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CURSO: HISTÓRIA
DISCIPLINA:
PROFESSOR:
O PROTESTANTISMO NO BRASIL:
Da Reforma Protestante até sua chegada em Patos de Minas
PATOS DE MINAS
2021
DAVID ROSSINI DE SOUSA ALVES
O PROTESTANTISMO NO BRASIL:
Da Reforma Protestante até sua chegada em Patos de Minas
PATOS DE MINAS
2021
1
SUMÁRIO
OBJETIVOS .................................................................................................................. 4
METODOLOGIA .........................................................................................................
INTRODUÇÃO .............................................................................................................
5 AS IMIGRAÇÕES E O PROTESTANTISMO..................................................... 19
2
5.1 DANIEL PARISH KIDDER ................................................................................... 23
CONCLUSÃO................................................................................................ ...............38
3
Objetivos
Metodologia
Introdução
4
De tal modo, inicialmente contextualizaremos de que forma a Reforma
Protestante preconizada por Martinho Lutero na Alemanha, cindiu a Igreja Católica e
abriu uma janela de oportunidades para uma reforma eclesiástica e, automaticamente,
para novas religiões e novos modos de adoração ao sagrado, novas epistemologias e
interpretações da Bíblia. Abordaremos os antecedentes da reforma, e as teses luteranas
que a fundamentou, os sucessores de Lutero e a própria contrarreforma católica.
1 – A Reforma Protestante
5
consolidação da modernidade. De todos esses acontecimentos históricos que
representaram a passagem do modo de vida medieval para o moderno (veremos sobre
eles adiante), julgo o principal ser a Reforma Protestante. Fruto de uma série de
movimentos intelectuais que serviram de motivação e que selou o declínio medieval.
Foi também, sem dúvida, o movimento que mais impactou, tanto em termos sociais,
como políticos e econômicos. Segundo o sociólogo Max Weber, a influência do
protestantismo, em termos econômicos, foi de tamanha relevância que colaborou para o
surgimento de um novo modo de produção: “a fé reformada parece ter promovido o
desenvolvimento do capitalismo” (WEBER, 2001, p. 41).
A Reforma Protestante carrega seu peso na história, e muitas vezes esse peso é
reduzido, mal compreendido ou compreendido apenas em partes, da qual comumente
fogem do contexto e da totalidade dos eventos, fortalecendo assim, visões
preconceituosas e equivocadas sobre o tema. Em vista disso, é necessário e
imprescindível não reduzir o protestantismo a isto ou aquilo, a fim de evitar equívocos
comuns, pois: “É bem verdade que os caminhos do destino humano só podem
amedrontar a quem dele observa apenas um segmento” (WEBER, 2001, p. 32).
1
BURCKHARDT, Jacob. A cultura do renascimento na Itália: um ensaio. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009. p. 407.
6
Toda quebra de paradigma sócio-político gera uma instabilidade e consequências
inevitáveis, tanto em níveis políticos como sociais, assim como, toda ruptura de tradição
religiosa gera um cisma e novas interpretações acerca da doutrina. Tratando-se da
Europa do século XVI, em que havia uma forte união estabelecida há séculos entre
Igreja e Estado, uma ruptura religiosa abalaria não somente a Igreja, mas
consequentemente toda a estrutura social, política, econômica e cultural. A Igreja
Católica, institucionalizada e aparelhada ao Estado desde os tempos de religião oficial
do Império Romano e desde as alianças com a dinastia Carolíngia, aproveitando-se da
legitimação concedida pelo Estado, usando de sua autoridade religiosa e de sua
dominação social, tornou-se o principal aparelho ideológico da sociedade europeia,
vindo a se tornar a condutora da vida medieval em todos os aspectos: classes sociais,
educação, política, tudo estava sob o controle direto, ou indireto, da Igreja Católica. À
vista disso, a Reforma Protestante ao confrontar a autoridade da Igreja, ataca
consequentemente também tudo que dela deriva, abalando as bases medievais da qual
ela se sustentava. Em virtude do importante papel exercido pela religião e pela Igreja,
inaugurar uma nova, com novas teorias políticas, novas visões acerca do papel do
Estado, novas epistemologias, novas pedagogias, além de uma nova Teologia, era um
ato sem precedente.
7
Esse documento convocativo continha 95 teses a serem debatidas, e as indulgências
foram um dos principais fatores que levaram Lutero a elaborar as teses, uma vez que
eram exploradas de forma comercial pela Igreja, afins lucrativos, e o comércio delas era
sua principal fonte lucrativa, sendo comumente vendida de forma corrupta e abusiva aos
fiéis. A fixação das 95 teses na catedral de Wittenberg por Lutero marca o estopim da
Reforma Protestante.
Apesar das teses, Lutero não foi o primeiro a se descontentar da forma como a
Igreja estava sendo conduzida nem o primeiro a denunciar as práticas corruptas do
clero. Os chamados pré-reformadores, clérigos como: John Wycliffe na Inglaterra, John
Huss na Boêmia, e Jerônimo Savonarola na Itália já denunciavam os abusos da Igreja
séculos antes. Os três não foram contemporâneos, viveram entre os séculos XIV e XV,
momentos conturbados na história da Igreja Católica, e não seguiam uma única linha de
raciocínio, porém, tiveram pontos de convergência: atacaram a autoridade papal,
defenderam a utilização da Bíblia e da pregação em língua vernácula 3, discordavam do
celibato clerical, da simonia4, da venda de indulgências, e defendiam reformas morais
no clero. Os ensinamentos e os próprios pré-reformadores foram condenados por
concílios, os três sofreram martírio. A ação deles foi imprescindível para o advento da
Reforma.
8
segundo ele foi apenas um subproduto providencial de uma vocação
anterior.5
As crises econômicas, causadas não somente pela peste, mas também por uma
série de colheitas ruins e uma elevada alta dos preços que ocorreu entre 1315 e 1317,
levaram as monarquias a se aliarem a recém-formada burguesia em busca de recursos
financeiros:
5
GEORGE, T. Teologia dos reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1994. p.56.
6
GONZÁLEZ, J. L. A era dos sonhos frustrados. In: _____. História ilustrada do cristianismo: a era
dos mártires até a era dos sonhos frustrados. 2. ed. rev. São Paulo: Vida Nova, 2011. p. 449.
7
Ibid. p. 454.
9
Sem dúvida, finalmente, o feudalismo atacado pela crise recorre
à solução de facilidade das classes dominantes ameaçadas: a
guerra. O exemplo mais notável disso é Guerra dos Cem Anos,
confusamente buscada pelas nobrezas inglesa e francesa como
solução para suas dificuldades. Mas, como sempre, a guerra
acelera o processo e dá origem à economia e à sociedade novas
[...].8
Guerras que envolviam as causas mencionadas também envolviam
inevitavelmente e diretamente a Igreja. O exemplo posto por Le Goff é a Guerra dos
Cem Anos entre Inglaterra e França (1337-1453), onde o papado esteve em diversos
momentos diretamente ligado aos interesses da monarquia francesa, chegando a ser
forçado a mudar a localização da residência papal de Roma, para Avinhão, na França
(período que ficou conhecido como cativeiro babilônico). Esse acontecimento acabou
por envolver outros países na guerra, que se aliaram a Inglaterra ou França de acordo
com seus interesses políticos. A Inglaterra e seus aliados não apoiavam nem se
submetiam ao papado em Avinhão, acontecimento esse que culminaria futuramente no
cisma do ocidente (1378), chegando a dado momento em que três papas clamavam a
autoridade sobre a Igreja no século XV9. Acontecimentos dessa natureza colocavam
dúvidas sobre a autoridade papal e as guerras impulsionavam o sentimento nacionalista,
sobretudo, estimulavam a autoridade na figura do rei. Além da guerra, havia outra
consequência: “O cisma em si estimulava a simonia. Os dois rivais tentavam vencer seu
adversário e, para isso, precisavam de dinheiro. Por essa razão, a igreja se transformou
em um sistema de impostos e exploração [...]”. (GONZÁLES, 2011, p. 477). As
consequências da guerra ecoavam até os concílios da Igreja, que passaram a se alertar
da ação dos papas:
8
LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente medieval. Rio de Janeiro: Vozes, 2016. p. 96.
