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Copyright © 2019 Gabriela Goulart

Todos os direitos reservados.

O direito de Gabriela Goulart de ser identificada como


Autora da Obra foi afirmado por ela de acordo com o
Copyright, Designs and Patents Act 1988.

Publicado pela primeira vez como Ebook por Gabriela


Goulart e revisado por Fabiola Forbeci em 2019.

Diagramação: Amandda Bennett

Todos os personagens desta publicação são fictícios e


qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou
mortas, é mera coincidência.

G694S Goulart, Gabriela.


O Segredo de Lis/ Gabriela Goulart.
Curitiba: 1° Edição, 2020. 285 p.

ASIN: B07TV6WVQ6

1. Romance 2. Erótico 3. Drama


I. Título

CDD: B869.3
CDU: 82-3

O direito de Ariel Moreira de ser identificada como


Autora da Ilustração de Capa foi afirmado por ela de
acordo com o Copyright, Designs and Patents Act 1988.
Eu não matei mais gente foi por causa delas:
Ange, Fabi e Lua.
Brincadeira é um romance fofinho gente... ou não.
Obrigada garotas!
Já foram questionados ou pensaram em qual sua
data preferida do ano, ou mês, ou um dia especial da
sua vida que não irão esquecer? Alguns podem pensar
em vários feriados que marcaram aquela lembrança, ou
talvez seja o mês que te lembra de algo novo, seu
aniversário, o dia de uma nova conquista, um grande
sonho realizado, um novo amor, até uma perda grande
– nunca se sabe como funcionam os sentimentos de
uma pessoa.
Eu sempre dizia que o meu dia favorito era 22 de
outubro, não que os outros onze meses sejam mais
enfadonhos, aprecio todos eles também, dezembro e
janeiro podemos sentar com toda a família, rir e chorar,
doar horas dos nossos dias vivendo só aquele momento
de relaxar e compartilhar tudo com quem está ao seu
redor. Março tem o aniversário da mamãe, o que acho
muita sorte da parte dela fazer aniversário perto do dia
das mães, ganha dois presentes em menos de um mês.
Maio está acabando, mas não antes de uma grande
surpresa, no dia 28, Samuel nos deu sua ilustre

–4 –
presença, aumentando um pouco mais nossa família.
Junho e julho é o fim das aulas e começo das férias de
inverno – férias pode ser um bom momento para
escolhermos como favorito, mas apesar da alegria de
não ter aula e poder ficar apenas se divertindo, este
ainda não é meu momento favorito. Papai não teve
tanto sorte, dia dele é longe de seu aniversário, que nos
leva a novembro, apesar de não ganhar dois presentes,
ele nos dá um grande presente, papai sempre trabalhou
muito, o que levava ele a viajar muito, a maioria das
vezes para Nova York, não só porque tio Andrew
morava lá, mas também – segundo ele – lá os
laboratórios eram melhores para suas pesquisas. Papai
fazia aniversário perto de um feriado, tão perto que o
fazia ter recesso do seu trabalho, e trazia-o para casa,
mesmo assim este ainda não é meu mês favorito.
Neste dia que pode ser só mais um dia normal para
todos, papai ficava feliz de ter que viajar para tão longe,
e nos levar junto, mamãe tirava folga de três dias de
suas aulas – ela era uma excelente professora de dança.
Como morávamos no Brasil a viagem para visitar And
em Nova York sempre era longa e cansativa, e na
maioria das vezes íamos separados no avião porque nos
perdíamos na escala. Digo isso porque meus avós eram
muito ansiosos, então sempre partiam antes para alugar
um carro perto do Sea-Tac Airport. Encontrávamos com
vovô e vovó em Washington para irmos com um trailer,
viajando pela Interestadual até a casa da tia Kiara e tio
Andrew, em Seattle, eles haviam se mudado há pouco
tempo devido à aposentadoria de And por causa do seu
acidente de carro há três anos. Ele quebrou a perna e

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não era mais bem recebido nas empresas de engenharia,
por isso abriu um bar e gerencia-o com seus gastos,
apesar de ele não precisar desse trabalho. Kiara
trabalha com ele, mas antes era enfermeira, depois de se
dedicar a cuidar de seu marido, resolveu se acomodar e
ajudar ele no bar.
Mas pela primeira vez em dezoito anos, eu não
soube responder essa simples pergunta, e desejava com
todo meu coração que esse fosse só mais um dia
qualquer na minha vida, para eu poder apagar ele,
junto com todas as lembranças que eles me trazem.

–6 –
Interestadual 5
20h40min – 21 de Outubro

A estrada estava coberta por uma neblina grossa, e


pingos finos cobriam o céu com a chuva contínua, mas
fraca, que caía no para-brisa do trailer, que tentava
insistentemente tirar as gotas ali, mas sem nenhum
sucesso. Tirei meus olhos da estrada por um minuto
para voltar aos acomodados: papai que estava
dirigindo, conversava sobre o grande almoço de
domingo com o vovô que se encontrava no banco do
carona ao seu lado. Enquanto mamãe balançava Sam
em seus braços até ele pegar no sono, e vovó tricotava
um cachecol para mim – querida vou fazer na cor
vermelha, na cor da flor de Lis, pois você é tão linda e
forte quanto seu significado. – Agradeci a ela, corando
com o elogio dito.
- Mas vovó, como sabe que sou forte assim? Olhe pra
mim – deslizei a mão pelo meu corpo esguio e fino,
para ela avaliar – não a nada que aparenta força em
mim.
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- Não estou falando da física querida, e sim de sua
alma. Você é forte minha querida, só não se descobriu
ainda, tenho muito orgulho da mulher que você está se
tornado.
- Obrigada – a abracei forte e sussurrei: Te amo,
obrigada por guardar meu segredo e me apoiar. E senti-
a sorrindo no meu pescoço – Eu também querida.
Há alguns anos quando fui até sua casa para tomar
um delicioso café e saborear seu maravilhoso pão, como
fazíamos todas as tardes em que eu a visitava, ela
percebeu sem eu nunca ter falado nada, apenas
observando meus olhos não tão alegres, e meu corpo
não tão saltitante. E eu senti naquele momento que eu
precisava contar aquilo para alguém, e parecia que ela
seria a melhor pessoa para me ouvir. Eu já tinha
tentando contar para minha amiga Jenny, mas acho que
ela não entendeu, nem eu tinha entendido direito na
verdade, então naquela tarde ensolarada de inverno, eu
me abri e vi meu corpo sacudindo pesadamente, e só
percebi que estava chorando quando vovó me trouxe
para seu abraço sussurrando que tudo iria ficar bem e
que não deixaria mais nada como aquilo me acontecer. -
Antes de eu soltá-la observei mamãe sorrindo, em um
passar de segundos seu rosto sorridente passou para
um olhar de pavor e medo.
Ouvi uma buzina, o pneu pressionando na estrada, e
então caímos para fora dela. Havia um caminhão
prensado no meio do trailer, o caminhão estava no meio
da estrada e o trailer totalmente fora da rodovia. Tudo
estava um caos, foi quando ouvi um ruído, não era um
ruído, era um choro muito familiar - SAMUEL? – Ele

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estava envolto em sua coberta tricotada pela vovó, no
extremo do trailer, peguei-o e aninhei em meu colo, e
coloquei meu cachecol vermelho, e fui à procura de um
celular, todos estavam desacordados e com ferimentos.
Foi tudo muito rápido, como um borrão.
Quando enfim chegou a ambulância, foi que percebi
que eu tinha um pedaço de vidro dentro da minha
coxa, minha mãe parecia estar sem sinais de vida, e
tentavam reanimá-la, pois pelo que os paramédicos
diziam que na hora do impacto as costelas dela se
chocaram contra o banco da frente, causando uma
hemorragia interna. Papai e vovô, apesar de estarem
afivelados ao cinto, não estavam muito melhores, o
impacto foi muito severo para todos, exceto para mim,
pois vovó me abraçou mais forte e me protegeu. Ela
parecia estável, apenas com um machucado pequeno na
cabeça, parecia que estava apenas em um sono
profundo, mas eu esperava que este sono fosse finito.

–9 –
Hospital St. Vicent – PS
21h45min – 21 de Outubro

O lugar é enorme, estou na ala do pronto socorro.


Estou sentada numa maca com as pernas esticadas
enquanto um médico limpa e costura meu ferimento,
eu deveria sentir dor? Se sim, não sinto, na verdade
nem sequer estou prestando atenção no que ele está
falando. Mamãe foi direto para uma sala de
emergência, porque pelo o que os médicos me disseram
o hospital estava lotado, pois havia acontecido um
incêndio em uma escola perto dali.
Porém vovô e papai conseguiram ser encaminhados
para sala de cirurgia. Ao mesmo tempo em que Samuel
foi tirado de mim, para ser examinado na pediatria e
vovó entubada em alguma sala que ainda não havia
sido informada. – Sentiu isso? – senti um toque no pé e
acordei de meus pensamentos e mudei meu olhar para
o médico que me atendia.
- É.. sim, eu sinto. Já posso ir procurar minha família?

–10 –
O homem que estava com um olhar cansado e triste
me encarou, com pesar. Como se eu acabasse de
perguntar algo que não era possível nem se pudesse,
como se.... – O caso da sua família é complicado, e um
pouco crítico, mas sim você pode ir. Ele abriu a boca
para acrescentar algo mais, mas o silenciei, pois ouvi
um grito de dor, um grito de agonia – mãe? Não
importando se minha perna estava com os fios dos
pontos pendendo a costura, ou a dor lancinante de
quando meu pé foi de encontro ao chão, eu fui em
direção ao barulho e a vi numa sala com vários fios,
panos e mãos ao seu redor.
- Você não pode ficar nessa área, aqui só o pessoal
que trabalha no hospital.
- Me solte, é minha mãe ali – apontei para a salinha
onde a via lutar para continuar viva apesar dos gritos
emitidos de sua boca.
- Deixe-a ir – ouvi o médico dizer, e como se tivesse
sido uma ordem, os braços que prendiam sumiram, me
soltei e corri até a sala, mas já era tarde. Havia um apito
contínuo e uma linha reta no computador, e ouvi
alguém dizer – Hora da morte: 22 horas.
Por um minuto pensei que meu coração tinha
parado, minha mãe estava morta? Queria dizer que
não, repetir para mim mesma que minha mãe só estava
dormindo, mas eu sabia e sentia que sim, agora eu tinha
certeza que aquilo não era um grito de medo ou dor,
era um grito porque ela estava sentindo a escuridão, a
morte.

–11 –
E este foi o primeiro golpe da noite, senti meu
mundo tremer sob meus pés, mas eu não podia
fraquejar, minha noite estava apenas começando.

–12 –
Hospital St. Vicent - Pediatria
00h12min - 22 de Outubro

Dra. Ana Stevan disse que Sam não poderia estar


melhor, ele teve muita sorte por não ter tido impacto
algum, como eu. – Ele só vai ficar em observação por
mais algumas horas, para o caso de os exames
mudarem o que é quase nulo. Disse com um sorriso
simpático. Pelo menos alguma notícia boa.
- Falando em notícias, apesar de estar muito feliz
pelo meu irmão, já faz mais de 4 horas que não há
nenhuma do resto de meus familiares. Você sabe algo
sobre minha família Doutora?
- Vou averiguar, e se tiver qualquer notícia pedirei
que te avisem ok? – Eu assenti ao mesmo tempo em que
ela sumiu pela porta de vidro.
Essa era uma sala tão grande quanto a primeira que
cheguei, mas bem mais silenciosa e aconchegante. Ao
invés de macas e várias pessoas transitando, havia
alguns berços com uma tampa de vidro em volta, e uma
ou outra médica ou enfermeiro por perto.

–13 –
Segurei a mão de Sam com carinho e encarei aqueles
olhos verdes intenso e brilhantes com o cabelo preto
ralo, e seu sorriso de quatro dentes que agora sorria
para mim, em resposta a meu carinho.
- Você é Elisa Ferraz? – Perguntou uma moça baixa
com cabelo em coque, que parecia tão nova quanto eu,
com um cartão preso no seu jaleco escrito: Enfermeira
Zélia Couton.
- Eu mesma, alguma notícia? – Boa eu espero.
- Sim, sua avó está acordada no quarto 202, venha
comigo vou levá-la até ela.
Viva! Ela estava viva, foi então que percebi que soltei
um ar que nem sabia que prendia, apesar de ainda não
ter notícias dos homens da família, estava mais
tranquila agora - pois eu e Samuel não estávamos
completamente sozinhos. Cheguei ao quarto e avistei-a
com os olhos semiabertos, com uma respiração pesada,
e um pequeno meio sorriso aparecendo em sua boca
quando me viu entrar.
- Olá querida, como você está?
- Não tão forte quanto aparento.
- Teve alguma notícia? – Engoli em seco, ela não
sabia da mamãe então? Respirei fundo algumas vezes
antes de falar, precisava de forças para lhe contar.
- Sim, Sam está bem. Vovô e papai estão em cirurgia,
e mamãe está... ela está... – Senti as lágrimas caírem, não
conseguia dizer, não fui forte o bastante, não estava
pronta para aceitar. Mas não precisei terminar, vovó
entendeu e me abraçou como no acidente, como se
estivesse me protegendo do impacto que estava por vir.

–14 –
- Chorar faz bem minha flor, limpa a alma e renova
as forças, você vai precisar delas agora mais que nunca.
- Não vovó, nós vamos precisar. – Frisei o “nós”,
apontando o dedo para mim e para ela. - Você ainda
está aqui e Sam também.
- Sim, eu estou. Ela me afastou para me ver melhor. –
Querida que horas são? Limpei as lágrimas para olhar
para o meu relógio. – São exatamente 00h35min.- Oh,
então já passou da hora.
- Só alguns minutos - e eu nem percebi que já
estávamos no dia 22 de outubro, na verdade eu não
percebi muita coisa, afinal meu mundo estava virando
de ponta cabeça, no que era para ser o mais especial, se
tornou o mais triste e doloroso dos meus dias.
Ela passou a mão pelo meu cachecol vermelho, que
estava envolta de meu pescoço – ficou lindo em você.
Minha pequena flor de Lis ouça com atenção o que vou
te dizer, pois por mais que eu lute não sei se poderei ser
forte como você. – Comecei a tentar silenciá-la, dizer
que estava precipitada, ela estava na minha frente e
respirando. Mas ela passava a mão em meus braços, me
aninhando em seu corpo, da mesma forma que
costumava fazer quando eu era pequena, e me
aconchegava em seu abraço enquanto sussurrava que
iria ficar tudo bem – Como poderia? – Mas eu me
acalmei o máximo que pude e a escutei com atenção.
- Minha querida Flor, agora você não é mais um broto,
agora você é uma mulher bonita, honrada, inteligente e acima
de tudo muito forte. Se não concorda comigo agora é porque
não se conheceu de verdade. Acredito que você vai me fazer
cada dia mais orgulhosa de você. Agora mais que nunca irão

–15 –
surgir muitos obstáculos para você, estes dos quais você
achará impossível de ultrapassar, mas lembre-se: “Uma flor
sobrevive as quatro estações, pois tem a raiz para lhe nutrir e
cuidar de seu desenvolvimento, o caule para se apoiar e dar a
ela força, o espinho para se proteger de qualquer obstáculo
que lhe ocorrer, e as pétalas para florescer e encantar.”

–16 –
Hospital St. Vicent
2h52min. - 22 de Outubro

Depois de mais de cinco horas na sala de cirurgia


vovô enfim saiu. – Ele tinha hemorragia, seus órgãos
foram falhando, até ter uma parada cardíaca – disse o
Doutor Hunt, ele se foi, estava morto. Sentia como se o
chão houvesse aberto um abismo, e eu estava na
beirada dele, prestes a cair.
Papai tinha saído quase ao mesmo tempo e foi
encaminhado para uma sala. Encheram no de tubos e
fios, ele parecia não respirar sozinho – Ele tinha
paradas cardíacas a cada 15 minutos. - Aquele não era
mais meu pai vivo, forte e sorridente que conheci
minha vida inteira. O que eu via era um corpo frio e
esbranquiçado que se mexia de acordo com as
máquinas, fios e tubos que o envolviam. Então percebi,
que minha vó tinha razão, agora eu era uma mulher
que tomava decisões e não mais o broto que recebia
elas.
- Então seja uma flor, e ache seus membros, pessoas
especiais. Sozinha nada para em pé. E quanto ao que lhe
–17 –
aconteceu no passado, você vai achar um homem que te
mostre que existe paixão e amor, basta apenas você deixar
sentir. – Ela me beijou a testa, encostou-se a seu leito, eu
fiz o mesmo e sussurrei o que ela sempre me dizia antes
de dormir depois de contar uma estória: Meu broto tão
querido, durma bem, sonhe com os anjos, que eu estarei aqui
para te proteger. - Obrigada vovó por sempre estar
comigo, eu juro que honrarei cada última palavra que
você me disse.
- Dr. Hunt, posso lhe perguntar uma coisa? – Um
homem um pouco mais alto que eu, eu parecia ser um
pouco mais novo que meu pai, com cabelo num tom
escuro mesclados com uns fios grisalhos que estavam
começando a aparecer. Seus olhos azuis estavam
ofuscados por olheiras bem destacadas em seu rosto
junto com o cansaço, me fitou e assentiu me guiando a
um lugar menos movimentado.
- Ele está sofrendo? – Apontei para a porta de vidro
do quarto, onde meu pai estava deitado.
- Ele não está sentindo nada, este totalmente sedado
e.
- Não foi isso que lhe perguntei, ele não para de ter
paradas cardíacas, e tem mais máquinas em volta dele
do que em uma sala de computação, o que está
acontecendo com meu pai doutor?
- O homem na minha frente soltou um grande
suspiro, como se tivesse seis toneladas em seus ombros.
– Seu corpo não está respondendo bem a cirurgia, seus
órgãos estão falhando aos poucos, e somente o que
mantém ele respirando são as máquinas.
- Portanto ele está sofrendo.

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- De certo modo sim, ele está.
- Então, eu peço que desligue todos os aparelhos e
deixe-o ir. Ele já lutou tudo que pode, não merece mais
sofrimento, todos estão muito exaustos.
- Mas você não pode, tire um tempo para pensar e
talvez ele melhore.
- Eu já sou maior de idade, fiz meus 18 anos a pouco
mais do que quatro horas. E já tomei minha decisão, e
esta é: que meu pai enfim descanse.
Ele me encarou por um tempo, vendo que não iria
mudar de ideia, me acompanhou para o quarto, me deu
um papel de consentimento. Deu-me um tempo com
meu pai para me despedir e desligou tudo, então
escutei a máquina apitar continuamente e vi a uma
linha reta no computador acima de sua cabeça. E então
como um golpe final vi a quarta tela se apagando, eu
não havia mais um caminho onde pisar e seguir, eu
estava em um breu. Tudo o que eu possuía era meu
irmão, um cachecol vermelho e uma promessa para
cumprir, então me segurei nestes detalhes como se
fosse minha corda para fora dali.
- Hora da morte, 4h02min.

–19 –
ATUALMENTE
Andrew's Bar

- And traz duas doses que hoje eu e a Clara vamos


comemorar.
- E vocês estão comemorando o que?
- Consegui fechar meu primeiro grande projeto –
Clara explica para o Andrew enquanto pegava o limão
e ao mesmo tempo passava outro para mim.
- Parabéns querida, e você Lis, qual foi o resultado
daquela prova de título? – And conheceu Clara na
época da faculdade, pois andávamos praticamente
grudadas. E a apoiou quando foi abandonada por sua
família por sua sexualidade, dando tanto orgulho
quanto eu, segundo ele.
- Não sei, não tive coragem de ver ainda, e....
- Mas vamos descobrir agora, já estou entrando para
ver o resultado e.... - Ela parou por um segundo, e ficou
encarando o celular. Será que não consegui? And lutou
tanto para me manter e eu não consegui nem ao menos
minha especialização?
–20 –
- E aí Clara, ela passou ou não? – Perguntou And
entre dentes de ansiedade.
- Sinto dizer que – Sinto? Então.... Eu...? – A Dra.
Ferraz vai ter uma longa jornada de plantões, pois
agora é a mais nova chefe cirurgiã pediátrica do
Hospital St. Vicent.
- Eu consegui! Eu consegui!
- Kiara querida, Lis conseguiu. Ela passou, nossa
menina é oficialmente uma doutora. - Ele quase grita ao
dizer isso para Kiara. ‘Nossa menina’, sorrio ao ouvir isso,
Andrew e Kiara não são oficialmente meus pais, mas os trato
como tal. - Pela conquista das duas, podem tomar suas
doses, que é por conta da casa hoje.
- Oba! - comemoramos e viramos a primeira dose,
em meio a risadas.
- Depois de mais de três doses, já estávamos "felizes",
e dançando no meio da pista, estávamos rindo de
alguma coisa que não me lembro direito, de repente
Clara abafou o riso, e eu me virei para ver o que era.
Quando percebi quem era, o fato da minha amiga ter
se calado fez sentido, era o Paul o gerente do novo
banco que abriu a umas quadras daqui, ele era
exatamente aquele tipo de homem que uma mulher
morreria para ir para cama, certamente por suas feições,
era alemão, alto com cabelos loiros e um sorriso
encantador, muito simpático e inteligente. Nunca vi um
homem ser bom em números como ele. Como um
gerente de banco era muito rico, porém o que ele tinha
de dinheiro, não tinha de vergonha na cara. Paul era o
tipo de homem que não foi feito para relacionamentos
sérios.

–21 –
E assim que ele chegou eu perdi a minha companhia,
então peguei minha garrafa de cerveja da mão da Clara
que nem tinha percebido e voltei para a pista, e comecei
a dançar ao de Roses – The Chainsmokers.

Taking it slow, but it's not typical


(Indo devagar, mas não é o normal)

He already knows that my love is fire


(Ele já sabe que meu amor é fogo)
His heart was a stone
(Seu coração era uma pedra)

But then his hands roamed


(Mas então suas mãos percorreram)

I turned him to gold, and it took him higher


(Eu o transformei em ouro, e isto o deixou maior)

Oh, I'll be your daydream


(Oh, Eu vou ser seu devaneio)

I'll be your favorite things


(Eu vou ser suas coisas favoritas)

We could be beautiful
(Nós podemos ser lindos)

Get drunk on the good life


(Embebedar-se sobre a boa vida)

–22 –
I'll take you to paradise
(Eu vou te levar para o paraíso)

Say you'll never let me go


(Diga que você nunca irá me abandonar)

Deep in my bones, I can feel you


(Profundamente em meus ossos, eu posso sentir
você)

Take me back to a time only we knew, hideaway


(Me leve para o tempo que só nós sabíamos, refúgio)

We could waste the night with an old film


(Nós poderíamos desperdiçar a noite com um filme
antigo)

Smoke a little weed on the couch in the back room


(Fumar maconha na sala dos fundos)

Hideaway?
(Refúgio?)

Então sinto uma mão quente e grande encostar-se na


minha cintura, todo o meu corpo enrijeceu, mas ao
mesmo tempo parecia que ia despencar – O que ele
estava fazendo ali? Será que se lembra de mim? -
quando me viro para olhá-lo quase perco o ar.
- Oi
- O... Oi. – Meu Deus, eu estou tão fodida.
- Posso lhe pagar uma bebida?

–23 –
- Claro. - Digo quase como um suspiro, milagre ele
ter entendido.
Escolhi uma bebida aleatória no cardápio, porque
não conseguia me concentrar, toda vez que olhava
aqueles olhos tão escuro quando a noite, eu o conheci
no dia da formatura da Clara. O mesmo tanto que a
bebida tinha de cores, tinha de forte – Meu Deus o que
And andava colocando na bebida dos fregueses?
Ácido? - a cada gole descia queimando, mas acho que
por mais que eu tentasse não demonstrar ele percebeu,
pois ele começou a dar umas risadas, certamente não
sou boa no quesito mentir.
- A cada gole seu, eu penso que tem veneno nesse
copo.
- Por quê?
- Você não faz umas caras muito agradáveis – ele ri, e
eu rio junto porque é verdade, parece um veneno.
- Preciso de algo para tirar esse arco-íris da minha
boca, alguma ideia?
Ele murmura algo, mas não escuto porque logo
depois sou tomada por um beijo molhado e intenso,
posso sentir o gosto do uísque forte na sua boca, apesar
de não ser esse o meu cardápio que escolheria para
hoje, em sua boca parece tão bom e saboroso que eu o
beijo de volta.
- Vamos dançar? - Respondo um sim meio sem
fôlego, e o sigo.
Ele posiciona suas mãos na minha cintura, me
puxando para mais perto dele, pouso minhas mãos em
seu pescoço. E a música continua a tocar, enquanto
trocamos beijos e olhares. Suas mãos percorrem minha

–24 –
cintura, posicionado na minha bunda apertando-a. Eu
retribuo-o colocando minhas mãos em seu pescoço,
enquanto a outra desfila pelo seu peito e barriga - meu
Deus que corpo é esse? Encaramo-nos por um instante,
e sou puxada para ainda mais perto do seu corpo.
Consigo sentir seu membro se encostando a mim,
quando sou tomada por outro beijo tão intenso e
gostoso quanto ao outro.

Deep in my bones, I can feel you


(Profundamente em meus ossos, eu posso sentir
você)

Take me back to a time only we knew, Hideaway


(Leve para um tempo onde só nós sabíamos, um
refúgio)

We could waste the night with an old film


(Nós poderíamos desperdiçar a noite com um filme
antigo)

Smoke a little weed on the couch in the back room


(Fumar maconha na sala dos fundos)

Hideaway
(Refúgio)

Say you'll never let me go (2x)


(Diga que você nunca vai me deixar ir) ....
Ahh, ahh, ahh

–25 –
Say you'll never let me go (2x)
(Diga que você nunca vai me deixar ir)

Não sei como, nem em que momento nós chegamos


à minha cama, mas estávamos lá. Estamos nos
despindo em volta da casa, até um momento que
chegamos à minha cama, comigo vestindo minha
camisa e roupas íntimas e ele com sua calca semiaberta.
Ele começou beijando minhas coxas, depois meus
quadris, tira minha calcinha e coloca um dedo dentro
de mim.... Depois o outro. Meus quadris se levantam
como se estivessem pedindo por aquilo. Ele
rapidamente tira o resto de suas roupas enquanto eu
abro uma camisinha que ele me entregou, ele percorre
seus dedos por todo o meu sexo, quando menos
percebo já está dentro de mim, com minhas pernas
entrelaçadas nele e eu explodindo de prazer.

–26 –
Acordo num susto com o barulho da chaleira
assobiando, antes de ir matar qualquer pessoa que
possa ser, os acontecimentos da noite passada vêm em
minha cabeça. – Meu Deus, eu dormi com ele. Por quê?
Como? – Eu não dormi com o irmão caçula da melhor
amiga. Não. Eu não dormi, repito para mim mesma
como um mantra enquanto me aproximo do banheiro.
Tente ver o lado positivo Lis. – Qual seria? Kiara
sempre diz que tudo na vida tem o lado ruim, mas para
o equilíbrio, tem se também o bom. – Eu o conheço, e
para ele eu sou somente uma estranha do bar. Vai ter de
bastar, por ora, como ponto positivo.
Deixo a água escorrer pelo meu corpo enquanto vou
me recordando dos acontecimentos das últimas 24
horas. - Bar. Álcool. Música. Álcool. Casa. Cozinha.
Roupas. Mãos talentosas. Gemidos. Cama. Homem
delicioso. Mais gemidos. Sexo delicioso. Vizinhos
gritando. Êxtase.
Quinze minutos depois estou indo em direção a
cozinha e a parte externa para pegar uma camiseta, na
pilha de roupas que eu deveria ter guardado ontem,
–27 –
estou vestindo uma calça jeans clara e um sutiã de
renda preto. No caminho da cozinha já sinto o cheiro de
café fresco, ao me aproximar da bancada vejo-o
preparar torradas com a geleia de morango que deve
ter achado na geladeira. Analiso novamente, ele não era
o mesmo garoto da formatura da minha amiga, era um
homem - muito gostoso por sinal. Ele estava todo
vestido, por exceção de seus pés descalços, o analisei só
um pouco mais antes dele perceber minha presença.
Cabelo loiro escuro, um pouco mais alto que eu, com
um porte bem mais forte do que eu lembrava, mas não
era trincado ou com músculos tão rígidos quanto os
bonecos de ação do Samuel, parecia ser a medida certa
e muito delicioso - não só de olhar, e para completar
com os olhos cor de âmbar ou do céu estrelado, era
totalmente hipnotizante olha-lo.
Só o vi duas vezes, é já dormiu na minha cama, e
tomou conta da minha cozinha – respiro fundo e
cruzou os braços no peito, enquanto me aproximo.
- Sempre domina a cozinha das mulheres com quem
dorme? – Ouço o rir antes de responder.
- Bom dia, querida. – Minha, tá de sacanagem? Mas o
que?
- Não sou sua querida, mal te conheço. Só vi você
duas....
- Eu não falei que era minha. – Ele murmura algo
mais, porém não consegui escutar, então o ignoro. -
Okay, eu estou ficando paranoica com a presença deste
homem na minha cabeça, só pode ser isto.
Queria mandá-lo embora, empurrar porta a fora, mas
vou tomar café primeiro. Até porque não se nega

–28 –
comida – NUNCA - e como foi ele quem preparou, vou
ser justa e deixar que ele fique. Mas que fique claro, ele
só fica por causa do café da manhã, não tem nada a ver
com o fato de ele ter proporcionado o melhor sexo da
minha vida em semanas. Ok, em meses.

Ouço a chegar devagar por trás da bancada da


cozinha, mas continuo a preparar as torradas com
geleia. Ela é uma mulher totalmente diferente do que
estou acostumado a dormir, vejo a de soslaio se
aproximar enquanto sirvo o café - Apesar de alta e
magra, tem curvas que deixam meu corpo sedento pelo
dela. Com um longo cabelo que vai até suas costas, com
as pontas cacheadas de uma coloração marrom escuro
com algumas mechas mais douradas, sua franja vai até
o queixo, mas como é cacheada encurta alguns mínimos
centímetros – sempre caindo nos olhos. Estes quais são
uma cor de mel com um toque de verde, nariz e orelhas
pequenas, mas que combinam com o conjunto da arte.
E para finalizar, uma boca mais carnuda que tem um
leve pigmento rosado.
- Sempre domina a cozinha das mulheres com quem
dorme? – Ela diz ao me olhar enquanto pega a xícara no
armário. Não só cozinha, minha querida, rio para mim
mesmo.
- Bom dia querida.
–29 –
- Não sou sua querida, mal te conheço. Só vi você
duas....
- Eu não falei que era minha.... Ainda - digo isso num
murmúrio, e como ela para de falar acho que não
ouviu.
- Espere, você disse duas vezes? Quando foi isso?
- Eu disse? Foi um equívoco, sabe de manhã não
penso direito e falo besteiras.
- Você parecia bem certa do que falava.
- Eu também ouvi minha querida, e você negou a
pouco, certo?
Concordei em silêncio, ficamos em um silêncio por
um tempo que parecem ser horas, mas eram só
segundos, enquanto encarava seus olhos cor de mel,
então começo a escutar um barulho estranho. – BIP!
BIP! – Mas o que é esse barulho?
Aqueles olhos ternos e calmos, depois da minha
pergunta, ficam arregalados. – Devem ser as gêmeas! -
Ela pula como se tivesse sido ejetada da cadeira a
procura do barulho estranho. Até que pega um
aparelho pequeno na mão, que está piscando na
minúscula tela, e apitando.
- Gêmeas?! – Pergunto confuso, ela tem filhos?
- Meu Deus! Preciso correr para o hospital. Preciso ir.
– Hospital? Gêmeas?
Ela vai da lavanderia ao quarto em um passar de
segundos, vestida com uma calça jeans e camisa,
enquanto segura um sapato em uma mão, e sua bolsa e
chaves na outra.
- Eu tenho que ir, tch... – Ela parou bruscamente na
porta, me olhando por um tempo, ainda parado no

–30 –
meio da cozinha sem entender nada. – A casa é minha,
você também precisa sair, ande logo, tenho que correr.
Olho no relógio da cozinha são apenas 07h15min da
manhã, essa mulher estava correndo para o hospital por
causa de crianças, e recusa em me dizer por que e de
onde já me conhecia. Que mulher misteriosa você
arranjou nesse bar Felippe?
- Mas não são nem 8 horas de um domingo, o que
tem para fazer num hospital?
- Não tenho tempo de explicar, agora saia, por favor,
preciso fechar a porta. – Ela não tem tempo nem de
explicar, por que tinha que sair às pressas para o
hospital?
- Você fala como se fosse caso de vida ou morte. –
Seu rosto de preocupação parece agora ter uma mistura
de raiva. O que eu disse? Só estava brincando.
- FELIPPE EVANS EU MANDEI SAIR AGORA!
Ela me empurra porta a fora, colocando meus
pertences em meu colo enquanto fecha a porta em três
lugares diferentes e sai correndo pelo corredor em
direção as escadas. E grita no final do corredor alto o
bastante para eu ouvir – Obrigada pelo café, estava tão
delicioso quanto à refeição da madrugada!
A mulher gritou, me empurrou porta a fora, e depois
me agradece? Eu perdi alguma coisa, certo? – E como
diabos ela sabe meu nome?

–31 –
Acho que bati meu recorde de tempo, não sei se
cheguei rápido, por agora não ser uma residente, e
todos meus pacientes estarem por minha e total
responsabilidade. Ou porque queria fugir de Felippe.
Não me entendam mal, ele foi adorável –
adoravelmente delicioso, eu admito. – Mas se relacionar
com ele, é como tirar um tumor do cérebro: delicado
para ser tratado às pressas, e difícil. E meus
relacionamentos são apenas sexo, nada muito íntimo.
Não que eu tenha uma pedra no lugar do coração,
apenas já tenho problemas demais na minha vida, para
um relacionamento.
Dizem que mulher é complicada, difícil de entender,
um quebra cabeça de encaixe torto. Mas homem não é
um mar de rosas. Já pensei em averiguar a ideia da
Clara que relacionamento com mulheres é mais
sucedido e simples, porém por mais que ela esteja certa
– o que não confirmo, por que imagina duas mulheres
na cama? Deus, seria preciso um plano para equilibrar
duas pessoas de gênero forte e com persuasão. – Eu não
–32 –
o faria, porque o que me dá o prazer, é aquela criatura
simples de mais, para uma com especificidades demais.
- Homem, para mulher.
Depois de muito tempo no hospital presenciando,
fazendo e aprendendo cirurgias, uma parte se torna
automática, como lavar a mão, jogar fora o sabonete
usado, entrar na sala, se paramentar, respirar fundo, e
se do agrado colocar uma playlist que lhe acalme. – No
meu caso há mais MPB que qualquer outro estilo em
minhas cirurgias. – E outra parte, que não importa
quantas iguais você tenha feito ou participado, cada
cirurgia tem sua especificidade em comum, como
dizem cada caso é um caso.
Um dia antes de ter passado na prova que daria
minha especificação na pediatria, tínhamos realizado
um parto de gêmeas prematuras, a mãe estava anêmica
por ser abusada, e trancada pelo seu cunhado.
Obviamente saiu nos noticiários, uma desgraça, porém
infelizmente uma realidade.
- O rim da outra gêmea já está a caminho?
- Sim, Dr. Peters já está trazendo.
- Então vamos preparar essa moça para seu novo
rim, e que seja bem recebido.
Enquanto preparamos a paciente para seu novo
órgão percebi que Dra. Schwartz estava tremendo
tanto, quanto um galho de árvore se mexe em uma
ventania. – Você tem certeza que está apta a fazer esta
cirurgia Dra. Schwartz?
- Claro que sim, eu só não estou acostumada a
trabalhar em uma criança tão prematura. Mal vejo seus
órgãos.

–33 –
- Certamente não é todo dia que fazemos um
transplante de rim, de uma criança de 7 meses. Mas
para tudo há um começo, certo?
- Certo.
Dr. Peters entra na porta com uma caixinha pequena,
ao abri-la sai o ar gelado, trazendo em suas mãos o que
parece um pequeno pedaço de carne, mas era um rim,
muito bom, aliás. – Ele o posiciona no corpo da
paciente, e deixo minha mais nova residente continuar.
Ela nem percebeu que estava praticamente fazendo a
cirurgia por conta própria, mas não pararia para avisá-
la. Ela trabalhava na criança como se fosse uma pintura,
última vez que vi tanta paixão fazendo um trabalho foi
no meu primeiro dia na pediatria.
- Funcionou!
- Aparentemente sim, mas você não pretende deixar
a paciente aberta, não é?
- Pensei que você gostaria de finalizar.
- Você fez um ótimo trabalho até agora, pode
concluí-lo. – Vi um sorriso por baixo daquela máscara,
tomara que o sorriso continue ali quando eu a avisar
que tem que checar seus sinais pelas próximas horas,
para ter certeza que o corpo não rejeitou o órgão. – Ou
seja, tchau almoço.

Chego à área pediátrica e avisto Ana conversando


com a Ze. – Este era um apelido carinhoso que criei com
o tempo de vivência com a enfermeira Zélia Couton.
Este lugar está do mesmo jeito, desde a primeira vez
em que o conheci, quando Sam me deu um fio de
esperança para o nosso futuro, quando percebi que eu

–34 –
não estava sozinha no que parecia ser o pior dia da
minha vida.
- Dra. Schwartz, a mãe destas pequenas gostaria
muito de saber do paradeiro delas, pensei que, como
você também participou da cirurgia tanto quanto eu
gostaria de lhe contar que foi um sucesso.
- Sim. Claro.
- Você está bem?
- Melhor impossível.
- Sabe que mentir para uma médica é uma coisa, mas
mentir para uma que lida com crianças, das quais às
vezes nem sabem falar para saber a causa da sua dor,
não é uma sábia escolha. – Ela respirou fundo, e
paramos em frente ao quarto.
- É meu primeiro plantão de mais de 36 horas, só
estou exausta.
- Então reúna o que restou de suas forças para dar a
notícia para a Senhora Smith, então poderá comer e
dormir, ou o que preferir.

–35 –
A emergência foi rápida, então ainda há tempo de
levar Samuel no parque como prometido, pego a via
rápida pra pegar ele antes do café na casa de Kiara e ao
mesmo tempo ligo para Clara, no primeiro barulho de
chamada o celular se conecta ao Bluetooth do carro e
ouço uma voz deliciosamente doce e harmônica na
outra linha conversando com algum homem sobre
plantas e m².
- .... Sim, podemos fazer esse ajuste na cozinha, só
um.... Sim, à esquerda da sala de jogos.... Minuto por
favor?
- Amiga não pare, eu vou desligar, ok?
- Não Lis, eu já acab... Não Sr. Langner, a cozinha
não precisa de mais luz, não acabei.... eu estava falando
com outra pessoa.
- Estou desligando, arrume sua cozinha cheia de luz,
e se cuida.
Antes que ela pudesse intervir e se desculpar deslizei
o dedo na tela do meu celular, sumindo com a foto de
uma mulher de cabelos preto curto sorrindo, cheia de
tinta na cara. – Esse dia foi maravilhoso, um pouco
antes de ela jogar o pote de tinta azul no meu celular
nada resistente, tirei essa foto. Ela pode ter danificado o
som dele pelo resto da sua vidinha, mas valeu a pena. –
Então apareceram várias mensagens na minha tela
bloqueada e uma ligação perdida da casa de Kiara.

