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A propriedade urbana e os novos instrumentos do Estatuto da Cidade.

Mariana Filchtiner Figueiredo∗

SUMÁRIO: Introdução. I) Premissa necessária – a função social da propriedade. 1.1) O


direito de propriedade no modelo do Code Napoléon. 1.2) O direito de propriedade no Brasil.
II) O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001). 2.1) Objetivos e diretrizes
do Estatuto da Cidade. 2.2) A Regulação da propriedade urbana: os novos instrumentos do
regime constitucional-urbanístico. 2.2.1) Instrumentos de indução do desenvolvimento
urbano. 2.2.1.1) Instrumentos sancionatórios. 2.2.1.2) Instrumentos promocionais de políticas
urbanas. 2.2.2) Instrumentos de regularização fundiária. Conclusões. Bibliografia.

INTRODUÇÃO.

As diversas formas de intervenção na propriedade privada têm seu fundamento


último na soberania do Estado que, por motivos e com desideratos diferentes, mas sempre
vinculados à supremacia do interesse público, intervém de modo mais ou menos intenso sobre
a propriedade particular. A legitimidade desses atos está no atendimento a uma finalidade
pública, que pode consistir no ordenamento do espaço urbano, como nas regras urbanísticas
de maneira geral; na imposição de um dever de preservação de certo patrimônio cultural,
como no tombamento; ou, ainda, no dever de parcelamento, edificação ou utilização
compulsórios, buscando a maximização do uso de áreas dotadas de equipamentos urbanos.
Releva notar, a título inicial, que a regulação da propriedade privada tem um caráter
nitidamente econômico, no sentido mais amplo desse termo. Não é sem razão que o regime
constitucional da propriedade insere-se no Título VII da Constituição Federal, assim
denominado “Da Ordem Econômica e Financeira”. Por essa razão, as normas que impõem à
propriedade o cumprimento de uma função social, sob pena de uma série de sanções; aquelas
que dão certa organização ao espaço urbano; assim como as que instituem áreas e formas de
preservação ambiental devem ser todas entendidas dentro da perspectiva econômica que lhes
é peculiar.

Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS. Especialista em
Direito Municipal pelo Instituto Ritter dos Reis e pela Fundação Escola Superior de Direito Municipal da
Associação dos Procuradores do Município de Porto Alegre. Advogada da União.
2

Propriedade confunde-se com patrimônio, e os deveres impostos pelo Poder Público


visam a disciplinar a manutenção, o uso e a circulação dessa riqueza, para que se concretizem
os objetivos de construção de uma sociedade justa e solidária, de erradicação da pobreza, de
atribuição de um valor social ao trabalho, de pleno desenvolvimento da dignidade da pessoa
humana. O solidarismo presente na Constituição de 1988 faz o contraponto ao caráter
absoluto e exclusivo da propriedade privada, que somente é assegurada pelo Estado se der
cumprimento à função social, embora evidentemente não se restrinja a esta.
A partir dessas idéias, o presente estudo terá por objeto analisar a propriedade urbana
enquanto direito assegurado constitucionalmente uma vez que, mais do que a satisfação do
senhorio, atenda ao interesse público e coletivo de consecução das funções sociais da
propriedade e da cidade. Nessa senda, a atenção será centrada sobre a Lei Federal nº 10.257,
de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade, que regulamenta em nível legislativo ordinário a
disciplina constitucional da propriedade urbana, impondo por diretriz a busca de cidades
sustentáveis, com respaldo, sobretudo, nos princípios de justa distribuição dos benefícios e
ônus decorrentes do processo de urbanização e de gestão democrática da cidade.
Tais concepções, como se espera demonstrar ao longo do texto, atrelam-se ao
paradigma contemporâneo do direito civil: um direito civil constitucionalizado, ou seja,
colorido pelas tintas dos valores e princípios constitucionais, dentre os quais têm especial
destaque, porque objetivos da República, a erradicação da pobreza, a diminuição das
desigualdades regionais e, acima de tudo, a proteção à dignidade da pessoa humana. Superada
a summa divisio entre direito público e direito privado, perde o sentido conceber a
propriedade urbana como direito assegurado por normas civis, mas limitado por normas
urbanísticas – como se fosse possível um tal modo de ver as coisas. A propriedade urbana é
direito fundamental constitucionalmente outorgado, cujo exercício deve subsumir-se à função
social da propriedade e à função social da cidade, princípios que imantam e cimentam toda a
normativa infraconstitucional, seja no âmbito do direito civil, seja-o no direito urbanístico.
De salientar-se, finalmente, que o Estatuto da Cidade será visto sob a perspectiva de
funcionalização do direito à propriedade urbana, dando-se relevo às potencialidades que,
positiva e negativamente, parecem apresentar cada um dos novos instrumentos positivados. A
despeito das recentes obras comentando a lei, preferiu-se considerar o Estatuto da Cidade
segundo a perspectiva teórica do direito civil-constitucional, referida anteriormente, abrindo
mão do comentário a esses trabalhos.
3

Sendo essas as considerações iniciais tidas por pertinentes, pode ingressar-se no


exame da matéria propriamente dita.

I) Premissa necessária – a função social da propriedade.

“A propriedade em si, que é somente matéria, não frutifica senão


pelo trabalho do homem.”
René Savatier

Premissa necessária ao estudo que ora se intenta é a compreensão do conteúdo que se


atribui ao direito de propriedade no ordenamento constitucional vigente. Releva notar que a
propriedade privada não pode mais ser compreendida conforme o modelo insculpido no
Código de Napoleão, menos ainda pode permanecer presa a conotações sagradas, como entre
gregos e romanos. Não se trata de direito sagrado, nem tampouco de um direito exclusivo,
absoluto, perpétuo, oponível contra todos indiscriminadamente. Todavia essa concepção é
fruto de uma evolução histórica – brevemente retomada nas linhas a seguir.

1.1) O direito de propriedade no modelo do Code Napoléon.

A Revolução Industrial não implementou tão-somente a mecanização da produção;


mais que isso, respondeu por alterações nas relações de trabalho e, no campo teórico-jurídico,
transformou o antigo proprietário-artesão em proprietário-patrão, realçando a idéia de que a
propriedade dos meios de produção resultava no poder de comando sobre os homens que
utilizavam tais instrumentos em troca de salário. Desse modo, o poder do proprietário não
mais infletia exclusivamente sobre determinada coisa, passando a irradiar-se também como
forma de controle sobre outros seres humanos, na medida em que se lhe autorizava fixar as
funções de outrem.
Na metade do século XX é publicado o Manifesto do Partido Comunista, por meio
do qual Engels e Marx, enfocando a questão social, propõem o fim da propriedade burguesa
dos meios de produção, elevando a programa político a teoria comunista. A alienação do
homem-produtor em relação ao bem produzido é então apontada como causa das
desigualdades e dos males sociais.
4

Antes mesmo de Marx, Proudhon já afirmara que la propriété c’est le vol, ou seja,
que “a propriedade é o roubo”, introduzindo uma visão totalizante da realidade social,
orientada pela integral coletivização da atividade produtiva e pela negação da propriedade
privada. A propriedade seria um roubo não porque o proprietário toma os bens dos demais,
mas porque o proprietário dos meios de produção fica, por inteiro, com o produto de uma obra
que é social; apropria-se, em conseqüência, de algo que não lhe pertence, mas a todos 1. Com a
Théorie de la propriété, Proudhon imputara à propriedade funções que permitiriam a
construção de uma sociedade livre, dominada pelo trabalho, com uma nova forma de
legitimação da posse dos bens; “uma propriedade [...] dirigida à realização de fins existenciais
e sociais, ao progresso e ao exercício das responsabilidades morais”2.
À crise das concepções individualistas, soma-se também o pensamento social
cristão, externado em vários documentos pontífices, a iniciar pela Encíclica Rerum Novarum,
de Leão XIII (1891); seguindo-se as Encíclicas Quadragesimo anno e Divini Redemptoris, de
Pio XI; Mater et magistra, de João XXIII; Populorum progressio, de Paulo VI; duas
mensagens de Pio XII, veiculadas por rádio no Natal de 1942 e em 1º de setembro de 1944;
até a própria Constituição do Concílio Vaticano II.
Segundo a Igreja, a propriedade privada deve ser garantida como necessidade natural
dos homens; porém, tem ela estrutura e função social, ao excluir o monopolismo e impor
uma redistribuição mundial dos meios de produção, com equânime retribuição aos
trabalhadores por sua força produtiva. Isso facilitaria o acesso de todos à propriedade, como
forma de garantia do livre desenvolvimento social dos indivíduos, das famílias, das
associações e de toda a coletividade humana. A livre iniciativa continua essencial, bem como
a propriedade privada que dela resulta; no entanto, torna-se necessário que toda a atividade
econômica, assim como o intervencionismo estatal, sejam balizados por razões de ordem
moral, sempre voltados à consecução do bem comum. O Estado não pode abolir a livre
iniciativa nem a propriedade privada, mas deve fazer com que todos sejam verdadeiramente
livres, capazes de gozar dos bens econômicos e ascender à condição de proprietários, na
plenitude de suas vidas humanas 3.

