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ARRITMIAS CARDÍACAS EM ATLETAS

MOREIRA DAR
e cols. DALMO ANTONIO RIBEIRO MOREIRA, RICARDO GARBE HABIB,
Arritmias cardíacas
em atletas LUIZ ROBERTO DE MORAES, NABIL GHORAYEB, CARLOS ANÍBAL SIERRA REYES,
JÚLIO CESAR GIZZI

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Rua Sampaio Viana, 75 – sala 106 – Paraíso –


CEP 04004-000 – São Paulo – SP

As arritmias cardíacas não são mais comuns em atletas em comparação à popu-


lação geral, mas trazem algum grau de preocupação quando presentes. A maioria
das arritmias em atletas é assintomática e geralmente não está associada a cardio-
patia. Em outros casos, as arritmias podem ser sintomáticas e estar associadas a
algum tipo de cardiopatia, e nem sempre são consideradas benignas. Bradicardia
sinusal, bloqueio atrioventricular de 1º grau e de 2º grau Mobitz tipo I são relativa-
mente comuns e secundários ao predomínio da atividade parassimpática sobre os
nódulos sinusal e atrioventricular, além de representarem um tipo de remodelamento
dessas estruturas em resposta ao treinamento freqüente e constante. Graus mais
avançados de bloqueio atrioventricular merecem atenção, pois podem evoluir com
hipofluxo cerebral e ser causa de síncope. O tratamento com marcapasso definitivo
deve ser considerado nesses casos. Atletas com taquicardia supraventricular podem
ser curados com ablação do circuito arritmogênico com radiofreqüência e, assim, ser
liberados para a prática de esportes competitivos. Entretanto, a taquicardia ventricu-
lar não-sustentada ou a sustentada, monomórfica ou polimórfica, merecem atenção
especial, pois geralmente estão associadas a alguma cardiopatia, como cardiomio-
patia hipertrófica, displasia arritmogênica do ventrículo direito, miocardites, e cardio-
miopatia dilatada. Não raramente evoluem com sintomas de baixo débito cardíaco e
até síncopes durante as atividades. Nesses casos, deverá ser realizada avaliação
clínica pormenorizada do atleta, não só para sua qualificação para o esporte mas
também com o objetivo de preservar sua vida. A taquicardia ventricular de corações
normais pode ser curada pela ablação com radiofreqüência com bom prognóstico
para o atleta, que pode até ser liberado para a prática de esportes competitivos,
quando confirmado o sucesso terapêutico. As taquicardias ventriculares secundárias
a anomalias genéticas acarretam prognóstico sombrio para o atleta, indicando sua
retirada definitiva da prática de esportes competitivos.

Palavras-chave: arritmias cardíacas, atletas, esporte, morte súbita cardíaca.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:204-19)


RSCESP (72594)-1530

INTRODUÇÃO do adversário. O atleta, para nós não-atletas, é o sím-


bolo máximo do bem-estar e da disposição física. Por
O atleta deve ser sinônimo de saúde perfeita ou qua- trás da figura de um atleta estão depositadas paixões,
se perfeita. O atleta é a pessoa que disputa jogos e luta esperanças, desejo ardente de vencer e até mesmo in-
para vencer, impondo sua melhor forma técnica diante teresses financeiros, pois o esporte profissional movi-

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menta uma soma incalcu- atleta para prática do esporte sob diferentes pontos de
lável na atualidade. Por vista, desde a presença de cardiopatias congênitas ou
essas e outras, a “queda” adquiridas até a presença de arritmias cardíacas(1). O
MOREIRA DAR de um atleta frustra o mais objetivo deste artigo não será o de discutir o diagnósti-
e cols. esperançoso dos especta- co pormenorizado das arritmias, que também não se
Arritmias cardíacas dores. preocupou com a forma de tratá-las. Sempre que pos-
em atletas
Várias são as enfermi- sível deu-se ênfase ao risco pertinente a cada distúrbio
dades que podem acome- do ritmo relacionado à prática do esporte, a qual o tipo
ter atletas, mas a maioria de tratamento mais adequado para se poder liberar o
delas afeta sua participa- atleta para o esporte, e à maneira como o cardiologista
ção apenas transitoria- deve se comportar diante de um atleta com arritmia
mente, tal como acontece cardíaca.
com as lesões ósseas ou musculares. Mais dramáticas
são as doenças que tiram o atleta definitivamente do O ATLETA COM BRADIARRITMIA
convívio, tal como ocorre com a morte súbita; nesse
caso, as doenças cardiovasculares seriam a causa prin- A bradicardia sinusal é um evento comum em atle-
cipal. Doenças cardíacas em atletas são pouco freqüen- tas e está relacionada, provavelmente, à intensidade
tes, menos freqüentes ainda são aquelas que se mani- de treinamento a qual os indivíduos estão submetidos.
festam com sintomas. Por essa razão, a avaliação clíni- As causas dessa bradicardia podem ser desde a redu-
ca minuciosa, envolvendo exames complementares so- ção da freqüência cardíaca intrínseca causada pelo trei-
fisticados, é necessária para a garantia de que o de- namento até o aumento do tônus parassimpático(2). Atle-
sempenho de um desportista seja realizado sem o me- tas podem apresentar freqüências cardíacas de 40 a
nor risco de ser interrompido precocemente. 45 batimentos por minuto durante o sono, que se ele-
Dentre os tópicos de maior interesse na cardiologia vam gradualmente quando a atividade parassimpática
esportiva na atualidade está o das arritmias cardíacas. é removida com o despertar ou com o esforço físico(3).
De prevalência variável e provavelmente não superior Além do tônus vagal predominante em atletas, estudos
em comparação ao indivíduo não-atleta de mesma ida- recentes, que utilizaram bloqueio autonômico, demons-
de, as arritmias cardíacas revestem-se de uma impor- traram que indivíduos treinados apresentam freqüên-
tância extraordinária, já que podem ser sinalizadores cia cardíaca intrínseca mais baixa e comportamento do
de cardiopatia ou de risco maior de complicações car- automatismo sinusal e da condução atrioventricular
díacas durante a prática do esporte. Em decorrência durante a estimulação atrial programada e progressiva-
das alterações autonômicas causadas pelo treinamen- mente rápida, de maneira similar aos indivíduos não-
to regular, associadas a modificações estruturais do treinados(4). Esses achados sugerem que o treinamen-
coração, o esporte aumenta a chance do surgimento to regular causa remodelamento da função sinusal e da
de arritmias cardíacas no atleta durante a competição. condução atrioventricular como forma de adaptação car-
Naqueles com coração normal, a repercussão é míni- díaca ao treinamento constante, e não simplesmente
ma; entretanto, naqueles com cardiopatias aparentes aumento do tônus vagal isoladamente.
ou silenciosas, a descarga adrenérgica de uma compe- A bradicardia sinusal torna-se importante do ponto
tição pode mudar o quadro clínico e o indivíduo sofrer de vista clínico, não pela freqüência cardíaca observa-
as conseqüências dessa mudança fisiológica e pagar da ao repouso, mas quando esta não acompanha o grau
com a vida. Mesmo em esportes que não envolvam de esforço realizado pelo atleta, sendo, portanto, des-
muito esforço físico, apenas o estresse de participar de proporcional à atividade realizada, fato conhecido como
uma competição provoca grandes alterações autonô- incompetência cronotrópica, mais comum em atletas
micas, que podem influenciar tanto o desempenho do com idade acima de 35 anos. Os sintomas podem ocor-
atleta como o sistema cardiovascular. Essa observação rer durante a realização do esforço, o que pode indicar
reforça a hipótese de que não apenas o tipo de esforço que a freqüência cardíaca não se eleva de acordo com
empreendido num exercício mas também a carga emo- as necessidades, ou, então, após terminado o esforço,
cional associada parecem fundamentais no desenca- período no qual a atividade vagal intensa pode estar
deamento de arritmias cardíacas. presente.
Neste artigo serão discutidos os aspectos clínicos e Conduta para o atleta com bradicardia sinusal(1):
terapêuticos das arritmias cardíacas em atletas. Essa 1. Se a bradicardia for detectada em exame de rotina,
discussão é oportuna tendo em vista os fatos recentes se não for acompanhada de sintomas, e se não houver
publicados na imprensa em geral a respeito da morte sinais de cardiopatia estrutural associada, trata-se de
de atletas em campo, e coincide com a publicação de uma condição clínica benigna e não requer maiores
um consenso norte-americano sobre eligibilidade do cuidados.

