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Juarez Tavares

Copyright© 2019 by Juarez Tavares


Editor Responsável: Aline Gostinski
Capa e Diagramação: Carla Botto de Barros


CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:
Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot
Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de

TEORIA DO
T228 Jurídicas
Investigações Tavares, Juarez
da UNAM - México
Teoria do Injusto Penal / Juarez Tavares. - 4.ed. – São
Juarez Tavares Paulo : Tirant lo Blanch, 2019.
Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil
412p.
Luis López Guerra
Magistrado do Tribunal ISBN:
Europeu978-85-9477-348-7
de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da
Universidade Carlos III de Madrid - Espanha
INJUSTO PENAL
Owen M. Fiss 1.Direito Penal. 2. Doutrinas. 3. Teoria. I. Título.
Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA
Tomás S. Vives Antón CDU: 343.2.01
Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

T228 Tavares, Juarez


Teoria do Injusto Penal [livro eletrônico] / Juarez 4ª Edição
Tavares. - 4.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2019.
2Mb ; e-book ; PDF

ISBN: 978-85-9477-349-4

1.Direito Penal. 2. Doutrinas. 3. Teoria. I. Título.

CDU: 343.2.01

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Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.


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Bairro Jardim Paulista, São Paulo - SP
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Impresso no Brasil / Printed in Brazil


São Paulo
2019
Para os professores
Antonio Martins,
Salo de Carvalho e
Tiago Joffily,
que agora na UFRJ dão continuidade ao Seminário Mensal
que iniciei na UERJ e perdurou por mais de 15 anos para discutir
temas candentes do direito penal.
NOTA PRÉVIA À 4ª EDIÇÃO

Depois de algumas reflexões, das quais resultaram meu livro Funda-


mentos de Teoria do Delito, resolvi também atualizar esta Teoria do Injusto
Penal, cuja última edição já data de quinze anos. A estrutura da obra perma-
nece idêntica às edições anteriores, com a divisão em duas partes: na primeira,
são discutidos os critérios metodológicos acerca da elaboração de uma teoria
do injusto, a partir dos enfoques da filosofia e da ciência, desde o positivismo
até a moderna teoria do discurso, passando pela teoria da linguagem, pelo
racionalismo, neopositivismo, neocontratualismo, funcionalismo e outros
posicionamentos; na segunda, faz-se uma revisão dos fundamentos doutri-
nários do tipo e da antijuridicidade, no sentido de fundar novo critério de
imputação. A obra busca, em síntese, proceder à recuperação do sujeito na
teoria do delito.
As alterações dizem respeito à necessidade de introduzir na teoria do
injusto o conceito de ação performática, que tem fundamentos na teoria do
discurso, na teoria analítica e também na filosofia, e que se apresenta como
elemento indispensável para sedimentar uma concepção crítica acerca das
bases da teoria do delito. Foram atualizadas igualmente as indicações biblio-
gráficas e produzidos reparos na linguagem, de modo a tornar mais clara e
assimilável a exposição.
Quero agradecer, nesta oportunidade, à pós-graduanda Giulia Benatti
por sua significativa contribuição na correção do texto e na verificação das
citações. Renovo também meus agradecimentos ao notável jurista e amigo
Eugenio Raúl Zaffaroni pela gentileza de prefaciar esta obra, quando de sua
primeira edição. Por sua profundidade, seu texto continua sempre atual e
corresponde inteiramente às alterações aqui produzidas.
Rio de Janeiro, junho de 2019

Juarez Tavares
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO

É uma honra imerecida prefaciar esta investigação do professor


JUAREZ TAVARES, que constitui em desenvolvimento original da teoria
do injusto, ou seja, da medula da teoria do delito.
Atribuo esta distinção do autor à empatia latino-americana, que me
conduz a coincidir com muitas das posições assumidas no trabalho, talvez,
ainda, porque estas coincidências emergem de um contexto comum, no qual as
demandas diferem notoriamente das atuais preocupações dos teóricos europeus.
Sem dúvida que, em nossa realidade, o foco de atenção de todo penalista,
que pretenda sintonizá-la a partir de posições democráticas, não pode deixar de
lado a centralidade das garantias e dos limites ao poder punitivo do Estado, em
momentos nos quais a demagogia e a impotência política estão produzindo,
em ritmo acelerado, leis e reformas de nítido corte autoritário e antiliberal.
O leitor poderá comprovar nestas páginas a importância da contribui-
ção do professor JUAREZ TAVARES à teoria do delito, razão pela qual não
pretendo subestimar, em um prefácio, a capacidade crítica de nosso público
especializado. Por isso, prescindo de destacar aquilo que o leitor informado
evidenciará, limitando-me a assinalar-lhe os principais aspectos gerais.
Em princípio, é notório que a investigação está correta ao renunciar
a toda a base construtiva que parta do pressuposto da necessidade da pena,
como também da mera satisfação de questões sistemáticas, ou seja, o autor
descarta desde logo toda tentativa construtivista de cunho utilitarista ou
aprioristicamente legitimante do poder punitivo.
Ao contrário – e isto é o mais importante -, a construção é elaborada a
partir dos direitos humanos, com especial advertência de que por tais direitos
devam ser compreendidos os da chamada primeira geração.
Está em claro que a perspectiva construtivista a partir dos direitos
humanos chamados “individuais” ou de “primeira geração”, longe de subes-
timar a importância dos demais direitos humanos, exclui as consequências
10 TEORIA DO INJUSTO PENAL PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO 11

aberrantes ou de má-fé, que invocam os mesmos direitos humanos para marco dialético maior e constante entre o Estado de Direito e o Estado de
espezinhá-los, sob o pretexto de tutela. Dito em outras palavras, JUAREZ Polícia. Todos os Estados de Direito contêm um Estado de Polícia em seu
TAVARES evita, muito claramente, a armadilha de invocar os direitos sociais, interior, que pugna pelo rompimento de seus limites.
econômicos e culturais para legitimar simulacros de tutela, que, na verdade, O Estado de Polícia não morreu, sobrevive em cada Estado de Direito,
costumam recair sobre aqueles que, legitimamente e por meios idôneos de melhor ou pior compartilhado por este. Na realidade histórica não há Esta-
realização, reclamam por seu respeito. dos de Direito perfeitos, senão modelos concretos que se aproxima mais ou
Esta posição é coerente com a tese de que as normas penais não têm menos ao ideal, segundo contenham, em menor ou maior medida, o Estado
função protetiva, senão limitativa. A ideia de uma norma protetiva acaba de Polícia que trazem em seu interior.
por legitimar a pampenalização que sacramenta o poder punitivo como pa- A manifestação mais importante do Estado de Polícia é o poder puni-
naceia para realização de todos os direitos, ou seja, consagra a fraude de que tivo, que por sua estrutura é violento e discriminatório. A função do Direito
o discurso penal pode proteger os povos, acompanhando seus impotentes Penal liberal é contê-lo dentro de limites de menor irracionalidade, de tal
demagogos políticos. forma que o Direito Penal se converta em apêndice indispensável do Direito
Como é natural, uma concepção do poder punitivo requer uma perfeita Constitucional do Estado de Direito.
observância do princípio da ofensividade, de forma que o injusto não possa Daí que a dialética entre o Estado de Direito e o Estado de Polícia seja
fundar-se na mera infração à norma (concepção autoritária e moralizante, far- inevitável e se manifeste em todos os extratos analíticos da teoria do delito,
tamente divulgada em nossos dias), senão na concreta lesão a um direito alheio. a qual, sob a perspectiva de um Direito Penal de contenção e redução do
Esta ideia se harmoniza com o conceito de bem jurídico, que não poder punitivo, está destinada a assumir a função de um sistema inteligente
apenas recupera sua legítima posição central em toda a teoria do delito, de comportas, de modo que, agindo como filtro, só permita que se invoque
fundada nas garantias, mas também recobra seu sentido originário de ideia o poder punitivo que se apresente com menor conteúdo de irracionalidade.
limitadora, logo invertida em um objeto necessitado de proteção, ou tutela, Com efeito, a função do tipo é a de abarcar um conflito social, e o
por efeito da alquimia autoritária amplamente difundida na doutrina penal, injusto não pode ser outra coisa que um conflito submetido à resposta do
que adota os conceitos liberais para deformá-los até torná-los irreconhecíveis, poder punitivo. Está claro, então, que, no campo da tipicidade, se movam
quer dizer, aceita os nomes e perverte os conteúdos. as pulsões do Estado de Polícia, procurando eliminar a lesividade, a certeza,
O enquadramento geral da proposição do injusto, sob a perspectiva o bem jurídico, etc., quer dizer, todos os limites racionais que se impõem a
de JUAREZ TAVARES, corresponde a uma tese dialética, segundo a qual a essa apreensão penal do conflito, à medida que o Estado de Direito pugna
justificação seria a exceção à proibição, que por sua vez confirma a liberdade por reforçá-los e aumentá-los.
como substrato básico geral. A tese do autor – da qual compartilho inteira- Por isso, a concepção indiciária da tipicidade a respeito da antijuridi-
mente – sustenta que a tipicidade não tem valor indiciário, mas fundante, cidade, de MAX ERNST MAYER, só é verdadeira se a proposição se situar
em um processo de fundamentação levado a efeito em duas etapas. no plano formal, ou seja, se se considerar a teoria do delito inteira como um
A rigor, estimo que toda a teoria do delito importa uma dialética desdo- puro caminho lógico classificatório, que tem por objeto facilitar a tarefa do
brada em etapas. Dentro da própria tipicidade é vivida essa tensão, a ponto operador da agência jurídica, mas é falsa quando é elaborada conforme um
de que o juízo de tipicidade não corresponde à imagem bucólica de quem sentido político redutor do poder punitivo, que não pode obviar a essência
compara o tipo (legal) com a realidade, para comprovar confortavelmente se do injusto. Neste último caso, a tipicidade aparece como uma etapa funda-
a segunda se acomoda ao primeiro, na forma de uma luva. mentadora do injusto, que se completa com outra etapa ulterior, na qual se
Definitivamente, todas essas abordagens são desdobramentos de um valora se o conflito já foi resolvido por si mesmo de forma satisfatória, ou
12 TEORIA DO INJUSTO PENAL PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO 13

menos lesivo, em cujo episódio se afirma que opera uma causa de justificação. elegância, afastando-se das curiosas e inaceitáveis normatizações de toda a
Essa é a razão pela qual, segundo meu ponto de vista, sustento agora realidade ou da pretensão de incluir no Direito Penal todas as funções so-
que as causas de justificação são meramente objetivas, sem se importar que ciais, fazendo de uma discutida teoria sociológica uma teoria normatizante
o sujeito ignore o que estava ocorrendo no momento do agir. Ainda que seja dotada de poder jurídico-penal.
produto da causalidade, se o conflito foi resolvido, o poder punitivo nada Seu enfoque a respeito dos problemas referidos aos limites da impu-
tem a fazer no caso. Toda intervenção sobre esse pressuposto parece não ter tação é correto; não se trata de eliminar a ideia de causalidade, senão de
outro objetivo que o de um Direito Penal moralizante e, por fim, não liberal. distinguir claramente a relevância de um acontecimento causal a imputa-
É verdade que esta construção se distancia muito do finalismo dos anos ção, para qual importe seu substrato de realidade, ou material, do mundo.
cinquenta e sessenta, mas talvez este não mereça a crítica tão forte que lhe é Neste aspecto, talvez seja necessário desenvolver mais a tese da domi-
formulada pelo autor, fazendo eco das ideias de MONIKA FROMMEL. Creio nabilidade como critério de imputação objetiva, que pessoalmente entendo
que cada tese deve ser avaliada em seu contexto, e por certo que o do pós-guerra como o juízo de um terceiro observador que, conhecendo os dados de que
alemão não é o mesmo contexto sul-americano de meio século mais tarde. o agente dispõe, ou pôde atualizar (porque lhe tenham sido comunicados
WELZEL elaborou sua tese nos momentos em que ainda não estavam ou porque seu especial treinamento o faça conhecê-los), afirmaria que existe
positivados os direitos humanos no plano internacional ou, pelo menos, estes uma planificação racional da produção do resultado. Não se trata de assegu-
não tinham a força e o reconhecimento geral que têm na atualidade, nem rar o domínio do fato, o que é impossível sem saber se ação é dolosa (quer
sequer no nível regional europeu. dizer, sem o tipo subjetivo), senão sua simples dominabilidade no tipo
objetivo. Quando um processo não é dominável, não tem sentido indagar
As invocações de WELZEL à ética mínima, se bem que fossem perigo- se houve dolo, porque, por definição, este seria impossível. Tal é o famoso
sas, não tinham a intenção de consagrar uma ditadura ética ou moral, mas de caso do parente que é enviado a uma tormenta, ou de quem aconselha o
encontrar limites ao poder punitivo em face do legislador. Por isso construía outro que viaje em um trem ou em um avião, com a mera esperança de
– mediante a teoria das sachlogischen Strukturen – uma barreira na forma de que ocorra um acidente.
um direito natural no sentido negativo (não pretendia saber o que devia ser
direito, senão somente o que não poderia ser direito). Não nos esqueçamos de Em síntese, o leitor confirmará, ao longo das páginas desta investigação
que o próprio CARRARA se viu obrigado a deduzir o Direito Penal da razão, que está em suas mãos, que se trata de uma contribuição verdadeiramente
porque carecia de um Direito Constitucional em que referenciá-lo. WELZEL original, a qual responde às demandas do Direito Penal democrático atual
tinha um direito constitucional recente, mas saía de um estado onipotente e da América do Sul, traduzido em uma teoria do injusto penal que abre o
da frustrante experiência constitucional de Weimar e carecia de um direito caminho para novas discussões, quer dizer, que marca uma etapa do desen-
internacional como garantia dos limites do direito constitucional nacional. volvimento da dogmática jurídica penal do Brasil e da região.

Hoje é possível que se veja com maior clareza que o dolo no tipo não
é ali situado por exigência de uma concepção ôntico-ontológica de ação, e
isto porque todas as teorias penais da ação são jurídicas. Por isso é válido Eugenio Raúl Zaffaroni
Catedrático e Diretor do Departamento de Direito Penal
assinalar, como fê-lo o autor, que o dolo faz parte do tipo como resultado de Universidade de Buenos Aires
uma exigência garantidora, pois, do contrário, seria impossível fundar uma 1º de janeiro de 2000
teoria racional da imputação no injusto.
Muito mais complexo, sem dúvida, é o desenvolvimento da pró-
pria teoria da imputação. Não obstante, o autor o faz com inteligência e
ABREVIATURAS

AT – Allgemeiner Teil
BVerfG – Bundesverfassungsgericht
BGB – Bürgerlisches Gesetzbuch
BGH – Bundesgerichtshof
CC – Código civil
CR – Constituição da República
CPC – Código de processo civil
CPP – Código de processo penal
CP – Código penal
GA – Goltdhammer’s Archiv für Strafrecht
HC – Habeas corpus
JuS – Juristische Schulung
JZ – Juristen Zeitung
OLG – Oberlandesgericht
PG – Parte geral
RHC – Recurso de habeas corpus
RESP – Recurso especial
RE – Recurso extraordinário
RT – Revista dos Tribunais
StGB – Strafgesetzbuch
StPO – Strafprozessordnung
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TEDH – Tribunal Europeu de Direitos Humanos
ZStW – Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft
SUMÁRIO
NOTA PRÉVIA À 4ª EDIÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
ABREVIATURAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

PRIMEIRA PARTE
AS CONTROVÉRSIAS METODOLÓGICAS

CAPÍTULO 1
OS PARADIGMAS DA ESTABILIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1. A ESTABILIDADE NA TEORIA CIENTÍFICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2. A ESTABILIDADE NAS CIÊNCIAS SOCIAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

CAPÍTULO 2
OS PARADIGMAS E AS LEIS NATURAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
1. A IDEIA ORIGINÁRIA DE LEIS NATURAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2. O POSITIVISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
3. O FUNDAMENTALISMO RACIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4. O CONVENCIONALISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
5. A FILOSOFIA DA EVIDÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
6. O NEOPOSITIVISMO DO CÍRCULO DE VIENA . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
7. O MODELO DEONTOLÓGICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

CAPÍTULO 3
OS PARADIGMAS DA LINGUAGEM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
1. O SENTIDO DA LINGUAGEM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
2. A SOLUÇÃO DA HERMENÊUTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
3. A LINGUÍSTICA ESTRUTURAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
4. A RETÓRICA DA DISCUSSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
5. O CRITÉRIO DA APROXIMAÇÃO LÓGICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
6. O NEORRACIONALISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

CAPÍTULO 4
OS PARADIGMAS PROCEDIMENTAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
1. OS FUNDAMENTOS INICIAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
2. O FUNCIONALISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
18 TEORIA DO INJUSTO PENAL SUMÁRIO 19

(1) OS ANTECEDENTES ORGANICISTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 1. OS PONTOS DA REVISÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145


