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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS


DEPARTAMENTO DE CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA

Caderno Didático

Prof. Dr. André Vasconcelos Soares

Colaboradores:
Esp. Camila Giglio; Dra. Gabrielle Coelho Freitas; MSc. Liandra Cristina Vogel; MSc.. Sabrina Bäumer

3ª edição

Santa Maria, 2015


“…Àqueles animais, vítimas solicitadas pela
ciência, para o benefício da humanidade,
que com os seus olhos humildes, falavam
de sua vontade de viver: o nosso respeito e
nossa eterna gratidão...”

(autor desconhecido)
"Sedare Dolorem Opus Divinum Est"
"Sedar a Dor é obra Divina"
CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO

A palavra anestesia é de origem grega, e significa “insensibilidade”, ou


“sem sensação”, e foi aparentemente utilizada pela primeira vez por Bailey em
1721.

A anestesiologia veterinária é uma ciência que vêm crescendo muito nos


últimos anos. A consciência de bem estar animal, e seguridade em
procedimentos com os mesmos, vêm se difundindo muito entre as pessoas, e
justamente neste ponto o Médico Veterinário apresenta o objetivo de fomentar
e concretizar este crescente avanço da ciência, que aliado a uma maior
consciência de bem estar animal, poderá proporcionar aos pacientes, melhor
qualidade de vida e, segurança em procedimentos cirúrgicos ou mesmo
naqueles em que uma simples analgesia, tranquilização ou sedação se faça
necessária.

Definições

Anestesia: Perda total da sensibilidade em todo o organismo, ou ainda


em parte dele, geralmente induzida pela administração de agentes que
deprimem a atividade dos tecidos nervosos periféricos ou centrais. Desta forma
torna-se como objetivo a imobilidade e/ou perda de função motora que pode vir
acompanhada de perda sensitiva ou não.

Tranqüilização: É um estado de mudança comportamental, onde o


paciente se encontra relaxado e muitas vezes indiferente à dor e estímulos de
baixa intensidade.

Sedação: Grau leve de depressão central, onde o paciente está


acordado, mas calmo. A sedação exigirá um grau maior de depressão do
sistema nervoso central, quando comparada à tranquilização.
Anestesia geral: Perda da consciência, além da perda da sensibilidade.
Para uma anestesia geral ser considerada ideal deve ser acompanhada ainda
de analgesia, hiporreflexia, relaxamento muscular e hipnose. A anestesia geral,
pode ser obtida através da anestesia intravenosa (ex. propofol, tiopental,
etomidato, etc) ou inalatória (ex. halotano, isofluorano, etc).

Anestesia Dissociativa: Estado de anestesia, obtida através da classe


de fármacos específicos, que não são capazes de levar a inconsciência total,
sendo que nesta, se mantém presentes reflexos protetores como por exemplo
os palpebrais.

Anestesia Local: Diminuição dos sentidos em uma determinada área,


produzida pela administração de anestésicos específicos para tal finalidade
(anestésicos locais), que produzirão perda da sensibilidade dolorosa (sensitiva)
associada a perda motora, através do bloqueio da condução nervosa
reversível.

Hipnose: Sono artificial (induzido), ou transe que se assemelha ao sono


natural, do qual o indivíduo pode acordar por estímulos externos.

Analgesia: Perda de sensibilidade à dor, produzida por diversas classes


farmacológicas, conforme seus mecanismos de ação variados.

Hipoalgesia: Diminuição da sensibilidade dolorosa.

Hiperalgesia: Aumento da sensibilidade dolorosa a determinado


estímulo.

Alodinia: Sensibilidade dolorosa mesmo sem estimulo nociceptivo lesivo.

Medicação pré-anestésica (MPA): Aplicação de algum fármaco que


produz tranqüiliza ou sedação, minimizando a quantidade de outros
anestésicos, e também provocando uma anestesia balanceada além da
redução do estresse e conseqüente menor liberação de catecolaminas.

Anestesia Balanceada: Aplicação de dois ou mais fármacos que gerem


anestesia geral, onde cada um contribui com um efeito farmacológico, visando
também a diminuição da quantidade de cada anestésico, produzindo
sinergismo de efeitos tanto benéfico quanto adversos.

Manutenção anestésica: Processo de manutenção do plano anestésico,


podendo ser utilizados fármacos inalatórios ou injetáveis.

Monitorização anestésica: Conjunto de ferramentas ou dispositivos


utilizados durante o período anestésico, que possibilita monitorar e avaliar
adequadamente a condição fisiológica e metabólica dos pacientes, objetivando
sempre a segurança da anestesia.

Recuperação anestésica: período que compreende desde o termino da


administração de fármacos anestésicos até a plena recuperação do paciente,
estando este, já em estado de vigília, livre de qualquer risco.
CAPÍTULO 2

DISPOSITIVOS BÁSICOS UTILIZADOS NA ANESTESIA

Alguns dispositivos utilizados na anestesiologia veterinária, são de uso


exclusivo para a anestesiologia, porém alguns são comuns a outras áreas.
Entre eles, destacam-se:

SCALP

Dispositivo metálico, utilizado para infusão intravenosa. As numerações


são diversas, sendo que quanto menor for a numeração, mais calibroso se
torna o dispositivo. Comumente chamado de dispositivo Butterfly.

Scalp ou Butterfly
CATETERES VENOSOS

Dispositivo composto de mandril (metálico) e porção siliconizada,


utilizado para infusão intravenosa. As numerações são diversas, sendo que
quanto menor for a numeração, mais calibroso se torna o dispositivo.

Cateteres intravenosos

EQUIPOS DE INFUSÃO

Dispositivos utilizados para fluidoterapia, os quais, permitem o calculo da


quantidade de fluídos administrados ao paciente, bem como sua taxa
aproximada de infusão. Apresentam dois tipos de vazão (maior ou menor),
sendo então chamados de equipos macro ou micro-gotas respectivamente.
Equipo Macro gotas Equipo Micro gotas

SOLUÇÕES PARENTERAIS

Soluções cristalóides ou coloidais, utilizadas e administradas pela via


intravenosa, com a finalidade de reidratação, fluidoterapia de manutenção, ou
mesmo reposição volêmica, quando necessário. Entre eles, destacam-se
soluções cristalóides de Cloreto de Sódio 0,9%, Cloreto de Sódio 0,45%,
Cloreto de Sódio 20%, Cloreto de Sódio 7,5%, Ringuer Simples, Ringuer
Lactato de Sódio e; as soluções coloidais, as quais visam normalmente
reposição protéica e/ou volumétrica bem como as gelatinas, dextranos,
hidroxietilamidos, entre outros. São dispositivos descartáveis.

BOMBAS DE INFUSÃO VOLUMÉTRICAS

Dispositivos eletrônicos, utilizados com a finalidade de precisar o volume


e a taxa de infusão das soluções parenterais e/ou enterais, administradas aos
pacientes. Estes dispositivos normalmente necessitam de equipos especiais.
Bomba de infusão peristática

SERINGAS

Existem hoje no mercado uma grande variedade disponível de marcas e


tipos de seringas para uso humano e veterinário. Os volumes são medidos em
ml (mililitros) sendo utilizadas para as mais diversas situações tanto clínicas
quanto anestésicas. Os volumes mais utilizados hoje, em medicina veterinária
são os de seringas de 1ml, 3ml, 5ml, 10ml, 20ml, 50ml e 60ml. São dispositivos
descartáveis.
Seringas de 1ml, 3ml, 5ml, 10ml, 20ml e 60 ml respectivamente.

AGULHAS HIPODÉRMICAS

Assim como as seringas, as agulhas hipodérmicas disponíveis no


mercado apresentam uma variação bastante grande, facilitando muitas vezes
sua utilização em determinados animais, bem como para tipos específicos de
fármacos, sendo estes mais ou menos oleosos, muitas vezes. Normalmente
possuem bisel trifacetado, o que tende a diminuir a dor do paciente, no
momento de punção, seja pela via intramuscular, subcutânea ou mesmo
intravenosa. O seu “canhão” colorido padrão, auxilia na identificação de seu
comprimento e calibre, sendo que estão disponíveis nas dimensões 13x4,5mm,
20x5,5mm, 25x6mm, 25x7mm, 25x8mm, 30x7mm, 30x8mm, 40x12mm e
40x16mm. São dispositivos descartáveis e após o uso, devem sem
encaminhados a lixo específico de materiais perfurocortantes e contaminados.
Agulhas hipodérmicas

SERINGAS DE VIDRO

Assim como as seringas descartáveis, estas possuem volumes


disponíveis no mercado, bastante variáveis. Porém, sua principal característica
é a falta de resistência produzida entre o embulo e a seringa propriamente dita.
Desta forma, esta característica a torna muito utilizada como teste de “falta de
resistência à administração de ar” na anestesia epidural.
CAPÍTULO 3

VIAS DE ADMINISTRAÇÃO

Diferentes vias podem ser utilizadas para administração de soluções


parenterais (fármacos ou não), no entanto, cada uma apresenta vantagens e
desvantagens estando sujeitas à interferência de diferentes fatores.
Normalmente o tipo de solução e a condição do paciente ditam a via de
reposição. As vias mais utilizadas são as seguintes:

ORAL
É a via mais fisiológica e a que apresenta menor risco de alterações
fisiológicas. É a mais adequada para reposição calórica. Quando o paciente
não aceitar voluntariamente, ou estiver inconsciente poderá ser forçado através
da boca ou por tubo de faringostomia ou gastrostomia. Nos casos de alteração
gastrintestinal está contra-indicada.
Em anestesiologia veterinária, é pouco utilizada, devido a dificuldade
muitas vezes de se administrar medicamentos por via oral em animais e por
apresentar um período de latência bastante prolongado.

SUBCUTÂNEA
Esta via apresenta limitações quanto ao tipo e quantidade de solução.
Soluções sem sódio, como o soro glicosado, ou hipotônicas são absorvidas
lentamente por esta via e, dependendo do estado geral, podem piorar o quadro
clínico do paciente. Isto ocorre porque ao serem introduzidas no tecido
subcutâneo atraem sódio orgânico e conseqüentemente líquido intersticial até
haver isonatremia. O mesmo pode ser dito das soluções hipertônicas
relativamente à atração osmótica da água. No paciente hipotenso a absorção é
lenta ou não ocorre.
Em anestesiologia esta via torna-se impraticável devido a lenta absorção
dos fármacos anestésicos e, por sua vez, prolongado início de ação dos
medicamentos.
VENOSA
A via venosa ou intravenosa é a mais indicada para reposição de
grandes quantidades de volume. Além disso permite rápida reposição sendo a
via ideal para o paciente hipotenso ou com desidratação acima de 8%. Deve
ser a via preferencial para transfusão de sangue, derivados ou expansores do
plasma.
Nos casos em que houver dificuldade para venóclise deve ser procedida
punção ou cateterização da veia jugular mediante abordagem cirúrgica.
É via de administração preferencial para a indução a anestesia geral
injetável, uma vez que os fármacos utilizados para esta finalidade devem ser
administrados única e exclusivamente pela via venosa.

PERITONEAL

Esta via tem sido indicada para cães novos nos quais seja difícil a
punção venosa ou em caso de hipotensão, nos animais adultos. Apresenta, no
entanto, algumas limitações. Nos pacientes com hipotensão ou anemia crônica
tem conduzido a óbito. Isto parece estar relacionado ao poder coloidosmótico
do sangue administrado na cavidade peritoneal o qual, sendo maior, atrairá
líquido para si em detrimento dos volumes intersticial e intravascular.
Este fenômeno ocorre também com soluções hipertônicas, em relação
ao forte efeito osmótico. Esta via tem sido utilizada para administração de
fármacos com propriedades anestésicas basicamente em animais de
laboratório.

INTRAOSSEA

Esta via apresenta como limitações, a dificuldade de se acessar a via,


bem como o grande risco de levar contaminação ao canal medular, podendo
ser responsável pelo desenvolvimento de infecções localizadas ou mesmo
sepse.
Porém, estudos recentes demonstram que esta via apresenta efeito
muito similar a utilizada rotineiramente em anestesia geral (intravenosa), desde
que devidos cuidados de assepsia sejam tomados.
CAPITULO 4

AVALIAÇÃO PRÉ ANESTÉSICA, CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO RISCO


ANESTÉSICO E PREPARO DO PACIENTE

Prof. Dr. André Vasconcelos Soares

M.v Especialista. Sabrina Baümer

Introdução

O sucesso da anestesia está estreitamente relacionado à acurada


avaliação pré-anestésica. Por isso, antes de qualquer procedimento anestésico
deve haver uma interação entre o proprietário do animal e o profissional
anestesiologista, procurando se obter informações importantes sobre a vida do
paciente. Para isso é feita a avaliação clínica completa e minuciosa, pois dessa
forma o profissional pode prever problemas que poderão ocorrer e planejar
tratamentos na sua ocorrência. O objetivo principal desta avaliação é a
possibilidade de classificação do paciente quanto ao risco de anestesia e desta
forma proporcionar uma maior segurança anestésica. Esta avaliação envolve:

 Resenha
 Anamnese
 Exames físico
 Exames complementares

Somado a isso, o proprietário deve estar ciente quanto de como será a


anestesia, suas possíveis complicações e riscos; para tal é necessário devida
autorização por parte deste em termo de ciência dos riscos anestésicos e real
condição do paciente.

1. Resenha

1.1 Espécie
Sabendo que a medicina veterinária comporta uma grande variedade de
espécies, e que estas por sua vez apresentam particularidades inerentes com
diferenças anatômicas, fisiológicas, metabólicas e bioquímicas, a espécie é
muito importante no momento da escolha do protocolo anestésico. Entre
algumas particularidades, destaca-se:

- Felinos:

Felinos são animais que na maioria das vezes são de difícil contenção
sendo necessária neste momento uma adequada sedação do paciente. Mas
em contrapartida, devido à deficiência de glicuronização hepática desta
espécie, deve-se ter cuidado na utilização de alguns fármacos:

 A cetamina tem excreção renal de forma ativa, logo deve ser usada com
cautela em felinos, pois além de não biotransformá-la de forma
adequada também há dificuldade de excreção em casos de obstrução
urinária ou com doença renal. Deve-se sempre submeter o paciente a
fluidoterapia e promovendo diurese para correta eliminação do fármaco;
 O propofol também deve ser utilizado com precaução devido ao mesmo
motivo e por apresentar composto fenólico em sua formulação. Uma
vem que felinos podem apresentar predisposição genética a oxidação de
hemoglobina quando expostos a composto fenólicos.

- Eqüinos e Ruminantes:

Deve-se levar em consideração a sensibilidade a determinados


fármacos, bem como seu tamanho. O protocolo anestésico bem como todo o
procedimento deve ser exaustivamente planejado, pois intercorrências como
excitação, podem levar ao fracasso do procedimento, bem como por em risco a
equipe anestésica e cirúrgica.

- Répteis e anfíbios:
É necessário conhecimento aprofundado de sua anatomia, fisiologia e
metabolismo, uma vez que são completamente diferente das demais espécies.

Apresentam quando comparados aos mamíferos um metabolismo


extremamente reduzido, o que pode denotar uma taxa de eliminação de
fármacos extremamente lenta. Consequentemente a recuperação anestésica
torna-se tardia.

- Aves e pequenos roedores:

Merecem especial atenção, devido ao metabolismo extremamente


acelerado, bem como pouca tolerância a perda de temperatura. A fisiologia
respiratória deve ser muito bem estudada e avaliada.

- Espécies Silvestres e Selvagens:

Deve-se ter cautela, planejando o precedimento, pois o estresse para


estes pacientes podem ser fatais. O conhecimento da fisiologia e hábitos de
cada espécie é fundamental.

