econômico e
social da província e do continente africano em geral, por meio do estudo de problemas
locais. Estes “estudos técnicos”, tinham também o objectivo de “contribuir para a solução dos
138
Os “Macondes de Moçambique” de Jorge Dias em 4 volumes cobre toda a cultura dos Macondes (grupo
étnico presente no Norte de Moçambique). O primeiro cobre a história, ecologia e economia dos Macondes; o
segundo aborda a cultura material. O terceiro e quarto versam sobre a vida social, religião, arte e literatura
oral. Professor Dias fornece capítulos detalhados sobre a caça, a aldeia como unidade local, a arquitetura
doméstica, alimentação, bebidas, ornamento do corpo, tatuagens e técnica de escultura em Madeira e ferro.
Esta obra teve também a participação de sua esposa, a antropóloga alemã, Margot Dias que contribuiu com
um capítulo sobre cultura material.
139
LEAL, 1998, p.214.
140
Segundo PACHALEQUE, Calisto et al. “O IICM foi criado em 1955, mas só entrou em funcionamento em
1957, quando foi aprovado o seu regulamento.”, op.cit , p.14,.
141
Não obstante existirem na colónia, outras instituições de pesquisa, como o Instituto de Investigação
Agronómica de Moçambique, e o Instituto de Investigação Veterinária. Vide, BRITO, Luís Manuel Cerqueira
de. Luís Manuel Cerqueira de Brito (depoimento, 2008). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV; LAU/IFCS/UFRJ;
ISCTE/IUL, 2010. 16 p.
IICM – Necessidades, problemas e perspectivas de desenvolvimento, Actividade em 1959 – Plano de trabalhos
para 1960, Lourenço Marques, Dezembro de 1959.
142
Pachaleque, Calisto. et al., 1993,p.3.
54
A secção das Ciências Sociais competia efectuar estudos nos domínios da Etnografia,
Etnologia, Sociologia, História, Pré-História, Proto-História, Etno-História, Linguística,
Antropologia e Geografia Humana147. A área da pesquisa social funcionava com poucos
investigadores efectivos, tendo no entanto, a contribuição permanente de colaboradores e
investigadores associados, que acabaram sendo actores chaves para a própria existência do
Instituto148. De acordo com Pachaleque, um factor que limitava o crescimento do quadro
científico na área das Ciências Sociais do Instituto tinha sido,
143
IICM, 1959, op.cit, p.3
144
IICM, 1959, op.cit,
145
PACHALEQUE, Calisto. et al. 1993, op.cit. p.14.
146
IICM, 1959, op.cit,p.62.
147
IICM, 1959, op.cit, p.3.
148
Ibid. p.14.
149
PACHALEQUE, Calisto. et al. 1993, op.cit, p.16.
55
150
No levantamento bibliográfico por mim efectuado, durante o período em que decorreu este estudo, foram
somente encontrados, nas instalações do CEA/UEM, 7 exemplares das Memórias do IICM, serie “C”.
151
PACHALEQUE, Calisto, op.cit.p.14.
152
BENDER & ISAACMAN, argumentam que após 1960, uma nova geração de cientistas sociais não
portugueses redefiniu as áreas vitais dos interesses de pesquisa na historiografia de Angola e Moçambique.
De acordo com estes autores o período anterior, era caracterizado por uma abordagem antropológica e
histórica eurocêntrica e racista, preocupando-se somente com aqueles aspectos “exóticos” da sociedade
moçambicana. Vide, BENDER & ISAACMAN, 1976, op.cit,
153
De MATOS, Leonor correia. Origens do povo Chope segundo a tradição oral. Memórias, , vol.10, IICM,
Série “C”, Lourenço Marques, 1973.
154
RITA - FERREIRA, A. Etno - História e cultura tradicional do grupo Anguni, Memórias do IICM, , vol.11,
Série “C”, Lourenço Marques, 1974.
155
BENDER & ISAACMAN, 1976, op.cit., p.225
56
Autores como Charles Boxer, James Duffy, Allen Isaacman, Valdemir Zamparoni,
dentre outros, analisaram criticamente as relações raciais no colônia no Moçambique colonial
e demonstraram que os portugueses, frequentemente manifestavam racismo e discriminação,
não somente para com os negros africanos, mas também com os asiáticos e mestiços. Não
podemos deixar de mencionar também os nacionalistas africanos, rejeitaram e condenaram
156
BENDER & ISAACMAN, 1976,op.cit.
157
Costa Pinto afirmou que Portugal teria iniciado no sec. XV um novo tipo de civilização, devido ao seus
caráter de expansão singularmente simbiótico de união de europeu com os trópicos, e, ao lado desse novo tipo
de civilização vir-se-ia desenvolvendo um novo tipo de conhecimento ou saber dos trópicos pelo europeu,
para o qual se sugere a caracterização de lusotropicologia. Ainda de acordo com Costa Pinto, Freyre
postulado que dessa simbiose do português com os povos tropicais, originaram-se praticas fraternas de
assimilação cultura e de confluência inter-racial. Vide, COSTA PINTO, João Alberto. Gilberto Freyre e o
luso-tropicalismo como ideologia do colonialismo português (1951-19749), Revista UFG, Ano XI, nº6, Rio
de Janeiro, junho 2009, p.45-160.
158
Autores portugueses, pertencentes a Escola Colonial Superior, como Mendes Correia, Solva Cunha, Adriano
Morreira, Silva Rego e Jorge Dias, eram, de acordo com Bender e Issacman, responsáveis por formar a elite
da burocracia colonial, subscrevendo a imagem idílica de uma relação racial harmoniosa em Moçambique.
Vide, BENDER & ISAACMAN, 1976, op.cit.
57
No interior do IICM foram criados em 1976, quatro centros de investigação, todos eles
subordinados hierarquicamente à universidade: o Centro de Estudos Africanos (CEA), o
Centro de Estudos de Técnicas Básicas para o Aproveitamento dos Recursos Naturais
(TBARN), o Centro de Estudos de Comunicação e por último o Centro de Ecologia161. Como
corolário do novo contexto do fim do colonialismo, a investigação em Ciências Sociais foi
dissolvida no IICM e integrada no CEA. Nascia assim uma nova instituição de pesquisa e
ensino, que iria se tornar no principal centro de produção de conhecimento no pós-
independência. Como bem observou Pachaleque,
159
BENDER & ISAACMAN, 1976, op.cit.
160
BRITO, Luís Manuel Cerqueira de. Luís Manuel Cerqueira de Brito (depoimento, 2008). Rio de Janeiro,
CPDOC/FGV; LAU/IFCS/UFRJ; ISCTE/IUL, 2010. 16 p.
161
Ibid, Idem.
58
teórico-metodológica162.
Como iremos ver no próximo capítulo, a herança colonial irá afectar a educação
superior no Moçambique pós-independente, não somente na quase inexistência de
moçambicanos com nível superior, como também na carência de instituições de ensino
superior e de pesquisa em todo o país. Como vimos anteriormente, o governo português,
utilizou de facto uma política de limitar o acesso da população africana a educação, mantendo
o ingresso de negros no ensino superior muito pequeno, e nem não estava interessado nem na
criação de escolas e universidades para os autóctones e nem numa massiva alfabetização da
população africana. Por outro lado, o currículo português era explicitamente eurocêntrico,
discriminador e racista, onde apenas se ensinava os valores da cultura portuguesa, rasurando
deliberadamente toda acultura africana, vista como “retrógrada” e “selvagem”.
162
PACHALEQUE, Calisto. et al.,. 1993, op.cit. Em relação ao trabalho do Centro de Estudos Africanos, e essa
“outra postura teórico -metodológica” sugerida por Pachaleque, iremos abordar, com mais detalhe, no último
capítulo deste trabalho.
59
Iremos deste modo, começar por aludir neste capítulo, (tendo em conta o objectivo
central deste estudo que é o de reconstituir a história intelectual do CEA), a um contexto mais
geral, e anterior à fundação do Centro, das lutas anti-imperialistas que se desencadeavam em
várias partes do mundo e que mobilizaram intelectuais e acadêmicos de “esquerda” engajados
nas lutas pela justiça social, como também em prol do desenvolvimento dos países
considerados do “terceiro mundo”. Em segundo lugar, Moçambique no contexto da África
Austral, dominado fundamentalmente pelas lutas de libertação nacional (no Zimbabwé até
1980, e ainda Namíbia163 e África do Sul164 que perduraria até aos anos 1990) e anti-apartheid
e da dependência econômica em relação ao capital sul-africano; e, por último, e não menos
importante, o contexto intelectual e histórico da tentativa165 de construção do socialismo em
Moçambique.
Nos finais dos anos 1960, com as independências de muitos países africanos166,
intelectuais e activistas anti-imperialistas vindos maioritariamente da Europa (mas também de
163
O Movimento de Libertação Nacional Namibiano (SWAPO), continuou a sua estratégia combinada de luta
armada e resistência pacífica à ocupação pelo regime sul-africano do Apartheid.
164
Liderada pela luta armada e política desencadeada pelo ANC.
165
Barry Munslow, por exemplo, acredita que mesmo que nenhum estado africano tenha conseguido construir o
socialismo, houve um certo número de tentativa, e Moçambique era considerado como um deles. Vide, RAY,
Donald. Dictionary of the African Left. Vermont : Dartmouth, 1989, p.11.
166
A primeira onda das independências africanas vai de 1957 a 1968, e compreendia países como o Ghana, Mali,
Guiné Equatorial e Tanzânia.
60
países como Canadá e EUA), começaram gradualmente167 a focalizar as suas atenções para as
lutas anti-coloniais que se desencadeavam nos países africanos sob dominação colonial
portuguesa, considerados até então como o último reduto do colonialismo. Muitos destes
jovens intelectuais “progressistas”, estavam envolvidos nos seus países em lutas anti-
apartheid e de apoio aos movimentos de libertação nacional168”, organizando, por exemplo,
campanhas e manifestações anti-Portugal na Europa, de consciencialização nas suas
sociedades e no mundo em geral sobre a necessidade da descolonização urgente e de
angariação de fundos para os movimentos de libertação169.
E havia de fato algo de especial neste lugar, para atrair tantos acadêmicos e
investigadores expatriados. Com a conquista da independência em 1961, o partido dirigente
de Julius Nyerere, procurou adoptar uma estrutura política e sistema de crenças baseados nas
premissas do socialismo democrático, onde ao sistema educacional tinha sido dado um papel
preponderante não só para reverter os efeitos negativos do colonialismo, mas também como
167
De acordo com Tony Gifford, nesses anos de 1960 as guerras de libertação desencadeadas nas três colónias
de Portugal eram escassamente reportadas ou conhecidas. Como afirmou Gifford ,”Portugal era um lugar
para ferias ao sol.” O mesmo autor refere ainda que quando o então presidente da Frelimo, Eduardo Mondlane
participou em vários encontros em Oxford e Londres, ficou chocado com a ignorância dos “britânicos
progressistas” sobre o seu país. Vide, GIFFORD, Tony. Basil Davidson and the African freedom struggle.
Race & Class, nº32, 1994, pp.85-88.
168
Poderíamos aqui dar o exemplo de intelectuais radicais como Basil Davidson e John Saul que nos anos 1960,
e em momentos distintos, tinham sido convidados pelo presidente Samora Machel para visitar as “zonas
libertadas”, durante a luta de libertação nacional, sob comando da Frelimo no interior de Moçambique. Vide
GIFFORD (1994), e Revista Tempo, Maputo: Tempográfica, 27/08/78, nº412, p.36-42.
169
A criação em 1968, do Comité para a liberdade de Moçambique, mais tarde estendido para Angola e Guine
Bissau (CFMAG), é um exemplo claro deste engajamento político com esses países africanos. Este comité
chegou a frustrar a visita do então chefe de estado de Portugal, Marcelo de Caetano a Inglaterra para
comemorar os 600 anos da aliança anglo - portuguesa. Foram organizadas várias manifestações de repúdio ao
colonialismo português. Vide, GIFFORD, op.cit, 1994, p.88.
170
De acordo com Penina Mlama, até 1984, era a única universidade no país. Vide, MLAMA, Penina. “African
perspectives on programms for North Americans students in Africa: the experience of the University of Dar
es Salaam”. African Issues, vol.28, nº12, 2000, p.24-27.
61
Estava-se, por outro lado, num contexto internacional de grandes mudanças sociais e
políticas. O advento dos movimentos nacionalistas em África, a polarização do mundo
resultante da guerra fria, a guerra do Vietname (1959-1975), mas também a manifestação
estudantil francesa que teria repercussões em países industrializados como os EUA, Japão,
dentre outros. O “Maio de 68”, que tinha emergido a partir de “grupos de esquerda revoltados
“contra a sociedade de consumo”, o ensino tradicional e a insuficiência de saídas
profissionais173” iria ter um grande impacto na mudança das mentalidades na sociedade
francesa.
A abertura à novas ideias tornou num dos motes planetários desta geração de 68,
aumentando a contestação por parte dos intelectuais: o aparecimento e a divulgação de
trabalhos efectuados na área das Ciências Sociais e Humanas tornam-se numa realidade cada
171
Para uma leitura mais atenta sobre a ligação entre processos políticos e a educação na Tanzania pós -
independente, vide, BLOCK, Leslie. National development policy and outcomes at the University of Dar es
Salaam. African Studies Review, vol.27, nº1, March, 1984, p.97-115.
172
Vide, MLAMA, Penina. African perspectives on programms for North Americans students in Africa: the
experience of the University of Dar es Salaam. African Issues, vol.28, nº12, 2000, p.24-27.
173
Maio de 68: Infopédia, Porto: Porto Editora, 2003-2010. Disponível em: www: <URL:
http://www.infopedia.pt/$maio-de-68>. Acesso em 20/10/2008.
62
vez mais forte no mundo científico francês.174. Depois do “Maio de 68”, deu-se uma explosão
do pensamento marxista, com autores como Hebert Marcurse, Jurgen Habermas, Jean-Paul
Sartre Guy Debord, em contraponto, à aquela concepção das Ciências Sociais exclusivamente
empírica, ou mesmo da sociologia dominada pelo funcionalismo americano175.
No que se referia ao estudo de África, até cerca de 1950, este estava, como vimos no
capitulo anterior, hegemonicamente dominado pela disciplina da Antropologia, criada
propositadamente para analisar aqueles considerados como os povos “atrasados”. Era assim
uma disciplina extremamente anti-histórica e eurocêntrica. Os seus seguidores eram
fundamentalmente pesquisadores europeus treinados em universidades, mas também,
missionários e administradores coloniais. Enfim, uma ciência ao serviço do poder colonial e
que a partir de conceitos como “tribo”, “aculturação cultural” procuravam no final legitimar a
presença colonial em África.
174
Maio de 68. In: Infopédia, Porto Editora, 2003-2010.
Disponível em: www: <URL: http://www.infopedia.pt/$maio-de-68>.Acesso em 27/10/2008.
175
Para uma leitura mais atenta deste fenómeno, vide, BOTTOMORE , Tom & Laurence, Harris. A Dictionary
of Marxist Thought, Blackwell Publishing, 2nd edition, 1998; ROIZ, Diogo da Silva A ‘crise de paradigmas’
nas Ciências Sociais, uma questão relativa à teoria da história? Topoi, v. 7, nº 12, jan.-jun. 2006, p. 261-266.
176
WALLERSTEIN, Immanuel. The evolving role of the Africa Scholar in African Studies. Canadian Journal of
African Studies, vol. 17, nº 1, 1983, p. 9-16.
177
Ibid, Idem..
63
ocidente, de forma que poderiam ser vistas como um domínio normal de cientistas políticos,
economistas e sociólogos. Como afirmara Immanuel Wallerstein (1983), o “Estado/Nação foi
agora o locus da acção social e a agência africana fornecia o foco dinâmico da análise178”.
Deu-se também uma mudança drástica da composição social dos estudiosos de África. Um
campo que até então se caracterizara, quase exclusivamente, por ser formado por estudiosos
europeus de países coloniais, passava agora a ser transformado por pesquisadores vindos de
outras partes do mundo, como também de um grupo, ainda que reduzido, de pesquisadores
africanos179.
178
WALLERSTEIN, Immanuel. The evolving role of the Africa Scholar in African Studies. Canadian Journal
of African Studies, vol. 17, nº. 1, p. 9-16, 1983.
179
A produção da História Geral da África pela UNESCO em 1963 (tendo sido publicado o 1º volume em 1971)
a pedido da Organização da Unidade Africana (OUA), com o objectivo de substituir os livros até então usados
nas escolas africanas, que estavam carregados de preconceitos, etnocentrismo e que enalteciam os valores da
civilização do colonizador, pode ser considerados como um dos grandes marcos desta mudança radical na
historiografia africana.
180
Vide, WATERMAN, Peter. On Radicalism in African Studies. Politics and Society, nº3, p.261-281, p.266,
1973.
181
Entrevista com Ana Maria Gentili, junho de 2007.
64
E podia ainda ser um compromisso radical ainda mais específico do que esse, quando
por exemplo, Bridget O’Laughilin, antropóloga americana e pesquisadora do CEA afirmou,
“nós estávamos comprometidos sim com o poder, com a estratégia socialista da FRELIMO,
mas isso não significava que tínhamos um mandato do partido, quando íamos ao campo fazer
investigação”.182
Moçambique, “um país que ainda estava livre de todas as engrenagens que existiam na
182
Entrevista com a autora, agosto, 2007.
183
Vide, WATERMAN, 1973, op.cit, p.275.
184
Vide, WATERMAN, Peter. On Radicalism in African Studies. In, Politics and Society, Nº3, 1973, pp.261-
281, p.266.
185
Poderíamos aqui dar o exemplo da produção, nos princípios dos anos 1980, dos 8 volumes da Historia Geral
da África organizada pela UNESCO.
65
Europa186”, acabou se tornando, de facto, num dos lugares que iria receber mobilizar grande
parte destes africanistas “pés vermelhos187, na procura de sonhos revolucionários,188 que eles
não podiam realizar nas suas próprias sociedades, ou de gratificações psíquicas de campanhas
de “solidariedade189”. Como afirmou Teresa Cruz e Silva,
186
Jean-Luc Godard, cineasta francês, a quando da sua visita a Moçambique em 1978, para a produção de
“filmes de pesquisa”. Vide, Jornal Noticias, 21/08/78, p.4.
187
Tom Young empresta este termo de Patrick Chabal em People´s war, state formation and revolution in Africa:
a comparative analysis of Mozambique, Guinea-Bissau and Angola. Journal of Commonwealth and
Comparative Politics, nº 21, 1983, p.104-25.
188
E foi mesmo Bridget O’Laughilin quem afirmou durante a entrevista, que durante os anos em que estes
pesquisadores cooperantes viveram em Moçambique, “sentíamos que estávamos a viver uma revolução”.
189
Tradução minha: Writing on post-independence Mozambique remains dominated by “redfeet” in pursuit of
revolutionary dreams that they cannot attain in their own societies or of the psychic rewards of “solidarity”
campaings. Ver, YOUNG, Tom, op.cit.,1990).
190
Entrevista com Teresa Cruz e Silva, agosto, 2007.
191
Depois de um processo político longo de negociações com o governo português, iniciado com o golpe de
Estado em Portugal em 1974. Vide, MITLEMAN, James, State Power in Mozambique. A Journal of Opinion,
vol.8, nº1, 1978, p.4-11.
192
Frente de Libertação de Moçambique. Foi fundada em 1962 a parti da fusão de 3 outras organizações
nacionalistas anticoloniais constituída por moçambicanos no exílio, nomeadamente a MANU, UDENAMO e
UNAMI. Para uma leitura mais aprofundada do nascimento dos movimentos nacionalistas em Mocambique
vide, .ALPERS, Edward. “Ethnicity, Politics, and History in Mozambique”, Africa Today, Vol. 21, No. 4
(Autumn, 1974), pp. 39-52; OPELLO Jr, Walter C. Pluralism and Elite Conflict in an Independence
Movement: FRELIMO in the 1960s. Journal of Southern African Studies, Vol. 2, nº 1, Outubro, 1975, p. 66-
82; ISAACMAN Allen. e ISAACMAN, Barbara. Mozambique: from colonialism to Revolution, 1900 -1982,
Boulder, Colorado: Westview Press, 1983; NEWITT, Malyn. A History of Mozambique, London : Hurst &
Company, , 1995.
66
Foi assim este compromisso com o projecto socialista da FRELIMO que mobilizou
grande parte destes investigadores e, como veremos ao longo deste estudo, deu um contributo
significativo ao desenvolvimento da pesquisa em Ciências Sociais, na formação de
investigadores e quadros do aparelho de Estado sobre métodos e técnicas de pesquisa social
como também na produção de conhecimento socialmente relevante sobre a economia política
de Moçambique.
Pesquisadores e docentes como Ruth First, Marc Wuyts, Bridget O’Laughilin, Jacques
Depelchin, Ana Maria Gentili, Dan O’Meara, Judith Head, Robert Davies, dentre outros iriam
ter um papel crucial no desenvolvimento do ensino e da pesquisa aplicada em Ciências
Sociais, focalizada na actualidade moçambicana e onde se conjugava, investigação de campo
intensiva, análise documental e tratamento dos dados, num processo de pesquisa
fundamentalmente colectivo. Luís de Brito não deixou de referir ao papel deste pesquisadores
cooperantes196 na formação de investigadores nacionais e no próprio fortalecimento da
193
Frelimo, Programa e Estatutos (Maputo: Departamento de Trabalho Ideológico da Frelimo, 1977), p.8.
194
Para uma leitura mais aprofundada sobre estes conflitos (lutas pelo poder, etnicidade, lutas ideológicas) no da
Frelimo, ver por exemplo, ALPERS, Edward. Ethnicity, Politics, and History in Mozambique. Africa Today,
Vol. 21, No. 4 (Autumn, 1974), pp. 39-52; OPELLO Jr, Walter C. “Pluralism and Elite Conflict in an
Independence Movement: FRELIMO in the 1960s. Journal of Southern African Studies, vol. 2, nº. 1,
Outubro, 1975, p. 66-82; CABRITA, João, The Tortourous Road to Democracy, New York:Palgrave, 2000.
195
Entrevista com Dan O'Meara, agosto, 2007.
196
Segundo Mário Azevedo, este termo era usado pela Frelimo para designar os nacionais estrangeiros que
simpatizavam com os seus objectivos socialistas e que estavam prontos ajudar e a implementá-los. Vide,
AZEVEDO, Mário. Historical Dictionary of Mozambique, The Scarecrow Press, Inc., 1991.
67
pesquisa no pós-independência,
Tudo o que sou hoje devo ao que aprendi aqui neste Centro. A Ruth e
o Aquino nos ensinaram duas coisas que para mim foram importantes
para o resto da minha vida: a questionar sempre. A dúvida metódica
era o ponto central. E por outro lado, nós passamos por uma escola
portuguesa, tradicional, etc., para um ensino anglo-saxónico aberto no
Curso de Desenvolvimento. Nas investigações que fazíamos, nós
aprendíamos fazendo. Aprendemos a interrogar, a ir directo aos
assuntos e a nunca ter respostas definitivas; a ter um espírito crítico, a
fazer análises e aprender que estamos sempre a aprender199.
197
Foi o primeiro grande projecto do CEA sob direcção de Ruth First. Pode ser considerado como o trabalho
mais aprofundando que ao Centro realizou durante o período em análise. A pesquisa era basicamente sobre o
fluxo migratório de moçambicanos para as minas de ouro da África do sul e seu impacto na economia
moçambicano no pós–independência. Esta obra será discutida com mais detalhe no capítulo quatro.
198
Entrevista com Luís de Brito, agosto,2007.
199
Entrevista com Teresa Cruz e Silva, agosto, 2007.
68
200
Entrevista com Yussuf Adam, julho 2007.
201
BOURDIEU, Pierre. Homo Academicus, California:Stanford, University Press, 1988.
202
Apesar de o CEA ter como principio, o debate de ideias, franco e aberto entre professores e alunos, mesmo
em questões relacionadas com as prioridades de pesquisa e do ensino, como também na definição e
organização dos projectos de pesquisa.
203
Entrevista com Bridget O'Laughilin, agosto, 2007.
69
Como foi sublinhado no capítulo introdutório, este trabalho não pretende se deter em
204
Entrevista com Marc Wuyts, julho, 2009.
205
Vide, DINERMAN, Alice. Revolution, Counter-Revolution and Revisionism in Postcolonial Africa: The
Case of Mozambique, 1975-1994, New York: Routledge, 2006.
206
Vide por ex., YOUNG, Tom. The MNR/RENAMO: External and Internal Dynamics. African Affairs, vol.
89, nº. 357, Outubro, 1990, p. 491-509.
207
OTTAWAY, Marina. Mozambique: From simbolic socialism to simbolic reform. The Journal of Modern
African Studies, vol. 26, nº2, Junho, 1988, p.211-226.
70
elucubrações sobre se Moçambique foi ou não um país socialista, mas sim de estabelecer as
conexões entre uma ordem discursiva que se pretendia hegemônica (o projecto socialista da
FRELIMO para toda ao sociedade) e as dinâmicas de pesquisa de uma instituição de produção
de conhecimento, o CEA. Assim, nesta secção iremos traçar em linhas gerais todo o contexto
histórico do período que vai de 1975 a 1990208, que tanto em termos “simbólicos” como o que
ia acontecendo na prática, foi fortemente marcado pela tentativa do poder de constituir uma
sociedade socialista.
208
Como afirmamos na introdução este limites cronológicos não devem ser vistos de forma absoluta.
71
“hospedar” em seu território membros do ANC. Como iremos discutir neste estudo, alguns
investigadores do CEA, pertenciam as hierarquias mais altas desta organização clandestina,
onde, a partir do seu lugar no Centro, produziam conhecimento relevante para a luta política e
armada do ANC contra o regime sul-africano. Após os Acordos de Nkomati, a maioria destes
investigadores abandonou o Centro e Moçambique.
210
Para uma leitura mais detalhada sobre este tema, vide, HENRIKSON, 1978, op.cit. ISAACMAN, Allen,
Colonial Mozambique an Inside View: The Life History of Raul Honwana. Cahiers d´Études Africaines, vol.
2, Cahier 109, Memoirs, Histoires, Identites, 1988, pp.59-88; PENVENNE, Jeanne Marie. Joao dos Santos
Albasini ( 1876-1922): The contradictions of politics and identity in colonial Mozambique. The Journal of
African History, Vol.37, nº3, 1996, p.419-464; ZAMPARONI,Valdemir. De Escravo a Cozinheiro –
Colonialismo e racismo em Moçambique, Salvador: EdUFBA,, 2007.
211
NEWITT, 1995, op.cit, p.520.
72
212
É preciso referir que para alem destes imigrantes que viviam em países como Malawi, Zâmbia, Zimbabwé,
Tanzânia, havia um pequeno grupo de moçambicanos a estudar em Portugal como também nos EUA.
213
Para mais informações sobre estes grupos nacionalistas, vide, OPELLO, Walter, Jr. Elite Conflict in an
Independence Movement: FRELIMO in the 1960s. Journal of Southern African Studies, Vol. 2, No. 1 (Oct.,
1975), pp. 66-82; MONDLANE, Eduardo, Lutar Por Moçambique, op.cit; SIMANGO, Uria, The Liberation
Struggle in Mozambique'. The African Communist, 32, 1968, pp. 48-61;
214
Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), tendo como Secretário -
Geral, Marcelino dos Santos, que se tornaria vice-presidente da Frelimo nos anos 1970 e no pós-
independência presidente da Assembleia da República.
215
Vide, HENRIKSEN, Thomas, 1978, op.cit, p.171
216
NEWITT, 1997, op.cit, p.523.
217
Em Fevereiro de 1969 Eduardo Mondlane foi assassinado na Tanzânia através de uma carta armadilha. Fortes
suspeitas iriam recair na PIDE mas também no envolvimento de alguns elementos da própria Frelimo. A
partir daí foram expulsos membros seniores da Frelimo, como por exemplo Lazaro Nkavandame e Urias
Simango, acusados de estarem envolvidos na morte do presidente da Frelimo. Samora Machel toma posse nos
anos 1970, como o novo presidente da Frelimo. Vide, HENRIKSEN, 1978, op.cit ; HENRIKSEN, Thomas.
Revolution and counter – Revolution – Mozambique´s war of independence, 1964 – 1974, Greenwood Press,
1983; NEWITT, 1995, op.cit.
73
promoções lentas, e uma guerra colonial fútil. Esta combinação de factores que iria levar ao
colapso do regime fascista, obrigando o primeiro-ministro Marcelo Caetano ao exílio no
Brasil218. No dia sete de setembro do mesmo ano, foram assinados os acordos de paz que
originaram a formação de um governo de transição da FRELIMO. Aquino de Bragança (que
dois anos mais tarde iria tornar num dos membros fundadores e primeiro director do CEA),
devido a sua longa experiência com os movimentos libertação nacional, e desde o principio o
seu apoio a casa da “revolução moçambicana” iria desempenhar um papel chave nestas
negociações. Assim, a liderança da FRELIMO incube-lhe de ir a Portugal, para servir de
intermediário junto do movimento das forças armadas, nos primeiros acertos para o processo
de negociação219.
218
Vide, por eg.. GESHEKTER, Charles L. Independent Mozambique and Its Neighbors: Now What?. Africa
Today, Vol. 22, No. 3, jul. - sep., 1975, p. 21-36.
219
Vide, DAVIDSON, Basil. Aquino de Bragança, 1928-86: An Appreciation. Africa: Journal of the
International African Institute, Vol. 57, No. 2, 1987, p. 260.
220
Para uma leitura mais atenta sobre a “guerra civil em 1968-69” no interior da Frelimo, ver particularmente
Newitt, 1995, op.cit. Para mais infirmações sobre conflitos internos na Frelimo, emergência de facções ,
movimentos políticos anti - Frelimo e morte de Eduardo Mondlane, vide, HENRIKSEN, 1978, op.cit;
VINES, Alex, Renamo – Terrorism in Mozambique, Indiana University Press, 1991; Newitt, 1995,
CABRITA, João, 2000, op.cit.
74
No sector econômico, a fuga maciça dos portugueses que ocorrera a partir do fim do
salazarismo, em 1974, levou ao colapso de sectores vitais da economia, como o comércio e a
produção de culturas alimentares e a rede de distribuição rural e, não somente houve uma fuga
221
Vide, HENRIKSEN, Thomas. Mozambique: A History, Cape Town :Rex Collings, 1978.
222
HANLON, Joseph. Mozambique: The Revolution Under Fire, Zed Books, 1984,p.46.
223
HANLON, 1984, p.82.
224
Teses do 3º Congresso, citado a partir do artigo de Thomas Henriksen, “Marxism and Mozambique”, In:
African Affairs, Vol. 77, nº 309, Outubro, 1978, p.459.
225
Chamaram-se “Grupos Dinamizadores” às organizações de base da sociedade logo depois da independência
nacional. Eram de facto células do partido, dirigidos pelas orientações e por quadros da FRELIMO. Foram
formadas em todas as empresas, repartições públicas, com o objectivo de aumentar a produtividade mas
também como uma forma de se socializar e discutir aspectos ligados a ideologia marxista-leninista. Forma
também criados grupos dinamizadores nos bairros residências com o objecitvo de mobilizar a população para
tarefas colectivas como limpeza das ruas, vigilância popular, e até mesmo alfabetização.
226
Vide por exemplo a análise comparativa de Catherine Scott sobre os Estados pós - coloniais de Moçambique
e Angola: Socialism and the Soft State in Africa: An analysis of Angola and Mozambique. The Journal of
Modern African Studies, Vol. 26, nº1, Março, 1988, p.23-36.
75
de capitais, mas também o que podia ser visto como uma consciente e deliberada sabotagem
foi levada a cabo. Plantações e maquinaria de irrigação foram deliberadamente destruídas,
gado abatido e gêneros alimentícios disponíveis retirados do mercado com o intuito de criar
uma escassez artificial.227 Esta situação obrigou ao Estado moçambicano a ocupar as
empresas e indústrias abandonadas, levando assim na óptica de Sónia Kruks (1987), a criação
de um sector estatal muito mais alargado do que a FRELIMO tinha imaginado.
227
Vide, KRUKS, Sonia. From Nationalism to Marxism: The Ideological History of Frelimo, 1962-19977.
MARKOVITZ, Irving Leonard (Ed). Studies in Power and Class in Africa, Oxford University Press, 1987.
228
O mesmo que herdade, quinta, horta ou propriedade agrícola.
229
Vide, BOWEN, Merle. The Sate Against Peasantry – Rural Struggles in Colonial and Post - colonial
Mozambique, University Press of Virginia, 2000.
230
O´MEARA, Dan. The Collapse of Mozambican Socialism. Transformation, nº14, 1991, p.82-103.
76
É assim que a FRELIMO decidiu manter o fluxo migratório, apesar do fato de que, em
1975, o governo sul-africano ter reduzido drasticamente o número de contratados para 40.000,
concorrendo para o aumento do desemprego no sul de Moçambique. Como forma de
responder a esta crise, a FRELIMO tentou criar políticas agrárias que pudessem integrar
muitos dos desempregados na economia rural, através da construção das aldeias comunais
(obrigando os camponeses a deixarem as suas machambas familiares, seus locais sagrados e
de culto e a irem viver em de forma comunal) os camponeses a viver juntos, cooperativas de
produção e das machambas estatais. O descontentamento e desencantamento popular
começavam a despontar gradualmente no horizonte moçambicano.
