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Artigo original

ENTRE A LEGITIMAÇÃO E A CRÍTICA:


As disputas acerca da Base Nacional Comum
Curricular*
Miqueli Michetti
Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa - PB, Brasil. E-mail: miquelimichetti@gmail.com
  https://orcid.org/0000-0003-2236-5126
DOI: 10.1590/3510221/2020

Apresentação rias com secretarias municipais e estaduais de edu-


cação, na formação de “líderes”, em premiações de
Recentemente, a ideia de que uma base curri- “boas práticas”, no financiamento de pesquisas na
cular nacional seria necessária para a melhoria da área de educação e na formação de “coalizões” para
educação brasileira foi objeto de um acirrado de- a consecução de políticas educacionais de amplo
bate. Não é de hoje, porém, que a educação é ob- escopo, como a criação da chamada “Base Nacio-
jeto de disputas no país. As principais concepções nal Comum Curricular” (BNCC), tema central do
pedagógicas e práticas educacionais se constituíram presente artigo.
e se consolidaram entre nós a partir de disputas en- Vários trabalhos têm se dedicado a analisar
tre grupos, valores e interesses distintos (Saviani, a atuação de tais organizações, tanto de forma
2007; Cury, 2008). Atualmente, um dos agentes mais geral (Freitas, 2012; Carvalho, 2017; Santos
que tomam parte nessas disputas são organizações e Silva, 2017), quanto investigando instituições
sem fins lucrativos ligadas ao universo corporativo. e programas específicos (Adrião e Peroni, 2011;
Elas atuam de diversas maneiras, como em parce- Peroni e Caetano, 2014; Urbini, 2015; Yada,
2016). Outras pesquisas se debruçam precisamen-
* A autora agradece a Fernando Burgos e aos/às parece- te sobre a base curricular nacional (Alves, 2014;
ristas da RBCS pelas sugestões a versões anteriores do Cóssio, 2014; Batista et al., 2015; Limaverde,
presente artigo. 2015; Peroni e Caetano 2015; Sousa, 2015; Ma-
Artigo recebido em: 27/01/2018 cedo, 2014, 2015, 2016a; Barreiros, 2017; Avelar
Aprovado em: 22/08/2019 e Ball, 2019). Contudo, tais trabalhos são feitos
RBCS Vol. 35 n° 102 /2020: e3510221
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majoritariamente a partir da área da Educação e ordem social e a sua problemática reprodução (Bar-
do chamado “Campo de Públicas”, e considera- the et al., 2013, p.177). Contudo, buscamos inte-
-se aqui que uma perspectiva mais marcadamente grar algumas contribuições dessa perspectiva, que
sociológica possa trazer contribuições à análise do se coloca criticamente em relação à sociologia de
processo de criação da BNCC. Ao mesmo tempo, Bourdieu, sem refutar por completo o legado bour-
a partir desse objeto empírico relevante por si só, é dieusiano, ainda que, por si só, este não alcance
possível desenvolver ainda debates teóricos impor- explicar nosso objeto. Diante disso, procuramos,
tantes na área da sociologia. como Bernard Lahire (2002, p.11), “pensar, ao
Desse modo, o artigo se debruça sobre o espa- mesmo tempo, com e contra [...] Pierre Bourdieu”.
ço social no qual a BNCC foi definida, bem como É com essa mesma postura que trabalhamos com
sobre as estratégias de legitimação, consensualização a Sociologia da Crítica e da Justificação, de Luc
e concertação discursiva estabelecidas pelos agentes Boltanski e Laurent Thèvenot, para refletir sobre o
que buscavam instituí-la, com foco na atuação de lugar da crítica no processo de criação da BNCC.
fundações e institutos familiares e empresariais. A Quanto ao percurso do artigo, após essa apre-
centralidade de tais organizações será um dos alvos sentação, introduzimos o espaço social da disputa
das diversas críticas advindas de outros agentes im- recente em torno da BNCC e expomos o que cha-
plicados na disputa, as quais também são analisadas mamos de “estratégias de consensualização” estabe-
no texto. lecidas pelos agentes favoráveis a ela, com ênfase no
Em termos metodológicos, entre 2015 e 2017, âmbito discursivo de tais estratégias. Passamos, na
foram realizadas observações em eventos organiza- sequência, às críticas proferidas por agentes contrá-
dos no Brasil e nos EUA por fundações privadas rios seja à premissa de que uma base curricular era
brasileiras dedicadas à educação e em audiências necessária, seja ao conteúdo, aos artífices e ao pro-
públicas sobre a BNCC. Também realizamos en- cesso de constituição do documento. Analisamos,
trevistas e análise documental de materiais diver- então, as complexas relações entre crítica e legiti-
sos produzidos pelos agentes em questão. Por meio mação no processo em tela e, a partir dos resulta-
dessa base empírica, analisamos a atuação prático- dos oriundos da investigação empírica, concluímos
-discursiva dos agentes em disputa. Buscamos as com apontamentos sobre a conveniência de uma
recorrências discursivas, no sentido foucaultiano abordagem multidimensional das disputas sociais.
(Foucault, 2007) e, para efeito de demonstração
no presente artigo, operamos a partir de exemplos
heurísticos selecionados após saturação de enun- O espaço social do debate sobre a Base
ciados e práticas recorrentes. Essa frente discursiva Nacional Comum Curricular
foi trabalhada levando em conta o espaço social em
que ela emergia (Bourdieu, 1989, 1996, 2004). A As disputas acerca da criação da base curricu-
partir de uma apropriação livre das concepções de lar nacional se dão no seio de um espaço social em
Bourdieu acerca da composição relacional de espa- que vários agentes - com acúmulos desiguais de va-
ços sociais em que agentes com diferentes posições riados capitais e com ethos, interesses e estratégias
e capitais desiguais estabelecem disputas e de um diversos - buscam fazer valer sua posição como le-
diálogo implícito com a Teoria do Discurso, bus- gítima e encaminhar seus desígnios. Embora o em-
camos, na trilha de Reed (2013, p.211), integrar as prego da perspectiva bourdieusiana seja evidente,
dimensões relacional e discursiva das disputas. a noção de espaço social será privilegiada aqui por
Além dessas orientações teórico-metodoló- não acarretar o fechamento e a autonomia implica-
gicas, o fato de estarmos diante de uma polêmica dos no conceito de campo. A disputa que aqui ana-
pública trouxe uma interlocução com a chamada lisamos não se restringiu ao que seria o “campo” da
Sociologia Pragmática e com a Sociologia da Con- educação no Brasil, sendo conformada também por
trovérsia. Tal como essas vertentes, concebemos as alguns agentes e tipos de capital que, em definição
controvérsias públicas como formas de adentrar a estrita, seriam externos a ele. Por isso, em vez de
Entre a legitimação e a crítica  3