1
A observação quanto a essa visão simplista e antecipada da teoria da plusvalia de Marx é feita por Manoel
Gonçalves Ferreira Filho. “A propriedade e sua função social”, p. 32.
2
Tradução livre do original italiano: “una proprietà [...]rivolta alla realizzazione di fini esistenziali e
sociali, al progresso ed all’esercizio delle responsabilità morali”. COMPORTI, Marco. “Ideologia e
norma nel diritto de proprietà”, p. 305.
3
Ver PIACENTINI, apontado por Marco Comporti, op. cit., p. 306-7.
5

De certo modo drástica, finalmente, foi a dissociação entre as concepções de


propriedade e de poder. À época do Código Civil francês de 1804, que serviu de modelo à
legislação civil de vários outros países, o acesso à propriedade da terra, especialmente a
propriedade fundiária, representava tanto o meio de obtenção de poder (econômico, social,
político), quanto a possibilidade de contraposição desse poder ao poder outrem – o que
justificava o tratamento privilegiado do instituto pelo ordenamento legislativo. Contudo, o
critério de valorização dos bens seria alterado à medida em que também a sociedade
abandonava a feição agrícola para assumir contornos industriais, e a propriedade mobiliária se
tornava mais importante que a propriedade imobiliária e rural. A esses fenômenos, seguiu-se a
dissociação entre a titularidade formal do direito de propriedade e efetivo exercício do poder –
cujo exemplo mais eloqüente foi a difusão das sociedades anônimas. Como salienta Rodotà,
“a sociedade tende [então] a estruturar-se segundo grupos de poder baseados não
exclusivamente na propriedade, mas, ao invés, sobre a atribuição a categorias determinadas,
sobre relações de fidúcia, sobre critérios de cooptação”. Nesses casos, complementa, “[o]
poder político e econômico pode às vezes prescindir da propriedade, tornando-se importante
forma de acumulação da riqueza, distinta do lucro do proprietário”, o que permite uma
distinção entre propriedade e liberdade4.
À separação entre a titularidade e o efetivo exercício do direito de propriedade, sob a
influência das doutrinas sociais, sucedeu-se um alargamento do conceito de propriedade,
tornando-a dinâmica para atender aos ditames da utilização social, seja para alcançar maiores
níveis de produtividade, seja para facilitar o acesso de mais pessoas aos bens de produção.
Pôs-se o acento na exigência de que os bens deveriam satisfazer não apenas às necessidades
do proprietário individual, mas, antes, da inteira coletividade. Utilização, caráter coletivo,
produtividade: a propriedade, enfim, deveria adequar-se a um novo modelo, viabilizando o
cumprimento da função social que lhe seria inerente.
O princípio da função social da propriedade teria sido elaborado por Auguste Comte,
e depois desenvolvido por Léon Duguit no começo do século XX; porém, São Basílio e Santo
Tomás já teriam cogitado de uma função social da propriedade, assim como Rousseau teria
inserido essa idéia no projeto de Constituição da Córsega. De seu turno, Otto Gierke, no

4
Tradução livre do original italiano: “[...] la società [...] tenda a strutturarsi secondo gruppi di potere
basati non exclusivamente sulla proprietà, ma piuttosto sull’appartenenza a categorie determinate, su
raporti di fiducia, su criteri di cooptazione; [...] Il potere politico ed economico può talora prescindere
dalla proprietà, essendo divenute importanti forme di accumulazione della riccheza distinte del profitto dal
proprietario (...) La antica identificazione può in molti casi essere revocata in dubbio, e con essa
l’identificazione di proprietà e libertà.” RODOTÁ. Novissimo Digesto, p. 134.
6

discurso “A missão social do direito privado”, publicado em Viena no ano de 1889, afirmava
que à propriedade deveriam ser impostos deveres sociais; que a propriedade não deveria
servir unicamente ao interesse egoístico dos indivíduos, mas ser ordenada no interesse de
todos; que todo o direito imobiliário deveria transformar-se radicalmente para constituir um
sistema especial, pois as normas que regulam a propriedade dos imóveis não podem ser as
mesmas que governam a propriedade das coisas móveis 5.
Em termos de direito positivo, o reconhecimento da função social da propriedade, no
direito continental europeu, deu-se com o artigo 153 da Constituição de Weimar de 1919,
em que estabelecida a subordinação do exercício do direito ao bem comum: “A propriedade
será amparada pela Constituição. Seu conteúdo e seus limites serão fixados pelas leis. A
propriedade obriga. Seu uso deve estar a serviço do bem comum”. Já na legislação latino-
americana, a função social foi introduzida pelo artigo 10 da Constituição Colombiana de
1936: “Se garantiza la propiedad privada y los demás derechos adquiridos con justo título,
con arreglo a las leyes civiles, por personas naturales o jurídicas, los cuales no pueden ser
desconocidos ni vulnerados por las leyes posteriores. Cuando de la aplicación de una ley
expedida por motivos de utilidad pública o interés social, resultaren en conflicto los derechos
de los particulares con la necesidad reconocida por la misma ley, el interés privado deberá
ceder al interés público o social. La propiedad es una función social que implica
obligaciones”6.
Aduziu-se, preliminarmente, a uma incompatibilidade conceitual entre as noções de
direito subjetivo e função social, visto que a idéia de função, como vínculo, repugnaria a
concepção de direito, como liberdade. No entanto, a explicitação constitucional de que a
propriedade deveria cumprir uma função social pôs termo às discussões, impedindo que se
tomasse a função social como qualquer coisa estranha ao conceito de propriedade, já que na
verdade ela o legitimaria7. O que fizeram os textos constitucionais foi continuar atribuindo
formalmente ao particular a titularidade do direito de propriedade, apenas determinando que a
esse poder acompanhasse a respectiva funcionalização, em senso social, harmonizando ambos
conceitos.

5
GRAU, Eros Roberto. “Função social da propriedade”, p. 16ss.
6
Sobre a questão agrária na Colômbia e seus reflexos no Brasil, ver MORAES, Sílvia Helena, “A questão
da propriedade da terra: conceitos e princípios incorporados ao direito agrário latino-americano e a
necessidade de uma evolução” p. 52-74.
7
No direito brasileiro, as mesmas considerações são feitas por Roger Raupp Rios, in A função social da
propriedade e desapropriação para fins de reforma agrária, item. 3.1..
7

No que toca à exatidão do termo “social”, geralmente tem sido definido em sentido
negativo, contrapondo-se a “individual”, como na expressão “utilidade social”. A própria
palavra “utilização” já foi objeto de controvérsias, restando entendida como obtenção de um
“máximo social”, às vezes com sacrifício de outros interesses que não sejam coincidentes com
o fim social perseguido. Pertinente lembrar, a esse respeito, que a noção de interesse coletivo
ou social não obedece necessariamente a um critério quantitativo, não representando a soma
dos interesses particulares de cada membro da coletividade, mas subordina-se ao critério
qualitativo de suficiente idoneidade a promover uma melhora das condições sociais.
Se função é o “modo concreto de um instituto ou um direito de características
morfológicas particulares operar no mundo dos fatos”, como ensina Rodotà8; função social da
propriedade é, portanto, o modo como opera a propriedade no mundo dos fatos, segundo os
objetivos, valores, princípios e fundamentos definidos pelo texto constitucional. No caso da
Constituição Federal de 1988, a propriedade deixa de ser uma mera atribuição de poder
tendencialmente plena, cujos confins são definidos externamente e de modo negativo, para ter
o conteúdo fixado de forma dependente dos centros de interesse “extraproprietários”, que são
regulados no âmbito da relação de propriedade9.

1.2) O direito de propriedade no Brasil.

Proclamada a República em 1889, o país atravessou um período de transição


legislativa e, à falta de textos legais próprios, prevaleceram ainda as disposições oriundas do
Direito Português. Paralelamente, um processo de elaboração de leis e regulamentos foi sendo
implementado, dele resultando as primeiras Consolidações legislativas. Somente em 1916
seria definitivamente aprovado o Código Civil Brasileiro, de autoria de Clóvis Beviláqua,
substituindo a Consolidação das Leis Civis cunhada por Teixeira de Freitas.
Mesmo editado no século XX, o Código Civil rendeu-se à tradição européia anterior,
repetindo conceitos e fórmulas consagrados pelo modelo de 1804 do Code francês. Assim é
que, filiado à corrente oitocentista, não definiu o direito de propriedade, somente discorrendo
sobre os direitos assegurados ao proprietário. A propriedade foi desenhada como um, entre os
vários direitos subjetivos outorgados pelo ordenamento civil.

8
Citado por André Osorio Gondinho, na obra coletiva organizada por Gustavo Tepedino Problemas de
Direito Civil-Constitucional, p. 405.
9
Cfe. Gustavo Tepedino, Temas de Direito Civil, p. 280.
8

Numa concepção absolutista, pensava-se que os direitos subjetivos independeriam


uns dos outros, movendo-se e convivendo, sem jamais se encontrarem. O mundo jurídico
seria de tal modo construído que todos os direitos se estenderiam, como linhas retas, sem se
ferirem, sem se tocarem. Relativizada essa noção, passou-se a cogitar que, embora os direitos
subjetivos se lançassem como linhas, estas encontrariam limites. Mais que isso, os direitos se
tocariam, num entrelaçamento, não sendo tolerados apenas os abusos que se cometessem10.
Especificamente quanto à propriedade, a idéia de direito subjetivo importou na
concepção de que se assegurava ao proprietário o exercício do direito de um modo muito
amplo, pois todo o grupo social era obrigado a submeter-se a esse direito (poder). A
concepção absolutista de que na propriedade se estabelecia uma relação entre o sujeito e a
coisa foi abandonada, servindo apenas para a definição de posse, e tornou-se vigente a
concepção personalista, consoante a qual a propriedade é uma relação entre sujeitos, quais
sejam, entre o dono e a sociedade, sendo a coisa apenas o objeto dessa relação. Ao direito
subjetivo do proprietário corresponderia o dever negativo de abstenção e não-turbação por
parte de toda a sociedade, por isso encarada como um “sujeito passivo total”11.
A vinculação ao ideário do capitalismo liberal europeu mostra-se claramente. O
Código Civil surgiu como estatuto da burguesia agrária brasileira, destinado a resguardar o
exercício quase irrestrito dos poderes inerentes à propriedade, primando pela manutenção do
status quo. As restrições ao domínio conservaram-se sob a forma dos direitos reais limitados
ou restringentes (segundo expressão técnica de Pontes de Miranda) do uso, gozo e fruição do
bem; e dos direitos reais de garantia, que também seriam restringentes do conteúdo do
domínio. As raras limitações convergiam para os chamados direitos de vizinhança, o direito
de construir ou para uma incipiente teoria do abuso de poder, estando plenamente assegurado
o exercício do domínio quanto ao mais.
Esse quadro de absolutismo individulista acerca do direito de propriedade começou a
ruir quando a realidade social demandou a relativização dessas noções. Pessoa12 aduz à crise
que se alastrou por diversos países, com sérias repercussões para o Brasil, em decorrência à
queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, flagrando a debilidade de uma
economia voltada exclusivamente para o mercado externo e, contrario sensu, a importância
do desenvolvimento dos ramos agrário e industrial com enforque para o mercado interno.

