Você está na página 1de 9
18. OADVENTO DO PENSAMENTO RACIONAL Na tradigdo cientifica e racionalista que é a nossa, consideramos que a ra- zio nasceu na Grécia hi 2500 anos. Alguns cheg: ram a pensar que o surgimento dessa razio mareou uma ruptura em todos os planos, uma ruptura total com o que antes, ou seja, para cles, o superstigao, mito, falta de légie exist racional. Nio importa como o batizamos: . Mas, grosso modo, este € 0 esquema, Essa terpretacaio implica o advento de uma atitude mental que teria, de forma absolu- tamente decisiva, instaurado um caminho de pen ico do Ocidente e ao qual a Durante muito tempo, para muitos pensadores gregos era isso. Para cles, havia aqueles que es Oriente Préximo, por exemplo, embora senvolvida e as pessoas de: todo caso, nessa perspectiva, nito teriam chegado a esse estégio que € inaugural para o destino do pensamento. Logo, antes dos gregos do século VI a.C. era dife- tente ¢ ao lado dos gregos era ainda mais diferente. E claro que devemos exari- mento totalmente nove. Um win e a filosofia esto ligada c historiadores, a volta aos am por fora, as caminho caracteri essem conhecido uma astronomia de- sas civilizagGes nao tivessem vivido na confusio. Em nar essa interpre iculdades em todos os sentidos! No século VI a.C., nas cidades jOnias, essencial mente em Mileto, vemos surgir uma linhagem de fildsofos. Sio eles; Tales, Anaximenes ¢ Anaximandro, que os prOprios gregos consideraram como os primeiros fildsofos. Teriam realmente inau- gurado um novo modo de reflexzio? Uma forma de racionalidade totalmente inédi- ta? E poderiamos dizer que antes deles nio existia racionalidade? Nao creio (0, pois ela cria Sempre houve ao mesmo tempo racionalidade e irracionalidade, e de forma ab- ENTRE MITO E POLFiIC: A solutamente solidaria. Os babildnios tiveram sua forma de racionalidade ¢ os chineses a sua. Por certo, a racionalidade grega, que permitir que se progrida em um plano determinado. Vai permitir, per exemplo, ’ 4jOnios iriam instituir, vai cigneia ocidental avangar em vias por onde os outros cons suiam passar. Em 9, como o demonstrou Joseph Needham, certos campos de estudos permanecem fechados, certas hipéteses prot ou o es compensag . Assim, tudo 0 que niio era. con- ado. permanente das coisas, tudo © que, 20 con- tririo, era da ordem do fluxo, do magnetismo, tudo isso foi rejeitado pelos gregos como sendo irracional. Enquanto isso, os chineses foram capazes, a0 se interes- sarem por esses fendmenos, de ir muito além em diversos setores, Beneficiando- se de outro tipo de racionalidade, puderam integrar esses fendmenos a um modo de pensamento ravional. Assim, a questo € muito mak sideragiio sobre a ma: complexa do que se po- deria crer. Levando em conta es tas primeiras nuangas, o que acontece nas cidades gre~ gas do Oriente por volta do século Via. ©.? E, em primeiro lugar, qual 6 o eontex- to da civilizagio de que vai emergir um modo de pensamento novo? Trata-se de uma civilizagio oral, em qu a poesia, que € um canto dangado € ritmado, ocupa 0 primeiro plano da cena intelectual. Eneontramos @ epopéia, a po poesia de forma ao mesmo tempo épica ¢ sapiencial como em Hesfodo. Naquele momento, os poets eram cantores ¢ tudo era transmitido oralmente. Primeira mu~ danga notével: 9 surgimento da prosa. Ou scja, de textos que estiio em prosa. Nao nos modos de pensamento e na instauracio wionalidade se no levarmos em conta o fato de que a expressiio paética & di- ia lirica e uma podemos fazer a andlise das mudangas dare ferente da expressilo prosaica, Este é 0 primeiro ponto importante. O segundo ponto, igualmente importante, esta ligada a este aspecto prosaico: trata-se da