(re)delinear fronteiras que teriam de ser pensadas construído”, o habitus implicaria “não apenas um
como demasiadamente porosas ou alargadas para sense of one’s place, mas também um sense of other’s
funcionar analiticamente, ou de insistir na ideia de place” (Bourdieu, 2004, p.158). Já a chamada So-
uma autonomia muitíssimo relativa do campo, pre- ciologia Pragmática afirma que os atores, ao atuar,
ferimos trabalhar com a concepção mais ampla de possuem diferentes graus de reflexividade e que as
espaço social, a qual permite pensar relacionalmen- “situações públicas” - como a que temos em vista -
te os agentes em disputa sem implicar nos difíceis seriam caracterizadas por “formas de reflexividade
equilíbrios analíticos que seriam necessários para máxima” (Barthe et al., 2013, p.188). Para os pro-
enquadrar nosso objeto empírico como um campo. pósitos deste artigo, o que importa é que, seja via
Cabe ressaltar, ainda, que concebemos a noção percepções classificatórias das posições no espaço
como não necessariamente excludente à perspectiva social - do sense of places -, seja via reflexividade dos
que enxerga a criação da BNCC como resultado da atores, os agentes em disputa atuam, na situação que
atuação “em rede” de determinados atores (Mace- analisamos, conforme uma apreciação que eles pró-
do, 2014; Avelar e Ball, 2019). Ainda que as duas prios têm do espaço social em que agem, isto é, das
abordagens sejam teoricamente divergentes (Sapiro, posições e dos diferentes capitais em disputa. Ainda
2006, p.46-9) e que não seja este o foco do presente que os termos enunciados não sejam esses, age-se a
artigo, diferentes tentativas de conciliá-las têm sido partir de alguma avaliação sobre “quem é quem”.
consequentes, especialmente em termos metodoló- Dito isso, o espaço social onde se dá a dispu-
gicos. Enquanto alguns autores buscam congregar ta sobre a BNCC é formado por agentes do poder
as vertentes teoricamente (Bottero e Nick Crossley, executivo dos três níveis de governo, que confor-
2011; Marco Serino et al., 2017), estudos como os mam o “pacto federativo” da educação no país, e
de Gisèle Sapiro (2006) e Elisa Klüger (2017) apos- do legislativo federal, no qual a Comissão de Edu-
tam coerentemente no potencial metodológico de cação1 tem centralidade. O Ministério da Educação
se trabalhar a “teoria dos campos” ou a perspectiva (MEC) representou o executivo federal, enquanto
do espaço social por meio da análise de redes. o Conselho Nacional de Secretários de Educação
Além disso, a abordagem calcada na ideia de (Consed) foi o representante do âmbito estadual,
espaço social não é mutuamente exclusiva à verten- e a esfera municipal foi representada pela União
te que analisa o componente discursivo da disputa Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
que nos concerne (Macedo, 2014, 2015, 2016a, (Undime). Estiveram presentes também instâncias
2016b; Barreiros, 2017). Pelo contrário, a dimen- de “interlocução entre sociedade civil e o Estado”,
são discursiva é um dos elementos centrais do pre- como o Conselho Nacional de Educação (CNE) e
sente artigo, mas a sublinhamos como integrante o Fórum Nacional de Educação. Atuaram, ainda,
de um espaço social constituído relacionalmente e associações civis sem fins lucrativos, em especial o
em cuja conformação o componente simbólico é Movimento pela Base (MpB), mas também o To-
fundamental. Ela é constituída em, constituída por dos pela Educação (TpE) e, individualmente, insti-
e constituinte de um espaço social, de modo que é tutos e fundações familiares e empresariais.
mais consequente operar simultaneamente com as Em posições não-dominantes, estiveram a
dimensões relacional e discursiva para apreender Campanha Nacional pelo Direito à Educação
como, por quem, contra quem, em qual contexto e (CNDE)2, as associações de pesquisadores da área
com quais implicações algo é enunciado. de educação, como a Associação Nacional de Pós-
Convém precisar ainda que, para Bourdieu, os -Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), a
agentes teriam um domínio antes prático que refle- Associação Brasileira de Currículo (ABdC), bem
xivo da estrutura social (1989, p.141). Ou melhor, como centros de estudo e pesquisa de faculdades de
para o autor, “O habitus é ao mesmo tempo um educação - especialmente de universidades públicas
sistema de esquemas de produção de práticas e um -, associações de ensino diversas e entidades, como
sistema de esquemas de percepção e apreciação das a Associação Nacional de Política e Administração
práticas”. Por exprimir “a posição social em que foi em Educação (Anpae), a Associação Nacional pela
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Formação dos Profissionais da Educação (Anfope) Embora não sejam as únicas, tais organizações
e o Fórum Nacional de Diretores de Faculdades/ são bastante representativas de agentes que ocupa-
Centros/Departamentos de Educação ou Equiva- ram posições centrais no espaço social dos debates
lentes das Universidades Públicas Brasileiras (Fo- sobre a BNCC, no qual os agentes em posição do-
rumdir). Organizações sindicais de trabalhadores minante - como o poder público, as fundações pri-
da educação, particularmente de professores - como vadas e as empresas - contam com maior montante
o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de capital político, social e econômico. Contudo,
de Ensino Superior (Andes-SN) e a Confederação por se tratar de um debate em torno da educação,
Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) uma área considerada pública, o capital econômico
-, também se colocaram nos debates. encontra dificuldade em ser tomado como legíti-
Todos esses agentes estabelecem relações a par- mo, de forma que os agentes munidos desse capital
tir das posições que ocupam no espaço social das buscarão convertê-lo em capital simbólico (Miche-
disputas pelos destinos da educação no país. Como tti, 2017). Tal operação será criticada por posições
apontam Simielli e Alves ao analisar a querela entre não dominantes no processo de elaboração da Base,
TpE e CNDE, as quais, embora não dominantes, por concernirem
à educação pública, contam com capital social e
[...] há uma pluralidade de atores, grupos e com um alto montante de capital simbólico. Exis-
instituições em conflito, alguns deles deten- tem várias posições entre essas duas extremidades,
tores de uma posição vantajosa em relação aos contudo, elas delineiam os eixos em torno dos
demais, decorrente da desigualdade na distri- quais a polêmica se desenrolou.
buição de recursos materiais, organizacionais e
simbólicos (2011, p.15).
Estratégias de legitimação em torno da
As vinculações de entes públicos e privados BNCC: consensualização e concertação
com o Consed e a Undime constituem um bom discursiva
exemplo das articulações entre os agentes mais bem
posicionados na disputa. A aliança com essas duas Tema pouco propício a consensos, a formação
organizações foi privilegiada por agentes públicos e educacional das gerações futuras constitui uma are-
privados porque elas responderiam pela implemen- na de disputas, como ficou claro quando da criação
tação da Base e poderiam ser consideradas, para das Leis de Diretrizes e Bases (Macedo, 2015; Cos-
efeitos de legitimação – não sem contestação –, ta, 2002; Adrião e Oliveira, 2001) e dos Parâmetros
como representantes públicos do universo escolar. Curriculares Nacionais (Horta, 1997). Diante dis-
Na qualidade de “parceiros”, elas declaram órgãos so, o núcleo de agentes que encaminhou a criação
e instâncias de governo, organismos multilaterais, e aprovação da BNCC estabeleceu várias estratégias
associações civis, fundações e associações (“institu- prático-discursivas com vistas à consensualização
tos”) privadas e empresas3. Destacando apenas as do debate e à legitimação do documento. Em al-
fundações empresariais e familiares, temos, como gumas delas, a frente prática é predominante, ao
parceiros da Undime, a Fundação Victor Civita, a passo que em outras o elemento discursivo é o mais
Fundação Abrinq, a Fundação Itaú Social, o Ins- marcante. Entretanto, com Bourdieu, concebemos
tituto Natura, a Fundação Telefônica Vivo, o Ins- que as práticas têm um componente simbólico e,
tituto Alana, a Fundação Lemann e a Fundação com Fairclough (2001, p.91), que os discursos são
SM. E, como parceiros do Consed, estão a Fun- “uma forma particular da prática social”, de modo
dação Roberto Marinho, a Fundação Itaú Social, que discursos e práticas se imbricam nas estratégias
o Instituto Unibanco, a Fundação Victor Civita, o demonstradas a seguir.
Instituto Natura, a Fundação Santillana, a Funda- Criação de um grupo formal para avançar a
ção Lemann, a Fundação Telefônica Vivo, além das BNCC: em 2013, foi formado o chamado “Movi-
empresas Gerdau e Itaú BBA. mento pela Base” (MpB), que se apresenta como
Entre a legitimação e a crítica  5