10
Ver PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, tomo XI, § 1.165.
11
A expressão é de Pontes de Miranda. Ibidem, tomo XI, § 1.165.
12
Adélia Moreira Pessoa, in Propriedade da terra e função social, p. 142-3.
9

A Revolução de 1930, de seu turno, trouxe à tona a efervescência ideológica e


cultural já iminentes. Assistiu-se à “decolagem” do desenvolvimento industrial brasileiro,
inclusive com fito de limitar a capacidade de importação; e, ao lado dos grandes fazendeiros,
comerciantes e banqueiros, apareceu a figura do empresário industrial. Simultaneamente se
alastrou o populismo, expressão mais completa da emergência das classes populares no bojo
do desenvolvimento urbano e industrial, então incorporadas ao jogo político.
Esse progresso, contudo, não foi suficiente para incrementar as condições de vida de
uma grande parcela da população. No campo, o quadro de desmedido poderio oligárquico não
desapareceu: mantinham-se as relações de produção e o latifúndio atrelado à exportação,
enquanto a legislação trabalhista e previdenciária ainda não alcançava o camponês. O
movimento de êxodo para os grandes centros urbanos, em busca do sonho de um sucesso não
encontrado no trabalho rural, avançava de forma avassaladora, mas também não resolvia a
situação. Assim, assistiu-se à criação de uma sociedade marginal, isto é, posta à margem das
melhores condições de vida e desenvolvimento experimentadas pelo restante da população;
faltavam empregos, cresciam os bolsões de miséria, a violência se agravava13.
No constitucionalismo brasileiro, alterações na disciplina da relação de domínio
sobre os bens trouxeram as primeiras tentativas de conformar a utilização da propriedade a
fins não individualísticos. A Constituição de 1934 estabeleceu que “o direito de propriedade
não poderá ser exercido contra o interesse social”. Já a Constituição de 1946, posteriormente,
determinaria no artigo 147: “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A
lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da
propriedade com igual oportunidade para todos.”
Conquanto refletissem o pensamento social-cristão, essas normas eram apenas
programáticas e ficaram sem regulamentação até os anos de 1960, quando, em conseqüência
da tensão cada vez maior no campo, já com contornos ideológicos, sobreveio a Lei nº 4.504,
em 30 de novembro de 1964 – Estatuto da Terra. Alicerçado na Emenda Constitucional nº
10, de 1962, o Estatuto condensou ditames específicos sobre a desapropriação por interesse
social para fins de reforma agrária, condicionou o uso da terra à função social da
propriedade, procurou a justa e adequada distribuição da propriedade, referiu o dever de
explorar racionalmente a terra; contemplou, enfim, os diversos meios de acesso à propriedade,

13
Sobre a mesma crise, mas vista do ângulo do urbanismo brasileiro, consultar Rogério Gesta Leal, in A
função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos principalmente Capítulo
II.
10

dentre os quais a desapropriação por interesse social, o usucapião laboral, a legitimação da


posse.
O Estatuto da Terra representou também a densificação, no direito brasileiro, da
concepção de direito-dever inerente ao moderno direito de propriedade e que se traduzia no
plexo de obrigações incidentes sobre os proprietários, vinculadas, entre outros, ao bem-estar
deles próprios e dos trabalhadores, aos níveis de produtividade, à conservação dos recursos
naturais e às justas relações de trabalho. O “tamanho” da propriedade foi substituído pelo
conceito de módulo rural, distinguindo os latifúndios por extensão ou por exploração e
servindo de base de cálculo para o imposto incidente sobre a propriedade terrritorial rural14.
Ao mesmo tempo, os movimentos pela Reforma Urbana também tomaram contornos
mais claros. O crescimento populacional das cidades, sobretudo da cidade informal, obrigou o
poder público a tomar medidas de cunho urbanístico, e o país viu então surgirem os
denominados Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado – PDDI’s, durante a década de
1970. Excessivamente técnicos e afastados dos problemas sociais da cidade, contudo, esses
planos não lograram erguer a cidade ideal sobre a efervescência da cidade real.
O passo mais importante nessa direção ocorreria somente depois de findo o regime
militar e convocada uma Assembléia Nacional Constituinte, quando os movimentos sociais se
organizaram e, pela iniciativa popular, encaminharam uma proposta de reforma urbana. Pela
primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, introduziu-se no texto constitucional um
capítulo acerca da política urbana, em que consagradas a função social da propriedade e da
cidade, bem como atribuídas aos Municípios as competências legislativas e executivas de
implementação do desenvolvimento urbano.
No ordenamento constitucional vigente, portanto, a propriedade privada é um direito
fundamental, cujo exercício é restringido, contudo, por essa mesma Constituição de 1988, ao
prescrever-lhe o cumprimento de uma função social. Quanto à propriedade urbana, a função
social guarda pertinência às exigências de ordenação da cidade estabelecidas pelo Plano
Diretor:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá sua função social;

14
Cf. RUSSOMANO, Rosah, op. cit., p. 266ss.
11

[...]

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e


na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
III – função social da propriedade;
[...]

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder


Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 1º. omissis
§ 2º. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor

A partir do reconhecimento de que a propriedade urbana – e propriedade rural, no


artigo 186 da Constituição – devem atender a exigências que ultrapassam o interesse
exclusivo do proprietário, cria-se novo fundamento e efetivamente novas formas de
intervenção administrativa na propriedade privada. Assim, modos clássicos de intervenção,
como a desapropriação, passam a justificar-se como meio de regulação do espaço urbano,
podendo apresentar natureza punitiva e não somente um modo de perda da propriedade.

Cumpre referir, por derradeiro, que a superveniência do Código Civil/2002 (Lei nº


10.406/2002) indica a definitiva superação do paradigma oitocentista também em termos de
direito positivo. O § 1º do artigo 1.228 prescreve a submissão da propriedade à função social
e realça a proteção ao ambiente, determinando que o direito “deve ser exercido em
consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados,
de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o
equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e
das águas”. No § 4º do mesmo dispositivo, prevê a possibilidade de perda da propriedade pelo
usucapião coletivo, em consonância às disposições do Estatuto da Cidade (adiante
examinadas), “se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de
boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem
realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse
social e econômico relevante”. No artigo 1.240 prevê o usucapião especial urbano, em termos
semelhantes àqueles anteriormente estipulados pela Constituição de 1988 e pelo Estatuto da
Cidade. Nos artigos 1.299 e seguintes, regula o direito de construir; enquanto nos artigos
1.369 e seguintes dispõe sobre o direito de superfície – sendo de ressalvar-se apenas que,
12

enquanto lei especial, as normas do Estatuto da Cidade tendem a prevalecer sobre as


disposições gerais do Código Civil em caso de eventual colisão, respeitado o âmbito de
aplicação específico de aplicação do Estatuto da Cidade, isto é, a propriedade urbana.

Assentadas as premissas necessárias à adequada compreensão do regime civil-


constitucional da propriedade urbana, passar-se-á ao exame dos institutos previstos no
Estatuto da Cidade, numa tentativa de apontar limites e possibilidades para cada um.

II) O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001)

Retomando pontos já lançados, pode-se afirmar que a origem do Estatuto da Cidade


prende-se essencialmente a dois movimentos: um primeiro, de caráter social, decorrência
mediata da proposta popular encaminhada à Assembléia Nacional Constituinte e que resultou
na inserção do capítulo sobre política urbana no texto constitucional de 198815; e outro, de
ordem jurídica, associado ao que hoje se conhece por direito civil-constitucional, isto é, de um
movimento pela afirmação do fundamento constitucional do direito civil, cuja validade e
eficácia são reconhecidas apenas se imantado pelos princípios e valores prescritos pela
Constituição da República.
O Estatuto da Cidade, ao regular em nível legislativo ordinário as normas
constitucionais sobre política urbana, insere toda uma nova gama principiológica num
regramento que antes se prendia ora ao direito civil, ora ao direito administrativo, ora ao
direito urbanístico. Diferencia-se dessa sistemática, entretanto, por introduzir normas16 de
cunho promocional, na conhecida expressão de Bobbio, que deixam simplesmente de
restringir o exercício do direito de propriedade, o que só afirmaria o caráter absoluto desse
direito17, para estipularem deveres positivos, que dirigem o exercício lícito do direito a
determinadas finalidades. No caso da propriedade urbana, trata-se de um direito a ser exercido
em conformidade à função social da propriedade e à função social da cidade, pois o titular
15
Nesse sentido, consultar Estatuto da Cidade, publicação da Câmara dos Deputados, p. 23.
16
Norma jurídica é aqui compreendida como gênero, de que são espécie os princípios e as regras, segundo as
idéias desenvolvidas por Ronald Dworkin (in Los Derechos en Serio, Barcelona : Ariel, 1999) e Robert
Alexy (in Teoría de los Derechos Fundamentales, Madrid : Centro de Estudios Constitucionales, 2000),
cujo ponto mais importante reside na atribuição de eficácia normativa aos princípios, não os
compreendendo mais como conceitos meramente abstratos, mas enquanto diretivas/pautas de conduta, a
indicarem standards de comportamento, com incidência plena e aplicação direta na regulação das relações
jurídicas.
17
Referência cordialmente feita quando da apresentação do seminário que deu origem a este trabalho, ainda
durante os estudos de Mestrado, pelo Prof. Dr. Ricardo Aronne, em dezembro de 2001.
13

tem deveres perante a comunidade que dá sentido e valor econômico ao bem objeto da
propriedade urbana.
Nesse senso, a propriedade urbana passa a ser assegurada sempre que direcionada a
uma cidade mais eqüitativa, sustentável e democrática, abandonando-se o patrimonialismo e o
individualismo que marcavam esse direito até então. Tais características não se coadunam a
um direito civil que se constitucionaliza, abandonando o status de “Constituição” das relações
privadas, para ressurgir com fundamento de validade haurido diretamente da Constituição da
República.
Passado o período de extremo individualismo que identificou os códigos
oitocentistas, elaborados à sombra do Code Napoléon18 mesmo durante o século XX – caso do
caso do Código Civil brasileiro de 1916; e superado o intervencionismo estatal, de produção
legislativa fragmentária e setorizada, que mereceu a denominação de microssistema19;
começa-se a reconhecer um movimento teórico de busca e retomada do fundamento de
validade do direito civil, atrelando-o diretamente à norma fundamental do próprio sistema
jurídico, qual seja, a Constituição. Ao mesmo tempo, cumpre assinalar que o período seguinte
à II Guerra Mundial foi também marcado pela superveniência de Constituições analíticas, que
trouxeram para o âmbito de positivação do texto constitucional não apenas direitos humanos
já conhecidos, como vida e liberdade, mas um amplo leque de novos direitos – com
titularidade não apenas individual, mas também coletiva e difusa – e princípios, dotando-os,
todos, da força normativa e da supremacia constitucionais. A Constituição, e o que nela está
inserido, valem de modo prioritário: têm supremacia hierárquica sobre a legislação
infraconstitucional que, sendo incompatível, torna-se carente de fundamento de validade;
indicam novas pautas de conduta, determinando comportamentos positivos pelo legislador,
pelo administrador e pela sociedade; impedem a prevalência da interpretação contrária aos
novos standards previstos, etc..
Não se trata, por conseguinte, de um movimento setorizado nem bi-partido entre as
esferas do direito público e do direito privado, mas da constatação da complementaridade e
mútua influência dos movimentos sociais sobre o sistema jurídico. O direito constitucional se
“privatiza”, trazendo para o corpo da Constituição institutos que até então tinham caráter
tipicamente privado – as normas sobre família, criança e adolescente, são exemplo inequívoco
18
O Código Civil francês outorgado por Napoleão Bonaparte data de 1804.
19
A alusão à alegoria de um sistema como o solar, onde o Código Civil apareceria como centro em torno do
qual gravitam as demais leis especiais, como centros dotados de certa independência e autonomia, foi
inicialmente proposta por Natalino Irti e apresentada no Brasil por Orlando Gomes, conforme refere
Gustavo Tepedino, in Temas de Direito Civil, p. 1ss.
14