231
O'MEARA, 1991, op.cit, p.93.
232
YOUNG, Tom. The MNR/RENAMO: External and Internal Dynamics. African Affairs, Vol. 89, nº. 357,
Outubro, 1990, p. 491-509, p.494.
233
Resistência Nacional Moçambicana. É de referir que este acrónimo é somente usado a parto dos anos 1980,
antes disso o Moimento era comummente conhecido (especialmente no Zimbabwé) como Movimento
NACIONAL DE Resistência (MNR). Vide, YOUNG,1990, op.cit; HALL, (1990) op.cit.
77
da FRELIMO a ZANU234.
234
Vide, YOUNG,1990, op.cit; HALL, op.cit, 1990.
235
Vide, MUNSLOW, Barry, Rethinking the Revolution in Mozambique. Race & Class, XXVI, 2, 1984, p.15-
31.
236
O´MEARA, op.cit, 1991, p.91.
237
Como afirmou O'Meara, “in 1980 South Africa inherited form the Rhodesian Central Inteligence
Organization (CIO) the ragbag of former Portuguese commandos and colonialists, and former Frelimo
soldiers known as Renamo. Created and controlled by Ken Flower of the CIO, Renamo quickly incorporated
into the Special Forces Commando of the SADF and placed under the direct control of the nº 5 Recce
Commando. Vide, O´MEARA, op.cit.,1991, p.96.
238
Deslegitimização no sentido em que o estado freliminiano era incapaz de resolver as contradições acutilantes
da economia e das contradições sociais, principalmente no meio rural, epicentro da sua política agrária da
socialização do campo e da transformação socialista. Como veremos mais a seguir, quando forem analisados
os Relatórios Científicos produzidos pelo CEA, havia no campo um “descontentamento dos camponeses em
relação a essas políticas agrárias da Frelimo o que segundo os investigadores do CEA iria levar, como
afirmou o CEA num dos seus Relatórios de Investigação, posteriormente discutidos neste capítulo, a uma
78
A FRELIMO decidiu então que a alocação dos recursos deveria se basear num
pragmatismo econômico em vez de ser pautado exclusivamente pela ideologia241. Por outro
lado, acreditava que ao se virar para uma estratégia mais direcionada para a abertura do
mercado iria corrigir os desequilíbrios econômicos que resultaram dos erros políticos do
passado. No entanto, já havia um grande descontentamento rural agravando ainda pelos
massacres às populações perpetradas pela RENAMO, o êxodo forçado das populações para as
cidades e o aumento do desemprego urbano.
Esta situação de crise iria levar a FRELIMO a se tornar gradualmente numa força
política e dirigente autoritária e contraditória. De um lado começava a ser extremamente
centralizada e comandista, movendo-se lentamente para um culto de personalidade à volta de
Samora Machel. Por outro lado, o poder ia se tornando cada vez mais coercivo na sociedade
através de um maior controlo social, como por exemplo, da “operação produção242”, e formas
de “vigilância popular”. O meio universitário não ficaria incólume a este alastramento das
“desagregação das aldeias comunais”. Assim, poderíamos ver este “descontentamento” como uma das causas
da crise, não descurando no entanto, outros factores como a guerra contra a Renamo, a crescente dívida e
dependência externa de Moçambique, o aumento da repressão urbana, etc.
239
De acordo com Hebert Howe e Mariana Ottaway, o GNP era de 11.9 biliões de Meticais antes da
independência em 1973, desceu drasticamente para 71.1 biliões em 1975 e subiu para 83.7 biliões me 1981.
Em 1984 caiu à pique para 55.6 biliões de Meticais. Vide, KELLER, Edmond & Rothchild, Donald. Afro-
Marxist Regimes – Ideology and Public Policy, Lynne Rienner Publishers,1990.
240
BOWEN, Merle, Beyond Reform: Adjustment and Political Power in Contemporary Mozambique. The
Journal of Modern African Studies, nº30, 1992, p.255-279, p.261.
241
ROESCH, Otto. Economic Reform in Mozambique : Notes on Destabilization War, and Class Formation.
Taamuli, Dar es Salaam, 1989, apud, BOWEN, Merle, op.cit. p.1992.
242
Lançado em 1983, tinha sido uma tentativa de recolocar mais de 50.000 desempregados de Maputo para as
zonas rurais, onde eles iriam supostamente serem mais produtivos. O objecitvo não pronunciado da operação
era também de remover das cidades pelo menos uma parte de um lumpenproletariat deemed potentially
criminal e susceptível de recrutamento pela Renamo. Vide, HOWE, Hebert & OTTAWAY, Marina.State
Power Consolidation in Mozambique, p.23-46: KELLER, Edmond & ROTHCHILD, Donald. Afro-Marxist
Regimes – Ideology and Public Policy, Lynne Rienner Publishers,1990.
79
Como iremos discutir no último capítulo, estes seriam tempos difíceis para o CEA,
particularmente o Núcleo da África Austral, composto maioritariamente por pesquisadores
sul-africanos, membros do ANC. Este grupo de pesquisa foi assim proibido de produzir
conhecimento sobre a situação política e econômica da África do Sul, como também de tecer
qualquer manifestação pública sobre os acordos de Nkomati. Na opinião de Dan O´Meara,
pesquisador deste Núcleo, este foi o período em que a pesquisa crítica do CEA tinha chegado
ao fim, levando assim ao seu abandono do CEA e de Moçambique. Como afirmou este autor,
e que vale a pena citar longamente,
243
A própria estrutura hierárquica da universidade estava intimamente ligada ao partido, onde o Reitor da UEM,
veterano da “luta de libertação nacional”, fundador do CEA, era também membro do Comité Central da
Frelimo.
244
Vide, MUNSLOW, Barry. Rethinking the Revolution in Mozambique, Race & Class, XXVI, 2, p.15-31,
1984.
245
Entrevista com o autor, Julho, 2009.
80
Para Barry Munslow (1984), este acordo tinha sido claramente um atraso para a
revolução africana, mas a precariedade social e econômica da população (os massacres
perpetrados pela RENAMO aliado ao impacto das secas no sul de Moçambique) tinha
atingido níveis de crise aterradora. Segundo Munslow, 250 mil pessoas no sul do país viviam
numa situação de fome aguda. Ainda de acordo com este autor, cerca de 100 mil cruzaram a
fronteira para o Zimbabwé à procura de comida. Ao se alcançar um acordo com a África do
Sul, o governo moçambicano esperava reduzir a ameaça militar e por esse meio manter um
canal internacional de ajuda para os mais necessitados246.
Estávamos assim num período marcado por uma crise total da economia, em parte
devido ao recrudescimento da sabotagem econômica e militar levada à cabo pela RENAMO,
e do impacto dos acordos de Nkomati, diante do que a FRELIMO se tornava cada vez mais
autoritária. A política da FRELIMO em relação à África do Sul tinha sofrido uma viragem
radical: de um momento para o outro, Samora Machel estava “apertando a mão do diabo247”.
Como corolário desse “pacto de não agressão e boa vizinhança,” as células clandestinas do
ANC em Moçambique eram já consideradas proibidas e tinham que ser urgentemente
desmanteladas. Por outro lado, não era permitida no meio universitário, qualquer discussão
sobre a validade desta viragem do governo. Os investigadores do CEA não podiam mais
escrever sobre questões ligadas à África do Sul.248 Dan O’Meara, dá-nos uma imagem nítida
do que significaram esses acordos, na vida diária do CEA,
246
MUNSLOW op.cit, p.29.
247
Idem.
248
Idem.
249
Alpheus Manghezi , Robert Davies , Sipho Dlamini e Dan O´Meara,.
250
Entrevista com Dan O'Meara, agosto, 2007.
81
251
Entrevista com Dan O'Meara, agosto,2007.
252
A nível nacional, a Frelimo sempre concebeu a Renamo como “bandidos armadas” ao serviço primeiro da
Rodésia e posteriormente da África do Sul. Um grupo de terroristas cuja única missão era desestabilizar
economicamente o país, destruindo escolas, fábricas, vias de acesso e dizimando as populações locais.
Segundo Newitt (2002), esta descrição da Renamo tinha o efeito de negar a Renamo qualquer legitimidade e
ao mesmo tempo absolvendo o governo de qualquer culpa no processo de deterioração da economia
moçambicana.
253
MANNING, Carrie. Constructing Opposition in Mozambique: Renamo as a Political Party. Journal of
Southern African Studies, vol. 24, nº1, pp.161-89, 1998.
82
Como forma de angariar apoio dos países ocidentais e ao mesmo tempo tentar deter o
declínio econômico, Moçambique, (na altura um dos países mais pobres do mundo e
profundamente endividado)255, acabaria filiando-se, em Setembro de 1984, ao Fundo
Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. A partir daí foram introduzidas reformas
econômicas, favorecidas pelos EUA, incluindo a liberalização do mercado para alguns
produtos agrícolas e dissolução de algumas machambas estatais, ampliando assim o caminho
para um incremento da ajuda humanitária americana.256
Por volta de 1987, o processo que tinha levado aos acordos de Nkomati e à adesão ao
FMI/BM iria dar frutos. Nesse ano um programa de ajustamento estrutural257 foi lançado e
que contemplava modificações em todo o modelo de desenvolvimento moçambicano258. Com
este programa de reabilitação econômica (PRE), o governo pretendia: (a) reverter o declínio
da produção e restaurar um nível mínimo de consumo e de rendimento para toda a população,
particularmente nas zonas rurais; (b) reduzir substancialmente os desequilíbrios financeiros
domésticos e fortalecer as contas externas e reservas; (c) optimizar a eficiência e estabelecer
as condições para um retorno aos níveis altos do crescimento econômico assim que a situação
de segurança e outros constrangimentos exógenos tivessem cessado; (d) reintegrar o mercado
254
NEWITT, Malyn, Mozambique: CHABAL, Patrick (Ed). A History of post – colonial Lusophone Africa,
Indiana University Press, p.215, 2002.
255
Em 1987, segundo dados do Banco Mundial (1989), Moçambique tinha um PIB per capita de 170 US$,
colocando-se na 9º posição no ranking dos países mais pobres. Vide, MOSCA, João. Evolução da Agricultura
Moçambicana no período pós - independência, Departamento de Economia Agrária e Sociologia Rural,
Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, p.1-51,1996.
256
Vide, HOWE & OTTAWAY, op.cit., 1990.
257
Em Moçambique, este programa foi nomeado de PRE – Programa de Reabilitação Econômica – e era uma
dos exercícios de ajustamento estrutural típicos do FMI E BM. Vide, HERMELE, Keneth. Mozambique
Crossroads – Economics and Politics in the era of Structural Adjustment, Report, Chr. Michelsen Institute,
Department of Social Science and Development, Bergen, p.1-47, Maio, 1990.
258
Vide, HERMELE, Keneth. Mozambique Crossroads – Economics and Politics in the era of Structural
Adjustment, Report, Chr. Michelsen Institute, Department of Social Science and Development, Bergen, May,
1990, p.1-47.
83
Os finais dos anos 1980 vão testemunhar o termo dos conflitos em vários países
envolvidos na “guerra fria”. Por outro lado, estávamos perante um processo de declínio
econômico do bloco socialista. É assim que os dois grandes beligerantes, a URSS e os EUA
assinam dois tratados internacionais, colocando um fim à polarização entre estes dois países.
A queda do muro de Berlim em 1991 epitomizava assim o fim de um mundo bipolarizado260.
Com o fim da “guerra fria”, Moçambique começou a perder os seus aliados “naturais”,
principalmente os países do bloco do Leste europeu, fazendo com que a expectativa de um
sucesso total na guerra contra a RENAMO se tornasse cada vez mais remota.
Concomitantemente, nem a adesão as instituições da Bretton Woods, e nem mesmo o Plano de
Reconstrução Económica (PRE) mostravam sinais de que o país se reerguia da crise
econômica. Foram dados passos significativos com a abertura à economia de mercado, a
valorização do papel dos produtores privados e pequenos camponeses, mas estas medidas não
se traduziam na melhoria das condições de vida de toda a população. O país dependia cada
vez mais da ajuda internacional e de créditos financeiros para sobreviver. É assim que o
partido FRELIMO decide então, em 1989 no seu 5º congresso, abandonar a sua ideologia
marxista-leninista, abrindo assim o caminho para a uma nova reforma política, que iria
culminar em 1990 com a nova Constituição da República, e a emergência de um sistema
politico multipartidário. Foram iniciados nesta fase também as primeiras negociações com o
movimento rebelde que culminaria com a assinatura dos acordos gerais de paz e cessar-fogo
entre a FRELIMO e a RENAMO em Outubro de 1994. O acordo de paz garantiu que se
criasse uma plataforma para a realização de eleições multipartidárias, desmobilização e
formação de um novo exército nacional261.
Os anos subsequentes aos acordos de Nkomati podem portanto ser vistos como
constituindo o marco simbólico de uma tentativa de operar grandes mudanças a nível
econômico, social, político e intelectual no país: (a) a abertura para uma economia de
mercado, privilegiando o investimento privado, com a adesão de Moçambique ao FIM e BM;
(b) a morte, em Outubro de 1986, do presidente Samora Machel e alguns dos seus
“camaradas” (dentre os quais o director do CEA, Aquino de Bragança), “num misterioso
259
HERMELE, op.cit,1990, p.12-13.
260
ARMS, S. Thomas. Encyclopedia of the Cold War. New York: Facts on File, 1994.
261
NEWITT, 2002, op.cit, p.222.
84
acidente de avião262”; (c) a sua sucessão (ordeira e consensual)263 pelo ministro dos negócios
estrangeiros, Joaquim Chissano; (d) o fim da ideologia marxista-leninista; (e) a abertura ao
multipartidarismo e a liberdade de expressão com a nova Constituição da República; (f) e por
fim, os cessar-fogo e os acordos gerais de paz entre o governo e a RENAMO.
262
BOWEN, Merle. Beyond Reform: Adjustment and Political Power in Contemporary Mozambique. The
Journal of Modern African Studies, nº30, 1992, p.255-279, p.261.
263
Segundo Marina Ottaway, a morte de Samora serviu para enfatizar a continuidade da liderança da Frelimo,
em vez de significar uma nova viragem. Assim para esta autora as reformas adoptadas no pós -Nkomati foram
feitas sem nenhuma modificação do sistema político ou mesmo de mudança de pessoal. Em suma, para esta
autora, Moçambique passou de um “socialismo simbólico” para uma “reforma simbólica”, uma vez que
estava-se em presença de um “estado fraco (soft state) em paralelo também com uma sociedade civil fraca,
que não permitiu que as mudanças propostas tivessem o efeito desejado. Vide, OTTAWAY, Marina,
Mozambique: from symbolic socialism to symbolic reform. The Journal of Modern African Studies, nº26,
1988, p.211-226.
85
264
BEVERWIJK, Jasmin. The Genesis of a System – Coallition Formation in Mozambican Higher Education
(1993-2003), PhD Thesis, UniTwente, 2005,p.102.
265
GANHÃO, Fernando. Problemas e prioridades na formação em ciências Sociais. Revista Estudos
Moçambicanos, nº. 4, CEA, Maputo, 1984,p.5-17.
86
266
LOFORTE, Ana; MATE, Alexandre. As Ciências Sociais em Moçambique. Mimeo, Maio, 1993,p.3.
267
Jornal NOTÍCIAS, 1/1/1975, Mensagem do Ano Novo, p.4.
268
Jornal NOTÍCIAS, Entrevista de Antonio Souto a Fernando Ganhão, 16/01/1975. p.2.
87
269
Segundo Foucault, cada sociedade tem o seu regime de verdade, sua ‘politica geral’ de verdade: isto é, os
tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionarem como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que
permitem distinguirem os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as
técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que tem o
encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. Ver, FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de
Janeiro:Graal, 1981.
270
Ibid.
271
GANHÃO, Fernando. Problemas e Prioridades na Formação em Ciências Sociais. Estudos Moçambicanos,
nº. 4, CEA, Maputo, p.5-17 1984.
88
privilegiado o paradigma das Ciências Sociais Aplicadas, o que significou uma estreita
ligação com os fazedores de políticas.
A ideia inicial do Reitor Fernando Ganhão não era propriamente de criar um centro de
pesquisa, mas sim de introduzir na nova universidade, um curso de Ciências Sociais e de
disciplinas como Sociologia, Antropologia, Economia etc. Aconteceu porém que esta ideia
nunca se concretizou e então o Reitor da UEM reflectiu sobre a necessidade de se criar algo
em torno da pesquisa em História e assim aproveitar os poucos jovens estudantes
moçambicanos finalistas do Bacharelato em História para promover algo na área da pesquisa.
Segundo Ganhão,
272
Entrevista com Fernando Ganhão, Julho de 2007.
89
Falei com várias pessoas, convidei o Dr. Aquino de Bragança, que era
jornalista da Afrique-Asie e contactei os meus estudantes do
Bacharelato de História. Eu era então professor de História. Convidei
alguns alunos, dentre os quais, o Luís de Brito, o Carlos Serra, a
Teresa Cruz e Silva, a Isabel Casimiro e outros que já não me
recordo273. Enfim, todo aquele grupo de estudantes do Bacharelato.
Foi nessa altura que me lembrei de fazer uma homenagem àquele
Centro de Estudos Africanos, de 1949, que foi criado em Lisboa por
Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos e outros que
se encontravam exilados (…) não teve uma vida longa, esse centro em
Portugal, mas a ideia era render uma homenagem, não obstante a sua
curta duração274.
Por outro lado, surgiu também num contexto mais local de revitalização da nova
universidade sob liderança da FRELIMO que procurava, sob o impacto do grande êxodo de
professores e estudantes, mudar radicalmente a face da universidade salvaguardando alguma
coisa em termos de pesquisa em Ciências Sociais. A disciplina de História teve aqui um papel
central na reescrita da nova história de Moçambique, tendo como ponto de partida a
experiência da luta de libertação nacional contra o domínio colonial português e na
construção da nova nação moçambicana “rumo ao socialismo”. Poderíamos ainda falar de um
contexto regional onde se procurou criar um elo forte entre a pesquisa e a luta de libertação do
ANC, do Zimbabwé e Namíbia em relação ao sistema capitalista do apartheid na África do
273
Na verdade houve aqui um lapso de memória de Fernando Ganhão na altura da entrevista: os investigadores,
Carlos Serra, e Isabel Casimiro não fizeram parte do primeiro grupo de jovens estudantes que fundaram o
CEA. Entrevista realizada com Luís de Brito, Março, 2010.
274
Entrevista com o autor, Março, 2007.
90
Sul.
Esta era portanto a estrutura inicial do Centro, onde no seu primeiro ano de
275
Ibidem, p.55.
276
Esta pode ser considerada como a fase “moçambicana” do CEA, onde o número de investigadores nacionais
era expressivamente maior que dos estrangeiros (vide, figura nº1). Como podemos ver a partir do gráfico, esta
predominância dos “nacionais” começa a decrescer, gradualmente, nos anos 1978, uma vez que estes
investigadores foram alocados em outras instituições de pesquisa e ensino, como o Departamento de
Antropologia e Arqueologia (DAA), mas também alocados em cursos de formação de professores, como
também para preencher as vagas de professores na universidade em consequência da saída maciça dos
portugueses. Em contrapartida, o número de investigadores estrangeiros torna-se predominante a partir de
1979, em grande parte devido a entrada de Ruth First no CEA com directora científica, que começou a
contratar e formar o seu staff de investigadores notoriamente expatriados. A interpretação deste gráfico será
outra vez retomada no capítulo 8.
91
Segundo Marc Wuyts, economista belga e investigador do CEA, esta foi uma fase
importante do CEA e de grande valor instrutivo para os investigadores estrangeiros que
vinham chegando com um conhecimento limitado sobre a história de Moçambique. Como
afirmou Wuyts,
O Director do Centro, Aquino de Bragança, intelectual engajado nas lutas pela justiça
social e emancipação dos povos oprimidos, considerado por muitos como o “nómada da luta
anti-colonialista278”, pôs logo a questão da necessidade do CEA de analisar a realidade
moçambicana tendo em conta as dinâmicas políticas e econômicas da zona austral de África.
Aquino de Bragança era uma pessoa que estava profundamente envolvida nos processos de
descolonização do Zimbabwé como Conselheiro pessoal do Presidente Samora Machel, o que
lhe permitiu envolver-se em múltiplas discussões com elementos da ZANU (PF)279 de Robert
Mugabe, e que viria em Fevereiro de 1980 a ganhar as eleições no novo Zimbabwé
independente.
277
Entrevista com Marc Wuyts, Julho de 2009. Tradução nossa: “his is where I learned a lot about Mozambique,
by listening to seminar presentations given by these young graduates and by various visiting scholars
(Historians/ Archeologists/ Anthropologists) – among whom, but not only, a number of famous French
scholars – who worked on Mozambique or, more generally on Africa”
278
Depoimento de Pietro Petrucci, jornalista italiano, In BRAGANÇA, Sílvia. Aquino de Bragança – Batalhas
ganhas, sonhos a continuar. Maputo : Ndijira, 2009, p.55.
279
Segundo Moore, do final dos anos 1975 aos princípios de 1977, a luta de libertação no Zimbabwé foi liderada
por um grupo de jovens comandantes de orientação marxista, comprometidos com a união do Zimbabwé
African National Union (ZANU) e da Zimbabwé African People´s Union (ZAPU) e dos seus exércitos e do
desejo de conquistar a soberania nacional e derrotar o neo-colonialismo. Para uma leitura sobre a história dos
movimentos de libertação do Zimbabwé, ver, MOORE, David. Democracy, Violence and Identity in the
Zimbabwean war of National Liberation: Reflections form the Realms of Dissent. Canadian Journal of
African Studies, Vol. 29, nº.3, 1985, pp.375-402; HENRIQUES, Julian. The Struggles of the Zimbabweans:
Conflicts between the Nationalists and the Rhodesian Regime. African Affairs, Vol.76,nº.305, Outubro,1997,
p. 495-518.
280
Zimbabwé African National Union.
93
281
Para uma discussão sobre as origens da RENAMO, ver, YOUNG, Tom. The MNR/RENAMO: External and
Internal dynamics. African Affairs, Vol. 89, nº 357, p. 491 – 509; HALL, Margaret. The Mozambican
National Resistance Movement (RENAMO): A Study in the Destruction of an African Country. Journal of
International African Institute, Vol. 60, nº. 1, 1990, p.39-68.
282
A “Resistência Nacional Moçambicana” tem sido conhecido pelos seus vários acrónimos, os mais
comummente usados são MNR (especialmente no Zimbabwé) e RENAMO (cunhado em 1983). HALL,
op.cit, 1990, p.39.
283
Jornal NOTÍCIAS, 4/7/76.
284
Idem.
285
Contudo, nem todos os investigadores do CEA participaram neste projecto. O “grupo de Antropologia” e o
“grupo da História do Século XIX”, por exemplo, não estiveram presentes. Somente participaram nesta
investigação o “grupo da África Austral” nomeadamente, Aquino de Bragança, Maria Eulália de Brito, Luís
de Brito, e Antonio Pacheco.
94
deixou de respeitar a antiga divisão orgânica do Centro em áreas temas da história colonial e
juntou todos investigadores disponíveis numa mesma acção colectiva.
Foi ainda durante a preparação deste projecto de pesquisa colectiva, que o economista
Marc Wuyts, docente na Faculdade de Economia da UEM desde Julho de 1976 recebeu o
convite de Aquino de Bragança para integrar a equipe de pesquisadores do CEA. Durante
todo o período de trabalho de Marc Wuyts em Moçambique de Julho de 1976 a Dezembro de
1983, ele continuou a trabalhar tanto no CEA como na Faculdade de Economia que continuou
a ser o seu emprego “oficial” na UEM286.
O estudo produzido pelo CEA em Outubro de 1976 tinha como principal propósito
servir de base aos dirigentes da FRELIMO, como também nos partidos nacionalistas do
Zimbabwé à conferência de Genebra287, convocada pela Grã-Bretanha para esse mesmo ano e
que visava o estabelecimento de um governo de transição o que pressupunha a transferência
de poderes da potência colonizadora, Grã-Bretanha, para o povo zimbabweano288.
286
Entrevista a Marc Wuyts, Julho de 2009.
287
Não chegou a cumprir a sua missão uma vez que na altura em que o Relatório fora finalizado já tinha
decorrido a referida conferência.
288
As conversações começaram em Genebra, Suíça em Outubro de 1976 entre o Governo de Ian Smith e os
partidos nacionalistas. Os nacionalistas estavam divididos apesar dos esforços do Presidente os Estados da
“Linha da Frente” para uni-los. Os dois principais líderes nacionalistas, Joshua Nkomo e Robert Mugabe
tinham, no entanto, formado nesse mesmo mês, a aliança política, “Frente Patriótica”. Ndabaningi Sithole e
Abel Muzorewa, líderes dos outros partidos, participaram na conferência separadamente. Ian Smith líder do
governo minoritário branco da Rodésia, insistia que o propósito da Conferência fosse o de implementar as
propostas de Henry Kissinger, então Secretário de Estado dos EUA, que incluíam controlo branco da defesa,
da lei e ordem. Os nacionalistas rejeitaram logo de inicio, essas propostas. Ivor Richard, o embaixador
britânico nas Nações Unidas presidiu à conferência que durou 7 semanas. As conversações foram adiadas
para Dezembro, contudo nunca mais foram recomeçadas. (Ver, WILLIAMS, Gwyneth & HACKLAND,
Brian. The Dictionary of Contemporary Politics of Southern African, London : Routledge, , 1988.
289
CEA, A Questão Rodesiana, Lisboa : Iniciativas Editoriais, 1978.
95
colonial. Pretendiam ainda identificar as prováveis posições de classe que estas poderiam
tomar naquela fase da luta no Zimbabwé290. Neste relatório, os investigadores do CEA
examinaram questões candentes para a fase de transição para a independência do Zimbabwé,
nomeadamente a importância do investimento estrangeiro na Rodésia, a questão da terra, a
dimensão, a composição e o carácter da classe operária e inferências sobre o seu papel
revolucionário na fase de transição para a independência. Traziam ainda alguns dados sobre a
pequena burguesia africana e a população colona, como forma de se empreender uma análise
mais actual sobre a sua heterogeneidade e potencial para o Zimbabwé pós-independente.
Apesar do Relatório Final saído desta pesquisa não ter sido um estudo em
profundidade sobre o Zimbabwé, uma vez que o material bibliográfico empírico e disponível
em Moçambique foi bastante exíguo nesta área e, por outro lado, de nenhum dos seus
investigadores na altura, ser especialista no Zimbabwé, esta pesquisa teve o condão de mudar
radicalmente a dinâmica de pesquisa do Centro ao introduzir três inovações:
Assim, com a emergência desta nova prática científica no CEA, a sua antiga divisão
epistémica não fazia mais sentido. O CEA passou então a estar mais focalizado em questões
apegadas aos desafios actuais da reconstrução nacional e da transformação das condições
290
CEA. A Questão Rodesiana, Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1978.
96
sociais. Enfim, um tipo de abordagem científica com um carácter mais actual e urgente. Deve-
se, no entanto, salientar que esta ênfase na actualidade, não anulou a preocupação do Centro
de sempre contextualizar historicamente toda a sua pesquisa, trazendo à discussão o impacto
da presença colonial no Moçambique contemporâneo.
É, a partir desta fase, que o CEA também mudou a sua ênfase numa pesquisa
essencialmente individual, que muitas das vezes seguia critérios pessoais dos investigadores,
ligados por exemplo aos seus projectos de fim do curso, para uma pesquisa maioritariamente
colectiva, sem contudo anular de forma absoluta, a primeira291.
Por outro lado, em documentos por mim consultados sobre por exemplo o “Curso de
Pós-graduação em Desenvolvimento” (este projecto é discutido com mais pormenor no
capitulo seis) do CEA292, vários deles, em actas e outros relatórios, mencionavam a
participação colectiva, tanto dos professores, investigadores como dos alunos na análise
crítica e avaliação dos projectos de pesquisa realizados pelo CEA. Este Curso de
Desenvolvimento teve também uma importância extremamente grande para a definição do
trabalho intelectual do Centro bem como na inauguração desta nova forma de fazer pesquisa,
no Moçambique pós-independente.
291
Alguns investigadores do CEA, não deixaram de publicar artigos, Relatórios de Pesquisa individuais. Estes
eram publicados por exemplo, nas Revistas do CEA, Estudos Moçambicanos, e a Revista de História, Não
Vamos Esquecer. Foram também publicados Relatórios de Investigação com assinatura individual, como é o
caso por exemplo do estudo de Marc Wuyts, Camponeses e Economia Rural. Ver, Wuyts, Marc. Camponeses
e economia rural em Moçambique. Maputo: UEM/CEA, 1979.
292
Vide por exemplo, UEM, CEA, Curso de Desenvolvimento de 1981, texto de apresentação do Curso, Mimeo,
1982.
97
e elitista”. Como afirmou Samora Machel em 1976, num discurso por ocasião do dia mundial
do trabalhador, “O saber e a ciência possuem uma dimensão eminentemente e intrinsecamente
colectiva”293. No mesmo diapasão, o CEA assumia como principio, A rejeição da divisão do
trabalho na produção de conhecimento característico da burguesia e o departamentalismo e
carreirismo acadêmico, bem como o isolamento profissional que aquela divisão de trabalho
gera”.294
No prefácio da edição moçambicana296 desta obra, o CEA enfatizou esta nova função
social dos intelectuais, que era de manter um sentido de urgência e de actualidade na pesquisa
ao afirmar que “ no Moçambique pós-colonial,
293
Jornal NOTÍCIAS, 3/5/76.
294
CEA, Estudos Moçambicanos nº. 1 Editorial. Subdesenvolvimento e Trabalho Migratório. Maputo:UEM,
1980.
295
GANHÃO, Fernando. Problemas e prioridades na formação em Ciências Sociais. Estudos Moçambicanos
nº.4 ,Maputo: CEA,1983, p.16.
296
Foi editado pelo Instituto Nacional do Disco (INLD). É de referir que a Questão Rodesiana, foi a obra mais
traduzida do CEA, Houve edições em inglês, francês e italiano. Entrevista com Luís de Brito, Março, 2010.
98
297
CEA, A Questão Rodesiana, Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1978, p.16.
298
Ruth First tinha estado em Moçambique nos anos 75, no âmbito de um pequeno projecto sobre a força de
trabalho migratório moçambicana para as minas da África do Sul. Regressa a Moçambique em 1977 para a
realização da grande obra do CEA que foi O Mineiro Moçambicano”, tendo sido nomeada depois deste
projecto, Directora Cientifica do CEA. First regressa a Moçambique um ano mais tarde (ficaria em
Moçambique até a sua morte em 1982, através de uma carta-bomba, enviada pelo regime sul africano), com
este “titulo. A partir dai o CEA se reorganiza através principalmente da introdução do Curso de pós-
graduação em Desenvolvimento que de uma forma inovadora em Moçambique aliava o ensino e a
investigação com enfoque nos processos de transformação da produção em moldes socialistas me
Moçambique.
299
Depoimento de José Luís Cabaço, no Colóquio em Homenagem a Aquino de Bragança, Maputo, 28-29,
Julho, 2009.
300
GANHÃO, Fernando. Problemas e prioridades na formação em Ciências Sociais. Estudos Moçambicanos
nº.4 ,Maputo: CEA,1983, p.16.
99
3.2 O Retorno Temporário de Ruth First à África Austral…Cada vez mais perto da
Toca do Lobo
Ruth First já tinha Estado em Moçambique, por algumas semanas em 1975, realizando
uma pesquisa sobre a força de trabalho migrante moçambicana para a África do Sul302. Para
além desta experiência breve com a realidade moçambicana, Ruth First, vivendo no exílio,
esteve profundamente activa pela causa da África Austral. Era membro do “Movimento Anti-
apartheid”, uma organização inglesa solidária com a libertação nacional da África Austral,
porém mais direccionada para a luta política nos países anglófonos, África do Sul, Zimbabwé
e Namíbia303. Houve ainda nesse período, uma outra organização, o Committee for Freedom
in Mozambique, Angola e Guiné-Bissau (CFMAG304), fundado em 1968 na Inglaterra pelo
aclamado intelectual, historiador, africanista e activista político, Basil Davidson, Lord Tony
301
Nas entrevistas realizadas a alguns investigadores do CEA (Teresa Cruz e Silva, Isabel Casimiro por
exemplo), quando lhes foi solicitado que falassem brevemente de Ruth First, apareciam frequentemente
termos como: “personalidade forte” “autodisciplina”, “dama de ferro” “sentido de direcção e
responsabilidade,” como também alusão a sua “disciplina férrea” da direcção dos projectos de pesquisa”.
302
A autora já tinha publicado em 1961 na Revista Africa South in Exile, um artigo sobre a questão do trabalho
mineiro na África do Sul intitulado, The Gold of Migrant Labour, portanto, Aquino de Bragança sabia do
significado de ter esta intelectual de renome na luta anti-apartheid aqui em Moçambique. Para mais detalhes
sobre o legado intelectual de Ruth First veja, African Review of Political Economy (ROAPE), nº.25.1982.
303
Entrevista com Poly Gaster
304
CFMAG foi dissolvido em 1975, tendo sido criado logo a seguir o MAGIC, que agora funcionava em duas
vertentes: como um Centro de Informação sobre Moçambique, Angola e Guiné Bissau, e uma outra vertente
focalizada no fomento de campanhas de emergência a favor de Angola. Em Moçambique, teve um papel
fulcral no fornecimento de um número considerável de cooperantes, especialmente na área da saúde e
educação. É de referir que alguns dos investigadores do CEA vieram através deste Comité.