“um grupo de especialistas em Educação”, [que] “se dois exemplos, temos, como indivíduo, o caso de
reuniu para discutir a adoção de uma Base Nacio- Eduardo Deschamps, que ocupou diversas “cadei-
nal Comum no Brasil”. Este grupo buscaria ras” ao longo do processo de criação da BNCC; e,
como organização, a Fundação Lemann também
[...] facilitar o processo de construção da Base, tem esse modus operandi tentacular, multiposicional
apoiando e disseminando pesquisas e insumos e, em muitos momentos, sua atuação confunde-se
técnicos para qualificar o debate e mobilizan- com a do MpB.
do atores chave (gestores, acadêmicos, pesqui- Ao continuar suas reflexões sobre as “funções
sadores, professores, líderes da sociedade civil sociais da multiplicidade de posições” (Boltanski,
organizada)4. 1973, p.23-5), Boltanski afirma que a multiposi-
cionalidade dos atores no espaço social dificultaria
O MpB faz referência a duas fontes de legitimi- a clareza sobre as diferentes posições ocupadas, de
dade: os “especialistas” e a “sociedade civil organiza- modo que esta pode ser uma estratégia para con-
da”, recorrendo tanto à legitimação técnico-científica tornar ou dissimular situações em que instituições
quanto à da vontade geral. Contudo, entre “especia- enfrentam críticas (Boltanski, 2009, p.179). Ave-
listas” e “líderes da sociedade civil organizada”, en- lar e Ball (2019, p.5) consideram as conexões en-
contramos nomes oriundos de importantes famílias tre membros de diferentes organizações como uma
e grupos empresariais nacionais, que integram a or- “rede” em transformação. Empregamos, porém, a
ganização especialmente por meio de fundações e ideia de multiposicionalidade para sublinhar que os
“institutos” ligados ao universo corporativo. Entre agentes mais bem posicionados podem utilizar seu
os “apoios institucionais” ao MpB, temos Undime capital social, mas também econômico e político,
e Consed, membros e ex-membros do CNE, o se- para conformar um espaço social, delinear suas per-
cretário de educação básica e a diretora de currículos tenças e exclusões. Se a multiposicionalidade só é
e educação Integral do MEC, a presidente do Inep, possível quando já existe alinhamento entre indiví-
secretários e ex-secretários estaduais de educação, duos e organizações, ela é também um dos veículos
alguns professores e pesquisadores, um “Consultor de consensualização.
Legislativo da Câmara dos Deputados na área de Realização de eventos nacionais e internacionais:
Educação” e três deputados federais5. A propósito, financiados por fundações privadas, tais eventos
a fundação oficial do MpB se deu no mesmo abril congregaram atores-chave e foram realizados a par-
de 2013, quando a Lei nº 12.796, inserindo a refe- tir de 2013, majoritariamente em universidades
rência a uma “Base Nacional Comum” na LDB, foi estadunidenses de prestígio. Enquanto os encon-
aprovada na Câmara dos Deputados6. tros do MpB ocorreram na Yale University, outros
Daí em diante, o MpB passa a atuar para a eventos promovidos pela Fundação Lemann foram
construção no Brasil de um “common core” seme- realizados nas universidades dos EUA nas quais ela
lhante ao existente em países como EUA, Reino financia centros de pesquisa sobre Brasil. Tais cen-
Unido, Austrália e Chile7. Entretanto, uma em- tros, da Columbia University, Harvard University,
preitada pública dessa envergadura não poderia ser University of Illinois e Stanford University, organi-
levada a cabo exclusivamente por atores privados, zam anualmente o “Lemann Dialogue”, evento que
que serão, então, enunciados como coadjuvantes, reúne acadêmicos, empresários e agentes do poder
ainda que tenham boa dose de protagonismo, e que público, de organismos internacionais e da cha-
logo tomarão por tarefa a composição com agentes mada sociedade civil para a discussão de questões
públicos e privados em torno do objetivo enuncia- consideradas estratégicas para o Brasil, como a edu-
do como comum. cação. Seminários específicos sobre a BNCC, finan-
Multiposicionalidade dos agentes: no processo de ciados pela Fundação Lemann, também ocorreram
criação da Base, pessoas e organizações ocuparam em Campinas e em São Paulo8. Tal como colocam
diferentes cargos e espaços, integrando-os em tor- Avelar e Ball (2019, p.4), tais eventos são impor-
no de uma mesma pauta. Para evocarmos apenas tantes para a criação de uma “comunidade de cren-
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ças, valores, culturais e formas de comportamento tituído pelo artigo 210 da Constituição de 1988,
compartilhados”. segundo o qual “Serão fixados conteúdos mínimos
Alianças e vinculações estratégicas: além de se- para o ensino fundamental, de maneira a assegurar
rem, em termos bourdieusianos, momentos rituais formação básica comum e respeito aos valores cul-
em que se consolida a “conversão” dos atores a uma turais e artísticos, nacionais e regionais”; pela Lei nº
mesma “crença”, os vínculos com universidades 12.796, de 2013, que insere o termo “Base Nacio-
consagradas foram usados como uma espécie de nal Comum” no artigo 26 da LDB de 1996; bem
“lastro técnico-científico” a partir do qual enun- como pela lei nº 13.005, que promulga o Plano
ciou-se a expertise dos “especialistas em currículo Nacional de Educação em 2014.
internacionais” escalados para tomar parte na for- Depois do envio da terceira versão da BNCC
mação da BNCC. Além disso, temos a presença ao CNE, o MEC divulgou, inclusive, uma “linha
“do pessoal das fundações” em Brasília, “no dia- do tempo” com uma genealogia da Base, que vai
-a-dia” com parlamentares federais. No texto de de 1988 a 201711. No que se refere a esse aspecto,
Avelar e Ball (2019), essa situação é descrita como podemos retomar Bourdieu (2004, p.162), quando
lobby, enquanto nas entrevistas realizadas para essa ele afirma que as “mais típicas” das “estratégias de
pesquisa, os atores usam o termo advocacy. construção da realidade social são as que visam re-
Construção do apoio da “grande mídia”: a con- construir retrospectivamente um passado ajustado
centração de capital econômico, social e político às necessidades do presente”. E podemos também
dos agentes favoráveis à Base teve papel na con- fazer referência à sociologia pragmática, quando ela
certação discursiva junto a veículos da chamada destaca a importância de se atentar aos usos sociais
grande mídia9, como dá a entender, por exemplo, e políticos do passado pelos próprios atores (Bar-
a fala de um ator principal do Centro Lemann de the, 2013, p.181).
Stanford: “essa [base curricular] não era uma pauta, Composição discursiva entre expertise e democra-
muito menos consenso. Isso virou consenso, porque a cia: buscou-se amalgamar dois modelos de justifi-
Fundação [Lemann] pode passar a mão no telefone cação, nos termos de Boltanski e Thévenot (1991):
e falar direto com os Frias” 10 (fazendo referência ao um atinente à deliberação democrática e outro à
jornal Folha de São Paulo). formulação de especialistas. Essa composição apa-
Enunciação de objetivo incontestável: todos rece no MEC, conforme segue:
os atores do núcleo formador da Base enuncia-
ram reiteradamente e em uníssono que o objetivo A BNCC é fruto de amplo processo de debate
central dela seria a “garantia de uma educação de e negociação com diferentes atores do campo
qualidade” com mais “equidade”, já que incidiria educacional e com a sociedade brasileira. A pri-
tanto sobre o ensino público, como o ensino pri- meira versão do documento foi disponibilizada
vado, e cobriria a extensão do território nacional. para consulta pública entre outubro de 2015 e
Tal enunciação se manteve inalterada, ao passo que março de 2016. Nesse período, ela recebeu mais
vários outros objetivos evocados ao longo dos deba- de 12 milhões de contribuições – individuais, de
tes oscilaram diante das críticas, ou eram matizados organizações e de redes de educação de todo o
em função dos fóruns nos quais eram enunciados, País –, além de pareceres analíticos de especialis-
como, por exemplo, o referente à necessidade de tas, associações científicas e membros da comu-
um aprendizado verificável, mensurável e classificá- nidade acadêmica. As contribuições foram siste-
vel por testes nacionais e internacionais, bem como matizadas por pesquisadores da Universidade de
o da equiparação do sistema brasileiro aos modelos Brasília (UnB) e da Pontifícia Universidade Ca-
internacionais de matriz curricular. tólica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e subsidia-
Narrativa genealógica: um aspecto central ram a elaboração da segunda versão. Publicada
na concertação discursiva em torno da Base foi a em maio de 2016, a segunda versão da BNCC
enunciação de um “marco legal” discursado como passou por um processo de debate institucio-
historicamente consolidado, putativamente cons- nal em seminários realizados pelas Secretarias
Entre a legitimação e a crítica  7

Estaduais de Educação em todas as Unidades gunda versão da Base, redigida de acordo com
da Federação, sob a coordenação do Conselho essas contribuições e com o debate público, foi
Nacional de Secretários de Educação (Consed) apresentada pelo MEC em maio de 2016. O
e da União Nacional dos Dirigentes Municipais texto foi analisado entre junho e agosto em se-
de Educação (Undime). Os seminários estaduais minários realizados em todos os estados. Orga-
aconteceram entre 23 de junho e 10 de agos- nizados pelo Conselho Nacional de Secretários
to de 2016 e contaram com a participação de de Educação (Consed) e pela União Nacional
mais de 9 mil professores, gestores, especialistas de Dirigentes Municipais de Educação (Undi-
e entidades de educação, encerrando o ciclo de me), os seminários reuniram mais de 9 mil par-
consulta previsto para a segunda versão. Seus re- ticipantes, a maioria professores, que puderam
sultados foram sistematizados e organizados em fazer sugestões de mudanças. Essas contribui-
relatório produzido por um grupo de trabalho ções foram sistematizadas em um relatório, en-
composto por Consed e Undime, com base em tregue ao MEC em 14 de setembro de 2016. A
análise realizada pela UnB. A segunda versão da terceira versão do texto da Base, redigida a partir
BNCC foi examinada também por especialistas das recomendações dos seminários, foi entregue
do Brasil e de outros países. Anexados ao rela- ao Conselho Nacional de Educação (CNE) em
tório Consed/Undime, os pareceres analíticos 6 de abril de 2017. O CNE irá realizar audiên-
desses especialistas foram encaminhados ao Co- cias públicas entre junho e outubro de 2017
mitê Gestor da Base Nacional Curricular Co- para emitir um parecer. O documento volta en-
mum e Reforma do Ensino Médio, instituído tão ao MEC, para homologação. Começa a fase
pela Portaria MEC nº 790/2016. Entre outras de implementação: a expectativa é de que a Base
atribuições, o Comitê Gestor é responsável pelas chegue nas salas de aula em até dois anos depois
definições e diretrizes que orientaram a revisão da homologação13.
da segunda versão, bem como pela indicação
dos especialistas que redigiram a versão final O CNE - instância a emitir o parecer último
[...]. Também esta versão da BNCC, em distin- da BNCC, e que, ao mesmo tempo, represen-
tos momentos de sua elaboração, foi analisada ta oficialmente a sociedade civil e congrega “es-
por leitores críticos (especialistas, associações pecialistas” - sublinha o caráter participativo das
científicas e professores universitários), que pro- audiências regionais, asseverando que as realizou
duziram pareceres relativos às diferentes etapas “mediante a participação da sociedade no debate
da Educação Básica, às áreas e aos componentes do documento”, e que nelas “os mais diversos seg-
curriculares do Ensino Fundamental.12 mentos da sociedade terão oportunidade de ofere-
cer suas contribuições”, embora elas não tivessem
O MpB a enuncia nesses termos: caráter deliberativo14.
Fundação Lemann e MpB reforçam o enuncia-
O Ministério da Educação (MEC) iniciou a do da democracia, tal como no material divulgado,
redação do documento em 2015, em colabora- sintomaticamente em conjunto, por ambas organi-
ção com membros das secretarias municipais e zações após as audiências públicas: “A Base está sen-
estaduais de educação, acadêmicos especialistas do construída desde 2015 com participação ativa da
nas disciplinas e professores da Educação Básica. sociedade”; “O caráter democrático é reforçado pe-
Em setembro de 2015, o MEC publicou a pri- los integrantes da última audiência pública [...], que
meira versão da Base. O documento foi aberto contou com pessoas contra e a favor da Base”. No
para que qualquer cidadão pudesse fazer comen- mesmo texto, lê-se a afirmação lapidar de Eduardo
tários, sugestões ou críticas. A consulta pública Deschamps, já na presidência do CNE: “Essa Base
foi encerrada em março de 2016, com mais de não é do MEC. Não é do CNE. É do Brasil”15.
12 milhões de contribuições por meio do site Findas as audiências, o MEC divulgou a ter-
http://basenacionalcomum.mec.gov.br. A se- ceira versão da BNCC em publicação apresentada
8  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 35 N° 102