9
Devido ao Cisma, que dividiu a autoridade da Igreja Católica a dois papas, estava Bento XIII em
Avinhão e Gregório XII em Roma, quando ocorreu um concílio em Pisa na Itália em 1409, que nomeou
Alexandre V como papa legítimo, visando solucionar a questão. Porém Bento XIII e Gregório XII ainda
contavam com grande apoio em suas regiões, indicando que havia três papas ao mesmo tempo, a questão
foi resolvida de fato somente no concílio de Constança (1414-1418), quando os três pretendentes (na
época Alexandre V de Pisa já havia falecido, no seu lugar ficou João XXIII), foram depostos e foi
nomeado Martinho V como papa legítimo, dando fim ao cisma do ocidente. Este mesmo concílio
condenou John Huss à fogueira. GONZÁLES, op. cit., p. 482-485.
10
Ibid. p. 479.
10
O fortalecimento das monarquias nacionais e da burguesia, graças à guerra, já
não era mais compatível com o modelo feudal clássico da Idade Média e da qual a
Igreja se sustentava. A burguesia, produto do renascimento comercial e urbano, lucrava
desenfreadamente, porém, o lucro era condenado pela Igreja: “Todo cálculo econômico
que vá além do necessário é severamente condenando”. (LE GOFF, 2016, p. 211). A
burguesia nasce nas cidades e as mudanças causadas pelo urbanismo já indicavam uma
nova sociedade: “A emigração do campo para a cidade entre os séculos X e XIV é um
dos fenômenos principais da Cristandade. Dos diversos elementos humanos que recebe,
a cidade faz uma nova sociedade”. (LE GOFF, 2016, p. 67)
11
A vida estava tão saturada de religião que o povo corria
constantemente o risco de perder a distinção entre o espiritual e o
temporal. Se, por um lado, todos os pormenores da vida ordinária
podem santificar-se, por outra parte tudo o que é sagrado cai na
banalidade pelo fato de se misturar a vida cotidiana. Na Idade Média a
demarcação da esfera do pensamento religioso e das preocupações
mundanas estava quase obliterada. Acontecia por vezes que as
indulgências figuravam como prêmio de uma loteria. 12
A Igreja, por fim, tolerava muitas coisas, mesmo que em alguns casos
soubessem da necessidade de mudança, a corrupção já estava impregnada e
incontrolável, mas ainda sim resistiam a mudanças morais e doutrinárias:
Foi nesse cenário e exatamente isso que Lutero fez ao publicar as 95 teses,
conduziu novidades de espécie revolucionária em termos de moral e doutrina,
principalmente ao questionar a venda das indulgências e da simonia, as principais
formas de lucro da Igreja até então. Nisto, chegamos ao ponto crucial da Reforma, a
doutrina (Teologia). Ainda que as mudanças sociais, políticas e culturais tivessem
colaborado para o advento da Reforma, “a Igreja se adapta a evolução da sociedade e
lhe fornece as palavras de ordem espirituais de que ela precisa”. (LE GOFF, 2016, p.
73). Portanto, é sempre necessário lembrar que apesar das mudanças sociais, o motivo
base e as causas essenciais para qual a Reforma aconteceu, foi, sobretudo, a Teologia. E
nesse ponto, a ação dos humanistas foi imprescindível.
12
HUIZINGA, J. O declínio da idade média. 2. ed. [S.I]: Ulisseia, [1985?]. p.164
13
Ibid. p. 202
12
O humanismo é um dos movimentos frutos do Renascimento na Itália, e possui
uma duplicidade de significado: o primeiro está relacionado à centralidade e ao valor da
criatura humana em si (como já mencionamos), e o segundo, a qual nos interessa agora,
está relacionada a um movimento literário surgido na aristocracia intelectual italiana,
que valorizava os estudos das letras clássicas, aquelas produzidas nos tempos áureos da
Grécia antiga e da Roma republicana. Esse movimento confrontou diretamente a
teologia da baixa Idade Média, chamada de teologia escolástica, em dois aspectos:
primeiro pelo movimento Ad fontes (de volta as fontes), do qual questionava a tradução
de textos em latim e confrontava um ditado medieval que dizia: graecum est, non
legitur (é grego, não se lê), e segundo, pela sua crítica à própria teologia escolástica,
seus métodos educacionais rígidos e a reclusão monástica. O escolasticismo é o termo
que se refere à teologia das escolas (Scholae) e se fixou nas recém-criadas universidades
a partir do século XI, a teologia escolástica sofreu forte influência dos textos de
Aristóteles, que havia recém-chegado na Europa vindo do oriente após as cruzadas. O
estudo de Aristóteles acabou por se tornar um culto a sua figura. Devido à influência
aristotélica, o escolasticismo se agarrou no uso exacerbado da razão em relação à fé. Os
teólogos escolásticos focavam em solucionar problemas filosóficos e teológicos muitas
vezes inúteis, produziam sumas imensas e que pouco influenciava na vida prática de
uma Igreja que já se encontrava em decadência. “O problema do escolasticismo não era
sua ênfase sobre o aprendizado, mas sim suas especulações áridas, que levavam mais a
um labirinto intelectual do que a uma reforma da igreja e da sociedade”. (GEORGE,
1993, p. 49).
A ação dos humanistas serviu como uma forma de crítica severa as instituições
eclesiais e a teologia escolástica. Lutero, antes das famosas 95 teses, havia escritos
outras 97 teses direcionadas contra a escolástica, entre elas, algumas questionavam esse
culto a Aristóteles:
43. É um erro dizer que nenhum homem pode se tornar um teólogo sem Aristóteles.
44. O fato é que ninguém pode se tornar um teólogo a menos que ele rejeite Aristóteles.
Todavia, “Lutero não tinha nada contra Aristóteles em si. O que ele rejeitava era
todo o esforço da teologia escolástica de fazer da filosofia aristotélica a pressuposição da
doutrina cristã” (GEORGE, 1993, p. 59).
13
Inicialmente, Lutero recebeu o apoio dos humanistas na sua causa reformista,
chegou a trocar cartas com Erasmo de Roterdã, o mais famoso deles, e com o qual se
desentendeu futuramente devido a uma divergência acerca de qual reforma era mais
importante, Erasmo defendia uma reforma nos costumes e na prática, já Lutero defendia
uma reforma teológica. Apesar das disputas, em linhas gerais o humanismo foi o
principal aparelho intelectual para a Reforma Protestante. Sobre a importância do
humanismo para a Reforma, George destaca:
14
iminente reforma seria um baque para o catolicismo. A partir das teses e dos
acontecimentos vindouros, a Igreja Católica perderia seu monopólio sobre o
cristianismo.