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2. Quando a bradicardia graus maiores de bloqueio. Em alguns casos, o estudo
sinusal se acompanha de eletrofisiológico é necessário para se localizar a região
sintomas como tonturas, em que está ocorrendo o retardo da condução.
MOREIRA DAR cansaço fácil, incapacida- O bloqueio atrioventricular do 2º grau Mobitz tipo I
e cols. de de realizar esforço, pré- ou Wenckebach está relacionado ao efeito da atividade
Arritmias cardíacas síncopes e até mesmo sín- vagal sobre o nódulo atrioventricular, tal como ocorre
em atletas
copes, o atleta deve ser nos casos de bradicardia sinusal(5, 6). Também nessa
afastado da atividade físi- condição, com a retirada da atividade vagal, o grau de
ca e reavaliado quanto a bloqueio diminui e isso pode ser observado pelo desa-
seu real quadro clínico. O parecimento do mesmo com o despertar ou quando se
Holter de 24 horas pode eleva a atividade simpática pelo esforço físico. De ma-
fornecer informações im- neira geral, esse tipo de bloqueio manifesta-se com
portantes quanto ao comportamento da freqüência car- complexos QRS estreitos, indicando não haver compro-
díaca nos diferentes períodos do dia e revelar também metimento do restante do sistema de condução cardía-
a presença de pausas (mais significativas quando apre- co.
sentam duração maior que três segundos). Permite tam- Bloqueio atrioventricular do 2º grau Mobitz tipo II ou
bém correlacionar os distúrbios de ritmo com os sinto- bloqueio atrioventricular de grau avançado são raros em
mas, quando presentes. O teste ergométrico avalia o atletas e são manifestação de doença difusa do siste-
comportamento da freqüência cardíaca durante o es- ma de condução, particularmente quando se acompa-
forço controlado e progressivamente mais intenso, po- nham de complexos QRS alargados. Quando os com-
dendo, dessa maneira, tentar reproduzir os sintomas plexos QRS são estreitos e a relação atrioventricular é
quando a carga de esforço for similar àquela praticada do tipo 2:1 por longos períodos, fica a dúvida da locali-
durante o evento esportivo. Em algumas condições, zação do bloqueio, se nodal ou no feixe de His. Se for
quando os sintomas são esporádicos, a realização de observada, ao Holter de 24 horas, presença de bloqueio
gravações intermitentes pelo sistema Looper pode aju- do tipo Wenckebach é muito provável que o retardo es-
dar na correlacão clínico-eletrocardiográfica. O estudo teja localizado no nódulo atrioventricular. Quando a dú-
eletrofisiológico raramente está indicado na avaliação vida ainda persiste, em se tratando de atleta, o estudo
de eventual disfunção sinusal. eletrofisiológico está indicado para se definir sua locali-
3. O atleta deve inicialmente ser afastado da atividade zação e conduta.
física por dois a três meses e ser reavaliado após esse O bloqueio atrioventricular total pode ter duas ori-
período. É possível que, com o descondicionamento, a gens: a forma congênita e a forma adquirida. Não rara-
freqüência cardíaca se eleve novamente, os sintomas mente no bloqueio congênito os atletas já participam
desapareçam e o atleta volte a participar de esportes de esportes competitivos há um certo tempo, sendo o
competitivos. Caso isso não ocorra, o mesmo é afasta- bloqueio diagnosticado incidentalmente numa avaliação
do definitivamente da atividade física competitiva, e o de rotina ou quando passam a apresentar sintomas.
tratamento não é diferente daquele de indivíduos que Quando a freqüência cardíaca se eleva gradualmente
não praticam esporte, ou seja, a necessidade de im- com o esforço, não se tornando, assim, fator limitante,
plante de marcapasso deve ser avaliada caso a caso. raramente o indivíduo apresenta algum sintoma. No blo-
4. O atleta portador de marcapasso cardíaco artificial queio atrioventricular adquirido, existe algum tipo de
não deve participar de esportes que envolvam contato comprometimento do sistema de condução cardíaco,
corporal, pelo risco de dano ao gerador. seja no nódulo atrioventricular ou abaixo deste, que pode
limitar a freqüência cardíaca durante o esforço. Nesses
BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR casos, a cardiomiopatia chagásica em nosso meio tem
papel importante na gênese desse tipo de bloqueio.
O bloqueio atrioventricular do 1º grau é um achado Conduta para o atleta com bloqueio atrioventricular(1):
relativamente comum em atletas, em especial na fase 1. No bloqueio do tipo Wenckebach, se não houver car-
noturna, quando predomina o tônus vagal. Costuma ser diopatia associada, se o atleta for assintomático duran-
um bloqueio transitório, que desaparece com a ativida- te a prática do esporte ou se o bloqueio desaparece
de física ou com o aumento da atividade simpática. Se com o esforço, não há necessidade de afastamento da
os complexos QRS são normais, nenhuma outra inves- atividade esportiva, podendo, assim, participar de qual-
tigação é necessária além da eletrocardiografia. Se os quer tipo de esporte competitivo. Se o bloqueio se ins-
complexos QRS são alargados ou se o intervalo PR for tala na fase de recuperação, após o esforço, deve-se
maior que 0,30 segundo, torna-se necessária investi- orientar o atleta a não interromper subitamente a ativi-
gação com teste ergométrico, Holter de 24 horas e eco- dade física, para que se reduza a chance de bradicardi-
cardiografia para afastar alguma cardiopatia e riscos de as sintomáticas.