como uma “parceria com Consed e Undime” e com Esse material, selecionado de um corpus mais
o “apoio do Movimento pela Base”. Logo na apre- amplo, torna explícita a existência de uma recor-
sentação, estatui-se que o “foco principal” da BNCC rência discursiva em torno de dois enunciados prin-
são “a igualdade e a unidade nacional” (Brasil, 2017, cipais: a) o caráter colaborativo e democrático da
p.11). Na sequência, enunciam-se explicitamente os construção da Base; e b) o caráter técnico garantido
pilares sobre os quais se buscou erigir sua legitimi- pela contribuição de “especialistas” em sua formu-
dade, calcada no “pacto interfederativo, nos termos lação. Diante disso, é interessante retomarmos a
da Lei nº 13.005/ 2014, que promulgou o PNE”; distinção que Boltanski (2009, p.178) estabelece
bem como no fato de que “Sua formulação, sob entre instituições que, em seu esforço de justifica-
coordenação do MEC, contou com a participação ção, reivindicam a “vontade geral”, e aquelas que
dos Estados, Distrito Federal e Municípios, depois se apoiam na expertise, na autoridade da ciência.
de ampla consulta à comunidade educacional e à so- Mais do que uma simples diferença ou oposição
ciedade” (Brasil, 2017, p.14). entre elas, no processo que aqui analisamos, ambas
Ao noticiar a aprovação da BNCC pelo CNE, as frentes foram evocadas como diferentes lastros
além de reiterar a “cronologia” da norma, o MEC para capitais simbólicos distintos em disputa pelos
insiste que: agentes interessados em legitimar a BNCC.
Em geral, alguns agentes ocupam uma posição
A BNCC foi construída ao longo de mais de mais ligada à vontade geral, e outros, à autorida-
três anos, sob a coordenação do MEC e com de científica. Não obstante, institutos e fundações
a colaboração de milhares de educadores, es- vinculados ao mundo corporativo buscarão enun-
pecialistas e acadêmicos de todas as regiões do ciar-se a partir das duas frentes, como “sociedade
país16. civil” e como agremiação de “especialistas”. Eles
evocam as duas espécies de capital simbólico em
Na cerimônia de homologação da base pelo jogo no arranjo de legitimidade, porém, boa parte
MEC, realizada em 20/12/2017, Mendonça Filho, de sua posição é assegurada por um capital que não
que assumiu a posição de Ministro da Educação se explicita nos debates, a não ser de forma críti-
em maio de 2016, sob o governo de Michel Temer, ca, a partir de fora do núcleo de formação da Base.
afirmou que: Trata-se do capital econômico, ao mesmo tempo
ubíquo e impronunciável no que tange à presença
A base é plural, respeita as diferenças, respeita desses agentes no espaço social que temos em tela.
os direitos humanos, nenhuma prisão com rela- Como o capital econômico não é visto como legí-
ção à ideologia de gênero, muito pelo contrário. timo nesse debate, seus detentores buscam recorrer
Mas ela é fruto de uma construção coletiva17. às duas fontes de legitimidade já apontadas.
Contudo, as várias estratégias de consensua-
Na mesma ocasião, o presidente da Undime lização apresentadas se dão em meio a críticas e
confirmou: contestações. Empregamos o termo consensualiza-
ção justamente para indicar que não se trata de um
Foi um longo processo de discussão e debates consenso, mas de uma forma sistemática e coor-
para chegarmos até aqui. Desde 2014 a Undi- denada de lidar com o dissenso e com as críticas,
me participou desse processo, que foi diferen- como veremos a seguir.
te dos processos de outros países. O processo
brasileiro tem a cara do Brasil, do tamanho e
da diversidade do Brasil. Foi longo e envolveu As críticas oriundas das posições avessas à
muita gente e diferentes estratégias. Por isso, consensualização
esse momento é histórico. A sociedade preci-
sou de 4 anos para construir a BNCC. Essa é Enquanto certos agentes buscavam encerrar as
uma conquista do povo brasileiro18 disputas por meio do que chamamos de consensua-
Entre a legitimação e a crítica  9

lização, outros atores pediam a (re)abertura do de- Os procedimentos de participação preparados


bate ou o denunciavam como meramente formal. pela Comissão de Educação da Câmara dos De-
Buscamos “levar a sério” as críticas que os próprios putados - como o “Ciclo de Debate” 19 e os “Se-
atores estabeleceram, tal como sugere a Sociologia minários”, em que “entidades e movimentos da
da Crítica, proposta por Boltanski em oposição ao sociedade ligados à educação, além de especialis-
que seria a “Sociologia Crítica” bourdieusiana. Tais tas, professores e parlamentares” reuniram-se “para
perspectivas costumam ser vistas como irreconci- debater a Base Nacional Comum Curricular” 20 –
liáveis na teoria sociológica, entretanto, levamos constituíram outra instância institucional em que
a sério as críticas dos atores, mas as apreendemos ecoaram críticas à BNCC.
como sendo realizadas dentro de um espaço social Também nos eventos sobre educação pública
no qual eles agem relacional e reflexivamente. promovidos por fundações privadas nos EUA e no
Com isso em mente, foi possível perceber dois Brasil - em geral, com participação de represen-
conjuntos de estratégias críticas. Um deles teve lugar tantes de entes públicos –, o descontentamento de
no interior do universo institucional em que se bus- parte do público e mesmo de alguns integrantes das
cava avançar a Base, no qual agentes privados e ins- mesas ficou patente. Ainda que fossem encontros
tâncias públicas organizaram procedimentos formais reservados a convidados, críticas emergiram, por
de recepção de críticas. O outro se expressou a partir exemplo, na edição de 2015 do Lemann Dialogues,
de fora de tal universo. Estas estratégias não se deram ocorrida na Columbia University, em Nova York,
de forma completamente independente entre si, pois bem como no “Seminário Internacional do Cen-
houve atravessamentos entre elas, sendo que vários tro Lemann para o Empreendedorismo e Inovação
atores, com diferentes acúmulos de capitais e graus na Educação Brasileira em Stanford”, realizado em
de legitimidade, envolveram-se nos dois tipos de ini- 2016 na FAAP, em São Paulo, com o tema “Como
ciativa ou transitaram entre elas. Além disso, cabe a Base Nacional Comum pode contribuir para uma
apontar que ambas se construíram relacionalmente educação pública de qualidade?”21.
e por oposição às posições que defendiam a BNCC. Estratégias críticas externas aos espaços formais: o
Participação crítica nos espaços formais: críticas e polo da crítica também organizou diferentes tipos
oposições foram explicitadas nas Audiências Públi- de eventos e produziu documentos de diversos teores
cas Regionais organizadas pelo CNE para discussão contrários à Base. Assim como na esfera da legiti-
do documento curricular. Elas eram abertas a ins- mação, foi igualmente possível perceber, no espaço
crições de “instituições convidadas” e do “público da crítica, a mobilização de aspectos mais ligados
geral”, no entanto, os participantes eram, em sua ao argumento político-democrático e outros mais
maioria, representantes de entidades convidadas atinentes às características do conteúdo do docu-
e as inscrições de pessoas físicas ficavam muito mento proposto. Típico-idealmente, organizações
aquém da demanda. Nessas ocasiões, enquanto a sindicais e de representação política da educação
organização do evento asseverava que todos seriam pública, atuando ancoradas sobretudo no capital
ouvidos, os representantes das entidades se suce- simbólico de teor político, responderiam pela pri-
diam ao microfone e acusavam a Base de negli- meira vertente. Por sua vez, a esfera acadêmica,
genciar aspectos importantes da educação, como, baseada principalmente no capital simbólico de
por exemplo, educação física, filosofia, questões de teor cultural-científico, se ocuparia da formulação
gênero, diversidade... Além disso, criticavam mar- da crítica especializada. Contudo, tais ancoragens
cadamente como insuficiente, para suas considera- também se imbricaram no processo de elaboração
ções, o tempo de três minutos do qual dispunham, crítica à BNCC, não havendo, assim, uma cisão
denunciando, assim, o processo de escuta como absoluta entre os dois tipos de atores. Ainda que
meramente formal. Tal crítica apareceu em todas as tenha sido possível apreender suas especificidades,
audiências, cujo caráter “não deliberativo” ou não verificaram-se trânsitos tanto entre ancoramentos
estava claro para todos os participantes ou estes se políticos e acadêmicos, quanto entre dinâmicas de
recusavam a aceitar isso como fato. críticas internas e externas.
10  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 35 N° 102