disso. O direito privado se “constitucionaliza”, não somente buscando na Lex Superior o


fundamento de validade das respectivas normas, como funcionalizando-se e funcionalizando-
as aos princípios e valores consagrados pelo texto constitucional, cuja garantia é concretizada
na medida em que atendidas as finalidades para as quais são assegurados cada um dos
“direitos civis” pela Constituição.
Numa visão mais abrangente, pode-se verificar que o horror da última Grande
Guerra, notadamente o genocídio de milhões de pessoas, consistiu em fator essencial para
provocar essa mudança de paradigma. A positivação dos direitos humanos na letra expressa
das Constituições subseqüentes a 1945, bem como a construção de uma profícua
jurisprudência, em especial dos países envolvidos mais diretamente no conflito (Alemanha e
Estados Unidos da América, por exemplo) demonstram um trabalho pela busca de plena
garantia de condições mínimas à manutenção de vida digna para as pessoas. A summa divisio
público-privado é assim desconsiderada, no intento de dar eficácia real aos direitos básicos
do homem, trazidos para o âmbito de proteção da supremacia constitucional.
Nesse contexto, as normas sobre a propriedade urbana, mais do que enquadradas no
que tradicionalmente se identifica como direito civil, ou direito administrativo, ou ainda
direito urbanístico; delineiam o regime constitucional da propriedade urbana, remodelada em
si mesma (função social da propriedade) e em relação ao desiderato coletivo de consecução de
cidades sustentáveis (função social da cidade). A justificativa para tanto está, em termos
sociológicos e geográficos, na imensa e rápida urbanização experimentada pela sociedade
brasileira nas últimas décadas, que denota a necessidade de criação de um regime jurídico
próprio para a propriedade urbana. Enquanto em 1960 a população urbana representava
44,7% da população total, contra 55,3% da população rural; no ano 2000 essa situação se
inverte totalmente, e 81,2% da população já vivem nas cidades. Em números absolutos, o
crescimento populacional mostra-se ainda mais assombroso: entre 1960 e 2000, a população
urbana aumenta de 31 milhões para 137 milhões de habitantes, ou seja, as cidades recebem
106 milhões de novos moradores no período.
Essa urbanização vertiginosa, todavia, coincidiu com um período de desaceleração
da economia brasileira, a resultar na repetição, agora dentro das cidades, das injustiças e
desigualdades antes encontradas no campo. O abismo entre as áreas centrais, dotadas de
equipamentos urbanos e ocupadas por uma parcela minoritária da população, e as áreas
marginais, superpovoadas e não raras vezes carentes das condições mais mínimas de vida,
reflete a desigualdade social. Sem condições de adquirir imóveis nessas zonas centrais, a
15

população de baixa renda dirige-se às zonas periféricas, ocupando áreas que são mais baratas
exatamente pela falta de infra-estrutura urbana, ou pior, pela fragilidade das condições
ambientais, resultando, com isso, na expansão indefinida dos limites da cidade20.
Na verdade, essa alegada “falta de planejamento” de muitas cidades é decorrência de
“uma interação bastante perversa entre os processos sócio-econômicos, opções de
planejamento e de políticas urbanas, e práticas políticas que construíram um modelo
excludente em que muitos perdem e pouquíssimos ganham”21. O planejamento de “cidades
virtuais”, como acontecia com os poucos planos diretores produzidos na década de 1970; bem
assim a contradição entre planejamento e gestão das cidades, talvez possam ser indicados
como as principais deficiências a serem superadas pelo novo modelo instituído pelo Estatuto
da Cidade.
Dando concreção às normas constitucionais de política urbana, o Estatuto da Cidade
altera o paradigma predominante da propriedade privada nas cidades brasileiras. Mediante
instrumentos de indução de condutas, a propriedade urbana deve contemplar
fundamentalmente o direito à moradia, com adequado uso e ocupação do solo urbano, ante as
funções que a cidade deve proporcionar. Se o proprietário que não dá uso urbano à
propriedade pode ser penalizado até mesmo com a desapropriação, àquele que pretende
empreender correta utilização do solo são previstos mecanismos de parceria, inclusive com o
poder público municipal, incentivando a gestão adequada do solo urbano. A busca por cidades
sustentáveis e a repartição dos ônus resultantes da urbanização são balizas essenciais ao
regime jurídico instaurado com a nova lei, destacando-se igualmente o papel de relevo
atribuído ao Município para viabilização e implementação dessas medidas.
Esclarecido o contexto jurídico e fático em que se insere o Estatuto da Cidade, passa-
se primeiro à análise dos objetivos e diretrizes da lei; e, mais adiante, a um exame, ainda que
perfunctório, dos instrumentos nela previstos.

2.1) Objetivos e diretrizes do Estatuto da Cidade.

A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, veio a regulamentar os artigos 182 e 183 da


Constituição Federal, estabelecendo “normas de ordem pública e interesse social que regulam

20
Nesse sentido, consultar Estatuto da Cidade, p. 25/26.
21
Idem, ibidem.
16

o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos


cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”, conforme consta do artigo 1º, parágrafo único.
Para atingir esse escopo, a lei traçou uma série de diretrizes e estabeleceu normas
gerais de direito urbanístico, a serem ulteriormente pormenorizadas pelos Estados-membros e,
sobretudo, pelos Municípios (CF, art. 24, I). De salientar-se, aliás, que a implementação de
todos os novos instrumentos e a execução das políticas urbanas foi atribuída especialmente à
esfera municipal, por meio de previsão na lei do Plano Diretor e de leis municipais específicas
para cada um desses mecanismos. Outrossim, o desatendimento dos objetivos fixados no
Estatuto da Cidade, enquanto lesão à ordem urbanística22, pode ser objeto tutela por meio de
ação civil pública, ou mesmo de argüição de inconstitucionalidade, via controle difuso ou
concentrado.
Com isso, evidencia-se uma preferência, certamente com amparo constitucional, pelo
princípio da subsidiariedade, apontado por Moreira Neto como uma nova doutrina de
repartição de poderes, que tem por premissa essencial a divisão e alocação de recursos e
tarefas em níveis sucessivos de competências, a que correspondem a concentração dos
poderes necessários ao atendimento o mais eficientemente possível das demandas da
sociedade23. A lógica é procurar-se a solução a partir das menores formas de organização em
direção às formas mais amplas; logo: um problema só passará para o poder público municipal
se as entidades privadas da própria sociedade não o puderem resolver; passarão para a esfera
estadual, assim, apenas as demandas que não puderem ser solvidas pela administração
municipal; e à esfera federal, tão-somente o que não puder sê-lo por parte do poder público
estadual. E sem dúvida que à partilha e atribuição de competências terão de ser outorgados os
recursos respectivos, preservando as capacidades administrativas divididas.
Dentre as diretrizes do Estatuto da Cidade, consagra-se o direito a cidades
sustentáveis, definido pela própria lei como “o direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento ambiental. à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” (art. 2º, I). O direito à cidade tem por
fonte os princípios constitucionais da função social da cidade e da função social da
propriedade, abarcando uma série de direitos fundamentais, cuja titularidade pode dar-se de
forma individual e/ou difusa. Guarda relação, ademais, à principal meta da política urbana

22
A ordem urbanística foi incluída entre os objetos de tutela por meio de ação civil pública, conforme a nova
redação dada ao artigo 1º da Lei nº 7.347/85 pelo artigo 53 da Lei nº 10.257/2001.
23
In “Globalização, regionalização, reforma do Estado e da Constituição”, p. 4.
17

instituída pela Constituição da República de 1988: tornar as cidades mais justas, humanas,
democráticas e sustentáveis.
Cidade sustentável é aquela caracterizada por condições dignas de vida, em que a
cidadania e os direitos fundamentais são exercidos de modo pleno (direitos civis e políticos,
econômicos, sociais, culturais e ambientais), inclusive por meio da participação na gestão da
cidade; em suma, é “viver numa cidade com qualidade de vida, sob os aspectos social e
ambiental”24. Nelas se concretizam os direitos à moradia, ao ambiente ecologicamente
equilibrado, à prestação de serviços públicos tipicamente urbanos – como saneamento,
transporte, infra-estrutura urbanística (ruas, iluminação, trânsito) – ao trabalho e ao lazer.
Trata-se da cidade como locus da pessoa humana, como espaço onde o homem se relaciona
com os demais e com o meio, onde lhe deve ser assegurado não apenas o mínimo à existência
digna, mas a concreta possibilidade de desenvolvimento enquanto cidadão (participação
política ) e pessoa (participação social e comunitária).
A esse princípio se acresce a gestão democrática, quer por meio da participação
popular, individual ou associativa, na formulação, execução e acompanhamento das políticas
públicas de desenvolvimento urbano; quer pela cooperação entre o poder público e os setores
da sociedade civil no processo de urbanização, com vistas ao interesse social (art. 2º, II e III,
respectivamente). Assume-se, assim, que a cidade é composta por diferentes atores, com
concepções e necessidades de vida diversas, todas as quais devem ser atendidas e
incrementadas na cidade, pela mediação de conflitos numa seara de democracia participativa.
A concreção do direito à cidade, nesse sentido, passa pela viabilização do direito à
participação nos processos de gestão da cidade, dos projetos de desenvolvimento urbano, da
decisão quanto aos planos implementados e da parceria entre poder público e iniciativa
privada. Pressupõe, ademais, a organização da sociedade civil, para que atue em conjunto
com o poder público na concretização de políticas urbanas.
Especificamente no que tange ao regime jurídico de uso e ocupação do solo urbano,
o Estatuto da Cidade definiu de forma negativa os fins a que se destina, elencando as
situações que devem ser evitadas (art. 2º, VI)25. Depreende-se que a ordenação e o controle do
24
Cfe. Estatuto da Cidade, op. cit., p. 34.
25
Lei nº 10.2571 – Art. 2º. (...) VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização
inadequada dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o
parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura
urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de
tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que
resulte na sua subutilização ou não utilização; f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a
degradação ambiental.
18

