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AULA 1

DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E
ALTAS HABILIDADES

Profª Adiele Marques de Souza Corso


CONVERSA INICIAL

A definição de Deficiência Intelectual passou por várias evoluções em seu


processo de conceituação. Muitos termos se modificaram, outros caíram em
desuso, alguns foram adaptados.
Antes de se entender o que é Deficiência Intelectual, é necessária a
compreensão do que é inteligência. Ou seja, como ela se constrói, qual sua
finalidade ou importância no âmbito da aprendizagem, da construção da
personalidade, da manutenção e perpetuação de uma família, do trabalho, de
adaptação geral na família, na escola e na sociedade.
Para se entender o sentido de cada conceito, é fundamental
contextualizá-lo dentro de seu âmbito social e cultural. Isso significa que para
realmente compreender o processo de transformação e evolução desses
contextos, torna-se imprescindível ampliar o entendimento de como era o
funcionamento dos valores vigentes em cada época, ou seja, o funcionamento
das famílias, da escola e da sociedade, as regras, os direitos e os deveres em
geral.
Isso significa que estudar a evolução dos conceitos é uma forma de se
compreender de maneira mais aprofundada História, Filosofia, Sociologia,
Psicologia, Pedagogia, entre outras disciplinas afins.
Assim, compreende-se que não existe um conceito ou uma disciplina
estudada de forma isolada, mas todas operam em rede, em um verdadeiro
emaranhado no qual uma complementa e completa a outra.
Para quem atua na área de Educação Especial, é salutar compreender e
estudar toda a evolução de conceitos, como eles foram construídos, quais as
principais funções ou objetivos desses conceitos em cada época, assim como
de que forma contribuíram com a evolução da Educação Especial e como eles
partiram de um conceito praticamente todo de segregação até chegar ao que se
prega sobre a inclusão nos dias atuais.

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TEMA 1 – ONDE TUDO COMEÇOU: A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA
ANTIGUIDADE E IDADE MÉDIA

Durante a antiguidade até por volta do século XVIII, a deficiência


intelectual era vista de forma isolada, ou seja, naquela época ainda não existiam
políticas públicas a respeito da deficiência, tampouco acerca da inclusão.
Os nobres (ou senhores de terras) eram considerados os verdadeiros
seres humanos, ao passo que as pessoas que trabalhavam para esses nobres
eram uma espécie de subcategoria.
M. I. Buccio e P. A. Buccio (2008, p. 38-39) descrevem que:

A posse de terra e do rebanho restringia-se às famílias nobres,


enquanto que a produção era feita por indivíduos economicamente
dependentes de seus senhores. Ademais, aliando isso aos ideais
aristotélicos de eugenia e de perfeição individual, o homem era o
senhor e quem não era o senhor era considerado sub-humano e sem
nenhum valor. Os que trabalhavam nas terras dos senhores não eram
tidos como humanos. Daí porque a deficiência inexistia enquanto
problema social nessa época, sendo que as atitudes adotadas frente a
essas pessoas eram as da exposição, da eliminação e do abandono.

Pelo contrário: as pessoas portadoras de necessidades especiais eram


vistas como algo dentro do misticismo e uma mistura dentro de algumas
doutrinas religiosas, principalmente a doutrina cristã. Tal abordagem significava
que essas pessoas eram entendidas como possuidoras de alguma força maligna
capaz de possuí-las. A religião exercia poder supremo, no sentido de tentar
exorcizar tais pessoas desses demônios, como se possessões ou entidades do
mal as dominassem.
Com base nesse pensamento, compreendia-se que a deficiência
intelectual era oriunda de algo externo, algo ruim ou um "demônio", e a igreja
tinha a função de curá-las desse mal. Seria como se essas pessoas não fossem
filhos de Deus, pois não eram à "imagem e semelhança de Deus".
Conforme M. I. Buccio e P. A. Buccio (2008, p. 35):

A defesa da cidadania e do direito à educação das pessoas portadoras


de necessidades especiais manifesta-se por meio de medidas isoladas
– de indivíduos e grupos – a favor de políticas sociais que vão ser
concretizadas somente em meados do século XX. Até o século XVIII,
as noções a respeito da deficiência eram basicamente ligadas ao
misticismo e ao ocultismo.