100
Gifford, advogado e a jornalista Poly Gaster, que tinha trabalhado na época da luta armada em
Moçambique, para o Instituto Moçambicano na Tanzânia305.
Foi assim criado o Comité, inicialmente direccionado para Moçambique, mas que foi
logo estendido aos outros países africanos de expressão portuguesa.306 Poly Gaster, pode-nos
ajudar a compreender melhor esta organização,
Ruth First (antes mesmo de receber o convite para vir trabalhar em Moçambique),
colaborou com o Comité, através de participação em campanhas contra a guerra colonial,
boicotes econômicos (por exemplo, com a realização de uma campanha contra o investimento
britânico no projecto da construção da barragem de Cahora Bassa), como também palestras308
e conferências309, denunciando o colonialismo português310.
305
GIFFORD, Tony. Basil Davidson and the African freedom struggle, Race & Class, nº.36,1994. A versão on
line deste artigo está disponível em: «http://rac.sagepub.com».
306
Ver, GIFFORD, op.cit, 1994.
307
Entrevista com Poly Gaster, maio, 2009.
308
Por exemplo, em Dezembro de 1974, Ruth apresenta na Universidade de Durhan, uma palestra sobre o legado
do colonialismo português em África. African Review of Political Economy (ROAPE), nº.25.1982.
309
Segundo Gaster, Ruth teve um papel importante na Conferência de Roma em 1970, quando os dirigentes dos
movimentos de libertação foram recebidos pelo Papa. Ruth apoiou a MAGIC na criação da delegação
britânica à conferência, como também apoiou na produção de um paper sobre as relações econômicas ente a
Metrópole e Moçambique colonial, apresentado pelo Comité na Conferencia.
101
Não obstante, o seu compromisso primário com a luta política e armada do ANC, esta
intelectual sul-africana tinha consciência de que era inapropriado ver as lutas pela liberdade
na África do Sul e a lutas pela autodeterminação das ex-colônias portuguesas como entidades
separadas. Ann Scott311, por exemplo, lembra-se de em Dezembro de 1974, ter assistido a
uma palestra dada por Ruth First na universidade de Durhan (Inglaterra), sobre o “legado do
colonialismo português em África312”. É ainda esta autora quem afirmou que Ruth First tinha
sido,
Uma das pessoas que entendeu politicamente que era preciso ver a
África Austral como um conjunto e que Moçambique e Angola eram
os pontos mais fracos dos regimes minoritários. Assim, era correcto e
legítimo, segundo ela, dar muita força àqueles movimentos de
libertação313.
Foi então neste ambiente político de luta a favor da libertação nacional da África e em
particular do último reduto do colonialismo e imperialismo nos países africanos sob
dominação do colonialismo português, que Ruth First conheceu e desenvolveu uma amizade
profunda com Aquino de Bragança, também um intelectual de esquerda e jornalista radical.
Aquino de Bragança era na altura, um dos membros fundadores do jornal de esquerda
Afrique-Asie para o qual Ruth First contribuía frequentemente. Foi então num desses
encontros, que Aquino convidou Ruth First a regressar a África Austral para viver e trabalhar
em Moçambique314. Foi de facto uma oportunidade única de Ruth First voltar à África Austral
e continuar a sua luta - agora “de corpo e alma” no solo africano - pela construção do
socialismo num Moçambique já independente e de estar mais perto da luta contra o governo
310
Um outra peça chave neste Comité, foi Basil Davidson, académico de renome, jornalista e activista que
escreveu prolificamente sobre Moçambique, Angola e Guiné-Bissau e que conheceu pessoalmente todos os
lideres dos movimentos de libertação das ex-colónias portuguesas.
311
Historiadora feminista inglesa, que escreveu, em parceria com Ruth First, a biografia de Olive Schreiner.
312
Vide, SHOWALTER, Elaine. Olive Schreiner: A Biography by Ruth First. Tulsa Studies in Women's
Literature, Vol. 1, No. 1 (Spring, 1982), pp. 104-109, University of Tulsa. Disponível em:
«http://www.jstor.org/stable/464101».Acesso em 24/06/2010.
313
Idem.
314
BRAGANÇA, Aquino & O´LAUGHLIN, Bridget. O Trabalho de Ruth First no CEA, Estudos
Moçambicanos, nº. 14, 1996, p.113-126.
102
Ruth First, que estava de licença sabática na Universidade de Durham, veio então a
Moçambique em 1977 por um ano, inicialmente com o “título316” de Directora do Projecto
sobre o “Mineiro Moçambicano”. Após a sua conclusão, foi nomeada em 1979 para o cargo
de “Directora Científica do CEA”. A partir daí, Ruth First iria dirigir a maior parte da
pesquisa científica317, o Curso de Pós-graduação em Desenvolvimento do CEA, nas suas duas
vertentes de pesquisa e ensino, e o Núcleo de Estudos da África Austral. Este grupo de
315
Entrevista com o autor, Agosto, 2007.
316
Segundo O’Meara, Ruth contou muitas vezes que concordou de boa vontade trabalhar no Centro na condição
de que iriam “dar-lhe um título,” uma vez que “sem um título ninguém nas estruturas iria levar-me a sério”.
Entrevista com o autor, 2007.
317
Segundo Dan O’Meara, apesar da sua “personalidade difícil,” a competência profissional e sentido de
liderança de Ruth no Centro, tinha deixado Aquino de Bragança sem nenhum papel significativo na definição,
organização, administração da pesquisa. Entrevista com o autor, 2007.
103
pesquisa esteve centrado na análise da situação política e econômica na África Austral com
particular destaque para as dinâmicas internas da luta do ANC e da análise política,
econômica e da estratégia sul-africana de desestabilização dos países da região.
Inicialmente, Ruth First tinha em mente realizar este projecto com Marc Wuyts e
David Wield, professor na Faculdade de Engenharia, mas segundo Marc Wuyts, Ruth First
estava aberta a sugestões de envolver mais pessoas. É assim, que David Wield e Marc Wuyts,
tendo já tido a experiência do trabalho colectivo para “A Questão Rodesiana”, aconselharam
Ruth First a tornar a pesquisa numa empreitada colectiva, envolvendo deste modo, grande
parte dos pesquisadores do Centro, como também de estudantes da universidade. Ainda de
acordo com Marc Wuyts,
318
No capítulo intitulado, “Nunca Solidariedade antes da crítica”, é apresentado de forma detalhada o conteúdo
deste estudo.
319
Entrevista com o autor, julho 2009.
104
A réplica do Reitor, como podemos notar, não apenas significou desacordo em relação
ao tempo preconizado para a pesquisa, mas esteve também profundamente ligado à
concepções diferentes a cerca do tipo de pesquisa que se pretendia ter na Universidade. Em
alguns sectores da universidade, ataviados a uma concepção colonial das Ciências Sociais -
procuraram traçar uma linha muito rígida entre o que era uma pesquisa “pura” da pesquisa
“aplicada”. A pesquisa dita “pura” requereria então uma reflexão teórica profunda e muito
tempo (o qual não era apanágio do Reitor), enquanto a última consistiria principalmente em
colher e interpretar dados com base na aplicação de alguns métodos e técnicas padronizadas,
resumindo-se então numa mera aplicação/implementação de conhecimento em vez da sua
produção.
Enfim, uma tarefa que poderia ser feita rapidamente e rotineiramente, sem qualquer
espaço para a “descoberta”. Uma vez que pressupunha simplesmente a colecta de dados
sustentados por premissas preestabelecidas e uma execução e implementação passiva de
políticas, em vez de uma análise crítica dessas mesmas políticas. Por exemplo, Marc Wuyts
afirmou, que quando esteve a trabalhar na Faculdade de Economia como docente, notou
diferenças gritantes entre as práticas do trabalho acadêmico da Faculdade de Economia e no
CEA, onde o ensino na Economia caracterizava-se por “um estilo muito autoritário com
pouco espaço ou encorajamento activo para o trabalho de pesquisa321.”
320
Entrevista com Marc Wuyts, julho, 2007.
321
Idem.
322
Idem.
323
GANHÃO, Fernando. Problemas e prioridades na formação de ciências sociais. Estudos Moçambicanos nº4,
1983, p.5-17.
105
Estes impasses na definição da duração da pesquisa levou a que Ruth First usasse todo
o seu poder de persuasão e de fazer valer a sua reputação para superar esta primeira barreira e
de levar o Reitor a aceitar este projecto nos termos da sua abrangência e período de tempo. Na
opinião de Marc Wuyts, o tempo proposto foi de facto ridiculamente irrisório para este tipo de
empreitada, ainda que Ganhão visse isso claramente como “um empreendimento um tanto ou
quanto luxuoso”. Completar este projecto no tempo previsto era, para Ruth First, uma
necessidade, (do projecto como tal), mas também para demonstrar (através de um exemplo
concreto) de como a pesquisa deveria ser, se tivesse que ter um papel significante a tomar
num processo de transição socialista324. Por outro lado, era também uma forma de constituir e
proteger um espaço para um tipo de pesquisa crítica, aplicada e politicamente orientada que o
CEA começava a fazer vincar em Moçambique e que tinha as suas raízes, como vimos
anteriormente na “Questão Rodesiana”.
Este projecto de investigação colectiva começou com alguns meses de delimitação dos
objectivos da pesquisa e formulação das perguntas de partida, onde incluiu também trabalho
de arquivo e estatístico sobre o trabalho mineiro. O trabalho de campo envolveu a selecção de
trinta e cinco estudantes de várias faculdades (como parte das “Actividades de Julho”), que
depois de uma breve preparação de alguns dias, foram directo para o campo em brigadas
dirigidas pelos professores do CEA. Foram também seleccionados 14 pesquisadores, dentre
os quais, pessoal do Centro, pesquisadores associados, e estudantes. Havia ainda uma brigada
móvel formada pela Ruth First e Marc Wuyts (coordenador da pesquisa), que se moviam
freneticamente entre os diferentes lugares das outras brigadas para coordenarem as diferentes
324
Entrevista com Marc Wuyts, julho de 2009.
106
A fase final combinou análise de dados, redação e revisão do texto por parte dos
professores e investigadores do CEA. A tarefa de agregar contribuições díspares de
praticamente quatro diferentes autores (Marc Wuyts, David Wield, Helena Donly e Ruth
First) com distintas tradições acadêmicas e de um nível bastante variado de conhecimento e
experiência num trabalho coerente e de qualidade, foi de facto um enorme desafio para os
investigadores do CEA, que não teria sido concretizado sem a liderança de Ruth First e a
tomada de dianteira nesta última fase de redacção do relatório final.
O Projecto foi assim finalizado em 1977 e no tempo previsto. Tinha como principal
objectivo, analisar os efeitos do fluxo migratório da força de trabalho moçambicana,
particularmente do sul de Moçambique, para as minas sul-africanas de ouro e carvão. Este
objectivo esteve profundamente ligado a uma questão prática e urgente que o governo
moçambicano enfrentava, nomeadamente, de saber quais seriam as implicações imediatas
para a economia e para o povo moçambicano da decisão do governo sul-africano de cortar
drasticamente o fluxo de trabalhadores moçambicanos para as minas. Seria assim, publicado
primeiro (1977), como um “Relatório de Investigação” voltado para o governo moçambicano
pensar a formulação de políticas. Em 1979, foi então reeditado em livro tendo como com o
título, “O Mineiro Moçambicano - Um estudo sobre a exportação de mão-de-obra”. Esta obra
iria também ser publicada em 1983, na língua inglesa, com um título deveras sugestivo do
contexto intelectual da análise marxista: The Black Gold: The Mozambican miner,
Proletarian and Peasant.
Não obstante o CEA ter no final conseguido apresentar um texto estruturado e coeso,
uma crítica que sobressaiu na avaliação e discussões do projecto após a sua finalização, e que
foi partilhada por alguns investigadores do Centro, era que os estudantes da UEM tinham sido
marginalmente envolvidos neste empreendimento: uma breve introdução ao tema nos
seminários, trabalho de campo intensivo e nenhum seguimento (uma vez que estes estudantes
regressaram às suas aulas normais depois do trabalho de campo e não foram envolvidos na
análise de dados e redacção).
325
Entrevista com Marc Wuyts, julho de 2009.
107
Foi no âmbito deste tipo de debates que se “fermentou” a ideia de se criar o primeiro
Curso de Pós-graduação em Desenvolvimento alguma vez dado em Moçambique326. No
entanto, antes mesmo que esta ideia tomasse corpo, e logo depois da finalização de “O
Mineiro Moçambicano”, um outro projecto colectivo foi realizado em 1978: o “Projecto sobre
o Desemprego” dirigido pelos investigadores do CEA, com a exceção de Ruth First, que tinha
regressado temporariamente para Inglaterra mas, já com o convite expresso de Aquino de
Bragança de voltar ao Centro, para assumir a posição de directora científica.
326
Entrevista com Marc Wuyts, julho, 2009.
108
A proposta deste estudo apareceu no CEA em 1978, proposto por Luís de Brito, que
tinha sido convidado a participar num comité governamental criado para lidar com o
fenómeno do desemprego na cidade de Maputo. Nesse encontro, o governo acabou sugerindo
ao CEA que levasse a cabo um estudo para determinar o número exacto de desempregados
presentes na cidade capital. Tal como o primeiro projecto colectivo do CEA, “A Questão
Rodesiana”, este estudo tinha sido também “encomendado” pelo poder, com a finalidade
prática de dar pistas de como solucionar, não mais um problema externo, mas a partir de
agora, questões de âmbito “doméstico”, como era o caso do aumento gradual de
desempregados no espaço urbano.
Não havia deste modo, nenhuma noção de que estas assumpções poderiam ser
problemáticas. Existia somente uma preocupação em “atacar” o problema. Quando esta
solicitação do governo foi discutida dentro do CEA, os investigadores decidiram levar a cabo
a pesquisa, contudo reconfigurando a questão de partida, tornando assim uma pesquisa
orientada para o “problema” e não exclusivamente para a sua “solução”. Para os
investigadores a questão chave era dupla: (1) o que importava, não era tanto a questão do
número preciso de desempregados naquela altura, mas em vez disso as dinâmicas do
desemprego e da migração rural para a cidade e (2) o emprego nas machambas colectivas era
mais uma situação precária do que a “solução” proposta fazia crer, tendo em conta que o
fornecimento de mão de obra era tratada como algo residual nas práticas de planeamento das
327
Entrevista com Marc Wuyts, julho, 2009.
109
328
Cinco destes investigadores pertenciam ao CEA.
110
investigadores deram maior ênfase à sua vertente urbana, procurando ver como este operava e
qual eram os sectores mais afectados. Por último, os investigadores do CEA, procuraram
analisar o desemprego como um problema rural e como este, no final, iria significar também
num maior fluxo para as cidades.
329
CEA/UEM/IICM. Relatório Provisório sobre o Desemprego no Maputo, Maputo:UEM/CEA, 1978.
111
pelos colonos, combinadas com actos de sabotagem330.” Por outro lado, esta crise teve
também grandes implicações nas cidades onde se deu o encerramento das empresas, da
paralisação dos sectores de serviços, restaurantes, hotéis, etc., causadas por uma queda no
movimento turístico331.”
330
CEA/UEM/IICM. Relatório Provisório sobre o Desemprego no Maputo:UEM/CEA, 1978.p.27.
331
Ibidem, p.28.
332
Ibidem, p.29.
333
Directivas Econômicas e Sociais ao III Congresso da Frelimo, Jornal Noticias, 12/09/78, p.3.
334
Entrevista com Marc Wuyts, Julho 2009.
112
335
CEA/UEM/IICM. Relatório Provisório sobre o Desemprego no Maputo, Maputo: UEM/CEA, 1978, p.41.
336
Ibidem, p.41.
113
A principal fraqueza deste estudo é que os seus autores procuraram cobrir temas
bastante distintos (desemprego rural, desemprego urbano, fluxo para as cidades, o sub-
emprego, a questão do gênero no desemprego urbano etc), num pequeno estudo que logo a
partida foi definido como “provisório”. Adicionando ainda o facto de que em algumas
situações, estes objectivos estavam fracamente conectados com a principal questão que era o
fenómeno do desemprego na cidade de Maputo. Por exemplo, há uma discussão detalhada
sobre os efeitos da crise da economia colonial e da restrição do fluxo mineiro para a África do
Sul com factores do aumento do desemprego que originou um fluxo maior de desempregados,
para a cidade de Maputo; no entanto, não se estabelece nenhuma conexão com o pós-
independência e o projecto de desenvolvimento socialista da FRELIMO. As causas do
desemprego continuam deste modo a serem vistas como ligadas a causas “externas” e não
também advindas dos efeitos das políticas “domésticas” do governo pós-colonial. E é Marc
Wuyts, um dos principais investigadores deste projecto, quem acaba confessando que, “ o
projecto sobre o Desemprego, em contraste com “O Mineiro Moçambicano”, deu uma
ilustração clara do que acontece na ausência de uma forte coordenação da pesquisa e do
controlo de qualidade baseada numa bem definida pergunta de partida”.338
O processo de pesquisa, ainda de acordo com este autor, tinha sido de facto mais
“democrático”, mas que também significou que diferentes grupos fizessem coisas bastante
distintas, com pouco ou mesmo nenhum controle de qualidade. De facto, algumas dessas
notas só seriam agrupadas e sistematizadas num relatório de pesquisa depois do retorno de
Ruth First ao CEA em 1979 quando “ela insistiu que a pesquisa que tinha sido feita não
deveria ser deixada inacabada339.”
Uma análise crítica deste relatório não pode deixar, no entanto, de procurar
compreender o contexto social e político no qual este conhecimento foi produzido. Como
podemos notar, no período da realização do projecto sobre o desemprego, em 1978, o CEA
337
Ibidem, p.42.
338
Entrevista, julho, 2009.
339
Entrevista com Marc Wuyts, julho, 2009.
114
340
Jornal NOTÍCIAS, 10/05/78.
341
Jornal NOTÍCIAS, Samora Machel em Entrevista a Informação Moçambicana, 2/1/79.
342
Intervenção do Reitor da UEM, Fernando Ganhão numa Reunião na Universidade com professores e
estudantes sobre “o ano da estruturação do Partido” e da criação do Comité do Partido na Universidade,
NOTÍCIAS, 17/04/78, p.4.
343
Jornal Noticias, 27/12/80.
344
O Jornal NOTÍCIAS, referia no dia 27/7/78, uma explosão na cidade de Maputo ferindo 50 pessoas, alegando
tratar-se de um “acto de subversão rodesiana e sul-africana”.
115
345
Segundo Lavínia Gasperini, “foi concebida para livrar as cidades dos chamados improdutivos, que eram
apresentados como marginais e delinquentes”. Nesta categoria, segundo a autora, “foram incluídos todos os
que não puderam demonstrar, através de um documento ou contracto de trabalho, que tinham um emprego”.
Afirma ainda Gasperini, “depois de um breve período em que a população improdutiva foi convidada a
apresentar-se de livre vontade, de modo a ser transferida para as zonas rurais, começou a fase compulsiva.
Foram feitas rusgas nas ruas e perseguições sistemáticas nas casas, sobretudo a noite. Ver, GASPERINI,
Lavínia. Educação e Desenvolvimento Rural, Roma : Lavoro/ISCOS, 1989, p.77.
346
Todo este cenário de crise levou a que se fizessem grandes discussões dentro do CEA, nem sempre
consensuais, como tinha sido por exemplo a questão dos fuzilamentos. Alguns eram a favor de uma maior
radicalização do poder, enquanto uma maioria estava contra.
347
Somente no mês de Abril de 1979, foram executados por fuzilamento 20 pessoas acusadas de crimes de “alta
traição, mercenarismo, espionagem, atentado e terrorismo”. Ver Jornal NOTÍCIAS de 1/4/79 e de 14/4/79.
348
Moçambique inicia em 1980 o seu primeiro Censo nacional da população no pós -independência.
349
FOUCAULT, Michel. Lecture 17 March 1976”, Society Must Be Defended: Lectures at the Collège de
France, 1975–76 , New York: Picador, 2003, p. 239–40.
116
350
Jacinto Veloso, Ex-Ministro da Segurança em entrevista por ocasião do 5º aniversário da SNASP, Jornal
NOTÍCIAS, 11/10/80.
351
BEVERWIJK, Jasmin. 2005, op.cit.
352
Foi encerrada em 1983, Segundo Samora Machel, “até que a qualidade de formação aí ministrada possa ser
substancialmente melhorada. Samora questionou ainda, “a formação aí dada, e o nível político e profissional
de um grande número de quadros saídos da UEM. Ver, Jornal NOTÍCIAS, 23/3/83.
353
MÁRIO, M; FRY, P.; Chilundo, A. Higher Education in Mozambique, Oxford: James Curry, 2003.
354
LOFORTE, Ana; MATE, Alexandre. “As Ciências Sociais em Moçambique”. Mimeo. Maio,p.3, 1993.
117
Alguns dos pesquisadores tiveram que abandonar o seu trabalho no CEA356 para
ocupar cargos de docência na Faculdade de Educação, como também na Faculdade de
Marxismo-Leninismo, criada em 1981 pelo partido FRELIMO, que tinha como objectivo
“assegurar a formação ideológica dos estudantes357. Na altura, havia uma disciplina intitulada
“Materialismo Histórico e Dialéctico (MHD)358” que também era obrigatória para os alunos
de todas as faculdades da UEM e que eram ministradas por professores vindos da Europa do
Leste e maioritariamente da então “Republica Democrática Alemã” (RDA). Muito cedo,
começaram a surgir conflitos entre estes docentes e estudantes. Na óptica dos estudantes, os
docentes, na sua maioria cooperantes vindo dos países do Leste, ensinavam um “marxismo
dogmático e catecista” onde não era permitido nenhum tipo de debate aberto. E de facto,
podemos também encontrar este tipo de “animosidades” com “essa gente da RDA359” com os
pesquisadores do CEA.
355
Entrevista com Fernando Ganhão.
356
Muitos desses quadros só seriam resgatados ao Centro com a fundação no CEA em 1980, pelo Aquino de
Bragança e Jacques Depelchin da Oficina de História, do CEA.
357
MENESES, Paula. “A Questão da Universidade Pública em Moçambique e o desafio da pluralidade de
saberes”. In Lusofonia em África – História, Democracia e Integração Africana, CODESRIA,pp.44-66, 2005.
358
Em Cuba, a importância do Marxismo-leninismo também esteve reflectida na introdução num Currículo
reorganizado da Universidade de Havana (e outras), onde cada estudante deveria fazer 1 ano de um curso
intitulado “Materialismo Dialéctico”, independentemente do que ele estava estudando. Vide, HOLLANDER,
Paul. Research on Marxist Societies: The relationship between Theory and Practice. Annual Review of
Sociology, 1982, p.319-351.
359
Entrevista com Valdemir Zamparoni, setembro, 2011.
360
Entrevistas realizadas aos seguintes investigadores: Isabel Casimiro, João Paulo Borges Coelho e Teresa Cruz
e Silva.
118
361
GASPERINI, Lavínia. Educação e Desenvolvimento Rural, Roma: Lavoro/ISCOS, 1989, p77.
362
GASPERINI, op.cit, 1989, p78.
363
Depoimento de João Paulo Borges Coelho na Conferência em memória de Ruth First, Maputo, 17/08/2007.
119
Uma abordagem que de certa forma esteve mais presente nos antropólogos franceses
como Christian Geffray e sua análise das dinâmicas internas (fundamentalmente culturais) da
guerra civil em Moçambique. Um foco de análise, que tinha sido subestimado na pesquisa do
CEA. Marc Wuyts corrobora este argumento, “nós não demos muita atenção às questões da
autoridade tradicional ou relações de parentesco que talvez nos deveríamos ter dado”371.
368
Entrevista com o autor, agosto, 2007.
369
Entrevista com o autor, agosto, 2007.
370
Entrevista com Luís de Brito, agosto, 2007.
371
Entrevista com Marc Wuyts, julho, 2009.
121
Na mesma senda a investigadora do CEA, Judith Head, afirmou, “achávamos que era
uma espécie de luxo querer fazer tudo e também focalizar nos aspectos culturais. O nosso
foco era grandemente na produção e não na cultura. Foi uma questão de escolha”372. Este foco
do CEA na “produção” e na economia política de Moçambique, acabou tornando-se no
principal elemento da crítica por parte de outros investigadores não pertencentes ao Centro373.
Segundo Aurélio Rocha, na altura professor e investigador do Departamento de História da
UEM,
372
Entrevista com Judith Head, agosto, 2007.
373
Como veremos posteriormente, nos finais dos anos 1980, o antropólogo francês, Christian Geffray, iria
publicar um artigo onde tecia duras criticas ao trabalho do CEA, acusando-o de ser uma espécie de braço
intelectual do poder, resumindo-se em “caucionar” cientificamente a ideologia do partido. Vide, GEFFRAY,
Christian. Fragments dun discours du pouvoir (1975-1985): Dun bon usage d’une meconnaissance
scientifique. Politique Africaine nº29, 1988.
374
Entrevista com Aurélio Rocha, Setembro, 2007. Esta posição crítica de Rocha em relação ao trabalho
científico do CEA será discutida posteriormente.
122
375
Vide, LOFORTE, Ana; Mate, Alexandre. As Ciências Sociais em Moçambique. Mimeo. Maio, p.3, 1993.
123
376
Entrevista com Marc Wuyts, julho 2009.
124
Podemos então encontrar dois grandes leitmotivs para a criação deste curso. Um
primeiro ligado à tentativa de colmatar uma lacuna estrutural ligada à questão das deficiências
do sistema de ensino do período colonial, que em nada tinha contribuído para a educação dos
moçambicanos, e por outra, contribuir através da introdução de uma pesquisa empírica
intimamente ligada ao ensino e que procurava contribuir na solução dos problemas candentes
para o desenvolvimento socialista de Moçambique.
O primeiro esboço do projecto foi desenhado por Ruth First, Marc Wuyts e David
Wield (em consulta com Aquino de Bragança), logo depois da finalização do Mineiro
Moçambicano. O curso foi inicialmente concebido para auferir o grau de Licenciatura,
todavia se verificou que não havia candidatos suficientes, com o nível de bacharelato para
preencher as vagas disponíveis. Na óptica de Marc Wuyts esta fraca aderência se deveu à
herança colonial que tinha sido extremamente limitada para os moçambicanos negros.
Luís de Brito traz-nos uma outra leitura para a fraca aderência de candidatos, por
exemplo, da Faculdade de Letras, que nessa altura tinha apenas três cursos com o nível de
bacharelato: Linguística; Geografia e História. Uma vez que inicialmente o Curso de
Desenvolvimento (com 2 anos de duração) tinha sido concebido fundamentalmente para servir
como licenciatura para os graduados do bacharelato de História, foi então preciso que fosse
reconhecido pelos docentes do Departamento de História. Porém não foi o que aconteceu no
terreno. Segundo Luís de Brito, os docentes desta faculdade, “não viam com bons olhos” este
novo curso, uma vez que prevalecia na altura, a ideia de que o CEA possuía uma abordagem
demasiado economicista377. Previsivelmente a maioria destes docentes não participou no
Curso, com a única excepção do Carlos Serra que frequentou o primeiro (dois anos).
O que é certo é que o CEA também percebeu, não obstante todos estes obstáculos no
preenchimento das vagas, que havia no país muitos quadros que ocupavam posições
importantes nos vários sectores do governo ministeriais, bancos etc., e que não possuíam
formação universitária, mas estavam, no entanto, profundamente envolvidos na prática de
elaboração de políticas, incluindo também uma prática de reflexão acerca dessas políticas. O
CEA se viu na contingência de pensar então um novo modelo de ensino.
377
Entrevista com Luís de Brito, março 2010.
125
378
Entrevista com o autor, julho 2009.
126
Por outras palavras, mais do que um diploma acadêmico, este curso estava preocupado
em ter estudantes de várias disciplinas científicas e sectores profissionais, com grande
motivação política e aplicação “revolucionária” nos desafios da construção de uma sociedade
socialista. Era assim um curso que se propôs logo de inicio, interdisciplinar estruturado em
cada ano através de uma problemática colectivamente orientada, politicamente inspirada e
com um projecto de pesquisa altamente focalizado.
O Curso foi ministrado em tempo parcial (cerca de 12 horas por semana durante e um
mês de trabalho de campo a tempo inteiro), com vista a permitir que os estudantes –
trabalhadores pudessem não só manter a sua actividade normal, como também melhorá-la
através dos conhecimentos adquiridos382.
Esta iniciativa do CEA, de certa forma arriscada, mas também controversa, não foi
totalmente consensual, criando assim grandes tensões, principalmente à volta da natureza do
diploma que se haveria de outorgar aos estudantes. De acordo com Marc Wuyts, “ o Reitor
queria um sistema de certificação a dois níveis: dando um grau de pós-graduação aos alunos
de nível de bacharelato enquanto os outros (sem nível superior) iriam somente receber um
379
Ruth First foi de facto “a máquina” deste projecto. Ela viria a dedicar toda a sua vida ao curso, desde a
coordenação de aspectos ligados a logística (garantir que houvesse cadeiras, carteiras, salas etc.) como
também aos conteúdos curriculares do curso e direcção, análise e redacção dos relatórios de pesquisa.
380
Os cursos que se seguiram tiveram no entanto a duração de 1 ano, considerados mais intensivos.
381
Notes for the Rector of UEM concerning the Graduation Ceremony of the CEA and the meeting with students
enrolled for the 1981 Development Course. 28/03/81, 3pags. Mimeo, 1981.
382
UEM,CEA, Curso de Desenvolvimento, 1981., Maputo: CEA, Mimeo 1982.
127
certificado de participação”.383 A ideia era assim que diferentes estudantes tivessem diplomas,
distintos de acordo com os seus antecedentes acadêmicos. Ruth First veementemente se opôs
a esta solução, argumentado que todos os estudantes teriam feito o mesmo curso e assim
deveriam ser tratados igualitariamente384.
Mas não pense que não houve discussões, zangas. Houve. Por
exemplo, o Curso de Desenvolvimento não foi uma coisa pacífica,
porque a faculdade de uma forma geral não concordavam com as
metodologias (mais interactiva e participativa), que eram feitas. E
como o CEA não podia conferir graus, achávamos que isso era uma
estupidez, que devia estar ligada a faculdade para poder conferir
graus. Essas discussões, no entanto, serviam para limar as arrestas,
383
Entrevista com o autor, Julho, 2009.
384
Entrevista com Marc Wuyts, Julho, 2009.
385
Entrevista a Yussuf Adam, Agosto de 2007.
128
No final, esta questão da natureza do diploma a ser conferido aos estudantes, nunca
chegou a ser resolvido: os estudantes recebiam um diploma, em que o seu estatuto foi deixado
indefinido pelo sistema educacional moçambicano388.
386
Entrevista com Manuel de Araújo, setembro, 2007.
387
Entrevista com Carlos Serra, setembro, 2007.
388
Apesar desta situação de “indefinição” na educação moçambicana, este curso, devido a sua alta qualidade, foi
reconhecido internacionalmente, havendo até casos de estudantes, que tinham o nível de Bacharelato
(diferentemente do caso brasileiro, em Moçambique, este grau é inferior a Licenciatura) e que
subsequentemente usaram o diploma do CEA, para conseguirem lugar nos cursos de Mestrado e
Doutoramento, no exterior.
129
Para além destes objectivos gerais do Curso, o CEA tinha quatro outros objectivos de
formação que consistiam em colocar a Universidade ao serviço da sociedade como também
das estruturas do Partido e do Governo. Visava assim:
O “Curso” teve por outro lado, como um dos grandes propósitos epistémicos,
contrabalançar a quase completa falta de conhecimento e interesse na pesquisa teórica e
empírica sobre África em geral e a África Austral em particular, que prevalecia naquele
tempo na universidade e de uma forma geral, entre os intelectuais moçambicanos.
Moçambique era tratado como uma “ilha” em África. Como observou Marc Wuyts,
389
Ibid.
390
Entrevista com Marc Wuyts, julho, 2009.
130
391
UEM,CEA, Curso de Desenvolvimento, 1981. Maputo: CEA, Mimeo, 1981, p.5
131
particularmente nas relações entre a agricultura a indústria pesada e a indústria ligeira. Eram
também discutidos os problemas de investimento e planificação. Neste sentido, era um curso
que pretendia responder aos anseios do Estado Moçambique dirigido pelo partido FRELIMO
na consolidação do desenvolvimento socialista em Moçambique.
392
Era uma jornada nacional de produção onde estudantes e trabalhadores da universidade, durante todo o mês
de Julho, iam trabalhar em vários domínios da sociedade como forma de proporcionar um melhor
conhecimento das realidades e necessidades do país, naquela fase de reconstrução nacional. Por outro lado,
estas atividades pretendiam, de acordo com a Frelimo, combater o espírito elitista e alheamento da
universidade em relação aos diversos tipos de trabalho prático.
393
UEM,CEA, Curso de Desenvolvimento, 1981. Documento de apresentação do Curso, Maputo: CEA, Mimeo,
1981, p.4.
394
Ibidem,p..4.
395
Este tema será discutido em pormenor no tema sobre o “engajamento crítico do trabalho intelectual do CEA”.
