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Clair

[2021]
Todos os direitos dessa edição reservado à
EDITORA CABANA VERMELHA
Parque Universitário - Campinas/SP

TÍTULO ORIGINAL:
A Touch of Darkness
DIRETORA EDITORIAL:
Elaine Cardoso
TRADUÇÃO:
Danielle Tavares
PREPARAÇÃO E REVISÃO:
Mari Vieira
PROJETO GRÁFICO DE MIOLO E ADAPTAÇÃO DE CAPA:
Elaine Cardoso
CAPA ORIGINAL
Regina Wanba

ISBN: 978-65-87221-40-3

Todos os direitos reservados ©. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida,
armazenada ou introduzida em um sistema de recuperação, ou transmitida, em qualquer
forma ou por qualquer meio (eletrônico, mecâni-co, de fotocópia, de gravação, ou outros),
sem permissão prévia por escrito do autor e da editora.
DEDICATÓRIA

Ashley Elizabeth Steele


&
Molly Kathleen McCool
Obrigada por me amarem.
MELHORES AMIGAS PARA SEMPRE.
SUMÁRIO

1
O NARCISO
2
NEVERNIGHT
3
JORNAL NOVA ATENAS
4
O CONTRATO
5
INTRUSÃO
6
O ESTIGE
7
UM TOQUE DE....GENTILEZA
8
UM JARDIM NO SUBMUNDO
9
PEDRA, PAPEL, TESOURA
10
TENSÃO
11
UM TOQUE DE ... DESEJO
12
O DEUS DO JOGO
13
LA ROSE
14
UM TOQUE DE CIÚME
15
OFERTA
16
UM TOQUE DE ESCURIDÃO
17
GALA OLÍMPICA
18
UM TOQUE DE PAIXÃO
19
UM TOQUE DE PODER
20
ELÍSIO
21
UM TOQUE DE INSANIDADE
22
O BAILE DE ASCENSÃO
23
UM TOQUE DE NORMALIDADE
24
UM TOQUE DE ARTIMANHA
25
UM TOQUE DE VIDA
26
UM TOQUE DE CASA
27
MINTHE A HORTELÃ (Bônus)
1
UM JOGO DE DEUSES
2
UM JOGO DO DESTINO
AGRADECIMENTOS
NOTA DA AUTORA.
1
O NARCISO

PERSÉFONE SENTOU-SE À LUZ DO SOL.


Ela tinha escolhido o seu lugar habitual no Coffee House , uma mesa
ao ar livre com vista para uma movimentada rua de pedestres. O
caminho estava cheio de sombras de árvores e jardineiras repletos
de ásteres roxas e alissos brancos e doces. Uma brisa leve
carregava o aroma da primavera e o ar adocicado era suave.
Foi um dia perfeito, e apesar de Perséfone ter vindo aqui estudar,
ela estava achando difícil se concentrar porque seus olhos estavam
atraídos por alguns narcisos postos em um vaso em sua mesa. O
buquê era escasso — apenas caules finos — e suas pétalas
estavam quebradiças, marrons e curvadas como os dedos de um
cadáver.
Os narcisos era a flor e o símbolo de Hades, o Deus da Morte.
Eles geralmente não decoravam mesas, mas caixões. A presença
deles na Cafeteria provavelmente significava que o proprietário
estava de luto, pois era a única vez em que os mortais veneravam o
Deus do Submundo.
Perséfone sempre se perguntou como Hades se sentia sobre
isso, ou se ele se importava. Afinal, era mais do que apenas o Rei
do Submundo. Sendo o mais rico de todos os deuses, ele ganhou o
título de Rico, havia investido seu dinheiro em alguns dos mais
populares clubes da Nova Grécia — e estes não eram quaisquer
clubes. Eram clubes de aposta de elite. Dizia-se que Hades gostava
de uma boa aposta e raramente aceitava uma que não fosse a alma
humana.
Perséfone ouvira muito sobre os clubes por outras pessoas na
Universidade, e sua mãe, que com frequência expressava seu
desagrado por Hades, também tinha falado contra seus negócios.
" Ele assumiu o papel de mestre dos fantoches," Deméter
repreendeu. “Decidir destinos como se fosse uma das Moiras. Ele
deveria se envergonhar."
Perséfone nunca tinha ido a um dos clubes de Hades, mas ela
tinha que admitir, estava curiosa sobre as pessoas que
frequentavam e o Deus que o possuía. O que levava as pessoas a
barganhar suas almas? Era o desejo por dinheiro, amor ou riqueza?
E o que isso dizia sobre Hades? Que ele tinha toda a riqueza do
mundo e só procurou acrescentar ao seu domínio ao invés de ajudar
as pessoas?
Mas essas eram perguntas para outra hora.
Perséfone tinha trabalho a fazer.
Ela tirou seu olhar do narciso e focou e seu laptop. Era quinta-
feira havia saído da faculdade há uma hora. Ela tinha pedido seu
usual latte de baunilha para terminar sua pesquisa para então se
concentrar no seu estágio no Jornal Nova Atenas, a principal fonte
de notícias em Nova Atenas. Ela começaria amanhã e se as coisas
fossem bem, teria um emprego depois de se formar, em seis meses.
Ela estava ansiosa para provar o seu valor.
Seu estágio era no sexagésimo andar da Acrópole, ponto de
referência em Nova Atenas por ser o edifício mais alto da cidade
com cento e um andares. Uma das primeiras coisas que Perséfone
havia feito quando se mudou para cá, foi pegar o elevador para o
Observatório no último andar onde ela podia ver toda a cidade em
sua totalidade e era tudo como ela havia imaginado, bela, vasta e
emocionante. Quatro anos depois era difícil acreditar que ela iria lá
quase diariamente para trabalhar.
O telefone de Perséfone tocou na mesa chamando sua atenção.
Ela viu uma mensagem de sua melhor amiga, Lexa Sideris. Lexa foi
sua primeira amiga quando ela se mudou para Nova Atenas. Ela se
virou para encarar Perséfone na aula e perguntou-lhe se queria
juntar-se a ela no laboratório. Elas se tornaram inseparáveis desde
então. Perséfone foi atraída pela modernidade de Lexa — ela tinha
tatuagens, cabelo preto como a noite e um amor pela deusa da
bruxaria, Hécate.
Onde você está?
Perséfone respondeu, No Coffee House.
Por quê? Temos que celebrar!
Perséfone sorriu. Desde que contou à Lexa sobre ter conseguido
o estágio há duas semanas, ela andava a cercando para sair para
beber. Perséfone conseguiu adiar a saída, mas estava rapidamente
ficando sem desculpas e Lexa sabia disso.
Eu estou celebrando. Perséfone escreveu. Com um latte de
baunilha.
Não com café. Álcool. Shots. Você e eu. Hoje à noite.
Antes que Perséfone pudesse respoder, uma garçonete se
aproximou segurando uma bandeja e seu latte fumegante.
Perséfone viera aqui muitas vezes para saber que a moça era tão
nova quanto os narcisos. Seu cabelo estava dividido em duas
tranças e seus olhos eram escuros com cílios pesados.
— Latte de baunilha? — A moça sorriu e perguntou.
— Sim. — Perséfone disse.
A garçonete colocou a caneca de Perséfone na mesa e depois
enfiou a bandeja debaixo do braço.
— Precisa de algo mais?
— Acha que o Senhor Hades tem senso de humor? — Perséfone
encontrando o olhar da moça.
Não foi uma pergunta séria e Perséfone achou mais engraçado
do que qualquer outra coisa, mas os olhos da moça se estreitaram e
ela respondeu:
— Eu não sei o que você quer dizer.
A garçonete estava claramente desconfortável, provavelmente ao
ouvir o nome de Hades. A maioria tentava evitar dizê-lo, ou eles o
chamavam Aidoneus para evitar chamar sua atenção, mas
Perséfone não tinha medo. Talvez tenha a ver com o fato dela ser
uma deusa.
— Eu acho que ele deve ter senso de humor, ela explicou. Os
narcisos são um símbolo da primavera e renascimento — seus
dedos pairaram sobre as pétalas murchas. Na verdade, a flor deve
ser seu símbolo. — Por qual outra razão ele a clamaria como sua?
Perséfone a encarou de volta, e suas bochechas estavam
coradas.
— A-avise-me se precisar de algo — ela gaguejou.
Ela inclinou a cabeça e voltou para o trabalho.
Perséfone tirou uma foto do latte e mandou para Lexa antes de
tomar um gole.
Ela colocou o fone de ouvido e consultou seu planner. Perséfone
gostava de organização, mas mais do que isso, ela gostava de estar
ocupada. As suas semanas estavam prontas — aulas às segundas,
quartas e quintas e até três horas por dia no estágio. Quanto mais
ela fazia, mais desculpas havia para não voltar para casa e ver sua
mãe em Olímpia.
Na próxima semana tinha um teste de história e um trabalho para
a mesma aula. Mas ela não estava preocupada. História era uma
das suas disciplinas favoritas. Eles estavam discutindo A Grande
Descida, o nome dado para o dia em que os deuses vieram para a
Terra e a Grande Guerra, terríveis e sangrentas batalhas que se
seguiram.
Não demorou muito para que Perséfone se perdesse em sua
pesquisa e escrita. Ela estava lendo um estudioso que afirmou que
a decisão de Hades de ressuscitar Zeus e os heróis de Atenas tinha
sido o fato decisivo na batalha final, quando mãos bem cuidadas
fecharam o laptop de Perséfone. Ela pulou e olhou para um mar de
olhos azuis marcantes, colocados em uma face oval emoldurados
por um cabelo preto e espesso.
— Adivinha.
— Lexa, o que você está fazendo aqui? — Perséfone tirou o fone
de ouvido.
— Estava ido para aula e pensei em passar por aqui e te dar
boas notícias!
Ela balançava para trás e para frente na ponta dos pés, com o
cabelo preto-azulado balançando junto com ela.
— Que notícias? — Perséfone perguntou.
— Eu nos coloquei no Nevernight! — Lexa mal conseguia
controlar sua voz, e com a menção do famoso clube, várias pessoas
se viraram para olhar.
— Shh! — Perséfone ordenou. — Você quer nos matar?
— Nao seja ridícula. — Lexa revirou os olhos, mas ela baixou a
voz. Era impossível de entrar no Nevernight. Tinha uma lista de
espera de três meses, e Perséfone sabia o porquê.
Nevernight era propriedade de Hades.
A maioria dos negócios que eram propriedade dos deuses era
insanamente populares. A linha de vinhos de Dionísio esgotava em
segundos e havia rumores de conter ambrosia. Também era
extremamente comum para os mortais se encontrar no Submundo
depois de beber muito do néctar.
Os vestidos de alta costura de Afrodite eram muito cobiçados,
uma garota matou por um, apenas alguns meses atrás. Houve até
um julgamento e tudo o mais.
O Nevernight não era diferente.
— Como você conseguiu entrar na lista? — Perséfone inqueriu.
— Um cara no meu estágio não pôde vir. Ele está na lista de
espera há dois anos. Dá para acreditar na sorte? Você. Eu.
Nevernight. Hoje à noite!
— Eu não posso ir.
Os ombros de Lexa caíram.
— Vamos Perséfone. Eu nos coloquei no Nevernight! Eu não
quero ir sozinha!
— Leva a Íris.
— Eu quero levar você. Nós deveríamos estar celebrando. Além
disso, isto é parte da sua experiência universitária!
Perséfone estava quase certa de que Deméter iria discordar. Ela
tinha prometido a sua mãe várias vezes antes de vir para Nova
Atenas para frequentar a universidade, entre elas que iria ficar longe
dos deuses.
É verdade que não tinha mantido muitas das suas promessas.
Ela mudou de curso no meio do seu primeiro semestre de Botânica
para Jornalismo. Ela nunca esqueceria o sorriso tenso de sua mãe
ou o modo como ela disse “que bom” entredentes quando descobriu
a verdade. Perséfone ganhou a batalha, mas Deméter declarou
guerra. No dia seguinte, onde quer que fosse, uma das ninfas de
Deméter ia também.
Ainda assim formar-se em Botânica não era tão importante
quanto ficar longe dos deuses porque os deuses não sabiam da
existência de Perséfone.
Bem, eles sabiam que Deméter tinha uma filha, mas ela nunca a
havia apresentado na corte de Olympia. Eles definitivamente não
sabiam que ela estava disfarçada de mortal. Perséfone não estava
certa de como os deuses iriam reagir ao descobrí-la, mas ela sabia
como o mundo reagiria, e isso não seria bom. Eles teriam um novo
deus para aprender e perscrutar. Ela não seria capaz de existir,
perderia a liberdade que acabara de ganhar, e ela não estava
interessada nisso.
Perséfone muitas vezes não concordava com sua mãe, mesmo
assim, sabia que seria melhor ela levar uma vida normal, uma vida
mortal. Ela não era como os outros deuses e deusas.
— Eu realmente preciso estudar e escrever um artigo Lexa. Além
do mais, eu começo meu estágio amanhã.
Ela estava determinada a causar boa impressão e aparecer de
ressaca ou sem dormir no seu primeiro dia não era a melhor
maneira de fazer isso.
— Você estudou!
Lexa gesticulou para o laptop dela e uma pilha de anotações na
mesa. Mas o que Perséfone estava realmente fazendo era estudar
a flor e pensar sobre o Deus da Morte.
— E ambas sabemos que você já escreveu seu artigo, você é
perfeccionista.
As bochechas de Perséfone coraram. E se fosse verdade? A
faculdade era a primeira e única coisa na qual ela era boa.
— Por favor, Perséfone! Vamos sair cedo assim você consegue
descansar.
— O que eu vou fazer no Nevernight, Lexa?
— Dançar! Beber! Beijar! Talvez apostar um pouco? Eu não sei,
mas essa não é a graça?
Perséfone enrubesceu de novo e desviou o olhar. O narciso
parecia olhar para ela, refletindo todos os seus fracassos. Ela nunca
havia beijado um rapaz. Ela nunca tinha estado perto de homens até
vir para a faculdade e mesmo assim, manteve distância, sobretudo
por medo de que sua mãe se materializasse e os golpeasse.
Não era exagero. Deméter sempre a advertiu contra os homens.
"Você é duas coisas para os deuses," ela disse a Perséfone
quando ela era muito nova. "Um jogo de poder ou diversão."
"Certamente você está errada, Mãe. Os Deuses amam. Existem
muitos que são casados."
Deméter riu. "Os Deuses casam pelo poder, minha flor."
E à medida que Perséfone envelhecia, ela percebeu que o que
sua mãe queria dizer era verdade. Nenhum dos deuses que eram
casados realmente se amavam, e ao invés disso passavam a maior
parte do seu tempo traindo e procurando vingança pela traição.
Isso significava que Perséfone ia morrer virgem porque Deméter
também tinha deixado claro que os mortais também não eram uma
opção para ela.
"Eles...envelhecem," disse com desgosto.
Perséfone decidiu não argumentar com sua mãe sobre como a
idade não importava se o amor fosse verdadeiro, porque ela viria a
perceber que sua mãe não acreditava no amor.
Pelo menos, não o amor romântico.
— Eu...não tenho nada para vestir. — Perséfone tentou
fracamente.
— Você pode pegar qualquer coisa emprestado do meu armário.
Eu até faço seu cabelo e maquiagem. Por favor, Perséfone.
Ela franziu os lábios, considerando.
Ela teria que fugir das ninfas que sua mãe tinha plantado em seu
apartamento e fortalecer seu glamour, o que causaria problemas.
Deméter iria querer saber porque Perséfone de repente precisaria
de mais magia. Então, novamente, ela poderia culpar o estágio pela
cobertura extra.
Sem glamour, o anonimato de Perséfone seria arruinado, pois
havia uma característica óbvia que identificava todos os deuses
como Divinos, e eram seus chifres. Os de Perséfone eram brancos
e espiralados direto para o ar como as de um grande antílope, e
embora seu glamour habitual nunca tivesse falhado em torno dos
mortais, ela não tinha tanta certeza de que funcionava para um deus
tão poderoso como Hades.
— Eu realmente não quero conhecer Hades. — disse finalmente.
Essas palavras tinham um sabor amargo na língua porque era
mesmo uma mentira. Uma afirmação mais verdadeira seria que ela
estava curiosa a respeito dele e seu mundo. Ela achou interessante
que ele não fosse tão esquivo e as apostas que ele fazia com
mortais completamente terríveis. O Deus da Morte representava
tudo que ela não era — algo sombrio e tentador.
Tentador porque ele era um mistério e mistérios eram aventuras,
e isso é o que Perséfone realmente desejava. Talvez fosse a
jornalista nela, mas ela gostaria de fazer a ele algumas perguntas.
— Hades não estará lá. — Lexa disse. — Os Deuses nunca
dirigem seus próprios negócios!
Isso era verdade e provavelmente mais verdadeiro ainda no caso
de Hades. Era sabido que ele preferia a escuridão do Submundo.
Lexa encarou Perséfone por um longo momento e depois
inclinou-se sobre a mesa de novo.
— É por causa de sua mãe? — sussurrou.
Perséfone encarou a amiga por um momento, surpresa. Ela não
falou nada sobre sua mãe. Percebeu que quanto mais calada ela
era sobre a mãe, menos perguntas ela teria que responder e menos
mentiras ela teria para contar.
— Como você sabe? — Era a única coisa em que Perséfone
conseguiu pensar para dizer.
Lexa deu de ombros.
— Bem, você nunca fala sobre ela e ela passou pelo apartamento
algumas semanas atrás enquanto você estava na aula.
— O quê? — Perséfone ficou boquiaberta. Essa foi a primeira vez
que ela ouviu sobre essa visita. — O que ela disse? Por que você
não me contou?
Lexa levantou as mãos.
— Ok, primeiro sua mãe é assustadora. Quero dizer, ela é
maravilhosa assim como você, mas —Lexa fez uma pausa para
tremer. — Frio. Segundo, ela me pediu para não te contar.
— E você deu ouvidos a ela?
— Bem, sim. Eu meio que pensei que ela iria te contar. Ela disse
que esperava te surpreender, mas como você não estava em casa,
ela ligaria.
Perséfone revirou os olhos. Deméter nunca tinha ligado.
Provavelmente porque ela estava lá procurando por algo.
— Ela entrou no nosso apartamento?
— Ela pediu para ver o seu quarto.
— Droga. — Perséfone teria que verificar os espelhos. Era
possível que sua mãe tenha deixado um encantamento para que
pudesse verificar a deusa.
— De qualquer forma, eu tenho a sensação de que ela é...
superprotetora.
Esse foi o eufemismo do ano. Deméter era superprotetora ao
ponto de Perséfone não ter tido nenhum contato com o mundo
exterior por dezoito anos de sua vida.
— Sim, ela é uma vaca.
Lexa ergueu as sobracelhas, parecendo divertida.
— Suas palavras, não minhas. — Ela fez uma pausa e então se
limitou. — Quer conversar sobre isso?
— Não. — Ela disse. Falar sobre isso não faria Perséfone se
sentir melhor, mas um passeio no Nevernight poderia. Ela sorriu.
— Mas eu irei com você hoje à noite.
Ela provavelmente iria se arrepender da decisão amanhã,
especialmente se sua mãe descobrisse, mas no momento estava
sentindo-se rebelde e que melhor maneira de se rebelar do que ir ao
Clube do deus menos favorito de sua mãe?
— Sério? — Lexa bateu palmas. — Meus deuses. nós nos
divertiremos tanto Perséfone! — Lexa saltitou. — Nós temos que
começar a nos arrumar!
— São só três horas.
— Sim. — Lexa puxou seu cabelo longo e escuro. — Esse cabelo
está nojento. Além disso leva uma eternidade para arrumar e agora
eu tenho que fazer cabelo e maquiagem também. Nos temos que
começar já!
Perséfone não fez menção de se levantar.
— Alcanço você em um momento. — ela disse. — Prometo.
— Obrigada Perséfone. Será maravilhoso. Você vai ver. — Lexa
sorriu.
Mas antes Lexa a abraçou praticamente dançando pela rua.
Perséfone sorriu, observando Lexa partir. Naquele momento, a
garçonete de mais cedo a alcançou para levar a caneca de
Perséfone embora. A mão da deusa disparou segurando o punho da
moça.
— Se reportar à minha mãe tudo que eu te disser, eu te mato.
Era a mesma garota de antes, com suas lindas tranças e olhos
escuros, mas sob o glamour da jovem universitária, as feições de
uma ninfa pareciam verdadeiras — nariz pequeno, olhos vibrantes e
feições angulares. Perséfone havia notado antes quando a moça
entregou sua bebida, mas não tinha sentido necessidade de a
desafiar. Ela estava fazendo apenas o que Deméter a mandara
fazer —espionar. Mas depois da conversa com Lexa, Perséfone não
quis correr nenhum risco.
A moça limpou a garganta e não encontrou o olhar de Perséfone.
— Se sua mãe descobrir que menti, ela me matará.
— Quem você teme mais? — Perséfone aprendeu há muito
tempo que as palavra eram sua arma mais poderosa.
Ela apertou o punho da moça antes de soltá-la. A ninfa limpou-o
e rapidamente fugiu. Perséfone tinha que admitir, ela se sentiu mal
pela ameaça, no entanto, detestava ser seguida e observada. As
ninfas eram como as garras de Deméter e estavam alojadas na pele
de Perséfone.
Seus olhos baixaram-se para o narciso e ela acariciou as pétalas
murchas com as pontas dos dedos. Ao toque de Deméter elas
teriam inchado de vida, mas ao seu toque, elas se curvaram e
desmoronaram.
Perséfone poderia ser a filha de Deméter e a Deusa da
Primavera, mas ela não podia fazer crescer uma maldita coisa.
2
NEVERNIGHT

NEVERNIGHT ERA UMA PIRÂMIDE de obsidiana esbelta sem


nenhuma janela, mais alta do que os edifícios brilhantes ao seu
redor, e de uma distância parecia uma ruptura no tecido da cidade.
A torre podia ser vista de qualquer lugar de Nova Atenas. Deméter
havia dito que a única razão pela qual Hades construiu a torre tão
alta foi para lembrar os mortais de suas vidas finitas.
Perséfone estava começando a ficar ansiosa quanto mais tempo
ficava na sombra do clube de Hades. Lexa foi falar com algumas
garotas na fila que ela reconheceu da faculdade, deixando-a
sozinha. Ela estava fora do seu elemento, cercada por estranhos,
preparando-se para entrar no território de outro Deus e usando um
vestido revelador. Ela se viu cruzando e descruzando os braços,
incapaz de decidir se queria esconder o decote da roupa ou abraçá-
la. Ela pegou emprestado o vestido rosa brilhante de Lexa, que era
muito menos torneada. Os cabelos de Perséfone cairam em cachos
em torno de seu rosto, e Lexa aplicou o mínimo de maquiagem para
mostrar sua beleza natural.
Se a sua mãe a visse agora, ela a mandaria de volta para a
estufa ou, como Perséfone viria a se referir, a prisão de vidro.
Esse pensamento fez com que seu estômago entrasse numa
espiral. Ela olhou ao redor, perguntando-se se os espiões de
Deméter estavam por perto. Teria a ameaça dela a garçonete na
Cafeteria sido o suficiente para manter a garota em silêncio sobre
seus planos com Lexa? A partir do momento que ela disse a melhor
amiga que viria esta noite, sua imaginação correu solta de todas as
formas de que Deméter poderia puni-la se fosse pega. Apesar das
maneiras carinhosas de sua mãe, ela era uma punidora vingativa.
Na verdade, Deméter tinha um lote inteiro na estufa dedicado ao
castigo — cada flor que crescia ali havia sido uma ninfa, um rei, uma
criatura que incorreu em sua ira.
Foi essa ira que deixou Perséfone paranoica e a fazia verificar
cada espelho na casa quando retornou ao apartamento mais cedo.
— Meus deuses! — Lexa era uma visão em vermelho, e os olhos
a rastrearam até o lado de Perséfone. — Não é lindo?
Perséfone quase riu. Ela não ficou tão impressionada com a
grandeza dos deuses, se eles podiam exibir sua riqueza,
imortalidade e poder, o mínimo que podiam fazer era ajudar a
humanidade. Ao invés disso os deuses passaram seu tempo
colocando mortal contra mortal, destruindo e reformando o mundo
por diversão.
— Preto não é mesmo a minha cor. — Perséfone olhou para a
torre de novo e fez uma careta.
— Você vai cantar uma música diferente quando colocar os olhos
em Hades. — Lexa disse.
— Você disse que ele não estaria aqui! — Perséfone olhou feio
para sua colega de quarto.
Lexa colocou suas mãos nos ombros de Perséfone e a olhou nos
olhos.
— Perséfone. Não me leve a mal, você é gostosa e tudo o mais,
mas quais são as chances reais de você chamar a atenção de
Hades? Este lugar está lotado.
Lexa tinha razão, mas e se o seu glamour falhasse? Seus chifres
chamariam atenção de Hades. Não havia como ele perder a chance
de confrontar outro deus em suas instalações, especialmente um
que ele nunca conheceu.
O estômago de Perséfone deu um nó e ela mexeu no cabelo e
alisou o vestido. Ela não estava ciente de que Lexa a observava até
ela dizer:
— Sabe, você pode ser honesta comigo e admitir que gostaria de
conhecê-lo.
— Eu não quero conhecer Hades. — A risada de Perséfone foi
trêmula.
Ela não tinha certeza porque era tão difícil dizer que estava
interessada, mas ela não conseguiu admitir que de fato poderia
querer conhecê-lo.
Lexa deu a ela um olhar astuto, mas antes que sua melhor amiga
pudesse dizer qualquer coisa, gritos vieram da frente da fila.
Perséfone deu uma espiada ao redor para ver o que estava
acontecendo.
Um homem tentou dar um soco em um ogro grande que
guardava a entrada do clube — uma das criaturas notoriamente
cruéis e brutais que Hades empregava para proteger sua fortaleza.
Claro que foi uma péssima ideia, o ogro nem sequer pestanejou e
suas mãos se fecharam no punho do homem. Das sombras
surgiram mais dois ogros, grandes e vestidos de preto.
— Não! Espere! Por favor! Eu só quero... eu só preciso dela de
volta! — O homem lamentou quando as criaturas o agarraram e o
arrastaram para longe.
Demorou muito até que Perséfone não pudesse mais ouvir sua
voz.
Ao seu lado, Lexa suspirou.
— Tem sempre um.
Perséfone deu-lhe um olhar incrédulo.
— O quê? Há sempre uma história na Divina Delphi sobre algum
mortal tentando entrar no Submundo para resgatar seus entes
queridos. — Lexa deu de ombros.
A Divina Delphi era a revista de fofoca preferida de Lexa. Havia
poucas coisas que rivalizavam com sua obsessão com os deuses —
exceto talvez a moda.
— Mas isso é impossível. — Perséfone argumentou.
Todos sabiam que Hades era famoso por impor fronteiras no seu
reino — nenhuma alma entra ou sai sem o seu conhecimento.
Perséfone tinha a sensação de que era o mesmo para o seu
clube.
E este pensamento lhe deu arrepios.
— Não impede as pessoas de tentar. — Lexa disse.
Quando ela e Lexa entraram no campo de visão do ogro,
Perséfone se sentiu exposta. Um olhar para os olhos da criatura e
ela quase desistiu. Em vez disso, cruzou os braços sobre o peito e
tentou evitar olhar para o rosto deformado do monstro por muito
tempo. Estava coberto de furúnculos e seus dentes eram afiados
como lâminas de barbear. Mesmo que a criatura não pudesse ver
através do seu glamour — a magia da sua mãe superou a dos ogros
— ela sabia que sua mãe tinha muitos espiões em Nova Atenas. Ela
não poderia ser mais cuidadosa.
Lexa deu seu nome e o ogro parou como se ele falasse em um
microfone preso a lapela de seu casaco. Após um momento ele
chegou para a frente e puxou a porta do Nevernight.
Perséfone ficou surpresa ao descobrir que o pequeno espaço em
que entraram estava escuro e silencioso, e os dois ogros de antes
haviam retornado e agora ocupavam o espaço.
As criaturas passaram seus olhares sobre Lexa e Perséfone e
perguntaram:
— Bolsas?
Elas abriram suas bolsas para que os dois pudessem verificar
materiais proibidos, incluindo telefones e câmeras. A única regra no
Nevernight era que fotos eram proibidas. Na verdade, Hades tinha
esta regra para qualquer evento que ele comparecesse.
"Como Hades saberia se um mortal curioso tirou uma foto?"
Perséfone perguntou a Lexa mais cedo quando ela explicou a regra.
"Eu não faço ideia de como ele sabe," Lexa admitiu. "Eu só sei
que ele sabe e as consequências não valem a pena."
"Quais são as consequências?"
"Um telefone quebrado, excluído do Nevernight e um artigo na
revista de fofocas."
Perséfone se encolheu. Hades era sério, e ela adivinhou que
fazia sentido, o Deus era notoriamente reservado. Ele nem tinha
sido ligado a uma amante. Perséfone duvidou que Hades teria feito
voto de castidade como Ártemis e Atena, e ainda assim conseguiu
ficar fora dos olhos do público.
Ela meio que admirava isso nele.
Assim que foram liberadas, os ogros abriram outro par de portas.
Lexa agarrou Perséfone e puxou-a. Uma rajada de ar frio a atingiu,
levando o cheiro de álcool, suor e algo semelhante a laranjas
amargas.
Narcisos. Perséfone reconheceu o cheiro.
A Deusa da Primavera se viu em uma varanda com vista para o
térreo do clube. Havia pessoas por todos os lados — amontoadas
ao redor das mesas jogando cartas e bebendo no bar, ombro a
ombro, suas silhuetas iluminadas por uma luz de fundo vermelha.
Várias cabines luxuosas foram dispostas em ambientes
aconchegantes e lotadas de pessoas, mas foi o centro do clube que
chamou a atenção de Perséfone. Uma pista de dança afundada
continha corpos como água em uma bacia. As pessoas se moviam
umas contra as outras e um ritmo hipnotizante sob uma corrente de
luz vermelha. No alto, o teto estava forrado com cristais e
candelabros de ferro forjado.
— Vamos! — Lexa puxou Perséfone pelas escadas até o térreo.
Ela agarrou com força a mão de Lexa com medo de perdê-la
enquanto elas se moviam na escuridão.
Demorou um pouco para descobrir em que direção sua amiga
estava indo, mas logo chegaram ao bar, espremendo-se em um
espaço grande o suficiente para apenas uma pessoa.
— Dois Manhattans. — Lexa pediu. Assim que ela pegou sua
bolsa, um braço serpenteou entre eles e jogou alguns dólares.
— Bebidas por minha conta. — Uma voz acompanhou.
Lexa e Perséfone se viraram e encontraram um homem atrás
delas. Ele tinha uma mandíbula tão afiada como um diamante e uma
cabeça de cabelo espesso e encaracolado tão escuro quanto seus
olhos, e sua pele era de um belo marrom polido. Ele era um dos
homems mais belos que Perséfone já vira.
— Obrigada. — Lexa sussurrou.
— Sem problemas — disse ele, exibindo uma série de dentes
bonitos e brancos — uma visão bem-vinda em comparação com as
presas horríveis do ogro. — Primeira vez no Nevernight?
— Sim. Você? — Lexa respondeu rapidamente.
— Eu sou cliente habitual aqui — ele disse.
Perséfone olhou para Lexa que deixou escapar exatamente o que
Perséfone estava pensando.
— Como?
— Sorte, acho eu. — Ele estendeu a mão. — Adonis. — O
homem deu uma gargalhada calorosa.
Ele apertou a mão de Lexa e depois de Perséfone enquanto elas
lhe diziam seus nomes.
— Gostaria de se juntar à minha mesa?
— Claro. — disseram em uníssono com uma risadinha.
Com as bebidas na mão, Perséfone e Lexa seguiram Adonis até
uma das cabines que elas tinham visto da varanda. Cada área tinha
dois sofás de veludo em forma de meia-lua com uma mesa entre
eles. Já havia várias pessoas lá — seis garotos e cinco garotas —
mas eles mudaram de posição para que Lexa e Perséfone
pudessem se sentar.
— Pessoal, essas são Lexa e Perséfone. — Adonis apontou para
seu grupo de amigos, dizendo seus nomes, mas Perséfone só
pegou aqueles que estavam próximos a ela — Aro e Xerxes eram
gêmeos, ostentando o mesmo cabelo ruivo, sapicados de sardas,
lindos olhos azuis e corpos esguios. Sybil era loira e bonita, pernas
longas espreitando por baixo de um vestido simples, ela sentou
entre os gêmeos e inclinou-se sobre Aro para falar com Perséfone e
Lexa.
— De onde vocês são? — perguntou.
— Jônia. — Lexa respondeu.
— Olympia. — disse Perséfone.
— Você morou em Olympia? Aposto que era lindo! — Os olhos
da garota se estreitaram.
Perséfone tinha vivido muito, muito longe da cidade propriamente
na estufa de vidro de sua mãe e não tinha visto muito de Olympia.
Era um dos destinos turísticos mais populares da Nova Grécia, onde
os deuses realizavam o Conselho e mantinham propriedades
extensas. Quando os Divinos estavam ausentes, muitas das
mansões e jardins ao redor estavam abertos para visitação.
— Era bonito. — Perséfone concordou. — Mas Nova Atenas é
linda também. Eu... não tinha muita liberdade em Olympia.
— Pais? — Sybil deu um sorriso simpático.
Perséfone assentiu.
— Nós somos todos de Nova Delhi, viemos para a faculdade
quatro anos atrás. — Aro disse gesticulando para Sybil e seu irmão.
— Nós gostamos da liberdade daqui também. — Xerxes brincou.
— O que você está estudando? — Perséfone perguntou.
— Arquitetura — disseram os meninos em uníssono. —
Faculdade de Héstia.
— Estou na Faculdade do Divino. — Sybil disse.
— A Sybil é um oráculo. — Aro apontou para ela com o polegar.
A garota corou e desviou os olhos.
— Isso quer dizer que você servirá um Deus! — O queixo de
Lexa caiu.
Oráculos eram posições cobiçadas entre os mortais, e para se
tornar um tiveram que nascer com certos dons proféticos. Os
Oráculos agiam como mensageiros dos deuses. Nos tempos
antigos, isso significava servir em templos, agora significava servir
como seus assessores de imprensa. Os Oráculos davam
declarações e organizavam os circuitos da imprensa, especialmente
quando um deus tinha algo profético a comunicar.
— Apolo já está de olho nela. — Xerxes disse.
— Não é tão maravilhoso quanto parece. Minha família não está
tão feliz. — Sybil revirou os olhos.
Sybil não precisava dizer isso para Perséfone compreender. Seus
pais eram os que os fiéis e os tementes chamavam de Ímpios.
Os Ímpios eram um grupo de mortais que rejeitaram os deuses
quando eles vieram à Terra. Já sentido-se abandonados por eles,
não estavam dispostos a obedecer. Houve uma revolta, e dois lados
nasceram. Até os deuses que apoiavam os Ímpios usavam mortais
como fantoches, arrastando-os pelos campos de batalha e, por um
ano, destruição, caos e luta reinaram. Depois que a batalha
terminou, os deuses prometeram uma nova vida, algo melhor do
que Elysium (aparentemente, Hades não gostou muito disso), mas
os deuses deram — entrelaçaram continentes e apelidaram a
massa de terra de Nova Grécia, dividindo-a em territórios com
grandes cidades reluzentes.
— Bem, meus pais teriam ficado em êxtase — disse Lexa.
— Lamento que não eles não estão entusiasmados por você. —
Perséfone encontrou o olhar de Sybil.
— Está melhor agora que estou aqui. — Ela deu de ombros.
Perséfone teve a sensação de que ela e Sybil tinham muito em
comum quando se tratava dos pais.
Vários shots mais tarde, a conversa acabou em histórias hilárias
da amizade do trio e Perséfone se distraiu com o ambiente. Ela
notou pequenos detalhes como fios de minúsculas luzes no alto que
pareciam estrelas na escuridão, narcisos de haste única nas mesas
em cada cabine e os trilhos de ferro forjado da varanda do segundo
andar, onde uma figura solitária assomava.
Foi onde seu olhar se manteve, encontrando um par de olhos
sombrios.
Ela pensou que o Adonis era o homem mais bonito que já tinha
visto?
Ela estava enganada.
Aquele homem estava agora encarando-a.
Ela não saberia dizer a cor dos olhos dele, mas eles atearam um
fogo sob sua pele, e era como se ele soubesse, seus lábios
carnudos se curvaram em um sorriso áspero, chamando atenção
para sua mandíbula forte coberta por uma barba escura. Ele era
grande, tinha mais de 1,80m de altura e vestia-se na mais
escuridão, desde os cabelos escuros ao terno preto.
Sua garganta secou e ela de repente ficou desconfortável. Ela se
mexeu e cruzou as pernas, arrependendo-se instantaneamente do
movimento, porque o olhar do homem recaiu ali e se manteve por
um momento antes de deslizar de volta por seu corpo, prendendo-
se em suas curvas. O fogo acumulou-se no estômago, lembrando-a
do quão vazia ela se sentia, quão desesperadamente precisava ser
preenchida.
Quem era aquele homem e como ela poderia sentir-se assim por
um estranho? Ela precisava quebrar essa conexão que havia criado
uma energia sufocante entre eles.
Bastou ver um par de mãos delicadas deslizar em volta da cintura
do homem por trás. Ela não esperou para ver o rosto da mulher,
virou-se para Lexa e limpou a garganta.
O grupo passou a falar sobre o Pentatlo — uma competição
anual de atletismo com cinco eventos esportivos diferentes,
incluindo salto em distância, lançamento de dardo, lançamento de
disco, uma luta livre e uma série de corridas curtas. Era
extremamente popular nas cidades altamente competitivas da Nova
Grécia, e enquanto Perséfone não era realmente um fã de esportes,
ela amava o espírito do Pentatlo e gostava de aplaudir Nova Atenas
no Torneio. Ela tentou acompanhar a conversa, mas seu corpo
estava carregado e sua mente estava em outras coisas — como a
sensação de ser levada pelo homem na galeria. Ele poderia encher
este vazio, alimentar esse fogo e terminar com seu sofrimento.
Exceto que ele estava obviamente comprometido — e se não foi
levado, estava envolvido com outra mulher.
Ela resistiu em olhar por sobre os ombros para ver se ele
permanecia na galeria até que sua curiosidade venceu, mas quando
olhou, a galeria estava vazia. Franziu o cenho desapontada e
esticou o pescoço procurando na multidão.
— Procurando por Hades? — Adonis brincou, o olhar de
Perséfone voltou-se para ele.
— Não.
— Eu ouvi que ele estaria aqui esta noite. — Lexa interrompeu.
— Sim, geralmente ele está lá em cima. — Adonis riu.
— O que tem lá em cima? — Perséfone perguntou.
— Um salão. É mais calmo. Mais íntimo. Acho que ele prefere
paz quando está negociando seus termos.
— Termos? — Perséfone repetiu.
— Sim, sabe, para os contratos dele. Os mortais vêm aqui para
jogar com ele por coisas; dinheiro, amor ou qualquer outra coisa. A
parte fodida é que, se o mortal perder, ele pode escolher o que está
em jogo. E ele normalmente vai pedir que façam algo impossível.
— Como assim?
— Aparentemente, ele pode ver vícios ou o que seja. Então ele
vai pedir ao alcólatra para permanecer sóbrio ou ao viciado em sexo
ficar casto. Se cumprirem os termos, podem viver. Se eles falharem,
ele fica suas almas. É como se ele quisesse que perdessem.
Perséfone se sentiu um pouco enjoada. Ela não sabia a extensão
do jogo de Hades, o máximo que ouviu foi que ele pedia a alma do
mortal, mas isso soou muito, muito pior. Era... manipulação.
Como Hades sabia das fraquezas desses mortais? Ele consultou
os Destinos ou possuía esse poder sozinho?
— É permitido alguém lá em cima? — Perséfone perguntou.
— Se te derem a senha. — Adonis disse.
— Como se consegue a senha? — Lexa perguntou.
— Se eu soubesse. Eu não venho aqui barganhar com o Deus da
Morte. — Adonis deu de ombros.
Embora ela não desejasse entrar em uma barganha com Hades,
Perséfone se perguntou como as pessoas descobriam a senha.
Como é que Hades aceita uma aposta? Os mortais ofereceram seu
caso ao deus que então o considerou digno?
— Perséfone, banheiro. — Lexa ficou de pé agarrando a mão
livre da amiga.
Ela a arrastou pelo salão lotado até o banheiro. Enquanto elas
esperavam no final da longa fila Lexa inclinou-se para Perséfone,
com um enorme sorriso estampado no rosto.
— Já viu um homem mais atraente? — Ela corou.
— Adonis? — As sobrancelhas de Perséfone estreiraram.
— Claro, Adonis! Quem mais?
Perséfone teria gostado de informar Lexa que enquanto estava
cobiçando Adonis, ela perdeu o homem que de verdade merecia o
termo. Em vez disso, ela disse:
— Você está apaixonada.
— Eu estou apaixonada.
— Você não pode estar apaixonada, acabou de conhecê-lo! —
Perséfone revirou os olhos.
— Ok, talvez não amor. Mas se ele me pedisse para carregar
seus bebês, eu concordaria.
— Você é ridícula.
— Apenas honesta. — Ela sorriu. Então ela olhou para Perséfone
seriamente e disse: — Está tudo bem ser vulnerável, sabe?
— Como assim? — A pergunta de Perséfone foi mais rápida do
que ela pretendia.
— Deixa para lá. — Lexa deu de ombros.
Perséfone queria pedir que ela elaborasse, mas antes que ela
pudesse, uma cabine se abriu e Lexa a puxou. Perséfone esperou,
ordenando seus pensamentos, tentando descobrir sobre o que Lexa
poderia estar falando, quando outra se abriu.
Depois que Perséfone saiu do banheiro, procurou por Lexa
esperando que ela estivesse a aguardando, mas ela não a viu entre
a multidão. Ela olhou para a galeria onde Hades supostamente
fechava seus negócios, sua amiga teria subido?
Então seu olhar encontrou um par de olhos verde-mar, uma
mulher estava encostada na coluna no final das escadas. Perséfone
achou que ela era familiar, mas não conseguiu identificá-la. Seu
cabelo era como seda dourada e tão radiante quanto o sol de
Helios, sua pele da cor de creme, e ela usava uma versão moderna
de um peplos — uma túnica branca atada ao ombro por uma fivela
— que combinava com seus olhos.
— Procurando por alguém? — indagou.
— Minha amiga. — Perséfone respondeu. — Ela está de
vermelho.
— Ela subiu. — A mulher inclinou o queixo para os degraus, e
Perséfone seguiu o seu olhar. — Já esteve lá?
— Não, não estive. — Perséfone disse.
— Eu posso te dar a senha.
— Como você conseguiu a senha?
A mulher encolheu os ombros.
— Aqui e ali. — ela fez uma pausa. — Então?
Perséfone não podia negar que estava curiosa. Era a emoção
que ela procurava, a aventura que desejava.
— Me diga.
A mulher riu, seus olhos brilharam de uma forma que deixou
Perséfone desconfiada.
— Pathos.
Tragédia. Perséfone achou terrivelmente ameaçador.
— Obrigada. — ela disse, e subiu os degraus em espiral para o
segundo andar. Ao subir as escadas, não encontrou nada além de
um conjunto de portas escuras decoradas com ouro e uma górgona
de guarda.
O rosto da criatura estava gravemente ferido — evidente mesmo
com a venda branca cobrindo seus olhos. Como outros de sua
espécie, ela já teve cobras no lugar do cabelo. Agora, uma capa
branca com capuz cobria sua cabeça e escondia seu corpo.
Quando Perséfone se aproximou, notou que as paredes eram
reflexivas e ela se pegou na superfície, observando o rubor de suas
bochechas e o brilho de seus olhos. Seu glamour enfraqueceu
desde que ela estava lá. Ela esperava que se alguém notasse, ela
pudesse culpar a excitação e o álcool. Perséfone não sabia por que
se sentia tão nervosa, talvez fosse porque ela não sabia o que
esperar além daquelas portas.
A Górgona levantou a cabeça, mas não falou. Por um momento,
houve silêncio, e depois a criatura inalou, e ela congelou.
— Divino. — a górgona ronronou.
— Perdão? — Perséfone perguntou.
— Deusa.
— Você está enganado.
. — Eu posso não ter olhos, mas eu conheço um deus quando eu
o cheiro. Que esperança você tem ao entrar? — a górgona riu.
— Você é ousado para uma criatura que sabe que fala com uma
deusa. — disse Perséfone.
— Só deusa quando te serve? — a górgona sorriu.
— Pathos! — Perséfone falou com rispidez.
O sorriso da górgona permaneceu, mas ela abriu a porta e não
fez mais perguntas.
— Divirta-se, senhora.
Perséfone olhou para o monstro quando ela entrou em uma sala
menor e enfumaçada. Ao contrário do salão principal, este espaço
era mais intimista e calmo. Em cima, havia um único e grande
candelabro que fornecia luz suficiente para iluminar mesas e rostos,
mas não muito mais do que isso. Havia vários grupos de pessoas
reunidos, jogando cartas, e nenhum deles parecia notá-la.
Quando a porta se fechou atrás de si, ela começou a explorar,
procurando por Lexa, mas se viu distraída pelas pessoas e pelos
jogos. Ela observou enquanto mãos graciosas distribuíam cartas e
ouvia os jogadores nas mesas conversando entre si. Depois foi para
uma mesa oval onde os ocupantes estavam saindo. Ela não tinha
certeza do que a atraiu, mas decidiu se sentar.
O crupiê acenou com a cabeça. — Madame.
— Você joga? — Uma voz perguntou atrás dela. Foi uma
pancada profunda que sentiu no peito.
Ela se virou e encontrou um par de olhos infinitos. O homem da
galeria parou na sua sombra. Seu sangue esquentou a um nível
insuportável, fazendo-a corar. Ela apertou as pernas cruzadas e
cerrou os punhos para não se remexer sob o olhar dele.
De perto, ela foi capaz de preencher algumas lacunas em sua
avaliação da aparência dele. Ele era lindo de um jeito sombrio — de
um jeito que prometia partir o coração. Seus olhos eram da cor de
obsidiana e emoldurados por cílios grossos, o cabelo preso em um
coque na parte de trás da cabeça. Ela estava certa de que ele era
alto, ela tinha que inclinar a cabeça para trás para encontrar o seu
olhar.
Quando o peito de Perséfone começou a doer, ela percebeu que
estava prendendo a respiração desde que o homem se aproximou.
Lentamente, inspirou o ar e com ele o cheiro dele — fumaça,
especiarias e ar de inverno. Preencheu todos os espaços vazios
dentro dela.
Enquanto ela olhava, ele bebia um gole do copo, lambendo os
lábios. Ele era a encarnação do pecado. Ela podia sentir na forma
como seu corpo respondia ao dele — e ela não queria que ele
soubesse. Então, sorriu e disse:
— Estou disposta a jogar se você estiver disposto a ensinar.
Seus lábios se curvaram e ele levantou uma sobrancelha escura.
Ele tomou outra bebida, depois aproximou-se da mesa, sentando-se
ao lado dela.
— É corajosa de sentar-se a uma mesa sem conhecer o jogo.
— De que outra forma eu aprenderia? — Encontrou o olhar do
homem.
— Humm. — Ele considerou, e Perséfone decidiu que amava sua
voz. — Inteligente.
O homem olhou como se estivesse tentando identificá-la, e ela
estremeceu.
— Eu nunca te vi aqui antes.
— Bem, eu nunca estive aqui antes. — ela disse e fez uma
pausa. — Você deveria vir aqui com frequência.
— Eu sei. — Os lábios dele tremeram.
— Por quê? — ela perguntou. Perséfone ficou surpresa por ela
ter dito isso em voz alta — e o homem também. As sobrancelhas
dele arquearam-se. Ela tentou se recuperar.
— Quero dizer, você não precisa responder.
— Eu responderei. Se você me responder uma pergunta.
Ela olhou para ele por um momento, depois assentiu.
— Ótimo.
— Eu venho porque é...divertido. — ele disse, mas não parecia
que ele sabia o que era. — Agora você, por que está aqui esta
noite?
— Minha amiga Lexa estava na lista — ela disse.
— Não. Essa é a resposta para uma pergunta diferente. Por que
você está aqui esta noite?
Ela considerou sua pergunta, depois disse:
— Me pareceu rebeldia na hora.
— E agora você não tem tanta certeza?
— Oh, tenho certeza de que é rebeldia. — Perséfone arrastou
seu dedo ao longo da superfície da mesa. Eu só não tenho certeza
de como me sentirei amanhã.
— Contra quem você está rebelando?
— Você disse uma pergunta. — Ela olhou para ele e sorriu.
O sorriso dele encontrou o dela e fez seu coração bater mais
forte no peito.
— Foi o que fiz.
Olhando fixamente para aqueles olhos infinitos, ela sentiu que ele
podia vê-la — não o glamour ou mesmo sua pele e ossos, mas o
seu âmago, e isso a fez estremecer.
— Você está com frio? — ele perguntou.
— O quê?
— Você está tremendo desde que se sentou.
— Quem era aquela mulher com você mais cedo? — Ela sentiu o
rosto corar.
A confusão nublou seu rosto e depois se dissipou.
— Oh, Minthe. Ela está sempre pondo as mãos onde elas não
pertencem.
Perséfone empalideceu — ela parecia uma amante e, se fosse
esse o caso, ela não estava interessada.
— Eu... acho que eu devo ir.
Ele a parou com uma mão na dela. O seu toque era elétrico e a
aqueceu de dentro para fora. Ela se afastou rapidamente.
— Não — ele disse, quase um comando, e Perséfone olhou para
ele.
— Perdão?
— O que eu quis dizer é que ainda não te ensinei a jogar. — Sua
voz baixou para um ruído hipnotizante. — Permita-me.
Foi um erro sustentar seu olhar, porque foi impossível dizer não
quando ela o fez. Ela engoliu em seco e conseguiu relaxar.
— Então me ensine.
Seus olhos arderam nela antes de ir para as cartas. Ele as
embaralhou, explicando:
— Isso é pôquer.
Ela notou que ele tinha mãos elegantes e dedos longos. Ele
tocava piano?
— Nós inciaremos com uma jogada de cinco cartas e
começaremos com uma aposta.
Perséfone olhou para si — não havia trazido sua bolsa, mas o
homem foi rápido em dizer:
— Uma pergunta respondida, então. Se eu ganhar, você
responderá qualquer pergunta que eu fizer, se você ganhar, eu
responderei a sua.
Perséfone fez uma careta. Ela sabia o que ele iria perguntar, mas
responder às perguntas era muito melhor do que perder todo o seu
dinheiro e sua alma, então ela disse:
— Combinado.
Aqueles lábios sensuais se curvaram em um sorriso,
aprofundando linhas em seu rosto que só o deixaram mais atraente.
Quem era esse homem? Ela achou que poderia perguntar o nome
dele, mas não estava interessada em fazer amigos no Nevernight.
Enquanto distribuía cinco cartas para cada um deles, o homem
explicou que no pôquer, havia dez classificações diferentes, sendo a
mais baixa a carta alta e a mais alta o royal flush. O objetivo era
obter uma classificação mais alta do que o outro jogador. Ele
explicou outras coisas, como pedir mesa, desistir e blefar.
— Blefar? — Perséfone repetiu.
— Às vezes, o pôquer é apenas um jogo de enganação...
especialmente quando você está perdendo.
Perséfone olhou para a sua mão e tentou se lembrar do que ele
disse sobre as diferentes classificações. Ela baixou as cartas,
viradas para cima, e o homem fez o mesmo.
— Você tem um par de rainhas — ele disse. — E eu tenho um full
house.
— Então... você ganha — ela disse.
— Sim. — ele respondeu, e reivindicou seu prêmio
imediatamente. — Contra quem você está se rebelando?
— Minha mãe. — Sorriu ironicamente.
— Por quê? — Ele levantou uma sobrancelha.
— Você terá de ganhar outra mão se eu for responder.
Ele distribuiu outra e ganhou de novo. Dessa vez ele não fez a
pergunta, apenas a olhou com expectativa.
Ela suspirou. — Porque... ela me irritou. — Suspirou.
Ele olhou para ela, esperando, e ela sorriu.
— Você nunca disse que a resposta deveria ser detalhada.
— Anotado para o futuro, te garanto — o sorriso dele pareou com
o dela.
— Futuro?
— Bem, eu espeo que essa não seja a última vez que jogaremos
pôquer.
Borboletas irromperam no seu estômago. Ela deveria ter dito que
essa foi a primeira e última vez que ela viria ao Nevernight.
Exceto que ela não conseguia dizer as palavras.
Ele voltou a jogar e ganhou. Perséfone estava ficando cansada
de perder e responder as perguntas daquele homem. Porque ele
está tão interessado nela afinal? Onde estava aquela mulher que
estava com ele mais cedo?
— Porque você está irritada com sua mãe?
Ela considerou a pergunta por um momento.
— Ela quer que eu seja algo que não posso. — Perséfone dirigiu
seu olhar para as cartas. — Eu não entendo porque as pessoas
fazem isso.
— Você não está gostando do nosso jogo? — Ele inclinou a
cabeça.
— Estou. Mas... Eu não entendo porque as pessoas jogam com
Hades. Por que elas querem vender suas almas para ele?
— Elas não concordam com um jogo porque elas querem vender
suas almas — ele disse. — Eles fazem isso porque pensam que
podem ganhar.
— Eles Ganham?
— Às vezes.
— Você acha que isso o irrita? — A pergunta era para ficar no
pensamento, mas as palavras escaparam de seus lábios.
Ele sorriu, e ela podia sentir no fundo de seu estômago.
— Querida, eu ganho de qualquer maneira.
Seus olhos se arregalaram e seu coração tremeu. Ela se levantou
rapidamente e o nome dele saiu de sua boca como uma maldição.
“Hades."
O nome dele na língua dela parecia ter um efeito sobre ele, mas
ela não sabia se era bom ou ruim — seus olhos escureceram e as
linhas de seu sorriso se transformaram em uma máscara dura e
ilegível.
— Eu tenho que ir.
Ela girou e saiu da sala pequena.
Desta vez, ela não o deixou impedi-la, desceu correndo os
degraus sinuosos e mergulhou na massa de corpos no andar
principal. O tempo todo, ela estava altamente ciente do ponto em
seu pulso onde os dedos de Hades tocaram sua pele. Era exagero
dizer que ardeu?
Ela levou algum tempo para encontrar a saída e quando o fez,
empurrou as portas. Lá fora, respirou fundo algumas vezes antes de
chamar um táxi. Entrando, ela enviou uma mensagem rápida para
Lexa, avisando que estava saindo, e embora se sentisse mal, não
parecia justo fazer Lexa sair mais cedo só porque ela não podia ficar
naquela torre nem mais um minuto.
A força do que ela fez a atingiu.
Ela permitiu a Hades, o Deus do submundo, instruí-la, tocá-la,
interpretá-la e interrogá-la.
E ele ganhou.
Mas essa não foi a pior parte.
Não, a pior parte era que havia um lado dela — um lado que ela
nunca soube que existia até esta noite — que queria correr de volta
para dentro, encontrá-lo e exigir uma lição sobre a anatomia de seu
corpo.
3
JORNAL NOVA ATENAS

A MANHÃ VEIO DEPRESSA.


Perséfone checou o espelho para se certificar de que seu
glamour estáva no lugar. Foi uma magia fraca porque foi
emprestada, mas foi o suficiente para esconder seus chifres e e
tornar seus olhos verde-garrafa musgosos.
Ela esticou a mão para aplicar um toque de mais glamour aos
olhos. Eles eram os mais difíceis de ajustar, e era preciso muita
magia para embotar sua luz brilhante e anormal. Ao fazer isso, ela
parou, notando algo em seu pulso.
Algo escuro.
Ela olhou mais de perto. Uma série de pontos pretos marcados
em sua pele, alguns menores, outros maiores. Parecia que uma
tatuagem simples e elegante havia sido feita em seu braço.
E estava errado.
Perséfone abriu a torneira e esfregou a pele até ficar vermelha e
em carne viva, mas a tinta não se moveu ou manchou. Na verdade,
parecia escurecer.
Então ela se lembrou de ontem no Nevernight, quando a mão de
Hades cobriu a dela para impedi-la de sair. O calor de sua pele se
transferiu para a dela, mas quando ela fugiu do clube mais tarde,
esse calor se transformou em uma queimadura, que só se
intensificou quando ela foi dormir na noite passada.
Ela acendeu a luz várias vezes para inspecionar o punho, mas
não encontrou nada.
Até esta manhã.
Perséfone ergueu seu olhar para o espelho e seu glamour
ondulou com sua raiva. Por que ela obedeceu ao pedido dele para
ficar? Por que ela tinha ficado cega para o fato de que havia
convidado o Deus da Morte para lhe ensinar a jogar cartas?
Ela sabia o motivo. Ela estava distraída com sua beleza. Por que
ninguém a alertou de que Hades era um filho da mãe charmoso?
Que seu sorriso roubava o fôlego e seu olhar parava corações?
O que era aquilo em seu punho e o que significava?
De uma coisa ela tinha certeza: Hades iria contar-lhe.
Hoje.
Antes que ela pudesse retornar para a torre de obsidiana, no
entanto, ela teve que ir para o estágio. Seus olhos voltaram para
uma caixa bem enfeitada que sua mãe havia lhe dado. Ela ficava no
canto de sua penteadeira e continha joias, mas nos seus doze anos
continha cinco sementes de ouro. Deméter os havia criado com sua
magia e disse que floresceriam em rosas da cor do ouro líquido para
ela, a Deusa da Primavera.
Perséfone as plantou e fez o possível para cultivar as flores, mas
em vez de crescerem as flores que esperava, elas cresceram
murchas e pretas.
Ela nunca esqueceria a expressão no rosto de sua mãe quando a
encontrou olhando para as rosas murchas — chocada,
decepcionada e sem acreditar que as flores de sua filha brotavam
do chão como algo saído diretamente do submundo.
Deméter estendeu a mão, tocou as flores e elas brilharam com
vida.
Perséfone nunca mais se aproximou delas outra vez e evitou
aquela parte da estufa.
Olhando para a caixa, a marca em sua pele ardeu tanto quanto a
sua vergonha. Ela não podia deixar sua mãe descobrir.
Ela procurou na caixa até encontrar uma pulseira larga o
suficiente para cobrir a marca. Teria que servir até que Hades a
removesse.
Perséfone retornou ao seu quarto, mas não foi muito longe
quando sua mãe se materializou na sua frente. Perséfone deu um
pulo e seu coração parecia querer saltar do seu peito.
— Pelos deuses, Mãe! Você poderia ao menos usar a porta como
um parente normal? E bater?
Em um dia normal, ela não teria sido ríspida, entretanto, estava
se sentindo nervosa. Deméter não poderia descobrir sobre o
Nevernight. Ela fez um rápido inventário de tudo o que tinha usado
na noite anterior — o vestido estava no quarto de Lexa, os sapatos
em seu armário e ela enfiou as joias na bolsa que estava pendurada
na maçaneta da porta.
A Deusa da Colheita era linda e não se deu ao trabalho de usar o
glamour para esconder sua elegante galhada de sete chifres. Seu
cabelo era loiro como o de Perséfone, mas liso e longo. Ela tinha a
pele brilhante e as maçãs do rosto salientes eram naturalmente
rosadas como os lábios. Deméter ergueu o queixo pontudo,
avaliando Perséfone com olhos críticos — olhos que mudaram de
castanhos para verdes e dourados.
— Bobagem — disse ela, pegando o queixo de Perséfone entre o
polegar e o indicador, aplicando mais magia.
Perséfone sabia o que ela estava fazendo sem se olhar no
espelho — cobrindo as sardas, iluminando as bochechas e
endireitando os cabelos ondulados. Deméter gostava quando
Perséfone se parecia com ela, e Perséfone preferia se parecer o
menos possível com sua mãe.
— Você está brincando de ser mortal, mas ainda pode parecer
Divina.
Perséfone revirou os olhos. Sua aparência era apenas outra
maneira de decepcionar a mãe.
— Pronto! — Deméter finalmente exclamou, soltando seu queixo.
— Linda.
Perséfone se olhou no espelho. Ela estava certa — Deméter
havia encoberto tudo que Perséfone gostava de si mesma. Ainda
assim ela fez um esforço.
— Obrigada, Mãe.
— Não foi nada, minha flor. — Deméter deu um tapinha em sua
bochecha. — Entã, me conte sobre esse...emprego.
A palavra parecia uma maldição vinda dos lábios de Deméter.
Perséfone cerrou os dentes. Ela ficou surpresa com o quão rápida e
furiosa a raiva a tomou.
— É um estágio, Mãe. Se eu me sair bem posso conseguir o
emprego quando me formar.
— Querida, você sabe que não tem que trabalhar. — Deméter
franziu o cenho.
— É o que você diz. — resmungou baixinho.
— O que foi isso?
Perséfone se virou para sua mãe e disse mais alto:
— Eu quero fazer isso. Eu sou boa nisso.
— Você é boa em tantas coisas, Kore.
— Não me chame assim! — Perséfone falou ríspida e os olhos de
sua mãe brilharam.
Ela tinha visto aquele olhar logo antes de Deméter espancar uma
de suas ninfas por deixá-la perambular fora de vista.
Perséfone não deveria ter ficado com raiva, mas ela não pôde
evitar. Ela odiava aquele nome. Era seu apelido de infância, e
significava exatamente aquilo — donzela. A palavra era como uma
prisão, mas pior do que isso, lembrava a ela que se saísse muito da
linha, as grades de sua prisão iriam se solidificar. Ela era a filha sem
magia de um Olímpico. Não só isso, ela pegou emprestado a magia
de sua mãe, e essa ligação fez com que obedecê-la se tornase
ainda mais importante. Sem o glamour de Deméter, Perséfone não
poderia viver no mundo mortal anonimamente.
— Desculpe, mãe. — ela conseguiu dizer, mas não olhou para a
deusa quando falou. Não porque estivesse evergonhada, mas
porque ela realmente não queria se desculpar.
— Minha flor. Eu não a culpo. — Deméter colocou suas mãos nos
ombros da filha. — É este mundo mortal. Está criando uma divisão
entre nós.
— Mãe, você está sendo ridícula. — Perséfone suspirou,
colocando suas mãos uma de cada lado do rosto de Deméter e
quando falou novamente, ela falava sério. — Você é tudo o que eu
tenho.
Deméter sorriu segurando os punhos da filha. A marca de Hades
ardeu. Ela se inclinou um pouco, como se fosse beijar a bochecha
de Perséfone. Ao invés disso, ela disse:
— Lembre-se disso. — E depois ela se foi.
Perséfone soltou sua respiração e seu corpo murchou. Mesmo
quando ela não tinha nada a esconder, lidar com sua mãe era
exaustivo. Ela estava constantemente no limite, preparando-se para
o que consideraria inaceitável a seguir. Com o tempo, Perséfone
pensou que havia endurecido contra as palavras indesejadas de
sua mãe, mas às vezes, elas a perfuravam.
Ela se distraiu concentrando-se na escolha de sua roupa para o
dia, um lindo vestido rosa-claro com mangas franzidas, um par de
sapatos brancos e uma bolsa branca. Na saída, ela parou para
verificar seu reflexo no espelho, tirando o glamour de seu cabelo e
rosto, retornando aos seus cachos e sardas. Ela sorriu,
reconhecendo-se mais uma vez.
Ela saiu do apartamento, sentindo-se mais feliz ao sair para o sol
da manhã. Perséfone não tinha carro e não tinha a capacidade de
se teletransportar como outros deuses, então ela caminhava ou
pegava o ônibus quando precisava se locomover em Nova Atenas.
Hoje, como estava quente, ela decidiu caminhar.
Perséfone adorava a cidade porque era tão diferente daquilo com
que ela tinha crescido. Aqui, havia arranha-céus espelhados que
brilhavam sob os raios quentes de Hélios. Havia museus cheios de
histórias que Perséfone só aprendera quando se mudou para cá,
edifícios que pareciam arte e esculturas e fontes em quase todos os
quarteirões. Mesmo com toda a pedra, vidro e metal, havia hectares
de parques com jardins exuberantes e árvores onde Perséfone
passara muitas noites caminhando. O ar fresco lembrou-lhe que ela
estava livre.
Ela inalou agora, tentando aliviar a sua ansiedade. Em vez disso,
se deslocou para seu estômago, onde deu um nó, agravado pela
pulseira com tinta em torno de seu pulso. Ela tinha que se livrar dele
antes que Deméter visse e seus poucos anos de liberdade se
transformassem em uma vida inteira em uma caixa de vidro.
Geralmente era esse medo que mantinha Perséfone cautelosa.
Exceto pela noite passada — ontem à noite, ela se sentiu rebelde
e, apesar dessa estranha marca em sua pele, ela descobriu que o
Nevernight e seu rei eram tudo o que ela sempre desejou.
Ela gostaria que não fosse assim — ela gostaria de ter achado
Hades repulsivo. Ela desejou não ter passado a noite anterior
lembrando como os olhos escuros dele haviam percorrido seu
corpo, como ela teve que inclinar a cabeça para trás apenas para
encontrar o olhar dele, como suas mãos elegantes embaralharam as
cartas.
Qual seria a sensação daqueles dedos longos contra sua pele?
Como seria a sensação de ser puxada para seus braços fortes e
levada embora?
Depois da noite passada, ela queria coisas que nunca quis antes.
Logo, sua ansiedade foi substituída por um fogo tão estranho e
intenso que ela pensou que poderia virar cinzas.
Deuses. Por que ela estava pensando daquele jeito?
Uma coisa era achar o Deus da Morte atraente, e outra coisa:…
desejá-lo. Não havia absolutamente nenhuma maneira de acontecer
algo entre eles. Sua mãe odiava Hades, e ela sabia, sem perguntar,
que um relacionamento entre eles era proibido. Ela também sabia
que precisava da magia de sua mãe mais do que para apagar o
fogo que queimava dentro dela.
Ela se aproximou da Acrópole, sua deslumbrante superfície
espelhada quase a cegando, e subiu o curto lance de escadas até
as portas de ouro e vidro. O nível inferior do andar tinha uma fileira
de catracas e seguranças — necessários para os negócios
localizados no arranha-céus, com a empresa de publicidade de
Zeus, Carvalho & Águia Criações, entre eles. Os admiradores de
Zeus eram conhecidos por esperar em multidões fora da Acrópole
apenas para ver o Deus do Trovão. Uma vez, uma multidão tentou
invadir o prédio para alcançá-lo, o que era meio irônico,
considerando que Zeus raramente estava na Acrópole e passava a
maior parte do tempo em Olympia.
No entanto, o negócio de Zeus não era o único que precisava de
segurança. O Jornal Nova Atenas divulgou algumas histórias difíceis
— histórias que enfureciam deuses e mortais. Perséfone não estava
ciente de qualquer retaliação, mas enquanto passava pela
segurança, ela sabia que esses guardas mortais não seriam
capazes de impedir um deus furioso de invadir o sexagésimo andar
por vingança.
Depois da segurança ela encontrou o hall de elevadores que a
levariam para o seu andar. As portas se abriram em uma grande
área de recepção com as palavras Jornal Nova Atenas no alto. Uma
mesa de vidro curvo estava embaixo dela, e uma bela mulher com
longos cachos escuros a cumprimentou com um sorriso. Seu nome
era Valerie, Perséfone lembrava dela de sua entrevista.
— Perséfone — ela disse, dando a volta na mesa. — É bom te
ver de novo. Deixe-me leva-la. Demetri está a sua espera.
Valerie encaminhou Perséfone para a redação além da divisória
de vidro. Lá, várias mesas de metal e vidro estavam dispostas em
linhas perfeitas no chão. Havia uma enxurrada de atividades —
telefones tocando, papéis embaralhados, teclas batendo enquanto
escritores e editores escreviam seu próximo artigo. O cheiro do café
era forte, como se tudo funcionasse com cafeína e tinta. O coração
de Perséfone bateu forte em seu peito emocionado com isso tudo.
— Vi que você é da Universidade de Nova Atenas. — disse
Valerie. — Quando você se forma?
— Daqui a seis meses.
Perséfone sonhou com o momento em que atravessaria aquele
grande palco para receber seu diploma. Seria o auge do seu tempo
entre os mortais.
— Você deve estar muito empolgada.
— Sim, estou. — Perséfone olhou de relance para Valerie. — E
você? Quando você se forma?
— Daqui a alguns anos. — Valerie disse.
— E há quanto tempo está aqui?
— Mais ou menos um ano. — falou com um sorriso.
— Você planeja ficar aqui quando se formar?
— No prédio, sim, só alguns andares acima na Carvalho & Águia
Criações. — Ela sorriu.
Ah, a empresa de marketing de Zeus a contratou.
Valerie bateu na porta aberta de um escritório no fundo da sala.
— Demetri, Perséfone está aqui.
— Obrigado, Valerie. — disse Demetri.
A garota se virou para Perséfone, sorriu e saiu, dando espaço
para ela entrar no escritório e ter o primeiro vislumbre de seu novo
chefe, Demetri Aetos. Ele era mais velho, mas era claro que ele
tinha sido um conquistador no seu auge. Seu cabelo era curto nas
laterais, mais comprido no topo e salpicado de cinza. Ele usava
óculos de armação preta, o que lhe dava um ar de estudioso. Ele
tinha o que Perséfone consideraria traços delicados — lábios finos e
um nariz menor. Ele era alto, mas magro sob a camisa de botão
azul, calça cáqui e gravata borboleta de bolinhas.
— Perséfone. — disse ele, contornando sua mesa e estendendo
a mão. — É bom te ver de novo. Estamos felizes por ter você aqui.
— Estou feliz por estar aqui, Sr. Aetos. — Ela tomou-lhe a mão.
— Me chame de Demetri.
— Ok... Demetri. — Ela não pôde deixar de sorrir.
— Sente-se, por favor! — Ele indicou-a uma cadeira, e ela
sentou-se. Demetri encostou-se à mesa, as mãos nos bolsos. —
Conte-me sobre você.
Quando Perséfone se mudou pela primeira vez para Nova
Atenas, ela odiava essa pergunta porque havia um ponto onde tudo
o que ela podia dizer eram seus medos — espaços fechados, se
sentir presa, escada rolante. Com o tempo, porém, ela teve
experiências suficientes e ficou mais fácil se definir pelo que
gostava.
— Bem, sou aluna na Universidade de Nova Atenas. Estou me
formando em jornalismo e me formo em maio... — ela começou e
Demetri balançou a mão.
— Não o que está o seu currículo.
Ele encontrou seu olhar, e ela percebeu que ele tinha olhos azuis.
— Sobre você — seus hobbies, interesses...? — Ele sorriu.
— Ah. — Ela corou e pensou por um momento. — Eu gosto de
cozinhar. Me ajuda a relaxar.
— Me conte mais. O que você gosta de cozinhar?
— Qualquer coisa, na verdade. Tenho me desafiado em fazer
biscoitos decorados.
As sobrancelhas dele se ergueram e seu sorriso permaneceu.
— Biscoito decorado, hein? Isso existe?
— Sim, vou te mostrar.
Ela pegou seu celular e encontrou algumas fotos. É claro que ela
só tirou foto dos seus melhores biscoitos.
Demetri pegou o celular e passou as fotos.
— Que bonito. Esses estão ótimos Perséfone. — Ele encontrou
seu olhar enquanto devolvia o telefone.
— Obrigada. — Perséfone odiava o sorriso bobo que essas
palavras trouxeram a seu rosto, mas ninguém além de Lexa tinha
dito isso a ela.
— Então, você gosta de cozinhar. O que mais?
— Eu gosto de escrever. — ela disse. — Histórias.
— Histórias? Tipo ficção?
— Sim.
— Romance? — ele supôs.
Era o que a maioria das pessoas presumia, e o rubor nas
bochechas de Perséfone não estava ajudando no seu caso.
— Na verdade não. Eu gosto de mistérios.
As sobrancelhas de Demetri subiram novamente, quase
encontrando a linha do cabelo.
— Inusitado. — disse ele. — Eu gosto. O que você espera ganhar
com esse estágio?
— Aventura. — Ela não conseguiu se segurar. A palavra
escapuliu, mas Demetri pareceu satisfeito.
— Aventura. — Ele se afastou da mesa. — Se é aventura o que
você deseja, o Jornal Nova Atenas pode te dar, Perséfone. Esta
posição pode ser qualquer coisa que você desejar — é sua para
criar e gerenciar. Se você quiser noticiar, você pode noticiar. Se
você quiser editar, você pode editar. Se você quiser , você pode
pegar café.
Perséfone só tinha interesse em pegar café para si mesma, mas
não se incomodou em dizer isso a eles. Ela não achou que poderia
ficar mais animada, mas enquanto Demetri falava, ela teve a
sensação avassaladora de que este estágio mudaria sua vida.
— Tenho certeza que você sabe que nos encontramos muito na
mídia. — Ele sorriu ironicamente. — Irônico, considerando que
somos uma fonte de notícias.
O Jornal Nova Atenas era bem conhecido pelo número de ações
judiciais movidas contra eles. Sempre houveram reclamações de
difamação, calúnia e invasão de privacidade. Acredite ou não essas
não eram as piores acusações contra a empresa.
— Não pude acreditar quando Apollo acusou vocês de serem
membros da Tríade. — disse Perséfone.
A Tríade era um grupo de mortais ímpios que se organizaram
ativamente contra os deuses, apoiando a justiça, o livre-arbítrio e a
liberdade. Zeus os havia declarado como uma organização terrorista
e ameaçava de morte qualquer um que fosse pego com sua
propaganda.
— Oh sim. - Demetri ergueu as sobrancelhas e esfregou a nuca.
— Completamente absurdo, é claro, mas isso não impediu as
pessoas de acreditarem nisso.
Provavelmente, a pior coisa que resultou disso foi que, como
resultado da condenação de Zeus, os Fiéis se organizaram em
cultos e iniciaram uma caça ao homem por conta própria, matando
vários que eram abertamente impiedosos, indiferentes se eram
associados à Tríade ou não. Foi uma época horrível, e Zeus levou
mais tempo do que o necessário para se manifestar contra as
seitas. O Jornal Nova Atenas disseram eles próprios.
— Nós buscamos a verdade, Perséfone. — Demetri disse. — Há
poder na verdade. Você quer poder?
Nem ele mesmo sabia o que estava perguntando.
— Sim. — ela disse. — Eu quero poder.
Desta vez, quando Demetri sorriu, ele mostrou os dentes.
— Então você se dará bem aqui.
Demetri mostrou a Perséfone sua mesa, que ficava do lado de
fora de seu escritório. Ela se acomodou, verificando as gavetas,
observando quais suprimentos ela precisaria pedir ou comprar, e
guardou sua bolsa. Um novo laptop estava em cima da mesa de
vidro. Estava frio ao toque e, quando ela o abriu, a tela escura
refletiu o rosto de um homem atrás dela. Ela se virou na cadeira e
encontrou um par de olhos arregalados e surpresos.
— Adonis. — ela disse.
— Perséfone. — Ele parecia tão bonito quanto na noite anterior,
só que mais profissional com sua camisa de botão lilás e uma xícara
de café em uma das mãos.
— Eu não fazia ideia de que você era nossa nova estagiária.
— Eu não fazia ideia de que você trabalhava aqui. — ela disse.
— Sou um repórter sênior, principalmente focado em
entretenimento. — disse ele, bastante presunçoso. — Sentimos sua
falta quando você saiu à noite passada.
— Oh, sim, desculpa. Eu queria me preparar para o meu primeiro
dia.
— Não vou te culpar por isso. Bem, seja bem-vinda!
— Adonis. — Demetri chamou enquanto dava um passo para
trás no batente da porta de seu escritório. — Se importa de fazer um
tour com Pérséfone aqui pelo nosso andar?
— De jeito nenhum. — Ele sorriu para ela. — Pronta?
Persephone seguiu Adonis, ansiosa para testemunhar o ambiente
acelerado de seu novo escritório. Ela ficou feliz em ver um rosto
familiar, mesmo que ela o tivesse conhecido na noite anterior. Isso a
fez se sentir mais confortável.
— Nós chamamos isso de mesa de trabalho. É onde todos
seguem pistas e investigam. — ele disse.
As pessoas ergueram os olhos de suas mesas e acenaram ou
sorriram para ela ao passarem. Adonis indicou uma parede de salas
envidraçadas.
— Entrevistas e salas de conferências. Sala de descanso. Salão.
— Ele apontou para uma sala enorme com várias salas de estar
casuais e luz quente e baixa. Era aconchegante e já havia várias
pessoas aninhadas. — Você provavelmente vai preferir escrever
aqui quando tiver oportunidade.
Adônis mostrou a ela o armário de suprimentos, e ela o
vasculhou em busca de canetas, post-its e cadernos. Enquanto ele
a ajudava a carregar seus suprimentos de volta para sua mesa, ele
perguntou:
— Então, em que tipo de jornalismo você está interessada?
— Estou inclinada para o jornalismo investigativo. — respondeu.
— Detetive, hein?
— Eu gosto de pesquisar.
— Algum assunto em particular? — ele perguntou.
Hades.
O nome do deus surgiu em sua cabeça sem aviso, e ela sabia
que era por causa da marca em seu pulso. Ela estava ansiosa para
chegar ao Nevernight e descobrir o que era.
— Não, eu apenas... gosto de resolver mistérios. — ela
respondeu.
— Bem, então, talvez você possa nos ajudar a descobrir quem
está roubando almoços da geladeira na sala de descanso.
Perséfone riu.
Ela teve a sensação de que iria gostar dali.
4
O CONTRATO