–36 –
- Elisa você chegou cedo, não esperava que
conseguisse. Minha nossa, você deve estar morrendo de
fome, vou colocar água na chaleira.
- Não precisa se preocupar. - Mas ela não tinha
ficado para ouvir, mal abriu a porta para eu entrar já foi
correndo para cozinha. Kiara é uma mulher
maravilhosa, uma mãe doada pra mim quando eu
pensei que nada mais me restava. E Andrew, aquele
cara na foto da cozinha era seu marido, um pai, amigo,
conselheiro. E a pequena Amélia, ou Lia como todos a
chamavam, completava essa maravilhosa família que
nos acolheu, quando eu pensei que não tinha nos
sobrado nada naquele acidente.
- Você sabe que não precisa fazer nada, só vim aqui
dar um oi e levar Sam e a Lia, para aquele sorvete que
tinha jurado de minguinho para eles. – Ela continuou
fazendo o café, e pondo no forno uns pães de queijo, -
depois que eu a ensinei algumas comidas típicas
brasileiras, ela se dispôs a fazer tanto que era muito
normal eu chegar em sua casa e comer coxinhas ou pão
de queijo - parecia nem estar me ouvindo.
- E você sabe o quão importante é um juramento.
- Ainda mais se for de minguinho, né tia Lisa? - Ouvi
uma voz doce e baixa atrás de mim. Ela era quase uma
cópia de And, o único traço que a distinguia dele eram
seus cabelos cacheados iguais à de sua mãe, ela não era
negra igual à mãe, porém tinha uma facilidade por ficar
morena com um simples passeio no parque.
- Principalmente se for de minguinho Lia.
- Liiiiiiis, você conseguiu vir! A gente vai tomar
sorvete? - Dizia meu irmão todo empolgado.

–37 –
- Minha nossa, Kiara não virá agora se não você vai
cair dura.
Mas obviamente ela não me ouviu, e virou, rápido
até demais. Não sei se cambaleou porque girou seu
corpo muito rápido ou por ver um menino imundo de
barro, ovo e.... – Isso no seu cabelo é granulado? – Lia,
pegou o granulado que eu estava apontando, colocou
na boca, e afirmou com a cabeça toda feliz.
- Sim, a gente estava fazendo bolo tia, e como o Sam
não sabe cozinhar, ele ia ser a melhor parte, o bolo!
- Minha nossa, e onde vocês estavam fazendo esse
bolo? – Falou Kiara, ao mesmo tempo em que tirava as
roupas de Sam e o avental da Lia, que eu nem tinha
percebido que vestia.
- Na cozinha ué, onde você faz bolo mamãe?
- Mas minha cozinha está intacta, você sujou só seu
amigo?
- Claro que não tia, ela fez uma bagunça só pra
descobrir como quebrava o ovo, a gente usou a minha
cozinha.
- Sua? – Eu juro por Deus, que acabei de ouvir que
eles estavam brincando no meu apartamento.
- É Lis, a cozinha da nossa casa.
- Vocês foram sozinhos até o nosso prédio? Como?
Quan...
- Caraaa... – Parei de falar e encarei aqueles olhos
verdes negros. -...ca.
- Pare de complicar, a gente não foi no apê, foi na casa
nova. A que fica na frente da Ale, que você me mostrou
fim de semana passado que poderia vir ser nossa casa
logo.

–38 –
- Exatamente. Poderia vir a ser, não é! Vocês estavam
na cozinha do vizinho. Meu Deus, vocês estavam na
casa do Sr. Johnson.
- Elisa, acredito que não vai ser eu quem vai cair
dura. Vocês vão ir pedir desculpas para ele juntos,
agora.
- Mas... – Disse os dois juntos tentando justificar a
bagunça.
- Nem mais, nem menos, desculpas, agora! Tia Elisa
vai acompanhar vocês.
- Eu vou? – Ela me encarou e fez uma careta de
arrepiar a espinha. – Quero dizer, claro que vou. Vamos
crianças, quanto mais rápido se livrarem do problema,
mais rápido irão tomar o sorvete.
Cinco minutos depois, estávamos os três de cabeça
baixa, batendo a porta do Sr. Johnson. Uma, duas, três
batidas e nada de alguém vir até a porta.
- Talvez ele não tenha chegado, tia Kiara pode ter se
enganado.
- Não de uma de João sem perna Sam, o carro dele
está ali, e não estava quando a gente tava lá.
- É João sem braço, Lia. – Completou meu irmão.
- Hã? Quem é João? – Ambos começamos a rir com a
reação da Lia, então do nada a porta se abriu. Surgindo
um senhor de uns setenta anos, cabelos grisalhos
expressões cansadas, porém parecia muito bem para
um idoso. Suas roupas alinhadas e passadas, como se
vestisse a vácuo, com seus óculos caindo dos olhos.
Minha nossa seus olhos não estavam nada felizes em
nos ver, também pudera. Empurrei de leve os dois,
para que falassem algo.

–39 –
- Então.... - Começou Samuel, mas parou antes
mesmo de falar.
- Então? Por que estão aqui? Vocês me pareciam bem
desesperados batendo na minha porta meio minuto
atrás.
- A gente veio falar com o senhor sobre a sua cozinha
– continuou Lia, meio sem jeito.
- Então vocês sabem o que aconteceu na minha
cozinha? Parece que tentaram fazer um bolo no chão
dela, mas esqueceram da forma.
- Eu era a forma! – Samuel falou e saltitou todo feliz,
mas depois de olhar na cara do senhor, se aquietou tão
rápido quanto o sorriso sumiu do seu rosto. – Quero
dizer, desculpas por ser a forma do bolo no chão da sua
cozinha.
- A gente achou que a cozinha não era mais sua, que
você tinha ido embora. – Completou Amélia, pegando
na mão de seu parceiro de bagunça e encarando o
senhor Johnson.
- As crianças pensaram que a casa era nossa, porque
eu falei a Samuel que talvez um dia pudesse vir a morar
na casa em frente da Kiara. E ele pensou que isso fosse
o mais rápido possível. Mas não se preocupe, qualquer
dano causado irei pagar. E desculpe mais uma vez pela
bagunça.
O senhor na minha frente inspirou e expirou tão
fundo que pensei que iria explodir, porém não explodiu
para felicidade ou tristeza de alguém. – A senhora sabe
que a minha casa não está à venda, certo?

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- Sei, mas era só uma possibilidade, como a Rose
tinha me comentado uma vez. Não custa sonhar não é
Joe?
- Não, realmente não custa. Lamento se minha
esposa deu esperança de alguma brecha para você
comprar essa casa, ainda não está à venda.
- Entendo. Como vai sua esposa?
- Ela vai bem, ela se lembra de algumas coisas às
vezes, sinto falta de conversar com ela principalmente. -
Rose Johnson era uma senhora maravilhosa e adorável,
mas infelizmente com uma queda da escada há dois
anos, teve trauma de cabeça, então ela está tendo
muitos lapsos de memória. E os médicos acham que
talvez possa vir a evoluir para Alzheimer.
- Se precisar de qualquer coisa, saiba que estamos a
alguns passos da sua casa.
- Obrigada. Mas estou intrigado com uma coisa.
Como vocês dois conseguiram entrar na minha cozinha
se a mureta com o portão está com cadeado e a porta da
cozinha lá fora está emperrada?
- Isso foi fácil! – Disse Amélia toda feliz, explicado
como entrou na casa do vizinho, abriu a cozinha e
remodelaram com farinha, leite, ovos, chocolate e
granulado. – A gente pulou o portão. Aí a Maya nos
ajudou.
- Maya? E como minha Border Collie, ajudou nesse
complô?
- Com todo respeito Senhor Johnson, não sei o que é
esses nomes complicados, mas o que a Ale ta tentando
falar é que a Maya mostrou pra gente a janela da
cozinha que fica do lado da casinha dela. Aí eu subi na

–41 –
casinha dela e pulei a janela. Aí eu destravei sua porta e
ela abriu. Simples assim.
Nem eu nem Joe conseguimos falar nada, tentei
argumentar, mas nós desistimos e ficamos encarando
aqueles pares de olhos todos contentes por terem
arrombado a porta do vizinho.
Depois de um tempo, nos despedimos. Senhor
Johnson não cobrou nada, acredito que ainda não tenha
acreditado na história de Samuel. E fomos comer nosso
sorvete, logo depois deixei Lia em casa, tomei mais um
pouco de café e nos despedimos da família Meyer, e
fomos para nosso apartamento. Muito cansados e de
barriga cheia.

–42 –
Nosso apartamento é duplex, escolhi assim para Sam
se sentir mais em casa, pois não tínhamos dinheiro para
uma casa naquele momento. Foi um ano antes de me
formar, quando assumi a herança de nossos pais e avós.
Quando eles morreram naquele acidente já havia
uma grande quantidade de dinheiro e bens para ambos,
mas resolvi deixar no banco parado pelo período da
minha faculdade até agora, que já faz oito anos,
demorou mais, pois fiz residência em pediatria
cirúrgica. Com esse dinheiro, e mais meu salário
consigo manter bem meu irmão e eu sem muitos
problemas.
Nosso apartamento fica quase em frente à biblioteca
pública, localizado a quase 30 minutos do centro de
Seattle, uma localização ótima entre o hospital e o
centro, e perto do colégio de Sam.
Assim que abro a porta ligo nosso som - está no meio
da música da banda 1 kilo - Deixe me ir, nossa playlist
aqui em casa é bem mesclada, apesar de Sam
praticamente nascer aqui, eu o ensinei o português e
paguei professores e ele adora saber do nosso país,

–43 –
então entre uma música e outra americana há muitas
outras brasileiras.
Meu irmão passa correndo para sala ligar o
videogame. Assim que você entra há uma estante com
livros, ganchos e gavetas para os sapatos, casacos e
bolsas ao lado direito, no outro lado se encontra nossa
pequena cozinha, que é composta de uma bancada com
bancos. De frente para a bancada há um fogão com
forno, pia, e um espaço para mantimentos, é pequeno,
mas cabem três pessoas naquele espaço sem muito
incômodo.
- Nem ligue esse videogame que você deve tomar
um banho.
- Mas eu já tomei banho na casa da Lia.
- Não. Você tirou o excesso de ingredientes de bolo
do seu corpo, você nem entrou no chuveiro direito.
- Pensei que aquele banho de torneira iria validar
meu banho hoje.... Mas pela sua cara, estou subindo
para o meu quarto.
- Quarto?
- ... Digo banheiro, tomar banho... – ele me olha com
um sorriso torto - …de VERDADE. Diz ele com ênfase
na última palavra, e some escada à cima.
Enquanto eu dou uma geral no apartamento e vou
cantarolando a música, ligo para a Clara no viva voz.
Ela não vai acreditar o que me aconteceu noite passada.

Verso meu universo, peço que entenda meu mundo, mina


A gente briga por bobeira demais
A gente pira, o tempo vira por bobeira demais
O amor é bandeira de paz...

–44 –
- ...tuuu ...tuuu – se ela não atender desta vez, vou
desistir e por Sam na cama. Deve ser algo me dizendo
que devo esquecer o que aconteceu noite passada e.
- ...Oooi amiga, desculpa a demora, eu tinha deixado...
é. no mudo, sabe?
- Sei. Mudo.
- Sério.
- E esse mudo por um acaso não tem nome,
sobrenome e alguns talentos com a língua? - Ela tenta
abafar uma risada.
- Eu não consigo esconder nada de você né Lis?
- Minha querida sou perita, na arte de entender as
entrelinhas.
- Argumento justo. Mas me diga, porque tem 6
ligações perdidas suas no meu celular? Eu não sou tão
expert quanto você nas entrelinhas, mas algo me diz
que tem a ver com sua noite passada que você sumiu
sem dar notícias.
Ela tem razão, eu estava com um homem, porém não
era só um cara do bar, era Felippe Evans, fica um pouco
difícil contar isso para sua melhor amiga, ainda mais
quando o homem em questão é muito importante para
sua amiga. A única parte da família que não virou as
costas para ela. – Vou lhe dar uma dica amiga, é um
cara do bar.
- Nossa Lis, que puta dica você me deu, vai me dizer
agora que a próxima dica é que ele tinha um coração e
um par de pulmões?
- Olha ele pode muito bem não ter um par de
pulmões....

–45 –
- Elisa Ferraz desembucha logo o nome do cara. Até
parece que você ficou com alguém proibido.
- Não proibido, mas acredite em mim, você vai ficar
boquiaberta. E eu queria tanto te revelar frente a frente
para gravar essa reação.
- Não por isso doutora, só abrir a porta pra mim, que
o elevador já está quase no seu andar. Sim, enquanto
falava eu estava vindo para cá.
Eu abro a porta da frente e lá está minha amiga com
uma sacola do Walmart e um sorriso no rosto, sempre
um passo à frente, mas desta vez acho que vou
conseguir surpreendê-la.
- Então meu amor, vai ficar namorando esse corpo
aqui, ou vai resolver me convidar para entrar?
- Na verdade, eu estava namorando esse vinho que
está escondida nessa sacola.
- Mas eu nem falei o que tinha na sacola....
Antes de ela terminar de falar eu fui pegando o
vinho e indo em direção a cozinha atrás de uma saca
rolhas e duas taças, precisaremos de alguns goles para
essa noite. Enquanto eu cuido da bebida, a Clara vai
fuçar minha geladeira e a dispensa e volta com uns
aperitivos e guardanapos, enquanto canta o fim da
música - após quase dez anos de amizade ela
praticamente é fluente na minha língua nativa. Ela
posiciona os aperitivos na mesinha de centro da sala de
estar e se aconchega no sofá dando tapinhas para que
eu também me sente.
- Então, você prefere que eu te fale as informações
como se fosse uma injeção de agulha grossa e rápida,
ou com muito conteúdo, mas calibre pequeno?

–46 –
- Lis esse suspense todo já me fez tomar metade da
taça, desembucha de uma vez, quem de tão
extraordinário ou fora do padrão você dormiu noite
passada, porque para sumir daquele jeito você com
certeza dormiu com ele né?
- Não é fora do padrão, é só que.... – Pelo amor Deus
Elisa, desembucha logo, porque se eu prolongar
demais, não conseguirei falar nada esta noite. - Foi o
Felippe.
- Felippe? Amiga existem milhares de homens com
esse nome, como o bar tender do And, e o.... – Ela parou
de falar, congelou um queijo na mão que ia em direção
à sua boca, seu rosto me encarou e sua boca abriu aos
poucos em forma “O”, com certeza a cara da surpresa
estava estampada em seu rosto – Elisa você dormiu
com meu irmão?

–47 –
Depois daquela reação de assustada, eu esperava ela
ficar brava, irritada ou até mesmo chateada. Afinal ela
protege e camufla seu irmão a sete palmos se for
possível, nunca nenhuma namorada ou amante dele
teve um relacionamento satisfatório, pois ela tinha que
de certo modo aprovar, por ser a sua única família
perto dela, Felippe é todas suas forças e fraquezas ao
mesmo tempo, então quando uma mulher aparece ela
não quer que ele se aborreça ou suma no mundo com
ela.
De todas as reações que imaginei, a gargalhada alta
com o resto de vinho balançando constantemente em
sua taça beirando meu sofá, seria a última esperada.
- Posso saber o que tem tanta graça?
Perguntei e ela parou um pouco para respirar e me
encarou, não triste ou brava, ela estava.... Estava feliz?
- Eu não acredito que você me enrolou um dia inteiro
para isso. O que você imaginou que eu faria? Desfazer
nossa amizade?
- Bem....

–48 –
- Sério Lis? Eu sei que não sou conhecida como a
melhor cunhada do mundo, mas você é diferente.
- Sou? Por que exatamente? Além de possuir um
corpo bonito, dormi com seu irmão e ter vontade de
repetir muitas vezes.
- Você tem? Esqueça, não quero saber dos detalhes é
muito estranho.
- Mas nem amarrada eu lhe contaria qualquer
detalhe. - Rimos com minha cara de escárnio. - Então
você não se importa nenhum pouco? Não vai colocar
laxante no meu chá, mandar convites falsos ou me
ameaçar com uma colher de madeira?
- Quero lembrar que a ideia do laxante foi sua, ok? E
sobre a colher o Felippe também foi ameaçado por ela.
- Realmente, foi minha. Não me arrependo em
nenhum momento da minha escolha.
Nós duas rimos juntas, a primeira namorada do
Felippe era uma loira toda encorpada, que se agarrava
nele como um bêbado em uma garrafa de uísque.
Somente porque ele era melhor aluno da faculdade e
com isso tinha muitos benefícios no campus.
- Meu irmão era um molenga. Às vezes ainda é hoje
em dia. Não consegue dizer um não para uma mulher,
e como Isabela era uma vaca, desculpe-me vacas, que
sempre roubava meus projetos, achei muito justo usar
sua ideia.
- Eu não pensei que você levaria a sério, mas a partir
deste dia aprendi a nunca duvidar do seu amor imenso
pelo seu irmão e os métodos que você usaria.

–49 –
Já havia passado uma semana desde que dormi com
Felippe, e pelo silêncio que seguiu essa semana, Clara
não mencionou nada ao seu irmão como eu suspeitava,
e eu não estava certa se queria me encontrar com ele
novamente. Não posso negar que na noite com ele não
me senti como um robô. Sim você leu certo, a maioria
das vezes que eu ia para a cama com um homem não
me sentia humana, era só o ato do sexo, pensando
sempre em só cumprir o objetivo final e depois uma
despedida rápida, com no máximo um “me liga” no
final.
Mas com Felippe senti algo diferente, ele sorria
enquanto olhava para mim, me tocava com uma
ternura e fazia sexo como se fosse à coisa mais
importante da sua vida, e ao invés de um “me liga” na
madrugada, eu recebi um café da manhã. Tinha que
concordar com Clara, seu irmão era um homem
especial. E com pessoas tão especiais assim, não posso
deixar que entrassem na minha vida, isso poderia fazê-
lo gostar de mim, e só Deus sabe a merda que isso iria
se tornar.

–50 –
O hospital estava muito tranquilo ultimamente, e
pensei em aproveitar o sábado para almoçar com
Samuel, eu sei que por causa do meu trabalho não
passo tanto tempo com ele quanto deveria, mas eu não
tenho muitas opções. Depois que perdemos nossos pais
e avós para aquele acidente há sete anos, algo mais
perto de uma família que temos é Andrew, Kiara e a
pequena Lia, que Sam adorava muito. Temos a irmã da
minha mãe, Tia Mari, mas depois do acidente eu não os
visitava com tanta frequência, toda vez que eu olhava
para ela era como se minha mãe estivesse na minha
frente, e eu não suportaria sentir aquilo novamente,
pois sei que assim que visse que aquela não é minha
mãe a perda iria vir com toda força como se estivesse de
volta naquele fatídico dia de outubro.

Em 15 minutos estávamos com algumas sacolas de


mercado na frente da casa de Clara, era uma casa
aconchegante e linda. Era uma casa térrea com três
quartos, um deles com suíte e mais um banheiro perto
da cozinha que era anexada à sala, e tinha um jardim
excepcionalmente grande para uma pessoa que mora
sozinha, mas ela adorava. Dizia que casa grande enche
gente, e gente pra ela amar era o que ela mais gostava.
Minha amiga tinha sido expulsa de casa assim que
entrou na faculdade, e decidiu que morar em um
apartamento sozinha era muito frio e triste, era melhor
morar em uma casa com vários vizinhos e crianças ao
seu redor.
Tão logo a porta se abre, Samuel solta as sacolinhas
que trazia e pula no colo de Clara, ele a ama como se

–51 –
fosse sua família, o que não é uma mentira. Estamos
juntas desde a faculdade, ela é minha melhor amiga,
mas também é minha irmã postiça que Deus me deu, e
eu agradeço todos os dias por ela ter tropeçado no
vento e jogado café na minha tarefa de anatomia
naquele dia.
- Claraaaa! A gente trouxe ingredientes para fazer o
super bolo de chocolate da Lis, e almoçar aqui e....
- Meu Deus Sam, você está pesado quase que me
derruba, eu não estava preparada para esse ataque.
Senti sua falta e tenho uma surpresa para você.
Entre um beijo e outro, um aceno com sorriso para
mim com um “oi Lis” em seus lábios, eu pego a sacola
do chão, entro e fecho a porta. E assim que entro o
cheiro de carne de panela penetra minhas narinas, tanto
meu quanto o estômago de Sam acordam. A gente
tomou café, mas Clara tinha um dom para cozinhar que
qualquer estômago acordaria com o mínimo cheiro da
comida dela.
- Você tem uma surpresa? O que é? Da para comer
ou é de brincar? – Ele encarou minha amiga por um
tempo e faz uma cara de tristeza. - Por favor, me diz
que não é uma surpresa de vestir, esses presentes eu
não sou muito fã.
- Se não gosta deles, por que você está todo vestido
agora?
- Porque.... é.... esse não é o caso. Eu só prefiro
ganhar brinquedos, a roupas. Entende?
- Claro. Mas eu nunca disse que era uma roupa.
- Então o que é.... MEU DEUS! LIIIIIS OLHA ISSO! –
Ele me puxa e indica o par de balanços que se encontra

–52 –
sustentado pela enorme árvore que tem no quintal da
Clara.
- Clara você não precisava se preocupar com isso.
- Aí Lis não estraga minha surpresa, a gente tem que
ligar para a Lia, ela vai adorar esses balanços. Eu posso
trazer a Lia aqui né Tia Clara?
- Claro que pode Sam, eu pensei em vocês quando
trouxe estes balanços para cá. Pode ir lá se divertir.
Sam me encarou rapidamente com aquele olhar
suplicante. – Eu posso Lis?
- Claro, e mais tarde podemos convidar Lia para vir
aqui.
- Nunca foi tão fácil te obedecer Lis.

–53 –
Logo depois de almoçarmos, eu me dirijo à cozinha
para preparar meu super bolo de chocolate. Eu sou
péssima cozinhando qualquer coisa, a não ser que seja
doce, neste caso eu possuo o dom de deixar tudo
delicioso. Eu não sei o que acontece com o resto das
comidas, simplesmente não acerto, nem o arroz sai
direito, e olha que eu sigo todos os passos direitinho.
Depois de já no forno, vou até a pia para limpar
minha bagunça, eu posso fazer os doces mais deliciosos
que alguém já provou, mas faço uma bagunça na
cozinha no mesmo nível que fizesse o dobro da porção.
Antes que eu chegue à pia, Clara surge na minha frente
tão rápido que eu quase tropeço no tapete embolado
atrás de mim.
- Minha nossa Clara! Se quiser lavar a louça é só
falar.
- Eu não quero, longe de mim tirar tal prazer de
você. – Com sua afirmação, puxo as mangas da minha
camisa, me aproximando novamente da pia. Mas
novamente ela me afasta.
- Mas que diabos você tem hoje? Por que não me
deixa chegar perto da pia?

–54 –
- Porque... Porque ela está nojenta devido ao um
incidente hoje de manhã, e. – Ela abre a boca para
explicar, mas nada sai. Eu ignoro sua justificativa.
Afinal, se está suja tem que limpar, e para fazer isso
preciso chegar até a pia, a afastei um pouco sem jeito, e
encaro a pia. Meu Deus, aquilo são penas?
- Clara, o que é esse... Esse resto de... O que é isso?
Argh. Ela engole em seco e geme antes de passar seu
olhar pelo canto da cozinha e depois para mim. – Luna
capturou um passarinho, o triturador estava ligado, e....
Bom ele morreu.
- Eu sei que você está pensando: “você tem uma gata
assassina dentro de casa”. Mas ela estava ansiosa, eu
acho. E o pior nem foi a morte do passarinho, não
desmerecendo o pobre coitado. O pior foi que, o que eu
estava me enrolando para fazer agora não posso mais
adiar.
- O que você estava adiando Clara?
- Eu... É que aquele passarinho, não era qualquer
passarinho, ele era muito, muito gordinho para o seu
tamanho. Acredito que você o diagnosticaria com
obesidade mórbida, porque por mais que tenha sido
triturado, agora minha caixa de gordura – ela apontava
para o quintal, com uma indignação que tive que
morder a bochecha para não desabar rindo – está
entupida, e o único jeito de tirar ele de lá, e eu não
estou a fim de colocar “limpar a caixa de gordura” nos
meus afazeres de sábado, é limpando.
Eu não aguentei sua raiva e indignação teatral,
parecia que alguém tinha estragado uma vida inteira,
mas era só a caixa de gordura cheia, não me aguentei, ri

–55 –
tanto que barriga doía, e quando ela me olhou com
raiva por eu estar rindo da sua situação senti as
lágrimas. Era bom eu rir agora, porque com certeza hoje
iremos tirar aquele passarinho obeso de lá.

–56 –
Como eu já havia imaginado estava eu sentada de
perna de índio em frente a terrível caixa de gordura. Eu
havia colocado uma sacola em um balde de limpeza e o
coloquei ao meu lado. Como Clara não tinha nenhum
tipo de luva em casa, coloquei uma sacola em cada mão
e prendi com um elástico de cabelo cada uma em meu
pulso.
- Clara estava sentada em seus joelhos, paramentada
como eu, porém em uma distância de meio metro da
caixa, e olhava com um nojo, mesmo que eu nem tenha
aberto a caixa ainda.
- Não olhe assim, eu nem abri ainda.
- Deus me ajude quando você abrir, eu sinto o fedor
disso por lembranças passadas. Não acredito que vou
ter que jogar fora essa roupa.
- Poderia ser mais dramática? Acho que o mundo do
teatro ainda não te ouviu.
- Lis, até Samuel que fica cutucando os sapos mortos
do meu quintal fugiu.
Era raro o momento em que Sam tinha nojo de algo.
Ele adorava cutucar os sapos mortos que apareciam no
quintal de Clara e me perguntou várias vezes se
–57 –
podíamos abrir ele para ver como é por dentro. Eu não
achei uma boa ideia assim que percebia a cara de
assustada de minha amiga, outras vezes ele descobriu o
poder de um sal perto de uma lesma, ou quando
percebeu que podia tirar farpas da pata de Luna, em
resumo ele adorava qualquer coisa que envolvia
animais e não tinha problemas se tivesse que dissecar
um para aprender.
Então, tanto Clara quanto eu, sabíamos que se Sam
não estava mais no quintal não era por causa do mau
cheiro, ele saiu porque estava se sentindo entediado.
Afinal meu bolo estava muito quente para ele comer,
apesar da surpresa nova ele estava muito ansioso para
mostrar para Lia o balanço, e não seria eu que
prenderia o coitado ali. Depois de um tempo zanzando
na minha frente, pedi que fosse até a casa dela que
ficava duas quadras dali, e chamasse sua amiga para
brincar. Como sei que assim que ele chegasse lá Kiara
iria soterrar ele de doces e depois as crianças iriam
brincar um pouco por lá, sei que quando chegasse aqui
para aproveitar o balanço já teríamos terminado essa
bagunça com o passarinho gorducho.
- Ok Clara, se você não vai me ajudar a limpar, então
pelo menos prenda meu cabelo, já que estou bem
ocupada.
Abro a tampa, e realmente minha primeira reação é
encolher o nariz, não é um cheiro tão horroroso quanto
o que Clara arquitetava, parece com o cheiro de esgoto,
mas um esgoto só de comida. Eu respiro fundo e
começo a tirar o excesso de uma água gordurosa com
pequenos pedaços de comida flutuando, pego um

–58 –
caneco de plástico que com certeza minha amiga irá
queimar junto com suas roupas, e começo o processo.
Quando estou no quarto jarro de água suja, avisto
um resto do que já foi uma ave. Estava toda
desmiolada, e realmente acho que era muito gorda. Pois
quando fui puxar, este parecia entalado no cano que
sairia a água da cozinha.
- O que aconteceu?
- Acho que sua vítima está se vingando de você,
porque ela está meio entalada no cano de água.
- Que diabos. Tem que se vingar de Luna, eu não
tenho nada a ver com isso, puxe com mais força. Já
consigo o ver saindo se você colocar um pouco mais de
força – semicerro meus olhos para ela, eu poderia
trucidá-la agora.
- Você está a meio metro de mim, se conseguir
enxergar a cor da água suja, já sei que está mentindo.
- Tá, por você irei ficar ao seu lado. – Ela pôs sua
mão em meu ombro, me olhando com simpatia. Como
eu queria rir daquele momento, parecia que estava
fazendo um parto difícil e não desentupindo o esgoto. –
Vai Lis, eu acredito em você.
Apoiei uma mão na grama, e outra nos restos do
meu objetivo, pronta para puxar. Mas no instante
seguinte que apliquei tal força o sol sumiu do meu
ponto de visão. Havia algo se sobrepondo no sol, na
verdade não era algo, era alguém. E em segundos
levantei minha cabeça para tirar a sombra da minha
direção, e ouvi um grito de desespero de minha amiga.
- PUTA MERDA!

–59 –
Eu ia concordar com ela, quem o chamou aqui
afinal? Mas quando olhei para minha amiga percebi
que o que tinha deixado ela irada não era a última
pessoa que eu esperava ver, e sim que havia duas gotas
daquela água gordurosa depositadas em seu rosto, foi
só então que percebi que eu já tinha arrancado o
passarinho dali, puta merda mesmo.

–60 –
Havia folhas e mais folhas de documentos de
construção civil, da engenharia, e algumas da planta
que eu estava analisando há uma semana. Clara me
disse que estava tudo sob controle, mas eu gostava de
checar tudo, mesmo já tendo passado pelos
supervisores e pela minha irmã. Ainda mais esse
cliente, ele estava construindo sua quinta confeitaria de
dois andares de frente para o mar, todas eram assim, ele
queria agora expandir para outros países e escolheram
o Brasil. Então eu tinha que ter certeza, antes de
mandar meus funcionários para outro país.
Mas era sábado à tarde, o sol aconchegante de Seattle
passava pelos feixes da minha janela em meu
apartamento, talvez eu devesse seguir o conselho de
minha irmã e dar uma pausa. Decidi então visitá-la, ela
disse que sua amiga Lis iria almoçar lá – Elisa ou Lis
como Clara sempre a chamou é uma amiga que ela fez
no começo da faculdade e até hoje vivem grudadas. Eu
me lembro de ter visto ela rapidamente na formatura da

–61 –
minha irmã, mas não dei muita atenção, parecia uma
moça muito jovem e sem graça.
Decido ir de moto, já que ela fica esquecida aqui
durante a semana. No caminho para casa dela me
lembro daquela mulher que conheci há uma semana,
lembrar na verdade não é a palavra certa, visto que eu
não esqueci aquele rosto por único momento que tive
entre as pausas da empresa.

Cheguei à casa de Clara há 5 minutos atrás, mas


parece que ela não está em casa, antes de desistir decidi
dar uma checada na parte de trás, minha irmã tinha ido
atrás de algumas balanças para o irmão da tal Elisa e a
outra menina que vivia grudada nela. Depois que ela
saiu de casa, minha mãe nunca mais a olhou com os
mesmos olhos, e como Clara é um ser muito carente e
amável, quando Elisa lhe deu a mão ela pegou o corpo
inteiro e o que mais estivesse por perto. Não a culpo,
toda pessoa precisa de alguém para cuidar, e fico muito
feliz de ela ter achado outra pessoa. Mesmo que eu
tenha sempre ficado do lado dela e estado presente a
todo o momento, nada adiantou depois da morte de
nosso pai. Vi ela murchando a cada dia, uma sombra a
rodeando, até que ela conheceu esta amiga e uma luz
começou a brilhar dentro dela novamente.
Eu já estava a meio caminho da minha moto quando
escuto risadas vindas do quintal, parece que minha
irmã ainda tem visitas. Eu não deveria atrapalhar, mas
agora que já estou aqui, há um passo do portãozinho
que dá entrada para o imenso gramado da casa, resolvo

–62 –
seguir o som, e o que eu vejo é um misto de surpresa,
alegria e raiva.
Não pode ser verdade, mas ao encarar aqueles olhos
cor de mel, eu tive tanta certeza de que ela estava ali
quanto que havia um sol sob minha cabeça. Ela estava
sentada, com uma mão apoiada na grama e outra no
ralo? Limpar esgoto é a nova diversão do momento?
Em menos de meio segundo eu já estava em sua
frente, e de alguma maneira ela sabia, pois tão rápido
quanto me aproximei ela levantou seu rosto sorridente
e com bochechas vermelhas devido ao sol, para mim.
Então ela tirou algo daquele poço e ouvi minha irmã
gritar um: puta merda. Muito estridente para os meus
ouvidos.
Percebi que ela não sorria mais como antes, estava
bem surpresa – minha querida você não é a única.
- Boa tarde maninha, eu estava passando por perto e
decidi dar um oi, mas parece que você tem visitas. –
Forcei um meio sorriso, mas eu não fui ouvido porque
obviamente estava tendo uma briga interna ali, e eu não
seria tolo de me colocar no meio.
- É POR ISSO QUE EU ESTAVA A MEIO METRO
DE DISTÂNCIA! Elisa me dê um bom motivo para eu
não pular em você e te esganar agora?
Devo concordar que furioso seria um eufemismo
para minha irmã agora, achei por um minuto que ela
realmente iria matar Elisa, e.... – Espere um minuto ela
disse Elisa? A mesma Elisa que minha irmã conheceu
na faculdade há sete anos, a mulher na minha frente, a
mesma que não consigo tirar da cabeça desde semana
passada, é a melhor amiga de Clara? Não pode ser. Eu

–63 –
fiquei muito tempo sob aqueles papéis, e agora estou
ouvindo coisas.
Tirando seu olhar surpreso de cima de mim, ela
sorriu e voltou a encarar minha irmã, que agora já tinha
achado um pano para se limpar. – Sabe na verdade
posso te dar três.
- Primeiro: Eu estou muito perto da nojeira que
acabou de te atacar.
- Sim, mas alguma hora você vai sair daí.
- Segundo: Eu, Elisa Ferraz estou desentupindo a
SUA caixa de gordura. E terceiro, não menos
importante, eu sou uma pessoa muito amável para você
me odiar. – Parece que não havia ouvido mal, a melhor
amiga da faculdade era a mesma do bar da semana
passada.
E meio segundo depois as duas estavam rindo, e
quase se abraçando. E ainda me dizem que mulher não
é complicada de entender. Depois que Elisa fechou a
tampa da caixa de gordura tirou as sacolas da mão e
lavou a mão, minha irmã finalmente pareceu notar
minha presença.
- Então maninho o que você precisa? Porque eu não
vejo como minha casa que é 30 minutos da sua é um
caminho para você.
- Percebo que afinal você tenha notado minha
presença.
- Mas é claro! Como eu não poderia? – Mais nada foi
dito, seguimos num silencio até ela perceber que pousei
meu olhar em sua amiga, de repente pareceu que uma
ideia muito genial lhe surgiu. – Então, eu devo
apresentar vocês formalmente, ou vocês vão continuar

–64 –
a se encarar como se fossem dois animais selvagens,
prontos para o bote?

–65 –
- Já que aparentemente nenhum de vocês dois vão
falar. Lis, esse é meu irmão Felippe Evans. Felippe essa
é minha amiga, Doutora Elisa Ferraz.
E de repente meu olhar percorreu por seu corpo para
uma apresentação, mesmo que eu já tenha conhecido
esse corpo mais de perto. Percebi que suas bochechas
estavam rosadas devido ao sol, seu cabelo estava em
um coque quase solto, com alguns fios lhe caindo aos
olhos, e parecia que eu precisava colocá-los atrás das
orelhas. Estiquei minha mão para cuidar daqueles fios
rebeldes, mas quando percebi onde estava e o quão
íntimo era aquele toque. Desviei rapidamente minha
mão em um comprimento. – É um prazer finalmente
conhecê-la.
Ela se endireitou limpando a grama de suas roupas.
E eu encarei aqueles olhos cor de mel com um toque
verde, e a boca parecia um molde perfeito para minha
boca. Seu corpo cheio de contornos, como se fosse
desenhado pelo mais belo pintor e ganhando vida, e me
lembrei daquela sua tatuagem na coxa esquerda de

–66 –
flores desabrochando, ou umas frases iguais as da
minha irmã em sua costela, cada uma com uma
significância e um suspense em cada linha, deixando-a
mais única e sexy.
- A gente já se conheceu, mas posso observar que eu
perdi o jeito. – E antes que eu pudesse perguntar, com o
que. Ela aproximou alguns centímetros a mais de meu
ouvido e sussurrou. – Geralmente quando eu uso a
sedução, sou lembrada.
- Tá tudo bem Lis, meu irmão é um cabeça oca
mesmo, certamente da próxima vez ele irá lembrar.
Minha irmã não percebeu o tom de voz de sua amiga
urgente e sedutor, como também não percebeu que com
aquele olhar me prometeu que não somente não iria
esquecê-la, como também iria deixar isso muito claro.
Eu só não sabia quando, mas seria mentira se não
estivesse ansioso para saber.

–67 –
Em um minuto eu estava muito nervosa com sua
presença na minha frente, pensando em mil maneiras
de sumir dali, e simplesmente evaporar. E no outro me
vi desafiando-o com meu olhar a não se esquecer de
mim. O plano era não se aproximar, não se relacionar,
não criar conexões, mas ao encarar aquelas íris escuras.
Fiz totalmente o contrário do planejado.
E o que foi aquela frase de efeito? “Geralmente
quando eu uso a sedução, sou lembrada”. Até parece
que eu estava em uma cena de filme romântico, e logo
depois iria ver os comerciais, para deixar um suspense
no ar. Mas deve ter dado algum feito, visto que ele não
riu da minha cara, na verdade ele me olhava com mais
atenção ainda. Acho que agora seria uma boa deixa “de
como ser lembrada”, mas como eu não sou protagonista
de um romance de filme, minha deixa é para ir atrás de
Sam.
- Enfim, acho melhor eu ir ver como está o Sam, ela já
deveria estar aqui.

–68 –
- Não seja boba Lis, se ele marcou com você de te
encontrar aqui, ele vem.
- Esse cara é um amigo de vocês duas? – Nós duas
olhamos ao mesmo tempo para Felippe, será que ele
achava que falávamos de um homem? Estaria ele com
ciúme a esta altura do campeonato?
- Na verdade, ele é....
- Um amigo íntimo da Lis. – Antes que eu terminasse
minha frase Clara começa falar, depois quero ver ela me
chamar de diabólica. – E ele marcou com a Lis que
estaria aqui em alguns minutos.
- Um amigo íntimo? Então eu estou atrapalhando
esse encontro?
Ele me lança um olhar bem acusatório, como se eu
tivesse culpa. Eu nada tenho a ver com esse teatro da
Clara. Percebo que seu olhar continua em mim, na
verdade na minha mão. Eu sigo seu olhar e percebo que
ele olha para o meu anel de 17 anos que ganhei dos
meus pais. Ele o encara com uma repugnância que....
Ele não acha que esse anel é. Não, ele não seria tão
estúpido, seria?
- Eu não acredito que você está me xingando
mentalmente por pensar tão pouco de mim. E Clara
ainda me dizia que tinha um irmão inteligente.
Ele estava pronto para me contestar, mas minha
amiga foi mais rápida. Ela percebeu onde nossos
olhares se encontravam, naquele bendito anel e em
segundos ouvimos uma explosão de risadas vindos
dela. Antes que Felippe pudesse perguntar qualquer
coisa, duas vozes muito conhecidas vieram aos meus
ouvidos.