passagem do canto oral aos textos escritos, Trata-se de uma mudanga fundamental, pois a es- rita instaura a0 mesmo tempo um nove modo de discursa, de 1égica do dis cum nove modo de comunicagio entre o autor ¢ seu pibl mais distante e critica. Lembremos todos os ataques de Plato, no inicio do s TV a.C., contra o antigo sistema de paide‘a, fundado na USO, co. Euma forma muito sulo poesia oral, Se ele 0 rejei- ta, para opor-lhe o dislogo filoséfico, & porque aquele sistema oral repousa em uma espécie de movimento de simpatia que faz com que 0 ouvinte seja tomado, e como que enfeitigado, pela emogio que os versos comunicam. Enquanto um texto esc to 6 um texto sobre o qual podemos voltar ¢ que, de certa forma, provoca uma re- flexao critica. Por fim, ha um tereeiro aspecto, ligado aos dois anteriores. Naquel: 6poea, p: amos de uma forma que € narrativa para uma forma de texto em que se sar as aparéneias que o mundo apresen- de quer dar conta da ordem das coisas, expres ta. Por exempla, o fato de que existao dia € a noite, de que cxistam estagé 210 OADVENTO BO PENSAMENTO RACIONAL que existam fendmenos atmosféricos curiosos, como as raios. De que existe, en- fim, uma espécie de movimento ciclico no universo, que faz com que as coisas se repitam enquanto os homens passam ¢ morrem. Outrora, explicavs -se isto na for- ma de uma narrativa que encenava, de forma muito dramética, personagens que eram divindades. Esta forma de conceber as col \s nde era contudo “irracional”. Era uma forma de explicar coisas relacionadas, mais uma yez, a uma forma determinada de civi- lizagio, a um tipo de poesia oral € a um tipo de narragio particulares ¢, claro, a um tipo de crenca religiosa. Neste sistema, as idéias de poder e de poténcia eram: fundament Tratava-se de elaborar uma narrativa que mostrasse que, em um. mundo onde poténcias, poderes, forcas se opdem ¢ lutam, em um dado momento um soberano mais poderoso do que os outros vai impor sua lei. A partir desta imposigio, a ordem do mundo se torna constante, Podemos chamar este tipo de racionalidade de racionalidade do drdiros para falar grego, ou da dynamis, ou seja, do poder real. Assim, deste ponto de vista, ao cabo de toda uma série de gera- g0es divinas € de lutas pela soberania, em um dado momento Zeus, 0 mais pocle- roso dos deuses, se instala. F, a0 contriirio dos outro: cur poder néio envelhece. niio enfraquece. Nao sera derrubado-¢ a ordem que institui € uma ordem de dis. tribuigtio de honrarias. Zeus vai distribuir os poderes sobre 0 ma .. Haverd o deus que reina - aquele que reina sobre 0 mundo subterranco, aqueles que reinam no céu, enfim aqueles que reinam na superficie do solo. Todos permanecerao em sua esfera. F isto que podemos ler na Teogonia de Hesiodo, por exemplo. ‘Logo, segundo esta vistio das coisas, no inicio era 0 caos, a desordem, ¢ deste ‘eaos se destaca um poder soberano que institui a ordem. Assim, neste tipo de ra- cionalidade, o ponte de referéncia & saber quem é 0 mestre do mundo e por que ‘seu reinado nio desapareceri. Esta concepeao do mundo s6 se torna irracional a partir do momento em que safmos dela, em que comegamos a pensar de uma forma diferente. Enquanto estamos dentro do sistema, esta concepcio € racional, eu diria 46 que € extremamente sofisticada. Se acreditarmas que existem deuses sober: ‘nos, as boas respostas as perguntas que os homens podem colocar sero faceis de. se encontrar... Em seguida, as coisas vio mudar muito profundamente. Repito, os textos: nio so mais narrativas, mas exposigSes que adotam uma forma que se quer ex- plicativa, de um modo contudo muito diferente ticle da poesia, Assim, em ver de situar na origem a desordem pura ¢ fazer nascer desta desordem um soberano (que: vai impor a ordem, procura-se qua ‘so 0s principios, ou 0 Prinefpio que esta na base de tudo. E este principio, seja ele qual for, a égua para alguns, 0 fogo ath EWTRE MITO E POLITICA para outros ou ainda 0 cpeiron, o ilimitado, vai conter os meios de explicacdo de tudo 0 que aconteceré depois, Ba idéia do arkié, com 0 jogo conceitual que faz com que o arkh dois sentidos. A palavra designa ae mesmo tempo o poder fenha a supremacia, mas também o prinefpio, a fundamento. A partir desse momento, os gregos Fo principio. O que significa que, por tras da io bu: aparéncias, para explicé-las, nao se procura mais um principe que veio estabilizé-las e fixé-las. O que se procura é © prinespio que as funda, Por fim, es némos. Este némos é uma regra. O principio nao é uma fora maior do que as outras e que impée seu regime de distribuigz0, como o fazia Zeus. O principio € uma lei de equilibrio entre elementos. Temos assim, a partir d a arkhé tomard a forma da | com os filésofos mile- sianos, um modo de pensamento que vai procurar encontrar, sob o jogo das apa- réneias e sob 0 brilho de todas as coisas sensiveis, elementos estiivei Lementos permanentes primordiais que eontéma lei de equilibrio do universo. Mesmo quan- do este universo passa por fuses. Em tltimo caso, serd a | que haja primeiro o fo: do ciclo, que faz com o, depois a dgua ete Para elaborar esta concepgiio do mundo, os gregos foram obrigado: dar seu vocabuldrio. Precisaram usar, no mais os nomes das divindades tra que eram vistas como poténcias, como também o nome de qualidades qui 6 frio. Os gregos vio utilizar certos elementos que pertencem ao mundo da natu- reza.e cujo pertencimento a este mundo é ressaltado pelo fato segundo o qual para dizer agua, por exemplo, nao se diz Posfdon, e sim hydor, 0 proprio nome que designa o elemento. Assim surgem categorias conceitua sensivei se tornaram abstratas ¢ substantivadas com 0 uso do artigo: o quente, is que serio generaliza- io Seu stas genealdgicas encabegadas por um poder das a partir do que so fisicamente. A partir dai, os gregos reorganiza tema para chegar o mais a supremo, mas a uma rede de principios, ou as vezes a um Gnico principio domi- nante. Depois, os pensadores do ulo Via-C. procurario demonsirar como és- ses principios se combinam segundo uma ordem: a ordem constante da natureza, Finalmente, neste ponto de partida, vemos surgir a id¢ia de que é a lei que gover nao mundo e néio Zeus. Logo, a ordem & a primeira relagio com o poder Neste momento instaura-se também o que poderfamos chamar de uma neva l6giea do questionamento. Esta 16 mente ica é diferente da anterior porque, contraria— narrativas dos mitos cosmog Onicos, os textos ambicionam, doravante, responder ao que os gr Estes problémata s “Por que, 2s vezes, hi ec », “Por que, 2s vezes, hd arco-ftis?” Logo, existem perguntas ¢ 0 esforgo visa s. Os gregos vao pensar em dois nfveis: no da phiysis, da natureza e gos chamam de problémata. .0 perfeitamente formulado: an 0 ADVENTO DO PENSAMENTO RACIONAL. dos “fendmenos” que nela residem — 0 phaindmenon € o que aparece ~, ¢ no ni- vel do que esta “por baixo” dos fendmenos. Este “por baixo” € da ordem dos fenémenos, mas goza de uma estabilidade que os fendmenos aio possuem. O movimento de pesquisa & duplo: 0: .0$ permanecem no nivel dos fendmenos que ainda € a da natureza, da phyfsis. A racionalidade af 0 universo visivel em um espago que & sagrado € em um tempo que nao € o dos homens, o dos deuses. Nao, a partir de entio serd preciso, para os gregos, encontrar explicagdes que se inserem no tempo tal como os homens 0 vive, fisicos, uma consisténci s