MENOS DE UMA HORA APÓS DEIXAR a Acrópole, Perséfone


estava do lado de fora do Nevernight, batendo na porta preta
imaculada. Ela pegou o ônibus e isso quase a deixou louca. Ela não
conseguia ficar parada. Sua mente havia despertado todos os tipos
de medos e ansiedades sobre o que a marca poderia significar. Esta
pulseira era uma espécie de ... reivindicação? Era algo que ligaria a
alma dela ao Submundo? Ou era um dos seus contratos horríveis?
Ela estava prestes a descobrir, se alguém abrisse esta maldita
porta!
— Olá! — ela gritou. — Alguém ai?
Ela continuou a bater na porta até os braços doerem. Bem
quando ela pensou em desistir, a porta se abriu, e o ogro que estava
cuidando dela na noite passada olhou para ela. À luz do dia, ele era
ainda mais medonho. Sua pele grossa cedeu ao redor de seu
pescoço, e ele olhou para ela com olhos pequenos e semicerrados.
— O que você quer? — Suas palavras foram um grunhido e não
passou despercebido a ela que ele poderia esmagar seu crânio
apenas com a mão.
— Tenho de falar com Hades. — disse ela.
O ogro olhou para ela e então bateu a porta.
Isso irritou-a mesmo.
Ela bateu na porta outra vez.
— Babaca! Me deixa entrar!
Ela sempre soube da existência de ogros e aprendeu alguns de
seus pontos fracos lendo alguns livros na Biblioteca de Ártemis na
faculdade. Uma delas? Eles odiavam ser xingados.
O ogro abriu a porta novamente e rosnou para ela, soprando seu
fedorento hálito podre em seu rosto. Ele provavelmente pensou que
iria assustá-la, e sem dúvida funcionou com outros no passado, mas
não com Perséfone. A marca em seu pulso a impulsionou. Sua
liberdade estava em jogo.
— Eu exijo que me deixe entrar! — Ela fechou os dedos nas
palmas das mãos. Ela considerou quanto espaço restava na porta.
Ela poderia passar por aquela criatura enorme? Se ela se movesse
rápido o suficiente, sua corpulência provavelmente o desequilibraria.
— Quem é você, mortal, para exigir uma audiência com o Deus
dos Mortos? — A criatura perguntou.
— O seu senhor colocou uma marca em mim, e eu conversarei
com ele.
A criatura riu, os olhos redondos brilhando com diversão.
— Você quer falar com ele?
— Sim, eu. Me deixa entrar!
Ela estava ficando cada vez mais irritada.
— Nós não estamos abertos — a criatura respondeu. — Você
terá que voltar.
— Eu não vou voltar. Você vai me deixar entrar agora, seu ogro
grande e feio!
Perséfone percebeu seu erro assim que as palavras saíram de
sua boca. O rosto da criatura mudou. Ele a agarrou pelo pescoço e
a ergueu do chão.
— O que é você? — ele exigiu. — Uma ninfa traiçoeira?
Ela agarrou a pele de aço do ogro, mas ele apenas pressionou
seus dedos carnudos mais profundamente nos dela. Ela não
conseguia respirar, seus olhos lacrimejaram e a única coisa que
pôde fazer foi abandonar seu glamour.
Quando seus chifres se tornaram visíveis, a criatura a liberou
como se ela queimasse. Perséfone cambaleou e inalou
profundamente. Ela pressionou a mão em sua garganta sensível,
mas conseguiu ficar de pé e encarar o ogro em sua verdadeira
forma. Ele baixou o olhar, incapaz de olhar para ela ou de encontrar
os seus olhos brilhantes e assustadores.
— Eu sou Perséfone, Deusa da Primavera, e se você quiser
manter sua vida fugaz, então você vai me obedecer.
A voz dela tremeu. Ela ainda estava abalada por ter sido tocada
pelo ogro. As palavras que ela disse eram de sua mãe, usadas no
momento em que ela fez ameaças contra uma sereia que se
recusou a ajudá-la a procurar Perséfone quando ela se afastou.
Perséfone estava a apenas alguns metros de distância, se
escondendo atrás de um arbusto, e ela ouviu as palavras grosseiras
de sua mãe e as arquivou — sabendo que sem poderes, as
palavras seriam sua única arma.
A porta se abriu atrás do ogro, e ele deu um passo para o lado,
ajoelhando-se quando Hades apareceu.
Perséfone não conseguia respirar. Ela passou o dia todo se
lembrando de como ele era, lembrando de seus traços elegantes,
mas sombrios, e ainda assim sua memória não era nada comparada
com a coisa real. Ela tinha certeza de que ele estava usando o terno
da noite anterior, mas a gravata em volta do pescoço estava solta e
os botões da camisa se abriram no pescoço, expondo seu peito. Foi
como se ele tivesse sido interrompido ao despir-se.
Então ela se lembrou da mulher que envolveu com os braços em
volta da cintura dele — Minthe. Talvez os tivesse interrompido. Ela
sentiu grande satisfação com esse pensamento, embora soubesse
que não deveria se importar.
— Senhora Perséfone. — Sua voz era pesada e sedutora, e ela
estremeceu.
Ela forçou seus olhos no nível dos dele — eles eram iguais,
afinal, e ela queria que ele soubesse disso porque ela estava
prestes a fazer exigências. Ela o encontrou estudando-a, a cabeça
inclinada para o lado. Estar sob seu olhar em sua verdadeira forma
parecia estranhamente íntimo, e ela queria invocar seu glamour
novamente. Ela cometeu um erro — estava tão zangada e tão
desesperada que se expôs.
— Senhor Hades. — ela conseguiu dizer com um breve aceno de
cabeça. Estava orgulhosa por sua voz não tremer, embora seu
interior o fizesse.
— Meu Senhor. — O ogro baixou a cabeça. — Eu não sabia que
ela era uma deusa. Eu aceito o castigo por minhas ações.
— Castigo? — Perséfone repetiu, sentindo-se cada vez mais
exposta à luz do dia fora do clube. Hades levou um momento para
desviar o olhar de Perséfone e olhar para o ogro.
— Eu coloquei minhas mãos em uma deusa. — O monstro disse.
— E uma mulher. — Hades acrescentou infeliz. — Eu lidarei com
você mais tarde. Agora, Senhora Perséfone. — Ele deu um passo
para o lado e a deixou entrar no Nevernight.
Ela ficou parada no escuro enquanto a porta se fechava atrás
dela. O ar estava pesado, carregado com uma intensidade que ela
sentia no fundo do seu estômago e espesso com o cheiro dele. Ela
queria inalar e encher os pulmões com isso. Em vez disso, ela
prendeu a respiração.
Então ele falou contra seu ouvido, seus lábios roçando sua pele
levemente.
— Você é cheia de surpresas, querida.
Ela respirou fundo e se virou para encará-lo, mas quando o fez,
Hades não estava mais perto dela. Ele tinha aberto a porta e estava
à esperando por ela para entrar no clube.
— Depois de você, Deusa — disse ele. A palavra não foi usada
em zombaria, mas era cheia de curiosidade.
Ela passou pelo deus e saiu para a varanda com vista para o
andar vazio. O lugar estava imaculado, o chão estava polido, as
mesas brilhantes. Era impossível dizer que este lugar estava lotado
de ponta a ponta na noite passada.
Ela se virou e viu Hades esperando. Quando ela encontrou seu
olhar, ele desceu as escadas e ela o seguiu.
Ele cruzou o andar, dirigindo-se às escadas em espiral e ao
segundo andar. Ela hesitou.
— Para onde estamos indo? — ela perguntou.
Ele fez uma pausa e se voltou para ela.
— Meu escritório. Eu imagino que o quer que você tenha a me
dizer exige privacidade?
Ela abriu e fechou a boca, olhando ao redor do clube vazio.
— Aqui me parece bastante particular.
— Não é. — disse ele, e subiu as escadas sem mais uma
palavra. Ela o seguiu.
Quando chegaram ao topo da escada, ele virou à direita —
afastando-se da sala em que ela estivera na noite anterior — em
direção a uma parede preta elaboradamente enfeitada com ouro.
Não podia acreditar que não tinha reparado. Duas grandes portas
exibiam imagens de videiras e flores enroladas em torno do bidente
de Hades, elevadas em relevo dourado. O resto da parede foi
estampado com desenhos florais dourados.
Ela provavelmente não deveria estar tão surpresa que o Deus
dos Mortos escolheu decorar com flores - o narciso era seu símbolo,
afinal.
Seus olhos foram atraídos para Hades quando ele abriu uma das
portas douradas. Ela não estava ansiosa para ficar em um espaço
fechado com ele. Ela não confiava nos seus pensamentos ou no seu
corpo.
Desta vez, ele a chamou.
— Hesitará toda vez, Senhora Perséfone?
Ela olhou feio.
— Eu estava admirando sua decoração, Senhor Hades. Não
reparei isso na noite passada.
— As portas dos meus aposentos costumam ficar veladas
durante o horário comercial. — respondeu ele, indicando a porta
aberta. — Vamos?
Mais uma vez, ela reuniu sua coragem, e se aproximou. Ele não
deixou muito espaço para ela passar, e ela roçou nele ao entrar na
sala.
Ela encontrou-se no escritório do Hades. A primeira coisa que
notou foram as janelas que davam para o térreo do clube. Não havia
nada para fora, mas o espaço era bem iluminado e estranhamente
aconchegante, mesmo com seu piso de mármore preto. Talvez
tivesse algo a ver com a lareira contra a parede. Um sofá e duas
cadeiras faziam uma linda área de estar, e um tapete de pele só
aumentava a estética reconfortante. Na outra extremidade da sala,
elevada como um trono, estava uma grande laje de obsidiana que
funcionava como a mesa de Hades. Pelo que ela poderia dizer, não
havia nada nela — nenhuma papelada ou fotos. Ela se perguntou se
ele a usava ou era apenas para se exibir.
Imediatamente à sua frente estava uma mesa sobre a qual
repousava um vaso de flores vermelho-sangue. Ela revirou os olhos
para o arranjo floral.
Hades fechou a porta e ela se retesou. Isso era perigoso. Ela
deveria tê-lo confrontado lá embaixo, onde havia mais espaço, onde
ela era mais capaz de pensar e respirar sem inalá-lo. Suas botas
batiam contra o chão enquanto ele se aproximava, e seu corpo ficou
tenso.
Hades parou na frente dela. Seus olhos percorreram seu rosto,
demorando-se em seus lábios por uma fração de segundo antes de
descer para seu pescoço. Quando ele estendeu a mão para tocá-la,
a mão de Perséfone conteve seu braço. Não que ela o temesse
tanto quanto temia sua reação ao toque dele.
Seus olhos se encontraram.
— Você está machucada? — ele perguntou.
— Não. — disse ela, e ele acenou com a cabeça, puxando
cuidadosamente o braço livre de seu alcance. Ele cruzou a sala,
Perséfone supôs que para colocar um pouco de distância entre eles.
Então ela lembrou que estava em sua verdadeira forma e
começou a aumentar seu glamour.
— É um pouco tarde para ser modesta, não acha? — Hades
disse, perfurando-a com aqueles belos olhos escuros.
Ele puxou a gravata e ela a observou escorregar de seu pescoço
antes de erguer os olhos para ele. Ele não estava sorrindo como ela
esperava. Ele parecia... primevo. Como um animal faminto que tinha
finalmente encurralado a sua presa.
Ela engoliu em seco.
— Interrompi alguma coisa?
Ela não estava tão certa de que queria uma resposta.
— Eu estava quase indo para a cama quando ouvi você exigindo
entrar no meu clube. — O canto de sua boca se ergueu.
Dormir? Já passava de meio-dia.
— Imagine minha surpresa quando eu encontro a deusa da noite
passanda na minha porta.
— A górgona te disse?
Ela deu um passo mais para dentro da sala, olhando feio. Os
lábios de Hades se curvaram, divertidos.
— Não. Euryale não o fez. Eu reconheci sua magia como a de
Deméter, mas você não é Deméter. — Então ele inclinou a cabeça
novamente. — Quando você saiu, consultei alguns textos. Tinha me
esquecido que Deméter tinha uma filha. Pressumi que você fosse
Perséfone. A questão é, por que você não estava usando sua
própria magia?
— É por isso que você fez isso? — ela exigiu, removendo a
pulseira que ela usara para cobrir a marca em sua pele e
sustentando o seu braço.
Hades sorriu maliciosamente.
Sorriu de verdade.
Perséfone queria atacá-lo. Ela cerrou as mãos ao lado do corpo
para não saltar pela sala.
— Não. — ele disse. — Esse é o resultado de perder para mim.
— Você estava me ensinando a jogar. — ela argumentou.
— Semântica. — Ele encolheu os ombros. — As regras do
Nevernight são muito claras, Deusa.
— Elas são tudo menos claras, e você é um idiota!
Os olhos do Hades escureceram. Aparentemente, ele não
gostava de ser xingado mais do que o ogro. Ele se afastou da mesa,
caminhando em direção a ela, e Perséfone deu um passo para trás.
— Não me xingue, Perséfone. — bradou, e então agarrou o pulso
dela. Ele traçou a pulseira ao redor, fazendo-a estremecer. —
Quando me convidou para sua mesa, você fez um acordo. Se você
tivesse ganhado, você poderia ter deixado Nevernight sem
exigências na sua vez. Mas você não o fez e agora temos um
contrato.
Ela engoliu em seco, considerando cada coisa horrível que tinha
ouvido sobre os contratos de Hades e seus termos impossíveis. Que
escuridão ele puxaria de dentro dela?
— E o que isso significa? — Sua voz ainda estava mordaz.
— Significa que eu devo escolher os termos.
— Não quero ter um contrato com você. — disse ela,
entredentes. — Retire!
— Não posso.
— Você o colocou ai, você pode removê-lo.
Seus lábios se contraíram.
— Você acha isso engraçado?
— Querida, você não faz ideia.
A palavra querida deslizou por sua pele e ela tremeu outra vez.
Ele pareceu notar, porque sorriu um pouco mais.
— Eu sou uma deusa. — ela tentou de novo. — Nós somos
iguais.
— Você acha que nosso sangue muda o fato de que você
voluntariamente fez um contrato comigo? Estas coisas são Lei,
Perséfone. — Ela o olhou com raiva. — A marca será dissolvida
quando o contrato for cumprido. — ele disse como se isso tornasse
tudo melhor.
— E quais são os seus termos? — Só porque ela estava
perguntando, não significava que concordaria.
A mandíbula de Hades estava apertada. Ele parecia estar se
contendo — talvez não estivesse acostumado a receber ordens.
Quando ele ergueu a cabeça e a olhou, ela sabia que estava em
apuros.
— Crie vida no Submundo — disse ele por fim.
— O quê? — Ela não estava preparada para isso, embora
provavelmente devesse estar. Não era sua maior fraqueza sua falta
de poder? Uma ironia considerando a sua Divindade.
— Crie vida no Submundo. — ele disse novamente. — Você tem
seis meses — e se falhar ou recusar, então você se tornará
residente permanente do meu reino.
— Você quer que eu cultive um jardim em seu reino? —
questionou.
— Suponho que este seja um modo de criar vida. — Ele encolheu
os ombros novamente.
Ela o olhou com raiva.
— Se você me roubar para o Submundo, você enfrentará a ira da
minha mãe.
— Eu tenho certeza. — ele refletiu. — Tal como você sentirá a
sua ira quando ela descobrir o que você fez de forma imprudente.
As bochechas de Perséfone coraram. Ele estava certo. A
diferença entre eles era que Hades não parecia nem um pouco
perturbado pela ameaça. Por que ele deveria estar? Ele era um dos
Três — dos deuses mais poderosos da existência. Uma ameaça de
Deméter era apenas uma pedra.
Ela se endireitou, erguendo o queixo e encontrando seu olhar de
frente.
— Ótimo. — Ela sentiu a pressão da mão de Hades em seu
punho como uma algema e soltou sua mão. — Quando eu começo?
Os olhos de Hades brilharam.
— Venha amanhã. Eu te mostrarei o caminho para o Submundo.
— Vai ter que ser após a aula. — ela disse.
— Aula?
— Eu sou aluna na Universidade Nova Atenas.
Hades olhou para ela com curiosidade e acenou com a cabeça.
— Depois da... aula, então.
Eles se encararam por um longo momento. Por mais que ela o
odiasse agora, era difícil não gostar de vê-lo.
— E quanto ao seu leão de chácara?
— O que tem ele?
— Eu preferiria que ele não se lembrasse de mim nesta forma. —
Ela ergueu a mão para os chifres, em seguida, chamou seu
glamour. Isso a relaxou um pouco estar em sua forma mortal.
Hades observou a transformação como se estivesse estudando a
forma de uma escultura antiga.
— Vou apagar a memória dele... depois que ele for punido pelo
tratamento que dispensou a você.
Perséfone estremeceu. — Ele não sabia que eu era uma deusa.
— Perséfone estremeceu.
— Mas ele sabia que você era uma mulher e ele deixou sua raiva
levar a melhor. Então ele deve ser punido. — Hades falou com
naturalidade, e ela sabia que não havia discussão.
— O que isso vai me custar? — ela perguntou, porque ela sabia
com quem estava lidando, e havia acabado de pedir um favor ao
Deus dos Mortos.
Seus lábios se contraíram.
— Inteligente, querida. Você sabe como funciona. O castigo?
Nada. A memória dele? Um favor.
— Não me chame de querida. — ela rebateu. — Que tipo de
favor?
— O que eu quiser. — ele disse. — Para ser usado em um
momento futuro.
Ela considerou por um momento. O que Hades poderia querer
dela? O que ela poderia ter para oferecer a ele? Talvez tenha sido
esse pensamento que a fez concordar, ou o medo de que sua mãe
descobrisse que ela havia mostrado sua verdadeira forma. De
qualquer forma, ela disse:
— Combinado.
Hades sorriu. — Pedirei ao meu motorista para levá-la para casa.
— Hades sorriu.
— Isso não é necessário.
— É.
Ela apertou os lábios.
— Tudo bem. — ela sentenciou.
Ela realmente não queria pegar o ônibus de novo, mas a ideia de
que Hades saberia onde ela morava era inquietante.
Então o deus agarrou seus ombros, inclinou-se para frente e
pressionou os lábios em sua testa. O movimento foi tão repentino
que ela perdeu o equilíbrio. Os dedos dela se enredaram em sua
camisa para se firmar, as unhas arranhando a pele de seu peito.
Seu corpo era firme e quente, e seus lábios eram macios em sua
pele. Quando ele se afastou, ela não conseguiu se controlar o
suficiente para ficar com raiva.
— O qe foi isso? — ela perguntou, sua voz um sussurro.
Hades manteve aquele sorriso irritante, como se soubesse que
ela não conseguia pensar direito, e passou um dedo em sua
bochecha quente.
— Para o seu benefício. Da próxima vez, a porta abrirá para
você. Prefiro que não irrite o Duncan. Se ele machucar você de
novo, terei que matá-lo, e é difícil encontrar um bom ogro.
Perséfone pôde apenas imaginar.
— Senhor Hades, Thanatos está à sua procura — oh —.
Uma mulher entrou no escritório de uma porta escondida atrás da
mesa dele. Ela era linda, seu cabelo repartido ao meio, vermelho
como uma chama. Seus olhos eram afiados e sobrancelhas
arqueadas, lábios carnudos, exuberantes e vermelhos. Todas as
suas feições eram pontiagudas e anguladas. Ela era uma ninfa e
quando olhou para Perséfone havia ódio em seus olhos.
Foi então que Perséfone percebeu que ainda estava perto de
Hades, as mãos entrelaçadas em sua camisa. Quando tentou se
afastar, as mãos dele apertaram as dela.
— Eu não sabia que você tinha companhia — acrescentou
Minthe com firmeza.
— Um minuto Minthe. — Hades não olhou para a mulher. Em vez
disso, seus olhos permaneceram em Perséfone.
O primeiro pensamento de Perséfone foi — então esta é a
Minthe. Ela era bonita de uma forma que Perséfone não era — uma
forma que prometia sedução e pecado — e ela odiava o ciúme que
sentia.
Seu segundo pensamento foi — por que ele precisaria de um
minuto? O que mais ele tinha a dizer?
Perséfone não viu Minthe sair porque ela não conseguiu tirar seu
olhar de Hades.
— Você não respondeu a minha pergunta — Hades disse. — Por
que você está usando a magia da sua mãe?
Era a vez dela sorrir.
— Senhor Hades — ela disse trilhando um dedo pelo seu peito.
Ela não tinha certeza do que a fez fazer isso, mas ela estava se
sentindo corajosa. — A única maneira de obter respostas minhas é
se eu decidir entrar em outra aposta com você e, no momento, não
é provável.
Então ela pegou as lapelas do paletó dele e o endireitou, seus
olhos caindo para a flor vermelha de narciso no bolso do paletó
dele. Ela olhou para ele e sussurrou:
— Eu acho que você irá se arrepender disso, Hades.
Ela tocou a flor e o olhar de Hades seguiu o movimento. Quando
seus dedos roçaram as pétalas, a flor murchou.
5
INTRUSÃO

O MOTORISTA DO HADES ERA UM CICLOPE.


Ela tentou não parecer tão surpresa quando viu a criatura parada
na frente de um Lexus preto do lado de fora do Nevernight. Ele não
era como os ciclopes descritos na história. Eles tinham sido
criaturas bestiais — grandes como uma montanha, com camadas de
músculos duros como pedra e com presas. Este homem era mais
alto do que Hades e todo pernas, com ombros largos e uma
constituição magra. Seu olho estava coberto, mas gentil, e ele sorriu
quando viu Perséfone.
Hades tinha insistido em acompanhar Perséfone até o lado fora.
Ela não estava ansiosa para ser vista em público com o deus,
embora ela não tivesse tanta certeza de que esse pensamento
passou pela cabeça de Hades. Ele provavelmente estava mais
preocupado em tirá-la de suas instalações o mais rápido possível
para que pudesse descansar um pouco ... ou o que quer que ele
estivesse prestes a fazer antes de ela interromper.
— Senhora Persephone, este é Antoni. — disse Hades. — Ele irá
se certificar de que você chegará em casa em segurança.
— Estou em perigo, meu Senhor? — Perséfone levantou uma
sobrancelha para o Deus do Submundo.
— Só por precaução. Eu não gostaria que sua mãe derrubasse
minha porta antes que ela tivesse um motivo para isso.
Ela tem um motivo agora, pensou com raiva, e a marca em seu
punho pulsou, enviando uma onda de emoção por ela. Ela
encontrou seu olhar, com a intenção de fulminar e comunicar sua
raiva, mas ela achou difícil pensar. O Deus dos Mortos tinha olhos
como o universo — vibrante, vivo, vasto. Ela estava perdida neles e
em tudo o que prometiam.
Ela ficou grata quando Antoni a distraiu daqueles pensamentos
perigosos. Nada de bom sairia em achar Hades interessante. Ela
ainda não tinha aprendido isso?
— Senhora. — Antoni disse, abrindo a porta traseira do carro.
— Meu Senhor. — Ela acenou para Hades enquanto se
desvencilhava dele e deslizava para o interior de couro preto.
Antoni fechou a porta com cuidado e se acomodou no banco do
motorista. Eles estavam rapidamente na estrada, e levou tudo ao
seu alcance para não olhar para trás. Ela se perguntou quanto
tempo Hades ficou lá antes de voltar para sua torre — se ele estava
rindo de sua ousadia e seu fracasso.
Ela olhou para a pulseira chamativa que cobria a marca preta.
Sob essa luz, o ouro parecia metal barato. Ela o puxou e examinou
as marcas em sua pele. A única coisa que ela poderia pensar em
agradecer neste momento era que a marca era pequena o suficiente
e colocada onde poderia ser facilmente escondida.
Criar vida no Submundo.
Havia vida no Submundo? Perséfone não sabia nada sobre o
reino de Hades, e em todos os seus estudos, ela nunca tinha
encontrado descrições da terra dos mortos — apenas detalhes de
sua geografia, e mesmo aqueles pareciam conflitantes. Ela supôs
que descobriria no dia seguinte, embora a ideia de retornar ao
Nevernight para fazer a descida ao Submundo a enchesse de
ansiedade.
Ela gemeu. Logo quando tudo parecia estar correndo bem para
ela também.
— Você voltará para visitar Lorde Hades? — Antoni perguntou,
olhando no espelho retrovisor. O ciclope tinha uma voz agradável,
quente e temperada.
— Receio que sim. — Perséfone disse distraídamente.
— Espero que o ache agradável. Nosso Senhor geralmente está
sozinho.
Perséfone achou essas palavras estranhas, especialmente diante
do ciúme de Minthe.
— Ele não me parece tão sozinho.
— Esse é o caso do Divino, mas temo que ele confia em poucos.
Se me perguntar, ele precisa de uma esposa.
— Estou certa de que Lorde Hades não está interessado em se
estabelecer. — Perséfone corou.
— Você ficaria surpresa com o que o Deus dos Mortos está
interessado. — respondeu Antoni.
Perséfone não queria saber dos interesses de Hades. Ela já se
sentia como se conhecesse muitos, e nenhum deles era bom.
Perséfone observou o ciclope de seu assento traseiro.
— Há quanto tempo você está a serviço do Hades?
— Os Três libertaram minha espécie do Tártaro depois que fomos
colocados lá por Cronos. — ele respondeu. — E assim, retribuímos
o favor servindo a Zeus, Poseidon e Hades de vez em quando.
— Como motorista? — Ela não queria soar tão repulsiva, mas
parecia uma tarefa servil.
— Sim, mas nossa espécie também é de grandes construtores e
ferreiros. Criamos presentes para os três e devemos continuar. —
Antoni riu.
— Mas isso foi há tanto tempo. Certamente vocês já retribuíram o
favor deles? — Perséfone perguntou.
— Quando o Deus dos Mortos lhe dá vida, é um favor que nunca
será retribuído.
— Eu não entendo. — Perséfone franziu a testa.
— Você nunca foi ao Tártaro, e não espero que vá. — Ele fez
uma pausa e acrescentou — Não entenda mal. Meu serviço a
Hades é minha escolha, e de todos os deuses, estou feliz em servi-
lo. Ele não é como o outro Divino.
Perséfone realmente queria saber o que isso significava, porque
pelo que ela sabia sobre Hades, ele era o pior dos Divinos.
Antoni chegou em frente ao apartamento e se espremeu para
fora do banco do motorista para abrir a porta.
— Você não precisa... eu posso abrir minha própria porta — disse
ela.
— O prazer é meu, Senhora Persephone. — Sorriu.
Ela começou a pedir para ele não chamá-la assim, mas então
percebeu que ele estava usando seu título, como se soubesse que
ela era uma deusa, mas ela usava seu glamour.
— Como você...
— O Senhor Hades a chamou de Senhora Perséfone. — ele
explicou. — Então eu também farei.
— Por favor... não é necessário.
O sorriso dele se alargou.
— Eu acho que você deveria se acostumar com isso, Senhora
Perséfone, especialmente se você nos visitar frequentemente, como
eu espero que faça.
Ele fechou a porta e baixou a cabeça. Persephone vagou para
seu apartamento em transe, virando-se para assistir enquanto
Antoni se afastava. Este dia tinha sido longo e bizarro graças ao
Deus dos Mortos.
Não houve alívio, também, porque Lexa estava na cozinha
quando Perséfone entrou — e atacou.
— Uh, de quem é o Lexus que te deixou na frente do nosso
apartamento sem graça? — ela perguntou.
Persephone queria mentir e alegar que alguém de seu estágio a
tinha deixado, mas sabia que Lexa não acreditaria nisso — ela
deveria estar em casa há duas horas, e sua melhor amiga acabara
de assistir enquanto ela literalmente era conduzida para sua casa.
— Bem ... você nunca vai acreditar nisso, mas ... Hades.
Embora pudesse admitir isso, ela não estava pronta para contar a
Lexa sobre o contrato ou a marca em seu pulso.
Lexa largou a caneca que estava segurando. Perséfone
estremeceu quando bateu no chão e se espatifou.
— Você está de brincandeira?
Perséfone balançou a cabeça e se moveu para pegar uma
vassoura, Lexa a seguiu.
— Tipo... o Hades? Hades, O Deus dos Mortos? Hades, dono do
Nevernight?
— Sim, Lexa. Quem mais?
— Como? — ela perguntou atordoada. — Por quê?
Perséfone começou a varrer os pedaços de cerâmica.
— Era para o meu trabalho. — Não era tecnicamente uma
mentira. Ela poderia dizer que era uma pesquisa.
— E você encontrou Hades? Você o viu em carne e osso?
Perséfone tremeu com a palavra, recordando a aparência casual
de Hades.
— Sim. — Ela se afastou de Lexa e agarrou a pá de lixo,
tentando esconder o rubor furioso que manchava suas bochechas.
— Como ele se parece? Detalhes. Desembucha.
Perséfone entregou a Lexa a pá e ela a segurou enquanto
Perséfone varria a caneca quebrada.
— Eu... não sei por onde começar.
— Comece pelos olhos dele. — Lexa sorriu.
Perséfone suspirou. Parecia íntimo descrever Hades, e parte dela
queria mantê-lo só para ela, embora estivesse bem ciente de que
estava apenas descrevendo uma versão atenuada do deus — ela
ainda não o tinha visto em sua verdadeira forma.
Houve uma estranha antecipação que se seguiu a esse
pensamento, e ela percebeu que estava ansiosa para conhecer o
deus em sua divindade. Seus chifres seriam tão negros quanto seus
olhos e cabelos? Eles se enrolariam em cada lado de sua cabeça
como a de um carneiro, ou estenderiam para cima, tornando-o ainda
mais alto?
— Ele é bonito. — disse ela, embora nem mesmo essa palavra
fizesse jus a ele. Não era só a aparência, era a presença dele. —
Ele é... poderoso.
— Alguém tem um crush. — O sorriso presunçoso no rosto de
Lexa lembrou a Perséfone que ela estava muito focada em como o
deus parecia e não o suficiente no que ele fazia.
— O quê? Não. Não. Olhe, Hades é lindo. Eu não sou cega, mas
não posso aprovar o que ele faz.
— Como assim?
— As barganhas, Lex! — Perséfone lembrou a Lexa do que
aprenderam com Adónis no Nevernight. — Ele ataca mortais
desesperados.
— Bem, você poderia perguntar a Hades sobre isso. — Ela deu
de ombros.
— Nós não somos amigos Lexa. — Eles nunca seriam amigos.
— E se você escrevesse sobre ele? Você poderia investigar suas
barganhas com os mortais! Que escandaloso! — Lexa deu um pulo.
Isso era escandaloso — não apenas pelo conteúdo, mas porque
significaria escrever um artigo sobre um deus, algo que poucos
fizeram por medo de retaliação.
Mas Perséfone não tinha medo de retaliação, ela não se
importava que Hades fosse um deus.
— Parece que você tem outro motivo para visitar Hades. — Lexa
disse, e Perséfone abriu um sorriso.
Hades ofereceu-lhe fácil acesso. Quando ele pressionou os
lábios em sua testa, ele disse que era para o benefício dela. Ela não
teria que bater à porta para entrar outra vez no Nevernight.
O Deus do Submundo definitivamente se arrependeria de ter
conhecido a Deusa da Primavera — e ela ansiava por esse dia. Ela
também era Divina. Embora não tivesse nenhum poder próprio, ela
sabia escrever, e talvez isso a tornasse a pessoa perfeita para expô-
lo. Afinal, se alguma coisa acontecesse com ela, Hades sentiria a ira
de Deméter.

A caminho da aula na Universidade de Nova Atenas, Perséfone


parou para comprar uma variedade de pulseiras. Já que ela teria
que usar a marca de Hades até que cumprisse o contrato, ela queria
acessórios de acordo com suas roupas. Hoje ela usava um monte
de pérolas, um toque clássico para complementar sua saia rosa
brilhante e botões brancos.
Seus saltos bateram na calçada de concreto quando ela dobrou a
esquina e a universidade apareceu. Cada passo significava que o
tempo estava passando, o que significava uma hora, um minuto, um
segundo mais perto de seu retorno ao Nevernight.
Hoje Hades a levaria ao Submundo. Ela ficou acordada durante a
noite considerando como deveria cumprir o contrato. Ela perguntou
se ele queria que ela plantasse um jardim, e ele deu de ombros —
deu de ombros — esse é o caminho , ele havia dito.
O que isso queria dizer e de que outras maneiras ela poderia
criar vida? Não foi por isso que ele escolheu este desafio — por que
ela não tinha poder para cumprir a tarefa?
Ela duvidava que fosse porque o Senhor Hades queria belos
jardins em seu reino desolado. Afinal, ele estava interessado em
punição e, pelo que ela ouviu e testemunhou do deus, ele não
pretendia que o submundo fosse um lugar de paz e lindas flores.
Apesar de tão zangada que ela estava consigo e Hades, suas
emoções estavam em conflito. Ela estava intrigada e nervosa para
descer ao reino do deus.
Principalmente, no entanto, ela estava com medo.
E se ela falhasse?
Não, ela fechou os olhos contra tal pensamento. Ela não podia
falhar. Ela não iria. Ela veria o Submundo esta noite e bolaria um
plano. Só porque ela não conseguia arrancar uma flor do chão com
magia, não significava que não poderia usar outros métodos.
Métodos mortais. Ela só deveria ser cuidadosa. Ela precisaria de
luvas — era isso ou mataria cada planta que tocasse — e enquanto
o jardim semeava, ela procuraria outras maneiras de cumprir o
contrato.
Ou quebrá-lo.
Ela não sabia muito sobre Hades, exceto o que sua mãe e os
mortais acreditavam saber sobre ele. Ele era reservado, não
gostava de intrusões e não gostava da mídia.
Ele realmente não iria gostar do que ela planejou para hoje, e de
repente ela teve uma ideia — poderia deixar Hades bravo o
suficiente para que ele a libertasse deste contrato?
Perséfone passou pela entrada da Universidade de Nova Atenas,
Um conjunto de seis colunas coroadas com um pedaço de pedra
pontiaguda, e entrou no pátio. A Biblioteca de Ártemis surgiu à sua
frente, um edifício ao estilo do Panteão que ela teve o prazer de
explorar no seu primeiro ano. O campus era fácil de navegar,
disposto como uma estrela de sete pontas — a biblioteca sendo
uma das sete pontas.
Perséfone sempre cortava caminho pelo centro da estrela, que
era o Jardim dos Deuses, um acre de terra cheio das flores favoritas
dos olímpicos e estátuas de mármore. Apesar de Perséfone ter
percorrido este caminho muitas vezes para as aulas, hoje sentia-se
diferente. O jardim parecia opressor e as flores eram inimigas, seus
cheiros se misturavam no ar — o cheiro espesso de madressilva
misturado com o cheiro doce da rosa abordando seus sentidos.
Hades esperava que ela cultivasse algo tão grandioso? Ele
realmente a condenaria à vida no Submundo se ela falhasse em
atender seu pedido em seis meses?
Ela sabia a resposta. Hades era um deus rigoroso, ele acreditava
em regras e limites, e ele os estabeleceu ontem, nem mesmo
temendo a ameaça da ira de sua mãe.
Perséfone passou pela piscina de Poseidon e sua estátua
imponente, de um Ares totalmente nu com seu elmo no topo da
cabeça e escudo na mão. Não era a única estátua de um deus nu
no jardim, e normalmente ela pensava pouco nisso, mas hoje seu
olhar foi atraído para os grandes chifres no topo da cabeça de Ares.
Ela sentia-se pesada sob o glamour que usava. Ela ouviu um rumor
quando se mudou para Nova Atenas que os chifres eram a fonte do
poder divino.
Perséfone desejava que isso fosse verdade. Nem sequer se
tratava de ter poder agora. Era sobre liberdade.
"É como se as Moiras tivessem escolhido um caminho diferente
para você agora, minha flor," Deméter havia dito quando a magia de
Perséfone nunca se manifestou.
"Que caminho?" Perséfone perguntou. "Não há caminho, apenas
as paredes da sua prisão de vidro! Você me mantém escondida
porque sente vergonha?"
"Eu a mantenho segura porque você não tem poder, minha flor.
Existe uma diferença."
Perséfone ainda não tinha certeza de que tipo de caminho o
destino tinha decidido para ela, mas sabia que poderia estar segura
sem ser presa, e ela imaginou que em algum ponto Deméter
concordou, porque ela deixou Perséfone ir — embora presa a uma
longa coleira.
Ela ficou tensa quando sentiu o cheiro da magia de sua mãe —
amarga e floral. Deméter estava por perto.
— Mãe. — Perséfone disse, quando Deméter apareceu ao seu
lado.
Ela usava um glamour humano — algo que ela raramente fazia.
Não que Deméter não gostasse de mortais — ela era incrivelmente
protetora com seus seguidores — apenas conhecia seu status como
deusa. A máscara mortal de Deméter não era tão diferente de sua
aparência Divina. Ela manteve o mesmo cabelo liso, os mesmos
olhos verdes brilhantes, a mesma pele luminosa, mas seus chifres
estavam velados. Ela escolheu um vestido esmeralda e saltos de
ouro. Para os espectadores, ela tinha todas as aparências de uma
mulher de negócios distinta.
— O que você está fazendo aqui? — Perséfone perguntou.
— Onde você esteve ontem? — A voz de Deméter estava
áspera.
— Parece que você já acha que sabe a resposta, então por que
não me diz?
— Não trate isto com sarcasmo, minha querida. Isto é muito
sério, por que esteve no Nevernight?
Perséfone tentou evitar que seu coração disparasse. Alguma
ninfa a viu?
— Como você sabe que eu estive no Nevernight?
— Não importa como eu soube. Eu te fiz uma pergunta.
— Eu fui a trabalho, Mãe. E devo retornar hoje também.
— Absolutamente não. — Deméter disse. — Preciso te lembrar
de que uma condição do seu tempo aqui era que você ficasse longe
dos deuses? Especialmente Hades.
Ela disse o nome dele como uma maldição, e Perséfone se
encolheu.
— Mãe, eu tenho que fazer isso. É o meu trabalho.
— Então você vai se demitir.
— Não.
Os olhos de Deméter se arregalaram e sua boca abriu. Perséfone
tinha certeza de que em todos os seus vinte e quatro anos ela
nunca disse não a sua mãe.
— O que você disse?
— Eu gosto da minha vida, Mãe. Eu trabalhei duro para estar
onde estou.
— Perséfone você não precisa viver essa vida mortal. Está...
mudando você.
— Bom. É o que eu quero. Eu quero ser eu, o que quer que isso
seja, e você terá que aceitar.
O rosto de Deméter estava frio como uma pedra, e Perséfone
sabia o que ela estava pensando — Eu não tenho que aceitar nada
a não ser o que eu queira.
— Eu tenho escutado seus avisos sobre os deuses,
especialmente Hades. — Perséfone acrescentou. — De que você
tem medo? Que eu o permitirei me seduzir? Tenha mais fé em mim.
Deméter empalideceu e sibilou:
— Isso é sério, Perséfone.
— Eu estou falando sério, Mãe. — Ela checou o relógio. — Eu
tenho que ir. Vou me atrasar para a aula.
Perséfone desviou de sua mãe e saiu do jardim. Ela podia sentir
o olhar de Deméter queimando suas costas enquanto ela
caminhava.
Ela se arrependeria de se defender, ela tinha certeza disso. A
pergunta era: que punição a Deusa da Colheita escolheria?

***

A aula não passou de um borrão de anotações e palestras


zumbidas. Normalmente, Perséfone estava atenta, mas ela tinha
muito em que pensar. A conversa com a mãe estava corroendo-a.
Embora Perséfone estivesse orgulhosa de se defender, ela sabia
que Deméter poderia levá-la embora com um estalar de dedos de
volta para a estufa de vidro. Ela também estava pensando em sua
conversa com Lexa e como poderia começar a pesquisar para seu
artigo. Ela sabia que uma entrevista seria essencial, mas ela não
estava ansiosa para estar em um espaço fechado com Hades
novamente.
Ela ainda estava se sentindo mal na hora do almoço, e Lexa
percebeu.
— O que há de errado?
Ela considerou como dizer à amiga que sua mãe a estava
espionando. Finalmente, ela disse:
— Eu descobri que minha mãe está me rastreando. Ela... meio
que descobriu sobre o Nevernight.
— Ela ainda não percebeu que você é adulta? — Lexa revirou os
olhos.
— Eu não acho que minha mãe jamais tenha me visto como uma
adulta. — E ela achava que nunca faria isso, evidente pelo uso do
apelido Kore.
— Não deixe ela fazer você se sentir mal por se divertir,
Perséfone. Definitivamente, não deixe que ela a impeça de fazer o
que você quer.
Mas foi mais difícil do que isso. Obedecer significava que ela
poderia ficar no mundo mortal, e isso é o que Perséfone queria,
mesmo que não fosse tão divertido.
Depois do almoço, Lexa foi com Perséfone para a Acrópole. Ela
alegou que era para ver onde ela trabalhava, mas Perséfone
suspeitou que ela queria dar uma olhada em Adonis — e ela teve,
porque ele as interceptou quando passaram pela recepção.
— Oi. — Ele sorriu. — Lexa, certo? É bom vê-la outra vez.
Deuses. Ela não podia culpar Lexa nem um pouco por cair no
feitiço de Adonis. Este homem era charmoso e ajudava o fato de ser
notavelmente bonito.
Lexa sorriu.
— Não pude acreditar quando Perséfone me disse que
trabalhava com você. Que coincidência.
Ele olhou para Perséfone.
— Foi definitivamente uma surpresa agradável. Sabe o que
dizem, mundo pequeno, não?
— Adonis, um momento? — Demetri chamou de sua porta, e
todos olharam em sua direção.
— Já vou! — Adonis olhou de volta para Lexa. — Bom te ver.
Vamos sair qualquer dia desses.
— Cuidado, vamos te cobrar por isso — ela avisou.
— Espero que sim.
Adonis correu para se juntar a Demetri, e Lexa olhou para
Perséfone.
— Me diga, ele é tão belo quanto Hades?
Perséfone não queria zombar, mas não havia comparação. Ela
também não queria oferecer um resoante, “não.”
Mas ela o fez.
Lexa levantou uma sobrancelha e sorriu, então se inclinou para
frente e deu um beijo na bochecha de Perséfone.
— Te vejo hoje à noite. Ah, e certifique-se com Adonis. Ele está
certo — nós devemos sair juntos.
Com Lexa fora, Perséfone depositou seus pertences em sua
mesa e foi fazer café. Depois do almoço, ela estava se sentindo
cansada e precisava de toda a sua energia para o que estava
prestes a fazer.
Quando voltou para sua mesa, Adonis saiu do escritório de
Demetri.
— Então, sobre esse fim de semana
— Esse fim de semana? — ela repetiu.
— Eu pensei que poderíamos ir às Seletivas. — ele disse. —
Sabe, com a Lexa. Vou convidar Aro, Xerxes e Sybil.
As Seletivas eram uma série de competições cujos competidores
esperavam representar seu território no próximo Pentatlo. Perséfone
nunca tinha ido, mas havia visto e lido a cobertura no passado. —
Ah ... bem, na verdade, antes de discutirmos isso, eu esperava que
pudesse me ajudar com algo.
— Claro, o que é? — Adonis iluminou-se.
— Alguém aqui já escreveu sobre o Deus dos Mortos?
O Adonis riu e depois parou.
— Está falando sério?
— Muito.
— Quer dizer, é um pouco difícil.
— Por quê?
— Porque não é como se Hades obrigasse esses humanos a
jogar com ele. Fazem-no de boa vontade e depois enfrentam as
consequências.
— Isso não significa que as consequências sejam certas ou até
justas — argumentou Perséfone.
— Não, mas ninguém quer acabar no Tártaro, Perséfone.
Isso parecia contradizer o que Demetri disse no seu primeiro dia
— que O Jornal Nova Atenas sempre procurou a verdade. Dizer que
ela estava desapontada era um eufemismo, e Adonis deve ter
notado.
— Olha ... se você está falando sério sobre isso, posso enviar-lhe
o que tenho sobre ele.
— Você faria isso? — ela perguntou.
— É claro. — Ele sorriu. — Com uma condição, que você me
deixe ler o artigo que você escreveu.
Ela não teria problemas em enviar seu artigo a Adonis e
agradeceu o retorno.
— Combinado.
Adonis entregou. Logo depois que ele voltou para sua mesa, ela
recebeu um e-mail com anotações e gravações de voz detalhando
acordos que o deus havia feito com vários mortais. Nem todos que
escreveram ou telefonaram foram vítimas de Hades, alguns eram
familiares das vítimas cujas vidas foram interrompidas devido a uma
barganha perdida.
No total, ela contou setenta e sete casos diferentes. Enquanto lia
e ouvia, um fio comum emergiu das entrevistas: todos os mortais
que tinham ido ao Hades em busca de ajuda precisavam
desesperadamente de algo: dinheiro, saúde ou amor. Hades
concordaria em conceder qualquer coisa que o mortal pedisse se
eles ganhassem contra ele em um jogo de sua escolha.
Mas se perdesse, estavam à sua mercê. E Hades parecia ter
prazer em oferecer um desafio impossível.
Uma hora depois, Adonis apareceu para ver como ela estava.
— Encontrando alguma coisa útil?
— Quero entrevistar Hades. — disse ela. — Hoje, se possível.
Ela se sentia impaciente — quanto mais cedo ela publicasse este
artigo, melhor.
— Você quer... o quê? — Adonis empalideceu.
— Eu gostaria de dar a Hades a chance de mostrar seu lado das
coisas — ela explicou.
Tudo o que Adonis tinha sobre ele era da perspectiva do mortal, e
ela estava curiosa para saber como o deus via as pechinchas, os
mortais e seus vícios.
— Sabe, antes de escrever o meu artigo.
Adonis piscou algumas vezes e finalmente encontrou suas
palavras.
— Não é assim que funciona, Perséfone. Você não pode
simplesmente aparecer no local de trabalho de um deus e exigir
uma audiência. Há... existem regras.
— Regras? — Ela levantou uma sobrancelha e cruzou os braços
por cima do peito.
— Sim, regras. Temos de submeter um pedido ao diretor de
Relações Públicas.
— Um pedido que será negado, presumo?
Adonis desviou o olhar, mudando de posição como se o
questionamento de Perséfone o deixasse desconfortável.
— Olha, se formos lá, pelo menos podemos dizer que tentamos
falar com ele para comentar e ele nos negou. Não posso escrever
este artigo sem tentar, e não quero esperar.
Não quando posso entrar noite após noite à vontade, ela pensou.
Hades se arrependeria de tê-la beijado quando visse como ela
planejava usar seu favor.
Depois de um momento, Adonis suspirou.
— Ok. Vou avisar o Demetri que vamos sair.
Ele ia se virar quando Perséfone o parou.
— Você não ... contou a Demetri sobre isso, não é?
— Não que você planeja escrever este artigo.
— Podemos manter em segredo? Por enquanto.
— Sim, claro. Como você quiser Perséfone. — Adonis sorriu.
*

Adonis estacionou no meio-fio em frente ao Nevernight, seu


Lexus vermelho brilhando contra o pano de fundo preto da torre de
obsidiana de Hades. Apesar de Perséfone estar determinada a
seguir com esta entrevista, teve um momento de dúvida. Ela estava
sendo muito ousada ao assumir que poderia usar o favor de Hades
dessa forma?
— Parece diferente à luz do dia não não é? — Adonis surgiu ao
seu lado.
— Sim. — ela disse distraída. A torre parecia diferente, mais
dura. Um corte irregular em uma cidade cintilante.
Adonis tentou abrir a porta, mas estava trancada, então ele bateu
e não deu tempo para alguém responder antes dele se retirar.
— Pare que não tem ninguém em casa.
Ele definitivamente não queria estar aqui, e Perséfone se
perguntou por que ele hesitava em confrontar o deus quando ia ao
seu clube com tanta frequência à noite.
Quando Adonis se afastou da porta, Perséfone tentou — e ela se
abriu.
— Sim! — sibilou para si mesma.
— Como você... estava trancada! — Adonis olhou para ela
intrigado.
— Talvez você não tenha empurrado com força suficiente.
Vamos. — Ela deu de ombros.
Quando ela desapareceu dentro do Nevernight, ela ouviu Adonis
dizer, "Eu juro que estava trancada."
Ela desceu as escadas, entrando no clube agora familiar. Seus
saltos estalaram contra o piso preto brilhante e ela olhou para a
escuridão do teto alto, sabendo que este piso podia ser visto do
escritório de Hades.
— Olá? Alguém em casa? — Adonis chamou.
Perséfone se encolheu e resistiu ao impulso de dizer a Adonis
para calar a boca. Ela tinha pensado que iria ao escritório de Hades
e o pegaria desprevenido, embora não tivesse tanta certeza de que
era uma boa ideia. Ela considerou ontem, quando ele atendeu a
porta desgrenhado.
Pelo menos se o surpreendesse, ela poderia descobrir a verdade
sobre o que estava acontecendo entre ele e Minthe.
Como se convocada por seus pensamentos, a ninfa ruiva
emergiu da escuridão da sala, vestida com um vestido preto justo e
salto alto. Ela estava tão adorável como Perséfone se lembrava. A
Deusa da Primavera conheceu e fez amizade com muitas ninfas,
mas nenhuma delas parecia tão severa quanto Minthe, ela se
perguntou se esse era o resultado de servir ao Deus do Submundo.
— Posso ajudá-la? — Minthe tinha uma voz convidativa e
embotada, mas não escondia a aspereza de seu tom.
— Oi. — Adonis passou por Perséfone, de repente encontrando
sua confiança e estendendo a mão. Perséfone ficou surpresa e um
pouco frustrada quando Minthe pegou sua mão e ofereceu um
sorriso. — Adonis.
— Minthe.
— Você trabalha aqui? — ele perguntou.
— Eu sou assistente do Lorde Hades. — ela respondeu.
Perséfone olhou para longe e revirou os olhos. Assistente parecia
uma palavra carregada demais.
— Sério? — Adonis parecia genuinamente surpreso. — Mas você
é tão bonita.
Realmente não era culpa de Adonis. As ninfas tinham esse efeito
nas pessoas, mas Perséfone estava em uma missão e ficando
impaciente.
Adonis segurou a mão de Minthe por mais tempo do que o
necessário até que Perséfone pigarreou e ele a largou.
— Hum... e essa é Perséfone. — Ele gesticulou para ela. Minthe
não disse nada, nem sequer acenou. — Nós somos do Jornal Nova
Atenas.
— Então, vocês são jornalistas? — Seus olhos brilharam, e
Adonis provavelmente tomou isso como interesse em sua ocupação,
mas Perséfone sabia ser o contrário.
— Na verdade nós estamos aqui para falar com Hades. — ela
disse. — Ele está por aí?
Os olhos de Minthe queimaram dentro dela.
— Você tem uma hora marcada com Lorde Hades?
— Não.
— Então receio que não possa falar com ele.
— Que pena. — Adonis respondeu. — Nós voltaremos quando
tivermos uma hora marcada. Perséfone?
Ela ignorou Adonis, olhando com raiva para Minthe.
— Informe o Senhor de que Perséfone está aqui e deseja falar
com ele. — Era uma ordem, mas Minthe sorriu, imperturbável,
olhando para Adonis.
— Sua parceira deve ser nova e, portanto, não sabe como isso
funciona. O Lorde Hades não dá entrevistas.
— Claro. — Adonis envolveu seus dedos em torno do punho de
Perséfone. — Vamos, Perséfone. Eu te disse, existe um protocolo
que precisamos seguir.
Perséfone olhou para os dedos de Adonis em volta de seu punho
e então encontrou seu olhar. Ela não tinha certeza de que olhar ela
deu a ele, mas seus olhos arderam e a raiva subiu quente em seu
sangue. "Me. Deixa. Ir."
Seus olhos se arregalaram e ele a soltou. Ela voltou a sua
atenção para Minthe.
— Não ignoro como isso funciona. — disse Perséfone. — Mas eu
exijo falar com Hades.
— Exige? — Minthe cruzou os braços sobre o peito, as
sobrancelhas subindo até a linha do cabelo, e sorriu
maliciosamente. — Bem. Vou dizer a ele que você exige vê-lo, mas
apenas porque terei grande satisfação em ouvi-lo rejeitá-la.
Ela girou nos calcanhares e desapareceu na escuridão.
Perséfone se perguntou por um momento se ela realmente contaria
a Hades ou enviaria um ogro para expulsá-los.
— Por que é que Hades saberia o seu nome? — Adonis
perguntou.
— Eu o conheci na mesma noite em que te conheci. — Ela não
olhou para ele ao responder.
Ela podia sentir suas perguntas crescendo no ar entre eles. Ela
só esperava que ele não as fizesse.
Minthe voltou parecendo zangada, e isso encheu Perséfone de
alegria, especialmente porque a ninfa tinha tanta certeza de que
Hades iria mandá-los embora.
— Sigam-me. — Ela ergueu o queixo e disse com firmeza.
Perséfone pensou em dizer a Minthe que não precisava de um
guia, mas Adonis estava lá e já estava curioso. Ela não queria que
ele soubesse que ela esteve lá na noite anterior, ou sobre seu
contrato com o Deus dos Mortos.
Perséfone ofereceu a Adonis um olhar antes de seguir Minthe
pelo mesmo conjunto de escadas tortuosas que ela seguiu Hades
ontem, e para as portas douradas e pretas ornamentadas de seu
escritório. Adonis deu um assobio baixo.
Hoje, Perséfone se concentrou no ouro, e não nas flores. Ela
supôs que era apropriado que ele escolhesse ouro, afinal, ele era o
Deus dos metais preciosos.
Minthe não bateu antes de entrar no escritório de Hades e seguiu
em frente, os quadris balançando. Talvez ela esperasse prender a
atenção de Hades, mas Perséfone sentiu seu olhar sobre ela no
momento em que entrou na sala. Ele a rastreou como uma presa de
seu lugar perto das janelas, e ela se perguntou há quanto tempo ele
os estava observando lá embaixo.
A julgar pelo quão rígido ele ficou, ela adivinhou que ele já estava
lá há algum tempo.
Ao contrário de ontem, quando ela exigiu a entrada no
Nevernight, a aparência de Hades estava imaculada. Ele era um
elegante abismo de escuridão, e ela poderia estar apavorada se
não estivesse tão zangada com ele.
— Perséfone, meu Senhor. — Minthe parou e acenou.
Seu tom tinha assumido aquele tom sensual novamente.
Perséfone imaginou que o usava quando queria dobrar os homens à
sua vontade. Talvez ela tenha se esquecido que Hades era um
deus. Ela se moveu, virando-se para enfrentar Perséfone
novamente, de pé atrás do deus.
— E... seu amigo, Adonis.
Foi com a menção a Adonis que os olhos de Hades finalmente
deixaram Perséfone, e ela se sentiu liberta de um feitiço. O olhar de
Hades deslizou para seu parceiro e escureceu antes de ele acenar
para Minthe.
— Está dispensada Minthe. Obrigado.
Uma vez que ela se foi, Hades se moveu para encher um copo
com um líquido âmbar de uma garrafa de cristal. Ele não pediu que
se sentassem ou se queriam um pouco.
Não era um bom sinal. Ele pretendia que esta reunião fosse
muito curta.
— A que devo esta...intrusão? — ele perguntou.
Os olhos de Perséfone se estreitaram com a palavra. Ela queria
perguntar a ele o mesmo — porque foi isso que ele fez, se
intrometeu em sua vida.
— Senhor Hades — disse ela, e tirou o caderno da bolsa onde
escreveu os nomes de todas as vítimas que ligaram para o jornal
com uma reclamação. — Adonis e eu somos do Jornal Nova
Atenas. Temos investigado várias reclamações sobre você e
gostaria de saber se poderia comentar.
Ele levou o copo aos lábios e bebeu, mas não disse nada. Ao
lado dela, Adonis deu um risada nervosa.
— Perséfone está investigando. Eu estou aqui apenas... para dar
apoio moral.
Ela o olhou com raiva. Covarde.
— Isso é uma lista das minhas ofensas? — Seus olhos eram
escuros e vazios de emoção. Perguntou-se se era assim que ele
acolhia as almas no seu mundo.
Ela ignorou a pergunta dele e leu alguns dos nomes da lista.
Depois de um momento, ela ergueu os olhos.
— Você se lembra dessas pessoas?
Ele deu um lânguido gole na bebida.
— Eu lembro de todas as almas.
— E todos os acordos?
Os olhos dele estreitaram-se e ele estudou-a por um momento.
— A questão Perséfone. Vá direto ao ponto. Você não teve
problemas com isso no passado, por que agora?
Ela sentiu Adonis olhar para ela, e ela olhou para Hades, seu
rosto vermelho de raiva. Ele fez parecer que eles se conheciam há
mais de dois dias.
— Você concorda em oferecer aos mortais tudo o que eles
desejarem se eles jogarem com você e ganharem.
— Nem todos os mortais e nem todos os desejos — disse ele.
— Me perdoe, você é seletivo nas vidas que destrói.
— Eu não destruo vidas. — O rosto dele endureceu.
— Você só divulga os termos do seu contrato depois de ganhar!
Isso é mentira.
— Os termos são claros, os detalhes são meus para determinar.
Não é uma mentira, como você chama. É uma aposta.
— Você desafia o vício deles. Você revela seus segredos mais
sombrios ...
— Eu desafio o que está destruindo suas vidas. É escolha deles
conquistar ou sucumbir.
Ela o encarou. Ele falou em um tom tão prático, como se ele já
tivesse tido essa conversa milhares de vezes.
— E como você conhece o vício deles?
Era a resposta que ela estava esperando, e com a pergunta, um
sorriso malicioso cruzou o rosto de Hades. Isso o transformou e
insinuou o deus por trás do glamour.
— Eu vejo a Alma — disse ele. — O que o sobrecarrega, o que o
corrompe, o que o destrói — e o desafia.
Mas o que você vê quando olha para mim?
Ela odiava pensar que ele conhecia seus segredos e ela não
sabia nada sobre ele.
. — Você é o pior tipo de deus! — ela explodiu.
Hades se encolheu, mas se recuperou rapidamente, os olhos
brilhando de raiva.
— Perséfone... — Adonis avisou, mas o barítono caloroso de
Hades rapidamente o abafou.
— Eu estou ajudando esses mortais. — Ele deu um passo
deliberado em direção a ela.
— Como? Oferecendo um contrato impossível? Abstenha-se do
vício ou perca a vida? Isso é absolutamente ridículo, Hades.
— Eu tenho tido sucesso — ele argumentou.
— Oh? E qual é o seu sucesso? Suponho que não importa para
você, já que ganha de qualquer maneira, certo? Todas as almas vão
até você em algum momento.
Seu olhar ficou pétreo e ele se moveu para diminuir a distância
entre eles, mas antes que pudesse, Adonis se colocou entre ele e
Perséfone. Os olhos de Hades acenderam e com um movimento de
seu punho, Adonis amoleceu e caiu no chão.
— O que você fez?— Perséfone começou a alcançá-lo, mas
Hades agarrou seus punhos, mantendo-a de pé e puxando-a para
ele. Ela prendeu a respiração, não querendo estar tão perto, onde
ela pudesse sentir seu calor e sentir seu cheiro.
A respiração dele acariciou-lhe os lábios enquanto falava.
— Estou presumindo que não quer que ele ouça o que tenho a
dizer a você — não se preocupe, não vou pedir um favor quando
apagar a memória dele.
— Que gentil de sua parte — ela zombou, esticando o pescoço
para encontrar seu olhar. Ele se inclinou sobre ela, segurando seus
punhos a única coisa que a impedia de cair de costas.
— Que liberdade você toma com meu favor, Senhora Perséfone.
— Sua voz era baixa, muito baixa para esse tipo de conversa. Era a
voz de um amante, quente e apaixonado.
— Você nunca especificou como eu deveria usar seu favor.
Seus olhos se estreitaram um pouco.
— Não, embora esperasse que você soubesse melhor do que
isso ao arrastar este mortal para o meu reino.
— Você conhece ele? — Foi a vez dela estreitar os olhos.
Hades ignorou a pergunta.
— Você planeja escrever uma história sobre mim? Diga-me,
Senhora Perséfone, você vai detalhar suas experiências comigo?
Como você imprudentemente me convidou para sua mesa, me
implorou para lhe ensinar cartas ...
— Eu não implorei!
— Você poderia falar sobre como você enrubesce da cabeça aos
pés na minha presença e como eu faço você perder o fôlego...
— Cala a boca!
— Você vai falar do favor que eu lhe dei, ou você está muito
envergonhada? — Ele se aproximou dela enquanto falava.
— Pare!
Ela se afastou e ele a soltou, mas não havia terminado.
— Você pode me culpar pelas escolhas que fez, mas isso não
muda nada. Você é minha por seis meses — e isso significa que, se
vai escrever sobre mim, eu vou me certificar de que haja
consequências.
Ela se esforçou para não estremecer com suas palavras
possessivas. Ele estava calmo enquanto falava, e isso a enervava
porque ela tinha a nítida impressão de que ele estava tudo menos
calmo por dentro.
— É verdade o que dizem sobre você. — disse ela, com o peito
subindo e descendo. — Você não dá ouvidos a nenhuma oração.
Você não oferece misericórdia.
O rosto de Hades permaneceu impassível.
— Ninguém ora ao Deus dos Mortos, minha Senhora, e quando o
faz, é tarde demais.
Hades acenou com a mão e Adonis acordou, respirando
bruscamente. Ele se sentou rapidamente e olhou em volta. Quando
seus olhos pousaram em Hades, ele se levantou com dificuldade.
— D-desculpa. — ele disse. Ele olhou para o chão e não
encontrou o olhar de Hades.
— Não responderei mais às suas perguntas — disse Hades. —
Minthe vai te mostrar a saída.
Hades se virou e Minthe apareceu instantaneamente, cabelos e
olhos em chamas, fixos em Perséfone. Ela teve o pensamento fugaz
de que ela e Hades formariam um par bastante intimidante e ela não
gostou disso.
— Perséfone. — a voz de Hades impôs sua atenção quando ela
e Adonis se viraram para sair. Ela parou na porta e olhou para trás.
— Vou adicionar o seu nome à minha lista de convidados esta noite.
Ele ainda a esperava esta noite? Seu coração bateu em seu
estômago. Que tipo de punição ele acrescentaria à sentença por
sua indiscrição? Ela tinha o contrato e já lhe devia um favor.
Ela o encarou por um momento e toda a sua escuridão pareceu
se confundir, exceto por seus olhos, que queimavam como fogo na
noite.
Ela saiu do escritório a passos largos ignorando a expressão de
choque de Adonis.
Uma vez que eles estavam fora do Nevernight, Adonis murmurou.
— Bem, isso foi interessante.
Perséfone mal ouvia. Ela estava muito distraída com o que
aconteceu no escritório de Hades, horrorizada com o seu mau uso
do poder e a sua crença corrupta de que ele estava ajudando.
— Você disse que só conheceu Hades uma vez antes? — Adonis
perguntou quando entravam no carro dele.
— Oi?
— Hades, você só o conheceu uma vez antes?
Ela o encarou por um momento. Hades disse que apagaria as
memórias de Adonis, mas com essa pergunta, ela se perguntou se
eria funcionado.
— Sim. — ela admitou hesitantemente. — Por quê?
— Parecia haver muita tensão entre vocês dois, como se ...
tivessem uma história. — Ele encolheu os ombros.
Como foi que algumas horas de história entre eles pareceram
uma eternidade? Por que ela convidou Hades para a mesa? Ela
sabia que se arrependeria dessa decisão pelo resto de sua vida.
Esse tipo de negócio tinha garras e não havia como ela sair dessa
sem cicatrizes. Havia muita coisa em jogo, muita coisa proibida. A
liberdade de Perséfone estava envolvida nisso, e a ameaça vinha de
todos os lados.
— Perséfone? — Adonis perguntou.
— Não. Nós não temos uma história. — Ela respirou fundo.
6
O ESTIGE

O QUE VOCÊ VESTE PARA UM passeio no Submundo?


Era uma pergunta que Perséfone vinha se fazendo desde que
deixou o escritório de Hades mais cedo naquele dia. Ela deveria ter
feito mais perguntas — eles fariam uma caminhada? Como era o
tempo lá em baixo? Ela estava tentada a usar calças de ioga
apenas para obter uma reação dele, mas então ela se lembrou que
estava indo para o Nevernight primeiro, e eles tinham um código de
vestimenta.
No final, ela escolheu um vestido curto prateado com decote
baixo e salto que cintilava. Ela desceu do ônibus na frente do clube
de Hades e se aproximou da entrada, ignorando os olhares de
inveja da fila impossivelmente longa. O segurança que esperava
não era Duncan, mas ainda era um ogro. Perséfone se perguntou
como Hades puniu o monstro por seu tratamento para com ela. Ela
teve que admitir, foi surpreendida pelo Deus dos Mortos naquele
momento, ele não a defendeu porque ela era uma deusa, a
defendeu porque ela era uma mulher.
E apesar dos seus muitos defeitos, ela tinha de respeitar isso.
— Meu nome é... — ela começou.
— Você não precisa se apresentar, minha senhora. — o ogro
disse.
Perséfone enrubesceu e torceu para que ninguém mais próximo
a ela na fila pudesse ouvir. O ogro estendeu a mão e abriu a porta,
baixando a cabeça. Como essa criatura a conhecia? Foi o favor que
Hades lhe concedeu? Era de alguma forma visível?
— Qual é o seu nome? — Ela encontrou o olhar do ogro.
— Mekonnen, minha senhora. — a criatura pareceu surpresa.
— Mekonnen. — Ela sorriu. — Me chame de Perséfone, por
favor.
— Minha senhora, eu não poderia. O Senhor Hades, ele... — os
olhos dele se arregalaram.
— Falarei com o Senhor Hades. — Ela colocou a mão no braço
do ogro. — Me chame de Perséfone.
Mekonnen deu um sorriso torto e, em seguida, estendeu a mão
de forma dramática, curvando a cintura.
— Perséfone.
Ela riu e balançou a cabeça. Ela falaria com ele mais tarde sobre
a reverência, mas por enquanto, se ele nunca a chamasse de
'minha senhora' novamente, ela veria isso como uma vitória.
Ela entrou no clube e caminhou até a pista, mas assim que ela
chegou ao final das escadas, um Sátiro se aproximou. Ele era bonito
em sua camisa preta de botões, com cabelo escuro desgrenhado,
cavanhaque e chifres escuros que se enrolavam em sua cabeça.
— Senhora Perséfone? — ele perguntou.
— Apenas Perséfone. — ela disse. — Por favor.
— Peço desculpas, Senhora Perséfone, falo como o Senhor
Hades ordena.
— O Senhor Hades não tem voz sobre como devo ser tratada. —
Ela sorriu. — Perséfone será. — ela ia ter essa conversa com
todos?
Os cantos dos lábios ele se curvaram.
— Já gosto de você. Eu sou Ilias. O Lorde Hades deseja que eu
peça desculpa em nome dele. Ele está envolvido em algo, de
qualquer forma me aconselhou levá-la ao seu escritório. Ele
promete que não vai demorar.
Ela se perguntou o que o estava prendendo. Talvez ele estivesse
selando outro contrato terrível com um mortal ... ou com Minthe.
—Vou esperar no bar.
— Eu temo que não.
— Outra ordem? — ela perguntou.
— Receio que esse deva ser obedecido, Perséfone. — Ilias lhe
deu um sorriso pesaroso.
Isso irritou-a, mas não foi culpa do Ilias. Ela sorriu para o Sátiro.
— Só por sua causa, então. Mostre o caminho.
Ela seguiu o Sátiro enquanto ele cortava através da multidão
cada vez maior e ao longo do caminho familiar para o escritório de
Hades. Ela ficou surpresa quando ele a seguiu lá dentro. Ele
caminhou até o bar onde Hades tinha se servido no início do dia.
— Posso pegar alguma coisa para você? Vinho, talvez?
— Sim, por favor, um Cabernet se você tiver. — Se ela ia passar
a noite com Hades e no Submundo, ela queria uma bebida em sua
mão.
— É para já!
O Sátiro estava tão alegre que ela achou difícil acreditar que ele
trabalhava para Hades. Por outro lado, Antoni parecia reverenciar o
Deus. Perguntou-se se Ilias sentia o mesmo.
Ela observou enquanto ele selecionava uma garrafa de vinho e
começava a desarrolhá-la. Depois de um momento, ela perguntou:
— Por que você serve Hades?
— Eu não sirvo o Senhor Hades. Trabalho para ele. Existe uma
diferença.
É justo.
— Então por que trabalhas para ele?
— O Senhor Hades é muito generoso. — explicou o sátiro. —
Não acredite em tudo o que ouve sobre ele. A maior parte não é
verdade.
Isso despertou o interesse dela.
— Diga-me algo que nao é verdade.
O Sátiro riu enquanto servia seu vinho e deslizou o copo sobre a
mesa.
— Obrigada.
— O prazer é meu. — Ele curvou um pouco a cabeça, colocando
a mão no peito. Quando ele olhou para ela novamente, ela ficou
surpresa com sua seriedade. — Dizem que Hades protege seu reino
e, embora isso seja verdade, não se trata de poder. Ele cuida de seu
povo, protege-o e leva isso para o lado pessoal se alguém é ferido.
Se você pertence a ele, ele destruirá o mundo para salvá-la.
— Mas eu não pertenço a ele. — ela estremeceu.
Ilias sorriu.
— Sim pertence, ou eu não estaria lhe servindo vinho no
escritório dele. — Ele curvou-se. — Se você precisar de alguma
coisa, deve simplesmente falar meu nome.
Com isso, Ilias se foi e Perséfone foi deixada em silêncio. Estava
quieto no escritório de Hades, a lareira nem estalou. Ela se
perguntou se isso era uma forma de punição no Tártaro. Isso
definitivamente a teria deixado louca.
Depois de um momento, ela caminhou até a parede de janelas
que dava para o andar principal do clube. Ela tinha a estranha
sensação de que era assim que os Olímpicos se sentiam uma vez
quando viviam nas nuvens e olhavam para a Terra.
Ela estudou os mortais lá em baixo. À primeira vista, ela viu
grupos de amigos e casais, suas preocupações banidas pela bebida
em suas mãos. Para eles, era uma noite de diversão e euforia, não
muito diferente da que ela teve em sua primeira visita. Para outros,
porém, sua visita ao Nevernight significava esperança.
Ela os escolheu um por um. Eles se delataram por seus olhares
ansiosos para as escadas em espiral que levava ao segundo andar,
onde Hades fazia seus negócios. Ela notou os ombros caídos dos
estressados, o suor brilhante nas sobrancelhas dos ansiosos, a
postura rígida dos desesperados.
A visão a deixou triste, mas eles seriam avisados em breve para
não serem vítimas dos jogos de Hades. Ela se certificaria disso.
Ela se afastou da janela e se aproximou da mesa de Hades; o
enorme pedaço de obsidiana parecia ter sido arrancado da terra e
polido. Perséfone se perguntou se tinha vindo do Mundo Inferior.
Ela deslizou os dedos ao longo de sua superfície lisa. Ao
contrário de sua mesa, que já estava coberta de notas adesivas e
personalizada com fotos, a dele estava livre de desordem. Ela
franziu o cenho. Isso foi decepcionante, ela esperava colher algum
conteúdo útil, mas este nem mesmo tinha gavetas.
Ela suspirou e se virou, lembrando que Minthe apareceu de uma
passagem atrás da mesa de Hades. Olhando para a parede agora,
não havia indicação de que existia uma porta. Ela se aproximou,
inclinando-se para frente para inspecionar a parede inteira.
A porta provavelmente respondeu à magia de Hades, o que
significava que deveria responder ao favor dela. Ela passou a mão
sobre a superfície lisa — até que sua mão afundou na parede. Ela
engasgou e recuou rapidamente, o coração batendo forte em seu
peito. Ela inspecionou a mão na frente e atrás, mas não encontrou
feridas.
Então a curiosidade a dominou e ela olhou por cima do ombro
antes de tentar novamente, empurrando mais contra a parede.
Cedeu como um líquido, e quando ela passou pelo outro lado, ela se
viu em um corredor forrado com lustres de cristal. A luz manteve
seus pés na sombra, e quando ela deu um passo à frente, caiu e
bateu com força em algo afiado.
O impacto a deixou sem fôlego. Em pânico, ela respirou em
arfadas até que sua respiração voltou ao normal. Foi então que
percebeu que havia caído em um degrau. A luz no alto mal tocava o
contorno da escada.
Perséfone lutou para ficar de pé, apesar da dor aguda em sua
lateral. Ela tirou os sapatos e os deixou para trás, descendo os
degraus em uma inclinação íngreme. Ela manteve a mão
pressionada ao lado do corpo e a outra na parede, com medo de
que, se caísse de novo, quebrasse as costelas.
No momento em que Perséfone atingiu o solo, suas pernas e
flancos doíam. À sua frente, uma luz ofuscante, mas nebulosa,
filtrada em uma abertura semelhante a uma caverna. Ela tropeçou
em direção a ela e caminhou direto para um campo de grama alta e
verde salpicada de flores brancas desabrochando. À distância, um
palácio de obsidiana se projetava contra o céu, lindo, mas sinistro,
como nuvens cheias de raios e trovões. Quando olhou para trás,
descobriu que havia descido uma grande montanha negra.
Então este é o Submundo, ela pensou. Parecia tão normal, tão
bonito. Como todo um outro mundo abaixo do mundo. O céu ali era
vasto e claro, mas ela não conseguia ver um sol, e o ar não estava
quente nem frio, embora a brisa que movia a grama e seu cabelo a
fizesse estremecer. Ele também carregava uma mistura de aromas
— florais doces, especiarias e cinzas. Era assim que Hades
cheirava, também. Ela queria inalar, mas mesmo respirações
superficiais doíam depois de sua queda.
Ela se afastou da boca da montanha, mantendo os braços
cruzados sobre o peito, hesitante em tocar nas delicadas flores
brancas por medo de que murchassem. Quanto mais ela andava,
mais furiosa ficava com Hades.
Ao seu redor havia uma vegetação exuberante. Parte dela queria
que o Submundo estivesse cheio de cinzas, fumo e fogo, mas aqui
ela encontrou…vida.
Por que Hades a encarregou de tal tarefa se ele já era excelente
em criá-la?
Ela continuou sem nenhum destino além do palácio. Era a única
coisa que podia ver além do enorme campo. Ela ficou surpresa por
ninguém ter vindo atrás dela ainda, ela tinha ouvido falar que Hades
tinha um cachorro de três cabeças que guardava a entrada para o
submundo. Ela se perguntou se foi seu favor que a ajudou a passar
para este lugar desconhecido.
Exceto que ela meio que desejou que alguém viesse, porque
quanto mais ela andava e quanto mais pesado ela respirava, mais
sua lateral do corpo doia.
Logo ela encontrou em um caminho barrado por um rio. Era uma
massa de água perturbadora, escura e agitada, e tão larga que ela
só podia ver a vaga coloração da folhagem do outro lado.
Esse deve ser o Estige, ela pensou. Ele marcava os limites do
Submundo e era conhecido por ser guardado por Caronte, um
demônio, também chamado de espírito-guia. Ele conduzia almas
para o Submundo em sua balsa, mas Perséfone não viu nenhum
demônio e nenhuma balsa. Havia apenas flores, uma abundância de
narcisos espalhados pela margem do rio.
Como ela deveria atravessar isso? Ela olhou para a montanha,
tinha ido longe demais para voltar agora. Ela era uma nadadora
forte, exceto pela dor na sua lateral que poderia retardá-la. Além da
largura, parecia bastante modesto — apenas água escura e
profunda.
Perséfone se aproximou da margem. Estava úmido, escorregadio
e íngreme. As flores crescendo ao longo da encosta criavam um
mar de branco, um estranho contraste com a água, que parecia
óleo. Ela testou com o pé antes de mergulhar completamente no rio.
A água estava fria e sua respiração tornou-se difícil, o que piorou a
dor.
Assim que ela estabeleceu um ritmo decente, algo apertou seu
tornozelo e a puxou. Antes que ela pudesse gritar, foi arrastada para
baixo da água.
Perséfone chutou e arranhou, mas quanto mais ela lutava, mais
apertado era a garra e mais rápido a coisa se movia, nas
profundezas do rio. Ela tentou se virar para ver o que a havia
agarrado, mas um espasmo de dor a fez gritar e a água escorreu
por sua boca e garganta.
Então algo apertou seu punho, sacudindo-a bruscamente
enquanto a coisa que puxava seus pés parava. Quando ela olhou
para o que segurava seu punho, ela tentou gritar, mas em vez disso
inalou água.
Era um cadáver. Dois olhos vazios a encararam de volta,
pedaços de pele ainda agarrados a partes de seu rosto esquelético.
Ela ficou presa entre os dois enquanto a puxavam para cima e
para baixo, esticando seu corpo a ponto de doer. Eles logo se
juntaram a mais dois, que seguraram seus membros restantes.
Seus pulmões queimavam e seu peito doía, e ela sentiu a pressão
crescendo por trás dos olhos.
Vou morrer no Submundo.
Mas então um dos mortos se soltou para atacar os outros, e os
demais o seguiram logo depois. Perséfone aproveitou a chance e
nadou o mais rápido que pôde. Ela estava fraca e cansada, mas
podia ver o céu estranho de Hades iluminando a superfície do rio
acima, e a liberdade e o ar que isso prometia a motivavam.
Ela emergiu da superfície assim que um dos mortos a alcançou.
Algo pontiagudo atingiu seu ombro e a puxou para baixo
novamente. Desta vez, ela foi salva quando alguém da margem do
rio conseguiu agarrar seu punho e arrastá-la para fora da água, a
coisa morta se retorcendo com a vingança. Um grito rasgou através
dela e de repente ela não conseguia respirar.
Ela sentiu o chão sólido sob ela, e uma voz musical ordenou que
ela respirasse.
Ela não conseguia — era uma combinação de dor e exaustão.
Então ela sentiu a pressão de uma boca contra a dela enquanto o ar
entrava em seus pulmões. Ela rolou e levantou, a água derramando
na grama. Quando ela terminou, caiu de costas, exausta.
O rosto de um homem pairava sobre o dela. Ele a lembrava do
sol com seus cachos dourados e pele bronzeada, mas era de seus
olhos que ela mais gostava. Eram de ouro e cheios de curiosidade.
— Você é um deus — ela disse, surpresa.
— Sim eu sou. — Ele sorriu, mostrando um conjunto de covinhas
de cada lado do rosto.
— Você não é Hades.
— Não. — Ele parecia divertido. — Eu sou Hermes.
— Ah. — disse ela, e deitou a cabeça para trás.
— Ah?
— Sim, ah.
— Então, já ouviu falar de mim? — Ele sorriu.
— O Deus da Trapaça e dos Ladrões. — Ela revirou os olhos.
— Perdão, você se esqueceu do comércio, mercadores,
estradas, esportes, viajantes, atletas, heráldica ...
— Como eu poderia ter esquecido a heráldica? — ela perguntou
distraidamente, e então estremeceu, olhando para o céu escuro.
— Está com frio? — ele perguntou.
— Bem, acabei de ser retirada de um rio.
Ele tirou sua capa e cobriu-a. O tecido colou em sua pele, e foi
então que ela se lembrou de que usara aquele vestido prateado
curto para ir ao Nevernight.
— Obrigada. — Ela corou.
— É um prazer — disse ele, ainda observando-a. — Devo
adivinhar quem você é?
— Oh sim, divirta-se. — ela disse.
Hermes ficou sério por um momento e bateu nos lábios carnudos
com o dedo.
— Hmm. Eu acho que você é a Deusa da Frustração Sexual.
gargalhada. — Acho que essa é Afrodite. — Perséfone soltou
uma gargalhada.
— Eu disse frustração sexual? Referia-me à frustração sexual de
Hades.
Assim que as palavras saíram de sua boca, uma explosão de
poder bruto o jogou longe. Seu corpo fez o chão tremer quando ele
pousou, jogando terra e pedras para cima.
Perséfone sentou-se, apesar da dor, e virou-se para encontrar
Hades em seu terno preto distinto. Seus olhos estavam brilhando
sombriamente e suas narinas dilatavam-se.
— Porque fez isso? — ela questionou.
— Você testa minha paciência, Deusa, e meu favor. — ele
respondeu.
— Então você é uma deusa! — Hermes disse triunfante,
erguendo-se ileso dos escombros.
Ela olhou para Hades.
— Ele guardará o teu segredo, ou se encontrará no Tártaro.
Hermes limpou a sujeira e as pedras de seus braços e peito.
— Sabe, Hades, nem tudo tem de ser uma ameaça. Você poderia
tentar perguntar de vez em quando — tal como você poderia ter me
pedido para me afastar da sua deusa aqui ao invés de me jogar do
outro lado do Submundo.
— Eu não sou a deusa dele! E você... — Perséfone olhou para
Hades.
As sobrancelhas de Hermes ergueram-se em diversão enquanto
ela lutava para se levantar, porque até agora estava olhando para os
dois do chão.
— Podia ser mais simpático com ele. Ele me salvou do seu rio!
Uma vez de pé ela se arrependeu se de mover. Ela se sentiu
tonta e enjoada.
— Não teria que ser salva do meu rio se tivesse esperado por
mim!
— Certo, porque você estava ocupado de outro modo. — Ela
revirou os olhos.
— Gostaria de saber o que isso significa.
— Devo pegar um dicionário?
Hermes riu e Hades se virou para ele.
— Por que você ainda está aqui?
Perséfone oscilou e Hades se lançou, pegando-a antes que ela
atingisse o chão. O impacto estremeceu sua lateral, e ela gemeu.
— O que houve? — ele questionou.
— Eu caí na escada. Eu acho que ... respirou fundo e se retraiu.
— Acho que machuquei minhas costelas.
Quando ela encontrou seu olhar, ficou surpresa ao ver que ele
parecia preocupado. Ela se lembrou das palavras recentes de Ilias
— ele leva para o lado pessoal se alguém for prejudicado em seu
reino.
— Está tudo bem. — sussurrou. — Estou bem.
Então Hermes disse:
— Ela tem um corte muito feio no ombro, também.
E a preocupação que ela viu ardeu com a raiva dele. Sua
mandíbula se apertou e ele ergueu Perséfone em seus braços, com
cuidado para não sacudi-la.
— Para onde estamos indo?
— Para o meu palácio. — respondeu, e se teletransportou,
deixando Hermes sozinho na margem do rio.
7
UM TOQUE DE....GENTILEZA

— VOCÊ ESTÁ BEM? — Hades perguntou.


