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© Éditíons Érés 2005

Título no original.
Le corps dans la neurologie et dans la ps yc hanal yse-
Leçons cliniques d ' un psyc hanalyste d'enrants.

A Calheril/e,
Va/érie,
B496c Bergcs, Jean Ne/sie,
O corpo na neurologia c na psicanálise: lições clinicas de
um pSicanalista de cflanças I Jean l3ergês; tradução Mari3 Aliél/or
Folberg. - Porto Alegre: CMC, 2008.
489 p.
A Jeal/-Baplisle,
ISBN : 978-85-88640-11-5 C/ara,
1. Ps icologia infantil. 2. Desenvolvimento infantil
Laure,
) , Comportamento (psicanálise). I. Folbcrg. Marw. 11 Titulo. Nico/as,
Basi/e.
CDU 159.92"7
e àqueles que vire/o ...
Catalogação elaborada por: Evclin Stahlhocfer Cana - CRB 10/156,

Reservados todos os direitos de publicação


em língua portuguesa para'

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Mil vezes obrigado a Calheril/e FelTol/,
Depósito legal que, desde 1990, relranscreveu fie/mel/te
Impresso no Brasil- Pnnted !fi Brazl l cada sellllllário de Jeal/ Bergei> .
I

Sumário

Editores Prólogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. . .... ... . .... . 9


Caio Beltrão Schasiepen Marika Berges-Bounes
Mario Fleig Prefácio ......... ... ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Conceição Beltrão Fleig Charles Melman
Advertência ao leitor, apresentações..... .. . 17
Claire Meljac
o CORPO
Eixo do corpo, eixo do simbólico ...... . .. .. . 23
Introdução. Corpo a corpo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Claire Meljac
O corpo na neurologia e na psicanálise . . 29
Estrutura, função, funcionamento ... 30
Antecipação e função simbólica ...... '. . 37
Tônus e corpo falado: gesto, lógica,
imagem .......................... 39
Fase do espelho e antecipação.. .. . .... 42
Desconhecimento e corpo...... . . ..... . . .... 44
Desconhecimento e função materna.. . . .. .... 48
Na criança, o simbólico é primeiro .. . . .. . . 50
Corpo e necessidade de "imago" .. .. ... ... . . 56
Complacência da mãe em ser espelho.. .. . . . . 61
Verneinung, "momento mítico" ....... . ..... . 68
Imaturidade e antecipação o . . o. . . • • • . . . .
o •• 69
A "Coisa" . .. .... . ... .. . .. . .. .. .. . . . . . . . . . . 71
Tradução: Maria Folberg
Nó borromeu .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
Revisão: Conceição Beltrão Fleig Poesia psicossomática . o ••••••••••••••• 78
Capa: Hen rique Oliveira Corpo e traço unário .. o •••••••• o •••••• 80
Diagramação: Suliani Editografia Saber e hipótese .. . . . . o • •• •• o • • • •••• 84
Hipótese e funcionamento do corpo .. o • • o 88
Leitura e adivinhação . . . . ... . . .. . . . 0.0. 92
Sabe-se o que é a psicose infantil? o ••••••••
333
O adolescente: infans ... . . . . . . . . . . . . . . . .
341
Adolescência. As preliminares do tratamento
355
Psicanálise e adolescência .. .......... . . .
365
SABER E CONHECIMENTO Prólogo
Rastos, inscrições e aprendizagens . . . .. ... . .
375
Introduçi!i:o ...... . .................. . . . . .... .
Évelyne Lenoble 377
Nesta obra, estão reunido s artigos, conferências,
o galo faceiro ..... . ............... . . .... .. . fragmentos de seminários de Jean Berges . Durante mais de
Jean Berges 383
dez anos, ele sustentou, na primeira terça-feira de cada mês,
Saber, conhecimento e Verneinung no Hospital Sainte-Anne em Paris - onde e le trabalhou a
A criança pequena na grande escola . . . ... . .
385
partir de 1960 - , um seminário com toda a equipe e com
Paralelismo entre entrada na linguagem aqueles que vinham do exterior para renetir; seminár io esse
e entrada no CP .. . . ... .. . .............. . 388 mantido em paralelo com as consultas públicas com as
Objeto voz ........... . . . ........... .. .
394 crianças c suas famílias. A partir de 1996, o se minário se
Pos tura e gozO .......... o •••••• •• •••••••••
396
Discriminaçi!i:o fonética desenvol veu na Association lacanien ne intcrnat iona le, em
e inscriçi!i:o significante . . . . .. . ....... ... . 400 colaboração com Gabrie l Balbo, e deu lugar a publicações
Silêncio e surdez . ............ .. . . . . . . . . 404 dc obras em comum'.
Pronunciaç~o e audição . . . . . . ...... . . ... .. . 409
Aqui estão, portanto, reagrupados tcxtos mais ou menos
Verneinung e novo sujeito . . . ..... .. . ..... . 413
Letra, verneinung e novo sujeito . . . .... . recentcs , publicados ou não, alguns escritos, outros falados,
417
de ondc e nt ão as rcpetições e as familiaridadcs : todos , do
Aprendizagem, escrita, letra . . ........... .
423 primeiro ao último , tcstemunham o interessc c as
Ent~o, como abordar a letra? ....... . .... . . 438
int~rro gações de Jean Bergcs em torno do corpo: na
Dificuldade de leitura e escrita na criança
Leitura . . . ...... . . . . . .. . . . 443 ncurolo gia, na psicomotricidade, na psicanálisc de criança,
.. .. ..... 443 de adolescente e dc adulto. É a questão da prima z ia do
Escrita ..... .. . . ........ . . . .. .. . o •••••••
452
• •

simbólico no ima ginár io do corpo, o enodamcnto real,


A pontuaç~o na criança ..... . .... . ......
463 simbólico c imaginário pe lo lado do corpo, quc o Icva e o
Aprendizagens e função tônica postural . .... . agita, scm ccssar, desde a origcm.
469
Cognitivo e teorias sexuais infantis ....... . São qucstionamentos freqüentcmente di fíccis - Jean
483
Glossário . . . ........ . . . ...... . .. .. ........ . . Berges cstava mais nas questões do que nas certczas - , suas
489 rctomadas, scus retornos, suas rupturas de pensamento, suas
eondensaçõcs, suas repetições, seu modo de agir habitual, suas

,
10 o corpo na neurologia c na psicanálise Prólogo 11

aberturas, seus vaivens entre Freud e Lacan, suas passagens linguagem. Nesse ponto, a grande decepçcio que me causou 1.
entre a teoria psicanalítica e a clínica. São as marcas dessa de Ajuriaguerra foi não ter sabido colocar suficientemente a
pesquisa permanente em torno do primado do simbólico, que tônica na linguagem. Ele estudou casos de perttlrbações
o ocupou durante toda a sua vida, verdadeira "escola do conjuntas da psicomotricidade e da fala (disfasias, anartrias,
pensamento", ela mesma atravessada pela atualidade neuro- disartrias), mas mio insistiu suficientemente na estrutura da
imagética e das neurociências. linguagem como tal.
Em uma entrevista recente, o próprio Berges descreveu O gesto, a gestualidade nas praxias, as gnosias, e,
sua trajetória: sobretudo, o ritmo introduzido no corpo me interessaram muito,
Eu comecei fazendo pediatria. Depois, por falta de mas para mim era impossível fazer exames, avaliações,
interesse, me voltei para a neuropediatria. Ao praticar essa consultas sem me apoiar na linguagem.
disciplina, que também não me interessava furiosamente, minha Um ponto que retém a atenção é que 1. de Ajuriaguerra
atenção foi capturada pelas relações entre o COlPO e a psiquê. nomeava.2 ·'cfJ!l!!!....lJIceptáculo ", quer dizer, no que o corpo é
Como interno em psiquiatria, fiz parte do grupo das primeiras cóií/PeielJ!i!.!!.!.l nclo parCf.. inte&!:E.r os ritmos. Essa expressãoTêm
pessoas que tiveram de observar os efeitos dos neurolépticos uma consonclncia bem wal/oniana, e tambémji'eudiana: trata-
nos pacientes. Na época, o Majeptil, recentemente introduzido se de U/l/. ref..eptáculo para o quê? Para o gozo, para o desejo,
no mercado, tinha uma enorme incidência sobre a postura, a para o que Freud chama Jch-Lust, quer dizer o "eu-prazer ".
atitude, a iniciativa motora, a rigidez, a mímica, etc., de sorte LpC!!JUliz que "o que é erotizado lia criança é a atividade
que minha rejlexc70 foi nutrida nesse sentido. 7 mQ!2}:g ". A parte mais marcante de meu percurso talvez seja o
Paralelamente, no serviço de neurocirurgia em Sainte- interesse que depositei na conservação das.atittules, IW
Anne, 1. de Ajuriaguerra recebia numerosas crianças para liberdade motora e nas imitações de gestos: tudo isso é
consulta e interrogava nelas as funções que eu chamarei de verdadeiramente tÍtil a fim de ter uma idéia da maneira como
psicomotoras. Aí a filiação é complicada: Wal/on para a • funciona o corpo, e, porque se trata do outro, é uma questcio de
postura, André-Thomas para as relações entre o tônus e a espelho. O estádio do espelho, de Lacem, momento formidável
motricidade de um ponto de vista neurológico, 1. de no qual a criança reconhece todo mundo no espelho, salvo ela
Ajuriaguerra, que foi o único a fazer disso uma síntese. Quanto mesma, at~ o _dia em que ela se percebe no espelho e jubila:
a mim, após ter trabalhado durante quatorze anos com -"> primeiro esboço do eu. E o que é essencial é que, para tomar
prematuros em torno das noções de organização temporal e sua mãe como testemunha, a criança se volta em direçcio à
espacial, das relações entre o conhecimento do corpo e o mãe que a segura diante do espelho, e-:;SSim fazencfõ':perde a
conhecimento do espaço, foi a questcio do olhar que mais me imÇ!JJ!!m ( J.. -
interessou. A seguil; sucedi a 1. de Ajuriaguerra na direção de Fazer o giro O mais completo do corpo continua
seu serviço em Sainte-Anne. A originalidade desse serviço - instificiente. Eis meu ponto de vista. É evidente que o corpo é o
que aliás persiste - é precisamente mantel; em uma mesma mão, imaginário. Então, para simbolizá-lo, é preciso fa/cl/; é preciso
a leitura, a escrita, o que eu chamaria a representaçcio e a se voltar para o lado da linguagem.
12 o corpo na neurologia e na psicanális&