–69 –
- Qual é a graça tia Clara?
- TIA? – Felippe encarou aqueles quatro pares de
olhos que estavam grudados e olhando com expectativa
para Clara, que agora limpava seus olhos.
- Você Sam. Mas esqueça disso, percebo que você
trouxe Lia.
- O Sam disse que tinha um balanço aqui, você me
deixa brincar nele?
- Mas é claro, não teria a mesma graça sem você,
podem ir brincar.
Meu irmão e Lia foram brincar, e Clara foi até a
cozinha pegar bolo para todos. E Felippe continuava a
me encarar com sua cara de surpresa. Ele até gaguejou
algumas vezes antes de finalmente perguntar se o tal
amigo íntimo que sua irmã falava era o mesmo que
estava se balançando no quintal da minha amiga. De
uma cara de total surpreso ele passou para um alívio
divino, e eu só pude rir desta ilustre situação.
O fim de tarde e um pedaço da noite se passaram
rápidos, comemos o bolo, conversamos sobre nada
muito interessante. Deixei a Lia em casa e levei meu
irmão para nosso apartamento. – O irmão da Clara
parece ter gostado da gente né Lis? Ele até disse que eu
posso pilotar sua moto algum dia.
Realmente ele parece feliz com nossa presença, ele
riu do fato de Sam não ser um cara, e sim meu
irmãozinho. Mas também percebi que ele sentiu ciúmes
de eu ter alguém, e um alívio quase palpável quando
descobriu que isso não era verdade. E isso significava
que pode ter passado somente uma semana desde que
nos conhecemos de verdade, mas ele estava, tanto

–70 –
quanto eu me negava a pensar que estava também,
ligada. Estaria eu me apaixonando?
- É ele pareceu Sam, ele parece um cara legal.

–71 –
Estava eu olhando a alguns bons minutos para o
mesmo prontuário, mas minha cabeça não estava em
nenhum daqueles pacientes. Minha cabeça rodava com
memórias e momentos, que por mais que poucos, me
deixaram bem mais leves do que eu não sentia em
muitos anos.
Já se passou mais de uma semana desde o encontro
bem diferenciado entre Felippe e eu na casa de Clara.
Pensei que com o repentino desaparecimento dele, ele
tenha perdido o interesse, isso seria algo bom para
quem nunca quis nada sério com ninguém. Mas eu
queria continuar essa aproximação, talvez não
precisássemos nos beijar e nos amar, mas eu gostava da
sua presença, do seu jeito leve de discutir todo e
qualquer assunto, e não menos importante eu sentia,
como se o buraco negro que viveu por tantos anos
dentro de mim, se fechou. E isso era extasiante.
- Misericórdia Elisa, responde logo esse celular. A
cada mensagem é um susto diferente.
Eu percebo que tem umas cinco mensagens não lidas
na tela do meu celular, e rio da reação de Bella. Eu
programei meu celular para disparar um flash de luz,
–72 –
ao invés de vibrar ou soltar sons bonitinhos, mas isso
assustava muita gente que não estava acostumada. Ou
até mesmo quem já sabia, como a doutora Gomez.
Eu pisco algumas vezes para a tela do meu celular,
para ter certeza que não estou sonhando acordada com
besteiras de novo. Mas aparentemente eu estou vendo
muito bem. Bella encara minha cara de surpresa com
outra coisa.
- Que cara é essa Lis? Sam está bem?
- Não, ele está bem. É o irmão da Clara.
- Clara tem irmão? E ele está machucado, ela está
trazendo para você?
- Bella, ele tem cerca de 25 anos, não acho que ele
entre na faixa etária dos meus pacientes.
- Huuum. Entendi. – Ela passa de uma cara de
preocupada, para um largo sorriso muito desconfiado.
– Entendi muito bem sua carinha agora.
- Não inventa coisa, o Felippe é só.... Um amigo em
comum.
- Então o homem que atingiu seu coração tem nome
afinal. Esse Felippe Evans está de parabéns.
- Ninguém atingiu meu coração, e eu não te disse o
sobrenome dele.
- Você me disse que ele é irmão de Clara, e se ela é
Evans o irmão dela também tem que ser. E mais uma
coisa minha querida amiga, posso não estar grudada
em você há séculos como Clara, mas estamos juntas
desde a residência, são três anos de convivência.
Realmente minha amiga era esperta. Conheci Bella
no começo da residência, agora já pode ser chamada

–73 –
Dra. Gomez. Três anos juntas e ela já conhece todos os
meus traços, será que sou um livro aberto?
- Alguém emoldura esse momento, por favor, não sei
se viverei para ver suas pupilas dilatarem de novo por
um homem.
- Bella não exagera, são apenas mensagens.
- Exatamente. Se só com as mensagens eu vi tudo
isso, o que esse homem faz em carne e osso? Se ele
torcer um osso estarei na ala de trauma esperando para
dar uma olhada nesse tal homem que fez o rosto da
minha amiga corar com algumas mensagens.
Obviamente Isabella estava exagerando um pouco,
onde já se viu minhas pupilas dilatarem. Para isso eu
teria perdido o foco e isso eu teria que ter percebido.
Passo meus olhos nas mensagens, ele me convidou para
um beber no seu apartamento. No seu apartamento?
Onde estará somente eu, ele e a lua de companhia?
Santo Antônio vai devagar com suas bênçãos.
Calma Elisa ele não é um maníaco do parque. É
apenas o irmão caçula muito gostoso da sua melhor
amiga, você irá sobreviver. Eu irei certo?
Respondo sua mensagem com uma confirmação. E já
adianto que meu horário de médica não é dos melhores
posso sair daqui às 22 horas, mas posso estar em
algumas horas ou até minutos. No entanto parece que
para ele não há nenhum problema que acabará com esta
noite, a não ser a própria convidada. E eu estava muito
ansiosa para encontrá-lo, para estragar esse “encontro”.

Fico feliz de ele ter concordado comigo desse


encontro na quarta, à culpa não é minha se no “sextou”

–74 –
desse povo inclui check in no hospital, com uma
extensão até domingo de manhã. Acredito que os
jovens de hoje em dia gostam de fazer um drama, pois
ao invés de me dizer por que bebeu demais, ou seu tipo
sanguíneo, só pensa em tirar a famosa foto do braço
com a agulha perfurando o braço e recebendo a
medicação. Isso quando não vem acompanhada das
frases: “só mais um dia normal”, “acho que irei
sobreviver”, sinceramente se juntasse todos esses
indivíduos dramáticos poderíamos fazer um filme tão
bom quanto Sempre ao seu lado. Talvez eu esteja
exagerando um pouco, afinal é muito difícil ganhar de
cachorros.
Estou na frente da porta do apartamento, uma
bebida na mão e a outra batendo a porta. Será que eu
deveria mesmo ter trazido uma bebida? Afinal de
contas ele me convidou para tomar um drink, não faria
isso se não tivesse bebida. Agora estou pensando
seriamente em deixar a bebida na planta e depois pegá-
la, orando em pensamento para ele não ter vizinhos
apreciadores de boas bebidas, não que o encontro seja
tão ruim a ponto de eu querer tomar uma garrafa
inteira de... – Então você realmente veio.
Tenho que esquecer meus planos de bebida, porque
de repente a porta se abre e olhos escuros e um sorriso
de deixar pernas bambas aparece na minha frente. E
puta que pariu que homem, ele está com calças escuras,
sapatênis e uma camisa branca com os primeiros botões
abertos, ele me convida para entrar e assim que passo
por ele, sinto cheiro de um perfume inebriante, lindo,

–75 –
inteligente e cheiroso, que a força esteja comigo nesta
noite.

–76 –
Eu não acreditei que ela viria até eu abrir a porta e
vê-la na minha frente. Ela vestia jeans, sapato delicado e
camisa que entrelaçam em seus braços, mas deixando
seus ombros a mostra. Depois que ela entrou senti seus
olhos me analisando, em meio segundo tinha um meio
sorriso no seu rosto e ela esticou sua mão para mim
com uma bebida na mão. – Uísque? – Que gosto
peculiar para uma mulher.
- Você não gosta?
- Sim, só não imaginei que você fosse uma
apreciadora de... – Para um pouco para pegar a garrafa
- ... Jack Daniels?
- Não me olhe assim, todo mundo tem direito de ser
um pouco clichê. Além do mais Jack serve para todos,
até mesmo os nãos apreciadores. Quase universal. E
não seria bom errar no primeiro encontro, certo?
- Primeiro encontro? Então meio que reiniciamos
nossos encontros até agora?

–77 –
- Nada disso, um encontro é um convite para fazer
algo de uma das partes. E se me lembro bem não
tivemos qualquer outro encontro além deste.
- Deixe me relembrar sua memória então, em uma
noite, em um bar próximo ao hospital eu me lembro de
um convite seu para ir ao seu apartamento.
Ela se senta em um dos bancos que estão ao lado da
bancada, ao meu último comentário ela ri como se eu
tivesse contado a piada mais bosta que ela já ouviu.
Aproveito para servir um pouco do Uísque clichê.
- Desde quando sexo é considerado encontro?
- Touché.
- Agora falando verdades, parece que você realmente
estava certa, Jack pode ser clichê, mas é ótimo. – Ela dá
de ombros e sorri, como se a afirmação fosse à coisa
mais óbvia do mundo.
- Já que entramos nas verdades, preciso abrir o jogo
com você. Um assunto muito importante. – Por um
minuto tranco a respiração e dou minha total atenção a
ela. – Diferente das outras mulheres com quem você
está acostumado a sair, eu sou direta e sincera. Então
não aceitarei nada menos que um sim. Me diz que tem
comida nesse encontro, porque se for só para drinks
mesmo eu serei obrigada a pedir comida, porque nem
morta vou cozinhar hoje.
- Não posso crer que todo esse suspense era só por
comida, pensei que era algo sério.
- Mas é. Como você pode me dizer que comida não é
algo importante. – Ela segura meus braços e me
chacoalha, para dar ênfase no seu drama. Eu só posso
rir. Além de linda, inteligente ainda é engraçada, o que

–78 –
mais um homem poderia querer para uma quarta à
noite?

–79 –
Se ele imaginou uma garota recatada, que sempre
parece uma boneca polida, sem opinião, sempre se
dirigindo com certa exatidão nas respostas. Ou aquelas
mulheres que falam qualquer coisa só para agradar o
cara, e morrem de fome para se fazer de Lady, eu sinto
muito por ele. Porque eu sou um ser humano com
horas de plantão, e comida é a coisa mais importante na
minha vida, depois da minha Família e uma boa noite
de sono, claro.
- Mas acho que o fiz perceber esses pequenos
detalhes sobre mim, pois além de chacoalhar ele,
levantei e pedi uma pizza. – Tem preferência por algum
sabor?
- Peperone.
- E você vem me falar que eu que sou clichê?
- Parece que temos um apreciador de boas cervejas. –
Coloco duas no freezer, e me apoio do outro lado da
bancada, assim ficamos frente a frente.
Na regra da vida quando um fala, teoricamente o
outro adiciona um comentário. Mas obviamente Felippe
–80 –
não conhece essa regra, já que depois que me apoiei na
bancada ele grudou os olhos em mim e parece que ele
entrou em mundo hipnótico e ficou lá. Estou
começando a culpar o cara da pizza por demorar tanto,
mas a pedi não faz nem dez minutos.
Eu poderia escolher mil tipos de assuntos para
conversar e quebrar o silêncio, mas claramente meu
cérebro deu um tiuti, porque depois desse silêncio entre
nós eu perguntei como se fosse algo muito natural.
- Então. Qual foi o pior encontro que você já teve?
Acho até que reação dele foi muito boa. Ele piscou
umas cinco vezes e parou um pouco com uma careta –
que parecia algo tipo: você está falando sério? Uma
pessoa esperta usaria este momento para trocar de
assunto, mas meu cérebro achou interessante continuar
nesse assunto. Então fiz um sinal com a mão para ele
continuar sua linha de raciocínio.
- Bem.... Uma vez em um primeiro encontro, a levei
para jantar e depois de um tempo fui ao banheiro, e
antes mesmo de eu chegar à porta ela me mandou uma
mensagem que dizia: “já estou morrendo de saudades
meu amor”.
- Ela estava carente amor. – Falo com uma voz mais
doce a última palavra e seguro uma risada – E o que
você fez depois?
- Eu voltei à mesa, e falei que minha irmã estava
doente e precisava de mim. E nunca mais falei com ela.
- Mas esse é o pior que você pode pensar? Um grude
de mulher carente? Achei sua munição fraca.
- Fraca? O que você tem a oferecer de pior?
- Em um dos piores eu...

–81 –
- Um dos?
- Sim, que culpa tem eu de ser essa pessoa
maravilhosa? Mas como eu dizia, em um dos piores o
cara foi embora, porque disse que eu estava falando
demais sobre Star Wars.
- Você não pode estar falando sério.
- Estou.
- Então o cara perdeu uma pessoa maravilhosa como
você, só porque você ficou falando por uma hora sobre
um filme qualquer?

–82 –
- Convenhamos que ele mereceu meu discurso de
meia hora, do porquê Star Wars, e outros maravilhosos
filmes de ficção científica não podem ser chamados
daquele jeito. “Qualquer”, como ele ousa falar isso da
saga que seis filmes receberam 25 nomeações ao Oscar,
sendo que só “Uma Nova Esperança” venceu seis.
Usando esse detalhe como segundo argumento, ele
percebeu que com um lacre desses não se discute.
- Você conseguiu me convencer sobre Star Wars, mas
não há argumentos para senhor dos anéis. O filme tem
três horas.
- Titanic, um dos filmes mais assistidos, e que gira
em torno de uma única pessoa que no final morre, tem
mais de três horas. Pelo menos eu tenho Gandalf, Frodo
e não vamos esquecer o elfo mais amado desse mundo,
Legolas.
- Pensei que esse filme era sobre aquele anel
poderoso.
- Amor aprende comigo enquanto eu estou viva, não
podemos nos prender em detalhes.
Ele ri com meu comentário. Ouvimos um barulho de
campainha, ele se dirige a porta e pega a pizza. Depois

–83 –
de alimentados, cada um com uma cerveja na mão, ele
me convida para sentar no sofá que fica em frente à
lareira. – Acabei de me lembrar de mais um encontro
ruim, mas neste caso foi minha culpa. – Ele disse
enquanto reprimia um sorriso.
- O que você fez para arrasar o coração desta vítima?
- Foi o meu primeiro encontro, então eu tinha uns 15
anos, e por um motivo que não me lembro agora eu ri
de uma coisa, e devia ser muito engraçada porque eu....
Bem eu meio que me engasguei, e saiu refrigerante pelo
meu nariz. E inesperadamente eu nunca mais a vi, isso
que ela era minha vizinha.
- Que dó de você, eu já passei por isso. Só que
aconteceu num almoço em família, não em um encontro
com o amado.
- Parece que já temos um TOP 3 de como acabar um
encontro mais rápido.
- Não iremos colocar carência como um tópico, eu
tenho um melhor.
- Estou a ouvidos, mostre todo mal que há dentro de
você Elisa.
- Sabe aqueles encontros montados pelos amigos,
que você tinha zero vontade de sair, conversar ou
flertar? Bom em um desses encontros, eu conheci um
cara que ele só falava dele mesmo, e como um homem é
melhor que mulher em tudo que faz e outras coisas que
fazia vontade de revirar os olhos e sumir dali.
- E por que você não foi embora?
- Porque eu já tinha pedido licença para ir ao
banheiro duas vezes, e estava caindo o mundo de
chuva lá fora. Então como eu não vi outra forma mais

–84 –
delicada de dizer que eu não queria mais ver o cara,
nem pintado de ouro, eu disse: “Eu te amo”.
- Você não fez isso.
- Pode rir, eu achei genial. Ele me olhava assustado,
ainda mais porque eu continuei olhando-o como se eu
tivesse falando a coisa mais óbvia e verdadeira do
mundo. Ele pediu licença para ir ao banheiro e nunca
mais voltou. E você pode me chamar de Lis.
- Finalizamos nosso TOP 3 Lis, com um ótimo golpe.
Pedimos e comemos pizza, e ele não achou estranho
ou reclamou de eu exigir comida. Conversamos sobre
os piores encontro e fizemos uma lista com os três
piores, e por incrível que pareça ele riu e achou
divertido meu assunto. Para um encontro estava indo
tudo bem, bem até demais para um encontro comigo.
Então achei melhor não pensar em como sou muito boa
em demonstrar meu charme – desastre.

Ele tinha encaixado sua mão em meu rosto, me


puxando para sua boca, com um beijo tão intenso que
parecia que nossas línguas estavam dançando, em um
tom só nosso. Eu estava sentada de lado no sofá ao seu
lado, então resolvi sentar em seu colo com uma perna
em cada lado, minhas mãos trabalhavam com agilidade
para abrir os botões da sua camisa, enquanto eu sentia
seus dedos em meu cabelo. Entre um beijo e outro vi
um sorriso nos seus lábios – Espero que esse encontro
não entre em um dos seus inúmeros piores.
Eu estava tão focada em Felippe, que não percebi
que meu bolso piscava sem parar com uma música

–85 –
baixinha de Toxic da Britney Spears. Com uma mão no
seu peito a outra atendi ao telefone quase sem fôlego.
- Alo?
- Pensei que você não iria atender nunca esse
telefone!
- Clara?
- Quem mais poderia ser com essa maravilhosa voz?
- O que você precisa as. 01:15 da manhã? –
01h15min?! Caralho, o que eu fiz da minha noite para
ela passar voando desse jeito, eu tenho que estar no
hospital em sete horas. Eu olho para o homem
descabelado com a camisa aberta na minha frente, ele
parece preocupado, será que ele também estava
pensando no horário?

–86 –
Tudo estava indo tão bem, em um minuto eu estava
pensando em pegá-la no colo e levar para o meu quarto.
E no outro seus olhos estavam arregalados, e ao que
parecia a pessoa que estava lhe dando a notícia era a
minha irmã. Ela saiu de cima de mim cambaleando um
pouco.
- Mas você tem certeza? Ele nunca teve isso no meio
do ano.
Ela conversava, com o rosto cada vez mais
preocupado. Percebi que quando ficava ansiosa ou
nervosa com algo sempre prendia seu cabelo em um
coque, apesar de ter vários fios soltos, um que sempre
lhe caia ao rosto.
- Clara eu estou saindo, chego em... – Ela passa seus
olhos em mim, seus lábios me perguntam, “tudo bem se
eu for?”.
Há alguém que ela precisa cuidar, e me coloca em
primeiro plano só por eu estar na sua frente. Eu aceno
com a cabeça sinalizando que está tudo bem. Eu tinha
–87 –
outro plano para essa noite, claro. Mas não posso
proibi-la de sair. Ela conversa mais um pouco no
telefone, e começa a procurar sua bolsa.
- Você não pretende sair assim, certo?
- Assim como? Meu cabelo está uma bagunça?
- Não. Seu coque está perfeitamente bagunçado. –
Me levantei, eu ajustei sua roupa no seu busto e passei
a mão por toda lateral do seu corpo, sinto seu corpo se
arrepiar ao meu toque e ela relaxar um pouco. - Assim
está melhor, você está bem? Quer uma carona?
- Felippe eu estou de carro, e estarei bem assim que
eu ver que meu irmão está bem.
- Então eu posso te acompanhar, você está nervosa e
preocupada, não vai dirigir bem com a cabeça em outro
lugar.
Ela teimou por um curto tempo, mas cedeu, em
poucos minutos estávamos no carro indo até a casa da
minha irmã. Tentei colocar uma música para melhorar
o ambiente, mas tão rápido eu liguei o rádio ela
desligou e mirou aqueles olhos verdes em mim. Eu
estava com olhos presos na estrada, mas pude sentir
seu olhar em mim, ela pigarreou e limpou a garganta e
então eu ouvi a história mais drástica e triste. Olhei de
relance por pouco segundos e a vi refletindo naqueles
olhos a mesma tristeza e melancolia que eu vi no olhar
da minha irmã há oito anos, quando bateram na nossa
porta para falar da morte de nosso pai.
Eu soube em detalhes como aconteceu o seu acidente
que a trouxe para Seattle. Como algo tão triste pode ter
trazido algo tão belo para minha vida?

–88 –
- E depois deste ocorrido, quando estamos perto do
mês de outubro, perto do meu aniversário, Sam tem
pesadelos. Ele nunca sabe me explicar exatamente com
que sonhou, mas sempre me disse que acorda como se
estivesse sozinho em um lugar escuro. E quando eu
canto ou a Clara ele melhora, ele parece que se sente
acolhido.
- Por que a voz da minha irmã tem tanto efeito nele?
- Deve ser porque ela tem uma voz de anjo, já deve
ter a ouvido cantar, é como se a voz dela estivesse me
abraçando.
- Então você também canta?
- Não mesmo, no caso de Sam dá certo por ser uma
voz conhecida, porque minha voz está mais para um
violão desafinado, quando canto.
Este último comentário, deu a ela um meio sorriso. E
ao contrário do que ela disse acho que ela tem tudo de
um anjo, um anjo que apareceu na minha vida e só
melhora ela a cada dia, apesar de tudo que ela carrega.
Eu espero um dia poder ajudá-la a balancear essa carga,
ninguém merece ter tanta pressão sob seus ombros.

–89 –
Em menos de uma hora eu já estava na porta da casa
da minha amiga, ela abriu a porta para mim e vi
preocupação nos seus olhos. E então seus olhos
passaram para o homem ao meu lado e analisou de
novo nós dois, eu pude ver em curto tempo surpresa
em seus olhos e um pequeno sorriso escondido.
Obviamente ela já entendeu tudo.
Fui em direção ao quarto e vi que meu irmão dormia
serenamente agarrado em um travesseiro, como se
estivesse no melhor dos sonhos, passei minha mão por
seu rosto como um carinho. – Ele parece bem.
- É porque ele está bem Lis, eu falei que não
precisava vir.
- Mas eu vim. Se ele acordar por outro pesadelo ou
um belo sonho, quero que ele perceba que eu estou aqui
com ele. – Olhei de relance para trás e vi minha amiga
em roupão com os braços cruzados apoiada na parede,
e ao seu lado vejo seu irmão apoiado da mesma
maneira desajeitado na soleira da porta, os dois me
olhando com toda atenção. – Você sabe que eu prometi
–90 –
para mim mesma que nunca deixaria Sam sentir a
escuridão que senti naquela noite.
Minha amiga passou o olhar rápido por Felippe e
depois em mim, como aviso. Mas eu balancei a cabeça
para sinalizar que estava tudo bem, ele já sabia de tudo.
Como é possível que em menos de um mês eu tenha
contado o dia mais trágico para um cara que eu mal
conheço? Eu sei que ele é irmão da minha melhor
amiga, e que outras pessoas sabem disso, até mesmo
todo aquele hospital. Mas ter contado em detalhes o dia
do acidente, mesmo sem olhar nos seus olhos me fez
sentir vulnerável novamente, e eu não me sentia assim
em anos.
Eu não sei se isso significava que eu deveria
continuar com ele ou encerrar de vez antes que algo
pior pudesse acontecer, como se apaixonar.

–91 –
Os dias passam, e a cada dia eu conheço algo novo
sobre Elisa. Mas percebia que a maior parte do tempo
quando estamos com outras pessoas ela parece distante,
diferente de quando estamos somente nós dois. Eu sei
que ela teve um começo difícil na vida, mas sinto que
tem algo mais no seu passado que coloca essa barreira
entre nós.
Nos últimos três fins de semana ela me mostrou mais
do seu mundo, entendi por que Clara a escolheu como
sua segunda família, percebi também por que ela
passava tanto tempo no Bar, o padrasto dela é dono de
lá. Conheci Samuel, e ele não é um cara com quem ela
tinha um encontro, é somente seu irmão de nove anos, e
com ele descobri mais coisas sobre aquela maravilhosa
mulher.
- Eu percebi que você gosta muito da minha irmã,
acho que temos que conversar sério.
- Claro, o que voc.

–92 –
- Então tá. Você vai se casar com a Lis?
- Ca - casar?!
- É ué, sou o homem da casa tenho que cuidar dela
sabe? Então tenho que saber se você quer ter algo sério
com ela, porque se você for abandonar ela, acho melhor
você parar de ver ela, a Lis merece alguém que goste
dela de verdade, sabe?
Eu olho para aquele menino de meio metro, com as
duas mãos no bolso, me encarando. Ele não teve nem
metade da vida e já leva consigo toda preocupação e
responsabilidade que o homem da casa deve ter, ele se
preocupa com a irmã e tem a autoridade de exigir o
mínimo de afeto para ela, sem ao menos ter força ou
tamanho para compreender tudo isso.
- Eu pretendo casar com ela em algum momento,
mas não agora.
- Sei, você tem que fazer algo esplêndido antes né?
- Esplêndido?
- É. Lia sempre me disse que o cara antes de se casar
tem que ganhar o coração da moça com algo que faça o
olho aumentar e o coração disparar. É coisa de mulher,
mas tem que ser feito.
- Lia é muito esperta, mas não sei como posso fazer
isso.
- A Lis sempre diz que ama surpresas, mas ela
detesta o próprio aniversário, então você podia fazer
uma surpresa no aniversário dela, assim ela vai gostar
para sempre deste dia.
- Parece-me algo arriscado.
- Não seja medroso, eu e a Lia vamos te ajudar.

–93 –
- Senhor Evans, a senhora Evans chegou, e acredito
que vai entrar em poucos minutos. – Tão pouco Hanna
avisa minha porta se abre.
- Até que enfim você achou uma secretária que não
parece uma criança desmiolada.
- Mãe, eu já lhe disse para tratar bem os estagiários,
eles são à base da empresa.
- Tudo bem, me desculpe, eu só estou tendo um dia
difícil. Você não sabe o que me aconteceu hoje.
- Na empresa?
- Sim, sua irmã. Você acredita que ela foi capaz de
perder um ótimo fornecedor só porque ele propôs que
um jantar seria o selo do contrato.
- Mãe, Clara não é uma mercadoria. Você não pode
obrigar ela gostar de alguém, já falei que vocês devem
fazer as pazes e se aceitarem.
- Eu não tenho que aceitar nada, ela não podia seguir
os princípios da vida sem ofender a religião? E agora
ela inventou que não terá filhos!
- É uma escolha dela, muitas pessoas adotam.
- Mas eu não criei sua irmã para me ofender tanto,
que desgosto. Se seu pai estivesse aqui ele não deixaria
chegar esse po...
- Mãe chega! Não meta papai nisso, ela é lésbica.
Apenas respeite se não gosta, pelo menos respeite.
- Credo que nome nojento, mas ela me falou alguns
dias atrás que ela é bissexual.
- Que gosta de ambos os sexos.
- Exato! Então, ainda há esperanças de ela ser uma
mulher decente, se apaixonar por um homem, e Deus

–94 –
poderá absorvê-la de todas estas atrocidades que já me
fez viver.
- Mãe, não force Clara ser algo que ela não é, é só
respeitar. Você não precisa ser ela, apenas a trate como
sua filha, não como um pedaço de lixo.
- Você também está contra mim? Tudo bem, já estou
indo embora, tenho um almoço com umas amigas.
- Mãe eu não a estou expulsando, é só que essa
história de vocês duas me tira do sério, pelo amor de
Deus, ela é sua filha.
- Você também é meu filho, e não temos este tipo de
discussão, eu já estou de saída. E tente conversar com o
fornecedor e resolver o problema que sua irmã criou.
Tão rápido quanto ela entrou sorrindo, ela saiu
bufando e batendo a porta. Às vezes acho que eu sou o
responsável da família, eu sei que Clara não tem culpa
de ter uma mãe tão negligente. Mas é pedir demais que
as duas se entendam e tratem- se como mãe e filha, e
não como dois animais selvagens?

–95 –
Quinta à tarde, e eu estava de folga. Se isso não era
um milagre divino, eu que não iria desperdiçar esse dia
para descobrir. Aproveitei o momento e peguei Sam e
Lia depois da escola e os trouxe aqui para comermos
bolo com sorvete. Eram raros os momentos que eu
tinha com eles, então quando eu podia, aproveitaria ao
máximo cada segundo. Depois de comermos bastante
coloquei um filme, porém tínhamos um pequeno
problema.
- Nem vem Sam, a gente assistiu os Vingadores da
última vez. Hoje, eu escolho, certo Lis?
- Nem adianta olhar para a Lis, a gente pode trocar o
filme, mas não pode ser esses filmes melosos, tem que
ter ação Lia!
- O que você acha Lis? Você é a adulta, então o que
você disser vai estar certo.
- Bom... A Lia está certa, você escolheu da última vez
Sam. – Lia encarava ele com um rosto de quem tem
toda a razão. – Mas, o filme que Sam escolheu tinha um

–96 –
pouco de romance e ação, então acho que poderíamos
achar um filme que tem um pouco de tudo.
- Tipo o que Lis? – Meu irmão me encara, e antes que
possa responder, ele me corta. – E não vale Rei Leão,
nem Star Wars!
- Então eu não posso ajudar, Lia qual será nosso
filme?
- Vou ser legal Sam.... Eu escolho.... – Ela encarava
meu irmão por um tempo, e escuto um “até parece” da
sua boca - .... It: A coisa.
- Mas isso é terror Lia!
- Tá com medinho é?
- Não! Mas.... É esse mesmo que você vai escolher? –
Ela me encara por uns breves segundos e afirmou com
a cabeça com um sorriso no rosto. Deus me ajude.

O filme já está na parte que o Bill vai lutar com o


Pennywise, Lia e Sam estão de mãos dadas com os
olhos grudados na tela. Amélia é como outra irmã para
nós, ela tem três anos de diferença do Samuel, mas você
nem percebe esse detalhe quando vê os dois
conversando. Eles são a parte da minha família mais
preciosa, quando o palhaço aparece do nada na tela a
campainha toca e todos nós pulamos no sofá com o
susto.
Quando abro a porta, Clara está toda sorrisos com
uma pizza e duas sacolas. Ela anuncia sua chegada com
o jantar, mas todo que recebe é um “shhhh” de ambos,
que voltam à atenção para a tela.
–97 –
- Esqueça amiga, eles estão concentrados no filme.
- Deixa só eu esquentar essa pizza, para você ver se
eles não me escolhem.
- Vão te escolher em alguns minutos, o filme está
quase no fim.
- Que filme... – Ela passa os olhos pela TV e vê a cena
de Pennywise lutando com amigos do Bill – Elisa você
colocou um filme de terror para as crianças assistirem?
- Eles escolheram juntos, e vão dormir juntos. Vão se
entender com o Georgie se ele resolver aparecer à noite
com um balão vermelho.
- Credo, você não tem coração, vou até abrir o vinho
depois dessa cena sem coração sua.
Tomamos vinho, enquanto eu arrumo pizza e suco
para as crianças, enquanto eles devoram o jantar vejo
minha amiga me olhar de canto de olho, com um
sorrisinho que diz: hoje a gente conversa. Qual o nível
da amizade de uma pessoa quando nós conversamos
por um simples piscar de olho e um meio sorriso?
Não é à toa, afinal Clara está na minha vida a quase
nove anos, para Samuel uma segunda irmã mais velha e
mais liberal, já eu a tenho como minha metade da
laranja. Nós nos declaramos, flertamos, brigamos. Já
dormimos de conchinha, também já beijei essa boca só
para selar um acordo, dormir juntas de baixo da coberta
depois de um filme de terror. Já dividi tantos momentos
com essa mulher, que parece que nos conhecemos a
uma vida inteira, não consigo ver uma vida plena e no
mínimo cheia de surpresas sem ela.
- O que você tanto pensa? Por acaso é sobre o
amado?

–98 –
- Estava refletindo sobre quanto eu amo minha crush
suprema.
- Minha? Meu irmão já foi jogado para escanteio?
- Eu estava falando de você meu amor, e sobre
Felippe, ele ainda está em campo e jogando bem até
agora.
Ela ri claro. Não é com ela que está uma guerra
dentro de mim entre o que o meu subconsciente pensa e
meu sistema nervoso responde. – Amiga é que eu
formulo uma coisa toda certinha, mas quando vejo
aqueles olhos escuros e brilhantes meu cérebro me dá
uma rasteira e faz algo totalmente diferente do
planejado.
- Isso é porque a senhorita está pensando com o
coração.
- Em toda minha aula de anatomia da faculdade eu
nunca aprendi por onde passa esse tal de amor pelo
coração. Que eu saiba única coisa que meu coração faz é
bombear sangue, o cérebro sim controla minhas ações,
no máximo posso culpar um excesso de serotonina
explodindo.
- Lis você não precisa levar tudo ao pé da letra, agora
eu vou colocar mais um pouco de vinho nesta taça e
você vai me dizer o que você realmente está sentindo.
- Amiga eu não aguento mais esse aperto aqui,
parece que algum momento meu coração vai evoluir
igual Digimon, e o pior que eu nem sei qual é a evolução
dele. – Clara ri da minha explicação patética de como
estou me sentindo. Mas se você escutar você também
irá rir.

–99 –
- É porque esse é um aperto diferente minha cara
amiga. Lamento te dizer, mas você, Elisa Ferraz está
amando.
- Amando? – Eu queria ter um bom argumento e
dizer que isso é loucura, mas acho que minha amiga
está totalmente certa. – Estou tão ferrada.
Desde que conheci Felippe realmente me sinto
diferente, parece que está tudo um pouco mais leve,
que a minha vida começa a fazer sentido. Eu sempre me
gabei que eu nunca me apaixonei por nenhum cara na
minha vida, mas depois de conhecê-lo eu percebi que
eu estava errada, me apaixonei. E foi com todo meu ser,
mas não mostrei nem 50% de mim mesma, ou que
realmente sentia, eu sei de tudo isso porque o amo. E
isso será meu fim.
Não é drama. Eu posso ter perdido minha mãe cedo,
mas se tem algo que ela e minha vó sempre me diziam,
era que quando a gente ama não há escapatória. Você
pode falar para si mesma que não irá casar e se mudar
para o Alasca, mas se o amor exigir, você irá, e pasmem
com um sorriso no rosto. Eu me sinto uma cobaia e o
próprio amor é o cientista que insere doses de ideias
absurdas em mim.
- Você irá sobreviver Lis. - Eu concordei com a
cabeça, mas será que eu estava preparada para
sobreviver?

–100 –
- Agora mudando de assunto, precisamos falar sobre
o seu aniversário. – Eu encaro minha amiga enquanto
eu estava a ensaboar a louça.
- Não há nada do que falar. É somente mais um dia
comum.
Aproveitei que as crianças foram jogar vídeo game, e
ligue o som embutido na sala que repercutiu muito bem
na casa, e principalmente na cozinha, apertei play na
música Like that - Bia Miler.
- Nada disso, você vai fazer 27 anos, é só uma vez na
vida.
- Claro, até porque é aniversário, não mesaversário
igual no mundo da Alice.
- Lis você não facilita, me deixa fazer uma festinha
para você, com bolo e pessoas que te amam
comemorando mais um ano de vida com você.
- Clara com que cara eu irei receber meus
convidados?
- Com aquela que você mostra seu sorriso
encantador.
- E como eu vou fazer isso, se há oito anos esse foi o
pior dia da minha vida? Eu entendo o que você está
–101 –
tentando fazer, mas nesse dia eu só quero entrar na
minha bolha e lá ficar.
- Mas...
- NÃ.... Aiiiii. – Eu não prestei atenção na pia e
peguei a faca pela lâmina, fiz um corte reto na palma da
minha mão. – Merda.... hãn.... Você pode pegar a
caixinha de primeiros socorros no meu quarto para
mim, por favor?
- É claro, volto em um minuto.
Eu geralmente não sou descuidada assim, mas é que
o dia 22 de outubro é um dia que mexe comigo. Todos
sabem que perdi quase toda minha família neste dia,
que estava sozinha lá, sem ninguém para me amparar
ou tomar decisões por mim. Mas o que ninguém sabe, é
que nos primeiros anos se eu não tivesse Samuel como
âncora, eu já teria desistido de viver mil vezes. Sim, eu
pensei em me matar, e eu não contei para ninguém.
Com o tempo colocar a máscara de sorriso elegante
acompanhado de “estou ótima, e você?”, virou uma
rotina.
Até que Clara me apareceu com aquele rostinho e
toda aquela energia, e elogios a todo mundo, e eu
percebi o quanto aquilo estava me consumindo, fingir
ser forte também cansa. Então eu procurei um
profissional e melhorei – mas isso demorou tanto, que
pensei em desistir de tudo novamente.
Mas aí eu olhava aquelas duas esmeraldas nos olhos
do meu irmão brilhando para mim, e jurei por mim e
por ele, que nada nem ninguém iria tirar minha
vontade de viver. Não importava que eu tivesse
perdido toda a minha base, eu juntei os meus caquinhos

–102 –
do que meus pais e avós e me ensinaram e construí
uma nova base mais forte.
Se há uma coisa que aprendi nessa vida é que às
vezes os seus problemas vão chegar como uma garoa e
podem crescer para uma tempestade, e muitas vezes ela
não irá passar, então aproveite e dance na chuva.
Se molhe sem medo, se permita sentir e se for preciso
chorar, chore. Afinal as lágrimas expressam o que as
palavras não dizem.

When you breaking’ my back, I only get stronger


(Quando você me sabota assim, eu apenas fico mais
forte)

Tenho que concordar com Bia, tudo ao me redor


desmoronando, só me deixava mais forte, mais tentada
a não desistir e cumprir minha promessa feita à minha
avó.

Eu estava terminando o curativo na minha mão e


Clara não parava de se desculpar, como se ela tivesse
culpa de eu ter sido uma tapada. Talvez ela esteja certa,
já faz quase dez anos, alguma hora terei que superar, e
só conseguirei saber se o machucado cicatrizou se eu
tentar me levantar no meio desta história nebulosa. – Tá
bom, irei te dar o benefício da dúvida.
- Desc... Calma, o que?
- Exatamente isso que você ouviu, eu deixo você
organizar algo pequeno.
–103 –
- Ai meu Deus! Você aceitou! – Do nada ela se
levanta e começa saltitar toda feliz e falar sem parar de
tudo que irá ter.
- Clara, lembre algo pe – que – no!
- Certo, certo. – Ela pega Sam no colo gira, e repete –
ouviu isso? Sua irmã aceitou uma festa de aniversário,
conseguimos.
Lia está no fundo pedindo para ser girada também,
enquanto Sam sorri sendo girado no colo de Clara. Não
imaginava que ganhar uma festa de aniversário poderia
ser assim tão divertido.