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2. Se apresentar cardiopa- capasso definitivo.
tia e for assintomático, si- 9. Pacientes com bloqueio atrioventricular total adquiri-
tuação em que o bloqueio do, ao contrário da forma congênita, devem ser subme-
MOREIRA DAR desaparece ou não piora tidos a implante de marcapasso definitivo, antes de pra-
e cols. com o esforço ou na recu- ticar qualquer tipo de esporte competitivo. As recomen-
Arritmias cardíacas peração, o atleta pode par- dações quanto aos cuidados com o marcapasso são
em atletas
ticipar de todos os espor- semelhantes às do bloqueio de origem congênita.
tes competitivos, conforme
determinado pela limitação TAQUIARRITMIAS SUPRAVENTRICULARES
causada pela cardiopatia.
3. Atletas assintomáticos, As arritmias supraventriculares não são mais comuns
nos quais o bloqueio de 2º em atletas que na população geral, exceto, provavel-
grau tipo I aparece ou piora com o esforço ou durante a mente, a fibrilação atrial causada pela hipertonia va-
fase de recuperação pós-esforço, deverão ser submeti- gal(7). As principais taquiarritmias supraventriculares são:
dos a novas avaliações quanto à possibilidade de blo- taquicardia sinusal, extra-sístoles atriais, fibrilação atri-
queio intra ou infra-hissiano, podendo necessitar implan- al e “flutter” atrial, taquicardia por reentrada nodal, e
te de marcapasso definitivo. Tais atletas podem partici- taquicardia supraventricular envolvendo via acessória.
par de esportes classe IA.
4. Atletas com marcapasso não deverão participar de Taquicardia sinusal
esportes com risco de colisão corporal, pela possibili- Geralmente significa resposta a algum tipo de es-
dade de dano ao gerador. tresse, fisiológico ou não, tal como ocorre com o exercí-
5. Atletas com bloqueio atrioventricular do 2º grau Mo- cio ou com os processos infecciosos. Na maioria das
bitz tipo II ou bloqueio atrioventricular de grau avança- vezes não requer tratamento específico, mas a aboli-
do devem se submeter a implante de marcapasso defi- ção da causa que gera a taquicardia. Existe a forma
nitivo e ser afastados da atividade esportiva competiti- bem menos comum na clínica que é a taquicardia sinu-
va. Podem, contudo, participar de esportes com menor sal inapropriada, que surge mesmo com o indivíduo em
possibilidade de contato corporal e com menor risco de repouso e é também desproporcional ao grau de esfor-
dano ao marcapasso. Recomenda-se a avaliação da ço realizado. O risco desse tipo de arritmia é o surgi-
função do marcapasso quanto à freqüência cardíaca mento de miocardiopatia secundária à taquicardia, que
proporcional ao grau de esforço realizado, antes da li- pode limitar a participação de atletas em atividades com-
beração para a prática do esporte. petitivas. O tratamento definitivo realizado por meio da
6. Atletas com bloqueio atrioventricular total sem cardi- ablação com radiofreqüência da região do nódulo sinu-
opatia estrutural associada, com função cardíaca nor- sal e “crista terminalis” pode levar à cura e ao restabe-
mal, sem história de síncope, que se apresentam com lecimento da função ventricular à normalidade, o que
complexos QRS estreitos ao eletrocardiograma, com a permitiria ao atleta o retorno à atividade esportiva com-
freqüência cardíaca de repouso acima de 40 bpm e que petitiva. Avaliações periódicas a cada 6 ou 12 meses
se eleva proporcionalmente com o esforço, sem outras podem confirmar o sucesso do procedimento.
arritmias ventriculares associadas, podem participar de
todos os esportes competitivos. Extra-sístoles atriais
7. Atletas com bloqueio atrioventricular total com arrit- Apresentam especial atenção quando são gatilhos
mias ventriculares, síncope ou pré-síncope, e fadiga para o desencadeamento de outras taquiarritmias supra-
devem ser submetidos a implante de marcapasso defi- ventriculares, como a fibrilação atrial. Os focos ectópicos,
nitivo antes de praticar esportes competitivos. Tais atle- que se localizam em território de veias pulmonares e tam-
tas serão liberados apenas para a prática de esportes bém na região das veias cavas, podem ser os principais
com menor possibilidade de contato corporal, para evi- responsáveis pelo surgimento de fibrilação atrial em jo-
tar risco de dano ao gerador. Antes de retornar à práti- vens com coração normal(8, 9), e sua destruição ou isola-
ca de esportes, devem ser submetidos a avaliação clí- mento na região de origem com cateter e radiofreqüência
nica, preferencialmente com teste ergométrico com es- reduzem ou eliminam o risco de recorrências de fibrila-
forço similar àquele realizado na prática desportiva, para ção atrial. De maneira geral, quando os atletas não têm
se comprovar que o marcapasso acelera a freqüência cardiopatia estrutural associada e não apresentam sinto-
cardíaca na proporção requerida pelo esforço. mas, a conduta é a simples observação clínica, podendo
8. Atletas com condição hemodinâmica instável, como participar de todos os esportes competitivos.
aqueles com “shunts” intracavitários, não podem parti-
cipar de esportes competitivos sem um marcapasso, Fibrilação atrial
com as restrições normais para os portadores de mar- Tal como ocorre na população geral, a fibrilação atrial

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deve ser a taquiarritmia valvulopatia mitral ou cardiomiopatia dilatada, há a ne-
supraventricular mais co- cessidade de anticoagulação crônica, o que pode limi-
mum em atletas, e isso se tar a participação dos mesmos em esportes com maior
MOREIRA DAR deve, pelo em menos em risco de sangramento. A conduta para anticoagulação
e cols. parte, ao aumento da ati- não difere da conduta adotada no indivíduo não-atleta.
Arritmias cardíacas vidade vagal provocado Conduta para o atleta com fibrilação atrial(1):
em atletas
pelo treinamento. Pode 1. Indivíduos que praticam esporte competitivo e que
ocorrer de forma intermi- sejam assintomáticos, sem cardiopatia estrutural, nos
tente, como crises de iní- quais a freqüência cardíaca se eleva e é reduzida gra-
cio e término súbitos a in- dualmente, com esforço e sua interrupção, respectiva-
tervalos variados, ou então mente, tal como acontece com a freqüência sinusal, e
de forma crônica(10). Focos que estejam ou não em uso de fármacos que retardam
ectópicos originados em veias pulmonares podem ge- a condução nodal, podem participar de todos os espor-
rar taquicardias que provocam remodelamento elétrico tes competitivos.
e histológico no tecido atrial, culminando com o surgi- 2. Quando há cardiopatia associada, nas mesmas con-
mento de fibrilação atrial, inicialmente de forma paro- dições descritas anteriormente, a liberação para a ativi-
xística seguida logo após por sua cronificação(8, 9). Não dade esportiva estará limitada pelo grau de comprome-
raramente os episódios agudos de fibrilação atrial sur- timento cardíaco causado pela cardiopatia.
gem logo após ter-se interrompido um esforço físico, 3. Os atletas que necessitam anticoagulação não deve-
por exemplo, momento no qual a atividade vagal é mais rão participar de esportes com possibilidade de choque
intensa. Em outros casos, ectopias atriais freqüentes corporal, pelo risco de hemorragias.
geram fibrilação atrial intermitente, independentemen- 4. Atletas sem cardiopatia que foram tratados por meio
te da atividade autonômica. Esses tipos de fibrilação da ablação focal da fibrilação atrial e que estejam livres
atrial têm origem diferente daqueles secundários a car- da arritmia podem participar de todos os esportes com-
diopatias, hipertensão arterial e insuficiência cardíaca, petitivos de quatro a seis semanas após o procedimen-
nos quais a arritmia pode ser causada por distensão do to, desde que não se documentem recorrências nesse
tecido atrial, isquemia e fibrose tecidual. Deve-se des- período ou que seja certificada sua não-indutibilidade
tacar, também, que, em jovens com coração normal, a ao estudo eletrofisiológico.
tireotoxicose é uma causa que deve ser investigada.
O diagnóstico deve ser feito quando o atleta apre- “Flutter” atrial
senta palpitações taquicárdicas ou cansaço físico des- O “flutter” atrial é uma arritmia rara em atletas. É cau-
proporcional ao grau de esforço realizado ou então a sado por um macrocircuito reentrante no átrio direito
não-redução da freqüência cardíaca após interrompido envolvendo o anel tricúspide, geralmente associado a
o esforço, quando o pulso se mantém rápido e irregular. alguma cardiopatia que causa dilatação atrial, sendo
Nesses casos, documenta-se a arritmia por meio de bem menos freqüente a forma idiopática, sem cardio-
eletrocardiografia simples. Quando os sintomas são es- patia. A descoberta do circuito elétrico causador do “flut-
porádicos, podem ser submetidos a Holter de 24 horas, ter” permitiu a cura definitiva por meio da ablação com
que detecta arritmia ou extra-sístoles atriais freqüentes cateter utilizando radiofreqüência como modalidade de
com episódios curtos de taquicardia. Em outras situa- energia. A cura com essa técnica atinge 80% a 85%
ções, o teste ergométrico pode reproduzir a fibrilação dos indivíduos, principalmente sua forma idiopática(11).
atrial quando a intensidade do esforço for similar àque- Em decorrência da associação com cardiopatia, é
la que desencadeia a arritmia quando da prática des- necessária a avaliação dos atletas com ecocardiogra-
portiva. A fibrilação atrial pode surgir durante o esforço fia. Com esse procedimento analisam-se os diâmetros
ou logo após seu encerramento. atriais, a função ventricular e a eventual presença de
Na avaliação clínica de indivíduos com fibrilação atri- cardiopatia, como lesões valvares ou doenças congê-
al, deve ser sempre considerada a freqüência cardíaca nitas do coração. Como é uma arritmia com especial
durante o esforço, que deve ser compatível com sua predileção a recorrências quando há falha na terapêuti-
intensidade. Isso pode ser feito por meio do Holter rea- ca medicamentosa, torna-se necessária a realização
lizado durante o esforço ou por meio do teste ergomé- de Holter de 24 horas ou até mesmo da gravação inter-
trico. Além disso, os atletas devem ser submetidos a mitente pelo sistema Looper, para se flagrar eventuais
ecocardiografia para que se afaste a possibilidade de episódios assintomáticos. O teste ergométrico está in-
cardiopatia estrutural ou para que se possa avaliar o dicado nos casos de “flutter” atrial crônico, para se ava-
grau de repercussão da fibrilação atrial sobre a função liar o comportamento da freqüência cardíaca no pico
cardíaca. Em alguns casos de atletas que apresentam máximo do esforço.
fibrilação atrial associada a alguma cardiopatia, como O tratamento do “flutter” foge aos objetivos deste ar-

