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NOTA
Daniel Sampaio
Professor Catedrático de Psiquiatria e Saúde Mental
da Faculdade de Medicina de Lisboa
SOBRE OS SONHOS
I.
2 Referência àqueles olhos que a cultura popular utiliza contra o mau-olhado. (N. da T.)
III.
4 He who keeps his hat in his hand will travel safely through the land, no original. (N. da T.)
Quem tiver aceitado firmemente esta censura como motivo central para a
distorção dos sonhos não ficará surpreendido ao saber, como resultado da
interpretação dos sonhos, que os sonhos dos adultos, na sua maior parte, são
descobertos pela análise dos desejos eróticos. Esta asserção não resulta dos
sonhos de natureza sexual óbvia, que, por experiência própria, são do
conhecimento de todas as pessoas que sonham e os únicos normalmente
descritos como «sonhos sexuais». Estes sonhos são sempre suficientemente
misteriosos devido à escolha das pessoas que se transformam em objectos
sexuais, à eliminação de todas as barreiras que põem travão às necessidades
sexuais de quem sonha no seu estado de vigília, às inúmeras e estranhas
recordações com os pormenores daquilo a que se chama perversões. Mas a
análise descobriu que, em muitos outros sonhos, em cujo conteúdo
manifesto não se consegue encontrar nada de erótico, o trabalho de
interpretação mostra-os, na realidade, como a realização de desejos sexuais;
em contrapartida, aquela quantidade de pensamentos em estado de vigília,
excedentes exclusivos do dia, atinge a apresentação nos sonhos com a ajuda
de desejos eróticos reprimidos.
Para explicar esta afirmação, que não é um postulado teórico, não se pode
esquecer de que nenhuma outra classe de instintos exigiu uma supressão tão
grande em prol da civilização como a dos sexuais, ao passo que o seu
controlo pelos processos psíquicos mais elevados é o que deixa de ser feito,
na maior parte das pessoas, mais cedo. Uma vez que aprendemos a
compreender a sexualidade infantil, frequentemente tão vaga na sua
expressão, tão invariavelmente subestimada e incompreendida, justificamo-
nos dizendo que quase todas as pessoas civilizadas retiveram, num
determinado momento, o tipo infantil de vida sexual; assim,
compreendemos que os desejos sexuais infantis reprimidos alimentam os
mais frequentes e mais poderosos impulsos para a formação dos sonhos.9
Se o sonho, que é a expressão de um qualquer desejo erótico, conseguir
que o conteúdo manifesto pareça inocentemente assexual, só o pode fazer
de uma maneira. A matéria destas apresentações sexuais não pode ser
exibida como tal, antes tem de ser substituída por alusões, sugestões e
meios indirectos semelhantes; diferentes de outros casos de apresentação
indirecta, os que se utilizam nos sonhos não podem ter uma apresentação
directa. Aos meios de apresentação que satisfazem estes requisitos chama-
se, vulgarmente, «símbolos». Foram alvo de um interesse especial, a partir
do momento em que se observou que as pessoas que sonham e falam a
mesma língua utilizam os mesmos símbolos – de facto, em alguns casos, a
comunidade de símbolos é maior do que a comunidade linguística. Uma vez
que as pessoas que sonham não sabem o significado dos símbolos que
utilizam, continua a ser um enigma a relação com o que substituem e
denotam. Este facto, em si só, é inquestionável e ganha importância na
técnica de interpretação dos sonhos, pois, com o apoio de um conhecimento
deste simbolismo, é possível compreender o significado dos elementos de
um sonho, ou de parte de um sonho, ocasionalmente até o sonho todo, sem
ser preciso inquirir a pessoa que sonha sobre as suas próprias ideias.
Aproximamo-nos, assim, do conceito popular da interpretação dos sonhos
e, para além disso, ficamos na posse da técnica dos antigos, para quem a
interpretação dos sonhos era idêntica à explicação simbólica que davam.
Embora o estudo do simbolismo dos sonhos esteja muito longe de estar
terminado, temos agora uma série de afirmações gerais e de observações
particulares bastante acertadas. Há símbolos que tiveram quase sempre o
mesmo significado: imperador e imperatriz (rei e rainha) são sempre os
pais; quarto, uma mulher, entre outros. Os sexos são representados por uma
grande variedade de símbolos, muitos dos quais, a princípio, bastante
incompreensíveis, a não ser que se consiga obter, por outros canais, a chave
do seu significado.
Há símbolos universais, presentes em todas as pessoas que sonham, nos
limites da sua língua e cultura; há outros com um significado individual
mais restrito, que o indivíduo constrói com o seu próprio material. Na
primeira classe, distinguem-se os que imediatamente se reconhecem pela
substituição de objectos sexuais na linguagem comum (os que, por
exemplo, estão ligados à agricultura, como reprodução, semente) de outros
cujas referências sexuais parecem remontar aos primórdios dos tempos e às
profundezas obscuras da construção da nossa imagem. A capacidade de
criar símbolos nestas duas formas especiais de símbolos ainda não se
esgotou. Coisas recentemente descobertas, como a nave espacial, passam
imediatamente a ser utilizadas como símbolos sexuais.
Seria um erro pensar que um conhecimento profundo do simbolismo dos
sonhos (a «Linguagem dos Sonhos») nos daria a possibilidade de não
questionar a pessoa que sonha sobre as suas impressões sobre o sonho e nos
devolveria toda a técnica dos antigos intérpretes de sonhos. À parte os
símbolos individuais e as variações na utilização daquilo que é geral, uma
pessoa nunca sabe se um elemento no sonho deve ser interpretado
simbolicamente ou com o seu significado próprio; é certo que o conteúdo
do sonho não deve ser todo interpretado simbolicamente. Conhecer os
símbolos dos sonhos só irá ajudar-nos a compreender pedaços do conteúdo
dos sonhos e não dispensa, de maneira nenhuma, a utilização das regras
técnicas previamente referidas. Será muito útil na interpretação de um
sonho quando as impressões da pessoa que sonha estiverem escondidas ou
forem insuficientes.
O simbolismo dos sonhos revela-se igualmente indispensável para a
compreensão dos chamados sonhos «típicos» e dos sonhos «repetitivos». Se
o valor do simbolismo dos sonhos não ficar completamente definido nesta
minha apresentação, esta tentativa será corrigida remetendo para um
conhecimento de enorme importância para esta relação. O simbolismo dos
sonhos leva-nos muito para além do sonho; não pertence apenas aos sonhos,
mas predomina igualmente na lenda, no mito e na saga, no presságio e no
folclore. Leva-nos a dar continuidade ao significado interior do sonho
nestas produções. Mas tenho de reconhecer que o simbolismo não resulta
do funcionamento do sonho, sendo provavelmente uma peculiaridade do
nosso pensamento inconsciente que fornece o funcionamento dos sonhos
com o material da condensação, do deslocamento e da dramatização.
9 Freud, «Três contributos para a teoria da sexualidade», em Journal of Nervous and Mental
Disease, Publishing Company, Nova Iorque.
XIII.