–104 –
Com um sanduíche em uma mão e um raio X na
outra, tento enxergar as costelas fragmentadas da
minha paciente, tento virar o exame contra a luz da sala
de descanso dos residentes, mas não parece ajudar
muito. Eu sei que eu deveria colocar ele na luz certa, na
sala certa para avaliar esse exame e que eu não deveria
estar tentando mastigar enquanto tento pensar em um
diagnóstico para esse exame em minha mão. Mas nos
últimos seis dias minha rotina no hospital tem estado
mais louca que o normal, eu sei que é difícil acreditar,
mas é a realidade.
Ontem mesmo eu fui praticamente enxotada do
pronto socorro, porque aparentemente tinha um
possível vazamento de gás desconhecido exatamente
perto de onde eu tinha que ir, ou há três dias que
alguém acidentalmente me trancou na sala de reuniões
logo após eu jurar ouvir a voz de Felippe. Talvez meu
cérebro esteja dando bug no sistema com minha rotina
de cirurgiã chefe da pediatria, ou talvez esteja

–105 –
realmente acontecendo algo muito estranho nesse
hospital.
Desisti do meu sanduíche na metade, e fui com meu
raio X e os exames de sangue na mão atrás de Isabella,
preciso saber se isso que aparece no exame é realmente
algo que estou pensando. Mas como eu disse tudo está
louco, pois quando a encontro no corredor e a chamo,
parece que ela está fugindo de mim e desaparece em
alguma das portas – mas que diabos!
Vejo Ana, uma das residentes do hospital, ela sempre
anda parecendo uma princesa mesmo com roupa de
cirurgia ou jaleco, não sei como consegue. Ela sai de
uma das portas do corredor parecendo muito feliz, a
chamei, mas ela não responde, não dou tempo de ela
sumir no corredor e alcanço, ela pula surpresa, como se
eu fosse a última pessoa que ela esperava encontrar
hoje. – Meu Deus Elisa, você quase me mata do coração!
- Eu tentei te chamar, mas você parecia muito
concentrada em outra coisa.
- Sim eu.... Hã.... Uma cirurgia com.... – ela me olha
por um tempo e olha rapidamente para a porta que
tinha acabado de sair. – Com a Isabella, digo a doutora
Gomez.
- Então você a viu? Eu preciso encontrá-la, mas ela
parece ter sumido, na verdade pode parecer loucura,
mas parece que todo mundo está fugindo de mim nesse
hospital desde o começo da semana. Você acha que
estou ficando louca Ana?
- Não, acho que você só não teve sorte de estar na
hora errada no lugar errado.

–106 –
- Como assim? – Ela não responde na verdade olha
desconfiada para a mesma sala. Então eu resolvo olhar
também e vejo que Bella está lá dentro e Will e um
outro homem que me parece muito conhecido, mas não
consigo ter certeza porque ele está de costas.
Mas antes que eu posso ter certeza de qualquer coisa
Ana me puxa drasticamente e eu a encarava sem
entender sua atitude. – Vem eu vou te levar até Isabella.
– Eu tentei avisar que ela estava naquela sala que ela
tinha acabado de sair, mas ela não me deixou, só me
puxou o mais rápido que pôde longe do corredor, até
chegarmos à entrada principal e então ela também
sumiu. Eu acho que eu comecei a trabalhar em um
hospício e ninguém me avisou.

Depois de acatar a ideia do meu novo amigo, Samuel


irmão de Lis sobre a festa de aniversário surpresa, parece que
estou correndo contra o tempo para isso acontecer. No
começo foi difícil convencer os amigos de Elisa, mas após
minha irmã conseguir a benção da própria aniversariante para
festa parece que todos resolveram ajudar, não estou
reclamando, mas aparente Lis conseguiu amedrontar qualquer
um que fizesse algo fora do seu gosto.
Eu estava muito feliz porque finalmente conseguimos um
horário em que hospital não está tão cheio e um local
relativamente perto para o caso de alguém ter que voltar para
o hospital, tudo estava dando certo até que recebo um
telefonema. – Oi Clara, tudo bem?
–107 –
- Eu e que te pergunto, onde você está?
- Estou saindo agora do St. Vicent, falei com o Willian e
está tudo certo para o local, dia e horário.
- Você só se esqueceu do local dia e hora de uma coisa.
- Que? Do que você está falando?
- Estou falando da reunião marcada para hoje, daqui exata
uma hora em Portland, meu querido.
- Você não está falando sério. Isso é só na terça e.... HOJE
É TERÇA!
- Aaa você jura?
- Eu estou indo aí e acho que vou me atrasar, fale para os
empresários que tive um imprevisto urgente.
- Ok, mas você fica me devendo essa.
- Ok, obrigada. Até mais tarde.
Eu saio como um foguete em direção a empresa para
deixar o carro e pego minha moto, olho no relógio antes de
partir e vejo que a reunião começa em 40 minutos, eu não sei
como farei, mas chegarei nessa reunião. Como eu esqueço da
reunião com os fornecedores? Na verdade, eu sei como, eu
estava tão envolvido com a surpresa de Lis que não consigo
pensar em quase nada além dela nos meus braços, enrolada
no meu corpo, com seu corpo a minha mercê e tudo que eu
conseguir aproveitar. Meu Deus, foco Felippe. 

–108 –
Agora já não bastasse, todos os que trabalhem aqui
estarem malucos, para completar meu dia tenho
pacientes insanos e suicidas, hoje definitivamente não é
o meu dia. Eu respiro fundo pela milésima vez só hoje,
e tento novamente convencer o pai da minha paciente. –
Senhor O’Connor você entenda que se levarmos Jully
para outra cidade, na situação que ela está pode não
sobreviver?
- Eu entendo completamente Dra. Ferraz, eu sei que
posso perder minha pequena a qualquer momento, mas
você entende que essa foi a única coisa que ela me
pediu de aniversário. Descansar em casa, perto dos seus
amigos, irmãos e minha mulher.
- Entendo.
- Eu sei que é loucura, e como já estamos na
insanidade de transportar uma menina que acabou de
fazer o terceiro transplante em uma viagem de uns de
30 minutos, gostaria de pedir que você viesse conosco.
- Eu só preciso resolver uma coisa, mas eu iria sem
problemas.
–109 –
- Ótimo, o helicóptero sai em cinco minutos.
- Helicóptero?
- Claro, ter muito dinheiro deve adiantar pelo menos
de realizar o pedido de minha filha, não acha?
- Claro, até daqui a pouco.
Eu converso com Will, e mesmo apreensivo como eu,
ele concordar em eu ir junto caso ocorra alguma
complicação. Nós sobrevoamos Seattle, e em meia hora
já estamos pousando no Hospital infantil Doernbecher,
em Portland.
Nas primeiras horas desde que Jully se acomodou no
hospital, tudo parecia bem. Porém quando tudo parecia
certo, seu corpo estava tendo taquicardia, o órgão pode
não ter respondido bem ao corpo novamente, parentes
foram afastados, enfermeiros foram entrando e eu
estava novamente na sala de cirurgia, com seu único
rim bom há poucos horas atrás, não respondendo ao
corpo. E novamente July estava correndo contra a vida
trás de um novo transplante.
Ela ainda tinha um rim, mas não estava trabalhando
tão bem há 3 anos. Eu dei a notícia com pesar, mas ela
só fez sorrir. Ela segurou minhas mãos e agradeceu por
permitir realizar seu presente de aniversário: Amanhã
ela completava 12 anos e estaria com sua família toda e
amigos, e nada poderia deixá-la mais feliz.
Eu saí do hospital sem rumo, não parecia certo uma
criança tão pequena ter que sofrer tanto e fazer escolhas
tão difíceis. Ela era tão corajosa e forte, queria ter tido
metade do que ela tem na sua idade.
Eu ando sem rumo por tanto tempo, que quando me
dou conta já é noite, e percebo que estou no

–110 –
Washington Park, penso em ir até um banco e
descansar, mas ouço uma voz muito familiar, e quando
o vejo quase não acredito.

Eu chego ao almoço incrivelmente junto com os


fornecedores, até Clara não acredita no tamanho da
minha sorte. Resolvemos pegar o projeto, apesar de
parecer muito grande e em outro país, irá envolver
algumas viagens de um de nós dois e uma carga maior
de trabalho, mas é uma oportunidade única de um
projeto no Brasil, era uma rede de padarias em uma
parte nobre e em frente a praias particulares, que queria
um olhar diferente e gostaram das ideias da Art &
Design. Claro que não precisou de muito para
aceitarmos.
A tarde passou quase voando, eu tinha que resolver
mais algumas coisas em Portland então resolvi ficar
aqui e já que estava com a moto faria tudo mais rápido.
Quando eu já tinha resolvido tudo e estava indo para
casa, ouço um barulho estranho e que aparentemente
vinha da minha moto, resolvi parar e quando desci vi
que não era algo grave, eu só estava completamente
sem um pingo de gasolina, e percebi que meu celular
estava totalmente descarregado. - Como eu fui deixar
isso acontecer?
Olhei ao redor para ver se encontrava algum posto
de gasolina, mas aparentemente eu estava perto em um
–111 –
dos grandes parques de Portland e sem nenhuma
pessoa a vista. - Mas que merda!
−Não seja tão rabugento, você tem uma bela
companhia da lua cheia e uma bela mulher, o que mais
você poderia sonhar para uma terça não é mesmo? – Me
viro para ver de quem era voz, tendo quase total
certeza de quem se tratava, sem acreditar.
− Lis?

–112 –
Eu sabia que conhecia aquela voz, e a pessoa a quem
pertencia, agora o que ele estava fazendo naquele
parque a esta hora é uma pergunta que não cala. E eu
jurei que ele estava no hospital hoje cedo, trabalho com
pessoas loucas e um hospital louco, logo me torna a
médica mais transtornada. Não teria como ele estar em
dois lugares tão rápido.
- O que faz em Portland? Além de xingar a própria
moto.
- Eu tive uma reunião mais cedo, depois fui resolver
algumas coisas e agora que estava voltando e percebi
que estou sem gasolina e nenhum posto perto ou modo
de me comunicar, já que a bateria do meu celular
acabou. E você?
- Na verdade há um, na quadra de trás, eu passei por
ele. - Eu pelo menos acho ter passado por um. - Tive
que trazer uma paciente para cá.
- Ela está bem?

–113 –
- Na medida do possível, você quer ajuda? – Digo e
ofereço meu celular para ele.
- Na verdade você poderia me acompanhar até o
posto e poderíamos jantar juntos depois.
- Ou podemos jantar aqui.
- Aqui? No parque?
- É claro, já estou pedindo uma pizza, tem algum
pedido especial? – Ele olha para a moto de relance e me
sorri.
- Eles entregam vinho?

O mais inusitado dos encontros só podia ser ao lado


da mulher mais inusitada que apareceu na minha vida,
e que me apaixono cada vez mais, mesmo nenhum de
nós nunca tenha falado eu sinto que ela sente o mesmo
quando seus olhos seguem os meus.
Depois de ir até o posto e comprar a gasolina,
compro também um kit que há dois lençóis e uma
manta na loja de conveniência, Elisa está com a sacola
de comida na mão, um vinho que 350mL e um sorriso
tímido no rosto. Vamos até perto de uma mini
cachoeira que há um poste de luz perto, estico a manta
e um dos lençóis em cima e ela me olha intrigada com
meu preparo – sorte! – eu digo, então ela se senta e eu
me acomodo a sua frente.
Ela tira um broto de pizza de alcachofra com
presunto Parma, um vinho e me oferece um copinho de
–114 –
plástico, o pacote que tinha a pizza e cai alguns
guardanapos, e alguns molhos.
− Isso que eu chamo de lugar certo na hora certa.
− Foi a primeira vez em uma semana que isso me
acontece. – Diz enquanto tira o lacre do vinho tinto que
conseguiu e despeja nos dois copinhos de plásticos.
− Semana difícil? – Digo enquanto pego meu
segundo pedaço de pizza.
− Você não tem ideia. – Vejo seus olhos cansados e
pensativos bebericando o vinho. Eu tenho ideia, talvez
eu tenha até uma parcela de culpa.
− Você não vai comer a última fatia?
− Não, pode ficar à vontade, estou meio sem fome.
− Você tem que comer, vai precisar de energia.
− Para que exatamente? – eu fecho a tampa da pizza,
e guardo dentro do pacote de comida jogando os
molhos e guardanapos abertos, colocando para o lado e
a beijo nos lábios carinhosamente.
− Senti sua falta. – Seus olhos voltam a atenção para
mim novamente, a luz reflete nas partes verdes dos
seus olhos.
− Eu também, estamos nos vendo tudo picado né?
− Sim, só em horário de intervalos, quando temos....
O último encontro foi a quase um mês.
− Desculpa anda uma loucura aquele hospital. – Ela
toma o resto do vinho, pegando o meu copo vazio e o
dela e colocando dentro do pacote de comida.
− Tudo bem, o destino deu um jeito de nos ajudar, e
eu não quero desperdiçar um minuto sequer desse
nosso momento.

–115 –
− Nem eu. – Diz e pega em meu pescoço e me beija
mais intensamente – espero que esse encontro termine
sem nenhuma interrupção. – Ela ri e me beija
novamente, sua boca abre um pouco e passo minha
língua por seus lábios e aprofundo ainda mais nosso
beijo depois de sentir suas unhas cravadas em meu
cabelo.
O beijo parece se intensificar com cada toque, então
ela me prende, colocando uma perna em cada lado do
meu corpo, seus seios estão próximos a minha boca,
não resisto, puxo um pouco sua camiseta e chupo um
mamilo e o mordisco, ouço a arfar de prazer com as
unhas em meus cabelos. – Não acredito que estamos
fazendo isso em um parque público, e se alguém nos
ver....?
Agarro sua bunda e a puxo para mim, ela sente meu
pau duro e para de falar, parece perder os sentidos e até
a linha de raciocínio, a olho nos olhos e vejo paixão, ela
sorri, morde o lábio e fricciona seu corpo contra o meu
me deixando louco. Preciso de todas as minhas forças
para não a virar e foder ela aqui mesmo, nesse parque.
Mas quando eu encontro seu olhar novamente me sinto
apunhalado, e sou capaz de fazer qualquer coisa que
sair daquela boca.

–116 –
Eu o beijo novamente, e empurro meu corpo contra o
dele, sua mão aperta mais ainda minha bunda.
- Se você continuar com esse movimento, eu não vou
ter outra escolha, a não ser enterrar meu corpo no seu. -
Ele diz entre um caminho um caminho de beijos
molhado pela minha nuca e clavícula.
Eu levanto um pouco meu corpo e passo a mão pelo
seu membro rígido e o beijo novamente, mordendo seu
pescoço. – Então enterre.
Em poucos minutos, ele abriu o zíper, colocou a
camisinha, eu puxei minha calça pantalona e minha
calcinha para baixo e penetrei até o fim de uma vez.
Ouvi ele arfar novamente, então comecei a me mexer,
sua boca perto dos meus seios tentava estimular eles,
mas cada vez que tentava se concentrar eu inclinava
meu corpo para trás e cavalgava mais firme em cima
dele.
Senti que ele estava quase explodindo, eu fui tocar
meu clitóris para chegar junto com ele, mas ele foi mais
rápido. Eu não sabia mais como eu estava ainda
–117 –
tomando controle daquela situação, meu corpo subia e
descia e seus dedos me pressionavam, até que tudo
explodiu em prazer. Seus olhos refletiam paixão e
luxúria e eu tinha certeza que os meus não podiam
estar diferentes. – Meu Deus Felippe, eu devo estar
realmente louca para eu ter acabado de transar em um
parque público no meio da noite.
- Louca eu não sei, mais apaixonada eu não tenho
dúvida.
- Parecemos dois adolescentes.
- Eu sempre perco a razão quando estou com você.
Lis você me amarrou pelo melhor sexo da minha vida
naquela noite. Mas só o seu amor que me deixa
alucinado a ponto de não pensar nas consequências só
para tê-la em meus braços.
- Eu... Eu não sei o que dizer.
- Não precisa, eu já sei. E quando você estiver pronta
eu vou estar aqui para escutar, que o que sinto é
recíproco.

–118 –
Há algumas semanas Clara estava pulando de
felicidade no meio da minha sala de estar, pois iria
fazer uma festinha para mim. Porém há uma hora do
meu aniversário e ela não falou nada sobre o assunto.
Botou uma pilha danada para eu dar esse passo e agora
a cabeça de vento da minha amiga se esqueceu do meu
aniversário. Eu deveria estar feliz, assim nada de festa,
ou seja, nada para se preocupar ou pensar.
Mas ao invés de eu ir para a minha cama com uma
xícara de café e um bom livro, eu estou sendo levada
para um jantar com o Felippe. Aparentemente amanhã
ele irá viajar para o Brasil por causa de negócios e irá
ficar um tempo fora. Ele não me disse que iria viajar,
mas quem sou eu para cobrar alguma coisa dele? Não
formalizamos nada, eu não deveria estar brava por não
ter sido avisada.
- Clara você não quer me relembrar porque você me
arrumou igual uma das bonecas da Lia para esse jantar
com seu irmão?
- Porque é um jantar especial, e queria deixar a
minha Barbie médica gata para o seu Ken.

–119 –
Eu reviro os olhos pela sua comparação, tirando a
profissão não tenho mais nenhuma semelhança com a
boneca. Estou vestindo um body preto com decote U
frente única e uma saia de paetê dourada cintura alta, e
uma Oxford preta, a contragosto da minha amiga.
- Você não tem o direito de revirar os olhos, eu deixei
você trocar os saltos por um tênis.
- Espere sentada, se acha que irei te agradecer
princesa. Apesar de que você me deixou escolher seu
look, então talvez eu te perdoe. Aliás, você está um
arraso!
- Você acha? Estou me sentindo bem poderosa
mesmo. – Minha amiga estava com um sutiã de renda e
uma camiseta transparente preta, saia preta com um
cinto metalizado e uma bota de bico fino de verniz. –
Vou colocar a camisa jeans para dar uma quebrada
nesse preto todo, mas eu adorei. Obrigada amiga.
- Você já é linda, eu só dei uma realçada.

Chegamos ao lugar depois de uma hora dirigindo –


por um minuto pensei que Clara estava se perdendo de
propósito.
Quando chegamos ao local, fico extasiada com a
construção, simples, porém rica em detalhes
deslumbrantes. Parece uma casa antiga rústica. Possui
dois andares e está toda decorada com luzes pequenas,
e rodeada de um jardim com pomares e várias flores, ao
fundo da casa parece ter um píer, mas não consigo vê-
lo, pois sou interrompida por uma melodia romântica.
Apesar de ouvir um som baixo de música no fundo, a
casa parece totalmente vazia.

–120 –
- Amiga você tem certeza que estamos no lugar
certo? Isso parece vazio e muito grande para um jantar
simples.
- Sim, tenho certeza. Esse é o endereço que Felippe
me deu.
- Então talvez a gente tenha chegado muito cedo...
- Não seja boba Lis, já é 23h55.
- Já?
Enquanto eu assimilava o horário que nós estávamos
chegando a um jantar, minha amiga me puxava pelo
braço para a porta folheada de traços dourados.
Assim que a porta foi aberta, as luzes daquele lugar
foram se acendendo aos poucos e minha amiga e outras
muitas vozes ecoaram junto com ela, um alto e sonoro –
SURPRESA!
E realmente, não encontraria outra palavra para
explicar o que eu estava sentindo naquele momento.
Clara não somente lembrou do meu aniversário, ela
também fez a festa que eu autorizei, eu não conseguia
falar nada, única coisa que soltei da minha boca foi um
sussurro em sua direção – Isso que você chama de
festinha? – Consegui ouvir sua risada sobre meu
comentário.
O lugar parecia bem maior por dentro, com várias
mesas e cadeiras espalhadas pelos cantos da casa, um
lugar ao fundo com microfone e os caras que quase
sempre tocam no bar do And. – Eles acenavam para
mim, com uns parabéns formandos em seus lábios. –
Meus olhos continuaram a percorrer por todo lugar e
pude reconhecer vários dos olhares que pairavam sobre
mim. Bella estava aqui junto a Ze e o meu chefe,

–121 –
próximo deles havia uma grande mesa com comidas
variadas, doces e grande freezer cheio de bebidas, Lia e
Sam vinha da mesa de doces com bolinhos na mão na
minha direção.
- Prova esse bolinho Lis, fui eu, Sam e mamãe que
fizemos para você.
- Eu... é. obrigada. - Eu não assimilei bem, apenas me
abaixei e dei a eles um forte abraço, que acabou
rapidamente, porque aparentemente eu estava
amassando a roupa de princesa e cavalheiro deles.
- Não ligue para eles Lis, eles adoraram seu abraço,
só estão achando que viraram adultos porque Felippe
disse que estão vestidos como tal.
- And, Kiara vocês vieram.
- Mas é claro que viemos, não iríamos perder seu
aniversário, minha querida.
- E o bar? Hoje é sexta você deve estar perdendo
muito dinheiro hoje.
- Nenhum ganho econômico vale um momento
valioso com minha família.
Família, realmente é o que sinto que são todas estas
pessoas que tiraram um tempo de suas vidas para
comemorar a minha. Até pouco tempo atrás eu pensei
que não havia família, somente alguns poucos amigos e
minha solidão. Mas hoje percebi que valeu a pena ser
forte por tantos anos, pois os poucos amigos que
cultivei nestes últimos oito anos são na verdade minha
nova e tão acolhedora família, meus olhos percorrem
mais uma vez por todos os convidados, agora vejo que
Ana também está aqui. – Clara você trouxe o plantão
inteiro da noite para o meu aniversário?

–122 –
- Eu só segui ordens meu amor, quem preparou tudo
foi o seu Ken gatinha.
Havia mesmo um homem sorridente se
aproximando de mim, endireitei meu rosto para encará-
lo e minha nossa que homem! – Ele vestia jeans e uma
camiseta branca, sua barba tinha crescido um pouco e
seu cabelo estava uma bagunça, nada que tenha o
deixado menos lindo para os meus olhos.
Eu o chamei, mas ele parecia estar em uma espécie
de transe enquanto seus olhos passavam por todo meu
corpo, parecia que iria me comer somente com seu
olhar, eu pude sentir seu desejo.... Era quase palpável,
eu nunca quis tanto uma pessoa como eu o queria
agora, de preferência bem acomodado entre minhas
pernas.
- Felippe? – O chamei novamente, para ter sua
atenção.
- Hã.... é.... oi.
- Você está bem? – Perguntei por que ele parecia tão
perdido em seus pensamentos, que eu não consegui ler
em seu olhar que ele estava realmente sentindo naquele
momento.
- Melhor impossível, e você Lis? – Me perguntou e
lançou um sorriso e um piscadinha, que me fez rir.
- Eu.... Eu estou ótima. Isso – Disse meio aturdida
com seus olhos ainda me comendo, e virei um pouco o
rosto e mostrei o lugar todo, ainda com o sorriso no
meu rosto – foi você?
- Foi. Na verdade, eu tive uma grande ajuda de duas
de suas colegas de trabalho. – Disse e deu uma rápida

–123 –
olhada para trás. Onde eu podia ver minha amiga Bella,
Ana e minha melhor amiga, Clara rindo e conversando.
- É mesmo? – Disse com um tom sarcástico, eu sabia
que elas estavam aprontando algo.
- Sim, Ana foi essencial para essa noite, e a Isabella
também.
- Isso explica muita coisa. – Explica minha a última
semana mais maluca que tive no hospital.
- Clara também ajudou, seu chefe e....
- Por quê?
- Por quê? Bom porque você merece, e porque um
dos meus maiores desejos é te fazer feliz. – Suas
palavras sinceras, a demonstração de todos a minha
volta estarem aqui por mim, apenas por realmente
gostarem de mim foi meu ápice. Eu não aguentei e senti
as lágrimas em minhas bochechas, eu não nunca sonhei
ser merecedora de tanto amor.
- Espero que essas lágrimas sejam de felicidade, não
poderia aceitar que todo o trabalho que eu e seu irmão
tivemos, para uma festa surpresa foi para sair daqui
com você soluçando. – Eu sorri pelo seu tom irônico.
- Então foi você que planejou a festinha? – Ele limpa
a lágrima com seu polegar e sorri para mim, parece
muito orgulhoso do que a festa me proporcionou.
- Então você gostou?
- Gostar? Acho que não. – Senti ele ficar tenso por
alguns segundos, mas eu não poderia torturá-lo, ele não
merecia isso e parecia muito preocupado com minha
reação. - Eu amei.

–124 –
- Amou? – Me perguntou com um tom de dúvida,
como se não fosse a pergunta mais óbvia, e passava seu
polegar em minhas bochechas limpando as lágrimas.
- Claro – e foi com toda a sinceridade e certeza do
mundo que eu o olhei e acrescentei. – Eu nunca poderia
me sentir mais feliz no meu aniversário, - peguei suas
mãos para ter certeza que ele estava comigo naquele
momento – obrigada Felippe.
Nossos corpos chegando cada vez mais perto um do
outro enquanto íamos conversando, há um passo de
estarmos a um suspiro do outro ouço alguém falando
no fundo – acho que esse cara merece um verdadeiro
agradecimento, não acha Lis?
Não dei tempo para ele assimilar a pergunta e as
intenções do agradecimento, eu somente o beijei, como
se fossemos só nós naquele lugar, porque hoje eu me
sentia completa feliz e como a muitos anos não sentia,
apaixonada por um homem, e o melhor é que eu
confiava meu amor a ele.

–125 –
Eu estava tão nervoso, meu pé batia incansavelmente
no chão. E se ela não gostasse? E se ela começasse a
gritar ou chorar? – Meu Deus eu não aguentaria ver ela
chorar.
- Pelo amor de tudo que é mais sagrado pare de bater
esse pé! Você vai abrir um buraco no chão! – Eu passo
meu olhar para Ana, uma amiga do trabalho da Lis. Se
não fosse ela eu não conseguiria fazer metade desta
festa ou qualquer surpresa que seja.
- Me desculpe, mas estou ansioso. Será que minha
irmã se perdeu?
- Não acho possível, visto que você me disse que
aqui era a antiga casa de vocês.
- Talvez você tenha razão, acho que só estou meio
nerv...
- Felippe acho que elas chegaram.
Seus olhos percorriam por todos os lados, parecia
que queria captar todos os detalhes ao seu redor em sua
mente. Posso não conhecer ela tanto a ponto de ter

–126 –
guardado em minha memória suas reações, mas eu
diria com certeza que aquele olhar brilhoso com
expressão espontânea, sobrancelhas levemente
levantadas e bochechas coradas, eram um semblante de
muita felicidade e paz, e isto não chega nem a metade
de tudo que ela merecia.
- Parece que no final você conseguiu, nunca vi a Lis
tão feliz maninho. – Dizia minha irmã, enquanto
apertava meu ombro.
- Nós conseguimos. – Disse apontando para Ana ao
meu lado.
- Aliás Clara deixe me apresentar uma das maiores
aliadas para essa festa, Ana Schwartz. Ana essa é minha
irmã, Clara Evans.
Ouvi minha irmã gaguejar um olá, e vi ela estender a
mão ao mesmo tempo que parecia acenar. Nunca vi
Clara tão desajeitada em um simples cumprimento,
imagino que seja devido ao nervosismo do dia.
- Bom.... Se as moças me dão licença, eu irei
cumprimentar a dama da noite.
- Enquanto eu me aproximava dela, meus olhos
percorriam cada pedaço do seu corpo, ela estava
deslumbrante, minhas mãos suavam, minha garganta
parecia cada vez mais seca e então nossos olhares se
encontraram e ela sorriu. E nesse momento poderia
jurar que senti meu coração batendo mais forte no peito
e a única coisa que eu conseguia pensar era minha boca
explorando todas as partes do seu corpo até....
- Felippe?
- Hã.... é.... oi. – Respondi, nem tinha percebido que
ela me chamava.

–127 –
- Você está bem?
- Melhor impossível, e você Lis?
- Eu.... Eu estou ótima. Isso – dizia ela abrindo os
braços e mostrando o lugar – foi você?
- Foi. Na verdade, eu tive grande ajuda de duas
colegas suas de trabalho. – Com uma olhada rápida
para as cúmplices.
- É mesmo? – Me perguntou, aparente já sabendo a
resposta.
- Sim, Ana foi essencial para essa noite acontecer, e
Isabella também.
- Isso explica muita coisa.
- Clara também ajudou, e seu chefe....
- Por quê?
- Por quê? Bom porque você merece, e porque meu
maior desejo é te fazer feliz. – De repente vi lágrimas
escorrendo por suas bochechas rosadas. Por favor não
chore, será que eu disse algo de errado? Clara
comentou uma vez como Elisa era sensível e um pouco
vulnerável com o dia do seu aniversário, mas não
imaginei que no percurso de melhorar eu pudesse
piorar e estragar tudo antes mesmo de começar.
- Espero que essas lágrimas sejam de felicidade, não
poderia acreditar que todo o trabalho que eu e seu
irmão tivemos, para uma festa surpresa foi para você
sair daqui soluçando. – Eu disse para tentar deixar o
clima mais leve, e porque eu não aguentava ver ela
chorando e pensar que poderia ser culpa minha. E para
meu alívio ouço um riso sair de sua garganta.
- Então foi você que planejou a festinha? – Limpo
uma lágrima que insiste em sair de seus olhos.

–128 –
- Então você gostou?
- Gostar? Acho que não. – Eu quase perco ar, porque
ela falou tão séria que por um minuto quase acreditei
em suas palavras, maldita. – Eu amei.
- Amou? – Pergunte intrigado, e passando meu dedo
em sua bochecha para expulsar aquela lágrima dali.
- Claro. – Com sua mão sobre a minha e seus olhos
em mim eu a ouço dizer – Eu nunca poderia me sentir
mais feliz no meu aniversário, obrigada Felippe.
Ela chega mais perto de mim, até eu conseguir sentir
sua respiração em meu rosto. Então ouço minha irmã
ao fundo – acho que esse cara merece um verdadeiro
agradecimento, não acha Lis?
Ouço algumas risadinhas, mas antes que minha irmã
ou alguém possa fazer qualquer outro comentário, Elisa
se aproxima e pousou seus lábios nos meus, e sou
acariciado com um beijo molhado e terno em meus
lábios, mas o que passava na minha cabeça ao senti-la
tão perto de mim, não tinha nada a ver com terno.
Parece que o mundo parou só para aquele momento.
Deus como eu queria colocar essa mulher nos ombros e
levá-la para minha cama, como ela consegue me deixar
louco com um simples beijo? Que mulher da porra eu
possuo.

–129 –
Meus lábios foram ao seu encontro com o objetivo de
ser algo carinhoso quase um agradecimento, mas assim
que eu os toquei e senti seu perfume, minhas mãos
foram ao seu pescoço, e por um momento eu quase
esqueci onde estávamos e o porquê. Mas ele segurou
meu rosto e me lançou um sorriso de devastar qualquer
mulher e senti que eu não era a única ali querendo algo
mais depois desse simples toque.
- Eu também quero, mas antes tenho mais uma
surpresa para você.
- Mais uma? – Eu olhava com expectativa de uma
criança, percorrendo meus olhos por todos os lados ao
sinal de algo diferente e novo. - Um presente ótimo
seria eu provar novamente aquela champagne em seu
corpo. - Fizemos isso em um dos encontros, pois ele
perdeu uma aposta, e eu ganhei um body shot.
- Talvez mais tarde, na verdade eu... eu trouxe sua
família para você.
- Como assim Felippe? Eu já vi Samuel, Amélia,
Andrew e Kiara.
–130 –
- Eu estou falando da sua real família. – Eu estava
começando a ficar confusa, do que diabos ele estava
falando?
- Felippe isso não tem graça, eu só tenho eles. A
Clara e você. Você sabe muito bem disso.
- Não Elisa, você ainda tem eles.
Ele disse isso e apontou para um trio chegando ao
seu encontro. A mulher tinha cabelos pretos e uma
fisionomia realmente muito característica, mas ela
estava olhando para um homem e arrumando seu
cabelo, ela parecia ser sua mãe, e havia um homem
mais velho. Aparentemente da idade do Andrew, eu
estava tentando reconhecê-lo e então ele girou seu rosto
depois de cumprimentar Felippe e meu coração parou,
minha boca ficou seca e de repente eu senti de novo
aquele arrepio e medo que eu pensei ter enterrado
naquela casa há 18 anos atrás. – T – tio? - Parecia ter
engolido um remédio amargo, preferia a champagne.
- Elisa! Quanto tempo, não sabe como eu sua tia e
seu primo Gabriel sentimos sua falta, não é querida? –
Ele olhava para mim com um sorriso que parecia
carinhoso, mas seu olhar poderia ser mais mortal que
uma superdose de adrenalina no corpo. E naquele
momento eu só queria correr e fugir dali.
- Realmente muito tempo Tiago. Como tem passado
Lis?
- Bem... bem, e vejo que Gabriel está lindo.
- Obrigada prima. – Me deu um beijo em cada
bochecha todo sorridente. – Achei fabuloso esse seu
look.

–131 –
Eu sorrio timidamente, agradecendo. Um filho gay,
meu tio parece bem receptivo com isso, ou talvez ele
seja tão burro quanto é estúpido e ainda não percebeu
esse pequeno detalhe, o que me deixa muito aliviada. Já
me basta minha amiga viver trancada dentro de sua
bolha por não ter o apoio da própria família, meu
primo não merece essa prisão também, na verdade
ninguém merece tal coisa.
- Sabe Lis, peço desculpas por não termos mais
conversado, é que perdemos o telefone e Tiago sempre
tem trabalho nos dias que eu conseguia uma folga no
trabalho, mas agora que estou em casa talvez voltemos
a nos falar.
- Claro tia, me desculpe cortar o contato, é que você
me lembra muito ela. – Seus olhos marejam por um
minuto antes de me responder. – Oh minha querida,
você também, seus olhos castanhos esverdeados me
olhando, parece minha irmã ao meu lado.
Então sem aviso prévio sou pega de surpresa com
um abraço aconchegante e choroso, com seus cabelos
negros caindo em meus ombros, por um minuto sinto
que estou abraçando minha mãe novamente. Mas tão
rápido quanto o abraço chega ele vai.
- E então Lis gostou da surpresa? – Eu encaro
Felippe, tinha esquecido dele ali, foram tantas
informações para digerir que tinha esquecido de quem
tinha feito meus tios aparecem. – Eu.... Sim.
- Foi muito bom revê-los, fiquem à vontade então, eu
vou.... Hã.... Cumprimentar os outros.

–132 –
Mas obviamente eu não fui encontrar mais ninguém,
na verdade eu enrolei um tempo me servindo de
comida e taças de vinho. Mas houve um momento que
não tinha mais espaço para nada no estômago, e ao
invés de ficar me escondendo pelos cantos eu decidi
que eu iria tomar um ar e encarar essa festa, afinal ela
foi feita só para mim, eu devo aproveitá-la.
Achei uma varanda com vista para o jardim, cheguei
até o parapeito e apoiei meu corpo que ainda segurava
na mão uma meia taça de vinho branco. Eu encarei
aquelas bolhas de gás subindo pelo vidro da taça
lentamente sem pressa. Respirei fundo, fechando os
olhos e soltando o ar pela boca devagar, e então eu senti
um cansaço em meu corpo de todos os anos que vivi até
este momento.
Eu já passei por tanta coisa que parece quase
impossível de crer. Uma infância nebulosa, uma
adolescência feliz e complicada e quando a vida adulta
começava a me dar um oi para o mundo, meu chão se
desmoronou sob meus pés e me senti novamente em
uma névoa escura e cega. Mas então eu encontrei várias
luzes no meio dessa névoa que me ajudaram a ficar de
pé e deixar meu caminho mais firme para caminhar, e
quando tudo parecia estar dando tudo certo e eu
começando a me abrir para alguém, dar minha
confiança a um homem pela segunda vez o passado
aparece encapuzado com paus e pedra para me
apunhalar novamente.
A roda da sorte bem que poderia girar para o meu
lado ao menos uma vez, eu não consigo entender o que

–133 –
de tão terrível eu fiz para o mundo para ser castigada
assim sem misericórdia.
Minha mão que estava tremendo, fazendo a taça
balançar freneticamente em minha mão se estabiliza. Eu
endireitei meu corpo e limpo a lágrima que tinha saído
sem eu sentir e respiro mais uma vez. – Você consegue
Lis, porque desta vez você tem algo que não tinha antes
da escuridão nebulosa te visitar a primeira vez. – Eu
acredito em mim mesma, eu sou forte, segura e não
deixarei ninguém e nada apagar a minha luz.
- Concordo, muito segura e iluminada. Quanto sua
força eu gostaria de testa – lá.
De onde aquele cretino apareceu sorrindo e
aplaudindo, eu não sei. Mas eu sei que agora mais que
nunca gostaria de testar todas as aulas de defesa
pessoal que Clara me ensinou na faculdade até toda a
raiva que carrego comigo evapore pelos meus poros. –
Que diabos você está fazendo aqui a final? – Ele sorria e
abria a boca, mas antes que soltasse qualquer som eu o
cortei fuzilando os olhos. – E não me venha com hoje é
seu aniversário, porque eu não sou idiota. Eu sei que se
você veio de simples e espontânea vontade não foi
saudades de ver meu rosto.
- Porque... – Disse me virando para ele lentamente e
caminhando em sua direção, em uma caminhada de
uma leoa indo atrás de sua presa – eu lembro de nossa
última conversa, e foi deixado claro, que eu não era
nada mais que algo descartável e nem um pouco
reciclável.

–134 –
- Parece que você tem uma bela memória minha
pequena flo.... – Ele não terminou, porque minha mão
fechada chegou antes no seu rosto.
- VOCÊ NUNCA MAIS VAI ME CHAMAR ASSIM!
Eu não sou mais um broto da minha vó, assim como
não sou mais a sua flor seu pervertido desgraçado.
- Veja bem, querida. – Ele sorria e erguia mão para
arrumar meu cabelo que se soltava do meu coque com
meu ataque de fúria, mas antes que sua mão chegasse
em meu rosto eu o empurrei e arredei dois pequenos
passos. – NUN-CA MA-IS! VOCÊ ME ENTENDEU?
Nunca mais você irá me tocar.