132
Neste Curso foi sempre assegurado um espaço de crítica e debate colectivo, onde se
discutiam de forma aberta aspectos relacionados com a conceitualização do curso, conteúdos,
disciplinas, horários, avaliações, etc. Estes encontros regulares serviram como um momento
de avaliação crítica do Curso,” onde o pessoal docente era solicitado a participar na discussão
e responder aos pontos levantados pelos estudantes. Como afirmou o economista
moçambicano, Dipac Jaiantilal, estudante do Curso de Desenvolvimento de 1982,
396
Entrevista com Jaiantilal Dipac, agosto, 2007.
397
UEM/CEA, Curso de Desenvolvimento de 1981, op.cit.
398
UEM/CEA, Curso de Desenvolvimento de 1981, op.ci..
399
Ibidem,pp.3.
133
ponto (4), os mentores do Curso contra-argumentaram: “não se pode fazer investigação sem
conceitualizações teóricas e esta base teórica deverá ser dada inicialmente. Tanto as aulas
como os textos foram seleccionados pela sua relevância para elaboração da investigação.400”
Houve, no entanto, um tema que acabou tendo grande destaque no debate e que estava
intimamente relacionado com a abordagem teórico-metodológica que o Curso de
Desenvolvimento deveria privilegiar. Esta questão viria a ser enfatizada neste encontro, como
consequência de duas grandes críticas feitas pelos estudantes de que o Curso tinha “a
tendência para sobrevalorizar aspectos econômicos” como também a “ ausência de aspectos
culturais401”. Este era um tema que tinha sido também aludido por outros investigadores na
universidade e que não estavam envolvidos no curso, como por exemplo, António Sopa, Ana
Loforte, durante as sessões de entrevistas por mim realizados; mas também iria ser a grande
crítica de Christian Geffray (1988) no seu artigo sobre o trabalho científico do CEA402.
Os estudantes tinham de facto tocado num ponto sensível que estava ligado a um dos
principais objectivos do Curso de Desenvolvimento, que era o de contribuir para a estratégia
de desenvolvimento socialista da FRELIMO. É assim que o CEA logo de seguida contestou,
afirmando que se tratava, “apesar de tudo, duma crítica burguesa ao Marxismo de que o
mesmo sobrevaloriza a economia403.” Todavia, em relação à questão da provável exclusão da
cultura nos programas, o CEA não poderia ter sido mais evasivo: “Gostaríamos de ter mais
especificações quanto a “aspectos culturais404”
400
Ibidem, pp.8.
401
De acordo com um documento dactilografado do CEA, onde se reproduz na íntegra os comentários dos
quatro grupos de supervisão do Curso, que foram na altura apresentados na sessão de crítica e autocrítica de 5
de Junho de 1981, alguns estudantes referiam ao conteúdo do Curso como tendo a “tendência para
sobrevalorizar aspectos econômicos”, como também a “ausência de aspectos culturais”. Ver, UEM/CEA,
Curso de Desenvolvimento de 1981, 27/8/81, 12pags, Mimeo.
402
GEFFRAY, Christian. Fragments dun discours du pouvoir (1975-1985): Dun bon usage d´une
meconnaissance scientifique. Politique Africaine nº 29, 1988.
403
Ibid.
404
UEM/CEA, Curso de Desenvolvimento de 1981, 27/8/81, Maputo: CEA, Mimeo, 1982.
405
Entrevista com Judith Head, agosto, 2007.
134
nacionais aptos para o trabalho de reconstrução nacional e, por outro lado, era preciso
conceber uma teoria e método focalizado nos problemas da transformação da economia
herdada do período colonial para uma economia de carácter socialista, livre da dependência
econômica, que ainda persistia, em relação a África do Sul. Daí a necessidade também de se
analisar Moçambique no contexto da região. Como afirmaram os investigadores do CEA,
“uma estratégia para o desenvolvimento, ou seja, para a transformação socialista, tendo em
conta a realidade social de Moçambique no âmbito da região da África Austral406.” Assim, o
único método capaz de permitir esta transformação das condições sociais dos moçambicanos
teria necessariamente que passar, pela abordagem da “economia política marxista”. Esta
perspectiva, diferentemente por exemplo da economia política liberal, que enfatizou a
importância do chamado “mercado livre”, focalizou no domínio da produção como a última
realidade407.
406
UEM/CEA, Curso de Desenvolvimento de 1981, op.cit.
407
Vide, DALY, Glyn. Radical(ly) Political Economoy:. Luhmann, Postmarxism and Globalization. Review of
Internarional Political Economy, 11:1, Fevereiro, 2004, p.1-32.
408
Entrevista a Judith Head, agosto, 2007.
135
Em suma, a ênfase que o CEA pôs, logo no inicio, na produção e força de trabalho
(particularmente na economia rural) surgiu da convicção da sua importância e da sua urgência
para os desafios que Moçambique enfrentava. A expectativa do CEA era de que as políticas
econômicas – e, em particular, as políticas dirigidas para produção e mão-de-obra – deveriam
procurar seguir um processo de transformação ao expandirem recursos de investimentos para
preservar e fortalecer as capacidades de produção a todos os níveis e para salvaguardar o
consumo básico (fazendo com que os investimentos fossem para o consumo), em vez de
engajar num programa de investimento massivo centralizado no sector estatal, deixando o
consumo e a produção camponesa, como também a troca, suportarem o peso do inevitável
processo de ajustamento que viria do grande aperto financeiro.
virada para a transformação das condições sociais. Por outro lado, o curso pretendia também
formar pesquisadores moçambicanos, e não simplesmente acadêmicos que de forma acrítica
aplicassem modelos pré-existentes. Pelo contrário, um dos objectivos primordiais era de que
os alunos pudessem exercitar a sua capacidade de desafiar/questionar as assumpções de
políticas, para engajar em análises concretas e de explorar alternativas, mesmo se isso
significava levantar questões incómodas: em suma, de ser capaz, como afirmou Marc Wuyts
“de pensar de uma forma independente”412.
413
Fica em dívida uma análise do material bibliográfico do Curso de Desenvolvimento de 1979, que até ao
presente momento não foi possível encontrar.
414
Não foi possível encontrar também material sobre a bibliografia de outras disciplinas. No entanto, segundo
Luís de Brito, eram também oferecidos textos de antropólogos marxistas franceses como Claude Meillassoux,
Pierre-Philipe Rey, Catherine Coquery-Vidrovitch dentre outros. Entrevista realizada em Março de 2010.
415
Vide, HABIB, Irfan. Problems of Marxist Historiography. Social Scientist, Vol. 16, nº 12, Dezembro, 1988,
p. 3-13.
138
É preciso frisar no entanto, que a grande parte do material de ensino foi baseado na
própria produção científica do CEA, nomeadamente nos seus artigos publicados na revista
Estudos Moçambicanos, Como também nos vários Relatórios de Investigação416
desenvolvidos pelos professores e alunos no âmbito deste curso. Foram escolhidos para
investigar àqueles problemas consideradas chaves para o desenvolvimento socialista de
Moçambique. O foco central foi assim o estudo de uma fábrica, machamba estatal,
cooperativa, aldeia comunal, ou de áreas que combinavam várias formas de produção. O que
reflectiu nitidamente esta abordagem da economia política marxista que tendia a focalizar em
processos macro-sociais, para explicar os fenómenos sociais417, empregando deste modo,
termos como “ o Estado”, “classe”, “produção colectiva”, etc.
416
Os conteúdos destes Relatórios serão discutidos com mais atenção no próximo capítulo.
417
Uma perspectiva mais radical, desta abordagem da economia política que enfatizava os aspectos marco, seria
a teoria do sistema-mundo de Immanuel Wallterstein.Vide, por exemplo, WALLERSTEIN, Immanuel,
“Southern Africa and the World-Economy”, Research Bulletin, Fernand Braudel Center for study of
Economics, Historical Systems, and Civilizations, State University of New York, Binghamton, New York,
USA, Junho, 1987.
418
Entrevista com Marc Wuyts, julho, 2009.
139
Esta escolha teórica acabou relegando para segundo plano, todas aquelas questões não
necessariamente ligadas à produção, mas que poderiam também contribuir para uma visão
mais integrada da realidade social. Por exemplo, a inclusão de estudos e reflexões teóricas
sobre a construção cultural das inter-relações entre as unidades de produção e as formas de
organização social dessas populações, tentando explicar os fenómenos a partir de categorias
locais construídas pelas próprias comunidades. Pois que, na óptica de Akos Ostor (1987), a
economia pode também ser conceptualizada como algo que está profundamente incrustada em
ideias e práticas culturais419.
419
OSTOR, Akos, Anthropology or Marxist Strait-Jacket?. Economic and Political Weekly, Vol.22 nº 23, Jun.
6/1987, p.909-910.
420
CEA, Strategies os social research in Mozambique. Review of African Political Economy, no. 25, set. -
Decz, 1982, p. 29-39.
140
No mesmo diapasão, Teresa Cruz e Silva, então estudante do Curso, enfatizou esta
questão das limitações do ensino e pesquisa no pós-independência,
421
UEM/CEA. Curso de Desenvolvimento de 1981, s/ed, Documento datilografado de 27/8/81.
422
Entrevista com Judith Head, agosto,2007.
141
Foi de facto um curso criado sob condições difíceis dada a escassez de pesquisa
científica sobre Moçambique e a ausência de uma cultura genuína de prática de investigação.
Isto significou que havia muita carência de materiais de ensino. Como observou Marc Wuyts
“houve muito de improvisação nestes cursos”. Muitas das pesquisas realizadas pelos
estudantes, serviriam como material de ensino para as aulas do Curso de Desenvolvimento,
enriquecendo, desta forma, os seus conteúdos programáticos. Estes pequenos projectos
altamente focalizados que cada curso envolveu, tinham como finalidade fornecer uma
plataforma onde estudantes pudessem adquirir e desenvolver habilidades de pesquisa.
423
Entrevista com Teresa Cruz e Silva, agosto, 2007.
424
Entrevista com o autor, julho, 2009.
142
425
Vide Quadro nº2.
143
Aldeias Comunais 2
Comercialização Agrária 3
Cooperativas 4
Produção algodoeira 7
Trabalho Migratório 2
Transformação Rural 9
Transportes 4
Total 31
Estas linhas de investigação não foram de forma nenhuma estanques. Muitos dos
projetos de pesquisa levados a cabo pelo CEA, no âmbito do Curso de Desenvolvimento,
poderiam estar inseridos em mais de uma linha de investigação. O caso mais eloqüente foi, de
fato, os projetos sobre o Algodão levados a cabo de 1979 a 1980. Foram produzidos 11
estudos sobre a produção algodoeira, que tinham objetivos e foco de análise assaz distintos.
Como foi mencionado ao longo deste estudo, os investigadores do CEA argumentaram que a
destruição do sistema colonial teve como uma das conseqüências uma profunda crise na
produção de algodão. Assim, o grande objetivo do CEA tinha sido o de “estudar as raízes
desta crise e as formas de ultrapassar426”.
Foi então a partir desta premissa que o CEA produziu os referidos onze Relatórios de
Investigação, ligados de forma geral a questão do Algodão, mas que também alguns destes
focalizavam em questões como, transformação rural, a agricultura familiar, as cooperativas,
ao sector estatal como também a questão dos transportes. Sublinhe-se que neste quadro, foram
apenas contabilizados sete estudos estritamente ligados a produção de algodão.
É objectivo desta secção demonstrar então que tanto os Relatórios que surgiam das
dinâmicas internas do Curso de Desenvolvimento, como os que eram “encomendados” pelo
poder, estavam todos - emprestando um termo de Jean Francois Lyotard (1989) - dentro de
426
Vide por exemplo, O Descaroçamento de algodão… op.cit,, 1979.
144
É então a partir destas linhas gerais da política agrária da FRELIMO, que o CEA iria
direccionar o seu foco de atenção, logo depois da realização d´”A questão Rodesiana”, para os
problemas relacionados com a transformação da produção. É assim, que logo em 1979, no
ano em que se iniciou, pela primeira vez, o Curso de Desenvolvimento, é produzido o
427
Vide, LYOTARD, Jean - Francois. A Condição Pós – Moderna, Lisboa : Gradiva, 1989.
428
Ibid.
429
UEM, CEA. Curso de Desenvolvimento de 1981, Maputo: CEA, Mimeo,19821
430
FRELIMO, Relatório do Comité Central, III Congresso, 1977,p.35,
431
Para uma leitura mais aprofundada sobre as politicas agrárias da Frelimo durante o período da tentativa da
construção do socialismo ver, PITCHER, Anne, Disruption without Transformation: Agrarian Relations and
Livelihoods in Nampula Province, Mozambique (1975-1995). Journal of Southern African Studies, Vol. 24,
nº. 1, Março,1998, p.115-140.
145
Como podemos notar, a partir do quadro nº2, o tema da “transformação” teve grande
centralidade nos relatórios de investigação do CEA. Assim, dos cerca de trinta e um
Relatórios produzidos no âmbito do Curso de Desenvolvimento, nove432 deles incluíam nos
seus títulos o termo “transformação”. Na sua maioria, estas pesquisas, de alguma forma,
discutiram a questão da transformação das antigas formas de produção inerentes à economia
colonial para novas formas baseadas em modelos de produção socialista, através por exemplo,
da introdução das machambas estatais e da dinamização do movimento cooperativo no
campo. Não podemos deixar de lembrar que a FRELIMO, no seu III Congresso (1977), tinha
definido a “agricultura como a base e a indústria como o factor dinamizador para o
desenvolvimento da economia moçambicana433”.
432
“A Transformação da Agricultura Familiar na Província de Nampula”, “Problemas de Transformação Rural
na Província de Gaza”, “Já Não Batem – a Transformação da Produção Algodoeira”, “O papel dinamizador
da Emochá na transformação socialista da Alta Zambézia” e por ultimo, “Porto de Maputo – Zona de
Contentores: Informação, Trabalho Administrativo e a Transformação do Trabalho Produtivo”.
433
FRELIMO. III Congresso do Partido Frelimo, Fev. 1977, Directivas Econômicas Sociais. Maputo:FRELIMO,
1977.
434
Vide, Anexo nº onde se apresenta a relação de todos os Relatórios de Investigação produzidos no âmbito do
Curso de Desenvolvimento ( 1979-1982).
435
Para uma discussão mais aprofundada sobre a questão do campesinato versus proletários nas politicas agrárias
da Frelimo nos anos 80, ver, O’LAUGHLIN, Bridget. Past and Present Options: Land Reform in
Mozambique. Review of African Political Economy, Vol.22, nº63, 1995,p.99-106.
146
ainda estudos que propuseram uma visão integrada do desenvolvimento rural, onde não só
deveria dar lugar os grandes projectos das machambas estatais (como era apanágio da
FRELIMO) mas também de se olhar para o papel da agricultura familiar no processo de
ruptura com padrões da economia colonial e da acumulação socialista.
Por último, e ainda nesta fase de mudanças nas políticas do desenvolvimento socialista
em Moçambique (1984), o CEA concentrou-se em estudos que procuraram analisar o papel
do Estado numa estratégia agrária marcadamente orientada para o mercado. Estas pesquisas
tinham a particularidade de já não se privilegiarem as grandes estratégias de colectivização
socialista, mas de procurarem resultados a partir de novas formas de intervenção estatal.
o papel dos transportes, etc. Foi nesta fase, por exemplo, que apareceram estudos sobre “a
comercialização agrária e os métodos de planificação” sobre o “Porto de Maputo e a
transformação do trabalho produtivo”, “ a formação do professor primário e a sua actuação no
meio social”, as plantações de Chá e economia camponesa, etc.
Um dos grandes desafios da nova liderança, logo após a independência nacional, tinha
sido o de se compreender profundamente as características da dependência econômica e as
suas formas de superação, uma vez que a África do Sul se constituía num opositor político ao
projecto socialista da FRELIMO. Como foi discutido no capítulo sobre o “Mineiro
Moçambicano” tornava-se assim “urgente” para o governo moçambicano, conhecer o real
impacto de um corte radical do fluxo migratório de mão-de-obra moçambicana para as minas
sul-africanas. Tanto a FRELIMO como o CEA, acreditavam que “o termo desse escoamento
de homens era um dos elementos necessários para a criação das condições materiais de
construção do socialismo436.”
Na secção seguinte iremos, de forma mais localizada, abordar alguns dos Relatórios de
Investigação produzidos pelo CEA e que estavam mais directamente ligados às prioridades
políticas da FRELIMO para a “transição socialista”, como forma de demonstrar esta ligação
estreita que houve entre prioridades de pesquisa do Centro e as prioridades políticas da
FRELIMO para o desenvolvimento socialista. Ao expormos de forma mais localizados
algumas das publicações científicas do CEA pretendemos também mostrar como o CEA
procurou sempre manter um espaço de distanciamento ideológico, procurando analisar
criticamente a eficácia das políticas agrárias do governo nomeadamente na socialização do
campo, construção das aldeias comunais dente outros.
436
O Mineiro Moçambicano, op.cit, p.2.
148
437
Foi a pesquisa do CEA que envolveu o maior número de investigadores na história do CEA. O grupo de
pesquisa era composto de cerca de 40 pessoas, dentre membros e associados do Centro, como também de
colaboradores do CEA. Foi também considerada a mais aprofundada alguma vez realizada pelo Centro. Este
estudo teve a duração de 6 meses.
149
Este estudo, organizado em 3 partes, pretendia não somente traçar o perfil do mineiros
moçambicanos, como também produzir uma análise da estratificação rural das três regiões no
sul de Moçambique, consideradas como o grande reservatório de mão-de-obra mineira. O
primeiro capítulo, intitulado, “ a exportação de mão-de-obra”; o segundo, “a força de trabalho
mineira” e o terceiro “a base camponesa: a província de Inhambane”.
São ainda discutidos neste capítulo dois pontos. Os salários dos mineiros
moçambicanos os quais, segundo o CEA, se situavam, comparativamente aos trabalhadores
150
mineiros dos países vizinhos, nos níveis mais baixos438. Em segundo, a questão da experiência
de trabalho e qualificações. Segundo o CEA, a grande limitação dos trabalhadores
moçambicanos estava na sua falta de instrução escolar formal, apesar de terem algum tipo de
especialização e de experiência de trabalho. Neste âmbito, o CEA, recomenda ao poder que
“alguns mineiros, por exemplo ajudantes de electricista, ajudante de mecânico e condutores
de máquinas pesadas poderiam ser integrados nas fábricas ou outras empresas.439.
O terceiro capítulo pode ser considerado como o mais ambicioso, uma vez que procura
analisar os efeitos do fluxo migratório na base camponesa. É assim abordada a questão da
estratificação rural nos três maiores distritos da província de Inhambane (Pembe, Homoíne e
Sitila) e, a partir daí, Ruth First e o colectivo de investigadores do CEA, procuram avaliar o
real impacto deste fluxo migratório na economia rural moçambicana.
Ainda segundo o colectivo de investigadores do CEA, esta classe era a que dependia
menos do trabalho migratório. É então a partir desta explanação da base camponesa nos 3
distritos, que o CEA vai avisar às estruturas do governo para a necessidade de se “ preparar
directrizes bem explícitas se se quiser conquistar os camponeses médios para a revolução
rural440.” Ainda segundo o CEA, estes sentem-se inquietos com o que consideram uma
“orientação para camponeses pobres” da qual receiam que irá fazer descer o seu nível de vida.
Havia ainda os “camponeses pobres”, que só eram ocasionalmente proprietários de
instrumentos de produção, sendo a sua base agrícola incerta e instável. Trabalhavam em terras
438
CEA, O Mineiro Moçambicano – Um estudo sobre a exportação de mão-de-obra, 1979, reedição, 220 p.
439
Ibidem, p.77.
440
O Mineiro Moçambicano, op.cit,p.168.
151
Uma das conclusões mais interessantes a que o CEA chegou através deste estudo foi
de que embora a maioria da população masculina do sul de Moçambique passasse de grande
parte de suas vidas nas minas da África do Sul e estando lá na condição de “proletários”, eles
ainda mantinham a sua “base camponesa”. Faziam assim parte de um sistema que tornava-os
mão-de-obra migrante e barata. Enfim, uma classe sui generis de operários-camponeses, “que
nem se encontravam completamente divorciados dos seus meios de produção, nem eram
produtores independentes, contando unicamente com os seus meios de produção442.”
441
O Mineiro Moçambicano, op.cit. p.129.
442
Ibidem,pp.170.
443
Ibidem, p.166.
444
Ibidem, p.167.
152
Neste texto, Marc Wuyts começa primeiro por dar “um breve e incompleto panorama
do processo histórico da criação da estrutura econômica colonial no campo”. Apresenta os
diferentes elementos constituintes da estrutura social da produção agrícola nomeadamente, as
plantações, latifúndios, médias e pequenas machambas dos colonos, burguesia e pequena
burguesia comercial e o campesinato. Segundo Wuyts, estes elementos constituintes da
estrutura social da produção na agricultura moçambicana, iriam ter características distintas
nas três regiões do país, uma vez que o sul, centro e norte do país tinham se integrado na
economia colonial de forma desigual.
Este argumento iria se tornar, como veremos ao longo deste texto, num dos
pressupostos teóricos de toda a produção científica do CEA. De facto, Marc Wuyts neste
texto, como também a maioria dos trabalhos produzidos pelo colectivo de investigadores
CEA, viam o capitalismo colonial português como “retrógrado tanto politicamente como
economicamente”, determinando deste modo, a forma diferenciada como estas regiões se
integraram na economia colonial. O sul tinha-se transformado essencialmente numa reserva
de mão-de-obra para o capital mineiro sul-africano; o centro onde a principal característica da
produção agrícola consistia na economia de plantação, correspondendo a cerca de 57% de
toda a produção, e o norte, maioritariamente ligado à produção de mercadorias, onde por
exemplo, 65% da produção mercantil era realizada pelo campesinato.
445
Foi dos poucos Relatórios do CEA que saiu com assinatura individual.
446
WUYTS, Marc. Camponeses e economia rural em Moçambique. Maputo: UEM/CEA,1979.
153
Este artigo pode então ser visto como um dos primeiros (produzidos pelo CEA) a
enfatizar o papel da pequena produção camponesa no processo de transformação socialista,
demonstrando que as políticas agrárias deveriam “atacar” as vulnerabilidades do campesinato
em vez de as ignorar, como vinha sendo feita pelo poder político. Podemos também olhar
para este texto como uma chamada de atenção à política agrária da FRELIMO, que naquela
primeira década após independência, subestimava o papel do campesinato como um factor
decisivo para a transformação socialista, optando, em contrapartida, por uma rápida
447
Vide, WUYTS, Marc. Camponeses e Economia Rural em Moçambique, Maputo: UEM/CEA, 1979, p.23.
448
Ibidem, p.24.
449
Ver documento da “Oitava Sessão do Comité Central da Frelimo e do III Congresso. Jornal NOTÍCIAS, 7, 8
e 12 de Outubro,1981.
154
socialização do campo com enfoque nas machambas estatais; enfim, pelos grandes projectos
estatais relegando assim o campesinato para um lugar marginal no processo político.
Ainda em 1979, uma equipe de onze elementos que incluía professores e estudantes do
Curso de Desenvolvimento produziu um Relatório de Investigação450, de “difusão restrita”,
sobre os problemas da transformação rural na província de Gaza, no sul de Moçambique. O
seu objectivo principal era o de descrever e analisar, de forma crítica, a situação produtiva no
Vale do Limpopo (considerada como uma das regiões mais férteis do país), a partir da
selecção de algumas aldeias comunais nesta região. Tinha, deste modo, uma abordagem mais
localizada, distinta por exemplo do estudo anterior de Marc Wuyts. Encontramos, no entanto,
um ponto em comum nestes dois estudos e que iria também constituir uma característica
presente em outros trabalhos de investigação do CEA: textos que procuravam reflectir sobre
as transformações da economia colonial no sul de Moçambique - baseada essencialmente na
agricultura dos colonos e na migração de mão-de-obra para a África do Sul e de uma
agricultura familiar extremamente dependente destas duas características – para uma
economia em moldes socialistas.
tanto do Estado colonial como também das receitas dos mineiros na África do sul, acabaria
sendo a mais afectada. Daí então o CEA argumentar que nesta fase tinha-se verificado uma
diminuição no nível de vida das famílias do distrito de Gaza, que podia ser observado, por
exemplo, na diminuição ao acesso aos bens de consumo e às alfaias agrícolas.
Toda esta discussão esteve alicerçada no que ficou conhecido como o “Plano do
Limpopo”, desenvolvido pelas autoridades provinciais, e que pretendia implementar as
directivas saídas da 8ª sessão do Comitê Central da FRELIMO. O referido plano procurava
abordar o problema da relação entre a machambas estatais, agricultura camponesa e as vias da
transformação da agricultura familiar por meio da cooperativização. O plano procurou
451
Problemas de transformação rural na província de Gaza, Maouto: UEM/CEA, Maputo, 1979, p.6.
452
Ibid, p.6
453
Ibid., p.79.
454
Ibid., p.70.
156
também expandir o sector colectivo como base produtiva das aldeias comunais e
consequentemente restringir a propriedade no sector familiar. Daí então encontrarmos neste
relatório uma secção onde se aborda de forma particular as duas principais formas de
produção colectiva e que eram vistas tanto pelo governo como pelo investigadores, como a
base produtiva das aldeias comunais do Baixo Limpopo: o sector cooperativo e a empresa
estatal (UPBL).
Era preciso primeiro criar-se uma base material no sector colectivo, capaz de absorver
aquela força de trabalho que tinha sido afectada pelo impacto da redução do fluxo migratório.
Afastando-se da historiografia colonial, mas também da visão de alguns sectores do Estado
moçambicano que olhavam para a família camponesa como exclusivamente ligada à produção
de subsistência, o CEA vai dar realce ao papel do campesinato na produção de bens
excedentes para o mercado. Na óptica destes pesquisadores, a marginalização do sector
familiar, tinha se tornado num dos mais perniciosos aspectos da política agrícola da
FRELIMO (pelo menos até finais de 1983 quando por intermédio do seu 4º Congresso os
dirigentes políticos começaram a admitir, publicamente, os seus erros e assumpções erradas457
em relação ao papel da produção familiar no desenvolvimento da agricultura). Como
podemos ver, os pesquisadores do “Mineiro Moçambicano”, não se coibiam de produzir uma
análise crítica sobre a ineficácia de algumas das políticas agrárias do governo, mostrando em
casos como estes, que o poder estava errado, e procurando no final providenciar inputs de
como tornar mais efectiva a grande “meta-narrativa” do desenvolvimento agrário em moldes
455
Ibid., ,p.17.
456
Ibidem, Idem.
457
No sentido em que pressupunham que a produção camponesa estava completamente virada para a
subsistência em vez de por exemplo, para a comercialização, juntando ainda o facto de sobrestimarem os
recursos técnicos, organizativos e financeiros disponíveis para gerirem machambas estatais grandes e
ambiciosas. Em relação a auto-crítica da Frelimo, ver, Relatório do 4º Congresso, publicado no Jornal
Noticias, 27 de Abril, 1983. Para além do trabalho do CEA, Barry Munslow, também aborda esta questão da
intervenção do Estado na agricultura. Ver MUNSLOW, Barry. State intervention in Agriculture: The
Mozambican experience. Journal of Modern African Studies, Vol. 22, nº. 2, 1984,p. 199 - 221.
157
socialistas da FRELIMO.
Durante o período de 1979 a 1980, o CEA levou a cabo uma série de pesquisas nas
províncias de Nampula e Zambézia sobre as dinâmicas da produção de algodão e o seu
contributo para o desenvolvimento socialista de Moçambique. Estas pesquisas resultaram
mais tarde na produção de onze Relatórios de Investigação458, dos quais quatro eram de
difusão restrita459.
458
Para a lista destes relatórios, vide, Cotton production in Mozambique: a survey, 1936-1979, Maputo:CEA/
UEM, Rel. 81/4,1981.
459
Vide, CEA. O Descorçoamento de Algodão na Província de Nampula, Maputo: UEM/CEA, 1979,Maputo;
CEA. O Sector Estatal do Algodão: Força de Trabalho e Produtividade, um Estudo da UP II Metocheria,
CEA, Maputo, 1979; CEA. Cotton Production in Mozambique: A Survey 1936-1979. Maputo: CEA, 1981;
CEA. Cotton Production in Mozambique: A Survey 1936-1979, Maputo: CEA, 1981.; CEA. Actuação do
Estado ao Nível do Distrito: O Caso de Lugela, Maputo: CEA, 1981.
460
CEA. Já não batem – A Transformação da Produção Algodoeira, Maputo: CEA, 1981.
461
Ibidem, p.1.
158
Neste Relatório, os investigadores não deixaram também de fazer uma reflexão sobre
a evolução histórica da produção de algodão no distrito. Como afirmaram os investigadores,
“é particularmente importante tomar em conta a história da produção algodoeira no distrito na
formulação duma nova política de fomento463”. Com esta contextualização histórica, os
investigadores do CEA estavam principalmente preocupados em saber quem produzia, quais
os mecanismos de controlo, qual era o significado da abolição formal da cultura forçada, qual
era a importância do sector colono e qual era a experiência das cooperativas que estavam no
momento produzindo algodão. Pois que, na visão destes investigadores, a organização da
agricultura familiar em Lugela tinha sido estruturada a partir da história da presença colonial,
onde grande número de produtores, sobretudo mulheres, lutava para equilibrar a sua produção
entre a subsistência da família e a pequena machamba de algodão e mandioca (para venda e
alimentação da família), na ausência do esposo, trabalhador migratório.
462
Já não batem , op.cit, p.2.
463
Ibid. p.5.
159
CEA adverte, que não se podia explicar a baixa produção de algodão no distrito somente a
partir da estrutura dos preços; comparados, por exemplo, com a comercialização de outras
culturas como a do arroz, milho, girassol, mandioca, etc. De acordo com o estudo, mais
importante do que a tabela de preços na escolha da cultura era a segurança do rendimento que
tinha maior peso nas escolhas dos camponeses. O algodão, diferentemente da mandioca,
estava mais vulnerável às secas, pragas e chuvas inoportunas464.
464
Ibid.., p. 11.
465
Ibid., p.15.
466
Ibidem, p.16.
467
Ibidem, Idem.
160
estágios de campo para a reciclagem dos auxiliares. Como podemos depreender, estávamos
mais uma vez em presença de um tipo de pesquisa social orientada para o fornecimento de
recomendações políticas que pudessem ser utilizadas pelo governo e pela FRELIMO.
Nos meses de Julho de 1981 e Janeiro de 1982, o CEA, a partir de uma solicitação do
Ministério do Comércio Interno, produziu um estudo detalhado de um dos principais distritos
produtores de excedentes de milho da província da Zambézia (Alto Molócue), com o
propósito de compreender, naquele momento, o processo de comercialização de culturas
alimentares a nível distrital e em segundo lugar, propor uma série de melhoramentos da
planificação pelo Estado desse processo de comercialização. Pretendia-se que os resultados
dessas investigações pudessem ajudar o governo na formulação de políticas estatais
respeitantes à comercialização das culturas alimentares.
É assim que o CEA, nestes relatórios vai enfatizar a importância do sector familiar na
comercialização agrária, criticando a forma como os dados oficiais subestimavam a sua
importância. Os investigadores argumentavam que a política de comercialização vigente, não
estava a conseguir atingir os seus objectivos, onde “em alguns aspectos os resultados obtidos
eram mesmo opostos aos desejados469”. Os Relatórios acabam assim recomendando às
estruturas políticas de que “para corrigir esta situação, era necessário introduzir alterações,
468
Este projecto teve também uma versão em inglês: Agricultural Marketing in the District of Alto Molócue.
469
CEA, Comercialização Agrária ao nível distrital, Maputo: UEM/CEA, 1982. p.1.
161
470
Ibibem.
471
CEA, Comercialização Agrária ao nível Distrital, Maputo: UEM/CEA, p.57.
162
O sexto e último Relatório a ser apresentado nesta secção, intitula-se: “Poder Popular
e Desagregação nas Aldeias Comunais do Planalto de Mueda”472. Tal como os anteriores,
enquadra-se perfeitamente nas prioridades políticas da FRELIMO para o desenvolvimento
socialista, que o Centro e o Curso de Desenvolvimento procuraram ter como ponto de partida
para a definição dos objectos de pesquisa. É de referir, que este “Relatório de Investigação”
diferentemente dos até aqui apresentados tinha sido produzido maioritariamente pelos
investigadores da Oficina de História em Dezembro de 1985 e publicado em no ano seguinte.
Esta pesquisa abordou um tema duplamente sensível para o poder: primeiro, pelo facto
de analisar criticamente a ineficácia do projecto “Frelimista” da construção das aldeias
comunais nas zonas rurais, mas também pelo facto do falhanço deste projecto se ter dado
precisamente no distrito de Mueda, um lugar com um grande significado simbólico para a
FRELIMO. Como sabemos, tinha sido aí onde se dera o inicio da luta armada e onde tinham
sido construídas as primeiras “zonas libertadas” “governadas” pela FRELIMO.
472
O trabalho de campo foi realizado concretamente na localidade de Ngapa, província de Cabo delgado,
situado junto a fronteira entre Moçambique e Tanzânia. Estavam sob jurisdição desta localidade 13 aldeias
comunais que serviriam de objecto de análise da pesquisa.