Perséfone fechou os olhos quando eles se teletransportaram
porque isso geralmente a deixava tonta. Agora ela olhou para cima,
encontrando seu olhar e acenou com a cabeça.
Hades a acomodou na beira de uma cama coberta com lençóis
de seda preta. Ela olhou em volta, descobrindo que ele a havia
levado para um quarto. Lembrou-a do Nevernight com suas paredes
e piso de obsidiana brilhante, e apesar de tudo preto, o quarto era
de alguma forma confortável. Talvez tivesse a ver com a lareira
crepitante em frente a cama, o tapete de pele a seus pés, ou talvez
a parede de portas francesas que levava a uma varanda com vista
para uma floresta de árvores verdes profundas.
Hades se ajoelhou no chão diante dela, e ela se sentiu um pouco
em pânico, as mãos tremendo.
— O que você está fazendo?
Ele não disse nada enquanto tirava o manto de Hermes do corpo
dela. Ela não estava preparada ou teria lutado por isso, em vez
disso, se acalmou, exposta sob o olhar de Hades. Ele se sentou
sobre os calcanhares enquanto seus olhos percorriam seu corpo,
demorando-se mais em seu ombro rasgado, prendendo-se em todos
os lugares em que seu vestido prateado se agarrava. Ela colocou
um braço sobre o peito, tentando manter alguma modéstia quando
Hades ficou de joelhos, apoiando os braços em cada lado dela.
Desse ângulo, o rosto dele estava no mesmo nível do dela. Ela
sentiu o seu hálito de uísque nos lábios quando ele falou.
— De que lado? — ele perguntou.
Ela sustentou seu olhar por um momento antes de alcançar sua
mão e pressioná-la ao seu lado. Ela ficou surpresa com sua
ousadia, mas recompensada com seu toque quente e curador. Ela
gemeu e se apoiou nele. Se alguém entrasse em seu quarto neste
momento, eles poderiam pensar que ele estava ouvindo o coração
dela com a maneira como estava posicionado — espremido entre
suas pernas, a cabeça voltada para o lado.
Ela respirou fundo algumas vezes até não sentir mais a dor nas
costelas machucadas. Depois de um momento, ele se virou para
ela, mas não se afastou.
— Melhor? — Sua voz era baixa, um sussurro rouco que se
arrastou por sua pele. Ela resistiu à vontade de tremer.
— Sim.
— Seu ombro é o próximo. — ele disse, se levantando.
Ela começou a virar a cabeça para ter um vislumbre da ferida,
mas Hades a deteve com uma mão em sua bochecha.
— Não. — ele disse. — É melhor se você não olhar.
Ele se afastou dela e entrou em uma sala adjacente, e ela ouviu o
som de água corrente. Enquanto esperava que ele voltasse, ela se
deitou de lado, ansiosa para fechar seus olhos cansados.
— Acorde minha querida. — A voz de Hades era como seu
toque; quente, atraente. Ele se ajoelhou diante dela novamente,
desfocado no início, e então entrando em foco.
— Desculpe — sussurrou.
— Não se desculpe. — ele disse, e começou a limpar o sangue
de seu ombro.
— Eu posso fazer isso. — ela disse, e começou a se levantar,
mas Hades a segurou no lugar e encontrou seu olhar.
— Permita-me isso. — pediu. Havia algo rústico e primitivo em
seus olhos que ela sabia que não poderia discutir, então assentiu.
Seu toque era gentil e ela fechou os olhos. Para que ele
soubesse que ela não estava dormindo, ela fez perguntas:
— Por que há pessoas mortas em seu rio?
— São as almas que não foram enterradas com moedas. — ele
disse.
— Você ainda faz isso? — Ela abriu um olho.
Ele sorriu. Ela decidiu que gostava quando ele sorria.
— Não. Aqueles mortos são antigos.
— E o que eles fazem? Além de afogar os vivos.
— Isso é tudo o que eles fazem — respondeu com naturalidade,
e Perséfone empalideceu. Então ela percebeu que era esse o
propósito deles. Nenhuma alma dentro, nenhuma alma fora.
Qualquer um que encontrasse seu caminho para o Submundo sem
o conhecimento de Hades teria que cruzar o Estige, e não era
provável que sobrevivesse.
Ela ficou em silêncio depois disso. Hades terminou de limpar sua
ferida e, mais uma vez, ela sentiu seu calor curativo irradiar através
dela. Seu ombro demorou muito mais do que as costelas, e ela se
perguntou o quão grave tinha sido a lesão.
Assim que terminou, ele colocou os dedos sob o queixo dela.
— Troque-se — ele disse.
— Eu... não tenho nada para trocar.
— Tenho uma coisa. — Ele a ajudou a se levantar, direcionou-a
para trás de uma tela e entregou-lhe um robe curto de cetim preto.
Ela olhou para o pedaço de tecido e depois para ele.
— Suponho que isso não é seu?
— O Submundo está preparado para todos tipo de convidados.
— Obrigada. — agradeceu secamente. — Mas eu não acho que
quero usar algo que uma de suas amantes também usou.
Ela desejou que ele tivesse dito a ela que não havia amantes,
mas em vez disso, ele franziu a testa e disse:
— É isso ou nada, Perséfone.
— Você não o faria.
— O quê? Te despir? Alegremente, e com muito mais entusiasmo
do que você imagina, minha senhora.
Ela passou um momento olhando para ele, e então seus ombros
cederam. Ela estava exausta e frustrada e não interessada em
desafiar o deus. Ela pegou o robe dele.
— Ok.
Ele deu a ela a privacidade que precisava para mudar. Ela saiu
de trás da parede no robe e imediatamente caiu sob o olhar de
Hades. Ele a encarou por um longo momento antes de limpar a
garganta, pegando seu vestido molhado e pendurando-o sobre o
biombo.
— E agora? — ela perguntou.
— Você descansa — ele disse e a pegou nos braços.
Ela queria protestar, ele a havia curado e, apesar de seu
cansaço, ela podia andar, mas estar em seus braços a enrubesceu
e a deixou tímida, então permaneceu quieta, incapaz de falar. Hades
manteve seu olhar, mesmo quando ele a deitou e puxou os
cobertores sobre seu corpo.
Os olhos dela estavam pesados de sono.
— Obrigada. — ela sussurrou, e então notou a expressão severa
de seu rosto. Franzindo a testa, ela disse:
— Você está com raiva.
Ela estendeu a mão para alisar suas sobrancelhas franzidas,
traçando o dedo ao longo do lado de seu rosto, sobre sua bochecha
e no canto de seus lábios. Ele não relaxou sob seu toque, e ela
retirou rapidamente, fechando os olhos, não querendo testemunhar
sua frustração.
— Perséfone. — ela disse.
— O que foi? — ele perguntou.
— Eu quero ser chamada de Perséfone. Não 'senhora'.
— Descanse. — ela ouviu-o dizer. — Estarei aqui quando você
acordar.
Ela não lutou contra o sono que veio.

***
Os olhos de Perséfone pareciam lixa quando ela os abriu. Por um
momento, ela pensou que estava em casa em sua cama, mas
rapidamente se lembrou que quase se afogou em um rio no
Submundo. Hades a levou para o seu palácio e ela estava agora
deitada na cama dele.
Ela se sentou rapidamente, fechando os olhos por causa da
tontura. Quando passou, ela os abriu novamente e encontrou Hades
sentado em uma cadeira, observando-a. Em uma das mãos, ele
segurava um copo de uísque, aparentemente sua bebida preferida.
Ele havia tirado o paletó e vestia uma camisa preta com as mangas
arregaçadas e os botões meio abertos. Ela não conseguia identificar
sua expressão, mas ela sentiu que ele estava chateado.
Hades tomou um gole do uísque, e o fogo atrás dele estalou no
silêncio que se estendeu entre eles. Nesse silêncio, ela estava
hiperconsciente da maneira como seu corpo estava reagindo a ele.
Ele não estava nem fazendo nada, mas naquele quarto fechado, ela
podia sentir o cheiro dele, e isso acendeu um fogo na boca do
estômago.
Ela deu por si a desejando que ele falasse — diz alguma coisa
para que eu possa ficar zangada contigo outra vez. ela pensou.
Quando ele não obedeceu, ela o incitou:
— Há quanto tempo estou aqui? — ela perguntou.
— Horas — respondeu ele.
— Que horas são? — Os olhos dela se arregalaram.
— Tarde. — Ele encolheu os ombros.
— Tenho que ir — disse ela, mas não se mexeu.
— Você veio até aqui. Permita-me oferecer-lhe um passeio pelo
meu mundo.
Quando Hades se levantou, sua presença parecia encher o
quarto. Ele bebeu o resto do uísque, caminhou até onde ela estava
sentada na cama, agarrou as cobertas e puxou-as para longe.
Enquanto ela dormia, o robe que ele lhe dera se afrouxou, expondo
uma camada de pele branca entre seus seios. Ela o segurou
fechado, suas bochechas coradas.
O Hades fingiu não reparar e estendeu a mão. Ela o pegou,
esperando que ele se afastasse quando ela se levantasse, mas ele
permaneceu perto e segurou seus dedos. Quando ela finalmente
olhou para cima, ele estava observando-a.
— Você está bem? — A voz dele era profunda e murmurava
através dela.
— Melhor. — Ela assentiu.
— Acredite que estou arrasado por você ter sido ferido em meu
reino. — Ele passou o dedo pela bochecha dela, deixando um rastro
de calor.
— Eu estou bem. — Ela engoliu em seco e conseguiu dizer.
— Não acontecerá outra vez. Venha. — Seus olhos gentis
endureceram.
Ele a levou para a varanda fora de seu quarto, onde a vista era
de tirar o fôlego. As cores do submundo estavam apagadas, mas
ainda lindas. O céu cinza fornecia um pano de fundo para as
montanhas negras, que se fundiam com uma floresta de árvores
verdes profundas. À direita, as árvores diminuíram e ela podia ver a
água negra do Estige serpenteando pela grama alta.
— Você gosta? — ele perguntou.
— É lindo. — ela respondeu, e achou que ele parecia satisfeito.
— Você criou isso tudo?
— O Submundo evolui tal como o mundo acima. — ele assentiu
uma única vez.
Os dedos dela ainda estavam entrelaçados com os dele, e ele a
puxou, levando-a para fora da varanda, descendo um lance de
escadas que desembocava em um dos mais belos jardins que ela já
vira. As glicínias lilases criaram um dossel sobre um caminho de
pedra escura, e cachos de flores roxas e vermelhas cresciam
descontroladamente em ambos os lados da trilha.
O jardim surpreendeu-a e irritou-a. Ela se virou para Hades,
puxando sua mão da dele.
— Cretino!
— Xingamentos, Perséfone. — ele a advertiu.
— Não se atreva. Isso, isso é lindo! — Isso fez seu coração doer
e era algo que ela desejava criar. Ela olhou por mais tempo,
encontrando novas flores, rosas de um azul-escuro, peônias em
rosa, salgueiros e árvores com folhas roxa-escuras.
— É. — ele concordou.
— Por que me pediu para criar vida aqui? — Ela tentou evitar que
sua voz soasse tão desanimada, mas não conseguiu, estando no
centro de seu sonho manifestado fora de sua cabeça.
Ele a encarou por um momento e então, com um aceno de mão,
as rosas, peônias e salgueiros haviam sumido. Em seu lugar havia
apenas uma terra desolada. Ela ficou boquiaberta com Hades
enquanto estava nas ruínas de seu reino.
— É uma ilusão — ele disse. — Se é um jardim que você deseja
criar, então realmente será a única vida aqui.
Ela olhou meio maravilhada, meio enojada para a terra diante
dela. Então, toda essa beleza era magia de Hades? E ele o manteve
sem esforço? Ele era verdadeiramente um deus poderoso.
Ele colocou a ilusão de volta e eles continuaram pelo jardim.
Enquanto ela seguia Hades, os aromas a atingiram abruptamente —
rosas doces, buxo almiscarado, gerânios apimentados e muito mais.
O cheiro de folhagem densa lembrou Perséfone do tempo que ela
passou na estufa, onde as flores de sua mãe floresciam tão
facilmente e a promessa que ela havia feito de nunca mais voltar.
Agora ela percebeu que trocaria uma prisão por outra se não
cumprisse os termos do contrato.
Finalmente, eles chegaram a um muro baixo de pedra onde um
pedaço de terra permanecia estéril e o solo a seus pés era da cor de
cinzas.
— Pode trabalhar aqui — disse ele.
— Eu ainda não entendo — disse Perséfone, e Hades olhou para
ela. — Ilusão ou não, você tem toda esta beleza. Por que exigir isso
de mim?
— Se você não deseja cumprir os termos do nosso contrato, só
tem que dizer isso, Senhora Perséfone. Posso preparar-lhe uma
suíte em menos de uma hora.
— Não nos damos bem o suficiente para sermos companheiros
de casa, Hades.
As sobrancelhas dele ergueram-se, e ela levantou o queixo.
— Com que frequência posso vir aqui e trabalhar?
— Sempre que quiser. — respondeu. — Sei que está ansiosa
para completar a sua tarefa.
Ela desviou o olhar e se abaixou para pegar um punhado de
areia. Era sedosa e caía por entre seus dedos como água. Ela
considerou como plantaria o jardim, sua mãe podia criar sementes e
germiná-las do nada, mas Perséfone não podia tocar em uma planta
sem que ela murchasse. Talvez pudesse convencer Deméter a dar a
ela algumas de suas próprias mudas. A magia divina teria uma
chance melhor nesta terra do que qualquer coisa que um mortal
pudesse oferecer.
Ela pensou em seu plano e, quando se levantou, encontrou
Hades olhando para ela novamente. Estava se acostumando com
seu olhar, mas ainda a fazia se sentir exposta. Não ajudou ela usar
apenas o robe preto dele.
— E ... como devo entrar no Submundo? — ela inqueriu. —
Presumo que você não quer que eu volte por onde vim.
— Hmm. — Ele inclinou a cabeça para o lado pensativamente.
Ela o conhecia há apenas três dias, mas já o vira fazer isso antes,
quando estava particularmente entretido, foi um movimento que ele
fez quando já sabia como iria agir.
Mesmo sabendo disso, ela ficou surpresa quando ele a pegou
pelos ombros e a puxou contra si. Seus braços dispararam,
encaixando-se contra seu peito, e quando seus lábios encontraram
os dela, ela perdeu o controle da realidade. Suas pernas cederam e
os braços de Hades deslizaram ao redor dela, segurando-a com
mais força. Sua boca estava quente e inteira. Ele a beijou com tudo,
seus lábios, dentes e língua, e ela retribuiu com tanta paixão.
Embora soubesse que não devia encorajá-lo, seu corpo tinha uma
mente própria.
Quando suas mãos se moveram para cima de seu peito e em
torno de seu pescoço, Hades fez um som profundo em sua garganta
que tanto a excitou e assustou. Então eles estavam se movendo, e
ela sentiu a parede de pedra em suas costas. Quando ele a
levantou do chão, ela enrolou as pernas em volta da cintura dele.
Ele era muito mais alto que ela, e esta posição permitiu-lhe traçar o
maxilar dela com os lábios, morder-lhe a orelha e beijar-lhe o
pescoço. A sensação a fez ofegar, e ela se arqueou contra ele,
passando os dedos por seus cabelos, afrouxando a gravata que
prendia seus fios escuros no lugar, e quando as mãos dele se
moveram sob seu manto, roçando a pele macia e sensível, ela
gritou, agarrando o cabelo dele em suas mãos.
Foi quando Hades se afastou. Seus olhos brilharam com uma
necessidade que ela sentia profundamente em seu âmago, e eles
lutaram para recuperar o fôlego. Por um longo momento, eles
permaneceram quietos. As mãos de Hades ainda estavam debaixo
do roupão, agarrando-lhe as coxas. Ela não o impediria se ele
continuasse. Os dedos dele estavam perigosamente perto do
abdômen dela, e ela sabia que ele podia sentir o seu calor. Ainda
assim, se cedesse a essa necessidade, ela não poderia dizer como
se sentiria depois, e por algum motivo ela não queria se arrepender
de Hades.
Talvez ele tenha percebido isso também, porque tirou os dedos
de sua pele e a baixou para o chão. Seu cabelo escuro caía em
ondas bem além dos ombros, criando um halo escuro ao redor de
seu rosto.
— Depois de entrar no Nevernight, você só precisa estalar os
dedos e será trazida aqui.
A cor sumiu de seu rosto e ela parou de respirar por um
momento. Claro, ela pensou. Ele estava concedendo favores a ela.
Após o beijo, Perséfone se sentiu envergonhada. Por que ela
permitiu isso? Por que ela permitiu que as coisas se tornassem tão
intensas? Ela sabia que não devia confiar no Deus do Submundo —
nem mesmo em sua paixão.
Ela tentou afastá-lo, mas ele não cedeu.
— Você não pode oferecer um favor de outra forma? — ela
retrucou.
— Você não pareceu se importar. — ele parecia divertido.
Ela corou e tocou os lábios em formigamento com dedos
trêmulos. Os olhos de Hades brilharam e, por um momento, ela
pensou que ele poderia retomar de onde pararam.
E não podia deixar isso acontecer.
— Tenho de ir. — disse.
Hades acenou com a cabeça uma vez, em seguida, passou o
braço em volta da cintura dela.
— O que você está fazendo? — ela questionou.
Hades estalou os dedos. O mundo mudou e eles estavam em seu
quarto. Ela agarrou os braços de Hades, atordoada. Ainda estava
escuro lá fora, mas o relógio ao lado da cama dela indicava cinco da
manhã. Ela tinha uma hora antes de ter que se levantar e estar
pronta para o trabalho.
— Perséfone. — A voz de Hades era um ronco baixo, e ela
encontrou seu olhar. — Nunca traga um mortal ao meu reino outra
vez, especialmente Adonis. Fique longe dele.
— Como você conhece ele? — Ela revirou os olhos.
— Isso não é relevante.
Ela tentou se afastar dele, mas ele a manteve onde estava,
pressionada contra ele.
— Trabalho com ele, Hades. — ela disse. — Além disso, você
não pode me dar ordens.
— Eu não estou te dando ordens. — falou. — Eu estou pedindo.
— Pedir implica que há uma escolha.
Ela não tinha a certeza se era possível, mas Hades apertou-a.
Seu rosto estava a centímetros do dela, e ela achou difícil encontrar
seus olhos porque seu olhar continuava caindo em sua boca — a
memória do beijo que eles compartilharam no jardim um fantasma
em seus lábios. Ela fechou os olhos contra isso.
— Você tem uma escolha. — disse ele. — Mas se você o
escolher, eu irei buscá-lo, e posso não deixá-lo sair do Submundo.
Os olhos dela se arregalaram e ela olhou para ele.
— Você não faria. — disse, entredentes.
Hades riu, inclinando-se para que, quando ele falasse, sua
respiração acariciasse seus lábios.
— Querida. Você não sabe do que eu sou capaz.
Então ele se foi.
8
UM JARDIM NO SUBMUNDO

LEXA ESTAVA SENTADA EM FRENTE a Perséfone do lado de


fora de O Narciso Amarelo. Elas saíram de seu apartamento para o
bistrô para tomar café da manhã antes de seguirem seus caminhos
separados, Perséfone para a Biblioteca de Artemis e Lexa para o
Estádio Talaria para encontrar Adonis e seus amigos para um dia de
Provas.
Afaste-se dele. A voz de Hades ecoou na cabeça de Perséfone
como se sua boca estivesse contra sua orelha, e ela estremeceu.
Apesar do aviso dele, ela teria ido com Lexa, mas ela tinha um deus
para pesquisar, um jardim para plantar e uma barganha para
ganhar. Ainda assim, ela se perguntou por que Hades desaprovava
Adonis. O Rei do Submundo sabia que seu aviso apenas a deixaria
mais curiosa?
— Seus lábios estão machucados. — Lexa observou.
Perséfone cobriu a boca com os dedos. Ela tentou cobrir a
descoloração com base e batom.
— Quem você beijou?
— Por que você aha que beijei alguém? — Perséfone perguntou.
— Eu não sabia que você beijava qualquer um. Talvez alguém
beijou você.
Perséfone corou — alguém a tinha beijado, mas não pelas razões
das quais Lexa estava pensando. Ele estava apenas me
concedendo um favor, Perséfone lembrou a si mesma. Ele faria
qualquer coisa para garantir que você não o perturbasse
novamente. Isso incluía oferecer-lhe um atalho para o seu reino.
Ela não se permitiria romantizar o Deus dos Mortos.
Hades é o inimigo. Ele é o seu inimigo. Ele enganou você em um
contrato e o desafiou a usar poderes que você não tem. Ele irá
prendê-la se você falhar em criar vida no Submundo.
— Só estou supondo, já que você saiu do apartamento às dez na
noite passada e não voltou para casa até as cinco da manhã.
— Como, como você sabe disso?
Lexa sorriu, mas Perséfone poderia dizer que sua amiga estava
um pouco magoada com sua dissimulação.
— Acho que ambas temos segredos. Eu estava conversando
com o Adonis e ouvi você entrar.
O que ela ouviu foi Perséfone entrando na cozinha na ponta dos
pés para buscar água depois que Hades se teletransportou para seu
quarto, mas ela não a corrigiu. Em vez disso, ela se concentrou na
parte da resposta da Lexa que era novidade para ela.
— Ah. Você e Adonis estão conversando?
Foi a vez de Lexa corar, e Perséfone ficou feliz por poder
redirecionar essa conversa, mesmo que ela não tivesse certeza de
como se sentir sobre sua melhor amiga namorando seu colega de
trabalho. Além disso, ela ainda não tinha descoberto por que Hades
não gostava dele. Foi simplesmente porque ela o levou para o
Nevernight, ou algo mais?
— Isso não significa nada — disse Lexa.
Perséfone sabia que ela estava apenas tentando manter as
expectativas baixas. Já fazia muito tempo que não se interessava
por alguém. Ela se apaixonou forte e rápido por seu primeiro
namorado da faculdade, um lutador chamado Alec, um homem que
era incrivelmente bonito e charmoso ... até que ele não era mais. O
que Lexa tinha pensado a princípio ser proteção, logo se tornou
controle. As coisas pioraram até que uma noite ele gritou com ela
por ter saído com Perséfone e a acusou de tê-lo traído. Nessa altura
ela decidiu que as coisas tinham que acabar.
Foi só depois que as coisas acabaram que Lexa soube que Alec
não tinha sido fiel a ela. A coisa toda partiu seu coração, e houve
um tempo em que Perséfone não tinha certeza se Lexa algum dia
se recuperaria.
— Estávamos fazendo planos para hoje e continuamos
conversando. — Lexa continuou. — Ele é tão interessante.
— Ele é interessante? — Perséfone riu. — Você é interessante.
Fashionista. Bruxa. Tatuagens. O que mais um homem poderia
querer?
Lexa revirou os olhos e ignorou o elogio.
— Você sabia que ele foi adotado? Foi por isso que se tornou
jornalista. Ele quer encontrar os pais biológicos.
Perséfone abanou a cabeça. Ela não sabia nada sobre Adonis,
exceto que ele trabalhava no Jornal Nova Atenas e tinha acesso
regular ao Nevernight, o que foi irônico considerando que Hades
não parecia gostar dele.
— Não consigo imaginar como é isso. — Lexa disse
distraidamente. — Existir no mundo sem realmente saber quem
você é.
Ela não podia saber o quão dolorosas eram as suas palavras. O
contrato que Hades lhe tinha imposto tinha lembrado a Perséfone o
quanto ela não pertencia.
Assim que Lexa partiu para os Treinos, Perséfone pegou um café
para ir e se dirigiu à Biblioteca de Artemis e ao santuário de suas
belas salas de leitura com o nome das Nove Musas Gregas.
Perséfone gostava de todas elas, mas sempre se sentira atraída
pela sala Melpomene, na qual entrava agora. Ela não tinha certeza
de porque recebeu o nome de Musa da Tragédia, exceto por uma
estátua da deusa estava no centro da sala oval. A luz fluía através
de um teto de vidro, derramando-se sobre várias mesas compridas
e áreas de estudo.
Ela foi lá em busca de um livro e, enquanto olhava, passou os
dedos pela capa de couro e letras douradas. Finalmente, ela
encontrou o que estava procurando: O Divino Poderes e Símbolos.
Ela carregou o volume para uma das mesas e sentou-se para
abri-lo, virando as páginas até encontrar o nome dele em negrito no
topo de uma.
Hades, Deus do Submundo.
Só de ver o nome dele fez o coração dela acelerar. A entrada
incluía um esboço do perfil do deus, que Perséfone traçou com as
pontas dos dedos. Ninguém o reconheceria pessoalmente nesta foto
porque estava muito escuro, mas ela podia ver características
familiares — o arco de seu nariz, a postura de sua mandíbula, as
mechas de seu cabelo caindo até os ombros.
Seus olhos penderam para a informação escrita no resto da
página, que detalhava como Hades se tornou o Deus do Submundo.
Após a derrota dos Titãs, ele e seus dois irmãos mais novos tiraram
a sorte — Hades recebeu o Mundo Inferior, Poseidon o Mar e Zeus
os Céus, cada um com igual acesso sobre a Terra.
Ela frequentemente esquecia que os três deuses tinham poderes
iguais sobre a Terra, principalmente porque Hades e Poseidon não
costumavam se aventurar fora de seus próprios reinos. A descida de
Zeus ao mundo mortal tinha sido um lembrete, e Hades e Poseidon
não ficariam parados enquanto seu irmão assumisse o controle de
um reino ao qual todos eles tinham acesso. Ainda assim, Perséfone
não havia considerado o que isso significava para os poderes de
Hades. Ele compartilhava algumas das habilidades de sua mãe para
provocar tempestades e fome?
Ela continuou lendo até chegar à lista dos poderes de Hades,
seus olhos se arregalaram ao ler, e ela não sabia se estava com
mais medo ou admiração por ele.
Hades tem muitos poderes, mas suas habilidades principais e
mais poderosas são necromancia, incluindo reencarnação,
ressurreição, transmigração, senso de morte e remoção de alma.
Por causa de sua propriedade do reino terreno, ele também pode
manipular a terra e seus elementos e tem a habilidade de extrair
metais preciosos e joias do solo.
Rico, de fato.
Os poderes adicionais incluem encantamento — a habilidade de
influenciar mortais e deuses menores de acordo com sua vontade,
bem como invisibilidade.
Invisibilidade?
Isso deixou Perséfone muito nervosa. Ela teria que retirar a
promessa do deus de que ele nunca usaria esse poder com ela.
Ela virou a página e encontrou informações sobre os símbolos de
Hades e o submundo.
Os narcisos são sagrados para o Senhor dos Mortos. A flor,
geralmente nas cores branco, amarelo ou laranja, tem uma coroa
curta em forma de taça e cresce em abundância no Mundo Inferior.
São um símbolo do renascimento. Diz-se que Hades escolheu a flor
para dar esperança às almas do que está por vir quando elas
reencarnarem.
Perséfone recostou-se na cadeira. Este deus não parecia aquele
que ela conheceu alguns dias atrás. Esse deus atiçou a esperança
diante dos mortais na forma de riquezas. Aquele deus fez da dor um
jogo. O descrito nesta passagem soou compassivo e gentil. Ela se
perguntava o que tinha acontecido desde que Hades escolheu seu
símbolo.
Eu tenho tido sucesso, ele havia dito. Mas o que isso significava?
Perséfone concluiu que tinha mais perguntas para Hades.
Quando terminou de ler a passagem sobre o Mundo Inferior,
Perséfone fez uma lista das flores mencionadas no texto —
asfodelos, acônito, polianto, narciso — e então encontrou um livro
sobre variedades de plantas que costumava fazer anotações
cuidadosas, certificando-se de incluem como cuidar de cada flor e
árvore.
Ela fez uma careta quando as instruções pediram luz solar direta.
O céu silencioso de Hades seria o suficiente? Se ela fosse sua mãe,
a luz não importaria. Ela poderia fazer uma rosa crescer em uma
tempestade de neve.
Então, novamente, se ela fosse sua mãe, um jardim já estaria
crescendo no Submundo.
Quando Perséfone terminou, ela levou sua lista a uma floricultura
e pediu as sementes. Quando o balconista — um homem mais
velho com cabelos rebeldes e escassos e uma longa barba branca
—viu o narciso, ele olhou para ela e disse:
— Nós não estocamos o símbolo dele aqui.
— Por que não? — ela perguntou, mais curiosa do que qualquer
outra coisa.
— Minha querida, poucos invocam o nome do Rei dos Mortos e,
quando o fazem, curvam a cabeça.
— Parece que você não deseja viver feliz no Submundo — disse
ela.
O dono da loja empalideceu e Perséfone saiu com algumas flores
extras, um par de luvas, um regador e uma pá pequena. Ela
esperava que as luvas impedissem seu toque de matar as sementes
antes de colocá-las no solo.
Depois que saiu da loja, ela rumou direto para o Nevernight pelo
terceiro dia consecutivo. Era cedo o suficiente para que alguém
estivesse esperando do lado de fora para entrar no clube. Quando
ela se aproximou, as portas se abriram e, assim que entrou, respirou
fundo e estalou os dedos como Hades havia mostrado. O mundo
mudou ao seu redor, e ela se encontrou no Submundo, no mesmo
lugar onde Hades a beijara.
A cabeça dela girou por alguns momentos. Ela nunca havia se
teletransportado sozinha, sempre usara magia emprestada. Desta
vez foi a magia de Hades que se agarrou a sua pele, estranha, mas
não desagradável, persistente em sua língua, suave e rica como seu
beijo. Ela corou com a memória e rapidamente voltou sua atenção
para a terra árida a seus pés.
Ela decidiu que começaria perto da parede e plantaria o acônito
primeiro, a flor mais alta que desabrocharia roxa. Em seguida, ela
mudou-se para o asfódelo, que floresceria branco. As prímulas
foram os próximos e cresceram em cachos vermelhos.
Uma vez que tinha um plano, ela ajoelhou e começou a cavar.
Ela colocou a primeira semente no solo e a cobriu com terra fina.
Uma já foi.
Outras mais para ir.
Perséfone trabalhou até que seus braços e joelhos doerem. O
suor brotou de sua testa e ela o enxugou com as costas da mão.
Quando terminou, ela sentou nos calcanhares e examinou seu
trabalho. Ela não conseguia descrever como se sentia, olhando para
o terreno acinzentado, exceto por algo escuro e inquietante entrou
em seus pensamentos.
E se ela não conseguisse fazer isso? E se ela fracassar com os
termos deste contrato? Ela ficaria presa aqui no Submundo para
sempre? Será que sua mãe, uma deusa poderosa em seu próprio
direito, lutaria por sua liberdade quando descobrisse o que
Perséfone tinha feito?
Ela afastou esses pensamentos. Isso vai funcionar. Ela pode não
ser capaz de cultivar um jardim com magia, mas nada a impedia de
tentar da maneira mortal ... exceto seu toque mortal. Ela teria que
esperar algumas semanas para descobrir se as luvas funcionaram.
Ela pegou o regador e olhou em volta, procurando um lugar para
enchê-lo.
O olhar dela recaiu na parede do jardim. Isso pode dar a ela
altura suficiente para localizar uma fonte ou um rio.
Ela deu um passo com cuidado para não mexer as sementes
recém-plantadas e conseguiu escalar a parede. Como tudo o mais
que Hades possuía, era de obsidiana e quase parecia uma erupção
vulcânica violenta. Ela abriu caminho pelas beiradas com cuidado,
caindo apenas uma vez, mas se conteve, cortando a palma da mão.
Ela sibilou com a pontada de dor, fechando os dedos em sangue
pegajoso e, finalmente, chegou ao topo da parede.
— Oh.
Perséfone tinha vislumbrado o Submundo no dia anterior, e ainda
assim ele conseguiu surpreendê-la. Além da parede, havia um
campo de grama alta e verde que se estendia pelo que pareceram
quilômetros antes de terminar em uma floresta de ciprestes.
Cortando a grama comprida, havia um rio largo e impetuoso. Desta
distância, ela não conseguia distinguir a cor da água, mas ela sabia
que não era preta como o rio Estige. Havia vários rios no
Submundo, mas ela não estava familiarizada com sua geografia
para sequer adivinhar qual deles poderia estar no campo além.
Mesmo assim, não importava, água era água.
Perséfone desceu da parede e começou a cruzar o campo com o
regador na mão. A grama alta raspou em seus braços e pernas
nuas. Misturadas a grama, estavam estranhas flores laranjas que
ela nunca tinha visto antes. De vez em quando uma brisa agitava o
ar. Cheirava a fogo e, embora não fosse desagradável, era um
lembrete de que, embora ela estivesse rodeada de beleza, ela ainda
estava no Submundo.
Enquanto caminhava pela relva, deparou-se com uma bola
vermelha brilhante.
Que estranho, Perséfone pensou. Era uma bola maior do que o
normal, quase do tamanho de sua cabeça, e quando ela se abaixou
para pegá-la, ouviu um rosnado baixo. Quando ela olhou para cima,
um par de olhos negros olhou por trás da grama alta.
Ela gritou e cambaleou para trás, com a bola na mão. Um, não,
três dobermans pretos de aparência poderosa estavam diante dela,
pelagens lustrosas brilhando, orelhas cortadas se contorcendo.
Então ela percebeu que seus olhares estavam focados na bola
vermelha que ela segurava em sua mão. Seus grunhidos se
transformavam em gemidos quanto mais ela o segurava.
— Oh. — Ela olhou para a bola. — Você quer brincar de pegar?
Os três cães se sentaram eretos, as línguas penduradas para
fora de suas bocas. Perséfone jogou a bola e os três fugiram, ela riu
enquanto os via cair um sobre o outro, correndo para reivindicá-la.
Não demorou muito para que eles voltassem, a bola na papada do
que estava no centro. O cachorro deixou-a cair aos pés dela e os
três se recostaram obedientemente, esperando que ela o jogasse de
novo. Ela se perguntou quem os teria treinado.
Ela jogou a bola outra vez e continuou até ela alcançar o rio. Ao
contrário do Estige, a água aqui era clara e corria sobre rochas que
pareciam pedras da lua. Era lindo, mas assim que ela se moveu
para tirar água, uma mão segurou seu ombro e a puxou de volta.
— Não!
Perséfone caiu e olhou para o rosto de uma deusa.
— Não tire água do Letes — acrescentou ela.
Apesar do comando, sua voz era calorosa. A deusa tinha longos
cabelos negros, metade deles puxados para trás, e o resto caía
sobre os ombros, passando pela cintura. Ela se vestia com roupas
antigas, um manto carmesim e uma capa preta. Um conjunto de
chifres curtos e pretos projetava-se de suas têmporas e ela usava
uma coroa de ouro. Ela tinha feições bonitas, mas severas,
sobrancelhas arqueadas acentuando olhos amendoados em um
rosto quadrado.
Atrás dela, os três Dobermans estavam sentados, abanando o
rabo.
— Você é uma deusa — disse Perséfone, levantando-se e a
mulher sorriu.
— Hécate. — Ela inclinou a cabeça.
Perséfone sabia muito sobre Hécate por causa de Lexa. Ela era a
Deusa da Bruxaria e da Magia. Ela também era uma das poucas
deusas que Deméter realmente admirava. Talvez isso tivesse algo a
ver com o fato de que ela não era uma atleta olímpica. Em qualquer
caso, Hecate era conhecida como uma protetora das mulheres e
dos oprimidos, uma cuidadora à sua maneira, embora preferisse a
solidariedade.
— Eu sou...
— Perséfone. — ela disse, sorrindo. — Eu estava esperando
para conhecê-la.
— Estava?
— Ah sim. — A risada de Hécate pareceu fazê-la brilhar. —
Desde que você caiu no Estige e deixou o Senhor Hades em
alvoroço.
Perséfone corou.
— Lamento ter assustado você, mas, como tenho certeza que
você aprendeu, os rios do Submundo são perigosos, até mesmo
para uma deusa — explicou Hécate. — O Letes roubará suas
memórias. Hades deveria ter-lhe dito isso. Vou repeendê-lo mais
tarde.
— Posso ver? — Perséfone riu ao pensar em Hécate
repreendendo Hades.
— Eu só pensaria em censurá-lo na sua frente, minha querida.
Elas sorriram uma para a outra e Perséfone disse:
— Mas por acaso você sabe onde posso encontrar um pouco de
água? Acabei de plantar um jardim.
— Venha — disse Hécate, e quando ela se virou, ela pegou a
bola vermelha e atirou-a. Os três cães fugiram pela relva. — Vejo
que conheceu os cães de Hades.
— São mesmo dele?
— Sim. Ele ama animais. Ele tem três cães, Cérbero, Typhon e
Orthrus, e quatro cavalos, Orphnaeus, Aethon, Nycteus e Alastor.
Hécate levou Perséfone a uma fonte enterrada nas profundezas
dos jardins de Hades. Enquanto enchia o recipiente, ela perguntou:
— Você mora aqui?
— Eu moro em vários lugares. — Hécate rspondeu. — Mas esse
é o meu favorito.
— Sério?
— Sim. — Hécate sorriu e olhou para a paisagem. — Eu gosto
daqui. As almas e os desorientados são meus amores, e Hades é
gentil o suficiente para me dar uma cabana.
— É muito mais bonito do que eu esperava — admitiu Perséfone.
— É para todos os que vêm aqui. — Hécate sorriu. — Vamos
regar o teu jardim?
Hécate e Perséfone voltaram ao jardim e regaram as sementes.
Hécate apontou para vários dos marcadores que Perséfone havia
usado para lembrar o que e onde ela havia plantado.
— Me diga, quais são essas plantas?
— Aquela ali é anêmona. — Perséfone corou. — Hades usava
uma em seu terno na noite em que o conheci.
Perséfone reuniu suas ferramentas e Hécate mostrou a ela onde
armazenar os itens, em uma pequena alcova perto do palácio.
Depois, Hécate levou Perséfone para um passeio pelos jardins.
Ao passarem pela casa de obsidiana de Hades, ela notou algumas
coisas novas que não tinha antes — um pátio de pedra anexado ao
palácio e estábulos.
Elas continuaram, seguindo um caminho de ardósia entre altos
brotos de grama.
— Asfodelo! Eu adoro essas! — Perséfone exclamou,
reconhecendo as flores misturadas na grama com seus longos
caules e pontas de flores brancas. Quanto mais caminhavam, mais
abundantes se tornavam.
— Sim, estamos perto do Asfódelo. — Hécate estendeu a mão
para impedir que Perséfone se movesse muito para frente. Quando
ela olhou para baixo, estava na beira de um desfiladeiro íngreme, o
asfódelo cresceu até a borda da inclinação, tornando o abismo
quase impossível de ver quando elas se aproximaram.
Perséfone não tinha certeza do que esperava de Asfódelo, mas
adivinhou que sempre pensou na morte como uma espécie de
existência sem objetivo — um tempo em que as almas ocupavam o
espaço, mas não tinham propósito. No fundo deste cânion,
entretanto, havia vida.
Um campo verde se estendia por quilômetros, flanqueado por
colinas inclinadas à distância. Várias pequenas casas estavam
espalhadas sobre o plano esmeralda, todas ligeiramente diferentes,
algumas feitas de madeira e outras de tijolos de obsidiana. A
fumaça subia de algumas chaminés, flores desabrochavam em
algumas floreiras e janelas iluminadas com luz quente. Um caminho
largo cortava o centro do campo, repleto de almas e barracas
coloridas.
— Eles estão... celebrando alguma coisa? — Perséfone
perguntou.
— É dia de mercado. Gostaria de explorar? — Hécate sorriu.
— Muito — disse Perséfone.
Hécate pegou a mão da jovem deusa e se teletransportou,
pousando no chão dentro do vale. Quando Perséfone olhou para
cima, ela pôde ver o palácio de Hades elevando-se em direção ao
céu silencioso. Ela percebeu que era semelhante à forma como o
Nevernight se erguia sobre os mortais no mundo acima. Era bonito e
sinistro, e Perséfone se perguntou quais sentimentos a visão da
torre de seu rei inspirava nessas pessoas.
O caminho que eles seguiram através do asfodelo estava
alinhado com lanternas. Almas vagavam por aí, parecendo tão
sólidas quanto humanos vivos. Agora que Perséfone estava no nível
do solo, ela viu que as tendas coloridas estavam cheias de uma
variedade de mercadorias; maçãs e laranjas, figos e romãs. Outros
seguravam lenços lindamente bordados e cobertores trançados.
— Você parece perplexa. — Hécate comentou.
— Eu só... de onde vem todas essas coisas? — Perséfone
perguntou.
— É feito pelas almas.
— Por quê? — Perséfone perguntou. — Os mortos precisam
disto?
— Eu acho que você entendeu mal o que significa estar morto. —
Hécate disse. — As almas ainda têm sentimentos e percepção.
Agrada-lhes viver uma existência familiar.
— Senhora Hécate! — algúem a cumprimentou.
Assim que uma das almas avistou a deusa, outras também o
fizeram e se aproximaram, curvando-se e segurando suas mãos.
Hécate sorriu e tocou cada um, apresentando Perséfone como a
Deusa da Primavera.
Com isso, as almas pareceram confusas.
— Nós não conhecemos a Deusa da Primavera.
Claro que eles não conheciam — ninguém conhecia.
Até agora.
— Ela é a filha da Deusa da Colheita. — Hécate explicou. — Ela
passará um tempo conosco aqui no Submundo.
Perséfone corou. Ela se sentiu compelida a oferecer uma
explicação, mas o que deveria dizer? Entrei em um jogo com seu
senhor e ele me obrigou a cumprir um contrato? Ela decidiu que
ficar em silêncio era o melhor.
Ela e Hécate caminharam por um longo tempo, explorando o
mercado. As almas ofereciam-lhes tudo: seda fina e joias, pães
frescos e chocolate. Então uma menina correu até Perséfone com
uma pequena flor branca e a estendeu em sua mão pálida, de olhos
brilhantes, parecendo tão viva como sempre. Foi uma visão
estranha, e fez o coração de Perséfone pesar.
Seu olhar caiu para a flor, e ela hesitou, sabendo que se tocasse
na pétala, ela murcharia. Em vez disso, ela se curvou e permitiu que
a garota enfiasse a flor em seu cabelo. Depois, várias outras almas
de todas as idades se aproximaram para oferecer flores.
Quando ela e Hécate deixaram Asfódelo, uma coroa de flores
decorava a cabeça de Perséfone e seu rosto doía de tanto sorrir.
— A coroa te cai bem. — Hécate disse.
— São apenas flores. — Perséfone respondeu.
— Aceitá-la das almas significa muito.
Eles continuaram em direção ao palácio, e quando chegaram ao
topo de uma colina, Perséfone parou, avistando Hades na clareira.
Ele estava sem camisa, bronzeado e esculpido, o suor brilhando
sobre suas costas e bíceps definidos. Seu braço estava para trás
enquanto se preparava para lançar a bola vermelha que seus três
cães trouxeram antes.
Por um momento, sentiu-se em pânico, como se estivesse se
intrometendo ou vendo algo que não devia ver, este momento de
abandono onde ele estava envolvido em algo assim...mortal. Isso
acendeu algo em seu estômago, uma vibração que se espalhou por
seu peito.
Hades jogou a bola, sua força e poder evidentes em quão
incrivelmente longe ela foi. Os cães correram atrás dele e Hades riu,
profundo e alto, o som era quente como sua pele e ecoou no peito
de Perséfone.
Então o deus se virou e seus olhos encontraram os dela
imediatamente, como se ele fosse atraído por ela. Seus olhos se
arregalaram quando ela o viu, indo de seus ombros largos até o
profundo V de seu abdômen. Ele era lindo — uma obra de arte
cuidadosamente esculpida. Quando ela conseguiu olhar para o rosto
dele novamente, o encontrou sorrindo, e ela rapidamente desviou os
olhos.
Hécate marchou para frente, como se ela não estivesse nem
mesmo perturbada pelo físico de Hades.
— Você sabe que eles nunca se comportaram comigo depois que
você os estragou.
Hades sorriu.
— Eles ficam preguiçosos sob os seus cuidados, Hécate. — Os
olhos dele deslizaram para Perséfone. — Vejo que conheceu a
Deusa da Primavera.
— Sim, e ela teve muita sorte por eu o ter feito. Como você ousa
não avisá-la para ficar longe do Letes!
Os olhos de Hades se arregalaram e Perséfone tentou não sorrir
com o tom de Hécate.
— Parece que lhe devo um pedido de desculpas, Senhora
Perséfone.
Perséfone queria dizer que ele devia muito mais a ela, mas não
conseguia fazer sua boca funcionar. A forma como Hades a olhou
tirou seu fôlego. Ela engoliu em seco e ficou aliviada quando uma
buzina soou ao longe.
Hécate e Hades viraram-se em sua direção.
— Estou sendo convocada. — ela disse.
— Convocada? — Perséfone repetiu.
— Os juízes precisam do meu conselho. — Hécate sorriu.
Perséfone não entendeu, e Hécate não explicou.
— Minha querida, me chame da próxima vez que estiver aqui no
Submundo — ela disse se despedindo. — Voltaremos a Asfódelo.
— Eu adoraria. — disse Perséfone.
Hécate desapareceu, deixando-a sozinha com o Hades.
— Por que os juízes precisam do conselho de Hécate? —
Perséfone inqueriu.
Hades inclinou a cabeça para o lado, como se estivesse tentando
decidir se deveria dizer a verdade.
— Hécate é a Senhora do Tártaro. E particularmente boa em
decidir os castigos para os ímpios.
— Onde é o Tártaro? — Perséfone estremeceu.
— Eu diria se achasse que você usaria o conhecimento para
evitá-lo.
— Acha que quero visitar a sua câmara de tortura?
Ele nivelou seu olhar escuro sobre ela.
— Acho que você está curiosa. — disse ele. — E ansiosa para
provar que sou como o mundo supõe, uma divindade a ser temida.
— Você tem medo de que eu escreva sobre o que vejo.
— Medo não é a palavra, querida. — Ele deu uma risada.
— Claro, você não teme nada. — Ela revirou os olhos.
— Você gostou de Asfódelo? — Hades respondeu alcançando
uma flor de seu cabelo.
— Sim. — Ela não pode deixar de sorrir. Todos tinham sido tão
gentis. — As suas almas... elas parecem felizes.
— Você está surpresa?
— Bem, você não é exatamente conhecido por sua bondade. —
Perséfone disse, e imediatamente lamentou a dureza de suas
palavras.
— Não sou conhecido pela minha bondade para com os mortais.
Existe uma diferença. — Hades travou o maxilar.
— É por isso que você brinca com a vida deles?
Seus olhos se estreitaram, e ela podia sentir a tensão aumentar
entre eles como as águas inquietas do Estige.
— Parece que me lembro de ter avisado que não responderia
mais a suas perguntas.
. — Você não pode estar falando sério. — Perséfone ficou
boquiaberta.
— Como os mortos. — disse ele.
— Mas como vou te conhecer?
Aquele sorriso estúpido em seu rosto voltou.
— Você quer me conhecer?
— Eu estou sendo forçada a passar um tempo aqui, certo? Não
deveria conhecer melhor meu carcereiro? — Ela desviou o olhar,
carrancuda.
— Tão dramática. — disse ele, mas ficou quieto por um
momento, pensando.
— Não.—- Perséfone disse.
— O quê? — Hades levantou a sobrancelha.
— Eu conheço esse olhar.
— Que olhar? — Ele levantou uma sobrancelha, curioso.
— Você faz esse....olhar. Quando você sabe o que você quer. —
Ela se sentiu ridícula ao dizer isso em voz alta.
Seus olhos escureceram e sua voz baixou.
— Eu faço? — Ele fez uma pausa. — Consegue adivinhar o que
eu quero?
— Eu não leio mentes!
— Que pena — ele disse. — Se você deseja fazer perguntas,
então proponho um jogo.
— Não. Eu não vou cair nessa de novo.
— Sem acordo — ele disse. — Nenhum favor devido, apenas
perguntas respondidas — como você quiser.
— Bem, mas eu escolho o jogo. — Ela ergueu o queixo e
estreitou os olhos.
Ele claramente não esperava isso, e a surpresa apareceu em seu
rosto.
— Muito bem, Deusa. — Ele sorriu.
9
PEDRA, PAPEL, TESOURA

— ESTE JOGO PARECE HORRÍVEL. — Hades reclamou, de pé


no meio de seu escritório, uma bela sala com janelas do chão ao
teto e uma grande lareira de obsidiana.
Ele tinha encontrado uma camisa desde que voltaram para o
palácio, e Perséfone só ficou feliz porque sua nudez teria provado
ser uma distração durante o jogo.
— Você só está bravo porque nunca jogou.
— Parece bastante simples — a pedra vence a tesoura, a tesoura
vence o papel e o papel vence a pedra, como exatamente o papel
vence a pedra?
— O papel cobre a pedra. — Perséfone disse.
Hades franziu a testa em seu raciocínio, e a deusa encolheu os
ombros.
— Por que um ás é um curinga?
— Porque são as regras.
— Bem, é uma regra que o papel cubra a pedra — ela disse. —
Pronto?
Eles levantaram as mãos, e Perséfone não pôde deixar de rir.
Testemunhar o Deus dos Mortos jogando pedra-papel-tesoura
deveria estar na lista de todos os mortais.
— Pedra, papel, tesoura, disparar! — eles disseram em uníssono.
— Sim! — Perséfone deu um gritinho. — Pedra bate a tesoura!
Ela imitou quebrar a tesoura de Hades com o punho — o deus
piscou.
— Droga. Pensei que você escolheria papel.
— Por quê?
— Porque você acabou de tecer elogios ao papel.
— Só porque você perguntou o porquê o papel bate a pedra. Isso
não é pôquer, Hades — não é sobre enganar.
— Não é? — Ele encontrou o olhar dela, os olhos ardendo.
Ela desviou o olhar, respirando fundo antes de perguntar:
— Você disse que teve sucesso antes com seus acordos. Me fale
sobre eles.
Hades se deslocou para o bar do outro lado da sala, derramou a
bebida de sua escolha — uísque — e se sentou em seu sofá de
couro preto.
— O que há para contar? Ofereci o mesmo contrato a muitos
mortais ao longo dos anos. Em troca de dinheiro, fama, amor — eles
devem abandonar seu vício. Alguns mortais são mais fortes do que
outros e vencem seu hábito.
— Vencer uma doença não é uma questão de força, Hades.
— Ninguém disse nada sobre doenças.
— O vício é uma doença. Não pode ser curado. Tem de ser
gerenciado.
— É gerenciado — ele argumentou.
— Como? Com mais acordos?
— Essa é outra pergunta.
Ela ergueu as mãos e eles jogaram outra rodada. Quando ela
desenhou uma pedra e ele uma tesoura, ela não comemorou, mas
exigiu:
— Como, Hades?
— Eu não peço que eles desistam de tudo de uma vez. É um
processo lento.
Eles jogaram de novo e, dessa vez, Hades ganhou.
— O que você faria?
— Como assim? — Ela pestanejou.
— O que você mudaria? Para ajudá-los.
Sua boca se abriu um pouco com a pergunta dele.
— Primeiro eu não permitiria que um mortal arriscasse sua alma.
Segundo se você vai requerer uma barganha os desafie a ir para a
reabilitação se eles são viciados, e faça melhor, pague por isso. Se
eu tivesse todo o dinheiro que você tem eu gastaria ajudando as
pessoas.
— E se eles tiverem uma recaída? — A estudou por um
momento.
— E daí? — ela perguntou? — A vida é dura lá fora Hades, e
algumas vezes vivê-la é penitência suficiente. Os mortais precisam
de esperança, não ameaças de punição.
O silêncio se estendeu entre eles, e então Hades ergueu as mãos
— outro jogo. Desta vez, quando Hades venceu, ele pegou seu
punho e puxou-a para si. Ele espalmou a mão dela, seus dedos
roçando a bandagem que Hécate a ajudou a amarrar.
— O que aconteceu?
Ela deu uma risada ofegante.
— Não é nada comparado às costelas machucadas.
O rosto de Hades endureceu e ele ficou quieto. Depois de um
momento, ele deu um beijo em sua palma, e ela sentiu o calor
curativo de seus lábios selar sua pele. Aconteceu tão rápido que ela
não teve tempo de se afastar.
— Por que isso o incomoda tanto? — Ela não sabia por que
estava sussurrando.
Ela supos que era porque tudo isso parecia tão íntimo, a maneira
como eles se sentaram, um de frente para o outro no sofá,
inclinando-se tão perto que ela poderia beijá-lo.
Em vez de responder, ele colocou a mão no rosto dela e
Perséfone engoliu em seco. Se ele a beijasse agora, ela não se
responsabilizaria pelo que aconteceria a seguir.
Então a porta do escritório de Hades se abriu e Minthe entrou na
sala. Ela usava um vestido azul eletrizante que abraçava suas
curvas de uma forma que deixava pouco para a imaginação, e
Perséfone ficou surpresa com o choque de ciúme que ricocheteou
por ela. Ela pensou que se ela fosse a senhora do Submundo,
Minthe sempre usaria gola rolê e bateria antes de entrar em
qualquer sala.
A ninfa de cabelo flamejante parou quando viu Perséfone sentada
ao lado de Hades, sua raiva óbvia. Um sorriso curvou-se os lábios
de Perséfone com o pensamento de que Minthe pudesse estar com
ciúmes também.
O deus retirou a mão do rosto dela e perguntou com uma voz
irritada:
— Sim, Minthe?
— Meu senhor, Caronte solicitou sua presença na sala do trono.
— Ele disse o motivo?
— Ele pegou um intruso.
Perséfone olhou para Hades. — Um intruso? Como? Não se
afogariam no Estige? — Perséfone olhou para Hades.
— Se Caronte pegou um intruso, é provável que ele tenha
tentado entrar furtivamente em sua balsa. — Hades levantou-se e
estendeu-lhe a mão. — Venha, você se juntará a mim.
Perséfone pegou a mão dele, um movimento que Minthe
observou com fogo nos olhos antes de girar nos calcanhares e
deixar o escritório à frente deles. Eles a seguiram pelo corredor até
a cavernosa sala do trono de teto alto de Hades. As janelas de vidro
arredondado deixavam entrar uma luz suave. Bandeiras negras com
imagens de narcisos dourados flanqueavam os dois lados da sala
até o precipício do trono de Hades. Como ele, era esculpido e
parecia composto de milhares de pedaços de obsidianas afiadas e
quebradas.
Um homem de pele morena estava ali perto do precipício, envolto
em branco e coroado com ouro. Duas longas tranças penduradas
em seus ombros, presas com ouro. Seus olhos escuros primeiro
pousaram sobre Hades, depois sobre ela.
Perséfone testou o aperto de Hades em sua mão, mas o deus
apenas a segurou com mais força, guiando-a além do barqueiro e
subindo os degraus de seu trono. Hades acenou com a mão, e um
trono menor se materializou ao lado dele, Perséfone hesitou.
— Você é uma deusa. Sentará em um trono. — Ele a guiou para
se sentar e só então soltou sua mão. Quando ele tomou seu lugar
em seu trono, Perséfone pensou por um momento que ele poderia
abandonar seu glamour, mas ele não o fez.
— Caronte, a que devo a interrupção?
— Você é Caronte? — Perséfone perguntou ao homem de
branco.
Ele não se parecia em nada com os desenhos de seu livro de
grego antigo, que sempre o retratavam como um homem velho, um
esqueleto ou uma figura vestida de preto. Esta versão quase se
assemelhava a um deus — lindo e charmoso.
— Sou eu, de fato, minha Senhora. — Caronte sorriu, e a
mandíbula de Hades apertou.
— Por favor, me chame de Perséfone. — ela disse.
— Minha senhora serve. — Hades disse bruscamente. — Estou
ficando impaciente Caronte.
O barqueiro inclinou a cabeça. Perséfone teve a sensação de que
Caronte estava se divertindo com o humor de Hades.
— Meu senhor, um homem chamado Orfeu foi pego esgueirando-
se no meu barco. Ele deseja uma audiência com você.
— Mande-o entrar. Estou ansioso para voltar à minha conversa
com a Senhora Perséfone.
Caronte estalou os dedos e um homem apareceu diante deles de
joelhos, as mãos amarradas nas costas. Perséfone inalou, surpresa
com a maneira como ele foi detido. O cabelo encaracolado do
homem estava grudado na testa, ainda pingando água do rio do
Estige. Ele parecia derrotado.
— Ele é perigoso? — Perséfone perguntou.
Caronte olhou para Hades, logo Perséfone o fez também.
— Você pode ver a alma dele. Ele é perigoso? — ela perguntou
de novo.
Ela percebeu pela forma como as veias do pescoço de Hades se
ergueram que ele estava cerrando os dentes. Enfim ele disse
— Não.
— Então liberte-o das amarras.
Os olhos de Hades fixaram-se nos dela. Finalmente, ele se virou
para o homem e acenou com a mão. Quando as amarras
desapareceram, ele caiu para a frente, batendo no chão. Enquanto
ele ficava de pé, ele olhou para Perséfone.
— Obrigado, minha senhora.
— Por que você veio ao Submundo? — Hades perguntou.
Perséfone ficou impressionada, o mortal sustentou o olhar de
Hades e não mostrou nenhum sinal de medo.
— Eu vim por minha esposa.
Hades não respondeu e o homem continuou.
— Eu desejo propor um acordo: minha alma em troca da alma
dela.
— Não negocio almas, mortal — respondeu o Deus.
— Meu Senhor, por favor!
Hades ergueu a mão e o homem voltou seu olhar para
Perséfone, implorando.
— Não olhe para ela em busca de ajuda, mortal. Ela não te pode
ajudar.
Perséfone tomou isso como um desafio.
— Me fale sobre sua esposa. — Ela ignorou o olhar de Hades a
queimando, focando em Orfeu.
— Qual era o nome dela?
— Eurídice. Ela morreu um dia depois de nos casarmos.
— Sinto muito. Como ela morreu?
— Ela foi dormir e nunca mais acordou. — A voz dele se partiu.
— Você a perdeu tão de repente. — O peito de Perséfone doeu e
sua garganta parecia apertada. Ela sentiu tanta simpatia pelo
homem que estava quebrado diante deles.
— Os Destinos cortaram-lhe o fio da vida — disse Hades. — Não
posso devolvê-la aos vivos e não vou negociar para devolver almas.
Os punhos de Perséfone encrisparam. Ela queria discutir com o
deus naquele momento — diante de Minthe e Caronte e este mortal.
Não foi isso que ele fez durante a Grande Guerra? Negociar com os
deuses para trazer de volta os seus heróis?
— Senhor Hades, por favor ... — Orfeu engasgou. — Eu a amo.
Algo duro e frio se instalou em seu estômago quando Hades riu
— um único urro áspero.
— Você pode tê-la amado, mortal, mas não veio aqui por ela.
Veio por você mesmo. — Hades reclinou no seu trono. — Não vou
atender ao seu pedido. Caronte.
O nome do demônio era uma ordem, e com um estalo de seu
punho, ele e Orfeu haviam partido.
Perséfone fervilhava, recusando-se a olhar para Hades. Ela ficou
surpresa quando ele quebrou o silêncio.
— Você deseja me pedir para abrir uma exceção.
— Você quer me dizer porque não é possível. — ela rebateu.
Seus lábios se contraíram.
— Não posso abrir uma exceção para uma pessoa, Perséfone.
Você sabe quantas vezes sou solicitado a devolver almas do
Submundo?
Ela imaginou que muitas vezes, mas ainda assim.
— Você mal lhe deu voz. Eles estavam casados apenas por um
dia, Hades.
— Trágico. — ele disse.
— Você é assim tão sem coração? — Ela o olhou com avia.
— Eles não são os primeiros a ter uma triste história de amor,
Perséfone, nem serão os últimos, eu imagino.
— Você trouxe mortais de volta por menos. — falou.
— Amor é uma razão egoísta para trazer os mortos de volta. —
Hades olhou para ela.
— E guerra não é?
— Você fala do que não sabe, Deusa. — os olhos de Hades
escureceram.
— Diga-me como você escolheu lados Hades. — ela disse.
— Nao escolhi.
— Assim como você não ofereceu outra opção a Orfeu. Seria
abdicar do seu controle oferecer a ele pelo menos um vislumbre de
sua esposa, segura e feliz no submundo?
— Como você ousa falar com Senhor Hades... — Minthe
começou, mas ela hesitou quando Perséfone a olhou. Ela desejou
ter o poder de transformar Minthe em uma planta.
— Basta. — Hades levantou e Perséfone seguiu. — Terminamos
aqui.
— Devo acompanhar Perséfone até a saída? — Minthe
perguntou.
— Você pode chamá-la de Senhora Perséfone. — Hades disse.
— E não. Nós ainda não terminamos.
Minthe não aceitou bem sua dispensa, mas ela saiu, seus saltos
batendo contra o mármore enquanto avançava. Perséfone a
observou sair até que sentiu os dedos de Hades sob seu queixo. Ele
ergueu os olhos dela.
— Parece que você tem muitas opiniões sobre como gerencio o
meu reino.
— Você não demonstrou compaixão por ele. — disse ela.
Ele a encarou por um momento, mas não disse nada, e ela se
perguntou o que ele estava pensando.
— Pior, você zombou do amor que ele tinha por sua esposa.
— Eu questionei o amor dele. Não zombei dele.
— Quem é você para questionar o amor.
— Um deus, Perséfone.
Ela o olhou com raiva.
— Todo o seu poder e você não faz nada com ele, além de
machucar.
Ele se encolheu com isso, e ela continuou:
— Como você pode ser tão passional e não acreditar no amor?
— Porque a paixão não precisa de amor, querida. — Hades deu
uma risada sem humor.
Perséfone sabia tão bem quanto ele que a luxúria alimentava a
paixão que eles compartilhavam, e ainda assim ela ficou surpresa e
irritada com a resposta dele. Por quê? Ele não a tratou com
compaixão e ela era uma deusa. Talvez ela esperasse vê-lo tão
comovido com o apelo de Orfeu quanto ela. Talvez esperasse ver
um deus diferente no momento, alguém que provaria que todas as
suas suposições estavam erradas.
E, no entanto, isso apenas as confirmou.
— Você é um deus implacável. — disse ela, e estalou os dedos,
deixando Hades sozinho na sala do trono.
10
TENSÃO

PERSÉFONE CHEGOU À ACRÓPOLE cedo na segunda-feira.


Ela queria começar seu artigo, e Hades tinha dado a ela mais do
que o suficiente para trabalhar durante sua visita ao Submundo. Ela
ainda estava com raiva dele pela forma como tratou Orfeu, ainda
podia ouvir sua risada amarga da expressão de amor do pobre
homem por sua falecida esposa, e isso a fez estremecer.
Pelo menos ele havia mostrado sua verdadeira natureza — e no
exato momento ela começou a pensar que ele possuía uma
consciência.
O Destino deve estar do meu lado, ela pensou.
Quando saiu do elevador em seu andar, ela encontrou Adonis
parado na entrada com Valerie, inclinando-se sobre sua mesa e
conversando. Eles imediatamente pararam de falar quando ela
chegou, e Perséfone sentiu como se estivesse se intrometendo em
um momento privado.
— Perséfone, você chegou cedo. — Adonis pigarreou e se
endireitou.
— Só esperando para começar. Eu tenho muito o que fazer. —
ela disse, e passou por eles, indo direto para sua mesa.
— Como foi no Nevernight? — Adonis a seguiu.
— Como assim? — Ela congelou por um momento.
— Hades convidou você para o Nevernight antes de sairmos da
entrevista. Como foi?
Certo. Você é muito paranoica, Perséfone. ela pensou.
— Foi bom. — Ela guardou sua bolsa e abriu seu laptop.
— Achei que ele poderia te convencer a não escrever sobre ele.
Perséfone se sentou e franziu a testa. Ela não havia considerado
que a intenção de Hades em convidá-la para um passeio pelo
Submundo poderia ser uma tática para impedi-la de escrever sobre
ele. A essa altura, nada me convenceu a não escrever sobre ele.
Até o próprio Hades. Especialmente Hades. Cada vez que ele abria
a boca, ela encontrava outra razão para não gostar dele, mesmo
que aquela boca a inflamasse.
Adonis sorriu, alheio aos pensamentos traiçoeiros dela.
— Você será uma grande jornalista Perséfone. — Ele deu um
passo para atrás e apontou para ela. — Não esqueça de me mandar
o artigo. Você sabe, quando você terminar.
— Certo. — ela disse.
Quando ela estava sozinha, tentou organizar seus pensamentos
sobre o Deus dos Mortos. Até agora, ela sentia que tinha visto dois
lados dele. Um era um deus manipulador e poderoso que estava
exilado do mundo há tanto tempo que parecia não entender as
pessoas. Esse mesmo deus a havia vinculado a um acordo com as
próprias mãos que ele usou para curá-la. Ele tinha sido tão
cuidadoso e gentil até o momento do beijo, e então sua paixão mal
foi contida.
Era como se ele estivesse morto de fome por ela.
Mas isso não podia ser verdade, porque ele era um deus e tinha
vivido por séculos, o que significava séculos de experiência, e ela só
estava obcecada por isso porque não tinha nenhuma.
Ela baixou a cabeça entre as mãos, frustrada consigo. Ela
precisava reacender a raiva que sentiu quando Hades tão
arrogantemente admitiu ter abusado de seu poder sob o pretexto de
que estava ajudando mortais.
Seus olhos pousaram para as anotações que ela havia feito
depois de entrevistá-lo. Ela tinha escrito tão rápido que as palavras
quase não eram legíveis, mas depois de algumas leituras
cuidadosas ela foi capaz de juntar as peças.
Se for uma ajuda que Hades realmente deseja oferecer, ele deve
desafiar o viciado para a reabilitação. Porque não dar um passo
adiante e pagar por isso?
Ela se sentou um pouco mais reta e digitou, sentindo a raiva
faiscar em sua corrente sanguínea novamente. Era como uma
chama em um acelerador, e logo seus dedos voaram pelas teclas,
acrescentando uma palavra após a outra.
Eu vejo a alma. O que o sobrecarrega, o que o corrompe, o que o
destrói — e o desafia.
Essas palavras penetraram por todas as partes erradas dela.
Como era ser o Deus do Submundo? Para ver somente a luta, a dor
e os vícios dos outros?
Parecia muito triste.
Ele deve ser muito triste ela decidiu. Cansado de ser o Deus dos
Mortos, ele se inseriu no destino de vidas mortais para se divertir. O
que ele tinha a perder?
Nada.
Ela parou de digitar e se recostou, respirando fundo.
Ela nunca havia sentido tantas emoções por uma única pessoa.
Estava zangada com ele e curiosa, pega entre a surpresa e a
repulsa pelas coisas que ele criara e pelas coisas que dizia. Em
guerra com ambos sentimentos estava a extrema atração que sentia
quando estava com ele.
Como ela poderia querê-lo? Ele representava o oposto de tudo o
que ela sonhou em toda a sua vida. Ele era seu carcereiro quando
tudo que ela queria era liberdade.
Exceto que ele havia libertado algo dentro dela. Algo há muito
reprimido e nunca explorado.
Paixão, luxúria e desejo — provavelmente todas as coisas que
Hades procurava em uma alma sobrecarregada.
Ela flexionou os dedos sobre o teclado e imaginou como seria
beijá-lo com toda essa raiva nas veias.
Pare! ela comandou-se, mordendo com força o lábio. Isso é
ridículo. Hades é o inimigo. Ele é seu inimigo.
Ele apenas a beijou para lhe conceder um favor, para que ela não
causasse nenhum caos para ele. Mais do que provável, sua
experiência de quase morte no submundo o afastou de coisas
importantes.
Como Minthe.
Ela revirou os olhos e focou na tela novamente, lendo a última
linha que digitou.
Se este é o deus que nos é apresentado em nossa vida, que
deus encontraremos ao morrer? Que esperanças podemos ter de
um pós-vida feliz?
Essas palavras doeram, e ela sabia que provavelmente estava
sendo um pouco injusta. Depois de visitar parte do Submundo, ficou
claro que Hades se preocupava com seu reino e com aqueles que o
ocupavam. Por que mais ele se daria ao trabalho de manter uma
ilusão tão grande?
Porque provavelmente beneficia-o. ela lembrou-se. É óbvio que
ele gosta de coisas bonitas, Perséfone. Por que é que ele não
cultivaria um reino bonito?
Seu telefone de mesa tocou de repente, assustando-a tanto que
ela pulou e se atrapalhou para pegar o aparelho, silenciando o som.
— Perséfone falando. — Seu coração ainda estava acelerado e
ela respirou fundo para se acalmar.
— Perséfone, é Valerie. Eu acho que sua mãe está aqui?
Seu coração caiu em seu estômago. O que Deméter estava
fazendo ali?
Ela mordeu o lábio por um momento, Deméter descobriu sobre
sua visita ao Submundo no fim de semana? Ela lembrou de suas
palavras no Jardim dos Deuses — Preciso lembrar que uma
condição do seu tempo aqui era que você ficasse longe dos
deuses? Especialmente Hades. Ela ainda não tinha descoberto
como sua mãe sabia que ela estava no Nevernight, mas ela
presumiu que a Deusa da Colheita provavelmente tinha um espião
entre eles no clube de Hades.
— Já estou indo. — Perséfone conseguiu manter sua voz calma.
Foi fácil identificar Deméter. Ela parecia o mais próximo possível
de sua forma Divina, mantendo seu brilho beijado pelo sol e olhos
brilhantes. Ela usava um vestido de verão rosa-claro e saltos
brancos que se destacavam contra a parede apagada.
— Minha flor! — Deméter aproximou-se dela de braços abertos,
puxando Perséfone para um abraço.
— Mãe. — Perséfone se afastou. — O que você está fazendo
aqui?
— É segunda-feira. — Deméter inclinou a cabeça.
Demorou um momento para Perséfone se lembrar o que isso
significava.
Ah não.
A cor sumiu do seu rosto.
Como ela poderia ter esquecido? Todas às segundas-feiras ela e
a mãe almoçavam juntas, mas com tudo o que tinha acontecido nos
últimos dias, ela esqueceu completamente.
— Tem um café adorável descendo a rua. — Deméter continuou,
mas Perséfone sentiu a tensão em sua voz. Ela sabia que
Perséfone tinha esquecido, e não gostou. — Pensei que podíamos
experimentar hoje. O que você acha?
Perséfone pensou que ela não queria ficar sozinha com sua mãe.
Sem mencionar que havia acabado de ganhar o ímpeto necessário
para escrever este artigo sobre Hades, se parasse agora, ela
poderia não terminar.
— Mãe... me desculpe. — Essas palavras pareciam vidro saindo
de sua boca. Era uma mentira, é claro — ela não lamentava pelo
que tinha acabado de dizer. — Eu estou realmente muito ocupada
hoje. Podemos remarcar.
— Remarcar? — Deméter pestanejou.
Ela disse a palavra como se ela nunca a tivesse ouvido antes.
Sua mãe odiava quando as coisas não aconteciam do jeito dela, e
Perséfone nunca havia pedido a ela para reorganizar sua
programação. Ela sempre se lembrava do almoço como sempre se
lembrava das regras de sua mãe — duas coisas que ela havia
ignorado na semana passada.
Ela sabia que sua mãe estava fazendo uma lista de ofensas que
havia cometido contra ela e era apenas uma questão de tempo até
que Deméter a fizesse pagar.
— Sinto muito, mãe. — disse Perséfone novamente.
Deméter finalmente encontrou seu olhar. A Deusa da Colheita
cerrou a mandíbula e disse em um tom perfeitamente neutro:
— Outra hora, então.
Deméter girou nos calcanhares sem se despedir e saiu furiosa do
escritório.
Perséfone soltou a respiração que ela estava segurando. Ela
passou todo esse tempo se preparando para lutar com sua mãe, e
agora que a adrenalina tinha acabado, ela se sentia exausta.
— Uau, sua mãe é linda. — O comentário de Valerie atraiu o
olhar de Perséfone. A moça tinha um olhar sonhador no rosto. — É
uma pena que você não pode almoçar com ela.
— É. — Perséfone disse.
Ela fez seu caminho de volta para sua mesa lentamente, sob o
peso de uma nuvem de culpa, até que ela notou Adonis em pé atrás
de sua cadeira, olhando para a tela de seu laptop.
— Adonis. — Ela fechou o laptop quando alcançou a mesa. — O
que você está fazendo?
— Ah, oi, Perséfone. — Ele sorriu. — Apenas lendo seu artigo.
— Não está finalizado. — Ela tentou manter a calma, mas era
difícil quando ele tinha acabado de invadir sua privacidade.
— Eu acho que está bom. — ele disse. — Você conseguiu
mesmo algo.
— Obrigada, mas eu realmente apreciaria se você não olhasse o
meu computador, Adonis.
— Eu não vou roubar o seu trabalho, se é com o que está
preocupada. — Ele meio que riu.
— Eu disse que enviaria o artigo quando terminasse!
— Ei, relaxa! — Ergueu as mãos e se afastou da mesa.
— Não me diga para me acalmar. — respondeu entredentes. Ela
odiava quando as pessoas diziam para ela se acalmar, o comentário
depreciativo apenas a deixou mais furiosa.
— Não quis dizer nada com isso.
— Eu realmente não me importo com o que você quis dizer. —
ela retrucou.
Adonis ficou finalmente em silêncio. Ela supôs que ele percebeu
que não seria capaz de sair dessa com seu charme.
— Está tudo bem por aqui? — Demetri apareceu em sua porta, e
Perséfone olhou para Adonis.
— Sim, está tudo bem. — falou Adonis.
— Perséfone? — Demetri olhou para ela com expectativa.
Ela deveria ter dito não a ele, que na verdade nem tudo estava
bem — que ela estava equilibrando um acordo impossível com o
Deus do Submundo e escondendo o fato de sua mãe, que garantiria
que ela nunca mais visse os reluzentes arranha-céus de Nova
Atenas novamente se ela descobrisse. Além disso, este mortal
parecia pensar que era perfeitamente aceitável ler suas
considerações pessoais — porque isso era o que era, um rascunho
de um artigo que ela estava planejando.
E talvez seja por isso que ela estava com tanta raiva, porque as
palavras que ela escreveu eram cruas, furiosas e apaixonadas. Elas
a deixavam vulnerável, e se abrisse a boca para contradizer Adonis,
ela não tinha certeza do que sairia.
Ela respirou fundo antes de forçar as palavras:
— Sim, está tudo bem.
E quando ela viu a expressão presunçosa no rosto de Adonis, ela
teve a sensação de que se arrependeria de mentir