solo devem permitir a utilização adequada dos imóveis urbanos, compatível com a infra-
estrutura urbana existente ou conformada àquela que se intente incrementar. Coíbe-se a
retenção especulativa de imóveis, o que possibilita, entre outras medidas, a intervenção direta
do poder público municipal no mercado imobiliário, atuando no processo de formação de
preços; a indução de usos e ocupações específicas, a fim de solucionar distorções entre a
capacidade e a real utilização do imóvel; a intervenção como forma de proteger o ambiente,
evitando a poluição e a degradação ambiental, bem assim a ocupação de áreas de risco pela
população. No conceito de ambiente, aliás, deve-se compreender a tutela do patrimônio
artístico, histórico, paisagístico e cultural da cidade, eventualmente postos em risco pelo
processo de urbanização descontrolada.
Ainda entre as diretrizes, cabe destacar a justa distribuição dos benefícios e ônus
decorrentes da urbanização (art. 2º, IX), que fundamenta, entre outros, a forma de cálculo
das indenizações a serem pagas na desapropriação por não-uso ou uso inadequado do solo
urbano, assim como o ressarcimento em caso de consórcio imobiliário. Esse mesmo princípio
também respalda a transferência do direito de construir, permitindo, por exemplo, que o
proprietário de imóvel tombado, ou de imóvel onde se tenha constituído área de preservação
ambiental, não seja penalizado pela inviabilização do uso pleno da propriedade. Se a
propriedade funcionalizou-se ao interesse público de preservação do ambiente cultural ou
natural, como nas hipóteses cogitadas, a justa distribuição dos ônus de urbanização permite ao
proprietário transferir o potencial construtivo correspondente à área, daí retirando o proveito
econômico que a propriedade lhe poderia proporcionar. Devem ser assim buscadas formas de
corrigir eventuais distorções provocadas pelo processo de urbanização, amenizando impactos
econômicos e sociais referentes ao patrimônio imobiliário, de maneira a compensar ganhos e
perdas excessivos decorrentes de alterações na dinâmica e nos investimentos públicos e
privados na cidade.
Últimas diretrizes a serem especificadas, pela pertinência com o estudo da função
social da propriedade urbana, são as concernentes à simplificação da legislação de
parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, notadamente mediante a edição de normas
especiais que facilitem os processo de regularização fundiária (art. 2º, XIV e XV). É clara a
incidência do princípio de justiça distributiva nesse objetivo da lei, autorizando-se o
tratamento especial de situações também diferenciadas, com intuito de facilitar a efetivação
do direito constitucional à moradia. A “cidade irregular e clandestina” deve ser trazida para
dentro da “cidade legalizada e planejada”, providência agora incentivada pela edição de
19

normas especiais, que facilitem os tormentosos processos de regularização fundiária e


propiciem a compreensão da situação como um todo pela população – lei clara e simples
certamente é mais fácil de ser cumprida.
As diretrizes fixadas pelo Estatuto da Cidade determinam novos standards a respeito
da propriedade urbana, pormenorizando os princípios constitucionais da função social da
propriedade e da função social da cidade. Como visto – e o estudo dos instrumentos irá
corroborar essa assertiva – inaugura-se um novo paradigma a respeito do uso e da ocupação
do solo urbano. No lugar da atuação estatal mínima, assim como daquela extremamente
intervencionista, objetiva-se uma parceria entre poder público, iniciativa privada e população;
ao invés de “planos de escritório”, prima-se pela simplicidade das formas, por meio de
soluções acertadas e mediadas pela participação das pessoas envolvidas; diversamente das
tradicionais limitações ao direito de propriedade – que, como referido, só reafirmam a
absolutividade do direito – funcionaliza-se a propriedade urbana à concretização do direito à
moradia, ao uso adequado do solo e à busca por cidades sustentáveis.

2.2) A Regulação da propriedade urbana: os novos instrumentos do regime


constitucional-urbanístico.

O artigo 4º do Estatuto da Cidade estabelece um amplo espectro de instrumentos para


dar consecução aos fins previstos pelo artigo 2º, antes abordados. Como instrumentos
jurídicos e políticos, dispõem sobre institutos tradicionais do direito administrativo, como as
limitações, as servidões, o tombamento e a desapropriação. Numa visão ampla, qualificam-se
pelo caráter negativo de que se revestem, ao imporem um limite até o qual a atuação do
proprietário é aceita e assegurada da forma mais plena possível.
Além disso, porém, o Estatuto da Cidade institui vários outros instrumentos de
política urbana, cuja nota peculiar reside exatamente na imposição de ônus positivos ao
proprietário de imóvel urbano, que fica assim obrigado perante o poder público a fazer certo
uso da propriedade urbana de que disponha, sob pena de sucessivas sanções e mesmo a perda
da propriedade imóvel.
Considerando a existência de vasta doutrina a respeito dos institutos já tradicionais
do direito administrativo, o presente estudo abordará apenas os novos instrumentos
estabelecidos pelo Estatuto da Cidade, procurando traçar as principais características de cada
um e, no todo, salientar a mudança entre a concepção de propriedade até então vigente e a
20

propriedade urbana imantada pelos princípios constitucionais concretizados por essa nova
normativa.
Nesse sentido e conforme já aludido, o Estatuto da Cidade trouxe uma série de
instrumentos que buscam, em última análise, viabilizar a concretização dos princípios
constitucionais da função social da propriedade urbana e da função social da cidade. Na
esteira da norma constitucional, esses instrumentos devem ter previsão no Plano Diretor,
obrigatório para as cidades que intentem aplicá-los, ademais de regulação em lei municipal
específica.
Constata-se, por conseguinte, que o Plano Diretor foi elevado a principal ato
normativo regulador da função social da propriedade urbana e da função social da cidade.
Abandonada a técnica dos Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado (PDDI’s), comum
nos anos de 1970 e responsável por um planejamento muitas vezes divorciado da realidade
social das cidades26, o Plano Diretor assume o papel de instrumento normartivo que traduz o
pacto social da “cidade que queremos”, identificando-se com o interesse público da cidade. O
plano decorre de um processo político, no âmbito do qual são canalizadas as políticas públicas
em torno de alguns objetivos prioritários27.
Nos termos do artigo 39 do Estatuto da Cidade, o Plano Diretor têm por princípios a
função social da propriedade, o desenvolvimento sustentável, as funções sociais da cidade28, a
igualdade e justiça social e a participação popular. Cumpre ao Plano Diretor estabelecer o
equilíbrio entre as formas de desenvolvimento econômico – donde proteger-se o direito de
propriedade, inclusive pelos mecanismos que visam à preservação do proveito econômico do
bem imóvel – e o desenvolvimento social e humano, centrado no incremento das condições
para desenvolvimento da dignidade humana. O interesse econômico do proprietário e dos
mercados da cidade devem submeter-se ao princípio da cidade sustentável, em que
assegurados o direito à moradia, aos serviços públicos básicos (saneamento, transporte, luz,

26
Cfe. Estatuto da Cidade, p. 40/41.
27
“O Plano Diretor pode ser definido como um conjunto de princípios e regras orientadoras da ação dos
agentes que constroem e utilizam o espaço urbano. [...] O objetivo do Plano Diretor não é resolver todos os
problemas da cidade, mas sim ser um instrumento para a definição de uma estratégia para a intervenção
imediata, estabelecendo poucos e claros princípios de ação para o conjunto dos agentes envolvidos na
construção da cidade, servindo também de base para a gestão pactuada da cidade. Desta forma, é definida
uma concepção de intervenção no território que se afasta da ficção tecnocrática dos velhos Planos Diretores
de Desenvolvimento Integrado [...] Assim, mais do que um documento técnico, normalmente hermético e
ou genérico, distante dos conflitos reais que caracterizam a cidade, o Plano passa significar um espaço de
debate dos cidadãos e de definição de opções, conscientes e negociadas, por uma estratégia de intervenção
no território.” Idem, p. 42/43.
28
Para uma abordagem mais ampla do fenômeno urbano, com exame das múltiplas e diferentes funções da
cidade, consultar As funções da cidade, de Marcella della Donne.
21

lixo), à proteção do ambiente natural e cultural, ao lazer e à saúde – tudo isso sob o prisma
constitucional de erradicação da pobreza e redução da desigualdades sociais e regionais.
Assentadas tais premissas, passa-se ao exame dos novos institutos previstos pelo
Estatuto da Cidade. Esses instrumentos podem ser divididos, para fins didáticos, em
instrumentos de indução do desenvolvimento urbano, instrumentos de regularização fundiária
e instrumentos de gestão urbana, segundo o desiderato a que fundamentalmente procurem
atender29. Serão assim tratados no decorrer deste texto, que apenas excluirá os mecanismos
ligados à gestão democrática da cidade, por não apresentarem pertinência direta com o estudo
do direito de propriedade.

2.2.1) Instrumentos de indução do desenvolvimento urbano

Considerando o fenômeno de expansão urbana horizontal, quando não aproveitados a


infra-estrutura e os equipamentos urbanos já existentes, o Estatuto da Cidade estabeleceu
mecanismos jurídicos com finalidade de induzir exatamente a ocupação dessas áreas; ou
otimizá-la, uma vez que nem sempre a densidade construtiva corresponde à densidade
demográfica. Objetiva-se a ocupação dos vazios urbanos, a plena edificação dos terrenos
situados em locais já dotados de aparelhamento urbano (ruas, transporte, saneamento, luz) e
sem riscos ao ambiente.