A vida monástica de Lutero foi marcada por profundas crises espirituais, estava
sempre atormentado, triste, angustiado, e passava grande parte do tempo no
confessionário. O asceticismo monástico não diminuía suas crises, pelo contrário, só as
agravava. Lutero era um homem de seu tempo: “Quem não tiver em mente a obsessão
pela salvação e o medo do inferno que povoava os homens da Idade Média jamais
compreenderá sua mentalidade [...]”. (LE GOFF, 2016, p. 174). Uma vez que esse medo
da morte e a assombração do pecado o assolava, Lutero tornou-se amigo íntimo do
confessionário:
15
contrito em minha confissão, ou meu arrependimento foi motivado
pelo medo?”.17
Além de suas crises espirituais que o deixavam à deriva e sem repostas, outro
ocorrido marcou a vida de Lutero, uma viagem que fez a Roma em 1510, enviado pela
ordem dos agostinianos para tratar de negócios. Ao ter contato com os escândalos
cometidos pelo clero e com os abusos da venda das indulgências Lutero ficou
horrorizado: “É sabido o quanto o comportamento desrespeitoso dos padres romanos ao
celebrar a missa escandalizou Lutero”. (BURCKHARDT, 2009, p. 433).
16
indulgências: “Na hora que a moeda no cofre cai, uma alma do purgatório sai”. Para
Lutero, que já havia tido contato com essa prática corrupta na sua viagem a Roma, e
agora já com suas convicções teológicas da salvação pela fé, planejou uma resposta
contra as indulgências, e segundo se conta, afixou na porta da Igreja do Castelo de
Wittenberg um “debate para o esclarecimento do valor das indulgências”, as 95 teses.
36. Qualquer cristão verdadeiramente arrependido tem direito à remissão plena de pena
e culpa, mesmo sem carta de indulgência.
52. Vã é a confiança de salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o
comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas.
86. Por que o papa, cuja fortuna hoje é maior que a dos mais ricos crassos, não constrói
com seu próprio dinheiro, ao menos esta basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com
o dinheiro dos pobres fiéis?
17
firmemente, desde a disputa de Heidelberg19; o debate de Leipzig 20; até a dieta de
Worms, em 1521, em que defendeu publicamente sua posição diante de Carlos V,
imperador do Sacro Império Romano-Germânico, oque resultaria na sua excomunhão e
na proibição de seus ensinamentos.
A doutrina luterana foi proibida oficialmente até 1526, no ano em que houve
outra dieta, agora na cidade de Espira, essa dieta revogou o edito de Worms que proibia
os ensinamentos de Lutero, agora cada príncipe teria a liberdade de escolha para definir
as doutrinas permitidas ou não em suas regiões. Essa decisão foi alterada três anos mais
tarde, em 1529, quando houve outra dieta, novamente em Espira, essa nova dieta
revogou as decisões tomadas em 1526, e novamente proibiu a propagação das ideias
luteranas. Vários príncipes que já haviam se aderido ao luteranismo se descontentaram
da decisão e formularam um “protesto” contra as decisões da dieta de 1529, esse
documento ficou conhecido como o Protesto de Espira, daí emana o termo
“protestante”. Esse grupo de príncipes protestantes formou a Liga de Esmalcada em
1531, uma aliança contra o Imperador Carlos V do Sacro Império, após períodos de
guerra entre a Liga e o Imperador, a questão foi resolvida apenas em 1555, com a Paz
de Augsburgo, que reconhecia a liberdade de religião dos príncipes em seus territórios.
18
salvação pela fé e pela graça divina, a livre interpretação da Bíblia, o perdão gratuito e
outros vários temas. Os lemas da Reforma Protestante são comumente conhecidos como
os cinco solas (Sola, palavra em latim que significa Somente): Sola Fide, Sola
Scriptura, Solus Christus, Sola Gratia e Soli Deo Gloria21. Essa geração contou com
grandes nomes que exerceram importantes papéis na disseminação da Reforma pela
Europa, como: Felipe Melanchton, principal discípulo de Lutero, humanista e ícone da
educação na Alemanha; Martin Bucer, reformador de Estrasburgo; Ulrich Zwinglio,
autor dos 67 artigos que culminariam na adesão da Reforma na Suíça; Tomas Cranmer e
William Tyndale, importantes reformadores na Inglaterra, e entre outros.
Calvino nunca se encontrou com Lutero, esteve maior parte de sua vida em
Genebra, na Suíça, fugindo da forte perseguição aos protestantes que ocorria na França.
21
Somente a Fé, Somente a Escritura, Somente Cristo, Somente a Graça e Glória somente a Deus.
22
GEORGE, op. cit., p. 178.
19
Em Genebra, Calvino transformou as políticas públicas da cidade, fundou escolas,
hospitais e ajudou na elaboração das leis. (É de extrema importância nos atentarmos que
no contexto do século XVI, Igreja e Estado não eram esferas plenamente autônomas, o
laicismo estatal era inexiste, por isso Calvino juntamente com a Igreja Reformada teve
tamanha influência). Já se tratando de assuntos teológicos, Calvino solucionou vários
problemas doutrinários, mas também criou alguns, como o da predestinação, tema
amplamente debatido e muitas vezes mal interpretado. Apesar dos resultados finais
serem positivos, em Genebra Calvino passou por períodos conturbados, certa vez foi
expulso da cidade, depois chamado de volta, e se envolveu em algumas polêmicas em
relação à política e a religião.
Por fim, Calvino juntamente com outros grandes nomes da segunda geração
como: John Knox, Guilherme Farel, Pierre Viret e Teodoro de Beza, consolidaram o
movimento reformista, desenvolveram uma teologia sólida e fundamentada que deu
base para a fé reformada. Fizeram de Genebra uma espécie de Roma do Protestantismo.
John Knox, certa vez atribuiu a Academia de Genebra, escola fundada por Calvino,
como “a mais perfeita escola de Cristo desde o tempo dos apóstolos”.
Calvino, assim como Lutero, são clássicos, o pouco que discorremos de ambos
mal tocou a superfície de seus escritos e o oceano de ideias e interpretações de cada um
deles. Pela genialidade de ambos, Lutero e Calvino se tornaram os líderes de suas
gerações, um por iniciar e outro por consolidar a Reforma, oque não os coloca em
algum tipo de pedestal sagrado, ambos cometeram erros e não escapam do julgamento
da história, como destaca o teólogo Wilson Castro Ferreira:
Apesar das divergências, que não foram poucas, no fim do século XVI e em
meados do século XVII, a Reforma Protestante já estava consolidada e o protestantismo
alcançara grande parte da Europa. Em suas diferentes manifestações, já havia: luteranos,
de forte presença na Alemanha; anglicanos, a religião inglesa fruto dos atos do Rei
23
FERREIRA, W. C. Calvino: vida, influência e teologia. São Paulo: LPC, 1985. p. 242.
20
Henrique VIII; morávios, na região da Boêmia; menonitas, seguidores de Menno
Simmons, expoente dos anabatistas, vertente que surgiu da ala radical da Reforma
Protestante, e principalmente pela influência de Calvino e seus escritos: os calvinistas,
também conhecidos como reformados. Em geral, na ótica da Igreja Católica todos eram
hereges protestantes, essa que seria a “nova religião”.
2 - A Reação Católica
21
As medidas tomadas pela Contrarreforma foram de extrema importância para
impedir a penetração do protestantismo em territórios católicos. Essas e outras decisões
foram ratificadas pelo Concílio de Trento, que ocorreu em três sessões de 1545 a 1563.