1.2 Raça

Devido a presença de determinadas particularidades que afetam o


procedimento anestésico, o estabelecimento e conhecimento das raças é
fundamental:

- Cães da raça Schnauzer miniatura (especialmente as fêmeas) algumas


vezes apresentam arritmias cardíacas que requerem exames mais detalhados
como ECG;

- Cães da raça Greyhouns e outros galgos são mais suscetíveis a


complicações se anestesiados com tiobarbitúricos (recuperação prolongada e
excitação); devido a baixa composição de gordura corporal.
- Na raça Boxer deve-se evitar o uso de derivados fenotiazínicos, pois estes
são mais suscetíveis aos seus efeitos indesejáveis; tais como hipotensão e
possibilidade de desenvolvimento de convulsões.

- Nas raças braquicefálicas (Buldgue, Pug, Pequinês, Shitzu, Persas) deve-se


evitar o uso de fármacos que deprimem a função respiratória, pois a anatomia
destas raças já as predispõe a obstruções das vias aéreas superiores;
principalmente o retorno da anestesia geral.

- Cães da raça Dobermann pinscher tem deficiência do fator de Won


Willebrand e frequentemente apresentam problemas de coagulação. Desta
forma, devem ser tratados com acetato de desmopressina intranasal cerca de
30 minutos antes do procedimento cirúrgico.

Ainda deve-se levar em consideração que cada raça possui um tipo de


temperamento, que influenciará na escolha do protocolo anestésico. Por
exemplo, yorkshires e pinschers são naturalmente agitados e se estressam
facilmente; Labradores, Boxers, Collies, Cockers geralmente são calmos e
dóceis; Rottweilers, Filas e Pit Bulls normalmente são agressivos e isto acaba
dificultando a avaliação pré-anestésica. Isto somado ao estresse da contenção
pode aumentar os riscos anestésicos.

1.3 Sexo

O sexo geralmente é indiferente para o procedimento anestésico, porém,


fêmeas no cio, prenhes ou com infecções uterinas requerem maiores cuidados.
Porém, novos estudos sugerem algumas particularidades sexuais quanto a
metabolização e potencia de determinados fármacos.

1.4 Idade

Pacientes neonatos, pediátricos ou idosos inspiram cuidados como:


evitar jejum prolongado (neonatos e pediáticos), redução da dose dos
fármacos, evitar hipotemia e hiperhidratação. Deve ser considerado a
possibilidade de doenças características com a idade. Lembrar ainda, que
animais neonatos, mantém o débito cardíaco exclusivamente através da
manutenção da freqüência cardíaca.

1.5 Peso e condição corporal

Deve-se ter especial atenção aos extremos. Tanto animais obesos


quanto caquéticos devem receber maiores cuidados. É importante o real peso
do paciente, uma vez que o cálculo dos fármacos é realizado através do peso
corporal conforme segue:

Volume a ser administrado (ml) = Peso (kg) x Dose (mg/kg)


Concentração (mg/ml)

2. Anamnese

Após a resenha, deve-ser realizar a anamnese, que nada mais é do que


uma conversa minuciosa e detalhada com o proprietário do animal, utilizando
perguntas que exigem respostas completas, procurando obter informações
sobre:

 Sinais e sintomas nos últimos dias;


 Patologias que acometeram o paciente anteriormente ou atualmente;
 Anestesias anteriores (se foi anestesiado alguma vez, qual o protocolo,
como se recuperou);
 Se está em tratamento com algum medicamento, se teve alergia a
algum fármaco, etc.

Na amamnese deve-se também investigar detalhadamente todos os


sistemas do paciente, com perguntas voltadas a estes:
 Sistema cardiopulmonar (se faz exercícios ou caminhadas; se cansa
facilmente; se tosse e com que frequência; se tem secreção, etc)
 Sistema neurológico (procurar saber se o animal já desmaiou alguma
vez, se tem convulsões)
 É importante também obter informações sobre ingestão de água e
alimentos, ocorrência de vômito, aparência e quantidade da urina e das
fezes.

3. Exame físico

 Condição geral do paciente


o Estado de hidratação
o Estado de nutrição (hipoproteinemia ou excesso de peso)

Após, deve-se realizar uma avaliação completa dos sistemas orgânicos do


paciente, priorizando:

 Sistema cardiovascular:
o Auscultação cardíaca, pulso arterial, tempo de preenchimento
capilar
 Cão 70 - 120 bpm
 Gato 110 -130 bpm
 Equino 32 – 44 bpm
 Aves >120 bpm

 Sistema pulmonar
o Ausculta pulmonar, presença de secreções e estertores
 Cão f 15 - 30 mrm
 Gato f 20 – 30 mrm
 Equino f 8 – 16 mrm
 Aves f >20 mrm
 Sistema hepático e renal (palpação abdominal, por exemplo)
 Sistema digestório, tegumentar, sistema nervoso, metabólico/endócrino
e por último o sistema músculo-esquelético.

4. Exames complementares

Exames complementares são imprescindíveis para a avaliação pré-


anestésica. O ideal é que eles sejam recentes, com no máximo 7 dias de
antecedência, sendo que em alguns casos, estes devem ter menos de 24
horas, pois alguns deles como proteínas plasmáticas totais, gases sanguíneos
e hematócrito em casos de patologias agudas alteram-se rapidamente.

Os principais exames complementares a serem solicitados para


qualquer paciente submetido ao procedimento anestésico são:

 Hematológicos
- Hemácias e hemoglobina
- Hematócrito
- Proteínas plasmáticas totais (PPT)
- Leucócitos
- Plaquetas
- Tempo de protrombina (coagulação)

 Bioquímicos
- Avaliação hepática (ALT e FA)
- Avaliação renal (Uréia e creatinina)
- Glicose e eletrólitos

 Hemogasometria (avaliação de gases sanguíneos e Ph)


 Eletrocardiografia
 Exames de imagem (Raio-X e Ultra-som)
5. Classificação do paciente

Após a realização da anamnese, exame físico, exame clínico e obtenção


dos resultados dos exames laboratoriais, o paciente deve ser enquadrado em
um dos estados físicos estabelecidos pela classificação da Associação
Americana de Anestesiologistas (American Society of Anesthestesiologists -
ASA). Esta indicará diretamente o risco anestésico ao qual o paciente será
submetido.

Estado físico Condição do paciente

ASA I Paciente normal, hígido

ASA II Patologia localizada ou sistêmica leve

ASA III Patologia sistema grave que limita


atividade, mas não incapacitante

ASA IV Patologia sistêmica incapacitante que


é ameaça constante à vida

ASA V Risco de morte iminente, expectativa


de vida não ultrapassa 24 horas com
ou sem cirurgia (emergência)
E Emergência (I –V)
*ASA (American Society of Anesthesiologists)
6. Preparação do paciente

A preparação do paciente envolve as seguintes etapas:

 Hospitalização/estabilização

De preferência o paciente deve ser hospitalizado no dia ou na noite


anterior ao procedimento, ou pelo menos no turno anterior. Tem por finalidade
a adaptação ao ambiente hospitalar e também proporcionar uma melhor
avaliação do anestesiologista, além da possibilidade de instituir alguma terapia
que seja necessária para a estabilização fisiológica prévia do paciente, como
no caso de animais que necessitem de hidratação, transfusão sanguínea, etc.
O profissional anestesiologista precisa ter em mente quais os efeitos
farmacocinéticos e farmacodinâmicos dos fármacos anestésicos e que estes
podem causar alterações importantes no organismo do animal como
hipotensão, bradicardia, taquicardia, etc. Em alguns casos há necessidade de
estabilização e até mesmo adiamento da cirurgia, entre eles:

o Anemia por perda aguda de sangue;


o Desidratação grave, hipoproteinemia;
o Desequilíbrio ácido-básico e eletrolítico;
o Disfunções cardíacas, respiratórias ou renais;
o Defeitos hemostáticos;
o Controle da temperatura corporal;
o Analgesia e terapia de apoio a animais politraumatizados ou com
outras afecções graves;
o Antibioticoterapia preventiva.

 Jejum

A presença de conteúdo gástrico aumenta o risco de vômito e/ou


regurgitação durante o ato anestésico, podendo haver aspiração via traqueal e
consequentemente o desenvolvimento de um quadro de pneumonia por
aspiração. Para cães e gatos o jejum alimentar deve ser de 6 a 12 horas e
hídrico de 4 a 6 horas. Nos pacientes em aleitamento (lactentes) o jejum não é
recomendado devido ao esvaziamento gástrico ser extremamente rápido. Aves,
pequenos mamíferos e animais neonatos podem desenvolver rapidamente
hipoglicemia. Em neonatos (cães e gatos com menos de 8 semanas) o jejum
não é necessário. E quando realizado, não deve ultrapassar a 2 horas. Nestes
pacientes o acompanhamento pré, trans e pós anestésicos com avaliação de
glicemia sérica é necessário.

Após esta etapa, é realizada a escolha dos fármacos que seguirão as


etapas seguintes.

Referências

CARREGARO, A. B. Aulas de anestesiologia veterinária: Anestesiologia-introdução.


Disponível em:
http://www.anestesia.vet.br/index.php?option=com_weblinks&view=category&id=37&It
emid=64 Acesso em 20/07/2011.

FUTEMA, F. Avaliação pré-anestésica. In: FANTONI, D.T.; CORTOPASSI S.R.G.


Anestesia em cães e gatos. Roca, São Paulo, 2009. Cap. 5, p.73-82.

MASSONE, F. Considerações gerais. In: Anestesiologia veterinária farmacologia e


técnicas. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2008. Cap. 1, p. 1-12.

MUIR, W. W., HUDBBELL, J. A. E., BEDNARSKI, R. M. Evaluación y preparación del


paciente. In: Manual de anestesia veterinaria. Elsevier Mosby: Madrid, 2008. Cap. 2,
p. 24.

NATALINI, C. C. Introdução a anestesiologia veterinária. In: Teoria e técnicas em


anestesiologia veterinária. Porto Alegre: Artmed, 2007. Cap. 1, p. 20.

NETO, F. J. T., LUNA, S. P. L. Avaliação pré-anestésica e preparo do paciente. In:


Apostila da disciplina de anestesiologia veterinária. Universidade Estadual
Paulista, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. Botucatu, 2009. p.129.

THURMON, J. C., TRANQUILLI, W. J. Consideraciones generales sobre la


anestesia. In: Fundamentos de anestesia y analgesia. Barcelona: Masson, 2003. Cap.
1, p.1.
CAPÍTULO 5

FLUIDOTERAPIA NA ANESTESIA

Dr. Alceu Gaspar Raiser; Dr. André Vasconcelos Soares

No pré-operatório além dos cuidados rotineiros, que antecedem a


cirurgia, está indicada a estabilização hidroeletrolítica. Para estimar a
quantidade de solução a repor é necessário avaliar o grau de espoliação que o
indivíduo apresenta. A avaliação clínica permite uma estimativa subjetiva,
porém suficiente para evitar reposição excessiva ou muito aquém das reais
necessidades do paciente. É conveniente lembrar que nos animais obesos ou
caquéticos estes sinais podem estar mascarados. Desnutrição não é sinônimo
de desidratação e obesidade não significa boa condição física.
Nas cirurgias eletivas o cirurgião e o anestesista podem dar-se ao luxo
de corrigir completamente a desidratação antes da intervenção. A emergência
e o custo podem tornar-se limitantes. No primeiro caso não se pode esperar
muito para intervir, perdendo um tempo precioso à sobrevivência, no entanto,
pode-se iniciar a reposição enquanto se faz o exame clínico e estão sendo
tomadas as medidas pré-operatórias de rotina. No segundo caso, o custo da
internação e das soluções pode ser anti econômico. Em se tratando de
pequenos animais geralmente predomina o valor afetivo.
A escolha da solução de reposição é fator importante na hidratação. A
maioria dos animais desidratados requer relativamente mais água que
eletrólitos. Quando for associada uma solução eletrolítica com outra glicosada,
ambas isotônicas, a glicose é metabolizada restando a água que é distribuída
pelo organismo ou eliminada pela urina. Com raras exceções a maioria dos
fármacos tranqüilizantes e anestésicos são hipotensores. Daí a necessidade de
preparação pré-operatória, aliada a uma escolha criteriosa do tipo de anestesia
no animal com patologia aguda. Durante a cirurgia ocorrem perdas de grau
proporcional ao tempo e severidade da agressão cirúrgica. Quando da diérese
de tecidos ocorre resposta inflamatória imediata com formação de exsudato, o
que resulta em mobilização dos líquidos para a área lesionada.
Além da perda de volume circulante (hemorragia) há redução do líquido
extracelular devido ao seqüestro para o chamado “terceiro espaço” (que inclui o
edema de dissecação extensa, fuga de líquido para o lúme ou parede de
órgãos ocos e cavidade peritoneal); para o meio externo por evaporação (na
superfície corporal, trato respiratório, vísceras expostas); por lesão celular.
A diminuição ou elevação dos níveis de sódio extracelular e potássio
intracelular está ligada a aumento ou diminuição dos líquidos orgânicos. A
utilização de uma solução eletrolítica balanceada durante as intervenções
cirúrgicas traz benefícios inquestionáveis. Além de facilitar a suplementação de
anestésico venoso, quando necessário, e a suplementação de fármacos em
caso de emergência hemodinâmica, oferece compensação para as perdas de
líquido orgânico. É recomendada a solução de Ringer lactato de sódio, em
dose de 10 a 20 ml/kg/h, para pequenos e 6 a 8 ml/kg/h para grandes animais.
Esta dose pode ser aumentada ou diminuída, durante a cirurgia, dependendo
da reação do paciente.
Além de fazer a reposição hidroeletrolítica o Ringer lactato de sódio tem
ação alcalinizante devido ao incremento na perfusão tecidual, filtração renal e
metabolização do lactato em bicarbonato. Deve ser considerado, no entanto,
que o lactato é metabolizado em 2 a 3 horas pelo fígado. Assim, nos casos de
severa acidose láctica e/ou patologia hepática, é recomendado usar o
bicarbonato e sódio na dose de 2 a 4 mEq/kg, diluído em 500 ml de solução
salina e administrado por gotejamento venoso em 4 a 6 horas.
O pós-operatório tem como prioridade principal a rápida recuperação da
capacidade de auto-manutenção pelo paciente. Quando for feito um pré
operatório cuidadoso e cirurgia atraumática, mesmo compensando as perdas
trans-operatórias, mas houver falha no acompanhamento pós-cirúrgico, haverá
grande possibilidade de insucesso. Nesta fase, portanto, deve ser procedida
avaliação clínica cuidadosa da dinâmica circulatória, registrando o aporte e as
perdas de líquido diariamente. Para isso canis metálicos com calhas coletoras
permitem medir a quantidade de líquido perdido pela urina e eventual vômito ou
diarréia. Anotar também o volume administrado no trans-operatório e lembrar
que as perdas para o “terceiro espaço” comumente ainda prosseguem após a
cirurgia.
A avaliação dos sinais físicos permite uma estimativa aproximada da
condição geral. Pacientes de traumatismo tendem a reter água e sódio. A
retenção hídrica é conseqüente à secreção aumentada e prolongada do
hormônio antidiurético (ADH). Há também contribuição do mecanismo renina-
angiotensina-aldosterona. Inicialmente há retenção de líquido como edema nos
tecidos lesionados que atuam a semelhança de esponjas. Mais tarde, o líquido
retido por ação do hormônio anti-diurético move-se do leito vascular para o
interstício e célula. Ocorre paralelamente retenção de sal, mas em menor
escala e sobrevem hiponatremia dilucional. A hiponatremia e excreção
reduzida de sódio após procedimentos cirúrgicos prolongam a recuperação do
paciente.
Na fase de estresse pelo trauma cirúrgico ocorre gliconeogênese
principalmente às expensas de aminoácidos. O catabolismo protêico está
aumentado na fase de regeneração tecidual. Desta forma, no pós-operatório
imediato a fluidoterapia deve constar de uma solução hidroeletrolítica
balanceada, como o Ringer lactato de sódio, à qual pode ser associada outra
contendo aminoáciodos e não glicose. O volume de ao menos 50 ml/kg/dia
para o cão, 70 ml/kg/dia para o gato e 40 ml/kg/dia para grandes animais
evitará a oligúria e hiponatremia dilucional. Quantidades maiores ou menores
de soluções ou a escolha de diferentes tipos ficam na dependência de
cuidadosa avaliação clínica.
Pode acontecer de o paciente ter sofrido severa agressão
comprometendo sua volemia. São exemplos as lesões com hemorragia
abundante e as queimaduras extensas. Os sinais físicos indicadores de
hipotensão incluem: pulso filiforme ou ausente, colabamento de veias
periféricas, diminuição no débito urinário, bulhas cardíacas mais fracas à
auscultação e variação na coloração das mucosas e tempo de reperfusão
capilar.
Estes casos de hipovolemia requerem a reposição de volume com
soluções contendo moléculas que não passam facilmente através da parede
capilar e permaneçam no leito vascular exercendo pressão coloidosmótica.
Estas soluções são conhecidas como coloidais. Assim, as soluções salinas,
como a de Ringer ou Ringer lactato, por não manterem pressão
coloidosmótica, podem causar edema nestas situações por passarem
rapidamente para o meio intersticial.
Experimentalmente comprovou-se que é necessário um volume três a
quatro vezes superior ao de sangue perdido, quando for substituído por
solução salina. Assim, a associação entre soluções hidratantes e expansores
da volemia deve estar numa proporção de 3:1 para que seja corrigido o déficit
hidroeletrolítico e a hipotensão.
CAPÍTULO 6

MEDICAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA

Medicação pré-anestésica (MPA): Aplicação de algum fármaco que


produz tranquilização ou sedação, minimizando a quantidade de outros
anestésicos, e também provocando uma anestesia balanceada além da
redução do estresse e conseqüente menor liberação de catecolaminas. Em
medicina veterinária, geralmente é necessária a aplicação combinada de dois
ou mais fármacos, pois NÃO existe um único fármaco que inidividualmente
produza os efeitos desejados para que se obtenha os objetivos de uma MPA,
sejam eles:

- Tranquilizar ou sedar os animais, conforme necessidade individual,


principalmente o temperamento;

- Potencializar os efeitos dos fármacos indutores da anestesia geral e/ou de


manutenção da anestesia;

- Reduzir os efeitos autonômicos adversos dos fármacos indutores da


anestesia geral e/ou de manutenção;

- Reduzir os efeitos indesejados de alguns procedimentos (Rx contrastado,


manipulação de vísceras, manipulação de globo ocular, etc);

- Previnir ou induzir a vômito, conforme necessidade;

- Reduzir secreções das vias aéreas e fluido gástrico;

- Tornar os períodos de indução, manutenção e recuperação anestésicas com


menores probabilidades de intercorrências adversas.

De uma forma geral, considera-se o fármaco aplicado de 15 a 45


minutos antes do procedimento anestésico, como fármaco pertencente a MPA,
sendo que alguns fatores devem ser respeitados no momento da escolha do (s)
fármaco (s) a ser (em) utilizado (s) na MPA, como por exemplo:

- Temperamento do paciente

- Necessidade ou não de analgesia

- ASA

- Efeitos farmacológicos desejados, bem como o tempo de ação


de cada fármaco utilizado.

Fármacos Utilizados em MPA

Os fármacos que comumente são utilizados para esta finalidade,


compõe os grupos de fármacos anticolinérgicos, fenotiazínicos,
benzodiazepínicos, butirofenonas, agonistas alfa dois adrenérgicos e derivados
opióides.

A) DERIVADOS ANTICOLINÉRGICOS OU ANTIMUSCARÍNICOS

Os fármacos anticolinérgicos, por agirem competitivamente e inibirem os


receptores parassimpáticos colinérgicos muscarínicos a nível pós-gangliônico,
são indicados em doses clínicas para produzirem bloqueio dos efeitos da
acetilcolina nos receptores muscarínicos, sem o menor efeito nos receptores
nicotínicos, desta forma, espera-se:

- Produção de taquicardia sinusal;

- Diminuição das secreções nas vias aéreas e da salivação (cuidado em


ruminantes!);

- Diminunição da motilidade gastrintestinal (cuidado em eqüinos!)

- Previne Vômito e diarréia.

- Broncodilatação.
Desta forma, estes fármacos são utilizados em medicina veterinária,
sempre que se necessita destes efeitos específicos. As indicações são:

- Animais com bradicardia pré-existente;

- Doenças cardíacas que cursem com bradicardia;

- Uso de doses altas de derivados opióides e agonistas alfa dois


adrenérgicos;

- Manipulação de regiões que possam produzir estímulo vagal: vísceras


abdominais, região cervical e globo ocular.

Dentre os derivados colinérgicos conhecidos e utilizados, tem-se a


escapolamina, sulfato de atropina e brometo de glicopirrolato.

Escopolamina (bromidrato de escopolamina)

Possui ações midriática, antiespasmódica e anti-secretora, semelhantes


ou discretamente superiores à da atropina, porém de efeito mais fugaz. Possui
ainda maior ação sobre glândulas salivares, brônquicas e sudoríparas que a
atropina, produzindo porém, uma taquicardia mais discreta.

Produz sonolência, comprovando ação sobre o SNC (depressão) e


demonstrando vantagem de seu uso em MPA.

Doses mais altas podem provocar emese, alucinação e ataxia.

Dose: 0,01 a 0,02 mg/kg

Sultato de Atropina

Derivado anticolinérgico que após sua administração parenteral (SC, IM,


IO ou IV) apresenta metabolização pelo sistema hepático e eliminação renal,
em aproximadamente uma hora e meia a duas horas com 30 a 50% da
totalidade de sua dose administrada sem metabolização. Em virtude de sua
capacidade de ultrapassagem das barreiras hematoencefálica e placentária,
deve se ter especial atenção no seu uso em fêmeas gestantes devido ao seu
efeito no feto ser diretamente proporcional ao efeito na gestante.

Em leporinos e roedores a atropina é metabolizada rapidamente, devido


a presença de esterases hepáticas e enzimas especificas plasmáticas
(atropinesterases) nestas espécies.
A dose indicada varia de 0,022 a 0,05 mg/kg, dependendo da via de
administração.

Brometo de glicopirrolato

É um anticolinérgico sintético, que não atravassa as barreiras


placentária e hematoencefálica, produzindo efeitos menos acentuados do que
os vistos quando da administração em doses eqüipotentes do sulfato de
atropina.Seu efeito pode perdurar por até 5 horas. São indicadas doses de 0,05
a 0,02 mg/kg. Não comercializado no Brasil.

B) DERIVADOS FENOTIAZÍNICOS (Tranquilizantes)

Agem no sistema nervoso bloqueando importante fração de


neurotransmissores como serotonina e dopamina e ainda gerando depressão
do sistema reticular. Produzem tranquilização porém sem hipnose ou
analgesia, diminuindo o limiar convulsivo. De uma forma geral são
considerados como antipsicóticos ou nerolépticos, antihistaminicos e ainda
possuem potencial antiemético. Quando utilizados na MPA conferem
tranquilização sem analgesia, portanto em protocolo que será usado para
procedimento anestésico/cirúrgico, haverá necessidade de utilização de
analgésico concomitante, onde irão portencializar o efeito destes analgésicos.

O principal efeito adverso periférico é a vasodilatação, que pode ser tão


acentuada conforme a dose utilizada, podendo produzir diminuição significativa
da pressão arterial. Este efeito é se dá por bloqueio dos receptores alfa 1
adrenérgicos.

Cães braquicefálicos apresentam uma maior predisposição aos efeitos


adversos destes fármacos, devendo ser evitados, assim como em garanhões
por haver relatos de bloqueio de inervação adrenérgica do músculo retrator do
pênis.
MALEATO DE ACEPROMAZINA

A Acepromazina é o principal fenotiazínico utilizado em Medicina


Veterinária, e é um potente neuroléptico com baixa toxicidade.

Sabe-se que o aumento da dose não melhora os sinais desejáveis


(efeito teto), apenas predispõe aos sinais adversos, que podem ser hipotensão
arterial resultante dos bloqueios dos receptores alfa-1 adrenérgicos periféricos,
onde doses clinicamente recomendadas podem diminuir em 15 a 20 mmHg em
relação aos valores basais. Essa redução é dose dependente e pode gerar
taquicardia reflexa. Outros efeitos adversos relacionados são citados como
depressão cardíaca, aumento da perfusão cutânea e visceral.

Possui ainda ação em centro termorregulador, afetando a capacidade de


regulação de temperatura. No sistema respiratório, em doses terapêuticas, a
existência de efeitos colaterais são quase desprezíveis, podendo apenas gerar
efeito aditivo em fármacos que levam a depressão respiratória. Dependendo
ainda da dose, no SCV pode ocorrer diminuição da FC, bloqueio
atrioventricular e bloqueio sinoatrial.

As doses recomendadas são de 0,01mg/kg até 0,2mg/kg sendo a


aplicação pelas vias subcutânea (SC), intramuscular (IM) ou intravenosa (IV),
com inicio de enfeito entre 15 e 45 minutos por um período de 3 a 6 horas.

A DL 50 em ratos pode chegar a 70 mg/kg.

LEVOMEPROMAZINA e CLORPROMAZINA

São fenotiazinicos menos utilizados em medicina veterinária que


apresentam menor potência de tranquilização quando comparados à
acepromazina, porem com mesmos efeitos adversos.
C) DERIVADOS BENZODIAZEPÍNICOS (Tranquilizantes)

Os Benzodiazepínicos (BZD) detêm efeitos ansiolíticos, hipnóticos,


miorrelaxantes e geram amnésia. O efeito hipnótico é marcadamente visto em
humanos. Todos eles apresentam esses fatores, alguns em maior ou menor
escala, existindo diferenças apenas em duração e intensidade dos efeitos
porém não são capazes de produzir analgesia.

Os BZD mais comumente utilizados em medicina veterinária são o


diazepam e o midazolam, os quais agem potencializando o ácido gama-
aminobutiríco (GABA), neurotransmissor inibitório do Sistema Nervoso Central
(SNC). É o responsável por 30% a 40% das sinapses inibitórias, por isso tem
efeito anticonvulsivante, limitando a continuação das crises e elevando o limiar
convulsivo e ainda com a capacidade de deprimir os reflexos espinhais com
relaxamento muscular.

São metabolizados no fígado e excretados pelos rins. Apresentam


metabólitos ativos, sendo os metabólitos do midazolam eliminados mais
rápidos que os do diazepam, devido á sua vida média mais curta.

Dentre os efeitos adversos dos benzodiazepínicos, pode-se citar a


possibilidade de excitação paradoxal, principalmente se aplicados em animais
em alerta e com ausência de outros fármacos depressores. Além de existir a
possibilidade de não se obter os efeitos desejados em pacientes sadios, pois
produzem respostas individuais variáveis. Comumente não causam alterações
significativas na freqüência cardíaca e freqüência respiratória, porém em fetos
pode provocar marcada depressão respiratória, verificada em neonatos recém
nascidos apresentando cianose.

A dose de ambos que pode ser utilizada varia entre 0,1 a 1mg/Kg.

O flumazenil é um antagonista específico dos tranqüilizantes


benzodiazepínicos, apresentando uma grande afinidade por estes receptores e
revertendo todos os efeitos do SNC induzidos por diazepam e midazolam,
quando administrado na dose de 0,02 a 0,1mg/Kg IV.

D) BUTIROFENONAS (Tranquilizantes)

Os efeitos farmacológicos das butirofenonas, como o droperidol e o


azaperone, são conseguidos através de seu efeito de inibição dopaminérgica a
nível de sistema nervoso central. Possuem os efeitos tranqüilizantes muito
semelhantes ao produzidos pelos derivados fenotiazínicos porém com risco de
excitação e desenvolvimento de agressividade em pequenos animais,
principalmente na espécie canina. Porém não poduzem efeito antiemético,
antiarrítmico ou antihistamínico à comparação dos fenotiazínicos. Seus efeitos
perduram por até 6 horas, sendo então metabolizados pelo sistema hepático e
eliminados pelos rins.

As doses de droperidol e azaperone em pequenos animais e suínos é de


0,5 mg/kg e 2,2 mg/kg respectivamente, com efeito de até 6 horas.

E) AGONISTAS ALFA DOIS ADRENÉRGICOS (Sedativos)

Também chamados de simpaticomiméticos ou adrenomiméticos ou


apenas adrenérgicos, constituem os fármacos que estimulam direta ou
indiretamente os receptores adrenérgicos ou adrenoreceptores. O efeito de um
fármaco agonista adrenérgico administrado em determinado tipo de célula
efetora depende da seletividade desta droga pelos receptores, assim como,
das características de resposta das células efetoras, e, do tipo predominante
de receptor adrenérgico encontrado nas células.
São conhecidos cinco grupos de adrenoceptores ou receptores
adrenérgicos: Alfa 1 – alfa 2 – beta 1 – beta 2 - beta 3. Estes adrenoceptores
quando são ativados apresentam os seguintes efeitos:

Alfa 1: Vasoconstrição – aumento da resistência periférica – aumento da


pressão arterial – midríase – estimulo da contração do esfíncter superior da
bexiga – secreção salivar – glicogenólise hepática – relaxamento do músculo
liso gastrintestinal.

Alfa 2: Inibição da liberação de neurotransmissores, incluindo a noradrenalina –


inibição da liberação da insulina – agregação plaquetária – contração do
músculo liso vascular.

Beta 1: Aumento da freqüência cardíaca (taquicardia) – aumento da força


cardíaca (da contratilidade do miocárdio) – aumento da lipólise.

Beta 2: Broncodilatação – vasodilatação – pequena diminuição da resistência


periférica – aumento da glicogenólise muscular e hepática – aumento da
liberação de glucagon – relaxamento da musculatura lisa uterina – tremor
muscular.

Beta 3 - Termogênese e lipólise.

Os principais fármacos pertencentes a esta classe, são a xilazina,


detomidina, medetomidina, dexmedetomidina, romifidina e clonidina.

São sedativos clássicos, pois produzem sedação dose dependente,


causam depressão dose-dependente pela estimulação dos receptores alpha-2
adrenérgicos tanto em SNC como em periférico, diminuindo a liberação de
norepinefrina central e periférica. Seu uso está indicado então, para a
promoção de analgesia visceral, sedação e/ou relaxamento muscular.

Dentre os efeitos dos alpha-2 agonistas, pode-se encontrar além da


bradicardia e bloqueio atrioventricular, redução do débito cardíaco, aumento
inicial da pressão arterial, seguido de hipotensão, diminuição da pressão
parcial de oxigênio, queda na freqüência respiratória e volume minuto.
Possuem importante efeito sedativo agindo em um único tipo de
receptor: os adrenoreceptores pré e pós-sinápticos localizados em diferentes
pontos cerebrais, podendo ser central ou periférico. Os receptores pré-
sinapticos regulam a liberação de noradrenalina e ATP, apresentando um
mecanismo de retro-alimentação negativo; impedindo, desta maneira, a
liberação de noradrenalina quando ativados, por ativação da proteína G
(proteína ligante nucleotídeo guanina) presente na face citoplasmática, com
inibição da enzima adenil ciclase e promovendo diminuição do AMP cíclico
intracelular. Quando os receptores alfa 2 são ativados, inibem a enzima
adenilato ciclase, que realiza a hiperpolarização da membrana celular e
supressão da descarga neuronal mais a inibição de neurotransmissores. A
clonidina tem sido utilizada como medicação pré-anestésica devido a menores
alterações hemodinâmicas durante a intubação endotraqueal, além de diminuir
utilização de halogenados reduzindo também os níveis de catecolaminas
circulantes.