2.2.1.1) Instrumentos sancionatórios

De forma negativa, ou seja, impondo penalização aos proprietários de imóveis não


destinados à utilização urbana, sobretudo pela edificação, o Estatuto da Cidade prevê os
seguintes mecanismos sancionatórios: (a) parcelamento, edificação e utilização compulsórios
(artigos 5º e 6º); (b) imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo (artigo 7º); e (c)
desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública (artigo 8º). A máxima efetivação
dos princípios e valores insertos no texto constitucional, quer os objetivos da República, quer
as normas de política urbana, justificam que utilização adequada da propriedade urbana pelo
particular tenha-se tornado um dever, isto é, compulsória.
Por meio de lei específica, o Município poderá determinar ao particular as obrigações
de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de área incluída no Plano Diretor
29
Classificação semelhante é apresentada pela obra que embasou o presente estudo, o Estatuto da Cidade, já
antes referida.
22

que não esteja sendo edificada ou utilizada, ou que seja subutilizada, devendo fixar as
condições e os prazos para que sejam implementadas tais medidas. Por área subutilizada,
entenda-se o imóvel cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no próprio Plano
Diretor, ou na legislação dele decorrente. A obrigação será comunicada ao proprietário
mediante notificação, que deverá ser averbada no registro de imóveis. Na hipótese de grandes
empreendimentos, a lei específica poderá excepcionalmente prever a conclusão em etapas,
“assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um todo”.
Ademais, tais obrigações aderem ao imóvel, sendo transferidas por ato inter vivos ou causa
mortis, sem interrupção de prazos. A lei possibilita a não-transferência apenas na hipótese de
notificação anterior à data do ato de transmissão. Trata-se, portanto, de obrigações propter
rem.
O imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo – IPTU é o segundo
mecanismo de indução de uso adequado da propriedade urbana. Não cumpridos os prazos
para edificação, parcelamento ou utilização compulsórios, poderá o Município cobrar do
proprietário o chamado IPTU progressivo, num prazo de cinco anos. A alíquota pode ser
majorada ano a ano, até um máximo de quinze por cento do valor fiscal do imóvel. Evidente,
nesse caso, o caráter de extrafiscalidade do imposto, que não tem por fundamento a
arrecadação, mas o cumprimento do objetivo de adequado aproveitamento do solo urbano.
Nesse sentido, também se deve sustentar a vedação de cobrança do IPTU progressivo visando
à formação de receita pública, pois a autorização constitucional para penalizar o proprietário
atrela-se ao atendimento da função social da propriedade urbana, e não ao incremento das
receitas municipais.
A desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, de prévia
aprovação pelo Senado Federal, assume uma natureza eminentemente punitiva, a justificar o
apelido de “desapropriação-sanção”. Quando o proprietário de imóvel urbano, depois de
notificado para a realização do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; e depois
de transcorridos os cinco anos de cobrança de IPTU progressivo no tempo, continua sem dar à
propriedade a destinação fixada pelas normas urbanísticas, em desrespeito à função social da
propriedade e da cidade, terá lugar essa especial modalidade de desapropriação.
De salientar-se que o valor da indenização tem regras próprias, devendo refletir o
valor da base de cálculo do IPTU, descontadas eventuais quantias decorrentes de obras
efetuadas pelo poder público posteriormente à notificação para utilização, bem como
expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios. A diferença entre as parcelas
23

que compõem a indenização da desapropriação-sanção e das desapropriações em geral está no


princípio da isonomia (CF, art. 5º, caput), evitando que situações distintas recebam o mesmo
tratamento: o proprietário que não dá destinação urbana ao imóvel não se assemelha àquele
que tem a propriedade desapropriada por interesse ou utilidade pública, segundo as normas
correntes de direito administrativo. Incide o princípio de justiça distributiva, bem assim o ora
denominado subprincípio da justa distribuição dos ônus e benefícios da urbanização.
Por outro lado, considerando que o imóvel foi desapropriado exatamente por não
atender às funções urbanas, deverá ser este objeto de adequado aproveitamento, pelo poder
público ou por particular, por meio de alienação ou concessão, observada eventual exigência
do procedimento licitatório. Nesse caso, ficarão mantidas para o adquirente as mesmas
obrigações de parcelamento, edificação ou uso compulsórios, já anteriormente fixadas,
inclusive em relação aos prazos legais, pois, como mencionado, cuida-se de obrigações
propter rem.

2.2.1.2) Instrumentos promocionais de política urbana

De forma positiva, o Estatuto da Cidade viabilizou a utilização da propriedade


urbana por meio de mecanismos que tendem a efetivar-lhe a função social, sem que isso
signifique a perda de proveito econômico do bem. A função social da propriedade urbana,
mediante aplicação dessas medidas, é concretizada pelo proprietário, indivualmente, ou em
parcerias com o poder público. Para tanto, foram previstos: o direito de superfície (arts. 21 a
24); a outorga onerosa do direito de construir (art. 28) e a transferência do direito de construir
(art. 35), o consórcio imobiliário (art. 46); as operações urbanas consorciadas (arts. 32 a 34); e
o direito de preempção (arts. 25 a 27).
Forma de regulação da propriedade urbana, com vistas ao melhor aproveitamento do
solo, a concessão do direito de superfície “abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o
espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a
legislação urbanística”, na dicção do artigo 21, § 1º do Estatuto da Cidade. O direito de
superfície, portanto, descolar-se-ia do direito de propriedade para passar a ter valor
econômico próprio, embora ainda mantido na esfera do proprietário – valor esse, entretanto,
que só é concebido como forma de atendimento à função social da propriedade urbana. Trata-
se de direito real imobiliário, limitado e autônomo, como refere Cavalcanti, “de manter, ou de
24

fazer e manter construção ou plantação em solo alheio, conferindo ao titular (superficiário) a


propriedade resolúvel da construção ou plantação separada da propriedade do solo”30.
Na verdade, a natureza do direito de superfície, se autônomo ou integrante do direito
de propriedade, varia conforme estabelecido pelo ordenamento jurídico em que inserido. Na
Itália, por exemplo, o direito de superfície apresenta-se como uma concessão de edificação
que o poder público faz ao particular, donde o caráter autônomo em relação ao direito de
propriedade. Já em França, o direito de construir é ligado ao direito à propriedade do solo,
embora tenha o exercício limitado pelos índices decorrentes da relação entre superfície da
construção (cobertura superior) e a superfície do terreno sobre o qual está ou será edificada –
plafond légal de densité31.
No Brasil, a doutrina mais autorizada afirma que o direito de superfície, ainda que
permitida a transferência ou outorga onerosa, faz parte do direito de propriedade. Pereira
Lira32 não considera absurdo compreender que o direito de superfície, como manifestação do
direito subjetivo de propriedade, também poderia assumir a natureza de direito subjetivo. Em
termos mais rigorosos, contudo, afirma que o direito de superfície, como direito de construir,
estaria abarcado pelo direito de propriedade, apenas adstrito às limitações de ordem privada e
administrativa.
Reiterando o entendimento de que o direito de superfície integra o direito de
propriedade, pelo menos nos ordenamentos em que esta é protegida constitucionalmente,
como acontecia sob a égide da Constituição anterior e ainda hoje, já advertia Seabra Fagundes
que, muito embora a teoria da autonomia do direito de construir – e, portanto, também do
direito de superfície – possa simplificar a solução jurídica dos problemas urbanísticos
advindos do crescimento vertical das cidades, a tese, na verdade, contrariaria o direito
constitucional de propriedade. Argumentava que é na possibilidade de construir que se
encontra a essência econômica da propriedade urbana, motivo por que, “tornar o direito de
construir autônomo, e não apenas adstrito, no seu exercício, a exigências, ora mais ora menos
rigorosas, significa esvaziar o direito de propriedade em termos de valor patrimonial”. E
seguia: um “terreno situado em zona urbana, ao qual se não vincula o direito de sobre ele
edificar, carece de significação econômica, salvo raras exceções”. Acentuava o publicista que

30
No caso da propriedade urbana, o direito de superfície atrela-se mais propriamente às necessidades de
construção e edificação, do que de cultivo em terreno alheio. Marise Pessôa Cavalcanti, in Superfície
Compulsória, p. 14.
31
Cfe. José Tadeu Chiara, in “Propriedade Urbana e Direito de Construir no Direito Urbanístico
Comparado”, RT 536, p. 43/44.
32
In “A propriedade urbanística”, RF 300, p. 53.
25

a proteção constitucional ao direito de propriedade, mesmo que condicionado a uma função


social, intenta a resguardá-lo naquilo que de mais expressivo se reveste, ou seja, o aspecto
patrimonial. Assim, a vinculação da propriedade urbana ao interesse de todos não se há de
fazer pela autonomia do direito de construir, “senão pela rigorosa disciplina do exercício do
domínio, quando se haja de manifestar sobre a forma de edificação”, sem que se elimine, por
via oblíqua, o elemento vital à expressão econômica da propriedade33.
Pela sistemática do Estatuto da Cidade, o proprietário fica autorizado a conceder a
outrem o direito de superfície atinente ao terreno de que seja titular, por tempo determinado
ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis, de
forma gratuita ou onerosa. Salvo disposição em contrário, o superficiário arca com todos os
encargos e tributos sobre a propriedade superficiária e, proporcionalmente à área objeto de
concessão do direito de superfície, com os demais ônus que incidam sobre o terreno como um
todo.
O direito de superfície é passível de transferência a terceiros, observadas as normas
contratuais; assim como se transmite aos herdeiros do superficiário. No caso de alienação do
terreno, o superficiário tem direito de preferência à aquisição, tanto por tanto; o mesmo vale
para o proprietário, na alienação do direito de superfície. Extingue-se o direito de superfície
com o advento do termo contratual, pelo descumprimento das obrigações assumidas pelo
superficiário, ou, ainda, pelo implemento de uma condição resolutiva de desvio de
finalidade34, ou seja, se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para qual o
imóvel foi concedido. A extinção importa a recuperação da plenitude do domínio pelo
proprietário, inclusive de acessões e benfeitorias, sendo devida indenização apenas se as
partes a tiverem acertado. Assim como a concessão do direito, a extinção necessita de
averbação no registro de imóveis.
Muito próximo ao direito de superfície estão os debatidos institutos da outorga
onerosa do direito de construir, mais conhecido como “solo criado”, e a alteração de uso.
A outorga onerosa do direito de construir parte da premissa de que existem áreas na cidade,
assim definidas pelo Plano Diretor, em que a disponibilidade de equipamentos urbanos e a
fácil vialidade – isto é, a existência de um sistema viário adequado – permitem uma
densificação da área ocupada, justificando um coeficiente diferenciado de aproveitamento do
terreno. Coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno,
33
In “Aspectos jurídicos do solo criado”, RF 260, p. 2/3 – grifos originais.
34
Cfe. Marcia Coeli Simões Pires, in “Direito Urbanístico, meio ambiente e patrimônio cultural, RIL 151, p.
223.
26

estabelecido em níveis diversos pelo Plano Diretor, segundo os recursos urbanísticos