Esse mesmo concílio também aprovou algumas reformas práticas na organização da
Igreja: foram condenados os abusos em relação à venda das indulgências, as práticas
corruptas de colecionar cargos e se casar, e os seminários se atentariam para uma
melhor formação de seus alunos. Apesar do teor reformista do concílio, toda a doutrina
protestante foi condenada como heresia e deveria ser combatida. Os resultados da
contrarreforma foram positivos, como destaca o historiador Carter Lindberg:
3 – Mundus Novus
22
Católica, interessada não somente na parte econômica, mas também na difusão e na
expansão da religião.
Duas situações aparecem então com nitidez: a dos Estados que podiam
obter ouro e prata diretamente, extraindo-o das minas ou trocando-o,
por quase nada, no ultramar, e a dos Estados que, não podendo fazer
nada disso, só podiam tentar capturar o metal precioso através do
comércio e da pirataria. A primeira situação caracteriza, no século
XVI, os países ibéricos, enquanto que a segunda descreve a posição da
Inglaterra, França, Países Baixos, Estados alemães, repúblicas e
principados italianos, etc.25
25
FALCON, F. Mercantilismo e transição. São Paulo: Brasiliense. 1981. p. 84.
23
Uma das regiões que mais sofriam esses ataques eram as terras achadas por
Portugal no sul do continente americano, o Brasil. Achado em 1500 por Pedro Álvares
Cabral em expedição pela coroa portuguesa, era uma região constantemente afetada
pelas práticas corsárias dos europeus, principalmente da França, a mais revoltada com o
Tratado. A ideia de uma invasão francesa em terras colonizadas por Portugal fluiu e a
França financiou uma invasão oficial em 1555. Dessa invasão tivemos a primeira
influência direta da Reforma Protestante, o primeiro culto, e os primeiros mártires do
protestantismo em solo brasileiro. Outra invasão ganhou destaque, agora promovida
pelos Holandeses, em 1630, também com influências religiosas. Mas esses não foram o
primeiros protestantes em solo brasileiro.
24
primeiro administrador. Ainda em 1549 chegaram também os jesuítas, para o trabalho
catequético com os nativos.
Foi neste período, durante a primeira metade do século XVI, que passou por aqui
os primeiros protestantes. Foram dois luteranos: Heliodoro Heobanus e Hans Staden,
ambos alemães.26 Segundo o portal oficial dos luteranos no Brasil, Heliodoro Hessus, ou
Heliodoro Heobanus, era filho de Heobano Hessus, um famoso humanista e amigo de
Lutero27. Heliodoro chegou ao Brasil por volta de 1532, com a esquadra de Martin
Afonso de Sousa e residiu na capitania de São Vicente, em certa ocasião se encontrou
com Staden. Podemos confirmar a existência de Heliodoro, pois no prefácio do livro
escrito por Staden, em que ele relata suas duas viagens feitas ao Brasil, o prefaciador
Johannes Dryander, usa o encontro dos dois, relatado por Staden, como justificativa da
veracidade dos relatos sobre suas viagens ao Brasil:
26
Há supostamente mais um protestante alemão que esteve em solo brasileiro, o viajante e cronista Ulrich
Schmidl (1510-1579), Schmidl esteve no que seria futuramente o Rio de Janeiro entre 1534 e 1535, seus
relatos foram escritos na obra "História verdadeira de uma viagem curiosa feita por U. Shmidel",
publicada em Frankfurt em 1567. No entanto, não se sabe ao certo se Schmidl já era protestante quando
esteve no Brasil, ou se converteu após seu retorno a Europa em 1554. FIORETO, T. “Verissima et
ivcvndissima descriptio...” , de Ulrico Schmidl: literatura de viagem ou relato de viagem?. 2015.
245f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista, São
Paulo, 2015. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/139419/000864898.pdf?
sequence=1&isAllowed=y . Acesso em: 26 jan. 2021. p. 205, 209-210.
27
A CAMINHO EM TERRAS BRASILEIRAS: A criação de comunidades evangélicas no Brasil. Portal
Luteranos. Disponível em: https://www.luteranos.com.br/conteudo/a-caminho-em-terras-brasileiras .
Acesso em: 12 jan. 2021.
28
STADEN, H. Duas viagens ao Brasil: primeiros registros sobre o Brasil. Porto Alegre: L&PM, 2020.
p. 20.
25
travado conhecimento com Heliodoro anteriormente; quando
naufraguei com os espanhóis e o encontrei na ilha de São Vicente,
ajudou-me amigavelmente. Veio ao meu encontro para ver como eu
estava, pois tinha ouvido falar que eu adoecera. 29
29
Ibid. p. 61.
26
tempos de desgraça. Pois Deus ele mesmo diz: clama por mim na
desgraça, que virei salvar-te, e terás de me louvar. 30
27
da Ordem de Malta, uma antiga e respeitada ordem advinda dos tempos das Cruzadas, a
ordem exigia clássicos votos de renúncia: pobreza, castidade e obediência, votos que,
com exceção da pobreza, ele guardaria por toda sua vida, Villegagnon recebeu
treinamento da ordem por nove anos no período de 1531 a 1540.
Com o falecimento de Jaime V rei da Escócia, sua herdeira Maria Stuart estava
destinada a casar-se com Eduardo, filho do rei Henrique VIII da Inglaterra, entretanto,
Maria de Guise, mãe de Maria Stuart, não estava contente em entregar sua filha para
uma aliança com os ingleses, rivais históricos da Escócia e, além disso, uma nação
protestante. O rei da França Henrique II, sabendo disso, ofereceu um casamento entre
Maria Stuart e seu filho, futuro herdeiro da França, país extremamente católico, Maria
de Guise aceitou a oferta, porém, como tirar Maria Stuart da Escócia cercada por
ingleses? Esta foi a missão de Villegagnon. Informado sobre a Escócia através de sua
amizade com Ronsard, que havia trabalhado na embaixada francesa na Escócia,
Villegagnon contornou a Escócia e sorrateiramente “sequestrou” Maria Stuart
entregando-a sã e salva em solo francês. Este acontecimento colocou Villegagnon entre
os mais respeitados da Europa, e após sucesso em várias outras batalhas, em 1552 o rei
Henrique II o concedeu o título de vice-almirante da Bretanha.
28
levou a ingressar na Ordem de Malta, o trouxe a uma rápida viagem ao litoral brasileiro
no Cabo Frio em 1554, se informando do que era necessário para fundar ali uma
colônia. A inciativa de fundar uma colônia francesa no Brasil é de fato uma ideia de
Villegagnon, e houve consenso na corte francesa de encarrega-lo da importante missão:
“O cavaleiro de Malta era, sem dúvida, o melhor chefe possível, dada sua bravura,
preparo militar, experiência nas lutas do mar, inteligência e cultura superior” (MARIZ,
PROVENÇAL, 2005, p. 81).
29
na frota, Villegagnon que já tinha poucos homens de confiança, perdera alguns devido
às doenças. E por fim, a inflexibilidade religiosa de Villegagnon que refletia na
sexualidade dos homens de sua frota. Em grande maioria jovens e solteiros, Villegagnon
proibiu o contato com as indígenas, exigia o casamento para manterem relações sexuais,
para ele era inconcebível o casamento fora do matrimônio. Essas dificuldades de
relacionamento somadas a falta de recursos criou um estranho e pesado clima na
colônia, o intenso trabalho motivou conspirações contra o vice-almirante. A França
Antártica não sobreviveria sem ajuda da coroa, e:
30
cerca de 300 pessoas e entre eles cerca de treze protestantes enviados por Coligny e
Calvino, entre eles os huguenotes: Pierre Richier, teólogo formado; o estudante de
Genebra Guilherme Chartier; o próprio Du Pont, amigo de Coligny; o luterano Jean
Contait; e Jean de Léry, que futuramente escreveria uma obra polêmica e indispensável
sobre a França Antártica36.