Isso mostra que nesse período a deficiência não vinha com a pessoa,
como um defeito genético, alguma desordem na gravidez, parto ou durante o

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desenvolvimento. Até porque naquele tempo não havia estudos mais
aprofundados acerca do cérebro e da genética. A ciência ainda era muito pouco
desenvolvida. Em contrapartida, o poder da igreja era supremo. Com isso, é
possível compreender os motivos que levaram a esse conceito inicial de que há
algo maléfico externo que se apossa de algumas pessoas.
Uma segunda questão era o conceito adotado de cura, segundo o qual os
sacerdotes exerciam seus poderes curativos quando conseguiam expurgar tais
espíritos. Provavelmente acreditava-se que após o procedimento as pessoas
voltariam a ser normais.
Outro ponto relevante durante esse período era a noção de infanticídio.
Ou seja, todos aqueles que possuíam algum tipo de "defeito maior" eram
sacrificados, no sentido de abandono ou eliminação.
Na Grécia antiga, era bastante comum o culto ao belo, no corpo e na alma.
Os que não eram nascidos assim deveriam ser eliminados em benefício aos
demais membros da cidade, pois assim não haveria o risco de contágio.
Provavelmente, nessa época acreditava-se que a deficiência era uma doença
contagiosa, e como não havia cura, seria melhor a todos eliminar as pessoas
“doentes”.
Em Roma, nesse mesmo período, os nascidos com alguma anomalia,
aparência física de alguma má-formação, acabavam mortos por afogamentos.
Os antigos espartanos avaliavam as crianças, e as consideradas doentias,
disformes ou franzinas eram jogadas do alto do Monte Taygetos.
A igreja tentou combater duramente tal prática, com a doutrina de
caridade, piedade e misericórdia.
Jiménez (1997, p. 22) traz que:

Nas sociedades antigas era normal o infanticídio quando se


observavam anormalidades nas crianças. Durante a Idade Média a
Igreja condenou o infanticídio, mas, por outro lado, acalentou a ideia
de atribuir a causas sobrenaturais as anormalidades de que padeciam
as pessoas. Considerou-se possuídas pelo demônio e outros espíritos
maléficos e submetia-as a práticas de exorcismo.

A partir do momento em que o infanticídio foi condenado, os familiares


dessas pessoas tiveram provavelmente um alívio imediato, pois seus entes
queridos não aceitos pela sociedade da época foram poupados da morte certa.
Este pode ser um suposto marco no esboço de políticas de proteção e direitos
humanos para todos. Nesse período, seria o direito à vida, no entanto, não no

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sentido de uma lei, de algo vindo do judiciário, mas da atuação suprema da igreja
em termos de norma cristã a ser cumprida por todos.
Seguido do alívio inicial imediato, veio a angústia das famílias e até
mesmo da igreja a respeito do que fazer com esses indivíduos que não eram
curados pelo exorcismo. Onde eles deveriam ficar? Quem os olharia? Em quais
condições?
Essas e muitas outras dúvidas surgiram e angustiaram os que viviam
naquela época, que conviviam com essas pessoas sem entendê-las e sem saber
o que oferecer a elas, mas percebendo que as suas necessidades estavam
acima dos padrões do conhecimento vigente daquele período.