–135 –
Ele limpa o resquício de sangue do seu nariz, arruma
o cabelo e estende a mão com um lenço. – Tome para
suas mãos, aparentemente você está bem forte.
Ele percebe que eu nem me mexo, e volta a guardar o
lenço em seu bolso. - Você está certa, eu vim aqui por
um motivo bem específico e não foi sua festa de
aniversário, mas tem a ver conosco. - Ele diz nós e sinto
que minha bile saltitar com força. – E como você
aparentemente está bem madura e sabe como funciona
tudo eu não preciso pisar em ovos com você.
- Do que diabos você está falando Tiago?
- Eu achei o seu segredo sujo sua vadia, pensei que
você fosse mais esperta.
- Meu segredo? Você está louco?
- Louca está você se acha que pode usar ISSO contra
mim. – Ele segura e balança em suas mãos folhas rosas
que um dia foram arrancadas de um caderno,
amassadas e maltratadas.
- E o que seria isso exatamente?
- Não se faça de burra comigo, isso é tudo. E tenho
que admitir que ler seu diário com sua caligrafia

–136 –
arrastada e sua total inocência me deu uma certa
saudade daquela época.
- Meu di - á – á – rio? Mas como? Eu o deixei no meu
qu....
- No seu quarto, debaixo do colchão da sua cama,
mas você esqueceu um detalhe. Quando você matou
sua família e nunca mais voltou, a casa voltou a venda e
eu como parente próximo da família tinha que ir lá
recolher os pertences.
- E então encontrei esse pequeno tesouro, mas vou te
dizer devagar para você entender bem a situação. –
Meus olhos não sabiam se olhavam para suas mãos ou
para seu rosto calmo, eu estava com tanta raiva e
confusa que não sabia qual reação ele esperava da sua
notícia. Eu tinha esquecido totalmente da existência
desse diário. – Não importa que você tenha feito um
roteiro ou tentando criar uma história triste para mais
tarde entregá-los a alguém, você ainda continua a
mesma menina medrosa.
- O que adianta você ser forte e iluminada? Se o
único momento que conseguiu ter coragem,
desperdiçou contando bobeiras para uma senhora que
mal conseguia se manter em pé para bater à porta da
minha casa e me ameaçar?
- Não abra essa sua boca asquerosa para falar da
minha vó, se não irei fazer você morder sua língua,
literalmente.
- Palmas para a princesinha da dona Sônia, parece
que finalmente vou ter que concordar com sua avó.
- Concordar com o que?

–137 –
- Ela me disse há muitos anos, quando foi até minha
casa me ameaçar com palavras bonitas e nada a seu
favor, que um dia você iria revidar o que eu te causei
com a força e coragem que ela te ensinou.
- Mas infelizmente ela não ensinou muito da
coragem não é mesmo?
Eu fui em sua direção só queria machucar ele até ele
sentir a escuridão abraçá-lo. Mas ele foi mais rápido, e
empurrou meu corpo contra o parapeito prendendo
meu corpo com o seu, a repulsa crescia dentro de mim a
ponto de explodir.
- Você pode até tentar usar isso contra mim, mas eu
te asseguro que se tentar algo, eu vou dar o mesmo
destino de sua avó para sua nova família, um pequeno
acidente no seu aniversário.
- Aquele acidente há 8 anos foi culpa sua, você quer
carregar mais um? Acho que não. Tenha uma boa noite
minha flor de Lis, e se despida dos outros por mim.
Infelizmente terei que ir, de repente o ambiente ficou
muito entediante e descartável.
Ele vai embora, e meu corpo continua no mesmo
lugar. Parece que meus pés criaram raízes, eu estou
petrificada, sinto cada parte de mim gritando e
explodindo, mas não mexo sequer um centímetro.
Depois de alguns segundos, que pareceram horas o
sangue volta a circular pelo meu corpo, eu ouço o
barulho da festa ao fundo, e percebo que uma mão
minha está ralada nos nós dos dedos e a outra onde se
encontrava minha taça de vinho está toda cortada e suja
de sangue e vinho branco.

–138 –
- Eu vou mostrar a esse filho da puta o que é
coragem.

–139 –
Eu vou ao banheiro lavar minhas mãos e pego o
papel toalha para secá-las, ele parece tão macio, resolvo
pegar mais um e enrolá-lo na minha mão esquerda.
Faço um rabo de cavalo solto e molho meu pescoço e
então vou em direção a multidão a procura daquele
desgraçado.
Eu olho em todos os cantos e nada encontro, não é
possível que ele já tenha ido embora. Pessoas vem até
mim se despedir com sorrisos e palavras bonitas, mas
infelizmente eu respondo todos no automático porque
eu só consigo me concentrar em um rosto na minha
mente e aparentemente ele estava só na mente porque
nessa casa não está.
De longe eu avisto Clara conversando com mais duas
mulheres, Ana e Mary. Eu vou ao encontro delas com
determinação, quando estou quase ao lado delas ponho
minha mão esquerda nas costas. – Oi Clara.
- Oh, oi sumida. Você me assustou. Onde esteve?
- Estava falando com meu.... Meu tio.
- Certo, então você gostou da surpresa? Quando o Fe
falou desta ideia eu não fui muito a favor porque eu
imaginei que não gostaria, não sei por quê. Mas que

–140 –
bom que eu estava totalmente errada né? – Uma melhor
amiga, é uma melhor amiga né amores, ela sabe até
quando não tem ideia. E eu poderia jurar que ela sabia
o que estava sentindo agora, não sabia por que, mas
certamente sabia.
- Claro, você não poderia acertar sempre, afinal você
não me conhece há 8 anos mesmo.
Clara não teve tempo de assimilar e responder meu
pedido de socorro, porque Kiara apareceu ao meu lado
com sorriso terno. – Então como este seu coraçãozinho
hoje, minha querida? Imagino que o Felippe acertou em
cheio você.
- Você não faz ideia, o Felippe realmente me trouxe
uma surpresa atrás da outra hoje. Vive o passado e
voltei para o presente em dois pulos, estou até sem ar. E
meu coração está disparado aqui, a adrenalina corre nas
minhas veias até agora.
- Fico feliz Lis por você, afinal todos merecem ser
amados.
- E vocês por um acaso não viram meu tio por aqui?
Eu o perdi de vista. – Acho que caiu a ficha da minha
amiga que algo muito estranho tinha acontecido, mas
mais uma vez antes de falar Ana se contrapôs, e me
respondeu.
- Nós o vimos há pouco, disse que precisava ir. Acho
que estava se sentindo mal, saíram faz pouco tempo.
- Obrigada Ana. – Disse, colocando minha mão,
como sou muito estúpida, machucada no seu ombro. E
obviamente ela viu.
- O QUE ACONTECEU COM SUA MÃO? – Ela
precisava mesmo avisar todo mundo?

–141 –
- Nada Ana, um acidente com uma taça. Bom eu vou
indo.... Indo atrás do meu tio, até mais.
E saí correndo em direção às escadarias da entrada,
porém infelizmente acho que Ana chamou muita
atenção e senti os passos de seus saltos atrás de mim. –
Olha Clara eu não tenho tempo de parar e explicar e
não vou olhar para trás, porque eu conheço seus passos.
Sim você está certa sobre o que você está pensando, e
não vou explicar agora. Fica aí e depois e volto para
você tudo bem? – Os saltos foram diminuindo o passo
até parar e eu ouvi algo como, tudo bem amiga.
Cheguei ao jardim da frente quase sem ar, as luzes
da estrada eram poucas não conseguia ver muito, além
de árvores e vários carros estacionados. Esses carros
estavam ali o tempo todo? Nossa como eu sou
desatenta, falando nisso desviei do meu objetivo. Então
escuto uma voz masculina de algum lugar que não sei
de onde vem, e eu não consigo assimilar quem é porque
eu estou apavorada. - Lis?
- Lis porque você correu para o escuro, está tentando
bancar a corajosa nesse breu? – Corajosa, será ele?
Como ele ousa?!
- Quem é você para falar de coragem seu
desgraçado? Você acabou com a minha vida!
Tem a cara de pau de no dia do meu aniversário me
surpreender com lembranças do passado e pisar em
cima de mim novamente, usando meu dia vulnerável?
Se você chama isso de coragem, quero dizer que nojo de
você!

–142 –
Então sob a luz fraca da estrada eu o vejo e minha
pernas ficam bambas, parecem duas gelatinas –
Felippe?
- É isso que você sentiu com seu aniversário? Então
você mentiu para minha frente de todos?
- Eu.... Não.... Pensei que fosse outra pessoa.
- Outra pessoa, o quer dizer com isso Elisa? Quem
mais está desgraçando sua vida no seu aniversário?
Eu ia explicar que era meu tio, a minha segunda
surpresa da noite. Mas então eu lembrei de sua ameaça
naquela varanda – “eu te asseguro que se tentar algo, eu
vou dar o mesmo destino de sua avó para sua nova família,
um pequeno acidente no seu aniversário. Aquele acidente há
8 anos foi culpa sua, você quer carregar mais um? Acho que
não!” – Eu sussurro um não, mais para mim que para
qualquer um.
- O que você disse?
Eu encaro aqueles olhos da cor do céu estrelado em
que eu me perdi inúmeras vezes nesses últimos meses,
e sua irmã, minha melhor amiga. Minha nova família, eu
não poderia deixar ele tirar isso de mim. E único jeito
seria eu mesma tirando. Eu posso me machucar, mas
ele não merece isso. Eu arranjei essa bagagem sozinha e
vou carregá-la sozinha.
- Você está certo.
- Como?
- Eu menti na frente dos outros porque eu não queria
estragar o momento.
- E o choro?
- Falso.
- Beijo?

–143 –
- Falso, tudo encenação.
- Eu não acredito, e o que sentimos quando nossos
lábios se tocaram? E não fale falso novamente, porque
se disser saberei que esses últimos três meses nada foi
verdadeiro.
Eu engulo em seco um choro, respiro fundo e com
toda a força que me restou daquela noite eu encaro seus
olhos mais uma vez. – Até que enfim você percebeu.
Até que você foi bem devagar Felippe. Foi bom
enquanto durou. Acho que eu vou voltar lá pegar
minhas coisas e....
- Você não pode estar falando sério! – Ele segura no
pulso da mão cortada para me segurar. – O que diabos
aconteceu com sua mão?!
Em uma briga, enquanto eu piso nele e sou a maior
filha da puta do mundo, ele para tudo para se
preocupar com alguns cortes com a minha mão, eu vou
para o inferno direto. Como eu não respondo, ele soltou
meu pulso com a machucada e fala á minhas costas.
- Eu te amo Elisa, você consegue me olhar nos olhos
e me dizer que não sente o mesmo? – Caralho, ele podia
me perguntar tudo, tinha que ser uma declaração? Eu
não respondi a isso a nenhum homem, mas tenho medo
de olhar aqueles olhos e sentenciar me. Eu não posso
olhá-lo.
- Não.
- Fale isso olhando nos meus olhos, mostre-me que
tem coragem. – Olha a tal da coragem aí de novo. Vou
mostrar minha coragem, fazendo a coisa mais difícil do
mundo. Eu não sei como ou de onde eu tirei forças para
encará-lo e dizer aquelas palavras, mas tenho certeza

–144 –
que senti meu corpo me trair, meus pulmões arderem e
meu coração despedaçar.
- Eu não te amo Felippe, e nunca amarei porque para
mim você era só mais um cara no bar, mais uma pessoa
que eu dormi, conversei e beijei. Obrigada pela estadia.

–145 –
Eu corri sem pensar em direção a casa, eu só queria
pegar minhas coisas e sumir dali. Eu queria sumir de
mim mesma, mas isso não era possível infelizmente.
Enquanto corria não vi que vinha outra pessoa em
minha direção e bati com ela frente, e quase caindo uma
em cima da outra por pouco. – Lis onde você ia com
tanta pressa?
- Embora.
- Como assim? Por quê?
- Não posso explicar agora Clara, eu só preciso ir.
- Tá, mas antes vamos avisar o Fe, você o viu? Ele
saiu correndo atrás de você igual um louco e
desvairado.
- Amiga eu estraguei tudo, eu.... Você me perdoa?
- Te perdoar pelo que?
- Eu machuquei ele, não existe mais nada, me descul
- cul – pe.
- Quem está machucado? Por que você está
chorando? Elisa eu não estou entendendo
absolutamente nada.
- Ele disse que me a – ama!

–146 –
- Isso é bom... – Ela me olhava confusa, assim que vi
minha amiga meu corpo explodiu e eu não consegui
mais segurar as lágrimas dentro de mim, eu mal
respirava. – Não é?
- E então eu disse para ele que ele era só mais um
cara, que eu nun – nunca senti – ti nada por e – ele.
- Mas essa é a coisa mais absurda que você falou na
sua vida, uma mentira sem tamanho!
- E – eu sei.
- E eu não vou.... Espera aí, se você sabe por que
disse isso?
- Preci –ciso. Em – bora, a – agora.
- Ok, só vou pegar suas coisas e dar uma desculpa lá
dentro. – Ela se virou para ir, mas antes voltou e me
segurou pelos ombros.
- Você não saia daqui entendeu? Tudo vai ficar bem,
iremos resolver isso, juntas. – Ela prendeu seu
minguinho no meu e balançou, como um juramento.
- Sair daqui? Eu mal sei como estou em pé. Ficar
bem, como ela é otimista, como algo vai ficar bom se eu
estou envolvida? Dar um jeito juntas, será que eu
deveria contar a ela? Ela vai se achar merecedora e com
certeza não irá ligar se tem perigo ou não no meio,
talvez eu tenha que mostrar que minha avó estava certa
e meu tio totalmente errado. Eu tenho coragem e muita,
eu só tinha escondido ela com a minha insegurança.
Mas hoje eu desenterrei ela e vou usar até o último
resquício.
- Pronto voltei, vamos para o meu carro. – Ela me
acompanhou até o carro e entramos na estrada de areia
que me trouxe aqui, olhei a casa iluminada de longe, e

–147 –
pensar que algumas horas atrás eu me sentia feliz e
ansiosa por entrar nela e agora eu só sinto tristeza e
repulsão. - ... então eu disse para Ana tomar conta de
tudo, e elas nem ligaram de eu dar a desculpa de que a
gente saiu porque você acabou brigando com seu tio.
- Não é uma desculpa, é o que realmente aconteceu.

Depois de colocar o Sam na cama de hóspedes da


Clara, tomar banho, colocar uma camiseta extragrande,
que me cabia quase como um vestido confortável com
um chá na mão. Minha amiga igualmente descansada
de calça de pijama xadrez larga e uma regatinha se
senta no sofá ao meu lado e se vira para mim. – Estou
aqui amiga, me diga o que raios aconteceu na sua festa.
E não ouse me esconder nada porque eu vou saber.
Após contar tudo que ocorreu, minha amiga toma
um generoso gole do seu chá e vejo que ela chorou e
seu rosto está vermelho de raiva, eu a entendo. – Então
é por isso que você nunca foi fundo em nenhum
relacionamento?
- Sim.
- E o que você disse ao meu irmão foi tudo mentira
para proteger a mim e a ele?
- Sim.
- E você me diz que foi covarde ao mentir para ele?
- Sim.... Eu deveria ter dito a verdade não acha?
- Claro, mas você foi corajosa por tudo que suportou
para dizer aquilo amiga.
- Obrigada.
–148 –
- E mais uma coisa, onde está aquelas páginas
desgraçadas?
- Aqui. – Eu as tirei da minha bolsa e as entreguei a
ela.
- Você…você me deixa ler?
- Deixo amiga, eu vou lhe contar tudo, eu lhe
prometi certo? Mas somente se você estiver disposta
entrar nessa merda atolada que estou. E te digo com
toda certeza, que depois que ler isso não há volta,
porque essa é parte mais suja e asquerosa.
- Eu quero, você não tem que lutar sozinha amiga, eu
estou aqui agora e sempre.
Segurando minha mão machucada e na outra os
papéis do meu diário, seguimos em um silêncio, até
seus olhos passarem pelas últimas palavras escritas por
mim aos meus 10 anos. Houve mais lágrimas, abraço,
carinho, mais minutos silenciosos e muito acolhedores.
Respirei fundo umas três vezes e me levantei. – Você
tem razão, eu não fui covarde, mas eu deveria ter dito a
verdade e é o que eu farei agora.
- Agora?
- Sim.
- Você não quer esperar mais algumas horas?
- Não posso, tenho medo de perder a coragem e ele
junto.
- Bom, você quer a chave do apartamento dele?
- Não, não ultrapassarei mais limites a partir de hoje.
- Certo, e ele com certeza vai ouvir.
Coloquei um casaco e peguei o All Star da minha
amiga e as chaves do carro. – É.... Amiga?
Sim?

–149 –
Boa sorte. – Eu sorrio e saio pela porta atrás da
melhor coisa que me aconteceu.

–150 –
Eu estaciono o corbie azul da minha amiga em um
extremo da rua, vejo o horário no painel do carro
marcando 6:04 a.m. Aperto meu casaco contra meu
corpo e atravesso a rua em direção ao prédio azul e
cinza a minha frente, sou seguida por uns raios de sol
que teimam em sair na manhã nebulosa de Seattle.
Passo pelo porteiro que mal me olha e abri o portão,
enquanto falava sem parar no telefone. O cara me
deixou entrar sem nem me olhar, e se fosse alguém
perigoso? Como o Tiago, Felippe tem que saber que não
está sempre seguro ainda mais agora que entrei na sua
vida. Pensando em tudo que eu o disse há algumas
horas naquele breu enquanto o elevador vai chegando
no andar do seu apartamento só consigo imaginar será
que ele vai querer me escutar? E se ele não abrir a
porta?
Bom eu vou falar, mesmo que seja com a porta na
minha cara ele vai me escutar, mesmo que não me
perdoasse, ele precisava saber onde tinha pisado
quando eu o trouxe para minha vida, eu devo isso a ele.
Ao chegar à porta com o número 690 eu bati uma,
duas, três vezes e nem um sinal de que fui escutada.
–151 –
Toquei a campainha umas cinco vezes e nada. – Felippe
por favor é importante! Eu sei que a última coisa que
você quer é ver minha cara nesse momento, mas eu
preciso falar algo muito importante.
Nada, nenhum sinal, nenhum movimento. Eu estava
começando a me sentir assustada, o que aconteceu? Por
que eu ele nem ao menos se mexe? Parece que a casa
está vazia por dentro. – VOCÊ TEM QUE OUVIR! É....
importante. – Digo batendo sem parar na sua porta.
- Mas que diabos está acontecendo aqui? – Me viro,
para a voz melosa as minhas costas, ali há uma mulher
de uns 25 anos, ruiva com o cabelo curto e um penhoar
de seda enrolado no corpo me olhando atentamente.
- Eu.... Desculpe, é que eu preciso falar com ele é
muito importante.
- Bom eu acho que você não vai conseguir.
- Você não entende, ele está correndo perigo!
- Perigo? Por quê?
- Não posso falar, você poderia só me ajudar? Eu só
preciso de alguns minu...
- Desculpe moça, mas não posso fazer nada. Ele foi
embora.
- Embora?
- Sim, há algumas horas, com mala e tudo. Parecia
estar com pressa e muito nervoso. Sinto muito.
- Tudo bem. – Eu falava no automático não
acreditando no que que aquela linda moça tinha
acabado de me falar. Eu vi que ela me desejou boa noite
com um sorriso carinhoso e fechou a porta da sua casa e
me deixou naquele corredor escuro e silencioso.

–152 –
Parece que a escuridão novamente me surpreende
com um abraço apertado e doloroso. – Ele se foi.

–153 –
Eu a segurava por um momento toda feliz sorridente
e vibrando e no outro aqueles olhos castanhos
esverdeados encaram os meus com desdém e recebo a
primeira facada da noite – “Até que enfim você percebeu.
Até que você foi bem devagar Felippe. Foi bom enquanto
durou.”
Eu fui devagar? Ela me enganou esse tempo todo
com seu jeito livre e preocupado, com seu sorriso
encantador, seu corpo sedutor e viciante. Eu não podia
acreditar, então a puxei de novo para mim e então veio
o segundo golpe da noite e o que eu menos esperava,
não da minha Lis. – “Eu não te amo Felippe, e nunca
amarei porque para mim você era só mais um cara no bar,
mais uma pessoa que eu dormi, conversei e beijei. Obrigada
pela estadia.”
Só mais um cara qualquer, igual a todos os outros.
Não foi nada mais que uma aventura, um tira gosto em
um grande jantar, um aperitivo a tantos os outros. Uma
estadia barata e acomodável, eu me senti usado e

–154 –
devastado por dentro. – “Eu não te amo Felippe, e nunca
irei amar…” – Nunca? Porque eu não consigo acreditar
no que sua boca me diz, por um minuto sinto que seus
olhos me dizem outra coisa, mas não consigo descobrir
porque do nada ela some e tudo à minha frente vira
fumaça e a minha frente agora há muitas cadeiras
confortáveis, moças empurrando bebidas em seus
carrinhos e ouço uma voz ao fundo de uma mulher,
calmamente dizendo: Atenção passageiros que irão
para Fortaleza, só iremos pousar em três horas, até lá eu
e minha tripulação estamos aqui para sua
disponibilização e desejamos uma boa viajem,
obrigada.
Eu estava sonhando, não isso não era um sonho. Era
um pesadelo, agora eu deveria estar enrolado na cama
com essa mulher dando mais prazer a cada segundo, e
ao contrário do que imaginava para essa noite eu tive
que adiantar minha viagem ao Brasil e sem entender
nada do que aconteceu, totalmente atordoado.

–155 –
DOIS MESES DEPOIS

Olho no relógio, 23h20min. Ok Lis só mais quarenta


minutos e você pode ir buscar Sam na casa do And, e
dormir até às 8 horas da manhã, ou até um paciente me
chamar. – Eu sempre torço que eu possa dormir até o
dia seguinte, mas isso raramente acontece.
- Quantas horas já Lis?
- 36 horas e contando, Bella. – Bella era a médica
mais casca grossa do hospital, porém minha melhor
amiga ali dentro. Se não fosse ela, acho que já tinha
explodido, matado todos meus residentes, ou até
desistido.
- Foi o que pensei, você parece morta. Mas antes de
fugir para sua caminha, tem uma moça que você vai
olhar, para checar os sinais vitais e os exames que
chegaram.
- Ok, você viu a Dra. Schwartz?
- Última vez foi a 4 horas, na sala de cirurgia.

–156 –
- Vou bipar ela.

Estava passando as informações para Ana, quando a


vi de escanteio se esgueirar na soleira na porta, com um
sorriso travesso. – Ela ia me pedir algo, com certeza.
- Então Ana, faça exames a cada 10 minutos, para
checar se ela não desidrata, e se tiver alguma
emergência você me chama.
- Ok.
- Quando eu digo emergência, quero dizer algo
impossível, fora do controle, algo só eu possa resolver,
pois eu preciso dormir nem que sejam umas 5 horas,
entendido?
- Sim Elisa, vá descansar, ou não - ela diz a última
coisa olhando e rindo da cara de pidona da Clara.
- E você Srta. Evans, o que vai me pedir?
- Oi minha médica favorita, nossa me senti ofendida
porque essa pessoa linda acha que quero pedir algo? -
Vejo a chave do seu carro na mão, e aquele sorriso de
súplica. Uma carona. – Para onde? Pergunto.
- Empresa.
- Há esta hora? Arquiteto agora faz plantão?
- É uma comemoração. – Ela não está falando tudo,
não entendo por que, mas tem algo muito estranho
nisso. – Não me encara assim, é que....
- Que...??
- O Fe volta hoje, e antes que você recuse ir comigo.
Preciso de você, minha mãe vai estar lá também.
- Felippe? Ele não quer me ver, lembra? E mais
importante, ir? Amiga eu estou destruída.

–157 –
- Pensei que ia falar isso, mas se você for. Estou
disposta a assistir maratona de séries, sem intervalo.
- Nossa você está desesperada, porém amiga, você
sempre dorme. Então não obrigada, vou ficar com minha
caminha.
- Se eu dormir, pego o Sam no colégio, e te pago uma
rodada de tequila e Starbucks por uma semana.
- E...?
- Você quer mais?
- E.... Você vai voltar a cantar.
- Mas isso não tem nada a haver com. – Ela percebe
que eu continuo esperando sua resposta. – Tá bom
cacete! Mas somente para poucas pessoas, você me
entendeu?
Pego à pelo braço e vou com ela até o elevador, ela
me encara assustada. – Está me olhando assim por quê?
Você pode achar meio anormal, mas faz 12 dias que não
sei o que é parar, respirar e beber tranquilamente.
Sendo assim vamos.

–158 –
- Lembre-me de novo, o que exatamente estão
comemorando lá em cima? – Estávamos no elevador do
prédio, tive que me virar para parecer apresentável.
Peguei uma regata preta social que tinha deixado no
carro, fiz um coque e me virei numa maquiagem básica,
eu já estava com uma calça flare cor caramelo e um
saltinho preto.
- A volta do meu irmão, que caiu no mesmo tempo
da social que fazemos todo mês, para comemorar os
aniversários. Sendo eu dona também, e a pessoa que
deveria ter recebido ele, estou muito atrasada. Porque
ele já está lá, e quem o recebeu foi à mamãe.
- Ok, vamos lá, boa sorte.
- Você também vai precisar meu bem.
Disse Clara e passou do elevador em direção às
pessoas. Ela era muito bem-vinda pelos funcionários e
colaboradores ali presente. E do nada minha amiga foi
parada por outras pessoas, nossa nem deu tempo de ela
chegar ao meio. Ela pediu para eu me controlar, tudo
bem. Respira, inspira, foque em outro lugar.... Vejamos.
Passei meus olhos pela sala principal, mas por mais
que eu quisesse continuar o tour, eu incrivelmente não
–159 –
mando nos meus olhos, eles o avistaram. Estava com
calça social, camisa branca com os primeiros botões
abertos, deixando amostra um pedaço de seu peitoral. –
Que acompanhava uma barriga deliciosa para tomar
champanhe, e depois dessa barriga vinha também
aquele delicioso e. – Não Elisa, foca no tour. Pelo jeito
também não mando nas minhas bochechas, pois sinto-
as queimar, e sinto um calafrio diferente quando o vejo.
Isso não é um calafrio, é um calor – Nossa senhora da
lingerie, me ajuda porque acho que vou precisar de
outra peça de baixo, se meu corpo continuar a me trair
assim.
Por mais que meu corpo esteja contra mim, ainda
sobrou meu estômago, e fome sempre ganha. Vi um
coffee break a direita um pouco antes de Clara e uma
senhora. – Olá frituras, olá meu amor, senti sua falta
café preto. Terminei meu lanche, e resolvi tomar
coragem, e cumprimentar essa tão famosa mãe.
Ninguém pode ser ruim assim por tanto tempo certo?
Afinal já faz oito anos.
Olho por cima do ombro e tem uma senhora
conversando com a Clara, suas feições já de uma
mulher cansada pelo tempo, com bolsinhas nos olhos
parece o próprio Alvo Dumbledore, os mesmos olhos
de Felippe e o cabelo marrom dourado de Clara - Dona
Sophia, ou como Clara costuma falar, minha mãe de
bipolaridade constante. Vou me aproximando devagar,
sem elas perceberem, mas quando escuto o estalo,
apareço entre as duas como se tivesse propulsores em
meus pés. - A senhora ficou maluca? – Sra. Evans me

–160 –
olha como se eu acabasse de chamar para uma briga,
apesar de que se ela não se conter, estamos quase lá.
- Maluca é você, por se meter em assuntos familiares,
me deixe, que da minha filha cuido eu. – Que afronta
essa mulher, estralar sua mão na cara da Clara na festa
da empresa, e ainda exige que eu as deixe. Só por Deus.
- Senhora Evans, vou pedir gentilmente que controle
você e sua mão, pois se voltar a se rebelar, garantirei
que sua presença seja dispensável.
- Como ousa pensar em me enxotar do prestígio da
empresa do meu filho? Quem é você para ter tal poder?
Chefe da segurança? 1º dama? Rainha Elizabeth? – E
pensar que ela quase foi minha sogra, obrigada passado
nebuloso. – Foi o que eu pensei, agora se me dão
licença.
- Ela se virou bruscamente de costas para mim, e foi
em direção aos empresários. – Amiga se essa é sua mãe,
quem é Lúcifer?
- Como esta meu rosto? – Minha amiga está quase
transbordando suas lágrimas quando a empurro para
um escritório. Tem uma mesa de madeira cor caramelo
acompanhada de uma cadeira de couro, em sua outra
extremidade há uma mesinha com café e bebidas, e ao
lado gaveta com vários arquivos, o lado que daria para
fora do prédio é todo espelhado em janelas,
conseguindo uma visão linda da lua cheia no céu de
Seattle. – Está vermelho tipo muito blush? Ou vermelho
como se a Ale tentasse passar batom na minha boca?
- Está vermelho tipo.... Um tapa na cara. O que foi
aquilo? E por que você não reagiu?

–161 –
- Eu juro ela não é sempre assim, na verdade ela só se
altera assim quando algo não está exatamente como ela
quer. Porque tirando esse detalhe, ela é a mulher mais
querida desse mundo. – Endireitei meu corpo, e olhei
como se diz, tá bom que eu acredito. - É sério! Ela é um
amorzinho depois que você conhece, e depois que você
é uma filha perfeita que casa com um homem, e tem uma
vida normal.
- Ela te bateu por causa da sua sexualidade, e por
que resolveu esperar para ter crianças? Pensei que já
tivemos virado essa página.
- Eu também pensei. Não reagi porque, é minha mãe.
O que eu iria fazer Lis, abrir um berreiro na festa da
empresa? Arregaçar as mangas e levá-la para o ringue?
Comecei a refazer sua maquiagem com um pó,
batom e rímel, e muito papel que por sorte tinha na
mesa de café. Porque Clara tinha mais água naqueles
olhos do que quando assisto a Greys Anatomy. Okay
talvez eu tenha exagerado um pouco, mas venha
arrumar a maquiagem num chuveirinho, que a gente
conversa. – Amiga inspira e respira bem devagar, sei
que é bom chorar e que sempre falo que: “melhor para
fora do que para dentro”. Mas neste momento, vamos ter
que engolir esse choro, porque não consigo trabalhar
num rosto molhado, e principalmente o prestígio da
empresa sua e de seu irmão, está a sua espera.

–162 –
Alguns minutos depois eu estava linda e pronta para
mostrar meu trabalho para todos que estavam ali, mas
principalmente pra mulher que duvida em alguém que
tenha uma relação bissexual, não possa se tornar uma
pessoa bem-sucedida.
Falei para Lis que não sabia por que não reagi, mas
foi apenas que eu não esperava aquilo – “se fosse mulher
mesmo, você estaria tendo relacionamentos com pessoas do
sexo que deve ser somente para mulheres: homens” “mas mãe
você não enten...”. – O tapa veio antes de eu terminar de
falar, logo depois de sentir o estalo. Eu a ouvi falar
quase em um sussurro – “Você não é minha filha, minha
filha não...” - Mas ela não pode terminar, pois tão rápido
quanto tapa, minha amiga estava entre nós, não ouvi o
que ela disse só senti as lágrimas correrem pelo meu
rosto.

Meu irmão sorria ao lado de um ou outro


empresário, depois que voltou de sua viagem – que na

–163 –
verdade na minha opinião foi uma desculpa para
superar o chute na bunda que ele ganhou. E ainda por
cima me deixou cuidando de tudo, e praticamente
sozinha. - Trouxe muitos clientes, dos mais variados
tipos.
Nós reconstruímos juntos a ART&DESIGN, depois
de minha mãe ter deixado na mão de Felippe, pois
segundo ela já estava mais do que na hora de os filhos
pegarem o trabalho duro. Nem dava para acreditar que
uma pequena empresa, a partir de um arquiteto recém-
formado, e uma estudante, aspirante a estagiária,
poderia virar uma das mais conhecidas de Seattle.
Agora que estávamos para comemorar a volta do meu
irmão, e o trabalho duro até agora, me sinto ainda mais
feliz e orgulhosa de mim mesma, e do caminho que tive
que seguir.
- Onde você estava maninha? – Ele dizia entre
dentes, ao mesmo tempo em que sorria.
- Tive um.... Imprevisto, mas já resolvi.
- Ele virou os olhos ao redor da sala principal, onde
nossos funcionários estavam comemorando entre si e
conversando. Ele parecia estar procurando algo, mas
obviamente ele já sabia antes mesmo de vê-los. – Dona
Sophia já está causando tumulto?
- Felippe já te disse, está tudo sob controle.
- Não. Você me disse que você tinha resolvido. Isso
significa que nada foi resolvido, porque ela não dá
ouvidos a você, porque ela é. Negligente com sua
escolha – Negligente? Jura? Dói tanto para a minha
família dizer que o nome disso é PRE-CON-CEI-TO?

–164 –
- Então se ela não está em cima de você, o que disse a
ela? “Oi mamãe, agora eu namoro homens, e resolvi ser uma
coelha e ter milhares, milhares não, bilhões de filhos.”?
- Mas nem morta, eu amo quem sou, e não vou
mudar nem pela minha mãe, nem por ninguém. Ela
aceite ou não. Foi a Lis. – Ele estava rindo do bico que
eu tinha feito pela sua imitação de mim mesma, mas
quando mencionei a Doutora Ferraz, foi como se eu
estalar o dedo e ele estivesse no meu comando. Uau!
- Elisa está aqui?
- Sim, alguém tinha que me dar uma carona, depois
que o bebê morreu a bateria. – Eu chamava meu carro
assim, porque ele estava comigo desde os 16 anos, firme
e forte. Ok não tão forte assim.
- Eu volto de viagem, e você me recebe com a mulher
que me quebrou em todos os pedaços possíveis? E você
me disse que tinha uma surpresa boa para mim, se essa
for à boa. Como seria uma ruim?
- Não seja tão dramático, ela não vai te comer vivo. E
caso você se assuste fica debaixo da asa da mamãe.
- Que? Por quê?
- Lis é a primeira mulher depois da vovó que teve
coragem, de encarar de cabeça erguida Dona Sophia, e
saiu ilesa.
- E você ainda me diz para eu não me preocupar com
ela? – Tive que morder a bochecha para conter a risada,
pela reação de Felippe e sua cara de assustado.
Puxei o pelo braço, e fomos cumprimentar os
funcionários, e parabenizá-los pelo trabalho.

–165 –
–166 –
A noite passou mais rápido depois dos
acontecimentos com Clara e sua mãe, tudo parecia
correr bem. Inevitavelmente tive que me apresentar,
sabia que não podia me refugiar na mesa de coffee
break por muito tempo. – Na verdade estou me
escondendo, ou mantendo distância ainda de alguém,
não é medo.... É só que meu corpo não me obedece em
sua presença e não estou com forças o bastante para um
momento assim.
Preciso achar Clara, e me despedir, estou exausta, e
já tive demais para um dia. Sorrio gentilmente
enquanto tento me desvencilhar de um grupo de
gestores que dizem estarem interessados no meu
trabalho, mas mal sabem eles que onde eles estudam eu
dou aula. Se estivesse no mínimo interessados no meu
trabalho, prestariam atenção nas minhas palavras e não
na minha boca, ficaria ereto – e não encostaria sua mão
“sem querer” na minha bunda mais de 5 vezes –

–167 –
Rapazes se me dão licença, preciso achar a Srta. Evans,
tenho assuntos para resolver.
- Fique conosco mais um pouco, adoro ouvir sobre
seu trabalho.... – Ele para pôr um minuto, acho que ele
não sabe o que falar, sua cabeça está baixa olhando
fixamente para algo, sigo seu olhar. – Nossa, minha
regata, como.... Me deem licença, por favor, preciso....
- Se vestir? – Ouço sua voz rouca, parecia quase
engasgada, não vou virar agora. Apesar de que já me
viu nua de todas as formas possíveis e Imagináveis.
Coloco minha mão debaixo do meu braço segurando o
rasgo e vou em direção a alguma porta, nem sei onde
estou indo, só sei que não posso encará-lo. Abro uma
porta qualquer e quando estou prestes a fechá-la ele
coloca o pé na soleira da porta impedindo que ela se
fechasse, entra batendo a porta e me encarando.
Ergo a cabeça para encarar ele, e puta que pariu ele
tinha que estar tão delicioso assim? Brasil não podia
virar o Alasca, pelo menos no tempo que ele estava lá.
Só para ele não voltar com um bronzeado que podia ser
observado por sua camisa aberta, e meu Deus ele está
mais musculoso? – Eu definitivamente vou fazer a
Clara assistir no mínimo três vezes senhor dos anéis
comigo.
- O gato comeu sua língua Dra. Ferraz?
- Anda comendo línguas agora, Sr. Evans? – Sua
mandíbula endurece, e me encara com um olhar furioso
e.... Melancólico?
- Não como carne podre. – Mas como ele se atreve.
Quando ergo o braço para empurrá-lo ouço um barulho
da costura se desfazendo. Minha blusa! Tinha

–168 –
esquecido de como tinha vindo parar aqui, ela de
alguma maneira descosturou na lateral da regata, e
agora com o aumento do rasgo, se eu tirar minha mão
da roupa meu peito direito ficaria à mostra. – Estilo
novo?
- Gostou? Seus funcionários por mais um pouco já
estariam saboreando a imagem.
Ele certamente não gostou do meu comentário, pois
colocou a mão em cima da mesa com uma tensão que as
bebidas tremeram quando sua mão entrou em contato
com a mesa. Ainda consigo afetá-lo, será que então que
ele não me odeia? – O que a coitada da mesa o fez? Eu
sei que você é dono da parada toda, mas acho que a
pessoa vai querer sua mesa inteira de manhã.
- Essa mobília é forte Doutora.
- Se continuar estapeando-a com esse peso do seu
corpo delicioso, acho que talvez não. – Falo mais para
mim mesma que para ele, mas acho que infelizmente
ele ouviu porque agora me encara com um sorriso de
quero mais.
- O que você disse?
- Nada do seu interesse.
- Duvido muito. Você agora entende algo de mesas?
- Não. E você entende algo de roupa?
- Certamente que não.
- Então pode se retirar, que eu tenho uma roupa para
costurar. – Ele vira, indo de encontro com a porta, mas
para e, vira-se para me encarar me com seu sorriso
divertido. – Não, obrigado, estou apreciando à vista....
- Não sou paisagem para ser vista apreciada, saia
daqui, AGORA!

–169 –
- ...a vista do MEU escritório, estou olhando Seattle
através deste seu corpo que, infelizmente, ocupa uma
parte da vista. Caso quiser, pode se retirar e arrumar
sua roupa em outro lugar. Pois não sairei da minha sala.
Percebo que a sala que entrei é a mesma que eu
arrumei a maquiagem da Clara a uma hora atrás.
- Você não se atreveria. - Ele se apoiou à na mesa de
bebidas, cruza as pernas e fica encarando minha cara
brava e estática. Então ele vai realmente ficar?
- Tudo bem Sr. Evans, dois podem jogar esse jogo.
Mas vou lhe avisar nesse jogo você não saboreia, só
passa vontade. Bom Apetite! – Tiro minha mão que
segurava o tecido rasgado, meu seio direito aparece, ele
aperta mais a mesa e tenta, sem sucesso, olhar Seattle.
- Tinha esquecido como você pode ser desafiadora e
teimosa.
Tiro um kit costura da minha bolsa, vou atrás de
uma linha reta e agulha. – Então me deixe refrescar sua
memória, meu querido. – Peguei a ponta do fio preto,
coloco e passo lentamente na minha língua, para
umedecê-los. Como previsto seus olhos estão guiando
meu movimento – Então para um aprendizado futuro,
você pega, lambe, se não entrar, lambe de novo e enfia
devagarinho. - Paro bruscamente o que estou fazendo
para encará-lo.
- Você poderia, por favor, acender à luz? Preciso
enxergar o buraco.
- A lua parece estar fornecendo uma bela luz, use-a. –
SÉRIO? - A, vamos lá, você já foi mais competente.
Tiro meu celular da bolsa, ligo a lanterna, e o apoio
na mesa, virando-o mais para o lado da janela para que

–170 –
eu fique de costas para a vista e praticamente de frente
para ele. Inclino-me ficando na frente daquela luz, meu
corpo está praticamente em forma de L, apoiado na
mesa. Abro um pouco as pernas para me gerar um
apoio, mas empino um pouco a bunda só para a vista de
Seattle ficar mais límpida, e então foco em colocar a
linha naquele buraco minúsculo da agulha.
Sinto seu olhar sob mim, sob meu corpo. Ele não diz
uma só palavra, ouço engolir seco de tempos em
tempos, mas continua calado. Apenas observando.
Consigo colocar o fio na agulha, e me viro bruscamente
em sua direção, ele não esperava isso então não se
mexe. Coloco a agulha na sua mão, e tão rápido quanto
virei tiro minha camisa deixando meus dois seios a
amostra. Pego a agulha de sua mão, sento-me à mesa e
cruzo as pernas, estico meus braços a favor da luz da
janela e começo a costurar.
Ele olha para o pulso direito rapidamente e me
encara, fala com um tom preocupado. – Nossa, eu
prometi falar sobre as novidades do Brasil para os
funcionários.
- Então acho melhor você se apressar – falei, mas
continuo minha tarefa, sem encará-lo totalmente. Sei
que ele está esperando que eu o olhe para sair correndo
por aquela porta.
- Sim. Foi bom revê-la.
Ele abre a porta e o barulho de fora invade a sala,
antes de ele sair completamente, falo seu nome quase
inaudível, não esperava que escutasse. – Felippe.... - Ele
se vira no mesmo momento com os olhos cheios de algo
que não consigo entender. – Xeque mate!