163
desarticulação das novas formas de organização colectiva dos camponeses, erigida como uma
das grandes políticas na construção do socialismo em Moçambique. Os relatores do estudo
utilizaram aqui o termo “desagregação” para indicar o regresso ou mesmo a fuga das
populações das aldeias comunais para locais dispersos de povoamento, um processo que
segundo os investigadores, o Estado tinha sido incapaz de reverter.
473
CEA. Poder Popular e Desagregação nas Aldeias Comunais do Planalto de Mueda. Maputo: UEM/ CEA,
1986, p.13.
474
Ibid., , p.18.
475
Ibidem, p.19.
476
Ibidem, p.52.
477
Ibidem, p.39.
164
ser assegurada”478.
É assim, que o estudo vai argumentar que formas de “poder popular” em Cabo
Delgado e, mais concretamente na localidade de Ngapa, tinham sido “impostas” pelo partido
e Estado, e não algo que tinha surgido, espontaneamente, a nível da base. O problema,
segundo o colectivo de investigadores, residia no tipo de relações que existia entre a direcção
política e a população. Os resultados da pesquisa iriam mostrar, que essa relação não era
horizontal ou democrática. Devido a esses “formalismos do Estado”, os funcionários do
aparelho estatal e membros do partido com a sua “atitude de superioridade”, contribuíam para
que a população desenvolvesse uma atitude mais passiva sobre as formas de “ poder popular”,
como “coisas que o governo vai trazer”. O “poder popular” vai, deste modo, aparecer como
uma coisa pré-fabricada, quase uma mercadoria479.” Daí então os autores do estudo,
argumentarem, que era legítimo ver a desagregação das aldeias comunais como uma
desagregação do poder popular.
Como podemos notar, este último argumento avançava, timidamente, hipóteses sobre
as origens do conflito armado no pós-independência, que seriam exploradas, nesse mesmo
ano, por Christian Geffray, na sua análise da base social da guerra civil em Moçambique. É
importante no entanto referir, que o exemplo de Cabo Delgado era fraco para demonstrar essa
ligação entre ressentimento, insatisfação, desagregação dos camponeses em relação às
políticas agrárias da FRELIMO e a natureza da guerra da RENAMO. Como afirmou mais
tarde Colin Darch (1989), investigador e documentalista do CEA, “o caso de Cabo Delgado,
não teve nenhuma ligação orgânica com a emergência do banditismo481”.
478
Ibid., p.1.
479
Ibidem, p.60.
480
Ibidem, p.61
481
Ver, DARCH, Colin. Are there Warlods in Provincial Mozambique? Questions of the Social Base of MNR
Banditry. ROAPE,nº 45/45,1989, p.34-49.
165
Um dos grandes anseios da FRELIMO logo após a independência nacional foi sempre
o de criar condições para a construção de uma narrativa histórica nacional, que pudesse
manter viva a memória da experiência da luta de libertação nacional, como também, e agora
num âmbito mais alargado, de restituir a dignidade do povo moçambicano que tinha sido
“silenciada” pela historiografia colonial. E foi de facto no CEA que a tarefa de reescrever a
história de Moçambique foi levada a cabo de uma maneira mais sistemática482. A presença da
figura de Aquino de Bragança como director do Centro foi, de facto, preponderante para esta
tomada de dianteira do Centro na produção da história da luta armada. Como afirmou
Depelchin,
482
Apesar de encontrarmos também este tipo de empreitada no departamento de história da UEM, com a
elaboração e publicação nos anos 1980 e 1983 dos dois volumes da História de Moçambique, foi a Oficina,
que de uma forma sistemática procurou reelaborar a história tendo como particular enfoque na construção
histórica da experiência da luta armada.
483
Entrevista com Jacques Depelchin, março, 2007.
166
Como se pode depreender, não havia espaço para se criar polémicas à volta da história
recente de Moçambique. A FRELIMO, requereu aos historiadores que praticassem aquilo a
que Terence Ranger (apud Jewsiewicki, 1989) denominou de “passado usável486”, quer dizer
a produção da história relevante para as preocupações nacionais da construção de uma
sociedade socialista sob liderança do partido marxista-leninista da FRELIMO. Samora
defendeu que o marxismo em Moçambique deveria vir da prática, do contexto moçambicano,
enfim da própria história moçambicana. E, na mesma senda, o presidente também sabia que
Aquino de Bragança era um intelectual crítico, não dogmático e que não aceitaria a produção
de uma história “oficial”, com o único objectivo de legitimar a ideologia dominante.
Foi assim que Aquino de Bragança, com o apoio do historiador congolês Jacques
Depelchin487, funda em 1980 no Centro, a Oficina de História, um colectivo de jovens
historiadores moçambicanos, como Luís de Brito, Alexandrino José, Yussuf Adam, Isabel
Casimiro, como também de historiadores estrangeiros como Ana Maria Gentil, Valdemir
Zamparoni488 e Gary LittleJohn. Este colectivo pretendia trazer uma nova abordagem no
trabalho do CEA, introduzindo uma pesquisa fundamentalmente histórica, distinguindo assim
do que até então era o foco de análise do Centro: a análise da economia política de
Moçambique, com enfoque na transformação social e condições de produção. Como afirmou
Depelchin, a Oficina de História, “procurava fazer uma recuperação da história nacional e de
resgatar uma história que tinha sido manipulada, esquecida pelo poder colonial em
484
Sociólogo moçambicano, foi durante os anos da “transição socialista”, ministro dos transportes como também
da informação.
485
Entrevista com o autor, Setembro, 2007.
486
JEWSIEWICKI , Bogumil. African Historical Studies Academic Knowledge as 'Usable Past' and Radical
Scholarship. African Studies Review, Vol. 32, nº 3, Dezembro, 1989, p. 1-76.
487
Jacques Depelchin acabara de chegar da Universidade Dar es Salaam onde estivera como docente no período
de 1975 a 1979.
488
Valdemir Zamparoni, na altura ainda um jovem recém graduado em História na Universidade de São Paulo, e
já com um grande interesse pelos estudos africanos, foi então convidado em 1979, (um ano antes da fundação
da Oficina de História) por Aquino de Bragança, que estava de passagem pelo Brasil, a se integrar no CEA
por seis meses. Chegou a Moçambique em Setembro de 1981 e começou a trabalhar na Oficina de História,
onde ficou até 1984. Entrevista com o autor, Agosto, 2007.
167
Moçambique”489.
No mesmo diapasão, Teresa Cruz e Silva também alude a esta preocupação com a
reconstrução da nova historiografia nacional,
489
Entrevista com Jacques Depelchin, março, 2007..
490
Entrevista com Teresa Cruz e Silva, agosto de 2007.
491
A Frelimo não fez menção de forma insistente ao passado pré-colonial, diferentemente por exemplo de alguns
líderes africanos, como Senghor, Nyerere que glorificavam uma África, “tradicional”, comunitária, solidária,
onde não existiriam conflitos de qualquer ordem. O novo poder político em Moçambique apelou mais por um
projeto modernizante, que procuraria construir o “homem novo” e uma sociedade “socialista sem exploração
do homem pelo homem” sem classes.
168
da História492.
Entretanto, era também uma pesquisa que envolveu trabalho de arquivo sistemático,
análise documental e estatística. Como afirmou Yussuf Adam um dos membros fundadores
deste colectivo de pesquisa histórica,
492
,NÃO VAMOS ESQUECER! nº 1, Boletim Informativo da Oficina de História, Maputo, Fevereiro,1983, p.38.
493
Entrevista com o autor, Julho, 2007.
494
NÃO VAMOS ESQUECER! nº 1, Boletim Informativo da Oficina de História, Maputo, Fevereiro,1983, p.4.
495
NÃO VAMOS ESQUECER!,, nº.1, Ano I, Fevereiro, 1983, p.39.
169
No entanto, é preciso referir que a Oficina de História, tinha consciência dos riscos
que uma abordagem exclusivamente biográfica poderia ter na pesquisa como um todo.
Segundo estes, “o método de utilizar a história biográfica do operário, como maneira de entrar
no mundo do trabalhador, contém o risco de dar uma ideia errada das características centrais
da vida do trabalhador”496.”
O historiador, e africanista inglês, Allen Isaacman (1990), foi um dos autores que
também reflectiu sobre a problemática das fontes orais. Segundo ele, uso de biografias e
narrativas orais na historiografia dos estudos africanos, desafiavam o cânone da historiografia
ocidental e o pressuposto de que somente se podia produzir narrativas biográficas dos
“homens de letras”, de personagens ilustres, instruídas, etc., e jamais por exemplo da classe
trabalhadora ou camponesa497. É portanto, no caso particular de Moçambique, que o CEA
vem desafiar esta perspectiva, trazendo através da Oficina de História, relatos do “outro”
excluído da historiografia convencional e no caso de Moçambique colonial. Uma outra forma
de desafiar a historiografia colonial, na óptica da Oficina de História, era de conceptualizar o
grupo dos operários e dos camponeses como “classes produtivas”. Segundo a Oficina de
História, “em Moçambique as classes produtivas devem ser entendidas não somente como
produtores de riqueza material, mas mais importante, como produtoras das zonas libertadas, o
que quer dizer, produtores de um contra-Estado”.498
496
NÃO VAMOS ESQUECER!,, nº2/3, Dezembro, 1983, p.5.
497
Vide, por exemplo, ISAACMAN, Allen. Peasants and Rural Social Protest in Africa. African Studies Review,
Vol. 33, nº 2, Setembro, 1990, p. 1-120.
498
OFICINA DE HISTÓRIA., CEA. Towards a History of the National Liberation Struggles in Mozambique;
Problematics, methodologies, analysis. Reunião de especialistas sobre problemas e prioridades na formação
em Ciências Sociais na África Austral, Maputo, 9-13, de Agosto, 1982.
499
Idem,p.3.
170
revolução500”, por terem sido uma espécie de primeiro ensaio (antes da conquista do poder do
Estado) da FRELIMO, em “governar” as suas populações.
Ana Maria Gentili, historiadora italiana, que tinha estado também a leccionar na
Universidade de Dar-es-Salaam e que em 1981 juntava-se à equipe da Oficina de História, é
quem afirma,
500
OFICINA DE HISTÓRIA. Towards a History of the National Liberation Struggles in Mozambique;
Problematics, methodologies, analysis. Reunião de especialistas sobre problemas e prioridades na formação
em Ciências Sociais na África Austral, Maputo, 9-13, de Agosto, 1982.
501
Idem.
502
Entrevista com Bridget O´Laughilin, agosto, 2007.
171
Para mim foi uma experiência muito dura. Eu não estava habituada a
trabalhar assim. Era uma acadêmica, antes de vir para Moçambique.
Estava mergulhada nos livros, lia todos os livros, tinha uma posição
muito intelectual. Comecei a ter dúvidas na Tanzânia, mas aqui tive
muito mais, porque aqui, na investigação, nós os investigadores,
confrontávamos com as nossas ambiguidades, os nossos problemas, os
nossos privilégios503.
Uma outra razão para criação da Oficina de História esteve ligada às críticas por parte
503
Entrevista com Ana Maria Gentili, junho, 2007.
504
Esta foi uma das frases que João Paulo usou para descrever os conflitos internos do CEA, como também na
sua interacção com outros departamentos da universidade naquele contexto histórico, a quando da conferência
sobre Ruth First realizada em Maputo em Agosto de 2007.
505
Esta questão dos diferentes programas de pesquisa do CEA, como também das “tensões “ entres os vários
investigadores do Centro, serão discutidos com mais detalhe no capítulo nº10.
506
Entrevista com Isabel Casimiro, agosto, 2007.
172
507
Entrevista com Aurélio Rocha, setembro, 2007.
508
Entrevista com Carlos Serra, agosto,2007.
509
Entrevista com o autor, setembro, 2007.
173
jovem em Goa (Índia) e mais tarde em Lisboa, Paris, Rabat e Argel, mergulhou
profundamente no activismo anti-colonial a favor dos países africanos de expressão
portuguesa.
Em 1974 com o fim do colonialismo, Aquino teve um papel central nas negociações
que levariam aos acordos de Lusaka, onde Portugal reconheceu a independência de
Moçambique governado pela FRELIMO. Estávamos então em presença, do segundo papel de
Aquino de Bragança, o de diplomata. Devido à sua integridade e compromisso com a luta
anti-colonial, Aquino tinha conquistado a confiança dos líderes da FRELIMO e especialmente
do presidente Samora, tendo sido em outras ocasiões, chamado para missões diplomáticas em
várias partes do mundo. Depois da independência em 1975, com a FRELIMO no poder,
510
Escreveu sob temas relacionados com os países africanos então colónias portuguesas nos jornais radicais,
“Revolution Africaine” e “Afrique-Asie” e que viria a ter um grande impacto, numa primeira fase, na
formação dos movimentos de libertação e mais tarde numa maior consciencialização do mundo sobre a
legitimidade da luta armada desses movimentos e das atrocidades do colonialismo português.
511
Elogio fúnebre de Aquino de Bragança, por Marcelino dos Santos, In: Research Bulletin – Southern Africa
and the World- Economy, Fernand Braudel Center for study of Economics, historical systems, and
civilizations, State University of New York, Binghamton, New York, USA, Junho, 1987.
512
Aquino de Bragança nasceu em 1928 em Goa, Índia.
513
Entrevista com José Luís Cabaço, setembro, 2009.
174
514
WALLERSTEIN, Immanuel, Southern Africa and the World- Economy. Research Bulletin, Fernand Braudel
Center for study of Economics, Historical Systems, and Civilizations, Binghamton: State University of New
York Press, Junho, 1987.
515
Isabel Casimiro na Conferencia sobre Ruth First, organizada pelo CEA/UEM, Maputo, Agosto, 2007.
516
WALLERSTEIN, Immanuel, op.cit, 1987.
175
O que significava pesquisa histórica objectiva e crítica, num contexto de partido único
e da agravação das condições sociais e econômicas? Quais eram as possibilidades e limites
dessa isenção na pesquisa? Quais os limites da critica aberta, isenta e imparcial em relação a
FRELIMO? Como fazer a crítica da crítica?
Uma das chaves que poderá responder a algumas destas questões pode ser encontrada,
no artigo, “Da idealização da FRELIMO à compreensão da História de Moçambique,517
escrito em 1986, pelos fundadores da Oficina de História, Aquino de Bragança e Jacques
Depelchin. Este artigo é basilar para se compreender os limites do engajamento crítico da
Oficina de História, na análise da realidade moçambicana a partir das prioridades políticas do
Partido/Estado.
Bragança e Depelchin (1986), argumentaram que estes “autores não são neutros e que
517
Vide, ESTUDOS MOÇAMBICANOS, nº 5/6, Maputo: CEA, 1986.
518
Dois autores com grande interesse de pesquisa sobre Moçambique pós-colonial. John Saul, sociólogo
canadiano, tinha estabelecido contacto com a Frelimo, antes da independência, quando este foi convidado por
Samora Machel a visitar as “zonas libertadas” da Frelimo. Nos anos subsequentes à independência nacional,
veio trabalhar em Moçambique como professor, tanto na escola do partido, como também na Faculdade de
Marxismo-Leninismo. Joseph Hanlon, jornalista britânico. James Cobbe, sucintamente descreveu estes dois
autores como red and expert, quer dizer, ambos pesquisadores, tinham conhecimento profundo sobre a
história pós-colonial mocambicana e estavam comprometidos com os objectivos da Frelimo de construir uma
“nação socialista” em Moçambique.
519
Tendo em conta que estes foram os fundadores da Oficina de História do CEA.
176
concordam inteiramente com as opções da FRELIMO”520, sendo esse facto, que na óptica de
Bragança/Depelchin constitui um dos problemas centrais das suas obras. É então este
engajamento (a-crítico) à ideologia da FRELIMO que leva John Saul e Joseph Hanlon a
produzirem uma “crónica de uma historiografia vitoriosa521”, onde são somente abordados os
aspectos positivos da FRELIMO e sempre de uma forma inquestionável, não se detendo no
mais importante, segundo a Oficina de História, que seria a análise das contradições que
levaram a FRELIMO vitoriosa à situação actual522.”
Para Aquino de Bragança e Jacques Depelchin (1986), era preciso formular novas
perguntas, escrevendo deste modo, a história da FRELIMO à luz das contradições que
existem no seio da sociedade moçambicana contemporânea. A análise histórica deveria ir
deste modo, para além da história “oficial”, do “texto inalterável”, aprofundando a crítica e
analisando a “realidade tal como ela é523” e não procurando dar respostas que simplesmente
reforçam a ideologia dominante e não baseadas numa crítica objectiva dessas mesmas
ideologias. Para estes autores, a história oficial tem a “tendência a ser uma história teleológica
e auto-justificativa524”.
520
BRAGANÇA, Aquino; DEPELCHIN, Jacques. Da idealização da Frelimo a compreensão da História de
Moçambique. Estudos Moçambicanos, nº.5/6, Maputo: CEA/UEM, 1986, p.30-52.
521
BRAGANÇA, Aquino; DEPELCHIN, Jacques, op.cit, p.31.
522
Ibid.
523
Ibidem,p.33.
524
Idem.Ibid.
525
Ibidem,p.38.
526
Idem.Ibid.
527
Ibidem, p39.
177
Há ainda uma crítica dirigida à John Saul, pelo facto deste autor, na óptica de Aquino
de Bragança e Jacques Depelchin, reduzir a relação entre ideologia, partido e Estado a um
problema técnico e pedagógico de escolha do melhor método de ensino do marxismo-
leninismo528. Aquino de Bragança e Jacques Depelchin dão o exemplo do enceramento da
Faculdade de Marxismo-Leninismo: para Saul a razão do seu encerramento se devia ao facto
de a referida disciplina ser ensinada de uma “forma abstracta, e desligada das condições
materiais de Moçambique”. Aquino de Bragança e Jacques Depelchin, concordaram
parcialmente com este argumento, porém afirmam que o problema é ainda mais complexo e
tem que ser analisado tendo em conta as contradições e as lutas a nível de toda a sociedade,
pois que a alusão a uma “abstracção ao nível do ensino do marxismo-leninismo” era reflexo
duma divergência mais profunda entre a teoria e prática. Segundo Aquino de Bragança e
Jacques Depelchin, o processo de abstracção do marxismo-leninismo começava primeiro pelo
“afastamento do partido das massas”, onde esta causa principal tem depois efeitos no
ensino529.”
É então a partir desta análise que estes autores fazem aos livros de Saul e Hanlon, que
poderemos surpreender a proposta (teórica e prática) de um ethos científico em relação ao que
deveria ser a postura crítica do trabalho do CEA e, neste caso particular, da Oficina de
História. Em suma, de acordo com o director do CEA, na produção da nova história de
Moçambique pós-colonial, era preciso primeiro começar por uma reanálise da história da
FRELIMO a partir das suas contradições e não de se focalizar exclusivamente nas suas
vitórias, políticas e liderança. Em segundo lugar, esta análise das contradições deveria ser
feita separando aquilo que era a história da FRELIMO como movimento que desencadeou a
luta armada e conquistou a independência, da própria história de Moçambique. Em terceiro,
era preciso sempre ter em conta a análise crítica das relações entre as intenções e a realidade
concreta, desconfiando sempre da “história oficial”, “teleológica e auto-justificativa530”.
Fica no entanto uma questão a ser avaliada: até que ponto estes postulados que
Bragança e Depelchin, propõem na investigação crítica da história de Moçambique, foram, de
facto, inerentes à praxis científica da Oficina de História? Já de seguida iremos apresentar
alguns dos trabalhos históricos realizados pela Oficina e publicados na sua revista, Não
528
Ibidem,p.45-46.
529
BRAGANÇA, Aquino; DEPELCHIN, Jacques, op.cit, 1986.
530
Ibidem, p,33.
178
Vamos Esquecer! e, por último, na secção seguinte531, esses artigos serão criticamente
analisados, tendo como pano de fundo a questão acima delineada.
7.4 Não vamos Esquecer!: História Social Contada pelos “de baixo”
Era uma revista que pretendia chegar a toda a comunidade (diferentemente por
exemplo dos Relatórios de Investigação do CEA, que tinha um público alvo, restrito, ligado
ao aparelho do Estado e membros do governo. Por outro lado, havia também a revista Estudos
Moçambicanos, mais virada para um publico fundamentalmente acadêmico. A Não vamos
Esquecer!, reivindicou uma postura “anti-intelectualista”, dai também ter como um dos seus
objectivos essenciais, encorajar, por exemplo, a produção da história da luta armada, pelas
pessoas que nela participaram. Como observou Ana Maria Gentili, “a revista Não Vamos
Esquecer!, era para os camponeses lerem. A ideia era levar lá e depois vender”532.
531
Intitulado: OFICINA DE HISTÓRIA. O colectivo de artesãos da Oficina: Historiadores como activistas?
Maputo: CEA/OFICINA DE HISTÓRIA, 1983.
532
Entrevista com Ana Maria Gentili, julho, 2007.
533
BALIBAR, Etienne. A forma nação: historia e ideologia: WALLERSTEIN, Immanuel & Balibar, Etienne.
Race, Nation, Class: Ambiguous Identities. London & New York, 1991.
179
narrativas biográficas, entrevistas com antigos combatentes e outros actores que tinham
participado directamente na luta anti-colonial. Para isso, a Oficina de História não deixa
qualquer dúvida sobre a centralidade da luta armada na revista,
Uma outra questão, ainda neste tópico da luta armada, que vai ter particular ênfase na
revista era o tema das “contradições da FRELIMO durante a luta” e que se reflectiam na
polarização de dois grupos antagónicos. Um grupo que pretendia, na visão da Oficina de
História (como também da FRELIMO), reproduzir o sistema capitalista colonial, através da
iniciativa privada, eram rotulados de os “novos exploradores”. De outro lado, encontrávamos
a ala dos “revolucionários”, que pretendiam romper com as formas de acumulação capitalista
e criar uma sociedade socialista. Este tema procurou também servir de ensinamento sobre os
desafios do presente na constituição de novas formas de produção colectiva, da socialização
do campo e cooperativização da produção.
534
NÃOVAMOS ESQUECER nº1 op.cit , p.5.
180
É assim, que o primeiro número vai estar exclusivamente focalizado na história da luta
de libertação nacional, desde o período anterior à formação da FRELIMO. É nele discutido o
contexto no qual surgiram as primeiras formas de mobilização política que culminariam com
a formação dos partidos nacionalistas moçambicanos no exílio, que iriam mais tarde se fundir
na FRELIMO. O segundo e terceiro número, são inteiramente dedicados à “classe
trabalhadora moçambicana”. Há aqui uma tentativa de elaboração da história do proletariado
moçambicano, que surgira segundo a Oficina de História com a presença do capitalismo
colonial estrangeiro. O quarto e último número retomam ao tema clássico da revista, que é a
história da FRELIMO e da luta armada de libertação nacional. Este número é assim dedicado
a questão da produção nas “zonas libertadas” criadas pela FRELIMO durante a luta colonial.
Como podemos depreender estes quatros números estão todos interligados a esta questão da
experiência da luta armada como um dos pontos de referência mais importante para os
desafios do pós-independência. A edição sobre as classes trabalhadoras de certa forma se
relaciona com esta tema, uma vez que de acordo com a Oficina de História,
535
NÃOVAMOS ESQUECER nº1 op.cit, p.23.
536
Idem, Ibid.
537
NÃOVAMOS ESQUECER nº1, op.cit, p.7.
181
O primeiro número da Revista, Não Vamos Esquecer!, traz quatro temas: primeiro, um
artigo sobre as “cooperativas Ligualanilu no planalto de Mueda”; segundo, “Os novos
exploradores”, que são excertos do discurso do presidente Samora Machel em 1974, onde este
faz uma crítica aberta à iniciativa privada, aos comerciantes que, segundo Samora Machel,
praticavam a usura e contrabando de produtos. Ainda segundo o presidente da FRELIMO e
do país, eram estes que “tinham preenchido os lugares dos comerciantes portugueses e tinham
ficado nos lugares dos verdadeiros colonialistas”538. Lazaro Nkavandame, e-xmembro
(sénior) da FRELIMO, e também comerciante, encarnava eloquentemente este perfil do
“novo explorador” do “reaccionário”.
É assim que encontramos nesta primeira publicação, um texto escrito por Eduardo
Mondlane, intitulado, “Notas posteriores sobre a morte de Paulo Samuel Kankhomba”, onde o
fundador da FRELIMO começa por descrever sucintamente alguns aspectos biográficos da
vida de Kankhomba, sua integração na FRELIMO e participação na luta armada. De seguida,
Mondlane discorre sobre os motivos do assassinato de Kankhomba relacionado directamente
com a “ambição pessoal de Lázaro Nkavandame, que queria ter poder absoluto para controlar
toda a província de Cabo Delgado”539. São ainda apresentadas entrevistas com pessoas que
estiveram directamente ligadas ao ex-combatente, como a sua sogra, o presidente da aldeia de
Mtamba, o secretário da Célula da FRELIMO na aldeia de Mpeme e por último dois
participantes da luta armada.
538
Ibidem, p.20.
539
NÃOVAMOS ESQUECER nº1, op.cit, p.27.
182
Encontramos por fim, neste número, mais um artigo540, que vem enfatizar a
centralidade das fontes orais na reconstrução histórica da luta armada na província de Cabo
Delgado e da análise da economia política daquela região, onde se tinha iniciado, pela
primeira vez, o confronto bélico contra o colonialismo português. Para estes historiadores, a
fonte oral constituía “uma oportunidade excepcional de dar a palavra ao povo” e de assim
romper com uma historiografia colonial eurocêntrica, imbuída de distinções e mistificações
sobre Moçambique e seus povos. No caso particular de Cabo Delgado, os historiadores do
CEA afirmavam que existia “muito pouco de útil na maior parte dos casos, nestes livros e
artigos que ilustram a incapacidade do Estado colonial português em penetrar e controlar
efectivamente. Os autores dão o exemplo da caracterização dos Macondes como guerreiros
ferozes, vivendo isolados no Planalto de Mueda com uma forma específica de organização
(sem chefes). Os historiadores reiteram ainda, que é então a partir da revista Não Vamos
Esquecer!, que estas visões distorcidas são postas em questão, a partir da reconstrução da
história a partir dos actores moçambicanos que nela participaram.
O estudo discute ainda as “fontes não publicadas” sobre Cabo Delgado, onde se
incluem quatro grupos principais de entrevistas, nomeadamente os resultados de um projecto
de pesquisa colectiva sob direcção de Aquino de Bragança e Allen Isaacman, sobre a
540
Cabo Delgado: Fontes para uma história da luta armada e para uma economia política do planalto de Mueda”.
183
A escolha deste tema - que não estava directamente ligado ao principal leitmotiv
destes dois números, que era “a produção da história da luta armada” – deveu-se, por outro
lado, às críticas apresentadas pelos leitores da revista, à excessiva ênfase, do primeiro
número, ao estudo da luta armada e, em particular, das “zonas libertadas”, o que demonstrava,
segundo os leitores, uma ”estreiteza do objecto de estudo que excluía, logo à partida, as zonas
sob controlo do governo colonial durante o processo da luta armada543.”
541
NÃOVAMOS ESQUECER nº2/3, Boletim Informativo da Oficina de História, Dezembro, 1983,p.4.
542
Idem, Ibid.
543
NÃOVAMOS ESQUECER, nº 1, Fevereiro,1983, p.3.
184
em que alguns do seus artigos tinham sido produzidos com a “participação activa dos
operários544”. Estes operários tinham, de facto participado como entrevistadores em
colaboração com a equipe da Oficina de História, na definição dos métodos de trabalho e na
recolha de informação nos seus locais de trabalho. Os historiadores do CEA argumentavam,
numa linguagem quase que gramsciniana, que embora embrionária, a experiência tinha
provado, claramente, que os operários eram capazes de realizar trabalhos de carácter
intelectual545, e que este empreendimento científico tinha sido, apesar de tudo, uma pequena
contribuição para a luta contra a divisão de trabalho manual e intelectual, herdada do
colonialismo546.
Há então nestas duas edições da Não Vamos Esquecer! cinco temas centrais: primeiro,
uma introdução que reflectia sobre questões metodológicas e políticas em relação à produção
de uma história da classe operária moçambicana; Segundo, um bloco de entrevistas com
operários de fábricas, como também de trabalhadores migrantes. É nesta secção onde alguns
dos operários tinham também participado como “entrevistadores”. Um terceiro, que abordava
a questão da “classe operária na África do Sul”, seu papel na luta de libertação nacional, como
também do processo de sindicalização, das lutas sindicais e mobilização política do
proletariado e os sectores onde o movimento sindical enfrenta problemas. O quarto tema,
ligado ao período colonial, examinava a problemática do trabalho forçado, as formas de
opressão colonial, como também as formas de resistência e luta dos trabalhadores
moçambicanos face ao sistema colonial-capitalista. O quinto consistia basicamente numa
compilação de canções de trabalho dos estivadores do porto de Maputo
Esta revista inicia com uma pequena introdução à problemática das classes
trabalhadoras moçambicanas. Com o título “Por uma História da classe operária”, este artigo
é o resultado - síntese de um projecto levado a cabo pelo CEA no primeiro semestre de 1980,
onde seguindo as directivas saídas do III congresso da FRELIMO, a Oficina pretendia
alcançar três grandes objectivos de pesquisa: (1), orientar os trabalhadores na recolha de
dados orais numa perspectiva histórica; (2), iniciar os trabalhos no processo de análise
científica dos dados recolhidos e, por último, criar as condições para os trabalhadores
assumirem, dentro das dificuldades existentes, o papel dinâmico não só na recolha como
544
NÃOVAMOS ESQUECER, nº2/3, Dezembro,1983
545
Idem,p.4
546
Idem,Ibid.
185
também na elaboração de textos”547. Estes objectivos estavam, com podemos notar, dentro de
um princípio geral que era o de, “destruir a tradição herdada do sistema colonial-capitalista,
que defendia a divisão entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, que afinal só servia
para encorajar o elitismo e arrogância”548.
Foi então a partir deste “megaprojecto” inovador, que foram envolvidas várias
instituições tais como o Arquivo Histórico de Moçambique, o Departamento de História da
547
NÃOVAMOS ESQUECER nº2/3, op.cit, p.5.
548
Idem, Ibid.
186
UEM e o próprio CEA, que se realizaram várias pesquisas de campo em fábricas e locais de
recrutamento de mão-de-obra para as minas sul-africanas, procurando sempre integrar os
operários e camponeses, na organização, recolha de dados e elaboração do relatório da
pesquisa.
Este é assim mais um estudo levado a cabo pelos investigadores do CEA, que dá
centralidade ao conceito de “resistência” africana, mostrando assim, que apesar do Estado e
burguesia colonial, através do trabalho forçado nas plantações e formas de exploração nas
fábricas e outros lugares, coibirem o “desenvolvimento de formas clássicas de luta”, isto por
si só não implicou uma atitude passiva dos trabalhadores moçambicanos. Pelo contrário, estes
sempre encontraram “formas de oposição ao capital, formas disfarçadas, não dramáticas,
modestas, mas cujos efeitos limitavam a produção de lucros dos capitalistas.550”
O quarto e último número da Não Vamos Esquecer! reapareceu em 1987, quatros anos
depois do seu anterior número e pela primeira vez agora, sem o seu principal impulsionador,
Aquino de Bragança, morto um ano antes juntamente com o presidente Samora Machel, num
misterioso acidente de viação, supostamente com envolvimento do regime sul-africano do
apartheid. A morte de Aquino de Bragança iria ter um grande impacto na Oficina de História,
tanto mais que nenhum outro número da revista iria aparecer. Como afirmaram o colectivo de
historiadores da Oficina de História,
549
Pois que segundo Head, na “historiografia de Moçambique, sobre os últimos 15 anos antes da independência,
havia uma tendência implícita para pensar que os únicos trabalhadores que se organizaram de uma maneira
clássica, contra as condições da sua opressão, tivessem sido o proletariado das cidades, exemplo, os
trabalhadores portuários”. Vide, HEAD, Judith, “Opressão colonial e formas de luta dos trabalhadores – O
caso da Sena Sugar Estates”, Não Vamos Esquecer!, nº 2/3, Dezembro, 1983,pp.39-44.
550
HEAD, Judith. Opressão colonial e formas de luta dos trabalhadores – O caso da Sena Sugar Estates,
NÃOVAMOS ESQUECER nº2/3 op.cit, p.39-44.
188
Este número nº4 da Não Vamos Esquecer! continuou abordando o mesmo tema
“clássico” da Oficina: escrever a história da luta armada de libertação de Moçambique levada
a cabo pela FRELIMO, dando especial ênfase na história das “zonas libertadas”. Desta vez, o
551
NÃO VAMOS ESQUECER nº4, Julho, 1987.
552
Vide, OTTAWAY, Marina. Mozambique: From simbolic socialism to simbolic reform. The Journal of
Modern African Studies,Vol. 26, nº2, junho, 1988, p.211-226.
553
Vide, OTTAWAY, Marina. Mozambique: From simbolic socialism to simbolic reform. The Journal of
Modern African Studies,Vol. 26, nº2, Junho, 1988, p.211-226.
554
Idem.
189
foco central de análise é sobre a “produção, durante a luta armada”. Podemos notar que houve
um fio condutor nas escolhas dos temas de pesquisa: o primeiro, como vimos, tinha se
debruçado sobre o papel das “zonas libertadas” no “experimento” de formas de governação de
“participado popular”. O segundo e terceiro número pretendiam reconstituir a história das
“classes trabalhadoras” em Moçambique, dando particular destaque, ao seu papel na luta
armada, de resistência e luta laboral, como também na organização da produção colectiva no
interior das “zonas libertadas”.