31
respondeu-lhe que depois dessa tolice não faria mais as refeições em companhia dos
calvinistas e os proibia de administrar os sacramentos” (MARIZ, PROVENÇAL, 2005,
p. 113). A ruptura de Villegagnon com os protestantes se deu de fato após Du Pont
declarar que Coligny havia o enviado para fundar uma colônia calvinista no Brasil.
Villegagnon já havia limitado o tempo dos cultos e aumentado a repressão aos
protestantes, que já aguardavam ansiosos para retornar a Europa 39, Chartier retornou a
Europa em 4 de junho para ter com Calvino, e os que aqui ficaram comunicaram a
Villegagnon que desejavam retornar a Europa. Ficou decidido que na embarcação que
Chartier partiu, assim que voltasse eles poderiam ir embora, no entanto, não queriam
esperar e embarcaram na primeira nau francesa que apontou na região, o velho navio
Jacques, que partiu dia 4 de janeiro de 1558 carregando pau-brasil, animais e etc. Após
algumas dificuldades na embarcação, o capitão da nau não permitiu que cinco deles
reembarcassem, e esses voltaram a Guanabara. Villegagnon disse que poderiam ficar
desde que “se portassem bem”, mas desconfiados tentaram fugir e Villegagnon
conseguiu aprisionar quatro deles na acusação de traição e deserção. Jacques Le Balleur,
o outro dos cinco que retornaram conseguiu escapar antes de ser preso.
39
EULER.; ARLINDO.; ROBERTA. op. cit., p. 43-45
40
Erasmo Braga (1877-1932) foi pastor, professor, escritor e tradutor. Traduziu o livro de Jean Crespin
“A Tragédia de Guanabara”.
41
CÉSAR, op. cit., p. 38-39.
32
Américas”, exageraram na propaganda difamatória sobre o almirante, sobretudo, após a
publicação do livro de Jean Crespin: A TRAGEDIA DE GUANABARA ou Historia dos
Protomartyres do Christianismo, publicado em Genebra entre 1558 e 1570, em que é
descrito de maneira impiedosa a forma como Villegagnon tratou os protestantes, como
se fosse ele um inquisidor. O livro de Jean de Léry: Viajem a Terra do Brasil de 1558,
também não poupou ataques a Villegagnon. De fato, houve vários escritos apaixonados
que colocavam Villegagnon como vilão, ou como herói. João Calvino, do qual não sabe
se trocou ou não cartas diretamente com Villegagnon, teve contato com as noticias e se
irritou profundamente com seu antigo colega de faculdade, certa vez disparou que se
Villegagnon fosse a Genebra, não sairia de lá vivo. A história de Villegagnon com os
protestantes na França Antártica é “sombria”, cheia de incertezas que abrem portas para
inúmeras interpretações. Herói ou vilão, Villegagnon era rígido, inflexível, e por vezes
debochado. A confissão de fé exigida existe de fato, mas há dúvidas quanto à acusação
dos calvinistas de que o almirante havia se convertido ao protestantismo, no entanto se
apostatou e cometeu martírio. Segundo o historiador Osvaldo Henrique Hack:
42
HACK, O. H. Implantação do protestantismo. In: _____. Protestantismo e educação brasileira. 2. ed.
São Paulo: Cultura Cristã, 2000. cap.1, p.14.
33
A França voltou a invadir o Brasil em 1612, dessa vez no Maranhão, para fundar
a França Equinocial. Há relatos de protestantes nessa ocasião, no entanto, mantiveram
sua fé no âmbito individual sem causar alvoroços como na França Antártica. Segundo
(MENDONÇA, 2008, p. 41) “[...] é possível que os protestantes tenham se limitado às
devoções particulares domésticas. A curta existência da França Equinocial encarregou-
se também de eliminar as futuras influências protestantes no Maranhão”.
43
MELLO, E, C de. O Brasil holandês (1630-1654). São Paulo: Penguin Classics, 2010. p. 11-12.
34
A Holanda, considerada a “primeira economia moderna”, para manter-se ativa
no comércio, promove uma expansão colonial financiada pelas suas companhias de
comércio, sociedades fundadas por burgueses e outorgadas pelo Estado que buscavam
investimentos e lucros nas regiões coloniais, a primeira delas foi a Companhia das
Índias Orientais (VOC)44, fundada em 1602, e depois, a Companhia das Índias
Ocidentais (WIC)45, em 1621, fundada por comerciantes calvinistas emigrados na
Holanda. A WIC foi fundada no mesmo ano em que acabara a trégua hispano-
neerlandesa (1609-1621), e no mesmo ano que a coroa espanhola proibiu o comércio
entre Portugal e Holanda. Em resposta, a WIC financiou uma invasão ao Brasil em
1624, em Salvador, sede do governo colonial. Atacar o Brasil, colônia de Portugal, era a
forma indireta de atacar a Espanha.
Há motivos nítidos para entender porque o Brasil foi o alvo: primeiro por não ser
a principal fortaleza defensiva dos espanhóis; segundo pela ótima localização do
Nordeste brasileiro; por fim e o mais importante fator, o montante lucro que o açúcar e
o pau-brasil oferecia, estima-se que “uma vez conquistada a um custo máximo de 2,5
milhões de florins, a colônia renderia anualmente cerca de 8 milhões de florins”
(MELLO, 2010, p. 29). Além do mais, “A estratégia holandesa de combate ao Império
Espanhol era atacar o ponto forte, não o fraco. A riqueza espanhola àquelas alturas
provinha do açúcar brasileiro” (SOUZA, 2013, p. 29). A Holanda, graças ao constante
contato com os portugueses, conhecia bem as condições econômicas e geográficas do
Nordeste, por isso Bahia e Pernambuco foram desde o início os alvos. No entanto, essa
primeira invasão de 1524 foi reprimida pelos resistentes colonos e pela marinha
espanhola, Salvador foi reconquistada pelos portugueses em 30 de abril de 1625.
Após lucrar com práticas corsárias depois da expulsão, a WIC voltou a financiar
outra invasão, no ano de 1630, agora em Pernambuco e adjacências, com uma armada
maior e melhor preparada apontaram em 14 de fevereiro nas portas de Olinda.
Conquistaram grandes terras do Nordeste brasileiro em uma guerra que durou longos
sete anos e passaram a dominar a produção do açúcar e as rotas comerciais que dele
derivava. Os holandeses estiveram no Brasil de 1630 a 1654, nesse período podemos
tripartir as fases: uma fase inicial e de guerras de conquista, que demorou mais que os
holandeses imaginavam (1630-1637), uma fase de paz e prosperidade, sobretudo
44
Vereenigde Oost-Indische Compagnie
45
West Indische Compagnie
35
associada ao governo de João Maurício de Nassau (1638-1645), e uma fase final de
guerra de reconquista dos portugueses (1645-1654).
46
Fundada em 1637 em Pernambuco, a Sinagoga Kahal Zur Israel foi a primeira sinagoga das Américas.