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tigo, mas a cardioversão por circuitos reentrantes no tecido atrial secundários a
elétrica é a técnica mais cirurgia cardíaca prévia, cardiopatias congênitas ou car-
apropriada para o restabe- diomiopatias. Trata-se de uma arritmia rara e as reco-
MOREIRA DAR lecimento do ritmo sinusal. mendações para a avaliação de atletas com esse dis-
e cols. Deve-se seguir a adminis- túrbio de ritmo são similares àquelas relacionadas ao
Arritmias cardíacas tração de fármacos para a “flutter” atrial. Como geralmente é uma arritmia rebelde
em atletas
prevenção das recorrênci- à terapêutica farmacológica, indica-se a ablação com
as e os mais indicados são radiofreqüência do foco arritmogênico como forma de
propafenona, sotalol e ami- tratamento definitivo. Uma das principais complicações
odarona. É importante sa- da taquicardia atrial, que evolui com freqüência cardía-
lientar que alguns medica- ca persistentemente rápida após sua cronificação, é a
mentos, incluindo os beta- taquicardiomiopatia, o que poderia limitar a participa-
bloqueadores, têm sua utilização limitada em alguns ti- ção de atletas em esportes competitivos.
pos de esporte. Além disso, a maioria dos medicamen- Conduta para o atleta com taquicardia atrial(1):
tos antiarrítmicos dificulta a prática desportiva, por im- 1. Atletas sem cardiopatia estrutural, que mantêm fre-
pedir a elevação adequada da freqüência cardíaca. O qüência cardíaca que se eleva e é reduzida com incre-
tratamento definitivo do “flutter” atrial é realizado por mento e interrupção do esforço, de maneira similar ao
meio da ablação do circuito com cateteres, com a gran- comportamento da freqüência sinusal em relação à in-
de vantagem de não se precisar administrar medica- tensidade de esforço praticada, com ou sem tratamen-
mentos posteriormente. A necessidade de anticoagula- to, podem participar de todos os esportes competitivos.
ção para o tratamento do “flutter” atrial segue as mesmas 2. Atletas com cardiopatias podem participar de espor-
diretrizes da conduta relacionada à fibrilação atrial. tes competitivos consistentes com as limitações impos-
Conduta para o atleta com “flutter” atrial(1): tas pela cardiopatia subjacente.
1. Atletas que praticam esporte competitivo e que se- 3. Atletas sem cardiopatia, que foram submetidos a tra-
jam assintomáticos, sem cardiopatia estrutural, nos tamento definitivo com cirurgia ou ablação com cateter,
quais a freqüência cardíaca se eleva e é reduzida gra- podem participar de todos os esportes competitivos após
dualmente com esforço e sua interrupção, respectiva- duas a três semanas do procedimento, desde que seja
mente, tal como acontece com a freqüência sinusal, comprovada ausência de recorrências.
estejam ou não em uso de fármacos que retardam a
condução nodal, podem participar de esportes leves, Taquicardia juncional não-paroxística
pelo risco de ainda apresentarem freqüências cardía- Esse tipo de taquicardia pode ser encontrado em
cas rápidas, como, por exemplo, relação AV 1:1 duran- adultos de forma transitória, em episódios curtos e com
te o “flutter” e de se tornarem limitados. Participação freqüências cardíacas não muito rápidas (de cerca de
em outros esportes competitivos não deverá ser permi- 120 bpm a 150 bpm), detectadas ao Holter de 24 ho-
tida, a menos que o atleta esteja sem “flutter” atrial por ras(12). A arritmia pode ser detectada quando o atleta
pelo menos dois ou três meses com ou sem tratamento relata sintomas, como, por exemplo, palpitações, e é
com fármacos. submetido a exame eletrocardiográfico. Em outras oca-
2. Atletas com cardiopatia estrutural e que apresentam siões, a arritmia é detectada por monitorizações eletro-
“flutter” atrial podem participar de esportes competiti- cardiográficas de 24 horas ou pelo sistema Looper. Na
vos leves (classe IA, ou seja, pouco estático e pouco avaliação dos indivíduos com taquicardia juncional, deve
dinâmico) somente após ter sido comprovado um perí- estar incluída, além de eletrocardiografia e Holter, a re-
odo de duas a três semanas sem episódios de “flutter” alização de ecocardiografia e teste ergométrico. Rara-
atrial. mente o estudo eletrofisiológico está indicado nos ca-
3. Atletas sem cardiopatia que foram tratados por meio sos de indivíduos com taquicardias muito rápidas com
de ablação com cateter do circuito do “flutter” e que es- repercussão hemodinâmica, quando a terapêutica defi-
tejam livres da arritmia podem participar de todos os nitiva por ablação com cateter estaria contemplada. O
esportes competitivos de quatro a seis semanas após tratamento com fármacos inclui a administração oral
o procedimento, desde que seja comprovada ausência de betabloqueadores, propafenona ou sotalol. O anti-
de recorrência. arrítmico nem sempre é eficaz, além de limitar o de-
4. Os atletas que necessitam anticoagulação não deve- sempenho do atleta ao esforço. Se for possível e se for
rão participar de esportes com possibilidade de choque necessário, nos casos mais rebeldes, pratica-se a abla-
corporal, pelo risco de hemorragias. ção do foco juncional; entretanto, a principal complica-
ção é a instalação de bloqueio atrioventricular total e
Taquicardia atrial paroxística posterior necessidade de implante de marcapasso de-
Arritmia causada por atividade automática atrial ou finitivo.