Com o foco principal na produção durante o período da luta armada, este último
número, trouxe ao debate cinco artigos, que pretenderam reflectir sobre as dinâmicas de
produção viradas fundamentalmente para a alimentação dos guerrilheiros nas “zonas
libertadas”. São apresentados dados (principalmente através das entrevistas com actores que
participaram directamente na luta) que tencionavam demonstrar que as formas de poder
popular, as estratégias da produção colectiva e socialização do campo, não tinham sido
realidades “externas” ao contexto moçambicano, mas que tinham surgido no interior do
próprio processo da luta armada.
quadro teórico. Primeiro, elaborar a história das “zonas libertadas” a partir do conceito de
“classes produtoras” na medida em que, segundo este autores, os operário e camponeses de
Moçambique, não somente produziam bens materiais, como também produziram as espaços
livre do domínio colonial e “governados” pela FRELIMO.
Os historiadores do CEA reiteravam ainda neste artigo, que deveria ser privilegiado o
método da história oral, pois que não só resgataria as “vozes silenciadas”, dos guerrilheiros e
operários e camponeses que participaram directamente na luta como também permitiria
romper, como acreditava a Oficina de História com “as práticas anti-democráticas da
pesquisa histórica e acadêmica (burguesa).556” E este tema levou, incontornavelmente a uma
reflexão sobre a utilização, a selecção e limites das fontes históricas. A Oficina de História
apelou para uma análise crítica das fontes escritas, tanto no sentido da tendência para a
“dominação do documento escrito”, como também para se olhar para o seu contexto
ideológico. Umas das fontes privilegiadas por estes historiadores eram as chamadas “fontes
de vanguarda da luta”, que era constituída por elementos da direcção político-militar da
FRELIMO e soldados das forças armadas. Incluíam também as “fontes do lado do inimigo” e
daqueles actores “exteriores à vanguarda da luta” e que eram solidários com a luta de
libertação nacional.
555
Para uma História da luta de libertação de Moçambique, NÃO VAMOS ESQUECER nº4, Julho, 1987.p.7.
556
Ibidem, p.8.
191
O terceiro artigo, “Algumas lições da luta armada”, fez uma reflexão sobre os
ensinamentos da história da luta armada para os desafios do pós-independência,
argumentando que era preciso olhar para este passado de uma forma crítica, focalizando
também nos seus aspectos contraditórios, pois só assim, segundo a Oficina de História se
poderia avaliar a sua real contribuição para os desafios do presente. Daí então a Oficina de
História afirmar, que as próprias “zonas libertadas” tinham sido palco de “interesses de classe
antagónicos aos do proletariado e campesinato”. Existia, ainda segundo a Oficina de História,
uma “pequena burguesia”, que tinha uma visão divergente de como levar a cabo a luta armada
e a organização e planificação da produção.
557
Para uma História da luta de libertação de Moçambique, op.cit, ,p.15.
192
O quarto artigo “A produção das zonas libertadas”, discutia de uma forma detalhada o
contexto do aparecimento das “zonas libertadas” em Moçambique, durante a luta armada, em
três diferentes províncias de Moçambique (Cabo Delgado, Niassa e Tete). É dada particular
ênfase na questão das campanhas de produção, das formas de organização da produção e das
contradições de “classe”, com o surgimento por exemplo, nas primeiras “zonas libertadas”,
em Cabo Delgado, dos “novos exploradores”, que emergiram nas próprias dinâmicas do
aumento da produção e organização em moldes colectivos. Segundo a Oficina de História,
estes “novos exploradores”, liderados por Lázaro Nkavandame, estavam mais preocupados
com o seu enriquecimento pessoal do que para o benefício colectivo da comunidade. É a
partir daí que o “ embate entre duas linhas ideológicas” na FRELIMO se agudizam, no II
Congresso deste partido, realizado em 1968. Nas próprias palavras dos historiadores do CEA,
Encontramos, por ultimo, o artigo “Trabalhar para quem?”, que trouxe à discussão a
questão da integração do campesinato na economia do trabalho forçado durante o período
colonial. O texto apresentou, a partir de depoimentos orais de alguns dos intervenientes, as
condições de trabalho durante o período colonial, as razões que levavam este camponeses a
emigrarem para os países fronteiriços, como também os conflitos de integração destes
trabalhadores nos países vizinhos. O texto mostrou também como se tinha dado a evolução da
consciência de luta destes trabalhadores moçambicanos em relação as distintas formas de
exploração que vinham sofrendo, mostrando assim que a criação das cooperativas esteve
intimamente ligada a uma forma de consciência de luta.
Este artigo, como muitos outros publicados na Não Vamos Esquecer!, não restringiu a
discussão sobre o conceito de ”exploração” unicamente para o contexto colonial,
conceptualizando também esta questão na própria história da luta armada e das contradições
internas no seio da FRELIMO. O objectivo final foi então, “pedagógico”, no sentido de
mostrar os perigos da sua continuidade no pós-independência e na construção do socialismo
em Moçambique. Foi assim que a questão dos “conflitos de interesse de classe”, entre a linha
representada pelos “novos exploradores” e a linha “revolucionária” engajada com as massas
se tornou num tema recorrente em todos os números da revista. E, neste caso, a questão de
“trabalhar para quem?” se punha novamente no pós-independência, uma vez que ainda
encontrávamos vestígios da estrutura de classes herdadas do aparelho colonial. Neste sentido,
para a FRELIMO, o pós-independência significou também uma maior atenção ao “inimigo”
representado pelos “ novos exploradores”, “que se aproveitavam das formas de organização
cooperativa e da produção do campesinato para enriquecer.560”
560
Ibidem, p.30.
561
NÃO VAMOS ESQUECER! nº 1, Boletim Informativo da Oficina de História, Maputo, Fevereiro,1983, p.6
194
ao romper com a historiografia colonial, construía uma história social “dos debaixo”562, dando
assim centralidade às “vozes subalternas” - os camponeses, operários, mulheres e
combatentes da luta de libertação – e assim descobrir, desvendar, compreender e interpretar as
experiências dos moçambicanos que viveram sob dominação colonial.
O uso de dados orais tornou-se um dos meios fundamentais para colocar os actores
históricos moçambicanos no “palco da história”. Os depoimentos destes camponeses,
operários e guerrilheiros, que como vimos, foram publicados em todas as edições da Não
vamos Esquecer!, ajudaram a reescrever e a reflectir sobre a história de Moçambique a partir
de uma perspectiva africana, quer dizer, “uma história contada por aqueles que a viveram563”.
O uso, por exemplo, de testemunhos em forma de “canções”, com foi apresentado na edição
nº1 de 1983 (“Canção de trabalho de Estivadores”), não só foi uma forma de mostrar as
condições de trabalho dos migrantes, suas preocupações, sofrimentos, estratégias e formas de
resistência, como também, colocado num campo mais geral da historiografia pós-colonial,
como um contraponto crucial em relação às narrativas dominantes564.
Nestes artigos publicados na revista da Oficina de História, a tónica foi sempre posta a
partir da fundação da FRELIMO. Os artigos começavam por fazer uma reflexão a partir do
nascimento da FRELIMO e da sua liderança no processo da luta armada, como também, por
volta do ano 1968, na edificação das “zonas libertadas”, numa primeira fase, em duas
províncias do país, Cabo Delgado e Niassa (daí se tornarem os lugares privilegiados da
pesquisa empírica da Oficina de História).
Foi então a partir deste contexto, que a Oficina de História aborda a questão das
“contradições” da história da FRELIMO. Segundo os historiadores do CEA, à medida que se
iam organizando as “zonas libertadas”, conflitos ideológicos no interior da FRELIMO, acerca
não só da organização das “zonas libertadas”, como também do próprio movimento e da sua
562
A Historiografia de África a partir dos anos 60 e 70 esteve dominado pelos estudos sobre a resistência ao
domínio colonial onde emergiram pesquisas que tinham como ponto de partida os africanos, que tinham sido
marginalizados pela “História Imperial”. É neste contexto que começa a emergir a necessidade de escrever a
história africana a partir “dos de baixo”, que dizer, resgatar estas vozes africanas de camponeses, operários,
que tinham sido “silenciados” no período colonial. Vide, COOPER ,Frederick. Conflict and Connection:
Rethinking Colonial African History. The American Historical Review, vol. 99, No. 5, Dezembro, 1994, p.
1516-1545. ISAACMAN, Allen. Peasants and Rural Social Protest in Africa. African Studies Review, vol.
33, nº. 2, Setembro. 1990, p. 1-120; VAIL ,Leroy, White ,Landeg. Forms of Resistance: Songs and
Perceptions of Power in Colonial Mozambique. The American Historical Review, vol. 88, nº. 4, Outubro,
1983, p. 883-919.
563
Ibidem, p.23
564
Vide, ALINA - PISANO, Eric. Resistance and the Social History of Africa. Journal of Social History, vol.
34, nº 1, 2003, p.187-198.
195
565
É de referir que esta obra não é inteiramente de John Saul. Este autor foi o editor e escreveu a primeira parte
do livro (The context: colonialism and Rrevolution)e a ultima parte, o posfácio, sobre os Acordos de Nkomati
e suas repercussões. A segunda parte do livro contém 6 casos de estudos de outros autores, basicamente
cooperantes que trabalharam durante vários anos em Moçambique e particularmente nos sectores onde
baseiam seus estudos.
566
Vide, BRAGANÇA & DEPELCHIN. Da Idealização da Frelimo a compreensão Da Historia de Moçambique,
Estudos Moçambicanos nº 5/6, Maputo: CEA, UEM,1986, p.29-52.
196
Olhando atentamente para os artigos publicados nos quatros números desta revista,
podemos então descortinar uma tendência do colectivo de História (como também de Saul e
Hanlon) em contribuir - ainda que em alguns momentos a partir de uma abordagem critica e
iconoclasta da experiência moçambicana - para o estabelecimento das “narrativas estatais”
sobre a história de Moçambique568 e, neste caso particular, sobre a história da luta armada.
Encontramos tanto nos trabalhos da Oficina de História, como também nas obras em
discussão de Saul e Hanlon, uma análise da história de Moçambique a partir de uma lógica
que começa primeiro por abordar a questão da opressão e exploração colonial passando pela
fundação da FRELIMO, do desencadeamento da luta armada, das diferentes formas de
resistência, de rebelião (“o massacre de Mueda”, por exemplo) e que tem como clímax, a
independência nacional e dos desafios da “transição socialista”.
Olhando para as três edições desta revista, encontramos uma maior ênfase nos
“grandes heróis” da “revolução” moçambicana, pese embora encontramos também nestas
edições, entrevistas com pessoas comuns – operários e camponeses que tinham resistido ao
colonialismo. Mas foi de facto o privilégio de figuras singulares na descrição da experiência
da luta armada que predominava. Encontramos, por exemplo, na revista nº1 e nº 3 a biografia
do ex-combatente, membro da FRELIMO e chefe provincial das operações, Paulo Samuel
Kankhomba, mostrando como o seu engajamento revolucionário e intrepidez de carácter
seriam um exemplo a seguir no pós-independência.
567
NÃO VAMOS ESQUECER! nº 1, 1983,op.cit.
568
A produção dos volumes, História de Moçambique pelo Departamento de Historia é sintomático desta
necessidade de construir narrativas oficiais, estatais, enfim de um discurso hegemónico sobre a história de
Moçambique.
569
O artigo de Allen Isaacman, “Peasants and Rural Social Protest in Africa”, é uma das grandes referências na
literatura sobre “Resistência. Vide também, KLAAS van Walraven/ John Abbink. Rethinking Resistance in
African History: An introduction. ABBINK, Jon, de BRUIJN, Mirjam & WALRAVEN, Klaas ( eds).
Rethinking Resistance: Revolt and violence in African History, Leiden: ed. Koniklijike, 2003.
197
Houve assim uma tendência de olhar para as acções dos camponeses e operários
inseridos no mundo colonial, como que representando formas coesas e monolíticas de luta ou
e resistência à dominação colonial. Deixando também de explorar, as próprias estratégias
individuais destes actores em termos de acumulação de capital, sustento familiar etc. É certo,
que em alguns momentos estas pessoas resistiam ou colaboravam (como muito bem mostrou
a Oficina de História no seu artigo “Os novos exploradores). Todavia, estavam também
presentes, um complexo muito vasto de actividades humanas, como por exemplo, “actos de
negociação570”, ou mesmo de “estratégias de sobrevivência” que nem sempre caíam em
categorias de “dominação”, “resistência” ou “colaboração” e que poderiam ajudar a produzir
uma paisagem cognitiva mais completa da realidade. Por exemplo, numa das entrevistas
efectuadas pela Oficina de História a um dos trabalhadores migrantes moçambicanos, o
entrevistado contou como um dos seus companheiros, refreia a sua a curiosidade de querer
saber como funcionavam os elevadores no interior das minas afirmando: “fazes muitas
perguntas. Lembra-te que vieste aqui por dinheiro e nada mais”571.
570
Vide, ALINA - PISANO, Eric. Resistance and the Social History of Africa. Journal of Social History, vol.
34, nº 1, Special Issue, 2003, p.187-198.
571
“A Primeira Viagem ao Rand”, NÃO VAMOS ESQUECER, nº2/3, Dezembro, 1983, p.37.
198
Uma outra limitante desta abordagem sobre a resistência” dos actores africanos, com
particular enfoque nos seus “heróis”, é o de dar pouca atenção à questões de gênero, como por
exemplo, análises sobre o papel da mulher na luta de libertação nacional572 etc. O historiador
e africanista, Frederick Cooper, foi um dos autores que reflectiu sobre esta exclusão de
abordagens sobre a mulher nos primeiros anos da historiografia pós-colonial, onde reiterava
que “ as meta narrativas das vitórias nacionalistas – e muitas das histórias de “resistência” têm
sido freqüentemente contadas como histórias de homens, impregnada, muitas das vezes, com
um “ar machista” nessas narrativas de confrontação573.
É no entanto Eric Alina-Pisano, quem nos mostra de forma mais elaborada a ineficácia
do uso exclusivo do paradigma da “resistência, colaboração, dominação” para capturar toda a
gama de intenções e acções dos actores africanos. Como observou este autor,
572
Houve, no entanto, um pequeno artigo da Oficina sobre a “Participação da Mulher na Luta Armada”, que foi
apresentado numa reunião da UNESCO, sobre “mulher no desenvolvimento”, ocorrida em Bissau nos anos
80. (Entrevista com Isabel Casimiro, agosto, 2007).
573
COOPER, Frederick. Conflict and Connection : Rethinking Colonial African History. The American
Historical Review, vol. 99, nº5, Dezembro, 1994, p.1516-1545, p.1523.
574
ALINA - PISANO, Eric, op.cit, 2003.
575
Vide, JEWSIEWICKI, Bogumil. African historical studies – Academic knowledge as “usable past” and
radical scholarship. Afriican Studies Review, Vol.32, nº3, 1989, p.1-76.
199
576
Entrevista com a autora, junho, 2007.
577
Jean Copans foi um dos autores que se debruçou sobre as implicações teóricas e políticas do uso do conceito
de classes em África. Na óptica deste autor, classe continua sendo a importação de um item “luxuoso”. Vide,
COPANS, Jean. The Marxist Conception of Class: Political and Theoretical elaboration in the African and
Africanist Context. Review of African Political Economy, nº32, Abril, 1985, p.25-38.
578
Vide, PENVENNE ,Jeanne Marie. African Workers and Colonial Racism: Mozambican Strategies and
Struggles in Lourenco Marques, 1877-1962. The International Journal of African Historical Studies, vol. 29,
No. 1 (1996), pp. 173- 175; SANDBROOK, Richard & COHEN, Robin, (Eds.). The Development of an
African Working Class: Studies in Class Formation and Action. Toronto: University of Toronto Press 1975;
NZUKA, A.T, POTEKHIN, LI., ZUSMANOVICH, A.Z.. Forced Labour in Colonial Africa, London: Zed
Press 1979. COHEN, Robin, GUTKIND, Peter, BRAZIER, Phyllis, (eds.), Peasants and Proletarians: The
Struggles of Third World Workers, New York: Monthly Review 1979. GUTKIND, Peter, COHEN, Robin,
COPANS, Jean, (eds.), African Labor History , Beverly Hills: Sage 1978. PERRINGS, Charles, Black
Mineworkers in Central Africa , London: Heineman, 1979.
200
A Oficina de História olhou para esta questão a partir das “lentes” da FRELIMO,
onde este grupo de “colaboradores” era simplesmente visto, como “reaccionário,” “inimigo
do povo”, e “anti-revolucionário”. Não houve assim, uma tentativa de conceptualizá-los como
estando inseridos num espaço mais alargado e dinâmico que envolvia, estratégias individuais,
actos de negociação580 e de sobrevivência, não necessariamente ligados a uma oposição
política ao partido no poder. A preocupação do CEA, na interpretação histórica e explicação
dessa “colaboração” esteve, deste modo, ligada a uma tentativa de se aliar ao poder do Estado
e do que este considerava como a narrativa histórica “oficial”. A esse propósito, Richard
Roberts, já argumentava que “as narrativas estatais servem para promover um sentido de
poder de Estado e legitimação e como consequência, silenciar leituras alternativas e narrativas
do passado.”581
579
ROBERTS, Richard. The Peculiarities of African Labour and Working-Class History. Labour / Le Travail,
Vol. 8/9, 1981 - 1982, p. 317-333.
580
ALINA - PISANO, Eric, op.cit, 2003.
581
ROBERTS, Richard. History and Memory: The power of statist narratives. The International Journal of
African Historical Studies, vol.33, nº 3, 200, p.513-522.
201
Houve no entanto alguns temas “tabus” na Oficina de História, que nem por isso
deixaram de ser perscrutados pelos autores de A Difficult Road e Revolution Under Fire. Os
dois autores apresentam de forma detalhada, os “erros” da actuação da FRELIMO, no que
concerne à questão da centralização excessiva do partido e governo, os abusos de poder,
autoritarismo da FRELIMO, evacuação forçada de desempregados da capital, açoitamentos
públicos como também a introdução da reintrodução da pena de morte em Moçambique583.
582
Vide, ROBERTS, 2000, op.cit.
583
Segundo clarence-Smith, a pena de morte tinha sido abolida pelo colonialismo português já no século
XIV.Vide, CLARENCE - SMITH, Gervase. The third Portuguese empire, 1825-1975 – A study of economic
imperialism. Manchester, Manchester University Press, 1988.
202
A divulgação dos trabalhos científicos do CEA foi realizada de quatro modos. Havia
os “Relatórios de Investigação” saídos do Curso de Desenvolvimento e na sua maioria
“encomendados” pelos órgãos do governo, como ministérios, empresas estatais, direcções
províncias, etc., e que eram vendidos ao público. No entanto, havia dentro destes, alguns de
difusão mais “restrita” que iam directamente para “às mãos” dos tecnocratas e dirigentes do
partido. Em segundo lugar, havia pequenos ensaios, resenhas ou artigos, de “circulação
interna,” (no CEA e em outras faculdades) também produzidos pelo CEA, sobre temas
directamente ligados aos conteúdos do Curso de Desenvolvimento e que eram usados pelos
seus estudantes. Uma terceira forma de divulgação científica do Centro era como vimos
anteriormente a revista Não Vamos Esquecer! que pretendia chegar a uma audiência mais
alargada, incluindo a população não universitária.
A quarta e última forma de divulgação científica do CEA foi a sua revista semestral584
Estudos Moçambicanos, fundada em 1980. Esta publicação tinha como grupo alvo, estudantes
do ensino médio, universitário, professores, funcionários públicos, mas também uma
audiência internacional585. Acabou sendo de facto, uma das formas mais profícuas que o
Centro encontrou de expor as suas pesquisas e permitir que se abrisse um espaço de debate de
ideias, tanto a nível local como internacional sobre a realidade moçambicana, tendo sido
considerada como “a maior expressão organizada de contribuição para o debate histórico e
sociológico em Moçambique.586”.
584
A revista nem sempre conseguiu publicar os seus números duas vezes por ano. Com o assassinato de Ruth
First em 1982, a publicação nº5/6 só viria a sair em 1986 e o número a seguir 4 anos depois (1990).
585
Era intenção do CEA publicar também em língua inglesa, contudo somente foi publicada a nº 2, de 1981.
586
BUSSOTI, Luca. Saber, Cidadania e Dependência – Estudos sobre a sociedade moçambicana
contemporânea. Torino : L´Harmattan, 2008, p.14,
203
das lutas de libertação contra a África do Sul. Esta reflexão sobre a actualidade moçambicana
pressupunha examinar as peculiaridades do colonialismo português em Moçambique e os
processos de integração da economia moçambicana no subsistema da África Austral,
dominado pelo capitalismo sul-africano. Neste sentido, não era propriamente uma revista de
análise histórica, apesar de encontrarmos em todos os textos uma preocupação com os
métodos da história, como também de vários artigos escritos por jovens historiadores
moçambicanos. Mais do que uma revista acadêmica, a Estudos Moçambicanos pretendia ter
um enfoque de intervenção na realidade social, tentando assim contribuir, através da análise
crítica das políticas de desenvolvimento socialista da FRELIMO. Daí a revista enfatizar no
seu primeiro número que os diversos artigos publicados, reflectiam uma preocupação em
tentar confrontar,
E é ainda no primeiro número da revista, que o CEA explicitou o seu modelo teórico,
Podemos surpreender três grandes temas presentes em todos os números da revista nos
primeiros dez anos da sua história. Em primeiro lugar nos deparamos com a questão da
transformação socialista de Moçambique com particular enfoque na estratégia de
transformação rural de “rumo ao socialismo”. Este tema se desdobrava em questões mais
práticas ligadas às formas de tornar bem sucedidas a socialização do campo. Por exemplo, no
estudo sobre a diferenciação social e interesses do campesinato, no âmbito da construção das
aldeias comunais e cooperativização do sector familiar. Encontrávamos também estudos
empíricos sobre o processo de construção das aldeias comunais, das machambas estatais, da
agricultura familiar, do desenvolvimento de novas formas de produção, como por exemplo as
aldeias comunais em Mueda, Chokwé, etc. A pesquisa sobre estas políticas de
desenvolvimento da FRELIMO implicou por outro lado, uma ênfase também na publicação
589
Revista Estudos Moçambicanos, nº,1981,UEM,CEA,Maputo.
590
Repetidamente aludidos por exemplo pela revista de história do CEA, Não Vamos Esquecer.
205
No CEA, Manghezi iria estabelecer, logo depois da sua chegada, uma “secção
especial593” que lidava com o tema da metodologia da história oral. Esta pesquisa oral
591
Manghezi tinha sido convidado pela MAGIC - tal como muitos outros investigadores estrangeiros do CEA –
para vir trabalhar no novo Moçambique pós - independente. Chega ao país em 1976 tendo sido inicialmente
colocado no departamento de história da UEM. Por sugestão de Ruth First, Manghezi iria em 1979, transferir-
se para o CEA.
592
A sua tese de doutoramento foi publicada em livro, em 1976, como o título, Class, Elite and Community in
African Development. Seu argumento principal nesta obra era de que os modelos convencionais da análise
social ocidental não somente não tinham relevância para as sociedades africanas mas que de facto
intensificavam os problemas que eles propunham resolver nessas sociedades. Como forma de sair desse
impasse, Manghezi defendia a introdução de abordagens teóricas radicais para análise social e superação do
subdesenvolvimento. Um tema, é preciso frisar, que vinha fazendo parte da retórica frelimista em relação ao
corte radical com os métodos da historiografia colonial e que através da aliança entre teoria e prática (no
sentido de olhar a especificidade do contexto moçambicano) se pudesse construir um novo conhecimento
social sobre Moçambique e que pudesse também contribuir para a transformação socialista.
593
Entrevista com o autor, 28/05/2010.
206
594
É de referir o facto de que Manghezi era dos poucos investigadores do CEA que falava e escrevia
fluentemente a língua Shangana, dai a sua mais valia na recolha de informação com o campesinato
moçambicano que na sua maioria não falava português.
595
Vide, “A voz do Mineiro”, ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº 1, 1980.
596
Vide, “O Trabalho forçado por quem o vivei”, ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº 2, 1981.
597
Vide, “A Mulher e o Trabalho”, ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº 3, 1981.
598
Vide ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº4, 1983.
599
Dan O’Meara, e João Paulo Borges Coelho por exemplo, afirmaram que o trabalho de Manghezi era de certa
forma marginalizado pelo grupo da Ruth First.
600
Para uma leitura mais atenta sobre o pensamento de Cabral, Vide, CABRAL, Amilcar. National Liberation
and Culture. Transition, nº. 45, 1974, p. 12-17; CHILCOTE, Ronald H. The Political Thought of Amilcar
Cabral. The Journal of Modern African Studies, vol. 6, nº. 3, Outubro, 1968, p. 373-388; KARIAMU, Welsh
– Asante. Philosophy and Dance in Africa: The views of Cabral and Fanon. Journal of Black Studies, vol.21,
nº 2, Dezembro, 1990, p.224-232.
601
Vide, ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº3, 1981, p.45-56
207
O primeiro número da revista saiu em 1980 e seguindo a linha teórica do CEA, vai ter
como tema central a economia colonial portuguesa e seu impacto em Moçambique, tanto em
termos de como Portugal “subdesenvolveu” Moçambique a la Walter Rodney; como também
na dependência econômica de Moçambique à economia capitalista sul-africana.
602
ESTUDOS MOÇAMBICANOS, nº.1,1980,p.23.
208
Assim, para Marc Wuyts o primeiro período que ia de 1885-1926 estaria dominado
pelo capital estrangeiro (não-português); o segundo de 1926-1960 era caracterizado como a
fase do nacionalismo econômico português sob liderança do ditador António Salazar; o
terceiro, de 1960 - (1963/64) 1973 seria a fase da crise do Salazarismo e da reestruturação do
capital. É a partir desta periodização histórica da presença colonial portuguesa em
Moçambique, que todos os trabalhos sobre a economia política do colonialismo português
levados a cabo pelo CEA se vão basear. Como podemos depreender, este artigo de Wuyts,
mais do que descrever um contexto histórico específico de Moçambique, pretendia fornecer
um quadro teórico que pudesse analisar e interpretar o impacto da estrutura colonial-
capitalista em Moçambique.
603
Idem, Ibid..
209
(1980), foi uma das primeiras análises históricas sobre Moçambique colonial, produzidas no
pós -independência, que mudava a ênfase no impacto de Portugal na colônia, para uma maior
focalização na integração de Moçambique no subsistema regional dominado pelo capital sul-
africano. Segundo Luís de Brito, o erro de muitos estudos anteriores se devia ao facto de se
circunscreverem simplesmente à análise das políticas coloniais e de não procurarem estudar
previamente a sociedade colonial em termos de dominação capitalista, das formas que esta
assume e dos mecanismos que lhe asseguram a sua reprodução604. Para Luís de Brito, a
debilidade da industrialização portuguesa e a dependência em relação a Inglaterra iria ter
efeitos profundos na gestão colonial de Moçambique. Não dispondo de capital para investir
nas suas colônias, Portugal tornou incapaz de explorá-las de forma efectiva, acabando por ter
um papel de “arrendatário”, submetido aos interesses do capital estrangeiro605.
Neste artigo, Luís de Brito apresenta aquilo que seria os principais aspectos da
estrutura da economia colonial de Moçambique: uma importante penetração de capital
estrangeiro não-português com grande margem de manobra em relação ao poder colonial;
uma importante “exportação de mão-de-obra; uma rede ferroportuária destinada
fundamentalmente a servir o exterior606. São estes aspectos que na visão deste autor, iriam se
traduzir numa “radical integração e dependência de Moçambique em relação ao complexo da
África Austral e particularmente ao seu principal centro de acumulação capitalista, a África
do Sul607”.
604
Idem,p.24.
605
Vide, BRITO, Luís de. Dependência colonial e integração regional. Estudos Moçambicanos nº 1, 1980,
Maputo : CEA,UEM, , p.23-32.
606
BRITO, 1980, op.cit, p.26.
607
BRITO 1980, op.cit. p.27.
210
Este artigo fazia parte de todo um contexto político, onde a nível governamental,
Moçambique discutia a questão da sua dependência econômica em relação ao capital sul-
africano. A questão por exemplo, da necessidade ou não, de se efectuar um corte radical com
fluxo de mão-de-obra migrante para as minas da África do sul, era de facto um tema actual do
debate. Daí então Luís de Brito advertir, que com a conquista da independência nacional se
tenha tornado mais difícil quebrar os laços de dependência regional (daí então o grande
desafio que seria quebrar essa dependência estrutural) do que os que ligavam Moçambique a
Portugal609”.
608
BRITO, 1980, op.cit. p.32.
609
Ibidem, p.27.
610
BRAGANÇA Aquino de. Savimbi – Itinerário de uma contra-revolução. Estudos Moçambicanos nº2, 1981,
p.87-104., p.89.
211
também uma análise bibliográfica sobre documentos do partido FRELIMO. Por fim, são
incluídas também neste número, uma série de entrevistas com as vítimas do trabalho forçado.
Para esta autora a existência destas duas formas específicas de exploração da força de
212
Este artigo, como muitos outros produzidos pelo CEA, no pós-independência, dava
também ênfase às estratégias de resistência dos trabalhadores negros moçambicanos contra o
Chibalo. A autora alude, por exemplo, as deserções de trabalhadores para os países vizinhos à
procura de melhores condições salariais, como também a outras formas de estratégias
empregues por estes trabalhadores, como “biscates”, “sistema de gorjeta” etc. Por fim, a
autora discute a questão da repercussão que esta forma de exploração do trabalho teve no
desenvolvimento de uma classe operária moçambicana. Para Penvenne, este sistema tinha
impedido o desenvolvimento de operários negros especializados. Tinha sido assim um sistema
“utilizado para manter a classe operária marginal e sem força.” Para esta autora, mais do que
criar uma “classe operária”, o Chibalo tinha mantido os trabalhadores negros moçambicanos
na condição de “operários-camponeses612”.
611
PENVENNE, Jeanne. Chibalo e Classe Operária, 1870-1962. Estudos Moçambicanos, nº2, Maputo:
UEM/CEA,1981.
612
PENVENNE, 1981, op.cit, p.26.
213
Habermeier não deixa no entanto de analisar, de forma crítica, a relação ente Estado e
camponeses cooperativistas, afirmando que a falta de experiência e formação técnica e
organizacional (dos camponeses), deu lugar a um apoio (do Partido/Estado) “um tanto ou
quanto paternalista614” Ainda segundo este autor, “em vez de capacitar os camponeses a gerir
e planificar eles próprios a sua produção colectiva, a actuação do Estado tendeu a perpetuar a
dependência”.615 Enfim, para este autor, um dos principais travões para um desenvolvimento
mais rápido do movimento cooperativo era devido à “capacidade de apoio limitada e mal
dirigida do aparelho do Estado616.” Habermeier termina o artigo, dando recomendações ao
poder de como contornar a fraca aderência dos camponeses à produção colectiva. Nas
palavras de Habermeier, a solução “exige antes de tudo um esforço gigantesco de
mobilização, formação, organização e planificação por parte do Partido e do Estado617.”
613
HABERMEIER, Kurt. Algodão: Das concentrações a produção colectiva. Estudos Moçambicanos, nº.2,
Maputo: UEM/CEA,1981,p.42.
614
HABERMEIER, 1981, op.cit, p.56.
615
Idem, p.55.
616
Idem, p.57.
617
Ibid.Idem.
618
De acordo com Brazão Mazula, cumprindo a orientação do III Congresso, o Partido divulgou, em 1980, o
Plano Prospectivo Indicativo (PPI). O PPI apresentou-se como um plano de ajuste da situação econômica e de
modernização da sociedade. Definia metas e idealizava grandes projectos econômicos pela indústria pesada
que aceleraria a socialização do campo, criaria bases para a eliminação do subdesenvolvimento em dez anos,
e, assim, situaria o país ao nível dos países desenvolvidos. Ainda segundo este autor, o PPI reproduzia, na
prática, o modelo de desenvolvimento dos países socialistas. A Frelimo pretendia dar «o grande salto» para o
socialismo. Criava-se a ilusão, como possibilidade racional" de o subdesenvolvimento ser vencido numa
década e o sucesso da educação resultar do rápido desenvolvimento econômico. Essa ilusão enquadrava-se,
também, no espírito triunfalista que ainda predominava na Frelimo. Vide, MAZULA, Brazão. Educação,
Cultura e Ideologia em Moçambique: 1975-1985, ed. Afrontamento, Lisboa 2004.
214
política da FRELIMO para a transformação da agricultura como também para o seu objectivo
maior da “transição socialista”. Daí então encontrarmos como tema central deste terceiro
número: a socialização do campo e planificação”. Aquino de Bragança e Ruth First na
redacção do editorial tornam ainda mais nítido o carácter aplicado da pesquisa social do CEA
e a sua articulação com as prioridades políticas do desenvolvimento da sociedade, e que vale
apenas citar demoradamente,
Encontramos assim neste número dois artigos que abordam esta questão da
transformação social da agricultura, mas são também publicados artigos sobre variados temas.
619
ESTUDOS MOÇAMBICANOS, nº.2,UEM,CEA,1981,p.2
620
“Constelação de Estados da África Austral”.
621
“Conferência de Coordenação do Desenvolvimento da África Austral”.