(2) AS TEORIAS DE SISTEMAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 2. OS PONTOS ESSENCIAIS DA EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA . . . . . . 149
(3) A TEORIA ESTRUTURAL-FUNCIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 (1) O CONCEITO DE TIPO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
(4) A TEORIA FUNCIONAL DE LUHMANN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 (a) A TEORIA CAUSAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
(5) OUTROS MODELOS FUNCIONAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 (b) O NEOKANTISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
(c) O FINALISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
3. O NEOCONTRATUALISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
(d) A TEORIA SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
4. AS TEORIAS DO DISCURSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 (e) O FUNCIONALISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160
(1) O CRITÉRIO DE VERDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
(f ) OUTROS POSICIONAMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
(2) A UTILIDADE DO DISCURSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
(2) O CONCEITO DE ANTIJURIDICIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
(a) A NORMA PERFEITA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
(a) ANTECEDENTES DO CONCEITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
(b) OS FUNDAMENTOS DO DISCURSO IDEAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
(b) A TEORIA CAUSAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
(c) OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO CORRETA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
(c) O NEOKANTISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
(3) FATICIDADE E VALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 (d) O FINALISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
(4) PROCEDIMENTO E RAZÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 (e) O FUNCIONALISMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168

CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 2
A CRÍTICA DOS PARADIGMAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 AS FUNÇÕES DO INJUSTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
1. O PARADOXO DO TEMPO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .107 1. O SENTIDO DA NORMA PENAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
2. A REABILITAÇÃO DO SUJEITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 2. A RELAÇÃO TIPO-ANTIJURIDICIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
3. O AJUSTE DA LINGUAGEM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 3. AS FUNÇÕES DO TIPO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184
4. A QUESTÃO DA ESTABILIDADE: HUME E MACKIE . . . . . . . . . . . . 122 4. AS SUPOSTAS MODALIDADES DE TIPO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186
(1) A CAUSALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
5. OUTROS POSICIONAMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
(2) INJUSTO E UNIVERSALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
(3) INJUSTO E DANO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 CAPÍTULO 3
(4) INJUSTO E SUJEITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 O CONTEÚDO DO INJUSTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
CAPÍTULO 6 I. O CONCEITO DE SUJEITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
AS BASES DA REFORMULAÇÃO DO INJUSTO. . . . . . . . . . . . . . . . . 133 II. O CONCEITO DE CONDUTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194
1. O TIPO DE INJUSTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196
1. A PRECISÃO TERMINOLÓGICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 (1) A ESTRUTURA DO TIPO DE INJUSTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196
2. A UNIDADE DO INJUSTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134 (2) O CONCEITO DE BEM JURÍDICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
3. A DIVISÃO DO INJUSTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 (a) A VISÃO POSITIVISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
(b) A VISÃO NEOKANTIANA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205
4. A INTEGRIDADE DO INJUSTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
(c) A VISÃO ONTOLÓGICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
5. O INJUSTO DANOSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 (d) A VISÃO FUNCIONALISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210
(e) UMA VISÃO CRÍTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212
(f ) BEM JURÍDICO E OBJETO DA AÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216
(g) BEM JURÍDICO E FUNÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217
(aa) O conceito de função . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219
SEGUNDA PARTE (bb) Função e controle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222
A REVISÃO DOS FUNDAMENTOS DOUTRINÁRIOS (cc) A distinção entre bem jurídico e função . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225
(dd) A identificação dos bens jurídicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 228
(ee) As funções, os bens jurídicos e o injusto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233
CAPÍTULO 1
(3) A AÇÃO TÍPICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237
A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 (4) O OBJETO DA AÇÃO E OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239
20 TEORIA DO INJUSTO PENAL

(5) AS CARACTERÍSTICAS DO TIPO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241


(6) O RESULTADO TÍPICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 244
(7) OS DELITOS QUALIFICADOS PELO RESULTADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 248
(8) AS CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 254
2. O PROCESSO DE IMPUTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 260
(1) A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 262
(A) A TEORIA DA CONDIÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264
(B) A TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273
(C) A TEORIA DA RELEVÂNCIA JURÍDICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 274

(2)
(D) A CLÁUSULA CETERIS PARIBUS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A CAUSALIDADE FUNCIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 282
276
PRIMEIRA PARTE
(3) A IMPUTAÇÃO OBJETIVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295

3.
(4) O DESVALOR DO ATO E O DESVALOR DO RESULTADO . . . . . . . . . . . . . . 311
A ANTIJURIDICIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 320
AS CONTROVÉRSIAS METODOLÓGICAS
(1) OS MÉTODOS DE IDENTIFICAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 321
(2) OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 322
(3) OS PRINCÍPIOS INFORMADORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 328

CAPÍTULO 4
OS EFEITOS DA CONCEPÇÃO DO INJUSTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 337
1 IMPUTABILIDADE E PERFORMATIVIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . 338
2. A IMPUTAÇÃO SUBJETIVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 340
3. A ESTRUTURA DOS ELEMENTOS SUBJETIVOS . . . . . . . . . . . . . . . . 345
4. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 346
(1) AS TEORIAS INTELECTIVAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347
(2) AS TEORIAS VOLITIVAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 352
(3) AS FÓRMULAS PRÁTICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 354
(4) OS PONTOS CRUCIAIS DA DIFERENCIAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 356
(5) A DISCUSSÃO DA LEGITIMIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 365

BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 371
ÍNDICE REMISSIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 389
CAPÍTULO 1
OS PARADIGMAS DA ESTABILIDADE

1. A ESTABILIDADE NA TEORIA CIENTÍFICA


A ciência jurídica sempre buscou uma solução definitiva para seus pro-
blemas, mediante fórmulas certas e irretocáveis. É a perseguição constante da
estabilidade, como superação do complexo, do contraditório e do desconhe-
cido. Este fenômeno não lhe é, porém, exclusivo. É a extensão do significado
da ciência em geral, que se desenvolve com maior rigor na modernidade. Daí
a afirmação de PRIGOGINE de que, provavelmente, o conceito mais origi-
nal da ciência do ocidente esteja representado pela ideia das “leis naturais”,1
aquelas que já existem a priori e que apenas precisam ser descobertas, ou de
outro modo identificadas, para servirem de parâmetros, tanto de comporta-
mentos humanos, quanto de conhecimento dos objetos. A consideração de
que a natureza está subordinada a leis objetivas, as quais se bastam através de
sua cognição, importa submetê-la a um modelo de dimensões rígidas, que
deveria ser seguido por imperiosa necessidade.2 Rompe-se, nesta perspecti-
va, a concepção flexível de ARISTÓTELES, segundo a qual, ao contrário
da natureza, os seres vivos pautariam suas atividades sob certo sentido de
autonomia, como resultado de uma busca incessante de verdades próprias,
de modo que ser humano, por exemplo, se distinguiria dos demais seres por
ser portador do sentimento para a diferenciação do bem e do mal, do justo
e do injusto.3 A ciência da modernidade é, ao invés, uma ciência do objeto
apreensível e totalizante, de única verdade. É ilustrativo desta apreensão tota-
lizante da ciência da modernidade o exemplo dado por VON ASTER relativo
ao conceito de repouso. Um corpo em repouso para ARISTÓTELES é um
corpo que não se move, um corpo para o qual vigoram outras leis, distintas
daquelas aplicáveis aos corpos em movimento; para GALILEO, porém, um
corpo em repouso é um corpo com a velocidade zero, equivalente, portanto,

1. PRIGOGINE, Ilya. “El Fin de la Ciencia?”, Nuevos Paradigmas, Cultura y Subjetividad, Buenos Aires,
1995, p. 37.
2. VOLLMER, Gerhard. “Was sind und warum gelten Naturgesetze?”, in Philosophia Naturalis, nº 37,
2000, p. 205 e ss.
3. ARISTOTELES. Politik, tradução alemã de Franz Susemihl, Reinbek bei Hamburg: Rowohlt, 1994, p. 47.
24 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – os paradigmas da estabilidade 25

a um corpo em movimento e submetido às mesmas leis da velocidade.4 A simbólica, conduz também à perda da liberdade. A perda da liberdade irá
ciência da modernidade conduz, assim, a uma soma de postulados ou relações suscitar, por seu turno, a discussão em torno da própria estabilidade dos
que unem os objetos a todos os demais, independentemente das variações conceitos que embasam a intervenção do poder.
fenomênicas que possam sofrer.5 Desde que se proponha a elucidar o conceito de injusto, como con-
Na ciência jurídica, tomada como ciência do comportamento, que 6
dição básica da contradição entre um determinado comportamento e as
centraliza como seu objeto a realização de uma vida harmoniosa e pacífi- normas que o proíbem ou o impõem, será preciso estabelecer, assim, como
ca, a questão principal se orienta, praticamente, no sentido da superação pré-requisito de qualquer investigação, se esse conceito deve necessariamen-
dos estados de instabilidade, cujo alcance sempre esteve subordinado a te ser tomado como conceito estável ou como conceito contingente. Vale
determinados paradigmas, precisamente como instrumentos de sua pró- dizer, a questão fundamental se fixa na decisão prévia se é ou não possível
pria estabilidade. Esses paradigmas estão situados normalmente em duas a manutenção de um conceito estável e certo na ciência, em geral e na
dimensões: uma, própria do comportamento, como expressão causal, com ciência jurídica, em especial. Se os conceitos forem estáveis, a ciência pode
vistas à produção de efeitos sociais determinados; outra, na configuração fundamentar substancialmente o injusto. Se os conceitos forem contingen-
dos elementos relacionados ao sujeito responsável, pelos quais trata de tes, estar-se-á diante de um quadro de produção simbólica de estabilidade.
complementar a justificação do poder intervencionista do Estado, como Ao dogma da possibilidade de um conceito estável corresponde
observador e fiscal da convivência objetiva. Esta última dimensão dos pa- necessariamente um modelo determinista de verificação. Com isso,
radigmas, como se pode perceber, trabalha com objetivos simbólicos, os afigura-se o seguinte: a) o conceito estável deve refletir uma realidade
quais jamais irão corresponder às atividades concretas desempenhadas pelo igualmente estável; b) tendo em vista que a realidade é estável, os períodos
poder. Contudo, à medida que são traçados os elementos caracterizadores ou fenômenos de instabilidade devem ser compreendidos como pertur-
do sujeito responsável, como forma de obter uma estabilidade em torno bações da ordem natural e tendem a reverter-se; c) como expressão ou
da edificação simbólica de uma vida harmoniosa, igualmente se pretende identificadores da própria realidade, os conceitos desempenham, preci-
justificar a intervenção sobre esse mesmo sujeito, submetendo-o ao poder puamente, a função de instrumentos classificatórios e devem comportar a
do Estado. Vê-se, então, que a busca dos elementos que identificam a res- reversibilidade, quer dizer, se os fenômenos sempre se congregam através
ponsabilidade individual pelo comportamento realizado, sob o pretexto de ligações determinadas, justapostas ou hierarquizadas, que tendem a
de construir as bases de uma estabilidade, que na verdade é puramente se recompor, uma vez desfeita a causa de sua instabilidade, os conceitos
devem refletir essa recomposição.
4. ASTER, Ernst von. Introducción a la filosofía contemporánea, tradução espanhola de Felipe Gonzáles
Vicén, Madrid, 1961, p. 43. Da relação, portanto, entre a realidade fenomênica regida por uma
5. NEEMAN, Ursula. “Philosophische Probleme von Raum und Zeit”, in Philosophia Naturalis, nº 18,
1980, p. 146 e ss. ordem natural e a formulação dos enunciados nasce e se desenvolve a ciência
6. É problemática a classificação da ciência jurídica sob o panorama de uma alteração de paradigmas. Ge- da modernidade, cujo modelo é representado pela mecânica de NEWTON
ralmente, a classificação depende da evolução do conhecimento acerca do objeto e da dinâmica adotada
por seu método. Centrando sua análise exclusivamente no método, JEAN LADRIÈRE (A articulação e as leis do movimento (ma=f ), pelas quais, dadas determinadas condições,
do sentido, São Paulo: EPU/EDUSP, 1977, p. 17 e ss.) a classifica como ciência hermenêutica ou da in-
terpretação, em oposição às ciências formais (matemática, lógica) e empírico-formais (física, química). se poderiam predizer suas consequências e descobrir seus antecedentes,7
Seguindo uma orientação neokantiana culturalista, MIGUEL REALE (O direito como experiência, S.
Paulo, 1968, p. 61), a situa como ciência normativa. Na verdade, a classificação das ciências não pode quer dizer, a força (f) empreendida sobre determinado objeto deveria re-
se desprender de uma concepção do mundo, a partir de uma visão dialética de sua unidade e diversi-
dade, pela qual será possível proceder à crítica dos próprios paradigmas (WESSEL, Karl-Friedrich. lacionar-se, necessariamente e tão só, à sua massa (m) e à sua aceleração
“Weltanschauung und das Verhältnis von Disziplinarität und Interdisziplinarität”, Deutsche Zeitschrift (a). Como essas leis eram temporalmente reversíveis, seria irrelevante que
für Philosophie, v. 31, n. 5, 1983, p. 604-610; GUNTAU, Martin/ HUBERT Laitko. “On the origin and
nature of scientific disciplines.” World Views and Scientific Discipline Formation, 1991, p. 17-28.).
A classificação aqui adotada, como ciência do comportamento, parte de sua função pragmática, que
os valores temporais que se lhe agregassem fossem positivos ou negativos,
congrega tanto aspectos normativos quanto empíricos e permite sua relação com as demais ciências, ou seja, na fórmula apresentada (ma=f), pouco importa que qualquer de
inclusive em face de paradigmas epistêmicos e também da análise dos contextos (RÖTZER, Andreas.
Die Einteilung der Wissenschaften. Analyse und Typologisierung von Wissenschaftsklassifikationen.
Dissertation, München, 2003, p. 241). 7. PRIGOGINE, Ilya. Nota 1, p. 38.
26 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – os paradigmas da estabilidade 27

seus componentes seja tomado em um ou em outro sentido. Assim, se a da sua atemporalidade como meio, não basta a mera equação determinista.
aceleração (a) derivar de um valor de tempo positivo (t) ou negativo (-t), Será preciso eliminar-se aqui propositadamente a noção de sujeito. Como
a fórmula ainda continua a mesma. Isto não mudou, inclusive, na teoria lembra com propriedade MORIN, expulsa-se o sujeito, primeiramente,
quântica, cuja equação básica de SCHRÖDINGER, que se refere à am- como observador, para construir conceitos neutros e objetivos; depois,
plitude de uma onda no tempo, é determinista e reversível.8 O mesmo se exclui-se o sujeito da psicologia, para substituí-lo por estímulos, respos-
dá na teoria da relatividade que, ao relativizar a noção de tempo e tomá-la tas e comportamentos; elimina-se também o sujeito da história, para em
em função do espaço percorrido, sugeriu uma acepção de reversibilidade lugar de decisões ver somente determinismos sociais; exclui-se o sujeito
mágica dos acontecimentos ou fenômenos. Assim, por exemplo, passou-se da antropologia, para compreender apenas estruturas, e da sociologia,
a admitir, pelo menos teoricamente, que fosse possível inverter a origem do para aceitar unicamente organização ou orientações.11 A eliminação da
universo criado a partir do chamado big bang. Se o universo viesse a parar noção de sujeito desempenha, portanto, o mesmo papel e tem o mesmo
de se expandir, poder-se-ia contar, igualmente, com sua involução, a qual significado da exclusão da noção de tempo. Se o tempo nas ciências natu-
produziria o efeito de que os fatos viessem a se recompor, reconstruindo- rais é assinalado pela irreversibilidade dos fenômenos, quer dizer, perdida
-se objetos destruídos e reanimando vidas, em impressionante reversão de certa parcela de elementos em determinada sequência, a fórmula só tem
todos os processos causais já sucedidos, com repercussões sociais e jurídicas eficácia ex nunc, nas ciências sociais só pode ser medido pela trajetória
absolutamente surpreendentes.9 dos protagonistas. Se essa trajetória é prescindível, não há que temer sua
instabilidade, solucionável simplesmente por acertos de organização ou
2. A ESTABILIDADE NAS CIÊNCIAS SOCIAIS aperfeiçoamento comportamental. Substituída, portanto, a noção de su-
Analisando a estabilidade da vida, SCHRÖDINGER, a quem se jeito pela noção de objeto, podem ser canalizadas para justificar o exercício
havia conferido juntamente com DIRAC o Prêmio Nobel de Física, do poder a causalidade, tomada como relação lógica, e a estabilidade da
a compara com o funcionamento de um relógio bem fabricado, cujos própria norma ou sistema. Configura-se, então, em outro sentido, aquilo
atrasos ou avanços poderiam ser contornados através de um ajuste de que KANT denominava de ilusão transcendental, ou seja, toda a vida
mecanismo.10 Interessante notar que essa estabilidade é tomada apenas social é compreendida como uma circularidade: se a justificativa do poder
simbolicamente, porque para SCHRÖDINGER os próprios estados que está, no fundo, na estabilidade do sistema e se a causalidade constitui mera
a comporiam seriam sempre indeterminados. A acepção de uma estabili- relação lógica, não importa perquirir acerca dos efeitos reais do compor-
dade real, porém, corresponde aos paradigmas do estado de estabilidade tamento, produzido por ato de vontade, nem sobre as condições que o
que cercaram o modelo newtoniano, os quais não são, ademais, alheios desencadearam. O que se produz no mundo empírico é apenas um dado
às ciências sociais e humanas. Para dar-lhes caráter científico e por isso atemporal, positivo ou negativo, de uma equação, na qual qualquer um
mesmo assegurar-lhes a universalidade das proposições, a partir do critério de seus termos poderá ser substituído por outro dado, sem que se afete
sua reversibilidade e, assim, a possibilidade de estabilidade do sistema.
8. PRIGOGINE, Ilya. Nota 1, p. 38. Para uma visão mais aprofundada da interpretação de SCHRÖDIN-
GER sobre a função de onda, associada ao movimento de partículas microscópicas, inclusive quanto à A noção de sujeito, na verdade, sempre esteve presente contradito-
elaboração de uma equação diferencial, independentemente do tempo, ver EISBERG/ RESNICK, Físi-
ca quântica, tradução brasileira de Paulo Costa Ribeiro, Ênio Frota da Silveira e Maria Feijó Barroso, riamente na filosofia. ARISTÓTELES, por exemplo, não a tratou como
Rio de Janeiro, 1979, p.171 et seq.; sobre a teoria da relatividade e seus desdobramentos: ELLWAN-
GER, Ulrich. Vom Universum zu den Elementarteilchen, Eine erste Einführung in die Kosmologie und determinante no processo de conhecimento, porque ora a identificava
die fundamentalen Wechselwirkungen, Heidelberg: Springer, 2009.
9. REYES ALVARADO, Yesid. Imputación Objetiva, Bogotá, 1992, p. 37. É bem verdade que a solução com a matéria de que se compõe uma coisa, ora com sua forma de ex-
lógica que se apresentava a EINSTEIN acerca da reversibilidade do tempo, como informa PRIGOGI- pressão, ora com o traço de união entre ambas.12 Ainda quando acolhida
NE, jamais fora por ele admitida, porque aceitar reverter ao passado equivale a uma negação da realida-
de do mundo. Cf. PRIGOGINE, Ilya Prigogine. O fim das certezas, S. Paulo, 1996, p. 197; igualmente,
a intrigante tese que ilustra o chamado Paradoxo dos Gêmeos: GOENNER, Hubert. Einführung in die
spezielle und allgemeine Relativitätstheorie. Spektrum: Akademischer Verlag, 1996, p. 47 e ss. 11. MORIN, Edgar. “La noción de sujeto”, in Nuevos Paradigmas, Cultura y Subjetividad, 1995, p. 68.
10. SCHRÖDINGER, Erwin. What is life? With mind and matter and autobiographical sketches, Cambri- 12. ARISTOTELES. Methaphysik, VII, 1029, tradução alemã de Hermann Bonitz, in Aristoteles Philoso-
dge University Press, 1992, p. 82 e ss. phische Schriften, Hamburg: Meiner, 1995, tomo 5, p. 134.
28 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – os paradigmas da estabilidade 29