TEMA 2 – O PERÍODO DAS INSTITUIÇÕES

O primeiro ganho das pessoas com deficiência foi ter a oportunidade de


continuarem vivos. Até então, eram rejeitadas assim que nasciam, sendo
condenadas à morte ou ao exorcismo. No caso do exorcismo, a causa estava
fora do corpo, de algo externo que adentrava a alma ou espírito, e apenas os
sacerdotes tinham o poder de enfrentá-lo.
Ainda no século XV, pensadores como Paracelso e Cardano
reformularam o conceito de deficiência, agora entendendo que não se tratava de
seres possuídos, mas sim de pessoas doentes. A partir de então inaugura-se o
conceito de patologia como origem da deficiência.
Assim referem M. Buccio e P. Buccio (2008, p. 46):

Foram Paracelso de Cardano os primeiros a trazerem a questão da


deficiência para o âmbito da ciência e da medicina, alertando para o
fato de que havia a necessidade de um tratamento para estas pessoas.
Dessa forma, legitima-se o tratamento das pessoas com deficiência,
verificando-se uma abordagem clínica/médica que se centrava
somente no tratamento da deficiência, não havendo preocupação com
a inclusão destes indivíduos no convívio social.

No século XVII, Thomas Willis começou a estudar a anatomia da


deficiência mental, tentando localizá-la no encéfalo (estrutura dentro do sistema
nervoso central que contém em si o cérebro).
Assim, a deficiência sai do espírito, da alma ou dos maus espíritos que os
possuem. Agora eles estão localizados dentro do cérebro. A visão muda de algo
místico ou religioso para o campo da ciência, mais especificamente da Medicina.

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No entanto, não se pensava no conceito de tratamento ou cura, mas
apenas de localizar a causa de tal anomalia.
Por volta do século XVIII, com o advento da Revolução Industrial, a
relação entre os homens começou a mudar. O humano passa a ter a função de
produzir, saindo de um regime de produção agrícola para as indústrias em
massa, na lógica de produção em série. Assim, nascia o capitalismo.
O homem somente tinha valor quando era capaz de produzir, e os que
não tinham condições para tal eram descartados e mandados a viver longe da
sociedade. Com isso nasceram as primeiras instituições para abrigar esses
indivíduos, como os asilos e os hospitais psiquiátricos.
Esses espaços não tinham como objetivo principal proporcionar
tratamento aos que lá viviam, mas sim confiná-los, pois entendia-se que tais
pessoas representavam perigo aos demais. A grande maioria vivia lá
permanentemente, e muitos ficavam presos em correntes. A ideia era de que os
que não produziam deviam ficar segregados dos demais na sociedade.
O hospital mais famoso foi o de Salpêtrière, localizado na França. Durante
o seu auge, conseguiu abrigar até 8.000 pessoas em um regime
semipenitenciário. Nesse local eram abrigados os deficientes mentais, doentes
mentais, prostitutas, criminosos, indigentes e idosos. Predominava o
assistencialismo e a crença da não educação dessas pessoas.
O primeiro a diferenciar o conceito de doença mental e deficiência mental
foi o médico francês Philippe Pinel (1745-1826). Considerado um dos pais da
Psiquiatria, aboliu o tratamento com correntes e místicos e aqueles considerados
invasivos e lesivos às pessoas, além de dividir os hospitais em alas, assim dando
origem às primeiras tentativas de humanização no tratamento. Pinel também
descreveu os primeiros tratados sobre a Psiquiatria.
Durante a Idade Moderna, a partir do século XVIII, a deficiência ganha a
conotação de causa natural, e o pensamento científico começava a evoluir. No
entanto, o período ainda era marcado por preconceito, segregação e a ideia de
não evolução, como algo incapacitante.
A partir do século XIX, vários pesquisadores se dedicaram ao estudo do
tema, dando origem a vários conceitos. Segundo Fonseca, citado por M. Buccio
e P. Buccio (2008, p. 48),

as designações de "idiota" e "imbecil" (Esquirol), "demência" (Pinel),


"anormais" (Decreto-Lei n. 31.801, de 26/02/41, que cria o Instituto

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Antônio Aurélio da Costa Ferreira - IAACF), "grandes anormais
ineducáveis" (de 1945, que reorganiza o Instituto), "atrasado mental"
(da Lei de 1946, que cria as classes especiais), "duros de ouvido" e
"psicopatas" (de 1961), "crianças diminuídas" (de 1964), dentre outras,
refletem atitudes diferentes das que levaram às designações de
"deficientes" e "inadaptados", embora todas elas sejam ambíguas e
pouco objetivas, pois encerram julgamentos e critérios sociais de
rendimento e normalidade.