existentes e, por vezes, com finalidade de ordenamento do espaço urbano, como a busca de
incremento da habitação em certas regiões da cidade.
De acordo com Grau, a noção de solo criado tem origem na verificação da
possibilidade de construir-se sobre ou sob o solo natural e, assim, de se criar uma área
horizontal artificial, adicional em relação ao imóvel de origem, utilizável e não-apoiada
diretamente sobre o solo natural35. Como afirma Afonso da Silva, o solo criado não importa
na separação da faculdade de construir do direito de propriedade do terreno, mas, ao
contrário, reafirma a correlação que daí decorre, na medida em que transforma em direito
subjetivo a faculdade de construir até o limite do coeficiente único estabelecido pelo Plano
Diretor36.
O solo criado, todavia, pode render ensejo a formas de abuso, redundando num
comércio de coeficientes de aproveitamento, que ultrapasse a capacidade de controle do poder
público sobre a função social e urbana da cidade. A finalidade de maximização da infra-
estrutura disponível tem de ser preservada, mas não superada, pois o solo criado se destina ao
incremento das funções urbanas de certas áreas e não, ao revés, ao lucro individual de
incorporadores imobiliários.
Conforme estipula o Estatuto da Cidade, as áreas passíveis de outorga onerosa do
direito de construir, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário, devem ser
definidas no Plano Diretor. Ao Plano Diretor também cumpre estabelecer o coeficiente de
aproveitamento, que pode ser único para toda a zona urbana, ou diferenciado, então
comportando a coexistência de mais de um índice dentro da mesma zona. O Plano Diretor
ainda deve estipular os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de
aproveitamento, “considerando a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o
aumento de densidade esperado em cada área” (art. 28, § 3º).
Outrossim, o Plano Diretor pode determinar da alteração de uso do solo, mediante
contrapartida a cargo do beneficiário. Em lei específica, devem ser fixadas as condições para
exercício da outorga onerosa do direito de construir e da alteração do uso do solo, a saber: a
fórmula de cálculo da cobrança, os casos passíveis de isenção de pagamento da outorga e a
contrapartida do beneficiário. Os recursos daí provenientes revertem-se em proveito das
mesmas finalidades previstas para o direito de preempção – como a compensação aos gastos
que se terá na implementação de equipamentos urbanos, o incremento do sistema viário, etc..
35
Eros Roberto Grau apud José Afonso da Silva, in Direito Urbanístico Brasileiro, p. 233.
36
Op. cit., p. 236.
27

Ainda prevê o Estatuto da Cidade que lei municipal, também respaldada no Plano
Diretor, poderá autorizar o proprietário a proceder à transferência do direito de construir,
documentada em escritura pública. O proprietário de imóvel urbano, privado ou público –
nesta hipótese, mediante licitação – fica autorizado a exercer em outro local, ou a alienar o
direito de construir correspondente à propriedade considerada necessária, ou doada ao poder
público, para o atendimento dos fins previstos na lei, quais sejam: (a) implantação de
equipamentos urbanos e comunitários; (b) preservação, quando o imóvel for considerado de
interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural; (c) implementação de
programas de regularização fundiária, de urbanização de áreas ocupadas por população de
baixa renda e de habitação de interesse social.
A pedido do proprietário atingido pelas obrigações compulsórias de parcelamento,
edificação e utilização da propriedade urbana, o poder público municipal poderá facultar-lhe o
estabelecimento de consórcio imobiliário, como meio de viabilizar financeiramente o
aproveitamento do imóvel. Pelo consórcio imobiliário, o proprietário transfere o imóvel ao
poder público municipal, que depois de realizadas as obras, recebe o pagamento em unidades
imobiliárias urbanizadas e edificadas. Ressalve-se, no entanto, que o valor das unidades
imobiliárias dadas em pagamento terá pertinência com o valor do terreno antes de executadas
as obras, observadas as mesmas restrições existentes à indenização na “desapropriação-
sanção”, pelo idêntico fundamento de penalidade e preservação da isonomia em relação aos
proprietários que dão adequada destinação ao imóvel.
As operações urbanas consorciadas objetivam implementar políticas públicas
urbanas, numa espécie de interface entre poder público e particulares, em área assim
delimitada por lei específica, com base no Plano Diretor. Cuida-se “do conjunto de
intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos
proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de
alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização
ambiental”, na dicção do artigo 32, § 1º do Estatuto da Cidade.
Nesses grandes projetos, são admitidas alterações dos índices e características de
parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias,
considerado o impacto ambiental; e também a regularização de construções, reformas ou
ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente. Na lei específica que aprovar
a operação urbana consorciada ainda poderão ser leiloados, como meio de angariar fundos,
certificados de potencial adicional de construção, conversíveis em direito de construir na
28

mesma área – ou seja, passíveis de utilização como moeda de pagamento da área de


construção que supere os padrões estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo.
De salientar-se que tais normas limitativas são de ordem pública, pois visam ao
cumprimento da função social da propriedade e da cidade, além dos objetivos mais comuns às
normas urbanísticas – quais sejam, permitir o exercício adequado dos direitos à habitação, ao
trabalho, à recreação, à higiene, ao ambiente, à proteção do patrimônio cultural, entre tantos
outros. Assim, o monitoramento das operações urbanas consorciadas deve ser o mais
cuidadoso possível, sob pena de embargo das intervenções por ilegalidade ou
inconstitucionalidade. Tanto é assim que da lei específica que aprovar a operação urbana
devem constar o estudo prévio de impacto de vizinhança – instituto criado pela lei, e que não
se confunde com o estudo de impacto ambiental – e a forma de controle da operação, que
obrigatoriamente será compartilhado com a sociedade civil
Outro novo instrumento colocado à disposição do poder público municipal é o
direito de preempção, ou seja, a preferência para aquisição de imóvel urbano, até então
objeto de alienação onerosa entre particulares, situado em áreas determinadas por lei
municipal editada com base no Plano Diretor. Essa lei deve fixar não somente as áreas
sujeitas ao direito de preempção, mas o prazo de vigência de tal prerrogativa, não superior a
cinco anos, embora renovável após decorrido um ano de vigência do prazo inicial. Enquanto
pendente o prazo, o direito de preempção fica resguardado, não importando as alienações que
venha a sofrer o imóvel. As áreas sobre as quais pode-se dar o exercício da preempção devem
ter destinação identificada em lei municipal, conformada às funções listadas no artigo 26 do
Estatuto da Cidade. Esse diploma ainda disciplinou todo um procedimento para o exercício do
direito de preempção, em que o proprietário tem de notificar o poder público da intenção de
vender o imóvel, assim como a forma pela qual se dá a própria alienação. Os detalhes desse
procedimento, contudo, fogem ao escopo da abordagem a que se propôs este estudo.
De mencionar-se, por derradeiro, que as políticas de desenvolvimento urbano
insculpidas no Estatuto da Cidade ainda contam com o Estudo de Impacto de Vizinhança –
EIV, previsto nos artigos 36 a 38 da lei. Muito embora não constitua propriamente um
instrumento de indução de políticas urbanas, o EIV deve fazer parte dos projetos levados a
termo por meio dos outros instrumentos examinados, donde justificar-se a breve referência.
Como meio de adequação da propriedade urbana à função social, o EIV é exigível
dos empreendimentos e atividades privados e públicos assim definidos em lei municipal, sob
pena de indeferimento das licenças e autorizações de construção, ampliação e funcionamento
29

fornecidas pelo poder público local. O EIV tem por meta verificar os aspectos positivos e
negativos do empreendimento ou atividade planejados sobre a qualidade de vida da população
residente na área e nas proximidades, motivo por que deve ficar à disposição para consulta de
qualquer interessado, junto ao órgão municipal competente. O artigo 37 do Estatuto da Cidade
fixa o conteúdo mínimo da análise do EIV (adensamento populacional, equipamentos urbanos
e comunitários, uso e ocupação do solo, valorização imobiliária, geração de tráfego e
demanda por transporte público, ventilação e iluminação, paisagem urbana e patrimônio
natural e cultural) e esclarece que esse instrumento não exclui estudo de impacto ambiental,
porventura necessário.

2.2.2) Instrumentos de regularização fundiária.

O processo de regularização fundiária tem em mira trazer, para a cidade legalizada, a


cidade irregular e clandestina. Por intermédio de diferentes atos, o poder público busca a
legalização de situações de posse, normalmente em terrenos ocupados pela população de
baixa renda, dotados de poucos equipamentos urbanos e não raramente situados em áreas de
risco ambiental e urbano. Trata-se da “cidade irregular” ou da “cidade clandestina”, cuja
regularização jurídica e urbanística prima pela viabilização do acesso à moradia, mediante
reconhecimento da posse exercida até mesmo há longos anos. Como refere Alfonsin, trata-se
do “processo de intervenção pública , sob os aspectos jurídico, físico e social, que objetiva
legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em
desconformidade com a lei para fins de habitação, implicando melhorias no ambiente urbano
ou assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade de vida da população beneficiária”37.
Os instrumentos previstos pelo Estatuto da Cidade apresentam natureza
eminentemente jurídica, motivo pelo qual deverão ser aplicados no bojo de políticas públicas
mais amplas de intervenção no processo de urbanização, sob pena de significarem a
perpetuação de situações de precariedade38. Gize-se novamente que, em termos de eficácia