no sentido puramente psicológico, como o faz TOMÁS DE AQUINO, a No esquema kantiano, o mundo externo passa pela consciência do eu e
noção de sujeito não se afasta da noção de causa material ou substância. 13 se edifica de sua própria experiência, mas, embora o sujeito se confunda,
Embora sem outras pretensões do que esclarecer acerca da validade do então, com essa mesma forma de consciência, ainda é concebível como
método, observadas as contribuições de seus antecessores, como AGOS- uma realidade objetiva, empiricamente apreensível. Para o primeiro WIT-
TINHO e CAMPANELLA, é com DESCARTES que o paradoxo do TGENSTEIN, a realidade externa só poderia ser compreendida como
sujeito se fez sentir, ao constatar a oposição de dois mundos: um, sub- limite da linguagem, portanto não se tratava de uma realidade objetiva,
jetivo, contingente e falível e o outro, objetivo, científico e reversível. independente do sujeito, mas de uma realidade que lhe seria inerente e
Nessa concepção, o sujeito passa a ser visto, não mais como a matéria, da qual o sujeito constituiria sua forma. WITTGENSTEIN reformulou
senão como o instrumento através do qual se manifesta o cogito, encarado depois esse pensamento, mas defendia, nesta primeira fase, uma espécie
como expressão da autoevidência existencial, pela qual, intuitivamente, de solipsismo panteísta, tendo como resultado, no fundo, a eliminação
se alcança a certeza de que verdadeiramente se existe.14 O sujeito, por- do sujeito na linguagem, a qual não seria compreendida como produto
tanto, vem a constituir o fundamento do próprio conhecimento acerca desse sujeito, mas como seu próprio reflexo. A linguagem, então, viria a
de sua existência. O mesmo significado do sujeito, situado em oposição confundir-se com o mundo no qual se veria refletida.19
ao mundo objetivo, é encontrado em KANT, para quem, entretanto, já A concepção jurídico-causal do direito conduz, da mesma forma, à
não mais se trata de um dado puramente independente, senão da forma eliminação do sujeito. Nessa concepção, a eliminação do sujeito se proces-
de aparecimento do eu, enquanto se veja na posição de consciência, au- sa, gradativamente, no próprio interior da estrutura das normas jurídicas,
toconsciência ou percepção. O sujeito se identifica com o eu, à medida que se veem impregnadas da noção de impulso causal, que tanto pode
que seus pensamentos lhe sejam inerentes como predicados.15 corresponder a um dado empírico, quanto a um mero pressuposto lógico,
Ainda que enaltecido pelo iluminismo, que o situava em face do construído sob o prisma da reversibilidade, em, pelo menos, dois campos
princípio da racionalidade, a noção de sujeito, como dado independente, essenciais do direito.
passa a desaparecer gradativamente na filosofia. Primeiramente, o positivis- Em primeiro lugar, no direito das obrigações, através da pressuposição
mo comteano a substitui pela categoria da humanidade, como único objeto da liberdade de vontade nos contratos, fruto de uma igualdade abstrata e
de ordem e progresso;16 depois, o neokantismo e o ontologismo promovem reversível, como ocorre, por exemplo, nos chamados contratos com cláu-
sua substituição por valores ou categorias lógico-objetivas; mais tarde, o sula de resolução tácita, nos quais se transfere a exigência dessa liberdade
empirocriticismo e o positivismo do Círculo de Viena, em especial na pri- de vontade a um momento futuro, quando o seu emissor não se encontre
meira fase de WITTGENSTEIN, passam a prescindir do sujeito, como
portador da experiência ou da linguagem, para situá-lo apenas na condição
de limite do conhecimento: o sujeito, no processo de conhecimento, se existente está associado à perspectiva de uma primeira pessoa, com cujas características privilegiadas
e irredutíveis se torna possível separá-la de outras pessoas e de todas as demais coisas. De acordo
dissolveria nos objetos que retratasse.17 A postura de WITTGENSTEIN, com o solipsismo empático, defendido por THOMAS NAGEL, a diferenciação de cada pessoa para
com as outras se deve ao fato de que cada qual não está capacitada a compreender adequadamente a
no entanto, deve ser compreendida como uma forma de solipsismo, quer experiência das demais (“What is it like to be a bat?” The philosophical review, 1974, p. 435-450).
Para o solipsismo semântico, os significados e as referências das palavras constituem entidades unica-
dizer, uma introspecção da experiência, diferente da corrente kantiana.18 mente acessíveis ao seu usuário. Ao solipsismo ontológico se afigura como existente somente aquilo
que possa ser dito significativamente como existente por nós mesmos, ou por nosso estado mental. Já
para o solipsismo epistêmico o mundo externo se separa de nós mesmos através de um processo de
13. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teologica, 1-2 q. 50. prioridade atribuído a uma primeira pessoa no que toca à sua acessibilidade mental. Ao lado dessas
14. DESCARTES, René. Discurso sobre o Método, Quarta Parte, 1637. variantes substantivas do solipsismo, vislumbra-se hoje uma forma de solipsismo metodológico, pelo
qual nossos diversos sentimentos, como os desejos, as esperanças, as crenças e os medos só podem
15. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, Dialética Transcendental, Capítulo I: Dos Paralogismos da ser explicados quando se refiram a ocorrências passadas no âmbito de nossas mentes ou cérebros e
Razão Pura, tradução de Manuela Pinto dos Santos, Lisboa, 1994. não como acontecimentos externos, subordinados a uma explicação causal de suficiência e probabi-
16. COMTE, Auguste. Discurso sobre o espírito positivo, tradução brasileira de Maria Ermantina Galvão lidade. Com outras informações, AUDI, Robert et allii. The Cambridge Dictionary of Philosophy, 2ª
G. Pereira, São Paulo, 1990, p. 72. edição, Cambridge, 1999, p. 861.
17. WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratactus Logico-Philosophicus, Frankfurt am Main, 1963, 5631 e ss. 19. LÓPEZ DE SANTA MARTA DELGADO, Pilar. Introducción a Wittgenstein. Sujeto, mente y conducta,
18. A expressão “solipsismo” tem vários significados. Em geral, designa a doutrina pela qual todo o Barcelona, 1986, p. 65.
30 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – os paradigmas da estabilidade 31

mais presente no ato de sua extinção.20 Essa metodologia de eliminação do sujeito está comprometida com
Em segundo lugar, com a noção de injusto, ainda não desvinculada o paradigma de estabilidade da ciência jurídica, que lhe foi ditado pela
inteiramente da violação de deveres gerais objetivos e exaurida no desdobra- modernidade, como consequência da ideia de lei natural. A ciência da
mento objetivo do conceito de conduta proibida. O fundamento objetivo modernidade se estribava em que os objetos, porque separados do sujeito e
do injusto, como conceito estável e reversível, derivado dos elementos que de sua contingência, poderiam ser observados sem uma deformação subjeti-
integram a conduta proibida, constitui a intercessão necessária a legitimar va.22 A eliminação do sujeito, nesse ponto, correspondia a uma necessidade
o poder estatal intervencionista nos círculos de liberdade individual. Desse do método experimental e dos procedimentos de verificação. Era necessá-
fundamento derivam todas as teorias que, a partir de certo momento da rio que os objetos fossem tomados como se estivessem em uma cadeia de
evolução do conceito de delito, procuraram sustentar o injusto exclusi- elementos imutáveis ou, quando fossem alterados, pudessem reverter ao
vamente sobre um conceito instrumental de conduta, o que faz desviar estado anterior. O ponto nodal dessa atividade não está, porém, na identi-
a atenção de seus pressupostos de legitimidade para um setor meramente ficação do objeto, mas, sim, na possibilidade de sua reversibilidade, a qual
especulativo e neutro.21 garantiria uma ordem estável.

Conforme o modelo de sua formulação, o conceito de conduta forne- Da mesma forma, o objetivo primordial da determinação do injus-
ce respaldo para eliminar a real seletividade do autor e, assim, por meio da to não é propriamente a identificação definitiva de seu objeto, ou seja, a
imposição de sua neutralidade, proporcionar um equilíbrio na formulação afirmação de que uma determinada atividade infringiu uma norma legal
do injusto. Por outro, contribui para a desconsideração do próprio autor explícita e clara, o que poderia permitir delimitar o poder de intervenção do
em face das condições empíricas de sua formação. O conceito instrumental Estado sob o plano positivo, mas, sim, alcançar o patamar de estabilidade,
de conduta, portanto, não importa se causal, final, social ou funcional, como elemento simbólico, a justificar sua manutenção.
ainda que tenha como pressuposto de sua manifestação um autor, não faz Portanto, muito mais do que afirmar a existência do injusto e o des-
ressaltar a questão do sujeito, justamente porque o toma como mero ele- crever, para essa concepção o importante será assegurar a manutenção do
mento lógico de uma cadeia de imputação, fora, portanto, do âmbito de sistema, mediante o argumento de que sua repressão o restaura ou corri-
suas relações políticas, que o situam como sujeito deliberativo. Ao diluir-se ge, como produto de uma atividade de relojoaria. Assim, será mais fácil
o sujeito na própria noção de ação proibida, procede-se a uma justificação legitimar um poder de intervenção à medida que se disponha de um ele-
intrínseca do poder de intervenção, sem atentar para os contextos nos quais mento que, por sua neutralidade e constante possibilidade de simples ajuste
a norma será aplicada. normativo, seja capaz de seduzir seus destinatários, sem precisar recorrer
à análise das condições contingentes vinculadas ao sujeito. Com essa es-
20. A possibilidade de valer a cláusula extintiva do contrato sem que, no momento dessa extinção, os con- trutura, o sistema se autojustifica, o que cria as bases elementares para a
traentes não tenham manifestado expressamente sua vontade está presente na norma estabelecida no §
151 do BGB: “O contrato se realiza por meio da aceitação da proposta, sem que a aceitação necessite edificação do funcionalismo, que se satisfaz com a busca de uma estabili-
ser manifestada ao contraente, quando tal manifestação não for exigida segundo o costume da relação,
ou quando o contraente a tenha renunciado. O momento no qual o contrato se extingue é determinado dade da norma, a qual também fundamenta e esgota a imposição da pena.
segundo a vontade extraída da proposta ou das circunstâncias.” Assim, embora a duração do contrato
se determine segundo a proposta do contraente, o que é o normal, aqui poderá ser determinada por
sua vontade presumida. Cf. PALANDT/ELLENBERGER. Bürgerliches Gesetzbuch, München: Beck,
Nesse ponto, o conceito instrumental de conduta, uma vez desvin-
2013, p. 170. culado da noção de sujeito, serve para afastar da formulação jurídica as
21. A respeito dessa alienação da ciência jurídico-penal, mediante a estéril discussão em torno dos conceitos
causal e final de ação, provocada por MEZGER nos anos cinquenta do século XX, ver a exposição crí- especulações críticas e deslegitimantes. Ainda que hoje se procure sub-
tica de FRANCISCO MUÑOZ CONDE (Edmundo Mezger y el derecho penal de su tiempo, 2ª edição, meter essa concepção a uma crítica a partir das relações intersubjetivas
Valencia, 2001, p. 43 e ss.), à qual agrega inúmeros documentos que demonstram sua efetiva partici-
pação na confecção das leis nazistas no período de 1933 a 1945, principalmente sua posição de franca
hostilidade aos chamados “Gemeinschaftsfremde”, para os quais recomenda, inclusive, a internação em
formadas no processo material de produção da vida social, sua influência
campos de concentração. Não cabe aqui um julgamento político nem moral de MEZGER. A indicação
é importante, porque assinala como um determinado conceito, no caso, o conceito instrumental de con-
duta, pode conduzir a discussões inteiramente abstratas, sem qualquer conteúdo limitativo do poder de 22. MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo, tradução de Eliane Lisboa, Porto Alegre: Sulina,
punir e, inclusive, justificar concepções ideológicas de seu emissor. 2015, p. 39.
32 TEORIA DO INJUSTO PENAL

se faz sentir em todos os procedimentos de reforma legislativa, quando


se esgotam na própria descrição do injusto e na intensificação da pu-
nibilidade da conduta. Se a criminalização da conduta não precisa ser
CAPÍTULO 2
submetida ao crivo de sua idoneidade ou finalidade positiva para a vida
social, nem atender aos objetivos reais dos sujeitos que serão seus diretos OS PARADIGMAS E AS LEIS NATURAIS
destinatários, o processo se autolegitima dentro da própria produção le-
gislativa e, consequentemente, legitima a pena, independentemente dos
efeitos maléficos que possa causar. 1. A IDEIA ORIGINÁRIA DE LEIS NATURAIS
Se, por um lado, a exclusão do sujeito está imbricada no processo de
legitimação objetiva de constituição do injusto, sua exclusão nas ciências ju-
rídicas não deixa de percorrer o mesmo caminho da ideia de leis naturais. A
ideia de leis naturais, por sua vez, embora se tenha desenvolvido com maior
rigor na modernidade, não lhe é apanágio exclusivo. Seu significado irá se
aperfeiçoando gradativamente, em uma evolução que se inicia com o logos23
da racionalidade, passa pela correlação da uniformidade e da convenção, até
chegar à sua consideração como relação simbólica.
O objetivo de vincular as leis naturais às leis humanas parece nascer
com HERÁCLITO,24 como consequência natural do logos;25 desenvolve-se,
depois, com o estoicismo26 e encontra sua expressão racional em KANT,
que as subordina aos preceitos a priori do entendimento. “Se, de uma ma-
neira geral, há princípios algures – diz KANT – , deve-se unicamente ao
entendimento puro, que não é apenas a faculdade das regras dos princí-
pios, segundo a qual tudo (quanto se nos possa apresentar como objeto) se
encontra necessariamente submetido a regras, porque sem elas nunca os fenô-
menos comportariam o conhecimento de um objeto que lhes correspondesse.
Mesmo as leis da natureza, quando consideradas leis fundamentais do uso
empírico do entendimento, implicam um caráter de necessidade, portanto,
pelo menos, fazem presumir uma determinação extraída de princípios que
são válidos a priori, e anteriormente a toda a experiência. Mas todas as leis
da natureza se encontram, sem distinção, submetidas a princípios superiores
do entendimento, pois elas não fazem senão aplicá-los a casos particulares do
fenômeno. Só estes princípios dão, pois, o conceito, que contém a condição
e, por assim dizer, o expoente de uma regra geral, enquanto a experiência dá o