Isso posto, é interessante olharmos para alguns conhecimento, viabilizando a avaliação em lar-
exemplos heurísticos de como tais posições se co- ga escala, externa às unidades escolares, e, em
locaram a partir de fora dos espaços de delibera- consequência, responsabilizando os professores
ção sobre a Base. A Confederação Nacional dos e os gestores pelos resultados da aprendizagem,
Trabalhadores da Educação (CNTE), que reúne desconsiderando as condições efetivas da rea-
sindicatos da categoria, apresentou forte oposição lização das atividades educacionais, como a
à BNCC ao longo de todo o processo e organizou infraestrutura disponível nas escolas e as con-
“eventos paralelos” às audiências regionais do CNE, dições de trabalho docente. Por essas razões, o
os quais foram apresentados ANDES-SN se posiciona contra a BNCC por
considerá-la um instrumento centralizador, au-
[...] como forma de denúncia à tendência pri- toritário, reducionista e de controle dos con-
vatista da educação básica pública no Brasil e o teúdos a serem ministrados por professores/as
empobrecimento do currículo das escolas. [...] da Educação Básica [...]. 23
a redação do documento foi feita sem a parti-
cipação social e há a necessidade de ser discu- A CNDE avaliou que o MEC, além de ter se
tida a partir da escola, como determina a Lei furtado “à responsabilidade de propor um currículo
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e ao Ensino Médio”, não teria considerado os imple-
não de dentro do MEC [...]. O objetivo é que mentadores da BNCC, o que
as reflexões, coordenadas pelas entidades popu-
lares, fomentem novo parâmetro na discussão [...] deve gerar forte e justificada oposição da
da Base, com enfoque voltado à defesa intran- comunidade educacional, que se espalha por
sigente da educação pública, de boa qualidade todo o país e é muito mais ampla em represen-
e socialmente referenciada, além de permitir a tatividade e pluralidade do que o grupo que in-
participação efetiva da sociedade civil organi- terage e busca legitimar – ainda que de forma
zada [...]. Os resultados dos debates, previstos constrangida – o MEC, composto por poucas
para ocorrerem, ainda, em São Paulo e Brasília, associações de base empresarial, praticamente
vão gerar documento alternativo ao proposto restritas à ponte área São Paulo-Rio de Janeiro24.
pelo MEC22.
Enquanto as organizações de representação po-
O Sindicato Nacional dos Docentes das Insti- lítico-setorial produziram manifestos, cartas aber-
tuições de Ensino Superior (Andes-SN) também se tas, notas públicas e abaixo-assinados, os agentes
posicionou contrariamente à BNCC, cujo capital principal é acadêmico, centralmente
pesquisadores de faculdades de educação de univer-
[...] por entender que a ela está vinculada uma sidades públicas, produziram seus “posicionamen-
proposta de centralização da seleção de conteú- tos críticos” por meio de documentos científica e
dos e sua uniformização, baseada no argumen- academicamente lastreados, como artigos, livros e
to de autoridade dos especialistas das discipli- anais de eventos, vários dos quais podem ser encon-
nas. [...] O significado dessa Base é a instituição trados nas referências do presente artigo. O tema
de um conhecimento dito oficial e de um úni- também foi discutido amplamente em eventos aca-
co saber que será considerado o legítimo, ou dêmicos. A Associação Nacional de Pós-Graduação
seja, aquele que consta dos componentes cur- e Pesquisas em Educação (Anped), por exemplo,
riculares desse instrumento, além de justificar produziu
a existência do sistema de avaliações externas.
[...] A BNCC proposta reforça as tendências [...] um conjunto de posicionamentos críticos
internacionais de centralização curricular veri- acerca da proposição de uma Base Nacional
ficadas nos países centrais do capitalismo com Comum Curricular. São elementos presentes
o objetivo de controle político-ideológico do nesta crítica tanto a metodologia de elabora-
Entre a legitimação e a crítica  11

ção que privilegia especialistas e subalterniza o religioso, concebido como uma “agenda impos-
diálogo com as comunidades escolares quanto ta” por um “lobby empresarial e religioso”26. Ao
suas evidentes implicações nos processos de mesmo tempo, a Frente Parlamentar Evangélica
avaliação, de ensino e aprendizagem, na homo- atacou o que chamou de “ideologia de gênero”,
geneização das matrizes curriculares, na forma- crítica que a norma acabou por integrar, impli-
ção de professores e autonomia das escolas que cando inclusive na exclusão dos termos “gênero”
se fragilizam com a lógica de centralização que e “orientação sexual” 27. Esta foi uma das poucas
a BNCC instaura na educação escolar25. derrotas do MpB, que chegou a fazer um mani-
festo contra a referida exclusão28.
Sublinhe-se, mais uma vez, que tais estratégias 2b Aos agentes que encabeçaram o processo, o
não foram necessariamente excludentes entre si e qual teria privilegiado especialistas, pesquisa-
buscaram, por diferentes vias, contestar o esfor- dores estrangeiros e agentes privados que con-
ço de consensualização em torno da Base. Logo, centram capital econômico, que careceriam
mesmo quando feita desde fora, a crítica não pode de legitimidade para arbitrar sobre o tema. A
ser entendida como uma esfera à parte, posto que propósito, Silva et al. (2015, p.340) demons-
busca justamente inundar o empreendimento de tram que a proposta do documento feita em
legitimação. 2015, “contou com um número expressivo de
professores/as da Educação Básica, bem maior
Recorrências discursivas na esfera crítica em relação ao documento de 2014”, que tinha
mais elaboradores vinculados ao Ensino Supe-
A partir de um repertório de ação e de um cor- rior. Os autores argumentam que isso aumen-
po bastante amplo de produção simbólica, exem- taria a legitimidade da norma junto à comuni-
plificado nos excertos acima, foi possível perceber dade escolar. Porém, outra leitura possível é a
recorrências discursivas na esfera crítica, sistemati- de que tal mudança se deve também à oposição
zadas a seguir. que vários pesquisadores vinculados à Educa-
ção Superior apresentaram à Base. E, ainda, de
1 Oposição à ideia de que uma base curricular é que o núcleo propulsor optou por se lastrear
necessária: em especialistas de instituições acadêmicas in-
1a  Reivindicação de que as próprias práticas ternacionais.
escolares produzem saberes curriculares; 2c Ao processo de construção da BNCC: à fal-
1b  Defesa da ideia de que o país já conta com ta de espaço efetivo para críticas e contribui-
documentos curriculares suficientes. ções e à “instrumentalização da participação”
- o que foi alcunhado de “participacionismo”,
com “objetivo muito mais publicitário do que
2 Concordância com a necessidade de uma base democrático”29; à temporalidade do processo,
comum, mas acompanhada de críticas: ao “atropelo” com que a BNCC teria sido con-
2a Ao conteúdo e à estrutura da BNCC: à cen- duzida. Curiosamente, tal aspecto foi criticado
tralização e a homogeneização da Base, que também por atores de dentro do núcleo que
dariam primazia a áreas centrais em exames a encaminhou. Mesmo o Centro Lemann de
padronizados internacionais de avaliação de Stanford não se considera contemplado nas
desempenho e classificação (rankings); a com- críticas e sugestões estabelecidas às diferentes
ponentes específicos da norma e seu foco em versões da Base, imputando isso ao fato de que
“competências”; à exclusão do Ensino Médio “o pessoal das fundações tem pressa, precisa
da norma, pois isso abriria espaço para retirar cumprir metas como em empresas”30.
tal nível da concepção de “educação básica”; ao
tratamento dado a questões de gênero e diversi- Diante dessa multiplicidade de críticas, o nú-
dade, bem como ao espaço galgado pelo ensino cleo de agentes que encaminhou a Base buscou
12  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 35 N° 102