215
Moçambique” de Bridget O’Laughilin622 (1981). Este é mais um texto que traduz claramente
a postura de “engajamento crítico” do CEA (que será discutido mais detalhadamente no
último capítulo). Neste artigo, a autora reflecte sobre uma das grandes preocupações do
governo na altura, que era de aferir os motivos do fracasso da edificação das aldeias comunais
em algumas regiões, da fraca participação camponesa, como também do persistente domínio
da produção individual familiar em detrimento da política da produção colectiva e
cooperativa. Para esta autora, as suas causas estavam relacionadas com a natureza da estrutura
de classe rural deixada pela dominação do capitalismo colonial em Moçambique, mas
também “ com a falta de tomada de consciência do carácter urgente da cooperativização,
como tarefa imediata da revolução, por alguns sectores do próprio aparelho do Estado623.”
622
Pesquisadora do CEA e docente do Curso de Desenvolvimento.
623
O’LAUGHLIN, Bridget, A Questão agrária em Moçambique, Estudos Mocambicanos, nº.3,UEM,CEA,1981,
p.27.
216
O artigo de Bridget O’Laughilin não deixa assim, de ser também uma crítica ao
desempenho do partido/Estado onde, segundo esta autora, em alguns sectores da estrutura do
Estado estavam ainda influenciados por essa “visão dualista” da estrutura de classes no
campo, tendo assim impacto na produtividade dos movimentos cooperativos. A crítica desta
investigadora do CEA, é incisiva neste aspecto,
No final, Bridget O’Laughilin acaba apoiando a linha política da FRELIMO, que via o
sector agrícola estatal como o instrumento por excelência, que poderia transformar a
economia rural. Daí a autora afirmar, que só poderia haver transformação da economia
política rural, quando se privilegiasse a cooperativização da agricultura e o alargamento do
sector estatal agrário; uma vez que ambas eram parte intrínseca do mesmo processo de
superação das condições de produtividade e estrutura de classe herdadas do colonialismo
português. O artigo, termina deste modo, defendendo a “necessidade histórica da
cooperativização do campo e a sua posição numa estratégia total de transformação socialista”.
625
ESTUDOS MOÇAMBICANOS, nº3,UEM,CEA,1981, p.27.
626
A questão da importância do sector estatal, será também assunto de um outro artigo de autoria de Marc Wuyts
publicado no mesmo número: “Sul do Save: estabilização e transformação de força de trabalho” fala-nos da
importância do sector das machambas estatais e da formação de um forte proletariado agrário como base da
construção do socialismo em Moçambique.
627
Segundo Aquino de Bragança no Editorial deste número.
218
ano de 1981, é somente publicada dois anos depois, em 1983 e com a particularidade de ser o
primeiro número sem a presença de Ruth First. Como sabemos, assassinada em Agosto de
1982 nos escritórios do CEA, através de uma encomenda armadilhada enviado pelo regime
sul-africano do apartheid. O CEA ressente-se profundamente desta perda. E é pela mão de
Aquino de Bragança, no Editorial deste número, que notamos este facto,
Pela primeira vez, o nome de Ruth First não figura na nossa ficha
editorial. O seu assassinato, através de uma bomba armadilhada, deve
ser interpretado também como um atentado contra o CEA. Um vazio
imenso foi criado dentro de nós, que com ela diariamente convivíamos
e trabalhávamos.628
628
ESTUDOS MOÇAMBICANOS, nº 4, 1983.
219
Esta edição de 1983, continuou pondo a ênfase em temas ligados aos desafios do
presente. Encontramos por exemplo, artigos que discutem as estratégias de sobrevivência
contra a fome no sul de Moçambique, como também a questão da comercialização de milho
na Zambézia. Não deixa no entanto de também publicar artigos sobre a economia política do
colonialismo em Moçambique, como foi o caso por exemplo do artigo de Yussuf Adam e Ana
Maria Gentili intitulado “O Movimento dos Liguilanilu no Planalto de Mueda, 1957-1962”629,
que mostra como a base do nacionalismo em Moçambique não era algo endógeno ou elitista,
mas que pelo contrário, estava profundamente ligada a actividade dos camponeses. O artigo
argumenta ainda que os camponeses do planalto de Mueda, no norte de Moçambique tinham
já um tipo de associação política tendo se tornado num terreno fértil na emergência da
FRELIMO como movimento de libertação nacional.
Aparece neste número uma nova rubrica, “Critica e Comentário”, que pretendia,
segundo o CEA, “tornar a Estudos Moçambicanos um palco de debate e critica630”. Este
espaço começa assim com uma resenha crítica de Judith Head e David Hedges, sobre o livro
“Capitalism and Colonialism, de Leroy Vail e Langed White. A principal crítica a obra refere-
se ao facto de os autores não terem usado o conceito de “exploração” e de “lutas de classes”,
para explicar o papel do Estado colonial como também de aclarar a sua derrota pela
FRELIMO. Colin Darch apresenta mais uma vez neste revista, uma análise bibliográfica,
desta vez, apelando a necessidade de se examinar de forma crítica, as fontes oficiais e
estatísticas coloniais, quando se aborda a história colonial em Moçambique.
Há ainda neste número dois textos fulcrais para se entender melhor esta questão do
engajamento crítico do CEA e da submissão das prioridades de pesquisa às prioridades
políticas. Um dos artigos é o discurso inaugural do reitor Ganhão na reunião de peritos sobre
Ciências Sociais intitulado “Problemas e prioridades na formação em Ciências Sociais.” O
segundo artigo é de autoria de Maureen Mackintosh, investigadora associada ao CEA,
chamado, “Comércio e acumulação: a comercialização do milho na Alta Zambézia." Estes
dois artigos inserem-se na nova dinâmica de pesquisa do CEA de abordar temas actuais e
urgentes no debate sobre os grandes desafios da transição socialista me Moçambique.
629
Este texto é discutido de forma mais pormenorizada na secção sobre a Oficina de História.
630
ESTUDOS MOÇAMBICANOS, nº 4,1983,UEM,CEA, “Editorial”.
220
Como forma de ilustrar melhor a conexão entre e a teoria e prática, Ganhão discorre
sobre o percurso biográfico de Eduardo Mondlane e os vários constrangimentos que este
encontrou na busca de uma educação formal condigna. Foi a partir daí então que começou a
surgir, gradualmente, uma maior consciencialização da necessidade de lutar contra o domínio
colonial, tendo culminado com a fundação da FRELIMO e o desencadeamento da luta
armada. É a partir deste exemplo, que Fernando Ganhão argumenta que a génese da teoria
deve também ser parte das lutas sociais e políticas e não algo exclusivamente ligado ao meio
acadêmico e ao ensino formal. Neste sentido, na óptica de Fernando Ganhão, deveria haver
sempre uma teorização a partir da prática. Este vai-se tornar num dos pressupostos do
trabalho do CEA de pesquisa em Moçambique, com especial destaque paras o seu “Curso de
pós-graduação em Desenvolvimento”, que, como vimos, sempre procurou aliar a teoria à
prática, onde o trabalho de campo colectivo e sistemático se tornou no símbolo ex-líbris do
CEA.
Por fim, Fernando Ganhão discute a questão das escolhas das prioridades da pesquisa,
insistindo na necessidade de abordar problemáticas de carácter imediato, muitas das quais
relacionadas com o desafio das lutas de libertação dos países da África Austral em relação ao
sistema do apartheid sul-africano. Segundo o Reitor da UEM, “existe a necessidade urgente
631
ESTUDOS MOÇAMBICANOS, nº 4,1983,UEM,CEA,p. 5.
632
Ibidem,p.7.
633
Ver, ESTUDOS MOÇAMBICANOS, nº 4,1983,UEM,CEA, p.7.
221
O CEA não vai ficar alheio a estas propostas apresentadas pelo Reitor, principalmente
o grupo de pesquisa sobre a Africa Austral, que de facto tinha como pressuposto teórico
básico a análise de Moçambique (em “transição para o socialismo), da África do Sul e da
Namíbia no contexto das dinâmicas sociais, políticas e econômicas que se vivia em toga a
região austral, dando primazia àqueles tópicos de carácter “urgente” para os desafios da
construção do socialismo em Moçambique, como também na luta de libertação nacional dos
países vizinhos. É preciso no entanto referir que havia excepções, como por exemplo, as
pesquisas levadas a cabo pelo “Oficina de Historia” (particularmente sobre a experiência da
luta armada nacional, protesto social, resistência etc), alguns trabalhos realizados no âmbito
do Curso de Desenvolvimento que abordavam questões pontuais da realidade moçambicana,
como por exemplo, a “socialização do campo”, “transformação rural” ou mesmo a
“desagregação” das aldeias comunais.
E foi esta “falta de uma política activa” em relação ao comércio privado, que originou
uma renovação da acumulação em mãos privadas. Como afirmou Maureen Mackintosh,
“constatamos em 1981, que se estava a processar uma reintegração entre o comércio e a
agricultura privada.”636 Realça ainda a autora, “os comerciantes deste distrito estão a
consolidar-se, enquanto nova classe empregadora, expandindo a agricultura privada,
634
ESTUDOS MOÇAMBICANOS, nº 4,1983,UEM,CEA, p.16.
635
Vide, ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº 4, 1983.
636
MACKINTOSH, op.cit, 1983, p.92.
222
A autora afirma que o Estado pós-colonial deveria ter uma política mais activa de
comercialização para não criar condições próprias à especulação de preços e ao
desenvolvimento do mercado paralelo, que somente beneficiava o comércio privado em
detrimento do sector estatal. Argumenta ainda, que a política comercial da FRELIMO teve o
efeito - não desejado - de aumentar as dificuldades da empresa estatal de comércio e
contribuir para colocar nas mãos dos comerciantes privados mais fundos, à custa tanto do
sector familiar de produtores, como dos consumidores.638
637
Ibidem, p.93.
638
Ibidem, p.94.
639
Este tema será elaborado com mais detalhe, no último capítulo.
640
MACKINTOSH, 1983, op.cit. p.100
641
Ibidem, Idem.
223
Advertia ainda Maureen Mackintosh que uma política comercial inerente à “transformação
socialista” deveria envolver incentivos para o aumento da produção do sector familiar e
permitir que o excedente investível gerado fosse colocado ao serviço do sector cooperativo
em termos de meios de produção, comércio e processamento642. Esta seria a única forma, de
acordo com a autora, de se poder controlar o mercado agrário, permitindo que o sector
familiar e cooperativo se beneficiasse mais do que o sector privado, criando assim uma
estrutura de comércio em moldes socialistas.
642
MACKINTOSH, 1983, op.cit. p.101.
643
ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº 5/6, 1986,”Editorial”.
224
644
Para uma discussão mais atenta sobre esta questão das reformas políticas em Moçambique, Vide,
OTTAWAY, Marina. Mozambique: from symbolic socialism to symbolic reform. The Journal of Modern
African Studies, vol. 26, nº2, June, 1988, pp.211-226; PITCHER, Anne. Transforming Mozambique: the
politics of privatization, 1975-2000, Cambridge University Press, 2002.
645
Este texto, como vimos, foi discutido na secção sobre a Oficina de História.
225
agrícolas do país. Segundo Hermele, “esta iniciativa foi resultado de uma política colonial
consciente para fixar agricultores brancos a terra, de modo a salvaguardar a presença no poder
colonial da colônia numa área tão vasta quanto possível646.” E é precisamente no período
colonial que o autor situa a emergência das contradições sociais e das lutas pela terra no vale,
contradições estas advindas da natureza e organização social do colonato, que se caracterizava
pela “divisão racista” entre colonos brancos, que detinham as melhores terras e a maior parte
dos instrumentos de produção e os “colonos negros”, com menos terras e poucos instrumentos
de produção.
Com a independência e o fim dos colonatos, deu-se o êxodo de grande parte dos
colonos portugueses do Vale do Limpopo e onde muitos dos colonos negros e outras
646
HERMELE, Kenneth. Lutas contemporâneas pela terra no Vale do Limpopo – Estudo de caso do Chokwé,
Moçambique (1950-1985). Estudos Moçambicanos, nº 5/6, UEM, CEA, 1986, Maputo.
226
populações circunvizinhas se fixaram nas melhores terras, com o intuito de se tornarem, nas
palavras de Hermele, nos “verdadeiros colonos”. Esta situação, segundo Hermele, iria mais
tarde criar tensões com o Estado Freliminiano e a sua politica das machambas estatais e
produção colectiva.
Como afirmou Hermele, a FRELIMO em 1977, no seu III Congresso, decide criar o
CAIL, transformando o antigo colonato do Limpopo, numa “empresa estatal”. Hermele
aponta precisamente este ano de 1977 como significando um ponto de mudança decisiva.
Primeiro porque foi o ano em que seguindo as directivas do III congresso a FRELIMO
“apontava inequivocamente para as machambas estatais e cooperativas e a constituição das
aldeias comunais como fundamentais para o desenvolvimento agrícola647.” Segundo, porque
nesse ano, o Vale do Limpopo tinha sido considerado como o “celeiro da nação”, e a grande
esperança no aumento da produção agrícola. Em terceiro lugar, 1977 foi o ano em que o país
foi assolado pelas cheias onde grandes áreas do vale ficaram inundadas.
De acordo com o investigador do CEA, esta situação iria também forçar as populações
a serem realojadas nas terras altas, onde estariam as aldeias comunais. As machambas estatais
e cooperativas passaram assim a ter prioridade em termos das melhores terras do vale, e todas
aquelas terras subaproveitadas (na maioria nas mãos dos camponeses), seriam transferidas
para as machambas estatais ou cooperativas. Na mesma senda, as populações que se
recusassem a aderir poderiam, segundo directiva da FRELIMO, ser sujeitas a “medidas
administrativas (ou seja a força)648” É assim que Hermele acaba argumentado que o conflito
entre os camponeses e o Estado acabou sendo também um conflito entre a agricultura
individual e a agricultura colectiva.
647
HERMELE, 1986, op.cit. p.63.
648
Ibidem, p.65.
649
Ibidem, p.63.
650
Ibidem, Idem.
651
Ibidem, p.,66.
227
que tiveram as suas origens no período colonial e que teriam sido agravadas pela política da
FRELIMO no pós-independência, que dava prioridade às machambas estatais e cooperativas.
Keneth Hermele defende, que a sua ênfase nos factores sociais e políticos para
explicar o fracasso do CAIL, procurava se distanciar de autores que olhavam para a questão
do grau de mecanização da agricultura no pós-independência, como a causa principal da crise
de produção. Sem contudo pôr de lado o problema da mecanização, Keneth Hermele defende
que esta posição tendia a sobrevalorizar as limitantes técnicas em detrimento dos factores
socioeconômicos e políticos652.” Uma posição aliás, que tinha também sido defendida em
1979, por Marc Wuyts,653 que argumentara que a produtividade era mais do que tudo,
socialmente e não tecnicamente determinada. Estes autores salientavam que o grau de
mecanização, em alguns aspectos, não tinha ultrapassado o existente no período colonial.
Sem no entanto pôr de lado a questão da mecanização como um dos factores para o
falhanço do CAIL, Hermele defende que para se ter um entendimento mais completo do
fenómeno é preciso tomar em consideração as contradições políticas e sociais que estas
empresas estatais projectadas pela FRELIMO encerravam. Segundo Hermele, “os
camponeses do Limpopo não estavam interessados em trabalhar na machamba estatal, nem
em viverem nas aldeias comunais. Nem mesmo após as cheias registadas em 1977, eles
tinham vontade de serem removidos para as áreas seguras656.” A transferência dos
camponeses para as aldeias comunais, depois das cheias de 1977, também, segundo Hermele,
652
Ibidem, idem.
653
Vide, WUYTS, Marc. On the question of mechanization of Mozambican agriculture today: some theoretical
comments, Maputo: UEM/IICM/CEA, 1979.
654
Ibidem, idem.
655
HERMELE, 1986, op.cit, p.67.
656
HERMELE, 1986, op.cit, p.67.
228
não melhorou a sua situação, pelo contrário, piorou ainda mais, uma vez que estas aldeias
“caracterizavam-se por uma escassez geral, uma falta de orientação e organização e,
finalmente, por um estado generalizado de fome657.”
Kenneth Hermele critica ainda a forma como o estudo explicava as causas do fracasso
do CAIL. Como afirmou o autor, “os problemas enfrentados eram explicados pela falta – ou
chegada tardia – de sementes, pesticidas, adubos, ou mesmo da falta de equipamento
operacional, de trabalhadores sazonais para a ceifa etc.659 Para Hermele ainda que todas estas
razões arroladas pelo estudo do CAIL contenham elementos que deviam ser considerados na
análise do falhanço desta empresa estatal, “a razão básica, no entanto, deveria ser procurada
no processo de criação e nas raízes do CAIL”.
É aqui onde o argumento central de Hermele se encontra com toda uma perspectiva
teórica do CEA, durante esta fase de “transição para o socialismo”: investigar primeiramente
a estrutura concreta da economia rural herdada, como também a natureza da crise da
economia capitalista colonial depois da independência660. Daí então Hermele argumentar que
as razões do “fracasso do CAIL” deveriam ser procuradas, tendo em conta três factores.
Primeiro, as “contradições implantadas na área – sobrepostas numa velha estrutura social
diferenciada – com a instalação do Colonato; segundo, as forças representadas pelos colonos
moçambicanos e camponeses em regime de fruição; terceiro, a expulsão subsequente destes
agricultores e a sua reinstalação após as cheias de 1977. No final, o autor acaba enfatizando
que “todos estes factores considerados em conjunto seriam suficientes para explicar a razão
657
Ibidem, p.68.
658
Ibidem, Idem.
659
HERMELE, 1986, op.cit, p.67.
660
Vide, WUYTS, Marc. On the question of mechanization of mozambican agriculture today: some theoretical
comments, Maputo: UEM/ IICM/CEA, 1979.
229
Robert Davies termina o seu artigo discutindo o futuro da África do Sul, prevendo em
primeiro lugar que a curto prazo o regime ainda teria capacidade de mobilizar repressão
suficiente para impedir certas forças de acção e organização de massas. O autor conclui com
661
HERMELE, 1986, op.cit. p.69.
662
HERMELE, 1986, op.cit.p.74.
663
Ibidem, Idem.
664
Este texto tinha sido primeiramente apresentado no “Seminário Internacional sobre a paz”, em Maputo, de 9
a 11 de Julho de 1985.
665
DAVIES, Robert. O Apartheid em fúria: Uma análise das acções o regime de Botha na conjuntura actual.
Estudos Moçambicanos, nº 5/6, 1986.
230
um vaticínio que se ia concretizar anos mais tarde: “ele poderá indubitavelmente cometer
mais atrocidades contra os povos não só da África do Sul como da África Austral. Porém, no
fim será impotente para resistir à entrega do poder666.”
Estas duas edições, publicadas dez anos depois do seu primeiro número, continuariam
fiéis à filosofia do CEA de olhar para a realidade moçambicana no contexto da África Austral
e das lutas de libertação nacional contra o regime sul-africano. No entanto, pode-se notar,
666
DAVIES, Robert, 1986, op.cit, p. 182.
231
nesta primeira edição pós-Aquino, uma maior preocupação com temas ligados à política
externa de Moçambique, às questões estratégicas em relação a África do Sul como também,
pela primeira vez, a estudos da área militar. A predominância deste tipo de abordagens nesta
nova fase da história da Estudos Moçambicanos, deve ser entendida tendo em conta as
mudanças que se operaram dentro e fora do Centro. Com o desaparecimento físico de Aquino
de Bragança, a FRELIMO nomeia como director do CEA, Sérgio Vieira, um Coronel (na
reserva) e membro do Comité Central da FRELIMO.
Nota-se nesta nova fase da revista o prenúncio de novos desafios para um futuro ainda
incerto, tanto a nível interno, no CEA, como também no contexto social e político do país. E
começa logo, pelo punho do novo director, no editorial do nº7, arrolando uma série de
factores, como reorganização do Centro e a escassez de meios financeiros, que determinaram
o não aparecimento regular da revista. Encontramos já algumas mudanças significativas nas
duas edições “pós-Aquino”: o desaparecimento de termos com uma forte conotação marxista
presente em quase todos os editoriais da revista, como estratégia de cooperativização do
campo667” “transformação socialista668” “conquista do poder pelos operários-camponeses669”,
“aliança de classes” “luta de classes670” etc.
A lógica do discurso parece agora estar mais ligada aos desafios do presente e não
mais numa “utopia” a fazer advir. Parafraseando Jean-François Lyotard (1990), diríamos que
estávamos em presença do fim da “meta-narrativa671,” de um grande projecto, que era o da
construção do socialismo em Moçambique. É assim, que Sérgio Vieira, afirmava, no editorial
da sétima edição, “ amiséria quase impossibilita a definição de prioridades reais e assim,
muitas vezes, a ciência e cultura embora indispensáveis, são relegadas a segundo e terceiro
planos em nome da sobrevivência imediata”672.
Este período pós-Aquino, vai assim ser palco de mudanças significativas tanto a nível
667
ESTUDOS MOÇAMBICANOS (EM), nº2
668
Ibidem, EM nº 3
669
Ibidem, EM nº4
670
Ibidem, EM nº3
671
Vide, LYOTARD, Jean – Francois Lyotard. A Condição Pós – Moderna. Lisboa : Gradiva, 1989.
672
ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº 7, 1990.
232
673
Vide, Editorial da ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº 8, 1990.
674
Para uma leitura mais atenta sobre a privatização em Moçambique, vide, CRAMER, Christopher.
Privatization and Adjustment: A hospital pass?. Journal of Southern African Studies, Vol. 27, nº1, 2001, 79-
103. PITCHER, Anne, op.cit, 2002.
675
Curiosamente é na fase “pós Ruth”, que temas ligados a África do Sul tiveram maior destaque na revista.
233
(1977-1989); e o artigo de Mário Pinto de Andrade (1990), “veterano das lutas de libertação
das ex-colônias portuguesas676”, escritor, sociólogo e investigador associado do CEA. Este
intelectual angolano, já tinha colaborado com Centro na altura do Curso de Desenvolvimento,
dando um curso sobre os movimentos de libertação nas ex-colônias portuguesas.
Há ainda um artigo, escrito por Mac Maharaj (1990), cientista político, economista,
membro do ANC679 e investigador associado do CEA, intitulado, “Determinantes Internos da
Política Externa de Pretoria de 1977 a 1989.” Mac Maharaj neste artigo, apresentado num
seminário em Maputo, realizado em homenagem a Aquino de Bragança e Ruth First, examina
alguns dos factores internos que estavam por detrás da guerra não declarada do regime do
apartheid aos países da região. A audiência pretendida do texto de Maharaj também não
permite ambiguidades: “nós que estamos engajados na luta para eliminar o apartheid, total e
completamente.680“
O autor traça o percurso histórico da política interna do regime do apartheid, que tinha
procurado, ainda no período colonial, manter alianças com as potências coloniais como forma
de expandir e assegurar a sua dominação política e econômica da região austral. O seu
objectivo era assim o de criar uma constelação de Estados regionais sob tutela da África do
Sul. Mac Maharaj discute ainda as mudanças de estratégia do regime de Botha, a utilização de
676
ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº 8, 1990.
677
As ordens do discurso do “Clamor Africano”: continuidade e ruptura na ideologia do nacionalismo.
678
Ver, As ordens do discurso do “Clamor Africano”: continuidade e ruptura na ideologia do nacionalismo,
Revista Estudos Moçambicanos, nº 7,1990,UEM,CEA,Maputo, p.9-27.
679
Em 1994, na nova África do Sul do governo de unidade nacional, Maharaj foi nomeado ministro dos
transportes.
680
ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº 7,1990,UEM,CEA,Maputo. p.98.
234
681
MAHARAJ, Mac. Determinantes Internas da Política Externa de Pretoria. Estudos Moçambicanos nº 7,
1990, p.117, Maputo: CEA, p.95-118.
235
director do CEA, Sérgio Vieira, como também “África do Sul e seus vizinhos. Estratégias
regionais em confrontação”, de Thomas Ohlson, investigador sueco, perito na área de “paz e
conflito” e recentemente admitido no CEA. Robert Davies (1990), investigador do “Núcleo da
África Austral”, assina mais um texto sobre os possíveis cenários pós-apartheid na região
austral. Encontramos, no entanto, dois artigos mais direccionados para o contexto
moçambicano. Um estudo de Marc Wuyts que reflecte sobre os constrangimentos e as
alternativas políticas face ao programa de reajustamento estrutural iniciado após as
negociações com as instituições do Bretton Woods682. E, por fim, o artigo de Teresa Cruz e
Silva sobre a história da FRELIMO, com particular enfoque no papel da rede clandestina em
Lourenço Marques nos anos 1964-65.
Encontramos nos artigos de Thomas Ohlson, como também de Sérgio Vieira, uma
alusão (pela primeira vez abordado pelo CEA), ainda que breve, ao tema da “guerra de
desestabilização”. Até então, esta questão nunca tinha sido, abordada como objecto
682
“Gestão econômica e política de reajustamento em Moçambique”.
236
O artigo de Thomas Ohlson e Sérgio Vieira vão reflectir nitidamente esta ênfase nas
dinâmicas externas da guerra civil em Moçambique. Ohlson discute alguns aspectos das
estratégias regionais em confronto (na sua dimensão militar, econômica e politica) utilizadas
tanto pelo “inimigo comum” a África do Sul, como pelos países vizinhos. Estes autores dão
maior ênfase ao contexto regional, examinando a politica de desestabilização econômica e
militar do regime sul-africano. Segundo eles essa estratégia tinha como objectivo enfraquecer
a economia do país e perpetuar a sua dependência em relação ao governo de minoria branca
sul-africana, “forçando a FRELIMO a seguir uma política mais submissa aos desejos de
Pretoria”685.
A criação do MNR, na óptica de Thomas Ohlson, fazia parte de uma estratégia militar
“para impedir a recuperação econômica de Moçambique e tornar inviável a cooperação
econômica regional686.” Daí Thomas Ohlson, afirmar que os instrumentos de desestabilização
usados pela África do Sul contra Moçambique serem uma mistura de coerção econômica e
agressão militar. Para Thomas Ohlson este movimento de resistência, não passava de
“bandidos armados”, “terroristas” debaixo do controlo da África do Sul, sem nenhuma base
683
Segundo Colin Darch, José Mota- Lopes que chegou a ser Editor da Estudos Mocambicanos tinha declarado
a um Diário português em Maio de 1986, “ que a Renamo não existia e que era uma “ficção, servindo a
política sul-africana”. Ver, DARCH, Colin. Are warlods in provincial Mozambique? Questions of the social
base of MNR banditry. Review of African Political Economy ,nº 45/46, Militarism, Warlods and problems of
Democracy, 1989, p.34-49.
684
A questão do nome da organização foi amplamente discutida por vários autores. Segundo, Darch
(1989),HALL, (1990), e YOUNG (1990), até 1982, a organização era referida como MNR um acrónimo
inglês para Movment of National Resistence. A designação de RENAMO é vista por esses autores como uma
forma desta organização politica mocambicanizar-se.
685
ESTUDOS MOÇAMBICANOS, nº 8, 1990, UEM, CEA, p.41.
686
Ibidem, Idem.
237
social de apoio no campo. Na mesma senda, Sérgio Vieira, no seu artigo também publicado
neste número, vai utilizar a mesma linguagem ao falar deste movimento, definindo a situação
de guerra em Moçambique como de “banditismo”. Como afirmou Sérgio Vieira, “não existe
qualquer programa ou esforço de mobilização política quer da população, quer dos próprios
recrutas.687”
Assim, podemos então considerar que até aos anos 1990, a pesquisa sobre as
dinâmicas internas e a antropologia da guerra contra a RENAMO era de facto um tema “tabu”
no CEA. O mais surpreendente é que este tipo de abordagem tenha se mantido dominante
dentro do CEA, mesmo depois de autores como Christian Geffray e Morgens Pedersen, terem
conduzido trabalho de campo688 no distrito de Erati na província de Nampula, onde acabam
argumentando de que, (pelo menos nesse distrito,)689 havia evidências que a RENAMO
poderia ter sido capaz de assegurar algum tipo de base social. Segundo estes autores, a
politica de reunir os camponeses em aldeias comunais do governo teria criado
descontentamento das populações rurais do distrito e levado a uma crise social. A RENAMO,
explorava estes potenciais conflitos ao prometer por exemplo a restauração do poder para os
antigos chefes tradicionais ou incentivando as populações a deixarem as aldeias comunais e
regressarem as suas terras antigas.690 Michel Cahen, também tinha sustentado
(cautelosamente, no entanto), em 1987, que a guerra em Moçambique estava num processo de
mudança de uma guerra de agressão para guerra civil691.
A Estudos Moçambicanos desde a sua fundação que procurou ser uma revista
interdisciplinar. Os textos publicados cobriam, de facto, uma gama variada de áreas
disciplinares tradicionais: abordagens mais do campo da sociologia sobre a transformação
687
Ibidem, p.78.
688
Foram mais posteriormente publicados como, Transformação da organização social do campo e diferenciação
social, Maputo, Março 1985, e, Nampula en Guerre, Politique Africaine 29, MarÇO, 1988. também
publicado como Sobre a guerra na província de Nampula, Revista Internacional de Estudos 4/5, Janeiro –
Dezembro 1986, apud, DARCH, Colin (1989).
689
Segundo, autores como DARCH (1989), HALL (1990) YOUNG (1990), Geffray foi muito cauteloso em
termos que querer generalizar o que aconteceu em Erati para todo o país.
690
Ver, YOUNG (1990), HALL (1990).
691
Vide, CAHEN, Michel. Check on Socialism in Mozambique: What Check? What Socialism?. Review of
African Political Economy, nº 57, julho, 1993, p. 46-59.
238
Eram utilizados conceitos como forças e relações de produção, socialização dos meios
de produção, Estado, relações de classe, etc. Asseverava ainda o CEA, “uma análise
materialista assenta, afinal, numa insistência de que é artificial e arbitraria a separação entre
os aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais de um mesmo todo.”693 Em segundo
lugar, notamos também a preocupação da revista em estabelecer uma ligação íntima entre a
teoria e prática, através da produção de estudos de caso, indo desde a análise da performance
de uma machamba colectiva até por exemplo a investigação do sistema de transporte na
região da África Austral. Como vimos na secção anterior, estes estudos envolviam pesquisa
de campo aliado a um trabalho de arquivo e análise documental colectiva.
Podemos por outro lado surpreender também três grandes temas predominantes no
percurso intelectual da revista, desde a sua fundação até aos finais dos anos 1990. O primeiro
tema estava relacionado com a reconstrução da história de Moçambique, a partir da presença
colonial portuguesa em Moçambique, culminando com um especial enfoque na experiencia da
luta de libertação nacional desencadeada pela FRELIMO. É dentro deste tema que
692
ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº 1, 1980, Editorial.
693
Ibidem, Idem.
239
O segundo tema girava em torno das dinâmicas econômicas e políticas dos países da
região austral, tendo como principal vector a sua integração na economia sul-africana. Este
tema vai-se desdobrar também em estudos sobre as estratégias políticas e econômicas e
militares, usadas pelo regime do apartheid, como forma de garantir a sua hegemonia regional,
como também, em última instancia, de desestabilizar todos os Estados da região que não
entrassem em “sintonia” com as suas políticas. Encontramos assim, artigos como, “A luta
pelo futuro da África Austral: As estratégias dos CONSAS e SADCC,”695 do Núcleo da
África Austral, como também artigos individuais, como foi o caso da análise de Mac Maharaj
sobre as dinâmicas internas da política externa da África do sul.
694
Vide, ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº8, 1990.
695
Ibidem, nº3, 1981.
696
Vide, ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº 4, 1983.
697
Ibidem, nº2. 1980
698
Vide, CEA. Strategies of Social Research in Mozambique”, Review of African Political Economy nº 25,
1982, p.29-39, p.35.
240
A tentativa de Ruth First de, através da revista, “construir uma economia política de
Moçambique699” privilegiando temas directamente ligados à transformação socialista da
produção, não permitiu de facto uma abordagem holística da sociedade, para além daquela
prometida pela economia política. Esta abordagem holística iria permitir por exemplo olhar
para a guerra pós-colonial em Moçambique, não só a partir dos seus factores externos, mas
também, e mais importante ainda, a partir das suas dinâmicas internas envolvendo assim
factores culturais, sociais, econômicos e políticos no interior do campesinato moçambicano.
Portanto, podemos então argumentar, que mesmo apesar de os seus fundadores reiterarem que
a revista utilizaria “um método interdisciplinar, tentando efectuar uma análise integrada da
sociedade moçambicana700”, a Estudos Moçambicanos não conseguiu reconhecer os méritos
de uma abordagem, “não-marxista”, ligada por exemplo aos estudos culturais, antropológicos,
da teoria da ordem social etc. Podemos até surpreender este exclusivismo no uso da análise
materialista da sociedade moçambicana, quando o reitor da UEM e fundador do CEA,
Fernando Ganhão, afirmava que “teoria da ordem social”, era “uma das teorias mais
reaccionárias da ciência social burguesa.701”
699
Vide, ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº1, 1980, (o “Editorial” foi escrito por Ruth First).
700
Vide, “Editorial”, Estudos Moçambicanos nº1, 1980.
701
Idem.