–171 –
Ele me olha com ternura e sorri. – Então é minha vez
de jogar.
- Mas você está fugindo, então acredito que ganhei.
- Não querida, vamos continuar esse jogo, até a
próxima Dra. Ferraz.

–172 –
Depois de costurar minha roupa e vesti-la, ligo para
Kiara para saber se Samuel já dormiu e está bem em sua
casa. Quando estou quase desligando a ligação, Clara
aparece na minha frente e parece estar com pressa,
muita pressa. – Amiga você pode me emprestar seu
carro um minuto? É urgente.
- Claro. Na verdade, eu já estava de saída. Eu posso
te levar onde você precisa e depois vou para casa. – Me
despeço de Kiara e coloco o celular no bolso.
- Certo, vamos para o hospital.
- Hospital? Por quê? Alguém deu PT? – Rio de algum
funcionário todo torto de álcool em uma simples
confraternização da empresa.
- Não tem graça Lis. – Mas ela também ri. – Não é só
isso, a mulher do cara que está quase morrendo nos
cantos do banheiro, estourou a bolsa, ela está grávida!!
- Meu Deus, isso que eu chamo de uma festa com
emoção.
Eu, Felippe, Clara e mais uns caras levamos o casal
para o meu carro, porém quando chegamos a porta
principal está caindo uma chuva torrencial lá fora e
nenhuma condição de seguir caminho. – Aí meu bom
–173 –
Deus, eu vou ter esse bebê aqu.... AAAAAAA QUE
CONTRAÇÃO DO CARALHO FOI ESSA!?
- Beber? Alguém falou em beber? Eu quero. – Dizia
seu marido quase vesgo de bêbado ao seu lado, sendo
segurado por Felippe e um homem negro alto, que
parecia se chamar Adam.
- Certo. Clara você traz o carro aqui na frente eu fico
aqui com a. – Ela diz baixinho Natalie. O nome da
minha mãe, fico emotiva por uns segundos e depois me
volto para ela. – Com a Natalie.
- Certo, eu volto em alguns minutos, não saiam daí! –
Como se alguém estivesse na posição de se mexer.
- Natalie minha querida, eu sou médica então pode
ficar tranquila quando lhe digo que esse bebê vai nascer
saudável e seguro em um hospital, ok? – Ela só
confirma com a cabeça, soltando outro grito
descomunal de dor. - Inspire pelo nariz e respire pela
boca, aperta minha mão em todas as contrações se
precisar, eu estou aqui com você querida. Vai dar tudo
certo.
E como prometido Clara estava no banco do
motorista se esticando para abrir a porta da frente, onde
coloquei Natalie, enquanto Felippe e Adam, tentavam
colocar o marido bêbado no banco de trás. Então ele
vomitou no meu tapete e em si mesmo e os homens o
colocaram para dentro fechando a porta do carro.
Clara olhou para trás e viu a situação do meu banco
traseiro e me pediu desculpas. – Tudo bem, só leva
Natalie para o Hospital e me dê notícias. -E então eles
sumiram no meio daquela cortina de chuva forte e
trevosa.

–174 –
Adam se despediu e Felippe o agradeceu, eu fui
pegar meu celular na bolsa para chamar um Uber para
casa, mas não encontrei nada, porque minha bolsa
estava com Clara, no mesmo lugar que estava meus
documentos, celular e as minhas chaves. – Droga, como
é que eu vou embora agora?
- Eu posso te levar se quiser, Elisa certo? – Me viro
para o homem negro e esbelto que estava nos ajudado a
pouco, com um sorriso pela carona oferecida.
- Eu adoraria Ad....
- Não precisa Adam, eu a levo é caminho para mim.
– Felippe o interrompe bruscamente e me olha por uns
segundos e depois se despede de Adam. O caralho que
é caminho, ele mora quase uma viagem da minha casa,
daria para fazer dois partos tranquilamente com o
tempo de corrida!

–175 –
- Caminho para você então? Você se mudou depois
que voltou do Brasil? – Ela me perguntou com ironia.
- Não.
- Foi o que imaginei. – Seguimos em um imenso
guarda-chuva até meu carro, mesmo assim nos
molhamos, porque aparentemente a chuva de Seattle
parecia vir na diagonal de baixo para cima, devido ao
vento forte. Nos aconchegamos no carro, ligo o som e
sigo viagem para sua casa.
- Felippe não posso ir para casa.
- Por que não?
- Porque as chaves da minha casa estavam na bolsa
que a Clara levou.
- E onde você iria se Adam te desse carona? – Parece
que o conceito de só mais um cara, uma trepada continua.
- Você não me deixou terminar de falar com ele, mas
eu ia negar e pedido telefone emprestado para um
Uber.
- Para onde?

–176 –
- Hospital.
- Mas você não acabou de vir de lá?
- Sim, mas eu não tenho muitas opções entende? Não
vou incomodar Kiara a essa hora novamente.
- Eu a encaro por um minuto sob a luz vermelha do
semáforo, seus olhos estão quase fechados e suas
expressões notavelmente cansadas. E eu tenho absoluta
certeza que se eu a deixar lá ela não vai voltar tão cedo
para casa quanto quer. – Há quanto tempo que você
não dorme?
- Algumas horas.
- Quanto Elisa? – Ela me encara por um momento,
refletindo se é realmente uma boa ideia responder essa
pergunta. E depois de um tempo com a voz arrastada
ouço a dizer.
- Acho que quase 40 horas.
- CARALHO! Você não dorme faz DOIS DIAS?!
- Tecnicamente, somente amanhã as 8 horas da
manhã fará dois dias. E isso nem é muito sabe, eu posso
ficar mais se precisar. Mas meu plano é só achar uma
cama e dormir, tem isso lá sabe?
- MAIS? – Ela não está realmente pensando em voltar
e trabalhar, certo? – Nada de se precisar, você irá
descansar. E se não tem lugar, vou te levar para o meu
apartamento.
- Você vai o que?!

A chuva era tão intensa que tinha acabado a luz no


meu prédio até mais duas ruas para baixo, apesar de ter
–177 –
um gerador de emergência, a força não foi tão potente
para iluminar vários pontos de todo prédio e ainda
funcionar o portão da garagem. Então tive que
estacionar na rua e corrermos até a cobertura do prédio.
Por sorte ainda havia um elevador de emergência
funcionando, nos dirigimos a ele molhando o caminho
por onde passávamos e apertei o número 6, para seguir
até o sexto andar. Enquanto o elevador subia nos
encarávamos de vez em quando. Eu não sabia quem
estava mais encharcado, Elisa estava com a camisa tão
grudada ao seu corpo que era possível ver o formato de
seus seios nitidamente, seus olhos castanhos tinha um
verde mais nítido refletido na luz fraca do elevador e
sua boca entreaberta estava avermelhada e meio
inchada devido frio.
Ao chegar ao andar eu abro a porta no automático e
a vejo entrar na minha frente e tenho uma visão de suas
costas, suas curvas e sua calça colada em sua bunda.
Então ela se vira para mim e abre a boca para falar algo,
mas nada sai, eu a entendo nada sai da minha boca
também. Estamos há dois passos um do outro mas
parece que estou a quilômetros, sinto à vontade de
possuir cada parte do seu corpo, como se nada tivesse
acontecido entre nós, como se não estivéssemos dois
meses sem nos ver, como se aquela mulher a minha
frente sempre estivesse ali somente me esperando para
aquele único momento.
Em um passar de segundos meu corpo estava
praticamente colado ao seu, e eu olhei mais uma vez
aqueles olhos brilhantes e aquela boca vermelha e a
beijei, não foi um beijo carinhoso e terno. Foi um beijo

–178 –
forte e bronco, nossos dentes quase se chocaram, mas
ninguém estava ligando para detalhes. Então suas mãos
se fecharam em meu pescoço e em meu cabelo e seu
sexo apertou contra meu membro e eu senti que
poderíamos entrar em combustão ali mesmo, no meu
hall de entrada.
Eu ouvi um gemido fraco e baixo quando nossos
corpos se chocaram, foi como se algo se ligasse dentro
dela, ela passou suas mãos para trabalhar na minha
camisa branca porém sem muito sucesso devido ao fato
de ela estar grudada ao meu corpo pela a água, beijei a
mais uma vez, nossas línguas dançavam
incansavelmente. Peguei em sua bunda, apertando em
minha direção e ela enrolou suas penas ao meu redor e
fomos até meu quarto, ao chegar ao pé da cama ela
soltou as pernas e finalmente conseguiu desabotoar a
camisa, então a joguei de lado.
Ela estava abrindo sua calça para tirar – lá, enquanto
eu puxava sua camiseta um pouco para o lado e
roçando meu dedão em seus seios duros e arrepiados
pelo prazer, e quando ela estava quase chutando as
calças dos pés eu chupei o seu seio esquerdo e suas
pernas pareciam tremer por alguns segundos. Para seu
melhor conforto eu a deitei na cama, e antes de voltar a
beijá-la apreciei mais uma vez aquela bela vista na
minha cama, Elisa de calcinha rosa Pink e uma camiseta
colocada no seu corpo e seus cabelos espalhados pelos
meus travesseiros. – Apreciando a vista senhor Evans?
– Ela me lança um sorriso voraz e sedutor e respondo,
com mais beijos.

–179 –
Sua boca estava subindo cada vez mais rápido, agora
ele beijava e mordiscava minha coxa direita interna,
minha vontade era puxar a cabeça dele logo para o
meio das minhas pernas, e como se parecesse ler meus
desejos ele parou por alguns segundos para puxar
minha calcinha fina Pink de corações e disse – Espero
que não se importe, ela estava no meu caminho. – Então
sua língua passou da extremidade que havia beijado até
meu sexo, e sua língua passou lentamente e penetrante
em mim, e meu corpo todo se estremeceu com esse
toque quente. E antes mesmo de me recuperar, ele
desceu sua boca novamente para minha vagina e a
chupou, e meu corpo se levantou ao encontro da sua
boca, eu era uma bomba preste a explodir e não havia
nada que poderia evitar esta explosão.
Ele continua a passar a língua demoradamente para
dentro de mim enquanto seus dedos entravam e saiam
em um movimento frenético, esfregando seus dedos
pelas paredes internas do meu sexo com pressão e
rapidez, e meu quadril continua indo ao encontro da
–180 –
sua boca como um pedido de súplica por mais pressão,
sinto que vou subir pelas paredes a qualquer momento
se essa pressão não chegar. – Lis você é tão deliciosa e
sexy.
De repente sua boca vem em direção aos meus seios
e minha camisa é arrancada. Ele passa a língua pela
auréola do meu seio e este estremeço de prazer ao
toque molhado e quente da sua boca sobre mim. Sem
aviso ele roça seu membro em meu sexo ao mesmo
tempo que fricciona seu polegar em meu clitóris. Eu
não tenho mais controle do meu corpo, não consigo
mais pensar, nem focar em seu olhar e então ele me
sussurra uma súplica que parece quase uma ordem. –
Goze para mim Lis, goze agora. – Eu fecho os olhos por
um segundo.
- Não, eu quero que me olhe nos olhos, quero ver as
esmeraldas dos seus olhos brilharem enquanto levo
você ao seu prazer mais extremo. – E como uma faísca
de fogo para explosão, ele empurra sua pélvis mais
uma vez contra mim e eu explodo e quase grito de
prazer.
Meu corpo parece o próprio fogo de artifício. Ele
ajusta seu corpo ao meu para meus músculos relaxarem
por um tempo, então ele se levanta e tira seu cinto e
abaixou sua calça junto com a cueca e deixa a mostra
seu membro ereto para mim. Caralho eu estou tão
fodida, e pela primeira vez em dois meses isso é tudo o
que eu queria.
Ele deitou o corpo na cama, indo ao encontro de ficar
sob mim. Mas eu o empurrei e passei uma perna para
cada lado do corpo, enquanto ele tirava a calça presa

–181 –
em seus calcanhares eu pegava o envelope prateado na
sua cômoda e agora eu deslizava pelo seu membro e
depois entrava lentamente meu sexo junto ao dele.
Agora com o corpo por cima dele eu podia ver melhor
sua íris escura devido a luxúria do momento e o sorriso
presunçoso em seus lábios. Eu inclinei meu corpo um
pouco para trás para lhe dar uma visão melhor do meu
corpo, que estava completamente nu sobre o seu.
Ouço soltar um gemido gutural ao efeito do meu
corpo mexer sob o dele, então ele põe suas mãos em
minha cintura e lentamente começamos um movimento
vai e vem, e em pouco tempo atingimos um ritmo
frenético e constante, nossos corpos entrando em
contato o tempo todo a pressão aumentando, eu inclino
meu corpo um pouco para trás para seu membro
penetrar todo dentro de mim e continuo cavalgando
sobre ele. Sem pensar levo meus dedos ao meu clitóris,
mas ouço uma espécie de rosnado com as palavras:
“Não. Eu.”
Eu o deixo tomar controle, e seu dedo volta a
friccionar me, a pressão aumentando então entro
novamente em uma explosão deliciosa, um abismo sem
ar, enquanto grito seu nome, e o sinto tremer embaixo
de mim, se jogando comigo no abismo e gemendo meu
nome. – Meu Deus Lis. – Ele me tira de cima dele,
amarra o preservativo e coloca ao lado da cama, e então
ficamos abraçados por um tempo comigo passando
minhas unhas carinhosamente em suas costas e ele
passava as mãos em meus cabelos úmidos.
Dois corpos cansados, perdidos em prazeres e
muitos pensamentos.

–182 –
Depois que os nossos corpos relaxaram e a tensão foi
quebrada, a ficha caiu, e eu me lembrei que a poucas
horas atrás eu sentia raiva dessa mulher. Eu só queria
lhe dizer verdades, e receber respostas, mas novamente
eu a olhei nos olhos e os dois meses longes tentando
esquecer aqueles olhos que agora estavam fechados
repousando na minha cama, ascenderam a paixão
dentro de mim que acreditei ter jogado em uma mala
com uma passagem só de ida para um mar de água
gelada, mas aparentemente o fogo era do inferno
porque nem água gelada apagava.

Olhando corpo que jazia da mulher nua enrolada nos


lençóis da minha cama, lembro que ainda ontem ela
estava me provocando em minha sala de trabalho, e se
gabando de ser forte para provocar sem nenhum
ganho, e quando eu saí daquela sala ela pensou ter
ganhado, até eu pensei por alguns minutos. Mas eu era
orgulhoso, eu não a deixaria sair sorrindo novamente

–183 –
eu precisava revidar, então veio à minha melhor opção
na mesma noite, eu estava pensando como faria ela
pedir para eu lhe dar tudo, implorar se fosse necessário.
Porém obviamente eu falhei novamente, porque
quando eu pensava em vingança a única coisa que ela
fazia era ajudar uma mulher frágil que precisava
daqueles olhos para acreditar que iria ficar tudo bem,
ela ajudou a mulher grávida como se fosse a própria
Clara que estivesse ali, e então eu me perguntei
novamente, se essa mulher consegue demonstrar
tamanho carinho e empatia para uma pessoa totalmente
desconhecida como ela conseguiu me olhar nos olhos e
pisar em mim com um sorriso de satisfação beirando
em seus olhos?
Hoje nesse apartamento não saberia dizer quem se
entregou primeiro, quem ganhou a jogada, mas agora
sim eu poderia dizer com certeza – Xeque mate.
- Hã? Quem morreu? – Ela disse abrindo os olhos
lentamente, mas atenta a qualquer indício que
precisaria agir a qualquer momento.
- Ninguém Lis, eu só disse xeque mate.
- Certo, acho que devo concordar, já que me sinto
mortalmente cansada.
- Isso foi um erro, não irá mais se repetir.
- Hm. Certo. – Ela concordou, mas sem me olhar no
olhos.
- Só aconteceu porque tínhamos nos colocado em
grande tensão e precisávamos liberar a essa energia,
nada de mais, entende? – Ela continua concordando
com a cabeça sem me olhar, parecia estar com o

–184 –
pensamento no automático. Com certeza nem prestou
atenção nas minha palavras.
- Eu preciso ir trabalhar, e como não sou um cara
babaca, eu não irei tirá-la do meu apartamento. Você
pode se arrumar e depois pedir um táxi. Eu pago.
- Não precisa fugir da sua própria casa só porque
estou aqui Felippe, eu não mordo.
- Mas machuca. – Falei sem pensar, me levantei da
cama e fui indo em direção ao meu banheiro. Ela me
olhou atentamente por um momento e depois se sentou
ao pé da cama e me disse. – Eu sei, e sinto muito. Mas
era necessário na época.
- Necessário? Você não pode estar falando sério. E
como assim na época? Agora não é mais?
Ela se levantou e veio em minha direção rastejando
seu corpo exuberante atrás de mim para falar algo, mas
eu a dei as costas e fui tomar uma ducha gelada,
precisava acordar de verdade.

Saio do quarto já vestido, abotoando os botões da


camisa em direção a cozinha, chego na minha ilha e
com um olho no celular eu dou a volta na bancada para
pegar uma cápsula de café, mas tombo em um corpo
quente e. Deslumbrante. Ela tinha pegado uma camisa
minha e uma cueca box branca, a camisa estava aberta e
seu cabelo preso em um coque desarrumado com vários
fios se soltando e sua franja em seus olhos.
- Ah bom dia, fiz café e panquecas!
- Panquecas? Animada?
–185 –
- Somente morrendo de fome. E você deve estar um
pouquinho que seja. – Assim que ela falou senti minha
barriga pedir por essas panquecas.
- Talvez.
- Certo, então sente se do outro lado que eu vou lhe
servir com a melhor panqueca recheada, à minha.
- Recheada? Acho que nunca comi assim.
- Eu aprendi com meu pai desde pequena, são
massas mais finas que aqui nos estados unidos e por
isso recheamos ela. E eu vi que você tinha morangos e
um pouco de chocolate belga, espero que não se
importe.
- Não, eu nem como muito. Clara que me deu. – Digo
e admirado que mesmo depois de meses ainda consigo
aprender coisas novas e diferentes com ela.
- Certo e aqui está seu café meio a meio com leite e
sem açúcar.
- Você se lembra. – Aparentemente Elisa não cansa
de me surpreender, com os pequenos detalhes.
- Claro que lembro, não esqueci nem seu rosto. Por
que esqueceria como gosta do seu café?
- O que disse?
- Apenas coma Felippe.
Eu comi, e aquelas panquecas estavam realmente
divinas, eu não sabia o que era melhor. O chocolate
belga e morango derretendo em minha boca ou vê-la
apreciar a panqueca com o mesmo prazer que eu a
apreciava.

–186 –
Após o café da manhã, ele se despediu e depois dele
reclamar muito, me deixou uma quantia de dinheiro
debaixo de um vasinho de planta que tinha no hall de
entrada. Eu estava com minha xícara de café beirando
minha boca já fria e pensando em tudo que aconteceu
nas últimas horas. O sexo foi algo palpável, não apenas
adrenalina com ele tinha descrito, eu conheço a
adrenalina e ela não age daquele jeito. O que fizemos
tinha sentimento, tinha raiva, vingança, carinho e talvez
uma pitada de adrenalina.
Ele pode pensar que não percebi, mas senti tudo o
que ele sentia ao tocar meu corpo, ao contrário do que
eu disse a ele há dois meses atrás ele não era mais um
na minha lista de caras, até porque depois daquela
noite no bar, minha lista de homens praticamente se
extinguiu a um.
Hoje pela manhã eu tentei contar tudo para ele
novamente, mas ele se fechou para mim. E eu entendo o
lado dele não esperava que fizesse algo diferente se
fosse comigo. Parei de divagar um pouco com minha
–187 –
xícara e olhei por cima da bancada da cozinha e o
relógio marcava 9: 05 da manhã, já era tarde, precisava
ligar para o hospital e para Clara. Depois de algum
tempo no telefone descobri que tentaram me ligar a
madrugada toda porque Natalie chamava por mim,
mas Clara estava lá e correu tudo bem. Quanto à minha
amiga, ela tinha deixado minhas coisas no hospital
pensando que eu iria voltar para lá para encontrá-la e
não atendeu nenhuma das minhas ligações,
provavelmente estava dormindo.

Depois de meia hora pensando na minha roupa que


estava em um estado lastimável para uso, pensei em
procurar algo na casa de Felippe para substituir. Minha
calça estava toda amarrotada por ter sido seca
embalada em um lado da cama da chuva de noite
passada e minha camiseta com a costura pendendo, ou
seja, única coisa que eu tinha ainda era meu sapato,
pois nem minha calcinha teve salvação. Por sorte no
quarto de hóspedes achei umas roupas velhas da Clara,
peguei uma calça jeans que ficou muito curta e larga,
então optei por uma saia jeans longa com uma abertura
na perna direita, que obviamente coloquei como cintura
alta e ficou dois dedos abaixo do meu joelho, apertei ela
na minha cintura com um filete de couro que achei de
um casaco velho e joguei uma blusa de manga
comprida cor amarelo queimada que ficou larguinha,
então fiz um nó e coloquei ela por dentro da saia,
estaria ótimo se não estivesse um frio do cacete lá fora,
com aquela neve fina beirando aparecer.

–188 –
Eu precisava de um casaco, mas Clara não tinha
deixado nada, então achei um sobretudo preto no
armário do Felippe, obviamente iria ficar grande, mas
foda-se eu estava com frio, peguei ele e liguei para um
táxi, e uma hora depois eu estava na frente do hospital
com o look mas diferente que você poderia imaginar.
Mal cheguei ao hall de entrada e meu chefe, Dr.
Hunt já veio em minha direção, aparentemente tudo
não correu tão bem quanto a secretária tinha me dito a
pouco no telefone. – Bom Dia Willian. – Ele vinha com
um maço de papéis na mão e com um meio sorriso no
rosto.
- Bom dia Elisa, como vai? - Eu olhei novamente
minhas roupas e o encarei com um sorriso e um dar de
ombros.
- Já estive pior sabe.
- Imagino, Bella me contou que você ficou sem
telefone. – As notícias correm mais rápido que o Bolt
neste hospital.
- Sim, um pequeno problema de comunicação, fiquei
sem nada noite passada.
- Certo, agora imagino que está tudo bem.
- Esta.
- Fico feliz, um bom dia e você tem de vistoriar a
pediatria, tivemos 6 partos diferenciados noite passada.
- Certo.... Espera seis? – Ele sorri com minha reação e
vai em direção ao elevador atrás de mim, acenando e se
despedindo.
Aparentemente a minha ideia de pegar minha coisas
e trocar de roupa em casa estavam praticamente nulas,
eu iria atender meus pacientes com look à lá festa, mas

–189 –
por nada eu faria se não achasse um tênis, ninguém
merece a parceria calo ft. trabalho pesado.

–190 –
Depois do almoço minha irmã aparece a porta do
meu escritório com uma cara de cansada e várias pastas
de papéis nas mãos. – Bom dia maninho.
- Bom dia Clara, dormiu bem?
- Nadinha e você?
- Um pouco.
- E Elisa?
- O que tem ela?
- Ela também dormiu pouco? – Ela dá ênfase no
dormiu e me olha com um brilho engraçado no olhos.
- Muito engraçado Clara, mas pode tirar esse brilho
dos olhos não aconteceu nada.
- Sei. Mas enfim, não vim aqui para falar das suas
aventuras noturnas.
- Que bom.
- Acabou de afirmar que houve algo. – Ela ri e estica
os braços colocando uma pilha de pastas e papéis na
minha mesa.

–191 –
- O que é isso?
- Trabalho, óbvio.
- Ha – ha, como você é engraçada.
- É um resumo de tudo que houve na empresa nos
últimos meses.
- E por que você não me fala ao invés de eu perder
tempo lendo?
- Porque enquanto o madame aproveitava as férias
no brasil, curando o coraçãozinho quebrado eu
trabalhava igual uma égua prenha com mamãe em
cima de mim e centenas de investidores me puxando de
todos os lados.
- Eu NÃO estava de FÉRIAS!
- Ah não venha levantar o tom comigo Felippe, não
vai me amedrontar. Se não eram férias porque diabos
não atendia nenhuma ligação e não respondia nenhum
e-mail? Eu não vou te ajudar agora, porque quando eu
precisei, você sumiu nas praias paradisíacas do Brasil!
- Eu respondi aos e-mails do trabalho, e você sabe
que não eram férias. Que tipo de férias você fica
fazendo projetos e reuniões toda semana?
- AH TÁ! Você respondia um e-mail por semana e
olhe lá. Eu sei que seu objetivo de viajem foi trabalho e
que teve um contratempo que aumentou o seu tempo
de duração no Brasil.
- Que bom saber que você é esperta maninha. –
Levanto as mãos para cima como um agradecimento à
divindade.
- Mas também sei que se você realmente quisesse você
conseguiria reduzir seu tempo para um mês. – Revirei
os olhos, respirando fundo. De certo modo ela estava

–192 –
certa, eu poderia ter pressionado mais os clientes de
fora, mas resolvi optar por ir com mais calma. – E não
me venha com as baboseiras que você fez nossa mãe
engolir sobre ser mais cauteloso com os clientes, que
não vai rolar. Nós dois sabemos por que você deixou
um mês a mais rolar lentamente, sem pressa.
- De novo isso Clara?
- Sim de novo. Para ver se você entende seu cabeça
de vento, não vai ser um mês em outro país que vai
apagar o que você sente por ela Felippe. Você tem que
lutar pelo que sente. Apenas tente.
- O caralho com tente! Eu tentei escutá-la, falar com
ela naquela noite, mas ela deixou bem explícito que não
quer nada comigo e você está cansada de ouvir esta
história.
- Como você também está cansado de ouvir que ela
voltou atrás e tentou ir falar com você, mas você sumiu
por dois meses!
- Clara eu te amo e respeito a amizade que vocês
duas tem. Mas se vier na minha sala para me encher
minha cabeça com essa historinha novamente eu irei
achar um projeto para você em outra empresa.
- Você está me chantageando com uma demissão?!
Você é um mimado de merda mesmo. Não vai dar certo
sua tática sabe por quê? – Eu não respondi, estava com
tanta raiva que podia estrangulá-la. – Porque eu
também sou dona dessa empresa seu grande imbecil.
Tenha um bom dia Sr. Evans.
Eu abri a boca para argumentar, mas antes que eu
pudesse responder ela foi embora batendo a porta e me
deixando com pilhas de papéis, sozinho na minha sala.

–193 –
–194 –
SEIS! Na única noite que eu resolvo esquecer de tudo
e todos, e ficar sem nenhuma comunicação, nascem
apenas seis crianças! É inacreditável, parece o destino
tentando se vingar. Primeiro eu machuco Felippe
novamente, depois faço minha melhor amiga ter o pior
humor do mundo para uma sexta – feira. – Clara me
ligou a pouco, no momento que achei tempo pra ir ao
banheiro e engolir um chocolate para disfarçar minha
fome. E ela parecia estar prestes a explodir por causa do
seu irmão, e adivinha quem deixou ele nos nervos hoje
de manhã? – E para finalizar minha sexta – feira, das
seis crianças, um menino infelizmente nasceu com
cardiomegalia. Uma doença rara que cresce o tamanho
do coração em proporções anormais, que pode ter sido
causada por altos níveis de estresse da mãe e faz o
garotinho estar lutando fortemente desde seu
nascimento, o que o torna estar em observação desde a
hora que nasceu e ocupar a maior parte das minhas
preocupações hoje.
–195 –
Pelo menos a Lúcia, filha da Natalie a mulher que eu
e Clara ajudamos ontem à noite, está muito bem e
saudável como sua mãe. Logo que cheguei fui visitar e
olhar ela já que me disseram que ela chamou por mim
como um apoio médico na hora do parto, fiquei feliz
em descobrir que deu tudo certo e muito emocionada
em saber que o nome de sua filha foi uma homenagem
a mim, segundo ela Lúcia é um sinônimo da luz que eu
demonstrei em minhas palavras quando ela mais
precisava de alguém.
Consegui dar uma pausa maior do pronto socorro e
fui tomar um café e no caminho encontrei Ana e outro
residente sentados na lanchonete, rindo com lanches
esquecidos em cima da mesa, como eu queria estar
rindo agora com minha amiga, totalmente
despreocupada de todos meu problemas borbulhando
em minha cabeça. Enquanto Henry me entregava meu
expresso e um pacotinho de açúcar eu pego meu celular
e disco o número da minha amiga, mas ela não atende.
Depois de três tentativas eu finalmente desisti e
guardo meu celular no bolso do jaleco, e sigo em
direção a sala dos médicos, mas paro ao ouvir meu
nome. – Elisa! - Me viro e Ana está acenando para eu
me juntar a ela e o seu amigo, olho novamente e parece
ser o residente que está com o Will na cardiologia, Max
Muller.
Me aproximo da mesa e cumprimento com um meio
sorriso – Não quer sentar conosco? – Pergunta Ana, me
mostrando a cadeira ao seu lado.
- Não posso, só vim pegar um café, sabe eu estou
apreensiva com o paciente da cardiomegalia.

–196 –
- Está tudo certo Doutora Ferraz, eu chequei a alguns
minutos e ele está ok. – Disse Max.
Olho novamente para ele, Max é um homem bem
novo para um residente, com olhos claros e cabelos
castanhos claros, um pouco maior que eu, magro,
porém com o peito e braços definidos. Parece aqueles
caras que vão a academia e esquecem que dá para
malhar as partes inferiores, apesar de não ser o mais
belo é conhecido por balançar os corações de quase
todas as mulheres deste hospital com seu charme e
sotaque irlandês.
- Hm, certo. Talvez eu possa me sentar alguns
minutos.
- Ótimo. – disse Ana. – Então você também ficou com
o plantão da véspera de natal?
- Véspera de Natal? – Eu pergunto confusa.
- É domingo, estou escalado. Ao contrário de Ana,
por um motivo que ainda não descobri como conseguiu
se safar. – Ele a encara semicerrando os olhos, e ela
responde com uma risadinha.
- Hm, é. Eu não tenho certeza ainda, mas certamente
eu ficarei. Hunt com certeza irá me escalar depois de eu
ter sumido noite passada. – Rio meio sem graça ao me
lembrar o motivo.
Conversamos mais alguns minutos sobre cirurgias,
pacientes, os feriados e os plantões que vem com eles
até Ana e Max serem bipados e ter de me deixar
sozinha na mesa com meu café pela metade já frio
esquecido em cima da mesa. Então eu olhei bem pelo
espaço e para o hospital em si e percebi que ele estava
todo enfeitado com pequenos pingentes e adereços de

–197 –
natal em todos os lugares, muito provavelmente eles já
estavam ali há um grande tempo eu apenas não
percebi. Eu não acredito, mas eu esqueci totalmente o
Natal, eu estou realmente perdida e inebriada em meus
pensamentos e problemas pessoais mais do que eu
imaginava.

Aproveito que ainda não sentiram minha falta na


pediatria, deixo meu jaleco na secretaria da entrada e
saio da lanchonete em direção aos jardins principais.
Ao chegar lá sinto os flocos de neve caindo em meu
rosto, mas meu corpo não treme de frio como eu
esperaria, me sinto na verdade com se tivesse sido
abraçada. As pessoas me olham por estar tão à vontade
na praça com tão pouca roupa para o clima de inverno,
mas eu não ligo. Aproveito o momento para ligar para
Kiara, que ao contrário da minha amiga atende no
segundo toque.
- Lis querida! Mais um pouco e eu e And estaríamos
indo à polícia declarar desaparecimento.
- Desculpe o incomodo Kiara, eu fiquei sem nada e
me esqueci completamente de avisar você.
- Tudo bem, só não me dê esse susto novamente.
- Certo, para recompensar no dia de Natal vou
passar em casa.
- No dia? Não conseguiu folga para véspera de
novo?
- Infelizmente acredito que não.
- Que pena, mas tudo bem, estaremos esperando
você em casa para um almoço de natal.
- Certo, você precisa que eu leve algo?

–198 –
- Não eu já comprei todo o cardápio do natal não tem
com o que se preocupar.
- E como estão Samuel e Amélia, parece que não os
vejo há décadas, mas só faz uma três dias.
- Eles estão bem.
- Às vezes nem parece que Samuel é meu irmão, eu
nem passo meu tempo com ele, é incrível que ele mora
comigo se eu vivo longe dele.
- Ah querida não fique assim, ele sabe que você dá o
seu máximo por ambos, além do mais eu e And
amamos ficar com ele.
- Ele também ama, obrigada por cuidar dele por mim
Kiara.
- Não precisa agradecer, vocês são como filhos para
mim. E cuidar de vocês é um presente que Deus me
deu. – Eu limpo uma lágrima que cai rapidamente pela
minha bochecha rosada do frio.
- Também te amo Kiara, agora preciso desligar e
voltar para dentro. Qualquer coisa não hesite em ligar,
eu juro que desta vez eu atenderei.
- Está bem minha menina, bom trabalho até mais
tarde e se cuide pelo amor de Deus. - Nós rimos juntas e
desligamos a ligação.
Me viro para porta, para sair do frio que finalmente
senti em meu corpo. Pois agora lá dentro de mim eu
tinha me aquecido novamente, o que uma pequena
dose de amor não faz não é mesmo? Mas ao me virar eu
não percebi um homem vindo em minha direção e
quase tropecei no seus pés e quase mergulhei na poça
de água suja no chão. – Bem minha cara cair no chão, ao
invés de tropeçar lindamente e cair nos braços do

–199 –
homem na minha direção. Mas eu não cai, o cara
segurou meus braços o que me forçou a cumprimentar
o homem em questão, que me parecia particularmente
muito conhecido.
- Elisa certo? – Eu afirmei com a cabeça, meio
confusa. De onde eu conheço esse homem? – Adam, eu
ajudei você ontem com Natalie.
- Claro! Você me ofereceu uma carona. – Sabia que
seu rosto me era conhecido, o homem negro e charmoso
que me ajudou ontem, e ainda tentou gentilmente me
oferecer uma carona.
- Eu tentei, você quis dizer.
- É, tentou. Mas não daria muito certo eu estava sem
as chaves de casa e sem minha carteira, deixei tudo no
carro com a Clara.
- Entendo, não sabia que você e Felippe estavam
juntos. Eu não quis atrapalhar.
- Não estamos, ele só é meio ciumento.... Sabe sou
melhor amiga da sua irmã, essas coisas. – Como eu
queria dizer, sim estamos. Mas claramente eu caguei de
novo com um relacionamento.
- Certo. – Ele me olha com uma cara “tá bom que eu
acredito”. Mas o que eu poderia dizer? Vem cá meu
anjo, senta aqui que eu vou contar toda minha história
para você?
- E o que o trouxe aqui? Espero que esteja tudo bem
com você. – Falo e toco minha mão gelada na sua, e
seus olhos percorrem todo meu corpo. E antes que eu
proteste ele tira seu casaco e coloca sobre meus ombros.
Só o que me faltava, mais um homem gentil, carinhoso
e charmoso para a minha conta, exatamente o que uma

–200 –
mulher sentimentalmente desestabilizada não poderia
aguentar.
- Não ouse me devolver, você está congelando Elisa.
Eu estou aqui por Natalie. – Eu tento tirar o casaco
quente dos meus ombros, mas ele puxa os mais
fortemente contra mim.
- Eu já possuo um casaco igualmente grande e
quente lá dentro, não precisa se preocupar comigo
Adam, sério. E sobre Natalie ela está ótima.
- Eu aceito o casaco novamente assim que você
entrar. – Homem teimoso e carinhoso, sério universo?
- Ok, e por que veio atrás de Natalie? Você a
conhece?
- Conheço ela como conheço seu marido, e todos os
empregados da Art. & Design. Sou gerente geral do
RH, e só vim pessoalmente porque eu estava com ela
naquele momento.
- Entendi.
Ele me acompanha até a entrada principal do
hospital, onde eu devolvi seu casaco e peguei meu
jaleco. Eu agradeci e nos despedimos com um aperto de
mão meio sem jeito. Por um momento ele abriu a boca
para falar algo, até pensei que que ele estava inclinado a
me convidar para sair, mas ele desistiu e desapareceu
na porta de vidro que guardava a neve fraca e o frio
gelado lá fora. Fiquei até mais calma quando ele
desistiu de falar algo, eu não aguentaria magoar mais
alguém hoje.

–201 –
Já passava das 19 horas e quase todo prédio estava
vazio. Eu resolvi por minha cabeça nos projetos para
não deixar meus pensamentos me atingirem, e quando
eu estava prestes a chegar ao elevador meu celular toca
e eu o atendo rapidamente.
- Evans.
- Oi filho.
- Mãe?
- Certamente.
- Você está bem? Por que me ligou?
- Estou sim, você que não está. E resolvi te ligar antes
de viajar para Los Angeles.
- Por que vai viajar? E eu estou bem.
- Eu estou.... Hã.... Precisando espairecer, mas volto
domingo para o natal. Eu andei conversando com Clara
e....
- Vocês conversando? – Não sei se parabenizo ou se
me assusto.