É O enigma desse enodamento borromeano que mobilizou


Jean Berges em toda a sua vida. Todos os que o escutaram e
que assistiram suas consultas com as crianças o sabem muito
bem, c continuam a renetir sobre essas questões. Ele o exprimia
assim: "O homem é uma usina que fabrica significante de
man eira inesgotável, e o orgânico é sem dúvida a máquina mais
Prefácio
rentável da usina".
Marika Berges-Bounes Esses trabalhos de Jean Berges, reunidos pela primeira
vez sob os cuidados de Marika Berges, que segui u seu ensino
no Hospital Sainte-Anne e na Salpêtriere, nos colocam no
coração de problemas essenciais, que também são os da
atual idad e.
Com efeito, se o estudo da aqu isição dos conhecimentos
na criança tem na atualidade um vento atlântico soprando na
popa, os textos desta obra lembram a tradição francofônica
antiga que, com Piaget, Wallon, AjuriaguelTa, Lézine e o próprio
Berges, se ligaram ao problema.
Observemos, a esse respeito, que as teses de.Lacan sobre
o estádio do espelho, que ele nomeia mais tarde a fase do espel ho
(pontuando a prevalência da extensão na regulação do que foi
seu próprio pensamento), se sustentam em protocolos de
observação e nulamente em psicanálise.
Ora, é a simultaneidade desses métodos que irá, em Sainte-
Anne, já com AjuriaguelTa, marcar o encaminhamento desses
métodos no domínio do desenvolvimento da criança e dar tanto
sua originalidade como suas dificuldades.
NOTA É evidente que não se podem esperar e lementos
significativos dos desenhos ou das proposições da criança
I L 'en/all' el la ps)'chOlwl)'se, Pari s: Masson, 1994 . Jogo de posições da màe e da
crieI/Iça - e"saio sobre o rrallsilil'ismo. Porto Alegre: CMe, 200... Psicose. nlllÍsmo e sobre as causas de seu retardo ou da falha de seu
falha cogllitim lia crümça. PorloAlcgrc: CMC. 2003, Ps)'chothéraples ti 'ellfam. ellfanls desenvolvimento. Mas, inversamente, apenas a observação,
efl pS)'cllllIllll)'se. Toulousc: Êrcs. 2004. Amda, no Brasil , os seminários A alualidade
das teorias sexuais illfal/lis. Porto Alegre: CMe, 2001 c /lá 11/11 inJamil da psicose? por mais apurada que seja ela é incapaz de isolar a participação
Porto Alegre: CMC. 2003 .
1t1 o corpo na neurologia e na psicanális~ Prefácio 15

s uhjellva da criança nas recusas ou nas impossibilidades cujas Logo, o cérebro, do qual o cognitivismo explora as
co nscql1 ências dispráxicas em cascata tornam -se, a seguir, virtual idades, é o do retardado, cujas possibilidad es
ind ecifráveis. Quanto à fase do espelho, notemos que ela combinatórias cstão evidentemenle intactas e, ao mesmo tempo,
assinala mais o nascimento do sujeito , dividido em relação à notávei s na reali zação matemática, por exemplo, ou no jogo de
s ua imagem , do que sua participação determin a nte , xadrez. Os psiquiatras sabem há muito tempo que a psicose
propriamente falando , no fen ômeno . não é incompatível com a inteligência dos signos, mas a~nas
Tiremos as questões do texto de Berges. Uma falha de com aoo SÍgÓ iTiêãnte.
acesso à experiência traumati zante da perda de objeto, cujos - Os trilhamento s do desenvolvimento impli ca m assim
efei tos irão se inscrever no di sfunci onamento dos orifícios, restrições e deixam desativadas a maior parte de milhares de
também pode ser responsável , nas crianças, pelas dispraxi as sinapses cerebrais ofertadas pelo organismo.
vindouras, pela incapacidade que ela terá de regular o par tensão- Mas o ~gni ti v ismo sQ se interessa pela limitação emsua
relaxamento dos músculos cujo fun cionamento reclama, nós o ex~~opa~ógica, fobia , a.!)9r~ia, TOe, etc., para Ih ~icar
sabemos: sinergia? um reméd\~ que parecerá bem a!l~i~ara uma nova ciência: a
Se um mesmo corte se encontra em operação na s UJíe~ tã<2' Sabe-se que o cão de Pavlov se interrogava sobre o
ero ti zação dos ori fícios e na harm onização do jogo muscular, desejo de seu mestre: por que quereria ele assim verificar que,
é preciso rcmetê- Io ao que opera primordialmente do jogo a exemplo do hum ano, é um engano que poderia desencadear o
fonemáti co ao isolar a estrutura da letra pelo viés da queda? apetite ani mal ?
Mas é seguramente um corte de um outro tipo que separa O problema argumentado nos trabalhos de Berges é que,
inici alm en te o visto e o ouvido, antes que sua conjunção sem dúvida, por estar animada por esse apeti te, esse a mai s, a
- obrigada por quem? - se mostre inco ntornável no criança, pode ver se u d ese nv o lvi mento definitivamente
desenvo lvimento da criança. ent ravado e sem, en tretanto, aceder à felicidade anima l.
O que quer que seja, nós estamos, graças a Jean Berg~s, na
Charles Melman
fronteira negociada e~o o~ganismo e o d~o.
Porque, à manei ra do rei, nós temos dois corpos, Freud já
o sublinhava" um mortal e tomado contingente pelo pareamento
genético que lhe é próprio; o outro imortal, devido ao sexo, que
o desejo tem a inc umb ênc ia de perpetu ar. Com efeito, a
transm issão do sexo se deve, bem mais do que à anatomi a, a
essa decisão inflexível (a identi fi cação ), a essa escolha (o objeto)
e à renúncia (a mãe, tratando-se de Édipo), em suma a lodas as
restrições que o desejo impõe ao funcionamento do organismo.
~

Advertência ao leitor

Apresentações

~ "A çJínica, não é para ordenar é para desordenar", di zia


ultimamente um de seus colaboradores regulares, evocando
a figura notável de Jean Berges, seu trabalho cotidiano e os
rastos que indelcvelmente ele deixou em todos os hospitais
e outros centros que freqUentou . Que melhor maneira de
descrever aqui o que constitui a originalidade , li
profundidade, a perpétua novidade das "apresentações" que
ele consumou ao longo de seu exercício e que este livro tenta
reunir? .
Apresentações : essa palavra parece datar, fazer referência
ao asi lo com suas solenidades obrigatórias de relatórios
"científicos" sobre os pacientes, expostos como tantos objetos
à multidão de curiosos, atraídos pela celebridade do "chefe".
A própria palavra pode, entretanto, evocar também o respeito
e o maravilhamento. É a apresentação da criança no templo,
tema privilegiado da pintura na idade clássica, uma das
numerosas, profundas e permanentes paixões de Jean Berges.
É assim que, com emoção e admiração nós gostaríamos
de "apresentar" - apresentação das apresentações - os textos
escritos ou pronunciados por Jean Berges e agrupados aqui
por sua mulher e colaboradora durante tantos anos, Marika
Berges-Bounes.
18 o corpo na neurologia e na psicanál~~e Prefácio 19