circunscrever o debate. Embora não estatuído for- pretendem inovadoras e modernizantes e se conside-
malmente, operou-se a partir de uma classificação ram “responsáveis” pela mudança (Boltanski, 2009,
entre posicionamentos tidos por plausíveis e pleitos p.194). Tais agentes, que formulam ou se servem de
considerados inadmissíveis, como evidenciado nas tais representações da realidade, têm também mais
palavras do ministro da educação ao homologar a poder de torná-las reais, uma vez que dispõem de
norma: “não ficamos preso (sic) ao debate estéril e meios para direcionar as mudanças (Boltanski, 2009,
que muitas vezes é tomado por ideologias radicais, p.204); isto é, conseguem modificar os contornos do
muito longe disso”. Eram consideradas “radicais” as que o autor conceitua como “realidade”, preservan-
críticas às quais se atribuía teor “ideológico”, e que do-a ao mesmo tempo. Todavia, eles não se respon-
ultrapassavam a substância do documento, ou seja, sabilizariam por tais mudanças, na medida em que
que incidiam sobre a premissa de que um novo do- as concebem ou enunciam como inevitáveis. Esse
cumento era necessário, bem como aquelas sobre os caráter de necessidade seria primordial para legiti-
agentes envolvidos e o desenrolar do processo. mar a ação política, pois uma ação necessária aparece
Contudo, como os enunciadores detinham como o contrário de uma ação arbitrária e, portanto,
capital simbólico, seja científico-acadêmico, seja legitima-se mais facilmente, já que seu componente
político-democrático, suas críticas alteraram al- político se esvanece. Ao insistirem na inevitabilidade
guns aspectos do discurso dos agentes propulsores da mudança, eles aproximam necessidade e vonta-
da matriz curricular. Por exemplo, pelo fato de o de e instam a “desejar o necessário”. Trata-se de uma
“common core” em moldes internacionais ter sido composição discursiva entre a suposta neutralidade
alvo de críticas, passou-se a enunciar, ao longo dos da mudança prescrita pela realidade e o objetivo do
debates, que o processo no Brasil teria sido mais bem comum.
“participativo e democrático” do que o ocorrido Também quando instituições precisam se jus-
em outros países, e que, aqui, não se tratava de um tificar, elas procuram reduzir o “mundo” à “reali-
“common core”. Além disso, em reação às críticas de dade”, isto é, tentam assegurar que a ordem que
tipo 1, passou-se a afirmar recorrentemente que “a procuram implementar ou legitimar confunde-se
base não é currículo”31. com o necessário, com aquilo que não poderia ser
Como se buscava legitimar o documento de de outro modo. No entanto, os arranjos que consti-
acordo com quesitos técnicos e democráticos, a crí- tuem a “realidade” são frágeis, pois a crítica sempre
tica devia figurar no seu processo de constituição. pode buscar no “mundo” contradições na lógica da
Não obstante, as posições críticas que não se viram “realidade”, o que pode abrir caminho para novos
contempladas continuarão a recusar a anuência de acordos. (Boltanski, 2009, p.93).
legitimidade à Base. Desse modo, tais regimes de poder estabelecem
uma relação complexa com a esfera da crítica. Ao
invés de recusá-la ou reprimi-la, buscam absorvê-la
Das relações entre crítica e legitimação e reinterpretá-la nos termos das instâncias institu-
cionais, incorporá-la aos moldes do funcionamento
A própria iniciativa de construção da BNCC normal da realidade, de sorte que ela só pode ser
parte de um diagnóstico crítico sobre a educação explicitamente ouvida dobrando-se aos formatos
brasileira e baseia-se na “necessidade de mudanças” previstos. Como há uma triagem entre modos le-
no ensino do país. Sobre isso, é relevante retomar- gítimos de crítica e formas consideradas fora dos
mos a análise que Boltanski (2009, p.203) estabe- quadros legais ou aceitáveis, o espaço da “crítica
lece sobre o que chama de “regime de dominação política” é restrito, já que esta bebe na exteriorida-
complexo”, o qual se apoiaria no argumento da de do mundo, para colocar a realidade em questão.
mudança, apresentada como necessária e inelutável. Essa maneira de manejar a crítica, incorporando-
Baseado em trabalho feito a quatro mãos com Bour- -a, é reforçada pelo fato de que a “dominação pela
dieu, ainda nos anos 1970, o autor afirma que as eli- mudança” incumbe-se também da crítica, mas de
tes políticas e econômicas em posições de poder se uma “crítica interna”. Por apoiar-se na “expertise”
Entre a legitimação e a crítica  13

que pretende dizer o que a realidade é, por oposi- para o dissenso, nem para o consenso, pois no dis-
ção ao que ela poderia ou deveria ser, às possibilida- curso da técnica não cabe posicionamento. Ele se
des existentes no mundo, tal modalidade de gestão pretende “pós-político” (Wilson e Swyngedouw,
da crítica busca escapar ao antagonismo “realismo 2014). Já o discurso da “vontade geral” é construí-
versus construcionismo”, e enquadra as querelas no do como o avesso da necessidade, erigindo-se como
embate entre expertise e contra-expertise (Boltanski, fruto de deliberação política, de construção de
2009, p.205-206). consensos mínimos, do embate político. Trata-se,
Ao analisar a “circulação internacional de ex- portanto, de uma construção discursiva comple-
pertise” no que denominam “mercado de saberes de xa, porque são discursos que dificilmente se coa-
reforma”, Yves Dezalay e Olivier Nay (2015, p.195) dunam. A associação entre vontade e necessidade,
também apontam a “incorporação dos saberes crí- apontada por Boltanski (2009), não deixa de ser
ticos” em programas governamentais baseados em uma composição problemática, que deixa brechas
“redes colaborativas”. Os autores apontam que, na realidade. No caso em tela, tais brechas abrem
longe de se tratar de um movimento democrati- espaço para críticas às premissas sobre as quais se
zante, a constituição de fóruns em que as posições buscou legitimar a Base.
dissidentes podem ser integradas ao debate público Ainda assim, o documento foi constituído.
- sob a condição de serem formuladas em uma lin- Isso porque as críticas estiveram presentes em seu
guagem “compatível” - oferece aos experts do Es- processo de feitura, mas este não constituiu uma
tado a possibilidade de incorporar pontos de vista “controvérsia”, ao menos no sentido conferido ao
críticos e dissidentes, de forma lenta e não confli- termo pela Sociologia da Controvérsia. A despeito
tuosa, e de digeri-los entre seus próprios quadros de qualquer assimetria existente de fato, em uma
normativos. “controvérsia” as partes adversárias devem, ao me-
Diante disso, podemos retomar nossa reflexão nos formalmente, ser iguais quanto à possibilidade
sobre as relações entre crítica e legitimação no pro- de fazer valer seus argumentos diante do “público”,
cesso em análise. A expectativa inicial das funda- composto estritamente por pares considerados em
ções privadas envolvidas na criação da BNCC, as- posição de julgar, e não pelo público em geral (Le-
sim como a de vários agentes do poder público, era mieux, 2007, p.195-6). Se o público se alarga, já
a de que o processo fosse restrito à esfera de “espe- não teríamos uma controvérsia, mas uma “crise ins-
cialistas”32. Porém, o núcleo fomentador da BNCC titucional”, pois a participação efetiva da sociedade
não conseguiu circunscrever o assunto, visto que o poderia abrir o processo ao imponderado. O “mun-
discurso puro da técnica não foi capaz de sustentar do” poderia irromper sobre a “realidade”. Entretan-
a empreitada de construção de uma base curricular to, se em uma “controvérsia” não há espaço para o
nacional. Diante disso, os agentes em posições do- público em geral, nela a dimensão performativa é
minantes comporão uma adequação discursiva que, instituinte, ou seja, o resultado da querela estaria,
nos termos de Boltanski e Thévenot (1991; 1999), em princípio, aberto. Ela se define, pois, por algum
buscará contemplar duas “ordens de grandeza” no componente de “indeterminação”.
esforço de justificação: a “cité civique”, que tem por No processo que analisamos, entretanto, não
valores a coletividade e a democracia; e a “cité in- houve uma disputa “indeterminada” entre espe-
dustrielle”, cujos valores são a ciência e a eficiência, cialistas, mas uma divisão entre “expertise” e “con-
além de lidar com a “cité de l’opinion”, na qual a re- tra-expertise”, com posições desiguais. Além disso,
putação e o reconhecimento dos atores envolvidos ele escapou aos especialistas, mas, ainda assim, não
têm papel central. houve abertura propriamente dita - o que os pró-
Porém, esta operação não é evidente, pois o prios agentes de fora do núcleo formador da Base
discurso da técnica se inscreve na esfera do necessá- apontaram de forma recorrente e incisiva. Não que-
rio, daquilo que não passa por deliberação e “deve” remos dizer, com isso, que as críticas foram vazias
ser feito da “melhor” maneira, de acordo com as de consequências ou “efeitos sociais”, uma vez que
concepções de “especialistas”. Não há lugar nem foram elas que instauraram o debate e algumas de-
14  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 35 N° 102