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Conduta para o atleta realizado particularmente quando a taquicardia é de-
com taquicardia juncional sencadeada durante a atividade física. O tratamento
não-paroxística(1): definitivo pode ser obtido por meio da ablação seletiva
MOREIRA DAR 1. Atletas assintomáticos da via lenta na junção atrioventricular com cateter, con-
e cols. sem cardiopatia e que duta que resulta em cura definitiva em mais de 95%
Arritmias cardíacas apresentam freqüência dos casos, sem a necessidade da administração poste-
em atletas
ventricular controlada, que rior de fármacos(15). Digital, betabloqueadores, propafe-
se eleva e é reduzida pro- nona, sotalol ou amiodarona são as opções farmacoló-
porcionalmente ao grau de gicas, embora existam sérias restrições a seu uso, por
esforço físico, comparati- limitarem a prática desportiva, restringindo o desempe-
vamente ao ritmo sinusal nho dos atletas durante o esforço.
em relação ao grau de ati-
vidade física, podem participar de todos os esportes Taquicardia paroxística supraventricular
competitivos. envolvendo via acessória
2. Atletas assintomáticos com cardiopatia ou freqüên- Nessa condição, existe uma via acessória paralela
cia ventricular incompletamente controladas durante o ao sistema de condução normal, com propriedades ele-
esforço podem se engajar em esportes competitivos trofisiológicas distintas, com condução retrógrada ex-
classe IA, dependendo da natureza da cardiopatia sub- clusiva (diferentemente da síndrome de Wolff-Parkin-
jacente e da freqüência ventricular. son-White, em que a via acessória apresenta também
3. Atletas com freqüência ventricular rápida inapropria- a capacidade de condução anterógrada) e que predis-
damente controlada, com ou sem cardiopatia, deverão põe à reentrada do impulso elétrico. Costuma evoluir
ser considerados para o controle da freqüência ventri- com freqüência cardíaca bastante elevada e ser menos
cular antes de participar de qualquer esporte. Atletas responsiva à terapêutica farmacológica. Freqüentemente
cuja taquicardia foi controlada com o tratamento, e com esse tipo de taquicardia é desencadeado pelo esforço
o resultado confirmado por meio de teste apropriado, físico, o que facilita a confirmação de seu diagnóstico
podem participar de esporte competitivo consistente por meio do teste ergométrico (Fig. 1). A confirmação
com seu estado cardiovascular. poderá ser feita também pela indução artificial da taqui-
cardia (estimulação atrial) ou por testes provocativos,
Taquicardia paroxística supraventricular por como infusão de adenosina(14). Do ponto de vista tera-
reentrada nodal pêutico, os melhores resultados são obtidos com a abla-
É talvez a taquicardia supraventricular mais comum ção da via acessória com cateter, conduta que cura
na clínica e sua prevalência não é maior em atletas em definitivamente cerca de 95% dos casos, sem a neces-
comparação com a população geral. É causada pela sidade de administração posterior de fármacos(16). Caso
presença de um circuito arritmogênico localizado na não se opte por essa técnica, os fármacos indicados
junção atrioventricular, composto de duas vias de con- são propafenona, sotalol ou amiodarona, com as mes-
dução eletrofisiologicamente distintas. Manifesta-se de mas ressalvas assinaladas quando do tratamento da
forma súbita, com palpitações geralmente percebidas taquicardia por reentrada nodal.
no pescoço (sinal do “sapo”)(13), e podem ser desenca- Conduta para o atleta com taquicardia supraventricular(1):
deadas pela mudança de posição do corpo (como o ato 1. Atletas sem cardiopatia estrutural, assintomáticos e
de se abaixar e de se levantar) e, menos freqüente- que têm taquicardia supraventricular reproduzida du-
mente, por estresse físico ou emocional. A importância rante o esforço e prevenida pela terapêutica garantida
dessa arritmia no atleta depende do estado hemodinâ- por testes apropriados podem participar de todos os
mico relacionado com a freqüência cardíaca durante esportes competitivos.
as crises, que pode ser elevada e prejudicar o desem- 2. Atletas que não têm a taquicardia desencadeada pelo
penho físico. Além disso, há esportes com risco de aci- esforço mas experimentam recorrências esporádicas
dentes graves causados pelo hipofluxo cerebral, tal deverão ser tratados. Entretanto, por causa da nature-
como acontece com a natação ou o ciclismo, secunda- za imprevisível da taquicardia, os objetivos finais dificil-
riamente à hipotensão arterial no momento das crises. mente podem ser alcançados; mas, uma vez estabele-
Se o quadro clínico não for característico e se ainda cidos, esses atletas podem participar de todos os es-
não se tiver a taquicardia documentada, pode-se pro- portes competitivos consistentes com seu estado car-
ceder a testes provocativos (estimulação atrial durante diovascular. Atletas com episódios de taquicardia com
estudo eletrofisiológico invasivo ou por meio do esôfa- duração de 10 a 15 segundos e que não pioram com o
go ou, então, teste da adenosina(14)). Pode-se recorrer esforço podem participar de esportes competitivos.
também à monitorização eletrocardiográfica prolonga- 3. Atletas com história de síncope, pré-síncope ou sin-
da pelo sistema Looper. O teste ergométrico pode ser tomas importantes secundários à taquicardia ou que

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MOREIRA DAR
e cols.
Arritmias cardíacas
em atletas

Figura 1. Taquicardia supraventricular


envolvendo via acessória em um joga-
dor de basquetebol, desencadeada
durante teste de esforço. Observe a
freqüência cardíaca próxima de 240
bpm, complexos QRS estreitos, ondas
P negativas nas derivações D2, D3 e
aVF, além da alternância elétrica do
QRS (achado característico das taqui-
cardias envolvendo via acessória).

apresentam cardiopatia estrutural subjacente além SÍNDROME DE WOLFF-PARKINSON-WHITE