23. Aqui, no sentido de princípio.


24. ABBAGNANO, Nicola. Diccionario de Filosofía, México-Buenos Aires, 1966.
25. Aqui, no sentido de ordem.
26. AUDI, Robert et allii. The Cambridge Dictionary of Philosophy, 2ª. edição, Cambridge, 1999.
34 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – os paradigmas e as leis naturais 35

caso que se encontra submetido à regra”.27 A racionalidade dos princípios ou c) a revalorização da experiência;
das leis da natureza chega ao extremo com SCHELLING, que propugna por d) a superação à experiência;
uma supressão do próprio fenômeno e conduz à conclusão de que, no fundo, e) a reedificação conceitual;
o que vale é apenas seu processo de relação.28 Segundo nos explica NICOLAI f ) o retorno ao normativo;
HARTMANN, o pensamento básico de SCHELLING sobre a natureza é g) a superação relativista por meio de uma ascendente especulação
bastante simples: “Na natureza existe uma organização geral, que não pode linguística;
ser concebida sem uma força motriz. Tal força necessita, por sua vez, de um h) o atendimento a meros procedimentos.
princípio organizativo. Este não pode ser um princípio real, cego; tem que
Essas posições corresponderiam, respectivamente, ao positivismo (ba-
haver produzido, teleologicamente, a conformidade dos fins, encerrada em
sicamente centrado no empirismo), ao fundamentalismo racional (aportado
suas criações. Portanto, capaz desta conformidade teleológica só pode ser um
a princípios transcendentais), ao empirocriticismo ou ao neokantismo (com
princípio espiritual, isto é, um espírito situado fora de nosso espírito. Mas,
a revisão da experiência), à filosofia da evidência (com a tentativa de supera-
uma vez que não podemos admitir uma consciência fora do eu, o espírito
ção da experiência), ao neopositivismo (com a purificação dos conceitos), ao
criador na natureza deve ser um espírito inconsciente”.29 Com isso, o elemen-
deontologismo (com a delimitação normativa), à filosofia da linguagem (com
to criador ou propulsor da criação passa a ser visto como um puro processo
a revisão do discurso científico) e ao funcionalismo (com a noção de estabi-
sem substância. Isto dá lugar, ao mesmo tempo, a um idealismo, que faz da
lidade dos procedimentos).
natureza um produto imaginário do eu, e de um irracionalismo místico,
pelo qual se transporta o elemento criador para uma zona de inconsciência 2. O POSITIVISMO
e, assim, fora da razão. É verdade, porém, que SCHELLING rompeu depois
O positivismo nasce justamente da ideia de uma lei natural tomada
com essa forma de ver o mundo. Ao enunciar os princípios de sua filosofia
no sentido de relação constante e invariável entre os fenômenos. Isto quer
da natureza, assinala como a subjetividade precisa emergir da objetividade e
significar que a lei natural deve ser a conclusão infalível de uma experiência.
como a objetividade precisa ser experimentada pelos sujeitos, concebidos em
Essa necessária conexão entre os fenômenos é que dá base ao conceito de
sua evolução histórica, que lhes proporcionaria uma autoconsciência. Com
causalidade, nascido primitivamente com o pensamento empirista árabe, e
isso, busca uma estética da identidade, que quer alcançar por meio de uma
depois desenvolvido por HUME, que centralizava na conexão habitual dos
junção entre as leis naturais que governam os fenômenos e os sujeitos que
fenômenos o sentido que deveria seguir a atividade.31 Nesta mesma linha de
produzem suas ações no âmbito da história. Esta última visão de SCHEL-
raciocínio segue o pensamento de COMTE, para quem a ciência positiva
LING vai despertar, mais tarde, o interesse de MARX, que a acolhe para
estaria alicerçada a “(...) considerar todos os fenômenos como subordinados
explicar como o sujeito se desenvolve na história da luta de classes.30
a leis naturais invariáveis (...)”, mas cujo método de descoberta e redução
Os paradigmas da racionalidade em relação às normas que definem os não se estende a estabelecer suas causas naturais últimas, senão suas “(...)
contornos do justo e do injusto na modernidade induzem à formulação de relações normais de sucessão e semelhança”.32 A invariabilidade das leis natu-
outras concepções, que podem estar orientadas aos seguintes objetivos: rais correspondia, assim, a um dogma geral do espírito positivo, sob lema de
a) o retorno a entidades empíricas; “ver para prever, em estudar o que é a fim para daí concluir o que será”.33 A
b) o aperfeiçoamento metafísico a partir de princípios formulados a priori; asserção comtiana bem demonstra a essência do positivismo de não investigar
as causas últimas, senão apenas a regularidade da relação entre causa e efeito.
27. KANT, Immanuel. (Nota 15). Analítica dos Princípios, Capítulo II, Seção III.
28. SCHELLING, Friedrich Wilhelm Joseph von. System des transzendentalen Idealismus, Hamburg: Felix
Meiner, 1992, § 1°.
29. HARTMANN, Nicolai. La filosofía del idealismo alemán, tradução castelhana de Hernán Zucchi, Bue- 31. HUME, David. Investigación sobre el conocimiento humano, VII, 2.
nos Aires, 1960, tomo I, p. 177. 32. COMTE, Auguste. Cours de Philosophie Positive, I, Lição I, § 2º.
30. DUDLEY, Will. Idealismo alemão, tradução de Jacques A. Weinberg, Petrópolis: Vozes, 2013, p. 197. 33. COMTE, Auguste. (Nota 16), p. 19.
36 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – os paradigmas e as leis naturais 37

O positivismo rompe a tese racionalista da perfeita correspondência medida que tenha por objeto diferentes elementos empíricos, se deve re-
entre entendimento e realidade. As leis naturais, quanto à sua estrutura e partir sobre as perspectivas da legalidade, da eficácia e do reconhecimento
constituição, não podem ser deduzidas através de pura reflexão ou pon- das normas que os regulam. Pela perspectiva da legalidade, os elementos
deração racional, senão sob controle empírico resultante da observação, dizem respeito ao processo de produção das normas por uma autoridade
percepção e experiência.34 Este mesmo raciocínio se estende igualmente ao política ou estatal (o Parlamento); na perspectiva da eficácia, os elementos
campo da conduta moral, ao enfatizar HUME que, embora a ética desem- se assentam na obrigatoriedade de seu atendimento pelos cidadãos, ou por
penhe aqui sua influência, não pode, entretanto, derivar da razão, como órgãos juridicamente competentes; na perspectiva de seu reconhecimento,
pretendia KANT, porque a razão é inativa e não pode ser tomada como um os elementos se referem a que as normas se incorporem ao processo de sua
princípio tão ativo como a moralidade ou a consciência, senão que em cada aceitação tanto pelos órgãos estatais quanto pelos cidadãos.39 Conforme a
sistema de moralidade o que se observa é que o autor se comporta de uma ênfase que se pode conferir a qualquer dessas três perspectivas, têm-se três
mesma maneira por algum tempo.35 A norma não pode se basear na razão, distintas concepções do positivismo que, tradicionalmente, correspondem
porque esta se dedica unicamente à descoberta da verdade e da falsidade, que ao pensamento de HOBBES, GRAY e JELLINEK. Mais recentemente, por
consiste em um acordo ou desacordo de cada um para com as reais relações força de uma resposta a proposições críticas, encetadas principalmente por
de ideias. Se as ações humanas não são suscetíveis de tal acordo, não podem DWORKIN e seus seguidores, tem-se distinguido entre positivismo inclu-
estar conformes ou contrárias à razão.36 sivo e exclusivo. Pode-se entender por positivismo inclusivo a concepção que,
No setor do direito, por isso mesmo, ganha relevância a separação sem se afastar dos postulados fundamentais do positivismo quanto à origem,
entre ser e dever-ser, configurando-se o direito exclusivamente a partir das eficácia e reconhecimento das normas jurídicas, admite que essas normas
normas positivadas, independentemente se elas retratam um conteúdo moral, possam incorporar preceitos morais, uma vez que a própria ordem jurídica os
pelo qual possam ser avaliadas como corretas ou incorretas. Neste passo, o admita, bem como constituírem expressões de fatos sociais. Essa concepção
positivismo faz frente também, em certa medida, à escola histórica, que, a nasce com a obra de HART, em sua segunda fase, e encontra partidários,
partir do conhecido posicionamento de PUCHTA, igualmente acolhido entre outros, em COLEMAN e WALUCHOW.40 Já o positivismo exclusivo,
por SAVIGNY, via no direito a expressão do espírito do povo, um concei- que resulta de uma proposta de RAZ e de seu discípulo MARMOR, como
to complexo, mesclado da ideia romântica de uma realidade moldada pelo reafirmação do que sempre se estabeleceu no positivismo jurídico clássico, só
irracional,37 ao estilo de SCHELLING, e da exaltação do costume, como admite fatos sociais na norma jurídica como elementos exógenos ocasionais,41
forma de fortalecimento de um nacionalismo amparado por valores éticos.38 os quais de qualquer modo devem ser normatizados e interpretados de con-
Para o positivismo, o direito, assim como as leis naturais, é visto como uma formidade com os rígidos preceitos jurídicos. Segundo esse entendimento, as
ordem acerca de todas as condições de vida e, enquanto ordem normativa, regras convencionais, embora associem fatos sociais como fontes do direito,
como uma ordem garantida pelo Estado e independente do costume. Esse só terão significado quando constituírem parte do direito, ou seja, quando se
conjunto normativo compõe, por seu turno, um conjunto de leis, subme- integrarem como prática jurídica vinculada a um ato de autoridade.42
tido a um processo empírico de constatação, que tem como base critérios Da mesma forma, HOERST, defensor de um positivismo exclusivo,
interpretativos. Conforme a variação que possa sofrer essa interpretação, à admite também que a submissão às normas não impede que a formulação em
39. KOLLER, Peter. Theorie des Rechts, Wien, Köln, Weimar, 1997, p. 25.
34. DETEL, Wolfgang . “Wissenschaft”, in Philosophie, Martens/Schnädelbach, 1991, p. 184. 40. WALUCHOW, Will J. Inclusive Legal Positivism, Oxford: Clarendon Press, 1994.
35. HUME, David. A treatise of human nature, Oxford, 1992. 41. RAZ, Joseph. The authority of Law, 2ª edição, New York: Oxford, 2009, p. 37 et seq.; MARMOR, Andrei.
36. HUME, David. (Nota 35). Positive Law and Objective Values, Clarendon Press, Oxford, 2001, S. 71); IDEM, in The Oxford Handbook
37. HERBERT, Gary B. A philosophical history of rights. Transaction Publishers, 2003, p. 256 e ss. of Jurisprudence and Philosophy of Law, in Jules Coleman und Scott Shapiro, Oxford 2002, p. 104 e ss.
38. Para uma análise percuciente dessa escola: ROSS, Alf. Teoría de las fuentes del derecho. Una contribu- 42. RAMOS PASCUA, José Antonio. “Positivismo jurídico y derechos humanos, in PÉREZ BERMEJO/
ción a la teoría del derecho positivo sobre la base de investigaciones histórico-dogmáticas, tradução es- ANGEL RODILLA (org.), Jurisdicción, Interpretación y sistema jurídico, Ediciones Universidad Sala-
panhola de José Luis Muñoz de Baena Simon, Aurelio de Prada García e Pablo López Pietsch, Madrid, manca, 2007, p. 122; HIMMA, Kenneth Einar.”Inclusive Legal Positivism”, in The Oxford Handbook
1999, p.183 e ss. of Jurisprudence and Philosophy of Law, 01/2004.
38 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – os paradigmas e as leis naturais 39

torno do justo e do injusto possa ter seu fundamento no meio externo, como política.47 Na verdade, ao ordenar-se que a decisão jurídica de constatação do
no interesse de cada cidadão de não ser objeto de lesão de outrem, o que, con- injusto se resuma à aplicação pelo juiz do direito válido ou legislado, quer dizer,
sequentemente, o sujeita ao dever de não lesar o próximo. Esse dever de não do direito imposto pelo Estado, ou incorporado como tal pelos tribunais, faz-se
causar lesão em outrem constitui um princípio de justiça, que é incorporado dessa decisão uma circularidade, que reflete, no fundo, uma decisão política
pela norma jurídica. Nesse ponto, portanto, a norma jurídica não se ampara da própria autoridade que, ao mesmo tempo, faz e aplica o direito, reforçan-
exclusivamente na lei formal, senão também no costume e em princípios gerais do com isso sua mesma fonte de produção. Essa circularidade corresponde,
da ordem jurídica, os quais são igualmente reconhecidos dentro da moral.43 perfeitamente, à assertiva de HABERMAS de que o positivismo se exaure em
A criação dessas formulações diversificadas do positivismo não conduzem, seu próprio método. Assim, diz HABERMAS: “Na verdade, o positivismo
porém, à sua superação, apenas indicam sua fragilidade ao lidar com fatos que não toma a certeza do conhecimento como, exclusivamente, albergada em
não correspondem ao seu ideário objetivista e, no fundo, sancionador. fundamentos empíricos; também tão importante quanto a certeza sensível é
Aplicável à concepção do injusto, o positivismo, primeiramente, pro- a certeza metodológica. Enquanto a confiança do conhecimento metafísico
cede à distinção entre o que, na verdade, constitui a infração à norma e o estava fundada, em sua totalidade, na unidade e no contexto do ser, a unidade
que deveria constituí-la, segundo aquelas três perspectivas da legalidade, da do método garante a confiança do conhecimento científico.”48 Ao estribar-se
eficácia e do reconhecimento. HOBBES entende que “(...) as leis devem ser na certeza metodológica, o positivismo exclui desse contexto o sujeito, que
entendidas como as regras que são impostas aos súditos pelo Estado através desempenha apenas uma função produtora de efeitos.49
de palavras, escritos ou outras formas de manifestação de vontade, a fim de 3. O FUNDAMENTALISMO RACIONAL
possibilitar a distinção entre justo e injusto, isto é, o que está conforme ao
direito e o que é antijurídico”.44 Nessa perspectiva, o injusto seria determi- Embora a filosofia aristotélica se tenha afastado dos enunciados a priori
nado por um ato de vontade do poder constituído, cuja experiência estaria para se constituir em uma atividade prática,50 a questão referente à rela-
centralizada na identificação do seu processo de produção. Saliente-se que o ção entre teoria e prática sempre esteve presente no pensamento ocidental.
significado de injusto nada tem a ver com critérios de justiça; indica apenas KANT mesmo a enfrentou de diversas formas, na busca de uma recuperação
o ato contrário à ordem jurídica positiva. GRAY, por seu turno, assinala da razão, pondo-a em evidência para disciplinar, por um lado, teoreticamen-
que injusto resulta de uma decisão judicial, independentemente de que a te os limites do conhecimento e, por outro, para traçar as normas de uma
conduta, concretamente, contrarie ou não uma disposição promulgada pelo vida eticamente correta no âmbito prático. A razão, assim, desempenharia
legislador.45 A experiência jurídica se resumiria na constatação do precedente. dois papéis: como razão pura (ou teórica) prescreveria as leis naturais do
conhecimento; como razão prática, fundaria a origem das leis da liberdade,
Finalmente, JELLINEK condiciona o ato injusto à infração de uma que não se edificavam no ser, mas, sim, no dever-ser. A ideia de leis natu-
norma, cujo reconhecimento e obrigatoriedade, respectivamente, se processem rais, portanto, estava aí presente, como juízos sintéticos a priori, pelos quais
através de outra autoridade e de um poder externo,46 quer dizer, a experiência se poderiam construir as categorias que proporcionariam a delimitação da
está subordinada à verificação de que a aceitação geral tenha que resultar de apreensão dos objetos. As leis naturais estariam, assim, submetidas aos pre-
um ato de autoridade e de poder, que afaste de seu objeto as relações morais de ceitos da razão pura. Diversamente de seus antecessores, como HOBBES
convivência. Nesta última, como nas outras acepções, em especial na primeira, e HUME, que tomavam a liberdade como liberdade de ação, portanto,
a teoria positivista do direito não pode deixar de se desnaturar em uma teoria dependente da experiência ou do mundo empírico, KANT a caracteriza
47. ROSS, Alf. Nota 38, 237.
43. HOERSTER, Norbert. Was ist eine gerechte Gesellschaft, München: Beck, 2013, p. 22. 48. HABERMAS, Jürgen. Erkenntnis und Interesse, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1992, p. 97.
44. HOBBES, Thomas. Leviatan, tradução espanhola, México, 1980, cap. 26. 49. BRINKMANN, Karl. “Physikalischer und juristischer Positivismus: ein Versuch über Einstein und Kel-
45. GRAY, John Chipman. The Nature and Sources of the Law, N. York, 1921, p. 84. sen”, in Philosophia Naturalis, 1986, nº 23, p. 510 e ss.
46. JELLINEK, Georg. Allgemeine Staatslehre, Berlin, 1914, p. 333; assim também, de certa forma, BER- 50. SCHNÄDELBACH, Herbert. Philosophische Grundfragen, in MARTENS/SCHNÄDELBACH (org.),
GBOHM, Karl. Jurisprudenz und Rechtsphilosophie, Leipzig, 1892, volume I, p. 549. Philosophie, volume 1, Hamburg: Reinbek, 1991, p. 57.
40 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – os paradigmas e as leis naturais 41