o leitor que buscar nessas renexões uma doutrina fechada, as analisava de olho - pois "o olho escuta" - , com uma orelha
girando sobre si mesma e desferindo uma verdade enfim extraordinariamente rápida, e as remetia a seu parceiro, colocado
organizada, certamente ficará decepcionado. Ele não encontrará por sua vez no jogo. A partir desse material, os dois da equipe,
nada disso. É a um pensamento que jOIT3, em vias de se construir, levados pelo mesmo movimento, arrancavam em direção a
se contradizendo, deixando pistas abertas para melhor serel;l novas questões.
exploradas, outras a serem abandonadas por serem estéreis, com No curso dessas apresentações, estava lá um tipo de
que esse leitor será confrontado. verdade, presente c fugidia ao mesmo tempo. Jean Berges se
Não é por acaso: Jean Berges emprestava justamente esse colocava no coração de seu espaço e escavando ao redor para
itinerário quando das "apresentações" de crianças. Duas vezes melhor fazê-Ia aparecer, tal como um caçador de trufas
por semana (na terça-feira e na quinta- feira), ele tinha o costume percorrendo as terras do Lo!.
de se entregar a esse exercício forti ficante em companhia de Em outros lugares, em serviços di ferentemente organizados
colegas e confrades que tentavam se introduzir em sua forma e respeitosos da hierarquia (uma convenção social que Jean
de experiência e de espírito tão profundamente originais. Berges só tinha de manter), as expressões pessoais do consulente
Poder-se-ia crer que a criança "apresentada" estava pouco (suas falas , sua aparência, sua postura) teriam podido ser
à vontade no meio dessa assistência psi. Ela teria tido esse negligenciadas, ou classificadas como discordantes: elas não
direito. Mas eis que a criança não ficava assim. Jean Berges seriam de nenhuma utilidade para organizar isso em tal ou tal
tinha o dom de criar em tomo de si uma bolha: ele ficãva sozinho categori a. Esses comportamentos desorgani za vam ,
com seu interlocutor fascinado pela precisão de sua precisamente, ali onde um edificio havia sido pacientemente
aproximação, sua escuta meio fraternal meio paternal e sua construído por gerações de psiquiatras.
disponibilidade pernlanente. Sim, pOI2nde ele passava, a clínica de Jean Berges semeava
Jean Bergés estava sempre surpreso sem estar urna pel1urbacão da qual não era fácil se recompor. O clínico, o
verdadeiramente desconcertado pelo discurso daquele que primeiro, ao mesmo tempo saturado e insatisfeito, continuava,
raramente ele colocava em sua frente,jamais separado dele pelo dias e dias, a se inten'ogar sobre os estranhos encontros e sobre
volume de um birõ, mas, antes, no espaço próximo, em um essas crianças desestabilizadoras. Compreendia-se porque não
lado do ângulo direito que parecia delimitar seu território de era um aparelho abstrato, mas o trabalho paciente de exegese
fala. Mesmo quando parecia pequeno, desmunido, o interlocutor realizado sobre cada índice, que o ajudava a melhor articular o
de Jean Berges era, a cada vez, considerado plenamente em sua mundo dos conceitos. A maior parte dos textos contidos nesta
dimensão de ser humano, de semelhante. O "mestre de publicação começam justamente por uma nota tomada no vivo,
cerimônias" (em verdade tão pouco cerimonioso) recolhia e se uma observação, discursos trazidos. Não se trata de um arti ficio
rememorava precisamente, meses depois, das questões de tal de estilo, mas verdadeiramente de um método de trabalho que
consulente, tomando-as pelo que seriam a seguir: seguramente, aqui se verá operar il/ slalu I/ascel/di, confonne dirão todos (eles
tantas lições. Ele as apanhava, então, com vigor, as examinava, são raros) os que não gostam do que não sejam estados instáveis.
20 o corpo na neurologia e na psicanál~se
Prefácio
~
~t .
Nos anos 1980, no curso dos quai s se desenvolveu uma A todo senhor, toda a honra: a primeira seç~
organização (uma a mais) dos serviços de psiquiatria, a Unité de consagrada ao corpo, considerado como um eixo, não ap~o \\) ;
Bio-Psychopathologie de L'enfant do Hospital Sainte-Anne, por SI. mesmo, mas tam b em ' por to do acesso ao d om Ib:~, ,r
dirigida por Jean Berges, teve a insigne honra de ser inspecionada i
simbólico. Uma curta introdução permite precisar a que p\\11 11:) ;~',
de cima a baixo. Todos os que assistiram à cena se recordarão da essa med itação sobre o corpo se situou como uma const" 11 tI:) 11
fisionomia terrificada de uma das personalidades oficiais na obra de Jean Berges. 'l1t I:! \~II
destinadas a essa missão. Lel~do um relatório de consulta no )~ '
Uma segunda seção, de que Gabriel Balbo, co l abor~d '
I I qual Jean Berges descrevia e ana li sava comportamentos regular de Jean Berges, pode ser considerado "o padrinho" \)~
,D 11 extraordinários de uma criança, essa especialista: visivelmente
li ga ao personagem enigmático e complexo da mãe, a qu'\i ~IO I:::J
habituada a outras formas do fazer, deixouescapar, com um psicanalistas (há muitas mães na profissão!) só reser\. \)~ ~
suspiro, uma crítica que ela desejava visivelmente assassina: temura. "A mãe não passa de uma bela alma": esse título l"l1) ~
"Nunca tem diagnóstico l" Na verdade, observacão precisa. alguma coisa de misterioso e de atraente. cll) 'I.
MeSrno que apaixonado por certas patologias, que ele descobria A terceira parte, introduzida por Claude Landman, tf ~
com Julian de Ajuriaguerra (por exemplo, a dispraxia), e não do primado do simbólico, essa função regida pelas leis da I,a <\ t
recusando, na ocasião, detalhar longamente o quadro típico,
localizar suas modalidades e dele estudar o prognóstico, J.!<illl
e da linguagem. A cria humana é "falada" bem antes de ~"Ia :1
nascimento, quer ela queira ou não: forçada pelo significai) cII I
~erges, veremos seguramente nos textos que seguem, ~ertamente implicando a hipótese de um estatuto de sujeito em toqle, ~
não era um obcecado pela etiÇJuetagem. Ele sempre preferia as criança encontrada, o que cada um, aliás, podia ver em a; a li
uestões às respostas e considerava comum horror bem particular . >3 I
nas "apresentações" de Jean Berg es . Do consulente o I
a\) ~
c:> as representações"::pré-forJ!1atadas", lógicas, muito bonitas para
se~ve~e, visivelmente preparadas para um emprego e uma
consultado, quem se debatia, quem levava o debate?
Enfim, Éve lyne Lenob le, hoje responsável por ll~
exoloração rápidos.
Talvez por isso nào seja indispensável - o leitor se
--
equipe herdeira em linha direta de Jean Berges (Unité 1.
Psychopathologie de I'enfant et de I' adolescent, UPFI:!e
aperceberá bem rápido - possuir uma série de diplomas ou de Hospital Sainte-Anne, Pari s), se interroga, na quarta parte d ~ ,
fonnações com certi ficados para se encontrar na medida de -
co Ietanea, so b
re"sa ber e conI '
1eelmento ",so
b re questoes
- ~St.
aceder aos textos figurantes deste volume. É suficiente, sem concemel11 em seu mais alto grau àqueles que trabalham cl\ue 'I
dúvida, ter o espírito curioso e detestar o conforto intelectual. crianças çom dificuldade de aprendi zagem , como é o citsl1l '\j
No curso da presente obra, cujo corpo constitui, de alguma nessa unidade . Essa renexão , unindo observações, pesqui\. o I1
fom1a, o organizador central - confom1e anuncia seu título -, e terapias d esenvolvidas durante anos na " equipe Bergcs",tas ~I
distinguiremos quatro partes que se respondem uma a outra, . . OI I,
considerada , por longo tempo, como marginal pel. ~
fonnando um conjunto recortado de maneira forçosamente um
tanto artificial.
autoridades de tutela. Ei-Ia agora tornada fundadora de \i\ S I( I
reconhecido "centro de referência" internacional. 111 "
(11
22 o corpo na neurologia c na psicanálise

Um último conselho ao leitor: que ele não se considere


obrigado a adotar um caminho literário para estabelecer um
contato com o pensamento de Jean Berges. Berges apreciava
muito - para ele e para os outros - novas formas de escola
bllissol1iere' e não rejeitava os trajetos em ziguezague. Esses
textos for am escritos livre men tc . Que aquele quc toma
conhecimento se sinta tão independente quanto seu autor!
Claire Meljac
o CORPO
Psicóloga, Doutora em Psicologia
Eixo do corpo,
elXO do simbólico

NOTA

I cr. /.e per;! Robert, ed ição eletrônica, Ecole buissoflmere : escola clandestina mantida

na Idade Méd ia em pleno campo. N.R .