do circuito arritmogênico não devem participar de es-
portes competitivos até que sejam adequadamente A síndrome de Wolff-Parkinson-White é rara, ocor-
tratados e que não apresentem recorrências por pelo rendo em três entre cada mil indivíduos(17, 18). O grande
menos duas a quatro semanas. Após esse período, interesse nela está relacionado à possibilidade de sur-
podem participar de esportes leves (classe IA). gimento de taquicardia supraventricular envolvendo a
4. Para os atletas sem cardiopatia que tiveram via acessória (reentrada atrioventricular) e de fibrilação
ablação do circuito por meio de cateter, que este- atrial, que, na dependência das propriedades eletrofisi-
jam assintomáticos e sem apresentar taquicardi- ológicas da via, pode culminar em fibrilação ventricular.
as indutíveis artificialmente ou que não tenham As características eletrofisiológicas da via podem se mo-
nenhuma recorrência documentada estão libera- dificar na presença de níveis plasmáticos elevados de
dos para a prática de todos os esportes competi- catecolaminas, fato que ocorre durante a prática do
tivos pelo menos duas a quatro semanas após o esporte. As catecolaminas causam redução do período
procedimento. refratário anterógrado da via e maior velocidade de con-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 211
dução do impulso aos ven- 350 ms, e, em caso de indução artificial de fibrilação
trículos durante crises de atrial, intervalo RR com morfologia de pré-excitação
taquicardia ou fibrilação máxima maior que 250 ms. Por outro lado, são conside-
MOREIRA DAR atrial(19). Embora crises es- rados atletas com alto risco para complicações arrítmi-
e cols. porádicas de taquicardia cas aqueles com história de síncope, documentação
Arritmias cardíacas possam ocorrer no atleta prévia de fibrilação atrial ou taquicardia supraventricu-
em atletas
assintomático ao longo lar, história de morte súbita recuperada secundária a
dos anos, o risco de morte fibrilação atrial com resposta ventricular rápida, presen-
súbita é muito baixo(20), tor- ça de mais de uma via acessória ao mapeamento ele-
nando a abordagem des- trofisiológico, além de período refratário anterógrado da
se indivíduo bastante con- via menor que 350 ms ou intervalo RR com máxima
troversa. Em publicação pré-excitação menor que 250 ms.
recente, Pappone e colaboradores(21) demonstraram que O tratamento definitivo do atleta com síndrome de
crianças que apresentavam eletrocardiograma compa- Wolff-Parkinson-White por meio da ablação geralmen-
tível com pré-excitação ventricular eram assintomáticas, te é considerado a abordagem de escolha na maioria
mas apresentavam critérios de alto risco durante o es- dos casos, pois o índice de sucesso é elevado (> 95%)
tudo eletrofisiológico para o surgimento de arritmias po- e o risco de complicações é baixo (Fig. 2). Além disso, a
tencialmente letais, como a fibrilação atrial, e apresen- imprevisibilidade do comportamento da condução pela
tavam prognóstico adverso quando não eram submeti- via na presença de níveis elevados de catecolaminas
das a ablação da via com radiofreqüência(21). Esse es- plasmáticas torna a conduta ablativa a opção mais acer-
tudo, entretanto, mereceu críticas quanto aos critérios tada.
utilizados para a avaliação das crianças e à maneira Conduta para o atleta com síndrome de Wolff-Par-
pela qual foram randomizadas. kinson-White(1):
Há autores que defendem o estudo eletrofisiológico 1. Atletas sem cardiopatia estrutural, sem história de
para determinar a localização da via e suas proprieda- palpitações ou sem taquicardia (particularmente aque-
des eletrofisiológicas, enquanto outros defendem a li- les com 25 anos de idade ou mais) podem participar de
beração para atividade esportiva sem restrições, exa- todos os esportes competitivos. Entretanto, indivíduos
tamente pelo fato de esses indivíduos serem assinto- com menos idade devem ser submetidos a avaliação
máticos. Um fato importante a ser considerado nesse mais profunda (incluindo estudo eletrofisiológico) antes
contexto é que alguns atletas ainda são muito jovens e, de participar de esportes de intensidade moderada a
portanto, não tiveram chance de apresentar sintomas, elevada.
ao contrário de atletas de idade mais avançada, na fai- 2. Atletas com taquicardia supraventricular reciprocan-
xa dos 35 anos ou mais, em que a possibilidade de te devem ser tratados conforme a recomendação para
sintomas diminui juntamente com a redução da ativida- taquicardia supraventricular, relatada previamente. En-
de esportiva. tretanto, deve ser considerado que esses indivíduos
Na avaliação de atletas com síndrome de Wolff-Par- podem ter fibrilação atrial com resposta ventricular rá-
kinson-White, história clínica minuciosa para identificar pida. É recomendada indução de fibrilação atrial para
sintomas de taquicardia (palpitações, tonturas ou des- se determinar o mais curto intervalo RR com morfolo-
maios), exame físico, ecocardiografia para se afastar gia de pré-excitação máxima durante a infusão de iso-
cardiopatia estrutural, além de teste ergométrico com proterenol ou até mesmo durante esforço físico. Os atle-
realização de esforço similar àquele realizado durante tas cujo intervalo for menor que 250 ms deverão ser
a prática do esporte devem ser considerados. O Holter submetidos a ablação da via acessória.
de 24 horas, realizado durante atividades normais ou 3. Atletas com “flutter”/fibrilação atrial e síncope ou pré-
durante a prática do esporte, é importante para identifi- síncope em que a freqüência cardíaca máxima em re-
car taquiarritmias assintomáticas e também o compor- pouso (sem tratamento) como resultado de condução
tamento da condução anterógrada pela via acessória pela via exceder 240 bpm deverão ser considerados
(presença persistente ou intermitente de ondas delta). para a ablação com cateter antes de continuar compe-
Os indivíduos de baixo risco caracterizam-se por ser tindo. Aqueles nos quais a freqüência ventricular é me-
assintomáticos, por apresentar pré-excitação ventricu- nor que 240 bpm durante a infusão de isoproterenol
lar intermitente ao eletrocardiograma simples ou ao sem episódios de síncope ou pré-síncope parecem apre-
Holter de 24 horas, e por apresentar perda súbita da sentar menor risco para morte cardíaca súbita.
morfologia de pré-excitação ao teste ergométrico. Caso 4. Atletas sem cardiopatia que tiveram ablação com
o indivíduo seja submetido a estudo eletrofisiológico, cateter ou cirúrgica da via acessória e que estão assin-
os critérios são presença de uma única via acessória, tomáticos, apresentam condução atrioventricular nor-
período refratário anterógrado da via igual ou maior que mal e não têm arritmias indutíveis ao estudo eletrofisio-

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MOREIRA DAR
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Arritmias cardíacas
em atletas

Figura 2. Traçado obtido du-


rante a ablação com radiofre-
qüência para tratamento de
pré-excitação ventricular em
um atleta, jogador de futebol
de 20 anos. O traçado mos-
tra o momento da aplicação
da radiofreqüência (ver as in-
terferências no primeiro canal
intracavitário) e a perda da
pré-excitação no eletrocardi-
ograma de superfície mani-
festa pelo desaparecimento
da onda delta. O atleta foi li-
berado para a prática do fu-
tebol um mês depois.

lógico durante o seguimento podem participar de todos congênita e síndrome de Wolff-Parkinson-White(22). A


os esportes competitivos após alguns dias. Aqueles que atividade física competitiva aumenta em cerca de 2,5
não se submeteram a um segundo estudo ou que não vezes o risco de morte súbita em atletas com algum
apresentam recorrência da taquicardia por duas ou três tipo de cardiopatia, em comparação com aqueles sem
semanas após a ablação podem participar de todos os cardiopatia(23). Esse fato sinaliza que o esporte intenso
esportes competitivos. propriamente pode atuar como gatilho para o surgimento
de arritmias ventriculares em atletas com cardiopatias
O ATLETA COM ARRITMIAS VENTRICULARES silenciosas. Alguns estudos demonstram que atletas que
realizam atividade física intensa têm alteração de seu
Um dos maiores desafios da cardiologia esportiva balanço autonômico, que muda de uma atividade pa-
na atualidade é a avaliação de atletas portadores de rassimpática para uma atividade simpática predominan-
arritmias ventriculares que, na maioria das vezes, se te(24), e já se sabe que as catecolaminas apresentam
apresentam sem sintomas. Os fatores que mais bem elevado potencial para exacerbar circuitos arritmogêni-
definem o risco de morte súbita em atletas, secundari- cos e gerar arritmias malignas.
amente a uma arritmia ventricular, são a presença de Dentre as cardiopatias com maior risco de desenca-
sintomas (particularmente síncope ou pré-síncope) e deamento de arritmias ventriculares potencialmente fa-
de cardiopatia estrutural. Exceções a essas regras são, tais destacam-se a cardiomiopatia hipertrófica idiopáti-
provavelmente, os pacientes com história de fibrilação ca, a displasia arritmogênica de ventrículo direito, a mi-
ventricular idiopática, síndrome do intervalo QT longo ocardiopatia dilatada idiopática, as miocardites e a in-

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Arritmias cardíacas
em atletas

Figura 3. Atleta, jogador de futebol de 19 anos, com história de miocardite, desen-


volveu bloqueio de ramo esquerdo (traçado superior). Foi submetido a estudo eletro-
fisiológico para avaliar a condução atrioventricular e durante a estimulação ventricu-
lar programada (traçado inferior), com três extra-estímulos, foi induzida taquicardia
ventricular polimórfica seguida de fibrilação ventricular. O ritmo sinusal foi restabele-
cido com a desfibrilação elétrica. O atleta foi afastado do esporte.