XILAZINA

Apesar de ação analgésica e sedativa, a xilazina se caracteriza pela


grande ação miorrelaxante central devido a inibição da transmissão interneural
na medula espinhal. Produz também um estado de sonolência e moderada
ação analgésica nas diferentes espécies animais. Em cães produz ação
parassimpatomimética e produz arritmia sinusal e até bloqueio atrioventricular
de segundo grau acompanhado de bradicardia.

A recomendação de atropina preempitiva à utilização de xilazina, é fator


de muitas controvérsias, pois alguns autores demonstraram que a atropina
causa um curto período de elevação dos batimentos cardíacos em coelhos não
anestesiados, e que este fármaco não detêm efeitos benéficos no aumento dos
batimentos cardíacos em coelhos. Em bovinos a xilazina é muito eficiente, mas
em eqüinos tem efeito imprevisível. A dosagem para bovinos é de 0,1 a 0,2
mg/kg, via IM, e em cães e gatos a dosagem recomendada é de 0,2 mg/kg via
IV e até 1 mg/kg via IM. Em gatos a dosagem recomendada é de 0,5 a 0,8
mg/Kg via IM. O período de efeito perdura até aproximadamente 30 a 40
minutos.

MEDETOMIDINA

Agonista alfa dois adrenérgico que possui 50 a 100 vezes maior


potência que xilazina, com período de efeito de 2 a 3 horas. Não é indicado o
uso em eqüinos devido acentuado relaxamento muscular e possibilidade de
levar estes animais a queda. As doses indicadas são de 10 – 40 µg/Kg para
caninos; 40 – 80 µg/Kg para felinos e de 30 a 80 µg/Kg para suínos.

DETOMIDINA

Fármaco que assim como os demais possui efeito dose-dependente,


com período de até 3 horas. Torna-se uma boa alternativa para eqüinos
agressivos, pelo fato de que possibilita adequada sedação para procedimentos
em estação. Isto ocorre devido ao fato de que a detomidina quando comparada
à medetomidina apresenta menor efeito de relaxamento muscular,
apresentando então menor risco de levar estes pacientes à queda.

As doses indicadas são de 5 a 20 µg/Kg para caninos e de10 a 40 µg/Kg


para eqüinos, dependendo da via a ser utilizada, lembrando sempre que doses
menores devem ser usadas pela via intravenosa.

ROMIFIDINA

Possui efeito dose dependente muito parecido com detomidina, porém


com menor potência por um periodo também menor, de 30 a 60 minutos. As
doses comumente vinculadas a equinos são de 30 a 80 µg/Kg.
CLONIDINA

A utilização da clonidina teve inicio na década 60 sendo um composto


imidazolínico lipossolúvel, devido a presença de um núcleo imidazóico em sua
composição, possuindo alta seletividade para interação dos receptores alfa (α1
e α2A, α2B e α2C) sendo a relação α2: α1 de 300 para 1. Os efeitos
cardiovasculares proporcionados pela clonidina são hipotensão e bradicardia,
resultantes da ação em auto-receptores em centros cardiovasculares no
sistema nervoso central. Também estimula o fluxo parassimpático, contribuindo
na redução da frequência cardíaca em consequência dos tônus vagal. O efeito
anti-hipertensivo proporcionado pela clonidina ocorre devido a ativação de
receptores alfa 2 pré-sinápticos, diminuindo a liberação de noradrenalina nas
terminações nervosas periféricas. As concentrações periféricas de
noradrenalina reduzem á queda da pressão obtida. Entretanto, a clonidina pode
apresentar efeito hipertensor transitório na utilização intravenosa, através dos
estímulos dos receptores pós-sinápticos alfa-2-adrenérgico da musculatura lisa
dos vasos. A clonidina possui ação analgésica com metade do tempo de
duração sedativa, pois as ligações com as proteínas plasmáticas são de 30 a
40% e sua distribuição tecidual é rápida e ampla, atravessando a barreira
hematoencefalica e placentaria. Pesquisas recentes demonstraram que a
clonidina apresenta inibição da condução nervosa através das fibras A- e C,
promovendo uma importante função na modulação da dor. Quando
administrada por via sistêmica e subaracnóidea possui propriedade analgésica
importante durante a anestesia. As doses utilizadas variam amplamente, sendo
normalmente usadas doses de aproximadamente 15 microgramas por quilo de
peso.

DEXMEDETOMIDINA

Os agonistas específicos dos receptores adrenérgicos do tipo α-2


possuem farmacologia bastante complexa, diferindo da maioria dos outros
fármacos de uso rotineiro, por apresentarem potentes efeitos clínicos agindo
especificamente em um único tipo de receptor.
A dexmedetomidina é um D-isômero com alta especificidade por
receptores α-2 (10 vezes mais, quando comparada à xilazina), que somada à
levomedetomidina, o L-isômero, produz a mistura racêmica conhecida por
medetomidina, descrita há 16 anos. A levomedetomidina, considerada um
ingrediente inativo, antagoniza as respostas hipnóticas do seu isômero,
ligando-se a receptores α-1. O mecanismo de ação da dexmedetomidina dá-se
pelo acoplamento aos receptores α-2, principalmente pós-sinápticos e
respectiva ativação das proteínas-G (proteínas ligadas à guanina) que agem
diretamente nos canais iônicos de potássio aumentando sua condutância e
hiperpolarizando a célula nervosa.

Esse fármaco possui grande afinidade pelas proteínas plasmáticas


(94%), e após sofrer extensivo metabolismo hepático, é eliminado como um
conjugado do ácido glicurônico pelos rins (95%) não apresentando vestígios
plasmáticos 10 horas após sua administração inicial por via intravenosa. Sua
meia vida de eliminação, determinada em homens sadios, é de
aproximadamente 2,3 horas. As doses variam amplamente de 0,1 a 20
microgramas por quilo de peso.

ANTAGONISTAS ALFA DOIS ADRENERGICOS

Estes fármacos apresentam capacidade de reversão parcial ou total dos


efeitos dos agonistas alfa dois adrenérgicos. Estes podem produzir aumento da
frequência cardíaca quando usados pela via endovenosa, muito embora esta
seja a principal indicação pelo fato de que os efeitos muitas vezes devem ser
revertidos imediatamente, sendo eles:

Atipemazole

- Fármaco que possui a capacidade de antagonizar os


efeitos da medetomidina, nas doses de 30 – 40 µg/Kg

Tolazolina
- Fármaco que possui a capacidade de antagonizar os
efeitos da xilazina, porém nao disponivel no Mercado
nacional.

Ioimbina

- Fármaco que possui a capacidade de antagonizar os


efeitos de todos os agonistas alfa dois adrenergicos, sendo
usada na dose 0,1 a 0,4 mg/kg.

CAPÍTULO 7

DOR E ANALGESIA

Segundo a Associacão Internacional do Estudo da Dor (IASP), a dor e


uma experiência sensorial e emocional desagradável associada ao dano
tecidual ou o potencial para causá-lo. A dor acompanha diversas doenças e
está associada a condições traumáticas e intervenções cirúrgicas. No entanto,
a demonstração da dor não é sempre óbvia.
A dor fisiológica é causada pela ativação de neurônios aferentes
primários, denominados nociceptores. A dor pós-cirurgica é um exemplo de dor
fisiológica. Nocicepção é o termo utilizado para descrever a transmissão e
sensação de dor. Este se refere à recepção, condução e processamento de
sinais nervosos gerados por meio de estímulos de nociceptores. A transdução
e o processo celular no qual estímulos nocivos são traduzidos em energia
elétrica necessária para transmitir a dor. A transmissão do impulso da periferia
até o corno dorsal da medula espinhal se da por meio de fibras C, não-
mielinizadas, de pequeno diâmetro e condução lenta, e fibras A-ƒÂ,
mielinizadas, de maior diâmetro e condução rápida. Já a modulação se refere a
inibição e alteração da dor em nível do corno dorsal, por meio de liberação de
substâncias, como opioides endógenos, serotonina e norepinefrina, os quais
inibem a transmissão do estimulo nocivo por vias descendentes, resultando em
analgesia. Por final, a percepção e o resultado da atividade neural da
transdução, transmissão e modulação da dor, sendo também influenciada por
fatores comportamentais e emocionais. Sugere-se que a percepção da dor
ocorra nas estruturas corticais cerebrais.
Recentemente tem se dado maior ênfase a analgesia multimodal. Esta
se refere à combinação múltipla de classes de fármacos ou de técnicas
analgésicas, interferindo em diferentes pontos ao longo da via da dor. Esta
modalidade toma vantagem dos efeitos analgésicos aditivos ou sinérgicos e
reduz as doses necessárias de fármacos analgésicos que são normalmente
necessárias quando utilizados individualmente.
Assim, a analgesia multimodal otimiza a analgesia, melhora o conforto
do paciente e reduz o potencial de apresentação de efeitos adversos
associados ao tratamento.
Dentre os fármacos comumente utilizados para o controle ou prevenção
(analgesia preventiva) da dor, destacam-se os derivados opióides que
pertencem à classe de fármacos sedativos (MPA), derivados agonistas alfa
dois adrenérgicos (já mencionados no capítulo 6), antiinflamatórios não
esteroidais, antiinflamatórios atípicos entre outros.

A) Derivados Opióides

Este grupo farmacológico está indicado tanto para a produção de


analgesia pré, trans quanto pós operatória. Ainda indicados para a produção de
sedação quando utilizados clinicamente ou na MPA. Os opióides ligam-se de
modo reversível a receptores específicos no SNC e medula espinhal, pré e
pós-sinapses alterando a percepção dolorosa. Já no SNC, os opióides ativam
as vias descendentes que modulam a nocicepção, via liberação de serotonina
e, segundo estudos, também pela norepinefrina. Ainda, no sistema límbico,
afetam os componentes emocionais da dor, mas em adição à analgesia
causam sedação ou em alguns casos euforia e excitação.

Uma das grandes vantagens da utilização dos opióides como medicação


anestésica é a redução do requerimento dos anestésicos gerais.
Os opióides têm ação, potência e latência de acordo com seus
respectivos receptores e agem através de combinação reversível com os
receptores específicos. Os receptores chamados de μ (Mi) ou OP3 são
responsivos por euforia, sedação, analgesia e depressão respiratória. Os
receptores κ (Kappa) ou OP2, respondem pela analgesia e sedação, os
receptores δ (sigma), disforia, exitação, efeitos alucinógenos e ainda os
receptores Δ (delta), que são poucos conhecidos.

Estes fármacos são classificados como agonistas, agonistas-


antagonistas ou antagonistas. Os agonistas (morfina, meperidina,
hidroximorfona, metadona, oximorfona, alfentanil, sulfentanil, e fentanil),
ocupam os sítios receptores opióides mu (OP3) e dependendo da dose, da
droga, e da espécie animal podem produzir respostas fisiológicas variadas;
sendo chamados de agonistas puros.

Os antagonistas-agonistas (butorfanol, nalorfina e nalbufina), são


agonistas ou agonistas parciais em um ou mais receptores opióides (kappa) e
são antagonistas ou antagonistas parciais em outros sítios receptores opióides
(mu). Podendo antagonizar parcialmente os efeitos de agonistas opióides puros
(mu). Os chamados agonistas parciais (buprenorfina) produzem agonismo em
diversos tipos de receptores (kappa e mu). Os antagonistas totais (naloxona e
naltrexona) são fármacos que impedem que outros opióides se liguem aos
sítios receptores, revertendo os efeitos de qualquer um dos derivados opióides.

Dentre os opióides mais utilizados em medicina veterinária, a morfina,


metadona, a meperidina, o tramadol, o fentanil e em menor escala o butorfanol
são os mais empregados em medicações pré-anestésicas como no trans-
operatório.

MORFINA

A Morfina, é o protótipo dos analgésicos opióides, produz boa analgesia


pelo fato de apresentar afinidade pelos receptores μ, a dose recomendada é de
0,1 a 1 mg/Kg, via intramuscular com efeito entre 4 a 6 horas nessa dosagem.
Dentre os efeitos colaterais, podem-se citar a liberação de histamina em
aplicação intravenosa rápida, náusea e vômitos que estão relacionados às
zonas deflagradoras dos quimiorreceptores localizados no terceiro ventrículo
do SNC. A utilização deste opióide é ampla, podendo ser empregado na
medicação pré-anestésica, como analgésico para dor profunda e ainda para
analgesia em espaço epidural, onde a dose é de 0,05 a 0,1mg/kg e alcançando
um efeito que pode durar por 24 horas dependendo do paciente.

A morfina é o mais importante derivado alcalóide do ópio, apesar de


seus efeitos adversos como depressão respiratória, vômitos, náuseas,
sialorréia, defecações e excitação em gatos, (o que é um mito, pois se utilizada
na dose correta promovem um ótimo efeito analgésico sem excitação). É o
opióide de eleição para cirurgias onde haja a necessidade de uma forte
manutenção anestésica. As doses da morfina variam de 0,05 a 1 mmg/kg,
conforme a via a ser empregada, assim como a metadona.

FENTANIL

Os analgésicos opióides geram analgesia intensa, possibilitando o a


redução das concentrações dos anestésicos inalatórios e diminuindo a
depressão cardiovascular que ocorre durante a anestesia. Vários opióides
podem ser empregados na anestesia, sendo que dentre os mais potentes, o
fentanil, o sufentanil e o alfentanil são os mais freqüentemente administrados
no transoperatório. O fentanil, que é um opióide μ (OP3) agonista, de estrutura
sintética, e até 100 vezes mais potente que a morfina, porém com efeito
passageiro, que perdura por 20 a 30 minutos, quando administrado via
parenteral. Apresenta efeitos como depressão respiratória, analgesia, sedação
e ataxia. Apresenta bradicardia sinusal profunda, que pode ser antagonizada
pela atropina. Sua dose varia de 1 a 5 µ/kg em dose bolus ou 0,4 até 0,7
μg/kg/min em infusão contínua precedida da dose bolus. Já seus congêneres
(sufenta, remifentanil e alfentanil) possuem efeito muito fugaz, sendo utilizados
em infusão continua intravenosa.
MEPERIDINA (Petidina)

A Meperidina é um agonista narcótico sintético que apresenta um


décimo da potência da morfina, apresentando também menor depressão
cardiovascular e respiratória. A duração do efeito é de uma a duas horas. Sua
dose varia de 1 a 5 mg/kg pela via intramuscular. Merece especial atenção,
pois mesmo em subdoses, quando administrada pela via intravenosa, pode
ocasionar liberação de histamina endógena.

TRAMADOL

O tramadol, análogo sintético da codeína, detém baixa afinidade por


receptores μ, cerca de 6000 vezes menor que a morfina e, portanto, sua
analgesia é menor, mas quando utilizada em doses equipotentes produz boa
analgesia devido ao mecanismo de ação diferente que além da ligação aos
receptores opiáceos inibe a captação de norepinefrina promovendo liberação
de serotonina e bloqueando os impulsos da medula espinhal. Devido a este
fato, o tramadol não é um opióide totalmente reversível com a naloxona, mas
pode ter seus efeitos minimizados pela ioimbina. A dosagem varia de 1 a 5
mg/kg, apresentando período médio de efeito de 6 horas.