como liberdade de vontade. Acolhendo-se a liberdade como expressão de Em face de um simples acontecimento irregular do trânsito de veículos, em
um momento subjetivo (vontade) e não de um domínio da causalidade, será que, apesar de não haver ocorrido qualquer dano, se constatou a violação de
possível compreender que a conduta humana, como expressão da liberdade uma norma de circulação – um motorista cruza uma rua em meio ao sinal
de vontade, não poderia estar subordinada às leis naturais, as quais só esta- amarelo de advertência, mas não se produz acidente porque o outro motorista
riam aptas a explicar os objetos da experiência. Em face de se originarem de aciona os freios de seu carro a tempo de evitá-lo – entende NAUCKE que a
uma vontade livre, as condutas humanas só poderiam estar subordinadas a decisão acerca de sua antijuridicidade continua constituindo uma questão de
imperativos morais universais (imperativos categóricos), portanto, estariam suprapositividade, porque não se trata de simples subsunção do fato à norma,
submetidas à razão prática. senão de se determinarem os limites da esfera de liberdade daqueles que se
Aplicável à teoria do injusto, a ideia racional implica que a contrariedade dedicam a participar do trânsito.52 O injusto calca seu fundamento na decisão
ao direito não estaria subordinada a um procedimento gnosiológico de juízos racional suprapositiva e não se identifica, por isso, com a infração à norma,
sintéticos a priori, os quais embasariam, de qualquer forma, uma lei natural resultante da experiência. Essa decisão racional suprapositiva se expressa na re-
do conhecimento, mas sem correspondência com uma lei da liberdade, que lação metafísica que a própria norma apresenta diante dos princípios que regem
regeria as próprias condutas. A compreensão de uma conduta racional, no o entendimento e dos imperativos categóricos. Entretanto, a questão do injusto
plano jurídico, só poderá ser construída a partir do reconhecimento de que seu penal não pode ser tratada, em termos práticos, como tema exclusivo de supra-
autor a tenha produzido por sua vontade livre. O importante, portanto, para positividade, porque isto levaria a confundir preceitos jurídicos com preceitos
a definição do injusto não será, exclusivamente, a causalidade, mas a infração éticos. O fundamentalismo moderno deve enfrentar, assim, a necessidade de
do dever. Por outro lado, a vontade deve ser vista como ato de liberdade e não disciplinar a conduta humana em face de preceitos que possam, objetivamente,
como fenômeno empírico. O ato de liberdade é ato do sujeito, como expressão traçar-lhes os elementos empiricamente apreensíveis. Uma vez que há, como
de sua capacidade racional ou maturidade de superar os condicionamentos consequência da conduta humana, efeitos sociais relevantes, tanto para o sujei-
empíricos. À medida que se sobrepõe aos condicionamentos empíricos, eleva to quanto para os demais, a definição do injusto deve passar por duas etapas.
sua vontade como vontade universal e sedimenta, portanto, o dever universal. A primeira, de verificação de sua legitimidade, que será compreendida, como
Consequentemente, a infração do dever, como fundamento do injusto, tam- faz NAUCKE, de modo limitativo mediante seu confronto com o imperativo
pouco estaria vinculada a preceitos unicamente legais. Tendo em vista que o categórico; só será legítima a norma criminalizadora se puder alcançar um
dever que orienta a conduta é uma expressão de uma vontade universal, sua caráter de universalidade. A segunda, de sua análise diante do direito positivo,
infração será tratada como uma questão de suprapositividade. Isto quer dizer pela qual se deva eliminar de sua definição a defesa da moralidade.
que o poder de punir não se legitima tão só com a ruptura formal dos deveres A ideia da liberdade de vontade, postulada por KANT, foi também aco-
legalmente impostos ou com a violação da proibição positivada, senão pelo lhida por FICHTE e HEGEL. Este último, como KANT, entende o direito
atendimento do processo racional de sua criação. Essa noção kantiana de in- não como dado natural, mas como entidade assentada em uma vontade livre.
justo teve seu desenvolvimento na modernidade até os dias atuais. Com isso, afasta a tese de que a conduta possa ser regida por uma lei natural.
Rigoroso adepto do idealismo kantiano, assim se manifesta NAUCKE: Ademais, diversamente de KANT, quer emprestar à liberdade um significado
“Em relação à questão da legitimação das normas jurídico-penais, a suprapo- positivo ou concreto. Com isso imprime uma correspondência entre direito e
sitividade não concorre com a constituição escrita, senão com a constituição dever, presente em todos os níveis de realização dessa liberdade. A correspon-
verdadeira. Mas a constituição verdadeira é um conceito suprapositivo. A dência entre direito e dever está sempre vinculada a uma vontade livre, que
legitimação das normas jurídico-penais deriva, portanto, dos argumentos su- não é uma vontade puramente individual, mas aquela que corresponde a uma
prapositivos ou de uma suprapositividade constitucionalmente instituída”.51 vontade universal. A relação de correspondência entre vontade livre individual

51. NAUCKE, Wolfgang. “Die Legitimation strafrechtlicher Normen – durch Verfassung oder durch über-
positive Quellen?”, in Aufgeklärte Kriminalpolitik, Frankfurt am Main, 1998, p. 163. 52. NAUCKE, Wolfgang. (Nota 51), p. 168.
42 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – os paradigmas e as leis naturais 43

e vontade universal constitui um princípio básico da razão. O direito, portan- norma jurídica, disso não precisa. Sua objetividade interpessoal se satisfaz com
to, é um direito racional, que se expressa na identidade e não-identidade com a legalidade externa do comportamento, portanto, segundo o modo impera-
o direito natural, que não se confunde com o direito da natureza, mas, sim, tivo da coação jurídica, a qual não precisa e nem se lhe permite conduzir pela
com o próprio conceito ou essência do direito, e com o direito positivo. A moralidade dos princípios.”57
relação dialética, portanto, entre direito natural e direito positivo, na forma de
identidade e não-identidade, sedimenta também a noção de injusto, que não 4. O CONVENCIONALISMO
pode se apartar da noção de infração ao dever. A infração do dever é concebida, Posição de compromisso entre positivismo e racionalismo é assumida
ademais, como obra da vontade do sujeito. Mas o sujeito, aqui, não é uma pela dimensão de tomar as leis naturais como convenção. Nasce esta ideia
pessoa concreta: será aquele capaz de, abstratamente, ser portador de direitos com o empirocriticismo, principalmente com MACH, que, em uma preten-
e deveres. O dever jurídico, por sua vez, como condição de sua racionalidade, dida reação ao positivismo, assenta o projeto de purificação da experiência,
impõe: “seja uma pessoa e respeite os demais como pessoas”.53 A conduta pelo qual lhe quer emprestar um sentido de utilidade econômica. Assim, os
humana não é, assim, uma conduta isolada, está sempre dirigida intersubjeti- conceitos científicos não decorrem da constatação pura e simples de objetos
vamente ao mundo que lhe é acessível, de tal modo que os fatos que produz ou de suas relações necessárias, senão de uma condensação da experiência.
“devam atender aos demais autores em seus planos de ação”.54 Não há, portanto, leis verdadeiras, mas sim, leis mais cômodas que outras,
Modernamente, sob essa perspectiva, mas atendendo também a positivi- enquanto condensem ou reduzam em sua formulação um número maior
dade do direito, KÖHLER quer demonstrar que a norma de proibição não está de fenômenos particulares.58 Embora o empirocriticismo queira superar o
vinculada a um imperativo categórico, mas sim a um imperativo pragmático positivismo, dele não se afasta, porque apenas atribui um grau de subjetivi-
concreto, porque é editada tendo em vista a relação do sujeito em sua vida dade à experiência, que continua valendo como instrumento da descoberta
social e sua dependência a condições empíricas.55 Como a norma, portanto, dos fenômenos e de suas relações.59 A subjetivação da experiência dá lugar à
está assentada na dependência das condições reais da conduta humana, deve criação de conceitos, como forma de condensação dessa mesma experiência.
ser, como tal, positivada. Diz KÖHLER: “O direito é, necessariamente, direito Ao mesmo tempo em que pretende purificar os conceitos, há o compromisso
legal (positivo), à medida que vigora como regra geral para o arbítrio acerca de de se afastar de todos os condicionantes históricos, o que induz à construção
um comportamento exterior objetivo. Positividade do direito significa, assim, de uma teoria acrítica da sociedade.60
sua determinabilidade empírica.”56 Ademais, a redução do injusto a uma ques- O convencionalismo foi incorporado também pelo neokantismo, que
tão positiva pretende eliminar, na sua constituição, qualquer referência moral. se desvia da metafísica e utiliza a razão, não na fundamentação de princípios
O injusto deve ser extraído da relação entre a conduta empírica do sujeito a priori, mas como reflexão acerca de objetos próximos. Com tal posição, o
e a proibição normativa que a disciplina. Explicitando essa fundamentação, neokantismo procura estabelecer um conceito racional dos fenômenos, subs-
afirma KÖHLER que, embora a norma tenha sua validade calcada em uma tituindo a dedução transcendental pela indução reflexiva. Isto conduz, por sua
relação intersubjetiva, essa relação constitui, necessariamente, um momento vez, à superação do apelo metafísico e ao reconhecimento, na Escola de Baden,
de sua positividade, que subtrai da qualidade do injusto a referência a qualquer de duplo grau de compreensão da realidade: inicialmente como constatação, ou
busca subjetiva do bem. Assim, “(...) enquanto a conduta eticamente correta seja, mediante os chamados juízos de realidade e, depois, pela avaliação através
implica a imposição autônoma da consciência correta, a estrutura motivacional dos juízos valorativos. A simples constatação dos fenômenos, embora presente
e a autocoação moral (moralidade), a conduta jurídica, segundo o conceito de
57. KÖHLER, Michael. (Nota 55), p. 13.
53. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Grundlinien der Philosophie des Rechts, Hamburg: Felix Meiner, 58. MACH, Ernst. Erkenntnis und Irrtum, Leipzig, 1905.
1995, p. 52. 59. ZAHAR, Elie. “Positivismus und Konventionalismus”, in Zeitschrift für allgemeine Wissenschaftstheo-
54. QUANTE, Michael. Hegels Begriff der Handlung, Stuttgart: Holzboog, 1993, p. 222. rie 11. 2, 1980, p. 292-301.
55. KÖHLER, Michael. Strafrecht, AT, Berlin-Heidelberg-New York, 1997, p. 11. 60. GONZÁLEZ LÓPEZ, José Luís. “El Problema del concepto natural del mundo en el empirocriticismo:
56. KÖHLER, Michael. (Nota 55), p. 17. análisis de los supuestos histórico-ideológicos,” 1982, p. 82 e ss.
44 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – os paradigmas e as leis naturais 45

no conhecimento científico em geral, não pode prescindir da avaliação, que de uma determinada conduta é a proibição da omissão dessa conduta”.66 O
tem como escopo organizar e dar forma à realidade.61 O conceito, que nasce injusto, por isso mesmo, deve ser compreendido, simultaneamente, como
através de um processo racional indutivo, em face do caso particular que se a violação de uma imposição e de uma proibição, de tal sorte que somente
quer descrever e avaliar, vale, portanto, como condição do real. a avaliação procedida sobre o caso concreto, em face da norma, é que pode
Acolhendo a ideia convencionalista, a teoria do injusto do neokantis- assegurar se se trata de ato comissivo ou omissivo, o que gera a necessidade de
mo pode ser entendida a começar pela concepção kelseniana de norma. A se incluírem os delitos de omissão no mesmo contexto dos delitos comissivos.
norma, diz KELSEN, “(...) é o sentido de um querer, de um ato de vontade, Na mesma sequência se dá o entendimento de MEZGER, que pensa a norma
e – se a norma constitui uma prescrição, um mandamento – é o sentido como vontade jurídica ordenadora da realidade, quer dizer, a norma é tanto
de um ato dirigido à conduta de outrem, de um ato, cujo sentido é que o determinativa como norma de valoração, cujo objeto tanto pode ser a ação
outro (ou outros) deve (ou devem) conduzir-se de determinado modo”.62 quanto a omissão, conforme ou contrária à ordem jurídica.67
Por outro lado, na qualidade de uma prescrição e não de mera descrição, 5. A FILOSOFIA DA EVIDÊNCIA
a norma “(...) não somente pode, pois, ser criada por um ato de vontade,
dirigido conscientemente para a sua produção, como também pelo costume, Com BRENTANO se inicia uma crítica adequada ao racionalismo
ou seja, pode ser produzida pelo fato de que seres humanos costumam con- kantiano e ao empirismo clássico, principalmente com a alteração do con-
duzir-se efetivamente de determinada maneira”.63 Neste aspecto, KELSEN ceito de verdade, que, diferentemente do que se poderia conceber desde
assume uma posição dupla: primeiramente, parte da ideia de que a norma ARISTÓTELES, não tem como referência sua união ou separação do real,
não é mera constatação do que se contém na sua expressão formal, senão quer dizer, como adaequatio intellectus ad rem, porque reconhece que há ciên-
um ato de vontade do legislador, portanto, uma criação, a qual comporta cias, como a matemática ou a geometria, por exemplo, nas quais se dão juízos
evidentemente a consideração de sua finalidade subjetiva; em segundo lugar, verdadeiros sem que lhes corresponda um dado existencial. Assim, careceria
concorda com o positivismo quanto à norma poder ser a conclusão de um de sentido exigir que nesses casos o pensamento se ajustasse à realidade, já
processo de constatação indutiva sobre o modo como se comportam as pes- que a realidade é apenas uma ficção.
soas. Se a norma, além disso, constitui uma prescrição, assume a função de Tratando dos axiomas, que interessam sobremaneira à questão da
imposição de uma conduta, isto é, enquanto a descrição “(...) é o sentido de norma, entende BRENTANO que somente os axiomas e os juízos de percep-
um ato de conhecimento; prescrição, imposição, o sentido de um ato de von- ção interna são evidentes.68 Isto conduz a que se busque, então, uma síntese
tade. Descreve-se algo, como ele é, prescreve-se algo – especialmente uma certa tanto do racionalismo kantiano quanto do empirismo. Empresta ele a este
conduta – , ao exprimir-se como a conduta deve ser”.64 Se a norma, assim, último um sentido de verdade quanto ao fato de que, de sua origem, derivam
é uma imposição de condutas, a proibição de condutas igualmente pode nossas ideias da experiência, mas ressalta que dessa mesma experiência podem
ser considerada como imposição. “A proibição: Não se deve furtar, é igual à surgir juízos evidentes ou apodíticos, isto é, conhecimentos a priori. Esses
imposição: Deve-se omitir furto. Assim, imposição pode ser descrita como juízos apodíticos, entretanto, não são juízos afirmativos sobre o existente ou
proibição”.65 Portanto, pode-se concluir que “Toda proibição de uma deter- o fictício, senão um procedimento através do qual se possa sustentar que
minada conduta é a imposição da omissão dessa conduta, toda imposição alguma coisa é impossível. Assim, os juízos que tomamos como afirmati-
vos são, no fundo, juízos negativos. Juízos afirmativos são, unicamente, os
61. WINDELBAND, Wilhelm. Präludien, Freiburg im Breisgau, 1924; RICKERT, Heinrich. Der Gegens-
tand der Erkenntnis, Tübingen, 1911. 66. KELSEN, Hans. (Nota 62), p. 121.
62. KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas, tradução de José Florentino Duarte, Porto Alegre, 1986, p. 67. MEZGER, Edmund. Tratado de Derecho Penal, tradução de Rodriguez Muñoz, Madrid, 1955, vol. I, p.
3. 288 e 340.
63. KELSEN, Hans. (Nota 62), p. 3. 68. BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, Leipzig, 1933; Idem. Psychologie vom empirischen Stan-
64. KELSEN, Hans. (Nota 62), p. 120. dpunkt, Leipzig, I, 1924; II, 1925; Idem. Die Lehre vom richtigen Urteil, organizado por Mayer-Hille-
65. KELSEN, Hans. (Nota 62), p. 121. brand, Bern, 1956.
46 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – os paradigmas e as leis naturais 47