TEMA 3 – A IDADE CONTEMPORÂNEA

Após a Revolução na França, tem início a Idade Contemporânea. O


período agora é marcado pela Era Científica, e as políticas voltadas à educação
começavam a se expandir.
A visão de homem também evolui: de ser naturalista, com visão voltada
aos aspectos biológicos, passa a voltar-se a um referencial histórico e social.
Isso mostra uma importante mudança de paradigma, antes marcado pelo
determinismo biológico e agora de homem como um ser capaz de transformar
com base nas relações sociais e do momento histórico em que está inserido. O
homem passa a ser produto das relações sociais que é capaz de estabelecer.
Assim, as pessoas com deficiência mental começam a ser vistas dentro
do âmbito educacional, embora ainda segregadas. Elas começam a ter acesso
à educação, e aos poucos começa-se a perceber que também possuem
potencial de aprendizagem.
Com isso, intensificam-se os estudos dentro da área do desenvolvimento,
tanto no âmbito da normalidade, daquilo que é esperado para determinada idade
cronológica, como daquilo que foge dos parâmetros estipulados. Junto a isso,
estudam-se as transformações sofridas pelas pessoas com deficiência com base
em sua relação com o meio ambiente e com as demais pessoas.
Os primeiros movimentos para oferecer atendimento aos deficientes
ocorreram na Europa, com a implantação de medidas educativas. Aos poucos
foram se expandindo para a América do Norte, em especial o Canadá e os
Estados Unidos.
No período entre as duas guerras mundiais, muitas pessoas ficaram
feridas ou mutiladas, ou passaram e ser consideradas incapazes. Não se sabia
ao certo o que fazer com o número crescente de pessoas em tais condições,
visto que ainda esses sujeitos eram vistos dentro do referencial do capitalismo e
da produtividade.

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A partir de então, surgiram as primeiras tentativas de tratamento daqueles
que não eram capazes de produzir, voltando o olhar para a reabilitação, ou seja,
utilizando técnicas para que novamente sejam capazes no sentido econômico,
voltado à produção.
Juntamente com os feridos de guerras, nasce a ideia de integração social,
que começa a ser estendida aos deficientes. Cabe lembrar que até então eles
eram totalmente segregados dos demais, por se considerar que ofereciam riscos
à população e que não tinham chance de cura.
Neste novo prisma, ampliam-se os estudos e conceitos dentro da
neurologia e patologia do cérebro, bem como de treinamento para recuperar
habilidades perdidas.
A visão da deficiência ainda é assistencialista e com olhar piedoso, em
que pessoas que se dedicavam ao estudo, atendimento e tratamento dos
deficientes eram vistas com bravura, heroísmo e espírito humanitário, como se
os deficientes ainda fossem dignos de pena e quem os assumisse fosse uma
pessoa corajosa.
É nesse ponto que o princípio de igualdade começa a surgir, e tem início
a elaboração de documentos de direitos humanos em nível internacional.
Emerge a noção de seres humanos como pessoas com direitos e necessidade
de estar em convívio com os demais na sociedade, bem como o pensamento da
não segregação.
Sobre os deficientes visuais, Valentin Haüy (1745-1822) criou em Paris
um método de leitura em relevo utilizando letras. Em seguida, William Moon
(1818-1894) criou um sistema com seu nome, Moon, bastante utilizado até por
volta de 1970. Louis Braille (1809-1852) criou, em 1824, o sistema Braille,
aprovado em 1954 e utilizado até os dias atuais.
Na área da surdez, Pedro Ponce de Leon criou, dentro de um mosteiro,
um alfabeto manual, na intenção de elevar sua espiritualidade, já que naquele
local pregava-se muito a importância do silêncio. Já em 1760, Charles Miguel de
L'Éppe criou, em Paris, o Instituto Nacional dos Surdos-Mudos, estabelecendo a
língua dos sinais.