BUTORFANOL

Derivado opióide antagonista-agonista que apresenta analgesia 5 vezes


maior que a morfina com poucas alterações nos SR e SCV, sendo considerado
um bom sedativo. Porém doses maiores causa intense efeito cardiodepressor,
sendo necessário o uso de antagonistas. Apresenta period de efeito por 3 a 5
horas, nas doses de 0,1 a 0,4 mg/kg.
NALBUFINA

Derivado opióide antagonista-agonista que apresenta analgesia


comparada à da morfina no tocante ao tempo de início da ação analgésica e
maior duração, deprimindo a respiração tanto quanto a morfina, porém a
readministração não produz depressão respiratória adicional, o que a morfina
causa. Este opióide não altera a pressão arterial média e tem efeito benéfico,
tanto no fluxo sangüíneo, quanto na circulação periférica.

BUPRENORFINA

Derivado opióide agonista parcial que apresenta analgesia 30 vezes


maior que a da morfina. Sendo que as alterações SR e SCV em cães são mais
discretas do que a morfina. Possui um período de efeito que varia entre 6 a 12
horas, nas doses de 5 a 10 µg/kg.

NALOXONA e NALTREXONA

São fármacos capazes de deslocar os derivados opióides, quais forem,


de seus receptores, proporcionando antagonismo competitivo, revertendo
assim todos os efeitos do agonista anterios, sendo eles, sedação ou analgesia.

As doses usualmente recomendadas são de 0,04 mg/kg, perdurando por


um perido que compreende 1 a 2 horas.

Uma nova força que cada vez ganha mais espaço na Medicina
Veterinária é a neuroleptoanalgesia, ou seja, a associação entre uma droga
neuroléptica, (um tranqüilizante), associado a um opióide ou outro fármaco que
gere analgesia, sendo amplamente utilizado e demonstrando bons resultados.
Apenas a morfina era utilizada no início, mas hoje já se utilizam mais de 10
associações, desde acepromazina com morfina, acepromazina com tramadol,
midazolam com meperidina dentre outros muitos outros. A combinação destes
agentes pode gerar apnéia ou hipopnéia, bradicardia, defecação, flatulência e
emese.
CAPÍTULO 8

ANESTESIA DISSOCIATIVA

É o tipo de anestesia capaz, de maneira seletiva, dissociar o córtex


cerebral causando analgesia e “desligamento”, sem perda dos reflexos
protetores. Esta dissociação ocorre por bloqueio dos nervos sensitivos no
tálamo, concomitantemente a estimulação de áreas límbicas, (levando a
episódios de epilepsia).

Os anestésicos dissociativos de maior utilização em medicina veterinária


são a cetamina e a tiletamina, sendo esta apenas encontrada associada ao
zolazepam, um benzodiazepínico, na intenção de gerar relaxamento muscular.

Os aminoácidos excitatórios (AEE), são neurotransmissores primários do


SNC que ao se ligarem aos receptores causam liberação de canais, resultando
em potencial pós-sináptico excitatório, despolarizando a membrana neuronal,
mediada pela entrada de cálcio. A cetamina, além de reduzir a resposta dos
neurônios centrais aos aminoácidos excitatórios também pode estar envolvida
em parte ao antagonismo com os receptores NMDA (N-metil-D-aspartato), por
interferir nas sinapses excitatórias do SNC, ação gabaérgica indireta, bloqueio
da captação das catecolaminas, agonismo dos receptores opióides e
antagonismo dos receptores muscarínicos.

As características de ação da cetamina são rápido período de latência e


a recuperação da anestesia é causada pela redistribuição da droga para outros
tecidos, sendo que uma única dose de cetamina, sem medicação pré-
anestésica, dura em torno de 10 a 20 minutos.

Após aplicação, os anestésicos dissociativos são redistribuídos


rapidamente e metabolizados pelo fígado gerando subprodutos, alguns com
ação anestésica como a norcetamina e que detém um terço da potência da
cetamina. A duração da anestesia com medicação anestésica é de 30 a 40
minutos, dependendo do tipo de MPA utilizada. Atualmente existe
comercialmente a versão pura em forma de isômero S(+), com maior poder
anestésico e com menores reações adversas. O isômero S(+) parece ter maior
afinidade aos receptores NMDA e sendo eliminado mais rapidamente.

A analgesia gerada pela cetamina pode ocorrer até em subdoses (0,05 a


0,1 mg/kg). A analgesia é mais somática do que visceral, mas apresentando
efeito visceral, em gatos semelhante ao butorfanol. A explicação dessa
necessidade baixa de cetamina para produzir analgesia é pelo fato de que as
doses necessárias para bloquear os receptores NMDA são consideravelmente
menores que aquelas responsáveis para gerar anestesia.

Dentre os efeitos observados na aplicação de cetamina observa-se uma


taquicardia pelo efeito simpaticomimético. Ela tem sido recomendada em
pacientes críticos, apesar de predispor o risco de depressão cardíaca e
respiratória, entretanto, a pressão sanguínea é mais bem mantida em animais
com manutenção anestésica com cetamina pelo resultado do efeito
vasoconstritor e concentração arterial de lactato aumentada do que em animais
com baixa pressão sanguínea anestesiados com um anestésico volátil. A
cetamina não deprime respostas ventilatórias apresentando apenas efeitos
mínimos em trocas gasosas. A apnéia de indução é dose dependente.
Aumenta a salivação e secreção de muco no trato respiratório e também do
tônus de musculatura extra ocular. A cetamina produz profunda anestesia
operatória em gatos com doses de até 10 mg/kg e para indução, para
pequenos procedimentos ou para intubação a dose de 2 a 6 mg/kg, IM oferece
de 15 a 20 minutos de anestesia dissociativa.

Os efeitos da tiletamina são semelhantes à cetamina sendo mais


potentes. Seus efeitos variam entre as espécies também e aumentam a
freqüência cardíaca, provavelmente devido ao estímulo direto no SNC, e
ocasionam aumento no tônus simpático e possível diminuição no tônus vagal.
Inicialmente a pressão arterial decresce seguida de retorno às condições
normais. Os efeitos respiratórios são semelhantes ao da cetamina, ou seja,
baixas doses geram efeitos mínimos podendo potencializar drogas depressoras
do aparelho respiratório. Em cães a dose IM varia de 6,6 até 13,2 mg/kg e em
gatos de 8,8 a 15,4 mg/kg, sendo para essas duas espécies a duração de 20 a
40 minutos de anestesia. Em cães a dose total, ou seja, a dose inicial mais
repiques de meia dose, não deve ultrapassar no total a 22 mg/kg e em gatos 55
mg/kg.
CAPÍTULO 9

ANESTÉSICOS INJETÁVEIS

São os fármacos utilizados unicamente pela via intravenosa, com


finalidade de indução a anestesia geral. Sou seja, possuem a capacidade de
produzir hipnose quando administrados em doses terapêuticas. Basicamente,
para esta finalidade em medicina veterinária, tem-se três grupos de fármacos,
sendo eles: Derivados barbitúricos, Propofol e Etomidato. Estes fármacos
juntamente com os inalatórios (ver capitulo 10), por serem capazes de produzir
anestesia geral, pode-se avaliar o plano anestésico de acordo com os reflexos
protetores, posição de globo ocular, entre outros.

Fármacos Utilizados para a Indução Anestésica

1 – DERIVADOS BARBITÚRICOS

Os derivados barbitúricos são classificados quanto ao seu tempo de


ação ou efeito:

- Longa duração de ação: Fenobarbital sódico (8-12 horas)

- Curta duração de ação: Pentobarbital sódico (1-2 horas)

- Ultra curta duração de ação: Tiopental sódico (5-15 minutos)

Os barbitúricos são ácidos fracos, logo se apresentam sob a forma


ionizada e não ionizada. É sabido que existem diferenças entre as formas
ionizadas e não ionizadas, sendo a segunda, farmacologicamente ativa e que
se difunde prontamente para o interior das células produzindo então seus
efeitos farmacológicos. É interessante frisar então, que o pH arterial interfere
nessa proporção ionizada. Em um estado normal, aproximadamente 61% do
tiopental estarão sobre a fração ativa do fármaco e nos casos de acidose, a
concentração de barbitúricos aumenta e, conseqüentemente, a quantidade de
drogas ativas encontra-se em maior disponibilidade. O oposto também é
verdadeiro, pois em alcalose um menor número da forma ativa se encontra
disponível para gerar o efeito anestésico

Os barbitúricos ligam-se de modo reversível às proteínas plasmáticas,


especialmente a albumina, e não conseguem atravessar a membrana celular e,
portanto, tornam-se farmacologicamente inativos. A capacidade destes
fármacos de se ligarem as proteínas plasmáticas é variável e o pH influi muito
na ligação, pois quando decresce reduz a capacidade de ligação e
conseqüentemente mais barbituratos ativos encontram-se livres.

Dentre os barbitúricos, o tiopental sódico é sem dúvida o mais difundido


e utilizado dos anestésicos injetáveis. Seu uso como anestésico geral para
cães e gatos, iniciou em meados da década de 40. Apesar do conhecimento de
seus efeitos colaterais e de seus riscos de utilização, demonstra ainda hoje ser
um ótimo anestésico injetável. Entretanto, é recomendado apenas para indução
anestésica ou procedimento não cruento em que não se ultrapassem 30
minutos, não devendo ser utilizado para manutenção anestésica devido a
questões éticas e desconforto na recuperação anestésica perante o
proprietário.

Classificado como um barbitúrico de ultra-curta duração, (5 a 15


minutos), o tiopental pode gerar todos os níveis de alteração da consciência no
sistema nervoso central até o do coma anestésico. Deprimem minimamente a
pressão sanguínea central e a pressão intracraniana, mas a pressão de
perfusão cerebral é aumentada.

A administração de tiopental deprime os aparelhos cardiovascular e


respiratório, sendo que inicialmente ocorre uma redução na freqüência
respiratória e no volume tidal (volume inspirado a cada respiração). Pode
induzir também a arritmias ventriculares e administração de lidocaína pode
reduzir a incidência destas arritmias, mas mesmo assim o uso não é
recomendado para pacientes com problemas cardíacos.

Após a aplicação de tiopental intravenoso a concentração máxima no


cérebro ocorre em 45 segundos, devido ao grande percentual do débito
cardíaco para esse órgão. A redistribuição de barbitúricos ocorre de acordo
com o seguinte gráfico:

Fonte: (THURMON 1999 p.145)

A dose recomendada para indução anestésica com o tiopental é de 10


até 25 mg/kg via IV. O Tiopental é desaconselhado em pacientes com
alterações cardíacas, hepáticas e renais e também nos casos em que ocorra
distensão abdominal, seja por torção gástrica, intussuscepção ou ainda vólvulo,
pois é provável a ocorrência de acidose metabólica e respiratória o que, devido
ao fato já explicado anteriormente, poderia interferir na distribuição do tiopental,
podendo levar o paciente ao óbito.
2 - PROPOFOL

O propofol é um alquil fenol diluído em uma solução (emulsão) contendo


óleo de soja glicerol e clara de ovo fosfatada e purificado, tornando-se uma
solução de aspecto leitoso. Esta solução devido ao conteúdo protéico torna-se
um excelente meio de cultura para microorganismos, devido a isto, após
violação do frasco ou ampola deve ser descartado. É um anestésico injetável
de ultra-curta duração, encontrado sob a forma de emulsão, 10 mg/ml, com a
dosagem recomendada de 4 a 6 mg/kg quando devidamente premedicados.

Recentemente foi lançado no mercado nacional, uma nova formulação


para a linha veterinária. Nesta o propofol está veiculado em emulsão lipídica
transparente, objetivando menor risco de contaminação.

Uma única dose de propofol gera 10 minutos de anestesia em plano


anestésico com recuperação para cães e gatos em torno de 20 a 30 minutos. A
rápida ação do propofol se deve a imediata elevação de sua concentração no
SNC e sua recuperação à rápida redistribuição da droga do cérebro para os
outros tecidos e órgãos. Sendo ainda rápida a metabolização, por meio
principalmente de conjugação especialmente no fígado. Sua eliminação
plasmática excede o fluxo sangüíneo hepático sugerindo que outros órgãos
como, por exemplo, o pulmão e rim, também estejam envolvidos. Os
metabólitos não são reativos e são eliminados via renal.

O propofol causa depressão no SNC, pelo fato de diminuir a atividade


metabólica cerebral e por exacerbar os efeitos dos neurotransmissores GABA.

Dentre os efeitos colaterais que devem ser relatados, as pressões


sangüínea, intracraniana e ocular e ainda o débito cardíaco diminuem quando
da aplicação de propofol, mas a freqüência cardíaca dificilmente diminui. O
propofol aumenta a sensibilidade do tecido cardíaco às catecolaminas, mas
não induz arritmias cardíacas. Curtos períodos de apnéia são comuns após a
indução, deste modo, indica-se indução anestésica lenta (aproximadamente 40
a 60 segundos). Há relatos ainda de que possa gerar dor quando injetado por
via intravenosa.

A utilização de propofol tem sua vantagem na recuperação tranqüila e


nas propriedades não-cumulativas, podendo então ser empregado em
pacientes de alto risco com a recuperação isenta de reações adversas ou em
infusão contínua para manutenção da anestesia geral em doses que variam de
0,2 a 0,8 mg/kg/min.

3 - ETOMIDATO

O etomidato é um derivado imidazólico, primariamente utilizado em


indução anestésica em humanos, apresentando concentração de 2 mg/ml e
sua aplicação gera inconsciência por 8 a 21 minutos aproximadamente,
dependendo da dose (1,5 e 3,0 mg/kg respectivamente). Em alguns animais
nota-se indução e recuperação rápida com leves movimentos de mioclonia
ocorrendo somente no início desse período, devido a este fato, está indicado
seu uso com associação de algum fármaco relaxante muscular, como os
benzodiazepínicos, por exemplo.

O etomidato é um seguro indutor anestésico, pois não deprime os


aparelhos cardiovascular e respiratório e nem leva a liberação de histamina.
Não interfere na freqüência cardíaca, pressão sanguínea e funcionamento
cardíaco, apenas interferindo no metabolismo cerebral e consumo de oxigênio
e pode também ter efeitos protetores em casos de isquemias associadas à
paradas cardíacas.

Rapidamente distribuído no cérebro e outros órgãos como fígado, baço,


intestinos, a sua duração anestésica está ligada a essa velocidade de
distribuição e também a capacidade de hidrólise no fígado. Não tem efeito
cumulativo, produz bom relaxamento muscular durante a anestesia e as
mioclonias ocorrem durante a indução e recuperação.
Uma aplicação única pode gerar inibição da produção de esteróides pela
glândula adrenal, por até três horas, suprimindo o aumento de cortisol no
plasma durante o procedimento cirúrgico. As infusões contínuas ou as
administrações prolongadas não são recomendadas devido a possibilidade de
supressão adrenocortical. Assim como o propofol, pode gerar dor quando
aplicado por via intravenosa e gerar vômitos na indução e recuperação
anestésicas, mas na maioria das vezes esses efeitos podem ser evitados com
a aplicação de fármacos pré-anestésicos já citadas anteriormente.
CAPÍTULO 10

ANESTÉSICOS GERAIS INALATÓRIOS

Agentes Inalatórios

Anestesia inalatória é a obtida por meio da absorção de um princípio


ativo através da via respiratória passando, posteriormente à corrente
circulatória e atingindo o SNC e gerando seus efeitos anestésicos. Inicialmente
os fármacos anestésicos eram utilizadas para produzir apenas anestesia geral,
mas hoje, inconsciência, relaxamento muscular e analgesia são requeridos em
um bom anestésico. A sua segurança na utilização não requer apenas
conhecimento de seus efeitos farmacológicos, mas sim suas propriedades
químicas e físicas. O anestésico inalatório ideal deve ser fácil de controlar,
permitir indução e recuperação rápidas e não conter efeitos adversos .