***

Poucos dias depois, Perséfone chegou tarde ao Nevernight. Seu


grupo de estudo havia ocorrido e, embora estivesse cansada, sabia
que precisava dar uma olhada em seu jardim. A sujeira do
Submundo retinha a umidade como o deserto, o que significava que
ela tinha que regar seu jardim todos os dias se quisesse ter uma
chance de sobreviver no inferno.
Ela desceu do ônibus para o olhar inquisidor da fila esperando
para entrar no clube de Hades, todos olhando para ela como se ela
tivesse criado garras e asas. Ela estava totalmente ciente de sua
aparência, vestida com calças de ioga e uma regata, o cabelo
comprido ainda preso em um coque bagunçado desde o início de
sua sessão de estudos, não se preocupou em se olhar no espelho
hoje, e ela não queria perder tempo correndo para casa para se
trocar apenas para regar um jardim. A ideia de se espremer em um
vestido e sapatos de salto alto a essa altura do dia a fez se contrair,
enfim. Hades e esses frequentadores do clube teriam apenas que
lidar com isso.
Você não está aqui para impressionar ninguém, ela se lembrou.
Apenas entre e vá para o Submundo o mais rápido possível. Ela
ajustou as alças de sua mochila pesada, estremecendo com a dor
nos ombros, e marchou em direção à porta.
Mekonnen emergiu do escuro. Ele estava carrancudo até
reconhecê-la, e então um sorriso amarelo encantador se espalhou
por seu rosto quando ele alcançou a porta.
— Minha senhora, quer dizer, Perséfone.
— Boa noite, Mekonnen. — Ela sorriu para o ogro quando ela
entrou no clube.
Perséfone parou no saguão escuro. Ela preferiu não entrar no
clube propriamente dito desta vez, e decidiu teletransportar-se. Ela
estalou os dedos e esperou sentir a mudança familiar no ar à sua
volta.
Mas nada aconteceu.
Ela tentou de novo.
Ainda nada.
Ela só teria que ir para o escritório de Hades e entrar no
Submundo por lá.
Ela manteve a cabeça baixa enquanto cruzava o andar lotado do
clube. Ela sabia que as pessoas estavam olhando, e ela podia sentir
seu rosto ficando vermelho com o julgamento delas.
Uma mão segurou seu ombro. Ela se virou, esperando encontrar
um ogro ou outro funcionário de Hades a parando por causa da
maneira como ela estava vestida. Uma discussão estava posta na
ponta da língua, mas quando ela se virou, ela olhou em um par de
olhos dourados familiares.
— Hermes. — ela disse, aliviada. Mesmo com o glamour, ele
estava ridiculamente bonito em sua camisa branca e calça cinza,
com a bebida na mão. Seu cabelo dourado estava perfeitamente
penteado, cortado nas laterais, longos cachos em cima, refletindo a
luz.
— Sephy! — ele exclamou. — O que você está vestindo?
Ela olhou para si mesma, embora não precisasse. Ela sabia
perfeitamente o que estava vestindo.
— Acabei de vir da aula.
— Universitária chique. — Ele levantou as sobrancelhas
douradas. — Gostosa.
Ela revirou os olhos e se afastou dele, caminhando em direção
aos degraus. O Deus da Trapaça a seguiu.
— O que você está fazendo aqui? — Perséfone perguntou.
— Bem, eu sou o Mensageiro dos Deuses. — ele disse.
— Não, o que você está fazendo aqui? Na pista do Nevernight?
— Deuses também jogam, Sephy. — respondeu.
— Não me chame assim. — ela disse. — E por que deuses
jogariam com Hades?
— Pela emoção. — ele soriu maliciosamente.
Perséfone subiu as escadas com Hermes a reboque.
— Onde estamos indo, Sephy?
Ela achou engraçado que ele se incluísse nessa declaração.
— Eu estou indo para o escritório do Hades.
— Ele não estará lá. — declarou Hermes, e ocorreu-lhe que
talvez ele não soubesse sobre ela e a barganha de Hades.
Ela olhou para o deus e embora ela não estivesse ali para ver
Hades, ela ainda perguntou em voz alta,
— Então onde ele está?
— Ele está revisando propostas para contratos do outro lado. —
Hermes sorriu.
Perséfone cerrou os dentes. Claro que ele está.
— Eu não estou aqui por Hades. — disse ela, e correu para o
escritório dele. Uma vez lá dentro, deixou a mochila no sofá e
sacudiu os ombros, esfregando a dor.
Ela levantou o olhar para encontrar Hermes no bar, pegando
várias garrafas e lendo os rótulos. O que quer que ele tivesse nas
mãos, devia ser atraente, porque ele o desenroscou e derramou em
um copo vazio.
— Você deveria estar fazendo isso? — ela perguntou.
— Hades me deve uma, certo? Eu salvei sua vida. — O deus deu
de ombros.
— Eu te devo uma. Não Hades. — Perséfone desviou o olhar.
— Cuidado, Deusa. Uma barganha com um deus é suficiente,
não acha?
— Você sabe? — Ela se assustou.
Hermes sorriu. — Sephy, eu não nasci ontem. — Hermes sorriu.
— Você deve achar que sou incrivelmente estúpida. — ela disse.
— Não. Acho que você foi atraído pelos encantos de Hades.
— Então, concorda que Hades me enganou?
— Não. — ele disse. — Estou dizendo que você se sente atraída
por ele.
Perséfone revirou os olhos e se afastou do deus. Ela cruzou o
escritório de Hades e tentou a porta invisível atrás de sua mesa,
mas suas mãos não afundaram na superfície como da última vez.
Seu caminho para o Submundo foi barrado. Ele teria revogado o
favor dela porque ela trouxe Adonis para o Nevernight? Ou ele
estava com raiva por causa de como ela o deixou em sua sala do
trono alguns dias antes? Ele não tinha concedido um favor para que
ela não precisasse incomodá-lo?
As portas do escritório de Hades sacudiram de repente, e
Hermes agarrou Perséfone e a arrastou em direção ao espelho
sobre o manto. Ela resistiu, mas Hermes pressionou os lábios perto
de sua orelha e murmurou:
— Confie em mim, você vai querer ver isso.
Ele estalou os dedos e Perséfone sentiu sua pele apertar em
seus ossos. Foi a sensação mais estranha, e não foi embora nem
mesmo quando eles estavam dentro do espelho. A sensação era
como estar atrás de uma cachoeira e olhar para o mundo nebuloso.
Ela começou a perguntou se eles poderiam ser vistos, mas
Hermes pressionou um dedo em seus lábios.
— Shh.
Hades apareceu do outro lado do espelho e Perséfone prendeu
a respiração, não importava quantas vezes o visse, ela não achava
que algum dia se acostumaria com sua beleza. Hoje ele parecia
tenso e sério. Ela se perguntava o que teria acontecido.
Ela logo recebeu sua resposta, Minthe o seguiu de perto e
Perséfone sentiu uma onda de ciúme ardente ao vê-la.
Eles estavam discutindo.
— Você está perdendo seu tempo! — Minthe disse.
— Não é como se eu estivesse acabado. — Hades retrucou,
claramente não querendo ouvir a ninfa dar um sermão nele.
— Isto é um clube. Mortais barganham por seus desejos, eles
não fazem pedidos ao Deus do Submundo. — O rosto de Minthe
endureceu.
— Este clube é o que eu digo que é.
— Você acha que isso vai influenciar a deusa a pensar melhor de
você? — Minthe o olhou de cara feia.
A deusa? Minthe estava se referindo a ela?
Os olhos de Hades escureceram com o comentário.
— Eu não ligo para o que os outros pensam de mim e isso inclui
você, Minthe. — Seu rosto baixou, e Hades continuou: — Vou ouvir
a oferta dela.
A ninfa não disse nada e virou nos calcanhares saindo da sua
vista. Após um momento uma mulher entrou no escritório de Hades.
Ela vestia um sobretudo bege, um suéter largo e jeans, seu cabelo
preso em um rabo de cavalo. Apesar de ser bastante jovem, ela
parecia exausta, e Perséfone não precisava dos poderes de Hades
para saber que qualquer fardo que carregava neste momento de
sua vida era pesado.
Quando a mulher viu o deus, congelou.
— Você não tem nada a temer. — Hades disse em sua voz
calorosa e calmante de barítono, e a mortal foi capaz de se mexer
novamente.
Ela deu uma risadinha nervosa e, quando falou, sua voz saiu
áspera.
— Disse a mim mesmo que não hesitaria. Não deixaria que o
medo me levasse a melhor.
Hades inclinou a cabeça para o lado. Perséfone conhecia aquele
olhar, ele estava curioso.
— Mas você tem tido medo. Por um longo tempo.
A mulher assentiu e lágrimas escorreram pelo seu rosto. Ela os
esfregou ferozmente, as mãos tremendo, e ofereceu aquela risada
nervosa novamente.
— Disse a mim mesma que também não choraria.
— Por quê?
Perséfone ficou feliz por Hades ter perguntado, porque ela estava
tão curiosa quanto. Quando a mulher encontrou o olhar do deus, ela
estava séria, seu rosto ainda brilhando com lágrimas.
— O Divino não se comove com a minha dor.
Perséfone se encolheu, Hades não.
— Suponho que não posso culpá-lo. — a mulher continuou. — Eu
sou um em um milhão suplicando por mim mesmo.
Mais uma vez, Hades inclinou a cabeça.
— Mas você não está suplicando por você, está?
A boca da mulher tremeu, e ela respondeu em um sussurro:
— Não.
— Diga-me. — ele persuadiu, era como um feitiço, e a mulher
obedeceu.
— Minha filha. — As palavras eram um soluço. — Ela está
doente. Pineoblastoma. É um câncer agressivo. Aposto a minha
vida pela dela.
— Não! — Perséfone disse em voz alta, e Hermes rapidamente a
silenciou, mas tudo o que ela podia pensar era, Ele não pode! Não
vai!
Hades estudou a mulher por um longo momento.
— As minhas apostas não são para almas como a sua.
Perséfone começou a avançar. Ela sairia do espelho e lutaria por
aquela mulher, mas Hermes segurou seu ombro com força.
"Espere".
Perséfone prendeu a respiração.
— Por favor. — a mulher sussurrou. — Te darei qualquer coisa, o
que quiser.
— Você não pode me dar o que eu quero. — Hades se atreveu a
rir.
A mulher o encarou, e o coração de Perséfone se contraiu ao
olhar em seus olhos. Ela estava derrotada. A mulher baixou a
cabeça e seus ombros tremeram enquanto ela soluçava nas mãos.
— Você era a minha última esperança. Minha última esperança.
Hades se aproximou dela, colocou os dedos sob seu queixo e
ergueu sua cabeça. Depois de enxugar as lágrimas dela, ele disse:
— Não vou fazer um acordo com você porque não desejo tirar de
você. Isso não significa que não vou ajudá-la.
A mulher ficou boquiaberta, os olhos de Perséfone se
arregalaram e Hermes riu baixinho.
— A sua filha tem o meu favor. Ela vai ficar bem e tão corajosa
como a mãe, acho eu.
— Obrigada! Obrigada! — A mulher jogou os braços em volta de
Hades, e o deus enrijeceu, claramente sem saber o que fazer.
Finalmente, ele cedeu, e a abraçou. Depois de um momento ele se
afastou e disse:
— Vá. Cuide de sua filha.
— Você é o deus mais generoso. — A mulher deu alguns passos
para trás.
Hades ofereceu uma risada sombria.
— Vou alterar minha declaração anterior. Em troca do meu favor,
você não dirá a ninguém que eu a ajudei.
— Mas... — A mulher pareceu surpresa.
Hades levantou a mão — ele não ouviria nenhum argumento.
Finalmente, a mulher assentiu.
— Obrigada. — Ela se virou para sair, praticamente correndo
para fora do escritório. — Obrigada!
Hades observou a porta por um momento antes de trancá-la com
um estalar de dedos. Antes que Perséfone soubesse o que estava
acontecendo, ela e Hermes caíram do espelho.
Perséfone não estava preparada e caiu no chão com um baque
forte. Hermes caiu de pé.
— Que grosseria. — o Deus da Trapaça disse.
— Eu poderia dizer o mesmo. — O Deus dos Mortos respondeu,
seus olhos desviando desfavoravelmente para Perséfone quando
ela se levantou. — Ouviu tudo que queria?
— Eu queria ir para o Submundo, mas alguém revogou meu
favor.
Foi como se ela nem tivesse falado. O olhar de Hades virou-se
para Hermes.
— Eu tenho um trabalho para você, mensageiro.
Hades estalou os dedos e, sem aviso, Perséfone foi jogada de
costas em seu jardim desolado. Um grunhido de frustração explodiu
de sua boca, e quando ela se levantou, limpando a sujeira de suas
roupas, ela gritou para o céu.
— Idiota!
11
UM TOQUE DE ... DESEJO

PERSÉFONE REGOU SEU JARDIM, amaldiçoando Hades


enquanto trabalhava. Ela esperava que ele pudesse ouvir cada
palavra. Ela esperava que isso o cortasse profundamente. Ela
esperava que ele sentisse isso toda vez que se movesse.
Ele a ignorou.
Ele a descartou no Submundo como se ela fosse nada.
Ela tinha perguntas. Ela tinha exigências. Ela queria saber por
que ele ajudou a mulher, por que ele exigiu seu silêncio. Qual foi a
diferença entre o pedido desta mulher e o desejo de Orfeu de trazer
Eurídice de volta dos mortos?
Quando ela terminou de regar seu jardim, ela tentou se
teletransportar de volta para o escritório de Hades, mas quando
estalar os dedos não funcionou, ela percebeu que estava presa.
Então ela tentou amaldiçoar o nome de Hades e, quando isso
não funcionou, ela chutou o muro do jardim.
Por que ele a mandou aqui? Ele tinha planos de encontrá-la
depois que terminasse com Hermes? Ele restauraria seu favor, ou
ela teria que encontrá-lo toda vez que quisesse entrar no
Submundo?
Isso seria irritante..
Ela deve tê-lo deixado muito irritado.
Ela decidiu que iria explorar o seu palácio em sua ausência.
Havia visto apenas alguns quartos, o escritório, quarto de dormir e
sala do trono de Hades. Ela estava curiosa sobre o resto e tinha
todo o direito de explorar. Se Hades ficasse bravo, ela poderia
argumentar que, a julgar pelo estado de seu jardim, seria sua casa
em seis meses de qualquer maneira.
Enquanto investigava, ela notou a atenção de Hades aos
detalhes. Havia detalhes dourados e várias texturas, tapetes de pele
e cadeiras de veludo. Era um palácio luxuoso e ela admirava sua
beleza, assim como admirava a beleza de Hades. Ela tentou discutir
consigo — era de sua natureza admirar a beleza. Não significava
nada pensar que o Deus dos Mortos e seu palácio eram
extraordinários. Afinal de contas, ele era um deus.
Sua exploração do palácio terminou quando ela encontrou a
biblioteca.
Era magnífica. Ela nunca tinha visto nada parecido, prateleiras e
prateleiras de livros com lombadas grossas e lindas e relevos
dourados. O cômodo em si estava bem mobiliado. Uma grande
lareira ocupava a parede oposta, flanqueada por prateleiras
escuras. Essas não estavam cheias de livros, mas vasos de argila
antigos pintados com imagens de Hades e o Mundo Inferior. Ela
podia se imaginar acomodando-se em uma das cadeiras
aconchegantes, enrolando os dedos dos pés no tapete macio e
lendo por horas.
Este seria um dos seus lugares favoritos, Perséfone decidiu, se
ela morasse aqui.
Mas ela não deveria estar pensando em morar no Submundo.
Talvez, depois que tudo isso acabasse, Hades estendesse seu favor
ao uso de sua biblioteca.
Ela se perguntou preguiçosamente se haveria um beijo para isso.
Ela vagou pelas pilhas, roçando os dedos ao longo das
lombadas. Ela conseguiu puxar alguns livros de história e procurou
por uma mesa onde pudesse examiná-los. Ela pensou ter finalmente
localizado uma quando encontrou o que parecia ser uma mesa
redonda, mas quando foi colocar os livros nela, descobriu que era
na verdade uma bacia cheia de água escura, semelhante a do
Estige.
Ela colocou os livros no chão para ver melhor a bacia. Enquanto
ela olhava, um mapa apareceu diante dela, ela podia ver o rio Estige
e o Letes, o palácio e os jardins de Hades. Embora o mapa
parecesse estar na água escura, cores gloriosas tão vibrantes
quanto os jardins de Hades logo se espalharam pela paisagem. Ela
achava engraçado que o Deus dos Mortos, que se vestia muito de
preto, gostasse tanto das cores.
— Hmm. — Perséfone tinha certeza de que este mapa não tinha
partes vitais do Mundo Inferior — como Elísio e Tártaro. —
Estranho. — Ela alcançou a bacia.
— A curiosidade é uma qualidade perigosa, minha senhora.
Ela engasgou e se virou para encontrar Hades atrás dela,
emoldurado por um conjunto de prateleiras. Seu coração batia forte
no peito.
— Estou mais do que ciente. — ela falou rispidamente. A marca
em seu punho a ensinou isso. — E não me chame de minha
senhora. Hades simplesmente a observou, sem dizer nada, então
Perséfone acrescentou:
— Este mapa do seu mundo não está completo.
— O que você vê? — Hades olhou para a água.
— Seu palácio, Asfódelo, o Rio Estige e o Letes... e é isso. —
Todos os lugares onde ela esteve antes. — Onde é Elísio? O
Tártaro?
Os cantos da boca de Hades se curvaram.
— O mapa os revelará quando você conquistar o direito de saber.
— O que você quer dizer com conquistar?
— Apenas aqueles em quem mais confio podem ver este mapa
em sua totalidade.
— Quem pode ver o mapa inteiro? — Ela endireitou-se.
Ele apenas sorriu, então ela exigiu:
— Minthe pode vê-lo?
— Isso a incomodaria, Senhora Perséfone? — Seus olhos se
estreitaram.
— Não. — ela mentiu.
Seus olhos endureceram e seus lábios se estreitaram, ele se
virou e desapareceu nas pilhas. Ela correu para pegar os livros que
puxou da estante e o seguiu.
— Por que você revogou o meu favor? — questionou.
— Para te ensinar uma lição. — respondeu ele.
— Para não trazer mortais para o seu reino.
— Para não ir embora quando está irritada comigo. — ele
declarou.
— Desculpe? — Parou e colocou os livros em uma prateleira
próxima. Ela não esperava essa resposta.
Hades também parou e a encarou. Eles estavam parados nas
pilhas estreitas, e o cheiro de poeira flutuava no ar ao redor deles.
— Você me parece alguém que tem muitas emoções e nunca foi
ensinada a lidar com tudo isso, mas posso lhe garantir que fugir não
é a solução.
— Eu não tenho mais nada a te dizer.
— Não se trata de palavras. — ele disse. — Prefiro ajudá-la a
entender minhas motivações do que ter você me espionando.
— Não foi minha intenção espionar. — ela confessou. —
Hermes...
— Eu sei que foi Hermes que te puxou para dentro do espelho. —
ele disse. — Eu não quero que você saia e fique com raiva de mim.
Ela deveria ter interpretado o comentário dele como amável, mas
não conseguiu evitar parecer enojada quando perguntou:
— Por quê?
Não era repulsa, era confusão. Hades era um deus, por que ele
se importava com o que ela pensava dele?
— Porque. — ele disse, e depois pensou por um momento. — É
importante para mim. Prefiro explorar a sua raiva. Gostaria de ouvir
o seu conselho. Eu gostaria de entender a sua perspectiva.
Ela começou a abrir a boca e perguntar o porquê novamente,
quando ele acrescentou:
— Porque você viveu entre mortais. Você os entende melhor do
que eu. Porque você é solidária.
— Por que você ajudou aquela mãe esta noite? — ela engoliu em
seco.
— Porque eu quis.
— E Orfeu?
O Hades suspirou, esfregando os olhos com o indicador e o
polegar.
— Não é tão simples. Sim, tenho a capacidade de ressuscitar os
mortos, mas não funciona com todos, especialmente quando os
Destinos estão envolvidos. A vida de Eurídice foi interrompida pelo
Destino por um motivo. Eu não posso tocar nela.
— Mas a menina?
— Ela não estava morta, apenas no limbo. Eu posso negociar
com os Destinos por vidas no limbo.
— O que você quer dizer com negociar com os Destinos ?
— É algo frágil. — ele disse. — Se eu pedir aos Destinos para
poupar uma alma, eu não tenho uma palavra a dizer na vida de
outra.
— Mas... você é o Deus do Submundo!
— E os Destinos são Divinos. — ele disse. — Devo respeitar a
sua existência como eles respeitam a minha.
— Não me parece justo.
— Não é? Ou será que não parece justo para os mortais? —
Hades levantou a sobrancelha.
Foi exatamente isso.
— Então, os mortais têm que sofrer pelo bem do seu jogo?
. — Não é um jogo Perséfone. Não de todo meu. — Hades travou
o maxilar.
Sua voz severa a fez parar, e ela olhou para ele.
— Então, você ofereceu uma explicação para parte do seu
comportamento, mas e as outras barganhas?
Os olhos de Hades escureceram e ele deu um passo em direção
a ela no espaço já restrito.
— Você está perguntando por você mesmo ou pelos mortais que
alega defender?
— Alega? — Ela mostraria a ele, seus argumentos contra seus
truques não eram para mostrar.
— Você só se interessou pelos meus empreendimentos
comerciais depois que firmou um contrato comigo.
— Empreendimentos? É isso que você chama de me enganar
deliberadamente?
— Então isso é sobre você. — As sobrancelhas dele se
levantaram.
— O que você fez é injusto — não apenas para mim, mas para
todos os mortais...
— Não quero falar sobre mortais. Eu gostaria de falar sobre você.
— Hades se moveu em sua direção, e ela deu um passo para trás, a
estante pressionando suas costas. — Por que você me convidou
para a sua mesa?
— Você disse que me ensinaria. — Perséfone desviou o olhar.
— Ensinar o quê? Deusa. — Ele a encarou por um momento,
olhos sedutores e sombrios. Então sua cabeça caiu na curva de seu
pescoço e seus lábios roçaram levemente sobre sua pele. — O que
você realmente desejava aprender então?
— Cartas. — ela sussurrou, mas ela mal conseguia respirar, e ela
sabia que estava mentindo. Ela queria aprendê-lo — a sensação
dele, o cheiro dele, o poder dele.
— O que mais? — sussurrou palavras contra a pele dela.
Ela se atreveu a virar a cabeça então, e os lábios dele roçaram
os dela.
Sua respiração ficou presa na garganta. Ela não conseguiria
responder, não iria. Sua boca permaneceu perto da dela, mas ele
não a beijou, ele esperou.
— Me diga.
Sua voz era hipnótica, e seu calor a tinha sob um feitiço perverso.
Ele era a aventura que ela ansiava. Ele era a tentação que ela
queria se permitir. Ele era um pecado que ela queria cometer.
Seus olhos se fecharam e seus lábios se separaram. Ela pensou
que ele poderia reivindicá-la então, mas quando ele não o fez, ela
respirou fundo, seu peito subindo contra o dele, e disse:
— Apenas cartas.
Ele recuou, e Perséfone abriu os olhos. Ela achou que o teria
pego de surpresa mesmo antes de se transformar em uma máscara
ilegível.
— Você deve querer voltar para casa. — disse ele, e começou a
descer das estantes. Se ela não estivesse falando com o Deus dos
Mortos, ela teria pensado que ele estava envergonhado. — Você
pode pegar os livros emprestados, se desejar.
— Como? Você retirou o meu favor. — Ela os juntou em seus
braços e rapidamente o seguiu.
— Acredite em mim, Senhora Perséfone. Se eu retirasse você do
meu favor, você saberia. — Ele se virou para ela, seu olhar sem
emoção.
— Então, sou Senhora Perséfone outra vez?
— Você sempre foi Senhora Perséfone, quer escolha ou não
aceitar o seu sangue.
— O que há para aceitar? — ela perguntou. — Eu sou um deus
desconhecido na melhor das hipóteses — e um deus menor nisso.
Ela odiava o olhar de decepção que escureceu o rosto dele.
— Se é assim que você pensa sobre si mesma, você nunca
conhecerá o poder.
Seus lábios se abriram em surpresa, e ela notou como os olhos
dele se apertaram bem antes de sua mão se contrair — ele estava
prestes a mandá-la embora sem aviso novamente.
— Não — ordenou ela, e Hades fez uma pausa. — Você pediu
que eu não fosse embora quando estivesse com raiva e estou
pedindo que não me mande embora quando você está com raiva.
— Eu não estou com raiva. — Ele abaixou as mãos.
— Então por que me deixou no Submundo mais cedo? — ela
perguntou. — Por que me mandar embora.
— Eu precisava falar com Hermes. — ele disse.
— E não podia me dizer isso?
Ele hesitou.
— Não peça coisas de mim que você não pode cumprir, Hades.
Ele a encarou. Ela não tinha certeza do que esperava dele, que
suas exigências o deixariam com raiva? Que ele argumentaria que
isso era diferente? Que ele era um deus poderoso e poderia fazer o
que quisesse?
Em vez disso, ele assentiu.
— Vou te conceder essa cortesia.
— Obrigada. — Ela respirou fundo, aliviada.
— Venha, podemos retornar ao Nevernight juntos. Eu
tenho...negócios inacabados lá. — Ele estendeu a mão.
Ela aceitou a oferta e eles se teletransportaram de volta para seu
escritório, aparecendo bem na frente do espelho que ela e Hermes
haviam se escondido dentro.
— Como você sabia que nós estávamos lá? Hermes disse que
não poderíamos ser vistos. — Perséfone inclinou a cabeça para trás
para que pudesse encontrar os olhos dele.
— Eu sabia que você estava aqui porque podia senti-la.
Suas palavras a fizeram estremecer, e ela se afastou de seu
calor, pegou sua mochila onde a havia deixado no sofá e a colocou
sobre os ombros. No caminho para a porta, ela fez uma pausa.
— Você disse que o mapa só é visível para aqueles em quem
você confia. O que é preciso para ganhar a confiança do Deus dos
Mortos?
— Tempo. — ele simplesmente respondeu.
12
O DEUS DO JOGO

— PERSÉFONE!
Alguém estava chamando seu nome. Ela rolou e cobriu a cabeça
com o cobertor para abafar o som, ela deixou o Submundo tarde na
noite passada e, tensa demais para dormir, ficou acordada para
trabalhar em seu artigo.
Ela teve dificuldade em escolher como deveria proceder depois
de assistir Hades ajudar aquela mãe. No final, ela decidiu que tinha
que se concentrar nas barganhas que Hades fazia com os mortais
— aquelas nas quais ele optou por oferecer termos impossíveis.
Enquanto trabalhava no artigo, ela descobriu que ainda estava
frustrada, embora não pudesse dizer se tinha acabado sua
barganha com Hades o momento deles nas estantes — a maneira
como ele perguntou o que ela queria e se recusou a beijá-la.
Sua pele formigou de antecipação com a memória, embora ela
não estivesse em lugar algum perto dele.
Ela pressionou para salvar seu artigo às quatro da manhã e
decidiu descansar algumas horas antes de relê-lo. Mas quando ela
começou a adormecer, Lexa irrompeu pela porta de seu quarto.
— Perséfone! Acorda!
— Vai embora! — Ela gemeu.
— Ahn não, você vai querer ver isso. Adivinha o que está no
noticiário hoje!
De repente, ela estava bem acordada. Perséfone empurrou seus
cobertores e se sentou, sua imaginação já tomando conta, alguém
tinha tirado uma foto dela em sua forma de deusa fora de
Nevernight? Alguém a apanhou dentro do clube com Hades? Lexa
empurrou seu tablet para o rosto de Perséfone, e seus olhos
focaram em algo muito pior.
— Está em todas as redes sociais hoje — explicou Lexa.
— Não, não, não. — Perséfone agarrou o tablet com as duas
mãos. O título no topo da página estava em preto e negrito e
familiar:

Hades, Deus do Jogo por Perséfone Rosi.

Ela leu a primeira linha em voz alta:


— Nevernight, um clube de jogo de elite de propriedade de
Hades, o Deus dos Mortos, pode ser visto de qualquer lugar em
Nova Atenas. O pináculo elegante imita habilmente a natureza
imponente do próprio deus e é um lembrete aos mortais de que a
vida é curta — ainda mais curta se você concordar em jogar com o
Senhor do Submundo.
Este era o rascunho dela. Seu verdadeiro artigo permaneceu
seguro em seu computador.
— Como é que isto foi publicado? — ela sibilou.
— Como assim? Você não enviou? — Lexa pareceu confusa.
— Não. — Ela rolou a página do artigo, seu estômago dando nós.
Ela notou alguns acréscimos, como uma descrição de Hades que
ela nunca teria escrito. Os olhos de Hades foram descritos como
abismos incolores, seu rosto insensível, seus modos frios e
grosseiros.
Grosseiros?
Ela nem sonharia em descrever o Hades dessa maneira. Seus
olhos eram escuros, mas expressivos, e cada vez que encontrava
seu olhar, ela sentia como se pudesse ver os fios de sua vida ali. Na
verdade, seu rosto podia ser insensível às vezes, mas quando ele
olhou para ela, ela viu algo diferente — uma suavidade em sua
mandíbula, uma diversão iluminada em seu rosto. Uma curiosidade
que ardia, e seus modos eram tudo menos frios e rudes — ele era
apaixonado, charmoso e refinado.
Havia apenas uma pessoa que tinha ido com ela e visto Hades
em carne e osso, e essa pessoa foi Adonis. Ele também invadiu seu
espaço de trabalho e leu seu artigo sem permissão.
Acho que ele tem feito mais do que apenas ler. A ansiedade de
Perséfone era agora tão forte quanto a sua fúria. Ela jogou o tablet
para o lado e pulou da cama, palavras de raiva e vingança correram
por sua cabeça. Pareciam mais da sua mãe do que com os dela.
Ele será punido, ela pensou. Porque eu serei punida.
Ela respirou fundo algumas vezes para acalmar sua raiva e
conscientemente trabalhou para abrir os dedos. Se ela não tivesse
cuidado, seu glamour desapareceria. Sempre parecia reagir às
emoções dela — talvez porque sua magia fosse emprestada.
Na realidade, Perséfone não queria que Adonis fosse punido,
pelo menos não por Hades. O Deus dos Mortos deixou sua antipatia
por este mortal bem clara, e trazê-lo para o Nevernight foi um erro
por várias razões, isso estava claro agora. Talvez essa fosse parte
da razão pela qual Hades queria que ela ficasse longe dele.
Uma terceira emoção surgiu dentro dela — medo — e ela a
reprimiu. Ela não permitiria que Hades levasse o melhor dela. Além
disso, ela planejava escrever sobre o deus, apesar de sua ameaça.
— Onde você vai? — Lexa perguntou.
— Trabalhar. — Perséfone desapareceu em seu armário,
trocando sua camisola por um vestido verde simples. Era uma de
suas roupas favoritas, e se ela iria sobreviver a este dia, ela
percebeu que precisava de cada arsenal em seu kit de ferramentas
para se sentir o mais poderosa possível. Talvez ela pudesse tirar o
artigo da publicação antes que Hades o visse.
— Mas ... você não trabalha hoje. — Lexa apontou acomodada
na cama de Perséfone.
— Eu tenho que ver se consigo tomar a frente disso. —
Perséfone reapareceu, mancando em um pé para afivelar as
sandálias.
— Tomar a frente de quê?
— Do artigo. Hades não pode vê-lo.
Lexa riu e, em seguida, cobriu a boca rapidamente, falando entre
os dedos.
— Perséfone, detesto ter que te dizer isto, mas Hades já viu o
artigo. Ele tem pessoas que procuram esse tipo de coisa. —
Perséfone encontrou o olhar de Lexa, e sua amiga ficou nervosa. —
Epa.
— O quê? — A histeria surgiu na voz de Perséfone.
— Seus olhos, eles estão... esquisitos.
Evitando o olhar de Lexa enquanto suas emoções ricocheteavam
por todo seu corpo, Perséfone pegou sua bolsa.
— Não se preocupe. Estarei de volta mais tarde.
Ela saiu de seu quarto e bateu a porta de seu apartamento
enquanto Lexa chamava seu nome.
O ônibus demoraria quinze minutos para chegar, então ela
decidiu ir a pé. Ela tirou o pó compacto da bolsa e aplicou mais
magia enquanto caminhava.
Não admira que Lexa tenha ficado assustada. Seus olhos
perderam todo o encanto e brilhavam como uma cor verde-garrafa.
Seu cabelo estava mais brilhante, seu rosto mais nítido. Ela parecia
mais Divina do que jamais esteve em público.
Quando Perséfone chegou à Acrópole, sua aparência mortal
estava restaurada. Quando saiu do elevador, Valerie levantou de
trás de sua mesa.
— Perséfone. — disse ela nervosamente. — Achei que não viria
aqui hoje.
— Oi, Valerie. — Ela tentou manter a voz alegre e agir como se
nada estivesse fora do comum, que Adonis não tinha roubado seu
artigo e Lexa não a tinha acordado para enfiar o dito artigo raivoso
em seu rosto. — Vim só pra cuidar de umas coisas.
— Bem, você tem várias mensagens. Eu, ahn, transferi todas
para a sua secretária eletrônica.
— Obrigada.
Mas Perséfone não estava interessada em suas mensagens de
voz, ela estava aqui por Adonis. Ela largou a bolsa na mesa e
caminhou pela sala de trabalho até a dele. Adonis estava sentado
com os fones de ouvido, concentrado no computador. No início, ela
pensou que ele estava trabalhando, provavelmente editando algo
que ele roubou, ela pensou com raiva, mas quando ela veio por trás
dele, ela descobriu que ele estava assistindo a algum tipo de
programa de televisão — Os Titãs após a Escuridão.
Ela revirou os olhos. Era uma novela popular sobre como os
olímpicos derrotaram os titãs. Embora ela só tivesse assistido a
algumas partes, começou a imaginar a maioria dos deuses eram
retratados no programa. Agora ela sabia que Hades estava de todo
errado — uma criatura pálida e ágil com um rosto vazio. Se ele
pretendia se vingar de alguma coisa, deveria ser como o retrataram
naquele programa.
Ela bateu no ombro de Adonis e ele saltou, tirando um fone de
ouvido.
— Perséfone! Parab...
— Você roubou o meu artigo. — ela o cortou.
— Roubar é um termo grosseiro para o que eu fiz. — Ele se
afastou da mesa. — Eu te dei todo o crédito.
— Você acha que isso importa? — ela fervia de raiva. — Era o
meu artigo, Adonis. Você não só o tomu de mim, você adicionou a
ele. Por quê? Eu disse que enviaria para você assim que
terminasse!
Com toda a honestidade, ela não tinha certeza do que esperava
que ele dissesse, mas não foi a resposta que ele deu.
— Achei que você mudaria de ideia.
— Eu te disse que queria escrever sobre Hades. — Ela o encarou
por um momento.
— Não sobre isso. Achei que ele poderia te convencer de que
seus acordos com mortais eram justificados.
— Deixa ver se eu entendi. Você decidiu que eu não conseguia
pensar por mim mesma, então roubou meu trabalho, alterou-o e
publicou-o?
— Não é desse jeito. Hades é um deus, Perséfone...
E eu sou uma deusa, ela queria gritar. Em vez disso, ela grunhiu:
— Você está certo. Hades é um Deus, e por isso mesmo, você
não queria escrever sobre ele. Você tem medo dele, Adonis. Eu não.
Ele se encolheu. — Eu não queria...
— O que você queria não importa. — ela retrucou.
— Perséfone? — Demetri chamou e ela e Adonis olharam na
direção do escritório de seu supervisor. — Um minuto?
Seu olhar deslizou de volta para Adonis, e ela o cravou com um
olhar final antes de entrar no escritório de Demetri.
— Sim, Demetri? — ela disse da entrada.
— Sente-se. — Ele estava sentado atrás de sua mesa, uma nova
edição do jornal nas mãos.
Ela o fez, na beirada, porque ela não tinha certeza do que
Demetri pensaria do artigo, ela teve dificuldade em chamá-lo de
dela. Suas próximas palavras seriam, você está demitida? Uma
coisa era dizer que você queria a verdade, outra era realmente
publicá-la.
Ela considerou o que faria quando perdesse o estágio. Ela agora
tinha menos de seis meses até a formatura. Era improvável que
outro jornal contratasse a garota que ousou chamar o Deus do
Submundo de o pior deus. Ela sabia que muitas pessoas
compartilhavam o medo de Adonis do Tártaro.
Assim que Demetri começou a falar, Perséfone disse:
— Eu posso explicar.
— O que há para explicar? — ele perguntou. — Está claro pelo
seu artigo o que você estava tentando fazer aqui.
— Eu estava com raiva.
— Você queria expor uma injustiça — ele disse.
— Sim, mas há mais. Não é a história toda. — ela declarou. Ela
realmente só havia mostrado Hades sob uma luz — e isso era
realmente sem luz alguma, apenas escuridão.
— Eu espero que não. — Demetri disse.
— O quê? — Perséfone endireitou-se.
— Estou pedindo para escrever mais.
A Deusa da Primavera ficou quieta, e Demetri continuou.
— Eu quero mais. Quando você pode publicar outro artigo?
— Sobre Hades?
— Sim. Você só arranhou a superfície deste deus.
— Mas eu pensei... você não está... com medo dele?
Demetri colocou o papel para baixo e nivelou seu olhar com o
dela.
— Perséfone, eu te disse desde o começo. Nós procuramos a
verdade aqui no Jornal Nova Atenas e ninguém sabe a verdade
sobre o Rei do Submundo — você pode ajudar o mundo a entendê-
lo.
Demetri fez tudo soar tão inocente, mas Perséfone sabia que ela
só iria trazer ódio sobre Hades com o artigo publicado hoje.
— Aqueles que temem Hades também são curiosos. Eles vão
querer mais, e você irá entregar.
Perséfone se endireitou à sua ordem direta. Demetri se levantou
e caminhou até a parede de janelas, com as mãos atrás das costas.
— Que tal um destaque quinzenal?
— Isso é muito, Demetri. Eu ainda estou na faculdade. — ela o
lembrou.
— Mensal, então. O que me diz de... cinco, seis artigos?
— Eu tenho escolha? — ela murmurou, mas Demetri ouviu.
O canto de sua boca se curvou.
— Não se subestime Perséfone. Pense só, se isso for tão bem-
sucedido quanto penso, haverá uma fila de pessoas esperando para
contratá-la quando você se formar.
Exceto que não teria importância, porque ela seria uma
prisioneira — não apenas do Submundo, mas do Tártaro. Ela se
perguntava como Hades escolheria torturá-la.
Ele provavelmente vai recusar te beijar, ela pensou e revirou os
olhos para si mesma.
— Seu próximo artigo deve ser entregue no dia primeiro — disse
ele. — Vamos variar. Não fale apenas sobre suas barganhas — o
que mais ele faz? Quais são seus passatempos? Como o
Submundo realmente é?
Perséfone se sentiu desconfortável com as perguntas de Demetri,
e ela se perguntou se elas eram para ele e não para o público.
Com isso, ele a dispensou. Perséfone saiu do escritório de
Demetri e se sentou em sua mesa. A cabeça dela estava enevoada
e não conseguia se concentrar
Um destaque mensal seguindo o Deus dos Mortos? Em que você
se meteu Perséfone? Ela lamentou em voz alta. Hades nunca iria
concordar com isso.
Então, novamente, ele não precisava.
Talvez isso lhe desse uma chance de barganhar com ele. Ela
poderia aproveitar a ameaça de mais artigos para convencê-lo a
deixá-la fora do acordo?
E se sua promessa de castigo se tornasse verdadeira?

***

Perséfone foi direto para a aula depois de deixar a Acrópole, e


parecia que todos tinham uma cópia do Jornal Nova Atenas hoje.
Aquele título atrevido em negrito a encarou de volta no ônibus, em
sua caminhada pelo campus, mesmo na aula.
Alguém bateu em seu ombro e ela se virou para encontrar duas
meninas reunidas na fileira atrás dela. Ela não tinha certeza de seus
nomes, mas elas sentavam atrás dela desde o início do semestre e
nunca falaram nada até hoje. A garota do lado direito tinha uma
cópia do jornal.
— Você é Perséfone, não é? — uma delas perguntou. — Tudo
que você escreveu é verdade?
Essa pergunta a fez estremecer. Seu instinto foi dizer não, porque
ela não havia escrito a história, não em sua totalidade, mas ela não
podia. Ela se resolveu:
— A história é envolvente.
O que ela não previu foi a emoção nos olhos das meninas.
— Então, haverá mais?
— Sim... sim... — Perséfone limpou a garganta.
— Então você conheceu Hades? — A garota à esquerda inclinou-
se mais para cima da mesa.
— Essa é uma pergunta estúpida — a outra garota repreendeu.
— O que ela quer saber é como Hades é. Você tem fotos?
Uma sensação estranha irrompeu no estômago de Perséfone —
uma torção metálica que a fez sentir ciúme e protetora de Hades.
Irónico, já que ela prometeu escrever mais sobre ele. Ainda assim,
agora que ela foi colocada com essas perguntas, ela não tinha
certeza se queria compartilhar seu conhecimento íntimo do deus.
Ela queria falar sobre como o pegou brincando de jogar bola com
seus cães em um bosque no submundo? Ou como ele a divertiu
jogando pedra-papel-tesoura?
Esses eram ... aspectos humanos do deus, e de repente ela se
sentiu possessiva com eles. Eram dela.
— Acho que você vai ter que esperar para ver. — Ela ofereceu
um pequeno sorriso desinteressado.
Demetri estava certo — o mundo estava tão curioso sobre o deus
quanto eles tinham medo dele.
As meninas de sua classe não foram as únicas pessoas que a
pararam para perguntar sobre seu artigo. Em seu caminho através
do campus, vários outros estranhos a chamaram. Ela adivinhou que
estavam testando seu nome e, quando descobriram que ela era
Perséfone, correram até ela para fazer as mesmas perguntas —
Você conheceu mesmo Hades? Como ele é? Você tem foto?
Ela deu desculpas para fugir rapidamente. Se havia uma coisa
que ela não esperava, era isso, a atenção que ela iria receber. Ela
não conseguia decidir se gostava ou não.
Ela estava passando pelo Jardim dos Deuses quando seu
telefone tocou. Grata pela desculpa para ignorar mais estranhos, ela
atendeu.
— Alô?
— Adonis me contou a boa notícia! Uma série sobre Hades!
Parabéns! Quando for entrevistá-lo na próxima vez posso ir? —
Lexa riu.
— O-obrigada Lex. — Perséfone respondeu. Depois de roubar
seu artigo, não a surpreendeu que Adonis também tivesse
aproveitado a oportunidade para enviar uma mensagem de texto
para sua amiga sobre sua nova atribuição de trabalho antes mesmo
que ela tivesse a chance de contar a ela.
— Nós deveríamos comemorar! La Rose esse fim de semana? —
Lexa perguntou.
Perséfone gemeu. La Rose era uma boate de luxo de
propriedade de Afrodite. Ela nunca esteve lá dentro, mas já tinha
visto fotos. Tudo era creme e rosa e, como no Nevernight de Hades,
havia uma lista de espera impossível.
— Como vamos entrar no La Rose?
— Eu tenho meus meios. — Lexa respondeu maliciosamente.
Perséfone se perguntou se essas formas incluíam Adonis, e ela
estava prestes a perguntar isso quando viu um flash com o canto do
olho. O que quer que Lexa estava dizendo na outra linha se perdeu
quando sua atenção se voltou para sua mãe, aparecendo por entre
a folhagem do jardim alguns metros à sua frente.
— Ei, Lex. Já te ligo de volta. — Perséfone desligou e
cumprimentou Deméter com um breve:

— Mãe. O que você está fazendo aqui?


— Eu tive que garantir que você estava segura depois daquele
artigo ridículo que escreveu. O que você estava pensando?
— Eu pensei... eu pensei que você estaria orgulhosa. Você odeia
Hades. — Perséfone sentiu o choque correr fundo, como uma
corrente elétrica passando por seu peito.
— Orgulhosa? Você pensou que eu estaria orgulhosa? — ela
zombou. — Você escreveu um artigo crítico sobre um deus, mas
não qualquer deus, Hades! Você deliberadamente quebrou minha
regra, não uma, mas várias vezes. — A surpresa de Perséfone deve
ter aparecido em seu rosto porque sua mãe acrescentou:
— Sim. Eu sei que você voltou ao Nevernight em várias ocasiões.
— Como? — Perséfone olhou de cara feia para Deméter.
— Eu rastreei você. — Seus olhos caíram para o celular de
Perséfone.
— Pelo meu celular?
Ela sabia que sua mãe não estava acima de violar sua
privacidade para mantê-la sob controle, ela provou isso ao ter suas
ninfas espionando-a. Mesmo assim, Deméter não comprou seu
telefone, nem pagou a conta. Ela não tinha o direito de o usar como
GPS.
— Você está falando sério?
— Tinha de fazer alguma coisa. Você não estava falando comigo.
— Desde quando? — ela questionou. — Eu te vi na segunda-
feira!
— E você cancelou nosso almoço. — A deusa fungou. — Quase
não passamos mais tempo juntas.
— E você acha que me perseguir vai me encorajar a passar mais
tempo com você? — Perséfone inquiriu.
— Minha flor, eu não posso te perseguir. Eu sou sua mãe. —
Deméter riu.
— Não tenho tempo para isso. — Perséfone olhou de cara feia.
Ela tentou evitá-la e sair, mas descobriu que não conseguia se
mover — seus pés pareciam soldados ao solo. A histeria explodiu
em seu estômago e se alojou em sua garganta. Perséfone
encontrou o olhar escuro de sua mãe e, pela primeira vez em anos,
ela viu Deméter como a deusa vingativa que era — aquela que
açoitava ninfas e matava reis.
— Eu não te dispensei. — sua mãe disse. — Lembre-se
Perséfone, você só está aqui graças à minha magia.
Perséfone queria gritar para sua mãe, Continue me lembrando
que sou impotente. Mas ela sabia que desafiá-la era o movimento
errado. Era o que Deméter queria para que ela pudesse distribuir
sua punição, então, em vez disso, ela inalou uma respiração instável
e sussurrou:
— Sinto muito, mãe.
Por um momento tenso, Perséfone esperou para ver se Deméter
a libertaria ou a raptaria. Então ela sentiu o aperto de sua mãe
afrouxar em torno de suas pernas trêmulas.
— Se você retornar ao Nevernight, ver Hades outra vez, eu a
tirarei deste mundo.
Perséfone não tinha certeza de onde reuniu coragem, mas
conseguiu olhar a mãe nos olhos e dizer:
— Não pense por um segundo que eu vou te perdoar se você me
mandar de volta para aquela prisão.
— Minha flor, eu não preciso de perdão. — Deméter deu uma
risada cortante.
E então ela desapareceu.
Perséfone sabia que Deméter levava a sério o seu aviso. O
problema era que não havia maneira de contornar o retorno ao
Nevernight, ela tinha um acordo a cumprir e artigos a escrever.
O telefone de Perséfone vibrou em sua mão e ela olhou vendo
uma mensagem de Lexa: Sim para La Rose??
Ela digitou de volta: parece bom.
Ela iria precisar de muito álcool para esquecer esse dia.
13
LA ROSE

PERSÉFONE E LEXA PEGARAM UM TÁXI para ir ao La Rose.


Não era seu método preferido de viajar — ela sentia que eram um
jogo de azar. Ela nunca sabia o que pegariam — um táxi fedorento,
um motorista falante ou um assustador.
Essa noite elas tiveram um assustador. Ele ficou olhando
demoradamente para elas pelo espelho retrovisor e ficou tão
distraído que teve que desviar muito para evitar o tráfego que se
aproximava.
Ela olhou para Lexa, que insistiu que eles não poderiam chegar a
La Rose de ônibus.
Melhor isso do que morta, ela pensou.
— Cinco artigos sobre o Deus dos Mortos. — Lexa disse
sonhadora. — O que você acha que vai escrever a seguir?
Ela honestamente não sabia, e nesse momento não queria
pensar em Hades, mas Lexa não iria deixar passar.
Antes que Perséfone pudesse dar uma resposta, Lexa arfou — o
som que ela sempre fazia quando tinha uma ideia ou algo terrível
estava acontecendo. Perséfone tinha certeza de que tudo o que
estava prestes a sair de sua boca era provavelmente as duas
coisas.
— Você deveria escrever sobre a vida amorosa dele.
— O quê? — Perséfone gaguejou. — Não. Claro que não.
— Por que não? — Lexa fez uma careta.
— O que te faz pensar que Hades compartilharia essa
informação comigo?
— Perséfone, você é jornalista. Investigue!
— Eu não estou interessada nas parceiras do passado de Hades.
— Perséfone olhou pela janela.
— Parceiras do passado? Isso faz parecer que ele tem uma
parceira atual ... como se você fosse a parceira atual.
— Não. — Perséfone disse. — Tenho quase certeza de que o
Senhor do Submundo está dormindo com sua assistente.
— Então escreva sobre isso! — Lexa a encorajou.
— Prefiro não fazer, Lexa. Eu trabalho para o Jornal Nova
Atenas, não para o Delphi Divino. Eu estou interessada na verdade.
— Além disso, ela preferia não saber se isso era verdade. Só de
pensar nisso a deixava enjoada.
— Você tem certeza de que Hades está transando com a sua
assistente — apenas confirme, e é a verdade!
— Não quero escrever sobre coisas triviais. Quero escrever sobre
algo que vai mudar o mundo. — Ela suspirou.
— E atacar as travessuras divinas de Hades mudará o mundo?
— Pode ser. — Perséfone argumentou, e Lexa balançou a
cabeça. — O quê?
— É só que ... tudo o que você fez ao publicar esse artigo foi
confirmar os pensamentos e medos de todos sobre o Deus dos
Mortos. Acho que há outras verdades sobre o Hades que não
estavam naquele artigo. — sua amiga suspirou.
— Onde você quer chegar?
— Se você quer que sua escrita mude o mundo, escreva sobre o
lado de Hades que a faz corar.
— Você é tão romântica Lexa. — O rosto de Perséfone a
esquentou.
— Lá vai você de novo. — ela disse. — Por que você não pode
apenas admitir que acha Hades atraente...
— Eu já admiti...
— E que você se sente atraída por ele?
A boca de Perséfone se fechou e ela cruzou os braços sobre o
peito, retirando o olhar de Lexa de volta para a janela.
— Eu não quero falar sobre isso.
— Do que você tem medo Perséfone?
Perséfone fechou os olhos a essa questão. Lexa não entenderia.
Não importava se ela gostava de Hades ou não, se ela o achava
atraente ou não, se ela queria ele ou não. Ele não era para ela. Ele
era proibido. Talvez o acordo fosse uma benção, era uma forma de
pensar em Hades como algo temporário em sua vida.
— Perséfone?
— Eu disse que não quero falar sobre isso Lexa. — ela disse
firmemente, detestando a direção que essa conversa tinha tomado.
Elas não voltaram a falar de novo mesmo depois de terem
chegado ao La Rose. Quando Perséfone saiu do táxi, o cheiro
distinto de chuva atingiu seu nariz e, quando ela olhou para cima,
um raio iluminou o céu. Ela tremeu, desejando ter escolhido uma
roupa diferente. Seu vestido azul-petróleo cintilante e escorregadio
alcançava apenas o meio da coxa, abraçando a curva de seus seios
e quadris, e o profundo decote em V deixava pouco para a
imaginação — e proteção contra os elementos.
Ela escolheu-o para irritar Hades, foi uma tolice. Ela queria
parecer como poder, como tentação, como pecado, tudo para ele.
Ela queria se balançar na frente dele, e então recuar no último
momento quando ele estivesse perto o suficiente para prová-la.
Ela queria que ele a desejasse.
Era tudo inútil, claro. La Rose era território de outro deus. Era
improvável que Hades a visse essa noite. Esse vestido foi uma ideia
estúpida.
La Rose era um belo edifício que parecia vários cristais
projetando-se da terra. Eles eram feitos de vidro espelhado para que
à noite refletissem a luz da cidade. Como no Nevernight, haiva uma
fila enorme para entrar.
Um súbito arrepio de mal-estar se espalhou por Perséfone e ela
olhou ao redor, sem saber de onde estava vindo, até que seus olhos
pousaram em Adonis.
Ele estava sorrindo de orelha a orelha, caminhando em direção a
ela e Lexa vestido com uma camisa preta e jeans. Ele parecia
confortável, confiante e presunçoso. Ela estava prestes a perguntar
o que ele estava fazendo ali quando Lexa o chamou.
— Adonis!
Ela o abraçou no momento em que ele as alcançou, e ele
retribuiu o abraço.
— Olá, querida!
— Querida? — Perséfone repetiu categoricamente. — Lexa, o
que ele está fazendo aqui?
Sua melhor amiga se afastou de Adonis.
— Adonis queria celebrar a você, então me contactou. Achamos
que seria divertido te fazer uma surpresa!
— Oh, eu estou surpresa. — Perséfone olhou para Adonis.
— Venha, eu tenho uma suíte. — Adonis pegou a mão de Lexa e
a enganchou em seu braço, mas quando ele ofereceu a mesma
para Perséfone, ela recusou.
O sorriso de Adonis vacilou por um momento, mas ele se
recuperou rapidamente, sorrindo para Lexa como se nada estivesse
errado.
Perséfone considerou sair, mas ela tinha vindo com Lexa, e ela
realmente não se sentia confortável em deixá-la com Adonis. Em
algum momento esta noite, ela teria que contar a sua melhor amiga
sobre o que seu crush tinha feito.
Adonis os conduziu pela fila e dentro do clube, a música vibrou
através do corpo de Perséfone quando eles entraram sob o matiz
rosa enevoado das luzes de laser. O andar térreo tinha espaço para
dançar e lugares para sentar que eram protegidos por cortinas de
cristais. As suítes dominavam as camadas superiores do clube, com
vista para o palco e para a pista de dança.
Adonis as conduziu por um lance de escadas até uma suíte no
segundo andar e através de uma cortina de cristal que formou uma
barreira contra o mundo exterior. O interior era luxuoso, com sofás
rosa macios de cada lado de uma lareira, o que oferecia calor e um
ambiente que Perséfone achava irritante.
— Esta é a minha suíte pessoal — disse Adonis.
— Isto é incrível. — Lexa foi direto para a sacada com a vista
para a pista de dança.
— Você gosta? — Adonis perguntou, pairando perto da entrada.
— É claro! Teria de ser louco para não gostar.
— E você Perséfone? — Adonis a olhou com expectativa. Por
que ele buscava elogios dela?
— Você deve ter muita sorte — declarou secamente. — Você é
VIP na lista de dois clubes de propriedade dos deuses.
Os olhos de Adonis ficaram opacos, mas ele não perdeu o ritmo.
— Você deveria saber que sou sortudo Perséfone. Coloquei sua
carreira em movimento.
Ela olhou para ele e ele sorriu, então cruzou a sala para ficar ao
lado de Lexa, que parecia alheia à conversa sobre a música
pulsante. Ela se inclinou para ele e Adonis colocou a mão nas
costas dela.
Perséfone olhou para eles por um momento, o conflito dividindo
seu peito, preso entre sua raiva por Adonis e o amor por sua amiga.
Lexa estava claramente apaixonada pelo homem. Adonis fez o
coração de Lexa parecer querer sair de seu peito? O corpo dela se
eletrizava quando ele a tocava? Seus pensamentos se dispersavam
quando ele entrava na sala?
Uma garçonete veio anotar o pedido, interrompendo os
pensamentos de Perséfone. Ela era mortal, sem nenhuma aura de
magia ao seu redor, e usava um vestido justo e iridescente, sua
superfície cintilante lembrava Perséfone do interior de uma concha.
Assim que pegou os pedidos de Lexa e Adonis, a garçonete se
virou para Perséfone.
— Um Cabernet, por favor. — disse Perséfone, olhando para sua
amiga. — Dois então.
Pouco depois que ela voltou com suas bebidas, Sybil, Aro e
Xerxes chegaram — Sybil em uma saia curta de couro preta e um
top rendado, e os gêmeos combinando em seus jeans escuros,
camisas pretas e jaquetas de couro. Eles se sentaram em frente a
Perséfone e fizeram seus pedidos a garçonete. Depois que ela saiu,
Sybil olhou ao redor da suíte.
— Uau, Adonis. Parece que o Favor tem seus privilégios.
O ar na sala ficou pesado, como se houvesse algum tipo de
história por trás do comentário de Sybil. Perséfone procurou o olhar
de Lexa, mas ela não estava olhando para ela — ou para ninguém,
ela voltou sua atenção para a pista de dança.
Era isso que Perséfone temia, se Adonis tinha o favor de um
deus, isso significava que qualquer mortal que ele visse estava
possivelmente em perigo. Lexa sabia disso e não ia arriscar a ira de
um deus — ia?
— Não acredite em tudo que você ouve Sybil. — Adonis disse.
— Você espera que acreditemos que você consegue todos esses
passes porque trabalha para o Jornal Nova Atenas? — Xerxes
perguntou.
Adonis suspirou revirando os olhos.
— Perséfone. — Aro disse. — Você trabalha para o Jornal, você
recebe passes para clubes populares?
— Não... — Ela hesitou.
— Perséfone aqui foi convidada para o Nervernight pelo próprio
Hades.
Ela olhou feio para Adonis, ela sabia o que ele estava fazendo,
tentando tirar a atenção dele. Felizmente, ninguém mordeu a isca.
— Continue negando. Eu conheço um encantamento quando vejo
um — Sybil disse.
— E nós sabemos que você está transando com Apollo, mas não
dizemos nada. — Adonis declarou.
— Uau, isso foi errado, cara. — disse Aro, mas Sybil levantou a
mão para silenciar a defesa de sua amiga.
— Pelo menos sou honesta sobre o meu favor — ela respondeu.
Quanto mais isso continuava, mais Perséfone sabia que
precisava tirar sua amiga desta suíte. Lexa precisaria de ar e algum
tempo para superar a decepção de ter muitas esperanças em
relação a Adonis.
Perséfone se levantou e atravessou a sala.
— Lexa, vamos dançar. — Ela pegou sua mão e a levou para fora
dali.
Quando estavam lá em baixo, ela virou-se para a Lexa.
— Estou bem, Perséfone. — disse Lexa rapidamente.
— Sinto muito, Lex.
Ela ficou quieta por um momento, mordiscando o lábio.
— Acha que Sybil tem razão?
A garota era um oráculo, o que significava que ela provavelmente
estava mais em sintonia com a verdade do que qualquer pessoa na
festa, mas ainda assim, tudo que Perséfone conseguiu dizer foi:
— Talvez?
— Quem você acha que é?
Poderia ser qualquer um, mas haviam alguns deuses e deusas
que eram notórios por tomar mortais como amantes — Afrodite,
Hera e Apollo, apenas para nomear alguns.
— Não pense sobre isso. Nos viemos aqui para nos divertir,
lembra?
Uma garçonete se aproximou delas e deu-lhes duas bebidas.
— Nós não pedimos...— Perséfone começou a dizer, mas a
garçonete a interrompeu.
— Por conta da casa. — Ela sorriu.
Perséfone e Lexa pegaram o copo. O líquido dentro era rosa e
doce, e eles beberam rápido — Lexa para afogar sua tristeza e
Perséfone para ter coragem para dançar. Assim que terminaram, ela
agarrou a mão de Lexa e arrastou-a para a multidão.
Elas dançaram juntas e com estranhos, o ritmo da música, o flash
das luzes de laser e o álcool em seu sistema as deixaram sentindo-
se felizes e desconectadas dos acontecimentos do dia. Só havia o
aqui e o agora.
A multidão se movia ao redor delas, balançando para trás e para
a frente. Perséfone ofegava, sua boca estava seca e o suor escorria
de sua testa. Sentia-se corada e tonta. Ela parou na pista de dança,
a multidão pulsava ao seu redor, mas o mundo ainda girava,
fazendo seu estômago revirar.
Foi então que ela percebeu que havia se separado da Lexa. Os
rostos se desfocaram ao seu redor enquanto ela abria caminho pela
multidão, ficando mais tonta a cada sacudida do seu corpo. Ela
pensou ter avistado o vestido azul eletrizante de sua amiga e
seguido seu brilho, mas quando ela chegou à beira da pista de
dança, Lexa não estava lá.
Talvez ela tivesse voltado para a suíte.
Perséfone começou a subir os degraus. A cada movimento sua
cabeça parecia estar cheia de água. A certa altura, a tontura era
demais e ela parou para fechar os olhos.
— Perséfone?
Ela abriu os olhos para encontrar Sybil de pé na frente dela.
— Você está bem?
— Você viu a Lexa? — ela perguntou. A língua dela parecia
grossa e inchada.
— Não. Você...
— Eu tenho que encontrar Lexa. — Ela se afastou de Sybil,
voltando para baixo. A essa altura sabia que havia algo de errado
com ela. Ela precisava encontrar sua amiga e ir para casa.
— Oh, oh... espere. — Sybil deu um passo à sua frente. —
Perséfone, o quanto você bebeu?
— Um copo. — ela disse.
— Não tem como você ter bebido apenas um copo. — A garota
balançou a cabeça, as sobrancelhas franzidas.
Perséfone passou por ela. Ela não iria discutir sobre quanto de
álcool ela havia ingerido essa noite. Talvez Lexa estivesse no
banheiro.
Ela tentou se manter na parede enquanto procurava por sua
amiga, mas se viu puxada para o mar de corpos em movimento.
Justamente quando ela sentiu que a multidão iria engoli-la
completamente, alguém agarrou seu pulso e a puxou em direção a
eles. Ela estendeu as mãos e elas pousaram em um peito firme. Ela
olhou para o rosto de Adonis.
— Ei, onde você está indo, querida?
— Me deixa ir Adonis. — Ela tentou se afastar, mas ele a segurou
depressa.
— Shh, está tudo bem. Eu sou seu amigo.
— Se você fosse meu amigo...
— Você vai ter que superar aquele lance do artigo, querida.
— Não me chame de querida, e não me diga o que fazer.
— Alguém já disse que você é para poucos? — ele perguntou, e
então seu aperto sobre ela aumentou, forçando seus quadris juntos.
Ela achou que poderia vomitar.
— Eu só quero conversar. — ele disse.
— Não.
O rosto de Adonis mudou nesse momento. Seu sorriso brincalhão
diminuiu e seus olhos brilhantes escureceram.
— Bem. Nós não precisamos conversar.
A mão dele serpenteou por trás de cabeça dela, agarrando seu
cabelo, ele pressionou seus lábios com força contra os dela. Ela
fechou a boca com força e se torceu contra ele, mas ele a segurou
com força, a língua forçando sua boca fechada, as lágrimas
brotaram de seus olhos.
Mãos ásperas seguraram os braços de Adonis, e um par de
ogros o puxou e arrastastando para longe de Perséfone. Ela
enxugou a boca com as mãos para remover a sensação dos lábios
de Adonis nos dela quando viu o Deus dos Mortos se movendo em
sua direção.
— Hades — ela sussurrou.
Ela encerrou a distância entre eles, envolvendo os braços em
volta da cintura dele, se unindo a ele. Uma das mãos de Hades
pressionada em suas costas, a outra enrolada em seu cabelo. Ele a
abraçou por um momento antes de afastá-la. Ele alcançou seu
queixo e inclinou sua cabeça para que seus olhos se encontrassem.
— Você está bem? — ele perguntou.
Ela balançou a cabeça, engolindo em seco. Havia tantas coisas
erradas com aquele dia e a noite.
— Vamos.
Ele a guiou em direção a ele, envolvendo um braço protetor ao
redor do seu ombro e conduzindo-a através da multidão. Isso partiu
dele facilmente, e ela estava vagamente ciente de que a presença
de Hades no clube havia causado um tipo de caos silencioso. A
música ainda retumbava ao fundo, mas ninguém estava dançando.
Todos eles pararam para assistir enquanto ele a conduzia para fora
da pista de dança.
— Hades... — ela começou a avisá-lo, mas ele parecia saber o
que ela estava pensando e respondeu antes que ela pudesse formar
as palavras.
— Eles não lembrarão disso.
Isso a satisfez o suficiente para segui-lo em direção à saída, até
que ela se lembrou de que precisava encontrar sua melhor amiga.
— Lexa! — Ela se virou rápido demais e sua visão turvou.
Quando ela balançou, Hades a segurou, pegando-a em seus
braços.
— Vou garantir que ela chege em casa em segurança. — Hades
disse.
Em qualquer outro momento ela teria protestado ou discutido,
mas o mundo ainda estava girando, mesmo com os olhos fechados.
— Perséfone? — A voz de Hades estava baixa e sua respiração
roçou os lábios dela.
— Humm? — ela perguntou, suas sobrancelhas uniram-se e ela
fechou os olhos com força.
— O que há de errado?
— Tontura. — ela sussurrou.
Ele não falou de novo. Ela poderia dizer quando eles saíram
porque o ar frio tocou cada centímetro de sua pele exposta, e a
chuva tamborilou no toldo sobre a entrada de La Rose. Ela
estremeceu, aconchegando-se mais perto do calor de Hades e
inalou seu cheiro agora familiar de cinzas e especiarias.
— Você cheira bem. — Ela agarrou sua jaqueta, pressionando o
mais perto dele possível. O corpo dele parecia uma rocha. Ele teve
séculos para esculpir este físico.
Hades riu, e ela abriu os olhos para encontrá-lo olhando para ela.
Antes que ela pudesse perguntar do que ele estava rindo, ele se
mexeu, segurando-a com força enquanto se acomodava no banco
de trás de uma limusine preta. Ela viu Antoni de relance quando ele
fechava a porta do carro.
A cabine era aconchegante e privada, e Hades a deslizou de seu
colo para o assento de couro ao lado dele. Ela observou seus dedos
ágeis ajustarem os controles de forma que as aberturas estivessem
apontadas para ela e o aquecedor estivesse no máximo.
Quando eles entraram na estrada, ela perguntou:
— O que você está fazendo aqui?
— Você não ouve ordens.
— Eu não recebo ordens de você Hades. — Ela riu.
— Acredite em mim querida. Eu estou ciente. — Ele levantou
uma sobrancelha.
— Eu não sou sua e não me chame de querida.
— Já passamos por isto, não? Você é minha. Acho que sabe
disso tão bem quanto eu.
— Você já pensou que talvez você seja meu, em vez disso? —
Ela dobrou as mãos sobre o peito.
— É a minha marca na sua pele. — os lábios dele se contraíram
e seus olhos baixaram para o punho dela.
Talvez o álcool a tenha tornado corajosa. Ela se mexeu,
deslizando a perna no colo de Hades para que ela montasse nele.
Seu vestido se levantou e ela podia senti-lo contra ela, duro e
excitado. Ela sorriu e o olhar dele se voltou para o dela
instantaneamente, desta vez foi como fogo queimando sua pele.
— Eu deveria deixar uma marca? — ela perguntou.
— Cuidado, Deusa. — Suas palavras eram um rosnado.
— Outra ordem. — Ela revirou os olhos.
— Um aviso. — Hades disse com os dentes cerrados, e então
suas mãos agarraram suas coxas nuas e ela respirou fundo ao
sentir sua pele contra a dela. — Mas nós dois sabemos que você
não escuta, mesmo quando é bom para você.
— Você acha que sabe o que é bom para mim? — ela perguntou,
perigosamente perto de seus lábios. — Você acha que sabe do que
preciso?
Suas mãos se moveram para cima, empurrando seu vestido mais
para cima, e ela engasgou quando os dedos dele se aproximaram
da ponta de suas coxas.
— Eu não acho, Deusa, eu sei. Eu poderia fazê-la me venerar. —
Hades riu.
Perséfone mordeu o lábio e seus olhos caíram lá e
permaneceram. Então ela diminuiu a distância entre eles, selando
seus lábios nos dele.
Ele se abriu para ela imediatamente, e ela o saboreou
profundamente, tomando o que era dela para reivindicar. Seus
dedos se enredaram em seu cabelo, inclinando sua cabeça para
trás para beijá-lo mais profundamente. Nesta posição, ela se sentiu
poderosa.
Quando ela finalmente se afastou, foi para mordiscar sua orelha.
— Você irá me venerar. — ela disse, e e rolou seus quadris
contra ele. Suas mãos cravaram em sua pele, e ela se moveu, sua
bochecha roçando a dele enquanto sussurrava. — E nem sequer
terei de te ordenar.
Ela não achava que suas mãos poderiam agarrá-la com mais
força, e então ele a ergueu sem esforço e a manobrou para que
ficasse segura contra ele. Ele arrumou seu vestido e a cobriu com
sua própria jaqueta.
— Não faça promessas que não pode cumprir, Deusa.
Ela piscou confusa pela súbita mudança nele. Ele a tinha
rejeitado.
— Você só está com medo.
Hades não falou, mas quando ela olhou para ele, ele estava
olhando para fora da janela, a mandíbula travada com força, os
punhos cerrados, e ela teve a sensação de que poderia estar certa.
Não muito depois ela adormeceu em seus braços.
14
UM TOQUE DE CIÚME

QUANDO PERSÉFONE ACORDOU ELA estava ciente de duas


coisa: uma, ela estava na cama de um estranho; e dois, ela estava
nua. Ela saltou, segurando lençóis de seda preta contra o peito. Ela
estava no quarto de Hades — ela o reconheceu do dia em que caiu
no Estige e ele a curara, e ela encontrou Hades sentado diante de
uma lareira ardente. Deve ter sido a coisa mais divina que ela já
tinha visto. Ele parecia perfeitamente intocado, nem um fio de
cabelo fora do lugar, nem uma ruga em sua jaqueta, nem um botão
desabotoado. Ele segurava o uísque em uma mão e os dedos da
outra mão repousavam sobre seus lábios. O halo de fogo crepitando
atrás dele também era adequado, furioso como seus olhos.
Foi como ela soube que embora ele parecesse reclinado, ele
estava tenso.
Ele sustentou o olhar dela, sem falar, e tomou um gole de sua
bebida.
— Por que estou nua? — Perséfone perguntou.
— Porque você insistiu nisso — ele respondeu em uma voz
desprovida do desejo mal contido que exibira na limusine.
Ela não tinha muitas memórias da noite passada, mas ela tinha
certeza de que nunca esqueceria a pressão dos dedos de Hades
em suas coxas, ou a deliciosa fricção que enviou ondas de choque
por seu corpo.
— Você estava bastante determinada em me seduzir.
— Nós... — Perséfone corou ferozmente e desviou o olhar.
Hades riu sombriamente, e Perséfone cerrou os dentes com tanta
força que sua mandíbula doeu. Por que ele estava rindo?
— Não, Senhora Perséfone. Acredite, quando fodermos, você irá
lembrar.
Quando?
— A sua arrogância é alarmente.
— Isso é um desafio? — Seus olhos se acenderam.
— Apenas me diga o que aconteceu Hades! — Ela exigiu.
— Você foi drogada no La Rose. Você tem sorte de ser imortal.
Seu corpo queimou o veneno rápido.
Não rápido o suficiente para evitar constrangimento,
aparentemente.
Ela se lembrou de uma garçonete se aproximando assim que
elas entraram na pista de dança, como trouxe bebidas para elas e
disse que eram por conta da casa. Logo depois que ela consumiu o
dela e começou a dançar, a música soou distante, as luzes estavam
cegando, e cada movimento feito por ela fazia sua cabeça girar.
Ela também se lembrou de mãos em seu corpo e lábios frios
fechando sobre o dela.
— Adonis. — Perséfone disse.
O maxilar de Hades apertou-se ao ouvir o nome do mortal.
— O que você fez com ele?
Hades olhou para o copo, girando o uísque antes de engolir o
último gole. Assim que ele terminou, ele colocou o copo de lado, não
olhando para ela.
— Ele está vivo, mas só porque ele estava no território da deusa
dele.
— Você sabia! — Perséfone se colocou para fora da cama e se
levantou, os lençóis de seda de Hades farfalhando ao seu redor.
O olhar penetrante dele flutuou de seu rosto para baixo, traçando
cada linha de seu corpo. Ela sentiu como se estivesse nua diante
dele.
— Foi por isso que você me alertou para ficar longe dele?
— Eu garanto a você, há mais razões para ficar longe daquele
mortal do que o favor que Afrodite concedeu a ele.
— Como o quê? Não pode esperar que eu entenda se não me
explica nada. — Ela deu um passo em direção a ele, embora
alguma parte dela soubesse que era perigoso.
O que quer que Hades tenha passado durante a noite,
claramente ainda estava correndo em sua mente.
— Eu espero que confie em mim. — ele disse, ficando de pé. A
admissão direta a chocou. — Se não em mim, então no meu poder.
Ela nem havia considerado seus poderes, a capacidade de ver a
alma como ela era, crua e oprimida. O que ele via quando olhava
para Adonis?
Um ladrão, ela pensou. Um manipulador.
Hades colocou distância entre eles, enchendo seu copo no
pequeno bar em seu quarto.
— Eu achei que você estava com ciúmes!
Hades estava prestes a tomar uma bebida,mas ele parou para rir.
Ela estava com raiva e magoada com sua rejeição.
— Não finja que não tem ciúmes Hades. Adonis me beijou ontem
à noite.
— Continue me lembrando disso, Deusa e eu o reduzirei à cinza.
— Hades bateu com o copo.
— Então, você está com ciúmes! — ela acusou.
— Ciúmes? — Ele caminhou em sua direção. — Aquele ...
sanguessuga ... tocou em você depois que você disse a ele para
não fazer isso. Eu enviei almas para o Tártaro por menos.
Ela se lembrou da raiva de Hades por Duncan, o ogro que
colocou as mãos sobre ela, e ela percebeu que era por isso que ele
estava no limite. Ele provavelmente queria encontrar Adonis e
incinerá-lo.
— Me... desculpe. — Ela não tinha certeza do que dizer, mas a
angústia dele parecia tão grande que ela pensou que poderia
amenizá-la com um pedido de desculpas.
Ela só piorou as coisas.
— Não ouse se desculpar. — Ele envolveu o rosto dela com as
mãos em concha. — Não por ele. Nunca por ele. — Ele a estudou e
sussurrou:
— Por que você está tão desesperada para me odiar?
As sobrancelhas dela juntaram-se, e ela cobriu as mãos dele com
as dela.
— Eu não te odeio. — ela disse calmamente, e Hades enrijeceu,
afastando-se dela. A violência com que ele se mexeu a
surpreendeu, e a raiva e a tensão voltaram.
— Não? Devo lembrá-la? Hades, Senhor do Submundo, rico, e
indiscutivelmente o deus mais odiado entre os mortais, exibe um
claro desprezo pela vida mortal.
Ele citou seu artigo palavra por palavra e Perséfone se encolheu.
Quantas vezes ele tinha lido? Como ele deve ter fervido de raiva.
— É isso o que você pensa de mim? — Hades travou o maxilar.
— Eu estava com raiva... — Ela abriu a boca e fechou-a antes de
decidir explicar.
— Isso é mais do que óbvio. — A voz de Hades estava afiada.
— Eu não sabia que eles iriam publicá-lo!
— Uma carta contundente ilustrando todos os meus defeitos?
Não pensou que a imprensa iria publicá-lo?
— Eu te avisei. — Ela o olhou com raiva.
Foi a coisa errada a dizer.
— Você me avisou? — Ele fixou seu olhar nela, escuro e irritado.
— Você me avisou sobre o quê? Deusa.
— Eu avisei que você se arrependeria de nosso contrato.
— E eu te avisei para não escrever sobre mim — Ele se
aproximou dela, e ela não recuou, inclinando a cabeça para manter
seu olhar.
— Talvez, no meu próximo artigo eu escreverei sobre o quão
mandão você é — ela disse.
— Próximo artigo?
— Você não sabia? Me pediram para escrever uma série sobre
você.
— Não — ele disse.
— Você não pode dizer não.
— Você não está no controle aqui.
— E você acha que está?
— Vou escrever os artigos, Hades, e a única maneira de parar é
se você me deixar sair deste maldito contrato!
Hades ficou rígido, então sibilou:
— Você pensa em barganhar comigo, Deusa?
O calor que vinha dele era quase insuportável. Ele avançou para
frente, embora não fosse como se ele tivesse muito espaço, ele já
estava muito perto dela. Ela estendeu uma das mãos, segurando o
lençol contra o corpo com a outra.
— Você se esqueceu de uma coisa importante, Senhora
Perséfone. Para negociar você tem que ter algo que eu queira.
— Você me perguntou se eu acreditava no que escrevi! — ela
argumentou. — Você se importa!
— Isso se chama blefe, querida.
— Canalha — ela disse.
Hades a alcançou. Enterrando a mão em seu cabelo, ele a puxou
contra ele e puxou sua cabeça para trás de forma que sua garganta
parecesse firme. Era selvagem e possessivo. A respiração dela
ficou presa na garganta e o espaço entre as coxas ficou úmido. Ela
ansiava por ele.
— Deixe-me ser claro: você negociou, e você perdeu. Não há
saída de nosso contrato a menos que você cumpra seus termos.
Caso contrário, você permanece aqui. Comigo.
— Se me fizer sua prisioneira, eu passarei o resto da minha vida
te odiando.
— Você já o faz.
Ela vacilou outra vez. Ela não gostou que ele pensasse isso e
continuasse o dizendo.
— Você realmente acredita nisso?
Ele não respondeu, apenas deu uma risada zombeteira e, em
seguida, deu um beijo quente em sua boca antes de se afastar
violentamente.
— Apagarei a memória dele da sua pele.
Ela ficou surpresa com sua ferocidade, mas isso a excitou. Ele
rasgou o lençol de seda, deixando-a nua diante dele, e quando a
ergueu do chão, ela envolveu as pernas em volta da cintura dele
sem pensar duas vezes. Ele agarrou seu traseiro com força e sua
boca se chocou contra ela. A fricção de suas roupas contra sua pele
nua a levou ao limite, e o calor líquido se acumulou em seu centro.
Perséfone passou as mãos pelo cabelo de Hades, roçando seu
couro cabeludo enquanto ela soltava os longos fios, segurando-os
com força em suas mãos. Ela puxou sua cabeça para trás e o beijou
forte e profundamente. Um som gutural escapou da boca de Hades
com isso, e ele se moveu, apoiando-a na cabeceira da cama,
esfregando-se com força. Seus dentes roçaram sua pele, mordendo
e sugando de uma forma que a impedia de respirar, provocando
suspiros do fundo de sua garganta.
Juntos, eles eram irracionais, e quando ela se viu esparramada
na cama, ela sabia que daria a Hades qualquer coisa. Ele não
precisaria nem pedir.
Mas o Deus dos Mortos estava sobre ela, respirando pesado.
Seu cabelo caiu sobre os ombros; seus olhos estavam escuros, com
raiva, excitados — e em vez de diminuir a distância que ele havia
criado entre eles, ele sorriu.
Era perturbador, e Perséfone sabia que ela não iria gostar do que
viria a seguir.
— Bem, você provavelmente gostaria de me foder, mas
definitivamente você não gosta de mim.
Então ele se foi.