CORPO o
Eixo do corpo, eixo do simbólico
Introdução . Corpo a corpo, Claire Meljac . .. . 25
O corpo na neurologia e na psicanálise . ..... 29
Estrutura, função, funcionamento . . . . . . . . . . 30
Antecipação e função simbólica ............ 37 Introdução
Tônus e corpo falado : gesto, lógica, imagem 39
Fase do espelho e antecipação ...... . . . .... 42
Desconhecimento e corpo ,... .... .... . . . . . . . 44 Corpo a corpo
Desconhecimento e função materna ... 0.0 · · · · 48
Na criança, o simbólico é primeiro . . .. . . .. 50
Corpo e necessidade de .. imago H
•••••••••••• 56
Complacência da mãe em ser espelho.... . ... 61 Certos espíritos simplificadores gostariam de figurar o
Verneinung, "momento mítico" .. .. ....... . .. 68 trajeto percorrido, durante toda sua vida, por Jean Berges na
Imaturidade e antecipação. . ........... .... 69
A "Coisa" ..... .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
pesquisa do corpo volta e meia perdido e reencontrado, como
Nó borromeu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 uma linha reta prolongada por uma flecha indicando o sentido
poesia psicossomática . .... . ............... 78 seguido. M,.éili.c.o, pediatra, neurologista, a seguir psiquiatra e
Corpo e traço unário . . .... ... ... . . . . . . . . . . 80 analista , ele teria desenhado um esquema gera l, transportado
Saber e hipótese ............ . ......... .. .. 84
Hipótese e funcionamento do corpo... .. .... 88 um belodia, da mesa de dissecação para o divã , onde ele o
Leitura e adivinhação.. .. ....... . .. ..... . . 92 deixou repousar, enfim, em paz. Aventura em suma bem
A propósito do eixo corporal .. 0 .0... .••. .... 99 comum.
As crianças hipercinéticas . o o o . o o o" .,. o . O" 109 Se se deseja, entretanto, respeitar a lição que emerge
A infância do sintoma. progressivamente dos textos reunidos para esta primeira parte,
Lesão real e lesão fantasmática o. o •••• o ••• • o 127 e que insistem todos sobre o papel fundador do corpo tomado
Desarmonias de evolução na linguagem (tema que voltará também, sob uma forma ou
e desarmonias cognitivas . 135
o. o o •• o . o o o o. o •• 0 ' 0 o

outra, nas seções que seguem), não cometerá este grave contra-
Porvir do prematutro 147
o o o o o o. o o ., o, ••••• 0.0 .0 o

senso. Jean Bergcs não partiu de um ponto para chegar a um


Porvir da evolução psico-afetiva
no antigo prematuro ... o ••••• o o' o. o . o •••• o o 147 outro, segundo um itinerário econômico. Mais que a imagem
Até a idade de cinco anos . o o •• • o o • o • • •• • •• 147 euelidian a, a metáfora do oficio de tecelão se impõe, com seus
Adaptação recíproca difícil fios coloridos que se entrelaçam, conforme o desenho
entre a mãe e a criança . o o •• •• o o •• o o •••• o o 149
Na idade escolar ... . ... . .......... . ....... 150 (desígnio?), se co locam por cima ou por baixo , aparecem no
Seqüelas neuroló9icas sistematizadas seu brilho ou se mesclam uns com os outros para formar um
no porvir do prematuro O' o, •• • •• • • o •• •• ••• • 152 fundo contínuo assegurando as próprias condições de sua
Conclusão ....... . ........ .. ............... 154 cintil ação.
Resumo ............. . . . .. . .... . . ... . .... . .. 154
26 o corpo na neurologia e na psicanálise Introduçêio 27

Um de meus primeiros trabalhos em psicologia sob a tingido de gentileza (aliança sutil), dec larava então para o seu
direção de Jean Berges e a supervisão de Mira Stambak parceiro : "Ah, sim é muito duro' Eu treino todos os dias."
consistiu na elaboração de uma prova do esquema corporal, Quadro tão si mpático que era suficiente muitas vezes para
ainda utilizada regularmente pelos psicólogos e diversos reanimar a criança es tressada. Isto se revelava então num
pesquisadores. segundo momento, muitas vezes mais criativo do que se
Insatisfeito pelos homenzinhos que seus confrades fa zia m poderia acreditar.
as crianças desenhar regularmente, segundo um ritual que eu Compreensível: apontar os fracassos de uns ou de outros
suspeitava ser para ele muito estereotipado, irritado também não interessava especialmente a Jean Berges, sobretudo
pelos quebra-cabcças, cujas linhas a reunir indicavam de saída quando o corpo estava em questão. Era o aparecimento das
a solução, Jean Berges, com sua inventividade costumeira, primeiras construções, bem como a linguagem de onde elas
concebeu uma série de di spositivos originais. No momento emergiam e para a qual elas retornavam, num movimento
em que ajustava os testes de imitação de gestos e sua técnica perpétuo parelho ao da lançadeira do tecelão, o que buscava
de relaxação, destinado às crianças tomadas tanto pelas o teórico-clínico. Qualquer que tivesse sido seu ponto de
dificuldades psicomotoras quanto pelas panes do imaginário, partida, seu discurso reganhava incessantemente o espaço
ele criou, para o mesmo público, um material a primeira vista do corpo, designando seu lugar e insistindo sobre seu estatuto
insólito, cuja concepção, manejo e interpretação seriam de referencial permanente. A análise de Jean Berges retomava
conjuntivamente inspiradas nas teorias da escola de Genebra então um impulso surpreendente e uma nova força de
e nas metodologias projetivas. convicção: aquela mesma que ele soube fazer passar nas
Piaget e Rorschach: esta união potencialmente explosiva "meditações" que seguem e sobre as quais ele não cessou de
de duas visões muito di ferentes do corpo e do mundo lhe retornar.
parecia muito natural. Desde que lhe fossem submetidos os
Claire Meljac
primeiros resultados do escalonamento efetuado nas escolas,
Jean Berges os examinava maravilhado: corpos reunidos em
estre la, de onde emergia gradualmente um eixo central e, um
pouco mais tarde, uma construção simétrica e orientada, cada
produção de uma criança "vindo com tudo" "ou de um
consulente" oferecia um trampolim eletivo para que se
desenvolva a exposição de suas novas concepções. Os exames
clínicos que Jean Berges realizava tinham sempre comportado
um momento em que o corpo era diretamente interrogado em
suas funções e/ou seu funcionamento. As imitações de gestos
pareciam dificeis de fazer e o tanHam proposto impossível
de imitar pelo jovem sujeito? Jean Berges, com um humor
o corpo na neurologia
e na psicanálise

Fragmentos do seminário
de terça-feira
Hospital Sainte-Anne
1990-1991-1992

Eu intitulei meu seminário: "O corpo na neurologia e na


psicanálise". Gostaria de começar por um sonho, o de um
paciente que se encontra olhando um desenl~no qual ele
percebe que é um corpo, e 9.ue há umajJ~lena.excrescencíã>
uma mancha que não podc ser vista no espelho: e la não é
especul arizável.
Um outro paciente lê no seu sonho: A. B.; o A vira sobre o
pé e dá B.
O que me interessa nestes sonhos é que eles são sonhos de
g~o e eles destacam aSl!!§ p.onto o gozo falia ao apelo no corpo
da neurologia. O S2!P0 do sonho e o da letra, já que es.lli>
engajados na atividadc onírica, estãlU!!bmetidos por sua vez
aos efeitos de espC'iiiõ e, ao- mesmo tempo, há partes do corpo
ti que nào são da ordem do espelho. Como vocês sabem, para
-'I Lacan os objetos a não são especularizáveis, o seio, por exemp lo.
Este gênero de questão aparece sem parar, quando sc o lha
o corpo na ncurologia e na psicanálise, porque o coroo da
I~eurologia nasceu dos escombros da histeria. A colocação da
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o corpo na neurologia e na psicanáltse o corpo na neurologia e na psicanálise 31