las mudaram seus termos, como vimos no caso do isto é, aquelas que colocavam em questão as pre-
slogan “Base não é currículo”. Contudo, a desigual- missas, os agentes constitutivos ou o processo de
dade das posições dos agentes em disputa fez com realização da iniciativa, especialmente se manifesta-
que a possibilidade de alcance da crítica variasse. das a partir “de fora” do núcleo institucionalizante.
Por exemplo, embora ocupasse uma posição cen- Em suma, tentou refutar críticas que - em sua for-
tral, o MpB foi sobrepujado pela força assumida ma, conteúdo ou origem social - eram consideradas
atualmente no país por representantes políticos irrealistas ou radicais, por atacarem os fundamentos
ligados a religiões evangélicas. É a posição relati- da empreitada. Contudo, as tentativas de bani-las
va das elites políticas que enunciam a crítica à dita não lograram neutralizá-las completamente. In-
“ideologia de gênero” que faz com que tal crítica clusive, em etapas subsequentes da criação da Base
seja encampada pela BNCC. Críticas oriundas de Curricular Nacional, alguns agentes críticos lança-
outras posições foram ou rechaçadas como radicais, ram mão de táticas para evidenciar os mecanismos
ou incorporadas nos termos do processo de concer- de administração e neutralização da crítica empre-
tação discursiva, que enuncia a Base como partici- gados pelos agentes dedicados à consensualização34.
pativa, plural, democrática... Contudo, a tarefa de A realidade não é revogada pela crítica, tampouco
tentar justificar uma realidade assim construída é fica incólume a ela.
inesgotável33. Assim, o espaço social que analisamos é cons-
tituído por disputas que passam por conversões
de capitais e por relações complexas entre crítica
Conclusão: Por uma abordagem e legitimação que os próprios atores estabelecem
multidimensional das disputas sociais entre si. Entretanto, nem a crítica nem a justifica-
ção são dotadas de uma capacidade performativa
Ainda que possa haver estratégias de consen- independente das posições relacionais a partir das
sualização e de crítica que não apareceram na pes- quais são apresentadas. A depender das posições
quisa que deu origem ao presente artigo, o material dos agentes que buscam justificar determinada
exposto permite afirmar que a BNCC chega ao fi- realidade e daqueles que proferem críticas contra
nal de seu périplo de criação e homologação com ela, bem como dos conteúdos que trazem e das
seus agentes propulsores estatuindo-a como reali- formas como o fazem, há chances maiores ou me-
dade técnica e democrática e, por isso, legítima. Ao nores de eles conseguirem efetivar suas críticas, e
mesmo tempo, ela chega ao limiar de seu processo de elas serem deglutidas ou excluídas do debate
de implementação - que se anuncia problemático considerado plausível - o que, reitere-se, não faz
por várias razões, inclusive por ela carecer de legi- com que elas deixem de existir.
timidade junto a implementadores - com muitos Diante do exposto, as dimensões relacionais,
agentes em outras posições no espaço social decla- discursivas e performativas das disputas devem ser
rando-a ilegítima. Por um lado, não houve propria- pensadas conjuntamente. No entanto, formas dis-
mente indeterminação na criação da BNCC, já que cursivas e práticas performáticas não independem
as posições dominantes conseguiram levar a cabo o das posições relacionais. Estas são, ao mesmo tem-
seu propósito e concluir o documento. Contudo, po, um condicionante e um alvo das iniciativas
o processo foi mais complexo do que o antecipado concorrentes, elas mesmas baseadas em apreen-
e, mesmo depois de homologada, a Base enfrenta sões relacionais dos capitais, gramáticas, motivos,
oposição e crítica. meios e modos de ação das posições em disputa.
A iniciativa de consensualização que analisa- Se isso estava anteposto nos trabalhos bourdieu-
mos teve a crítica como elemento constituinte, pois sianos sobre as lutas pela reprodução ou transfor-
partiu de uma “crítica interna” à qualidade da edu- mação de campos determinados, a compreensão
cação no Brasil e procurou legitimar-se por meio da das dinâmicas sociais de legitimação e crítica ga-
absorção de críticas internalizáveis. Paralelamente, nha acuidade por meio de análises que “levem a
tentou repelir as críticas consideradas inintegráveis, sério” a reflexividade dos atores e sua “capacidade
Entre a legitimação e a crítica  15

crítica”, as quais, sublinhamos, são exercidas em 10 Conversa com a autora, em outubro de 2017, no Le-
situação e ancoram-se em posições relacionais fre- mann Center da Stanford University.
quentemente desiguais. 11 Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.
br/linha-do-tempo, acesso em 01/11/2017.
12 Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.
Notas br/a-construcao-da-base, acesso 02/11/2017.
13 Disponível em http://movimentopelabase.org.br,
1 A “Frente Parlamentar Evangélica”, chamada também acesso em 17/07/2017.
de “Bancada Evangélica”, tem assumido centralidade 14 Disponível em http://cnebncc.mec.gov.br/, acesso em
nas discussões sobre educação na Câmara, trazendo 06/07/2017.
propostas como a retirada do termo “gênero” do PNE
15 Disponível em http://movimentopelabase.org.
e da BNCC.
br/acontece/manaus-audiencia-bncc/, acesso em
2 Simielli e Alves (2011, p.15), ao analisar as duas “coa- 19/07/2017.
lizões em educação no Brasil”, apontam que a CNDE
16 Disponível em http://portal.mec.gov.br/component/
“é formada principalmente por movimentos sociais e
content/article?id=58541, acesso em 15/12/2017.
organizações não-governamentais”, enquanto o “TPE
é basicamente formado por indivíduos que represen- 17 Vídeo da cerimônia de homologação disponível em
tam empresas privadas, seus institutos e fundações”. https://www.facebook.com/ministeriodaeducacao/
videos/1571220762925732/, acesso em 20/12/2017.
3 Para as listas completas, consultar https://Undime.
org.br/institucional/parceiros http://www.consed. 18 Idem à nota anterior.
org.br/parceiros, acesso em 12/07/2017. 19 Para detalhes sobre a sessão, consultar https://
4 Disponível em http://movimentopelabase.org.br/o- www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/
-movimento/, acesso em 15/07/2017. comissoes-permanentes/ce/noticias/programacao-
-para-o-ciclo-de-debates-sobre-o-bncc-dos-dias-
5 Para a lista completa, consultar http://movimentope-
-31-05-e-02-06, acesso em 21/05/2019.
labase.org.br/o-movimento/, acesso em 17/07/2017.
20 https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/
6 Lei disponível em http://www.planalto.gov.br/cci-
ADMINISTRACAO-PUBLICA/535651-FORUM-
vil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12796.htm. Acesso
-NACIONAL-DE-EDUCACAO-CONSIDERA-
em 03/08/2017. Tramitação disponível em http://
-BASE-NACIONAL-CURRICULAR-COMUM-
www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetrami-
-ILEGITIMA.html, acesso em 21/05/2019.
tacao?idProposicao=438125, acesso em 21/08/2017.
21 Embora este evento tenha ocorrido semanas após o
7 O chamado “common core”, ou núcleo comum, é
Impeachment de Dilma Roussef e da troca da cúpula
centrado em conhecimentos priorizados em testes in-
do MEC e contasse com participantes da nova cú-
ternacionais padronizados que permitem a compara-
pula, isso não foi mencionado por organizadores ou
ção entre países, tais como leitura e matemática. Para
palestrantes.
mais detalhes, consultar Macedo (2014; 2016a), bem
como a ampla literatura discutida pela autora. 22 Disponível em http://www.cnte.org.br/index.php/
comunicacao/noticias/18818-debate-sobre-a-bnc-
8 A pesquisa privilegiou a atuação da Fundação Lemann
c-reune-filiadas-da-cnte-em-recife.html, acesso em
em razão da centralidade assumida pela organização
30/07/2017.
no encaminhamento da BNCC. Entre 2015 e 2017,
realizamos observação de campo em eventos ocorridos 23 Disponível em: portal.andes.org.br/imprensa/
na Columbia University, em Nova York, no Lemann noticias/imp-ult-2053556448.pdf, acesso em
Center da Stanford University e em São Paulo. 25/08/2017.
9 Para se ter uma ideia da ampla cobertura, consultar 24 Disponível em: https://danielcara.blogosfera.uol.
http://especiais.g1.globo.com/educacao/2017/tudo- com.br/2017/04/06/o-mec-esta-em-declinio-e-a-ba-
-sobre-a-base-nacional-comum-curricular/. Acesso se-curricular-e-prova-disso/, acesso em 06/06/2017.
em 12/11/2017. Ver também https://g1.globo.com/ 25 Disponível em http://www.anped.org.br/news/no-
educacao/noticia/leia-a-opiniao-de-especialistas-so- ta-da-anped-sobre-entrega-da-terceira-versao-da-ba-
bre-a-terceira-versao-da-base-nacional-comum-bncc. se-nacional-comum-curricular-bncc-ao, acesso em
ghtml, acesso em 12/06/2017. 02/05/2017.
16  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 35 N° 102