Concentração Alveolar Mínima (CAM)

A medição da potência de um anestésico inalatório é dada de acordo


com a sua CAM, (Concentração Alveolar Mínima), ou seja, a concentração de
um anestésico em uma atmosfera de pressão, que faz com que a resposta
motora a certos estímulos dolorosos estejam ausentes e em cães é
predeterminado pelo pinçamento da cauda ou estímulo elétrico. Deve-se ter em
mente que esta ausência de resposta ao estímulo não significa
necessariamente que o paciente possui analgesia estabelecida.

Dentre os fatores que interferem na CAM podem ser descritos, ritimo


circadiano, hipercapnia (associada há alteração de pH no líquido
cefalorraquidiano), hipo ou hiper tensão, hiper ou hipotermia, gestação, acidose
metabólica ou uso de outros fármacos concomitantes.
QUADRO: CAM dos anestésicos inalatórios

Coeficiente de partição

Coeficiente de partição é a proporção de um número de moléculas de


um gás anestésico presente em dois compartimentos. Desta forma, pode-se ter
vários tipos de coeficiente de partição. Neste, tratar-se-á do coeficiente de
partição sangue/gás também chamado de coeficiente de solubilidade. Ele
indica a solubilidade de um gás anestésico em um determinado tecido ou
sangue. Quando um anestésico volátil detém um baixo coeficiente de partição,
satura rapidamente o sangue e tecidos, de modo que a indução e a
recuperação são mais rápidos que outros com coeficientes altos.

Desta forma o o coeficiente de solubilidade, que nada mais é do que a


capacidade do anestésico em se diluir em dois meios diferentes quando há
equilíbrio entre eles. Quanto maior o coeficiente de solubilidade sangue-gás,
mais tempo leva para atingir o SNC e mais demorada a indução e a
recuperação.
Dentre os agentes inalatórios destacam-se os gases anestésicos e os
anestésicos inalatórios voláteis.

GASES ANESTÉSICOS (ÓXIDO NITROSO)

Existem alguns gases anestésicos disponíveis embora o óxido nitroso


seja o mais amplamente utilizado em anestesiologia.

O óxido nitroso (N2O) é um gás facilmente compressível a temperatura


ambiente não necessitando de vaporizador, porém sendo imprescindível a
utilização de um fluxômetro específico para seu uso. Todas as conexões e
aparelhos para seu uso são identificados pela coloração azul. No SNC produz
depressão do córtex cerebral, geralmente sem produzir depressão da função
cardiovascular exceto na presença de hipoxemia.

A hipoxemia pode ser notada quando utilizado uma concentração de O2


inferior a 33% na sua mistura com N2O.

ANESTÉSICOS VOLÁTEIS

Os anestésicos voláteis utilizam-se fundamentalmente para a


manutenção da anestesia e esporadicamente para a indução da mesma
(através da administração por meio de máscara facial ou câmara de indução).
Quatro anestésicos voláteis podem atualmente ser utilizados em medicina
veterinária: o halotano, o isoflurano, o sevoflurano e o desflurano. Estes
agentes anestésicos são administrados ao paciente através de um gás veículo,
normalmente o oxigénio puro ou algumas vezes em associação ao óxido
nitroso, com o objetivo de diminuir o volume de administração do anestésico
volátil. Este objetivo se completa, pelo fato de que todos os anestésicos
voláteis já comentados, são em algum grau depressores do sistema
cardiovascular e respiratório.
1. HALOTANO

O halotano foi o primeiro dos halogenados a ser sintetizado sendo um


liquido incolor, não inflamável e que se degrada quando exposto a luz. Apenas
20% do halotano inspirado sofre metabolização hepática através do sistema p-
450, sendo metabolizado em ácido trifluoroacético, bromo e íons cloreto.

Dentre os efeitos do halotano podemos citar depressão do SNC, não


propicia analgesia, deprime os centros respiratórios, termorregulador, do
vômito e da tosse e o sistema de ativação reticular. A depressão é dose
dependente no aparelho cardiovascular sendo um depressor direto reduzindo a
sua contratilidade (através da diminuição de cálcio na superfície da membrana
das células miocárdicas e pelos efeitos inotrópicos do cálcio intracelular
sensibiliza o miocárdio para a ação das catecolaminas) o que parece ocorrer
principalmente nos primeiros 30 minutos de anestesia. Causa no SNC
depressão generalizada e reversível, provoca vasodilatação vascular cerebral
diminuindo a resistência vascular e aumentando em 11 a 12% o acréscimo de
aporte sanguíneo, aumentando a pressão intracraniana (PIC) o que pode ser
revertido por hiperventilação prévia. O decréscimo da pressão arterial pode
levar a fluxos sanguíneos hepático e renal deficientes aumentando o número
de enzimas hepáticas e uréia no período trans-operatório.

Ele gera uma depressão funcional do fígado que pode ser temporária ou
permanente, de ação direta ou indireta e inibindo substancialmente a
capacidade de metabolismo de drogas. Dano hepatocelular é associado à
inalação de anestésicos e pode ser manifestada histologicamente como uma
necrose centro lobular. Reduz o fluxo sanguíneo e a capacidade de filtração
glomerular sendo a redução relacionada também com a hidratação e
homeostasia do paciente.
2. ISOFLUORANO

Este halogenado foi sintetizado a primeira vez em 1968 e utilizado em


humanos em 1970. É um isômero do enflurano (não mais comercializado), e é
entre os agentes inalatórios, o mais utilizado para pacientes e cirurgias de
risco, pois não afeta ou deprime o aparelho cardiovascular, não sensibiliza o
miocárdio às ações das catecolaminas e mantém o débito cardíaco em
concentrações ótimas, até a utilização de 2 CAM, devido a um aumento na
freqüência cardíaca compensatória, o que não ocorre em outros anestésicos
inalatórios. A metabolização é de aproximadamente 0,2% pela via hepática e o
restante liberado pelas vias aéreas.

O volume tidal aumenta inicialmente e diminui durante a anestesia


sendo que a pressão arterial média e a resistência vascular periférica diminuem
quando das anestesias muito aprofundadas de modo semelhante ao halotano e
enflurano. Não são relatadas alterações em tecido e função renal e produz
excelente relaxamento muscular (MUIR & HUBBELL, 1989).

3. SEVOFLUORANO

Sevofluorano, é um dos mais recentes anestésicos inalatórios aprovados


para uso em humanos nos EUA, é pouco solúvel no sangue e de rápida
indução e recuperação ou ainda com fácil alteração em planos anestésicos
quando de aumento ou diminuição da CAM. Seu odor não é irritante o que
torna seguro a sua indução por máscara. Os efeitos depressores do SNC e os
efeitos no aparelho cardiovascular são semelhantes ao isofluorano, sendo um
depressor geral de SNC ocasionando diminuição do débito cardíaco
dependendo da dose utilizada e não sensibilizando o coração à ação das
catecolaminas. Como todos os anestésicos inalatórios gera diminuição das
funções respiratórias.
De 1 a 5 % de sua dose é metabolizada no fígado pelo sistema p-450,
produzindo o hexafluoroisopropanolol e o fluoreto orgânico, onde o primeiro é
eliminado pela urina.

O sevofluorano causa em condições respiratórias normais, um aumento


na pressão intracraniana (PIC), não sendo aconselhado o seu uso em
pacientes com lesão encefálica onde aumentam mais a pressão intracraniana
do que o isofluorano. Diminui um pouco a taxa de filtração glomerular, mas não
são desaconselhados para pacientes com problemas renais. Sua recuperação
é calma, isenta de sinais de excitação e permitindo a extubação em 6 minutos
aproximados após o desligar do vaporizador.

4. DESFLUORANO

O desfluorano é um anestésico inalatório que apresenta características


físico químicas muito peculiares. Apresenta coeficiente de solubilidade no
sangue de 0,42 o que confere uma rápida indução e rápida recuperação
anestésica. Porém, sua potência é baixa pois sua CAM é elevada (7,2 em
caninos; 9,8 em felinos e 9,0 em eqüinos), quando comprarada a CAM do
Halotano (0,87 em caninos), por exemplo. Os efeitos no sistema
cardiorespiratório são semelhantes aos produzidos pelo isofluorano, denotando
uma depressão dose dependente. É um fármaco considerado como inerte, uma
vez que o metabolismo hepático é quase inexistente. Devido ao custo elevado,
seu uso fica restrito ao âmbito das pesquisas científicas.
CAPÍTULO 11

ANESTESIA LOCAL

Os fármacos conhecidos como anestésicos locais, são todas as


substâncias que em quantidades necessárias bloqueiam de maneira reversível
a condução nervosa.

A popularidade da anestesia local se deve às necessidades de


contenção e relaxamento muscular em animais que não podem sofrer o risco
de exposição às anestesias gerais, e hoje em dia, como recursos analgésicos
mesmo antes de ocorrer o estímulo nociceptivo.

Com exceção do bloqueio de BIER, os outros tipos de bloqueio não são


de aplicação intravenosa, necessitando de uma absorção que varia de acordo
coma vascularização do local e quanto mais rápida ocorrer a absorção mais
curto o efeito. Existem associações de epinefrina nestes fármacos com intuito
de gerar vasoconstrição, e por conseqüência disso, manter por mais tempo a
ação do fármaco e diminuindo o risco de toxicidade sistêmica.

Após a aplicação do fármaco, vários fatores são importantes como, por


exemplo, o local da aplicação, pois diferentes locais detém diferentes
características relacionadas ao fluxo de sangue e metabolismo regional. Os
próprios anestésicos locais apresentam diferentes períodos de latência,
absorção e metabolização, associação com a adrenalina e concentrações.

Os anestésicos locais bloqueiam fisicamente por interacções lipofílicas


(ocluindo o poro) os canais de sódio das membranas dos terminais dos
neurônios. Como o potencial de ação é dependente do influxo de sódio, ao não
ocorrer não há propagação do sinal nervoso.

Os neurônios com axônios com menor diâmetro são mais facilmente


bloqueados, o que permite ajustar a dose de forma a não inativar os neurônios
motores, mas apenas os sensitivos e os do sistema nervoso autônomo, já que
os motores têm diâmetros consideravelmente maiores.
A administração local concomitante de um vasoconstritor reduz os seus
efeitos sistêmicos e potencializa e prolonga os seus efeitos locais.

Dentre os fármacos mais utilizados ou com possível ascensão em


medicina veterinária para bloqueios regionais, a lidocaína, a bupivacaína e a
ropivacaína são as que ocupam maior destaque.

A lidocaína, é uma amina derivada da xilidina, é 10 vezes mais potente


que a cocaína, possui alto poder de penetração, ação tópica pouco eficaz, pois
não apresenta boa vasodilatação, em mucosas apresenta 5 minutos de latência
e possui ação por cerca de trinta minutos. A bupivacaína, é uma amida
derivada da xilidina em torno de 4 vezes mais forte que a lidocaína, com
período anestésico longo e não produz vasodilatação. Basicamente a diferença
entre os principais anestésicos locais, se dá pela latência, período de duração
de ação, bem como pela toxicidade.

Técnicas de Bloqueio mais comumente utilizadas

Anestesia infiltrativa é a aplicação de anestésico local de maneira


extravascular por meio de injeção direta do fármaco no local desejado. Talvez
seja a maneira mais confiável de anestesia local. A aplicação pode ser feita
com uma agulha normal ou com uma agulha longa e deve ser feita lentamente
(quando feita assim, a dor é mínima), e quando do avanço da agulha no local
desejado da aplicação deve-se injetar o fármaco que vai provocar o bloqueio
regional. A dose utilizada pode ser de 2 a 5 mg/kg de lidocaína, podendo ser
diluída em solução fisiológica para aumentar volume e conseqüente melhor
difusão. Epinefrina pode estar associada, dependendo do fármaco, e gera 30%
de vasoconstrição na dose correta acarretando um maior tempo de ação do
fármaco.

Anestesia em blocos de nervo, é a anestesia local feita através de


tecido conectivo, em um nervo particular, produzindo diminuição na sensação e
ou paralisia na região sensorial e motora suprida por este nervo. Pequenas
quantidades são requeridas.

1. Bloqueios da cabeça

Bloqueios regionais de cabeça, nada mais são do que as regiões onde


se podem administrar bloqueadores regionais próximo aos nervos infra-orbital,
maxilar, oftálmico, mental e mandibular gerando uma boa insensibilidade. O
nervo infraorbital quando dessensibilizado ocasiona a perda da sensibilidade
do lábio superior, do plano nasal, do teto da cavidade nasal e da pele do
forame infraorbitário. Para tal efeito a aplicação deve ser feita no forame
infraorbitário o qual pode ser encontrado entre a borda dorsal do processo
zigomático e a gengiva do dente canino superior. O bloqueio do nervo maxilar
resulta na completa dessensibilização da maxila, dos dentes superiores, do
plano nasal e lábio superior. A agulha deve ser introduzida na pele ao longo
pela borda ventral do processo zigomático e se estendendo até a fossa
pterigopalatina.

No bloqueio retrobulbar a agulha é introduzida pelo canto lateral do olho,


próximo à comissura palpebral lateral, até chegar ao fundo da órbita para a
deposição do anestésico local.

2. Bloqueio de plexo braquial

A abordagem do plexo braquial é realizada com intenção de provocar


analgesia, insensibilização e ainda como complemento de anestesia geral para
utilização de uma anestesia balanceada. O plexo braquial se encontra formado
por contribuições dos três últimos nervos cervicais e também pelos dois
primeiros nervos torácicos. A técnica é fácil de promover em animais magros
ou com boa condição muscular, mas trona-se difícil em animais obesos.
O plexo braquial encontra-se entre o arco costal e a escápula, na altura
da articulação do úmero, a localização pode ser alcançada traçando uma linha
paralela nos processos transversos das vértebras cervicais, que se prolonga e
passa rente ao local onde se encontra o plexo braquial. A agulha é inserida
desde a extremidade da articulação do úmero, em direção craniocaudal,
paralela ao eixo da coluna cervical entre a escápula e a parede do tórax. Deve-
se instilar o fármaco na altura do bordo cranial da primeira costela, onde se
deposita a maior parte, e no ato de retirar a agulha deve ser lento e continuar a
aplicação do anestésico com o intuito de preencher a região com o volume de
anestésico com a intenção de assegurar um bloqueio eficiente. A dose
recomendada de lidocaína 2% e bupivacaína 0,5 %,pela literatura, é de 1 ml
para cada 4,5 kg de peso, existindo trabalhos que relatam que o volume de
anestésicos locais para esse procedimento é irrelevante.

3. Anestesia Epidural

Trata-se da aplicação de anestésicos locais em um espaço denominado


epidural, ou seja, encontra-se entre a parte mais interna da dura-máter espinhal
e os limites do canal vertebral.

A coluna dos carnívoros é formada por 7 vértebras cervicais, 13


torácicas, 7 lombares e 3 sacrais (fusionadas) e em torno de 20 vértebras
caudais. A realização da punção normalmente é realizado no espaço
lombossacral ou próximo a ele, pois nesta região, na maioria das espécies já
não há mais presença de medula. O espaço lombossacral está situado um
pouco mais cranial do que o nível das cristas ilíacas.