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'", ncurologia consistiu essencialmente para Charcot em estreitar Com efeito, em particular na edição francesa, não está
o corpo da histeria. Como se o tomou? Pela passagem das evidente que o recalcamento faça parte do destino das pulsões.
"
,
imagens pelo real, neste nascimento dos destroços da histeria.
Somente, como sempre, este real foi de repente esquivado com
O reea1camento é tratado num capítulo independente e como
nós estamos prontos a recalcar assim que vejamos a palavra
o imaginário do signo. " reca1camento", nós apagamos tudo que precede, ou seja, que
Não vou me lançar numa discussão sobre a semiologia, o recalcamento é um destes destinos, para Fre_ud.
... mas numa direção mais perigosa, mais complicada, isto é, que Pode ser que naquilo que o dispositivo do reca1camento
-
~.
o signo tem a ver com a função em seu funcionamento. Dito de dissocia o afeto e a representação possa ser considerado ou
outra maneira, este real que funda o c~a neurologia é uI1)a
-
'-
-:-'
, r
-
tentaLiY<Ukultrapassar o imaginâno, mas a partir do momento
em que está en~stão o signo, ele é subitamente retomado -
interpretado em termos de relação imaginária e simbólica.
Tentemos avançar. Primeiramente, a função supõe uma estrutura
que a suporta e cuja maturação toma possível certo nível de
pelo imaginário. O signo é, portanto, mais~~ funcionamento , isto quer dizer certa evolução da função. Esta
quando responde a um fantasma de unidade, de certeza. "amadurece" por patamares embreados no funcionamento na
- Já que o signo é justamente a marca que tem a ver com a acepção deste tenno que se apóia sobre o ambiente, sobre os
função na medida em que ela funciona, como a função pode ser organizadores.
ultrapassada por seu funcionamento ? É bem a essa Esses organi za dores, no trabalho dialético entre a
ultrapassagem por seu funcionamento da função que Freud alude maturação das estruturas e a evolução das funções, não são eles
quando escreve em "Pulsão e destinos da pulsão" : "Qualquer mesmos nada mais, eu creio, que um erro de perspectiva
que seja seu destino, o que é essencial à pulsão é sua satisfação." tendendo a ignorar o que essa o eração tem de dia.lético.
Exemplos: as praxias, o esquema co ora
Quanto mais a imagem do corpo for evol ' a, mais as
Estrutura, função e funcionamento praxias sê-Io-ão por sua vez, e o uncionamento práxico do corpo
\
virá perfa.zer sua imagem no sentido do es~ema corporal
Agora evidentemente vocês me vêem vir de longe: é na neurológico (cf. Schilder). Assim, o esquema corporal não é,
medida em que a função mergulha na estrutura do orgânico, como pensavam aqueles que fi zeram seu trabalho após a guerra
quer se trate da função cerebelar ou da função biliar, que Freud dc 1914 sobre as lesões parietais ou sobre as amputações de
se encontra arrastado para o energético e a pulsão se enraíza no mcmbros, um caso de imagem inscrita no parictal direito. Essa
biológico. Dito de outra maneira, se se negligencia este elo entre imagem se encontra por sua vez, fundada, organizada e
a pulsão e a função, não se apreende bem a inclinação que Freud aperfeiçoada pela ação do corpo sobre o espaço e os objetos, e
teve de seguir para o lado da energia e do orgânico, porque é essa ação, essas funções práxicas são elas mesmas tomadas mais
justament~or meio dos acasos do funcionamento da função finas , mais conseqüentes por meio do aperfeiçoamento da
qU!ULÇQ!]Jo da neurologia se constituiu-:- - imagem .
A' or,l" wv.Y"'.'''- V h" [X~_
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Assim, nas praxias , a maturação das estruturas que Dito de outra maneira, o histérico, o que terá ele a expressar?
suportam a função motora permite sua evolução , que e la só deve di zer uma palavra e isto é suficiente. Dizemos que
mesma supõe e subjaz ao desenvolvimento da imagem nós lhe emprestamos a~~cte de entender as
corporal; é por este jogo que a motricidade se toma praxia e coisas e de súbito, o corpo se expressa. Na condição de pôr no
redunda no gesto. Este jogo de vai=.c:.vem tào fascinante na " imita" alguma coisa que tenha a ver com persuadir.
perspectiva ge n ética se chama a n~0B.ia do Abandono Babinski e retomo so bre a comp lacência
desenvolvimento. orgânica: é esta a satisfação da função até o automatismo? Uma
---A quesfãoradical que Freud propõe aqu i é a segu inte; satisfação da função que não será recalcada, ou mal recalcada .
quanto à satisfação: ela está aí ou não está? O prazer, ele está aí Dito de outra maneira, at.complacência orgânicO uma falha
ou não, neste intercâmbio de bons proccdimentos entre função, ' no_recalcamento da função? O trilhamento da função é
estrutura e funcionamento? Com efeito, a satisfação da função dependente da maturação da estrutura? É o problema das vias
e seu automati smo - pois a função evolui para um automatismo < de condução e de hi erarq uias funcionais com seu incessante
- a satisfação da função e seu automatismo, isto é, sua repetição! feedback auto-regulador. Este dispositivo regulador é o de uma
"no si lêncio dos órgãos" é isto a "complacência"fÊ"àe urna lirpitacão_da satisfaçãlLllo...fe.cdbac-k, do lado do princípio do
outra fonna que Babinski abordava a questão com sua teoria de prazer ou do lado do princípio de realidade.? Sobre este ponto a
histeria de imi~ó se imita bem o que se tem". "'uestão se põe sobre a plasticidade das vias à nova hierarquia,
O in~safQmllrla é que ele- falava do.J>rgão; em da resi s tên cia dessa hi erarq uia às no vas categorias de
resumo, não se imita bem a paralisia da perna direita a não ser funcionamento. Com a questão do princípio do prazer ou da
que se tenha um tumor na medula. Dever-se-ia talvez refletir de realidade, não estamos nó s em vias de perguntar sobre a
outra maneira sobre esta fórmula não virando a página com ar plasticidade das vias em uma nova hierarquia? E da resistência
de desgosto por se tratar de Babinski. Foi em resumo, uma crítica da hi erarquia de lugar para novas categorias ele funcionamento ?
de Charcot bastante virul enta. O que queria e le dizer por Por exemp lo, na medida em que estas supõem a exclusão de

persuasão?
n
L)f.e;,v- c...,"'v r
imitação, isto é pitiatismo, isto é a histeria, que seria da
h ·,:>.n'
No~orpo da neurologia - há poucos trabalhos sobre isto,
movimentos associados (como as si nci nesias), de suplência, de
convergência, na medida em que se põe a questão para a função
da perda de cer1a global idade, de detemlinado todo, para emergir
e, em particular, sobre o fato que os sintomas psicomotores são a uma particularidade do funcionamento. Esta questão se põe
de uma rara pobreza - todas as câimbras dos escritores são as todos os dias. Nós a mascaramos ao escre~'Retardo do
mesmas, qualquer que sejil o escritor. É isto que falta a des;9lvolY!Olênto..-sincilNsias generalizadas, não-di ssociação de
Buytendijk, que escreveu um livro muito interessante sobre essa movimentos, etc,", porque a função enmada na globaiiãaOê
crítica do corpo da neurologia, onde ele declara, por exemplo, não se torna verdadeiramente adulta senão ~ando ela perde
que ele se faz forte e não·tem reflexo na rótula só para não dar muitas notas do piano. Ela não vai mais tocar senão com um
este prazer ao neurologista. dedo, no lugar de tocar com as duas mãos.
I"r .R""", ~í"OiJSG:~ '1""1. ) ,(., ~4~·' ~~(" ''7t..
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34 o corpo na neurologia e na psicaná~ise o corp~na neurologia e na psicanálisc,,( n') 35
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É assim que é posto em dúvida o próprio sentido do feedback, "-. \!:\. E' O funcionamento inaudito de uma função que não está
•.llí..que-nuuc,! éJ1omesroo lugar da.função que retoma~ A... em oclusão, diminuída, raquítica, mas paralisada, defeituosa,
do funcionamento. Eu.creio que está aí uma criticag!!.e~oqe verdadeira amputação, privação. É o funcionamento da função
desferir ao primado do feedback na neurofisiologia. Se, com '~ que está amputado. O reca\camento primordial deveria ser
efeito, fosse um feedback,jamais haveria modificação da função ,- cvocado neste sujeito como rejeição, exclusão, e as funções em
ou do funcionamento. Não só pela experiência ou o processo de uestão batidas pela forclusão da imaturidade da cria humana
maturação ou de evolução, mas antes de tudo porque o homem é no nascimento? Dito de outra maneira, não é porque a criança é
~ uJ!!!l usina W!ra fabricar de modo inesgotável o significan~e, e ~ ];!e as funções são imaturas é porque ele é imaturo que
"Ir- qye..o..o.rgânico é serrulúvida, a máquina mais rentável da usina. ~~ lun ão se encontra excluída no sentido da forclusão, is~,
Dito de outra maneira, el~penso que devamos interrog~ o < • por causa a unçao não é ~e demais como na forclusão, mas
que os defensores da psicologia genética e da evolução ---- é 'cedo demaIS.
neuropsicológica consideran;- como fundamentalJ isto (, o Podemos destacar aqui os efeitos das duas implicações
~ a passagem n ã ao- funcionamento. O,...fato -
..- de jamais
...
a 9 aparentemente contraditórias na ordem da sensorial idade
1 funçao em seu retorno se ~SQ.ntrar ~o , auditiva do lactente, primeiramente, e ai já tento defender o
funcionamento é essencialmente articulado sobre o fato que que avancei concernente a essaf€TclÜsao a função o período
precisamente o orgânico fabrica signi ficantes simplesmente para • muito breve de sideração seguido de uma crise tôní o·emocional

~ Ii
1
0'7 o funci.Qllamento das fu'!.ções.
Alé.m disso, como dar conta de que as possibilidades
como a descrevia H. Wallon, quando uma voz não habitual ,
geralmente I~em se fazer ouvir em uma tonalidade
sinápticas e seu número se desbastam muito rapidamente? baixa e com uma intensidade bastante forte, qualquer que seja
Desde as primeiras semanas. Trata·se de efeitos de um não· a nuance de afeição ou dc reprovação que a anime. O bebê até
funcionamento, ou então, da repressão do orgânico sobre cntão atento e calmo, às vezes sonolento, fica de reRent~gitado
o funcionamento de funções eventuais? É assim que eu ,- um choro Incoercível e com estremecimentos por todo corpo
teria vontade de colocar esta questão desencadeada pelos llntcestuoz grossa, verdadeira reprise do reflexo descrito por
.l neurobiólogos. Pl<,rdemos urn.a-g~e proPQLçli,o de nossas Mo;o nos primeiros dias de vida. Como se esta voz grossa fosse
~-, si!lap~s nos primeiros tempos de nossa vida. Será porque não ouvida cpmo um i n1Rel]ti vo, d~ interdição. A tempestade
funcionam? Como o olho está perdido porque é estrábico? Ou vasomotora e tônica em flexão, a revoluçâo respiratória que
será o efeito da repressão do orgânico sobre as eventuais funçQes lIcompanha estes choros não nos mostram em que as funções
cujo funcionamento ultrapassa a elas mesmas? É talvez nessa fonatória e respiratória são transbordadas em seu
medida que escutamos C!larles Melman dizer algumas vezes: funcionamento? Eu vos sugiro considerar a violência do
r> "O or ânico é o inconsciente." Em suma, essa repressão seria
ter nas mãos uma reprise em direção a morte. E este um caso
s igni flcante im,Eosto..Qelo ou.1ro na ausêfiêTã de alguma
l11ensagem. A cri!!ll&_a não emitiu nenhul11a mensagem e a voz
particular do que.Ereud.cl,lama a regre~ou é um destino a jt'ossa é o significante imposto de maneira imperativa. Mas, é
mais para pôr no capítulo de Além do princípio do prazer? bem na ordem da voz, de seu funcionamento laríngeo-
36 o corpo na neuco logia e na psicanál'ise o co rpo na neurologia e na psicanálise 37
f