suficiência coronariana, particularmente em atletas com dela, destacam-se exame físico, eletrocardiografia, eco-
mais de 35 anos de idade. O surgimento de isquemia cardiografia, teste ergométrico (Fig. 4), Holter de 24
durante elevações da freqüência cardíaca que ocorre horas, até a monitorização eletrocardiográfica pelo sis-
na prática desportiva, além de alterações do relaxamen- tema Looper. Na dependência do tipo de arritmia en-
to diastólico, são as principais causas de arritmias ven- contrada e dos achados do ecocardiograma, exames
triculares malignas, que culminam em morte súbita em mais sofisticados, como ressonância nuclear magnéti-
indivíduos com cardiomiopatia hipertrófica. Na displa- ca ou cinecoronariografia, estarão indicados para com-
sia arritmogênica de ventrículo direito ocorre a substi- plementar a avaliação e se concluir o diagnóstico. Com
tuição do tecido cardíaco normal por gordura. Áreas de os resultados em mãos, deverá ser tomada a decisão
fibrose, gordura e tecido miocárdico normal entremea- sobre a possibilidade de o atleta participar ou não de
dos formam o substrato para o surgimento de arritmias esportes competitivos, visando fundamentalmente à pre-
ventriculares malignas, que são deflagradas na presen- servação da vida do atleta. Casos mais graves, com
ça de catecolaminas plasmáticas elevadas. A miocardi- elevado risco de morte súbita, deverão ser afastados
te provoca focos inflamatórios nos ventrículos, que se da atividade esportiva, enquanto casos com prognósti-
acompanham de distúrbios variados da condução in- co menos sombrio poderão ser liberados para a prática
traventricular e arritmias ventriculares potencialmente de esportes menos intensos.
malignas (Fig. 3). A disfunção ventricular da cardiomio- A forma de apresentação e o tipo eletrocardiográfi-
patia dilatada é talvez o principal fator predisponente co da arritmia ventricular podem ser outros fatores en-
ao surgimento de taquiarritmias ventriculares. volvidos na decisão sobre qual conduta a se tomar di-
O atleta que se apresenta para avaliação clínica ini- ante do atleta. Em corações normais, uma extra-sístole
cial com arritmias ventriculares deve ser submetido a ventricular que aparece ao esforço raramente é motivo
uma história rigorosa para se determinar a importância de preocupação. O mesmo ocorre nos atletas com co-
dos sintomas em relação à arritmia propriamente; além ração normal, assintomáticos, que apresentam taqui-

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Arritmias cardíacas
em atletas

Figura 4. Taquicardia ventricular sustentada desencadeada durante a realização de


teste ergométrico em um maratonista de 31 anos com história de palpitações e ton-
turas nos últimos meses. Os sintomas começavam a surgir poucos minutos depois
de iniciada a corrida, o que o impedia de prosseguir com o esforço.

cardia ventricular monomórfica não-sustentada. Num es- seguimento clínico (cerca de oito anos) dão suporte à
tudo prospectivo que avaliou atletas com arritmias ven- teoria de que essas arritmias apresentam caráter be-
triculares complexas ao Holter de 24 horas, divididos nigno, fazendo parte do que se conhece por síndrome
em três grupos de acordo com a prevalência das extra- do coração de atleta. Por outro lado, nos atletas com
sístoles (grupo A, > 2.000 extra-sístoles em 24 horas; cardiopatia estrutural, a redução da freqüência das ex-
grupo B, entre 100 e 2.000 extra-sístoles em 24 horas; tra-sístoles após o descondicionamento físico pode ser
grupo C, < 100 extra-sístoles em 24 horas), Biffi e cola- um mecanismo pelo qual ocorre a redução do risco de
boradores(25) demonstraram que 30% dos atletas do eventos cardiovasculares nessa população(26). O desa-
grupo A apresentavam algum tipo de cardiopatia, e to- parecimento ou a redução significativa das arritmias
dos desse grupo foram afastados da atividade esporti- ventriculares com a interrupção temporária do treina-
va. Os atletas dos grupos B e C continuaram suas ativi- mento podem justificar o retorno dos atletas sem cardi-
dades. Num período de seguimento de oito anos, todos opatia à atividade esportiva competitiva.
sobreviveram sem eventos cardiovasculares. Os auto- Atletas assintomáticos com coração normal raramen-
res concluíram que as extra-sístoles ventriculares são te necessitam tratamento das arritmias ventriculares, mes-
comuns em atletas treinados e geralmente não estão mo que desencadeadas durante o esforço. Por outro lado,
associadas a anormalidades cardiovasculares, não acar- atletas sintomáticos podem ser tratados com betabloque-
retam prognóstico ruim e parecem fazer parte do que adores para alívio dos sintomas. Esses fármacos têm sua
se conhece como síndrome do coração do atleta, não prescrição restrita em alguns tipos de esporte.
justificando, assim, o afastamento da atividade esporti- Conduta para o atleta com extra-sístoles ventriculares(1):
va(25). Num estudo subseqüente, em que os atletas com 1. Atletas sem cardiopatia e com extra-sístoles ventri-
mais de 2.000 extra-sístoles ventriculares nas 24 horas culares em repouso e durante o esforço, e até mesmo
foram submetidos a descondicionamento, por um perí- no teste ergométrico (esforço comparável àquele reali-
odo que variou entre 12 e 24 semanas (provavelmente zado durante a competição), podem participar de todos
os mesmos atletas do grupo A do estudo anterior), Biffi os esportes competitivos. Se as extra-sístoles se inten-
e colaboradores(26) observaram redução significativa das sificarem durante o esforço ou durante o teste ergomé-
extra-sístoles ao Holter realizado após aquele período, trico a ponto de produzirem sintomas de fadiga, disp-
tanto no grupo de atletas com cardiopatia como naque- néia ou distúrbios da consciência, o atleta poderá parti-
les sem comprometimento cardíaco. Esse estudo de- cipar de esportes menos intensos (classe IA).
monstrou que a redução da arritmia ventricular em atle- 2. Atletas com cardiopatia estrutural que se encontram
tas sem cardiopatia e a ausência de eventos durante o em grupos de risco e apresentam extra-sístoles ventri-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 215
culares complexas (com período de afastamento das atividades esportivas, e
ou sem tratamento) só po- deve ser considerada a reavaliação de alguns atletas.
dem participar de esportes 2. Para o atleta com cardiopatia estrutural e taquicardia
MOREIRA DAR competitivos menos inten- ventricular e atividade física moderada ou intensa está
e cols. sos (classe IA). Tais atle- contra-indicada, independentemente de a taquicardia
Arritmias cardíacas tas, cujas arritmias ventri- ser ou não suprimida pela ablação ou por fármacos.
em atletas
culares são suprimidas Apenas esportes classe IA são permitidos.
pelo tratamento medica- 3. Uma exceção a essa recomendação geral é o atleta
mentoso (avaliados pelo assintomático com curtos episódios (geralmente inferi-
Holter) durante a participa- ores a 8 a 10 batimentos consecutivos) de taquicardia
ção no esporte, podem ventricular monomórfica não-sustentada, com freqüên-
participar apenas de es- cia cardíaca abaixo de 150 bpm e sem cardiopatia es-
portes com classificação IA. trutural demonstrada por exames invasivos ou não-in-
vasivos. Esses atletas não parecem estar sob risco ele-
TAQUICARDIA VENTRICULAR vado de morte súbita. Se o teste ergométrico (preferen-
cialmente o Holter realizado durante atividade esporti-
A taquicardia ventricular não-sustentada, monomór- va competitiva) demonstra supressão da taquicardia ou
fica ou polimórfica, e também a forma sustentada de- o não-agravamento da mesma comparado ao exame
vem ser consideradas arritmias de potencial risco ele- controle, a participação em todos os esportes competi-
vado para o atleta que participa de esportes competiti- tivos está autorizada.
vos. Os atletas devem ser submetidos a avaliação não- 4. O desejo do atleta em participar de esporte competi-
invasiva, que inclui Holter de 24 horas e teste ergomé- tivo não deve representar indicação primária ao cardio-
trico. Ecocardiografia, cateterismo cardíaco e até estu- versor-desfibrilador (CDI) automático. A eficácia com que
do eletrofisiológico estão indicados para se avaliar a pre- essas próteses irão interromper as crises de taquicar-
sença de cardiopatia e estabelecer o tipo, os mecanis- dia potencialmente letais sob condições relacionadas
mos e a localização dos focos de taquicardia ventricu- ao esporte intenso, como alterações metabólicas e au-
lar. Os atletas de risco são aqueles portadores de car- tonômicas, além de provável isquemia, não foi ainda
diopatias como cardiomiopatia hipertrófica, displasia ar- estabelecida. Além disso, esportes com contato físico
ritmogênica de ventrículo direito, miocardites e cardio- podem resultar em dano ao gerador, impedindo sua fun-
miopatia dilatada. ção normal. Para atletas com cardioversor-desfibrilador
Conduta para o atleta com taquicardia ventricular(1): automático, todos os esportes de moderada a elevada
1. Atletas com coração estruturalmente normal e taqui- intensidade estão contra-indicados. Esportes do tipo
cardia ventricular monomórfica sustentada ou não-sus- classe IA estão liberados.
tentada, que pode ser localizada em uma região espe- Conduta para o atleta com “flutter” e fibrilação ventricular(1):
cífica do coração, são candidatos a ablação com cate- 1. Atletas com condição que resulta em parada cardía-
ter, que pode potencialmente levar à cura. Após a abla- ca na presença ou na ausência de cardiopatia estrutu-
ção bem-sucedida, na ausência de indução da taqui- ral geralmente são tratados com cardioversor-desfibri-
cardia durante o estudo eletrofisiológico, com ou sem lador automático e não podem participar de qualquer
isoproterenol, quando a taquicardia era reprodutivelmen- tipo de esporte moderado ou com intensa atividade com-
te induzida antes da ablação, o atleta pode retomar sua petitiva. Entretanto, os atletas com cardioversor-desfi-
atividade esportiva competitiva em duas a quatro se- brilador automático que não tiveram episódios de “flut-
manas. Conduta mais conservadora é recomendada aos ter” ou fibrilação ventricular com deflagrações do gera-
atletas que preferem a supressão das arritmias com dor nos últimos seis meses podem se engajar em es-
fármacos, pois nesses casos as catecolaminas podem portes classe IA. As recomendações da seção de ta-
reverter o efeito do medicamento, fazendo ressurgir a quicardia ventricular também se aplicam.
taquicardia. Nessa situação, o atleta não deve partici-
par de nenhum esporte competitivo por pelo menos dois O ATLETA COM ARRITMIAS VENTRICULARES
a quatro meses após o último episódio de taquicardia CAUSADAS POR SÍNDROMES GENÉTICAS
ventricular. Se não houver recorrências nesse período,
se a taquicardia ventricular não for reproduzida ao exer- Taquicardia ventricular polimórfica
cício ou teste ergométrico ou estudo eletrofisiológico, e catecolaminérgica
se o atleta não for portador de cardiopatia estrutural, Esta é uma forma muito rara de taquicardia ventri-
todos os esportes competitivos são permitidos. Pelo fato cular, que está relacionada com a prática de atividade
de o descondicionamento físico resultar em redução ou física. Cerca de 50% dos indivíduos com essa arritmia
abolição das arritmias ventriculares, está indicado um têm como origem alterações cromossômicas relaciona-