36
a tristeza por sua morte tenha sido a mais sincera, pois deixou para
trás reputação que lhe fazia jus, a saber, a de pai do seu povo. 47
37
Paraupaba, “pode-se afirmar que a igreja indígena nasceu com a conversão de Pedro
Poty e Antônio Paraupaba na Holanda e que eles são, portanto, os primeiros cristãos
protestantes brasileiros e, talvez, não europeus da história”. (SOUZA, 2013, p. 92).
50
CÉSAR, op. cit., p.50.
38
dizimada aos poucos a tradição calvinista, rejeitada por motivos óbvios pelos católicos
luso-portugueses.
“Idade das Trevas” foi o nome que Erasmo Braga deu ao período que vai da
expulsão dos holandeses até a chegada da Família Real no Brasil em 1808. Durante esse
período não há registro algum de influência do protestantismo no Brasil. A forte
presença dos jesuítas e a “caça as heresias” foi um fator, no entanto, a principal causa
desse desaparecimento foi uma série de leis sancionadas pelo rei dom João V em
Portugal.
[...] a migração foi tão intensa que a coroa se viu obrigada a baixar
três leis proibindo que moradores da região se mudassem para o
Brasil. [...] “Meio Portugal” se transplantou para o Brasil. [...] A cada
ano, de 8 mil a 10 mil portugueses trocavam o reino pela colônia. 51
51
FIGUEIREDO, L. Boa ventura!, A corrida do ouro no Brasil (1697-1810): a cobiça que forjou um
país, sustentou Portugal e inflamou o mundo. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012. p. 145.
39
Essas leis foram sancionadas em 1709, 1711 e a última em 20 de março de 1720,
essa última, para suprir a ineficácia das anteriores, obrigou o uso do passaporte em
Portugal e também limitou a entrada de qualquer pessoa no Brasil se não fosse a serviço
da coroa ou da Igreja, a lei também previa multas para quem não tivesse o passaporte,
oque não garantiu sua eficácia, pois a lei foi amplamente desobedecida.
[...] Desde o século XVI a caça a heresias foi constante. “Por toda
parte surgiram suspeitas de que se espalhava o mal de Lutero”. Em
1800 ainda o Governo português alertava as autoridades do Pará para
a hipótese do desembarque de “um tal Barão de Humboldt”. Oque
mais alarmava o Governo era a possibilidade de o Barão espalhar na
terra “novas idéias de falsos e capciosos princípios”. 52
Após esse curto período, Martin retomou seu caminho para a Índia, onde fez um
trabalho missionário exemplar e é até os dias atuais lembrado pela Igreja Anglicana por
seu vigor evangelístico e sua disposição. O missionário mal saberia que suas objeções
estavam perto de serem respondidas. Com a chegada da Família Real em 1808 as portas
do Brasil paulatinamente se abririam para novos povos, com novas doutrinas e formas
de crenças acatólicas, era o fim da “Idade das Trevas” colonial.
4- O Protestantismo de Imigração
52
FERREIRA, J. A. Religião no Brasil. Campinas: LPC, 1992. p. 40.
53
KICKHOFEL, O. Notas para uma história da igreja episcopal anglicana do Brasil. Porto Alegre:
Secretaria Geral da IEAB, 1995. Disponível em:
http://www.centroestudosanglicanos.com.br/bancodetextos/historiadaigreja/
apontamentos_de_historia_da_%20ieab.pdf . Acesso em: 03 fev. 2021. p. 5
40
Ao final da Revolução Francesa (1789-1799), o general Napoleão Bonaparte
após o golpe de 18 de Brumário se tornou o imperador da revolucionária França.
Inimigos históricos da Inglaterra, que já estava avançada no processo de industrialização
e do comércio dessas mercadorias industrializadas, era um impedimento para a
expansão territorial que Napoleão e os franceses desejavam. Em guerra, Napoleão usa
então de estratégias para atingir sua potente rival, uma dessas, o Bloqueio Continental
de 1806, uma medida que proibia os países a comercializar com a Inglaterra, visando
desestrutura-los economicamente.
41
tratado esse que dava vantagens ultra especiais aos ingleses, como o baixíssimo valor
alfandegário de suas mercadorias, fixação residencial de ingleses no país, entrada e
saída a qualquer momento, a produção de navios de guerra com madeira brasileira, e
entre outros. Surpreendentemente também o direito de liberdade religiosa:
Acontecia por vezes apenas debates e desavenças pela presença dos protestantes,
mas nunca uma perseguição propriamente dita. Ao final do processo de independência e
a elaboração da constituição de 1824, o texto constitucional no artigo 5º dizia: “A
religião católica apostólica romana continuará a ser a religião oficial. Todas as demais
55
Ibid, p.194.
56
Ibid, p. 195
57
Essas relações colocavam a Igreja sob as ordens do Imperador, e não diretamente de Roma. Com o
padroado ele delegava cargos eclesiásticos e com o beneplácito avaliava a aprovação de bulas papais.
58
LÉONARD, E. G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro: JUERP; São Paulo: ASTE, 1963. p.36.
42
serão admitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas destinadas a esse fim,
que não possuam forma exterior de templo”.59
Entre 1810 e 1831, o período da presença de Dom João VI, depois Dom Pedro I
no Brasil, tivemos duas manifestações protestantes no Brasil, os anglicanos, 60 no
contexto da presença da corte portuguesa no país, e os luteranos, que vieram de uma
guinada imigratória de alemães a partir de 1824.
59
BRASIL, Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro, 1824.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm . Acesso em: 28
ago. 2020.
60
O anglicanismo é a religião oficial da Inglaterra, surgiu nos tempos da Reforma Protestante de um
rompimento da Igreja inglesa com Roma, e sua doutrina combina elementos do protestantismo com o
catolicismo.
61
FERREIRA, op. cit., p. 230.
62
CÉSAR, op. cit., p.72-73.
43
período inicial de luteranismo no Brasil, inauguraram uma capela no Rio de Janeiro
(estima-se que entre 1837 e 1845). Os luteranos e os anglicanos, não estavam
interessados no trabalho evangelístico:
5- Os Amigos do Brasil
63
LÉONARD, op. cit., p.42.
44
Daniel P. Kidder nasceu nos EUA em 1815, foi um missionário metodista 64 e um
dos representantes enviados da Sociedade Bíblica Americana ao Brasil. A Igreja
Metodista dos EUA estava em alta no século XIX, a Conferência Geral desta Igreja
enviou em 1835 o reverendo Foutain Elliot Pitts para a América do Sul, a fim de sondar
possíveis trabalhos evangelísticos no Brasil, Uruguai e Argentina. Pitts retornou aos
EUA em 1836, e neste mesmo ano os metodistas enviaram ao Brasil o missionário
Justin Spaulding e sua família, que começaram um pequeno trabalho com crianças
estrangeiras e brasileiras no Rio de Janeiro.65
45
Diogo Feijó foi regente do império de outubro de 1835 a setembro de 1837, o
período de sua regência e da estadia de Kidder no Brasil foi marcado por uma crise da
Igreja Católica brasileira, com um Brasil ainda em formação, as pautas cobravam uma
reformulação nas instituições, e com os ideais liberais em alta, existia uma enorme
preocupação com assuntos como a educação, liberdade e justiça, tópicos de extrema
importância nos ideais progressistas que os liberais adotavam, e esses debates
envolviam diretamente a Igreja, como instituição. Essa crise do catolicismo se parece
com a que assombrava a Igreja Católica antes da Reforma Protestante, crise moral e
espiritual, incapacidade do clero, e entre outros. Porém no Brasil, com alguns traços
exclusivos, com as afirmações de Leonard podemos concluir:
46
reformista, recorrer em nome do Estado à ajuda de missionários protestantes, nos mostra
suas fortes disposições em ver mudanças práticas na sociedade e na religiosidade
nacional, pois para Feijó o declínio moral e espiritual do clero, refletia no declínio moral
e espiritual da sociedade, já que estes eram os condutores morais do país.