chamados juízos de percepção interna, que assim o são porque se referem a avaliação, centralizado na função do intérprete. Acolhendo-se a tese de que o
fatos. Mas como podem ser confusos, quando passam a distinguir caracteres objeto dos juízos não são as relações reais, senão o seu intérprete, chega-se a
desses fatos, necessitam de uma interpretação, na qual desempenha papel uma subjetivação do injusto, que irá ter repercussão mais tarde na concepção
essencial a crítica da linguagem. Nesse aspecto, é indispensável a distinção finalista. Quem, no fundo, dá o conteúdo do que é contrário ao direito não
entre os juízos categóricos, que expressam duplo significado (existencial e são os fatos, senão a sua interpretação.
predicativo) e os juízos hipotéticos ou disjuntivos, que nada mais são do
que formas de linguagem. Objetos desses juízos não são, por isso, as leis 6. O NEOPOSITIVISMO DO CÍRCULO DE VIENA
naturais, que não possuem existência real, senão o próprio emissor do juízo. A crítica da linguagem assume um papel mais decisivo na emissão
Portanto, a linguagem que expressa esse juízo está na dependência de que de juízos, a partir das proposições do neopositivismo do Círculo de Viena
sobre ela se possa representar alguém que a interprete corretamente. É que e, especialmente, da filosofia analítica. Apreciando de um modo global o
todos os fenômenos psíquicos, dentre os quais o da interpretação, são atos neopositivismo ou empirismo científico, STEGMÜLLER condensa-lhe os
de representação ou neles se baseiam.69 seguintes princípios: a) os conceitos científicos devem ser conceitos empíri-
Nesse processo de interpretação, o conceito de injusto ou de justo, cos, isto é, fazem depender sua aplicabilidade, em cada caso concreto, dos
no sentido de contrário ou conforme ao direito, não se afasta do conceito dados da observação; b) todos os enunciados devem estar baseados na lógica
de verdade e passa, na sua obtenção, por duas fases definidas. Assim, na pura ou na experiência, não se exigindo, porém, que resultem diretamente de
caracterização do injusto parte-se de que a experiência tem conduzido à uma observação, senão de resultados que tenham a experiência como ponto
conclusão de que determinado comportamento é incorreto, porque implica de referência.70 Neste último caso, inserem-se as hipóteses científicas, que
um desconforto ou uma repulsa. De tal atitude de repulsa ou desconforto somente se distinguem das pseudo-hipóteses pelo fato de que são verificáveis
derivam os juízos de valor, que se tornam juízos evidentes ou apodíticos e, pela experiência, ainda que de modo negativo, isto é, através de um juízo de
por conseguinte, consubstanciam proposições negativas a priori. impossibilidade. Por conseguinte, em rechaço à tese kantiana dos conceitos
sintéticos a priori, que poderiam ser fixados definitivamente sem os recursos
Se o injusto representa um desconforto ou um mal e, pois, um desvalor, da lógica formal e sem a necessidade da observação, o neopositivismo afirma
isto não significa nada acerca da existência real desse mal, senão que aprio- que todos os enunciados científicos devem ser analíticos ou empíricos.71
risticamente é impossível de legitimação, em face de um juízo evidente (de Os enunciados, por si só, não podem, porém, exprimir qualquer conteúdo
valoração) que sobre ele se operou. Se, por outro lado, os juízos da experiência, científico. Para tanto, necessitam de um procedimento de comunicação,
chamados juízos de percepção interna, porque incidem sobre fatos, podem ser por via do qual seus resultados possam ser verificados empiricamente, quer
verdadeiros ou falsos, não comportam fase de transição. Não se pode dizer que dizer, essa verificação se opera mediante a discussão em torno do significado
tal fato é mais verdadeiro ou mais falso do que outro. Tratando-se, porém, de dos símbolos da linguagem que os exprime. O critério da verificabilidade,
axiomas de valor, como ocorre com o conceito de injusto, é possível que neles criado a partir de uma proposta de SCHLICK,72 constitui, então, o elemento
se reconheçam partes diferenciais, distinguidas por atos de preferência. vital para assegurar a veracidade das afirmações. Diversamente, porém, do
Portanto, admite-se que o próprio injusto possa comportar gradações. positivismo tradicional, o critério da verificabilidade não tem por objetivo
Um ato, pois, pode ser mais injusto ou menos injusto (mais contraposto ou respaldar uma teoria da correspondência da verdade, mas sim, unicamente,
menos contraposto à ordem jurídica) do que outro, cujo reconhecimento exigir que as proposições possam ser submetidas ao crivo de sua logicidade
depende de uma opção de valor do legislador. A caracterização do injusto
não depende, assim, das relações reais, senão do resultado do processo de 70. STEGMÜLLER, Wolfgang. (Nota 69), p. 354.
71. STEGMÜLLER, Wolfgang. (Nota 69), p. 355.
69. BRENTANO, Franz. Psychologie vom empirischen Standpunkt, Leipzig, I, 1924; II, 1925, passim; 72. SCHLICK, Moritz. Positivismus und Realismus, in STÖLTZNER, Michael; UEBEL, Thomas (Ed.).
STEGMÜLLER, Wolfgang. Hauptströmungen der Gegenwartsphilosophie, tomo I, 7ª edição, Stutt- Wiener Kreis: Texte zur wissenschaftlichen Weltauffassung von Rudolf Carnap, Otto Neurath, Moritz
gart, 1989, p. 1 e ss. Schlick, Philipp Frank, Hans Hahn, Karl Menger, Edgar Zilsel und Gustav Bergmann, 2009, p. 195 e ss.
48 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – os paradigmas e as leis naturais 49

em face dos objetos que querem explicar. de que não se trata de uma hipótese inteiramente esgotada (teoria de N.
Nesse sentido, podem ser reconhecidos dois modelos de consideração GOODMAN).76 Assim, por exemplo, ao explicar-se o delito continuado,
da linguagem. Um primeiro modelo, representado basicamente por WITT- podemos partir de que a unidade de ação que nele se reconhece é de natureza
GENSTEIN, em sua segunda fase, concentra-se sobre a linguagem cotidiana objetiva, em face de que, pelas observações efetuadas em fatos semelhantes
e procura, dentro desta, aclarar os conceitos.73 No campo do direito, espe- anteriores e o seu reconhecimento pelos tribunais, se repete sempre com as
cialmente, seguem este modelo HART e G. H. VON WRIGHT. O segundo mesmas características. A hipótese de que algumas ações possam constituir,
modelo é proposto por CARNAP, que quer substituir a linguagem cotidiana objetivamente, continuação de outras é, portanto, uma hipótese faticamente
por outro sistema formalizado de linguagem, porque entende que a lingua- projetada, porque a repetição das decisões que a reconhecem, não a torna
gem cotidiana está de tal forma impregnada de incertezas e equívocos que esgotada. Já a afirmação de que essas ações só poderão ser continuação umas
torna inviáveis os procedimentos lógicos e teórico-científicos.74 Tendo em das outras, em face do conteúdo subjetivo que as vincula, não é uma hipótese
vista, ademais, a relevância do emissor da linguagem para a compreensão faticamente projetada, ainda que não seja verdadeira nem falsa. Sua elimi-
da realidade, que leva essa tarefa em consonância com o idioma que lhe é nação não deriva de sua falsidade, mas da contradição em face da primeira
empiricamente conhecido, entende CARNAP que a distinção entre realidade hipótese, que se apresenta mais projetada, ou seja, o conteúdo subjetivo é
e fantasia está na dependência de como se formula o próprio conceito de rea- contraditório em face de uma constituição objetiva da continuidade. Ao
lidade, pois toda proposição sobre o objeto de conhecimento, que constitui afirmar-se, por outro lado, que a primeira hipótese, da continuidade objetiva,
a realidade, é fundamentalmente uma proposição efetuada sobre as conexões é a que deve prevalecer, também será preciso considerar que sobre o próprio
estruturais desse objeto, tomadas sob o ponto de vista lógico. Assim, somente fato, objeto da explicação, se projetava uma lei geral, no caso, a norma legal
com uma linguagem correta poderiam ser traçados os limites da realidade, do crime continuado, que, embora necessitasse de interpretação, admitia
em oposição a critérios metafísicos ou transcendentais.75 desde logo a observação empírica sobre as duas hipóteses. A prevalência de
uma hipótese sobre outra não está aqui associada a qualquer juízo a priori,
Os fenômenos científicos, por sua vez, comportam uma distinção mas é a conclusão de um processo lógico e experimental. Como a lei geral
entre descrição e explicação. A descrição implica normalmente o relatório de tem existência real – a norma do crime continuado, por exemplo – pode-se
percepções e observações e é uma tarefa que se desenvolve sem maiores inda- dizer que ela constitui uma lei natural, embora não uma norma universal.
gações; a explicação, como tarefa mais complexa, implica uma consideração Não há que se confundir, portanto, entre lei natural e norma universal. A lei
que se deve situar em quatro planos: a) o plano inicial de uma lei geral; b) o natural é uma lei de caráter geral que disciplina a atividade e suas relações,
plano complementar empírico da observação ou confirmação indutiva; c) o é, portanto, uma lei positiva; a norma universal prescinde de um reconheci-
plano da dedução lógica; d) o plano da veracidade dos dados antecedentes. mento positivo, é consequência de um procedimento racional.
A noção de lei natural ou geral, portanto, não resulta de um dado pree- A relação entre a existência de uma lei natural e sua condição de não
xistente, senão da necessidade explicativa dos fenômenos, a partir de uma universalidade dá lugar a que a explicação dos fenômenos, por exemplo, da
comprovação empírica anterior. A formulação de uma lei natural está, assim, norma do crime continuado, implique uma relação simbólica, expressa pela
na dependência de que seu enunciado constitua uma hipótese faticamente linguagem. A relação simbólica significa, assim, que, diversamente do que
projetada, isto é, pelos dados da experiência se tenha apoio na afirmação se admitia no antigo positivismo, a formulação científica não é o resultado
73. WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophische Untersuchungen, Frankfurt am Main, 1984; Idem. Phi- direto de uma observação; é sempre uma representação de proposições an-
losophische Bemerkungen, Frankfurt am Main, 1984; LANGE, Ernst Michael . Ludwig Wittgenstein:
Philosophische Untersuchungen, Eine kommentierende Einführung, Paderborn-München-Wien-Züri- teriores e, por isso, com caráter infinito. O injusto, nesse caso, configura-se
ch, 1998, p. 23 e ss.
dentro de um processo. Por exemplo, quanto ao ato de matar, podemos trazer
74. CARNAP, Rudolf. Logische Syntax der Sprache, Wien, 1968; Idem. Der logische Aufbau der Welt,
Hamburg, 1998, p. 200 e ss.; WARAT, Luís Alberto. O Direito e sua Linguagem, Porto Alegre, 1984, p.
37 e ss.
75. CARNAP, Rudolf. Der logische Aufbau der Welt, p. 248 e ss. 76. STEGMÜLLER, Wolfgang. (Nota 69), p. 481/486.
50 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – os paradigmas e as leis naturais 51

à consideração, primeiramente, que se trata de um ato proibido, porque sua vez, uma consideração acerca do processo de sua legitimidade, o qual se
seu reconhecimento como tal vem sendo realizado com frequência pelos pode estender à existência, à validade e ao efeito vinculante da prescrição. Sob
tribunais e pelos comentadores. A hipótese projetada é aqui faticamente o aspecto de existência, a legitimidade não deve ser entendida em função da
comprovada, até porque somente em casos excepcionais se tem reconhecido capacidade moral da autoridade encarregada da formulação da norma, mas da
o contrário, quando o autor age, por exemplo, em legítima defesa. Isto não relação entre o enunciado e o uso que dele se faz na linguagem ordinária. A
quer dizer que o ato de matar seja falso ou verdadeiro, senão apenas que legitimidade, ademais, está vinculada a um sistema hierárquico. “A validade de
é ou não proibido, se, excepcionalmente, não for autorizado. Ademais, a uma norma – diz VON WRIGHT – significa que a norma existe e que, ade-
existência de uma previsão legal acerca de sua punição faz inferir que o seu mais, existe outra norma que tenha permitido à autoridade da primeira norma
reconhecimento como ato proibido poderia ter sido tomado empiricamen- emiti-la”.78 Essa norma de competência, que outorga poder à autoridade para
te. No fundo, portanto, a norma proibitiva não se assenta como norma emitir normas, por sua vez, confere à norma derivada tanto sua validade quanto
universal, porque empiricamente se demonstra que há ocasiões em que a seu efeito vinculante.79 Uma norma se torna, portanto, obrigatória, quando
proibição deixa de ser levada em conta (por exemplo, na legítima defesa). seja válida. Neste sistema, o conceito de injusto depende não apenas da mera
Mas, embora não seja universal, é uma norma natural, que simboliza desde descrição de fatos, mas da validade da prescrição daí decorrente. Assim, o ato
logo a experiência do ato proibido. Os partidários de KANT, que renegam injusto deve ser descrito, primeiramente, no âmbito da linguagem ordinária,
o modelo neopositivista, pretendem encontrar também uma certa relação que é a única forma de exprimi-lo; depois, deve corresponder a uma prescrição
entre o exercício da legítima defesa e um à preservação da liberdade, de válida, à medida que se incorpore no sistema legal de competência. Neste passo,
tal sorte que tanto a proibição quanto a autorização estariam, nesse caso, o sistema se manifesta em três distintos modelos deônticos, que retratam três
subordinadas a uma norma universal.77 A observação, portanto, do ato de modos de formulação, com repercussões na modalidade do injusto: obrigató-
matar, de acordo com a proposta do neopositivismo, segue uma sequência rio, permitido e proibido. Assim, um ato proibido é um ato não permitido, e
metodológica: a verificação da existência de uma lei geral (o ato de matar é um ato é obrigatório se sua omissão não é permitida.80 Convém precisar um
proibido), a comprovação da existência do ato empírico (ocorreu de fato a pouco mais a posição assumida por G. H. VON RIGHT, no tocante à confi-
morte), a dedução lógica (o ato empírico corresponde aquele proibido pela guração desses postulados deontológicos, que foram alterados por ele mesmo,
norma) e, finalmente, a comprovação de que, antes disso, fatos semelhantes posteriormente à sua apresentação inicial.
foram igualmente caracterizados como proibidos. A lógica deôntica, embora tenha em VON WRIGHT um de seus desta-
7. O MODELO DEONTOLÓGICO cados intérpretes, é fruto de uma longa evolução que, como informa DANIEL
GONZÁLES LAGIER, deita suas raízes no silogismo prático de ARISTÓ-
Seguindo seu mestre WITTGENSTEIN, o lógico finlandês G. H. VON TELES e deve seu posterior desenvolvimento à obra de LEIBNIZ, para quem
WRIGHT pretende converter o conceito de injusto em uma questão de de- os enunciados do lícito, como permitido, e do ilícito, como proibido e como
limitação linguística, atendendo à sua funcionalidade. Como os conceitos obrigatório, correspondem, respectivamente, aos conceitos modais (aléticos)
jurídicos, em geral, deixam de se referir a algo, mas derivam do significado que do possível, do impossível e do necessário.81 A lógica deôntica, como ciência
passem a possuir no seu uso comum, não se pode confundir norma, da qual das proposições normativas, nasce, assim, como uma forma de analogia à lógica
deriva fundamentalmente o conceito, e formulação da norma, que resulta de modal clássica, mas em VON WRIGHT adquire os foros de uma ciência da
seu uso. O conceito de norma é anterior à sua formulação, mas a formulação ação, não da ação individual, mas de ações genéricas. Semelhantemente aos
é que lhe dá sentido, porque as regras prescritivas só se tornam possíveis por
meio da linguagem, uma vez que dela dependem para serem tratadas como 78. VON WRIGHT, Georg Henrik. Norma y acción, tradução española de Pedro García Ferrero, Madrid,
1970, p. 200.
regras de comunicação. A distinção entre norma e formulação implica, por 79. GONZÁLES LAGIER, Daniel. Acción y norma en G. H. Von Wright, Madrid, 1995, p. 386.
80. VON WRIGHT, Georg Henrik. “Deontic Logic”, in Logical Studies, London, 1957, p. 58 e ss.
77. ENGLÄNDER, Armin. Grund und Grenzen der Nothilfe, Tübingen: Mohr, 2008, p. 82. 81. GONZÁLES LAGIER, Daniel. (Nota 79), p. 413.
52 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – os paradigmas e as leis naturais 53