1'1 respiratório que se g:oduz o tral~orda~o. Transbordamento Seu sistema de neuronlos está feito aí de estádios, de '~
~
-? daTmíção tomada na falta do apelo. Se há uma resposta, não deslocamentos, de derivações. O que eu vos proponho, porque
~
~ houve apelo. Pode-se andm até aQançar que é do lado em que se o constata todos dias na clínica, é considerar que a~ ,
"isso fala" também, do)ado do Supereu , que o corpo foi a solutamente dependent d~ ~r
transbordado na função~Em segundo lugar, ao inverso, já que pcrfeitamen e IIlcapaz de veicular func 'onamento em uma t
rompendo o silêncio assim cortado, repercutir o apelo do grito dVeçli<L (por exemp o, a motricidade) , enquanto é ~
e seu acompanhante postural, axial, de flexão, etc., se ela não perfeitamente capaz de veicular funcionamento em outra ~
encontra alguma resposta, o grito retoma ao silêncio, privado " direção, a da vista, por exemplo. E isto que acontece com o \,.,
de todo sentido, grito real de não ter feito qualquer corte na csJlclhD. O esJtdio do espelho cônsiste em destacar que o bebê <!
cadeia da hngua materna; a pnvação do funCionamento da fala vê muito melhor do que se move. Assim, o que acontece diallte
,, "q
da mãe, reenviando o grito ao campo do impossível. Estes dois do espelho é uma estimulação de 111;; funcionamento que tem
exemplos tirados do que passa pela orelha e do funcionamento
da função fonatória, ainda que quase que inversas me parecem,
I li ver não com uma representação, mas com alguma coisa da
' ordem da imago, com o fato de tomar uma forma. A forma , eu
,.
:.,
~
sem dúvida, de natureza a apoiar um pouco o que eu digo da posso também tomá-Ia com os braços, me colar ao espelho; é
forclusão, por imaturação do homem ao nascer, de certas isto que fazem algumas crianças que vêm se colar ao corpo
funções. daquele que fa z os gestos, por exemplo. O funcionamento
~

Desde já, a imaturação terá como objeto á,[unção)no seu padece da imaturidade da função.
s~orte orgânico e não sobre o funcionamento, is.!Q e naquilo \
que o corpo será com etente no seu en a' amento ao si i ficante,
que está aí. A imaturação da função piramidal, por exemp o, Antecipação e função simbólica
não veiilãCompanhar o déficit da antecipação, do projeto, da
empresa; ela desencadeia mais seu funcionamento nas avenidas A imaturação da função piramidal, para retomar o que eu
em que a imaturação é menor: a oralidade essencialmente, o dizia, não acompanha o déficit de antecipação, do projcto, da
olhar e o eixo do corpo. A posição ereta é impossível: eis que cmpresa, que não tem nada a ver com a função motora, mas
faci~ta a ereccãO-O-iníc1.o da imago do espelho. Isto é, algum3.1 com o funcionamento, isto é, uma antecipação, alguma coisa
coisa que tem a ver ~m a representação. A ~em sustentar
• a postura ue tem lugar aerepresentaçãõ ou, ao contrário, é ela
da ordem da representação, que pode ser perfeitamente oral,
ou levada pelo olhar, ou pelo eixo do corpo : por exemplo, a
, a ulllca a poder seguir a representaçãQ1 criança recém-nascida virando-se em dlreçao a um ruído - se
Esta questão da derivação de um funcionamento, a função Il ruído cessa, a criança olha em sua direção, ela antecipa com
não estando madura , em direção a um circuito onde ela o será scu olhar o que não se produ z mais nos ouvidos. Nós temos a
(como por exemplo, a manutenção do eixo do corpo enquanto Id éia que as crianças não podem antecipar senão a partir do
a motrieidade dos membros é ainda imatura, o que é evidente momento em que elas fa zem movimentos ªntecipatórios. Nada
na fase do espelho) lembra o que diz Freud no seu Projeto. di SSO. -
38 o corpo na neurologia e na psicanáli~e o corpo na neurologia e na pSicanálise 39

Muito tempo eu pensei que a Rostura tem lugar de resposta a uma mensagem ue ela não mandou ; há.entãq um
reQ.(l:s.e.uta~,
eume pergljnto a&Qr~e, ao contrário, a postura S2: esta não e a mensagem vinda do outro sob orma invertida,
não é a única a poder seguir, acompanhar a representação. tiiãs é õ oUtro qUe ree!1vta a inversão ~1 g~e nada lhc tenha
O que está em jogo na anteCipação se situaria assim, sido demandado. 1st idera ão que sêjjõcle Fer
do lado do figurativo antecipado, e de imediato ~ efeitq de interpretacão. É a violência do significante na me Ida
ç> I está_em causa bem antes do eu. E se pode perguntar ~ 7 'em ue eu sou tomado em falta de não ter pedido. Pode-se quase
o desconhecimento, que é a marca fatal que porta o eu, não ten.!,. ') dizer que é do SLSt. uer Izer que a questão se põe de saber
, a ver com o fato de que o eu sera de tato ultrapassado pelo se~ neste caso, os efeitos da despersonalização, da
funcionamento. dessubjetivação que representa a crise tõnico-emocional do
O sina l neurológico , quanto mais forte, mais é bebê, se esta resposta sem apelo não produz uma reversão, S2
fantasmaticamente investido, pois eu o encontrei, eu S I. Concebe-se que uma interpretação possa ter um eféito desta
encontrei o objeto que não anda, a lesão de um lado, e do -;;;:dem oÉ ao nível das mesmas funções e das mesmas estruturas
outro lado, para buscar o signo, eu me sirvo do corpo como que se constitui a resposta. À voz grossa responde alguma coisa
de uma simetria. Eu estou lá no imaginário mais completo,
ainda que a neurologia sirva para desentulhar o imaginário
da histcria para estar no real da lesão.
que tenha a ver com a voz: o grito, a respiração; o slpereu é um
objeto a, mas "isso" fala; dito de outra maneira, a este imperativo
o \?~Iá comj2etente Qara OllVjr..c0J!!9 ~mperativo, mas
I
Eu coloquei este sonho no começo do seminário, pois é ele é incompetente para fazer outra coisa senão estar siderado;
um sonho. É uma solução de sonho. Nós estamos sempre em cntretanto;ele responde Ütjliza~o os mesmõs ITIc ios de \ ,-
vias de aplicar soluções de sonho, cada vez que é possível; nós transmissão: a voz, a respiração, etc. A motricidade não está
estamos cegos pelo sistema que consiste em dizer que há a madura, mas a voz, o olhar, a respiJ:ação,..s.im,. É uma prova guc
estrutura, a função, o próprio funcionamento obrigatoriamente o funcionamento funciona com qualquer função, porque é
ligado à estrutura. Mas, será que as duas coisas têm algo a ver tomado pelo significante.
uma com a outra? Por exemplo, é absolutamente certo que a
f
antecipa@o existe sem nenhuma motric~. a questão do
~ transbordamento da função pelo funcionamcnto. E uma repressão
ou um recalcamento? Há uma incompetência da função para
Tônus e corpo falado:
gesto, lógica, imagem
\
manter o funcionamento? Em neurologia , procura-se
habitualmente a incompetência da estrutura: o corpo na Qual articulação estabelecer ou locali zar entre o tõnus e o
psicanálise não põe a questão da incompetência da função em corpo falado? Do lado do gesto, da lógica, da imagem.
relação ao funcionamento? Do lado do gesto, destaquemos a importância da
C~, o orgânico fabrica o significante e a questão é ltntecipação, do projeto motor em suas relações com a própria
da competência do corpo para sustentar o significante. Tomemos relação tônica. Neste dispositivo estratégico posto no lugar pela
.- ,- :ta voz grossa: isto consiste nara a criança ter uma ~s trutura que subjaz à função, o funcionamento motor e a
------"-'
40 o corpo na neurologia c na psicaná lise o corpo na neurologia e na psicanálise 41