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TEMA 4 – COMO SE DEU A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL – 1ª ETAPA

O Brasil sofreu importante influência dos modelos adotados na Europa e


nos Estados Unidos. Inicialmente, nosso sistema operava dentro de uma visão
médica e clínica, não abrindo os olhos ainda para a educação. O foco era o
diagnóstico e a compreensão de quais locais dentro do corpo os "sintomas"
apareciam, dando maior ênfase ao cérebro.
Assim como nos demais países, a visão predominante era de segregação
— que começava dentro dos próprios lares, sob os cuidados de familiares. A
família tinha um papel fundamental no cuidado dos deficientes, no entanto, não
sabiam como educá-los e até mesmo estimulá-los, visto que ainda não havia
políticas públicas educativas destinadas a essa população.
Durante o período do Brasil Colonial, por volta do século XVI, a educação
era privilégio apenas da nobreza, ou seja, apenas os filhos de pessoas nobres
tinham acesso à educação, provida por professores que iam até suas casas. Os
demais não tinham esse direito, sendo vasta a população de analfabetos à
época.
Até o início do século XX, o modelo predominante de economia era da
agricultura, não necessitando de mão de obra qualificada ou especializada.
Em seguida, os indivíduos com deficiência começaram a ser inseridos em
instituições próprias para esse público. Conforme Pan (2013, p. 73-74),

as primeiras tentativas de atenção às pessoas com deficiência em


nosso país são identificadas no ensino de surdos-mudos no Rio de
Janeiro, culminando em 1857 com a criação do Instituto dos Surdos-
Mudos, mais tarde Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), e
em 1854 com a fundação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos,
mais tarde Instituto Benjamin Constant.

A era da institucionalização foi marcada principalmente pelos hospitais


psiquiátricos. Assim como em outros locais do mundo, também no Brasil os
deficientes eram vistos como pessoas que poderiam causar perigo à sociedade,
por vezes tornando-se questão de ordem policial. Assim, os deficientes eram
colocados em casas de irmandade, Santas Casas de Misericórdias ou hospitais
psiquiátricos.
Naquela época, muitas famílias tinham como costume abandonar as
crianças deficientes assim que nasciam, deixando muitas delas nas ruas. De
acordo com M. Buccio e P. Buccio (2008, p. 58), “esse abandono é procedimento
antigo, havendo até um pedido de providências pelo governador do Rio de
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Janeiro ao rei de Portugal ‘contra os atos desumanos de se abandonar crianças
pelas ruas, onde eram comidas por cães, mortas de frio, fome e sede’".
Assim, os governantes criam as chamadas rodas dos expostos ou
vulneráveis, inicialmente em Salvador e em seguida no Rio de Janeiro e em São
Paulo. Esses locais serviam de abrigo a deficientes, e, no século XIX, algumas
províncias pediram a intervenção de congregações de cunho religioso no
provimento de educação e assistência.
As crianças com deficiência permaneciam nas Santas Casas até os sete
anos de idade. Em seguida, eram levadas para conventos e seminários, e lá
permaneciam.
Os deficientes considerados leves a moderados eram encaminhados à
Marinha (no caso dos meninos, a partir de 1845) ou se tornavam professores (no
caso das meninas, a partir de 1847). Os casos graves ficavam em hospitais
psiquiátricos ou prisões.
Em 1850, foi criada a Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária
do Município da Corte e implantadas instituições para retardo mental — uma em
Salvador e outra no Rio de Janeiro. No ano de 1854, cria-se o Imperial Instituto
dos Meninos Cegos (posteriormente chamado de Instituto Benjamin Constant) e
em 1857, o Instituto Nacional dos Surdos-Mudos. Esses estabelecimentos
tinham maior interesse na época, contando com institutos próprios e destinados
especificamente a essa população.
Em 1886, no Rio de Janeiro, nasce o Hospital Nacional de Alienados, e
em 1887, a Escola México, que atendia as deficiências visual, física e mental no
Ensino Regular.
A Pedagogia evolui junto com a Medicina em termos de abordagem e
entendimento de deficientes, os quais eram inicialmente tratados dentro de
hospitais psiquiátricos para que tivessem maior apoio. A corrente
psicopedagógica teve influência da Alemanha (por meio do laboratório de
Psicologia Wilhelm Wundt, em 1879, na Universidade de Leipzig) e dos Estados
Unidos (Laboratório de Psicologia Experimental de G. Stanley Hall, em 1883),
além de divulgação por meio do primeiro jornal de Psicologia publicado na
Inglaterra, em 1887.
Com base nesses dados, percebe-se que os deficientes não são mais
vistos meramente como doentes, mas sim como pessoas com necessidades