enunciados de falso ou verdadeiro, trabalha ele com dois valores possíveis: do quando aplicado às normas penais permissivas. Como leciona NEUMANN,
executado e do não executado. Uma ação constituiria uma função de execução apesar de o sistema penal seguir uma linha deontológica, convive em suas
de outra ação, se dependesse da execução desta última, da mesma forma que normas com um sistema consequencialista, como ocorre, por exemplo, no
uma proposição verdadeira seria uma função de verdade de outra proposi- estado de necessidade exculpante, que não se orienta por valores, mas, sim,
ção verdadeira, se dela dependesse. Com base nesse processo de dependência, por resultados práticos.85 Neste caso, a conduta será desculpada independen-
constrói o sistema deôntico, que se erige sobre uma categoria deôntica primi- temente de ser valorativamente correta ou falsa; será desculpada porque, em
tiva, mas não definida, que é a categoria da permissão. Em consequência, a termos de política criminal, não mais interessa ao sistema penal.
análise dos atos deve corresponder às conexões ou disjunções dessa categoria A representação do injusto sob o contraste entre proibido e permitido
da permissão, quer dizer, do fato de, pelo menos, um dos atos estar permitido dentro de um sistema de regras, é também proposta por HART, para quem,
segue que sua disjunção (alternatividade) estará igualmente permitida, e do fato ademais das normas primárias (que obrigam), devem ser levadas em conta as
de ambos os atos estarem proibidos segue que sua disjunção estará proibida. regras secundárias (que conferem direitos), as quais, por sua vez, se desdobram
Com isso, formula os princípios da distribuição deôntica, da permissão e da nas chamadas regras de reconhecimento, alteração e julgamento. As regras de
contingência. Pelo primeiro princípio, da distribuição deôntica, se um ato é a reconhecimento identificam as características que devem ser associadas às
alternativa (disjunção) de outros dois atos, então a proposição que afirma que regras primárias, de modo a afirmar-lhes o ajustamento ao sistema e, assim,
esta alternativa está permitida será a alternativa da proposição que afirma que merecer o respaldo das respectivas sanções.86 Essas características podem dizer
o primeiro ato está permitido e a proposição que afirma que o segundo ato respeito ao órgão de produção das regras primárias (Parlamento), à sua prá-
está permitido. Pelo segundo princípio, da permissão, todo ato ou é ele mesmo tica consuetudinária ou às suas relações com as decisões judiciais, pelas quais
permitido ou permitida sua negação. Pelo terceiro princípio, da contingência, se confere às regras primárias o sentido de autoridade. Neste último caso,
um ato tautológico não é necessariamente obrigatório, e um ato contraditório as normas de competência funcionam como normas de conduta indiretas,
não é necessariamente proibido.82 dirigidas particularmente aos juízes, aos quais se impõe o dever de aplicar san-
Apesar de fazer derivar o ato injusto, por assim dizer, das diversas re- ções sob certas condições. Por sua parte, as regras de alteração visam a suprir
lações propositivas entre permissão e proibição, VON WRIGHT admite, o regime de qualidade estática das regras primárias, mediante atribuição de
afinal, a existência de uma zona neutra, preenchida com o que denomina de poder a um indivíduo ou grupo de indivíduos (por exemplo, nas relações
normas de definição, que não possuem uma relação de dependência direta com contratuais) ou a determinado órgão político (Parlamento) para eliminar
a categoria básica da permissão, o que possibilita, por isso, a constituição de as regras antigas ou instituir novas regras de conduta, bem como para gerar
uma categoria semelhante àquela das regras de reconhecimento de HART.83 novas situações de direito e obrigações. Finalmente, as regras de julgamento
Por outro lado, admite que as próprias categorias da permissão e da possibilitam que se profiram determinações dotadas de autoridade sobre a
proibição podem ser questionadas, em vista da verdade ou da falsidade das questão concreta de violação das regras primárias e, bem assim, a eliminação
normas, desde que estas se ponham em uma relação de derivação ou depen- da vingança privada e a instituição de exclusividade das sanções oficiais. No
dência de algum conjunto de fins.84 Neste sentido, a questão da legitimidade interior de qualquer dessas normas, subsistem tanto regras de proibição ou
das normas não se resume, apenas, à afirmação de sua existência e validade, de permissão, como ainda regras de definição, que não implicam diretamente
mas sim, também, à sua correspondência a um sistema de valores. uma conduta, mas podem vir associadas a uma declaração de nulidade, que
exerceria a função de controle e de afirmação de sua validade.
O sistema deontológico tem sido objeto de críticas, principalmente
Todavia, HART não se satisfaz com o sistema de regras secundárias
82. VON WRIGHT, Georg Henrik. (Nota 78), p. 386 e ss.
83. GONZÁLES LAGIER, Daniel. (Nota 79), p. 384. 85. NEUMANN, Ulfrid. Die Moral des Rechts. Deontologische und konsequentialistische Argumentatio-
84. VON WRIGHT, Georg Henrik. Un ensayo de lógica deóntica y la teoría general de la acción, tradução nen in Recht und Moral. Jahrbuch für Recht und Ethik, vol. 2, 1994.
castelhana de Ernesto Garzón Valdés, México, 1976, p. 85. 86. HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito, tradução de A. Ribeiro Mendes, Lisboa, 1999, p. 104 e ss.
54 TEORIA DO INJUSTO PENAL

de reconhecimento, alteração e julgamento para ajustar a norma proibitiva


ou impositiva ao caso concreto e, assim, fazer derivar a decisão acerca do
injusto. Para ele, deve ser levado em conta, ainda, o caráter funcional da
CAPÍTULO 3
norma jurídica como meio de controle social, de modo que, nas zonas
obscuras das normas jurídicas que irão ser interpretadas e ajustadas ao caso OS PARADIGMAS DA LINGUAGEM
em julgamento, se utilize como suplemento a referência a metas sociais de
caráter político, que vinculam a decisão. No caso concreto, pode o juiz,
portanto, usar de analogia e, diante da inexistência de regra, criar a própria 1. O SENTIDO DA LINGUAGEM
norma. Nesse aspecto, o conceito de injusto não é unicamente resultado de O objetivo do positivismo lógico era o de estabelecer uma lingua-
um processo de cognição motivado pelas regras de reconhecimento, mas gem específica para as ciências, a partir de conceitos mínimos, organizados
de produção judicial.87 sistematicamente. Isto conduz à fixação de axiomas, dos quais, median-
A metodologia proposta pelas correntes positivistas não foi capaz de te um processo dedutivo, se podem obter todos os demais enunciados.88
conferir à discussão em torno dos fundamentos do injusto um significado Este procedimento entrou em choque, em primeiro lugar, com o postu-
mais preciso, principalmente em face das expressões linguísticas que o lado assentado por WITTGENSTEIN, em sua segunda fase, para quem
condicionam, as quais não podem ser reduzidas a meras especulações da a linguagem científica não precisa afastar-se da linguagem natural, cujas
experiência ou da ciência pura do direito, traduzida em análise de simples deficiências resultam de sua reconstrução filosófica. Assim, a solução para
normatividade. A influência que a argumentação jurídica recebe das análi- os problemas dessa forma de linguagem poderia ser obtida mediante um
ses da linguagem na interpretação de textos concede ao intérprete um papel processo de compreensão de como essa linguagem é empregada, corrigin-
fundamental na identificação do objeto. Como a elevação das condições do do-se erros de sua interpretação. Está claro também que, muito antes da
intérprete pode fluir no sentido de uma subjetivação desmedida da análise mudança de orientação, de uma linguagem científica para uma linguagem
do texto, também se formam correntes que buscam reanimar preceitos ordinária, WITTGENSTEIN já anunciava sua perplexidade diante da pre-
racionais: primeiramente, mediante critérios de falseabilidade; depois, em tensa unidade da ciência neopositivista quando se tratasse de explicar o ser
face de princípios integradores da ordem jurídica. Da mesma forma, a humano e suas relações.89 Em segundo lugar, o método de reduzir toda a
recuperação dos instrumentos procedimentais propostos por KANT na investigação científica a modelos matemáticos foi sendo posto à prova na
aquisição do conhecimento dos objetos cria as condições para que se possa própria formulação científica, na qual se passou a dispor de outras expli-
atender aos requisitos de fazer da investigação jurídica uma tarefa científica. cações para os fenômenos. SCHRÖDINGER, por exemplo, encontra o
Os critérios procedimentais, por seu turno, vão se estender desde o fun- fundamento da própria vida no princípio da inversão da entropia.90
cionalismo até a moderna teoria do discurso, pela qual se poderá, então, No setor jurídico, o uso da linguagem ordinária está associado, também,
traçar os paradigmas de um conceito crítico de injusto. ao esclarecimento do sentido léxico de seus termos, com base no que se de-
nomina de definição de domínios.91 As palavras devem ser compreendidas
segundo seu uso contextual, o que leva à redefinição de seus termos, de modo
a permitir uma determinação axiológica. A referência, assim, à necessidade
de uma formulação axiológica não pode se compatibilizar com um método

88. WARAT, Luís Alberto. (Nota 74), p. 60 e 61.


89. LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social I, tradução de Carlos Nelson Coutinho, Mario
Duayer e Nélio Schneider, São Paulo: Boitempo, 2012, p. 74 e ss.
90. LUKÁCS, György. (Nota 89), p. 72.
87. HART, Herbert L. A. (Nota 86), p. 336. 91. WARAT, Luís Alberto. (Nota 74), p. 79.
56 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – os paradigmas da linguagem 57

puramente matemático. Mesmo CARNAP, ainda que fiel à unidade mate- natural assinala como elemento essencial ao objeto descrito. Assim, se a
mática, irá dizer que cada ciência terá a seu dispor termos que se adaptem norma indica que tal fato, para caracterizar determinado efeito, só pode
melhor ao respectivo contexto.92 ser praticado de noite, como ocorre com a agravação do furto executado
Essa determinação axiológica pode se dar direta ou indiretamente. O durante o repouso noturno (art. 155, § 1º), a reinterpretação não pode
primeiro caso é representado pelas hipóteses de incerteza ou vacuidade legal, justificar o efeito agravante apenas por meio de uma alteração de sentido
em que caberá redefinir as palavras da lei no sentido de esclarecer seu signi- da circunstância do repouso. Neste caso, o injusto do delito agravado está
ficado ou sentido. O segundo caso ocorre quando se empregam argumentos comprometido com a circunstância decorrente da obscuridade da noite
puramente retóricos, orientados para proporcionar uma alteração no próprio e não apenas em face do repouso. Ambas as circunstâncias compõem a
sentido que se quer emprestar à lei. essência da agravação e condicionam o sentido da linguagem.

A redefinição indireta, portanto, significa, não propriamente uma in- 2. A SOLUÇÃO DA HERMENÊUTICA
terpretação das palavras da lei, senão uma reformulação de conteúdo. Isto A questão da redefinição indireta das palavras da lei, que implica,
implica uma profunda alteração dos métodos tradicionais de interpretação, por seu turno, uma reformulação de seu conteúdo e, portanto, uma alte-
que desde SAVIGNY estiveram baseados em critérios formais definidos, ração dos métodos interpretativos tradicionais vai proporcionar, por meio
como gramatical, histórico, lógico e sistemático.93 do aperfeiçoamento da investigação da linguagem, o aparecimento de uma
A alteração de conteúdo não se resume a uma questão retórica, mas hermenêutica filosófica, que não se limita a traçar técnicas de interpretação
pode ser sentida com exaustão na prática judiciária. Veja-se, por exemplo, a da linguagem para alcançar os conceitos, senão técnicas de compreensão.96
significativa alteração que se processou na jurisprudência brasileira no con- Esta orientação parece assentar-se originariamente na obra de
teúdo de injusto do fato da emissão de cheques sem a suficiente provisão SCHLEIERMACHER que, procurando fundamentar a unidade entre
de fundos (art. 171, § 2º, VI). Inicialmente, em face dos termos expres- o conteúdo pré-existente de um objeto e a sua forma derivada da inter-
sivos da ação de emitir, considerava-se que o delito se configurava desde pretação do sujeito,97 tratou das questões hermenêuticas a partir de dois
logo com a entrega do cheque ao tomador.94 Mais tarde, valendo-se da planos: primeiramente, tomando o texto como objeto linguístico; depois,
definição contida na rubrica lateral (nomen juris), que não integra a norma como objeto de reconstrução sob a perspectiva do autor.98 Diz expressamen-
proibitiva, emprestou-se-lhe outro significado, passando-se a caracterizar o te SCHLEIERMACHER que, como todo discurso possui duas relações,
delito como consumado somente no momento da recusa do pagamento do uma, sobre a totalidade do idioma e outra, sobre o total pensamento de
cheque por parte do banco sacado,95 porque o fato estaria consubstanciado seu emissor, também o entendimento se constitui de dois momentos: um,
no ato de fraudar e não, simplesmente, no de emitir. O jogo semântico de compreender o discurso como decorrente de um idioma e, outro, como
que aqui se desenvolve não se limita a seguir regras puramente formais de fato do pensador.99 Contudo, a aproximação a um certo discurso só pode
identificação do conteúdo da norma proibitiva, senão de ajustá-la a um sis- ser determinada a partir do autor e de seu setor linguístico comum ao seu
tema de valores compreendido nos delitos patrimoniais fraudulentos. Claro público originário.100 Neste caso, deve-se elucidar que o setor linguístico do
está que essa alteração de conteúdo da norma, por meio de uma reinter- autor é o mesmo de seu tempo, de sua formação e de seu negócio, mas isso
pretação da linguagem, tem também seus limites naquilo que a linguagem não estará presente totalmente em cada discurso, senão de conformidade com
92. CARNAP, Rudolf. Logical foundations of the unity of science. The MIT Press, Cambridge, Mass, USA, 96. SCHROTH, Ulrich. “Philosophische und juristische Hermeneutik”, in Einführung in Rechtsphilosophie
1991, p. 59. und Rechtstheorie der Gegenwart, 6ª edição, Heidelberg, 1994, p. 344 e ss.
93. SAVIGNY, Friedrich Carl von. System des heutigen römischen Rechts, Berlin, 1840, Vol. I, p. 222 e ss.; 97. ASTER, Ernst von. Geschichte der Philosophie, 18ª. edição revista e ampliada por Ekkehard Martens,
ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico, tradução de J. Baptista Machado, Lisboa, 1988, Stuttgart, 1998, p. 318.
p. 75 et seq. 98. SCHROTH, Ulrich. Theorie und Praxis subjektiver Auslegung im Strafrecht, Berlin, 1983, p. 23 e ss.
94. TJSP in RJTSP 7/556; TACRIMSP in RT 34/351. 99. SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermeutik und Kritik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999, p. 77.
95. TJSP in RJTJSP 7/560; TACRIMSP in RT 421/242; TACRIMSP in RT 440/402 100. SCHLEIERMACHER, F. D. E. (Nota 99), p. 101.
58 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – os paradigmas da linguagem 59

os critérios do leitor, que irão determinar o pensamento do autor segundo realidade que se formaliza na norma, mas, sim, como resultados funcionais
uma visão geral de todo o escrito. Como o leitor deve estar consciente acerca de um processo de compreensão da própria norma, não importa se obtidos
do setor linguístico em oposição às partes orgânicas do discurso, resulta que por força de um intérprete individual ou de um representante social. Convém
ele pode compreender melhor o autor do que este mesmo, porque, muitas esclarecer, ainda, que a vinculação da compreensão dos signos linguísticos ao
vezes, o autor não terá consciência daquilo que o leitor deve ter, em parte sujeito histórico não faz dele o elemento essencial da interpretação. Elemento
na primeira visão geral, em parte individualmente quando ocorram dificul- essencial da interpretação continua a ser o objeto linguístico. A questão do
dades de compreensão.101 A inserção do autor individual na concepção de intérprete assume aqui papel secundário diante do objeto linguístico que o
SCHLEIERMACHER leva a considerar a interpretação igualmente como condiciona. De qualquer modo, a posição de DILTHEY se afasta, assim, do
uma tarefa infinita, raciocínio este retomado por DILTHEY, que a situa positivismo lógico de SCHLICK, que vê a norma como reprodução de um
como um processo de compreensão psicológica, brotada da própria vivência fato da realidade, isto é, como um fato do ser, de tal modo a motivar que a
em relação a uma ação humana, concebida como unidade havida por certos interpretação se dirija ao conhecimento ou à descoberta da realidade, jamais
motivos, sentimentos, teologia, consideração dos meios e decisões. Por outro à sua criação. Para DILTHEY, a interpretação é que dá sentido à realidade,
lado, se a interpretação está vinculada à própria vida, esta só pode ser co- que é construída a partir dos conceitos que sobre ela são emitidos, com base
nhecida mediante aproximações baseadas em pontos de partida nos quais se na sua compreensão histórica.105
expressa o decorrer do tempo. Seus elementos não constituem uma sucessão As ideias de DILTHEY vão influenciar GADAMER, que as toma como
de fatos isolados, dos quais se sabe, por experiência, que uns estão conectados modelo, no sentido de que a interpretação vem sempre associada a um con-
necessariamente a outros, mas um todo, cuja compreensão se torna possível texto vital e só se torna possível à medida que o intérprete a realize tomando
apenas em função do autor, que a conduz psicologicamente.102 Com isso, por base uma pré-compreensão desse contexto, conceito este que empresta de
se descarta do processo de compreensão o modelo causal, que tem por base HEIDEGGER.106 Diz neste sentido GADAMER: “Remetemo-nos, assim,
a relação material ou lógica entre objetos singulares, para substituí-lo pelo mais uma vez à descrição do círculo hermenêutico de HEIDEGGER, a fim
sentido dado à interpretação do todo. Apesar disso, não há uma única inter- de tornar proveitoso para nossa tarefa o novo significado fundamental que
pretação ou compreensão verdadeira do texto, que equivaleria a uma única ele aqui adquire. HEIDEGGER escreve: “O círculo não deve ser vicioso,
verdade; igualmente não há um número indefinido de concepções; o que há é ainda que paciente, degradado. Nele se oculta uma positiva possibilidade de
um número determinado de possibilidades de ver o texto, dentro das quais se reconhecimento originário, que, certamente, só pode ser alcançado correta-
acharia situado o homem e a quem caberia escolher, segundo a compreensão mente, se a interpretação compreender que sua constante, primeira e última
que delas faz, as que correspondem à sua vivência. O autor em DILTHEY, tarefa não se deixa afirmar, respectivamente, quanto a propósito, atenção e
contudo, não é o autor individual, é o autor produzido pela história, sua antecipação por pensamentos e conceitos vulgares, senão garantir o tema
vivência não é a vivência de um indivíduo, mas a vivência da sociedade.103 científico no aperfeiçoamento da própria coisa”.107
O sujeito se insere, assim, no contexto dos signos que a sociedade es- Antes de analisar a postura hermenêutica de GADAMER, convém
tabelece por tradição e dos quais resulta a interpretação como processo, cujo explicitar, rapidamente, que na teoria do conhecimento de HEIDEGGER o
conteúdo não pode mais ser visto como um problema teórico-científico, objeto é visto como uma condição de atos práticos, quer dizer, toda coisa só
senão na forma de sua funcionalidade.104 Quer dizer, então, que os conceitos pode ser apreendida como uma coisa para mim, pela maneira como me com-
científicos no direito não devem ser tomados como constatação de uma porto com ela. Também as categorias de espaço e tempo devem ser tomadas,
101. SCHLEIERMACHER, F. D. E. (Nota 99), p. 104.
102. DILTHEY, Wilhelm. Der Aufbau der geschichtlichen Welt in den Geisteswissenschaften. Vol. 7. Göttin- 105. SCHLICK, Moritz. Fragen der Ethik, in Schriften zur wissenschaftlichen Weltauffassung, Wien, 1930,
gen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1992, p. 236 e ss. nova edição, Frankfurt: Suhrkamp, 1994, p. 13 e ss.
103. ASTER, Ernst von. (Nota 97), p. 71 e ss. 106. GADAMER, Hans-Georg. Hermeneutik I, Wahrheit und Methode, Tübingen, 1990, p. 270 et seq.
104. SCHROTH, Ulrich. (Nota 96), p. 345. 107. GADAMER, Hans-Georg. (Nota 106), p. 270-271.
60 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – os paradigmas da linguagem 61