47
Outro importante difusor da ideia de “bíblia falsa” foi o arcebispo da Bahia
Romualdo de Seixas, este dizia ser as bíblias distribuídas “truncadas e manipuladas”,
essas acusações tinham como intenção criticar a distribuição das bíblias e o governo
liberal no qual permitia essa atividade. Romualdo se refere aos protestantes como
“inimigos implacáveis” da Igreja Católica, e disse haver até uma perseguição contra o
catolicismo por parte dos liberais. A acusação das bíblias protestantes serem falsas foi
comum durante todo o século XIX.72
Apesar desses embates, podemos concluir que Kidder obteve sucesso no curto
período de tempo que esteve no Brasil, a Bíblia foi aos poucos circulando e se
infiltrando no cotidiano do brasileiro, os exemplares eram vendidos ou doados
rapidamente, não só nas cidades, mas também nas províncias.
James C. Fletcher nasceu nos EUA em 1823, filho de pais metodistas, teve
contato com a religião desde cedo, no entanto, seguiu rumos diferentes da tradição
religiosa de sua família, e se tornou membro da Igreja Presbiteriana. Após ter decidido
viver para o ministério, se ingressou na Universidade de Princeton em 1847, e foi
ordenado pastor em 1851, neste mesmo ano foi enviado ao Rio de Janeiro pela
American Seamen’s Friend Society, e pela American and Foreign Christian Union 73,
com o objetivo de exercer o trabalho de capelania entre os norte-americanos que viviam
72
MAIA. H. P da C. O protestantismo e a palavra impressa: ensaios introdutórios. Ciências da Religião:
história e sociedade, São Paulo, v.7, n.2, p. 90-115, 2009. Disponível em:
http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/cr/article/view/1182 . Acesso em: 28 ago. 2020. p. 97-98.
73
LÉONARD, op. cit., p.49.
48
ou passavam pelo Rio de Janeiro. Fletcher esteve no Brasil cinco vezes entre 1852 e
1869, e exerceu um importante trabalho na difusão do protestantismo no Império, e
além de missionário, foi também um importante diplomata, como veremos adiante.
Fletcher chegou ao Rio de Janeiro em 1852 com sua esposa e filho. O envio de
um missionário para o Brasil foi resultado de uma negociação do diplomata norte-
americano Robert Cumming Schenck com o governo brasileiro, Schenck nomeou
Fletcher capelão da legação americana no Brasil. Pouco tempo depois recebeu também
o convite para se tornar secretário da legação, cargo que o colocava na rota de
importantes membros do governo, e assim como Daniel Kidder, começou a fazer
amizades com liberais, que por tendência, eram mais suscetíveis às ideias de Fletcher,
que nesse tempo já não se limitava somente ao trabalho da capelania.
No tempo que Fletcher esteve no Brasil, o Império já não era mais governado
por regências, e sim pelo legítimo herdeiro, Dom Pedro II, que seria um fator
importante na difusão do protestantismo no Brasil. Durante a ocupação do cargo de
secretário por Fletcher, seu mais importante trabalho foi guiar o Imperador a uma
viagem aos EUA:
Esse tempo com o Imperador foi de extrema importância para Fletcher, dali
surgiria uma amizade que duraria a vida toda, e para Fletcher se iniciaria também um
novo trabalho; encurtar as distâncias entre os EUA e o Brasil. Porém essa primeira
investida de Fletcher não duraria muito, em 1853 o diplomata que tramitou sua vinda foi
substituído. O novo ocupante do cargo e Fletcher não se deram muito bem, e em 1854
foi demitido do seu posto. Neste mesmo ano, devido a problemas de saúde da esposa,
Fletcher voltou aos EUA.
74
ROSI, B. G. James Cooley Fletcher, o missionário amigo do Brasil. Almanack. Guarulhos, n.05, p. 62-
80, jan./jun. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/alm/n5/2236-4633-alm-05-00062.pdf .
Acesso em: 28 ago. 2020. p. 64-65.
49
personalidade ímpar de Dom Pedro II, que apesar de ser respeitar as instituições e
práticas católicas, nunca foi um entusiasta da religião, Osvaldo Hack ao citar João
Dornas Filho, expõe um comentário feito por Joaquin Nabuco a respeito disso:
James Cooley Fletcher retornou ao Brasil em 1855, desta vez como missionário
da Sociedade Bíblica Americana, e permaneceu no país de abril a julho deste ano, nesta
segunda passagem pelo Brasil, distribuiu bíblias pelo interior do Brasil, chegando a
distribui-las entre imigrantes luteranos no sul. Além da distribuição, organizou uma
exposição de produtos norte-americanos no Rio de Janeiro, onde se encontrou
novamente com o imperador, que o recebeu cordialmente. Fletcher retornou aos EUA e
ficou por lá no período de 1856 a 1862, neste período ele e o Imperador trocaram
correspondências e visitas, e essa amizade se manteve até o fim de suas vidas. 77
Fletcher voltou ao Brasil em mais três oportunidades, uma entre 1862 e 1863,
como agente da American Sunday School Union, outra entre 1864 e 1865, como
enviado do Departamento de Estado norte-americano, e a última entre 1868 e 1869
como agente da American Tract Society. Na primeira destas três, e ao todo a terceira ao
Brasil, ele trabalhou como missionário e teve um breve contato com missionários já
75
HACK apud DORNAS FILHO, op. cit., p.26.
76
HACK, op. cit., p.26-27.
77
ROSI, op. cit., p.67-68.
50
fixados aqui. Na quarta viagem, como diplomata, suas ligações com Dom Pedro se
fortaleceram ainda mais, se encontrou com o imperador várias vezes, e se rumou para a
Europa em 1864, onde mediou a indicação de Dom Pedro II ao Royal Geographic
Society de Londres, na Inglaterra. E na sua última passagem pelo Brasil, acabou sendo
enviado como cônsul para Portugal, onde recebeu Dom Pedro certa vez em uma
viagem.78
Fletcher escreveu seu livro “Brazil and the brazilians : portrayed in historical
and descriptive sketches” (Brasil e os Brasileiros: esboço histórico e descritivo) em
1857, com as contribuições de Daniel Kidder, este livro tornou-se um dos livros mais
lidos nos EUA. Em 1853 enviou uma carta para a Sociedade Bíblica Americana
solicitando o envio de missionários refugiados da Ilha da Madeira para o Brasil, deste
pedido, e influenciado pelos escritos de Kidder, outro importantíssimo missionário,
Robert Reid Kalley, que veremos a seguir, chegou ao Brasil em 1855. James C. Fletcher
faleceu nos EUA em 1901.
78
Ibid, p. 71-80.
79
HACK, op. cit., p.27-28.