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especiais e com capacidade de aprendizagem, mostrando aí a importância da
educação.
Por volta de 1920 é criada a Escola Nova. M. Buccio e P. Buccio (2008,
p. 62-63) colocam que “os movimentos da reforma, surgidos na década de 1920,
obtiveram sua expansão sobretudo a partir da produção teórica e da ação efetiva
dos pioneiros, que tinham como finalidade a consciência do caráter social da
educação e do dever do Estado em instaurar uma escola para todos”.
Assim, a função social da escola começa a ter destaque, sem que isso
signifique que esta desvinculou-se da educação, pois entende-se o ser humano
dentro da esfera social e histórica como uma pessoa que necessita das relações
sociais para viver, evoluir e transmitir seus conhecimentos adquiridos.
A cultura popular também passa a ser valorizada na condição de
instrumento de construção e autonomia da formação e transformação do
conhecimento.
Nessa mesma época, eclodem as novas propostas pedagógicas,
principalmente aquelas de Maria Montessori e Ovídio Decroly, voltadas à
deficiência.

TEMA 5 – A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL – 2ª ETAPA ATÉ OS DIAS


ATUAIS

A chamada segunda etapa ocorre a partir de meados do século XX até a


década de 1970 no Brasil. Com base na Escola Nova, surgem novas
perspectivas, como a iniciativa privada assumindo o comando da educação
especial.
Em 1932, com a fundação da Sociedade Pestalozzi (entidade privada
mantida por fundadores e doações), a educadora e psicóloga russa Helena
Antipoff passou a ter grande importância na reflexão sobre a deficiência.
Considerada pioneira na abordagem interacionista, Antipoff chegou ao Brasil em
1929 trazendo a ideia de que a cognição não é algo pronto, mas sim construído
com base na interação do indivíduo com o ambiente em que vive, numa visão
cultural e social.
A colaboração do governo era mínima, limitando-se a pequenas
contribuições enviadas a entidades privadas ou filantrópicas existentes na
época.

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A partir de 1954, surgiram as Associações dos Pais e Amigos dos
Excepcionais (Apae). Conforme Kassar, citado por M. Buccio e P. Buccio (2008,
p. 65): "A Apae é concebida tendo como parâmetro a organização da National
Association for Retarded Children dos Estados Unidos da América, que consistia
em uma associação de assistência às crianças excepcionais".
Outras modalidades de tratamento e atendimento surgem, seja em
hospitais ou instituições de ensino, algumas de forma isolada, a maioria
particular.
Assim como na Europa e nos Estados Unidos, após a Segunda Guerra
Mundial houve uma forte preocupação com as pessoas lesionadas, surgindo
assim o conceito de reabilitação, explorada em clínicas e serviços de caráter
psicopedagógico. Dessa forma, em 1950 foi criada a Associação de Assistência
à Criança Deficiente (AACD), que permanece ativa até os dias atuais.
Em 1961 é publicada a Lei n. 4.024, que determina:

Art. 88. A educação de excepcionais deve, no que for possível,


enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na
comunidade.