216 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
das com os canais iônicos nótipo positivo/fenótipo negativo, ou seja, o atleta as-
que liberam cálcio do retí- sintomático, sem taquicardia ventricular indutível.
culo sarcoplasmático. Os
MOREIRA DAR atletas são vulneráveis a Síndrome de Brugada
e cols. taquicardia ou fibrilação Síndrome genética rara que acomete preferencialmen-
Arritmias cardíacas ventricular desencadeada te homens, responsável por quadros de morte súbita no-
em atletas
pelo exercício físico.(1) turna de causa inexplicada. Caracteriza-se eletrocardio-
Conduta para o atleta graficamente por apresentar supradesnivelamento do
com taquicardia ventricular ponto J nas derivações V1 a V3, com elevação do seg-
polimórfica catecolaminérgi- mento ST freqüentemente seguida de ondas T negativas
ca(1): e uma onda R’(27). Apenas 15% a 20% dos casos de sín-
1. Pacientes sintomáticos drome de Brugada realmente são causados por doenças
têm prognóstico ruim, a menos que sejam tratados com de canal iônico por mutações do gene SCN5A, relaciona-
implante de cardioversor-desfibrilador automático; por das à síntese da subunidade alfa do canal que transporta
essa razão, têm atividade física competitiva restrita, íons sódio(28). A morte pode ocorrer secundariamente à
exceto nos casos em que exista o mínimo contato cor- atividade física leve ou durante o sono.
poral, em que são permitidos os esportes de classe IA. Conduta para o atleta com síndrome de Brugada:
Tal como ocorre na síndrome do intervalo QT longo tipo 1. Embora não haja associação clara entre exercício e
1, pacientes com essa forma de taquicardia não devem morte súbita, e também pelo impacto potencial que a
participar de esportes competitivos, como a natação. hipertermia pode ter em alguns casos, levando ao sur-
Pacientes assintomáticos que são identificados como gimento de taquicardia ventricular, os atletas devem
parte de uma avaliação familiar com taquicardia ventri- estar restritos à participação de esportes classe IA.
cular documentada ao esforço ou induzida pelo isopro- 2. A presença de cardioversor-desfibrilador automático
terenol devem evitar esportes competitivos, exceto os limita a participação dos atletas em esportes que não
de classe IA. Uma abordagem menos restritiva pode envolvam contato, podendo participar apenas de espor-
ser possível para o atleta que apresente a relação ge- tes classe IA.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 217
CARDIAC ARRHYTHMIAS IN THE ATHLETE
MOREIRA DAR
e cols. DALMO ANTONIO RIBEIRO MOREIRA, RICARDO GARBE HABIB,
Arritmias cardíacas
em atletas LUIZ ROBERTO DE MORAES, NABIL GHORAYEB, CARLOS ANÍBAL SIERRA REYES,
JÚLIO CESAR GIZZI

Cardiac arrhythmias are not more commom in athletes comparable to the general
population but are a frequent cause of concern. Most arrhythmias in athletes are
asymptomatic and are not associated with cardiac disease, being considered a be-
nign condition. In other cases however, some arrhythmias are associated with some
type of cardiopathy, are often symptomatic, and not considered benign most of the
time. Sinus bradycardia, first and second degree Mobitz type I AV block are common
and usually secondary to parasympathetic preponderance over the sinus node and
atrioventricular node and some type of remodeling due to intense and constant trai-
ning. More advanced degrees of atrioventricular block merit some attention because
they lead to low cerebral blood flow during sport activity that culminates with syncopal
spells. Pacemaker therapy has to be considered in symptomatic athletes with brady-
cardias due to AV block. Athletes with supraventricular tachycardias can be definitive-
ly treated with radiofrequency ablation and allowed to participate in competitive sports
after the cure. However, non-sustained or sustained monomorphic or polymorphic
ventricular tachycardia deserve attention because not uncommonly are associated
with some type of cardiac disease and can present with symptoms secondary to low
cardiac output. Idiopathic hypertrophic cardiomyopathy, arrhythmogenic right ventri-
cular dysplasia, myocardites, dilated cardiomyopathy are the most commom forms of
heart disease that can present with ventricular arrhythmias that are considered ma-
lignant most of the times. In these cases careful workup needs to be performed with
the purpose to release or not the athlete for the practice of sport and preserve his life.
Ventricular tachycardia not related to cardiac disease are not life threatening, have a
good prognosis and can be cured by radiofrequency catheter ablation. Those ventri-
cular tachycardias associated with genetic diseases have an ominous prognosis and
when detected in an athlete prompt his withdraw from competitions.

Key words: cardiac arrhythmia, sport, athlete, sudden cardiac death.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:204-19)


RSCESP (72594)-1530

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