fundar a pa nilo vai m: Segundo o mesmo ponto de vista, os gregos tambe procurardo sistemas ex- se encontram debaixo de ni Por exemplo, um crivo ou um pistio com o qual se aspira dgua. Seus esquemas expli- cativos visam perceber 0 que ni se vé, 0 que dorme debaixo das aparéncias. Mas 0 que nio se vé, para eles, nfio é de uma ordem radicalmente diferente da ordem das apargneias. A partir do século Via. C., assim, os gregos utilizardio os mesmos elementos de antes. Simplesmente, por tris, gragas a um vocabuliirio mais abstra- to, gragas a esquemas explicativos escolhidos, eles propordio prinefpios de ordem Plicativos utilizando fendmenos que ss08 narize: subjacente completamente inéditos. E neste sentido que ha inovacde na racionali- dade. A partir dat lade, um questionamento intelectual que, ao se embrenhar em eaminhos inéditos, conduziria mais tarde ao que chama- vai impor-st uma curios mos de ciéne E jicos. ‘Tr pesquisa médica, da pesquisa astrondmica, quanto das teorias fi episédio milesiano de partida, em seu proprio desenvolvimento, suscitou ou encontrou outras seqiiéncias que, globalmente, sio as seguintes. A partir do momento em que se faz um discurso em prosa que pretende ser uma exposi¢o expl © 0 problema do rigor demonstrative interno da exposigio. Em outros termos, a narragio mitica se desenrola sem se preocupar com sua pré- La curiosidade tratari do Conjunto dos fendmenas fis ‘ativa, coloca: pria coeréncia;, a prosa explicativa, ao contrario, Suscita-se a critica, as objegdes, a eontrovérsia. Assim intervém esponta- neamente a quest Seria preciso também le um escrito que deve prestar contas. ) da coeréncia © da ndo-contradigao do discurso. ar em conta a linhagem dos matemiticos, dos pi- tagoricos, dos cleatas. Resta que 0 ponto de partida, 0 movimento que foi opera- uC, y Depois dos pré-socriticos chega, j sta, & preci do no século VI i conduzir, ¢ muito ripido, para os grandes sistemas culo LV a. C., Plat o lembrar que os gregos definiram uma atividade intelee~ filos6ficos no . De nosso ponto de ¥i (ual que visa a0 mesmo tempo explicar fendmenos e instaurar um discurso que obedega a sua propria I6gica em seu desenvolvimento. Eles definiram assim uma ENTRE MITO E POLITICA I regras de funcionamento do discurso, do ldg. Devemos esclarecer contudo que a divisiio entre 0 mito (aithos) ¢ @ Idgos sera diffcil. Em todo caso, a partir da desenvolvem. Culmit igica da identidade, pois no mesmo momento sua reflexdio dirigiu-se para as ucla époea, todas estas curiosidades se Jo. com Arist6teles que falar sobre tudo. Sobre os seres e sobre muitas outras coisas. im, 08 gregos, de um lado, desenvolveram a idéia de historéa, ou seja, ssquisa — ela contribuird com grandes coletineas de observagbes —, ¢, de 0 tro, a idéia de ndo-contradigtio, de coeréncia do discurso, de l6gica; Iembremos do grande tratado de légiea de Aristételes, © Organon, ‘Tudo isto permite que desemboquem em um tipo de racionalidade que ado- ta uma forma bastante nitida € que deu os resultados mais validos. Por fim, que precisamos lembrat do que os gregos produziram na época é um ideal. Um ideal que preciso seguir, uma espécie de campo que se traga, sabendo que, a cada ez, o ideal resiste. ‘oreoso observar que entre as formas de racionalidade ¢ as mudangas que se produziram no plano da vida soci 2, existem correspondén- cias, Nao estou dizendo que uma determina a outra. Mas observo em primeiro lugar que ambas caminham juntas, Nio € por acaso que a cidade, em seus aspec- tos demoeriticos, tal como aparece no século Via. C., em particular com Sélon, € contemporanea do desenvolvimento deste tipo de racion queles que os gregos chamavam de