motricidade criando seu campo de onde pode emergir o gesto, fato de que "isso" se repete de forma automática, e que, de certa
desencadeamento embreado na lingu~gem ou também na fala. maneIra, este "automaton" faz parte do funcionamento que
O ~sto éjs>mado ao pé da letra do di/o, e a melhor ocasião de desborda no que o eixo do corgo e o tônus estão il~licados nas
se dar conta é precisament~~IYar ~g.estos do leitor, mais ritmias, nos balançamentos, etc.: o corpo como "coISa" no
ue do narrador:-Não é do gesto que emergirá O sentido, é o qüe sentido -do das Dillg, se achará preso na cadeia significante,,ªõ
"lI vem e.lll-Se~, que.JllOdela.-q~ vetoriza o gesto. mesmo tempo em virtude da ~ão, mas também nogue faz
11 Do lado da imagem, o tônus dá seu esqueleto, sua alma, parte da demanda revezada pelas respostas capitais da mãe.
se!!...,engomado e uma parte de seu brilho ao brasão do corpo. ~ É as se üências furadas da adei ue se situa ares õStã da
Empresta-lhe seus ovéns, seu eixo; e de imediãiõ, expõe a I,.. mãe, resposta que pode ser a IIIChé, o golpe de sorte para que no
divisa que o simboliza, torna-o legível. E é nesta direção gue '-:;wromaton" no qual é tomado o funcionamento da função, a
vale melhor interpretar no que o corpo está ligado no léxico, à mãe seja su ficientemente competente para vir intercalar a
~ selIlân!.iGa.-e.. às expressões correntes, não só do lado d.2,s resposta com perfeito conheeimento. O corpo partido é o de
si&!1ificantes, ma-i,mais do lado das significações. Aí é -'1 todo o mundo desde Que não seja mais mantido pela linguagem.
\ essencial apreender em que o tônus, na medida em que torna - Mas, dito isto, queJllÇlhor argumento pode-se avançar para
legível a divisa.dobrasão do corpo, está do lado da significação pleitear a~usa da imatura~qyersistente, humana em suma,
~
;e não do lado dosignificante. Uma vez que, em psicossomática das funções e de seu funcionamento e que prolonga a do
se faz pouco caso dos significantes do corpo aos quais será nascimento, do que ir olhar nos caminhos de revezamento em
atribuída uma espécie de primazia cada vez que o corpo se que os significantes os levam? O que nos pernlite sem dúvida
achar questionado em suas diversas partes, funções, aproximar esta função do Eu sobre a qual Lacan chamou nossa
disfunções, e em todo caso, do,Jado das relacões do tônus é atenção, ou seja, o desconhecimento. Este desconhecimento
_ .-I\m~s de significacão gue se trata. Dito de outra maneira, tende para a imaturação e aos "esfot:Ços" de ultrapassagem e de
) V naquilo Que o simbólico é ligado ao imaginário. E~ ~ recuperação do funcionamento em vista da imaturação da função
lí!lgua, "os braços me caem", "tenho as costas largas''', etc. e das estruturas: assim esta, finalmente, nessa es écie de relação
são como especles de pseudoprovas ue o si ni ficante estalá d~e é Imaturo (a saber, o h mem) e o sin~
em operaçao numa eterminada modalidade do l ~ no~antS9!io desconhecimento tem sua função
funcionamento, eu tena mais tendência a sublinhar que é de neste desvio: trata-se do desfalccimento da imagem a conter a
si~, não de significante, e que não é com imaturação, isto é, ultrapassar o que a imagem do corpo tem de
essas signi ficações que se poderá abordar, por exemplo, a especular em relação a suas funções? Tocamos aqui num ponto
holófrase e o não-corte entre SI e S2. Dizer "isto lhe ficou no a elucidar das relações entre as funções tônico-motoras, por
estômago" não constitui interpretação.-,- exemplo, e a lógica espacial? Efetivamente é bem disso que se
I Do~ da !Q$Í!i.a, enfilt!, gue articulação localizar entre o trata quando abordamos as relações do corpo com o objeto nas
tônus e o corpo falado? Os balancamentos, os ritmos, as dispraxias, nas dispractognosias e suas articulações com a
estereotipias e seu encontro com o "automaton", isto é, c~o imagem mental.
42 o corpo na neurologia e na psican~lise o corpo na neurologia e na psicanálise 43

Pode ser que possamos fazer aqui um parêntese ~a destacar na jubilação é que ela antecipa _a
retrospectivo e col09'r aí o que se diz habitualmente da imitação, ~obalidade da imagem. Talvez se pudesse ver aí alguma coisa
da questão da exploração do espaço pela retina, da prontidão a ordem do que faz ambicnte (cf. Winnicott, Balint, etc.). Em
das células retinianas antecipando o movimento ocular. todo caso, para situar ao nível de uma imagem não
E também como o fato de apreendcr por meio da lin guagem especularizada, isto é, de um objeto.
escrita apOJ10u isto que eu chamarei de uma distorção definitiva É nesta questão que se instaura a dialética da ausência sobre
na memória e no desejo de aprender, levando o corpo como o fundo de presença e de presença sobre o fundo de ausência:
instrumento dessas aprendizagens, não do lado da articulação, I~O é apenas a mãe todo-poderosa que aparece e desaparece,
da voz e dos ouvidos, mas do lado do corpo escritor. mas a imago da própria mãe se toma dispensadora de objetos
símbohcoCO objeto de amor é primeiramente a motricidade
,r que faz liã lo, e a própria imagem do corpo. Isto consiste em
~ Fase do espelho e antecipação delegar ao corpo e a sua posturo-motricidade enquanto objeto
em volta da imago, alguma coisa da ordem da desaparição e da
~t
Voltemos ao desfalecimento da imagem de quando Lacan aparição habitualmente devolvida à mãe todo-poderosa. E no
descreve a fase do espelho: é necessário tcr em conta o que Cll:-. mesmo golpe, esta presença/a usência, em sua relação dialética
p~ por conta da antecipação, a saber. o gue corresponde à abrangendo a questão do objeto simbólico, põe a questão da
.~ jubiJili;ão e à própria imagem. N~stádio do esp_elho, não há motricidade como objeto de amor e da própria imagem do corpo
senão imagem. A antecipação cstá najubilação. (funcionando). É uma maneira de abordar o narcisismo quc
De fato, os movimentos desordenados que cercam a parece dever ser levado em consideração em Lacan no
imagem espccular fazem palte do que não é especul arizável: a nascimento do que se chama o objeto.
motricidade aparece assim em sua essência não especu lari zada Neste ponto, não é indiferente notar que cste objcto
e da ordem do "a". É, me parece, o que há para reunir ao olhar não-especul arizável, a motricidade;..1!-P0stura, se encontra
do outro na relação oblíqua com o objeto, à imagem: esta relação instituído, dado como simbólico pela mãe, que não é nutridora,
oblíqua ao olhar do OutTO é certamente questão do testemunho mas atuante, sustentadora, envolvendo a imagem de sua
do Outro, de seu suporte, de sua "exlistência", como diz Lacan, gestua lid ade, de sua atitude, e não somente de seu olhar.
mas também põe em jogo uma relação lógica da posturo- O funcionamento de sua própria motricidade, para ela a torna,
motricidade com o objeto. Eu penso que se pode juntar a este scm dúvida, "su[jcientemente boa", no sentido de Winnicott,
objeto do olhar do outro, o objeto motor circundando a imagem não do lado do afeto, mas enquanto suporta o transcurso, pelo
no espelho e que, ele, não é cspecularizado: a motricidade como seu funcionamento, da função imatura. Leia quc reali za o
halo, como suporte. É uma maneira talvez de entrever o que sc ~ólico tem de antecipado. A nominação dos eleItos
di z da "mãe-ambiente", disso quc nos momentos importantes de seu funcionamento , os comentários, vindo situar .no
das fases do corpo teria a ver com um suporte da mãe: scus simbó li co essa ultrapassagem . A forclusão inerente à
braços, etc. Lacan vê estc suporte pelo lado do olhar da mãe. in:Wuridade da função e ãss i1:;:;- ultrapassada pelo simbó li co,
44 o corpo na neurologia e na psicaná!ise o cocpo na neurologia e na psicanálise 45

constituindo interpretação, ultrapassando o limiar da privação Eu vos proponho , num primeiro tempo , que a
c tornando possível a frustração. Este nào será pelo limite, a representatividade, a imagem mental, a função imaginante não
espera, j> diferencial, mas é mais pela simbolização que se estão na ação, na própria motricidade, mas mais no fato de
1I instaurará a castração. E é pela entrada do desejo da mãe. na serem impossíveis. Este, em primeiro lugar, permite não curto-
sua Bejahllllg, sua afirmaçãõ, ue se instaurará a Vem eillllllg, c ircuitar, mas falar de outra maneira das imitações (é neste
'Vi> a denegação, marca a no canto da imatwacão. E~ mesmo sentido que Freud diz que não há pulsão de imitação): abordar
goJpe, a imagem mental tornará possível o pensamento. ~ a imitação por um outro viés que o de Wallon ou Piaget, em
então não p.uC-elll..J.Qgo a aÇjo, a motricidade, mas sim , seu que após o estádio de imitação alienante vem o de imitação-
inlpossí vel> no que ele é inscrUo nos imbólico pela o posição ao modelo, etc. , o que supõe que a ação criaria a
incapacidade do imag inario especular. Dito de outra mane ira, imagem. De onde procederia , em segundo lugar, que a
o imaginário do corpo espec~lar é incapaz de suplementar a representação emerge desta imaturidade motora, justamente
função imatura, sendo o pedestal do desconhecimento ligado porque a ação não é possível.
ao corpo e cujo eu constitui sua função. É deste lado que é Isto fica particularmente esclarecido pelas técnicas de tipo
preci so fa zer o es forço: este funcionamento é de qualquer relaxação. Efetivamente, os efeitos da relaxação ao colocar em
modo o campo de uma espécie d e concorrência entre a zero o tônus, tornando a ação impossível , traduzem-se pelas
imaturidade por um lado e o s ignificante pelo outro; e é aí que imagens. As melhores indicações da relaxação são precisamente
se deve pôr muitas di sc ussões sobre o corpo ou o eu. as panes do imaginário.
É assim que se funda em suma o pedestal do
desconhecimento ligado ao corpo e do qual o eu faz sua função.
Desconhecimento e corpo O desconhecimento parte desta imaturidade motora, desta
incapacidade do imaginário no sentido da imagem do corpo,
o desconhecimento trai um recaJcamento de uma imagem que permite justamente esta fixação ao signi ficante . Eu lhes
do corpo ou de uma função? Qual o elo entre corpo-imagem proponho uma ilustração clínica: um paciente, depois de uma
dado a ver e corpo-função a tal ponto que a função é transbordada neuropatia juvenil, precisou sofrer uma diálise todas as
pelo funcionamento? semanas ao longo de dez anos. Durante estes dez anos, os
Finalmente, este desconhecimento é conduzido pelo dito, médicos e ele mesmo consideravam que sua vida estava por
com a representação de palavra? E, então, pode-se perguntar um fio da diálise, isto quer di zer que as dificuldades técnicas
qual é o lugar do simbólico que consiste este desconhecimento? eram ameaças pernlanentes à sua sobrevida, a precariedade
É a isto que se faz alusão no corpo "sólido", no eu "sólido", no dessa sobrevida sendo destacada pe las mortes sucessivas de
eu "consistente". Ou bem, será que esse desconhecimento é pessoas em diálise com ele. Ele continuava o único
conduzido pela somatologia, isto é, que o signi ficant e desli za sobrev ivente. Sua angústia de morte tanto quanto a insônia
sem cessar sob o funcionamento que estará ocupado por uma acompanhada de desencorajamento não apareceram até o dia
palavra? cm que se fez o transplante renal.
46 o corpo na neurologia e na psicanalise li rnrpo na neurologia e na psicanálise 47