***

Perséfone encontrou seu vestido cuidadosamente dobrado em


uma das duas cadeiras em frente à lareira de Hades com uma capa
preta ao lado. Enquanto ela vestia o vestido e a capa, pensou em
como Hades a olhou quando ela acordou. Quanto tempo ele ficou
sentado a vendo dormir? Há quanto tempo ele fervia de raiva?
Quem era esse deus que apareceu do nada para resgatá-la de
avanços indesejados, alegou que não era ciúme e dobrou suas
roupas? Quem a acusou de odiá-lo, mas a beijou como se nunca
tivesse compartilhado algo tão doce?
Seu corpo enrubesceu quando ela pensou em como ele a ergueu
e a levou para a cama. Ela não conseguia se lembrar do que estava
pensando, mas sabia que não estava dizendo para ele parar - ainda
assim, ele a havia deixado.
Esse rubor inebriante se transformou em raiva.
Ele riu e a deixou.
Porque isso é um jogo para ele, ela lembrou a si mesma. Ela não
podia deixar sua atração estranha e elétrica por ele dominar essa
realidade. Ela tinha um acordo a cumprir.
Perséfone deixou o quarto de Hades pela varanda para verificar
seu jardim. Apesar de seu ressentimento com a estufa, ela ainda
amava flores, e o Deus do Submundo conseguiu criar um dos mais
belos jardins que ela já tinha visto. Ela ficou maravilhada com as
cores e os cheiros — o doce cheiro de glicínias, o perfume
inebriante e sensual de gardênias e rosas, o aroma calmante de
lavanda.
E era tudo magia.
Hades teve uma existência para aprender seus poderes, para
criar ilusões que enganavam os sentidos. Perséfone nunca tinha
conhecido a sensação de poder em seu sangue. Queimava como a
necessidade que Hades acendeu dentro dela? Parecia a noite
anterior quando ela corajosamente montou nele e sussurrou
desafios em seu ouvido enquanto ela provava sua pele?
Aquilo tinha sido poder.
Por um momento, ela pode controlá-lo.
Ela viu a luxúria nublar seu olhar, ouviu seu grunhido de paixão,
sentiu sua excitação. Mas ela não foi poderosa o suficiente para
mantê-lo sob seu feitiço.
Ela estava começando a pensar que nunca seria poderosa o
suficiente.
Razão pela qual uma vida mortal se adequava tão bem a ela, por
que ela não podia deixar Hades vencer.
Exceto que ela não tinha certeza de como poderia vencer quando
seu jardim ainda parecia um pedaço de terra queimada. Quando ela
chegou ao fim do caminho, os jardins exuberantes deram lugar a
uma área devastada onde o solo era mais parecido com areia e
preto como cinzas. Haviam se passado algumas semanas desde
que ela plantara as sementes no solo. Elas já deveriam estar
brotando. Mesmo sem magia, os jardins mortais pelo menos
produziam muita vida. Se fosse o jardim de sua mãe, já estaria
totalmente crescido. Perséfone nutria uma esperança secreta de
que, por meio desse processo, ela descobriria algum poder
adormecido que não envolvia roubar vida, mas ficar diante desse
pedaço de terra estéril a fez perceber o quão ridícula era essa
esperança.
Ela não podia simplesmente esperar que o poder se
manifestasse ou que as sementes mortais brotassem no solo
impossível do Submundo. Ela tinha que fazer algo mais.
Ela se endireitou e foi a procura de Hécate.
Perséfone encontrou a Deusa em um pomar perto da sua casa.
Hécate usava vestes roxas hoje, e seu cabelo comprido estava
trançado e enrolado sobre o ombro. Ela se sentou de pernas
cruzadas na grama macia, acariciando uma doninha peluda.
Perséfone deu um gritinho quando a viu.
— O que é isso? — ela inquiriu.
Hécate sorriu suavemente e coçou a criatura atrás de sua
pequena orelha.
— Está é Gale. Ela é uma doninha.
— Aquilo não é um gato.
— Doninha. — Hécate riu silenciosamente. — Ela já foi uma
bruxa humana, mas ela era uma idiota, então eu a transformei em
uma doninha.
Perséfone olhou para a deusa, mas Hécate não pareceu notar
seu silêncio atordoado.
— Eu gosto mais dela assim. — Hécate acrescentou, então olhou
para Perséfone. — Mas chega de Gale. Em que posso te ajudar
minha querida?
Essa pergunta foi tudo o que precisou — Perséfone explodiu,
entrando em uma tangente fervilhante sobre Hades, o contrato e
sua aposta impossível, evitando detalhes sobre o desastre desta
manhã. Ela até admitiu seu maior segredo — que ela não podia
cultivar uma única coisa. Quando ela terminou, Hécate franziu os
lábios, parecendo pensativa, mas não surpresa.
— Se você não pode dar vida, o que você pode fazer? — ela
perguntou.
— Destruí-la.
— Você nunca cultivou nada? — As lindas sobrancelhas de
Hécate franziram sobre seus olhos escuros.
Perséfone abanou a cabeça.
— Me mostre.
— Hécate... Eu não acho que é...
— Eu gostaria de ver.
Perséfone suspirou e virou as mãos. Ela olhou para as palmas
das mãos por um longo momento antes de se curvar e pressioná-las
contra a grama. Onde antes era verde, amarelava e murchava sob
seu toque. Quando ela olhou para Hécate, a deusa estava olhando
para suas mãos.
— Acho que foi por isso que Hades me desafiou a criar vida —
porque ele sabia que era impossível.
— Hades não desafia as pessoas com o impossível. Ele as
desafia para abraçarem seu potencial. — Hécate não parecia tão
certa.
— E qual é o meu potencial?
— Ser a Deusa da Primavera.
A doninha pulou do colo de Hécate quando ela se levantou,
tirando a sua saia. Perséfone esperava que a deusa continuasse
fazendo perguntas sobre sua magia, mas em vez disso ela disse:
— Jardinagem não é a única maneira de criar vida.
— De que outra forma devo criar vida? — Perséfone a encarou.
Ela poderia dizer pelo olhar divertido em seu rosto que ela não
iria gostar do que Hécate tinha a dizer.
— Você poderia ter um bebê.
— O quê?
— Claro, para cumprir o contrato, Hades teria que ser o pai. —
ela continuou como se não tivesse ouvido Perséfone. — Ele ficaria
furioso se fosse outra pessoa.
Ela decidiu que iria ignorar esse comentário.
— Não vou ter um filho do Hades, Hécate.
— Você pediu sugestões. Estava apenas tentando ser uma boa
amiga.
— E você é, mas eu não estou pronta para filhos e Hades não é
um deus que eu gostaria como pai para eles de qualquer maneira.
— Embora ela se sentisse um pouco culpada por dizer essa última
parte em voz alta. — O que vou fazer? Isto é impossível!
— Não é tão impossível quanto parece, minha querida. Afinal
você está no Submundo.
— Você percebe que o submundo é o reino dos mortos, não é,
Hécate?
— É também um lugar para novos começos. — ela disse. — Às
vezes, a existência que uma alma leva aqui é a melhor vida que já
tiveram. Tenho certeza que você, de todos os deuses, entende isso
melhor.
A percepção caiu pesadamente nos ombros de Perséfone. Ela
entendia isso.
— Viver aqui não é diferente de viver lá em cima. — Hécate
acrescentou. — Você desafiou Hades a ajudar os mortais a ter uma
existência melhor. Ele simplesmente encarregou você do mesmo
aqui no Submundo.
15
OFERTA

OUTRA SEMANA AGITADA SE PASSOU, cheia de leituras de


artigos, trabalhos e testes. Perséfone tinha pensado que agora, o
hype sobre seu artigo diminuiria, mas não diminuiu. Ela ainda foi
parada em seu caminho para a Acrópole e a universidade,
estranhos perguntaram a ela quando o próximo artigo sobre Hades
sairia e sobre o que ela planejava escrever.
Ela estava um pouco cansada das perguntas, e ainda mais
cansada de se repetir, o artigo sai daqui a umas semanas, e terá
que comprar o jornal.. Ela começou a colocar seus fones de ouvido
em suas caminhadas apenas para poder alegar que não conseguia
ouvir as pessoas quando chamavam seu nome.
— Perséfone?
Pena que ela não podia fazer isso no trabalho agora.
Demetri colocou a cabeça para fora de seu escritório. De alguma
forma, ele parecia mais jovem e mais velho ao mesmo tempo em
sua camisa jeans e gravata borboleta de bolinhas, talvez porque o
azul realcasse o grisalho em seu cabelo, e a gravata borboleta era
divertida.
— Sim? — ela perguntou.
— Tem um minuto?
— Claro. — Ela salvou o que estava fazendo e fechou seu laptop,
seguindo Demetri até seu escritório, onde ela se sentou.
— Como está indo este artigo? — Seu chefe se encostou na
mesa.
— Bem. Está... bem. — Se ele estava buscando um resumo do
que ela planejava escrever, ela não tinha. Havia pensado em
escrever sobre a mãe que veio ao Hades para pedir pela vida de
sua filha e, embora ela não entendesse por que Hades desejava
manter isso em segredo, ela queria honrar o pedido que ele fez à
mulher.
Desde a manhã depois de La Rose, quando Hades a confundiu
com sua paixão e raiva, ela apenas se concentrou em evitá-lo. Ela
sabia que não era o melhor, especialmente se ela fosse enviar este
artigo em algumas semanas, mas ela ainda tinha o fim de semana,
e com o histórico dela e de Hades, ele faria algo para irritá-la, o que
significava material de escrita ideal.
— O Deus do Jogo foi nossa história mais popular até hoje.
Milhões de visualizações, milhares de comentários e jornais
vendidos.
— Você estava certo. — ela disse. — As pessoas estão curiosas
sobre Hades.
— É por isso que a chamei. — ele disse.
Perséfone se endireitou, seus pensamentos disparando em todas
as direções. Ela estava esperando que Demetri pedisse mais dela.
Até agora, ele havia permitido que ela tivesse controle criativo sobre
como cobriria Hades, e ela não queria perder isso.
— Eu tenho uma tarefa para você.
— Uma tarefa? — ela repetiu.
— Eu tenho guardado isso. — Ele pegou um envelope em sua
mesa e entregou a ela. — Eu não tinha decidido para quem mandar,
mas não tive dúvidas após o sucesso de seu artigo.
— O que é? — Ela estava nervosa demais para abrir o envelope,
mas seu chefe apenas sorriu.
— Por que você não abre?
Perséfone o fez e encontrou dois ingressos para a Gala Olímpica
de sábado no Museu de Artes da Antiguidade. Eram convites lindos
— pretos com letras douradas — e pareciam tão caros quanto o
próprio baile de gala.
Os olhos de Perséfone e arregalaram. A Gala Olímpica era o
maior evento do ano. Era um grande desfile de moda, festa e evento
de caridade. Todo ano, um tema era escolhido, inspirado por um
deus ou deusa, e esse deus ou deusa tinha que escolher qual
projeto de caridade seria financiado com o dinheiro arrecadado na
gala. Os ingressos eram cobiçados e custavam centenas de
dólares.
— Mas... por que eu? — ela questionou. — Você deveria ir. Você
é a editora-chefe.
— Eu tenho outro compromisso essa noite.
— Maior do que a Gala Olímpica?
— Eu fui muitas vezes Perséfone. — Demetri sorriu.
— Eu não entendo. Hades nem sequer vai ao baile. — Ela
assistiu à cobertura ao vivo do evento com Lexa e nunca o viu entrar
com os outros deuses, e ninguém jamais tirou uma foto dele.
— O Senhor Hades não permite ser fotografado, mas sempre
comparece.
— Eu não posso ir — ela disse após um longo silêncio.
— Perséfone, do que você tem tanto medo? — Seu chefe nivelou
seu o olhar com o dela.
— Eu não tenho... medo. — Embora meio que fosse isso. A
última vez que ela viu sua mãe, ela ameaçou mandá-la de volta para
a estufa se ela fosse ao Nevernight ou visse Hades novamente. Não
importava onde. Além disso, ela nem deveria estar perto dos
deuses, e não era como se ela pudesse esconder o fato de que ela
estava por causa da sua mãe — Deméter estaria lá também.
Mas isso era muito complicado para dizer a Demetri.
— Considere isso uma oportunidade para pesquisa e
observação. — disse ele. — Nós sempre escrevemos sobre a Gala
Olímpica, você só colocará os holofotes em Hades.
— Você não entende ... — ela começou.
— Pegue os ingressos, Perséfone. Pense bem, mas não demore
muito. Você não tem muito tempo para decidir.
Ela não se sentiu confortável em aceitar os ingressos porque
tinha certeza de que não iria ao baile. Ainda assim, Demetri a
mandou de volta para sua mesa com eles, e ela se sentou
atordoada, olhando para o envelope. Depois de um momento, ela
puxou os ingressos para lê-los:
Junte-se à nós para uma noite no Submundo.
Ela não tinha ideia que o tema deste ano era o submundo. Sua
curiosidade aumentou, como os organizadores deste evento
interpretariam o reino de Hades? Ela apostava que eles nunca
imaginariam que havia tanta vida lá embaixo. Ela também se
perguntou que instituição de caridade Hades escolheria doar.
Deuses, ela realmente queria ir.
Mas haviam tantos contras, sua mãe, para começar. Também
faltavam alguns dias e ela não tinha um vestido de gala.
Seu olhar caiu para os ingressos novamente, onde o código de
vestimenta estava impresso mais abaixo na página e indicava que o
baile era um baile de máscaras.
Não era provável que ela pudesse se esconder de sua mãe em
uma máscara, mas agora ela se perguntava se Hécate tinha algum
feitiço na manga que pudesse ajudar. Ela fez uma nota mental para
perguntar quando ela fosse visitar o Submundo esta noite.
— Perséfone falando. — Seu telefone da mesa tocou e ela pegou
para atender.
— A assistente do... Hades está aqui para ver você? — Valerie
comunicou.
— Minthe? — Perséfone levou um minuto para responder. O que
Minthe poderia ter para dizer a ela?
— Adonis a está levando. — Valerie acrescentou.
Perséfone olhou para cima para ver a ninfa se dirigindo para ela
do outro lado da sala. Ela estava vestida de preto e seu cabelo e os
olhos verdes brilhavam como fogo. Adonis caminhou ao lado dela
como uma escolta, a expressão totalmente ferida e, de repente, a
aversão de Perséfone por ele se aprofundou.
— Ei, Perséfone. — Adonis disse, alheio a sua frustração. —
Você se lembra de Minthe?
— Como eu poderia esquecer? — Perséfone respondeu com
naturalidade.
— Vim falar com você sobre o artigo que publicou sobre meu
empregador. — A ninfa sorriu.
— Receio não ter tempo de atender você hoje. Talvez em uma
outra hora.
— Receio que eu tenha que exigir uma audiência.
— Se você tiver reclamações sobre o artigo, deve falar com meu
supervisor.
— Eu prefiro expressar minhas preocupações com você. — Os
olhos de Minthe brilharam, e Perséfone sabia que seria necessária
uma força da natureza — provavelmente Hades — para remover
esta senhora do edifício.
Elas se encararam por um longo momento e Adonis pigarreou:
— Bem, eu vou deixar vocês duas resolverem isso.
Nenhuma das mulheres cumprimentou Adonis enquanto ele se
afastava, deixando-as sozinhas. Depois de um momento, Perséfone
perguntou :
— Hades sabe que você está aqui?
— É meu trabalho aconselhar Hades sobre questões que possam
prejudicar sua reputação e, quando ele não der ouvidos à razão,
agir.
— Hades não se importa com a reputação dele.
— Mas eu me importo. E você a está ameaçando.
— Por causa do meu artigo?
— Porque você existe. — ela disse.
— A reputação de Hades precedeu o conhecimento dele da
minha existência. Não acha um pouco absurdo me culpar? —
Perséfone elevou o olhar.
— Eu não estou falando das barganhas dele com mortais. Eu
estou falando da barganha dele com você. — Minthe falou mais alto
e, embora Perséfone soubesse o que estava fazendo, a tática
funcionou, ela queria calá-la. — Agora, se você tão gentilmente me
der o tempo que eu solicitei.
— Por aqui. — Perséfone disse com os dentes cerrados.
Ela conduziu a ninfa para sua sala de entrevistas, fechando a
porta mais alto que o necessário. Ela se virou para Minthe e
esperou, cruzando os braços sobre o peito. Nenhuma das duas
sentou, uma indicação de não duraria muito.
— Você parece pensar que tem compreendido Hades de todo. —
Minthe disse, seus olhos estreitos.
— E você discorda? — Perséfone enrijeceu.
— Bem, eu o conheço há séculos. — Ela sorriu.
— Não acho que preciso conhecê-lo há séculos para entender
que ele não tem noção da condição humana. Ele também não sabe
como ajudar o mundo. Embora o que ele tenha feito por aquela
mulher não fosse mais do que generoso. Ela estava começando a
entender que havia regras em ação que impediam até mesmo
Hades, um deus poderoso e de longa existência, de fazer o que
quisesse.
— Hades não se ajoelhará diante de todos os seus caprichos. —
Minthe disse.
— Eu não espero que ele o faça. — Perséfone respondeu. —
Embora fosse um jeito agradável.
Minthe deu um passo à frente e cuspiu:
— Garota arrogante!
— Eu não sou uma garota. — Perséfone enrijeceu os braços.
— Sabe o que mais? Eu não sei o que um deus tão poderoso vê
em você. Você é mimada e não tem magia, mas ele continua a
deixando entrar em nosso reino ...
— Acredite em mim ninfa. Não é uma escolha.
— Não é? Não é uma escolha cada vez que o deixa pôr as mãos
em você? Toda vez que ele te beija? Eu conheço o Senhor Hades e
se você pedir a ele para parar, ele pararia, mas você não o faz. Você
nunca faz.
O rubor de Perséfone foi forte, mas ela conseguiu dizer:
— Não quero discutir isso com você.
— Não? Então eu vou direto ao ponto. Você está cometendo um
erro. Hades não está interessado no amor, nem foi feito para isso.
Continue por esse caminho e se machucará.
— Você está me ameaçando?
— Não, é a promessa de se apaixonar por um deus.
— Eu não estou apaixonada por Hades. — Perséfone
argumentou.
A ninfa deu um sorriso cruel.
— Negação. — ela disse. — É a primeira fase do amor relutante.
Não cometa este erro, Perséfone.
Ela odiava seu nome na língua da ninfa e não conseguiu reprimir
um arrepio. Engolindo em seco Perséfone sentiu seu glamour
oscilar.
— Foi por isso que veio ao meu trabalho? Para me alertar contra
Hades?
— Sim. — confessou. — E agora eu tenho uma ofertar para
estender.
— Eu não quero nada de você. — A voz de Perséfone tremeu.
— Se você realmente deseja se livrar de seu acordo, aceitará
minha oferta.
Perséfone olhou furiosamente, ainda desconfiando, mas ela não
podia negar que queria ouvir o que a ninfa tinha a dizer.
— Hades te pediu para criar vida no Submundo. Há uma
nascente nas montanhas onde você encontrará o Poço da
Reencarnação. Isso dará vida a qualquer coisa — até mesmo seu
jardim desolado. — Minthe riu.
Perséfone nunca tinha ouvido falar de tal lugar em nenhuma de
suas leituras do Submundo, embora isso não dissesse muito. Esses
livros também descrevem o Submundo como morto e desolado.
— E por que eu deveria confiar em você?
— Não tem nada a ver com confiança. Você quer se livrar de seu
contrato com Hades, e eu quero que Hades esteja livre de você.
Ela encarou Minthe por um momento. Ela não tinha certeza do
que a compeliu a fazer a pergunta, mas ela encontrou as palavras
saindo de sua língua.
— Você o ama?
— Você acha que isso tem a ver com amor? — Minthe retorquiu
— Que fofo. Estou protegendo ele. Hades adora apenas uma boa
barganha, e você, minha jovem deusa, é a pior aposta que ele já
fez.
Então Minthe se foi.
16
UM TOQUE DE ESCURIDÃO

É A PIOR APOSTA QUE ELE JÁ FEZ.


As palavras de Minthe rolaram na cabeça de Perséfone. De vez
em quando, eles atingiam um acorde tão fresco que ela sentia uma
nova onda de raiva enquanto fazia seu caminho para o Nevernight.
Apesar de perceber que seu jardim poderia não conseguir
cumprir o acordo entre ela e Hades, ela sentiu que seria desistiria
de ignorá-lo completamente, então ela voltou, regou seu jardim e
então procurou seus novos amigos em Asfódelo.
Perséfone fazia questão de parar em Asfódelo toda vez que ela
visitava o Submundo agora. Lá, no vale verde, ela encontrava os
mortos vivos — eles plantavam jardins e colhiam frutas. Eles faziam
geleias, manteiga e pão. Eles costuravam, tricotavam e teciam,
fazendo roupas, cachecóis e tapetes. Era a razão pela qual tinham
um mercado extenso que serpenteava pelos becos entre as
estranhas casas de vidro vulcânico.
Mais do que o normal, os mortos estavam em massa e o
mercado fervilhava com uma energia que ela ainda não
experimentara no Mundo Inferior: empolgação. Algumas das almas
penduraram lanternas entre suas casas, decorando o beco que
compartilhavam. Perséfone os observou por vários momentos até
que ouviu uma voz familiar.
— Boa noite, minha senhora! — Perséfone se virou para
encontrar Yuri, uma jovem bonita com cachos grossos, se
aproximando dela na estrada. Ela vestia uma túnica rosa e
carregava uma grande cesta de romãs.
— Yuri. — Perséfone sorriu e abraçou a garota. As duas se
conheceram um dia, quando Yuri ofereceu a ela um de seus chás
típicos. Perséfone gostou tanto que tentou comprar uma lata, mas
Yuri recusou o dinheiro e ofereceu de graça.
— O que eu faria com dinheiro no Submundo? — ela perguntou.
Na próxima vez que Perséfone a visitou, ela trouxe um clipe com
joias para Yuri para que ela pudesse prender o cabelo grosso para
trás. A menina ficou tão grata que jogou os braços em volta de
Perséfone e depois recuou rapidamente, se desculpando por ter
sido tão ousada. Perséfone apenas riu e disse:
— Eu gosto de abraços.
As duas se tornaram amigas desde então.
— Está... acontecendo alguma coisa hoje? — Perséfone
perguntou.
— Nós estamos celebrando Lorde Hades. — Yuri sorriu.
— Por quê? — Ela não queria parecer tão surpresa, mas não
estava se sentindo generosa com o Deus dos Mortos atualmente. —
É aniversário dele?
Yuri riu dessa pergunta, e Perséfone percebeu o quão estúpido
era perguntar — Hades provavelmente não comemorava um
aniversário ou mesmo se lembrava de quando nasceu.
— Porque ele é o nosso rei e queremos honrá-lo. — Havia vários
festivais celebrando deuses acima do solo, mas nenhum deles
celebrava o Deus do Submundo. — Temos esperança de que em
breve ele terá uma rainha.
Perséfone empalideceu. O primeiro pensamento dela foi, quem?
E então, por quê? O que lhes deu a impressão de que poderiam ter
uma rainha?
— Uma... o quê?
— Venha agora, Perséfone. Você não é tão cega assim. — Yuri
sorriu.
— Acho que sou.
— O Senhor Hades nunca deu a um deus tanta liberdade sobre
seu reino.
Oh, Yuri estava se referindo a ela.
— E quanto a Hécate? Hermes? — ela rebateu. Cada um deles
tinha acesso ao Submundo e iam e vinham quando bem entendiam.
— Hécate é uma criatura deste mundo e Hermes é apenas um
mensageiro. Você... você é algo mais.
. — Não sou mais do que um jogo, Yuri. — Perséfone abanou a
cabeça.
Ela poderia dizer pela inclinação de sua cabeça que a alma
estava confusa com sua declaração, mas Perséfone não iria discutir.
As almas do Submundo podem ver o tratamento de Hades como
especial, mas ela sabia o que era.
Yuri alcançou a sua cesta e ofereceu uma romã à Perséfone.
— Mesmo assim, você não vai ficar? Esta celebracão é tanto
para você quanto para Hades.
O choque das palavras de Yuri foi profundo.
— Mas eu não... vocês não podem me venerar.
— Por que não? Você é uma deusa, se preocupa conosco e você
se preocupa com nosso Rei.
— Eu... — ela queria argumentar que não se importava com o
Senhor Hades, mas as palavras não saíram.
Antes que ela pudesse pensar em uma boa resposta, sua
atenção foi atraída para um coro de vozes.
— Senhora Perséfone! Senhora Perséfone!
Algo pequeno, mas poderoso, bateu em suas pernas e ela quase
caiu sobre Yuri e sua cesta.
— Isaac! Peça desculpas a sua ... — Yuri fez uma pausa, e ela
teve a sensação de que as almas em Asfódelo já haviam começado
a chamá-la por um título que ela não possuía. — Peça desculpas à
Senhora Perséfone.
A criança em questão desfez seu abraço das pernas de
Perséfone. Ele foi seguido por um exército de crianças de várias
idades, todas as quais Perséfone havia conhecido antes e com
quem brincava. Juntando-se a eles estavam os cães de Hades,
Cérberus, Typhon e Orthrus. Cérbero agarrou sua grande bola
vermelha em sua papada.
— Desculpe, Senhora Perséfone. Vai brincar com a gente? —
Isaac implorou.
— A Senhora Perséfone não está vestida para brincar, Isaac. —
Yuri disse, e o menino franziu a testa. Era verdade que Perséfone
não estava preparado para brincar no prado. Ela ainda usava seu
traje de trabalho — um vestido branco e justo.
— Está tudo perfeitamente bem, Yuri. — disse ela, e estendeu a
mão para levantar Isaac em seus braços. Ele era o mais novo do
grupo, ela supõs que ele tivesse apenas quatro anos. Doía-lhe
pensar por que essa criança estava aqui em Asfódelo. O que havia
acontecido com ele no Mundo Superior? Há quanto tempo ele
estava ali? Eram todas essa almas sua família?
Ela calou esses pensamentos tão depressa quanto eles vieram.
Ela poderia passar horas pensando sobre todas as razões pelas
quais qualquer uma dessas pessoas estava aqui, e isso não
adiantou. Os mortos estavam mortos e ela estava aprendendo que a
existência deles ali não era tão ruim.
— É claro que eu vou brincar. — ela disse.
Um coro de gritos irrompeu enquanto ela caminhava com as
crianças para uma parte limpa do prado, fora do caminho das almas
que se preparavam para a celebração de Hades.
Perséfone brincava de pegar bola com os cachorros, junto com
pique-pega e um milhão de outros jogos que as crianças
inventavam. Perséfone passou mais tempo deslizando na grama
molhada para evitar ser pega do que e pé. No momento em que ela
saiu do prado, ela estava coberta de lama, mas alegremente
exausta.
Já havia escurecido no Submundo e os músicos entraram na via
pública, tocando notas agradáveis. As almas enchiam as ruas para
conversar e rir, e o cheiro de carne cozinhando e doces assando
engrossava o ar. Não demorou muito para que Perséfone
encontrasse Hécate no meio da multidão, e a deusa sorriu com sua
aparência.
— Minha querida, você está bagunçada.
— Eu estava em um intenso jogo de pique-pega. — A Deusa da
Primavera sorriu.
— Espero que tenha ganhado.
— Fui um completo fracasso. — ela disse. — As crianças são
muito mais hábeis.
As duas riram, e outra alma se aproximou delas — Ian, um
ferreiro que sempre mantinha sua forja quente, transformando o
metal em belas lâminas e escudos. Ela perguntou a ele uma vez por
que ele parecia estar se preparando para a batalha, e o homem
respondeu:
— Hábito.
Perséfone não pensou muito nisso, assim como tentou não
pensar muito em Isaac.
— Minha senhora. — Ian disse. — Asfódelo tem um presente
para você.
Perséfone esperou, curiosa, enquanto a alma se ajoelhava e
desenhava uma bela coroa de ouro atrás de suas costas. Esta não
era apenas uma coroa qualquer; era uma série de flores
cuidadosamente elaboradas em forma de diadema. Entre o buquê,
ela espiou rosas, lilases e narcisos. Minúsculas joias de várias cores
cintilavam no centro de cada flor.
— Você usará nossa coroa, Senhora Perséfone?
A alma não estava olhando para ela, e ela se perguntou se ele
temia sua rejeição. Ela olhou para cima, os olhos se arregalando
quando percebeu que todo o lugar tinha ficado quieto. As almas
esperavam em expectativa.
Ela lembrou dos comentários de Yuri mais cedo. Essas pessoas
passaram a considerá-la uma rainha e aceitar essa coroa apenas
encorajaria isso; mas não aceitar iria prejudicá-los.
Contra seu melhor julgamento, ela colocou a mão no ombro de
Ian e se ajoelhou diante dele. Ela olhou em seus olhos e respondeu:
— Terei prazer em usar sua coroa, Ian.
Ela permitiu que a alma colocasse a coroa em sua cabeça, e
todos começaram a gritar. Sorrindo, Ian ofereceu sua mão, levando-
a a uma dança no centro da passagem de terra, sob as luzes
penduradas no alto. Perséfone se sentiu ridícula em seu vestido
manchado e coroa de ouro, mas os mortos não pareciam notar ou
se importar. Ela dançou até que mal conseguia respirar e seus pés
doíam. Quando ela se deslocou em direção a Hécate para
descansar, a Deusa da Bruxaria disse:
— Acho que você precisa descansar um pouco. E de um banho.
— Acho que você tem razão. – Perséfone riu.
— Eles celebrarão a noite toda. — ela acrescentou. — Mas você
fez a noite deles. Hades nunca passou para celebrar com eles.
— Por que não? — O coração de Perséfone sucumbiu.
— Não posso falar por ele, mas é uma pergunta que você pode
fazer. — Hécate encolheu os ombros.
As duas retornaram ao palácio. No caminho para os banhos,
Perséfone explicou que havia recebido dois ingressos para a Gala
Olímpica e perguntou se Hécate tinha algum feitiço que pudesse
ajudá-la a passar despercebida por sua mãe. A deusa considerou a
pergunta, depois questionou:
— Você tem uma máscara?
— Planejo arrumar uma amanhã. — Perséfone franziu a testa.
— Deixa comigo.
Os banhos ficavam na parte de trás da fortaleza e eram
acessados por meio de um arco. Quando Perséfone entrou, ela foi
saudada pelo cheiro de roupa de cama fresca e lavanda, e uma
névoa quente cobriu sua pele e afundou em seus ossos. Ela corou
com o calor do ar, e isso foi bem-vindo depois de sua noite no prado
lamacento.
Hécate a conduziu por uma rede de degraus, passando por
várias piscinas menores e chuveiros.
— Isso é um banho público? — ela perguntou.
Na antiguidade, casas de banho públicas eram muito comuns,
mas perderam a popularidade nos tempos modernos. Ela se
perguntou quantos no palácio usavam esta casa — entre eles,
Minthe e Hades.
— Sim, embora o Senhor Hades tenha sua própria piscina
privada. É onde você vai se banhar. — Hécate riu.
Ela não protestou. Ela não era chegada em tomar banho em
público. Hécate fez uma pausa para reunir suprimentos para
Perséfone, sabonete, toalhas e um manto lavanda. Perséfone não
usava a roupa antiga há quase quatro anos, desde que ela deixou
Olympia e a estufa para Nova Atenas. Usar um agora parecia
estranho depois de quatro anos em roupas mortais.
Eles desceram um conjunto final de degraus e chegaram à
piscina de Hades. Era grande e oval cercada por colunas. Acima, o
teto estava exposto ao céu.
— Chame por mim se precisar de alguma coisa. — Hécate disse
e deixou Perséfone para se despir em privado. — Quando você
terminar, junte-se a nós na sala de jantar.
Nua, Perséfone deu um passo hesitante em direção à água,
mergulhando o pé para testar a temperatura, estava quente, mas
não escaldante. Ela entrou na piscina e gemeu de prazer. O vapor
subiu ao redor dela e puxou o suor de sua pele, a água estava
limpando, e ela sentiu como se tivesse lavado o dia. Felizmente, a
celebração em Asfódelo aliviou muito o estresse da visita anterior de
Minthe e agora que ela estava de volta ao reino dele, e pensando
em onde ele e Minthe poderiam se banhar, todos esses
pensamentos voltaram à superfície.
Como ela estava ameaçando a reputação de Hades? O Deus dos
Mortos causou estragos suficientes por conta própria. Apesar do
fato de que Perséfone queria uma saída de seu acordo, ela não
tinha certeza se confiava em Minthe o suficiente para ouvir.
Perséfone esfregou a pele e o couro cabeludo até ficar em carne
viva e rosa. Ela não tinha certeza de quanto tempo ficou de molho
na água depois disso porque se perdeu nos detalhes do banho,
percebendo uma linha de ladrilhos brancos com narcisos vermelhos
em pares por cima da água ao redor da piscina. As colunas que ela
pensava serem brancas eram na verdade escovadas com ouro. O
céu ficou mais profundo e pequenas estrelas brilharam.
Ela ficou maravilhada com a magia de Hades — como ele
misturava aromas e texturas. Ele era um mestre com seu pincel,
alisando e pontilhando, criando um reino que rivalizava com a
beleza dos destinos mais procurados no Mundo Superior.
Ela estava tão perdida em pensamentos que quase não ouviu o
som de botas pisando nos degraus da banheira até que Hades
apareceu na beira da piscina e seus olhos se encontraram. Ela
estava feliz que a água já havia corado sua pele e ele não podia ver
o quão quente ela havia ficado com a presença dele.
Ele não disse nada por um longo momento, apenas olhou para
ela no banho dele. Então seus olhos caíram para as roupas que ela
tirou aos pés dele. Entre elas, a coroa de ouro.
— Isso é lindo. — Hades se abaixou e a pegou.
Ela limpou a garganta.
— É. Ian fez para mim. Ela não se deu ao trabalho de perguntar
se ele conhecia Ian. Hades já tinha lhe dito que conhecia todas as
almas do Submundo.
— Ele é um artesão talentoso. Foi o que levou à morte.
— Como assim? — Perséfone franziu a testa.
— Ele foi favorecido por Artemis, e ela o abençoou com a
habilidade de criar armas que garantiam que seu portador não
pudesse ser derrotado em batalha. Ele foi morto por isso.
Perséfone engoliu em seco — era apenas outra maneira que o
Favor de um deus poderia resultar em dor e sofrimento.
Hades passou mais um momento inspecionando a coroa antes
de baixá-la novamente. Quando ele se levantou, Perséfone ainda
estava olhando para ele e não tinha se movido um centímetro.
— Por que você não foi? À celebração em Asfódelo. Era para
você.
— E você. — ele disse.
Demorou um pouco para ela perceber o que ele queria dizer.
— Eles celebraram você. — ele disse. — Como deveriam.
— Eu não sou a rainha deles.
— Eu não sou digno da celebração deles.
Ela o encarou. Como esse deus confiante e poderoso poderia se
sentir indigno da celebração de seu povo?
— Se eles acham que você é digno de comemoração, você não
acha que é o suficiente?
Ele não respondeu. Em vez disso, seus olhos ficaram mais
escuros e uma sensação estranha permeou o ar — pesado, quente
e codimentado. Isso fez seu peito se apertar, restringindo sua
respiração.
— Posso me juntar a você? — Sua voz era profunda e abafada.
O cérebro de Perséfone entrou em curto-circuito.
Ele quis dizer na piscina. Nu. Onde apenas a água forneceria
cobertura.
Ela se pegou balançando a cabeça e se perguntou brevemente
se ela tinha enlouquecido por ter ficado na água por muito tempo,
mas havia uma parte dela que queimava tanto por este deus que ela
faria qualquer coisa para saciar a chama, mesmo que isso
significasse testar isto.
Ele não sorriu e não tirou os olhos dela enquanto tirava as
roupas. Seus olhos desceram lentamente de seu rosto para seus
braços e tórax, seu torso, e se detiveram em sua excitação. Ela não
foi a única que sentiu essa atração elétrica e temeu que, quando
entrassem na água juntos, eles pudessem se incinerar.
Ele entrou na piscina, sem dizer nada. Ele parou a alguns
centímetros dela.
— Acho que te devo um pedido de desculpas.
— Pelo que especificamente? — ela perguntou. Havia várias
coisas pelas quais ele poderia estar se desculpando em sua mente
— a visita não anunciada de Minthe (se ele soubesse), a maneira
como ele a tratou na manhã seguinte a La Rose, o acordo.
Hades sorriu, mas o humor não tocou seu olhar, não, seu olhar
queimava.
O Rei do Submundo estendeu a mão e tocou seu rosto,
passando um dedo em sua bochecha.
— A última vez em que nos vimos, fui injusto contigo.
Ele a havia despido e a provocado da maneira mais cruel, e
quando ele a deixou, ela se sentiu envergonhada, zangada e
abandonada. Ela não queria que ele visse nada disso em seus
olhos, então ela desviou o olhar.
— Nós fomos injustos um com o outro.
Quando ela conseguiu olhar para ele outra vez, ele estava
estudando-a.
— Você gosta da sua vida no reino mortal?
— Sim. — À sua pergunta, ela colocou distância entre eles,
nadando para trás, mas Hades a seguiu, lento e calculado. — Gosto
da minha vida. Tenho um apartamento, amigos e um estágio. Vou
me formar na Universidade em breve. E ela poderia ficar se
mantivesse Hades e o contrato em segredo.
— Mas você é Divina.
— Nunca vivi assim e você sabe disso.
Mais uma vez, ele estudou-a, quieto por um momento. Então:
— Você não tem nenhum desejo de entender o que é ser uma
deusa?
— Não. — ela mentiu.
As garras daquele sonho antigo ainda a dominavam, e quanto
mais ela visitava o Submundo, mais seu coração doía por isso. Ela
passou a infância se sentindo inadequada, cercada pela magia de
sua mãe. Quando veio para Nova Atenas, ela finalmente encontrou
algo em que era boa — escola, redação e pesquisa — mas mais
uma vez ela se viu na mesma situação de antes; deus diferente,
reino diferente.
— Eu acho que você está mentindo. — ele disse.
— Você não me conhece. — Ela parou de se mexer e olhou para
ele, com raiva por ele ter visto através dela.
— Eu conheço você. — Hades estava agora cara a cara com ela,
olhando para baixo, os olhos como carvão. Ele arrastou os dedos
sobre sua clavícula e se moveu para ficar atrás dela. — Eu sei como
sua respiração prende quando eu toco em você. Sei como a tua
pele fica corada quando está pensando em mim. Eu sei que há algo
por trás desta bela fachada.
Os dedos de Hades continuaram sua carícia leve como uma pena
sobre a pele de Perséfone. Suas palavras não ficaram para atrás,
sussurrando ao longo do caminho de calor que ele deixou. Ele
beijou seu ombro.
— Há raiva. Há paixão. Há escuridão.
Ele parou por um momento e deixou sua língua espiralar contra o
pescoço dela. Sua respiração ficou presa na garganta com tanta
força que ela pensou que poderia engasgar.
— E eu quero provar isso.
Seu braço rodeou sua cintura e suas costas encontraram seu
peito. O arco de seu corpo se encaixou perfeitamente contra ele. A
ereção dele a pressionou, e ela se perguntou como seria ter aquela
carne dentro dela.
— Hades. — ela sussurrou.
— Deixe-me mostrar o que é ter o poder em suas mãos. — disse
ele. — Deixe-me seduzir a escuridão em você, vou ajudá-la a
moldá-la.
Sim, ela pensou. Sim.
A cabeça de Hades descansou na curva de seu pescoço
enquanto sua mão roçava seu estômago e para baixo. Quando ele
segurou seu sexo, ela engasgou, arqueando-se contra ele.
— Hades, eu nunca...
— Deixe-me ser o seu primeiro. — ele implorou, e sua voz
retumbou em seu peito.
Ela não conseguia falar, mas respirou fundo algumas vezes e
acenou com a cabeça.
Ele respondeu passando os dedos por seus cachos, então
roçando o polegar contra aquele botão sensível no ápice de seu
centro. Ela inalou profundamente e então prendeu a respiração
enquanto ele brincava com ela ali, acariciando e circulando.
— Respire. — ele disse.
E ela fez — tanto quanto ela podia, de qualquer maneira, até que
os dedos dele afundaram em sua carne. Perséfone jogou a cabeça
para trás, gritando enquanto Hades gemia, seus dentes roçando seu
ombro.
— Você está tão molhada. — Sua boca estava quente contra pele
dela.
Ele se moveu lentamente para dentro e para fora, e Perséfone
segurou seu braço, as unhas cravando em sua pele. Então ela
sentiu a outra mão de Hades guiando a dela para baixo.
— Toque-se. Aqui. — ele disse.
Ele a ajudou a circular a carne sensível com a qual ele brincou
por tanto tempo antes de entrar nela. O prazer atravessou-lhe o
estômago. Ela se balançou contra ele, arqueando as costas. Hades
beijou sua pele impiedosamente e segurou seu seio, massageando
seus mamilos até que estivessem duros e tensos. Ela achou que iria
explodir.
Hades se moveu mais rápido e Perséfone esfregou com mais
força e, de repente, ele se retirou. A ausência dele era tão chocante
que ela gritou.
Ela se virou em direção a ele com raiva, e ele agarrou seus
pulnhos, puxando-a em sua direção, sua boca descendo sobre a
dela. Seu beijo era intenso. Suas línguas colidiram, desesperadas e
procurando. Ela pensou que ele poderia estar tentando provar sua
alma.
— Você confia em mim? — Ele se afastou descansando sua testa
contra a dela.
— Sim. — Ela respirou — e ela sentiu a verdade de suas
palavras no fundo de sua alma. Era um reconhecimento tão primitivo
e puro que ela pensou que fosse chorar. Nisso, ela confiava nele —
nisso ela sempre confiaria nele.
Ele a beijou novamente e a ergueu até a borda do banho.
— Me diga que você nunca esteve nua com outro homem — ele
disse. — Diga-me que sou o único.
Ela segurou seu rosto, procurando seus olhos, e respondeu:
— Você é.
Ele a beijou antes de mover os braços sob os joelhos dela,
mudando-a de posição para que ela apoiasse na beira da piscina.
Ela não conseguia respirar quando ele beijou a parte interna de sua
coxa, parando quando ele alcançou os hematomas em sua carne.
Ela não tinha notado eles, mas olhando para eles agora, ela sabia
exatamente de onde eles tinham vindo: a noite na limusine quando
Hades a agarrou com força. Era um sinal de sua necessidade e de
seu autocontrole.
Ele olhou para ela.
— Fui eu?
— Está tudo bem. — ela sussurrou, e passou os dedos pelos
cabelos dele.
Mas Hades franziu a testa e beijou cada hematoma. oito no total.
Perséfone contou.
Lentamente, ele se moveu de fora para dentro, mais perto de seu
centro. E então sua boca estava sobre ela e um grito escapou dela.
Ela se sentiu derretida onde ele a tocou, e isso se espalhou por todo
seu corpo. Sua língua circulou seu clitóris e separou sua carne
úmida, bebendo-a até que ela se desfez.
Ele se levantou e a beijou com força nos lábios. Ela se derreteu
nele, envolvendo as pernas em volta de sua cintura. Ela podia sentir
seu pênis pressionando em sua entrada e queria desesperadamente
senti-lo dentro dela. Saber o que era ser preenchida e completa.
Hades se afastou do beijo, pedindo permissão sem palavras, e
ela teria concedido se não tivesse ouvido uma voz suave e feminina
gritar:
— Senhor Hades?
Hades a virou de modo que a mulher que se aproximou pudesse
apenas ver suas costas. Eles estavam peito a peito, e as pernas de
Perséfone ainda estavam enroladas na cintura de Hades. Ela deixou
sua mão deslizar entre eles e envolveu seus dedos ao redor do seu
corpo firme. Os olhos de Hades cravaram nos dela quando ela o
tocou.
— Ha...
Perséfone reconheceu a voz, era Minthe. Ela não podia ver a
bela ninfa, mas sabia por sua voz que estava chocada ao encontrá-
los juntos. Ela provavelmente esperava que Perséfone acatasse seu
aviso anterior e ficasse longe.
— Sim, Minthe? — A voz de Hades estava tensa. Perséfone não
tinha certeza se era porque ele estava com raiva de ser interrompido
ou o fato de que ela tinha acabado cima a baixo. Ele era grosso,
duro e macio.
— Nós... sentimos sua falta no jantar. — Minthe disse. — Mas
vejo que você está ocupado.
Outra carícia.
— Muito. — ele grunhiu.
— Vou dizer ao cozinheiro que foste completamente saciado.
Outra.
— Bastante. — ele grunhiu.
O clique suave dos saltos de Minthe ecoou e desapareceu.
Quando ela estava fora do alcance da voz, Perséfone se afastou de
Hades.
Ela não conseguia acreditar que tinha deixado isso acontecer. Ela
estava louca, seduzida por palavras bonitas e um deus
incrivelmente atraente. Ela deveria ter ficado longe, não por causa
do aviso de Minthe, mas por causa da própria Minthe.
— Onde você vai? — ele questionou, a seguindo.
— Com que frequência Minthe vem ao seu banho? — ela
perguntou ao sair da piscina.
— Perséfone.
Ela não olhou para ele enquanto pegava uma toalha para se
cobrir. Ela alcançou o manto e a coroa que Ian tinha feito para ela.
— Olhe para mim Perséfone.
Ela olhou.
Ele ainda não tinha saído da piscina, mas estava nos degraus,
com os pés e panturrilhas submersos. Ele era grande — seu corpo e
sua ereção.
— Minthe é minha assistente.
— Então ela pode ajudá-lo com sua necessidade. — disse ela,
olhando diretamente para seu pênis. Ela começou a se afastar, mas
Hades estendeu a mão para ela e puxou-a para ele.
— Eu não quero Minthe. — rosnou.
— Eu não quero você.
Hades inclinou a cabeça para o lado e seus olhos brilharam.
— Você não... me quer?
— Não. — ela disse, mas era como se ela estivesse tentando se
convencer, especialmente porque os olhos de Hades caíram para
seus lábios.
— Você conhece todos os meus poderes, Perséfone? — ele
perguntou, finalmente nivelando seu olhar com o dela.
Era muito difícil pensar quando ele estava tão perto, e ela olhou
para ele com cautela, se perguntando o que ele queria dizer.
— Alguns deles.
— Me esclareça.
— Ilusão. — Ela se lembrou da passagem que leu sobre a magia
do Senhor dos Mortos.
— Sim. — Enquanto ela falava, ele se inclinou, beijando
levemente a base de seu pescoço.
— Invisibilidade?
Uma pressão de sua língua no vão de sua garganta.
— Muito valioso.
— Feitiço? — Ela respirou.
— Hmm. — O zumbido das suas palavras vibrava contra a sua
pele, mais baixo desta vez, mais perto do seu peito. — Mas não
funciona em você, não é?
— Não. — Ela engoliu em seco com força.
— Você parece não ter ouvido falar de um dos meus talentos
mais valiosos. — Ele puxou a toalha, expondo seus seios, e pegou
um mamilo apertando entre os dentes, chupando até que um som
gutural escapou de sua boca. Ele se afastou e nivelou seu olhar
com o dela.
— Eu posso sentir o gosto de mentiras, Perséfone. E as suas são
tão doces quanto a sua pele.
Ela o empurrou e ele deu um passo para trás.
— Isso foi um erro.
Nessa parte ela acreditava. Ela tinha vindo aqui para cumprir os
termos de seu contrato. Como ela foi parar nua em uma piscina com
o Deus dos Mortos? Perséfone pegou suas roupas do chão e subiu
os degraus.
— Você pode acreditar que isso foi um erro. — disse ele, e ela
fez uma pausa, mas não se virou para olhar para ele. — Mas você
me quer. Eu estava dentro de você. Eu provei você. Essa é uma
verdade da qual nunca escapará.
Ela tremeu e fugiu.
17
GALA OLÍMPICA

PERSÉFONE NÃO CONSEGUIA dormir.


A energia não gasta correu por suas veias, fazendo seu corpo se
sentir corado sob os cobertores. Ela empurrou-os, mas encontrou
pouco alívio. Sua fina camisola de algodão pesava sobre sua pele e,
quando ela se moveu, o tecido roçou seus seios sensíveis. Ela
fechou os dedos em punhos e apertou as coxas para parar a
pressão que crescia em seu centro.
E ela não conseguia pensar em ninguém além de Hades — a
pressão de seu corpo contra o dela, o calor de seu beijo, a
sensação de sua língua saboreando mais do que a pele de sua
clavícula.
Ela suspirou, frustrada, e se mexeu na cama, mas a pulsação
não parou.
— Isto é ridículo. — disse ela em voz alta e levantou-se. Ela
andou de um lado para o outro em seu quarto. Ela deveria se
concentrar em cumprir os termos do acordo com Hades, não em
beijar o Rei dos Mortos.
Favor estúpido, ela pensou.
Cada vez que Hades a beijava, as coisas iam cada vez mais
longe. Agora ela foi levada à beira de algo que ela não entendia,
algo que ela não tinha explorado e não conseguia se livrar.
Ela olhou para sua cama, o edredom amarrotado parecia que ela
a havia compartilhado com alguém. Ela cerrou e abriu os punhos.
Ela tinha que fazer esse sentimento passar ou ela não iria dormir, e
ela tinha muito o que fazer. Ela e Lexa tinham que ir às compras e
se preparar para a Gala Olímpica.
Ela tomou uma decisão em uma fração de segundo e tirou a
calcinha. O ar frio aliviou a tensão em seu centro, apenas um pouco.
Também a deixou super consciente da umidade entre as coxas.
Deitando-se de novo, ela afastou as pernas e passou os dedos ao
longo da coxa até que eles seguiram seu sexo. Ela estava molhada
e quente, e seus dedos afundaram em uma parte dela que ela
nunca havia tocado. Ela engasgou, arqueando as costas enquanto
dava prazer a si mesma. Seu polegar encontrou aquele lugar
sensível no ápice de suas coxas — e ela trabalhou como Hades a
ensinou, até que seu corpo ficou elétrico e ondas de prazer a
deixaram tonta e inconsciente.
Ela rolou de joelhos, trabalhando duro, imaginando que era a
mão de Hades no lugar dela, imaginando que ela podia sentir seu
comprimento duro dentro dela. Ela sabia que se Minthe não tivesse
interrompido, ela teria deixado Hades tomá-la na piscina. Esse
pensamento a estimulou. Sua respiração ficou mais pesada e ela se
mexeu mais rápido.
— Diga que você está pensando em mim. — Sua voz veio das
sombras — uma brisa fria contra uma chama brilhante.
Perséfone congelou e rolou, encontrando Hades de pé no final de
sua cama. Ela não sabia o que ele estava vestindo no escuro, mas
ela podia ver seus olhos, e eles brilhavam como carvão na noite.
Quando ela não disse nada, ele perguntou:
— Então?
Seus pensamentos se dispersaram. Um pequeno raio de luz caiu
sobre uma maçã do rosto e seus lábios carnudos. Ela queria
aqueles lábios em todos os lugares onde sentia fogo. Ela ficou de
joelhos e manteve seu olhar enquanto tirava a camisola
completamente. Hades rosnou baixo em sua garganta e se apoiou
contra o pé da cama.
— Sim. — ela sussurrou. — Eu estava pensando em você.
A tensão no ar aumentou. Hades falou em um rosnado que fez a
pele de Perséfone arrepiar.
— Não pare por minha causa.
Perséfone começou de onde parou. Hades inalou entre os dentes
cerrados enquanto observava seu prazer. No início, ela manteve o
contato visual, deleitando-se com a sensação dos olhos dele
percorrendo cada centímetro de sua pele, deleitando-se com este
pecado. Logo o prazer foi demais, e sua cabeça rolou para trás, seu
cabelo espalhou-se pelas costas, expondo seus seios para a visão
de Hades.
— Goze para mim. — ele insistiu, e então ordenou novamente. —
Goze, minha querida.
E ela o fez com um grito abafado. A doce liberação pulsou
através dela e ela desabou na cama. Seu corpo tremia, saindo da
excitação. Ela respirou fundo, inalando o cheiro de pinho e cinzas, e
enquanto recuperava seus pensamentos dispersos, a realidade de
sua ousadia desceu como a ira de sua mãe.
Hades.
Hades estava no quarto dela.
Ela se sentou assustada, lutando para pegar a camisola para
cobrir a pele nua. Foi um pouco ridículo, dado o que havia
acontecido entre eles. Ela começou a dar um sermão em Hades
sobre seu abuso de poder e violação de privacidade quando
descobriu que estava sozinha.
Ela esticou o pescoço ao redor do quarto.
— Hades? — sussurrou o nome dele, sentindo-se ridícula e
nervosa ao mesmo tempo. Ela vestiu a camisola e saiu da cama,
verificando cada canto do quarto, mas ele não estava em lugar
nenhum.
Seu desejo tinha sido tão forte que ela alucinou?
Sentindo-se insegura, ela subiu na cama, os olhos pesados, e
adormeceu com a lembrança rítmica de que as alucinações não
cheiram a pinho e cinzas.

***
— Você parece uma deusa. — Lexa disse.
Perséfone estudou seu vestido de seda vermelho no espelho. Era
simples, mas cabia nela como uma luva, acentuando a curva de
seus quadris onde o tecido se juntou e se partiu no meio da coxa
para expor uma perna cremosa. Um lindo aplique floral preto
escorria de seu ombro direito para o lado direito das costas abertas.
Lexa havia estilizado seu cabelo para ela, puxando-o em um rabo
de cavalo alto e enrolado, e feito sua maquiagem, escolhendo um
olho escuro e esfumaçado. Perséfone colocou acessórios como
brincos de ouro simples e o bracelete de ouro que ela usava para
cobrir a marca de Hades. Neste momento, ela sentiu a queimadura
na pele.
— Obrigada. — Perséfone corou.
Mas Lexa não havia terminado. Ela acrescentou:
— Como ... a Deusa do Submundo.
Perséfone se lembrou das palavras de Yuri e da esperança da
alma de que Hades em breve teria uma rainha.
— Não há deusa do Submundo.
— O lugar está apenas vazio — disse Lexa.
Perséfone não queria falar sobre Hades. Ela o veria em breve, e
ela nunca se sentiu tão confusa sobre qualquer coisa em sua vida.
Ela sabia que sua atração por ele só a colocaria em apuros, apesar
de odiar as palavras de Minthe, ela acreditou nelas. Hades não era
o tipo de deus que queria um relacionamento, e ela já sabia que ele
não acreditava no amor.
Perséfone queria o amor. Desesperadamente. Foi-lhe negado
tanta coisa toda a vida. Não lhe seria negado o amor, também.
Perséfone abanou a cabeça, limpando-a desses pensamentos.
— Como está o Jaison?
Lexa conheceu Jaison em La Rose. Eles trocaram telefone e
conversavam desde então. Ele era um ano mais velho que elas e
engenheiro de computação. Quando Lexa falava sobre ele, parecia
que eles eram completamente opostos, mas de alguma forma
estava funcionando.
— Eu realmente gosto dele. — Lexa corou.
— Você merece Lex. — Perséfone sorriu.
— Obrigada.
Lexa voltou para seu quarto para terminar de se arrumar e
Perséfone estava começando a procurar sua bolsa quando a
campainha tocou.
— Eu atendo! — ela falou para Lexa.
Quando ela atendeu, não encontrou ninguém lá, mas um pacote
estava na soleira da porta, uma caixa branca com uma fita vermelha
amarrada em um laço. Ela o pegou e levou para dentro, procurando
ver se era endereçado a alguém.
Ela encontrou uma etiqueta que dizia: Perséfone.
Dentro, repousando sobre veludo preto, havia um bilhete e uma
máscara: Use isso com sua coroa.
Perséfone colocou-a de lado e puxou uma bela máscara de
filigrana de ouro — apesar de seus detalhes, era simples e não
cobria muito de seu rosto.
— É do Hades? — Lexa perguntou, entrando na cozinha. O
queixo de Perséfone caiu quando viu sua melhor amiga. Lexa tinha
escolhido um vestido de tafetá azul-royal sem alças para o evento
desta noite; sua máscara branca, enfeitada com prata, tinha um
punhado de penas saindo do lado superior direito.
— Então? — ela perguntou quando Perséfone não respondeu.
— Oh. — Ela olhou para a máscara. — Não, não é do Hades.
Perséfone levou a caixa para o seu quarto. Ela se sentiu um
pouco boba colocando a coroa que Ian havia dado a ela na cabeça,
mas uma vez que sua máscara foi colocada, ela entendeu as
instruções de Hécate. A combinação foi impressionante, e ela
parecia mesmo uma rainha.
Perséfone e Lexa pegaram um táxi para o Museu de Artes da
Antiguidade. Seus ingressos indicavam um horário de chegada às
cinco e meia — uma hora e meia antes dos deuses. Ninguém queria
fotos de mortais, a menos que cobrissem o braço de um dos
Divinos.
Elas esperaram no banco de trás do taxi abafado no final de uma
longa fila de veículos antes de finalmente serem liberados na beira
de um grande conjunto de degraus cobertos por tapete vermelho.
Perséfone estava grata pelo ar fresco, exceto quando foi
imediatamente abordada pelo flash das luzes da câmera. Ela se
sentiu apertada e claustrofóbica, seu peito apertou mais uma vez.
Os assistentes os conduziram escada acima até o museu
ameaçador, cuja fachada era moderna - feita de pilares de concreto
e vidro. Uma vez lá dentro, eles foram conduzidos por um corredor
forrado com cristais brilhantes pendurados em fios como luzes. Era
bonito e um elemento que Perséfone não esperava.
A expectativa aumentou quando elas se aproximaram do final do
corredor e passaram por uma cortina dos mesmos cristais em uma
sala ricamente decorada. Havia várias mesas redondas cobertas
com tecido preto e repletas de porcelana fina, organizadas em torno
de um salão de baile, deixando espaço no centro para dançar. As
verdadeiras obras-primas decoravam o centro — estátuas de
mármore que homenageavam os deuses da Grécia Antiga.
— Perséfone, olhe. — Lexa deu uma cotovelada nela, e ela
inclinou a cabeça para trás para estudar o lindo lustre no centro da
sala. Fios de cristais cintilantes cobriam o teto e brilhavam como as
estrelas no céu do Submundo.
Elas encontraram sua mesa, pegaram uma taça de vinho e
passaram um tempo interagindo. Perséfone admirou a capacidade
de Lexa de fazer amizade com qualquer pessoa, ela começou a
conversar com um casal em sua mesa e seu grupo cresceu para
incluir vários outros quando um sino soou na sala. Todos trocaram
olhares e Lexa suspirou.
— Perséfone os deuses estão chegando! Vamos! — Lexa pegou
a mão de Perséfone, arrastando-a pelo andar e até um conjunto de
escadas que levava ao segundo andar.
— Lexa, onde estamos indo? — perguntou enquanto se dirigiam
para as escadas.
— Ver os deuses chegarem! — ela disse como se fosse óbvio.
— Mas... não vamos vê-los lá dentro?
— Não é essa a questão! Eu assisti essa parte na televisão por
anos. Quero ver pessoalmente essa noite.
Havia várias exposições no segundo andar, mas Lexa foi direto
para um lugar no terraço externo, que dava para a entrada do
museu. Já havia várias pessoas aglomeradas em torno da borda da
varanda para dar uma olhada no Divino quando chegaram, mas
Perséfone e Lexa conseguiram se espremer em um pequeno
espaço. Uma massa de fãs gritando e jornalistas lotaram as
calçadas e o outro lado da rua, e as luzes das câmeras brilharam
como relâmpagos ao redor.
— Olha! Ali está Ares! — Lexa gritou, mas o estômago de
Perséfone se revirou.
Ela não gostava de Ares. Ele era um deus sedento de sangue e
violência. Ele era uma das vozes mais altas antes da Grande
Descida, persuadindo Zeus a descer à Terra e fazer guerra aos
mortais, e Zeus tinha ouvido — ignorando o conselho e a sabedoria
da contraparte de Ares, Atenas.
O Deus da Guerra subiu os degraus em um quitão dourado com
uma capa vermelha cobrindo um ombro. Parte de seu peito estava
descoberto, revelando músculos escultural e pele dourada, e em vez
de uma máscara ele usava um elmo dourado com uma pluma
vermelha de penas caindo em suas costas. Seus chifres de cimitarra
eram longos, ágeis e letais, curvando-se para trás com suas penas,
completando uma imagem majestosa, bela e assustadora.
Depois do Ares veio Poseidon. Ele era enorme, com os ombros, o
peito e os braços salientes sob o tecido do paletó azul-marinho. Ele
tinha um cabelo loiro bonito que lembrava Perséfone de ondas
agitadas, e usava uma máscara mínima que brilhava como o interior
de uma concha. Ela achava que Poseidon não queria mistério para
sua presença.
Seguindo Poseidon estava Hermes, bonito em um vistoso terno
dourado. Ele havia tirado o glamour de suas asas, e as penas
criaram uma capa sobre seu corpo. Foi a primeira vez que
Perséfone viu o Deus da Trapaça sem seu glamour. Sobre sua
cabeça, ele usava uma coroa de folhas de ouro. Perséfone poderia
dizer que ele gostava de andar no tapete vermelho, ele se alegrou
com a atenção, sorrindo amplamente e posando. Ela pensou em
chamá-lo, mas não precisava — ele a encontrou rapidamente,
piscando para ela antes de desaparecer de vista.
Apollo chegou em uma carruagem dourada puxada por cavalos
brancos, reconhecível imediatamente por seus cachos escuros e
olhos violetas. Sua pele era de um marrom polido e fazia seu quitão
branco brilhar como uma chama. Em vez de exibir seus chifres, ele
usava uma coroa de ouro que lembrava raios do sol. E ele estava
acompanhado por uma mulher que Perséfone reconheceu.
— Sybil! — ela e Lexa chamaram alegremente, mas a bela loira
não conseguia ouvi-las por causa dos gritos da multidão. Jornalistas
gritavam perguntas para Sybil, perguntando por seu nome, exigindo
saber quem ela era, de onde era e há quanto tempo estava com
Apollo.
Perséfone admirava a forma como Sybil lidava com tudo. Ela
parecia gostar da atenção, sorrindo e acenando, e ela realmente
respondeu às perguntas. Seu lindo vestido vermelho brilhava
enquanto ela caminhava ao lado de Apollo no museu.
Perséfone reconheceu o veículo de Deméter — uma limusine
longa e branca. Sua mãe optou por um visual mais moderno,
escolhendo um vestido de baile lavanda que gotejava pétalas de
rosa. Literalmente parecia que um jardim estava crescendo em suas
saias. Esta noite seu cabelo estava para cima, seus chifres em
exibição e sua expressão sombria.
Lexa se inclinou e sussurrou para Perséfone:
— Algo deve estar errado. Deméter sempre figura no tapete
vermelho.
Lexa tinha razão. Sua mãe costumava dar um show elegante e
extravagante, sorrindo e acenando para a multidão. Hoje à noite, ela
franziu a testa, mal olhando para os jornalistas quando eles a
chamaram. Tudo o que Perséfone conseguia pensar era que, o que
quer que sua mãe estivesse passando, era tudo culpa dela.
Perséfone abanou a cabeça.
Pare, ela disse a si mesma. Ela não ia deixar Deméter arruinar a
diversão dela. Não essa noite.
A multidão ficou mais barulhenta quando a próxima limusine
chegou, e Afrodite saiu usando um vestido de noite
surpreendentemente elegante, o corpete decorado com flores
brancas e rosa, o meio transparente com flores caindo em dobras
de tule. Ela usava um adorno de cabeça de peônias rosa e pérolas,
e seus graciosos chifres de gazela brotavam de sua cabeça atrás
dele. Ela era deslumbrante, mas o lance sobre Afrodite — todas as
deusas, na verdade — era que elas eram guerreiras também. E a
Deusa do Amor, por qualquer motivo, era particularmente cruel.
Ela esperou do lado de fora de sua limusine, e Perséfone e Lexa
gemeram quando viram ninguém menos que Adonis escalando do
banco de trás. Lexa se inclinou e sussurrou:
— Segundo os rumores Hefesto não a queria.
— Você não pode acreditar em tudo que você ouve, Lexa. —
Perséfone bufou.
Hefesto não era um Olímpico, mas era o Deus do Fogo.
Perséfone não sabia muito sobre ele, exceto que ele era calmo e um
inventor brilhante. Ela tinha ouvido muitos rumores sobre seu
casamento com Afrodite, e nenhum deles era bom, algo sobre como
Hefesto foi forçado a se casar com Afrodite.
Os últimos a chegar foram Zeus e Hera.
Zeus, como seus irmãos, era enorme e usava um quitão que
expunha parte de seu peito musculoso. Seu cabelo castanho caía
em ondas até os ombros, com toques de branco prateado,
combinando com sua barba farta e bem cuidada. Ele usava uma
coroa de ouro que se encaixava entre um par de chifres de carneiro
que se enrolavam em torno de seu rosto, feroz e aterrorizante.
Ao lado dele, Hera caminhava com um ar de graça e nobreza,
seus longos cabelos castanhos puxados sobre o ombro. Seu vestido
era lindo, mas simples — preto, o corpete bordado com penas
coloridas de pavão. Um diadema de ouro descansava em sua
cabeça, encaixando perfeitamente em um par de chifres de veado.
Embora Demetri tenha dito a ela que Hades nunca chegou ao
lado dos outros deuses, Perséfone pensou que ele poderia fazer
uma exceção desta vez, com a noite tendo como tema seu reino;
mas quando a multidão começou a se dispersar com a chegada de
Zeus e Hera, ela percebeu que ele não viria, pelo menos não por
meio desta entrada.
— Não foram todos magníficos? — Lexa perguntou quando ela e
Perséfone entraram.
Eles eram, cada um deles. E ainda, com todo estilo e glamour
deles, Perséfone ainda ansiava por ver um rosto entre a multidão.
Ela começou a descer as escadas e parou abruptamente.
Ele está aqui.. A sensação a rasgou, endireitando sua espinha.
Ela conseguia senti-lo, provar a sua magia. Então seus olhos
encontraram o que procuravam, e o lugar ficou de repente muito
quente.
— Perséfone? — Lexa chamou quando ela não se mexeu. Então
ela seguiu o olhar de Perséfone, e não demorou muito para que
todo o salão ficasse quieto.
Hades estava na entrada, o pano de fundo de cristal criando um
belo e nítido contraste com seu terno preto sob medida. A jaqueta
era de veludo com uma flor vermelha simples no bolso da camisa.
Seu cabelo estava liso e preso em um coque na parte de trás da
cabeça, sua barba bem aparada e pontiaguda, e ele usava uma
máscara preta lisa que cobria apenas os olhos e a ponta do nariz.
Os olhos dela percorreram de seus sapatos pretos brilhantes até
seu corpo alto e poderoso e sobre seus ombros largos para seus
olhos de carvão brilhantes. Ele a tinha encontrado também. O calor
de seu olhar a rastreou, percorrendo cada centímetro de seu corpo,
e ela se sentiu como uma chama exposta a um vento frio.
Ela poderia ter passado a noite toda olhando para ele se não
fosse pela ninfa ruiva que apareceu ao lado dele. Minthe era linda,
vestida com um vestido esmeralda com um decote em coração. Ele
abraçou seus quadris e alargou-se, deixando uma linha de tecido
atrás dela. Seu pescoço e orelhas estavam carregados de joias
finas que brilharam quando a luz os atingiu. Perséfone se perguntou
se Hades os havia fornecido quando Minthe enrolou seu braço no
dele.
Sua raiva queimava e ela sabia que seu glamour estava
derretendo. Seu olhar passou para Hades, e ela olhou para ele. Se
ele pensava que poderia ter ela e Minthe também, ele estava
errado.
Ela bebeu o resto de seu vinho e então olhou para Lexa.
— Vamos procurar outra bebida.
Perséfone e Lexa cortaram a multidão, sinalizando para um
garçom trocar seus copos vazios por outros cheios.
— Pode segurar isso? — Lexa perguntou. — Eu preciso do
banheiro.
Perséfone pegou o copo de Lexa e começou a beber do seu
quando ouviu uma voz familiar atrás dela.
— Ora, ora, ora, o que temos aqui? — Ela se virou para encontrar
Hermes se aproximando no meio da multidão. — Uma Deusa do
Tártaro.
Perséfone levantou uma sobrancelha em pergunta.
— Captou? Tortura?
Ela deu a ele um olhar vazio e ele franziu a testa.
— Por que você está torturando Hades?
Era a vez de Perséfone revirar os olhos.
— Ah, vamos! Por que mais você usaria este vestido?
— Por mim mesma. — ela respondeu meio na defensiva. Ela não
tinha escolhido seu vestido com Hades em mente, ela queria
parecer bonita e sexy e se sentir poderosa.
Este vestido fez todas essas coisas.
O Deus da Trapaça ergueu uma sobrancelha, sorriu e admintiu:
— Justo. Ainda assim todo o salão reparou que você estava
comendo Hades com os olhos.
— Eu não estava... — ela fechou a boca com força, as
bochechas ficando vermelhas.
— Não se preocupe, todos repararam ele te comendo com os
olhos também.
— Eles também notaram Minthe em seus braços? — Perséfone
revirou os olhos.
— Alguém está com ciúmes. — O sorriso de Hermes tornou-se
perverso.
Ela começou a negar, mas decidiu que era bobagem até mesmo
tentar. Ela estava com ciúmes, então admitiu:
— Estou.
— Hades não está interessado em Minthe.
— Com certeza não parece assim. — ela murmurou.
— Acredite em mim. Hades se preocupa com ela, mas se ele
estivesse interessado, ele a teria feito sua rainha há muito tempo.
— O que quer dizer com isso?
. — Que se ele a amasse ele teria casado com ela. — Hermes
encolheu os ombros.
— Isso não parece com Hades. Ele não acredita no amor. —
Perséfone zombou.
— Bem, quem sou eu para dizer? Só conheço Hades há séculos
e você há alguns meses.
Perséfone franziu a testa.
Foi difícil para ela ver Hades sob qualquer outra luz além da que
sua mãe lançou sobre ele — e era feio e nada lisonjeiro. Ela tinha
que admitir, quanto mais tempo ela passava no Submundo e com
ele, mais ela estava começando a questionar quanta verdade havia
no que sua mãe havia dito, e os rumores espalhados por mortais.
— Não se preocupe, amor. Quando você estiver com ciúmes,
apenas faça questão de lembrar Hades o que ele está perdendo. —
Hermes empurrou-a com o ombro.
Ela olhou para ele e ele beijou-lhe a bochecha. O movimento a
surpreendeu, e Hermes riu, chamando de volta enquanto se
afastava, suas asas brancas arrastando no chão como uma capa
real:
— Guarde uma dança para mim!
— Hum, Hermes acabou de beijar você na bochecha? — Lexa
voltava naquele momento, ela parecia confusa.
— Sim. — Perséfone limpou a garganta.
— Você o conhece?
— Eu o conheci no Nevernight.
— E você não me contou?
— Desculpe. Eu só não pensei nisso. — Perséfone franziu a
testa.
O olhar de Lexa suavizou.
— Tudo bem. Eu sei que as coisas têm estado loucas
ultimamente.
Havia uma razão pela qual Lexa era sua melhor amiga, e era em
momentos como esse que Perséfone se sentia mais grata por ela.
Elas cortaram a multidão e voltaram para a mesa para jantar.
Eles foram servidos com uma combinação de alimentos antigos e
modernos, um aperitivo de azeitonas, uvas, figos, pão de trigo e
queijo, uma entrada de peixe, vegetais e arroz e um rico bolo de
chocolate para sobremesa.
Apesar da bela propagação, Perséfone descobriu que não estava
com tanta fome.
A conversa ao redor da mesa não faltou. O grupo falou sobre
vários tópicos, incluindo o Pentatlo e Titãs depois da escuridão, a
conversa deles foi interrompida apenas quando as palmas
começaram e Minthe cruzou o palco para subir ao pódio.
— O Senhor Hades tem a honra de revelar a instituição de
caridade deste ano, o Projeto Halcyon. — anunciou ela.
As luzes da sala diminuíram e uma tela baixou para exibir um
pequeno vídeo sobre Halcyon, um novo centro de reabilitação
especializado em atendimento gratuito para mortais. O vídeo
detalha estatísticas sobre o grande número de mortes acidentais
devido a overdoses, taxas de suicídio e outros desafios que os
mortais enfrentaram na era pós-Grande Guerra e como os olímpicos
tinham o dever de ajudar.
Eram palavras que Perséfone havia falado, uma releitura para
seu público.
O que é isto? Perséfone questionou-se. Essa era a maneira de
Hades zombar dela? Suas mãos se fecharam em punhos no colo.
Então o vídeo terminou e as luzes se acenderam. Perséfone ficou
surpresa ao ver Hades de pé no palco — sua presença arrancou
aplausos do público.
— Dias atrás, um artigo foi publicado no Jornal Nova Atenas . Foi
uma crítica contundente ao meu desempenho como deus, mas entre
aquelas palavras raivosas havia sugestões de como eu poderia ser
melhor. Não imagino que a mulher que escreveu esperasse que eu
levasse essas ideias a sério, mas, ao passar um tempo com ela,
comecei a ver as coisas do jeito dela. — Ele fez uma pausa para rir
baixinho, se lembrasse de algo que eles compartilharam, e
Perséfone estremeceu. — Nunca conheci ninguém que fosse tão
apaixonado por como eu estava errado, então segui o conselho dela
e iniciei o Projeto Halcyon. Conforme você avançar pela exposição,
tenho esperança de que Halcyon sirva como uma chama no escuro
para os perdidos.
A multidão irrompeu em aplausos, erguendo-se para honrar o
Deus. Mesmo alguns dos Divinos seguiram, incluindo Hermes.
Levou um momento para Perséfone se levantar. Ela ficou
chocada com a caridade de Hades, mas também desconfiada. Ele
estava apenas fazendo isso para reverter o dano que ela havia
causado à reputação dele? Ele estava tentando provar que ela
estava errada?
Lexa lançou um olhar perplexo para Perséfone.
— Eu sei o que você está pensando. — Perséfone disse.
— E o que eu estou pensando? — Ela arqueou uma sobrancelha.
— Ele não fez isto por mim. Ele fez isto pela reputação dele.
— Continue dizendo isso a você mesma. — Lexa sorriu. — Eu
acho que ele está apaixonado.
— Apaixonado? Você tem lido muitos romances.
Lexa caminhou em direção à exposição com os outros em sua
mesa, mas Perséfone ficou para trás, com medo de ver mais da
criação inspirada por ela. Ela não conseguia explicar a hesitação.
Talvez fosse porque ela sabia que estava em perigo de se apaixonar
por esse deus que sua mãe odiava e que a atraiu para um acordo
que ela não poderia ganhar. Talvez tenha sido porque ele a ouviu.
Talvez fosse porque ela nunca se sentiu mais atraída por outra
pessoa em sua vida curta e protegida.
Ela vagou para a exibição lentamente. O espaço foi colocado na
penumbra para que os holofotes focassem nas exposições, que
ilustravam os planos e a missão do Projeto Halcyon. Perséfone
demorou e parou no centro da sala para observar uma pequena
maquete branca do edifício. O cartão ao lado afirmava que era o
design de Hades. Não era um edifício moderno como ela esperava,
parecia uma mansão de campo, aninhada em dez acres de terra
exuberante.
Ela passou muito tempo vagando pela exposição, lendo cada
apresentação, aprendendo sobre a tecnologia que seria incorporada
às instalações. Era verdadeiramente de última geração.
Quando ela saiu, as pessoas já haviam começado a dançar. Ela
avistou Lexa com Hermes e Afrodite com Adonis. Ela estava feliz
por seu colega de trabalho não ter tentado falar com ela e mantido
distância dela no trabalho.
Demorou um pouco, mas ela percebeu que estava à procura de
Hades. Ele não estava entre os dançarinos ou os que estavam
presentes nas mesas. Ela franziu a testa e se virou para encontrar
Sybil se aproximando.
— Perséfone. — Ela sorriu, e elas abraçaram-se. — Você está
linda.
— Você também.
— O que você acha da exibição? Maravilhosa, não é?
— É. — Ela não podia negar, era tudo o que tinha imaginado e
muito mais.
— Eu sabia que grandes coisas viriam da união de vocês. —
disse ela.
— Nossa... união? — Perséfone repetiu lentamente.
— Você e Hades.
— Nós não estamos juntos...
— Talvez não ainda. Mas as suas cores estão todas
emaranhadas. Tem estado assim desde a noite em que te conheci.
— Cores?
— Seus caminhos. — Sybil disse. — Você e Hades — era
destino, tecido pelos Destinos.
Perséfone não tinha certeza do que dizer. Sybil era um oráculo,
então as palavras que saíram de sua boca eram verdadeiras, mas
será que ela estava destinada a se casar com o Deus dos Mortos?
O homem que a mãe dela odiava?
— Você está bem? — Sybil franziu a testa.
Perséfone não tinha certeza do que dizer.
— Desculpe. Eu... não deveria ter te contado. Eu achei que você
ficaria feliz.
— Eu não estou... infeliz. — Perséfone a assegurou. — Eu só...
Ela não coseguiu completar a frase. Esta noite e os últimos dias
estavam pesando sobre ela, as emoções variando e intensas. Se
ela estava destinada a ficar com Hades, isso explicava sua atração
insaciável pelo deus, e ainda assim complicava muitas outras coisas
em sua vida.
— Me dá licença? — Ela foi para o banheiro.
Uma vez lá dentro, sozinha, ela respirou fundo algumas vezes,
apoiou as mãos em cada lado da pia e se olhou no espelho. Ela
abriu a torneira, jogando água fria nas mãos, e borrifou levemente
as bochechas aquecidas, tentando não borrar a maquiagem. Ela
secou o rosto e se preparou para voltar para a pista quando ouviu
uma voz desconhecida.
— Então, você é a pequena musa de Hades? — O tom era rico,
sedutor, uma voz que atraía homens e enfeitiçava mortais. Afrodite
apareceu atrás dela, e Perséfone não tinha certeza de onde a deusa
tinha vindo, mas uma vez que ela encontrou seu olhar, ela achou
difícil se mover.
Afrodite era linda, e Perséfone teve a sensação de que ela havia
conhecido essa deusa antes, embora ela soubesse que isso era
impossível. Seus olhos eram da cor da espuma do mar e
emoldurados por cílios grossos, sua pele como creme e suas
bochechas levemente coradas. Os lábios dela eram perfeitos e
bicudos. No entanto, apesar de sua beleza, havia algo por trás de
sua expressão, algo que fez Perséfone pensar que ela estava
sozinha e triste.
Talvez o que Lexa disse fosse verdade e Hefesto não a quisesse.
— Não sei do que você está falando. — disse Perséfone.
— Oh, não seja tímida. Eu vi o jeito que você olhou para ele. Ele
sempre foi bonito. Eu costumava dizer a ele que tudo o que ele teria
que fazer era mostrar o rosto e seu reino se encheria de pessoas
dispostas e fiéis.
Isso fez com que Perséfone se sentisse um pouco nauseada. Ela
não queria discutir isto com ninguém, muito menos com Afrodite.
— Com licença. — Ela tentou passar por Afrodite, mas a deusa
impediu-a.
— Mas eu ainda não acabei de falar.
— Você entendeu mal. Eu não quero falar com você.
A Deusa da Primavera passou por Afrodite e saiu do banheiro,
pegando uma taça de champanhe de um garçom e encontrando um
local para observar os dançarinos. Ela considerou ir embora, Jaison
já havia concordado em pegar Lexa, pois ela planejava passar a
noite na casa dele.
Quando decidiu chamar o táxi, sentiu Hades se aproximar. Ela se
endireitou, preparando-se para a aproximação dele, mas não se
virou para encará-lo.
— Alguma coisa para criticar, Senhora Perséfone? — a voz dele
retumbou em sua garganta como um feitiço inebriante.
— Não. — ela sussurrou, e olhou para a sua direita. Ela ainda
não conseguia vê-lo, mesmo em sua periferia. — Há quanto tempo
você está planejando o Projeto Halcyon?
— Não muito.
— Vai ser lindo.
Ela o sentiu mais perto. Ela ficou surpresa quando os dedos dele
roçaram seu ombro, traçando a borda do aplique preto. De vez em
quando, ele tocava na pele e ela estremecia.
— Um toque de escuridão. — seus dedos rastrearam seu braço e
se enroscaram no dela. — Dance comigo.
Ela não se afastou e, em vez disso, virou-se para o encarar. Ele
nunca falhou em tirar seu fôlego, mas havia uma gentileza em seu
rosto que fez seu coração martelar em seu peito.
— Sim.
Olhos os acompanharam, curiosos e surpresos, enquanto Hades
a levava para a pista de dança. Perséfone fez o possível para
ignorar os olhares e, em vez disso, se concentrou no deus ao lado
dela. Ele era muito mais alto, muito maior, e quando ele se virou
para encará-la, ela se lembrou de como ele a tocou em sua piscina.
Seus dedos permaneceram entrelaçados com os dela enquanto a
outra mão pousava em seu quadril. Ela não tirou os olhos dele
quando ele a puxou para perto, rosnando baixo enquanto se
moviam juntos. Ele a guiou, e cada toque de seus corpos a
inflamou. Por um tempo, nenhum deles falou, e Perséfone se
perguntou se Hades achava difícil falar pelos mesmos motivos que
ela.
Provavelmente foi por isso que ela escolheu preencher o silêncio
com seu próximo comentário.
— Você deveria estar dançando com Minthe.
— Você prefere que eu dance com ela? — Os lábios de Hades se
estreitaram.
— Ela é a sua acompanhante.
— Ela não é minha acompanhante. Ela é minha assistente, como
eu já te disse.
— Sua assistente não chega de braços dados para uma festa de
gala.
Seu abraço aumentou, e ela se perguntou se ele estava
frustrado.
— Você está com ciúmes.
— Não estou com ciúmes. — ela disse, e não estava mais. Ela
estava com raiva. Ele sorriu com sua negação, e ela queria bater
nele. — Eu não serei usada, Hades.
Isso tirou o sorrido so rosto dele.
— Quando eu a usei?
Ela não respondeu.
— Responda, Deusa.
— Você dormiu com ela?
Era a única questão que importava.
Ele parou de dançar, e aqueles que dividiam a pista com eles
também pararam, observando com óbvio interesse.
— Parece que você está solicitando um jogo, Deusa.
— Você quer jogar um jogo? — ela zombou, afastando-se dele.
— Agora?
Ele não respondeu e simplesmente estendeu a mão para ela
segurar. Algumas semanas atrás, ela teria hesitado, mas esta noite
ela tomou algumas taças de vinho, sua pele estava quente e este
vestido era desconfortável.
Além disso, ela queria respostas para as suas perguntas.
Ela apertou sua mão, e quando seus dedos se fecharam sobre os
dela, ele sorriu maliciosamente antes de se teletransportar para o
Submundo.
18
UM TOQUE DE PAIXÃO