–202 –
- Sim, como eu estava dizendo. Conversamos e tive
que concordar com ela.
- Espere um minuto, vocês conversaram e
concordaram entre si, e ninguém se feriu?
- Ha. Ha. Não tenho tempo para brincadeiras filho.
Enfim concordo em dizer que você está apaixonado. E
antes que me corte novamente, você me escutou bem. E
eu vou te dizer como colega de trabalho, resolva seus
problemas e volte sua atenção ao trabalho porque você
estar sobrecarregando sua irmã e consequentemente
qualquer um que passe no seu caminho. Inclusive eu.
- Apaixonado? – Eu não consigo achar nenhuma
resposta digna, estou pasmo que ela me ligou para falar
sobre isso.
- Isso, e como mãe, eu te digo vá atrás de Elisa e tente
novamente, abra seu coração, fale, grite. Apenas tente, e
se não der certo, siga sua vida e não se prenda nessa
estação neutra porque isso só lhe fará mal meu filho.
- Como sabe que é Elisa? Clara te disse isso também?
- Obviamente não. Eu vi.
- Você.... Viu? – Ela nos viu se beijando? Ou será que
passou pelo meu escritório na noite da festa?
- Sim eu vi. O seu olhar quando encontra o dela, e
aquilo não é uma paixãozinha passageira meu filho,
aquilo é amor. E isso merece todo seu esforço.
- Como você sabe só pelo meu olhar?
- Porque é o mesmo jeito que seu pai me olhava
desde o dia que o conheci até o último bom dia que eu
recebi dele naquela manhã. Agora preciso desligar, o
avião vai decolar. E lembre-se se precisar de mim estou
aqui, boa sorte filho.

–203 –
- Obrigada mãe.
Ela tinha razão, ao me fechar para Elisa eu me fechei
para tudo e todos e fui um cretino com minha irmã
quando ela realmente precisava de mim. Que belo
idiota eu sou.
Eu precisava me redimir, e precisava acima de tudo
resolver esse dilema que tenho com Elisa, não
conseguirei viver com esse elefante sentado na minha
cara.
Eu dirijo sem rumo, com minha cabeça girando com
vários pensamentos por minuto. Elisa me deixando
louco na empresa e em casa, minha mãe me ligando
para dar dicas sobre a mesma mulher que só me deixa
mais louco a cada dia e minha irmã tentando me
estender a mão e eu a cortando em mil pedacinhos
como um ogro. Eu consegui desapontar e magoar as
três mulheres mais importantes na minha vida. Eu
estou mesmo contando Elisa como importante? Porra
Felippe quem você quer enganar? É óbvio que a
considero importante, e para variar minha mãe e irmã
tem total razão, por mais que eu tente não acreditar. Eu
amo pra caralho essa mulher e não consigo mais negar,
nem para mim mesmo.
Mudo meu foco para estrada e percebo que dirigi
para perto da casa de Clara, resolvo passar por lá e
resolver esse problema entre nós. Estaciono meu carro,
e tentei de várias formas diferentes chamar ela. Depois
de ter batido palma, tocar campainha, chamar e ligar
para ela, um vizinho que corria na rua me avisa que ela
saiu há algumas horas e parecia bem arrumada para
aproveitar a noite. Mas eu não vejo como minha irmã

–204 –
no humor que a deixei, mesmo em uma sexta consiga
aproveitar a noite.
Com o aviso que ela não vai estar disponível para
mim esta noite, eu resolvo mandar uma mensagem –
“Oi Clara, desculpa por hoje, fui um cretino. Que tal
uma trégua? :)” - e partir para meu apartamento. É
melhor assim, descansar e pôr as ideias em ordem antes
de tomar qualquer decisão estúpida, de novo.

–205 –
Passei praticamente minha sexta-feira inteira em
cima do paciente com cardiomegalia, alternando com o
pronto socorro e algumas idas ao centro cirúrgico.
Quando chegou o final do meu turno sem nenhum
problema, eu parecia mais chocada do que aliviada.
Acho que depois de anos trabalhando nesse hospital,
quando me aparece uma anomalia rara ao invés de eu
comemorar nenhuma complicação eu só consigo ficar
apreensiva que ainda não aconteceu nenhuma
implicação.
- Chega por hoje Lis?
- Acho que sim. – Levanto minha cabeça para
observar minha amiga Isabella e dar um meio sorriso.
- Não se preocupe ele está bem. E se acontecer algo
vão te chamar.
- Você está certa, vou para casa descansar. Você está
indo também?

–206 –
- Sim, só passei aqui para te avisar que seu celular
não para de tocar.
- Meu celular? – Imediatamente coloco a mão em
meus bolsos, mas os encontro vazios.
- Sim, você deixou na sala de descanso e pensei em te
trazer.
- Obrigada Bella, bom descanso para você.
- Para você também, até amanhã Lis. Se cuida.
Vou em direção a sala para pegar meu casaco e
minha bolsa, enquanto olho meu celular. E para meu
espanto três ligações perdidas de Clara. Será que ela
está bem? Antes que o possa pensar em porque, meu
telefone toca novamente e no visor aparece o rosto da
minha amiga sorrindo toda suja de tinta, atendo no
segundo toque.
- Oi amiga, você está b...? – Mas antes que eu termine
minha pergunta, escuto um barulho de música alta, e
entre muito barulho uma voz arrastada da minha
amiga, que parece estar mais que bêbada.
- OIIIIIIIIII. Cadê você? Não me abandonou de novo
para transar com aquele desgraçado mimado de merda
e minha mãe insuportável né? Porque se ele estiver aí,
quero que vocês vão juntos para puta que pariu, e se
quiser levar minha mãe eu não vou ligar.
- Onde você está? – Caralho ela está brava, e não é
pouco. Pensei que eu tinha pisado na bola, mas parece
que tem gente que fez pior.
- Pooorque? - Ela fala com a voz arrastada.
- Para eu te encontrar, sozinha. – Deixo claro que só
vou eu e mais ninguém.

–207 –
- Hm sei, bom eu estou naquela balada nova que
abriu semana passada no centro de Seattle.
- Ok estou indo aí.

Apesar do hospital ser no centro da cidade e


próximo aos bares e pubs da região, eu demoro quase
uma hora para chegar. Perdi cerca de quinze minutos
só para achar e ligar o carro de Clara no
estacionamento, já que o meu ela deixou em uma
empresa especializada para sanitizar depois de um de
seus funcionários batizar meu banco e tapete detrás. E
para acrescentar havia muito trânsito devido ao
horários, e as ruas lotadas, afinal na sexta feira as
pessoas só querem aproveitar e relaxar o começo do fim
de semana.
Demorei um pouco para achar uma vaga, mas
descobri um problema maior que vagas de carro. Tem
uma fila enorme para entrar na balada, me aproximo da
entrada para tentar alguma tática de passar por toda
essa gente e encontro Adam novamente.
Ele estava na entrada, na parte de dentro da balada
conversando com os seguranças. Estava bem mais
despojado que hoje mais cedo, com um jeans escuro,
sapatênis e uma camiseta branca e pude perceber que
seu braço esquerdo era totalmente tatuado, se eu não
estive com o coração à mercê do Felippe, eu não ligaria
em apostar algumas fichas neste homem.

–208 –
Eu não podia perder a oportunidade de entrar bem
na minha frente, então tentei chamar sua atenção
esticando meu braço para alcançá-lo. Porém, antes que
eu perceba um segurança duas cabeças maior que eu,
apareceu na minha frente me empurrando para fora da
entrada. – Eu conheço o Adam, pode pelo menos
chamar ele para mim? – Ele me examinou por um
tempo, queria ter certeza que não era uma desculpa
para tirar sua atenção e entrar na balada. – Por favor?
Ele virou de costas para mim e cochichou algo com
alguém e depois deu um passo para o lado e vi o rosto
de Adam sorrindo para mim. – Elisa? – Ele parecia bem
confuso com minha aparição ali.
- Oi.... Desculpa aparecer assim, mas queria saber se
você sabe algum jeito de eu entrar aí sem passar por
essa fila, é meio urgente. – Eu pensei que ele iria me
questionar, ou sumir dali, mas ele só me respondeu um
sincero.
- Claro. – Olhou para os seguranças, e com um
balançar de cabeça e um sorriso, o cara que ocupava a
entrada sumiu e eu entrei livremente. – Venha por aqui,
só deixe eu te entregar essa pulseira para você andar
livremente antes de ser barrada novamente pela
segurança, meu irmão tem um sistema muito rigoroso
em relação à segurança de seus clientes.
- Seu irmão? Ele é o dono da balada? – Ele confirma
com a cabeça, com um sorriso e abaixa a cabeça para me
dar uma pulseira laranja, e me perguntou parecendo
meio sem graça se poderia colocar em meu pulso.
Quem diria, um homem delicioso desse, tímido. – Não
me julguem, eu estou totalmente apaixonada pelo

–209 –
Felippe, mas isso não me impede de apreciar outras
vistas.
- Sim, ele gosta de investir neste público. Mas você
disse que era urgente, procura alguém?
- Na verdade, sim.... Você por acaso viu a Clara?
- Na verdade, não, mas posso encontrar ela bem
rápido.
- Como? Isso parece gigante.
- Pela pulseira, ela pode não ter esta VIP, mas toda
vez que você compra uma bebida em um dos 4 bares é
marcado na sua pulseira. - Eu o encaro surpresa,
achando diferente essa ideia. Ele ri da minha reação. –
Como disse meu irmão é muito rigoroso com
segurança, me de alguns minutos que já descubro onde
ela está.
Adam desaparece no meio das pessoas em direção a
um dos bares e pede que eu o espere ali. O ambiente é
muito grande e agradável, parece ter uma escada que
leva a um bar e sofás e embaixo tem uma grande pista
de dança com dois bares pequenos posicionados nas
extremidades com banquinhos no balcão de cada um.
Tão rápido quanto Adam foi ele volta e me avisa que
minha amiga se encontra no bar que fica no extremo
esquerdo da pista, eu agradeço e despeço para
encontrar Clara. Mas antes que eu vá ele me chama
novamente.
- Sim?
- Eu.... Eu, tome. - Ele entrega um papel escrito com
uma letra fina e cursada “qualquer bebida por conta da
casa. Adam Kutcher” – E antes que o agradeça ele é
puxado por um cara tão parecido quanto ele para o

–210 –
outro lado da pista, e imagino que seja seu irmão. Ele se
vira para mim sorri e pisca e some de vez.

Vou em direção ao bar detecto minha amiga só pela


sua bela e avantajada bunda dançando de costas para
mim com um vestido que puta que pariu, como ela está
gostosa. Ela está usando um vestido preto brilhoso com
decote V que vai até quase sua bunda e um salto preto
com solado vermelho, ela se vira enquanto dança seu
corpo ao som de High – Dua Lipa.

Keep my head under the water


(Mantenha minha cabeça debaixo da água)

Pride buried in my chest


(Orgulho enterrado no meu corpo)

Not counting all the minutes, the seconds


(Sem contar todos os minutos, os segundos)

Not holdin' my (breath)


–211 –
(Nada segurando minha respiração)

Now sinking from the surface


(Agora afundando na superfície)

Swimming in my lungs
(Nadando nos pulmões)

Losing all my vision, religion


(Perdendo toda minha visão, religião)

I'm holding my tongue


(Estou segurando minha língua)

Ela me vê e sorri, sua boca está com batom vermelho


e seu cabelo curto está bagunçado caindo no seu rosto,
ela está segurando um copo com uma bebida azul clara.
Isso não é bom, nenhuma bebida com esse tom tem algo
que não vá te derrubar.
Me aproximo dela e tiro o copo de sua mão, cheiro
antes de colocar na mesa de bar – Uísque! Sabia que não
era algo fraco. Olho brava para minha amiga, que só
consegue sorrir e começa me puxar e dançar em mim. Eu
sei que isso é para chamar atenção de curiosos, eu a
conheço, mas não estou no clima e ela percebe.
- O que foi?
- Não estou no clima para sensualizar.
- Você quer uma dose? Eu pago. – Ela coloca a mão
em sua bolsa e percebe triste que não acha seu cartão de
crédito. - Droga perdi meu cartão!
- Tudo bem, a gente cancela quando sair daqui.

–212 –
- Nada disso, se eu precisava de álcool você não está
muito longe. Vamos Lis. – Eu semicerro os olhos para
ela e ela me faz um biquinho – por favooor.
- Nada disso digo eu, eu tomo quantas doses você
quiser quando chegarmos em casa. E eu estou
dirigindo.
- E uma música? – Eu a encaro novamente, reviro os
olhos e suspiro.
- Tá bom, uma música e só. E depois vamos embora.
- Depois vamos, juro de minguinho. – Ela me oferece
seu dedo minguinho, eu enrolo o meu no dela e
balançamos para selarmos o juramento, como de
costume.
Chego no bar e resolvo usar o bilhete que Adam me
deu, já que eu só vim com a chave do carro, meu
documento e celular. Entrego ao barman, que sorri para
mim e me pergunta – O que deseja gata?
- Uma.... – Olho para minha amiga que sorri para
mim, toda empolgada na pista de dança. - .... Desculpe,
uma água sem gás por favor.
- Vai usar esse bilhete mágico por uma água gatinha?
- Vou gatinho. – Ele me entrega a água e coloco na
mão de Clara que toma sem reclamar.
Como prometido vou com ela para a pista de dança,
e ouço a voz de I hate u, I love u – Gnash ft. Olivia
O’Brien.

Feeling used
(Me sentia usada)

But I’m still missing you

–213 –
(Mas ainda sentia sua falta)

And I can’t see the end of this


(E eu não consigo ver o final disto)

Just wanna feel your kiss against my lips


(Apenas quero sentir seus beijos contra meus lábios)

(…)

I hate you, I love you


(Eu te odeio, Eu te amo)

I hate that I love you


(Eu odeio te amar)

Don’t want to
(Não queria)

But I can’t put nobody else above you


(Mas não consigo colocar ninguém acima de você)

Que música propícia para todos os sentimentos


explodindo dentro de mim hoje. Se isso foi uma
indireta do universo, saiba que deu totalmente certo. Eu
vou dançar essa música como se fosse para ele mesmo e
foda-se se se isso vai piorar meu psicológico.

Do you miss me like, I miss you?


(Você sente minha falta, como eu sinto a sua?)

–214 –
Fucked around and got attached to you
(Vadiei por aí e acabei me apegando a você)

Friends can break your heart too


(Amigos também podem quebrar seu coração)

And I’m always tired, but never for you


(E eu sempre estou cansada, mas nunca de você)

(…)

I hate you, I love you


(Eu te odeio, Eu te amo)

I hate that I love you


(Eu odeio te amar)

You want her, you need her


(Você quer ela, você precise dela)

And I’ll never be her


(E eu nunca irei ser ela)

I hate you, I love you


(Eu te odeio, Eu te amo)

I hate that I love you


(Eu odeio te amar)

Don’t want to
(Não queria)

–215 –
But I can’t put nobody else above you
(Mas não consigo colocar ninguém acima de você)

Na música ela se trata de outra mulher, na minha


vida ela se refere a versão de mim mesma que não fui
capaz de ser. A Lis forte, que ergue a cabeça e luta pelas
suas brigas sem machucar ninguém no percurso, a
mulher que se entrega ao abismo do amor de corpo e
alma, sem magoar ninguém, pois ela não desiste, ela
continua forte. E mais uma vez, eu provei para mim
mesma, não ser ela e me arrependo a cada dia que
passo e aqueles olhos de íris escuras veem em meus
pensamentos com seu sorriso encantador e lábios
delicioso, e o modo como seu corpo se molda no meu.

–216 –
Eu me entreguei a música como se fosse dançada
para expurgar tudo que há dentro de mim, e cada vez
que meu corpo se mexia eu sentia que estava
expulsando toda a adrenalina do meu corpo. Jogando
todos meus problemas para o alto. Ali eu não tinha
nenhuma criança sob risco de morte, não tinha um
irmão esquecido por horas de trabalho, ali eu não sentia
que todos estavam me olhando esperando algo, nada
de sogras demoníacas, nenhuma amiga decepcionada
comigo e nenhum homem fodendo meu psicológico só
com um olhar. Ali era somente eu e as batidas da
música no fundo envolvendo meu corpo.

Meus olhos estavam fechados, a música parecia


explorar todos meus poros, eu amava dançar, minha
mãe era uma excelente professora de dança e tentou
insistentemente me ensinar qualquer passo de dança, e
como tentou. Mas nada dava certo, porem quando eu
ficava sozinha e fechava os olhos parecia que eu estava
dançando uma dança só minha, sentia que meu corpo
parecia mexer junto com a batida, eu tinha certeza que
para quem visse de longe parecia uma cobra se
–217 –
contorcendo de dor, mas eu não estava nem aí, minha
mãe pode ter falhado nos passos de dança, mas acertou
no ensinamento: sinta a música e deixe ela te guiar. E
ela me guiava e eu me sentia livre e em paz.
Mas nada dura para sempre, existe um ditado que
diz “alegria de pobre dura pouco” tão certo quanto esse
ditado tenho outro para você guardar; “toda fucking
vez que você estiver em paz, irá ter alguém para te tirar
dela e foder com seu consciente”. E esse alguém foi
Adam, não era bem o homem que esperava aparecer na
minha frente esta noite, mas desde quando eu planejo
algo que vai dar certo?
- Elisa você tem que vir comigo, eu achei Clara.
- Como assim você achou? Ela está bem ali.... – Eu me
virei e apontei para o bar atrás de mim, mas minha
amiga não estava ali, na verdade ela não estava em
nenhum um lugar em um raio de três metros. – Caralho
Clara!
- Ela está bem, eu a deixei sentada na área VIP, do
lado do bar com meu irmão e....
- Você a deixou sozinha ao lado de um bar?
- Acabei de dizer que meu irmão está lá.
- Como se isso fosse impedi-la. Adam você
definitivamente não conhece sua chefe.
Em alguns minutos estávamos em uma área grande,
ficava no andar de cima no lado esquerdo da balada, o
espaço tinha carpete vermelho em toda sua extensão,
que parecia ser do tamanho do andar de baixo inteiro
do meu apartamento. Nos cantos tinha sofás encostados
nas paredes, com algumas mesas e cadeiras altas perto
de um pequeno bar, que à primeira vista parecia

–218 –
fechado. Mas quando me aproximei vi que havia um
homem negro um pouco mais baixo que Adam e com
quase a mesma fisionomia, forte, olhos castanhos e
acredito que seria um ser de uma enorme paciência.
Pois ele tentava convencer uma mulher de um metro e
meio que beber aquela garrafa estava fora de cogitação,
e falava em um tom tão calmo quanto eu falaria com
uma criança.
- Eu já te disse que posso e vou beber.... – Ela tentava
abrir a garrafa de vodka sem sucesso – Não se
aproxime, eu posso te imobilizar apenas com um braço.
- Ela fala sério na parte da imobilização.... como é seu
nome mesmo?
- Peter, oi mano. Vejo que achou sua outra amiga
linda. – Falou o cara que estava tentando negociar a
garrafa de vodka com minha amiga.
- Peter por favor, isso não é hora de você flertar. E eu
só te pedi uma coisa, cuidar de Clara e nem isso você
conseguiu, é só uma mulher bêbada.
- EI! Eu posso estar um pouco tonta com álcool, mas
não estou surda, meça suas palavras Adam, se não
segunda-feira poderemos ter outro gerente de RH na
minha empresa!
- Pera aí, essa moça gostosa que você me deixou
cuidando é sua chefa? Caralho você tem que fazer umas
confraternizações da empresa na minha balada
maninho.
- Estou te avisando Peter que eu vou ter que te bater
se você não me chamar decentemente, meu nome é
CLARA!

–219 –
- Tudo bem docinho.... digo Clara, como quiser,
agora você poderia me passar essa garrafa para todos
irmos embora?
- Nem fodendo.
- Queria – murmuro só para eu escutar.
- O que você disse Lis? – Adam me pergunta
ignorando o irmão e minha amiga louca.
- Nada de mais, deixa eu acabar com isso logo,
precisamos ir para casa logo.
- Clara chega disso, larga isso e va... – Mas antes que
eu pudesse terminar, atrás do balcão tinha um cara no
chão de quase dois metros e uma mulher de um metro e
meio na sua frente sorrindo e finalmente abrindo e
tomando a vodca da sua mão. – Que merda você fez
desta vez?
Eu e Adam nos aproximamos de Peter que estava de
joelhos no chão, estranhamente parecia estar sorrindo
para minha amiga. – Gostei dela, você tem ótimas
amigas mano.
Eu peço desculpas a Peter, enquanto Adam o ajuda a
se levantar, apesar de não parecer nenhum pouco
machucado, apenas muito surpreso. Eu encaro então
minha amiga, eu estou com vontade de trucidar ela
agora. – O que diabos você estava pensando Clara
Evans?
- Não me olhe assim Lis, ele tentou pegar minha
garrafa. – Eu reviro os olhos para sua resposta, ela fala
como se fosse a coisa mais sensata do mundo.
- E só por isso você o atingiu.... Onde foi mesmo que
você bateu nele? – Atrás de mim ouço Peter falar: uma
joelhada no estômago. Aliás ótimo golpe para alguém

–220 –
tonta como ela. – Por Deus, quantos anos você tem para
fazer birra? Você jurou para mim que era só uma
música e iríamos embora, senão posso mais confiar na
sua palavra vou confiar no que?
- Eu jurei de minguinho?
- Sim!
- E – eu que – quebrei o nosso já – juramento?
- Sim.... Espere você está chorando? Por que diabos
você está chorando?
- Eu que – quebrei o no – nosso juramento – too.
- Ela está chorando? Desculpe Elisa eu só estava
brincando.
- Está tudo bem Peter, ela só precisa descansar. Será
que vocês poderiam só me dizer onde fica a saída
preciso levar ela para casa.
- Claro.
Vocês já devem ter ouvido falar que o luto tem cinco
fases, que a pessoa sempre passa para conseguir seguir
depois da perda, algo que talvez vocês não conheçam
são as 5 fases de um bêbado, até porque eu mesma criei
depois de atender inúmeros destes no pronto socorro
do hospital enquanto eu ainda era residente. Primeiro
temos a felicidade espontânea, tudo à nossa volta é bom
e maravilhoso e nada vai dar errado; segundo tem a
barganha, tudo é negociável até mesmo se você não tem
mais nada no bolso, se você quiser vai ter; terceira, a
raiva, esse é perigoso, Clara acabou misturando a fase 2
com a 3 e atingiu Peter no Estômago; na quarta temos
tristeza, parece que de repente nada faz sentido, sua
vida é uma droga, tem pessoas que pulam essa fase ou
ficam presas por um bom tempo e quinto não menos

–221 –
importante amnésia, você esquece o que fez o porquê
está ali e faz o que der na telha, isso pode ficar até o dia
seguinte.
Clara já tinha dançado de alegria, conseguido sua
garrafa sem nenhum cartão de crédito, machucado
alguém, e tido uma crise de choro depois de tudo, e
agora eu e ela estávamos na frente da balada, pedindo
que ela esperasse ali só para eu pegar meu carro e
trazer até frente do lugar, mas ela estava relutante em
me deixar. – Clara por favor, não dá para eu cuidar de
você e ao mesmo tempo manobrar um carro.
- Mas eu não quero ficar sozinha, eu nem sei como
cheguei aqui.
- Eu já te falei que te explicarei melhor depois.... Tá
bom, se você não quer que eu vá até o carro deixe eu
pelo menos chamar o Peter ou Adam para trazer o carro
até aqui.
- Quem é Peter?
- O cara que você deu uma joelhada no estômago.
- Eu acertei alguém? Que legal.... – Eu a censurei com
um olhar - digo que péssimo coitado desse Peter. Eu
avisei, amnésia.
- Certo, vou falar com o segurança.
Eu dei dois passos até a porta e pedi para o
segurança chamar Peter ou Adam para mim
novamente, como ele era o mesmo que trancou minha
entrada no começo da noite foi fácil, ele só falou algo no
seu rádio e sorriu para mim, confirmando que um deles
já estava vindo. Então eu me virei para avisar Clara que
já iríamos embora, mas ela não estava a dois passos de

–222 –
mim onde eu tinha deixado ela a um minuto atrás. Mas
que merda Clara!

–223 –
Você não pode tirar o olho um minuto da sua amiga,
que já toma o pó do sumiço, essa noite está rendendo
muita história para contar, olho ao redor atrás da minha
amiga. Mas em um em curto tempo meus olhos a
encontram, e novamente discutindo com um cara meio
metro maior que ela e bem forte, eu parto em sua
direção xingando alto, na minha vida pode não ter sido
comprovado antes a minha tese mas hoje é a prova
viva, nada é tão ruim que não possa piorar.
Eu chego do lado do cara para entender o que está
acontecendo e vejo que ele está segurando Clara pelo
seus pulsos e minha amiga está com uma cara raivosa e
triste ao mesmo tempo. – Mas que diabos é isso?
- Lis eu não saí de lá, é só que esse energúmeno
surgiu e....
- Do que você me chamou gatinha? Espero que tenha
sido um elogio se não...
- Se não o que idiota? Se você pensa que vai
machucar minha amiga, você nunca esteve mais louco,
e largue logo ela antes que eu faça você se arrepender
de ter fodido de vez minha noite.

–224 –
- Foder é uma coisa que adoraria fazer com você
gracinha, mas primeiro vai ser sua amiga. Fique calma
tem Brian para todas. – Disse ele sorrindo, enquanto
ainda segurava minha amiga.
- Você vai soltar minha amiga e vai ser agora! – Eu
disse esbravejando na sua frente. Ele soltou minha
amiga, empurrando-a como se não pesasse nada. Mas
antes que eu pudesse me virar para ajudar ela, Brian me
puxou para me beijar. – Hoje não.
Eu o empurrei mas ele me apertava cada vez mais
contra seu corpo, então senti sua mão indo em direção a
minha calça, e então eu tive um flashback na minha
cabeça de todas as atrocidades que vivi, do momento
que fui fraca e isso me fez perder todos ao meu redor,
então como um estalo para a realidade eminente –
como se eu já soubesse o resultado se aquele cara
conseguisse o que queria – eu finalmente acordei do
meu transe. Parecia que eu havia comido uma lata
inteira do espinafre do Popeye, porque eu comecei a me
contorcer, chutar e socar ele sem parar. E se não fosse
aquele grito no fundo, talvez eu só parasse quando meu
corpo tivesse esvaído toda sua força, mas eu parei e
virei para trás para dar atenção ao que eu tinha ouvido.
– MEU DEUS!
Quando virei meu pescoço na direção do grito, não
conseguia fazer meus olhos acreditarem no que viam,
parecia ter voltado anos atrás para aquele fatídico dia
que me despedaçou toda.
A mesma cena, um acidente no meio da estrada, uma
batida, uma pessoa que amo no chão inconsciente, eu
estava de novo no meu aniversário sozinha e perdida.

–225 –
Por alguns segundos eu não consegui pensar nem
respirar só olhar minha amiga deitada no chão e
desacordada.
- Mas que merda, Elisa você está bem? Alguém
consiga meu telefone ou ligue para uma ambulância
precisamos de um médico urgente.
- Um médico... precisamos. – Então como se um
fosse click apertado dentro de mim. - Eu sou médica.
- Espere só um minuto... o que você disse? – Peter me
pergunta.
Eu não o respondo apenas saio do meu transe e vou
até minha amiga, ponho dois dedos no seu pulso e em
sua nuca, eu não sinto pulsação. – Eu não vou perder
você também, eu não vou matar mais ninguém! – Eu
começo massagem cardíaca e parei apenas para fazer
respiração boca a boca, e depois de quatro tentativas
quase sem energias, o peito da minha amiga sobe
ligeiramente, quase não daria para perceber se eu não
estivesse tão perto. Coloco dois dedos novamente em
sua nuca e sinto uma pulsação fraca. – Graças a Deus,
eu não suportaria te perder também. Você jurou para
mim de minguinho que nunca me abandonaria, então
você não ouse quebrar mais um juramento nesta noite.
Eu nem percebo a ambulância chegar, mas ela me
tira de cima da minha amiga e colocam ela em uma
maca, e posicionam dentro da ambulância, eu subo
junto com os paramédicos, lembro de falar sobre ir para
o hospital St. Vicent onde trabalho. No caminho um
cara me pergunta se pode olhar minha mãos, eu deixo e
só então percebo que ela está toda machucada e suja de
sangue, do cara que eu estava batendo. Eu nem percebi

–226 –
que pus tanta força, eu também não percebi que deixei
minha amiga ser atropelada, eu quase matei alguém
novamente em um acidente de carro.
Chegamos ao hospital em um tempo tão rápido ou
eu mesma que não estava prestando atenção a tudo à
minha volta, o que é mais provável. Levaram Clara
para dentro e não me deixaram ir atrás, eu já
imaginava, já que sou praticamente sua família, sendo
assim não posso pegar ela como paciente. Até porque
sou da área pediátrica, nem tive muitos argumentos até
Bella e Ana me empurraram para fora do corredor de
exames.
Fiz o máximo que pude, dei o contato do seu irmão e
sua mãe, e me sentei na sala de espera por notícias. Se
passou uma, duas horas e nenhuma notícia eu já estava
passando o caso da minha amiga na cabeça, tentando
imaginar que nível foi o trauma na sua cabeça para ela
demorar tanto lá dentro sem notícias. Estava prestes
mandar se foder meu emprego e atravessar aquelas
portas quando Will e Bella vinham na minha direção,
neurologista e ortopedista, isso não tem como ser bom,
mas vou tentar ser otimista afinal nenhum veio com
“Então lis... “ou “Você não quer se sentar”. Apenas se
aproximaram lentamente, em silêncio. – Então Wil...
Digo Dr. Hunt como esta Clara?
Ela está bem Lis. – Eu percebo que solto um ar que
nem percebi que segurava, me sinto até um pouco mais
leve, então vou em direção aos quartos, mas Will põe a
mão em meus ombros – Ela está bem, porém ainda
desacordada, foi uma batida forte, aparentemente não

–227 –
teve nenhuma complicação grande na cabeça, mas
ainda está desacordada.
- E fraturou dois ossos da costela, mas tirando isso
ela está respondendo bem, ela vai ficar bem amiga.
- Certo. – Antes de me virar para ver minha amiga eu
sorrio para os dois e agradeço.
Quando chego ao quarto, vejo minha amiga em um
roupa de hospital, com uma faixa no topo da cabeça, e
aparentemente dormindo. Me sento na cadeira em
frente à sua cama e seguro sua mão. – Amiga que noite
hein. – Eu a fito, mas nada acontece, ela continua de
olhos fechados dormindo.
Eu quase te perdi amiga, eu não suportaria te perder.
E você sabe isso, como eu também não suportaria
perder seu irmão e sinto que ele está cada vez mais
longe de mim, o que eu faço amiga? Me ajuda, me
responde.
Mas ela continua em silêncio, só ouço o barulho da
máquina passando os batimentos cardíacos dela, eu
olho para a tela e percebo, minha amiga ainda está aqui.
A máquina não tem uma linha reta como todos meus
familiares naquele acidente, ela ainda está aqui,
lutando, mas aqui. E se minha amiga está lutando,
mesmo desacordada eu tenho que fazer o mesmo.

Eu não sei em que momento minha decisão foi


tomada, mas com certeza ver minha melhor amiga, a
mulher mais forte e guerreira que conheço, vulnerável
em uma cama de hospital e ainda lutando pela própria
vida foi o sinal que eu deveria fazer aquilo, na verdade
eu já deveria ter tomado esta decisão há um bom tempo
–228 –
atrás. Mas infelizmente eu precisei ver minha amiga
assim para perceber o óbvio – eu tinha coragem, só
estava reprimida dentro de mim e guardada com todas
as minhas inseguranças.

O acidente, as perdas, a batida, ver meus familiares


indo embora no mesmo dia que eu dava adeus a
infância, ser abusada e humilhada, sentir na pele raiva e
força ao olhar na cara do meu passado e até mesmo
perder o único homem que eu realmente amei na vida,
todos esses acontecimentos em minha vida não foram
causadas pela minha fraqueza ou culpados apenas por
eu estar ali. Foram momentos que tiveram que
acontecer para eu crescer como pessoa e mulher, foram
para eu enxergar que eu sou corajosa por suportar
todas essas barreiras de cabeça erguida. Tiago estava
errado, eu tenho força e coragem, eu apenas nunca
percebi, pois eram parte de mim no meu dia – a – dia.

Eu me levanto, beijo sua testa e a olho novamente. –


Eu vou lutar, por você, por mim e por tudo que já vivi,
eu juro Clara. Então segurei seu dedo e entrelaço no
meu e saio do quarto.

–229 –
Eu volto de viajem e em menos de um mês, eu vejo a
mulher que eu mais tentei esquecer e no segundo que
coloco meus pés nos EUA aqueles olhos são os
primeiros que vejo, estou me desafiando por eles e sua
astúcia a não ceder às paixões que seu corpo desperta
no meu. Além de encontrá-la, provocar, ter uma das
melhores transas da minha vida, nesse meio tempo,
brigamos, discutimos e nos separamos novamente.
Antes que eu possa entender ou organizar qualquer
pensamento na minha cabeça, Clara sofre um acidente,
e coincidentemente, ou não está mulher está novamente
envolvida.
Pego uma garrafa do que vejo na frente e me sento
em meu sofá e inspiro profundamente, todo esses
tempo que eu vivi desde que voltei do Brasil, me fazem
pensar o que diabos eu estou fazendo da minha vida?
Sirvo-me da bebida e percebo que a garrafa de Jack
Daniels que Elisa trouxe no nosso primeiro encontro
oficial, é claro que era, sempre ela na minha vida, até

–230 –
mesmo quando eu procuro paz. Ao me servir tomo em
um só gole enquanto massageio minha cabeça – Será
que algo vai fazer sentido para mim? Eu tenho direito a
respostas afinal, certo? – Pergunto pra ninguém em
especial, já que estou sozinho no meu próprio
apartamento, ou pelo menos eu pensei que eu estava
até perceber que eu não havia fechado minha porta, e
ela, a mulher que virou minha vida de cabeça para
baixo no último 8 meses, estava na soleira da minha
porta, com fios de cabelo lhe caindo nos olhos.
- Sim, você tem Felippe. E eu vou te explicar tudo se
você não fugir para outro país novamente.
- FUGIR? Eu fui a trabalho, ao contrário do que você
pensa, o mundo não gira ao seu redor Elisa.
- Você foi a trabalho por uma semana, talvez até um
mês. Mas foram DOIS MALDITOS MESES!
- O projeto atrasou, foi maior que o previsto e eu tive
que...
- Felippe, pelo amor de Deus, você pode enganar
seus funcionários e até mesmo sua família com essa
história. Mas no fundo você e na verdade Clara também
sabe que você não tinha que ficar lá até o final do
projeto. Você quis.
- Você acha sinceramente que depois de tudo que
você me fez escutar e viver nos últimos meses, eu irei
doar algum tempo precioso para ouvir o que sai da sua
boca Elisa?
- Não. Eu tenho certeza, pois eu sei tanto quanto
você que quer entender o porquê disso tudo.
Ela tinha um ponto, eu queria entender tudo aquilo.
Mas será que eu vou aguentar mais essa carga? Ao

–231 –
voltar o meu olhar para ela percebo que ela me encara
com esperança, minha cabeça já está toda do avesso,
que mal irá fazer uma simples explicação?
- Estou escutando. - Falo, levanto e coloco o copo na
bancada da cozinha enquanto vou em sua direção.
- Depois de tudo que aconteceu na minha vida,
depois de ver tudo isso passar por meus olhos, eu
enfim percebi que preciso tomar uma decisão que
precisa de mais coragem do que na noite de meu
aniversário de 18 anos. Hoje eu decidi que devo contar
sobre a escuridão que habita dentro de mim, hoje irei
ter a coragem que nunca tive, vou lhe contar minha
história Felippe, pois lhe devo isso por todo amor que
você me deu, em troca eu direi o porquê de eu não ter
retribuído nem ¼ deste sentimento. Apesar de eu sentir
ele gritando dentro de mim toda vez que eu o encarava.
- Escuridão? O que está acontecendo?
- O que eu vou te contar, eu só havia compartilhado
apenas com uma pessoa até meu último aniversário,
minha avó, que levou meu segredo com ela.
Um sorriso ralo aparece em seu rosto, tão cedo
quanto chega ele se vai. Percebo que ela respira fundo
umas duas vezes, se endireita, me encare e estica sua
mão para mim. Quando desvio meu olhar para baixo
vejo que ela carrega duas folhas de caderno meio
amassadas. Eu pego uma delas sem entender direito, e
quando leio a primeira frase da folha fico
instantaneamente confuso.
- É seu?
- Sim, eu recuperei.... Leia primeiro, e depois eu vou
lhe explicar tudo.

–232 –
Encarei aquela folha de caderno arrancada, era rosa
com corações desgastados e desenhados, tinha uma
grande mancha no primeiro parágrafo daquelas letras
tão delicadas, como se tivesse caído pingos de água
enquanto a tinta ainda secava.

Boa noite querido diário,


Hoje é domingo, então é dia de ir na casa da tia
Mari e brincar como gab. Foi bem legal sabe a
gente brincou de se esconde o dia inteiro, mas
depois de comer teve uma brincadeira beeem
estranha, vc nem sabe o que aconteceu comigo
hoje, na verdade nem eu sei bem direito.

Devido a mancha da tinta borrada, eu perdi um


pouco da introdução, então voltei meus olhos para
onde a tinta já estava seca novamente.

...ele me puxou para um canto mais escondido


da casa, eu percebi depois daquele momento que
foi o primeiro de muitos, que uma casa por
menor que seja tem vários lugares que daria para
um bem bom pique esconde, mas isso não é sobre
uma brincadeira qualquer sabe. Eu queria muito
que nesta página eu tivese contando mais uma
das minhas muitas aventuras do domingo, tipo
aquelas aventuras com meus amigos, ou até
mesmo sozinha. Mas para surpresa de qualquer
–233 –
um (caso alguém fosse ler, mas serei só eu
mesma, já que esse é um segredo muito, muito
perigoso. Pelo menos foi o que ele tinha me dito).
Depois de ele me levar para um para o
esconderijo do pique esconde ele chegou mais
perto e encostou o dedo devagar na minha
bochecha e foi escorregando até meu queixo.
Fazendo que eu encarasse seus olhos e quando
eu olhei vi que eu nunca mais esqueceria, e mais
do que nunca, pela primeira vez eu queria não
estar certa, mas dessa vez querido diário a sorte
não me apareceu, parecia o mais o gato de botas
da Alice que quando sorri só pode significar que
algo deu errado.
Pensei que toda esse carinho comigo fosse tipo
normal tipo saudades, mas a gente já tinha se
visto semana passada. E quando ele sorriu para
mim senti um arrepio passar por todo meu corpo,
eu sabia de alguma forma, que aquilo nada tinha
a ver com saudade, parecia na verdade algo bem
perigoso. E acho que senti medo pela primeira
vez perto de alguém que amo, e isso me fez ter
mais medo, mas mesmo assim não recuei.
Mesmo eu sabendo que não tava certo aquilo
ali eu não gritei, não corri, não mechi nenhuma
parte do corpo, eu sei eu sei sou muito medrosa e
fraca.
–234 –
Sabe diário aquele ditado a curiosidade matou
o gato? Eu aprendi muito com ele, não faz
sentido agora, mas você vai entender.
Até amanhã. :*

Eu pensei no começo que fosse a história do seu


primeiro beijo, mas mudei de ideia quando eu senti o
mesmo arrepio descrito por ela, e quando virei a folha
percebi que o arrepio não foram de borboletas no
estômago nem nada relacionado a uma alegria infantil
que esperava encontrar naquela leitura.