sophos, os sibios. Sua s I ¢ da vida pol lade. Pensemos na- bedoria consiste jus- am 0 corpo social, a comunidade humana de uma mente fos tesmos termos no mesmo registro segundo os quais os tamente no fato de que pens cidade, exata JGsofos jOnios pensaram o universo, ou seja, © cosmos. Alids, é 0 mesmo ter- mo. O cosmos & organizado com elementos maltiplos que obedeceriio a uma lei comum. Neste ponto, a coisa essencial € qui 0 poder, 0 krdtos, nio seja tomado por um dos elementos que compdem a cidade, por uma das personalidades da cidade. Para que exista cidade, justamente preciso que o krdros seja depositado no centro do espaco civico. O termo grego que designa este aspecto isono- ania. FE previso que este equilfbrio seja perpetuamente mantido. Naquele momento, as coisas atu social. O que nao significa absolutamente que 0 desenvolvimento da ciéncia ¢ os ram em um plano intelectual e em um plano aspectos intelectuais deste desenvolvimento foram determinados pela politica ow pela economia. Assim, do seu modo, o legislador Sélon participava da elabora- jo de uma nova racionalidade quando declarava: “Mantive-me como um marco [..] quis que a lei fosse respeitada [...J. Ofereceram-me a dade deve ter esta forma isonOmica”. ania, reeusei-a [...} Dud Solon estabelece as mesmas categorias © |, que 0 filésofo estabelec mesmas representagdes, no plano soci: no plano do pensamento sobre o universo. As- a que é determinada pelo social ou pelo econdmico, € toda em todos os niveis, basta lembrar de Tales sim, ndo € a inteligén: a vida soci pol :, que participou da vida a e que resolveu escrever um livro sobre a natureza, ou de Sélor eajado na vida politica. Em ambos os casos, seu universo intelectual 6 moldado por to- dos os aspectos de sua atividade, e estes pectos {¢m uma relativa coeréncia, Podemos afirmar entio que a razio, que a emergéncia da racionalidade no iso entender bem que os que expulsa a supersti io. Para eles, este mundo esti cheio de deuses, eles 0 declaram. De uma certa forma, estes prinefpios novos dos quais falamos ainda tém algo de divino. A velha concepeao de um mundo divino estava sente naquela época, & sempre pre- mos entender aquele momento se nio désse- mos a estes deuses s . Da mesma forma, se observarmos 0 desenvolvimento da matemitica, ele esti absolutamente ligado, entre os pitagé- ricos, com as idéias de que certos némeros so perfeitos e que tem um valor sa- grado, concepgao que hoje para nés € estranha. Resta que o passo 4 frente dado naquele momento & po: :m por causa desta “mistica”. Por exemplo, quando Tales afirma que a 4gua € 0 elemento primordial, entende sivel tambi muito bem ua & 0 que alimenta ‘0 que cle quer dizer. A dgua pode adotar todas as formas a vitalidade e, no préprio homem, é o elemento imido que es a geragdo. Assim, como a morte ¢ a velhici Mas ele relacionado com amento. ‘ie de resse io uma espe 9 poderia prosseguir em seu projeto — que € a instauragzo de uma nova racionalidade = se, quando diz 4gua, no guardasse a0 mesmo tempo em mente toda esta carga que podemos chamar de sagrada. A gua, para ele, apenas 0 que verto ou 0 que bebo. E alge que contém, aldm disso, determinados efeitos © poderes. Se os gregos conhecem a raziio, conhecem taml bilidade para s poderiam viver juntas, j4 que ambas participam da inteligéncia para os gregos? Po- a métis, a astiicia, a ha- comportar, Como estas duas estratégias, a racionalidade a métis, demos observé-lo a partir do exemplo da métis que € a0 mesmo tempo asticia, in- teligéncia manhosa, esperteza, logro; 0 desenvolvimento dat permite avancar em determinados planos, também poss sultado desta busca de uma ravionalidade fundada na coeréncia