HADES APARECEU EM SEU ESCRITÓRIO, onde eles jogaram


pedra-papel-tesoura. Um fogo crepitava na lareira, mas o calor não
era necessário, Perséfone já estava no inferno com sua dança, e
aquele sorriso que ele ofereceu pouco antes de eles se
teletransportarem não ajudou — ele prometeu algo pecaminoso.
Deuses. Seria possível controlar a reação de seu corpo a ele?
Ela era terrível em resistir a ele, e talvez fosse porque a escuridão
nela correspondia à escuridão nele.
Hades ofereceu-lhe vinho, e ela aceitou uma taça enquanto ele
escolhia seu usual — uísque.
Ele ergueu o olhar de sua bebida e perguntou:
— Com fome? Você mal comeu na gala.
— Você estava me observando? — Perséfone revirou os olhos.
— Querida, não finja que não estava me observando. Eu conheço
o seu olhar sobre mim como eu conheço o peso dos meus chifres.
— Não. Não estou com fome. — Suas bochechas coraram.
Pelo menos não de comida, mas ela não disse isso em voz alta.
Ele aceitou e caminhou até uma mesa em frente à lareira. Era
como aquela no Nevernight, e em vez de sentar lado a lado, Hades
e Perséfone tomaram extremidades opostas.
Um único baralho aguardava. Ela nunca imaginou que alguns
pedaços de plástico teriam tanto poder — essas cartas poderiam
levar ou conceder riquezas, elas poderiam conceder liberdade ou se
tornar o carcereiro. Elas podiam responder perguntas e tirar a
dignidade.
Hades tomou um gole de seu copo e, em seguida, baixou-o com
um som audível, estendendo a mão para as cartas.
— O jogo? — Perséfone perguntou.
— Pôquer — respondeu Hades.
Ele pegou as cartas da caixa e começou a embaralhá-las, e o
som chamou a atenção de Perséfone, assim como seus dedos
graciosos. O ar na sala ficou espesso e pesado, e ela respirou fundo
antes de perguntar:
— As apostas?
— A minha parte favorita: diga-me o que quer. — Hades sorriu.
Mil coisas vieram a ela de uma vez, e todas elas tinham a ver
com retornar aos banhos e terminar o que começaram. Finalmente,
ela disse:
— Se eu ganhar, você responde às minhas perguntas.
— Combinado. — Quando terminou de embaralhar as cartas,
acrescentou: — Se eu ganhar, quero suas roupas.
— Você quer me despir? — ela perguntou.
— Querida, É só o começo do que quero fazer com você. — Ele
deu uma risada.
— Uma vitória é igual a uma peça de roupa? — ela limpou a
garganta.
— Sim. — Ele olhou para o vestido dela, e realmente não era
justo, porque era tudo que ela estava usando, exceto as joias. Ela
tocou seu colar onde ele mergulhava entre seus seios e os olhos de
Hades a seguiram. Ele parecia avaliar suas joias.
— E... quanto as joias? — Perséfone perguntou. — Você
considera isso se despir?
Ele tomou um gole de sua bebida antes de responder.
— Depende.
— De quê?
— Eu posso decidir que quero te foder com essa coroa.
Ela sorriu.
— Ninguém disse nada sobre foder, Senhor Hades.
— Não? Que pena.
Ela se inclinou sobre a mesa e, embora se sentisse trêmula por
dentro, ela conseguiu falar o mais firme possível:
— Aceitarei sua barganha.
— Confiante na sua capacidade de ganhar? — Suas
sobrancelhas se ergueram, os olhos acenderam.
— Não tenho medo de você, Hades.
Exceto que ela estava com medo de não ter forças para resistir a
ele quando ele viesse para ela. Ela estava muito ciente da agitação
em seu ventre, lembrando-a de que os dedos ágeis de Hades
estiveram dentro dela. Que ele havia bebido sua paixão e
necessidade de seu corpo e não tinha terminado.
Ela precisava que ele terminasse.
Perséfone estremeceu.
— Frio? — ele perguntou quando deu a primeira mão.
— Calor. — ela limpou a garganta.
O calor se acumulou em seu centro e de repente ela não
conseguiu ficar confortável. Ela mudou de posição, cruzando as
pernas com mais força, sorrindo para Hades, esperando que ele não
pudesse notar o quão terrivelmente nervosa ela estava.
Hades colocou as cartas dele, um par de Reis. Ela apertou os
lábios, olhando furiosa, antes de colocar as cartas, já sabendo que
tinha perdido. Um sorriso apareceu nos cantos de seus lábios e
seus olhos brilharam com luxúria. Ele se recostou, avaliando.
Depois de um momento, ele disse:
— Acho que vou pegar o colar.
Ela estendeu a mão para abri-lo, mas ele a impediu.
— Não, permita-me.
Ela hesitou, mas lentamente colocou as mãos no colo. Hades se
levantou e caminhou para o lado dela, o ruído de seus sapatos
fazendo seu coração disparar. Ele juntou o cabelo dela em suas
mãos e puxou-o por cima do ombro. Quando os dedos dele tocaram
sua pele, ela inspirou e prendeu a respiração até que ele soltou o
colar. Ele deixou cair um lado, e o metal frio caiu entre seus seios.
Quando ele o puxou, a corrente deslizou ao longo de sua clavícula e
seus lábios a substituíram.
— Ainda com calor? — ele perguntou contra sua pele.
— Um inferno. — Ela soprou.
— Eu poderia te libertar desse inferno. — Seus lábios
percorreram a base de seu pescoço e ela engoliu em seco.
— Estamos apenas começando. — respondeu ela.
Sua risada ofegante foi quente contra sua pele, e ela sentiu frio
quando ele se afastou e voltou para seu assento para dar outra
mão.
Perséfone sorriu quando suas cartas estavam na mesa e disse:
— Eu ganhei.
Hades manteve seu olhar estreitado sobre ela.
— Faça a sua pergunta, Deusa. Estou ansioso por jogar outra
mão.
Ela apostava que sim.
— Você dormiu com ela?
A mandíbula de Hades apertou e depois do que pareceu uma
eternidade, ele respondeu.
— Uma vez.
A palavra foi como uma pedra, jogada na boca do estômago dela.
— A quanto tempo.
— Há muito tempo, Perséfone.
Ela tinha outras perguntas, mas a maneira como ele disse seu
nome, suave e gentil, como se ele realmente se arrependesse de ter
estado com Minthe, a impediu de dizer qualquer outra coisa. De
qualquer forma não era realmente uma opção. Ele já havia dado a
ela duas respostas, e ela tinha ganhado o direito a uma.
Ela engoliu em seco e desviou o olhar, surpresa quando ele
acrescentou:
— Você está ... com raiva?
Ela encontrou o olhar dele.
— Sim. — ela admitiu. — Mas ... não sei exatamente o porquê.
Ela pensou que poderia ter algo a ver com o fato de que ela não
era a primeira, mas isso era bobo e irracional. Hades existia neste
mundo há muito mais tempo do que ela, e esperar que ele se
abstivesse de prazer era ridículo.
Ele olhou para ela por um momento antes de dar outra mão.
Cada virada de cartas a deixava cada vez mais tensa. O ar na sala
era espesso com o acordo que tinham feito. Quando ele ganhou a
segunda rodada, ele pediu os brincos. Foi uma lenta tortura,
enquanto ele os tirava e mordiscava-lhe o lóbulo da orelha. Ela
engasgou com o raspar dos dentes dele, apertando a borda da
mesa para evitar enfiar as mãos em seu cabelo e forçar seus lábios
nos dela.
Quando ele se sentou na frente dela novamente, ela ainda estava
tentando recuperar o fôlego. Se Hades ganhasse a próxima rodada,
ele pediria a única coisa que ela tinha — seu vestido. Ela estaria
nua diante dele, e ela não tinha tanta certeza se poderia resistir a
ele a despindo.
Ela foi poupada de descobrir quando ganhou. Ela tinha outra
pergunta urgente.
— Seu poder de invisibilidade. — ela disse. — Você alguma vez
já usou para... me espionar?
Hades parecia divertido e desconfiado de sua pergunta, mas ela
estava perguntando por um motivo muito importante. Ela precisava
saber se ele tinha estado em seu quarto naquela noite, ou seu
desejo por ele simplesmente a fez fantasiar?
— Não. — ele respondeu.
Ela ficou aliviada. Ela estava completamente consumida por seu
próprio prazer e não tinha pensado duas vezes sobre o
aparecimento de Hades no pé da sua cama ... até depois.
— E você promete nunca usar a invisibilidade para me espionar?
Hades a estudou, como se estivesse tentando descobrir por que
ela estava pedindo isso a ele. Finalmente, ele respondeu.
— Prometo.
Quando ele começou a dar outra mão, ela fez outra pergunta.
— Por que você deixa as pessoas pensarem coisas tão horríveis
sobre você?
Ele embaralhou as cartas e, por um momento, ela pensou que ele
poderia não responder, mas então ele disse:
— Eu não controlo o que as pessoas pensam de mim.
— Mas você não faz nada para contradizer o que dizem sobre
você. — ela argumentou.
— Você acha que as palavras têm significado? — Ele levantou
uma sobrancelha.
Ela olhou para ele, confusa, e ele deu outra mão.
— Elas são apenas isso — palavras. Palavras são usadas para
inventar histórias e mentir, e ocasionalmente são colocadas juntas
para dizer a verdade.
— Se as palavras não têm peso para você, o que importa?
Seus olhos se encontraram, e algo mudou no ar entre eles —
algo carregado e poderoso. Ele se aproximou dela, cartas na mão, e
as colocou na mesa — um royal flush.
Perséfone olhou para as cartas. Ela ainda não tinha pegado as
dela, mas não precisava. Não havia dúvida em sua mente de que
ele havia vencido esta rodada.
— Ação, Senhora Perséfone. A ação tem peso para mim.
Ela se levantou para encontrá-lo e seus lábios se chocaram. A
língua de Hades se enroscou na dela e suas mãos agarraram seus
quadris. Ele se contorceu, sentando-se e arrastando-a para seu
colo, puxando as alças de seu vestido para baixo, segurando seus
seios, apertando seus mamilos até que estivessem tensos entre
seus dedos.
Perséfone engasgou e mordeu o lábio com força, provocando um
grunhido que a fez estremecer. Seus lábios deixaram os dela e
desceram sobre seus seios, lambendo e chupando, roçando cada
mamilo com os dentes. Perséfone se agarrou a ele, os dedos
enroscando-se em seu cabelo, libertando-o da amarração, puxando
os fios com mais força quanto mais ele trabalhava.
Então ele puxou o vestido dela e a puxou para cima da mesa.
— Tenho pensado em você todas as noites desde que me deixou
no banho — disse ele, abrindo bem as pernas dela, pressionando-a
contra ela. — Você me deixou desesperado, inchado com a
necessidade apenas de você. — ele gemeu. Por um momento, ela
pensou que em troca, ele poderia deixá-la desesperada, mas então
ele disse:
— Mas eu serei um amante generoso.
Ele se abaixou e beijou a parte interna de sua coxa, seguindo
com sua língua girando até chegar ao centro dela. Então as mãos
dele a espalharam mais e ela o sentiu lá, uma língua testando,
então uma exploração mais profunda, e ela se arqueou para fora da
mesa, gritando. Ela estendeu a mão para ele, desejando enredar os
dedos em seu cabelo escuro, mas ele agarrou seus pulsos e os
segurou do lados e falou contra ela.
— Eu disse que seria um amante generoso, não gentil.
Ela se contorceu contra ele enquanto ele trabalhava,
pressionando seus quadris contra ele apenas para senti-lo mais
profundamente, e ele entregou-se, liberando-a para afundar os
dedos em seu centro úmido. Ela não conseguiu evitar que os
gemidos escapassem de sua boca. Ele a levou ao limite, e ela
resistiu, querendo prolongar esse êxtase o máximo possível, mas
ele se tornou feroz e perverso, e ela chamou seu nome repetidas
vezes — um canto que combinava com seus golpes até que ela
gozou.
Ela não teve tempo para se recompor. Hades estendeu a mão
para ela, arrastando-a para sua boca. Ela se deliciou nos lábios dele
e alcançou os botões de sua camisa, mas Hades agarrou seus
pulsos, parando-a. Ela ficou ainda mais confusa quando ele colocou
as alças de seu vestido no lugar.
— O que você está fazendo? — ela questionou.
— Paciência, querida. — Ele se atreveu a rir.
Ela era tudo menos paciente, o calor entre suas pernas havia
sido apenas aumentado, e ela estava desesperada para ser
preenchida.
Ele a abraçou e saiu de seu escritório para os corredores do
palácio.
— Onde estamos indo? — ela perguntou, as mãos em punhos
em sua camisa. Ela estava pronta para arrancá-la de seu corpo —
para vê-lo nu diante dela, para conhecê-lo tão intimamente quanto
ele a conhecia.
— Para os meus aposentos. — ele disse.
— E não pode teletransportar?
— Eu prefiro que todo o palácio saiba que não devemos ser
perturbados.
Perséfone corou. Ela compartilhava apenas metade desse
desejo, e era para não ser perturbada.
Ele a abraçou enquanto caminhava, e a realidade de por que eles
estavam indo para seu quarto a invadiu. Não havia retorno quanto a
isso, ela sabia desde o início. A noite que eles compartilharam na
piscina foi uma das experiências mais estimulantes de sua vida,
mas esta noite seria uma das mais devastadoras.
A escuridão deles se uniria. Depois dessa noite, esse deus
sempre seria uma parte dela.
Depois que eles estavam dentro dos aposentos de Hades, ele
pareceu sentir a mudança nos pensamentos dela. Ele a colocou no
chão a mantendo perto. Ela se encaixou perfeitamente em seu
corpo, e ela teve o pensamento fugaz de que eles sempre deveriam
ficar juntos assim.
— Não precisamos fazer isso — ele disse.
— Eu quero você. Seja o meu primeiro — seja meu tudo. — Ela
pegou as lapelas da jaqueta dele e o ajudou a tirá-la.
Era todo o encorajamento que ele precisava. Os lábios de Hades
encontraram os dela, suavemente no início, e então eles se
juntaram com mais urgência. Ele se afastou e a virou, abrindo o
zíper de seu vestido. A seda vermelha caiu, amontoando-se no chão
a seus pés. Ela ainda usava salto alto, mas ficou nua diante dele.
Hades gemeu e deu a volta para encará-la. Seus ombros
estavam contraídos, suas mãos em punhos e sua mandíbula
cerrada, e ela sabia que ele estava fazendo tudo ao seu alcance
para manter o controle.
— Você é linda, minha querida.
Ele a beijou novamente, e Perséfone se atrapalhou com sua
camisa até que Hades assumiu, fazendo um trabalho rápido com os
botões, então ele estendeu a mão para ela, mas ela deu um passo
para trás. Por um momento, os olhos de Hades escureceram, e
então Perséfone disse:
— Retire seu glamour.
Ele olhou para ela com curiosidade.
— Você quer me foder com esta coroa, eu quero foder um deus.
— Ela encolheu os ombros.
Seu sorriso era diabólico e ele respondeu:
— Como quiser.
O glamour de Hades evaporou como fumaça ondulando no ar. O
preto de seus olhos se derreteu em um azul eletrizante, e dois
chifres de gazela pretos saíram em espiral de sua cabeça. Ele
parecia maior do que nunca, preenchendo todo o espaço com sua
presença sombria.
Ela não teve tempo de apreciar a aparência dele, porque assim
que seu glamour caiu, ele a alcançou e a ergueu do chão,
colocando-a na cama. Ele beijou seus lábios novamente, e então
seu pescoço, arrastando sua língua sobre um mamilo e o outro. Ele
ficou lá por um tempo, trabalhando cada um em um botão apertado.
Perséfone tentou alcançar o botão de sua calça, mas ele se afastou,
rindo.
— Ansiosa por mim, Deusa? — Ele beijou sua barriga e, em
seguida, suas coxas.
Ele se sentou de joelhos, e Perséfone pensou que ele
pressionaria sua boca em seu centro mais uma vez, mas ao invés
disso ele se levantou, tirando cada um de seus sapatos e então o
resto de suas roupas.
Ela nunca se cansaria de vê-lo nu. Ele era pecado e sexo, e seu
cheiro a envolvia, agarrando-se a seu cabelo e pele. Seus olhos
caíram em sua ereção, grossa e inchada. Ela estendeu a mão para
pegá-lo, sem medo, sem pensar, e enquanto suas mãos rodeavam
seu sexo quente, ele sibilou.
Ela gostou do som. Ela se ocupou dele — para cima e para
baixo, da base à ponta e com cada gemido que escapava de sua
boca, Perséfone ficava mais confiante. Ela se inclinou e deu um
beijo na ponta de seu pênis.
— Chupa.
E então ela o levou em sua boca e Hades se apoiou contra seus
ombros. Ela não sabia o que fazer — ela nunca tinha feito isso
antes, mas gostava do gosto de sal na pele dele. Os dentes dela
roçaram o topo de sua cabeça enquanto ela o movia para dentro e
para fora, e logo seus quadris se moveram também, mais e mais
rápido até que ele a puxou para longe.
Confusa, ela perguntou:
— Fiz alguma coisa errada?
— Não. — Sua risada era sombria, sua voz rouca, seus olhos
predatórios.
Sua mão agarrou sua nuca e ele a beijou, sua língua alcançando
profundamente antes que ele se afastasse e dissesse:
— Diga-me que você me quer.
— Eu quero você. — Ela estava ofegante e desesperada.
Ele a empurrou para trás e subiu sobre ela, cobrindo seu corpo
com o dele, esticando-se para que ela sentisse a pressão de sua
ereção contra seu estômago.
— Me diga que você mentiu. — ele disse.
— Pensei que suas palavras não significava nada.
Ele deu-lhe um beijo contundente, e seu toque tirou o calor de
sua pele, abrindo um caminho por todos os lugares que ele passou.
— Suas palavras importam. — ele disse. — Somente as suas.
Ela envolveu as pernas em volta da cintura dele e puxou-o contra
seu calor.
— Você quer que eu te foda? — ele perguntou.
Ela assentiu.
— Me diga. — ele disse. — Você usou palavras para dizer que
não me queria, agora use palavras para dizer que sim.
— Eu quero que você me foda. — declarou.
Ele gemeu e a beijou com força antes de provocá-la movendo
seu pênis para cima e para baixo em sua entrada úmida. Ela o
puxou em sua direção, incitando-o a entrar e Hades riu — ela
rosnou, frustrada.
— Paciência, querida. Eu tive que esperar por você.
— Sinto muito. — disse ela, com a voz baixa, sincera — e então
ele a preencheu completamente.
Ela gritou, a cabeça caindo para trás no travesseiro. Ela cobriu a
boca para ficar quieta, mas Hades removeu sua mão, segurando
seus punhos acima dela.
— Não, me deixe ouvir isso. — ele rosnou.
Ele a estocou uma e outra vez. Não havia nada lento ou suave
em seus movimentos, e com cada impulso, ele falava, e ela gritava
em êxtase.
— Você me deixou desesperado. — disse ele, puxando para fora
até que mal estava dentro dela. Então ele enfiou com força para
dentro dela.
— Tenho pensado em você todas as noites desde então.
Enfiar.
— E cada vez que você dizia que não me queria, eu sentia suas
mentiras.
Enfiar.
— Você é minha.
Enfiar.
— Minha.
Ele se moveu mais profundo e mais rápido, bombeando dentro
dela. Ela se perdeu nele e a pressão cresceu em seu estômago e
explodiu. Hades foi logo em seguida. Ela o sentiu pulsar dentro dela
e então ele se retirou, uma onda de calor se espalhou por sua coxa.
Ele desabou contra ela, encharcado de suor e sem fôlego.
Depois de um momento, ele recuou, pressionando beijos em seu
rosto — seus olhos, suas bochechas, seus lábios.
— Você é um teste, Deusa. Uma provação enviada a mim pelos
Destinos.
Ela não conseguia pensar direito o suficiente para responder.
Suas pernas tremiam e ela estava gloriosamente exausta.
Quando Hades se mexeu, ela o alcançou.
— Não. Não saia.
— Eu voltarei, minha querida. — Ele riu, beijando-a mais uma
vez.
Ele se foi por um momento e voltou com uma toalha umedecida.
Ele a limpou, então a pegou, encaixando suas costas contra seu
peito e puxando-a para perto. Envolvida em seu calor, ela
adormeceu.
Algum tempo depois, Perséfone acordou com Hades se
esfregando nela por trás, sua ereção dura e grossa contra seu
traseiro. Enquanto ele agarrava seus quadris, ele traçou beijos por
seu pescoço. Sua necessidade por ele superou sua exaustão, e ela
virou a cabeça, encontrando seus lábios macios, desesperada para
saboreá-lo novamente.
Hades a guiou de costas e subiu em cima dela, beijando-a até
que ela ficar sem fôlego. Ela tentou alcançá-lo, desejando entrelaçar
os dedos em seu cabelo macio, mas ele a conteve, prendendo seus
punhos sobre sua cabeça. Ele usou a posição a seu favor,
mordiscando seus lóbulos das orelhas, beijando seu pescoço e
roçando seus mamilos com os dentes. Cada sensação causava um
gemido ofegante da garganta de Perséfone, e os sons pareciam
alimentar a luxúria de Hades. Ele fez o seu caminho para suas
coxas e não perdeu tempo separando suas pernas e lambendo seu
calor úmido. Seus dedos se juntaram, a pressionando com força e
rápido, trabalhando-a até que seus gemidos viessem em rápida
sucessão, até que ela mal pudesse respirar, e quando gozou, foi
com o nome dele em seus lábios — a única palavra que ela disse
desde que isso começou.
Hades não disse nada, perdido em uma atordoado de desejo, e
se levantou para cobri-la mais uma vez, posicionando-se em sua
entrada. Ele afundou profundamente, suas estocadas rudes e
selvagens.
Em algum ponto, ele a ergueu como se ela não pesasse nada,
sentando-se sobre os calcanhares e agarrando seus quadris, ele a
moveu para cima e para baixo em seu sexo. A sensação dele dentro
dela era perfeita, e ela ficou sedenta para senti-lo mais
profundamente e mais rápido. Ela colocou os braços em volta do
pescoço dele e se moveu contra ele. Suas bocas se juntaram,
dentes arranhando, línguas procurando. Juntos, eles cavalgaram
onda após onda de sensações irracionais e vieram juntos,
desabando em uma pilha de membros, suor e respirações pesadas.
Antes de adormecer novamente, ela teve o pensamento fugaz de
que, se esse fosse seu destino, ela o reivindicaria com prazer.
19
UM TOQUE DE PODER

PERSÉFONE ACORDOU PARA ENCONTRAR Hades dormindo ao lado


dela. Ele estava deitado de costas, lençóis pretos cobrindo a metade
inferior de seu corpo, deixando os contornos de sua barriga
expostos. Seu cabelo espalhou-se sobre o travesseiro, sua
mandíbula coberta por uma barba por fazer, e ela desejou estender
a mão e traçar suas sobrancelhas, nariz e lábios perfeitos. Mas ela
não queria acordá-lo e o movimento parecia muito íntimo.
Ela percebeu que soava ridículo, considerando o que havia
acontecido entre eles na noite anterior. Ainda assim, tocá-lo sem
convite ou aceitação parecia algo que uma amante poderia fazer, e
Perséfone não se sentia como a amante de Hades.
Ela nem tinha a certeza se queria ser amante. Ela sempre
imaginou se apaixonar como algo inebriante, quase tímido, mas as
coisas com o Senhor dos Mortos não tinham sido nada tímidas. Sua
atração era carnal, ávida e ardente. Isso roubou seu fôlego,
abarrotou sua mente, invadiu seu corpo.
O calor começou a crescer na boca do estômago, acendendo o
desejo que ela sentiu com tanta força ontem. Respira, ela disse a si
mesma, desejando que o calor de dissipasse.
Depois de um momento, ela escorregou para fora da cama,
encontrou o manto preto que Hades havia emprestado quando ela
chegou ao submundo e o vestiu. Vagando pela varanda, ela se
permitiu respirar fundo e, no silêncio do dia, todo o peso do que
fizera com Hades desabou sobre ela. Ela nunca tinha estado tão
confusa ou com medo.
Confusa porque seus sentimentos pelo deus estavam todos
confusos — ela estava com raiva dele, principalmente por causa do
acordo, mas por outro lado intrigada; e a maneira como ele a fez se
sentir na noite passada, bem, nada comparado. Ele a tinha
venerado. Ele se expôs, admitindo seu desejo por ela. Juntos, eles
haviam sido vulneráveis, irracionais e selvagens. Ela não precisava
se olhar no espelho para saber que sua pele estava descolorida em
todos os lugares que Hades mordeu, chupou e agarrou. Ele tinha
explorado partes dela que ninguém mais tinha.
E foi onde o medo entrou.
Ela estava se perdendo neste deus, neste mundo abaixo do seu.
Antes, quando tudo o que eles compartilharam foi um momento de
fraqueza nos banhos, ela poderia ter jurado ficar longe e levar a
sério, mas se ela dissesse isso agora, seria apenas uma mentira.
O que quer que houvesse entre eles, era poderoso. Ela sentiu
isso no momento em que pôs os olhos no deus. Soube bem no
fundo da sua alma. Cada interação desde então tinha sido uma
tentativa desesperada de ignorar a verdade deles — que eles
deveriam ficar juntos — e Sybil havia confirmado isso na noite
passada.
Era o destino, traçado pelos Destinos.
Mas Perséfone sabia que existiam muitas dessas alianças, e ser
feito um para o outro não significava perfeição ou mesmo felicidade.
Às vezes era caos e conflito — e considerando o quão tumultuada
sua vida tinha sido desde que conheceu Hades, nada de bom viria
do amor deles.
Porque ela estava pensando em amor?
Ela afastou esses pensamentos. Não se tratava de amor.
Tratava-se de satisfazer a atração elétrica que vinha crescendo
entre eles desde a primeira noite no Nevernight. Agora estava feito.
Ela não se permitiria se arrepender; em vez disso, ela o abraçaria.
Hades a fez se sentir poderosa. Ele a fez se sentir como a deusa
que ela deveria ser - e ela gostou de cada parte disso.
Ela respirou fundo enquanto o calor subia do fundo da sua
barriga. Enquanto ela inalava o ar fresco do Submundo, ela sentiu
algo ... diferente.
Era cálido. Era uma vibração. Era vida.
Parecia distante, como uma memória que ela sabia que existia,
mas não conseguia lembrar, e quando começou a desaparecer, ela
a perseguiu.
Descendo os degraus para o jardim, ela parou na pedra negra, o
coração disparado. Ela tentou se acalmar novamente, prendendo a
respiração até que seu peito se apertou.
Justamente quando ela pensou que tinha perdido o controle, ela
sentiu a pulsação leve como uma pena nas extremidades de seus
sentidos.
Magia.
Era magia. Sua magia!
Ela saiu do caminho e vagou pelos jardins. Cercada por rosas e
peônias, ela fechou os olhos e respirou fundo. Quanto mais calma
ela ficava, mais vida sentia ao seu redor. Aqueceu sua pele e
mergulhou profundamente em suas veias, tão inebriante quanto a
luxúria que sentia por Hades.
— Você está bem?
Os olhos de Perséfone se abriram e ela se virou para o Deus dos
Mortos alguns passos atrás dela. Ela ficou ao lado dele com
frequência, mas esta manhã, no jardim cercado por flores e vestindo
apenas uma manta em volta da cintura e ainda em sua forma
Divina, ele pareceu engolir sua visão. Seus olhos caíram de seu
rosto para seu peito e para baixo, traçando todos os planos de seu
corpo que ela tocou e provou na noite passada.
— Perséfone? — Sua voz assumiu um tom lascivo, e quando ela
encontrou seu olhar novamente, ela sabia que ele estava se
contendo. Ela conseguiu sorrir.
— Estou bem — ela disse.
Hades respirou fundo e se aproximou dela, segurando seu queixo
entre os dedos. Ela pensou que ele iria beijá-la, mas em vez disso
ele perguntou:
— Você não está se arrependendo de nossa noite juntos?
— Não! — Seus olhos baixaram e ela se repetiu em voz baixa.
— Não.
— Eu acho que não poderia lidar com o seu arrependimento. —
O polegar de Hades passou sobre seu lábio inferior.
Ele a beijou, seus dedos enroscados em seu cabelo, e segurou a
parte de trás de sua cabeça,mantendo-a contra ele. Não demorou
muito para que seu manto se abrisse, deixando sua pele mais
sensível exposta pela manhã. As mãos de Hades percorreram seu
corpo, agarrando suas coxas, e ele a levantou e empurrou dentro
dela. Ela engasgou e o segurou com força, movendo-se contra ele
com mais força e mais rápido, sentindo onda após onda de prazer
correr por seu corpo enquanto a vida vibrava ao seu redor.
Foi inebriante.
Perséfone enterrou o rosto na curva do pescoço de Hades,
mordendo com força enquanto se despedaçava em seus braços.
Um grunhido rasgou sua garganta, e ele bombeou dentro dela com
mais força até que ela o sentiu pulsar dentro dela. Ele a segurou por
um momento enquanto eles respiravam pesado um contra o outro
antes de se retirar e ajudá-la a se deitar. Ela se agarrou a ele, com
as pernas trêmulas, temendo cair. Hades pareceu notar e a pegou,
embalando-a contra ele.
Perséfone fechou os olhos. Ela não queria que ele visse o que
havia neles. Era verdade que ela não se arrependia da noite
passada ou desta manhã, mas ela tinha perguntas, não apenas para
ele, mas para ela mesma. O que eles estavam fazendo? O que esta
noite significava para eles? O futuro deles? O acordo dela? O que
faria ela da próxima vez que as coisas começassem a ir longe
demais?
Eles voltaram para o quarto de Hades e tomaram banho, mas
quando Perséfone foi pegar seu vestido abandonado, ela franziu a
testa. Era muito elegante para usar no Submundo, e ela planejava
ficar um pouco.
— Você ... tem algo que eu possa vestir?
— O que você está usando vai ficar bem. — Hades deu a ela um
olhar avaliador.
— Você prefere que eu perambule pelo seu palácio nua? Na
frente de Hermes e Caronte... — Ela deu a ele um olhar penetrante.
Hades travou o maxilar.
— Pensando bem ... — Ele desapareceu e voltou em um
instante, carregando um pedaço de tecido em um belo tom de
verde. — Me permite vestir você?
Ela engoliu em seco. Estava se acostumando com esses tipos de
palavras saindo de sua boca, mas ainda assim, era estranho. Ele
era antigo, poderoso e maravilhoso. Ele era conhecido por sua
avaliação implacável de almas e pechinchas impossíveis, e ainda
assim ele estava pedindo para vesti-la depois de uma noite de sexo
apaixonado.
As maravilhas nunca cessariam?
Ela assentiu com a cabeça, e Hades começou a trabalhar
envolvendo o tecido ao redor de seu corpo. Ele levou seu tempo,
usando a tarefa como uma desculpa para tocar, beijar e provocar, e
quando ele terminou, o corpo dela estava vermelho. Foi preciso tudo
o que ela tinha para o deixar se afastar. Ela queria exigir que ele
terminasse o que começou, mas então eles nunca sairiam desta
sala.
Ele a beijou antes de deixarem seus aposentos para uma bela
sala de jantar. Era quase ridículo, vários lustres trilhavam o meio do
teto e um brasão de ouro pendurado na parede sobre uma cadeira
ornamentada em forma de trono, no final de uma mesa de banquete
de ébano cheia de cadeiras. Era um salão de banquetes para mais
do que apenas ela e Hades.
— Você realmente come aqui? — Perséfone perguntou.
Os lábios de Hades se curvaram. — Sim, mas não com
frequência. Eu geralmente pego e levo meu café da manhã. — Os
lábios de Hades se curvaram
Hades puxou uma cadeira e ajudou Perséfone a se sentar. Assim
que ele se sentou, duas ninfas entraram no refeitório com bandejas
de frutas, carne, queijo e pão. Minthe os seguiu e, quando as ninfas
colocaram a comida na mesa, ela ficou entre Perséfone e Hades.
— Meu Senhor. — disse Minthe. — Você tem uma agenda cheia
hoje.
— Libere a manhã. — ele disse sem olhar para ela.
— Já são onze, meu Senhor. — disse Minthe rigidamente.
Hades encheu seu prato e quando terminou, olhou para
Perséfone.
— Você não está com fome querida?
Embora ele a chamasse de querida desde que se conheceram,
ele nunca dissera isso na frente de ninguém. Um olhar para Minthe
disse-lhe que a ninfa não gostou.
— Não. — ela disse. — Eu... geralmente bebo só café no café da
manhã.
Ele a encarou por um momento, e então, com um movimento de
seu pulso, uma xícara fumegante de café apareceu diante dela.
— Creme? Açúcar?
— Creme. — Ela sorriu, e quando foi dado, ela colocou as mãos
em volta da caneca. — Obrigada.
— Quais são seus planos para hoje? — Hades perguntou.
Perséfone levou um momento para perceber que ele estava
falando com ela.
— Preciso de escrever...
Ela parou abruptamente.
— Seu artigo? — Hades concluiu.
Ela não sabia o que ele estava pensando, mas sentiu que não
era bom.
— Eu estarei lá em breve, Minthe. — Hades disse por fim, e o
coração de Perséfone caiu. — Deixe-nos.
— Como desejar, meu senhor. — Havia uma nota de diversão na
voz de Minthe que Perséfone odiava.
Quando eles estavam sozinhos, Hades perguntou:
— Então, você vai continuar a escrever sobre meus defeitos?
— Eu não sei sobre o que vou escrever dessa vez. — ela disse.
— Eu...
— Você o quê?
— Eu esperava poder entrevistar algumas de suas almas.
— Aquelas da sua lista?
— Não quero escrever sobre a Gala Olímpica ou O Projeto
Halcyon — ela explicou. — Todos os outros jornais se jogarão
nessas histórias.
Hades olhou para ela por um longo momento, depois limpou a
boca com o guardanapo, afastou-se da mesa e se levantou,
caminhando em direção à saída. Perséfone o seguiu.
— Pensei que tínhamos concordado que não nos deixaríamos
um ao outro quando estivéssemos zangados? Você não solicitou
que trabalhássemos nisso?
Hades virou-se para ela.
— É que não estou particularmente animado por minha amante
continue a escrever sobre minha vida.
Ela corou ao ouvi-lo chamá-la de amante. Ela pensou em corrigi-
lo, mas desistiu.
— É o meu trabalho. Eu não posso simplesmente parar.
— Não teria sido o seu trabalho se tivesse atendido o meu
pedido.
— Você nunca solicita nada, Hades. Tudo é uma ordem. Você me
mandou não escrever sobre você. Você disse que haveria
consequências. — Perséfone cruzou os braços sobre o peito.
Seu rosto mudou então, e o olhar que ele deu a ela era mais
cativante do que zangado. Isso fez seu coração palpitar.
— E ainda assim você fez isso de qualquer maneira.
Ela abriu a boca para negar, porque a realidade era que ela não
tinha — Adonis tinha, e apesar do fato de que ela realmente não
gostava do verme mortal, ela não queria que Hades soubesse que
ele era o responsável. Na verdade, ela preferia lidar sozinha com
Adonis.
— Eu deveria ter esperado. — disse ele, passando o dedo ao
longo de sua mandíbula, inclinando a cabeça para trás. — Você é
desafiadora e está com raiva de mim.
— Eu não estou ... — ela começou a dizer, mas então as mãos
de Hades seguraram seu rosto.
— Devo lembrá-la de que eu posso sentir as mentiras, querida?
— Ele roçou seu lábio inferior com o polegar. — Eu poderia passar o
dia todo beijando você.
— Ninguém está te impedindo. — disse ela, surpresa com as
palavras que saíram de sua boca. De onde vinha essa ousadia?
Mas Hades apenas riu e pressionou seus lábios nos dela.
20
ELÍSIO

MAIS OU MENOS UMA HORA DEPOIS, Hades deu uma volta


com Perséfone do lado de fora. Ele segurou a mão dela, os dedos
entrelaçados, e chamou um nome no ar.
— Thanatos!
Perséfone ficou surpresa quando um deus vestido de preto
apareceu diante deles. Ele era jovem e seu cabelo era branco, o
que fazia com que o resto de suas feições se destacassem em
cores vivas - olhos safira e lábios vermelho-sangue. Dois chifres
pretos e curtos, ligeiramente curvos e com pontas agudas,
projetavam-se na lateral de sua cabeça. Grandes asas negras,
pesadas e agourentas, brotaram de suas costas.
— Meu senhor, minha senhora. — Thanatos curvou-se perante
eles.
— Thanatos, a Senhora Perséfone tem uma lista de almas que
ela gostaria de conhecer. Importa-se em acompanhá-la?
— Seria uma honra, meu senhor.
Então Hades olhou para ela.
— Vou deixá-la aos cuidados de Thanatos.
— Te vejo mais tarde? — ela perguntou.
— Se você desejar. — Ele levantou a mão dela aos seus lábios.
Ela corou quando Hades beijou seus dedos, o que parecia tão bobo
considerando todos os lugares onde aqueles lábios estiveram.
Hades deve ter pensado a mesma coisa, porque ele riu baixinho
e desapareceu.
Perséfone se virou para encarar Thanatos, encontrando aqueles
olhos azuis marcantes.
— Então, você é Thanatos.
— O próprio. — O deus deu de ombros.
Ela ficou impressionada com o quão gentil e reconfortante sua
voz soou. Ela imediatamente se sentiu confortável com ele e havia
uma parte de seu cérebro que percebeu que devia ser um de seus
dons — confortar os mortais cujas almas ele estava prestes a
colher.
— Confesso que estava ansioso por conhecê-la. — Thanatos
acrescentou. — As almas falam bem de você.
— Gosto de estar com eles. Até visitar Asfódelo, não tinha uma
visão muito pacífica do submundo. — Ela sorriu.
— Imagino que sim. O Mundo Superior tornou a morte um mal, e
suponho que não posso culpá-los. — Seu sorriso era simpático,
como se ele entendesse.
— Você é muito compreensivo — observou ela.
— Bem, eu passo muito tempo na companhia de mortais, e
sempre em seus piores ou mais difíceis momentos.
Ela franziu o cenho. Parecia triste que essa era a existência de
Thanatos, mas o Deus da Morte rapidamente acalmou:
— Não lamente por mim, minha senhora. A sombra da morte é
muitas vezes um conforto para os moribundos.
Ela decidiu que realmente gostava de Thanatos.
— Vamos encontrar essas almas com quem você deseja falar? —
ele perguntou, mudando rapidamente de assunto.
— Sim, por favor. — Ela entregou-lhe a lista que tinha feito no
seu primeiro dia no Jornal Nova Atenas quando começou a sua
pesquisa sobre o Hades. — Pode me levar a algum desses?
As sobrancelhas do Thanatos juntaram-se enquanto ele lia a lista,
e ele riu. Ela não achou que isso fosse um bom sinal.
— Se me permite, por que essas almas?
— Creio que todos tinham algo em comum antes de morrerem:
um contrato com o Hades.
— Eles tinham. — Surpreendeu Perséfone que ele soubesse
tanto. — E deseja ... entrevistá-los? Para o seu artigo?
— Sim. — Perséfone se encontrou respondendo hesitantemente,
de repente insegura. Thanatos compartilhava da visão de Minthe
sobre ela?
O Deus da Morte dobrou o pedaço de papel e disse:
— Vou levá-la até eles. Mas acho que vai ficar desapontada.
Ela não teve tempo de perguntar por que, quando Thanatos
esticou as asas, dobrou-as ao redor dela e se teletransportou.
Quando ele a soltou de seu aperto de penas, eles estavam no
centro de um campo. A primeira coisa que Perséfone notou foi o
silêncio, era diferente aqui, uma coisa tangível que tinha peso e
pressionava contra suas orelhas. A grama sob seus pés era
dourada e as árvores altas e viçosas, pesadas com frutas,
completando a imagem de beleza e paz.
— Onde nós estamos?
— São os Campos Elísios. Da lista de nomes que você me deu,
essas almas residem aqui.
— Eu... não entendo. Elísio é um paraíso.
Os Campos Elísios eram conhecidos como a Ilha dos
Abençoados, reservada para heróis e aqueles que viviam uma vida
pura e justa dedicada aos deuses. Isso estava longe de ser a
verdade das almas na lista que ela deu a Thanatos. Essas eram
pessoas que haviam lutado na vida, que tomaram decisões ruins —
uma delas sendo uma barganha com Hades — que acabou com
suas vidas.
Thanatos ofereceu a ela um pequeno sorriso, como se
entendesse sua confusão.
— É um paraíso. É um santuário. É para onde os aflitos vêm para
se curar em paz e solidão - é para onde Hades enviou as almas da
lista que você forneceu quando morreram.
Ela olhou para a planície onde várias almas ficavam. Eles eram
lindos fantasmas, vestidos de branco e brilhantes, mas mais do que
isso, ela sabia que este lugar os estava curando. Seu coração ficou
mais leve, aliviado pela frustração e raiva que sentiu nos últimos
meses.
— Por quê? Ele se sentiu culpado?
Thanatos deu-lhe um olhar confuso.
— Ele é a razão pela qual eles morreram. — explicou. — Ele fez
uma barganha com eles e, quando não conseguiram cumpri-la, ele
levou suas almas.
— Ah. — Thanatos disse. — Você entendeu mal. Hades não
decide quando as almas vêm para o Submundo. Os Destinos o
fazem...
— Mas ele é o Senhor do Submundo. Ele faz os contratos!
— Hades é o Senhor do Submundo, mas ele não é a morte, nem
é o destino. Você pode ver uma barganha com um mortal, mas
Hades está realmente barganhando com os Destinos. Ele pode ver
o fio da vida de cada ser humano, sabe quando sua alma está
sobrecarregada e deseja mudar a trajetória. Às vezes, os Destinos
tecem um novo futuro, às vezes eles cortam o fio.
— Certamente ele tem influência?
— É um equilíbrio. Todos nós compreendemos isso. Hades não
pode salvar todas as almas e nem todas as almas querem ser
salvas. — Thanatos encolheu os ombros.
Ela ficou quieta por um longo momento, percebendo agora que
ela realmente não estava ouvindo Hades. Ele havia dito a ela antes
que o destino estava envolvido em sua tomada de decisão, e que
era um equilíbrio, um dar e receber. No entanto, ela não tinha
pensado duas vezes sobre as palavras dele.
Ela não tinha pensado em muitas coisas.
Mas isso não mudou o fato de que ele poderia oferecer aos
mortais um caminho melhor para superar suas lutas. O que isso
significava é que as intenções de Hades eram muito mais nobres do
que qualquer coisa que Perséfone lhe deu crédito.
— Por que ele não me contou? — ela retrucou.
Por que ele a deixou pensar essas coisas horríveis sobre ele? Ele
queria que ela o odiasse?
— O Senhor Hades não tem o hábito de tentar convencer o
mundo de que é um deus bom. —Thanatos continuava sorrindo.
Você o pior tipo de deus, ela havia dito a ele.
Seu peito apertou com a memória, e ela não conseguia conciliar
seus sentimentos. Embora ela estivesse aliviada por Hades não ser
tão monstruoso ou indiferente como ela pensava inicialmente, por
que ele a arrastou para um acordo? O que ele viu quando olhou
para ela?
Thanatos ofereceu seu braço para Perséfone, e ela aceitou. Eles
caminharam pelo campo despercebidos, ao contrário de Asfódelo,
as almas aqui eram quietas e contentes por estarem sozinhas. Nem
parecia que eles perceberam que dois deuses caminhavam entre
eles.
— Eles falam? — ela perguntou.
— Sim, mas as almas que residem em Elísio devem beber do
Letes. Eles não podem ter memórias de seu tempo no Mundo
Superior, se eles vão reencarnar.
— Como eles podem se curar se não possuem memória?
— Nenhuma alma já se curou por viver no passado. - respondeu
Thanatos.
— Quando eles reencarnam?
— Quando eles curam.
— E quanto tempo leva para curar?
— Isso varia ... meses, anos, décadas, mas não há pressa. —
respondeu Thanatos. — Tudo o que temos é tempo.
Ela supôs que isso era verdade para todas as almas, vivas ou
mortas.
— Existem algumas almas que irão encarnar dentro de uma
semana. — disse Thanatos. — Eu suponho que as almas em
Asfódelo estão planejando uma celebração. Você deveria se juntar a
elas.
— E você? — Perséfone perguntou.
— Eu não acho que as almas desejam que seu ceifador se junte
a elas para uma celebração. — Ele deu uma risada curta.
— Como você sabe?
Thanatos abriu a boca, hesitou, então admitiu:
— Suponho que não.
— Eu acho que você deveria ir. Todos nós deveríamos, inclusive
Hades
As sobrancelhas de Thanatos se ergueram e um sorriso
apareceu em seu rosto.
— Você pode contar com a minha presença, minha senhora,
porém, eu não posso falar pelo Senhor Hades.
Eles caminharam um pouco em silêncio, e então Perséfone disse:
— Hades faz muito por suas almas ... exceto viver ao lado delas.
Thanatos não respondeu imediatamente, e Perséfone fez uma
pausa, encarando o Deus da Morte.
— Quando Asfódelo o celebrou, ele me disse que não foi porque
não era digno de sua comemoração — acrescentou ela. — Por quê?
— O Senhor Hades carrega muitos fardos, como todos nós
carregamos. O mais pesado deles é o arrependimento.
— Arrependimento de quê?
— Que nem sempre foi tão generoso.
Perséfone deixou esse comentário ser assimilado. Então, Hades
se arrependeu do seu passado e, portanto, se recusou a celebrar
seu presente? Isso foi ridículo e prejudicial. Talvez a razão pela qual
ele nunca tentou mudar o que os outros pensavam dele foi porque
ele acreditava em todas as coisas que as pessoas diziam.
Ele provavelmente acreditou nela, é por isso que suas palavras
eram tão importantes para ele.
— Venha, minha senhora. — disse Thanatos. — Vou te mostrar o
caminho de volta para o palácio.
Enquanto os dois caminhavam, ela perguntou:
— Quanto tempo se passou desde que ele deu uma festa no
palácio?
— Não sei se alguma vez o fez. — As sobrancelhas de Thanatos
se levantaram.
Isso estava prestes a mudar, assim como a opinião de Hades
sobre si mesmo.
Antes de Perséfone deixar o Mundo Inferior, ela parou para deixar
Hécate saber de seus planos e também de sua recém-descoberta
habilidade de sentir a vida.
— Você tem certeza? — Os olhos de Hécate se arregalaram.
— Pode me ajudar, Hécate? — ela assentiu.
Ela estava feliz em sentir a magia, mas não tinha ideia de como
explorá-la. Se ela pudesse aprender a usá-la e rápido, ela poderia
cumprir os termos de seu acordo com Hades.
— Minha querida. — disse Hécate. — Claro, eu vou te ajudar.
21
UM TOQUE DE INSANIDADE

QUANDO PERSÉFONE VOLTOU PARA casa no domingo, ela


ficou acordada até tarde e trabalhou em seu artigo, terminando por
volta das cinco da manhã. Ela decidiu escrever sobre a gala e o
Projeto Halcyon, e começou o artigo com um pedido de desculpas,
escrevendo, Eu estava errada sobre o Deus do submundo. Eu o
acusei de envolver mortais descuidadamente em barganhas que
levaram à morte deles. O que aprendi é que esses acordos são
muito mais complicados e os motivos muito mais puros.
Ela manteve sua declaração original de que Hades deveria
oferecer ajuda de uma maneira diferente, mas reconheceu que o
Projeto Halcyon foi, na verdade, um resultado direto de uma
conversa que eles tiveram, acrescentando: “Quando outros deuses
podem retaliar por minha crítica honesta de seu caráter, o Senhor
Hades fez perguntas, ouviu e mudou. O que mais poderemos querer
de nossos deuses do que isso?"
Perséfone riu para si mesma. Nunca em sua vida ela teria
pensado que sugeriria que Hades era o padrão pelo qual todos os
outros deuses deveriam ser medidos, mas quanto mais ela aprendia
sobre ele, mais sentia que poderia ser o caso. Não que Hades fosse
perfeito, na verdade, era sua imperfeição e disposição para
reconhecê-lo que o tornava um deus diferente de qualquer outro.
Você ainda tem um acordo com ele, ela lembrou a si mesma
antes de colocar o Senhor do Submundo em um pedestal muito alto.
Depois de sua visita a Elísio e sua conversa com Thanatos, ela
queria fazer muitas perguntas a Hades ontem: por que eu? O que
você vê quando olha para mim? Qual fraqueza você quer desafiar
em mim? Que parte de mim você esperava salvar? Que destino os
Destinos forjaram para mim que você queria desafiar?
Mas ela não teve a chance. Quando Hades voltou para o
Submundo, ele a pegou em seus braços e a levou para a cama,
esmagando todos os pensamentos racionais.
Voltar para casa tinha sido exatamente o que ela precisava, havia
dado a ela a distância para se lembrar que se ela quisesse ... o que
quer que estivesse entre ela e Hades para funcionar, o acordo tinha
que terminar.
Depois de algumas horas de sono, Perséfone se preparou para o
dia, ela teve que dedicar algumas horas ao estágio e depois ir para
a aula. Enquanto estava na cozinha fazendo café, ouviu a porta da
frente bater.
— Voltei! — Lexa gritou.
— Como foi seu fim de semana? — Perséfone sorriu e serviu
uma xícara para ela, deslizando-a pelo balcão quando ela apareceu.
— Mágico. — Lexa se iluminou.
Perséfone inalou, mas ela poderia compreender, se perguntou se
ela e sua melhor amiga tiveram experiências semelhantes.
— Estou feliz por você Lex. — ela disse isso antes, e ela diria
muitas vezes depois.
— Obrigada pelo café. — Lexa começou a ir em direção a seu
quarto, mas parou. — Eu queria perguntar ... como estava o
Submundo?
— Como assim? — Perséfone congelou.
— Perséfone. Eu sei que você saiu com Hades na noite de
sábado. É tudo sobre o que todo mundo conseguia falar: a garota de
vermelho, roubada para o Submundo.
— Alguém — ninguém sabia que era eu, certo? — Ela
empalideceu.
— Quero dizer, Hades tinha acabado de anunciar o Projeto
Halcyon, que foi inspirado por você, então as pessoas chegaram às
suas próprias conclusões. — Lexa parecia um pouco solidária
Perséfone gemeu. Isso é tudo que ela precisava, mais pressão
sobre seu suposto relacionamento com Hades.
Uma parte muito sombria e muito barulhenta de sua mente de
repente se perguntou se o comportamento de Hades na festa de
gala tinha sido intencional. Ele estava procurando uma maneira de
desviar a atenção de suas artimanhas pondo os holofotes em um
relacionamento? E se fosse esse o caso, ela era apenas um peão?
— Eu sei que você prefere não reconhecer o que está
acontecendo entre você e Hades. — Lexa acrescentou: — Mas eu
sou sua melhor amiga. Você pode me contar tudo. Você sabe disso,
certo?
— Eu sei, eu sei. Eu realmente não pretendia partir com ele. Eu
ia chamar um táxi e então ... —Sua voz sumiu.
— Ele te arrebatou? — Lexa balançou as sobrancelhas, e
Perséfone não pôde deixar de rir. — Me diz só uma coisa ... ele
beijou você?
Perséfone corou e admitiu:
— Sim.
— Oh, meus deuses, Perséfone! Você tem que me contar tudo!
— Lexa gritou.
— Eu tenho que ir, almoço com Sybil? — Perséfone olhou par o
relógio.
— Eu não perderia por nada neste mundo.
Apesar de deixar seu apartamento tarde, Perséfone demorou a
caminhar para o trabalho, deleitando-se com a sensação de vida ao
seu redor. Ela ainda estava descrente. Sua magia veio à tona e
despertou no Submundo. Ela ainda não tinha ideia do que fazer com
isso, ela não sabia como controlar o que sentia ou usá-lo para criar
ilusões, mas planejava encontrar Hécate esta noite para as aulas.
Quando ela chegou à Acrópole, Demetri pediu para vê-la. Ele
ofereceu algumas revisões em seu artigo e antes que ela se
sentasse para trabalhar neles, ela foi para a sala de descanso para
pegar um café.
— Ei, Perséfone. — Adonis disse ao se juntar a ela. Ele deu seu
sorriso mais encantador, como se isso pudesse apagar o passado e
construir um futuro totalmente novo.
— Eu realmente não estou com vontade de falar com você. —
Ela o olhou com raiva.
Ela não precisava olhar para ele para saber que ele havia parado
de sorrir. Ele provavelmente estava chocado que seu sorriso não
tivesse funcionado com sua mágica usual.
— Você realmente vai parar de falar comigo? Você sabe que é
impossível. Nós trabalhamos juntos.
— Ainda serei profissional. — disse ela.
— Você não está sendo muito profissional agora.
— Na verdade, eu não preciso bater papo com você para ser
profissional. Só tenho de fazer o meu trabalho.
— Ou você pode me perdoar. — Adonis disse. — Eu estava
bêbado e mal toquei em você.
Mal me tocou? Ele puxou seu cabelo e tentou abrir sua boca à
força. Além disso, seu toque, não importa se leve ou agressivo, era
completamente indesejado.
Perséfone o ignorou, saindo da sala de descanso. Ele a seguiu.
— Isso é sobre Hades? — ele questionou. — Você está
dormindo com ele?
— Essa não é uma pergunta apropriada, Adonis, e também não é
da sua conta.
— Ele disse para você ficar longe de mim, não disse?
Perséfone virou para encará-lo. Ela nunca conheceu ninguém
que fosse tão alheio a seus próprios erros.
— Sou capaz de tomar as minhas próprias decisões. Achei que
você se lembraria disso depois de roubar meu artigo. — ela
retrucou. — Mas, só para esclarecer, não quero falar com você
porque você é um manipulador, nunca assume a responsabilidade
por seus erros e me beijou quando eu disse especificamente para
não fazer isso, o que o torna um predador.
Houve uma pausa pesada enquanto as palavras de Perséfone
atingiam o alvo. Adonis levou um momento, mas ele finalmente
pareceu entender o que ela estava dizendo. Suas narinas dilataram-
se e ele cerrou os punhos, os nós dos dedos ficando brancos.
— Sua vadia!
— Adonis. — A voz de Demetri interrompeu a conversa como um
chicote. Atordoada, Perséfone se virou para ver seu chefe parado
do lado de fora de seu escritório. Ela nunca tinha pensado que ele
fosse passível da raiva que viu em seu rosto. — Um minuto.
Adonis parecia chocado, e ele olhou para Perséfone como se ela
fosse a culpada.
Quando o mortal desapareceu no escritório de Demetri, seu chefe
deu-lhe um olhar de desculpas antes de segui-lo e fechar a porta.
Dez minutos depois, um oficial de segurança chegou ao andar e
entrou no escritório de Demetri. Depois de um momento, o oficial,
Demetri e Adonis surgiram. Adonis estava flanqueado pelos dois e
quando passou pela mesa de Perséfone, ele estava rígido, com os
punhos cerrados. Ele murmurou baixinho:
— Isso é ridículo. Ela é uma delatora.
— Você mesmo se dedurou. — disse Demetri.
Eles desapareceram na direção de sua mesa e reapareceram
levando Adonis ao elevador com uma caixa nas mãos.
Quando Demetri voltou, ele se aproximou da mesa de Perséfone.
— Você tem um minuto?
— Sim. — ela disse calmamente, e seguiu-o até o escritório dele.
Uma vez lá dentro, ela se sentou e Demetri fez o mesmo.
— Quer me contar o que aconteceu?
Ela explicou — apenas a parte em que Adonis roubou seu artigo
e o enviou sem seu conhecimento, porque essa era a única parte
que realmente contava no trabalho.
— Por que você não me contou?
— Eu queria entregá-lo de qualquer maneira. Aconteceu mais
rápido do que eu esperava. — Perséfone encolheu os ombros.
— No futuro, quero que você venha até mim quando se sentir
injustiçada, Perséfone. Sua satisfação neste emprego é importante
para mim. — Demetri fez uma careta.
— Eu... agradeço.
— E eu vou entender se você quiser parar de escrever os artigos
sobre Hades.
— Você entenderia? Mas por quê? — Ela o encarou.
— Não vou fingir que não estou ciente da frustração e estresse
que isso causou a você. — disse ele, e ela teve que admitir que
ficou um pouco surpresa por ele ter notado. — Você se tornou
famosa da noite para o dia e ainda nem terminou a faculdade.
— Mas e os leitores? — Ela deixou seus olhos caírem para as
mãos, torcendo os dedos nervosamente.
. — Esse é o lance sobre as notícias. Há sempre algo novo. —
Demetri encolheu os ombros.
Perséfone deu uma risadinha e considerou as coisas. Se ela
parasse de escrever agora, ela não sentia que faria justiça à história
de Hades. Ela começou com uma crítica severa a ele e, talvez de
forma egoísta, ela queria explorar outras facetas de seu
personagem. Ela percebeu que não precisava escrever um artigo
para fazer isso, mas uma parte dela queria mostrar Hades na luz.
Ela queria que os outros o vissem como ela veio a fazê-lo - como
gentil e atencioso.
— Não. — ela disse. — Tudo bem. Eu quero continuar com a
série ... por agora.
— Tudo bem, mas se você desejar encerrar, quero que me avise.
— Demetri sorriu.
Ela concordou e voltou para sua mesa, incapaz de se concentrar
em suas tarefas. Ela ainda se sentia um pouco trêmula por causa do
encontro com Adonis. Na verdade, ela esperava que não chegasse
a esse ponto, mas depois de hoje, ela sabia que era a decisão certa.
Ela achou que não esqueceria a expressão em seu rosto — ela viu
e sentiu sua raiva.
Depois do trabalho, ela foi para o campus. Durante a aula, ela
achou mais difícil concentrar-se. Sua noite de insônia a estava
afetando e, embora fizesse anotações, no final da aula, quando
tentava ler o que havia escrito, eram apenas rabiscos.
Ela realmente precisava de um pouco de descanso.
Um toque no seu ombro a fez pular. Ela se virou e olhou para o
rosto de uma garota com traços pequenos de fada e salpicadas de
sardas bonitas. Os olhos dela eram grandes e redondos.
— Você é Perséfone Rosi, certo?
Ela estava se acostumando com essa pergunta e aprendendo a
temê-la.
— Sou eu. — ela disse hesitante. — Posso... te ajudar?
A garota pegou uma revista que estava em cima dos livros que
ela aninhava contra o peito. Era a Delphi Divino, sua capa uma
imagem de Hades desta vez. Perséfone ficou chocada — Hades
tinha realmente se permitido ser fotografado. O título dizia Deus do
Submundo credita jornalista pelo do Projeto Halcyon.
Perséfone pegou, folheando as páginas e começou a ler,
revirando os olhos.
Provavelmente a pior parte, além do artigo sugerindo que a razão
para o projeto era porque Hades se apaixonou pela “linda mortal
loira”, foi que eles conseguiram uma foto dela. Foi a foto que eles
tiraram para o estágio dela no Jornal Nova Atenas.
— É verdade? — a garota perguntou. — Você está mesmo
namorando o Senhor Hades?
Perséfone olhou para ela e se levantou, colocando sua mochila
no ombro. Ela não achava que havia uma palavra para descrever o
que estava acontecendo entre ela e o Deus dos Mortos. Hades a
chamara de sua amante, mas Perséfone ainda se descreveria como
uma prisioneira, e esse seria o caso até que o contrato fosse
rescindido.
Ao invés de responder a garota, ela perguntou:
— Você sabe que a Delphi é uma revista de fofoca?
— Sim, mas...ele criou o Projeto Halcyon só para você.
— Não é para mim. — Ela passou pela garota. — É para os
mortais em necessidade.
— Ainda assim, você não acha que é romântico?
— Ele ouviu. Não há nada de romântico sobre isso. — Perséfone
parou e se virou para encarar a garota.
A garota piscou, confusa.
— Não estou interessada em romantizar Hades por fazer algo
que todos os homens deveriam fazer. — Perséfone explicou.
— Então, você não acha que ele gosta de você? — ela
perguntou.
— Eu preferiria que ele me respeitasse. — ela respondeu. O
respeito poderia construir um império. A confiança poderia torná-lo
inquebrável. O amor poderia fazê-lo durar para sempre. E ela
saberia que Hades a respeitava quando removesse essa marca
estúpida em sua pele.
— Com licença. — disse ela, e foi embora. Estava perto do
almoço e ela tinha aquele encontro com Lexa e Sybil.
Perséfone deixou o pavilhão de Héstia e cruzou o campus,
cortando o Jardim dos Deuses, seguindo o caminho de pedra
familiar, passando pela estátua de mármore de Apollo, quando o
cheiro da magia de Hades a atingiu. Foi o único aviso que ela teve
antes de ser teletransportada. Ela apareceu em uma parte diferente
do jardim, onde narcisos floresciam, ficando cara a cara com Hades.
Ele estendeu a mão, agarrou sua nuca e trouxe seus lábios aos
dela. Ela o beijou avidamente, mas estava distraída pelo artigo e
seus pensamentos sobre o acordo.
Quando ele se afastou, olhou para ela por um minuto e
perguntou:
— Você está bem?
Seu estômado embrulhou. Ela não estava acostumada com essa
pergunta, ou a forma como ele a fazia, em sua voz ecoava com
sinceridade e preocupação.
— Sim. — respondeu ela sem fôlego. Diga a ele, pergunte sobre
o contrato, ela ordenou a si mesma. Exija que ele a liberte se ele
quiser estar com você. Em vez disso, ela perguntou:
— O que você está fazendo aqui?
— Eu vim me despedir. — Os cantos de sua boca se ergueram e
ele roçou o polegar na parte inferior de seu lábio.
— O quê? — A pergunta saiu mais enfática do que ela queria. O
que ele quis dizer com dizendo adeus?
— Eu tenho que ir a Olympia para o Conselho. — Ele riu
baixinho.
O Conselho dos deuses ocorria trimestralmente, a menos que
houvesse uma guerra. Se Hades estava indo, isso queria dizer que
Deméter também iria.
— Oh. — Ela abaixou a cabeça, desapontada. — Quanto tempo?
— Se eu tiver algo a dizer sobre isso, um dia e nada mais. — Ele
encolheu os ombros.
— Por que você não teria uma palavra a dizer?
— Depende de quanto Zeus e Poseidon discutem.
Ela queria rir, mas, depois de vê-los na festa de gala, ela teve a
sensação de que a discussão deles não era bonita, mas brutal.
Ainda pior do que Zeus ou Poseidon, Perséfone se perguntou como
sua mãe trataria o Deus dos Mortos.
Ela estremeceu e tentou encontrar o olhar de Hades, mas os
olhos dele caíram para a revista. Ele a tirou de cima de suas coisas
e franziu a testa, depois franziu ainda mais a testa depois que ela
perguntou:
— É por isso que você anunciou o Projeto Halcyon no baile de
gala? Então as pessoas se concentrariam em algo diferente da
minha análise do seu caráter?
— Você acha que criei o Projeto Halcyon pela minha reputação?
— Você não queria que eu continuasse escrevendo sobre você.
Você disse isso ontem. — Ela deu de ombros.
Ele a encarou por um momento, claramente frustrado.
— Não comecei o Projeto Halcyon na esperança de que o mundo
me admirasse. Eu comecei por sua causa.
— Por quê?
— Porque eu vi verdade no que você disse. É realmente tão difícil
assim de acreditar?
Ela realmente não conseguia responder, e as sobrancelhas de
Hades se juntaram com força.
— Minha ausência não afetará sua habilidade de entrar no
Submundo. Você pode entrar e sair quando quiser.
Ela não gostou do quão distante ele pareceu de repente, e ele
nem tinha ido ainda. Ela se aproximou dele e inclinou a cabeça para
trás para poder olhar em seus olhos.
— Antes de você ir, eu estava pensando. — ela disse, e alcançou
a lapela de sua jaqueta. — Eu gostaria de dar uma festa no
Submundo ... para as almas.
As mãos de Hades se fecharam sobre seus punhos. Seus olhos
estavam investigando, e ela não tinha certeza se ele iria afastá-la ou
puxá-la para mais perto.
— Que tipo de festa?
—Thanatos me disse que as almas vão reencarnar no fim da
semana e que Asfódelo já está planejando uma festa. Eu acho que
deveríamos mudá-la para o palácio.
— Nós?
— Estou perguntando se posso planejar uma festa no Submundo.
— Perséfone mordeu o lábio e corou. Ele apenas olhou para ela,
então ela continuou: — Hécate já concordou em ajudar.
— Ela concordou? — As sobrancelhas dele se levantaram.
— Sim. — Seus olhos caíram para onde suas palmas agora
descansavam, abertas em seu peito. — Ela acha que deveríamos
ter um baile.
Ele ficou quieto por tanto tempo que ela pensou que ele devia
estar com raiva, então ela olhou para cima para encontrar seu olhar.
— Você está tentando me seduzir para que eu concorde com seu
baile? — ele perguntou.
— Está funcionando?
Ele riu e a puxou para mais perto. Sua ereção estava dura contra
sua barriga e ela engasgou. Era a única resposta que ela precisava,
e mesmo assim ele disse em seu ouvido:
— Está funcionando. — Ele a beijou profundamente e a soltou. —
Planeje seu baile, Senhora Perséfone.
— Volte logo para casa, Senhor Hades.
Ele sorriu maliciosamente antes de desaparecer.
Ela percebeu naquele momento, ela estava com medo de dizer
qualquer coisa sobre o contrato porque isso poderia significar
decepção. Pode significar a compreensão de que isso nunca
funcionaria.
Isso acabaria com ela.

***
Perséfone encontrou Lexa e Sybil para almoçar em A Maçã
Dourada. Felizmente, com Sybil presente, Lexa não fez perguntas
sobre o beijo, embora fosse possível que Sybil já soubesse dos
detalhes. As meninas falaram sobre as provas finais, formatura, gala
e Apollo.
Tudo começou porque Lexa perguntou a Sybil:
— Então, você e Apollo, estão..?
— Namorando? Não.— Sybil disse. — Mas acho que ele espera
que eu concorde em ser sua amante.
Perséfone e Lexa trocaram um olhar.
— Espera. — disse a Lexa. — Ele pediu? Tipo... por permissão?
Sybil sorriu, e Perséfone admirou como o oráculo podia falar
sobre isso com tanta facilidade.
— Ele perguntou e eu disse não.
— Você disse a Apollo, o Deus do Sol, perfeição encarnada, não?
— Lexa parecia ligeiramente chocada. — Por quê?
— Lexa, você não pode perguntar isso! — Perséfone a
repreendeu.
Sybil apenas sorriu e disse:
— Apollzo não amará uma só pessoa e eu não desejo
compartilhar.
Perséfone entendeu por que Sybil não queria se envolver com o
deus. Apollo tinha uma longa lista de amantes que abrangiam
divinos, semidivinos e mortais e, como a lista do Deus da Luz
provou, ele nunca ficou com uma pessoa por muito tempo.
A conversa passou para fazer planos para o fim de semana e,
uma vez que decidiram onde se encontrariam para beber e dançar,
Perséfone partiu para o Mundo Inferior.
Ela regou seu jardim e foi encontrar Hécate em sua cabana. Era
uma casa pequena, aninhada em uma clareira escura e, embora
fosse charmosa, havia algo ... agourento sobre ela. Talvez fosse por
causa da coloração — o revestimento era cinza-escuro, a porta de
um roxo-escuro e a hera subia pela casa, cobrindo as janelas e o
telhado.
Lá dentro, era como se ela tivesse entrado em um jardim cheio
de flores desabrochando à noite, glicínias roxas espessas
penduradas no alto como aglomerados de estrelas em uma noite de
apagão, enquanto um tapete de nicotiana branca cobria o chão.
Uma mesa, cadeiras e cama eram feitas de madeira preta macia
que parecia ter crescido na formação de cada peça. Esferas
erguiam-se no ar e Perséfone levou um momento para reconhecer o
que realmente eram — Lâmpades, com tochas, pequenas e belas
criaturas parecidas com fadas com cabelos como a noite, enfeitados
com flores brancas e pele prateada.
Hécate não estava sentado na cama ou na mesa, mas no chão
gramado. Suas pernas estavam dobradas sob ela e seus olhos
estavam fechados. Uma vela preta acesa tremeluziu na frente dela.
— Hécate? — Perséfone chamou, batendo no batente da porta,
mas a deusa não se mexeu. Ela deu um passo mais para dentro da
sala. — Hécate?
Ainda sem resposta. Era como se ela estivesse adormecida.
Perséfone se curvou e apagou a vela, e os olhos de Hécate se
abriram. Por um momento, ela parecia positivamente perversa, seus
olhos de um preto infinito, e Perséfone de repente entendeu o tipo
de deusa que Hécate poderia se tornar se ela fosse pressionada, o
tipo de deusa que transformou Gale, a bruxa, em Gale, a doninha.
Quando ela reconheceu Perséfone, ela sorriu.
— Bem-vinda de volta, minha senhora.
— Perséfone. — ela corrigiu, e o sorriso de Hécate se alargou.
— Estou apenas experimentando. — disse ela. — Você sabe,
para quando você se tornar a senhora do Submundo.
— Você está se antecipando, Hécate. — Perséfone corou
ferozmente.
A deusa levantou uma sobrancelha e Perséfone revirou os olhos.
— O que você estava fazendo? — Perséfone perguntou.
— Apenas amaldiçoando um mortal. — Hécate respondeu quase
alegremente, agarrando a vela e se levantando. Ela a guardou e se
virou para Perséfone.
— Já regou seu jardim, querida?
— Sim.
— Vamos começar?
Ela foi rápida para começar a trabalhar, ordenando que
Perséfone se sentasse no chão. Perséfone hesitou, mas após o
encorajamento de Hécate para ver se seu toque ainda levava vida,
ela se ajoelhou no chão. Quando ela pressionou as mãos na grama,
nada aconteceu.
— Incrível. - sussurrou Perséfone.
Hécate passou a próxima meia hora conduzindo-a através de
uma meditação que deveria ajudá-la a visualizar e usar seu poder.
— Você deve praticar a invocação de sua magia. — Hécate
disse.
— Como eu faço isso?
— A magia é maleável. Quando você pedir, imagine-a como
argila, molde-a no que você deseja e então ... dê-lhe vida.
— Você faz parecer fácil. — Perséfone abanou a cabeça.
— É fácil. — Hécate disse. — Basta acreditar.
Perséfone não tinha certeza sobre isso, mas ela tentou fazer
como Hécate instruiu. Ela imaginou a vida que sentia nas glicínias
acima dela como algo que ela poderia moldar e desejou que as
plantas ficassem maiores e mais vibrantes, mas quando ela abriu os
olhos, nada havia mudado.
Hécate deve ter notado sua decepção, porque ela colocou a mão
no ombro de Perséfone.
— Vai levar tempo, mas você vai dominar isso.
Perséfone sorriu para a deusa, mas murchou por dentro. Ela não
tinha escolha a não ser dominar isso se ela fosse cumprir seu
contrato com Hades, porque, por mais que gostasse do Rei do
Submundo, ela não tinha nenhum desejo de ser uma prisioneira de
seu reino.
— Perséfone?
— Sim?
Ela piscou, olhando para Hécate, que sorriu.
— Pensando no nosso Rei?
— Todo mundo sabe, não? — Perséfone desviou o olhar.
— Bem, ele carregou você através do palácio até o quarto dele.
Ela olhou para a grama. Ela não pretendia ter essa conversa e,
embora doesse falar as palavras, ela disse:
— Não tenho certeza se deveria ter acontecido.
— Por que não?
— Por muitos motivos, Hécate.
A deusa esperou.
— O contrato, por exemplo. — Perséfone explicou. — E minha
mãe nunca vai me deixar sair de sua vista novamente se ela
descobrir. — Perséfone fez uma pausa. — E se ela conseguir ver
quando olhar para mim? E se ela souber que não sou a deusa
virginal que ela sempre quis?
— Nenhum deus tem o poder de determinar se você é virgem. —
Hécate riu.
— Não um deus, mas uma mãe.
— Você se arrepende de ter dormido com Hades? Esquece sua
mãe e o contrato — você se arrepende? — Hécate franziu a testa.
— Não. Eu nunca poderia me arrepender dele.
— Minha querida, você está em guerra com você mesma. Isso
criou escuridão dentro de você.
— Escuridão?
— Raiva, medo, ressentimento. — disse Hécate. — Se você não
se libertar primeiro, ninguém mais pode.
Perséfone sabia que a escuridão sempre existiu dentro dela, e se
aprofundou nos últimos meses, subindo à superfície quando ela se
sentia desafiada ou com raiva. Ela pensou em como ela ameaçou
aquela ninfa na cafeteria, como ela ralhou com sua mãe, como ela
tinha ciúmes de Minthe.
Sua mãe poderia alegar que o mundo mortal tinha feito isso com
ela, transformou a escuridão em algo tangível, entretanto, Perséfone
sabia que era o contrário. Sempre esteve lá, uma semente escura,
alimentando seus sonhos e suas paixões, e Hades a despertou,
encantou e alimentou.
Deixe-me arrancar a escuridão de você, vou te ajudar a moldá-
la.
E ela o deixou.
— Quando você sentiu a vida pela primeira vez? — Hécate
perguntou, curiosa.
— Depois que Hades e eu... — ela não precisou terminar a frase.
— Hmm. — A Deusa da Magia deu um tapinha em seu queixo. —
Eu acho que, talvez, o Deus dos Mortos tenha criado vida dentro de
você.
22
O BAILE DE ASCENSÃO

NA SEXTA-FEIRA, HADES NÃO HAVIA retornado de Olympia, e


Perséfone ficou surpresa com a ansiedade que isso causou nela.
Ela sabia que ele planejava estar no Baile da Ascensão esta noite
porque quando ela chegou ao Submundo para ajudar a decorar,
Hécate a conduziu para outra parte do palácio para se preparar, ela
cumprimentou Perséfone com:
— Senhor Hades enviou seu vestido. É lindo.
— Posso ver? — Perséfone não tinha ideia de que Hades
planejava enviar-lhe um vestido.
— Mais tarde, querida. — ela disse, abrindo um conjunto de
portas douradas para uma suíte diferente do resto do palácio. Em
vez de pisos e paredes escuros, eles eram de mármore branco
incrustados de ouro. A cama era luxuosa e coberta com cobertores
fofos, o chão com peles macias. Acima, um grande lustre pendia de
um teto abobadado.
— Esses quartos, para quem são? — Perséfone perguntou ao
entrar, arrastando os dedos ao longo da borda de uma penteadeira
branca.
— Para a Senhora do Submundo. — Hécate respondeu.
Perséfone deixou isso penetrar um pouco. Ela sabia que Hades
havia criado tudo em seu reino, então adicionar uma suíte para uma
esposa deve ter significado que ele considerou ter uma. Ela se
lembrou do que Hermes havia mencionado sobre o assunto no
baile. Esses quartos provaram que o deus tinha esperanças de se
casar?
— Mas ... Hades nunca teve uma esposa. — Perséfone se
esquivou.
— Não ele não tem.
— Então ... esses quartos nunca foram ocupados?
— Não que estejamos cientes. Venha, vamos deixá-la pronta.
Hécate chamou por suas lampades e elas começaram a
trabalhar. Perséfone tomava banho e, enquanto se reclinava na
banheira, as ninfas de Hécate faziam suas unhas. Uma vez que ela
estava seca, eles esfregaram óleos em sua pele. Eles cheiravam a
lavanda e baunilha - seus aromas favoritos. Quando ela disse isso,
Hécate sorriu.
— Ah, o Senhor Hades disse que você os amava.
— Não me lembro de ter dito a Hades meus aromas favoritos.
— Eu não acho que você precisava. - disse ela distraidamente.
— Ele pode cheirá-los.
Ela direcionou Perséfone para a penteadeira com um espelho tão
grande que ela podia ver toda a parede do lado oposto da sala. As
ninfas demoraram a arrumar seu cabelo, empilhando-o no alto da
cabeça. Quando terminaram, lindos cachos emolduravam seu rosto
e grampos de ouro brilhavam em seu cabelo loiro.
— Está lindo. — Perséfone disse as lâmpades. — Eu amei.
— Espere até ver seu vestido. — Hécate disse.
A Deusa da Bruxaria desapareceu no armário e voltou com uma
tira de tecido dourado cintilante. Perséfone não poderia dizer como
era até que ela o colocou. O tecido estava frio contra sua pele e
quando ela se olhou no espelho, ela mal se reconheceu. O vestido
que Hades escolheu para ela pendia em seu corpo como ouro
líquido. Com um decote profundo, design sem costas e divisão na
altura das coxas, era lindo, ousado e delicado.
— Você parece uma miragem. — Hécate disse.
— Obrigada, Hécate. — Perséfone sorriu.
A Deusa da Bruxaria saiu para se preparar para as festividades
desta noite, deixando Perséfone sozinha.
— Este é o mais próximo que eu já pareci com uma deusa. — ela
disse em voz alta, alisando as mãos sobre o vestido.
A sensação repentina da magia de Hades, quente, segura e
familiar, a fez parar. Ela se preparou para se teletransportar, desde a
última vez que sentiu isso, foi exatamente o que aconteceu. Desta
vez, no entanto, Hades apareceu atrás dela. Ela encontrou seus
olhos escuros no espelho e começou a se virar, mas a voz de Hades
soou:
— Não se mexa. Deixe-me olhar para você.
Suas instruções eram mais um pedido do que uma ordem, e ela
engoliu em seco, mal conseguindo lidar com o calor que sua
presença acendeu dentro dela. Ele irradiava poder e escuridão, e
seu corpo respondeu: ansiava pelo poder, ansiava pelo calor,
ansiava pela escuridão. Ela queimava para tocá-lo, mas segurou
seu olhar por um momento antes que ele começasse um lento
círculo ao redor dela.
Quando ele terminou, ele passou um braço em volta da cintura
dela, puxando-a de volta contra seu peito, unindo seus corpos.
— Retire seu glamour.
— Por quê? — Ela hesitou. Na verdade, seu glamour humano era
sua segurança, e o comando de Hades a fez querer segurá-lo com
mais força.
— Porque desejo ver você. — ele disse.
Seu aperto aumentou o glamour, mas Hades persuadiu em uma
voz que a fez derreter.
— Deixe-me ver você.
Ela fechou os olhos e soltou o seu poder. Seu glamour se esvaiu
como água escorrendo por sua pele, e ela soube quando ele se foi
completamente, porque se sentiu aliviada e primária.
— Abra seus olhos. — Hades encorajou, e quando ela o fez, ela
estava em sua forma de deusa.
Tudo sobre sua presença havia se intensificado, e ela brilhava
contra a escuridão de Hades.
— Querida, você é uma deusa. — disse Hades, e pressionou os
lábios em seu ombro. Perséfone envolveu a mão em seu pescoço,
puxando-o para ela, seus lábios colidiram, e quando Hades grunhiu,
Perséfone se virou em seus braços.
— Eu senti sua falta. — Ele segurou o rosto dela, os olhos
procurando. Ela se perguntou o que ele estava procurando.
— Eu também senti sua falta.
A admissão a fez corar, e Hades sorriu, puxando-a para outro
beijo. Seus lábios roçaram os dela, uma, duas vezes, provocando,
antes de Perséfone selar seus lábios. Ela estava faminta e ele tinha
um gosto rico e enfumaçado, como o uísque que bebia. As mãos
dela deslizaram pelo peito dele, ela queria tocá-lo, sentir sua pele
contra a dela, mas Hades a deteve com as mãos em seus punhos,
interrompendo o beijo.
— Estou igualmente ansioso, minha querida. — disse ele. —
Mas se não sairmos agora, acho que vamos perder sua festa.
Ela queria fazer beicinho, mas também sabia que ele tinha razão.
— Vamos? — ele perguntou, estendendo a mão.
Quando ela o pegou, Hades abandonou seu glamour. Ela podia
assistir o dia todo, a forma como sua magia se movia como sombra,
descolando dele como fumaça, revelando sua forma
impressionante. Seu cabelo caía sobre os ombros, e uma coroa de
prata feita de pontas recortadas decorava a base de seus chifres
enormes. O terno que ele estava usando momentos atrás foi
substituído por mantos pretos, as bordas bordadas em prata.
— Cuidado, Deusa. — advertiu Hades em um rugido baixo. — Ou
não sairemos deste quarto.
Ela estremeceu e rapidamente desviou o olhar.
Com os dedos entrelaçados, ele a conduziu para fora da suíte e
para o corredor, para um conjunto de portas douradas. Atrás deles,
ela podia ouvir o estrondo baixo de uma grande multidão. Sua
ansiedade aumentou, provavelmente porque ela não tinha glamour
para protegê-la. Ela percebeu que era bobagem, ela conhecia essas
pessoas e elas a conheciam.
Ainda assim, ela se sentia como uma impostora, uma deusa
impostora, uma rainha impostora, uma amante impostora.
Cada um desses pensamentos doía mais do que o outro, então
ela os empurrou bem fundo e entrou no salão de baile ao lado de
Hades.
Ficou tudo em silêncio.
Eles estavam no topo de uma escada que levava ao térreo do
salão de baile lotado. A sala estava lotada de parede a parede, e ela
reconheceu muitos dos presentes, deuses e almas e criaturas
semelhantes. Ela avistou Euryale, Ilias e Mekonnen. Ela sorriu para
eles, sua ansiedade esquecida, e quando eles se curvaram, Hades
a conduziu escada abaixo.
Enquanto eles caminhavam pela multidão, Perséfone sorriu e
acenou com a cabeça, e quando seus olhos caíram em Hécate, ela
soltou de Hades para pegar suas mãos.
— Hécate! —Você está linda!
A Deusa da Bruxaria estava luminosa, usava um vestido prateado
e brilhante que se ajustava a seu corpo e se alargava. Seus cabelos
grossos e escuros caíam sobre seus ombros e estrelas cintilantes
brilhavam em seus longos cabelos.
— Você me lisonjeia, minha querida. — ela disse enquanto elas
se abraçavam.
De repente, Perséfone se viu cercada por almas. Elas a
abraçaram e agradeceram, contaram como o palácio estava incrível
e como ela era linda. Ela não soube quanto tempo ficou ali,
aceitando abraços e conversando com as pessoas do submundo,
mas foi a música que separou a multidão.
A primeira dança de Perséfone foi com algumas crianças do
Submundo. Eles se moviam em círculos e imploravam para serem
erguidos e girados. Perséfone obedeceu, maravilhada com a alegria
deles enquanto se moviam pelo salão de baile.
Quando a dança terminou, Caronte se aproximou. Ele estava
vestido todo de branco, sua cor usual, exceto que as pontas de suas
vestes eram bordadas com linha azul. Ele se curvou, uma mão
cobrindo o coração.
— Minha senhora, posso ter a próxima dança?
— É claro! — Ela sorriu e pegou sua mão.
Perséfone se juntou a uma dança em linha, serpenteando através
das almas. O ritmo era rápido, e ela logo ficou sem fôlego e corada.
Ela bateu palmas, riu e sorriu até seu rosto doer. Duas danças
depois, ela se virou para encontrar Hermes fazendo uma reverência
atrás dela.
— Minha senhora. — ele disse.
— É Perséfone, Hermes. — falou, pegando sua mão. A música
estava diferente agora, transformando-se em uma melodia lenta e
encantadora.
— Você está quase tão incrível quanto eu. — ele declarou
presunçosamente enquanto eles se moviam pelo salão.
— Que elogio atencioso. — brincou.
— Não sei dizer se é o vestido ou todo o sexo que você tem feito
com o deus deste reino. — O deus sorriu se inclinado.
— Não tem graça, Hermes! — Perséfone corou.
— Não é? — Ele levantou uma sobrancelha.
— Como você sabe?
— Bem, há rumores de que ele carregou você através do palácio
para sua cama.
Perséfone corou ferozmente. Ela nunca perdoaria Hades por
isso.
— Vejo que é verdade.
Perséfone revirou os olhos, mas não negou.
— Então, diga-me... como foi?
— Eu não vou falar sobre isso com você Hermes.
— Aposto que ele é bruto. — Hermes refletiu.
— Você é impossível. — Perséfone desviou o olhar para
esconder seu rubor e sua risada.
— Mas, sinceramente, o amor fica bem em você. — Hermes riu.
— Amor? — ela quase se engasgou.
— Oh, querida! — você ainda não percebeu, não é?
— Percebi o quê?
— Que você está apaixonada por Hades.
— Não estou.
— Estão sim. — ele disse. — E ele ama você.
— Eu quase preferia suas perguntas sobre minha vida sexual. —
ela murmurou.
— Você entrou neste salão como se você fosse a rainha dele.
Você acha que ele deixaria qualquer uma fazer isso? — Hermes riu.
Honestamente, ela não sabia.
— Acho que o Senhor do Submundo encontrou sua noiva.
Ela queria argumentar que Hades não a tinha encontrado, ele a
capturou, mas em vez de dizer isso, ela levantou a sobrancelha para
o Deus da Trapaça.
— Hermes, você está bêbado?
— Um pouco. — ele admitiu timidamente,
Perséfone riu, mas suas palavras entraram em sua mente. Ela
amava Hades? Ela só se permitiu pensar nisso brevemente depois
de sua primeira noite juntos e, em seguida, esmagou esses
pensamentos por completo.
Enquanto Hermes a girava, ela olhou ao redor, procurando por
Hades na multidão. Ela não o tinha visto desde que desceram as
escadas juntos, e ela imediatamente foi cercada por almas. Ela viu-o
sentado num trono escuro. Ele estava reclinado, uma mão levantada
aos lábios, olhando para ela. Thanatos estava de um dos lados,
vestido de preto, suas asas dobradas ordenadamente como uma
capa. Minthe apareceu do outro lado parecendo radiante em um
preto cintilante. Eles eram como um anjo e um demônio nos ombros
do Deus dos Mortos.
Perséfone desviou o olhar rapidamente, mas Hermes pareceu
notar que ela estava distraída e parou de dançar.
— Tudo bem, Sephy. — Ele a soltou. — Vá até ele.
— Está tudo bem... — Perséfone hesitou.
— Reivindique-o, Perséfone.
Ela sorriu para Hermes, e a multidão se separou enquanto ela
caminhava para Hades. Ele a observou, e ela não conseguia
localizar o olhar em seu rosto, mas algo dentro dela foi atraído por
ele. Quando ela se aproximou, sua mão caiu, pousando no braço de
seu trono. Ela se curvou e se levantou.
— Meu senhor, você vai dançar?
Os olhos de Hades estavam acesos e seus lábios se contraíram.
Ele se levantou, uma figura imponente e dominadora, e pegou a
mão dela, levando-a para o salão. As almas abriram espaço,
comprimindo-se contra as paredes para dar-lhes espaço e assistir.
Hades a puxou contra ele, a mão firme em suas costas, a outra
entrelaçada entre os dedos.
Ela tinha estado mais perto dele do que isso, mas havia algo
sobre a maneira como ele a segurava agora acima de todos os seus
assuntos que fez sua pele queimar. O ar ficou mais denso e
carregado entre eles. Eles não falaram por um longo momento,
apenas se entreolharam.
— Você está descontente? — ela perguntou depois de algum
tempo.
— Se estou descontente por você ter dançado com Caronte e
Hermes? — ele perguntou.
Era isso que ela estava perguntando? Ela olhou para ele e ele se
inclinou para frente, pressionando os lábios contra sua orelha.
— Estou descontente por não estar dentro de você.
— Meu senhor, por que você não disse então? — Ela tentou não
sorrir.
— Cuidado, Deusa, eu não tenho dúvidas em levá-la diante de
todo o meu reino. — Os olhos dele escureceram.
— Você não o faria.
O olhar dele era desafiador, me desafie.
Ela não fez.
Eles deslizaram pelo chão em silêncio por um pouco mais de
tempo antes de Hades puxá-la do chão e subir as escadas. Atrás
deles, a multidão aplaudia e assobiava.
— Para onde estamos indo? — ela perguntou.
— Remediar o meu descontentamento. — respondeu ele.
Assim que eles deixaram o salão de baile, ele a conduziu para
uma varanda no final do corredor. Era um espaço amplo, e
Perséfone se distraiu com a vista que oferecia, um Submundo
envolto em escuridão, aceso pela luz das estrelas cintilantes. Ela se
maravilhou com a arte e a atenção aos detalhes.
Era a magia do Hades.
Mas quando ela começou a andar na frente de Hades, ele a
puxou de volta para ele. Seus olhos estavam escuros comunicando
sua necessidade.
— Por que você me pediu para tirar o meu glamour? —
questionou.
— Eu te disse — você não vai se esconder aqui. Você precisava
entender o que é ser um deus. — Hades tirou uma mecha de
cabelo detrás da orelha.
— Eu não sou como você. — ela disse.
— Não, nós temos apenas duas coisas em comum. — Suas
mãos percorreram os braços dela e ele sorriu.
— Que são? — Ela ergueu uma sobrancelha.
— Nós somos ambos Divinos. — ele disse se aproximando. — E
o espaço que compartilhamos.
Ele a ergueu em seus braços, e suas costas encontraram a
parede. As mãos de Hades estavam quase desesperadas, puxando
seu vestido e separando as vestes. Ele entrou profundamente
dentro dela sem aviso e ambos gemeram. A testa dele descansou
contra a dela e ela respirou fundo.
— É isso que é ser um deus?
Hades recuou para encontrar o seu olhar.
— É assim que é ter meu favor. — ele respondeu, e se moveu,
deslizando para dentro e para fora, invadindo-a da maneira mais
deliciosa. Seus olhares se sustentaram e suas respirações
tornaram-se mais pesadas, mais rápidas.
A cabeça de Perséfone caiu para trás, a pedra penetrou em seu
couro cabeludo e nas costas, mas ela não se importou. Cada
estocada tocou algo profundo dentro dela, criando sensação após
sensação.
— Você é perfeita. — ele disse, dedos torcendo em seu cabelo.
Ele segurou a parte de trás de sua cabeça, seus impulsos
provocados enquanto ele diminuía a velocidade, movendo-se em
um ritmo que assegurava que ela pudesse sentir cada parte dele.
— Você é linda. Eu nunca quis como eu quero com você.
Sua confessão veio com um beijo, e então Hades bombeou para
dentro e para fora dela com mais força do que nunca e o corpo dela
o devorou. Eles gozaram juntos, seus gritos abafados por seus
lábios apertados.
Hades retirou-se com cuidado, segurando-a contra ele até que
suas pernas parassem de tremer. Então o céu pegou fogo atrás
deles, e Hades a puxou para a beira da varanda.
— Observe. — ele disse.
No horizonte escuro, o fogo disparou para o céu, desaparecendo
em uma trilha de faíscas brilhantes.
— As almas estão retornando para o mundo mortal. — Hades
disse. — Isto é reencarnação.
Perséfone observou com admiração enquanto mais e mais almas
subiam para o céu, deixando rastros de fogo em seu despertar.
— É lindo. — ela disse.
Era magia.
Abaixo, os residentes do Submundo se reuniram no pátio de
pedra, e quando as almas finais se ergueram no ar, eles explodiram
em aplausos, a música começou novamente e a alegria continuou.
Perséfone se viu sorrindo, e quando ela olhou para Hades, ele
estava olhando para ela.
— O que foi? — ela perguntou.
— Deixe-me venerar você. — confessou ele.
Ela se lembrou das palavras que sussurrou para ele no banco
traseiro da limusine depois do La Rose. Você vai me adorar, e eu
nem vou precisar dar ordens. Seu pedido parecia pecaminoso e
tortuoso, e ela se deleitou com isso.
— Sim. — ela respondeu
23
UM TOQUE DE NORMALIDADE

PERSÉFONE ESTAVA ANSIOSA por um encontro com Hades.