–235 –
Boa noite querido diário,
Onde é que eu tava na minha aventura de
domingo?
Aaa sim, eu tava tentando entender o que
tava acontecendo no meio daquele pique
esconde. Enfim, ele havia me apertado um pouco
mais para aquele canto do esconderijo, e então
(vc não ta preparado para o que vem a seguir, se
vc fosse uma pessoa vc iria querer se sentar
diário), ele foi aproximando mais e mais aquele
olhar do meu rosto, eu conseguia sentir a
respiração quente de sua boca perto da minha.
Eu sem pensar abri levemente minha boca, em
sinal de espanto para aquela proximidade,
APENAS ESPANTO, EU JURO PRA VC! Mas não
deve ter sido isso que aqueles olhos azuis teriam
entendido, se fosse a boca dele não estaria

–236 –
pressionando a minha com muita.... pressão? Eu
nem sei explicar bem, parecia um desespero até,
mas não tive muito tempo para pensar, pois
aquilo continuava acontecendo, e.... acho que o
beijo tem vários níveis, porque cada gesto novo
em minha direção parecia algo novo, um outro
nível. Tipo quando eu jogava Mario Card com
Gab, as fases pareciam quase iguais, só mudava
um pouco o modo de passar por elas. Mas
diferente do Mario, eu não tinha a mínima ideia
de como funcionava o controle daquele jogo.
E agora vem aquela fase que a gente passa,
mas nem sabe como chegou ali, ou como vai
terminar. Eu não consigo pensar como explicar
melhor aquele dia se não com o Mario Card.
Ele não parecia ta satisfeito em passar só pela
minha boca, por um tempo que achei até
estranhos dois corpos ficarem tão grudados
tanto tempo, ele continuo o trajeto que seus
dedos tinham parado há poucos segundos ou
minutos (pra mim pareceram séculos). Mas seu
toque não era mais sob meu rosto, ele estava
passando seus dedos por.... pela minha cintura,
eu estava sentindo que aquele esconderijo se
tornava cada vez mais sufocante e
desconfortável, passou para as minhas pernas e
então...
–237 –
Minha garganta estava seca, minha mão que
segurava aquela folha estava rígida, eu nem li o que
vem depois e já sentia meu sangue ferver e vontade de
colocar o desgraçado no mesmo canto e esmurrá-lo.
Quando olhei para ela novamente ela estava com a
cabeça baixa, mas percebi que tinha mais uma folha,
esta estava rasgada em sua mão.
Eu queria abraçá-la e amparar, mas ela queria que eu
terminasse. Se eu que nem vivi aquele momento já sinto
um gosto amargo na boca, o que ela sentiu todo esse
tempo? Peguei a outra folha rasgada, respirei fundo e li
cada palavra. E quando terminei me senti exausto,
fisicamente, mentalmente e sentimentalmente.

Boa noite querido diário,


Desculpa ter ficado sem escrever por quase
uma semana, mas agora estou pronta para te
contar como foi meu domingo passado.
Tão rápido quanto seus dedos passaram nas
minhas pernas por debaixo da minha saia, eu me
vi presa. Parecia que todo ar tinha saído de
dentro de mim, eu não conseguia mover NA - DA.
Foi aí que percebi que eu não tava mais em pé
naquele esconderijo, eu tava meio sentada meio
deitada num banquinho estofado. Os momentos
depois disso passaram ao mesmo tempo muito
rápidos, mais muito muito devagar.

–238 –
Aí eu ouvi um barulho de metal e couro caindo
de encontro ao chão, suas mãos pararam de
passar no meu corpo, aquele olhar parecia agora
feliz, mas um feliz que me levou a outro calafrio
estranho. Então eu percebi onde suas mãos
pararam, ele estava tentando arrumar o zíper da
calça. E pela primeira vez des do momento que eu
encontrei ele na casa, consegui dizer poucas
palavras, não sabia se ele tinha me escutado, eu
mesma mal conseguia. Minha garganta parecia
quando a mamãe e a vovó me fazia tomar vários
chás com mel, estava muito seca e meio que
fechada quando eu perguntei, encarando aquela
olhos azuis que parecia congelado como gelo.
“Tio o que você ta fazendo? “Tão rápido
quanto minha voz apareceu, ela sumiu e ele
então fez um Shhhh com a boca para que eu
fechase a boca. Mas aquilo não foi só para eu não
falar mais naquele momento, eu podia ver no seu
olhar que isso era uma ordem, pois falar sobre
isso seria muito, muito perigoso. Ele não só teve
certesa de calar eu naquele dia, como também
calou todos meus fracos gritos de dor. E me fez
entender que aquele momento nunca poderia
chegar ao ouvido da minha mãe ou qualquer
outra pessoa em quem eu confiava. Mas a

–239 –
verdade é q eu não sabia mais de nada sobre
quem realmente eu poderia confiar.
E agora querido diário vc entende porque eu
demorei tanto para contar minha aventura do
domingo. E se vc fosse uma pessoa gostaria de
dizer mais uma coisa. Naquele dia lá eu me senti
dolorida de diferentes formas, tanto no meu
corpo quanto dentro de mim, tipo no coração, eu
sentia um medo gigantesco dentro de mim não
apenas por que eu me sentia sozinha, mas
porque percebi naquele olhar, que jamais
esquecerei aquele dia e que aquela não seria a
última vez que eu sentiria medo por aqueles
olhos gelados.

O silêncio pode matar, ou pode fazer pior, deixá-la


viva para viver com seus pensamentos. E era por isso
que minha Lis não parecia florescer totalmente quando
sorria, uma parte dela estava murcha ou até mesmo
morta. E eu queria mais que nunca poder fazer florescer
um jardim em seu coração.

–240 –
- Quan.... – Limpei a garganta várias vezes antes de
continuar – Quantos anos?
- Nove anos.
- Meu Deus Elisa!
- Eu sei.
- Você foi.... Estuprada.
- Eu sei.
- ... e abusada, por.... Pelo seu Tio! Isso é incabível!
- Sei disso também, mas....
- Não tem, mas. Foi sua própria família, e.... – Minha
cabeça começou a trabalhar em pleno vapor, e percebi
então ela me xingando no seu aniversário, a briga
depois, seu tio, ela só tinha um único tio! – Como
conseguiu isso?
Ela me olhou confusa para minha pergunta, e então
ela entendeu meu ponto. E me olhava agora com
carinho. Eu não merecia aquele olhar. Eu trouxe o
maldito monstro para a vida dela novamente junto com
toda a sua bagagem. Eu deixei a mulher da minha vida
em perigo e fugi para outro país. Eu sou um legítimo
homem de merda mesmo.
- Me perdoe Lis.
–241 –
- Não. – Ouço um fungar e percebo que ela me olha e
lágrimas escorreram por suas bochechas rosadas. Eu
seguro seu rosto e beijo todos os lugares onde escorreu
alguma lágrima.
- Eu estou aqui por você, agora e sempre. Eu não
deixarei mais nada te acontecer. Mas por favor, me
perdoe e não chore, eu não aguentaria saber que te
machuquei algum dia sequer da minha vida.
- Eu faço sua vida um inferno, despejando em você
um dos meus maiores pesos, quase mato sua irmã e
você me pede perdão? Tudo bem, eu te perdoo, com
uma condição.
- E qual seria?
- Que você me perdoasse também, eu sei que te
machuquei com minhas palavras, mas eu estava
pensando no meu tio e sua tentativa patética de tentar
me chantagear com essas folhas, me perdoe Felippe.
- Eu já te perdoei, acho que foi no minuto em que
seus olhos pousarem no meu campo de visão
novamente, eu já me vi perdidamente apaixonado por
você novamente.
Eu não podia mais ver aquela cara triste, então
resolvi surpreendê-la. Pois mais adorável que é sua cara
quando está irada, é seu rosto quando esta surpresa.
Suas pupilas dilatam, e sua boca abre levemente, o que
me permite sapecar um beijo. E foi exatamente o que eu
fiz, depois de ela aceitar a minha condição.
− Então eu também tenho uma condição.
− Que seria?
− Você aceitaria se casar comigo?
–242 –
− Eu... Você... Você está falando sério? Eu não
estou em sonho né? Eu pensei que sua irmã tinha
batido a cabeça e não eu. - Como previsto, seu olhos
dilataram e sua boca abriu levemente. – Mas
inesperadamente ela começou a rir, e muito.
− Por que está rindo?
− Eu acho... – Ela disse se acalmando e limpando
uma lágrima. – Eu acho que de nervoso.
− Mas eu falo sério Lis. Eu quero que você seja a
primeira coisa quando eu acordo e eu a última antes de
você dormir. Eu não sei se estou ficando louco, mas
sinto que quando você me olha é como se eu fosse seu
mundo, porque você é o meu. Eu já te perdi uma vez
por ser estúpido o bastante para não enxergar isso, e
não quero nunca mais que eu sinta essa perda dentro
de mim que eu já senti.
− Eu realmente estou sem palavras.
− Eu só preciso de uma, na verdade três letras, e eu
espero que ela comece com S e não com N – ouço um
sorriso fraco sair de sua boca. – Então você me daria a
honra de ser minha esposa e me tornar o homem mais
feliz deste mundo?
− Pensei que nunca ia pedir, meu deus como você
é devagar. É óbvio que sim! Eu aceito. – E então a beijo
como se aquele beijo fosse o responsável pela minha
vida, ela abriu levemente a boca e eu coloquei a mão em
seu pescoço para aprofundar o beijo. Nos soltamos
respirando pesadamente, como se aquele momento
tivesse tirado toda nossa energia e ao mesmo tempo
–243 –
injetado uma dose de adrenalina, eu jurava que poderia
ouvir nossos corações batendo alto.
− Só mais uma coisa, você não é culpada pelo
acidente de Clara entendeu? Foi apenas isso, um
acidente.
− Eu entendo, agora eu entendo, eu nunca tive
culpa.... Foi apenas, o destino.
− Você não tem ideia como meu amor por você se
multiplicou dentro de mim agora Lis, acho que não há
nenhuma pessoa mais feliz e apaixonada que eu neste
momento
− Devo discordar. – Seus olhos brilharam como
esmeraldas e ela sorriu, se ela me pedisse o mundo
agora, eu não sei como, mas eu daria. – E talvez eu
tenha uma ideia, afinal estou sentindo uma explosão no
meu coração agora mesmo.
Eu pensei em mostrar o quanto a queria, mostrar
tudo que há dentro de mim. Mas fomos interrompidos
por um barulho estranho, mas muito familiar. – BIP!
BIP! BIP! Nós nos encaramos, e acredito que ambos
tivemos um pequeno dejavú, como se não bastasse seu
telefone tocou, e antes que eu pudesse argumentar ela
já tinha atendido e colocado no viva voz.
- Dra. Ferraz, em que posso ajudar?
- Oi Elisa, aqui é a Bella, achei que gostaria de saber
que a paciente do quarto 204 acordou.
- Muito obrigada Bella, já estou indo.
- Então o que temos no quarto 204? Gêmeas em caso
de vida ou morte?

–244 –
Ela sorri com a lembrança de nosso primeiro dia
juntos que ela sumiu apressadamente pela porta do
próprio apartamento, quase esquecendo onde estava. –
Não. Sua irmã está lá.
Minha irmã. Ela acordou está viva e bem, percebo
que solto uma lufada de ar que eu carregava no peito.
Tudo está se encaixando, tenho minha irmã a salvo e a
mulher da minha vida ao meu lado. Eu não poderia
estar mais feliz.

–245 –
Eu acordei, e parecia que tinha tirado aqueles
cochilos que você diz para si mesmo que são apenas
mais cinco minutinhos, mas vai uma tarde inteira, e aí
você percebe que seu corpo está tão descansado que
você não aguenta mais nem ficar deitada. Quando
decido me levantar, eu percebo três coisas: a primeira é
que eu não estou em um sofá, estou em uma cama de
hospital, a segunda é que se estou aqui é porque sofri
um acidente, certo? Mas eu realmente não me lembro
de um acontecimento desse tipo, e terceiro não menos
importante tinha uma médica na minha frente que eu
sentia uma puta vontade de beijar.
- Boa noite Clara, eu sou a Dra. Schwartz, e estou
aqui para dizer que sua cirurgia foi um sucesso. –
MINHA O QUE? – E quero dizer que apesar de você ter
batido a cabeça no acidente, foi uma cirurgia ótima, a
senhorita não teve nenhuma sequela, na verdade parece
até melhor.... Digo não que um acidente tenha te
deixado melhor, é só que.... – Ela não conseguia

–246 –
terminar a frase, estava gaguejando e corando. Ela
estava CORANDO, quem cora em pleno século XXI? Eu
não posso não sorrir com aquele momento, mas pela
cara dela acho que ela não gostou muito da minha
reação.
- Olha Dra. Shuatss eu não estou rindo de você, é só
que a sua reação foi... Diferente, mas eu não me lembro
de acidente nenhum, o que aconteceu?
- Você foi... é. atropelada, e estava bêbada, então
Elisa.... Digo Dra. Ferraz fez reanimação e....
- Elisa me atropelou? Nossa, de agora em diante vou
levar mais em consideração suas ameaças de morte, o
que será que eu fiz?
- Não, na verdade ela te salvou.
- Certo.
Eu fui empurrado por aquele idiota enquanto minha
amiga discutia com Brian, eu acho que eu fui parar na
rua, depois veio uma luz forte e eu senti ser jogada para
algum lugar escuro, e não me lembro de mais nada,
Elisa me atropelou? Duvido muito. Então eu percebi
que aquela doutora com sobrenome difícil de
pronunciar não estava mais ali, apenas duas pessoa
sorrindo e chorando, eles estavam de mãos dadas?

- Deixa ver se eu entendi bem, você – disse


apontando para a Lis – me salvou duas ou três vezes na
mesma noite, e ainda me lembro de você ter falado para
mim que o Felippe não queria nada com você, esse
mesmo cara que se encontra ao seu lado agora, feliz
–247 –
demais para o meu gosto. E agora vocês dois me dizem,
que enquanto eu estava em coma, tendo meu sono de
Bela Adormecida, vocês fazem as pazes e ficam noivos?
- Tirando a parte do coma, é isso mesmo maninha –
enquanto ele diz isso para mim, não para de sorrir para
ela, deveria estar com ciúme, afinal eu sou a doente
aqui querido. Mas estou muito feliz que finalmente essa
novela mexicana acabou, e ainda vai ter um casamento,
vou poder comer e dançar à vontade, e era só eu ter
batido a cabeça.
- Eu só consigo pensar em uma coisa nesse momento.
Quem vai contar para a Dona Sophia?

–248 –
Era véspera de natal, a neve caia e surgia como se
fosse um manto branco nas ruas, árvores e telhados da
vizinhança, já era tarde, olhei o relógio novamente
enquanto me sentava de volta no sofá com uma taça de
vinho na mão – 23:30h. Kiara colocou Sam e Lia na
cama há uma hora atrás, mas na minha opinião eles
estão bem acordados esperando dar meia noite.
E como já esperávamos isso, Felippe estava no
quarto de visitas terminando de se arrumar com os
presentes na mão, sei que meu irmão Samuel já deve ter
descoberto que o Papai Noel não é real, com seus 9
anos, mas Lia ainda acredita fielmente, como acreditava
na sua fada do dente com seus 6 anos. A árvore está
linda com várias luzes piscando ao seu redor. Andrew e
Kiara se encontram abraçados no outro extremo do sofá
cada um com uma taça na mão, e minha amiga e agora
futura cunhada está sentada nos últimos degraus da
escada com uma xícara de chocolate quente nas mãos. -
Apesar da fratura, conseguimos que Bella liberasse
Clara para o Natal, com a condição de voltar se sentisse
qualquer coisa, e caso doesse muito ela ia vir com um
grande “eu avisei”.
–249 –
Ela me deu um grande susto com seu acidente, mas
após sua melhora eu só tive notícias boas, meu chefe me
liberou na véspera de Natal, eu fui pedida em
casamento pelo homem que sou totalmente e
perdidamente apaixonada que se encontra escondido
perto da porta da sala de estar vestido a caráter e por
fim, não recebi mais nenhuma notícia do desgraçado do
meu tio, resolvi levar isso como algo bom, por hora.
Quando o relógio marca meia noite Felippe, digo o
Papai Noel está se sentando perto da árvore e deixa cair
o saco no chão com um barulho alto, que deve ter sido
ouvido no andar de cima, pois em minutos aparece no
começo da escada uma menininha miúda de cabelos
cacheados e escuros muito sonolenta e um garotinho
mais alto com os cabelos no mesmo tom que o meu e
um olho tão verde quanta grama com um meio sorriso.
– Eu ouvi um barulho e ... – Ela para o que estava
falando e seu olhar vai para a árvore. – Meus Deus o
Papai Noel está na minha casa!
- Vamos Sam, vamos conhecê-lo. – Ela o puxa pela
escada, nem percebendo Clara no final dela e abraça o
Papai Noel toda sorridente.

Depois que eu voltei a ser eu mesmo, as crianças


acabaram dormindo, Sam deitado com a cabeça no colo
de Clara que agora estava no sofá e Lia havia dormido

–250 –
enroscada em mim após contar toda sua história com
Papai Noel e tudo que eu “perdi” enquanto estava fora.
Após Elisa ter me abandonado no seu aniversário
sem respostas eu imaginei que não poderia mais viver
em paz, já que sempre que tentava esquecer aquela
mulher ela aparecia mais intensamente em minha
mente. Mas quando voltei do Brasil, tudo mudou. Ela
me provocou e tentou me mostrar que estava sofrendo
e eu muito cego a ignorei e afastei todos de mim, então
veio o acidente de Clara, eu pensei que nada mais
poderia me fazer sentir mais fraco. Eu nunca estive tão
errado.
No mesmo dia Lis me aparece com papéis que
contam o dia que ela foi violentada pelo homem que eu
trouxe de volta à vida dela, eu que separei nós. Naquele
momento só queria dar um belo murro na minha
própria cara por ter feito ela sofrer novamente sozinha,
mas isso passou.
Hoje eu aprecio meu primeiro Natal com minha
noiva, minha irmã viva e bem é uma nova família. Lia
se mexe novamente no meu colo se enrolando cada vez
mais em meu casaco. – Acho que ela está com frio, onde
é o quarto dela Kiara?
- Não se incomode Felippe.
- Tudo bem, ela já está no meu colo.
- Eu te mostro Fe, tenho que levar esse garotinho
também. – Minha irmã diz levantando-se com Sam em
seu colo e indo em direção as escadas.
Depois de colocá-los na cama e cobri-los, vou em
direção a Clara que estava na soleira da porta olhando.

–251 –
– E imaginar que futuramente será você colocando seus
próprios filhos.
- Vai com calma querida, você irá demorar para ser
titia.
- Se você diz. – Ela sorri e descemos a escada.
Ligo para minha mãe para desejar Feliz Natal, já que
ela não pode vir por ter ficado presa por conta na
nevasca. Volto ao sofá, abraço Lis e dou um beijo casto
em seus lábios que me retribui junto com um sorriso. –
Ah pronto agora eu vou ficar de vela no Natal porque o
casal bonito resolveu se beijar na sala. – Todos riem
com a reação da minha irmã, que vai até a cozinha atrás
de mais chocolate quente.
- Eu te amo Felippe.
- Eu a amo mais.
- Tenho minhas dúvidas. – Ela ri, e vamos todos até a
cozinha até minha irmã atrás de xícaras de chocolate
quente. – Se vocês vieram até a cozinha para também se
beijar eu vou esganá-los. Mas caso queiram chocolate
quente, saibam que eu fiz mais.

–252 –
UM ANO DEPOIS

Ele era perfeito, definitivamente, o melhor presente.


Falei para Carol que no final tudo iria dar certo, valeu a
pena o incômodo, a superdose de Dipirona e muito
café, e toda essa maratona nas últimas semanas, eu
estava totalmente apaixonada por mim mesma neste
vestido. Conheci Carol por uma indicação de Ana para
lingeries – sua marca era a letra C presa dentro do D,
referente ao seu nome, Caroline Dmengeon. - Afinal eu
precisava estar deslumbrante para todos os gostos do
meu marido, quando conheci seu trabalho fiquei
totalmente encantada, ela era uma designer brasileira e
tinha começado com um projeto da faculdade e
evoluindo com suas peças de levar qualquer homem ou
mulher a loucura, hoje seu maior público reside na

–253 –
Europa. Eu pedi a ela que fizesse meu vestido no
mesmo momento, mesmo ela me afirmando que
vestidos de casamento não eram sua especialidade,
porém eu disse que se ela criasse meu sonho com suas
mãos delicadas e seu dom para deixar tudo
deslumbrante eu não poderia imaginar outra para fazer
esse vestido, e para a minha felicidade ela aceitou este
desafio, eu não poderia estar mais grata.
Era um vestido de espartilho tomara que caia -
porque eu não podia apenas colocar um vestido que
estivesse pronto nas opções da vitrine e se casar, tinha
que ser o vestido como eu imaginava, nos detalhes mais
surpreendentes e diferentes possíveis. Carol quase teve
um AVC depois de eu negar o quinto desenho do meu
vestido. – Com um decote de coração, com detalhes de
renda por toda frente e atrás se fechava com um cetim
rosa bebê que mal era percebido no vestido quando
amarrado com um pequeno laço, era um longo com um
pouco de volume, parecia que a saia era um véu lindo e
infinito. Como eu gosto de pensar em tudo, pedi para a
Carol fazer este vestido com duas partes, curto e longo.
A saia longa que me fazia parecer uma princesa da
Disney, era retirável, e quando tirada dava a visão de
uma saia mais curta, com uns dois palmos do meu
joelho, esta parte do vestido continuava o delineado de
renda.
Meu penteado por mais que pareça só um cabelo
bagunçado com um detalhe em cima, deu um trabalho
de uma hora. – Certamente nunca mais irei fazer esse
penteado, mais valeu a pena – fiz um coque baixo
desestruturado, e coloquei uma tiara que pareciam
–254 –
pingos de gelo desenhados no meu cabelo, estava preso
de uma maneira, que nem eu acreditaria que solto ele
seria do tamanho que estou acostumada. O que
grampos e muito laquê não fazem né? Para finalizar
coloquei um Scarpin cor da pele baixo, e escolhi um
buquê de sakuras rosas e brancas, usei uma maquiagem
clean, mas com uma boca marcante em uma cor que
estava entre o vermelho e o Pink.
- Está pronta querida?
Não sei se ele estava há muito tempo na porta, mas
nem percebi ele chegar, ele estava sorrindo e pela sua
afeição segurando uma lágrima – mesmo no meu
casamento, continua durão – vestia um terno preto,
camisa branca e sua gravata vermelha que adoro nele,
para mim ele sempre vai ser o homem mais bonito,
elegante e bondoso deste mundo. – E sempre o
considerei meu segundo pai.
- Sim And.

Não mentem para você, quando todos dizem que seu


casamento é um dos momentos mais felizes da sua
vida. Eu pensei que não podia ficar mais feliz do que
estar casando com um homem que eu amo com todas
as minhas forças, mas me enganei quando encarei os
olhos daquele que me olhava com um sentimento tão
superlativo, que não conseguirei pôr em palavras
agora, mas me fez emoldurar mais ainda meu sorriso.

–255 –
Agora estava eu, Elisa Ferraz Evans, toda saltitante por
dentro, contemplando todos os meus convidados.
Fiz uma festa pequena, convidando somente a
família e alguns amigos, Andrew e Kiara se
encontravam em uma mesa perto do palco improvisado
para os músicos, enquanto Lia e Sam corriam em volta
dos convidados, Clara conversava com Ana, eu sei eu
estava sendo cúpida, mas eu juro que você pode
apostar todas as moedas naquele casal. Isabella chegou
sem aviso e me abraçou e me felicitou. – Obrigada Bella,
fico muito feliz de compartilhar esse momento com
você.
- Você merece tudo isso Lis, e eu estou muito feliz
também de comemorar com você. – Somos
interrompidas por Peter, depois de conhecê-lo naquela
sexta à noite e ver ele novamente visitando Clara no
hospital, fiz um amigo apesar das circunstâncias.
- Com licença, mas por acaso as damas viram meu
irmão
- E quem é o seu irmão? – Antes que eu pudesse
falar, Bella o questiona com seus olhos dançando ao
redor do corpo daquele homem na minha frente.
- Adam Kutcher, muito parecido comigo só que
menos bonito. – Nós duas rimos e Bella não perde a
chance e faz seu comentário marcante e então se
despede de mim, indo em direção a Kiara.
- Eu conheço Adam, agora sobre você ser lindo e dar
água na boca, tenho minhas dúvidas, com licença Peter.
- Como ela sabia meu nome?
- Não é óbvio Peter? Ela trabalha no hospital e Clara
era sua paciente e você a visitou várias vezes.
–256 –
- Está me falando que essa mulher maravilhosa
passou no meu radar e eu nem percebi?
- Acredite, você não é único surpreso aqui.
Depois de me despedir de Peter voltei a passar meus
olhos para o jardim onde eu estava comemorando
minha festa de casamento, e um pouco mais perto da
mesa de bebidas, estava meu marido, em um terno azul
marinho escuro de linho, que emoldurava todo seu
tronco, com uma camisa branca e uma gravata azul no
mesmo tom do terno, não só porque é meu marido, mas
é um homem de tirar o fôlego, e o melhor é que além da
atração há amor e confiança entre nós. Ele deixou sua
mãe conversando com outros convidados, que eram
amigos da empresa. – Pasmem, pois eu também fiquei
quando depois de aceitar o convite, ela realmente
aparecer no meu casamento, e digo mais, já se passaram
três horas e nenhuma confusão ou gritaria foi ouvida.
- Eu falei que alguma hora ela iria acabar gostando
de você.
Olho a Sra. Evans e depois mudei o meu olhar para o
rosto de meu marido, com um pouco de desconfiança. –
Acredito que gostar seja demais, você pode dizer que ela
está me aceitando.
− Está bem, ela está te aceitando, mas você deve
concordar que já é algo muito grande para minha mãe. -
Eu realmente concordei com ele, até porque eu não
deixaria minha sogra se tornar o tema principal daquela
noite.

–257 –
Eu convidei minha tia e meu primo para o
casamento, eles não vieram para a festa, mas eu os vi no
casamento. Depois de contar tudo a Felippe, eu cheguei
à conclusão que deveria enterrar aquela história, então
procurei minha tia contei tudo, entreguei toda e
qualquer prova que eu tinha para ela. Minha tia Mari
no começo não quis ouvir ou acreditar, mas após alguns
meses recebi a notícia que eles estavam se divorciando
e ela tinha se mudado para um apartamento ao lado do
meu primo no Brasil, apesar de ela não ter vindo até
mim, fico feliz de ela estar lá em um momento tão
importante para mim, como meu casamento.
− Acho que está na hora de pedir nosso presente de
casamento para sua irmã.
− Antes eu quero te entregar o meu.
− Como assim? Eu não comprei nada para você
Felippe.
Ele pega minha mão e me leva para um espaço longe
dos convidados, e vejo que nos aproximamos do que
parece ser uma estufa feita toda de vidro, e ao entrar
estou rodeada de várias flores diferentes, mas um
caminho de flores vermelhas que levam até uma mesa
no centro do lugar, eu me abaixei para pegar a flor, e
me emociono em constar que estou rodeada por um
mar de flores de Liz e no centro da mesa encontro uma
caixinha aveludada. Antes de abri-la eu olho seus olhos
com a íris mais escura que a noite – Meu Deus Felippe é
lindo, eu não sei o que dizer.

–258 –
- Apenas abra seu presente. – Eu abro a caixinha e lá
encontro uma pulseira, com três pingentes, o símbolo
da flor de Liz, um quadrado escrito “BIP BIP”, e um
coração.
- BIP? Você é muito criativo.
- Achei que esse treco barulhento merece destaque, a
flor pela guerreira que você é, e o meu coração. – Eu
observo a pulseira e o beijo para agradecer, mas eu
estou tomada pela luxúria, felicidade e o prazer de ter
esse homem na minha vida que o que era para ser
somente um beijo de agradecimento, se torna um
pedido por mais.
Com a boca ainda colada na sua ele me coloca em
cima da mesa e sinto sua mão passar pela minha coxa e
subir até minha calcinha e seus dedos começam uma
massagem constante em meu sexo, eu o puxei contra
meu corpo com maior avidez e sinto dois dedos
adentrarem em mim, não aguento e solto um gemido
fraco – Nós temos que voltar. - Ele continua a friccionar
e tira sua boca do caminho que estava fazendo em meu
pescoço e me encara.
- Você quer parar?
- Não, eu quero finalizar. Eu quero você dentro de
mim, agora!
- O que você não me pede gemendo, que eu não faço
sorrindo meu amor?
Ele se arruma e poucos segundos o sinto
inteiramente dentro de mim, só a sua presença já me faz
quase perder os sentidos. Então ele começa um
movimento de vai e vem com seu dedo massageando
–259 –
meu clitóris e sua boca colada na minha. – Eu. Te. Amo.
– Ele fala cada palavra e vai depositando beijos nos
meu pescoço e clavícula e então nós olhamos e sinto ele
me preenchendo e eu me desmanchando dentro dele
com todo nosso prazer. – Eu te amo mais, obrigada pelo
presente.
- Eu que agradeço meu amor. – Ele sorri, com seu
olhar malicioso e rouba mais um beijo de mim antes de
sair de dentro de mim.
Demoramos alguns minutos para arrumar as roupas
e eu dar um jeito no cabelo, depois ele coloca minha
pulseira e voltamos ao encontro dos nossos convidados.
- Agora o que você quis dizer sobre pedir nosso
presente de casamento para Clara?
− Você vai entender. – Nós a encontramos tão logo
eu coloquei meus olhos a sua procura, porém eu me
retraio por alguns minutos antes de chamar sua
atenção, a conversa entre Ana e minha amiga parecia
ser tão encantadora, que até me deu pena de
interromper.
− Boa noite, não queria interromper, mas a senhorita
me deve um presente.
− Você não interrompeu nada douto.... Digo Elisa.
− Ao contrário de Ana, eu não sou tão boa, você
interrompeu alguma coisa sim, mas vou te perdoar
desta vez só porque estou bom humor hoje. – Ela nos
olha por um momento que parece longo de mais, e vejo
o mesmo sorriso malicioso que vi em Felippe em seu
rosto e sinto ela dar uma piscadinha para mim e algo
–260 –
como parabéns maninho para Felippe, Ana fica sem
entender nada e nós três rimos.
− Que sorte a nossa então ter seu bom humor
presente. – Completou Felippe.
− Mas falando sério agora, você realmente quer que eu
cante? Eu ainda posso te dar um kit Tupperware de
casamento.
Eu só posso rir sobre seu modo de fugir do meu
pedido. Se ela não fosse uma ótima cantora, eu não
estaria pedindo para ela cantar num momento tão
especial, para pessoas mais especiais ainda, claro que
adoro rir um pouco da minha amiga quando possível,
mas não sou tão má assim. Ela sabe que canta bem, ao
menos qualquer um pode sentir como o seu corpo
parece entrar em um completo equilíbrio quando
qualquer melodia sai de sua boca, é simplesmente
mágico e delicioso.
− Agradeço a oferta, mas você me disse que eu
poderia escolher o que eu quisesse, e jurou de
minguinho. Então meu anjo, você não tem alternativa.
− Ok, você venceu. Mas somente uma música.
− Quero ver você dizer isso para si mesma depois de
começar a cantar.
Ela respira fundo e revira os olhos para mim, em
acordo dou risada de sua reação um pouco infantil.
Sobe até o palco e em poucos minutos, ouço a voz de
minha amiga.

–261 –
− Oi pessoal, desculpa interromper. Mas por
simples e espontânea pressão, venho até esse palco hoje
entregar meu presente de casamento para a minha
melhor amiga e cunhada, e para o meu irmão querido,
as pessoas que mais amo. Essa música que eu vou
cantar é para os dois, mas é totalmente e simplesmente
o que Elisa sempre me disse desde que botou os olhos
naquele cara alto agarrado nela agora, ela só não sabia
como dizer. Amo vocês. – E então o ambiente foi
absorto pela melodia de sua voz ao som de I Like me
Better de LAUV.
I don't know what it is, but I got that feeling
(Eu não sei o que é isto, mas eu gosto deste
sentimento)
Waking up in this bed next to you swear the room
(Acordar nesta cama com você, falar besteira)
Yeah it got no ceiling
(Sim, curtir muito)
If we lay, let the day just pass us by
(Se nós deitarmos, vamos passar o dia juntos)

I might get to too much talking


(Eu posso começar a falar demais)
I might have to tell you something
(Eu talvez tenha que te contar algo)

–262 –
Damn, I knew from the first time, I'd stay for a long time
cause
(Droga, Eu sabia desde a primeira vez, eu ficaria um
bom tempo porque)
I like me better when I'm with you
(Eu gosto mais de mim quando estou com você)

− Yes i do, babe... (Sim eu gosto, amor) - Ele canta a


parte da música olhando para os meus olhos. - I like me
better when I'm with you Elisa.
Sei que apesar do que me aconteceu a mais de 20
anos atrás, eu continuei com minha vida sexual ativa,
namorei uns quatro caras, dormi com muitos mais,
ganhei muitos amigos pra vida toda nesses
relacionamentos abertos e fechados, pessoas com quem
ainda dou risada da pior transa, e pessoa com quem eu
gostaria de apagar da memória, como toda mulher deve
ter vivido. Porém a diferença é que nenhum desses
homens eu me senti entregue, nenhum parecia que teve
um encaixe dos nossos corpos, nenhum me levou ao
céu, eu não estou falando do orgasmo em si, e sim de
tudo que relaciona o sexo, uma relação prazerosa que
fizesse seu corpo relaxar, que fizesse seu corpo chegar a
um nível que seus problemas fossem esquecidos, um
momento entre as duas pessoas que fizesse sentido.
Sabem por quê? Porque eu não confiei em nenhum
homem depois daquele dia, e acredito que para toda
relação entre seu companheiro ou companheira é mais
que necessário à confiança, para poder assim se
–263 –
entregar de corpo e a alma, e receber reciprocidade
igual do outro. Eu engoli seco, limpei minhas lágrimas
e dei um meio sorriso – Você é recíproco comigo Felipe.
− O que você disse?
Encaro aqueles olhos escuros, ardentes de paixão,
penso em inúmeras respostas para aquela declaração,
como eu o agradeço por me acolher apesar de todo o
transtorno que eu gerei em sua vida? Por ter me amado
mesmo eu tendo o machucado? Mas com sua
proximidade e olhos me consumindo, eu disse em um
sussurro tudo que meu corpo conseguiu, e que resumi
tudo que eu estava sentindo naquele momento. - Eu
também te amo Felippe.

FIM

–264 –
Agradecimentos especiais a:
Você, principalmente por se aventurar em um
romance de uma novata e desconhecida, você mora no
meu coração (mesmo muitos insistirem na ideia de eu
não ter um).
As minhas parceiras nesse livro sem nenhuma
editora, especialmente a Ariel (sim eu tive ajuda de
uma princesa da Disney, chique né?), pela capa
lindíssima (e de graça) e a Fabi minha relatora,
corretora e revisora, talvez minha faz tudo, mas
principalmente por ser minha amiga.
Aos meus pais por lerem mesmo esse não sendo o
gênero de vocês, mas também ao meu irmão que tem
seu jeito peculiar de dizer que eu arraso “Gabi eu falei
que deveria fazer outra faculdade, porque fez
farmácia?” Amo vocês família!
A Luana, por ler mesmo eu já tendo mudado a
história mil vezes no caminho, aliás leia de novo, pois
antes de publicá-lo mudei de novo ok?
A Angelina, obrigada por ler (e reler), e depois
chorar até nas partes que não pensei ser possível, acho
que isso significa que você gostou (assim espero).
E para todos que eu esqueci – o que tenho certeza
que aconteceu – pois eu realmente não pensei, desculpa
–265 –
gente eu tenho esse dom. Mas principalmente porque
eu resolvi escrever isso de madrugada então meu corpo
já está no modo avião.
E não esqueçam que vocês tem a força e a coragem
para tudo que quiserem, basta acreditarem em si
mesmos, Lis acreditou e eu acreditei em mim ao
escrever essa história, eu acredito em você!
Amo vocês!

–266 –
1. Roses - The Chainsmoker;
2. Deixe me ir - 1 Kilo;
3. Like that - Bea Miller;
4. Toxic - Britney Spears;
5. High - Dua Lipa;
6. I hate u, I love u - Gnash ft. Olivia O’Brian;
7. I like me better - LAUV.

–267 –
A seguir em
Perigosa Sedução

O Mistério de
Grace

Prólogo
As bombas explodiram. - Quando eu acordei esta
manhã tudo que imaginava no fim do meu dia era estar
abraçando aqueles que eu amo em minha sala, com no
máximo uma xícara de chá e muitos chocolates em
minha mão. Mas obviamente eu sonhei muito alto, pois
–268 –
minha manhã foi totalmente diferente do planejado, na
verdade acredito que planos e vida nunca estarão
juntos na mesma frase quando se tratar sobre mim.
Assim que houve o barulho ensurdecedor da bomba
eu ouvia um fraco zunido em meus ouvidos, eu agarrei
a arma perto da mesa e encarei o lugar em volta de mim
novamente e meus olhos marejaram por um segundo,
mas eu não podia ser fraca agora, se não fosse por mim,
que fosse por elas.
Havia uma mulher com as suas roupas rasgadas e
ensanguentadas depois de horas nas mãos daquele
monstro, a mulher que eu amo havia se colocado à
minha frente para me proteger. Eu acabei de dizer que
eu amo? Ah Foda - se, por mais que eu negue, não
posso mais me enganar quero tanto essa mulher tanto
que parece que não respiraria sem ela, que inferno, eu
realmente a amo. Ao lado dela há uma garota que
aparenta 16 anos acredito, tão pálida quanto seu
vestido branco, e abraçada nela uma criança de mais ou
menos três anos com dois dedos pendendo
frouxamente em sua mão.
E a minha frente aquele monstro sorrindo como se
estivesse comemorando seu dia mais feliz. - Parece que
sua vida chegou no fim, minha querida.
- A vida é minha e eu digo que ela não chegou no
fim.
- Não é assim que as coisas funcionam.
- Eu estou com uma arma na mão apontada para sua
cabeça, então sim. É assim que as coisas irão funcionar.
- Digo apontando a arma em sua direção.

–269 –
Então ouço mais um barulho estrondoso, esse parece
mais perto, na verdade, parece ter sido bem ao meu
lado e aquele homem à minha frente sorri mais que o
coringa acharia possível, ouço barulho de tiros. Minha
visão escurece e ouço ao fundo uma mulher gritar e a
gargalhada daquele desgraçado tão perto de mim que
pareço sentir sua respiração. Eu não lembro de ter
apertado o gatilho, e não consigo distinguir quem
gritou, talvez tenha sido eu mesma até sentir tudo virar
um breu. Talvez ele estivesse certo, nem com uma arma
em minhas mãos as coisas funcionam como eu queria,
malditos planos que nunca dão certo.

–270 –

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