O conteúdo do canal vertebral é formado pelo espaço epidural e as


estruturas intratecais (medula espinhal, meninges e o líquido cefalorraquidiano
ou LCR). No interior do espaço epidural se encontram também tecido adiposo,
conjuntivo e um emaranhado de plexos venosos. A medula espinhal estende-
se geralmente entre a sexta e a sétima vértebras lombares e o saco dural até a
metade do corpo da sétima vértebra lombar. O limite cranial do espaço epidural
encontra-se fechado pela fusão da dura-máter espinhal com o osso occipital no
forame magno, abrindo-se em cada forame intervertebral. A drenagem de
sangue dentro do espaço é feita por um plexo venoso, que segue próximo a
base do canal vertebral.

Dentre as meninges, a duramáter se estende por dois centímetros após


o término da medula espinhal, formando o saco dural, que se estreita de
maneira caudal e que por sua vez apresenta as raízes nervosas dos
segmentos mais caudais da medula que recebe o nome de cauda eqüina. A
membrana aracnóide encontra-se aderida à duramáter e o espaço subdural
somente existe em condições patológicas nos cães, mas já no espaço
subaracnóide encontra-se grande quantidade de LCR e é atravessado por um
entremeado trabecular denominado trabéculas da aracnóide. A piamáter é uma
membrana muito vascularizada e encontra-se aderida ao tecido do SNC.

A anestesia epidural lombossacral chama a sua atenção pela facilidade


de aplicação, simplicidade, segurança, sendo a mais freqüente técnica descrita
para procedimentos caudais à cicatriz umbilical.

Provas com substâncias marcadas têm demonstrado que os locais de


ação se situam principalmente nas proximidades das raízes nervosas mais do
que nos gânglios dorsais ou na medula. O acesso dos anestésicos locais ao
espaço subaracnóide, onde se encontra as raízes, ocorre por difusão simples
através das membranas meníngeas, dependendo então da lipossolubilidade do
fármaco. Os anestésicos locais com maior grau de lipossolubilidade promovem
maior difusão e consequentemente bloqueios mais acentuados. A duração dos
bloqueios também esta relacionada com esses fatores.

Os opióides promovem analgesia por meio de seus receptores opiáceos


encontrados no espaço epidural. Não foi relatada depressão respiratória por
essa via e a analgesia torna-se maior e perdura por mais tempo. Um efeito
adverso da aplicação tem sido o prurido e a queimação que a morfina causa
gerando desconforto, por isso se faz necessário a aplicação de lidocaína em
pelo menos um quarto da dose. As doses segundo FANTONI & CORTOPASSI
(2002) são:

Lidocaína 2 % - 1 ml para cada 5 kg, em epidural baixa (ou seja, o


bloqueio não se prolonga muito cranialmente), ou utilização 1 ml para
cada 4 kg, (epidural alta)

Bupivacaína 0,5 % 1 ml para cada 5 kg, (epidural baixa) ou utilização 1


para cada 4 kg (epidural alta).

Morfina 0,07 mg/kg, Butorfanol 0, 25 mg/kg e Xilazina 0,02 mg associada


à morfina.

De acordo com FUTEMA, et al., (2006), o fentanil potencializa o bloqueio


epidural cranialmente, ou seja, o bloqueio sensitivo gerado pela lidocaína esta
aumentado, e prolongado em região cranial, quando associado com o fentanil.
Possibilita a realização de cirurgias abdominais e ainda permite que o reflexo
do panículo (sensibilidade do músculo cutâneo do tronco) possa ser usado
como teste para extensão do bloqueio.

A ropivacaína, anestésico local foi utilizada experimentalmente em três


doses diferentes para bloqueio epidural em cães, observação de efeitos
cardiopulmonares e tempo e qualidade de bloqueio. Dentre os parâmetros
foram aferidos a temperatura corporal, a freqüência cardíaca, a oximetria, a
freqüência respiratória e o volume tidal. Através dos resultados pode se
comprovar que a aplicação de ropivacaína concentrada via epidural, aumentou
a extensão e duração do bloqueio, mas ainda assim não foram observados
efeitos de depressão em função cardiorespiratória.

OLIVA et al., (2006), demonstraram que a comparação entre a aplicação


de bupivacaína a 0.5%, ropivacaína a 0.75% e a combinação de ambas em
anestesias epidurais, ao contrário do que relatado em publicações anteriores, a
associação entre ropivacaína e bupivacaína ou apenas a utilização de
ropivacaína, mostrou uma analgesia mais longa que a bupivacaína isolada,
sugerindo que a utilização de ropivacaína pode ser favorecida devido ao maior
tempo de duração de sua analgesia.

SANTOS SOUZA et al., (2006), compararam os efeitos da


dexmedetomidina epidural combinada com lidocaína e ainda seus efeitos em
anestesia mantida com isofluorano. A administração epidural de
dexmedetomidina reduziu significativamente a quantidade de anestésico
inalatório para a manutenção anestésica, mas ainda a dexmedetomidina causa
bradicardia, pois de alguma maneira ela é absorvida e torna-se sistêmica,
reduzindo a freqüência cardíaca sem afetar a pressão arterial.
CAPÍTULO 12
MONITORAÇÃO ANESTÉSICA
Dra. Gabrielle Coelho Freitas

Introdução
A maioria dos fármacos usados na anestesia são potencialmente tóxicos
e produzem alterações nos sistemas cardiovascular e respiratório. Essas
alterações colocam em risco a homeostasia corporal e fazem da anestesia um
procedimento arriscado. Além disso, na maioria das vezes os pacientes
submetidos à anestesia já apresentam alterações importantes em sua
fisiologia, e mesmo os pacientes hígidos ou os submetidos à procedimentos
cirúrgicos eletivos, podem sob o efeito de fármacos, desenvolver distúrbios
fisiológicos importantes, se não identificados e tratados em um curto período de
tempo.
Objetivando-se limitar os riscos da anestesia geral, alterações
“controláveis” devem ser prevenidas. As alterações relacionadas ao paciente
podem ser detectadas na avaliação pré-anestésica e a revisão dos
equipamentos auxilia na prevenção de problemas devido a erros técnicos. A
prevenção básica de problemas envolve a manutenção do paciente em um
plano adequado de anestesia durante o procedimento. Entretanto, mesmo com
uma preparação adequada, não é possível eliminar os riscos devido às reações
individuais e imprevisíveis a anestesia. A detecção precoce de qualquer reação
adversa do paciente é vital. Por isso, deve-se priorizar a monitoração dos
sistemas vitais, como os sistemas cardiovascular e respiratório, que são
responsáveis pela oxigenação tecidual. Adicionalmente, outros parâmetros que
refletem a homeostasia geral e o grau de antinocicepção e inconsciência
devem ser cuidadosamente observados. Portanto, o emprego de vários
métodos de monitoração é justificado pelo aumento do fator de segurança da
anestesia, pois permitem identificar a tempo uma eventual alteração fisiológica
que coloque em risco a vida do animal.
A monitoração pode ser realizada pela observação de sinais físicos ou
por meio da utilização de aparelhos específicos. O acompanhamento da
condição física é de grande importância, uma vez que os aparelhos,
principalmente eletrônicos, estão sujeitos a falhas mecânicas e operacionais. A
determinação do risco anestésico do paciente (classificação da ASA) determina
o tipo e a complexidade dos monitores a serem utilizados. Pacientes de alto
risco devem ter maior número de funções vitais monitoradas. Além das
informações obtidas dos monitores, informações do campo operatório são
igualmente importantes. Assim, a coloração dos tecidos e do sangue no campo
operatório e a pulsação de vasos sanguíneos podem indicar a ocorrência de
depressão cardiovascular ou respiratória.
A utilização de uma ficha de procedimento é recomendada, pois permite
o registro dos acontecimentos durante o procedimento e as respostas do
paciente aos diversos fármacos utilizados, bem como as alterações fisiológicas.
Esse registro deve ser arquivado para posterior consulta em caso de
necessidade de outros procedimentos anestésicos no mesmo paciente.

Depressão do sistema nervoso central (SNC)

As alterações na atividade do SNC ocorrem nos animais anestesiados


de maneira gradativa, desde que as doses e as técnicas empregadas estejam
de acordo com aquelas preconizadas para uso na rotina anestésica. Em geral,
espera-se que o paciente passe do estágio de consciência para o estágio de
inconsciência sem apresentar o estágio de excitação. Essa resposta pode
variar de acordo com os fármacos utilizados.
Em geral, os seguintes reflexos são monitorados:

1. Tonicidade muscular:
- Posicionamento do globo ocular: em cães e gatos, a rotação ventromedial
indica o plano anestésico 1, 2 e 3 do estágio 3. O posicionamento central indica
plano anestésico superficial quando da presença de reflexo palpebral, ou muito
profundo na ausência desse.
- Relaxamento de mandíbula: é um excelente indicativo do plano anestésico
em pequenos animais.
- Relaxamento muscular.

2. Reflexo pupilar:
Testa-se a resposta pupilar ao estímulo luminoso. A ausência desse
reflexo indica plano anestésico extremamente profundo ou lesão de regiões
supra-espinhais.

3. Eletroencéfalograma (EEG):
É muito útil na determinação do grau de sedação ou consciência do
paciente anestesiado. O índice bispectral (BIS) é um parâmetro derivado do
processamento do EEG e através de uma escala numérica de 0 a 100,
correlaciona o estado hipnótico do paciente. Valores próximos a zero indicam
plano muito profundo e valores próximos a 100, estado de consciência.

4. Reflexo podal:
Se houver retirada do membro após a aplicação de estímulo doloroso
interdigital, indica plano anestésico inadequado para procedimentos dolorosos.

6. Reflexos oculares:
- Reflexo palpebral: o reflexo palpebral presente em caninos indica plano
superficial.
- Reflexo corneal: deve permanecer em todas as espécies. A ausência de
reflexo corneal indica plano anestésico profundo.
- Nistagmo: não deve ocorrer. A presença de nistagmo é importante em
equinos, pois indica plano anestésico muito superficial. Em pequenos animais
indica excitação (estágio 2).

Frequência de pulso

A frequência, o ritmo e a qualidade (força) do pulso podem ser utilizados


para indicar o desempenho cardiovascular Um padrão de pulso rápido e fraco
ocorre em pacientes em choque e indica colapso cardiovascular. Várias
artérias podem ser palpadas para a detecção do pulso periférico, como a
femural (caninos e felinos), facial e submandibular (equinos e ruminantes),
coccígea (maioria das espécies), auricular (ruminantes), radial (caninos e
suínos) e a lingual (caninos e felinos anestesiados).

Tempo de reperfusão capilar (TRC)

O tempo, em segundos, necessário para a reperfusão capilar após a


compressão digital, pode ser utilizado para indicar a capacidade de perfusão
periférica. Recomenda-se optar por áreas ricas em capilares, tais como a
região gengival, a língua e a vulva.

Frequência cardíaca

O número de sístoles cardíacas a cada minuto constitui a frequência


cardíaca, em batimentos por minuto. Esse parâmetro varia bastante quando o
animal é submetido à anestesia. Alguns fármacos podem produzir taquicardia,
e outros bradicardia. De maneira geral, o paciente anestesiado sofre
bradicardia, a qual pode ser intensa a ponto de causar parada cardíaca.
A forma mais adequada de monitorar essa variável é através da
utilização do estetoscópio, que deve ser posicionado do lado esquerdo da caixa
torácica, na altura do quinto espaço intercostal. Nesse local, é possível
auscultar as válvulas aórtica e pulmonar, assim como a mitral. Na mesma
altura do lado direito, ausculta-se a válvula tricúspide. Se o campo cirúrgico
envolve a região torácica, a auscultação externa será prejudicada. Assim,
recomenda-se sempre que possível, a monitoração com o emprego de
estetoscópios transesofágicos. Embora esses dispositivos possam ser
encontrados no comércio especializado, pode-se recorrer ao estetoscópio
clínico comum, ao qual se acopla uma sonda esofágica, no tubo em que
normalmente está conectada a membrana. A técnica para seu emprego
consiste em auscultar à medida que a sonda do instrumento é introduzida no
esôfago, até que se obtenha a maior intensidade possível das bulhas. Nesse
ponto, a extremidade distal do equipamento estará no ponto mais próximo da
base cardíaca e a auscultação se dará de modo mais preciso e confortável.
Métodos eletrônicos, como o eletrocardiograma e o oxímetro de pulso, também
são utilizados na monitoração da frequência cardíaca.

Pressão arterial

Fisiologicamente, a verificação da pressão arterial é um parâmetro


fundamental para a avaliação do procedimento anestésico, pois todos os
anestésicos gerais deprimem, em maior ou menor grau, a pressão arterial. A
detecção da pressão arterial pode ser realizada por métodos invasivos e não
invasivos.
O método invasivo mais comum é a punção e cateterização de uma
artéria periférica e adaptação do cateter a um manômetro aneróide ou à um
transdutor eletrônico. Nem todos os profissionais têm acesso a equipamentos
invasivos para mensuração da pressão arterial, porém existe um método
básico, de fácil utilização e de baixo custo, que permite a monitoração contínua
da pressão arterial (Figura 1). O método de utilização desse dispositivo é o
seguinte: após a introdução do cateter na artéria, abre-se a torneira de 3 vias
para a posição 1, quando o fluxo da seringa preenchida com a solução
heparinizada seguirá em direção à artéria. Depois da lavagem do sistema,
muda-se a torneira para a posição 2, quando o fluxo seguirá da artéria em
direção ao manômetro. Ao utilizar tal método, observar-se-á oscilação do
ponteiro, e o instrumento identificará com precisão a pressão arterial média
(PAM), que se situará na metade do curso percorrido pelo ponteiro do
manômetro.
Figura 1. Sistema simples para mensuração direta da pressão arterial (Nunes,
2009).

Os métodos não invasivos mais utilizados são o oscilométrico e o


Doppler ultrassônico. Pelo método oscilométrico, podem ser determinadas
pressões arteriais média, sistólica (PAS) e diastólica (PAD). Pelo Doppler, a
PAS é determinada com facilidade, embora PAD possa ser obtida com alguma
experiência na utilização do método.
O sistema Doppler consiste em um monitor dotado de cristais
transdutores que são posicionados sobre uma artéria, normalmente a
metacarpiana, após tricotomia prévia, de modo que não ocorram interferências
no sinal emitido e captado. O equipamento, quando corretamente posicionado,
produz som pulsante, proporcional ao fluxo sanguíneo no vaso. Durante o
posicionamento dos cristais, um manguito inflável com 40 a 50% da
circunferência do membro é posicionado acima ou abaixo da articulação
umerorrádio-ulnar. O manguito é então inflado até que não se ouça mais o
ruído característico de pulso arterial. Nesse ponto libera-se lentamente o ar até
que o som característico se faça ouvir novamente. Lê-se o valor no manômetro
acoplado ao manguito e considera-se este como a PAS. Ao se continuar a
reduzir a pressão no manguito, pode-se, em alguns pacientes, identificar súbita
mudança no padrão de áudio. Esta indicará o ponto em que a pressão do
manguito atingiu o valor da PAD. Esse valor nem sempre pode ser identificado
em todos os pacientes. A PAM pode ser então obtida pela fórmula: PAM =
(PAS – PAD) / 3 + PAD.
O método oscilométrico funciona em bases semelhantes ao Doppler;
entretanto, nesse caso, o próprio dispositivo infla automaticamente o manguito,
cuja mangueira de ar se encontra também acoplada a um mecanismo interno,
sensível à onda de pulso gerada pela artéria. O ar é bombeado até que a
pressão no interior do manguito impeça a transmissão do pulso ao sensor do
aparelho. Nesse momento é registrada a PAS. O equipamento inicia, então, a
liberação do ar, até que seja registrada a maior amplitude possível de sinal, o
que indica a PAD. Um processador interno se encarrega de calcular a PAM e
os três valores são apresentados em displays digitais.