Fazia algumas semanas desde o Baile da Ascensão, e ela havia
passado muito tempo com ele. Ele começou a procurá-la enquanto
ela estava no Submundo, pedindo-lhe para passear ou jogar um
jogo de sua escolha. Ela começou a fazer pedidos a ele também,
ele brincou com as crianças no submundo, acrescentou uma nova
área de recreação para elas e ofereceu alguns jantares para as
almas e sua equipe.
Foi durante esses momentos que sua conexão com ele cresceu,
e ela descobriu que sentia muito mais paixão por ele do que nunca.
Isso se manifestou quando eles se encontraram tarde da noite,
fazendo amor como se nunca mais fossem se ver. Tudo parecia tão
desesperador, e Perséfone percebeu que era porque nenhum deles
estava usando palavras para comunicar como se sentiam.
E ela sentiu como se estivesse sucumbindo.
Uma noite, depois de um jogo particularmente intenso de strip
pôquer, eles deitaram na cama, a cabeça de Perséfone no peito de
Hades enquanto ele enrolava os dedos distraidamente pelos
cabelos dela.
— Permita-me levá-la para jantar.
— Jantar? Tipo... em público? — Seu olhar se precipitou para o
dele.
Seu estômago apertou com o pensamento, preocupada com a
atenção da mídia. Desde que Hades anunciou o Projeto Halcyon,
mais artigos sobre ela estavam aparecendo em revistas por toda a
Nova Grécia — As Crônicas de Coríntios, Investigador de Ítaca. As
que a deixaram mais ansiosa foram aqueles que tentaram pesquisar
sua história. No momento, eles encontraram o suficiente para
satisfazê-los, escrevendo coisas como se ela tivesse sido educada
em casa até os dezoito anos, quando então ela veio para a
Universidade de Nova Atenas vinda de Olympia. Especializando-se
em Jornalismo, ela encontrou um estágio no Jornal Nova Atenas e
começou a sua relação com Hades depois de uma entrevista.
Era apenas uma questão de tempo até que eles quisessem mais.
Ela deveria saber, ela era jornalista.
— Não exatamente em público. — ele disse. — Mas eu quero te
levar a um restaurante público.
Ela hesitou, e Hades deu-lhe um olhar significativo.
— Eu a manterei em segurança.
Ela sabia que era verdade, e esse deus havia conseguido evitar a
mídia por muito tempo, embora soubesse que isso se devia em
parte ao seu poder de invisibilidade e ao medo que ele sentia nos
mortais.
— Tudo bem. — Ela sorriu. Apesar das suas reservas, era
terrivelmente romântico Hades querer fazer algo assim tão...simples.
Como levá-la para jantar.
Desde aquela noite, tudo estava agitado. A faculdade estava
movimentada, o trabalho estressante e ela havia sido abordada por
estranhos pessoalmente e por e-mail. As pessoas a paravam e
questionavam sobre seu relacionamento com Hades no ônibus,
durante caminhadas e enquanto escrevia na cafeteria. Alguns
jornalistas enviaram e-mail perguntando se poderiam entrevistá-la
para seus jornais, outros ofereceram empregos. Ela adquiriu o
hábito de verificar sua caixa de entrada uma vez por dia e excluir em
massa a maioria dos e-mails que recebia sem lê-los, mas desta vez,
ao fazer login, percebeu no assunto perturbadora: Eu sei que você
está transando com ele.
Os jornalistas eram um pouco mais profissionais do que isso.
O medo se acumulou em sua barriga quando ela clicou no e-mail
e encontrou uma série de fotos. Eram imagens dela com Hades,
todas tiradas no Submundo enquanto eles estavam na varanda
durante o Baile da Ascensão. O e-mail terminou com: Eu quero meu
emprego de volta ou eu soltarei essas fotos na mídia.
O e-mail era de Adonis. Ela pegou o telefone para ligar para ele,
não havia excluído o número dele ainda, e ela percebeu que esta
era a melhor maneira de entrar em contato com ele.
Ela poderia dizer que ele atendeu o telefone, mas ele não
ofereceu uma saudação, apenas esperou que ela falasse.
— Que diabos, Adonis? — ela exigiu. — Onde você conseguiu
essas fotos?
— Tenho certeza de que você gostaria de saber.
— Hades vai esmagar você.
— Ele pode tentar, mas provavelmente não vai querer enfrentar a
ira de Afrodite.
— Você é um cretino.
— Você tem três semanas. — bradou.
— Como é que eu vou conseguir seu emprego de volta para? —
retrucou.
— Você vai pensar em alguma coisa. Você me fez ser demitido.
— Você se fez ser demitido, Adonis. — ela sibilou. — Você não
deveria ter roubado o meu artigo.
— Te tornei famosa. — ele argumentou.
— Você não me fez nada além de uma vítima, e não estou
interessada em continuar neste caminho.
Houve uma longa pausa do outro lado antes de Adonis falar
novamente.
— O tempo está se esgotando, Perséfone.
Ele desligou e ela desligou o telefone, com os pensamentos
acelerados. A coisa mais fácil a fazer era perguntar a Demetri se ele
consideraria contratar Adonis de volta, então ela se levantou e bateu
em sua porta.
— Você tem um minuto?
— Sim, entre. — Seu chefe ergueu os olhos do computador, os
óculos refletindo sua camisa azul e gravata amarela, tornando o
contato visual quase impossível.
Perséfone deu só alguns passos para dentro da sala.
— Quais são as chances de Adonis poder... retornar?
— Ele foi desonesto Perséfone. Eu não tenho interesse em
contratá-lo de novo. — Quando ela acenou, ele perguntou: —
porquê?
— Só me sentindo ... um pouco mal por ele, só isso. — ela falou,
embora as palavras tivessem gosto de sangue em sua boca.
— Está tudo bem? — Demetri tirou os óculos. Ela podia agora ver
os olhos dele, cheios de preocupação e um pouco desconfiados.
— Sim. Sim. Com licença. — ela assentiu.
Ela saiu do escritório de Demetri, arrumou suas coisas e saiu. As
imagens em seu e-mail eram contundentes e, se divulgadas ao
público, provariam que tudo nas revistas de fofoca era verdade.
Bem, não tudo.
Perséfone realmente não poderia dizer que ela e Hades estavam
namorando. Como antes, ela estava hesitante em atribuir qualquer
rótulo ao status atual, dado o acordo. Sem mencionar o fato de que,
se essas fotos fossem divulgadas, sua mãe as veria, e isso
significaria o fim de seu tempo em Nova Atenas, ela nem teria que
se preocupar com a tempestade na mídia que viria como resultado,
porque ela não estaria aqui para isso. Deméter a trancaria para
sempre.
Mesmo enquanto Perséfone se preparava para seu encontro,
algo que deveria ter sido agradável, sua mente estava na ameaça
de Adonis. Ela considerou como deveria lidar com a situação,ela
poderia contar a Hades, e tudo terminaria tão rápido quanto
começou, mas ela não queria o Deus dos Mortos lutando por ela.
Ela queria resolver o problema sozinha.
Ela decidiu que Hades seria o último recurso, uma carta que
puxaria se não conseguisse encontrar uma solução.
Ela deve ter parecido preocupada quando Hades chegou para
buscá-la, porque o Deus do Submundo perguntou quando ela se
aproximou de sua limusine:
— Está tudo bem?
— Sim. — ela conseguiu dizer em sua voz mais alegre possível.
Ele tinha perguntado muito isso, e ela se perguntou se ele era
paranoico. — Só um dia atarefado.
— Então vamos te dar um descanso. — Ele sorriu.
Ele a ajudou a entrar na limusine e entrando logo em seguida.
Antoni estava no banco do motorista.
— Minha senhora. — Ele inclinou a cabeça.
— Bom te ver, Antoni.
O cíclope sorriu.
— Basta pressionar o comunicador se precisar de alguma coisa.
— Então ele fechou uma janela escura que mantinha sua cabine
separada da deles.
Ela e Hades se sentaram lado a lado, perto o suficiente para que
seus braços e pernas se tocassem. A fricção provocou um calor sob
a pele dela. De repente, ela não conseguia ficar confortável e se
mexeu, cruzando e descruzando as pernas. Chamou a atenção de
Hades, e depois de um momento, ele colocou uma mão em sua
coxa.
Ela não tinha certeza do que a possuía para dizer isso — talvez
fosse o estresse do dia ou a tensão na cabine, mas agora, tudo o
que ela queria era se perder nele.
— Eu quero venerar você.
As palavras eram calmas e casuais. Como se ela tivesse
acabado de perguntar como foi seu dia ou comentado sobre o
tempo. Ela sentiu seus olhos sobre ela, e lentamente olhou para ele.
O olhar dele tinha escurecido.
— E como você me veneraria, Deusa? — A voz dele era
profunda e controlada.
Ela tentou reprimir um sorriso e ajoelhou-se no assoalho à sua
frente, colocando-se entre suas pernas.
— Devo te mostrar?
Sua garganta tremia e ele conseguiu dizer em um tom rouco:
— Uma demonstração seria apreciada.
Suas mãos se moveram para o botão de sua calça, onde ela
libertou seu sexo e apertou-o em sua mão, era macio, mas duro, e
ela encontrou o olhar de Hades enquanto o acariciava de uma vez.
Suas mãos se tornaram punhos em suas coxas, e quando ela o
provou, ele gemeu e jogou a cabeça para trás.
Então o carro parou.
— Merda. — ele disse alcançando o botão de comunicação.
Perséfone continuou a tomá-lo profundamente no fundo de sua
garganta, lambendo e chupando-o. Quando Hades falou, ele estava
ofegante.
— Antoni. Dirija até que eu diga o contrário.
— Sim, senhor.
Ele sibilou, respirando entre os dentes. Seus dedos cravaram em
seu couro cabeludo, afrouxando sua trança enquanto ela o
trabalhava com a mão e movia a língua e os dentes sobre a cabeça
de seu pênis. Ele tinha gosto de sal e escuridão, e ele ficou mais
duro e pesado em sua boca.
Ela soube quando o levou à loucura, porque ele pronunciou o
nome dela e começou a empurrar em sua boca. Ela se apoiou no
assento da limusine, incapaz de respirar, apenas de receber. Ele
bateu no fundo de sua garganta repetidamente até que gozou com o
nome dela em seus lábios.
Perséfone tomou tudo dele, lambendo-o e deixando-o limpo.
Quando ela terminou, Hades estendeu a mão para ela, arrastando-a
para um beijo duro antes de grunhir:
— Eu quero você.
— Como você me quer? — Ela inclinou a cabeça, questionando.
— Para começar, vou pegá-la por trás de joelhos. — ele
respondeu sem pensar duas vezes.
— E depois?
— Vou puxar você para cima e ensiná-la a me cavalgar até que
você goze.
— Hum, Eu gosto dessa.
Ela se ergueu e Hades a ajudou a se sentar nele. Ela gemeu
quando ele a encheu, e as mãos de Hades abrangeram sua cintura,
ajudando-a a estabelecer um ritmo até que ela se movesse por
conta própria, usando-o para seu prazer. Os braços dela envolveram
seu pescoço e ela o abraçou. Ela mordeu sua orelha, e quando ele
gemeu, ela sussurrou:
— Diga-me como me sinto.
— Como a vida. — ele respondeu.
Suas mãos se moveram entre eles, e ele a trabalhou,
aumentando a tensão, até que ela não aguentou mais, sua
respiração difícil deu lugar a um grito de êxtase, e ela desabou
contra ele, seu rosto enterrado na curva de seu pescoço.
Ela não sabia por quanto tempo ele a segurou assim, mas em
algum momento, Perséfone escorregou de seu colo e Hades
restaurou sua aparência antes de deixar Antoni saber que eles
estavam prontos para chegar ao seu destino. Antoni entrou em uma
garagem e estacionou perto de um elevador, onde Hades ajudou
Perséfone a sair da limusine. Uma vez lá dentro, ele tirou um cartão-
chave e o digitalizou, apertando o botão para o andar quatorze.
— Onde estamos? — ela perguntou.
— O Bosque. — respondeu Hades. — O meu restaurante.
— Você é dono de O Bosque? — Era um dos favoritos entre os
mortais de Nova Atenas por causa de sua decoração única e jantar
aconchegante inspirado em jardins. — Como ninguém sabe?
— Eu deixo Ilias gerenciá-lo. — declarou. — E prefiro que as
pessoas pensem que ele é o dono.
O elevador abriu para a cobertura, e Perséfone engasgou com o
que viu. O telhado de O Bosque parecia uma floresta no Submundo,
um caminho de pedra serpenteava por canteiros de flores e árvores
enfeitadas com luzes. Hades a conduziu pelo caminho, que se abriu
para um espaço aberto com uma mesa e duas cadeiras de veludo.
As luzes nas árvores cruzavam no alto.
— Isso é lindo, Hades.
Ele sorriu e a conduziu até a mesa onde uma coleção de pães e
uma garrafa de vinho a aguardavam. Hades serviu um copo para
cada um e brindou à noite deles.
Ela se pegou rindo mais do que jamais se lembrava, o fardo de
seu dia há muito esquecido enquanto Hades contava suas histórias
da Grécia Antiga. Quando terminaram de comer, caminharam pela
floresta no telhado e Perséfone perguntou:
— O que você faz para se divertir?
Parecia uma pergunta boba, mas ela estava curiosa. Ao longo
dos meses, ela percebeu que Hades gostava de cartas, caminhadas
e brincar com seus animais, mas ela se perguntou o que mais.
— Como assim?
— O fato de você ter perguntado isso diz tudo. Quais são os seus
hobbies? — Ela riu.
— Cartas. Hipismo. — Ele girou a mão no ar, pensando. —
Beber.
— E as coisas não relacionadas a ser o Deus dos Mortos?
— Beber não está relacionado em ser o Deus dos Mortos.
— Também não é um hobby. A não ser que você seja um
alcoólatra.
— Então quai são os seus hobbies? — Hades levantou a
sobrancelha.
Perséfone sorriu e, embora soubesse que ele estava evitando
falar sobre si mesmo, respondeu:
— Cozinhar.
— Cozinhar? Eu sinto que deveria ter sabido sobre isso antes.
— Bem, você nunca perguntou.
O silêncio caiu entre eles, e eles caminharam um pouco mais
antes de Hades parar. Perséfone se virou para olhar para ele
quando ele disse:
— Me ensina.
— O quê? — Ela olhou para ele por um momento, surpresa.
— Me ensina. — ele disse. — Cozinhar alguma coisa.
Ela não pôde deixar de rir, e ele ergueu uma sobrancelha,
claramente não divertido.
— Desculpe, estou apenas imaginando você na minha cozinha.
— E isso é difícil?
— Bem, sim. Você é o Deus do Submundo.
— E você é a Deusa da Primavera. — ele disse. — Você fica em
sua cozinha e faz biscoitos. Por que eu não posso?
Ela não conseguia tirar os olhos dele. Só agora é que ela
percebeu que algo tinha mudado entre eles. Estava acontecendo
gradualmente, mas hoje, isso a atingiu com força.
Ela estava apaixonada por ele.
Ela não percebeu que estava carrancuda até que ele tocou seu
rosto, roçando sua bochecha com o dedo.
— Você está bem?
— Muito bem. — Ela sorriu, ficou na ponta dos pés e deu um
beijo na boca dele, se afastando. — Eu te ensino.
— Bem, então. Vamos começar. — Hades sorriu também.
— Espera. Você quer aprender agora?
— Agora é um momento tão bom quanto qualquer outro — ele
disse.
Ela abriu a boca para argumentar que não tinha os suprimentos
certos para fazer isso no Submundo, quando Hades disse:
— Eu pensei que talvez ... poderíamos passar um tempo no seu
apartamento.
Ela olhou para ele e ele encolheu os ombros.
— Você está sempre no Submundo.
— Você... quer passar tempo no Mundo superior? No meu
apartamento?
Ele apenas olhou para ela — ele já havia dito a ela exatamente o
que queria fazer.
— Eu ... tenho que preparar Lexa para sua chegada.
Ele assentiu.
— É justo. Vou pedir a Antoni para levá-la. — Ele olhou para seu
terno. — Eu preciso me trocar.

***

Perséfone não teve dificuldade em convencer Lexa a receber


Hades para uma noite de comida, bolos e filmes. Na verdade, ela
gritou quando Perséfone o tocou no assunto, o que chamou Jaison
de seu quarto armado com uma luminária, seus olhos azul-
acinzentados arregalados e seus cachos castanho-escuros
selvagens. Ele parecia pronto para uma luta, e quando as meninas o
viram, elas riram.
— Eu ouvi alguém gritar. — Jaison baixou a luminária.
— E você ia me salvar com uma luminária? — Lexa perguntou.
— Foi a coisa mais pesada que eu consegui encontrar. — ele
disse na defensiva.
Eles riram de novo e Perséfone explicou por que Lexa estava
gritando.
— Uau, Hades, huh? — Jaison esfregou a nuca.
— Sim, Hades! — Lexa pegou a mão de Jaison. — Vamos!
Temos de limpar a sala. Ele vai pensar que somos camponeses.
Perséfone sorriu quando os dois desapareceram na sala ao lado,
Jaison ainda de posse da lâmpada.
Eles limparam e, assim que ela terminou de colocar o pijama, a
campainha tocou. Apesar de todo o tempo que ela passou com
Hades, seu coração ainda martelava em seu peito quando ela foi
atender a porta.
Hades estava vestido com uma camisa preta que se encaixava
em seus músculos como um sonho e calça de moletom solta.
Perséfone ficou chocado com sua aparência; o deus bem-cuidado
podia se vestir-se de modo mais descontraído e ainda ser
magnífico.
— Você já tinha isso antes de hoje? — ela perguntou, apontando
para as calças.
— Não. — Hades olhou para eles, sorrindo.
Ela deixou-o entrar, sentindo-se um pouco envergonhada. Este
apartamento era muito pequeno para ele, ele era quase tão largo
quanto a porta, teve que se abaixar para entrar. Perséfone franziu a
testa.
— O que foi? — ele perguntou.
— Nada. — ela disse rapidamente, e se moveu ao redor dele. Ela
o levou para a sala de estar onde Lexa e Jaison terminaram a
limpeza e agora estavam sentados no sofá.
— Hum, Hades, esta é Lexa, minha melhor amiga, e Jaison, o
namorado dela.
Jaison acenou do sofá, mas Lexa se levantou e abraçou Hades.
As sobrancelhas de Perséfone se levantaram. Ela ficou
impressionada com a coragem de Lexa e com a reação de Hades,
ele não pareceu surpreso e retribuiu o abraço de Lexa.
— É um prazer conhecê-lo. — disse ela.
— Muito poucos já disseram essas palavras. — ele disse.
— Contanto que você trate bem minha melhor amiga, continuarei
feliz em vê-lo. — Lexa se afastou e sorriu.
Os lábios de Hades se curvaram.
— Anotado, Lexa Sideris. — disse ele, e fez uma pequena
reverência. — Posso dizer que é um prazer conhecê-la.
Lexa corou.
Droga, o Deus do Submundo era encantador.
Perséfone levou Hades para a cozinha. Era pequena para ela e
Lexa, menor ainda com ele. Sua cabeça praticamente tocava o teto,
mas sua altura era útil, já que muito do que Perséfone precisava
estava na prateleira de cima de seus armários.
— Por que você coloca tudo tão alto? — ele perguntou enquanto
ajudava a buscar seus suprimentos.
— É o único lugar que cabe. Caso você não tenha percebido, eu
não moro em um palácio.
Ele olhou para ela como se dissesse, Eu poderia mudar isso..
Quando estava tudo no balcão, Hades virou-se para olhar para
ela.
— O que você faria sem mim?
— Pegaria eu mesma. — ela disse simplesmente.
Hades fungou. Ela se virou para encará-lo e descobriu que ele
estava encostado no balcão, os braços cruzados sobre o peito. Ele
era absolutamente de tirar o fôlego, e ela queria rir porque ele
estava em sua cozinha feia fazendo biscoitos.
— Bem, venha cá. Você não vai aprender daí.
Hades levantou uma sobrancelha, sorrindo, e se aproximou. Ela
não esperava que ele ficasse tão perto, mas ele veio por trás dela,
embalando seu corpo com o dele, as mãos apoiadas em cada lado
dela.
— Por favor, instrua. — Sua boca tocou sua orelha, quente e
doce.
Ela respirou fundo e pigarreou.
— A coisa mais importante a lembrar ao assar é que os
ingredientes devem ser medidos e misturados corretamente ou pode
significar um desastre.
Seus lábios roçaram ao longo de seu pescoço e, em seguida, seu
ombro. Ela prendeu a respiração e acrescentou:
— Pare com isso. A coisa mais importante a lembrar é prestar
atenção.
Ela olhou para ele por cima do ombro enquanto ele tentava
parecer inocente e entregou-lhe o copo medidor.
— Primeiro, farinha. — ela disse.
Hades pegou a xícara e mediu a quantidade necessária de
farinha. Ele manteve os braços ao redor dela, trabalhando quase
como se ela não estivesse lá, exceto que ela sabia que ele estava
ciente dela porque podia sentir seu corpo endurecer contra o dela.
— Próximo?
Concentre-se, ela comandou a si mesma.
— Bicarbonato.
Ele continuou assim até que todos os ingredientes estivessem na
tigela e misturados. Perséfone aproveitou a oportunidade para se
abaixar sob seu braço, pegando uma assadeira e uma colher. Ela
instruiu Hades a moldar a massa em bolas de não mais que uma
polegada de diâmetro e colocá-las na assadeira.
Uma vez que os biscoitos estavam no forno, Hades se virou para
ela com expectativa, mas ela já estava preparada para ele.
— Nós vamos fazer glacê. — Ela esfregou as mãos. Essa era a
melhor parte. Hades levantou uma sobrancelha, claramente
divertido.
Perséfone começou a instruir novamente, entregando a Hades
um batedor.
— O que eu devo fazer com isso?
— Você vai bater todos os ingredientes. — respondeu,
despejando açúcar de confeiteiro, baunilha e xarope de milho em
uma tigela. Ela empurrou-o para ele.
— Bata.
— Feliz. — Ele sorriu.
Quando a cobertura foi feita, eles a dividiram em tigelas
separadas e misturaram corante alimentício. Perséfone não era a
padeira mais limpa e, quando terminaram de incorporar todas as
cores, seus dedos estavam cobertos de glacê.
Hades pegou a mão dela.
— Qual o gosto disso? — ele perguntou, e enfiou os dedos
profundamente em sua boca, sugando-os para limpar. Ele gemeu —
delicioso.
Ela corou e puxou a mão para longe.
Houve uma longa pausa, e Hades perguntou:
— E agora?
Seus olhos se encontraram.
Hades deu dois passos, pos as mãos na cintura dela e a ergueu
sobre o balcão. Ela gritou e depois riu, puxando-o para perto
enquanto colocava as pernas em volta da cintura dele. Ele a beijou
avidamente, inclinando sua cabeça para trás para que pudesse
alcançar profundamente em sua boca, mas foi de curta duração
porque Lexa entrou na cozinha e pigarreou.
Perséfone interrompeu o beijo enquanto a cabeça de Hades caiu
na curva de seu pescoço.
— Lexa. — Perséfone pigarreou. — O que foi?
— Queria saber se vocês gostariam de ver um filme?
— Diga não. — Hades sussurrou no seu ouvido.
Perséfone riu e perguntou:
— Qual filme?
— Fúria de Titãs?
— Antigo ou novo? — Hades bufou e se afastou dela, olhando
para Lexa.
— Antigo.
Ele considerou, inclinando a cabeça.
— Ótimo. — Então ele beijou Perséfone na bochecha. — Vou
precisar de um minuto.
Ele saiu da cozinha e Perséfone ficou sentada no balcão,
chutando as pernas para frente e para trás. Quando Hades estava
fora de vista, Lexa começou:
— Ok, primeiro. Não na cozinha! Segundo, ele está
completamente apaixonado por você.
— Para Lexa. — As bochechas de Perséfone coraram.
— Garota, ele te venera.
Perséfone ignorou Lexa e começou a limpar.
Assim que os biscoitos estavam prontos, ela os deixou esfriar e
os quatro se acomodaram para assistir ao filme. Perséfone
acomodada ao lado de Hades, e foi lá, aninhada contra ele, que ela
percebeu o quão estranha sua vida havia se tornado desde que ela
conheceu o Deus do Submundo, e ainda assim ela teve alguns de
seus momentos mais felizes com ele. Esse era um. Ele estava
disposto a tentar coisas mortais com ela. Ele queria fazer as coisas
que a faziam feliz e aprendê-las.
Ela riu ao pensar nele na cozinha, usando luvas, tentando pegar
a panela quente de biscoitos do forno.
Os braços de Hades se apertaram ao redor dela, e ele sussurrou
em seu ouvido.
— Eu sei o que você está pensando.
— Você não pode saber.
— Depois do que passei esta noite, tenho certeza de que você
está rindo de várias coisas.
Não demorou muito até ela adormecer. Em algum ponto, Hades a
ergueu e a carregou para seu quarto.
— Não vá. — disse ela, sonolenta, quando ele a deitou na cama.
— Eu não estou. — Ele beijou sua testa. — Com sono.
Ela despertou com a boca quente de Hades em sua pele e
gemeu, estendendo a mão para ele. Ele a beijou com urgência,
como se não a provasse há semanas, antes de arrastar os lábios ao
longo de sua mandíbula, garganta, peito. Então seus dedos
encontraram a bainha de sua camisa. Ela arqueou as costas e o
ajudou a tirá-lo da cabeça. Jogando-a de lado, ele desceu,
acariciando seus seios com as mãos e a língua. Não demorou muito
para que ela se agitasse para fora das calças e ele separasse seu
centro, saboreando-a com a boca. Seu polegar trabalhou aquele
feixe de nervos sensível, colocando-a em êxtase delirante.
Quando ele terminou, ele subiu em seu corpo e a beijou antes de
se despir e se colocar entre suas coxas. Ela abriu as pernas para
acomodá-lo enquanto seu pênis pressionava contra sua entrada. Ele
afundou nela facilmente, e ela arqueou com o prazer dele
enchendo-a tão cheia. Ela nunca se tinha sentido tão completa.
Ele se inclinou para pressionar sua testa contra a dela,
respirando com dificuldade.
— Você é linda. — ele disse.
— Você parece bem. — ela disse, sibilando enquanto respirava
entre os dentes, lutando contra a pressão que crescia por trás de
seus olhos. Quanto mais ela experimentava essa euforia, menos
controle ela tinha. — Você parece... poder.
Ele se moveu lentamente no início e ela saboreou cada
pedacinho dele, mas este deus estava morrendo de fome, e sua
consideração logo deu lugar a algo muito mais irracional e carnal.
Um rosnado feroz veio do fundo de sua garganta, e ele se
inclinou para ela, beijando e mordendo seus lábios, seu pescoço,
bombeando cada vez mais forte, movendo seu corpo inteiro.
Perséfone se agarrou a ele, seus calcanhares cravados nele,
suas unhas arranharam sua pele, seus dedos entrelaçados em seu
cabelo — ela alcançou qualquer coisa que a prendesse a ele, até
este momento.
Hades apoiou as mãos no topo de sua cabeça para impedi-la de
bater na cabeceira da cama enquanto ele dirigia para dentro dela, a
cama inteira tremeu, e os únicos sons eram sua respiração irregular,
seus gemidos suaves, suas tentativas desesperadas de sentir mais
um do outro. Seu corpo estava elétrico, alimentado por seu calor
inebriante e ele a empurrou mais e mais até que ela não pudesse
mais se segurar. Seu grito final de êxtase deu lugar ao dele, e ela se
deleitou com a sensação dele pulsando dentro dela. Ela tomaria
tudo dele, drenaria ele.
Depois disso, eles ficaram quietos. O corpo escorregadio de
Hades descansou contra o dela, e ele lentamente voltou ao normal,
como se sua consciência estivesse voltando para seu corpo. Foi
então que ele pareceu perceber que tinha perdido a cabeça, que
havia bombeado dentro dela com tanta força que estavam
apertados contra a cabeceira da cama.
Ele a estudou e sob seu escrutínio, ela percebeu que estava
chorando.
— Perséfone. — Uma nota de pânico coloriu a voz dele. — Eu te
machuquei?
— Não. — ela sussurrou, cobrindo os olhos. Ele não a
machucara, e ela não sabia por que estava chorando. Ela respirou
trêmula. — Não, você não me machucou.
Depois de um momento, Hades ergueu a mão dela para longe de
seus olhos. Ela encontrou seu olhar enquanto ele enxugava as
lágrimas de seu rosto, e ela ficou aliviada quando ele não fez mais
perguntas.
Ele se moveu para o lado dele e a aconchegou contra ele,
cobrindo os dois com os cobertores. Ele beijou o cabelo dela e
sussurrou:
— Você é perfeita demais para mim.
Ela se sentiu como se tivesse acabado de adormecer quando
Hades se sentou de repente ao lado dela. Ela sentiu frio
imediatamente e rolou, meio adormecida, para alcançá-lo.
— Volte para a cama — disse ela.
— Afaste-se da minha filha. — A voz do Deméter trovejou por
todo o quarto.
Isso despertou-a imediatamente. Ela sentou-se, agarrando o
cobertor ao peito.
— Mãe! Saia!
O olhar arrepiante de Deméter caiu sobre Perséfone e ela viu a
promessa de dor — de destruição — em seus olhos. Ele conseguia
ouvir a manchete agora Batalha dos Deuses Olímpicos destrói Nova
Atenas.
— Como se atreve. — A voz de Deméter tremeu, e Perséfone
não tinha certeza se ela estava falando com ela ou com Hades —
talvez os dois.
Perséfone se livrou dos cobertores e vestiu a camisola. Hades
permaneceu sentado na cama.
— Quanto tempo? — Deméter perguntou.
— Não é realmente da sua conta, mãe. — Perséfone retrucou.
— Você se esquece do seu lugar, Filha. — Os olhos da sua mãe
escureceram.
— E você se esquece da minha idade. Eu não sou uma criança!
— Você é minha filha e traiu minha confiança.
Perséfone sabia o que estava prestes a acontecer. Ela podia
sentir a magia da sua mãe crescendo no ar.
— Não, Mãe! — Perséfone olhou freneticamente para Hades, e
ele a olhou de volta, tenso, mas calmo, isso não fez nada para
aliviar seu medo.
— Você não vai mais viver esta vida mortal e vergonhosa!
Perséfone fechou os olhos, encolhendo-se quando Deméter
estalou os dedos, mas em vez de se teletransportar para a prisão de
vidro como ela esperava, nada aconteceu.
Lentamente, ela abriu os olhos e se endireitou, olhando para sua
mãe cujos olhos se arregalaram, então eles se estreitaram na
pulseira de ouro de Perséfone.
A deusa atacou, agarrando seu antebraço. Segurando com muita
força, ela puxou a pulseira de seu pulso e revelou a escuridão
marcando sua pele cremosa.
— O que você fez? — Dessa vez Deméter olhou para Hades.
— Não toque em mim! — Perséfone tentou se desvencilhar, mas
o aperto de Deméter a fez gritar.
— Solte-a Deméter. — A voz de Hades estava calma, mas havia
algo mortal em seus olhos. Perséfone tinha visto aquele olhar antes,
a raiva estava crescendo dentro dele.
— Não se atreva a me dizer o que fazer com minha filha!
Hades estalou os dedos e de repente ele estava vestido com as
mesmas roupas da noite passada. Ele se levantou em toda a sua
altura e, quando se aproximou, Deméter soltou Perséfone. Ela deu
distância entre ela e sua mãe de uma vez.
— Sua filha e eu temos um contrato. — Hades explicou. — Ela
ficará até o cumprir.
— Não. — O olhar de Deméter focou no pulso de Perséfone, e
ela teve a sensação de que sua mãe faria qualquer coisa para tirá-la
deste lugar, incluindo cortar sua mão. — Você vai remover sua
marca. Remova, Hades!
O deus claramente não se intimidou com a raiva crescente de
Deméter.
— O contrato deve ser cumprido, Deméter. Os Destinos
comandam.
— Como você pôde? — A Deusa da Colheita empalideceu
quando olhou para Perséfone.
— Como eu pude? — Perséfone repetiu asperamente. — Não é
como se eu quisesse que isso acontecesse, mãe!
Do canto do olho, ela viu Hades se encolher.
— Não queria? Eu a adverti sobre ele! — Deméter apontou para
Hades. — Eu te adverti para se manter longe dos Deuses!
— E ao fazer isso, você me deixou com este destino.
— Então, você me culpa? Quando tudo o que fiz foi tentar te
proteger? Bem, você verá a verdade muito em breve, Filha. —
Deméter levantou o queixo.
A deusa estendeu a mão e despojou Perséfone da magia que ela
havia dado.
Parecia que milhares de agulhas minúsculas estavam picando
sua pele de uma vez enquanto o glamour que ela havia criado para
esconder sua aparência Divina era arrancado. A dor a deixou sem
fôlego e ela caiu no chão, ofegante.
— Quando o contrato for cumprido, você vai voltar para casa
comigo. — disse Deméter, e Perséfone olhou para ela. — Você
nunca voltará para esta vida mortal e nunca mais verá Hades.
Então Deméter desapareceu.
Hades pegou Perséfone do chão e segurou-a mais perto quando
ela começou a chorar. Tudo o que ela conseguiu dizer foi:
— Eu não me arrependo de você. Não quis dizer que me
arrependia de você.
— Eu sei. — Hades beijou suas lágrimas.
Houve uma batida na porta e ambos olharam para cima para
encontrar Lexa parada dentro do quarto, os olhos arregalados.
— Que porra é essa?
Perséfone se afastou de Hades.
— Lexa. — ela disse. — Eu tenho algo para te contar.
24
UM TOQUE DE ARTIMANHA

LEXA RECEBEU A NOTÍCIA DE QUE ELA estava vivendo com


uma deusa nos últimos quatro anos. Suas emoções variaram de
sentimentos de traição à descrença, que Perséfone entendia. Lexa
valorizava a verdade, e ela tinha acabado de descobrir que a
pessoa que ela chamava de melhor amiga estava mentindo sobre
uma grande parte de sua identidade.
— Por que você escondeu de mim? — Lexa perguntou.
— Foi um acordo que fiz com a minha mãe. — disse ela. — Além
disso, queria saber como era viver uma vida normal.
— Eu entendo. — Lexa disse. — Cara, sua mãe é uma vaca. —
confessou e então se agachou como se esperasse que um raio a
atingisse. — Ela vai me matar por dizer isso?
— Ela está muito zangada comigo e cheia de ódio por Hades
para sequer pensar em você. — respondeu Perséfone.
A Lexa abanou a cabeça e olhou para a melhor amiga. Elas se
sentaram juntas na sala. Pareceria como qualquer outro dia se ela
não tivesse sido despojada da magia de sua mãe e exposta como
uma deusa. Felizmente, Hades a ajudou a invocar um glamour
humano.
— Eu não acredito que você é a Deusa da Primavera. O que
você pode fazer?
— Bem, esse é o lance. Só agora estou aprendendo meus
poderes. Até recentemente, nem conseguia sentir a minha magia. —
Perséfone corou. — Eu queria ser como os outros deuses. Mas
quando os meus poderes nunca se desenvolveram, eu só queria
estar em algum lugar onde eu fosse boa em alguma coisa. — ela
disse.
A Lexa colocou sua mão na de Perséfone.
— Você é boa em tantas coisas Perséfone. Especialmente em
ser uma deusa.
— Como você saberia? Você acabou de descobrir o que eu era
— ela zombou.
— Eu sei porque você é gentil e solidária e luta por suas crenças,
mas principalmente, você luta pelas pessoas. Isso é o que os
deuses devem fazer, e alguém deve lembrá-los, porque muitos
deles se esqueceram. — ela fez uma pausa. — Talvez seja por isso
que você nasceu.
Perséfone limpou lágrimas dos seus olhos.
— Te amo, Lex.
— Amo você também, Perséfone.

***

Perséfone teve dificuldade em dormir nas semanas seguintes às


ameaças de Deméter. Sua ansiedade disparou e ela se sentiu ainda
mais presa do que antes. Se ela não cumprisse os termos de seu
acordo com Hades, ela ficaria presa no Submundo para sempre. Se
ela conseguisse criar vida, ela se tornaria uma prisioneira na estufa
de sua mãe.
Era verdade que ela amava Hades, mas ela preferia ir e vir do
Submundo à vontade. Ela queria continuar vivendo sua vida mortal,
se formar e começar sua carreira no jornalismo. Quando ela disse
isso a Lexa, sua melhor amiga respondeu:
— Basta falar com ele. Ele é o Deus dos Mortos, ele não pode
ajudar?
Mas Perséfone sabia que falar não adiantaria. Hades havia dito
repetidamente que os termos do contrato não eram negociáveis,
mesmo ao enfrentar Deméter. A escolha era cumprir o contrato ou
não, liberdade ou não.
E esta realidade a estava destruindo.
Pior, ela estava usando a magia de Hades e, embora houvesse
algumas vantagens, era como tê-lo por perto o tempo todo. Ele era
uma presença constante, um lembrete de sua situação, de como ela
saiu do controle e se descobriu apaixonada por ele.
Faltavam duas semanas para a formatura, e para o fim de seu
contrato com Hades.
Quando Perséfone chegou à Acrópole para trabalhar, ela
percebeu que algo estava errado. Valerie já estava de pé atrás de
sua mesa quando Perséfone saiu do elevador e a parou para
sussurrar antes que ela fosse para sua mesa.
— Perséfone, tem uma mulher aqui para ver você. Ela diz que
tem uma história sobre Hades.
— Você a checou antes? — ela quase gemeu alto.
Perséfone deu a Valarie uma lista de perguntas para fazer a
qualquer um que ligasse alegando que tinha uma história sobre
Hades. Algumas das pessoas que fizeram ligações ou vieram
pessoalmente para uma entrevista eram apenas mortais curiosos ou
jornalistas disfarçados tentando conseguir uma história.
— Ela parece legítima, embora eu ache que ela está mentindo
sobre seu nome.
— Por quê? — Perséfone inclinou a cabeça.
— Eu não sei. Foi a maneira como ela o disse. Como se fosse
um ideia tardia. — Ela deu de ombros.
— Qual nome? — Isso não fez Perséfone se sentir muito
confiante.
— Carol.
Estranho.
Então Valerie ofereceu:
— Se você quiser que alguém acompanhe você na entrevista, eu
posso.
— Não. — Perséfone disse. — Tudo bem. Mas obrigada.
Ela guardou suas coisas, pegou café, rolou rapidamente seus e-
mails em seu telefone ao entrar na sala.
— Então você tem uma história para mim? — ela disse,
olhando para o alto.
— Uma história? Oh, não Senhora Perséfone — eu tenho uma
barganha.
Perséfone congelou. Ela conhecia aquele cabelo loiro em
qualquer lado.
— Afrodite. — A respiração de Perséfone se esvaiu. Por que é
que a Deusa do Amor veio vê-la? — O que você está fazendo aqui?
— Pensei em lhe fazer uma visita, visto que você está perto do
fim de seu contrato com Hades.
— Como você sabe disso? Perséfone cobriu o punho
inconscientemente, embora a marca estivesse escondida por uma
pulseira.
— Como você sabe disso? Temo que Hades tenha te colocado
no meio da nossa aposta. — Afrodite sorriu, mas havia pena em seu
olhar.
Perséfone sentiu uma ondulação dolorosa em seu estômago e
engoliu algo espesso em sua garganta.
— Aposta? — ela repetiu.
— Vejo que ele não te contou. — Afrodite apertou os lábios.
— Você pode deixar de lado a falsa preocupação, Afrodite, e ir
direto ao ponto.
O rosto da deusa mudou, e ela se tornou mais severa e bonita do
que antes. Quando ela viu Afrodite na festa de gala, Perséfone
sentiu sua solidão e tristeza, mas agora estava claro em seu rosto.
A chocou que Afrodite, a Deusa do Amor, a deusa que tinha casos
com deuses e mortais, estava solitária.
— Ora, ora. — disse Afrodite. — Você é terrivelmente exigente.
Talvez seja por isso que Hades gosta tanto de você.
Os punhos de Perséfone cerraram-se e a deusa ofereceu um
pequeno sorriso.
— Desafiei Hades para um jogo de cartas. Foi tudo por diversão,
mas ele perdeu. Minha aposta era que ele tinha que fazer alguém se
apaixonar por ele em seis meses. — ela disse.
Demorou um pouco para que o que ela falou fosse assimilado.
Hades tinha um contrato com Afrodite.— fazer alguém se apaixonar
por ele.
Ela engoliu em seco.
— Devo admitir, fiquei impressionada com a rapidez com que ele
se concentrou em você. Nem uma hora depois de definir meus
termos, ele atraiu você para um contrato, e tenho observado seu
progresso desde então.
Perséfone queria acusar a deusa de mentir, mas ela sabia que
cada palavra que Afrodite tinha falado era verdade.
Todo este tempo ela tinha sido usada. O peso da verdade
assentava nela, quebrava-a, arruinava-a.
Ela nunca devia ter suspeitado que Hades era capaz de mudar. O
jogo era a vida para ele. Significava tudo, e ele faria qualquer coisa
para ganhar.
Mesmo que lhe partisse o coração.
— Me desculpe por magoar você. — Afrodite disse. — Mas vejo
agora que realmente perdi.
Perséfone olhou para a Deusa do Amor com os olhos marejados.
— Você o ama.
— Por que você se desculparia? — Perséfone perguntou
entredentes. — Era isso o que você queria.
— Porque...até hoje, eu não acreditava no amor. — A deusa
abanou a cabeça.

***

Perséfone nunca quis escolher entre as prisões de Deméter ou


Hades. Ela queria encontrar uma maneira de ser livre, mas ao
perceber que tinha sido usada, ela fez uma escolha.
Depois que Afrodite desapareceu da sala de entrevista, ela tomou
uma decisão, ela terminaria a barganha com Hades de uma vez por
todas, e lidaria com as consequências mais tarde. Ela juntou suas
coisas, deixou Demetri saber que ela precisava sair imediatamente
e pegou o ônibus para o Nevernight.
Ela apareceu no Submundo, fazendo seu caminho através de um
campo, indo em direção a uma parede escura de montanhas, com a
intenção de encontrar o Poço da Reencarnação.
Ela deveria ter dado ouvidos a Minthe.
Deuses, ela nunca imaginou que estaria pensando isso.
Ela estava com tanta raiva, ela não conseguia pensar direito, e
ela estava feliz por se sentir assim agora, porque ela sabia que
quando se acalmasse, tudo o que sentiria seria uma tristeza
esmagadora.
Ela tinha dado tudo a Hades,seu corpo, seu coração, seus
sonhos.
Ela tinha sido tão estúpida.
Charme, ela racionalizou. Ele deve tê-la encantado.
Seus pensamentos rapidamente saíram de controle enquanto ela
recordava as memórias dos últimos seis meses, cada uma trazendo
mais dor do que a anterior. Ela não conseguia entender por que
Hades tinha passado por tantos problemas para orquestrar este
plano. Ele a enganou. Ele tinha enganado tanta gente.
E quanto a Sybil?
O oráculo havia dito a ela que suas cores estavam interligadas.
Que ela e o Hades estavam destinados a ficar juntos.
Talvez ela seja apenas um oráculo ruim.
Agora à beira das lágrimas, ela quase não ouviu o farfalhar da
grama ao lado dela. Perséfone se virou para ver movimento a uma
curta distância dela. Seu coração disparou e ela cambaleou para
trás, tropeçando em algo escondido na grama. Quando ela caiu, o
que quer que estivesse na grama correu em sua direção.
Perséfone fechou os olhos e cobriu o rosto apenas para sentir um
nariz frio e úmido pressionando sua mão, ela abriu os olhos para
encontrar um dos três cães de Hades olhando para ela.
Ela riu e se sentou, acariciando Cérbero na cabeça, sua língua
rolando para fora de sua boca. Com um olhar, ela descobriu que o
que ela tropeçou foi a bola vermelha dele.
— Onde estão seus irmãos? — ela perguntou, coçando atrás de
sua orelha, e ele respondeu lambendo seu rosto. Perséfone o
empurrou e se levantou, pegando a bola. — Você quer isso?
Cérbero sentou-se de cócoras, mas mal conseguia ficar parado.
— Vai pegar! — Perséfone jogou a bola. O cão saiu disparado, e
ela o observou por alguns momentos antes de continuar em direção
à base da montanha.
Quanto mais perto ela chegava, o solo sob seus pés se tornava
irregular, rochoso e desolado. Pouco tempo depois, Cérbero se
juntou a ela novamente, bola na boca. Ele não o deixou cair aos pés
dela, mas olhou para as montanhas.
— Você pode me levar ao Poço da Reencarnação? — Perséfone
perguntou.
O cachorro olhou para ela e saiu correndo.
Ela o seguiu, subiu uma ladeira íngreme e entrou no coração das
montanhas. Uma coisa era ver essas formas em relevo à distância,
outra era caminhar entre elas e sob o halo de nuvens negras
rodopiantes. Raios brilharam e trovões sacudiram a terra. Ela
continuou a seguir Cérbero, com medo de perder o cachorro de
vista — ou pior, de que ele se machucasse.
— Cérbero! — Perséfone chamou enquanto ele desaparecia em
outra curva do labirinto. Ela enxugou as costas da mão na testa,
escorregadia de suor; fazia calor nas montanhas e estava ficando
mais quente.
Virando a esquina, ela hesitou, percebendo um pequeno riacho a
seus pés, mas esse riacho era fogo. A inquietação desceu por sua
espinha. Ela ouviu Cérbero latindo à frente e saltou sobre o riacho
apenas para encontrar o cachorro na beira de um penhasco onde
um rio de chamas furiosas ondulava abaixo. Seu calor era quase
insuportável, e Perséfone de repente percebeu por onde ela havia
vagado.
Tártaro.
Este foi o Rio Flegetonte.
— Cérbero, encontre uma saída! — ela ordenou.
O cachorro latiu como se aceitasse sua orientação e correu em
direção a uma escada esculpida nas montanhas. Eles eram
elegantes e íngremes e desapareceram nas saídas acima.
Mas elas a levariam mais alto para as montanhas.
— Cérbero!
O cachorro continuou, então ela o seguiu.
Os degraus levaram a uma caverna aberta acima. Lanternas
alinhavam-se na passagem, mas mal iluminavam seus pés. O túnel
forneceu uma fuga do calor do Flegetonte. Talvez Cérbero a
estivesse conduzindo ao Poço da Reencarnação como ela havia
solicitado.
No momento em que teve esse pensamento, ela chegou ao fim
da caverna, que conduzia a uma bela gruta cheia de vegetação
exuberante e árvores pesadas com frutos dourados. A piscina a
seus pés continha água que brilhava como estrelas em um céu
escuro.
Este deve ser o Poço da Reencarnação, ela pensou.
No centro da piscina, havia um pilar de pedra com uma taça de
ouro no topo. Perséfone não perdeu tempo enquanto caminhava
pela água para alcançar o copo, mas com o movimento da água,
veio uma voz.
— Socorro. — a voz murmurou. — Água.
Ela congelou e olhou em volta, mas não viu nada.
— Olá? — ela chamou para o escuro.
— O pilar. — disse a voz.
O coração de Perséfone disparou quando ela deu a volta no
poste para encontrar um homem acorrentado do outro lado dele. Ele
era magro — literalmente pele esticada sobre os ossos — e seu
cabelo e barba eram longos, brancos e emaranhados. As algemas
em torno de seus pulsos eram curtas o suficiente para impedi-lo de
alcançar a xícara no topo do pilar, ou a fruta que estava pendurada
fora de seu alcance.
Ela respirou fundo ao vê-lo, e quando o homem olhou para ela,
suas pupilas pareciam estar nadando em sangue.
— Socorro. — disse ele outra vez. — Água.
— Meus deuses.
Perséfone escalou o pilar para pegar a taça, encheu-a com a
água da piscina e ajudou o homem a beber.
— Cuidado. — ela avisou quanto mais rápido ele engoliu. — Você
vai ficar enjoado.
Ela puxou a taça e o homem respirou fundo algumas vezes, o
peito arfando.
— Obrigado. — ele disse.
— Quem é você? — ela perguntou, estudando o rosto dele.
— Meu nome, — ele respirou fundo. — é Tântalo.
— E há quanto tempo está aqui?
— Eu não lembro. Cada palavra que ele falava era lenta e
parecia consumir toda a sua energia. — Fui amaldiçoado a ser
eternamente privado de alimento.
Ela se perguntou o que ele tinha feito para receber tal punição.
— Tenho implorado diariamente por uma audiência com o senhor
deste reino para que eu possa encontrar paz em Asfodelo, mas ele
não ouvirá meus apelos. Aprendi com o tempo que passei aqui, não
sou o mesmo homem de tantos anos atrás. Eu juro.
Ela considerou isso, e apesar do que ela aprendeu sobre Hades
hoje, ela acreditava nos poderes do deus. Hades conhecia a alma.
Se ele sentisse que este homem havia mudado, ele iria conceder-
lhe seu desejo de residir em Asfódelo.
Perséfone deu um passo para longe de Tantalo, e seus olhos
pareceram acender, seus dentes cerrados. Aqui está., ela percebeu,
a escuridão que Hades viu.
— Você não acredita em mim. — disse ele, de repente capaz de
falar sem pausa.
— Receio não saber o suficiente de qualquer maneira. — disse
Perséfone, tentando permanecer o mais neutra possível. Ela tinha a
sensação inquietante de que a raiva desse homem era para ser
temida.
Com suas palavras, o brilho estranho e raivoso que havia
nublado seus olhos desapareceu, e ele assentiu.
— Você é prudente.
— Eu acho que devo ir. — Perséfone disse.
— Espere. — ele pediu quando ela começou a se mover. — Uma
mordida na fruta, por favor.
Perséfone engoliu em seco. Algo lhe disse para não fazer isso,
mas ela se viu colhendo uma fruta dourada e gorducha da árvore.
Ela se aproximou do homem, esticando os braços em um esforço
para manter uma boa distância dele. Tântalo esforçou o pescoço
para alcançar o fruto carnudo.
Foi quando algo duro atingiu as pernas de Perséfone debaixo da
água.
Ela perdeu o equilíbrio e submergiu. Antes que ela pudesse
quebrar a superfície, ela sentiu o pé do homem em seu peito.
Apesar de seu sofrimento, ele era forte e a segurou sob a água
enquanto ela se contorcia contra ele até que ela ficou fraca demais
para lutar. O controle que ela tinha sobre seu glamour desapareceu,
e ela voltou à sua forma Divina.
Quando ela parou de lutar, Tântalo retirou seu pé.
Foi quando Perséfone se moveu.
Ela abriu caminho pela água, que parecia mais nadar em
alcatrão. Ela caiu espalhando água para todo lado.
— Uma deusa! — Ela ouviu o cantarolar de Tântalo. — Volte,
pequena deusa, eu estive morto de fome por tanto tempo. Eu
preciso provar!
A margem da gruta era escorregadia e ela lutou para escalá-la,
raspando os joelhos na rocha irregular. Ela não percebeu a dor,
desesperada para sair daquele lugar. Quando ela chegou à saída
escura, ela se chocou contra um corpo e as mãos se fecharam em
seus ombros.
— Não! Por favor...
— Perséfone. — disse Hades, empurrando-a para trás apenas
um passo.
Ela congelou, encontrando o seu olhar, e ao vê-lo ela não
conseguia conter o seu alívio.
— Hades! — Ela abraçou-o e soluçou. Ele era firme, forte e
quente, uma de suas mãos enrolada contra sua cabeça e a outra
em suas costas.
— Shh. — Os lábios dele pressionaram o cabelo dela. — O que
você está fazendo aqui?
Então, a voz horrível do homem cortou o ar.
— Onde você está sua vadiazinha?
Hades ficou rígido e puxou-a para trás, aproximando-se da
abertura da gruta. Quando ele estalou os dedos, a coluna girou de
modo que Tântalo os encarava agora. Ele não parecia ter medo da
chegada do Hades.
O deus estendeu a mão e os joelhos de Tantalo cederam, seus
braços presos com força nas correntes.
— A minha deusa foi gentil contigo. — A voz de Hades estava fria
e ressoante. — E é assim que você retribui?
Tântalo começou a vomitar, e a água que Perséfone havia lhe
dado derramou de sua boca. Hades deu passos deliberados em
direção ao prisioneiro, separando a água, criando um caminho seco
direto para o homem. Tântalo lutou para encontrar o equilíbrio para
aliviar a dor em seus braços, respirando fundo, trêmulo, que
sacudiam em seu peito.
— Você merece se sentir como eu, desesperado, faminto e
sozinho! — Tântalo gritou.
Hades observou Tântalo por um momento; então, num piscar de
olhos, ele ergueu o homem, segurando-o pelo pescoço. As pernas
de Tântalo chutaram para frente e para trás, e Hades riu de sua luta.
— Como você sabe que não me sinto assim há séculos, mortal?
— ele perguntou e, enquanto falava, seu glamour derreteu. Hades
estava vestido de escuridão.
— Você é um mortal ignorante. Antes, eu era apenas seu
carcereiro, mas agora serei seu punidor, e acho que meus juízes
foram muito misericordiosos. Eu vou te amaldiçoar com uma fome e
sede insaciáveis. Vou até colocá-lo ao alcance de comida e água,
mas tudo o que você comer será fogo em sua garganta.
Com isso, Hades largou Tântalo. As correntes puxaram seus
membros e ele bateu na pedra com força. Quando ele conseguiu,
ele ergueu o olhar para Hades e rosnou como um animal. Assim que
ele começou a se lançar para o deus, Hades estalou os dedos e
Tântalo se foi.
No silêncio, ele se virou para Perséfone, e ela não conseguiu
controlar sua reação. Ela deu um passo atrás, escorregando na
pedra viscosa. Hades avançou e apanhou-a, embalando-a nos seus
braços.
— Perséfone. — Sua voz era quente e baixa — um apelo. — Por
favor, não me tema. Não você.
Ela olhou para ele, incapaz de desviar o olhar. Ele era belo, feroz
e poderoso e, a tinha enganado.
Perséfone não conseguiu conter as lágrimas. Ela desmoronou, e
quando Hades a segurou com mais força, ela enterrou o rosto na
curva do pescoço dele. Ela não percebeu quando eles se
teletransportaram e não ergueu os olhos para ver para onde ele a
havia levado; ela só sabia que uma lareira estava perto. O calor fez
pouco para banir o frio que assolava seu corpo, e quando ela não
parou de tremer, Hades a levou para os banhos.
Ela o deixou despi-la e embalá-la contra ele quando eles
entraram na água, mas ela não olhou para ele. Ele permitiu que o
silêncio durasse um pouco, até que, ela imaginou, ele não aguentou
mais.
— Você não está bem. — ele disse. — Ele... te machucou?
Ela ficou quieta e manteve os olhos fechados, esperando que
isso a impedisse de chorar.
— Me diga. — ele implorou. — Por favor.
Foi a esta palavra, por favor, que ela abriu seus olhos
lacrimejantes.
— Eu sei sobre Afrodite, Hades. — O rosto dele mudou com as
palavras dela. Ela nunca o tinha visto tão chocado ou abatido. — Eu
não sou mais do que um jogo para você.
— Eu nunca a considerei um jogo, Perséfone. — Ele fez uma
careta.
— O contrato...
— Isso não tem nada a ver com o contrato. — ele quase rosnou,
soltando-a.
Perséfone lutou para se equilibrar na água e disparou para ele.
— Isso tem tudo a ver com o contrato! Deuses, eu fui tão
estúpida! Eu me permiti pensar que você era bom, mesmo com a
possibilidade de ser sua prisioneira.
— Prisioneira? Você se considera uma prisioneira aqui? Eu te
tratei tão mal?
— Um carcereiro gentil ainda é um carcereiro. — Perséfone
retorquiu.
— Se você me considerava seu guarda por que você transou
comigo? — o rosto de Hades endureceu.
— Foi você quem predisse isso. — A voz dela tremeu. — E você
estava certo, eu gostei, e agora que está feito, podemos seguir em
frente.
— Seguir em frente? — Sua voz assumiu um tom mortal. — É
isso o que você quer?
— Ambos sabemos que é melhor assim.
— Eu estou começando a achar que você não sabe nada. —
disse ele. — Estou começando a entender que você nem pensa por
si mesma.
Essas palavras a perfuraram como uma lâmina em seu esterno.
— Como você se atreve...
— Como eu me atrevo a quê? Perséfone. Dizer as suas merdas?
Você age tão impotente, mas nunca tomou uma decisão maldita por
si mesmo. Você vai deixar que sua mãe determine com quem você
vai transar agora?
— Cala a boca!
— Me diga o que você quer. — Ele a encurralou, prendendo-a
contra a borda da piscina.
Ela desviou o olhar e apertou os dentes com tanta força que sua
mandíbula doeu.
— Me diga!
— Transar com você! — Ela rosnou e saltou, enroscando as
pernas em volta da cintura dele. Ela o beijou com força, seus lábios
e dentes se chocando dolorosamente, mas nenhum deles parou.
Seus dedos se enredaram em seu cabelo, e ela puxou com força,
inclinando a cabeça para trás, beijando seu pescoço. Em segundos,
eles se encontraram do lado de fora da piscina, na passarela de
mármore, e Perséfone empurrou Hades de costas encaixando-se
em seu sexo, tomando-o profundamente.
O movimento brutal de seus corpos e a respiração preencheram
os banhos. Foi a coisa mais erótica que ela já fez, e conforme ela se
movia, ela sentiu uma onda dentro dela, algo separado da atração
inebriante do corpo de Hades. Ela não conseguia identificar, mas
estava acordado em suas veias e vibrando.
Hades se esticou entre eles, apertando seus seios e agarrando
suas coxas, então se levantou e se sentou, levando seus mamilos
em sua boca. A sensação atraiu um som gutural de Perséfone e ela
apertou Hades contra ela, movendo-se mais e mais rápido.
— Sim. — Hades disse entre os dentes e então ordenou: — Use-
me. Mais forte. Mais rápido.
Foi a única ordem que ela quis obedecer.
Eles gozaram juntos e, em seguida, Perséfone se levantou de
cima de Hades, agarrou suas roupas e saiu do banho. Hades a
seguiu, nu.
— Perséfone. — ele chamou. Ela continuou andando, vestindo
suas roupas enquanto ela ia. Hades amaldiçoou e finalmente a
alcançou, puxando-a para uma sala próxima, sua sala do trono.
Ela se virou para ele, empurrando-o com raiva. Ele não se mexeu
nem um centímetro, e em vez disso prendeu-a com os braços.
— Eu quero saber o porquê. — Perséfone podia sentir algo a
arder em suas veias. Acendeu no fundo de sua barriga e correu por
ela como veneno quando ele não falou.
— Eu era um alvo fácil? Você olhou para a minha alma e viu
alguém desesperado por amor, por adoração? Você me escolheu
porque você sabia que eu não conseguiria cumprir os termos da sua
barganha?
— Não foi assim.
Ele estava muito calmo.
— Então me diga o que foi! — ela fervia de raiva.
— Sim, Afrodite e eu temos um contrato, mas o acordo que fiz
com você não teve nada a ver com isso.
Ela cruzou os braços, preparada para rejeitar essa declaração
quando ele acrescentou:
— Eu ofereci a você os termos com base no que vi em sua alma,
uma mulher enjaulada por sua própria mente.
Perséfone olhou feio para ele.
— Foi você quem chamou o acordo de impossível. — disse ele.
— Mas você é poderosa, Perséfone.
— Não me zombe. — A voz dela tremeu.
— Eu nunca o faria.
A sinceridade na voz dele a deixou enjoada.
— Mentiroso.
— Eu sou muitas coisas, mas mentiroso eu não sou. — Os olhos
dele escureceram.
— Não um mentiroso então, mas um enganador assumido.
— Eu apenas te dei respostas. — ele disse. — Eu ajudei você a
recuperar seu poder, mas você ainda não o usou. Eu dei a você
uma maneira de sair de debaixo das asas de sua mãe, e ainda
assim você não vai reivindicá-la.
— Como? — ela exigiu. — O que você fez para me ajudar?
— Eu te venerei! — ele gritou. — Eu dei a você o que sua mãe
negou, adoradores.
Perséfone parou por um momento em silêncio atordoado.
— Você quer dizer que me forçou a um contrato quando poderia
apenas ter me dito que eu precisava de adoradores para ganhar
meus poderes?
— Não é sobre poderes, Perséfone! Nunca foi sobre magia,
ilusão ou glamour. É sobre confiança. É sobre acreditar em você!
— Isso é perverso, Hades...
— É? — ele retrucou. — Diga-me, se você soubesse, o que teria
feito? Anunciado sua Divindade para o mundo inteiro para que você
pudesse ganhar seguidores e, consequentemente, seu poder?
Ela sabia a resposta, e ele também.
— Não, você nunca foi capaz de decidir o que quer porque
valoriza a felicidade de sua mãe acima da sua!
— Eu tive liberdade até você, Hades.
— Você pensou que era livre antes de mim? — ele perguntou. —
Você acabou de trocar paredes de vidro por outro tipo de prisão
quando veio para Nova Atenas.
— Por que você não fica me dizendo como eu sou patética. —
ela cuspiu.
— Não é o que eu....
— Não é? — ela o cortou. — Deixe-me dizer o que mais me torna
patética: eu me apaixonei por você.
Lágrimas arderam em seus olhos. Hades se moveu para tocá-la,
mas ela estendeu a mão.
— Não!
Ele parou, parecendo muito mais dolorido do que ela poderia ter
imaginado. Ela parou por um momento, esperando para falar até ter
certeza de que sua voz estava calma.
— O que Afrodite teria conseguido se você tivesse falhado?
Hades engoliu em seco e respondeu em voz baixa e áspera:
— Ela pediu que um de seus heróis voltasse à vida.
Perséfone apertou os lábios e acenou. Ela devia saber.
— Bem, você venceu. Eu te amo. Valeu a pena?
— Não foi assim, Perséfone!
Ela se virou para ele e ele gritou.
— Você acreditaria nas palavras de Afrodite sobre minhas ações?
Ela fez uma pausa e virou-se para encará-lo. Ela estava com
tanta raiva que seu corpo vibrou. Se ele estava tentando dizer que a
amava, ele precisaria dizer. Ela precisava ouvir as palavras.
Em vez disso, ele balançou a cabeça e disse:
— Você é a sua própria prisioneira.
Algo dentro dela estalou. Foi doloroso e se moveu por suas veias
como fogo. Sob os seus pés, o mármore chocalhou. Seus olhos se
encontraram no momento em que grandes trepadeiras pretas
emergiram do chão, girando em torno do Deus dos Mortos até que
seus pulsos e tornozelos estivessem presos.
Por um momento, os dois ficaram paralisados, atordoados.
Ela havia criado vida, embora o que se ergueu do chão
parecesse longe de estar vivo. Estava murcho e preto, não brilhante
e bonito. Perséfone respirou pesadamente; ao contrário de antes, a
magia que ela sentia agora era forte. Isso fez seu corpo latejar com
uma dor cega.
Hades considerou seus pulsos amarrados, testando as
limitações. Quando ele olhou para Perséfone, ele deu uma risada
sem humor, seus olhos de um preto opaco e sem vida.
— Bem, Senhora Perséfone. Parece que você ganhou.
25
UM TOQUE DE VIDA

PERSÉFONE NÃO TIROU A PULSEIRA de ouro até estar no seu


próprio chuveiro. Ela ficou sob uma corrente de água quente até que
ficou gelada, então deslizou para o chão da banheira. Quando ela
tirou a pulseira, a marca tinha desaparecido.
Ela sempre imaginou este momento de forma diferente. Na
verdade, ela se imaginou ganhando os seus poderes e Hades. Ela
imaginou ter o melhor dos dois mundos.
No entanto, ela não tinha nenhum.
Ela sabia que era apenas uma questão de tempo antes que sua
mãe viesse buscá-la. Um soluço ficou preso em sua garganta, mas
ela o conteve e se arrastou para fora do banheiro.
Ela era sua própria prisioneira .
Hades estava certo, e o peso de suas palavras caiu sobre ela à
noite, provocando um renovado fluxo de lágrimas. Em algum
momento, ela não sabia quando, Lexa subiu na cama com ela,
puxou-a para seus braços e a abraçou. Foi como Perséfone pegou
no sono.
Quando ela acordou na manhã seguinte, Lexa estava acordada e
olhando para ela. Sua melhor amiga afastou o cabelo do rosto e
perguntou:
— Você está bem?
— Sim. — disse ela calmamente.
— Está... acabado?
Perséfone acenou com a cabeça e forçou as lágrimas para longe.
Ela estava cansada de chorar. Seus olhos estavam inchados e ela
não conseguia respirar pelo nariz.
— Sinto muito, Perséfone. — disse Lexa, e abaixou-se para
abraçá-la de perto.
Ela deu de ombros. Ela estava com medo de dizer qualquer
coisa, medo de chorar novamente.
Apesar disso, ela se sentiu diferente. Ela tinha uma determinação
renovada para assumir o controle de sua vida.
Como se fosse uma deixa, seu telefone vibrou e quando ela
olhou, encontrou uma mensagem de Adonis: Tique-taque.
Ela tinha esquecido do prazo dele. Ela deveria ter o trabalho dele
restabelecido amanhã. Sabendo que era impossível, Perséfone não
tinha outras opções.
Se ela conseguisse as fotos, ele não teria nada com que a
chantagear.
— Lexa. — Perséfone disse. — O Jaison não é programador?
— Sim...Por quê?
— Eu tenho um trabalho para ele.

***

Perséfone esperou no Jardim Dos Deuses no campus. Ela


escolheu o jardim de Hades, principalmente porque oferecia mais
privacidade de olhares indiscretos e bisbilhoteiros.
Ela passou a manhã contando a Lexa tudo o que tinha
acontecido com Adonis e perguntou a Jaison se ele poderia invadir
o computador do mortal e excluir as fotos que ele estava usando
para chantagem. A quantidade de alegria que ele obteve com o
pedido foi cômica, durante o raqueamento, ele descobriu uma
riqueza de informações, incluindo o informante de Adonis.
O telefone de Perséfone apitou e quando ela o verificou, ela viu
que Adonis havia mandado uma mensagem.
— Aqui.
Quando ela olhou para cima, ela avistou Minthe e Adonis se
aproximando de direções opostas, Minthe olhando de cara feia,
Adonis de olhos arregalados.
Eles pararam a poucos metros dela.
— O que ele está fazendo aqui? — Mithe foi rápida.
— O que ela está fazendo aqui? — Adonis perguntou.
— É para que eu não tenha que me repetir. - disse Perséfone. —
Eu sei que foi Minthe quem tirou as fotos com as quais você está me
chantageando. — Seu telefone apitou e ela o verificou antes de
acrescentar: — Ou melhor, devo dizer, estavam me chantageando.
A partir deste segundo, seus dispositivos foram hackeados e as
fotos removidas.
Adonis empalideceu e o olhar de Minthe se aprofundou.
— Você não pode fazer isso ... é... é ilegal! — Adonis
argumentou.
— Ilegal como chantagem?
Isso o calou. Perséfone voltou sua atenção para Minthe.
— Suponho que você vai correr e me delatar? — a ninfa
perguntou.
— Por que eu deveria fazer isso? — A pergunta de Perséfone era
genuína, mas Minthe apenas parecia irritada, pressionando os
lábios e rosnando.
— Não vamos fingir, Deusa. Vingança, claro. Surpreende-me que
não tenha dito a Hades que fui eu que te mandei para o Tártaro.
— Ela acabou de te chamar de Deusa? — Adonis se intrometeu,
mas um olhar de Minthe e Perséfone o fez ficar em silêncio
novamente.
— Eu prefiro lutar minhas próprias batalhas. — Perséfone disse.
— Com o quê? Suas palavras? — Minthe deu uma risada
sarcástica.
— Eu compreendo que você tenha ciúmes de mim. — Perséfone
disse. — Mas a sua raiva está deslocada. — De qualquer coisa, ela
deveria estar com raiva de Hades, ou talvez com raiva de si mesma
por perder tempo ansiando por um homem que não a amava.
— Você não entende nada! — Minthe fervilhou de raiva. — Todos
esses anos eu fiquei ao lado dele, apenas para murchar em sua
sombra enquanto ele exibia você para todo o seu reino como se já
fosse sua rainha!
Minthe estava certa, ela não entendia. Ela não conseguia
imaginar como seria dedicar sua vida, seu amor, a uma pessoa que
nunca o retribuiu.
Então Minthe acrescentou em uma voz trêmula:
— Você deveria se apaixonar por ele, não o contrário.
Perséfone se encolheu. Então, Minthe não estava ciente dos
termos do contrato. Ela se perguntou se Hades tinha contado a ela,
ou se ela estava presente quando Afrodite definiu seus termos.
Ficava envergonhada ao pensar que Minthe a tinha visto se
apaixonar por Hades, sabendo de sua decepção.
— Hades não me ama. — Perséfone disse.
— Garota estúpida.
Perséfone abanou a cabeça.
— Se você não consegue ver, talvez então você não seja digna
dele.
A raiva acendeu em suas veias e seus dedos se fecharam em
punhos.
— Hades me traiu. — A voz de Perséfone tremeu.
Minthe fungou.
— Como? Por que ele escolheu não te contar sobre o contrato
dele com Afrodite? Considerando que você escreveu um artigo
zombeteiro sobre ele poucos dias depois de conhecê-lo, não estou
surpresa que ele não tenha confiado em você. Ele provavelmente
estava com medo de que, se descobrisse, agiria como a criança que
é.
Minthe estava pisando em gelo fino.
— Você deveria ter sido mais grata por seu tempo em nosso
mundo. — acrescentou ela. — É o mais poderoso em que você
jamais estará.
Foi nesse momento que Perséfone soube como é ser
verdadeiramente perversa. Um sorriso curvou seus lábios, e Minthe
de repente ficou séria, como se ela sentisse que algo havia mudado.
— Não. — disse Perséfone, e com um movimento de seu punho,
uma videira disparou do chão e se enrolou em torno dos pés de
Minthe. Quando a ninfa começou a gritar, outra videira se fechou
sobre sua boca, silenciando-a.
— Isso é o mais poderoso que eu jamais serei.
Ela estalou os dedos, e Minthe encolheu e se transformou até
que ela era nada mais do que uma planta de hortelã exuberante.
— Meus deuses! Você... você... — Os olhos de Adonis se
arregalaram de descrença.
Perséfone se aproximou da planta e a arrancou do chão, então
ela se virou e deu uma joelhada em Adonis na virilha. O mortal
desabou, contorcendo-se no chão, agarrando-se e gemendo.
Perséfone obervou-o por um momento, contente por vê-lo sofrer.
— Se me ameaçar de novo, eu vou amaldiçoar você. — ela
disse, uma calma mortal tomando conta de sua voz.
— Você... não... pode... ter... o favor... de Afrodite! — ele falou
com a respiração entrecortada.
Perséfone sorriu e inclinou a cabeça para o lado. Não foi até que
uma videira esguia estendeu a mão para acariciar seu rosto que
Adonis começou a gritar.
Perséfone havia transformado seus braços em membros
inferiores, e eles estavam crescendo rapidamente como folhagem.
A dor dele esquecida, ele gritou.
— Me traga de volta! Me traga de volta!
Quando ele viu que ela não foi se moveu por seus pedidos, ele
começou a implorar.
— Por favor. — Lágrimas escorreram dos seus olhos. — Por
favor. Eu faço qualquer coisa. Qualquer coisa.
—Qualquer coisa? — Perséfone repetiu.
— Sim! Só me traga de volta!
— Um favor. — Perséfone barganhou. — Para ser cobrado em
um momento no futuro.
— O que você quiser! Faça! Faça agora!
Mas Perséfone não o fez, e quando Adonis percebeu que ela não
estava fazendo nenhum movimento para reintegrar seus braços, ele
ficou quieto.
— Você sabe o que é um lírio-cadáver, Adonis?
Ele olhou para ela e não falou.
— Não me faça repetir, mortal. — Ela deixou cair o seu glamour e
deu um passo ameaçador à frente. — Sim ou não?
— Não. Os olhos de Adonis se arregalaram e ele se afastou,
choramingando.
— Que pena. É uma flor parasita que cheira a carne em
decomposição. Tenho certeza que você está se perguntando o que
isso tem a ver com você. Bem, é uma aposta. Se você tocar em
qualquer mulher sem consentimento, eu te transformo em uma.
Adonis ficou pálido, mas conseguiu olhar para ela.
— Uma aposta implica que recebo algo em troca.
Ela abanou a cabeça com a estupidez dele.
— Você recebe. — Ela se iclinou perto. — Sua vida. — Para dar
ênfase, ela segurou Minthe, a planta de hortelã recém-transformada,
no alto, examinando suas folhas verdes.
— Ela será uma excelente adição ao meu jardim.
Ela estalou os dedos e os braços de Adonis foram restaurados.
Ele se debateu por um momento durante a transição, mas assim
que se pôs de pé novamente, ela girou nos calcanhares e foi
embora.
— Quem diabos é você? — ele falou atrás dela. Perséfone fez
uma pausa, então se virou para olhar Adonis por cima do ombro.
— Eu sou Perséfone, Deusa da Primavera. — respondeu ela, e
desapareceu.