51
começou a exercer como missionário e sua profissão era um gatilho para a difusão da
sua fé. Em 1837 Kalley desejava ser missionário na China, no entanto, nesse período se
casou com Margareth Crawford de Paisley, e devido a problemas de saúde de sua esposa
se fixaram na Ilha da Madeira em Portugal no ano de 1838, onde existia grande
dificuldade de propagação do evangelho devido à força do catolicismo no país. Mesmo
nas dificuldades, no período que estiveram na Ilha da Madeira, Kalley em parceria com
outros pastores fundaram uma igreja, uma escola, e uma pequena clínica onde atuava
como médico e costumava falar do evangelho para seus pacientes.80
52
Ele próprio, antes de mais nada, dedicou-se a estabelecer, com as
autoridades mais elevadas e com a alta sociedade brasileira, contatos
que garantiriam sua obra e seus convertidos. Instalou-se, com suas
duas camareiras alemãs e seu jardineiro português, em Petrópolis, na
casa de verão que alugara do embaixador dos Estados Unidos. 82
Após o período de fixação, Kalley passou a se utilizar dos jornais como meio de
difusão do protestantismo, publicou pelo “Correio Mercantil” e pelo “Jornal do
Commercio”, sobre essas estratégias de Kalley, afirma Priscila de Alcântara em sua tese:
82
LÉONARD, op. cit., p.50.
83
ALCÂNTARA, op. cit., p.47.
53
e o recém-batizado brasileiro, esta igreja veio a se chamar Igreja Evangélica
Fluminense.84
84
LÉONARD, op. cit., p.51.
85
Ibid, p. 51.
86
Ibid, p. 53.
54
Machado de Assis ainda se referindo ao ataques que os jornais católicos
promoviam ao governo e a aos protestantes, como liberal que foi, estendeu sua crítica à
própria constituição do país: “o defeito da constituição está em não ter completado a
liberdade, tirando os entraves que lhe impõe, e em declarar a religião católica como
religião do Estado” (ASSIS, 2008, vol. 4, p. 231).
Kalley esteve no Brasil até 1876, quando retornou a seu país natal, a Escócia, devido a
sua idade avançada e saúde fragilizada, mesmo assim, continuava a trocar cartas com os
que aqui ficaram e continuaram o trabalho. Entre os ajudadores de Kalley, estavam
nomes importantes como o de Manuel José da Silva Viana, João Manuel Gonçalves dos
Santos e de Richard Holden. Kalley e sua esposa exerceram um papel fundamental na
história do protestantismo brasileiro:
Robert Reid Kalley faleceu na Escócia em 1888, aos 79 anos, seu legado será
eternamente lembrado na história da Igreja protestante brasileira, sua evangelização, sua
dinâmica entre trabalho profissional e evangelismo, a distribuição de bíblias, envio de
missionários, e a fundação oficial da primeira igreja protestante brasileira, abriu
caminho para novos missionários exercerem o papel de implantadores de igrejas em
solo brasileiro: “O caminho estava aberto e os concorrentes do Dr. Kalley já se achavam
em trabalho” (LÉONARD, 1963, p.54).
87
ALCÂNTARA, op. cit., p.61.
88
CÉSAR, op. cit., p.86.
55
Em todo território que o Estado adere uma religião oficial, a tendência é que
tenha perseguição religiosa em tal lugar, no Brasil não foi diferente, enquanto houve
Império o catolicismo foi religião oficial. Todavia, devido aos fatores já mencionados,
podemos concluir que o catolicismo não assumiu no Brasil uma face totalmente
opressora, houve por vezes uma “perseguição à brasileira”, preconceito, acusações,
folhetos, motins, publicações em jornais, mas nada em moldes inquisitórios. As forças
da Igreja Católica, nunca assumiram papel principal no período do segundo reinado, e
na verdade a organização se via cada vez mais fraca, o envolvimento com a maçonaria e
a polêmica “questão religiosa” a partir de 1870 deixa nítido esse declínio.
89
FERREIRA, op. cit., p.229-231.
56
missionário Alexander Blackford, e em 1861 chegou também outro missionário, Francis
Schneider, para trabalhar entre os alemães. Simonton tinha a missão de fundar uma
Igreja, e isto acabou por deixar Robert Kalley receoso do papel que Simonton iria
exercer no Brasil, aconselhou que ele fosse moderado em suas ações, entretanto, o
jovem astuto Simonton registrou em seu diário:
57
maior fruto da obra de Simonton foi a conversão de um ex-padre, chamado José Manoel
da Conceição, este ficou conhecido como o “padre protestante”, e exerceu missões
importantíssimas, inaugurando as missões protestantes no interior brasileiro.
58
estes e alguns outros parentes se professaram no dia 13 de julho de 1884, Sendo os
primeiros protestantes de todo o Triângulo Mineiro.
A partir daí o evangelho foi lançado, Boyle retornou aos EUA de férias em 1885,
e quando voltou ao Brasil em 1886 trouxe consigo o missionário George Wood
Thompson, e passou a residir em Bagagem (atual Estrela do Sul) no ano de 1887. Neste
mesmo ano, em 14 de abril, juntamente com Edward Lane, John Dabney, George Wood
Thompson e Delfino Teixeira, foi criado o primeiro presbitério em Minas Gerais, que
era composto pela região de Campinas até o Oeste de Minas. Em 1888 Boyle seguia
fazendo viagens, pregou em Catalão, Caldas Novas, Morrinhos, Santa Luzia, Formosa,
Jaraguá, Entre Rios, Curralinhos, e Goiás Velho. Os frutos do seu trabalho foram
colhidos e o protestantismo se espalhava por toda Minas Gerais. Em 1889 Boyle foi
eleito vice-moderador do Sínodo Presbiteriano e neste mesmo ano lançou seu jornal,
chamado de O Evangelista. (Neste mesmo ano também que as primeiras famílias
protestantes chegam a Patos de Minas).
Sobre a memória de John Boyle, Maria de Melo Chaves, escreve em seu livro
Bandeirantes da Fé, onde conta relatos de como o evangelho se espalhou em Minas
Gerais, a seguinte frase:
John Boyle foi convidado para se transferir para São Paulo, porém preferiu
continuar na sua missão pelo interior de Minas Gerais, onde permaneceu até sua
repentina morte em 1892, vítima de um infarto quando tinha apenas 47 anos. Além de
seu chamado missionário e da fundação do jornal, Boyle escreveu sermões e hinos, dos
quais muitos são entoados hoje nas Igrejas protestantes, vários de seus filhos e netos
também foram missionários. John Boyle é gigante, seu legado é eterno, e Minas Gerais
o deve.
Conclusão
93
CHAVES, M. M. Bandeirantes da fé. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. p. 23.
59
Chegamos ao fim deste artigo com bases para se concluir que o Brasil, que se
manifesta de maneira tão peculiar em vários aspectos, como nossa cultura sincrética,
nossa independência e nossa república, não seria diferente no tocante a religião. Como
colônia de um Portugal que sofria fortíssima influência papista, as manifestações
religiosas surpreendentemente tiveram em dados momentos da nossa história um campo
frutífero, no entanto, a perseguição exercida pelo catolicismo nunca se dissipou
plenamente até meado das décadas de 40 e 50 do século XX. O protestantismo que se
difundiu numa velocidade absurda por toda a Europa após o cisma de Lutero, chegou ao
Brasil em diversas ocasiões e contextos, porém encontrou um descanso somente após a
Proclamação da República. A pluralidade religiosa, e a liberdade de pratica-la é um dos
principais aspectos democráticos e de avanço social de uma nação, a liberdade religiosa
é a mãe de todas as liberdades. Por onde o protestantismo passou foi fundado escolas,
creches, hospitais e, sobretudo, foi manifestado a democracia religiosa, os impactos que
o protestantismo causou podem ser perceptíveis até os dias atuais e poderão ser
eternamente lembrados.
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