interna, no rigor demonstrativo, em que a argumentagaio deve utilizar conceites univocos, preci em sum, este desenvolvimento tem como conseqiéncia que todo um inteligéncia grega é rejeitado, A intelig’ ionalidade, que i sua contrapartida. O re- specto da aa servigo nao s6 das 2s ENTRE MITO E POLITICA na , como também da politica, do faro comercial, da vida cotidiana, da gGo. Esta inteligéncia manhosa que desempenhava um papel fundamental € re- chagada, € excluida desta nova racionalidade, pois repous toda avega- afinal, no fato de que empre so ambiguas, polimorfas, fugidias. Assim, tudo o que nao vem de uma lei e de uma ordem permanentes é rechagado. Com muita forga por Plato, por exemplo. Aristételes, por sua vez, deixa-lhe um lugar. Ble diz que, nas questes humanas, em que tantas coisas nos escapam € que nio sao compardveis 2 -as coisa: a, uma virtude € necessdria: € a avaliagio correta das circuns- incias bem entendidas e da medida, e Ihe di, com o nome de prudénei na moral, niio Assim, como a todas que chamarei de pensamento téenico, de inteligéncia técnica, tudo 0 que € da or- habilidades que constituem o dem do operatério © que tem sua prépria légica. Percebo hoje, alids, uma vitalidade elara tanto do pensamento racional quan- to do pensamento irracional. Esta segunda alidade, a do irracional, néio me inco- mod: na medida em que creio que sempre existe de um lado a raziio e de outro a io”. O que chamamos de racionalidade sfio igualmente estas atitudes intelec- tuais que © desenvolvimento da pesquisa cientifica nos diversos campos trouxe ¢ que conforta, Devemos perceber que esta racionalidade tem aspectos institucionais. Existem sociedad plina, 0 campo da pesquisa ja estd constituido c o horizonte da pesqui proce dos pesquisado: ‘irra cientificas, jornais cientificos, metas em qué, para cada disei- uma hist6ria que the € propria; a estd delimitado ¢ balizado. Neste quadro, 0 controle reci- constante e cada s ntista que trabalha neste terreno opera em um espaco de racionalidade cujos coneeitos, métodes, pri tio definidos. Entretanto, dentro des ncipios diretores 1e mesmo quadro, existem divergéncias de orien- ss disputas 4 interpretagio da relatividade geral. Estas apostas r tagiio e disputas. Nao apen: sobre as tcoriasclentificas como, por exemplo, istem também as apostas de racionalidad por exemplo frente ae que chamamos de de- terminismo, de indeterminismo. Assim, dentro dos campos de racionalidade cons- pousam em escolha ram —tensdes. A racionalidade nao est dada antes da ciéncia para conduzir ¢ fixar seu movimento de fora. Ela é imanente ao movi- mento das diversas discplinas cienificas; ela se fabrea dentro por vas, no contato com seus “reais” € nas resisténcias destes rea Quanto a irracionalidade, € outro problema, Uma vez que sua sociais e psicolégicas, as formas que adota, os setores em que se manifesta e que investe, mesmo nos casos em que purecem aproximar-se da c tituidos, existem—e sempre exis iniciati- ss Fafzes SIO cia, como a ase trologia ou a comunicagio de pensamento, so profundamente estranhos aos de- bates da pesquisa que se faz ¢ a suas apostas do ponto de vista da racionalidade Constatagio reconfortante na medida em que implica que entre racionali- 216 O-ADVENTO DO PE SAMENTO RACIONAL dade ¢ irracionalidade a fronteira niio é » fluuante quanto alguns gostariam que se acreditasse, mas € também desabusada porque nos inclina a pens tensio da pesquisa em todos os campos Ir que a ex- os progressos da ciéneia, por mais espe- taculares que scjam, sitio impotentes para suprimir, em uma civilizagdo, as irrupga © até as penetragdes avassaladoras do irracional-

Você também pode gostar