Pressão venosa central

A determinação da pressão venosa central é importante para identificar


a capacidade do sistema cardiovascular de se ajustar às alterações de volume
vascular. Auxilia na monitoração de pacientes com quadros de insuficiência
cardíaca congestiva, de alto risco e em pacientes a serem submetidos, mesmo
no período trans-anestésico, a transfusões ou administração de cristalóides,
colóides ou outras soluções de alto volume.
Para a determinação precisa, um cateter longo deve ser introduzido na
veia jugular e avançado até o átrio direito ou a cava cranial, ou ser introduzido
na veia femoral e avançado até a cava caudal. O cateter deve ser conectado a
um manômetro de água ou a um monitor osciloscópio, zerado ao nível do átrio
direito. Os valores normais para cães variam de -2 a 10 cm H2O e para
equinos, de 0 a 10 cm H2O.

Atividade elétrica do coração

O eletrocardiograma (ECG) detecta a atividade elétrica do coração, em


milivolts, ao longo do tempo. Além disso, indica a frequência cardíaca e o ritmo
cardíaco. O ritmo cardíaco é um dos parâmetros mais importantes em termos
de monitoração da anestesia. Fármacos diversos e doenças clínicas podem
causar arritmias cardíacas importantes, algumas delas com grande risco de
complicações graves, inclusive óbito. O emprego da eletrocardiografia deve ter
início na avaliação pré-anestésica, a fim de identificar possíveis alterações que
interfiram na escolha dos fármacos e métodos a serem aplicados pelo
anestesista no paciente.
Através do ECG, a anatomia funcional do miocárdio pode ser estudada
de vários ângulos a fim de identificar alterações anatômicas das câmaras
cardíacas, bem como da velocidade e da despolarização e repolarização do
miocárdio (Figura 2). Para isso, a derivação II é a mais utilizada em animais,
pois permite boa avaliação atrial, possibilita visualização correta da função
elétrica ventricular e permite avaliar a amplitude da onda T (Figura 3). Em
equinos, usa-se a derivação conhecida como base-ápice, com o monitor
ajustado para a derivação I ou a derivação II.

Figura 2. Registro gráfico dos potenciais elétricos produzidos pelo músculo cardíaco durante as diferentes
fases do ciclo cardíaco (Tilley & Burtnick, 2004).

Figura 3. Ritmo sinusal normal no cão (Tilley & Burtnick, 2004).

É preciso entender que o ECG mede a atividade elétrica do coração, e


não sua capacidade de bombeamento cardíaco. Não é rara a presença de
atividade elétrica com débito cardíaco ineficiente (dissociação eletromecânica)
e consequente deficiência de perfusão periférica e dos órgãos vitais.
As arritmias encontradas com mais frequência nos procedimentos
anestésicos são os bloqueios atrioventriculares de segundo grau (Figura 4),
que são considerados normais em equinos, as contrações ventriculares
prematuras (Figura 5) e a fibrilação atrial (Figura 6). A arritmia sinusal é
observada em caninos durante anestesia geral com respiração espontânea e é
considerada fisiológica. Em felinos e equinos, a arritmia sinusal pode estar
relacionada com doença primária do nodo sinoatrial ou com fármacos que
produzem bloqueio sinusal, como os agonistas alfa-2-adrenérgicos e os
opioides.

Figura 4. Bloqueio atrioventricular de segundo grau no cão (Tilley & Burtnick, 2004).

Figura 5. Contração ventricular prematura no cão (Tilley & Burtnick, 2004).

Figura 6. Fibrilação atrial no cão (Tilley & Burtnick, 2004).


Débito cardíaco

O débito cardíaco é definido como o volume de sangue, em litros, que é


bombeado para as circulações sistêmica e pulmonar a cada minuto. O
conhecimento preciso de seu valor permite avaliar o desempenho da bomba
cardíaca e reflete o volume de sangue disponível para os tecidos. As
indicações de monitoração do débito cardíaco incluem politraumatismo, choque
hipovolêmico, embolia pulmonar, doenças valvulares e insuficiência cardíaca.
Os valores normais de débito cardíaco são de 80 a 100mL/kg em animais
conscientes e de 40 a 50 mL/kg nos anestesiados.
O débito cardíaco pode ser mensurado de maneira invasiva ou não-
invasiva. Métodos invasivos como o de termodiluição, diluição de lítio, Fick e
indicação de corante são pouco práticos para o uso clínico. Os métodos não-
invasivos, como o Doppler transesofágico e a reinalação de dióxido de carbono
(NiCO2), são mais aplicáveis na prática clínica, apesar do custo ser elevado.
São monitores importantes para a pesquisa científica e para pacientes em
cuidados intensivos.

Frequência respiratória e ventilometria

A frequência respiratória corresponde ao número de movimentos


respiratórios por minuto (mrpm). Deve ser monitorada observando-se o número
de movimentos da caixa torácica ou o número de movimentos do balão
reservatório do aparelho de anestesia. A contínua observância da frequência e
das características da respiração faz parte da rotina obrigatória de monitoração
durante e após o ato anestésico. A simples contagem dos movimentos
respiratórios também pode auxiliar na determinação da profundidade
anestésica.
Outro aspecto importante refere-se ao tipo de respiração ou padrão
respiratório. Os anestésicos podem manter a frequência respiratória dentro de
valores normais, mas alterar o tipo de respiração, produzindo, como efeito final,
a depressão respiratória. Um exemplo é a taquipnéia de padrão apnêustico
produzida pela cetamina, em que a frequência respiratória aumenta, mas o
volume corrente diminui.
A ventilometria consiste na avaliação e na mensuração dos volumes
envolvidos na inspiração e na expiração. Sua importância consiste em
identificar precocemente ocorrências de hipoventilação, mesmo em pacientes
com frequência respiratória normal. As variáveis mais comumente mensuradas
são o volume corrente e o volume-minuto. O volume corrente inspirado é a
quantidade de gás que preenche os pulmões a cada inspiração e é mensurado
por meio de ventilômetros.
Os anestésicos, de forma geral, deprimem a função respiratória, sendo
que o primeiro sinal importante é a redução do número de mrpm, ou mesmo
parada respiratória. Em geral, as emergências anestésicas estão relacionadas
ao efeito depressor respiratório dos fármacos. Esses podem agir deprimindo
diretamente o centro respiratório no SNC e/ou os músculos intercostais e
abdominais, interferindo, de forma indireta, no processo respiratório. O efeito
final da depressão respiratória será o aumento da pressão parcial de dióxido de
carbono arterial (PaCO2), irritabilidade do miocárdio e surgimento de arritmias
cardíacas, como a contração ventricular prematura e a fibrilação ventricular.
Além disso, ocorre hipoxemia e consequente hipoxia do miocárdio e cerebral.
Portanto, a depressão respiratória deve ser evitada sempre que o animal
estiver anestesiado.

Oximetria de pulso

Mede a saturação de oxigênio da hemoglobina, o que indica os níveis de


oxigênio sanguíneo transportado pela hemoglobina. Os valores normais são de
93 a 94% em animais com função pulmonar normal e respirando uma fração de
oxigênio de 21% no ar atmosférico, quando a pressão atmosférica é de cerca
de 750 a 760 mmHg (nível do mar). Nesses casos a pressão parcial de
oxigênio arterial (PaO2) será de 85 a 95 mmHg com uma curva de dissociação
da hemoglobina normal. Quando o animal estiver respirando uma fração de
oxigênio a 100%, a oximetria de pulso deverá ser de 99 a 100%, e a PaO 2 de
cerca de 400 mmHg. Em animais recebendo oxigênio a 100%, valores de
saturação inferiores a 90% indicam uma significativa dessaturação arterial.
A importância da oximetria de pulso reside no fato de que não é mais
concebível que se obtenham sinais clínicos de cianose para supor que existe
hipoxemia. Na observação de alterações na coloração das mucosas, com
tendência à cianose, a saturação da oxihemoglobina é de cerca de 60 a 70%. A
oximetria, portanto, permite alto grau de previsibilidade da hipoxemia e seu
emprego determina imediata redução no índice de acidentes anestésicos
relacionados à hipoxia, e é possível identificar a redução na saturação muito
antes que se observe a cianose.
Os princípios envolvidos na oximetria não invasiva consideram o fato de
a hemoglobina saturada com oxigênio absorver luz de modo diverso da não-
saturada. Assim sendo, os dispositivos de mensuração utilizam um diodo
fotoemissor capaz de produzir luz infravermelha e outro que gera luz vermelha.
No lado oposto ao emissor, diodos fotossensíveis às luzes desses
comprimentos de onda recebem a luz emitida que, evidentemente, estará
atenuada, tanto pela absorção pelos tecidos que atravessou, quanto pelo fato
de ter sido absorvida em maior ou menor grau pela oxihemoglobina. Desse
modo, o processador interno do equipamento calculará, mediante a intensidade
de luz emitida e recebida, a porcentagem de moléculas saturadas.
Torna-se evidente que a mensuração só terá alta confiabilidade se a
região corporal onde estiver colocado o conjunto emissor-sensor for perfundida
com intensidade suficiente para que o equipamento registre pulso de
intensidade adequada. Por outro lado, a técnica exige que tal região seja
dotada de grau de transparência compatível com a sensibilidade do
equipamento. Assim sendo, é recomendável que se opte por local de pouca
pigmentação e, preferencialmente, desprovido de pelos. Vários fatores podem
determinar erros de leitura, como luz ambiente, luz ultravioleta, movimento,
hipoperfusão periférica, entre outros. Os sensores para uso veterinário são os
mais indicados, e os locais mais apropriados para sua colocação são a língua,
mucosas oral e vaginal e prepúcio.
Capnometria e capnografia

Capnometria é a mensuração e a disposição numérica da concentração


do dióxido de carbono nos gases respiratórios durante um ciclo respiratório
(inspiração e expiração). Quando um gráfico contínuo é avaliado, a medição
produz curvas típicas e a técnica é chamada de capnografia.
A capnometria é um método não invasivo para a mensuração da
concentração alveolar de dióxido de carbono, cujos valores refletem de
maneira muito próxima a PaCO2 em pacientes normais. Os valores numéricos,
em mmHg, fornecidos pelos capnômetros mostram a concentração de CO 2 ao
final da expiração (ETCO2) e os equipamentos geram, complementarmente,
uma onda de formato característico denominada capnograma. Em um traçado
típico de capnometria pode-se observar (Figura 7): o início da expiração (A), a
fase expiratória (B), o platô, onde se localiza o pico de CO 2 expirado (C), a fase
inspiratória (D) e o final da expiração (E), quando o valor de CO2 é zero.

Figura 7. Onda capnométrica típica (Nunes, 2009).

Os sensores de capnômetros são, geralmente, colocados em linha com


a sonda orotraqueal ou a máscara facial vedada, mas também existem
dispositivos que colhem amostras das narinas e realizam as mensurações
necessárias. O princípio de funcionamento dos equipamentos baseia-se na
absorção da radiação infravermelha pelo CO2.
A obtenção de valores muito baixos de ETCO2 pode refletir a
desconexão do circuito anestésico, obstrução de vias aéreas e até mesmo
arritmia grave e assistolia. Já foram registrados valores extremamente baixos
de ETCO2 em pacientes com grave perda sanguínea que mostraram valores
normais após a reposição de fluidos e correção da pressão arterial. Por outro
lado, valores reduzidos de ETCO2 podem indicar hiperventilação, que pode ser
seguida de apneia.
A contínua observação dos valores e do traçado capnométrico permite
decidir, no caso de apneia, se deve ser procedida a ventilação controlada ou
não. Em um paciente com valores de capnometria elevados, por exemplo, de
70 mmHg, antes da parada da respiração, é muito provável que o plano
anestésico esteja profundo demais ou outro fator esteja impedindo a correta
ventilação, devendo-se instituir a ventilação assistida ou controlada, além de
identificar e tratar a causa do problema. Se, por outro lado, o paciente
apresentar valores tão baixos como 10 mmHg, por exemplo, é possível que ele
esteja hiperventilado. Nesse caso, a instituição de ventilação forçada não seria
útil.
Os fatores envolvidos em valores elevados de capnometria são
hipoventilação e reinalação de CO2. Esse último fator pode ser obtido quando
se tentam empregar circuitos anestésicos exageradamente volumosos para o
porte do paciente. Também é comum o uso de cal sodada inábil, pelo uso
repetido, na retirada do CO2 do volume expirado.

Análise dos gases sanguíneos

A hemogasometria engloba o conjunto de valores considerados mais


adequados para a avaliação do estado ventilatório do paciente. É feita a
análise dos gases no sangue arterial, obtido pela punção direta de uma artéria
periférica, observando-se o rigor técnico necessário para que a amostra
produza resultados confiáveis. O sangue arterial deve ser colhido em seringa
previamente heparinizada e a amostra processada imediatamente. Caso a
mensuração imediata não seja possível, deve-se selar o conteúdo da seringa,
eliminando-se as eventuais bolhas de ar contidas em seu interior, e introduzir a
agulha em materiais, como por exemplo, borracha de consistência firme. O
material colhido deve ser sempre colocado em refrigeração no menor tempo
possível, lembrando-se de que deve ser evitado o congelamento, que
inviabiliza a amostra.
As dosagens dos gases sanguíneos desempenham papel essencial no
atendimento de pacientes submetidos a cirurgias de grande porte e em
quadros de insuficiência respiratória aguda ou crônica. O exame gasométrico
permite a identificação de quadros de alcalose ou acidose, prováveis etiologias
e implicações, bem como acompanhamento evolutivo das afecções que os
desencadeiam, do tratamento utilizado e do prognóstico.
Por meio da hemogasometria arterial, podem ser monitorados os valores
de pH, PaO2, PaCO2, bicarbonato (HCO3-), excesso de base e saturação de
oxigênio nas hemoglobinas, além de eletrólitos, como Ca++, Cl-, Na+ e K+.

Temperatura corporal

A temperatura corporal deve sempre ser monitorada em pacientes


anestesiados. Sua diminuição acentuada causa uma série de alterações
fisiológicas como bradicardia, com possível queda na pressão arterial e
hipoperfusão tecidual. Dentre os órgãos afetados, o SNC pode ser o mais
prejudicado em razão da isquemia e da redução do fornecimento de oxigênio.

Débito urinário

O débito urinário é uma medida indireta do fluxo sanguíneo renal e


consequentemente, do fluxo sanguíneo visceral. Esse parâmetro pode ser
mensurado através da sondagem vesical e coleta de urina produzida em um
determinado período de tempo. Os valores normais são de 1 a 2 mL/kg/hora.

Referências
Haskins, S.C. Monitoring anesthetized patients. In: Tranquilli, W.J.; Thurmon,
J.C.; Grimm, K.A. Lumb & Jones´ veterinary anesthesia and analgesia. 4th
ed. Iowa: Blackwell Publishing, 2007. Chap.19, p.533-558.
Natalini, C.C. Monitoração do paciente anestesiado. In: Natalini, C.C. Teoria e
técnicas em anestesiologia veterinária. Porto Alegre: Artmed, 2007. Cap.13,
p.249-274.
Nunes, N. Monitoração da anestesia. In: Cortopassi, S.R.G; Fantoni, D.T.
Anestesia em cães e gatos. 2ª ed. São Paulo: Roca, 2009. Cap.6, p.83-101.
Moens, Y.; Coppens, P. Patient monitoring and monitoring equipment. In:
Seymour, C; Duke-Novakovski, T. BSAVA Manual of Canine and Feline
Anaesthesia and Analgesia. 2nd ed. Quedgeley: British Small Animal
Veterinary Association, 2007. Chap.7, p.62-79.
Tilley, L.P.; Burtnick, N.L. ECG para o clinico de pequenos animais. São
Paulo: Roca, 2004. 99p.

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