241
É ainda Teresa Cruz e Silva quem não deixa de reconhecer a mais-valia que tinha sido
a presença de Ruth First no CEA, “com Ruth First nós aprendemos o método, como trabalhar,
como interrogar (…) ela era organizada, metódica, sistemática, exactamente o oposto de
Aquino de Bragança”704. Os entrevistados, não deixaram também de relacionar a sua
“personalidade forte” com o aparecimento de ressentimentos e tensões entre os investigadores
do Centro, como também com outros departamentos de pesquisa e ensino da UEM. A
propósito, Teresa Cruz e Silva vai afirmar que, “ havia uns certos conflitos por causa da
personalidade dela. Ruth First, com aquele seu feitio e aquela sua maneira de comando, não
aceitava muito bem as pessoas da Faculdade de Letras, como também da Faculdade de
Economia”.705
702
Entrevista com Dan O'Meara.
703
Entrevista com Ana Maria Gentili, Junho, 2007.
704
Entrevista, Agosto, 2007.
705
Entrevista com Teresa Cruz e Silva, agosto, 2007.
242
E O’Meara vai ainda mais fundo afirmando que Ruth chegou ao ponto de conotar uma
provável posição contrária à sua, como um indicador de que o interlocutor não estava
suficientemente comprometido com o socialismo e a “linha de classe” da FRELIMO. Num
contexto de Moçambique profundamente politizado, um tipo de refutação com esta tinha
indubitavelmente um poder de intimidar qualquer um dos participantes. É de referir que não é
intenção deste estudo discorrer sobre questões de foro psicológico sobre a personalidade de
Ruth First, mas tão-somente, tentar compreender como o contexto social e político da
construção do socialismo em Moçambique e ao mesmo tempo da luta de libertação nacional
do ANC teriam jogado um papel fundamental na forma como esta investigadora levou a cabo
o seu trabalho na direcção científica do CEA. Não podemos assim separar a Ruth First,
activista política, membro do ANC e do partido comunista sul-africano de Ruth First
investigadora e directora científica de um Centro de investigação e pesquisa. Esta intelectual
procurou sempre conciliar o seu trabalho de pesquisa e ensino em prol da “revolução
moçambicana”, com os objectivos da sua luta como militante do ANC. João Paulo Borges
Coelho sintetizou de forma clara a influência destas duas personas de Ruth First quando
afirmou,
Ruth acreditava que o seu trabalho na direcção da pesquisa no CEA iria também
contribuir para a luta do ANC. Estando de facto num país independente e engajado numa
alternativa socialista, esta experiência política dos moçambicanos de gerir um país soberano
poderia ser instrutivo para os membros do ANC na luta clandestina e no futuro almejado de
uma África do Sul livre. O trabalho de pesquisa do Núcleo da África Austral iria também
produzir “inteligência política”, para o governo moçambicano e para o ANC709, uma vez que
Moçambique tinha assumido como sua a luta do povo sul-africano. A propósito desta ligação
entre pesquisa cientifica e luta política, O’Meara afirmou mais uma vez que Ruth First,
Ruth First, conhecida nos corredores do CEA como “a dama de ferro711”, com a sua
708
Entrevista com o autor, agosto, 2007.
709
O’Meara mencionou a propósito que muitas das pesquisas realizadas pelo Núcleo eram usadas como fonte de
debate e discussão dentro do ANC sobre a evolução da sociedade sul-africana e, particularmente, as reformas
a serem introduzidas pelo governo de P.W. Botha. Entrevista com o autor, Julho, 2007.
710
Entrevista com O'Meara, agosto, 2007.
711
Entrevista com Isabel Casimiro, agosto, 2007.
244
712
Entrevista, agosto, 2007.
713
Entrevista com Dan O´Meara, julho, 2008.
245
Habermeier. No entanto, este último iria deixar o CEA mais cedo, nos princípios dos anos
1980.
De uma forma geral, Marc Wuyts e Bridget O´Laughlin eram de longe a grande
influência intelectual de Ruth First. Quer dizer, enquanto Ruth First fornecia a linha política e
disciplina (muito do respeito nutrido por ela advinha disso), a análise da sociedade
moçambicana vinha fundamentalmente de Marc Wuyts e Bridget O´Laughlin. Marc, como
macro-economista, segundo Luís de Brito, a “alma teórica do CEA,714fornecia um
entendimento coerente sobre a evolução econômica de Moçambique e dos problemas criados
pela economia colonial, como também pelas políticas da FRELIMO.
A criação da Oficina de História, pode então ser lida como uma forma de Aquino de
714
Entrevista com o autor, março, 2010.
715
Poderíamos também acrescentar a agrónoma inglesa Helena Donly, não obstante ter chegado ao Centro muito
mais tarde, em 1980. Donly também providenciou à Ruth, um melhor entendimento da agricultura em
Moçambique.
716
Entrevista com Isabel Casimiro, agosto, 2007.
717
Entrevista com a autora, agosto 2007.
246
Bragança garantir um espaço de manobra, (fora da alçada de Ruth), nas escolhas dos objectos
de pesquisa do Centro e parafraseando Pierre Bourdieu, se concentrar na produção de capital
simbólico, ao fazer também pesquisa científica. No mesmo diapasão, os pesquisadores do
“Núcleo da África Austral”, que sob iniciativa de Ruth First produziram “dossiers” sobre a
análise política na África austral, para serem distribuídos aos membros do governo, lutavam
constantemente para adquirir um espaço próprio, livre do comando de Ruth First e, onde
pudessem desenvolver outro tipo de abordagens sobre África Austral, com particular
incidência para as questões sul-africanas.
Uma terceira e última “facção” era formada pelos restantes investigadores do CEA.
Investigadores como Robert Davies, Dan O´Meara, Sipho Dlamini, Gottfried Wellmer e
Alpheus Manghezi e Yussuf Adam que constituíam o “Núcleo da África Austral”. Em relação
a este grupo, a sua principal luta estava relacionada com a garantia/manutenção de um espaço
de pesquisa próprio e que não tivesse o controlo de Ruth First. O depoimento de O´Meara é
elucidativo desta tensão,
É assim, que o CEA pode então ser definido como um “sistema cognitivo” que
incorporava distintas “culturas epistémicas”, quer dizer, espaços de lutas, tensões criativas719
onde diferentes pessoas e grupos com distintas praticas, crenças, estratégias, objectos de
pesquisa e metodologias, cujos interesses eram por vezes distintos720 (sem contudo ab-rogar
do objectivo primordial de apoiar, através da produção de conhecimento socialmente
relevante, para o desenvolvimento socialista de Moçambique no contexto da África Austral).
718
Entrevista com Dan O’Meara, julho, 2009.
719
Termo usado por João Paulo Borges Coelho, durante a entrevista, por mim efectuada. Maputo, Agosto, 2007
720
Vide, de BRITO, Ângela Xavier. Rei morto, rei posto? As lutas pela sucessão de Pierre Bourdieu no campo
académico francês. Revista Brasileira de Educação, Jan/Fev/Mar/Abr, 2002, nº19, p.5-19.
247
Por outro lado, o trabalho científico do CEA procurou sempre responder aos interesses
das várias instituições estatais, como também colocar questões chaves relevantes para a
emancipação de toda a África Austral, nomeadamente nas lutas de libertação nacional que se
desencadeavam na região austral, com particular destaque para a África do Sul, Zimbabwé e
Namíbia. Os dirigentes do CEA partiam do pressuposto de que um estudo profundo e
sistemático da “anatomia do poder branco da África do Sul “era vital", tanto para o sucesso do
socialismo em Moçambique, como também para o êxito da luta política do ANC. Só assim,
poderemos compreender, por exemplo, a preocupação de Ruth First em ter no CEA,
pesquisadores sul-africanos e membros do ANC721.
721
Dan O'Meara, na entrevista por mim realizada, lembrava-se claramente de Ruth First lhe ter dito dizer,
(quando lhe convidou em 1981 para vir trabalhar no Centro) que “ o nosso grupo iria produzir “inteligência
política” para o governo moçambicano e para o ANC”.
248
Era, de facto, um Centro focalizado aos objectivos concretos da luta, onde o trabalho
intelectual era subsidiário dos objectivos dessa mesma luta e não o inverso. E foi
precisamente aqui nesta ligação entre trabalho intelectual e “revolução” que residiu a maior
parte das críticas dos seus detractores, (principalmente de Christian Geffray e Michel Cahen).
Michel Cahen, deu o exemplo dos relatórios de “difusão restrita” do CEA (que
segundo ele eram “controlados” pela FRELIMO por razões políticas) para mostrar que o CEA
se encontrava “refém” do poder722. De facto, as publicações saídas fundamentalmente,
durante os vários “Cursos de Desenvolvimento” tinham duas características. Eram por um
lado trabalhos que seguiam uma dinâmica interna do próprio “Curso”, e por outro lado havia
também pesquisas que eram “encomendadas” por vários órgãos do Estado, como ministérios,
direcções províncias, presidência da República etc. Alguns destes trabalhos, apareceram com
o carimbo de “difusão restrita”, mas como iremos discutir mais adiante, os conteúdos destes
relatórios de pesquisa, não tinham nada que pudesse ameaçar a soberania do Estado ou algum
tópico “tabu” para o poder. Não poderíamos deste modo, falar num organismo do Estado com
mecanismos de censura no concernente ao que era produzido ou publicado. No entanto, não
podemos descurar do facto que o CEA esta situado dentro de num campo de relações de
poder, onde ao mesmo tempo que lutava por conquistar um espaço onde pudesse exercer um
trabalho crítico, estava também engajado na legitimação de um projecto que se pretendi
hegemónico na sociedade: a tentativa da construção do socialismo em Moçambique.
O binómio saber/poder de Michel Foucault poderá ser útil aqui para clarificar melhor
este situação. Assim, para este o poder não apenas reprime, censura, exclui, controla e pune,
mas também produz realidades, campos de saber, objectos e rituais de verdade723. Este aporte
teórico permitirá compreender as dinâmicas de pesquisa do CEA e como essa mesma
722
Vide, CAHEN, Michel. Publicações do Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane.
Politique Africaine, II (5), Fev. 1982, pp.113 – 115, Mimeo (Tradução ano oficial do texto feita por Calisto
Pachaleque do CEA, Abril de 1997).
723
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1981.
249
A proposta analítica de António Gramsci pode aqui ser mais uma vez útil para
esclarecer melhor esta questão. Como sabemos, na óptica deste autor, havia uma diferença
nítida entre “hegemonia política”, um conceito leninista que implicava a ditadura do
proletariado, da “hegemonia ideológica”, que significava em Gramsci, uma “liderança
intelectual e moral" conseguida através do “consentimento ideológico das massas”728. Neste
sentido, os investigadores do CEA seguiram a linha política da FRELIMO, não porque eram
“coagidos” (como aconteceria se o CEA fosse de facto um órgão do Estado), mas porque
“consentiram espontaneamente”, uma vez que, parafraseando António Gramsci, eles tinham
“internalizado” o projecto hegemónico da FRELIMO729, ou pelo menos a interpretação que se
dava a esse projecto frelimista, e o seu trabalho crítico servia, em última instância como um
factor legitimador do Estado. Só deste modo poderemos então compreender a “organicidade”
destes intelectuais. Daí Dan O’Meara, investigador do Núcleo de Estudos da África Austral,
reiterar,
728
Vide, SALAMINI, Leonardo. Gramsci and Marxist Sociology of Knowledge: An Analysis of Hegemony-
Ideology-Knowledge. The Sociological Quarterly, vol. 15, nº 3, 1974, p. 359-380.
729
Realçamos aqui a ideia de “projecto”, como algo dinâmico, em construção e não propriamente de uma
“hegemonia” da Frelimo. É problemático afirmar que a Frelimo foi de facto hegemónica em Moçambique.
Vimos anteriormente que autores como OTTAWAY (1988), SCOTT (1988), CAHEN (1993), questionam até
a possibilidade do socialismo em Moçambique e de se conceber a Frelimo como um “partido de vanguarda
marxista-leninista”.
730
Entrevista com Dan O'Meara, julho, 2009..
251
Christian Geffray acabou assim fazendo uma leitura do CEA como se fosse uma
instituição de pesquisa homogénea e unívoca guiada pelo Partido/Estado. Não conseguindo
deste modo captar as diferentes e múltiplas (algumas vezes, conflitantes) “vozes” no interior
do Centro sobre temas ligados aos objectivos da pesquisa, metodologias, finalidades e formas
de engajamento político distintos. Por exemplo, o engajamento dos investigadores do “Núcleo
de Estudos da África Austral” (particularmente dos pesquisadores membros do ANC) ao
731
Entrevista com Dan O´Meara e Bridget O'Laughilin, agosto, 2007.
732
Nas entrevistas por mim realizadas, investigadores como Isabel Casimiro, Teresa Cruz e Silva, Calisto
Pachaleque e Alexandrino José, mencionaram este termo ao falar sobre Ruth First.
733
BOURDIEU, Pierre. A dissolução do religioso: Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.
734
Entrevista com a autora, agosto, 2007.
252
Encontrávamos também uma outra diferença subtil entre alguns dos investigadores do
CEA, que vinham de meios acadêmicos que defendiam o “apoio crítico” e a análise a partir de
um marxismo não ortodoxo, como foi o caso, por exemplo de Marc Wuyts e de Bridget
O’Laughilin, mas também de alguns investigadores sul-africanos como Dan O’Meara, Davies
e Manghezi, que não tinham desenvolvido a sua maturidade intelectual dentro de um partido
comunista e de luta revolucionária. De outro lado, encontrávamos intelectuais como Ruth
First, profundamente influenciada pela socialização política e disciplina férrea, no interior do
partido comunista sul-africano. Foram então estas realidades que Christian Geffray e Cahen
não conseguiram captar quando analisaram criticamente o trabalho intelectual do CEA no
pós-independência e dentro do contexto da tentativa da construção do socialismo.
735
Vide, MANGHEZI, Nadja. Amizade Traída e Recuperada. Maputo : Promédia, 2007.
736
Entrevista com Dan O'Meara, agosto, 2007.
253
737
Para uma discussão sobre estas duas formas de concepção da ciência, vide, WOLPE, Harold. The Liberation
Struggle and Research. Review of African Political Economy, nº 32, Abril, 1985, pp.72-78, e também,
ISAACMAN, Allen . Legacies of Engagement: Scholarship Informed by Political Commitment. African
Studies Review, vol. 46, nº. 1, Abril, , 2003, p. 1-41
738
WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. Sao Paulo : Ed. Unicamp,1992, (2vols).
739
BLOOM, Allan. The Closing of the American Mind. New York : Ed. Simon and Schuster, 1987.
740
D'SOUZA, Dinesh. Illiberal Education. Atlantic Monthly , nº 267, p.51-79, 1991.
741
Vide por ex., POPPER, Karl. O Mito do Contexto”, Lisboa: Ed.70, 2009.
742
GROSS, Llewellyn. Values and Theory of Social Problems. Applied Sociology:
Opportunitiesa nd Problems edited by Alvin Gouldner and S. M. Miller, New York: Free Press,1995.
743
HABERMAS, Jürgen. Técnica e Ciência como Ideologia”. Lisboa : Ed. 70, 1994.
254
menos do que os tópicos de investigação são condicionados pelo contexto social, como
também pela estrutura interna da ciência. O estabelecimento de teorias dominantes e práticas
de pesquisa, a selecção dos objectos da pesquisa e o conhecimento gerado são o resultado de
lutas dentro da ciência através do qual pressões extra-cientificas são mediadas.744
744
Vide, WOLPE, Harold. The Liberation Struggle and Research. Review of African Political Economy, nº 32,
p.72-78, Abril, 1985.
745
Vide, ESTUDOS MOÇAMBICANOS nº4, 1983.
746
CEA. Strategies of Social Science Research in Mozambique. Review of African Political Economy, nº. 25
Set. - Dez., 1982, p. 29-39.
747
Idem.
748
GANHÃO, Fernando. Sobre a Formação em Ciências Sociais. Estudos Moçambicanos, nº4, 1998, p.9.
749
Idem, ibidem .
255
pesquisa colectiva que estava preocupada com a libertação nacional dos países da África
Austral sob domínio da África do Sul e do regime rodesiano. Daí então a grande divisa do
CEA ser o de ”analisar Moçambique no contexto da África Austral”.
Em segundo lugar, foi uma pesquisa com um carácter urgente e actual e que procurou
examinar as estratégias de desenvolvimento do Partido/Estado e a sua validade para a
transformação social de Moçambique. Uma pesquisa científica com um propósito de no final,
esse conhecimento produzido ter uma função prática na sociedade. Os relatórios “restritos”,
solicitados pelos vários órgãos do aparelho do Estado são um exemplo eloquente da escolha,
por parte do CEA, de uma ciência social aplicada e que pudesse reflectir sobre os desafios da
“transição socialista”.
E, por último, foi uma pesquisa que pretendeu ter um compromisso social com a
sociedade moçambicana como um todo: na formação de estudantes universitários e quadros
do aparelho do Estado, através do Curso de Desenvolvimento também na criação de formas de
disseminação e debate dos resultados das suas pesquisas, através da revista Não Vamos
Esquecer! e Estudos Moçambicanos, como também da distribuição em vários órgãos dos
Estados, como os ministérios, dos seus relatórios de investigação.
O grande desafio do CEA foi assim o de manter em aberto um espaço analítico para a
dúvida e de estar predisposto a olhar criticamente as causas e movimentos que eles apoiavam.
E aqui o papel deste “engajamento crítico”, não é unicamente o de revelar as injustiças do
imperialismo e no caso moçambicano da desestabilização promovida pelo regime do
apartheid, mas de formular questões cruciais de como este regime poderia ser aniquilado e
como construir uma sociedade socialista em Moçambique. Por outras palavras, não somente
apoiar o modelo de desenvolvimento proposto pela FRELIMO, mas de mostrar, quando for o
caso, os seus pontos fracos ou as suas incongruências.
Por outro lado, pesava também o facto de o CEA ter tido uma autonomia financeira
tanto em relação à universidade como ao governo moçambicano. Não foi preciso apoio
financeiro algum das instituições estatais para pôr a “máquina” da pesquisa e do ensino (no
Curso de Desenvolvimento), a funcionar. Estas instituições colaboraram de outro modo. Por
exemplo, em questões logísticas, e no caso particular do governo, fundamentalmente na
facilitação do trabalho de campo com as comunidades rurais, juntos às estruturas
administrativas locais, ou mesmo providenciando transporte para o contacto com as
comunidades rurais. Em termos financeiros o CEA, recebia apoio de instituições
governamentais mas também não governamentais estrangeiras. Segundo Teresa Cruz e Silva,
256
750
SIDA – Swedish Internacional Development Cooperation Agency (Agência internacional Sueca para o
Desenvolvimento Internacional)
751
SAREC – Swedish Agency for Research Cooepratiom with Developing Counties (Agência Sueca para a
Cooperação na Pesquisa com os Países em Desenvolvimento.
752
Sérgio Vieira, Coronel na reserva e membro do “núcleo duro” da FRELIMO, tornou-se director do CEA,
depois da morte de Aquino de Bragança em 1986. Fica no seu lugar Mota Lopes, que era director-adjunto, e
nos finais dos anos 1980, a FRELIMO nomeia Sérgio Vieira como director. Este período pós- 1990, como
sabemos, não faz parte do escopo de análise desta Tese. Fica assim uma divida para um posterior estudo sobre
a fase mais contemporânea da historia intelectual do CEA.
753
Entrevista com a autora, agosto, 2007.
754
Entrevista com a autora, agosto, 2007.
257
visto não como um fim em si mesmo, mas como um ponto de partida para a investigação
científica755. Quer dizer, o CEA começava por apoiar e fazer das directivas econômicas e
sociais do partido FRELIMO, as suas prioridades de pesquisa756 e, no final, acabava pondo
em questão aquelas políticas, quando os resultados das suas pesquisas empíricas
demonstravam os equívocos quer na concepção quer na aplicação das mesmas. Não obstante
sabermos, que havia também limites impostos pelo contexto social e político e que
estruturavam a formação discursiva do CEA. Pois que como assegurou Michel Foucault,
755
Harold Wolpe, sociólogo sul africano e ativista anti-apartheid, defendia esta posição. Ele insistia que o
trabalho intelectual e investigativo tinha que produzir conhecimento para a política, sem, no entanto desligar-
se da investigação objetiva e cientifica do mundo. Ver, ALEXANDER, Peter. Harold and History. Keynote
delivered at the Harold Memorial Trust’s Tenth Anniversary Colloquium, “Engaging silences and unresolved
issues in the political economy of South Africa”, 21-23 de setembro 2006, Cape Town, South Africa.
756
Christian Geffray tinha também chegado a este argumento porém este autor não conseguiu captar na sua
totalidade as duas facetas do trabalho crítico do CEA.
757
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo :Loyola, 1996.
258
Como afirmou Michel Foucault (1981), o poder não apenas reprime, censura, exclui,
controla e pune, mas também produz realidades, campos de saber, objectos e rituais de
verdade.760 A produção científica do CEA durante o período de 1976-1986, não pode assim
ser analisada e compreendida desligada do seu contexto social, político e econômico. Os seus
produtores, parafraseando Gramsci, “consentiram”, de facto, o projecto hegemónico da
FRELIMO da construção de uma alternativa socialista em Moçambique e, a partir daí, as
prioridades definidas ao nível político tornaram-se também prioridades da pesquisa, embora,
não raro, os resultados (como vimos ao longo deste trabalho), questionassem aspectos
específicos e concretos de tal política. Pode-se então dizer que esta instituição de pesquisa e
ensino, acabaria por funcionar mais como um leal e responsável crítico do governo do que
como um agente autónomo de mudança radical.
758
GEFFRAY, Christian. A Causa das Armas – Antropologia da guerra contemporânea em Moçambique. Porto:
Afrontamento, 1991.
759
ALVARENGA, Lídia. Bibliometria e arqueologia do saber de Michel Foucault - traços de identidade teórico-
metodológica, Disponível em: (http://www.ibict.br/cionline/270398/-22k, , s/data, .p.15
760
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1981.
259
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O papel das Ciências Sociais para a “reconstrução nacional” se pôs também com a
maior acutilância nesta fase ”revolucionária”. A FRELIMO defendia uma ciência social
armada com a teoria do marxismo-leninismo, que privilegiasse a teoria da transformação
social e excluísse peremptoriamente, a “teoria da ordem social”, encarada como “reaccionária
e burguesa.763” Fernando Ganhão, reafirmava assim o que era na altura a “visão de mundo”
do poder político em relação ao modelo de sociedade a construir. Todos os sectores da
sociedade, e o meio acadêmico não era excepção, teriam que unir forças para um único
objectivo: a construção de um Moçambique socialista. Vale a pena voltar a mencionar as
761
Des-tradicionalização é usado aqui no sentido de uma tendência a romper com o passado colonial e com os
valores considerados retrógrados” tanto as herdadas do poder colonial como também das tradições
“obscurantistas” e “supersticiosas” das comunidades locais. Veja, SERRA, Carlos. Novos combates pela
mentalidade sociológica. Maputo : Livraria Universitária, 1997, p.97.
762
SERRA, op.cit, p.97.
763
Veja, GANHÃO, Fernando. Sobre a formação em ciências sociais. Estudos Moçambicanos, nº 4, CEA,
Maputo, 1983. p.7 (Fernando Ganhão, primeiro Reitor da Universidade Eduardo Mondlane. Este texto é o
“discurso de abertura da Reunião de peritos sobre os problemas e prioridades na Formação em Ciências
Sociais na Africa Austral”, organizado pela UNESCO e CEA, em Agosto de 1982.
260
palavras do Reitor,
764
Ibid.loc.cit.p.12
765
BUENDIA, Miguel. Educação Moçambicana – História de um processo: 1962-1984. Maputo: Livraria
Universitária, UEM, 1999, p.218.
766
Ibidem, p.223.
261
O que implicava ir para além de um “passado útil” para o orgulho e dignidade dos
moçambicanos, mas que fosse útil na estratégia do desenvolvimento socialista, tendo agora
como sujeito activo da história, os “operários e camponeses”, que tinham sido “silenciados”
pela historiografia colonial. A universidade, neste período de transição socialista, e mais do
que nunca nos primeiros anos da independência, também tinha um papel decisivo, tanto como
formadora de uma nova mentalidade, do “homem novo”, como também na produção de
conhecimento, de soluções para a transformação das condições sociais dos moçambicanos.
767
A Frelimo não fez menção de forma insistente ao passado pré-colonial, diferentemente por exemplo de alguns
líderes africanos, como Senghor, Nyerere que glorificavam uma África, “tradicional”, comunitária, solidária,
onde não existiriam conflitos de qualquer ordem. O novo poder político em Moçambique apelou mais por um
projecto modernizante, que procuraria construir o “homem novo” e uma sociedade “socialista sem exploração
do homem pelo homem.”
768
Idem.
769
RANGER, Terence. “Toward a Usable African Past,” in FYFE, C.H. (ed.) African Studies since 1945: A
Tribute to Basil Davidson. London: Longman, 1976, p. 28-39.
770
Em alusão à máxima de Marx, de que não devemos satisfazer-nos em interpretar o mundo – precisamos
ajudar a transformá-lo. Vide, POPPER, Karl. Conjecturas e Refutações, Brasilia: ed. Universidade de
Brasilia, 1972.
262
pesquisa individual para uma pesquisa colectiva; e (3) a introdução de um sentido de urgência
na pesquisa para responder a preocupações imediatas. Este último ponto, também significava
que o tempo para se fazer uma determinada pesquisa era restrito e que os resultados desta
tinham que se sujeitar a prazos muito claros.
A partir daí, o CEA iria se tornar na principal instituição de pesquisa e ensino (através
por exemplo do Curso de Desenvolvimento) em Ciências Sociais no pós-independência
trazendo para o contexto moçambicano não só na vanguarda na produção e difusão de
conhecimento científico, como também na construção de um novo método e abordagem
científica. E de facto, o paradigma da economia política e da análise de classe marxista
acabou sendo a principal referência teórica, fundamentalmente a partir do Curso de
Desenvolvimento (que como vimos, produziu a maior partes dos trabalhos científicos do
CEA), como também na liderança da pesquisa levada a cabo pelo “trio” dirigente do CEA:
Ruth First/Marc Wuyts/Bridget O’Laughilin. Um modelo teórico, diga-se de passagem, que
estava profundamente em sintonia com o projecto ideológico da FRELIMO da transformação
social rumo ao socialismo
Podemos então falar de uma dupla vinculação da maioria dos investigadores do CEA
a um contexto particular de Moçambique pós independente. Por um lado houve uma simpatia
geral com o projecto frelimista da construção de uma alternativa socialista para Moçambique,
e por ouro lado, houve também uma adesão, destes investigadores ao contexto intelectual do
paradigma da economia política marxista e da análise de classes, fundamentalmente através
do privilégio de uma ciência social aplicada focada nas questões da transformação social e das
condições de vida dos moçambicanos. Daí então, depararmo-nos logo depois da criação da
Oficina de História (que tinha como um dos seus objectivos principais construir de facto essas
narrativas do passado), a questão de saber “quem irá controlar o que a história771” é era uma
das preocupações centrais dos historiadores da Oficina de História772, o que implicava muita
apreensão por parte tanto do poder, como também do próprio CEA de quem controlaria essa
história.
A apreensão do poder em relação a quem deveria produzir a nova história, era de facto
devido ao objecto primordial deste empreendimento, que estavam directamente relacionados
771
Vide, Revista, NÃO VAMOS ESQUECER! nº1, CEA,1980.
772
Vide, JEWSIEWICKI, Bogumil. African historical studies – Academic knowledge as “usable past” and
radical scholarship. African Studies Review, vol.32, nº3, 1989, p.1-76.
263
O grande desafio do CEA foi assim o de manter em aberto um espaço analítico para a
dúvida e de estar predisposto a olhar criticamente as causas e movimentos que eles apoiavam.
E aqui o papel deste “engajamento crítico”, não é unicamente o de revelar as injustiças do
imperialismo e, no caso moçambicano da desestabilização do regime do apartheid, mas de,
colocar questões cruciais para o desenvolvimento socialista de Moçambique e da eliminação
do apartheid na África do sul. E, foi de facto esta característica, que tornou o trabalho de
investigação do CEA, no pós-independência, sui generis e, que deveria ser visto, não como
um fim em si mesmo, mas como um ponto de partida para a investigação científica775. Quer
dizer, o CEA fazia das directivas econômicas e sociais do partido FRELIMO, as suas
773
O projecto político da Frelimo nunca foi absolutamente hegemónico (pelo menos no sentido gramsciniano do
termo).Como sabemos para Gramsci, Hegemonia envolvia uma combinação de liderança (ou direção moral,
política e intelectual) com dominação, onde estaria presente também uma supremacia exercida através do
consentimento e da força, da imposição e da concessão, de e entre classes e blocos de classes e fracções de
classe. A tentativa de construção do socialismo em Moçambique pela Frelimo, estava mais assente na
“dominação” e “coerção” do que propriamente no “consentimento espontâneo das massas”, basta para isso
lembrar, as rusgas, os campos de reeducação e a guerra civil. Para mais, os projectos nacionais, mesmo no
concernente ao controlo social ou da história, nunca são hegemónicos, pois que as narrativas estatais
estimulam o aparecimento e desenvolvimento de narrativas contra - hegemônicas. O exemplo da guerra civil
em Moçambique é eloqüente deste argumento. Para uma leitura mais atenta deste conceito na perspectiva
gramsciniana, vide, GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Vol.II, São Paulo: Civilização
Brasileira,2004; FATTON, Robert. Gramsci and the legitimization od the State: The case of the Senegalese
Passive Revolution. Canadian Journal of Political Science, vol.19, nº.4, 1986; SANTOS, João de Almeida. O
princípio da Hegemonia em Gramsci. Col. Vega Universidade, Lisboa, s.d; SHUMWAY, David. Review:
Intellectuals in the University. Poetcis Today, Vol.11, nº.3, 1990, p.673-688; KARABEL, Jerome. Towards a
theory of intellectuals and politics. Theory and Society, vol. 25, nº.2, 1996, p.205-233.
774
Entrevista com Bridget O'Laughilin, agosto, 2007.
775
Harold Wolpe, sociólogo sul-africano e activista anti - apartheid, defendia esta posição. Ele insistia que o
trabalho intelectual e investigativo, tinha que produzir conhecimento para a política, sem no entanto desligar-
se da investigação objectiva e científica do mundo. Ver, ALEXANDER, Peter. Harold and History. Keynote
delivered at the Harold Memorial Trust’s Tenth Anniversary Colloquium, “Engaging silences and unresolved
issues in the political economy of South Africa”, Cape Town, South Africa, 12pp., 21-23, Setembro, 2006.
264
A criação das machambas estatais e colectivização dos camponeses, por exemplo, que
segundo a FRELIMO (profundamente influência pelo pensamento de Lenine, que acreditava
que o caminho principal dos camponeses para o socialismo era a formação de cooperativas de
produção777), iria não só permitir a criação de um proletariado rural, como também a
introdução da mecanização, foi sustentada também pelos investigadores do CEA que a
tornaram num dos temas mais pesquisados778. No entanto, o CEA acabou criticando a grande
ênfase nos grandes projectos e a subestimação do sector familiar. Encontramos esta posição
por exemplo, nos artigos de Marc Wuyts, “Camponeses e Economia Rural em
Moçambique779” e “On the Question of Mechanization of Mozambican Agriculture
Today780”. Como vimos ao longo deste trabalho, não obstante o CEA defender a posição da
FRELIMO das aldeias comunais como a base da transformação rural em Moçambique, os
investigadores advertiram ao governo, que a escolha de técnicas de mecanização não era uma
simples questão técnica, mas sim uma opção política, que afectava a estrutura social da
economia rural. Para o CEA, não existia um modelo qualquer de escolha de técnicas; pelo
contrário, a escolha envolvia uma investigação concreta da estrutura da economia rural, que
implicava necessariamente um estudo da crise da economia capitalista, a quebra da
comercialização e a redução do trabalho assalariado para os chefes de família camponesa781.
776
Christian Geffray tinha também chegado a este argumento, porém este autor não conseguiu captar na sua
totalidade as duas facetas do trabalho crítico do CEA.
777
Vide, LENINE, Vladimir. A Questão Agrária. Lisboa:Avante! 1975.
778
Vide Quadro nº2.
779
Wuyts, Marc, op.cit, CEA, 1978, 31p.
780
Wuyts, Marc, op.cit, 1979.
781
Vide, Wuyts, Marc, op.cit, 1978, 1979; O Mineiro Moçambicano: Um Estudo Sobre a Exportação de Mão-
de-obra , 1978, Wuyts, Marc, op.cit, 1979.
265
familiar era a principal base produtiva para as culturas alimentares essenciais)782. Em suma,
mesmo apoiando a ênfase da FRELIMO nas machambas estatais e produção colectiva dos
camponeses, o CEA também se debateu com a questão de como transformar o sector familiar,
ao mesmo tempo que reconheceu a importância de agricultura familiar (considerada pelo
CEA, como a principal base da produção e o garante do abastecimento alimentar).
782
Vide, os seguintes “Relatórios de Investigação” do CEA, apresentados neste estudo: Wuyts, Marc, op.cit,
1978, 1979; O Mineiro Moçambicano: Um Estudo Sobre a Exportação de Mão-de-obra , 1978; CEA,
Problemas de Transformação Rural na Província de Gaza – Um Estudo sobre a Articulação entre Aldeias
Comunais seleccionadas, Cooperativas Agrícolas e a Unidade de Produção do Baixo Limpopo (uplb), 1979;
CEA, A Transformação da Agricultura Familiar na Província de Nampula; 1980.
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ANEXOS