Após seis meses ele não tinha mais, no dizer dos médicos, I:vidcntemente, não tem o mesmo estatuto em relação ao
qualquer razão de inquietação por sua saúde plenamente desconheci mento, segundo o que este tem a ver com a imagem
recuperada. do corpo ou com a funçào. Assim, o desconhecimento é a função
I Para retomar os termos de Freud: neste caso, o perigo era essencial do eu, em relação ao objeto parcial ; para apreendê-lo
"exterior", a função renal sendo garantida por uma máquina nno podemos assimilá-lo, confundi-lo nos dois casos.
extracorporal. A partir do momento em que o rim é transplantado, Nessa posição, o objeto parcial deve evidentemente ser
o perigo se toma "interior"; pois a função devolvida a um órgão consi derado numa articulação do desejo da mãe, pois ele está
transplantado vem, em suma, se colocar do lado da pulsão de tomado em sua linguagem e não em sua motricidade. A mãe em
mope, que tem como um dos destinos o recalcamento. sua motricidade ou postura de apoio, animadora, mimadora,
fl Articulação entre a função de desconhecimento, na sua alienante, constitui dessa maneira uma continuidade entre o
relação com o recalcamento e a posição da mãe como a máquina IlIluginário especular e o corpo que funciona. Ela não faz mais
de diálise, ou seja, extracorporal, a mãe completando a função; qu e sustentar, que acompanhar, ela é prolongamento; isto quer
eu creio que esta aproximação com a experiência de diálise pode di/er que esta máquina extracorporal, ao fazer a função, pois
ser uma maneira de abordar, do lado do desconhecimento do tem a imaturidade do lado da criança, está em continuidade
objeto de M. Klein, não somente como objeto, mas como uma l'ntre o imaginário especular e o corpo que funciona . É aí qu e
função. Dito de outra maneira, nào como um objeto que resta se si tuam as identificações, quaisquer que sejam elas, porque a
para definir na sua qualidade, no interior ou fora de um corpo 1I11Ie fala. O objeto parcial por outro lado, não é alienante pela
imaginário, mas como um objeto tendo a ver com o corpo na função, pois não fa z parte do especular; de certo modo, está aí
medida em que ele funciona; isto é, que a função se encontra na 11 descontinuidade que põe em jogo a função de objeto parcial,
ocorrência assumida, assegurada por uma máquina externa: a isto é, como di z Lacan, ele é separável e assim escande desta
mãe. Isto pode ser em princípio, essa relação com o corpo separação a continuidade entre o imaginário do corpo e a função
funcionando mais que naquela da imagem do corpo em que se da mãe. De modo qu e a função se autonomiza na criança, ou
encontram instalações de condições das diversas modalidades melhor, ela perd e se u lado extracorporal por meio das
de recalcamento. O desconhecimento nessas relações com o probab ilidades de funções do objeto parcial.
recalcamento se apóia no imaginário do corpo ou no imaginário É por isso que a privação, oposta à frustração, me parece
de suas funções? ser algo de bem importante na postura e na motricidade da mãe.
Nós vimos que a imaturidade das funções necessita o () co rpo da neurologia manifestamente lesado em uma de suas
desconhecimento do corpo naquilo que a função não será I\mções, em particular nas fraqu ezas moto-cerebrais colocará
representável , pensável. Com efeito, o que representa no de modo muito agudo este tipo de questão : quai s são as
desbordamento da função, ou do funcionamento, uma parte l'\lndições das diferentes mod al idades de recalcamento ?
deste, é o objeto parcial. Dito de outra maneira, o objeto parcial O desconhecimento da parte que suporta a perda de função é
tem a ver com o desbordamento da função pelo funcionamento , 11111 traço constante da clínica, o que não é de admirar. Sempre

na medida em que ele representa parcialmente a função. do lado da neurologia, se está no direito de destacar que o
..;1.
() corpo na neurologia e na psicanálise
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o corpo na neurologia e na psicanáqise
48

Mas, nesta postura , ela mesma campo onde jogam as


desconhecimento não é somente uma função essencial do eu , funções Iônicas e motora s bem como os exageros ou
ele é também uma condição da função orgânica. Eu teria como desvarios da função motora em sua imaturidade, não se trata
prova dois exemplos: a lateral idade (impulso motor laterali zado) so mente da ima ge m, ma s tamb ém de estesias, de jogos
e os fenômenos de neutrali zação na visão binocular. Ilrticulares, de tensões viscerais, de impulsos respiratórios,
que eles tamb ém estão embreados no desejo da mãe , e
especialmente no seu discurso sempre mais ou meno s
Desconhecimento e função materna saturado de conhecimentos, mais ou menos derivados nas
I"unções ori{iciais em se us efeitos.
Voltemos à questão da mãe a propósito do Do lado do olhar e da imagem no que concerne às
desconhecimento. A questão que me parece relevante da imagem Imitações, vê-se bem que o recalcamento é posto rapidamente
que eu destaquei de um lado e da Função de outro, nos revela em operação. Paralelamente, tudo que lem a ver co m o grito,
que a mã~ece, com eFeito, encontrar-se em dois lugares ao os eslados de tensão, a respiração, os impulsos , etc ., isto é, a
mesmo tempclTror uma parte, do lado da imagem do corpo, ela co locação em jogo do que se pode chamar a cenestesia é
é ai ienante como no graFo de Lacan, do lado do i(a1 onde ohleto do discurso da nlãeÉ um di sc urso qu e sabe o que é
a=outro. Ela é alienante do lado da imagem do corpo por meio ~' mpurrar, gritar, manter-se firme, especialim:I.lJe "aquilo que
das mais precoces imitações até as funções de representações In desãjo da mãe tem de fálico. Para poder gozar des sa
imaginárias das identi {icações a um traço de seu corpo ou a um Icpresentacão fáli?ô é p~c.iso sair de seu corpo; o gozo fálico ~
traço de uma lesão (fraquezas motor-cerebrais, por exemplo). II~O está no corp<l e modo que a mãe se situa num segundo
As funções motora e postural vêm aqui constituir engodos, 11I ~.ar, outro que a9uele da imager;:;do corpo, a saber, o dos
capturas. O olhar da mãe serve de guia e de testemunho aos Ilhjc~os parciais. E enquanto as Funções são representadas
eFeitos da postura, embreando essas imagens no seu desejo - p'llcialmente por esses objetos que a mãe, independentemente
é o lado i(a), o lado da imagem à volta da qual se "enrosca" de seu discurso em relação a estes, tem um outro lu gar na
o desejo da mãe. Mas, aqui, a própria evanescência dessas IlI cdida em que ela man tém o lu ga r de Função suporte do
imit~ões em~nções precocissimas (que desaparecem IlIlI cio namento em relação à imaturidade da fun ção da
depois de um mês, entre um mês e dois meses) levanta a questão 1"IllIllça. É ni sso que o corpo da mãe está como complemento,
de seu recalcamento enquanto ligadas a que o esquema corporal 11 1nlongamento do da criança enquanto ele fun ciona, e não
que disso é uma representação e prenderia a imago, se encontre li,' sua imagem.
do lado que se nomeia a imagem inconsciente do corpo. /\ antecipação é o fato do Funcionam ento agarrado ao
Já que E ...Dolto Fala da imagem inconsciente do cOl]]o, eu 1f\ lulicante e não da suplência da função que constitui o corpo
creio que ela Faz..a\!!§líP ao que é recalcado dessas imitações muilo 1"111 IUl1cionamento da mãe; de modo que neste caso, i(a) não
precoces. Fica-se obrigado a supor alguma coisa da ordem de 1"111 11 ver com a imagem do outro, mas com o objeto parcial.
uma representação tendo a ver com a imagem do corpo. E esta '\11111 , II U é o objeto (objeto a não-especulari zado) .

-
imagem inconsciente do corpo é o eFeito desse recalcamento.
~

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