Art. 89. Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos


estaduais de educação e relativa à educação de excepcionais receberá
dos poderes públicos tratamento especial mediante bolsas de estudo,
empréstimos e subvenções. (Brasil, 1961)

Essa lei trata da integração do deficiente e da não segregação, vista como


principal abordagem até então. A lei fala também do direito de frequentar a
escola, enquanto sujeito aprendiz, com potencial que pode ser estimulado e
aprimorado.
Naquela época, as pessoas tinham o direito à educação nas chamadas
escolas especiais, instituições separadas da escola regular. Era o início das
oportunidades de aprendizado e desenvolvimento.
Em 1965, ocorre uma mudança no Plano Nacional de Educação, e 5%
dos recursos da educação nacional passam a ser investidos na educação dos
excepcionais. Há também a criação de bolsas de estudos destinadas aos
deficientes em geral.
No ano de 1971 é publicada a Lei n. 5.692, que diz:

os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se


encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula
e os superdotados deverão receber tratamento especial de acordo com
as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação. (Brasil,
1971)
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A partir de então é assegurado o direito a um tratamento especial, embora
ainda nesse período predominasse a segregação, em escolas destinadas
exclusivamente a essas pessoas.
A Lei n. 5.692/1971 oficializa a educação especial, bem como as classes
especiais, por meio da criação do Centro Nacional de Educação Especial
(Cenesp). Em seguida é criada a Secretaria de Estado da Educação e do Serviço
de Educação de Excepcionais, que posteriormente passa a se chamar
Departamento de Ensino Especial.
Em 1978 é criado o programa de Mestrado em Educação Especial, na
Universidade Federal de São Carlos, e em 1979, o Mestrado em Educação na
Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
O Decreto n. 93.481, de 1986, fez surgir a Coordenadoria Nacional para
a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), com a participação de
vários segmentos, inclusive dos próprios deficientes.
A educação especial passa a ser ofertada obrigatoriamente em
estabelecimentos públicos de ensino. Na descrição de M. Buccio e P. Buccio
(2008, p. 77):

A Lei n. 7.853/89 reafirmou a obrigatoriedade da oferta da educação


especial em estabelecimentos públicos de ensino e definiu como crime
o "ato de recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar,
sem justa causa, a inscrição de alunos em estabelecimento de ensino
de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados
da deficiência que possui".

Com a Declaração de Salamanca, na década de 1990, é mostrada a


inclusão como integração, implicando na reestruturação do sistema comum de
ensino até então.
No ano de 1994 é aprovada a Política Nacional de Educação Especial,
envolvendo princípios como integração, normalização, efetividade dos modelos
de atendimento educacional, interdependência, legitimidade, equidade e
condição humana.
A normalização se refere ao respeito pelas necessidades especiais, a
integração, à participação efetiva na sociedade, e a equidade, ao
reconhecimento de condições diferenciadas no processo educacional.
A educação passa a ser vista como um direito de todos, conforme
estabelecido na Constituição de 1988 e na Lei n. 9.394/1996, a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação. Esse dever passa a pertencer ao Estado e à família,

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entendendo-se que o objetivo da educação é o desenvolvimento pleno da
pessoa, preparando-a para exercer sua cidadania e estando qualificada para o
trabalho.
O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência
(Conade) surge em 1999, por meio do Ministério da Justiça, promovendo
políticas de saúde, educação, transporte, cultura, assistência social, turismo,
lazer, políticas urbanas, entre outras.

LEITURA OBRIGATÓRIA

Texto de abordagem teórica

BUCCIO, M. I.; BUCCIO, P. A. Educação Especial: uma história em construção.


Curitiba: Ibpex, 2008.

Texto de abordagem prática

PAGLIUCA, L. M. F.; OLIVEIRA, P. M. P.; MARIANO, M. R.; SILVA, J. M.;


ALMEIDA, P. C.; OLIVEIRA, G. O. B. (2015) Pessoa com deficiência: Construção
do conceito por esta população. Revista Rene, Fortaleza, v. 16, n. 5, p. 705-713,
set./out. 2015. Disponível em: <http://periodicos.ufc.br/rene/article/view/2835>.
Acesso em: 25 out. 2018.

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