26 Disponível em http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/ da ação coletiva. Para detalhes sobre a repercussão,


entrevista/temos-um-documento-tecnocratico-e-con- consultar https://novaescola.org.br/conteudo/12246/
servador-produzido-sem-transparencia, acesso em protesto-marca-cancelamento-da-audiencia-da-bncc-
18/12/2017. -do-ensino-medio-em-belem; http://www.anped.org.
27 Representantes parlamentares acusaram ainda “um br/news/nota-sobre-audiencia-publica-da-bncc-em-
viés de doutrinação para a esquerda”, que precisa- -belem; http://www.cartaeducacao.com.br/reporta-
ria “ser retirado” do documento. Disponível em ht- gens/apos-protesto-de-professores-audiencia-publi-
tps://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ ca-sobre-a-bncc-e-cancelada-em-sao-paulo/; http://
EDUCACAO-E-CULTURA/509695-TEXTO-DA- movimentopelabase.org.br/audiencias/regiao-norte/;
-BASE-CURRICULAR-AINDA-NAO-E-IDEAL,- https://g1.globo.com/educacao/noticia/apos-protes-
-DIZEM-DEBATEDORES-NA-CAMARA.html, to-audiencia-publica-sobre-a-base-nacional-curricu-
acesso em 22/05/2019. lar-do-ensino-medio-e-cancelada-em-sao-paulo.ght-
ml, acesso em 22/05/2019.
28 Disponível em http://movimentopelabase.org.br/
acontece/sobre-base-identidade-de-genero-e-orienta-
cao-sexual/, acesso em 19/07/2017. Consultar ainda
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30 Conversa com a autora, em outubro de 2017, no Le-
mann Center da Stanford University.
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31 Como exemplo desse componente discursivo, consul-
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lo-afirmam-especialistas, acesso em 21/05/2019. pping new philanthropy and the heterarchical
32 De acordo com conversas da autora com integrantes state: The Mobilization for the National Lear-
de organizações pró-Base, em 2015 e 2016. ning Standards in Brazil”. International Journal
33 Dias após a homologação do documento pelo MEC, of Educational Development, 64, C: 65-73.
o MpB começou uma campanha para combater o que BARREIROS, Débora. (2017), “Base Nacional
passa a chamar de “mitos da BNCC”. Material da Comum Curricular (BNCC): sujeitos, movi-
campanha disponível em http://movimentopelabase. mentos e ações políticas”, 38ª Reunião Nacio-
org.br/acontece/mitos-e-fatos-da-bncc/, acesso em nal da Anped.
18/01/2018. BARTHE, Yannick et al. (2013), “Sociologie prag-
34 Organizadas pelo CNE em 2018, as audiências pú- matique: mode d’emploi”. Politix, 103, 3:
blicas sobre a Base Curricular do Ensino Médio nas 175-204.
quais os participantes se recusaram a observar os BATISTA, Antônio Augusto Gomes et al. (2015),
protocolos previstos para a crítica e manifestação fo- “Centralização e padronização dos currículos:
ram declaradas “canceladas” pelos organizadores. A
posições e tomadas de posição”. 37ª Reunião
etapa do Centro-Oeste foi esvaziada pelo público.
Ressalte-se que também a recente Reforma do Ensi-
Nacional da Anped.
no Médio tem sido uma arena de disputas acirradas. BOLTANSKI, Luc. (2009), De la critique. Précis
Note-se que tais desdobramentos se anunciam como de sociologie de l’émancipation, Paris, Galli-
bons objetos para se pensar a monitoração reflexiva mard.
Entre a legitimação e a crítica  17

BOLTANSKI, Luc. (1973), “L’espace positionnel 29, 105: 1187-209. Disponível em www.scie-
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e o debate entre 1988 e 2015”. Ciências So-
ciais Unisinos, 51, 3: 330-42. Disponível em
RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS  19

ENTRE A LEGITIMAÇÃO E A ON LEGITIMATION AND ENTRE LÉGITIMATION ET


CRÍTICA: AS DISPUTAS ACERCA CRITIQUE: THE DISPUTES CRITIQUE: LES LITIGES À
DA BASE NACIONAL COMUM ABOUT THE BRAZILIAN PROPOS DE LA BASE NATIONALE
CURRICULAR LEARNING STANDARDS COMMUNE CURRICULAIRE

Miqueli Michetti Miqueli Michetti Miqueli Michetti

Palavras-chave: Base Nacional Comum Keywords: Brazilian Learning Standards, Mots-clés: Base Nationale Commune
Curricular; Fundações empresariais e fa- Family and Corporate Foundations, Le- Curriculaire; Fondations entrepreneu-
miliares; Estratégias de legitimação; Pier- gitimation Strategies, Pierre Bourdieu, riales et familiales; Stratégies de légiti-
re Bourdieu; Sociologia da crítica. Sociology of Critique. mation; Pierre Bourdieu; Sociologie de
la critique.

O artigo analisa as recentes disputas so- This paper analyzes the recent disputes L’article analyse les disputes récentes
bre a criação da chamada Base Nacional about the so-called Brazilian Learning concernant la création de ce qui a été
Comum Curricular (BNCC). Diferente- Standards. Unlike other approaches to appelé de Base Nationale Commune
mente de outras abordagens sobre o ob- the subject, the text seeks to integrate Curriculaire (BNCC). Contrairement
jeto, o texto busca integrar as dimensões the relational and discursive dimensions à d’autres approches sur l’objet, le texte
relacional e discursiva para analisá-lo, to analyze them and employs a particular tente d’intégrer les dimensions relation-
valendo-se de uma apropriação particular appropriation of both Pierre Bourdieu nelles et discursives pour analyser cet
das contribuições de Pierre Bourdieu e da and the Sociology of Critique. The pa- objet, en employant une appropriation
Sociologia da Crítica. A partir de levan- per is based on document analysis, in- particulière des contributions de Pierre
tamento documental, entrevistas e obser- terviews and field observations in public Bourdieu et de la Sociologie de la Cri-
vações de campo em audiências públicas hearings and events promoted by fam- tique. À partir d’une étude documen-
e em eventos promovidos por fundações ily and corporate foundations in Brazil taire, des interviews et des observations
familiares e empresariais no Brasil e nos and the USA. After presenting the social sur le terrain lors d’audiences publiques
EUA, o artigo apresenta o espaço social space of the dispute around the National et d’événements promus par des fonda-
da disputa em torno da Base e discute Learning Standards, the article discusses tions familiales et commerciales au Brésil
oito estratégias de consensualização esta- eight strategies of consensualization es- et aux États-Unis, l’article présente l’es-
belecidas pelos agentes que a encaminha- tablished by the agents who advanced pace social du litige autour de la Base et
ram, com foco na concertação discursiva it, focusing on the discursive concerta- discute huit stratégies de consensus éta-
composta por eles e na atuação prático- tion which they composed and on the blies par les agents qui les ont transmises,
-discursiva das referidas fundações. Na practical-discursive agency of those en se concentrant sur la concertation dis-
sequência, são examinadas também as foundations. Next, the paper examines cursive qu’ils ont composée et sur l’action
críticas proferidas por agentes contrários the criticisms made by agents against pratique-discursive de ces fondations. Par
ao documento, bem como as relações the document and analyzes the relations la suite, les critiques formulées par des
entre crítica e legitimação no processo between critique and legitimation in agents contraires au document, ainsi que
de criação da BNCC. À luz dos achados the process of creating the national cur- les relations entre la critique et la légiti-
empíricos, a conclusão do texto aponta riculum standard. In light of the empiri- mation dans le processus de création de
para a conveniência de uma abordagem cal findings, the conclusion of the text la BNCC, sont également examinées.
multidimensional das disputas sociais. points out the convenience of a multi- À la lumière des résultats empiriques, la
dimensional approach to social disputes. conclusion du texte souligne la commo-
dité d’une approche multidimensionnelle
des conflits sociaux.

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