***

A estufa de sua mãe era exatamente como ela se lembrava: uma


estrutura de metal ornamentada coberta por vidro, aninhada nos
ricos bosques de Olympia. Tinha dois andares, o teto era
arredondado e, neste momento, o sol aparecia de uma forma que
fazia tudo parecer ouro.
Era uma pena que ela odiava estar aqui, porque era de tirar o
fôlego.
Por dentro, cheirava a sua mãe — doce e amargo, como um
buquê de flores silvestres. O cheiro fez-lhe doer o coração. Havia
uma parte dela que sentia falta da mãe e lamentava como seu
relacionamento havia mudado. Ela nunca quis ser uma decepção,
mas mais do que isso, ela não queria ser uma prisioneira.
Perséfone passou um tempo percorrendo os caminhos, passando
por canteiros coloridos de lírios e violetas, rosas e orquídeas, e uma
variedade de árvores com frutas roliças. A vibração da vida estava
ao seu redor. O sentimento estava ficando mais forte e mais familiar.
Ela parou ao longo do caminho, relembrando todos os sonhos
que teve quando ficou presa atrás dessas paredes. Sonhos de
cidades cintilantes e aventuras emocionantes e amor ardente. Ela
encontrou tudo isso, e foi lindo, perverso e comovente.
E ela faria tudo de novo apenas para provar, para sentir, para
viver novamente.
— Kore.
Perséfone se encolheu, como sempre fazia quando sua mãe
usava seu nome de infância. Ela se virou e encontrou Deméter
parada a alguns metros de distância, seu rosto frio e ilegível.
— Mãe. — Perséfone acenou.
— Estive procurando por você. — disse Deméter, e seus olhos
pousaram no punho de Perséfone. — Mas vejo que você recobrou o
juízo e voltou para mim por sua própria vontade.
— Na verdade, mãe, vim dizer que sei o que fez.
— Eu não sei o que você quer dizer. — A expressão da mãe
permaneceu distante.
— Eu sei que você me manteve escondida aqui para evitar que
meus poderes se manifestassem. — ela disse.
— Foi para o seu próprio bem. Sempre fiz o que achei ser o
melhor. — Deméter ergueu um pouco a cabeça.
— O que você acho que era melhor. — Perséfone repetiu. —
Você nunca considerou como eu poderia me sentir?
— Se você tivesse me dado ouvidos, nada disto teria acontecido!
Você não sabia de nada diferente até que saiu. Foi quando você
mudou. — ela disse isso como se fosse uma coisa horrível, como se
ela se ressentisse de quem Perséfone havia se tornado. E talvez
isso fosse verdade.
— Você está errada. — Perséfone argumentou. — Eu queria
aventura. Eu queria viver fora desses muros. Você sabia disso. Eu
te implorei.
Deméter desviou o olhar.
— Você nunca me deu uma escolha...
— Eu não podia! — ela retrucou e depois respirou fundo. —
Suponho que não importou no final. Tudo aconteceu como os
Destinos tinham previsto.
— O quê?
Sua mãe olhou de cara feia.
— Quando você nasceu, eu fui aos Destinos e perguntei sobre o
seu futuro. Uma deusa não tinha nascido há séculos e eu me
preocupava contigo. Eles me disseram que você estava destinada a
ser uma Rainha das Trevas, a Noiva da Morte. A esposa de Hades.
Eu não poderia deixar isso acontecer. Eu fiz a única coisa que eu
poderia fazer, manter você escondida e a salvo.
— Não, não a salvo. — Perséfone disse. — Você fez isso para
que eu sempre precisasse de você, então você nunca teria que ficar
sozinha.
As duas se encararam por um momento antes de Perséfone
acrescentar:
— Eu sei que você não acredita no amor, mãe, mas você não
tinha o direito de me afastar do meu.
— Amor? Você não pode... amar Hades. — Deméter piscou em
choque.
Ela desejou que não, então ela não sentiria essa dor em seu
peito.
— Vê, esse é o problema com você de tentar controlar minha
vida. Você está errada. Você sempre esteve errada. Eu sei que não
sou a filha que queria, mas sou a filha que você tem, e se você
quiser estar na minha vida, vai me deixar vivê-la.
— Então, é isso? Veio me dizer que você escolheu Hades ao
invés de mim? — Deméter olhou feio.
— Não, eu vim te dizer que eu te perdoo... por tudo.
A expressão de Deméter era de desprezo.
— Você me perdoa? É você que deveria estar implorando pelo
meu perdão. Eu fiz tudo por você!
— Eu não preciso do seu perdão para viver uma vida sem fardo,
e certamente não vou implorar por isso.
Perséfone esperou. Ela não tinha certeza do que esperava que
sua mãe dissesse — talvez que a amasse? Que ela queria um
relacionamento com ela, e eles descobririam esse novo normal?
Mas ela não disse nada, e o ombro de Perséfone caiu.
Ela estava emocionalmente exausta. O que ela queria agora mais
do que qualquer coisa era estar rodeada de pessoas que a amavam
por quem ela era.
Ela estava cansada de brigar.
— Quando você estiver pronta para se reconciliar me avise.
Perséfone estalou os dedos, com a intenção de se teletransportar
da estufa, exceto que ela permaneceu onde estava, presa.
O rosto de Deméter escureceu com um sorriso desonesto.
— Lamento, minha flor, mas não posso permitir que vá embora.
Não quando eu acabei de recuperar você mais uma vez.
— Eu te pedi para me deixar viver. — A voz de Perséfone tremeu.
— E você irá. Aqui. Onde você pertence.
— Não. — Os punhos de Perséfone encrisparam.
— Com o tempo, você vai entender, este momento será
esquecido na vastidão de sua vida.
Vida. A palavra deixou Perséfone sem fôlego. Ela não conseguia
imaginar uma vida trancada neste lugar, uma vida sem aventura,
sem amor, sem paixão.
Ela não iria.
— As coisas serão como eram antes. — Deméter acrescentou.
Mas as coisas nunca poderiam ser como eram antes, e
Perséfone sabia disso. Ela teve uma prova — um toque de
escuridão — e ela desejaria isso pelo resto de sua vida.
Quando Perséfone começou a tremer, e o chão também o fez,
Deméter franziu a testa.
— O que significa isso, Kore?
Foi a vez de Perséfone sorrir
— Oh, Mãe. Você não entende, mas tudo mudou.
E do chão dispararam caules grossos e pretos, subindo até
quebrar o vidro da estufa acima, quebrando efetivamente o feitiço
que Deméter havia colocado na prisão. Dos caules, vinhas de prata
se retorceram, preenchendo o espaço, rompendo a estrutura,
achatando flores e destruindo árvores.
— O que você está fazendo? — Deméter gritou com o som de
metal entortando e vidro quebrando.
— Me libertando. — Perséfone respondeu, e desapareceu.
26
UM TOQUE DE CASA

A FORMATURA VEIO E FOI EM UMA enxurrada de roupas


pretas, borlas azuis e brancas e festas. Foi um final agridoce, e
Perséfone nunca se sentiu mais orgulhosa ao atravessar o palco ...
ou mais sozinha.
Lexa estava passando mais tempo com Jaison, ela não tinha
ouvido falar de sua mãe desde que ela destruiu a estufa, e ela não
tinha voltado para o Nevernight ou o Submundo desde que ela
deixou Hades emaranhado em suas vinhas.
Sua única distração era o trabalho. Perséfone começou em
tempo integral no Jornal Nova Atenas como jornalista investigativa
na semana após a formatura. Ela chegou cedo e ficou até tarde, e
quando ela não tinha mais nada para fazer, ela passaria a noite nas
profundezas do Jardim dos Deuses praticando sua magia.
Ela estava melhorando, e embora o instinto de alcançar seu
poder fosse mais forte, ela não conseguiu recuperar as habilidades
que teve quando transformou Minthe em uma planta, os membros
de Adonis em videiras e destruiu a casa da sua mãe. As coisas que
ela cultivou agora tinham voltado a se parecer com videiras mortas.
Ela se pegou desejando poder treinar com Hécate.
Ela sentia falta de Hécate, das almas, do Submundo.
Ela estava com saudades de Hades.
De vez em quando ela pensava em voltar ao Submundo para
visitar. Ela sabia que Hades não havia revogado seu favor, mas ela
estava com muito medo, muito constrangida e muito envergonhada
para ir. Como ela deveria explicar sua ausência, e eles a
perdoariam?
À medida que mais dias se passavam, menos Perséfone sentia
que poderia voltar, então ela continuou sua rotina diária: trabalho,
almoço com Lexa e Sybil e uma caminhada noturna pelo parque.
Hoje, essa rotina foi interrompida.
Ela verificou o relógio enquanto se sentava na mesa como de
costume no Coffee House . Ela estava esperando uma mensagem de
Lexa. Era o fim de semana do aniversário dela, e eles iriam sair
naquela noite para comemorar com Jaison, Sybil, Aro e Xerxes e
enquanto Perséfone estava animada com a distração, ela precisava
terminar seu artigo final sobre o Deus dos Mortos.
Escrever o artigo tinha sido mais doloroso do que ela esperava.
Ela escreveu através de lágrimas e dentes cerrados. Como
resultado, a publicação atrasou. Ela não esperava ficar tão
emocionada, mas havia passado por muita coisa nos últimos seis
meses. A preocupação e o estresse sobre o cumprimento dos
termos de seu acordo com Hades tinham cobrado seu preço de
muitas maneiras. Contra seu melhor julgamento, ela se apaixonou
pelo deus, e ela estava lentamente tentando descobrir como juntar
os pedaços de seu coração.
O problema era que não se encaixavam da mesma maneira.
Ela estava mudada.
E era ao mesmo tempo lindo e terrível. Ela tinha assumido o
controle de sua vida, rompendo relacionamentos no caminho. As
pessoas em quem ela confiava seis meses atrás não eram as
pessoas em quem ela confiava agora.
A parte mais dolorosa de tudo isso foi a traição de sua mãe e o
silêncio subsequente. Depois que ela destruiu a estufa, Deméter
manteve distância. Perséfone nem sabia para onde sua mãe tinha
ido, embora suspeitasse que ela estava em Olympia.
Ainda assim, ela esperava algo dela — até mesmo uma
mensagem irritada.
Nada foi uma facada no coração.
O celular dela apitou com uma mensagem de Lexa: Pronta para
hoje à noite?
Ela respondeu de volta, Você sabe! Você já tomou uma decisão?
Ela ainda não tinha decidido onde celebrar. Ambos concordaram
que Nevernight e La Rose estavam fora de questão.
Estou pensando no Bacanália ou O Corvo. Bacanália era um bar
propriedade de Dionísio e O Corvo era propriedade de Apollo. O que
você acha?
Hum. Definitivamente O Corvo.
Mas você odeia a música de Apollo.
Era verdade. Perséfone temia cada álbum lançado pelo Deus da
Luz. Ela não tinha certeza do porquê — algo sobre a maneira como
ele pronunciava suas palavras a irritou, e era a única música que
tocava em seu clube.
Mas é seu aniversário. Perséfone lembrou a si mesma. E O
Corvo é mais seu estilo.
Está decidido. O Corvo será! Obrigada Perséfone!
Apesar de ver menos Lexa, Perséfone estava feliz por ela. Lexa
estava se dando bem com Jaison e ela estaria para sempre em
dívida com os dois mortais por seus serviços a ela, especialmente
Lexa, que tinha ficado com ela por uma semana inteira enquanto ela
se recuperava de seu rompimento com Hades e conseguia manter
Minthe, a Hortelã, viva depois de Perséfone ter esquecido
prontamente sua existência na janela da cozinha.
Ela tinha planos de devolver a ninfa ao Submundo e oferecê-la ao
Hades, mas não teve coragem de enfrentá-lo.
Ela mandou uma mensagem para Lexa dizendo que estava
saindo e começou a arrumar suas coisas quando uma sombra caiu
sobre ela. Ela olhou para um par de olhos escuros familiar e gentis.
— Hécate! — Perséfone se levantou e jogou os braços ao redor
do pescoço da deusa. — Saudades de você.
Hécate devolveu o abraço e respirou fundo com alívio.
— Estou com saudades de você também, minha querida. — Ela
se afastou e estudou o rosto de Perséfone, as sobrancelhas unidas
sobre os olhos carinhosos. — Nós todos estamos.
A culpa bateu nela e ela engoliu em seco. Ela tinha
essencialmente evitado todo mundo.
— Senta comigo?
— Claro. — A Deusa da Bruxaria sentou-se ao lado de
Perséfone.
Ela não conseguia parar de olhar para Hécate. A deusa parecia
diferente no glamour humano, com seu cabelo em uma trança e
usando um vestido longo preto em vez de vestes suntuosas.
— Espero não estar interrompendo. — Hécate acresentou.
— Não, só... trabalhando. — Perséfone disse.
A deusa assentiu. Elas ficaram em silêncio por um momento, e
Perséfone odiou a estranheza entre elas.
— Como estão todos?—- ela se esquivou.
— Tristes. — Hécate confessou, e Perséfone sentiu uma pontada
no peito.
— Você realmente não é do tipo fica de rodeios, não é, Hécate?
— Volte. — pediu.
— Você sabe que não posso. — Ela não conseguia olhar para
Hécate. Os olhos dela queimaram.
— Do que importa se vocês se encontraram por meio deste
contrato? — Hécate perguntou.
Os olhos de Perséfone se arregalaram e ela olhou para a Deusa
da Bruxaria.
— Ele te contou?
— Eu perguntei.
— Então você sabe que ele me enganou.
— Ele enganou mesmo? Pelo que me lembro, ele disse que seu
contrato não tinha nada a ver com a aposta de Afrodite.
— Você não pode me dizer que ele não considerou que eu
poderia ajudá-lo a cumprir seu contrato com ela.
— Tenho certeza de que ele considerou isso, mas apenas porque
ele já estava apaixonado por você. Era tão errado para ele ter
esperança?
Perséfone sentou-se, cozinhando em seu silêncio. Hécate estava
aqui apenas para tentar convencê-la a voltar para Hades?
Ela sabia a resposta, mas era mais complicado do que um sim.
Ela estava aqui para convencê-la a retornar ao Submundo, a um
reino de pessoas que a trataram como uma rainha, para seus
amigos.
Ela sabia que Hécate estava certa. Realmente importava que
eles tivessem encontrado o amor um pelo outro por causa de um
acordo? As pessoas encontraram o amor de todas as maneiras.
A coisa mais difícil, porém, foi que quando ela disse a Hades que
o amava, ele não disse isso de volta. Ele não tinha dito nada.
Ela sentiu Hécate olhando para ela, e a deusa perguntou:
— Como você acha que cumpriu os termos do seu contrato?
— Eu... cultivei algo. — Perséfone olhou para ela, confusa.
Não foi bonito. Ela nem tinha certeza se poderia ser chamada de
planta, mas estava viva e era isso que importava.
. — Não. Você cumpriu o contrato porque criou a vida no íntimo
de Hades. Porque trouxe vida para o Submundo. — A deusa
abanou a cabeça.
Perséfone desviou o olhar, fechando os olhos contra as palavras.
Ela não conseguia ouvir isso.
Então Hécate sussurrou:
— É desolador sem você. — Ela pegou a mão de Perséfone. —
Você o ama?
A pergunta trouxe lágrimas aos seus olhos, e ela as enxugou
furiosamente antes de dizer um ofegante:
— Sim. — Ela fungou. — Sim. Acho que o amei desde o início. É
por isso que dói.
Hades a desafiou a olhar para o quadro inteiro, a não ser cegada
por sua paixão — exceto quando se tratava de sua paixão por ele.
— Então vá até ele. Diga a ele por que você está magoada, diga
a ele como consertar. Não é nisso em que você é boa?
Perséfone não pôde deixar de rir disso e então gemeu,
esfregando os olhos.
— Hécate. Ele não quer me ver.
— Como você sabe? — ela perguntou.
— Você não acha que se ele me quisesse, ele teria vindo até
mim?
— Talvez ele esteja apenas te dando tempo. — ela disse.
Hécate desviou o olhar, pela a rua de pedestres, e Perséfone
seguiu seu olhar. Sua respiração ficou presa e seu coração bateu
forte no peito.
Hades estava a alguns metros de distância. Vestido de preto da
cabeça aos pés, ele nunca esteve mais bonito. Seu olhar, escuro e
penetrante, pousou sobre ela, e era o mais vulnerável que ela já o
tinha visto, esperançoso, mas com medo.
Perséfone se levantou de sua cadeira, mas demorou um
momento para mover as pernas. Ela tropeçou e começou a correr.
Ele a pegou quando ela pulou em seus braços, as pernas
enroscadas em sua cintura. Ele a abraçou, enterrando o rosto na
curva de seu pescoço.
— Senti sua falta. — ele sussurrou.
— Eu senti sua falta também. — ela disse e então recuou. Ela
estudou seu rosto, roçando a curva de sua bochecha e o arco de
seus lábios. — Me desculpe.
— Eu também. — ele disse, e ela percebeu que ele a estava
examinando tão intensamente, como se estivesse tentando
memorizar cada parte dela. — Eu te amo. Eu deveria ter dito mais
cedo. Eu deveria ter dito naquela noite no banho. Eu já sabia.
— Eu também te amo. — Ela sorriu, seus dedos enrolando no
cabelo dele.
Seus lábios se chocaram e foi como se o mundo inteiro tivesse
derretido, embora eles estivessem cercados por uma legião de
pessoas tirando fotos e filmando. Hades interrompeu o beijo
primeiro, e Perséfone olhou para ele, frustrada e ligeiramente
atordoada.
— Eu desejo reclamar meu favor, Deusa. — ele disse, seus olhos
escurecendo.
O coração de Perséfone martelou em seu peito.
— Venha para o Submundo comigo.
Ela começou a protestar, mas ele a silenciou com um beijo.
— Viva entre os mundos. — ele disse. — Mas não nos deixe para
sempre — meu povo, seu povo... eu.
Ela piscou para conter as lágrimas — ele entendeu. Ela teria o
melhor de ambos os mundos. Ela o teria.
Seu sorriso se tornou malicioso, e ela alisou sua camisa.
— Estou ansiosa por um jogo de cartas.
Os cantos de sua boca se contraíram e seus olhos escureceram.
— Pôquer? — ele perguntou.
— Sim.
— A aposta?
— Suas roupas. — ela respondeu.
Então eles desapareceram.
27
MINTHE A HORTELÃ (Bônus)

OS OLHOS ESCUROS DE Hades sustentaram o olhar de


Perséfone enquanto ele se reclinava na cadeira atrás de sua mesa
de obsidiana, dedos ágeis cobrindo seus lábios carnudos. Quando
Perséfone entrou em seu escritório, ela ficou surpresa ao encontrá-
lo lá. Desde que conheceu o Deus dos Mortos, seis meses atrás, ela
nunca o viu usar a mesa.
— Então a mesa não é apenas para exibição. — Um sorriso
curvou seus lábios, e por um momento ela estava aliviada pelo
motivo de ter vindo aqui.
Hades levantou uma sobrancelha e olhou para ela de cima a
baixo, os olhos brilhando. Ela escolheu sua roupa estrategicamente:
um vestido vermelho que abraçava suas curvas. As alças eram finas
e o decote em V profundo, acentuando a subida e descida de seu
peito. Provavelmente era injusto, mas ela pensou que poderia
diminuir o golpe que veio dar.
— Eu posso ser muito produtivo quando eu quero. — ele disse.
— É.
— Sim, como você sabe, querida, sou excepcional em
multitarefa. — disse ele, e o ar ficou mais espesso com uma
pulsação elétrica que ela sentiu nas entranhas.
— Hmm. — Parece que me esqueci que você possuía essa
habilidade particular. Talvez você possa me esclarecer?
Os dedos de Hades se fecharam, mas ele não se moveu, os
olhos caindo para a planta que ela embalou em seus braços.
— Você me trouxe algo?
O momento foi arruinado, o que não foi tão surpreendente.
Minthe havia arruinado muitas coisas quando era ninfa, agora ela
também estragou as coisas como uma planta.
Perséfone colocou a planta de hortelã na beira da mesa de
Hades.
— Na verdade eu estou devolvendo o que já era seu.
As sobrancelhas de Hades uniram-se sobre seus olhos negros
como carvão.
— Acho que me lembraria de deixar uma planta de hortelã em
sua casa, Perséfone.
— Bem, veja, esta... planta nem sempre foi uma planta.
Hades aguardou.
— Ela era uma ninfa. Minthe.
Perséfone não sabia o que ele estava pensando, mas seu
coração estava disparado e a ansiedade apertou seu peito. Ela
praticou entregar suas notícias no espelho antes de se
teletransportar para o Nevernight, marchou escada acima e invadiu
o escritório de Hades, ela teve que andar rápido, caso contrário, ela
teria se virado e voltado para casa.
Mas era hora dele saber a verdade.
Agora que as palavras saíram de sua boca, ele se sentou em
silêncio e imóvel. Ela esperava mais de uma reação dele.
Após um momento, ele falou.
— Você está dizendo que — Hades apontou para a hortelã — é a
minha assistente?
— Sim.
— E por que a minha assistente é uma planta, Perséfone? — ele
não olou para a planta, mas para ela.
— Porque ... — ela desviou os olhos e admitiu, — ela me
aborreceu.
Hades esperou, seu silêncio questionando, e quando ela não
disse mais nada, ele perguntou:
— O que Minthe fez para te aborrecer?
Havia uma longa lista, sua proximidade com Hades, sua opinião
de que Perséfone era totalmente errada para ele, o fato de que a
ninfa a havia enganado para entrar no Tártaro, mas o que realmente
a irritou foi quando Minthe a chamou de impotente.
Mas ela não estava aqui para delatar, então ela respondeu:
— Não importa mais. Eu cuidei disso. — Hades levantou uma
sobrancelha e antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa, ela
continuou. — Pensei em dar a você a opção de devolvê-la à sua
forma verdadeira.
Os cantos de sua boca se ergueram e seus olhos brilharam. Ele
estava claramente divertido e a ansiedade dela diminuiu.
— Você deseja que eu tome essa decisão?
Ela pestanejou e disse:
— Ela é sua assistente.
Hades inclinou a cabeça para o lado, estudando-a. Ele estava
decidindo como proceder, e isso a deixou nervosa. Quando ele se
levantou e deu a volta na mesa, Perséfone se virou para ele, e
Hades prendeu seu queixo entre os dedos, inclinando sua cabeça
para trás até que sua garganta ficasse esticada.
— Como devo convencê-la a me contar a verdade? — A voz dele
era baixa, áspera. Prometia paixão.
— Você está pedindo para jogar?
Ele a observou por um momento. Ela ainda não conseguia
descobrir exatamente o que ele pensava sobre toda essa situação.
Então ele pressionou os lábios no vão de sua garganta, traçando a
coluna de seu pescoço e a borda de sua mandíbula com a boca.
Perséfone agarrou-se a ele, as mãos em punhos em sua jaqueta, e
quando ela engasgou, Hades se mexeu. Agarrando seus quadris,
ele a guiou até a borda de sua mesa de obsidiana imaculada.
— Eu sou multitarefa. — disse ele enquanto suas mãos
deslizavam por suas coxas e por baixo do vestido.
Sua boca se fechou sobre a dela. Dentes, língua e respiração
entrelaçados, e enquanto a consumia, ele tirou sua calcinha e abriu
suas pernas, esticando o vestido nas costuras e expondo seu calor
ao ar frio.
A expectativa enrolou-se em seu estômago quando o olhar
perverso de Hades caiu sobre ela. Seus dedos separaram sua carne
quente e quando ele entrou nela, sua cabeça se inclinou para trás.
Hades pretendia dar prazer a ela por responder suas perguntas?
Seus dedos empurraram, trabalhando duro e profundamente. Ele
recuou para observá-la e, quando sua respiração se acelerou, ela
gemeu seu nome.
— Você gosta disso? — ele perguntou, entrando e saindo, a
fricção de seus dedos levando-a à beira de um penhasco que ela
mataria para cair.
— Sim. — ela sussurrou.
— Me diga o que você quer.
— Mais. Mais forte. — disse ela, ofegante. — Mais rápido.
E foi então que ele se retirou.
Sua súbita ausência foi chocante e um som gutural saiu de sua
garganta. Ela olhou para ele e estendeu a mão, mas Hades deu um
passo para trás, o peito subindo e descendo. Por um momento, ela
pensou que alguém poderia estar se aproximando do escritório, mas
quando Hades não fez nenhum movimento para ajudar a cobri-la,
ela sabia que algo mais estava errado.
— Por que você parou?
— Me diga porque você a transformou. — ele disse. — O que ela
disse para te aborrecer?
— É esse o seu jogo? — Perséfone olhou feio para ele.
— Você acha que é um jogo?
Sua raiva era tão forte e aguda que ela pensou que poderia
transformá-lo em uma planta também, reconhecendo a sensação de
sua magia despertando em suas veias. Era mais forte quando ela
estava com raiva.
Ela começou a se afastar da mesa, mas Hades a prendeu,
trazendo seus lábios aos dela novamente. Com os dedos torcendo
em seu cabelo, ele puxou sua cabeça para trás para que pudesse
explorar sua boca mais profundamente. Por um momento, ela
endureceu em seus braços, as mãos pressionadas firmemente
contra seu peito. Era como se ela tivesse pensado em afastá-lo,
mas não pudesse, não iria resistir a ele.
Mas ela iria fazê-lo pagar.
Ele estava errado se pensou que poderia fazer isso, ainda mais
errado se ele pensou que poderia resistir a ela.
Perséfone desabotoou sua camisa; as mãos dela procuraram os
níveis de seu peito, abdômen duro como pedra e o cós de sua
calça. Sua ereção esticou contra o tecido, e quando ela o libertou,
ele gemeu contra sua boca.
Seus dedos se fecharam sobre seu eixo e ela empurrou para ele,
deslizando para fora da mesa e direcionando-o para trás até que
suas costas bateram na parede.
Então ela estalou os dedos e eles se encontraram no Submundo,
no jardim que Hades havia concedido a ela no início de seu acordo.
As costas de Hades foram pressionadas contra a parede de pedra.
Ela ainda segurava o pênis dele na mão e sorriu, ela adorava ter o
favor de Hades.
— Perséfone...
Ela estalou os dedos novamente, e desta vez as videiras se
enrolaram nos pulsos e tornozelos de Hades. Seus olhos
escureceram, sua mandíbula se apertou e o nome dela saiu como
um aviso.
— Perséfone.
— Sim, meu senhor? — ela perguntou inocentemente.
— O que você está fazendo?
Ela o acariciou e seu peito arfou.
— O que parece? — ela perguntou.
Ela o trabalhou para cima e para baixo e usou o polegar para
acariciar a cabeça de seu membro. Ela ficou na ponta dos pés para
beijar os lábios e o pescoço dele. Hades lutou contra as amarras
que ela havia colocado no lugar, desesperado para retribuir.
— Diga-me o que você quer. — ela sussurrou enquanto
mordiscava sua orelha.
— Você, Deusa. — Hades rosnou.
Ela se afastou, sorrindo maliciosamente, e então se ajoelhou para
tomá-lo em sua boca. Ele tinha gosto de sal, e ela o levou mais
fundo, a cabeça de seu pênis atingindo o fundo de sua garganta.
Hades gemeu acima dela. Ela se segurou nas pernas dele, sentindo
os músculos se contraírem sob suas mãos. Ela o trabalhou até que
ele explodiu em sua boca, e quando ela terminou, ela se levantou,
sustentando o olhar opaco dele, e se afastou.
— É torturante? — ela perguntou — era um desafio.
Ele não respondeu, mas seus olhos ardiam e as vinhas em torno
de seus punhos estavam tesas.
— Para ter prazer de mim, e não dar em troca?
Ela levantou o vestido pela cabeça e o jogou de lado. De pé nua
diante dele, ela perguntou:
— O que você quer, Hades?
Ela subestimou sua força e vontade de possuí-la. As vinhas que
ela chamou para segurá-lo estalaram, e ele se lançou, arrastando-a
para cima de seu corpo e entrando nela sem hesitação. O gemido
de Perséfone rompeu o ar quando ele a esticou e a tomou
profundamente. Suas mãos agarraram suas coxas com tanta força
que parecia que ele estava segurando seus ossos. O deus mudou
de posição, repousando-a contra a parede de pedra, empurrando
com força. A rocha irregular a raspou de volta, mas ela nem sentiu,
estava muito ocupada agarrando Hades, agarrando seu cabelo,
perdida em seu corpo enquanto ele a preenchia a ponto de explodir.
Hades havia despertado uma escuridão dentro dela, uma ânsia
que constantemente precisava de atenção. Ela sempre o desejaria.
Seu clímax foi violento e o de Hades também.
Ele se ajoelhou no chão então, segurando Perséfone perto. Ela
se agarrou a ele por um longo tempo, as pernas tremendo, incapaz
de se mover ou ficar de pé.
Uma vez que a respiração deles se restituiu, Perséfone se
afastou e encontrou o olhar de Hades.
— Você não vai usar sexo para conseguir o que quer, entendeu?
— Sim, minha rainha.
Os olhos de Perséfone se arregalaram.
— Mas eu vou te dizer o que eu quero. — ele disse rapidamente.
— Uma resposta quando eu pedir.
— Por quê? Não confa em mim? — Perséfone ficou vermelha.
— Eu poderia te perguntar o mesmo.
— Não é tão fácil assim te responder. — Perséfone desviou o
olhar.
— Por quê?
Ela ficou quieta, e Hades tocou seu queixo, atraindo seus olhos
de volta para os dele.
— Você está com vergonha?
Demorou um pouco e então disse:
— Fiquei com raiva e fui precipitada em minha decisão, mas ela
questionou meu poder e pensei em ensiná-la o quão poderosa eu
era.
Hades ficou quieto por um momento antes de beijá-la.
— Se você não a tivesse punido, eu o teria feito por levá-lo ao
Tártaro.
— Você sabia? — Perséfone olhou para ele, surpresa.
— Eu suspeitei. — ele disse. — Você confirmou.
— Isso é trapaça. — Ela olhou para ele, golpeando seu braço.
Hades riu, mas ficou mais sério.
— Ainda assim, por que protegê-la quando ela te colocou em
perigo?
— Eu não estava protegendo ela ... Eu estava lidando com ela
sozinha. Eu nao quero que você lute as minhas batalhas, Hades.
O olhar que ele deu a ela foi de admiração e espanto.
— Minha senhora, está muito claro para mim que você não
precisa da minha ajuda para travar suas batalhas.
Hades ajudou Perséfone a se vestir e, assim que sua aparência
foi restaurada, ele estalou os dedos e Minthe, a hortelã, apareceu
em sua mão.
— Agora, o que vamos fazer com ela?
— Eu não a perdoei completamente. — admitiu Perséfone. —
Mas eu gostaria de fornecer a ela pelo menos um conforto, e isso
deve ser devolvido ao Mundo Inferior.
— É por isso que você a negligenciou no Mundo Superior? —
Hades observou algumas folhas murchas na planta.
— Não! — Perséfone respondeu defensivamente e Hades riu. —
Se você quer saber, eu passo mais tempo aqui de qualquer
maneira. Prefiro que ela não morra sob minha supervisão.
— Como quiser, querida. — Hades, ainda sorrindo, beijou o topo
de sua cabeça.
Hades ajudou Perséfone a plantar Minthe no solo preto e áspero.
Assim que ela estava instalada, os dois partiram para um passeio
pelos campos do Submundo.
O dia estava claro, cheio da luz estranha e artificial do
Submundo. Ao redor deles havia altos brotos de grama e flores da
cor de laranja-sangue. Montanhas negras e florestas escuras
invadidas. Este mundo era lindo, surreal, mágico; era um refúgio
para os mortos, uma prisão para alguns e, nos últimos meses,
tornou-se um de seus lugares favoritos.
Ela ansiava por suas visitas ao Submundo, não apenas para ver
Hades ou as terras, mas para visitar Hécate e as almas em
Asfódelo. Eles tinham vindo para esperá-la, celebrá-la. Eles a
chamavam de rainha.
Foi esse pensamento que a fez parar, e o fato de que Hades
também. Ela havia tentado impedir o uso do título, mas por que eles
ouviriam se o rei também o usasse?
— Hades... eu queria pedir para você não me chamar de minha...
— Senhora?
— Rainha. — ela disse.
O deus parou, sua expressão ilegível. Ela se apressou em
continuar.
— Eu reconheço que você falou em um momento de paixão...
— Eu quis dizer isso. — disse ele. — Você é minha rainha. Só
você tem domínio sobre mim.
— Hades...
— Por que você teme isso? O título?
— Não é medo, é... — ela não conseguia encontrar as palavras.
— Seu povo já me chama de rainha, você não acha que é um pouco
... cedo demais?
— Então, é medo. — ele disse. — Medo de que nós não darmos
certo.
Perséfone não precisou dizer nada. Era medo.
— Meu povo sempre a verá como a senhora deles por causa de
como você os tratou, quer você escolha me amar ou não. — As
palavras dele fizeram seu coração doer. Ela queria dizer a ele que o
amava, mas ele continuou. — Quanto a mim, bem, você sempre
será a dona do meu coração.
— Você não pode saber disso. — ela disse. Não importa o quanto
ela quisesse que fosse verdade.
— Eu esperei uma vida por você. — disse ele como se fosse um
juramento que estava fazendo sobre cada estrela no céu, cada gota
d'água no oceano, cada alma em todo o universo.
— Eu sei.
Ele seguiu em frente e ela o seguiu, sentindo um peso cair sobre
seus ombros. Talvez ela não devesse ter duvidado de seu amor,
mas ela tinha medos, medos que ainda pairavam como nuvens
sobre seu futuro.
Sua mãe era apenas um. O outro era muito mais complicado.
Perséfone era uma deusa, mas ainda esperava manter essa
parte de sua vida em segredo do resto do mundo. O maior
problema? O mundo inteiro queria saber tudo sobre ela desde que
ela foi revelada como a amante de Hades.
Eles pararam na beira de um penhasco. Além, árvores prateadas
brilhavam como um mar espumante, e o céu silencioso acima
estava ficando empoeirado com a noite. Perséfone nunca tinha visto
esta parte do submundo antes, e isso era uma coisa das quais ela
amava estar aqui. Cada dia era uma aventura.
— Isso é lindo. — ela disse.
Ela sentiu o olhar de Hades sobre ela, mas manteve os olhos no
bosque abaixo, em parte porque estava maravilhada com a visão e
porque tinha vergonha de encará-lo.
— Fico feliz que você pense assim. — disse ele. — Porque é seu.
Bem-vinda ao Bosque de Perséfone.
— Mas... — Ela tinha que olhar para ele agora, choque evidente
em seu rosto.
— Achei que você gostaria de ter um lugar só para você — algum
lugar para praticar sua magia. Um lugar que não ... lembre você do
nosso começo.
Ele estava se referindo ao jardim dela no Submundo — e sua
barganha.
Ela estendeu a mão para ele, colocando a palma da mão contra a
bochecha dele.
— Hades. eu amo o nosso começo. — Ele sorriu levemente, mas
ela poderia dizer que ele não acreditava nela, e isso também era
doloroso. Então ela explicou:
— É verdade que nem sempre amei, mas nunca poderia odiar
nada que me trouxesse até você.
Ele pegou a mão dela e pressionou os lábios na palma da mão,
em seguida, puxou-a contra ele, seus corpos alinhados quadril com
quadril, peito com peito. Ele a beijou, segurando-a com força, como
se temesse que ela pudesse desaparecer. Quando ele se afastou,
ela estava sem fôlego, os dedos entrelaçados em sua jaqueta.
Ele olhou para ela, os olhos queimando nos dela, e jurou
ferozmente:
— Você será minha rainha. Eu não preciso que os Destinos me
digam isso.
HADES
1
UM JOGO DE DEUSES

HADES APARECEU EM SEU ESCRITÓRIO no Nevernight,


ajustando sua gravata. Ele havia passado a tarde no que
consideraria uma missão bastante especial — reunir uma mãe com
seu filho na vida após a morte. Não era algo que ele fazia com
frequência, ou mesmo encorajava, mas essas duas almas eram ...
diferentes. Após a morte do filho, a mãe não implorou por seu
retorno à vida ou amaldiçoou Hades por roubar sua alma — ela, em
vez disso, pediu para se reunir com ele na morte, uma oração que
Hades jurou cumprir.
Séculos atrás, ele não teria atendido a tais apelos. A morte era a
morte naquela época. Não havia razão ou causa para viver
grandiosamente no Submundo a menos que o direito fosse
conquistado. Na antiguidade, vida e morte significavam coisas
diferentes. Apenas os extremamente virtuosos e aqueles
considerados heróis mereciam uma existência no Submundo forjada
com beleza. Hades não acreditava mais dessa forma, mas sentia
que passaria o dobro de vidas compensando isso.
— Você está atrasado. — A voz de Minthe era como um chicote,
estilhaçando seus pensamentos. Ele a sentiu no momento em que
entrou na sala — toda fogo e gelo — e preferiu ignorá-la quando ela
estava assim.
Depois que sua gravata foi endireitada e abotoaduras no lugar,
ele estava pronto para olhar para a ninfa de cabelo flamejante. Seus
lábios, um tom mais escuro que seu cabelo, estavam torcidos em
um beicinho. Ela não gostava de ser ignorada.
— Como posso chegar atrasado, Minthe, se não cumpro a
programação de ninguém além da minha?
Minthe tinha sido sua assistente desde o início, e ela passou por
fases em que tentaria exercer direitos sobre ele, direitos ao seu
tempo, ao seu reino e ao seu corpo. Sua ânsia por controle não foi
perdida por ele. Ele reconheceu o traço nela porque ele próprio o
possuía.
— O atraso não é atraente, Hades, mesmo vindo de um deus. —
ela retrucou. Um sorriso ameaçou seus lábios, mas ele permaneceu
sereno. Sua diversão só iria irritá-la ainda mais.
— Enquanto você estava se divertindo, tive que entreter seus
convidados.
— Quem está esperando por mim? — As sobrancelhas de Hades
franziram.
Havia algo no olhar de Minthe que lhe disse que ele não gostaria
da resposta dela.
— Senhora Afrodite.
Merda.
Minthe ergueu uma sobrancelha. Ele tinha amaldiçoado em voz
alta?
— Você deveria se apressar. — disse Minthe. — Quando eu
insisti para que ela esperasse por você aqui, ela disse que havia
muito para entretê-la lá embaixo.
Ótimo. A única coisa que saiu de Afrodite se divertindo foi a
guerra.
— Obrigado Minthe. — Ele suspirou.
Claramente satisfeito com a expressão de gratidão de Hades,
Minthe descruzou os braços, deixando-os cair ao lado do corpo.
— Devo pedir a Ilias que lhe traga uma bebida, meu senhor?
— Sim. Na verdade, diga a ele que não devo ter um copo vazio
esta noite.
Hades desapareceu e apareceu na pista de seu clube. Ele
caminhou entre mortais, silencioso e invisível, preferindo observar.
Frequentemente, era assim que sua noite começava; ele vagava
pelas multidões, observava os mortais que tinham vindo em busca
de seus serviços, pesava o fardo de suas almas e enviava seu povo
para oferecer a senha da noite para o salão do andar de cima.
Uma senha não garantia um jogo com o Deus dos Mortos, era
apenas mais uma etapa do processo. Assim que os mortais
passaram pelas portas da sala, o medo se instalou e esse medo os
afastou ou os deixou desesperados. Era no desesperado que Hades
estava mais interessado. Eles eram os únicos que poderiam mudar
se tivessem a chance.
Foi um processo delicado e envolveu muitos jogadores. Hades
tinha perdido seu quinhão de pechinchas, mas se ele pudesse
salvar uma vida no caminho da destruição, ele sentia que valia a
pena.
Hades sentiu o cheiro da magia de Afrodite — sal marinho e
rosas. Ela estava com um homem mortal, sentado em seu colo, os
braços em volta do pescoço, os dedos entrelaçados em seu cabelo
castanho. Ele usava um terno cinza-escuro e um anel de ouro
enfeitava seu dedo anelar esquerdo. Hades podia sentir o suficiente
de sua alma para saber que ele era um bastardo traidor.
— Por que não vamos para a minha casa, baby? — o homem
estava perguntando.
Afrodite fez beicinho. Hades teve que admitir, ela deu um bom
show; o mortal não tinha ideia de que ela estava com nojo dele.
— Oh, eu realmente gostaria de ficar um pouco mais. Você não
quer barganhar com Hades?
O homem a apertou, os dedos aprofundando em seu traseiro.
— Não mais. Você é tudo de que preciso.
— Sério? — Ela não ficou impressionada, mas se inclinou de
qualquer maneira. — E o que você estava perdendo antes?
As mãos de Afrodite se deslocaram para o peito do homem.
Hades sabia o que ela estava fazendo, obrigando o homem a lhe
contar a verdade.
— Sou inseguro. Preciso de saber que ainda sou desejado por
outras mulheres.
— E não é suficiente ser desejado pela sua mulher? — Os lindos
lábios de Afrodite se torceram em uma carranca. Os olhos do
homem se arregalaram. Estava claro que seu cérebro estava em
desacordo com o que estava saindo de sua boca.
— Eu amo a minha mulher. — ele confessou. — Eu só estou
procurando por sexo.
— É só isso? — Ela bateu os cílios e então falou com uma voz
velada pela escuridão e forte com a promessa:
— Nesse caso, quando você voltar para sua esposa esta noite,
ela não irá mais desejá-lo. Ela vai se encolher ao seu toque e
vomitar quando seus lábios tocarem os dela. Ela vai recusar você, e
então ela vai deixá-lo.
Os olhos do homem se arregalaram. Hades sabia o que estava
vendo — Afrodite em sua verdadeira forma. A deusa podia ser má
quando queria. Os mortais formulavam ideias sobre os deuses
desde o início dos tempos e tendiam a ficar chocados quando saíam
dessas caixas. Afrodite não era diferente. O mundo humano
acreditava que ela não era nada mais do que um ser sexual, que
buscava entretenimento e prazer igualmente dos Deuses e dos
mortais, mas a verdade era que ela poderia ser um deus vingativo,
especialmente para aqueles que traíam o amor.
Provavelmente era hora de ele fazer uma aparição.
— Afrodite. — Hades disse.
A deusa se virou para encontrar seu olhar e sorriu.
— Hades. — ela ronronou. Era uma voz sensual e, embora ela
tivesse acabado de amaldiçoar o mortal que ainda estava usando
como poltrona, seus olhos nublados de desejo com o som.
— Eu acho que o mortal já teve emoção suficiente por uma noite.
Por que você não o deixa escapar?
O rosto de Afrodite mudou com a menção do mortal, e ela se
virou para encará-lo antes de pular de seu colo.
— Corra, cobra.
O mortal obedeceu.
— O quê? — Afrodite piscou quando ela olhou para Hades
novamente.
— Nada. Embora você dificilmente vá ajudar o ego do homem
tirando o único amor que ele já conheceu. — As sobrancelhsa dele
se levantaram.
— Ele traiu o amor, por isso nunca mais o terá. — Ela tirou a
poeira das mãos.
— Não acho que sua punição seja injusta, mas tem o potencial
para criar um monstro.
— O que você teria feito se ele tivesse vindo até você para
negociar?
Hades não podia ter certeza. Ele tinha visto muitos fardos sobre a
alma do homem - buscar validação por meio do sexo era apenas um
de muitos.
— Suponho que teria dependido do que ele me pediria.
Ilias se aproximou então com uma taça de rosa para Afrodite e
um uísque para Hades. Assim que o Sátiro partiu, Hades olhou com
expectativa para a Deusa do Amor.
— Você não costuma agraciar meus salões com sua presença,
Afrodite. O que posso fazer por você?
Ela tomou um gole de vinho, seus olhos de espuma do mar fixos
nos dele.
— Eu tinha esperanças de que você estivesse interessado em
uma pequena aposta nossa.
— Eu não jogo com deuses.
— Apenas um jogo, Hades. — disse ela inocentemente, e então
instigou. — Você está com medo?
— Um jogo feito sob este teto nunca é apenas um jogo. — Seus
olhos ficaram mais azuis do que antes. — O que é que você quer,
Deusa? Por que solicitar um jogo?
— Só um pouco de entretenimento, Hades. — disse ela tão
friamente quanto pôde. — Além disso, não definimos os termos até
que um vencedor seja declarado. Não é assim que você joga?
Hades sabia que a deusa tinha mais do que entretenimento em
sua mente. Era a maneira como ela se portava, rígida e tensa. Algo
a trouxe aqui, e se ele tinha que adivinhar, tinha a ver com seu
marido. O que significava que tudo o que ela pediria não era bom.
— Não, Afrodite.
— Tudo bem. — ela disse. — Mas lembre-se de que você forçou
minha mão.
Ele olhou para ela, sabendo o que ela diria a seguir.
— Eu tenho um favor não reclamado de você Hades. Desejo usá-
lo.
Era um pedido que ele não podia recusar. Um favor devido entre
deuses era como um pacto de sangue. Depois de invocado, ele não
poderia ser retirado.
Ele tomou um gole de seu uísque, e isso o impediu de dizer
qualquer coisa que pudesse se arrepender antes de gritar.
— Um jogo, Afrodite, não mais.
Ela se iluminou como se ele tivesse dado a ela as estrelas no
céu.
— Obrigada, Hades.
Hades estalou os dedos e os dois se teletransportaram para uma
pequena sala na sala onde ele frequentemente aceitava barganhas
e jogava contra mortais. O espaço era pequeno e escuro.
Normalmente, Hades se sentia confortável aqui, mas ter Afrodite em
seu território o colocava no limite. Ele queria saber por que ela tinha
vindo, mas a Deusa do Amor segurou suas cartas perto do peito.
Ela nem sempre foi assim. Hades se lembrou de uma época em que
ela usava o coração em sua manga, quando ela realmente
acreditava no amor, mas tudo mudou depois de seu casamento com
Hefesto. Hades não sabia dos detalhes, mas o que quer que tenha
acontecido entre os dois nas horas após seu casamento endureceu
seu coração e quebrou seu espírito. O que restou foi uma concha
rancorosa e cínica.
Hades também tinha sido amargo uma vez, mas ao contrário de
Afrodite que lidou com sua raiva e solidão se divertindo com mortais
e deuses, ele se isolou cada vez mais de todos e de tudo até que a
única coisa que as pessoas podiam fazer era inventar histórias e
contos sobre o esquivo Deus do Submundo.
Um baralho estava no centro da mesa, e Hades os ofereceu a
Afrodite.
— Gostaria de dar as cartas?
— Não. — Um sorriso surgiu em seus lábios. — Vou deixar você
manter um pouco de poder, Aidoneus.
Ele a olhou de cara feia. Ele não gostava desse apelido. Os
mortais usaram por medo. Ela usou agora para provocá-lo.
— Blackjack, então.
— Cinco mãos. — disse Afrodite. — Quem ganhar mais
estabelece a aposta.
Hades concordou e deu a primeira mão — e perdeu.
Ele odiava perder.
— O que você vê quando olha para a minha alma, Hades?
A pergunta não foi assim tão surpreendente. Era um que ele
recebia muitas vezes, mas não de Afrodite. Ela o conhecia desde o
seu nascimento e nunca perguntou. Desta vez, quando as palavras
deixaram sua boca, ela parecia cansada.
— Por que pergunta?
Ela encontrou o olhar dele. — Você está ciente da minha...
situação.
Ele estava, a situação era o casamento dela com Hefesto. A
deusa não gostava de chamar assim. Ao contrário da crença
popular, não era Afrodite que não queria se casar com Hefesto. Era
Hefesto quem não queria se casar com ela.
— Eu só me pergunto ... se Hefesto me odeia porque, no fundo,
eu sou tão horrível quanto ele parece pensar.
— Hefesto não acha que você é horrível, Afrodite. Ele só tem
medo de te amar.
Ela deu uma risada zombeteira.
— Você já disse a ele que o ama? — Hades perguntou.
A deusa ergueu o queixo e ele sabia que ela queria argumentar
que não o amava. Ela não queria ser a Deusa do Amor, apaixonada
por um homem que não correspondia ao seu carinho.
— Você foi um presente para Hefesto numa época em que
ostentava seus amantes. Do ponto de vista dele, você era uma
noiva relutante.
Não importava o fato de que ele sabia que Afrodite sempre foi
encantada pelo Deus do Fogo. Ele a pegou olhando para ele em
mais de uma ocasião, principalmente franzindo a testa porque ele
não deu atenção a ela.
Mas Hades conhecia bem Hefesto. O Deus era de um tipo
diferente. Ele não estava ansioso para estar sob os holofotes, ainda
menos ansioso para falar. Ele sentia prazer na solidão e na criação.
Ele era o oposto de Afrodite, o que na opinião de Hades os tornava
perfeitos um para o outro, mas ele não era casamenteiro.
— Não estou surpreso que Hefesto não esteja interessado em
forçar você à monogamia.
Afrodite ficou em silêncio por um longo momento, concentrando-
se no jogo. Hades havia vencido a última rodada, e ela havia
vencido esta — dois a um. Finalmente, ela admitiu:
— Eu pedi o divórcio a Zeus. Ele não o vai conceder.
— Hefesto sabe? — As sobrancelhas de Hades se ergueram.
— Imagino que ele saiba agora.
— Você está enviando mensagens confusas, Afrodite. Você quer
o amor de Hefesto, mas você pede o divórcio. Você já tentou falar
com ele?
— Você já? — ela retrucou, olhando para Hades. — Ele pode
muito bem ser mudo!
Hades fez uma careta. Ele tinha a sensação de que Hefesto ficou
quieto porque o temperamento dela era curto.
— Você não respondeu a minha pergunta, Hades.
O deus a observou por um momento. Ele particularmente não
gostava de responder a perguntas sobre a alma. Na maioria das
vezes, deus e mortal não estavam prontos para ouvir o que ele tinha
a dizer, mas ele respondeu de qualquer maneira:
— Você tem uma bela alma, Afrodite. Apaixonada. Determinada.
Romântica. Mas você está desesperada para ser amada e acredita
que não pode sê-lo.
Ele falou enquanto jogavam sua última mão, e quando Afrodite
virou suas cartas, um largo sorriso apareceu em seu rosto.
Ela tinha ganhado.
— É hora de definir nossos termos, Hades.
Ele se recostou na cadeira, olhando furioso, e a deusa jogou a
cabeça para trás numa gargalhada.
— Parece que você não gosta de ser derrotado.
Ele não gostava. Poucos gostavam.
— Hmm. — ela considerou, pressionando o dedo no queixo. — O
que devo exigir de você?
Ela demorou a decidir, estudando-o com afinco como se quisesse
por sua vez ver a alma dele. Então ela disse as palavras que ele
temia:
— Apaixone-se, Hades. Melhor ainda, encontre uma garota que
se apaixonará por você. — Então Afrodite bateu palmas e exclamou:
— É isso! Faça aguém se apaixonar por você!
Hades travou o maxilar. Se isso fosse fácil, ele teria se casado há
muito tempo. Hades tinha certeza de que havia muitos mortais que
acreditavam estar apaixonados por ele. O problema era que ele não
queria amor unilateral. Ele era mais como Afrodite, ele queria algo
significativo e apaixonado. Ele viveu muito para querer outra coisa.
— E se não conseguir cumprir esses termos?
O sorriso dela era maldoso.
— Então você vai libertar Basílio do Submundo.
— Seu amante? — Hades não conseguia esconder o desgosto
da voz dele.
Eles haviam acabado de passar os últimos minutos discutindo
seu amor por Hefesto, e aqui estava ela pedindo por um homem —
seu herói, para ser exato. Basílio tinha lutado e morrido por ela na
Grande Guerra.
— Por quê? Você já quis que Hefesto te amasse?
— Hefesto é causa perdida. — Ela o olhou com raiva.
— Você nem sequer tentou!
— Basílio, Hades. É ele quem eu quero.
— Por que você se imagina apaixonada por ele?
— O que você sabe sobre o amor? Você nunca amou em toda a
sua vida.
Ele escolheu ignorar isso.
— Basílio ama você, isso é verdade, mas se você não o ama de
volta, não tem sentido.
— Melhor ser amada do que não ser.
Você é uma tola, Hades queria dizer. Em vez disso, ele
respondeu:
— Você tem certeza de que isso é o que você quer? Você já
pediu o divórcio a Zeus, agora me pediu para ressuscitar seu
amante, caso eu não consiga cumprir os termos de seu contrato.
Hefesto saberá.
Afrodite ficou quieta por um momento antes de responder.
— Sim É isso o que eu quero. — Ela respirou fundo e ensaiou um
sorriso. — Seis meses, Hades. Deve ser tempo suficiente. Obrigada
pela diversão. Foi... revigorante.
Com isso, a Deusa do Amor partiu.
2
UM JOGO DO DESTINO

HADES RONDAVA A ESCURIDÃO DE seu clube, seus ouvidos


ainda zumbindo com a risada perversa de Afrodite.
Faça alguém se apaixonar por você!
As palavras eram amargas — uma provocação cruel, perpetuada
pelos outros olímpicos, que estavam mais preocupados com sua
solidão duradoura do que com ele. Talvez ele tivesse ido longe
demais ao criticar a escolha de Afrodite de pedir o divórcio a Zeus,
mas Hades sabia que a deusa amava Hefesto. Só não queria ser a
primeira a admiti-lo. Ela pensou em forçar o Deus do Fogo a admitir
seus sentimentos instigando-o.
O que Afrodite não conseguiu entender é que nem todo mundo
funcionava como ela, muito menos Hefesto. Se ela queria conquistar
seu amor, seria por meio de paciência, gentileza e atenção. Isso
significaria que ela teria que ser vulnerável, algo que Afrodite, deusa
e guerreira, desprezava.
Hades já desprezou a vulnerabilidade também. Ele costumava
pensar que era um sinal de fraqueza. Agora ele via isso como força
e uma das únicas maneiras de conseguir o que ele realmente
desejava. Quanto mais ele vivia, mais ele acreditava que a vida era
muito curta e muito longa para não ter exatamente o que você
queria.
Foi por isso que desprezou o desafio de Afrodite. Isso forçou-o a
um papel que ele esperava assumir naturalmente. De repente, ele
tinha seis meses para encontrar uma amante ou teria que devolver o
herói de Afrodite à terra dos vivos.
Ele não gostou da ideia. Se ele falhasse, as Parcas se
envolveriam, e ele sabia o que seria necessário se ele devolvesse
uma alma à terra dos vivos.
Uma alma por outra alma.
Alguém teria que morrer, e ele não teria uma palavra a dizer
sobre a vítima do Destino. Ele odiava isso, mas era o preço para
manter o equilíbrio no mundo.
Um cheiro o tirou de seus pensamentos e da escuridão. Era
familiar. flores silvestres, amargas e doces.
Deméter.
O nome da Deusa da Colheita era azedo em sua língua.
Mas isso não poderia ser — Deméter tinha poucas paixões na
vida, e uma delas era seu ódio pelo Deus dos Mortos.
Ele inalou novamente, sentindo o cheiro mais fundo. Algo estava
errado. Misturado com o cheiro familiar estava a doçura da baunilha
e a leve nota de ervas de lavanda. Um mortal, talvez? Alguém com
o favor da deusa?
Ele chegou à beira da varanda, com a bebida na mão, e
examinou a multidão. Seus olhos foram direto para ela, uma linda
mulher que ele nunca tinha visto em seu clube.
Ela se sentou, equilibrada na beirada de um dos sofás, as costas
retas, a pele em tons dourados. Seu cabelo era longo, loiro e caía
em ondas pelas costas. Seu vestido deixava pouco para a
imaginação, acentuando a protuberância de seus seios, a curva de
seus quadris e suas longas pernas. A cabeça dela estava inclinada
para trás, e ele podia ver que ela tinha um nariz pequeno, lábios
carnudos e maçãs do rosto salientes. Ela não parecia notar as
pessoas tanto quanto as coisas — seus olhos pararam para
observar o narciso na mesa, as luzes no teto, a grade de ferro
forjado da varanda ... então seus olhos se encontraram com os dele.
Algo dentro dele tornou-se quase selvagem.
Reivindique-a, ele exigiu — grunhiu.
Ele teve que cerrar os dentes para não obedecer. O impulso de
levá-la para o submundo foi forte, como um feitiço. Ele nunca se
considerou tão fraco, mas seu controle era um fio fino e puído.
Como ele poderia querer tanto alguém que acabara de ver?
Ela é uma deusa. ele percebeu com um começo. Foram seus
olhos que a delataram, brilhando um verde-garrafa artificial. Algo
havia feito seu glamour desaparecer, e se Hades tinha que
adivinhar, provavelmente tinha algo a ver com seu poder. Era difícil
para os deuses estar no território de outro e manter seu glamour, a
menos que fossem muito poderosos — a menos que fossem iguais
a ele. E apenas dois rivalizavam com ele, seus irmãos Zeus e
Poseidon.
Quem era ela? De onde ela vinha? Hades conhecia todos os
deuses, olímpicos ou não, e ainda assim não a conhecia.
Enquanto ele sustentava seu olhar, ele percebeu que não era o
único a sentir os efeitos de sua conexão. Ela se mexeu e sua
respiração engatou, fazendo seu peito subir e descer e convidando
seu olhar. Parecia que cada lugar que seus olhos caíam provocava
um rubor que coloria sua linda pele de rosa. Ele teria gostado de
seguir aquele rubor com os lábios.
Ele sorriu com o pensamento.
Depois ela cruzou as pernas e os olhos dele acompanharam. Ele
daria qualquer coisa para saber o que ela estava pensando. Ele
esperava que os pensamentos dela fossem lascivos.
Seus olhos fizeram uma subida lenta de volta pelo corpo dela até
o rosto.
Braços o envolveram por trás. Ele estava tão distraído que não
sentiu alguém se aproximando. Ele se virou para Minthe, agarrando
seus pulsos.
— Distraído, meu senhor? — ela murmurou, divertida.
Claro, a ninfa havia notado sua preocupação com a mulher, e ela
queria que isso acabasse.
— Minthe. — ele retrucou, soltando os braços dela. — Posso
ajudá-la?
Ele ficou frustrado com a interrupção, mas também grato. Se ele
a tivesse encarado por mais tempo, ele poderia ter deixado sua
posição na varanda e ido até ela.
— Já está focando em sua presa? — ela perguntou.
Por um momento, Hades não entendeu, e então ele fez a
conexão. Minthe presumiu que ele estava procurando por um
interesse amoroso em potencial, alguém que pudesse ajudá-lo a
cumprir a barganha de Afrodite.
— Ouvindo nas sombras de novo, Minthe?
— É o que eu faço. — A ninfa encolheu um ombro.
— Você coleta informações para mim. — disse ele. — Não de
mim.
— De que outra forma eu vou mantê-lo fora de problemas?
— Tenho milhões de anos. Eu posso cuidar de mim mesmo. —
ele fungou.
— É assim que você acabou em uma barganha com Afrodite?
Ele estreitou o olhar e ergueu o copo.
— Eu não disse a você para informar Ilias que não devo ter um
copo vazio esta noite?
Ela deu o seu melhor sorriso de foda-se e se curvou.
— Vou ver se ele está lembrado, meu senhor.
Quando o olhar de Hades voltou para a pista, a mulher se voltara
para suas amigas. Foi então que ele percebeu alguém em sua
companhia que ele desprezava — um garoto chamado Adonis. Ele
era um dos mortais favoritos de Afrodite que havia feito uma petição
a Hades no passado, desejando fazer barganhas em troca de
riquezas. Hades recusou, e não era porque o homem era puro de
coração. Na verdade, sua alma estava tão danificada que era difícil
dizer o que a sobrecarregava mais. Uma coisa era certa, entretanto;
Adonis era predador. Ele era um mentiroso. Ele era escória. Não
demoraria muito para que ele fizesse algo que tivesse
consequências além do reino mortal.
Hades odiava que a bela loira estivesse em sua companhia. Ele
deveria ter agido em seu impulso de roubá-la. Seria muito mais
gentil do que qualquer coisa que Adônis pudesse fazer.
Ele decidiu que mandaria Mekonnen vigiar. Se algo acontecesse,
o ogre interviria. Isso tranquilizou-o um pouco.
Hades suspirou. Ele precisava de uma bebida.
Com um copo de uísque fresco, Hades se encaminhou para o
salão. Estava quieto e mais relaxado do que na pista. Mortais e
criaturas antigas conversavam, bebiam, compartilhavam segredos e
jogavam cartas. Eles não estavam prontos para desafiar Hades,
mas eles estavam todos aqui porque queriam algo, precisavam de
algo. Dinheiro, amor, saúde, e eles acreditavam que o Deus dos
Mortos poderia dar isso a eles.
Às vezes, suas barganhas funcionavam. Os viciados eram
reabilitados. Os solitários e doentes começaram a amar a si
mesmos. Às vezes, não. Às vezes, os Destinos os levavam de
qualquer maneira. Às vezes, eles preferiam morrer a tentar.
De qualquer forma, Hades aceitou todas as barganhas
acreditando que os mortais teriam sucesso, e cada falha foi um peso
sobre seu coração.
Sua mente vagou para a garota no andar de baixo novamente.
Que fardo estava na alma dela? Ele não tinha olhado. Ele estava
muito distraído, mas também não tinha o hábito de se concentrar
nos vícios e desafios dos outros. Ainda assim, o que a levara ao
Nevernight naquela noite?
Como se as Parcas estivessem respondendo, enquanto ele
contornava uma das mesas de jogo, ele parou. A mulher do andar
de baixo encontrou o caminho para a sala dele e agora estava
sentada em uma mesa de pôquer.
Por que ela estava aqui? Ela estava apenas curiosa ou tinha uma
barganha para acertar? O que ela pediria? Que termos ele
estabeleceria se ela perdesse?
Ele não conseguiu evitar. Ele se aproximou dela.
— Você joga? — ele perguntou.
A deusa se virou para encará-lo. Ela era ainda mais atraente de
perto. Seus olhos verdes estavam arregalados e pontilhados de
cílios escuros, e uma poeira de sardas beijava a ponta do nariz e as
maçãs do rosto. Ela enrubesceu e ele notou quando ela fechou os
dedos em punhos.
Hades tomou um gole de seu copo, lambendo os lábios limpos. O
movimento atraiu sua atenção para sua boca, e ele reprimiu um
gemido. Ela parecia se lembrar de que ele havia lhe feito uma
pergunta e sorriu ao responder:
— Se você estiver disposto a ensinar.
Seus lábios se curvaram e ele levantou uma sobrancelha escura.
Cuidado com o que deseja, deusa. ele queria dizer. Em vez disso,
ele tomou outro gole, fez uma oração pedindo moderação e se
aproximou da mesa, sentando-se ao lado dela. Ele estava certo
quando identificou os tons de lavanda e baunilha em meio à magia
de Deméter. O cheiro dela o envolveu agora, poderoso e atraente.
— É muita coragem sentar em uma mesa sem saber o jogo —
disse ele. Foi um aviso que ela não entendeu.
Ela encontrou o olhar dele e perguntou:
— De que outra forma eu aprenderia?
— Hmm. — Ela estava certa, embora Hades não aconselharia
correr antes de aprender a andar, especialmente quando se tratava
de barganhas com ele. Ainda assim, sua resposta ilustrou sua
astúcia e vontade de tentar coisas novas, e ele achou isso
incrivelmente atraente.
— Inteligente.
Nenhum deles disse nada por um momento, preferindo estudar o
outro, e Hades ficou impressionado com o quanto ele queria
conhecê-la. Ele não conseguia explicar o porquê, e embora tudo
parecesse um pouco ridículo e ligeiramente inebriante, ela se sentia
bem.
— Nunca te vi antes. — disse ele.
— Bem, eu nunca estive aqui antes. — ela respondeu, e então o
avaliou com o que ele consideraria um olhar crítico. — Você deveria
vir aqui com frequência.
Ele sorriu. Quase parecia uma acusação, e talvez fosse. Ele
duvidava que a deusa ignorasse as barganhas feitas nesta sala,
mas também lhe disse que ela ainda não sabia quem ele era.
— Eu sei.
— Por quê? — Ela parecia bastante indignada, mas depois corou
e tentou se recuperar, acrescentando: — Quer dizer, você não
precisa responder a isso.
— Eu vou responder. — Ele encontrou o olhar dela, desafiador.
— Se você me responder uma pergunta.
Diz que sim. ele implorou silenciosamente, embora nunca a
obrigaria.
Ela pareceu considerar isso, e uma pequena ruga apareceu entre
seus olhos enquanto ela o estudava. Ele teve a impressão de que
ela estava tentando descobrir por que ele queria saber algo sobre
ela. Depois do que parecia uma eternidade, ela cedeu.
— Tudo bem.
Era um desafio não sorrir. Ele respondeu à pergunta anterior:
— Eu vim porque é...divertido.— Ele queria rir de sua escolha de
palavras.
Era verdade que havia noites em que seu trabalho era divertido,
mas não era toda a verdade. Algumas noites eram devastadoras.
Alguns o deixaram com um peso em seu coração semelhante à
tristeza, mas ele não se permitiu pensar sobre isso. Não agora,
quando esta linda mulher se sentou ao lado dele e o pediu para ser
seu professor.
— Agora você — por que você está aqui esta noite?
— Minha amiga Lexa estava na lista. — ela disse.
— Não. — ele disse. — Essa é a resposta para uma pergunta
diferente. Por que você está aqui esta noite?
Ela ficou quieta por um momento, e ele decidiu que gostou do
brilho malicioso em seus olhos enquanto ela considerava sua
resposta. Finalmente, ela disse:
— Parecia rebelde na época.
— E agora você não tem tanta certeza?
— Oh, tenho certeza de que é rebeldia. — Ela arrastou o dedo ao
longo da superfície da mesa, e Hades desejou ser a mesa. — Eu só
não tenho certeza de como me sentirei amanhã.
— Contra quem você está rebelando? — agora ele estava
curioso.
O sorriso dela foi como uma flecha em seu peito, devastador,
secreto, atraente.
— Você disse uma pergunta.
— Foi o que fiz. — Ele estava sorrindo e pensando coisas que
não pensava há muito tempo.
Bem jogado, deusa..
Ela estremeceu novamente.
— Está com frio?
— O quê? — Ela pareceu surpresa com a pergunta dele.
— Você tem estremecido muito desde que se sentou.
Ela corou e remexeu-se sob o olhar dele novamente, e então
deixou escapar:
— Quem era aquela mulher com você antes?
Ele franziu a testa, perguntando-se a que mulher ela se referia,
mas então percebeu que só poderia ser uma.
— Oh, Minthe. Ela está sempre pondo as mãos onde elas não
pertencem.
Ela empalideceu e ele percebeu que disse a coisa errada.
— Eu... acho que eu devo ir.
Não. Ela não podia ir embora, por diversos motivos. Eles não
conversaram por tempo suficiente, ele não sabia o nome dela, ele
queria ensiná-la, não apenas cartas, mas tudo. Antes que ele
soubesse o que estava fazendo, sua mão estava sobre a dela e algo
elétrico faiscou entre eles, arrancando um suspiro da deusa. Ela se
afastou rapidamente.
— Não. — disse ele, mas saiu como um comando, e ela olhou
para ele.
— Perdão?
— O que eu quis dizer é que ainda não te ensinei a jogar. — Ele
baixou a voz, afastando a histeria que o fez estender a mão para
ela. — Permita-me.
Ela não estava completamente convencida. Ele percebeu pela
expressão cautelosa em seu rosto. Novamente, ele se viu orando,
confie em mim, confie em mim, confie em mim.
Finalmente, ela parecia decidida e disse na voz mais erótica que
ele já tinha ouvido:
— Então me ensine.
Eu vou. ele pensou. Tudo.
Ele embaralhou as cartas e explicou o jogo.
— Isso é pôquer. Vamos jogar cinco cartas e começar com uma
aposta.
— Mas não tenho nada com que apostar. — disse ela.
Ele sorriu. Ele não estava interessado no dinheiro dela.
— Uma pergunta respondida então. Se eu ganhar, você
responderá qualquer pergunta que eu fizer, se você ganhar, eu
responderei a sua.
A deusa fez uma careta. Ela provavelmente presumiu que suas
táticas de afastamento significavam o fim de seu interrogatório. Não
era.
— Combinado.
Empolgado com seu sucesso, Hades acrescentou:
— Existem dez classificações no pôquer. A carta mais baixa é a
alta e a mais alta é o royal flush. O objetivo é conseguir uma
classificação mais alta do que o outro jogador ... - ele explicou
outras coisas, como pedir mesa, desistir e blefar.
— Blefar? — Isso pareceu despertar o interesse dela.
— Às vezes, o pôquer é apenas um jogo de enganação ...
especialmente quando você está perdendo.
Hades distribuiu cinco cartas para cada um. Eles tomaram seu
tempo olhando suas cartas e depois um ao outro. Finalmente, a
deusa baixou suas cartas, viradas para cima. Hades fez o mesmo.
— Você tem um par de rainhas. — ele disse. — E eu tenho um
full house.
— Então... você ganha. — ela disse.
— Sim. — ele respondeu, e reivindicou seu prêmio
imediatamente. — Contra quem você está se rebelando?
— Minha mãe. — Ela sorriu ironicamente.
— Por quê? — Ele levantou uma sobrancelha.
— Você terá de ganhar outra mão se eu for responder.
Ele estava muito ansioso. Quando ele ganhou pela segunda vez,
ele não fez a pergunta, apenas olhou para ela com expectativa.
Ela suspirou. — Porque... ela me irritou. — ela suspirou.
Ela parecia arrependida naquele momento, e ele se perguntou
qual relacionamento que ela tinha com sua mãe. Os deuses nunca
foram os melhores pais, e o tempo não mudou isso.
Ele olhou para ela, esperando por mais de uma explicação, mas
a deusa apenas sorriu.
— Você nunca disse que a resposta deveria ser detalhada.
O sorriso dele pareou com o dela.
— Anotado para o futuro, te garanto.
— Futuro?
— Bem, eu espeo que essa não seja a última vez que jogaremos
pôquer.
Ele não tinha certeza do que fazer com a expressão dela, mas
ele teve a sensação de que ela não tinha planejado vê-lo novamente
depois desta noite. Algo sacudiu através dele, uma emoção
semelhante ao medo.
Ele tinha que vê-la de novo. Ele enlouqueceria.
Ele deu outra mão e ganhou.
— Por que você está irritada com sua mãe? — ele perguntou.
Ela ficou pensativa por um momento e então disse:
— Porque ... ela quer que eu seja algo que eu não posso.
Foi naquele momento que Hades entendeu algo sobre sua alma
que ele nem precisava procurar, essa deusa ainda estava tentando
se encontrar.
— Eu não entendo porque as pessoas fazem isso. — O olhar
dela caiu para as cartas.
— Você não está gostando do nosso jogo? — Ele inclinou a
cabeça.
— Estou. Mas... Eu não entendo porque as pessoas jogam com
Hades. Por que elas querem vender suas almas para ele?
Você nunca esteve desesperada por algo? Ele queria perguntar.
— Elas não concordam com um jogo porque elas querem vender
suas almas. — ele disse. — Elas fazem isso porque pensam que
podem ganhar.
— Elas ganham?
— Às vezes.
— Você acha que isso o irrita?
Ela franziu os lábios com a pergunta, e o pavor apertou o peito
dele. Essa deusa tinha conexões com Deméter, o que significava
que ela tinha ouvido as piores coisas sobre ele. Se ele tivesse
alguma esperança de desconstruir o mito que havia sido erguido ao
seu redor, ele teria que passar um tempo com ela, e isso significava
que ela precisava saber quem ele era, então ele respondeu sua
pergunta com sinceridade.
— Querida, eu ganho de qualquer maneira.
Seus olhos se arregalaram e ela se levantou rapidamente, quase
derrubando a cadeira. Ele nunca tinha visto ninguém tão ansioso
para deixar sua compania. Seu nome escapou de sua boca como
uma maldição.
— Hades.
Ele estremeceu. Diga outra vez. ele queria exigir, mas manteve a
boca fechada. Seus olhos escureceram e ele apertou os lábios. O
olhar em seu rosto iria assombrá-lo por uma eternidade. Ela ficou
chocada, assustada, envergonhada. Ela cometeu um erro, ele leu
em seu rosto.
— Eu tenho que ir.
Ela girou, fugindo dele como se ele fosse a própria Morte vindo
para roubar sua alma.
Ele pensou em persegui-la, mas sabia que não importava se ele
a seguisse ou não. Ela voltaria. Ela havia perdido para ele e ele a
havia marcado, o que significava que até que ela cumprisse seus
termos, ela era dele.
Ele engoliu o uísque e sorriu.
Talvez a barganha de Afrodite não fosse tão impossível afinal.

AGRADECIMENTOS

Espero sinceramente que tenha gostado de ler este livro tanto


quanto eu gostei de escrevê-lo. Se você fez, eu apreciaria uma
breve resenha na Amazon ou no seu site de livro favorito. As
resenhas são cruciais para qualquer autor, e mesmo apenas uma ou
duas linhas podem fazer uma grande diferença.
NOTA DA AUTORA.

Nunca pensei que escreveria um romance, mas em algum


momento do ano passado, tornei-me corajosa o suficiente para fazer
exatamente isso e é apropriado que eu tenha começado recontando
Hades e Perséfone.

Eu sempre adorei mitologia grega. É assustador, violento e cruel,


e quando se tratava da história de Hades e Perséfone, eu sempre
fiquei intrigada com Perséfone, que era a Deusa da Primavera, mas
também a Rainha do Mundo Inferior. Ela, como muitos, cruzou com
a luz e a escuridão.

Quando comecei a escrever sobre Hades e Perséfone, escrevi


pequenos trechos — pedaços de diálogo entre os dois que não
paravam de pipocar na minha cabeça, então comecei a postar
trechos no Tumblr. Este foi o primeiro:

O jardim é o meu consolo.


É a única vida neste lugar horrível, este deserto escuro.
As rosas têm um cheiro doce. As flores silvestres têm um cheiro
amargo. As estrelas brilham intensamente.
No fundo da minha mente, fico maravilhado em como ele cria tal
ilusão. Como ele pode misturar aromas e textura — um mestre com
seu pincel, pontilhando e suavizando.
Tão rápido quanto o espanto desce, eu zombo.
Claro que ele pode agitar o ar e fazer buracos no escuro acima
para que a luz brilhe — ele é um deus.
E o meu carcereiro.
Eu poderia fazer melhor, penso amargamente. Eu poderia
transformar essa paisagem mortal em um oásis — o ar teria cheiro
de primavera e essa tela preta seria pintada em cores vibrantes e
vivazes.
Mas isso seria um presente.
E não estou com disposição para dar.
O ar muda. Ele está perto. Eu aprendi a senti-lo. O governante
dos mortos não é frio. Ele arde, como uma lareira no auge do
inverno. Eu tremo quando ele me lança em sua sombra e cheiro. Ele
cheira a pinheiro de casa.
Enrosco os dedos no meu vestido.
Ele é tudo o que odeio e tudo o que quero.

O tom disso é muito diferente do que acabei escrevendo, mas a


dinâmica ainda é a mesma — um deus antigo que tem prazer em
criar seu mundo e uma deusa invejosa que tanto se maravilha
quanto despreza seu trabalho.

A partir dessa primeira cena, comecei a fazer perguntas e


formular meu mundo e personagens. Acabei com uma Perséfone
que deseja aventura e paixão mais do que qualquer coisa no
mundo. Ela quer desesperadamente ser boa em alguma coisa e é
muito rápida em julgar Hades, que ela acredita estar abusando de
seu poder como um deus ao concordar em barganhar com mortais.
Acabei com um Hades que estava desesperado por paixão e estava
muito cansado de ficar sozinho. Quando Perséfone apareceu para
desafiá-lo, ele fez o oposto do que ela esperava e ouviu.

“Um Toque de Escuridão” é o primeiro livro de Hades e


Perséfone, mas pretendo explorar mais a história deles. Perséfone
deve abraçar seu poder, tanto como a Deusa da Primavera e,
eventualmente, como a Rainha do Submundo, e Hades tem
segredos que irão desafiar a nova vida que ele deseja levar com
Perséfone.

Estou muito feliz por finalmente compartilhar minha versão da


história de Hades e Perséfone com vocês. Espero que você goste
tanto quanto eu gostei de escrevê-lo.
Com amor,
Scarlett.
SOBRE A AUTORA

Scarlett St. Clair vive em Oklahoma com o marido. Ela tem um


mestrado em Ciências da biblioteca e Estudos da informação. Ela é
obcecada pela mitologia grega, mistérios de assassinatos, amor e
vida após a morte. Se você é obcecado por essas coisas, vai gostar
dos livros dela.

Para informações sobre livros e conteúdo, por favor visite:


www.editoracabanavermelha.com

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