37
Betânia Alfonsin, in Instrumentos e experiências de Regularização Fundiária nas Cidades Brasileiras,
FASE-GTZ – IPPUR-UFRJ, p. 24, citada em Estatuto da Cidade, op. cit., p. 153.
38
Um exemplo de gerenciamento de demandas sociais bastante graves que cabe indicar consiste na remoção,
em Porto Alegre, da chamada vila “Cai-Cai”, que se localizava numa estreita faixa de terra entre o rio
Guaíba e uma movimentada avenida da cidade, com 700 metros de extensão por 30 metros de largura,
composta de 234 famílias e 904 pessoas. Consoante o relato feito por Zilá Mesquita, experiências anteriores
demonstraram que não bastava simplesmente a retirada da vila e a realocação das casas num local
considerado seguro pelos órgãos de fiscalização municipal. Questões como a fonte de renda e o emprego da
população envolvida; a preparação, ou não, para o trato de assuntos de higiene básica, pessoal e ambiental;
a escola das crianças; as desavenças e amizades com vizinhos, todos esses foram assuntos abordados ao
30

social das medidas de regularização fundiária, a integração dessas populações ao espaço


urbano, com escopo de melhoria na qualidade de vida e mesmo de resgate da cidadania,
depende não somente da legalização das ocupações, quanto de um acompanhamento
interdisciplinar, com assistência de profissionais de diferentes ramos, como saúde, da
assistência social, engenharia, entre tantos.
Soto enfatiza a dimensão econômica e suas implicações no processo da ilegalidade
urbana, procurando demonstrar o impacto significativo que os programas de regularização
podem exercer sobre a política econômica global, “capturando” para a economia formal o
crescimento da economia informal ou “extralegal”. As políticas públicas de reassentamento
urbano poderiam, desse modo, colaborar para a redução da pobreza social e global: “pequenos
comércios informais, casas e barracos precários são essencialmente capital econômico,
‘capital morto’”, como refere o autor, “que poderia ser reavivado por um sistema legal oficial
para que, então, as pessoas pudessem ter acesso a um crédito formal, investir em suas casas e
negócios, e desta forma, revigorar a economia urbana como um todo”39.
Os argumentos elencados pelo autor, numa análise econômica do problema,
impressionam e corroboram experiências já conhecidas de processos de regularização
fundiária. Segundo ele, as pessoas têm necessidade de se sentirem seguras quanto à condição
de possuidoras, para que, só então, comecem a investir no melhoramento da moradia ou do
pequeno negócio. Essa segurança da posse pode ocorrer pela legalização dos respectivos
títulos, permitindo, ademais dos aspectos psicológicos e sociais, o acesso ao crédito e o
conseqüente reinvestimento na moradia e no pequeno negócio.
No campo jurídico, e de certa forma na mesma direção, o Estatuto da Cidade
dilargou o âmbito de incidência do usucapião constitucional urbano, para permitir a aquisição
coletiva de áreas urbanas onde não seja possível a identificação individual da posse. Em
longo de quase dois anos de acompanhamento da remoção, em reuniões prévias e posteriores. Com a
integração de diferentes órgãos municipais, a transferência das pessoas pode ser considerada bem sucedida.
No novo local, além da moradia, tratou-se de prover nova forma de sustento, com a implantação de uma
usina de seleta de lixo, depois vendido para reciclagem; também se instalou uma escola, a pedido dos
moradores, para as crianças pudessem ter acesso à educação. E isso tudo sem se referir os projetos de
acompanhamento de profissionais da saúde e educação, quer permanentemente orientam os moradores
sobre as questões mais diversas.
O que se comprovou é que a utilização de métodos adequados, junto à implementação de uma política de
gerenciamento entre poder público e comunidade, por custoso que seja, apresenta os melhores resultados
práticos. A interface entre profissionais de diferentes áreas ainda há de ser apontada como outro fator que
contribuiu para o sucesso do projeto, que num objetivo mais amplo, buscou formas de reinserção da
comunidade da vila na “cidade formal”. “Ações integradas de gerenciamento: Experimentando uma
política de compromisso com a cidadania.”, in FACHIN, Roberto Costa e CHANLAT, Alain, org.
“Governo Municipal na América Latina: inovações e perplexidades” – Porto Alegre : Sulina/Editora da
Universidade/UFRGS, 1998, p. 199/215.
39
Hermano Soto, ibidem.
31

condições semelhantes, previu-se a concessão de uso especial de imóveis públicos para fins
de moradia, procurando-se funcionalizar a propriedade pública de imóveis urbanos à
efetivação do direito à moradia, bem como ao pequeno comércio. Num sentido prospectivo,
autorizou-se o estabelecimento de zonas especiais de interesse social, como forma de definir a
prioridade de uso de certas áreas – moradia, ou outra destinação social.
De modo mais preciso, pode-se dizer que o usucapião coletivo caracteriza-se como
o condomínio instituído a partir da posse de área urbana, por população de baixa renda, onde
não é possível a individualização dos terrenos ocupados por cada pessoa (Lei nº 10.257/2001,
art. 10). O usucapião será declarado por sentença judicial, em que fixada a fração ideal de
terreno atribuída a cada indivíduo, independentemente da dimensão do área até então
ocupada, salvo acordo entre os condôminos para estabelecer frações ideais diversas. Tal
sentença servirá de título para transcrição no registro de imóveis. O condomínio especial
constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável de pelo
menos dois terços dos condôminos, se executada urbanização posterior à constituição do
condomínio. A pendência de qualquer das ações de usucapião especial de imóvel urbano
determina o sobrestamento de todas outras ações, petitórias e possessórias, que venham a ser
ajuizadas relativamente ao mesmo bem.
Tanto o usucapião especial urbano, como o usucapião especial coletivo de imóvel
urbano têm por finalidade a garantia do direito à moradia, explicitado como direito
fundamental no caput do artigo 6º (Emenda Constitucional nº 26). Ademais, buscam a
proteção da família, assegurando-se o direito de propriedade a quem possuir, como sua, área
ou edificação urbana, utilizada para moradia própria ou da família. Trata-se de direito que
pode ser reconhecido ao homem ou à mulher, ou a ambos, não podendo beneficiar o mesmo
possuidor mais de uma vez e transmitindo-se ao herdeiro legítimo que residir no imóvel
quando da abertura da sucessão.
Semelhante ao usucapião urbano, o Estatuto da Cidade previa a concessão de
especial de uso de bem público para fins de moradia 40. Conquanto os dispositivos originais
tenham sido objeto de veto pelo Executivo, a superveniência da Medida Provisória nº 2.220,
de 05 de setembro de 2001, veio a regulamentar a matéria. Pela concessão não se reconhece o
direito de propriedade, dada a natureza pública do objeto do direito, transferindo-se ao

40
A concessão de uso especial para fins de moradia não deve ser confundida com a concessão de direito real
de uso de imóveis públicos, regulamentada pelo Decreto-lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967, cujos
requisitos e forma de incidência são distintos, ainda que possam igualmente atender à consecução do direito
à moradia.
32

particular apenas o direito de uso da área pública para fins de moradia. Só pode ser
implementado em imóveis públicos ocupados por população de baixa renda, não sendo
admitida a concessão, portanto, a pessoas de renda média ou alta. Pelo termo administrativo
ou a sentença judicial, se necessária, fica estabelecida a composse, dividindo-se as frações do
mesmo modo que no usucapião coletivo. Uma vez que há justiciabilidade – isto é, a
possibilidade de veicular-se judicialmente uma pretensão – pode-se afirmar a existência de
um direito subjetivo à concessão de uso de imóvel público para fins de moradia, nos termos
do artigo 6º da referida medida provisória. A concessão de uso pode ser transmitida, por ato
inter vivos ou causa mortis, e se extingue caso haja desvio de finalidade, qual seja, uso do
bem para fim diverso que a viabilização do direito de moradia à população de baixa renda.
Ponto a ser observado é a possibilidade de o poder público conceder o uso especial
para fins de moradia em área diversa daquela que esteja sendo ocupada. Isso acontece
necessariamente quando a ocupação de certa área pública oferecer risco à vida ou à saúde dos
ocupantes, donde não se conceder uso de áreas de risco. Já na hipótese de ocupação de imóvel
de uso comum do povo destinado a projeto de urbanização, de interesse da defesa nacional, de
preservação ambiental, de proteção de ecossistemas naturais, reservado à construção de
represas e obras congêneres ou situado em vias de comunicação, faculta-se ao poder público
assegurar o exercício do direito à concessão de uso em outro local (MP nº 2.220/2001, arts. 4º
e 5º). As áreas urbanas que ensejarão o reconhecimento da concessão em local diverso devem
ser previstas pelo Plano Diretor.
O mesmo diploma normativo ainda prevê a autorização de uso comercial de
imóveis públicos, beneficiando a população de baixa renda que ocupe área pública para
exercício de pequeno comércio – e não é incomum que o mesmo imóvel sirva à moradia e ao
comércio da comunidade. A autorização somente é permitida para atendimento da população
de baixa renda, sendo importante nos processos de urbanização e regularização fundiária.
Destinada a atender à função social de imóveis públicos, a autorização de uso comercial é
conferida de forma gratuita. À semelhança da concessão de uso especial para fins de moradia,
a autorização de uso comercial poderá ser outorgada em local diverso, sempre que presentes
condições de risco à vida ou à saúde, ou quando a área pública tenha alguma das destinações
previstas no artigo 5º, adrede referidas.
Último instrumento de regularização fundiária a ser examinado são as zonas
especiais de interesse social (Lei nº 10.257/2001, art. 4º, V, alínea “f”), aplicadas
primordialmente na criação e manutenção de habitações de interesse social. Essas zonas
33

especiais visam a incorporar os espaços urbanos da cidade clandestina – favelas,


assentamentos urbanos populares, loteamentos irregulares e habitações coletivas (cortiços) – à
cidade legal, daí exsurgindo o objetivo de regularização fundiária. Tais zonas normalmente se
dirigem, ou a terrenos públicos e privados já ocupados por favelas e assentamentos, em
relação aos quais haja interesse público de promoção da urbanização; ou a loteamentos
irregulares, quando haja interesse na regularização jurídica do parcelamento, na melhora dos
equipamentos urbanos ou na proteção ambiental; ou, ainda, a terrenos não edificados,
subutilizados ou não utilizados, necessários à implementação de programas habitacionais de
interesse social41.
Esses, enfim, os novos instrumentos do Estatuto da Cidade que buscam dar
efetivação à função social da propriedade urbana e à função social da cidade.

CONCLUSÕES

Ao longo deste estudo foram sendo apresentadas conclusões parciais, pertinentes a


cada um dos tópicos abordados, motivo por que não serão novamente reiteradas nesse
momento.
O que releva ponderar, a título de conclusão final, é que o Estatuto da Cidade
constitui hoje uma importante fonte normativa, cujo instrumental diversificado pretende dar
forma concreta à função social da propriedade urbana e à função social da cidade. Como
demonstrado no texto, insere-se ele entre as normas que concretizam os princípios e valores
fundantes da República, pois é na cidade onde a pessoa se relaciona e se desenvolve, é na
cidade onde atende a suas necessidades vitais mais prementes, é na cidade onde efetiva sua
dignidade.
As competências reconhecidas aos Municípios brasileiros, erigidos a atores
principais do processo de desenvolvimento urbano, têm no Plano Diretor e nas leis municipais
específicas a competência legislativa para pôr em execução a ampla gama de novos institutos
criados. É perante o poder público municipal que as políticas públicas devem ser cobradas, é
no Município que o homem realiza plenamente suas capacidades. Para tanto, a implementação
de cidades sustentáveis, a garantia do direito à moradia e a justa distribuição dos ônus
decorrentes da urbanização são balizas seguras, cuja concreção – espera-se – alcance solução

41
In Estatuto da Cidade, p. 90.
34

imediata para o problema da cidade irregular, clandestina e ilegal, trazendo-a para o âmbito da
legalidade e da igualdade social.
Lei há; que a esperança da implementação seja suplantada por uma realidade urbana
de maior justiça e valorização do homem.

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