independentemente de sua consideração empírica ou dos descobrimentos a imagem de uma interpretação independente, que pode até ser desejável,
da física, como circunstâncias que separam as coisas de mim. O espaço se mas que jamais passará de uma imagem. Em segundo lugar, quer evitar um
constitui na distância das coisas entre si e de mim; o tempo, pela diferente subjetivismo relativo, que decorre de se entender o texto por si mesmo, que
relação comigo, em face de meu obrar. Ao ser das coisas denominamos de poderia dar lugar a uma interpretação puramente arbitrária de cada um. Um
“estar aí” (Vorhandensein). Este “estar aí” quer significar, primariamente, texto só poderia ser tomado como tal, à medida que se incluísse em um espec-
“estar à mão” (Zuhandensein). O “estar aí” constitui, no fundo, um “estar à tro de interpretações possíveis, situadas no passado, no presente e no futuro
mão” em potencial, subordinado ao homem, que é o utilizador do mundo. e às quais viesse a se referir. Essas referências dizem respeito, por seu turno,
O mundo é, pois, circunstância humana. Não se pode, ademais, proceder-se à sua experiência no âmbito de um horizonte vital, como, por exemplo, os
à diferenciação entre homem e ser; o homem deve ser compreendido como o espaços de atuação significativa ou os questionamentos do mundo no qual é
próprio ser, mas um “ser no mundo”, o ente (Dasein). O ente está, assim, no empregado e que correspondem aos acontecimentos da verdade da interpre-
centro desse mundo que “está aí”. Estando no centro do mundo, o homem tação. Fora dessa experiência, traduzida na forma de sua pré-compreensão,
não é uma consciência abstrata, mas um indivíduo histórico, configurado entende ser indevido falar-se de um texto em si mesmo. A pré-compreensão,
por suas experiências pessoais e as de sua época. Não existe um homem abs- portanto, seria uma condição de verdade da interpretação e, por isso, seu
traído das particularidades do homem histórico. O ente (Dasein) é pensado, método correto. Entretanto, a utilização da pré-compreensão não constitui,
assim, dentro da existência humana, conforme suas determinadas circuns- propriamente, um critério de interpretação, senão uma mera hipótese, a qual
tâncias vitais, um lugar determinado, sua determinada origem e história, que deve o intérprete refundir em face do aperfeiçoamento do próprio texto. Isto
o indivíduo não pode, por ele mesmo, escolher”.108 O conhecer, portanto, quer dizer que, se a interpretação do texto alcançar positivamente seu objeti-
como ato do homem histórico, é um obrar, cuja identidade deriva de uma vo, a conclusão daí decorrente (por exemplo, se mediante a análise da norma
multiplicidade de outros conhecimentos ou significações, inseridos na sua que define o crime continuado se concluir que sua configuração prescinde
vivência, sendo, assim, uma identidade dotada de sentido. Conhecer esta da finalidade do agente) se incorpora aos elementos da pré-compreensão,
identidade é dar-lhe sentido, conforme essa vivência.109 os quais se encontram, então, preparados para serem aplicados em face de
O método de GADAMER consiste, portanto, em fazer incidir sobre outros sucedâneos futuros. Se, ao contrário, a interpretação do texto não der
o texto uma pré-compreensão com vistas a dele retirar algo, um conceito, qualquer resultado positivo, conforme os elementos da pré-compreensão
de tal modo que o texto modificado por este conceito se torne distinto do que dele se tinham, esta deficiência irá forçar a que se passe a modificar essa
texto escrito ou originário e, ao cabo desse processo, passe a modificar as própria pré-compreensão, de forma a ajustá-la a esse novo sucedâneo. Como
próprias concepções do intérprete. O objetivo da interpretação será unir diz BALZER, o método se reproduz, aqui, ciclicamente: pré-compreensão
dois mundos, que sempre atuam no processo de compreensão do texto: o ® interpretação ® pré-compreensão modificada ® reiteração.110 A conotação
mundo da experiência em que o texto foi escrito e o mundo da experiência positivista que poderia despertar a ideia de que o texto condiciona o intér-
do próprio intérprete. Nesse ponto coincide com DILTHEY, que trabalha o prete desaparece por completo, em face da alteração que se processa em sua
intérprete a partir de sua vivência. Mas a questão principal está em separar interpretação, quando se pretende inserir no texto um certo sentido, desde
a errônea pré-compreensão da correta compreensão, com a qual se passa logo pré-configurado e, depois, reiterado mediante outra pré-configuração.111
a entender e a atualizar o texto. Com isso, pretende GADAMER se opor, Vê-se, então, que seguindo a velha escola de SCHLEIERMACHER, o pro-
primeiramente, à ideia de que o texto possua por si mesmo um significado, cesso de interpretação é infinito.
independente de cada intérprete, pois neste caso o que se obtém é apenas
110. BALZER, Wolfgang. Die Wissenschaft und ihre Methode, Freiburg-München, 1997, p. 296.
111. Adotando as posições de GADAMER no Brasil, STRECK, Lenio Luiz (A Hermenêutica Jurídica e(m)
108. GESSMANN, Martin. Philosophisches Wörterbuch, Stuttgart: Kröner, 2009, p. 301. Crise, Porto Alegre, 1999, p. 168 e ss.) faz nitidamente a distinção entre a simples e tradicional interpre-
109. ASTER, Ernst von. (Nota 97), p. 202 e ss., 396; STÖRIG, Hans Joachin. Kleine Weltgeschichte der tação, caracterizada por pura operação técnica, e a hermenêutica filosófica, à qual atribui de certo modo
Philosophie, Frankfurt am Main, 1999, p. 683 e ss. uma operação de dar sentido à norma e, assim, às dimensões do sujeito.
62 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – os paradigmas da linguagem 63

Entende-se, assim, que a noção de injusto não pode ser extraída uni- pré-compreensão que se tem do texto não corresponde a um dado real, mas
camente da lei, senão de um processo que se desenvolve da coordenação de sim a elementos construídos pelo próprio intérprete em sua experiência. Essa
sentido entre norma e fato. A interpretação da norma, da qual, portanto, se forma de compreensão do texto está, assim, aberta a todos os propósitos,
poderiam extrair os limites do lícito e do ilícito, cede lugar, neste caso, a um pois carente de um conceito preciso e determinado. O paradigma aqui não
processo de criação do próprio ato ilícito, mediante a atribuição de signifi- é mais a delimitação legal, podendo o injusto resultar de um atuar prático
cado ao conteúdo desse ato, sob a perspectiva de um significante adicionado ou de uma criação, fortalecendo-se em seu momento simbólico, já que abs-
ao texto legal. Esse processo de adição nem sempre é fácil de ser entendido, traído de leis naturais. A crítica que se faz ao projeto hermenêutico reside,
porque depende, em última análise, do significado que se atribui ao texto praticamente, no fato de que, embora esse projeto busque uma superação da
na sua globalidade e não a uma de suas partes exclusivas. Mais complicado proposta positivista, mediante uma explicação lógica a partir da vivência do
será o processo quando aplicado à resolução de um caso concreto. Assim, intérprete e não apenas da sua relação com o objeto investigado, é insuficien-
usando-se um exemplo de ARTHUR KAUFMANN, se alguém joga no te para indicar como esse sistema foi construído, ou seja, quais paradigmas
rosto de outrem ácido sulfúrico e em seguida lhe subtrai a carteira, tem-se influenciaram, concretamente, a pré-compreensão dos dados, como foram
o problema jurídico de determinar se este roubo foi ou não praticado com superadas as contradições reais existentes no mundo, conforme a postura do
o emprego de arma, o que o tornaria um delito mais grave. Entretanto, próprio sujeito e de outros intérpretes, quais os resultados da comparação
para se chegar a formular esta questão jurídica, se necessita, mediante uma entre as diversas vivências, por que deva prevalecer a vivência, a compreensão
pré-compreensão que se tem do fato e da norma que o regula, saber se tal do – e o sentido atribuído pelo – intérprete, se sua compreensão pode ser
conduta constitui efetivamente um roubo ou uma tentativa de homicídio.112 purificada diante de condições adversas de aquisição e como seria possível
A questão da identificação do delito perpassa, então, por sobre a descrição sua desconstrução em face de outros projetos.113
normativa e adquire seu significado a partir da própria intenção do autor,
que será esclarecida pelo mesmo ciclo hermenêutico. Observe-se, porém, 3. A LINGUÍSTICA ESTRUTURAL
que a identificação da intenção do autor, procedida pelo intérprete, não é Pode-se, também, considerar que o momento simbólico da interpre-
alcançada simplesmente por um ato aleatório, mas sim pela análise do con- tação do injusto está intimamente ligado à teoria dos signos ou à chamada
texto e das características do próprio instrumento de agressão. Há em todos linguística estrutural, desenvolvida por SAUSSURE, que concebe a lin-
uma pré-compreensão de que o ácido sulfúrico causa danos irreversíveis em guagem não apenas como uma soma de caracteres, que seriam meramente
material orgânico como é o corpo de uma pessoa. Essa pré-compreensão irá constatáveis em suas relações, senão em face de um sistema ou estrutura
sugerir, então, que a interpretação do fato não se limite apenas ao enunciado global, em que estariam situados e que os poderia explicar.114 Inicialmente,
do crime de roubo praticado com arma, senão a outro conteúdo de injusto, SAUSSURE busca estabelecer uma distinção entre língua e fala, que se
precisamente, ao da tentativa de homicídio. unem em um processo dialético: enquanto a língua se afirma como uma
A configuração do tipo de injusto não pode aqui ser afirmada simples- instituição e um sistema de valores, que não pode ser criado nem modi-
mente pela comparação entre o fato e a norma, porque ambos pertencem a ficado pelo indivíduo, a fala é um ato individual de seleção e atualização.
categorias distintas: um, ao ser e a outra, ao dever ser. É necessário, assim, Os aspectos institucionais e o sistema de valores estão indissoluvelmente
que a norma e o fato sejam enriquecidos pela compreensão do texto realizada ligados, de modo a fazer com que a língua resista às modificações indivi-
pelo intérprete, que lhe imprime o sentido que quer conferir ao processo de duais e se afirme como um acordo social ao qual todos estão submetidos,
subsunção. Este sentido tanto pode ser dado pela perspectiva de lesão ou se quiserem se comunicar.115
de perigo ao bem jurídico, quanto de qualquer outro fundamento, já que a 113. CAPUTO, John D. Radical hermeneutics: Repetition, deconstruction, and the hermeneutic Project,
Indiana University Press, 1988, p. 108 e ss.
114. SAUSSURE, Ferdinand. Grundfragen der allgemeinen Sprachwissenschaft, Berlin, 1967.
112. KAUFMANN Arthur. Grundprobleme der Rechtsphilosophie, München: Beck 1994, p.74. 115. BARTHES, Roland. Elementos de semiótica, 16ª edição, São Paulo, 2006, p. 17 e ss.
64 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – os paradigmas da linguagem 65

Nessa estrutura poderiam ser construídas duas ordens de elementos: as possa servir de elemento de ligação entre o normativo e o empírico, sob a
relações sintagmáticas e as relações associativas.116 Essas duas ordens de fato- perspectiva tanto do emissor da norma quanto de seus destinatários. Com
res podem explicar como se processam as noções jurídicas de lícito e ilícito. isso se possibilita uma integração entre os símbolos, caracterizados na lei, e
Geralmente, a interpretação jurídica do injusto se esgota na sua pró- a capacidade de compreensão individual,118 que nem sempre está reduzida
pria textualidade. Por exemplo, para se configurar o momento exato do a uma simples percepção, mas que se orienta por metáforas e metonímias,
início de execução do crime de furto (art. 155 ) se constrói o injusto a partir conforme seu uso concreto.119
das relações entre as palavras subtrair e coisa alheia móvel, em que a subtra- 4. A RETÓRICA DA DISCUSSÃO
ção resulta compreendida como um ato vinculado à posse ou à propriedade
de um objeto móvel. Essa relação sintagmática, contudo, não poderia Opondo-se à busca de paradigmas de certeza quanto aos enunciados,
esclarecer acerca de como se poderia concluir que, dessa modalidade de principalmente quanto à teoria das evidências ou à teoria das estruturas,
vinculação, se processaria um ato injusto. Para tanto, seria indispensável desenvolve-se a retórica da discussão ou do caso prático, que busca funda-
que se fizesse uma referência ao bem jurídico supostamente protegido ou mentar o entendimento argumentativo a partir da situação problemática que
lesado – no caso, o patrimônio – mediante um recurso sistemático, quer se pretende resolver.
dizer, valendo-se de uma relação associativa ao conjunto de outros elemen- Mediante um retorno à concepção aristotélica de retórica, fundada nos
tos que não derivam imediatamente do enunciado linguístico. O crime, entimemas, quer dizer, nos silogismos que se constroem sobre afirmações
por isso, consumar-se-ia com a ocorrência da violação patrimonial e não de verossimilhança e não sobre verdades, pretende-se com PERELMAN,
apenas com o deslocamento da coisa. COING e, principalmente, com VIEHWEG revitalizar uma concepção
Normalmente, na configuração do injusto, bastariam apenas as con- jusnaturalista de dogmática jurídica.120 Ainda que apresentem diferenças
siderações sintagmáticas, que representam simbolicamente o enunciado quanto à importância que assinalam ao método lógico, coincidem todos
da norma proibitiva. Essa forma de interpretação é comum na ciência amplamente em que se deve distinguir a dogmática jurídica do pensamento
jurídica e induz a ideia de que a determinação da ilicitude é decorrência lógico-dedutivo.
de ato formal. Ocorre, porém, que a par dessas relações sintagmáticas, o PERELMAN, especificamente, concorda com VIEWEG em consi-
intérprete faz uso, como vimos no caso do furto, de recursos associativos, derar ser impossível obter um juízo axiológico ou uma representação de
que se apoiam em determinados agrupamentos prefixados. Com isso, o valor da ordem jurídica unicamente mediante o emprego de uma lógica
injusto poderia ser enunciado não através de uma interpretação textuali- formal. Como seria impossível alcançar um conceito de justiça, daí decor-
zada, senão por um processo associativo, desde logo comprometido com a rente, entende possível e necessário formular os fundamentos para juízos de
estrutura da ordem jurídica. valor e submetê-los ao assentimento. Assim, os fundamentos de um juízo
Uma vez vinculado à estrutura da ordem jurídica, na qual o sujeito de valor constituem uma questão a ser resolvida mediante um assentimento
desempenha um papel central, a analise do injusto sugere ainda uma revisão linguístico e, portanto, pela retórica. Para tanto desenvolve uma teoria da
da diferença entre língua e fala, tal como proposto pela corrente estrutura- argumentação baseada nos elementos clássicos da retórica, ou seja, na relação
lista funcional.117 A consideração dos elementos individuais na comunicação entre o falante, o auditório e o discurso, na qual este último deve ser levado
conduz, também, a compreender o injusto dentro de uma linguagem que em conta como o elemento decisivo. Justamente nesse discurso é que devem
ser buscados os critérios para determinar a qualidade da argumentação. Estes
116. SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral, tradução de Antonio Chelini, José Paulo Paues e
Izidoro Blikstein, S. Paulo, 1973, p. 126 et seq.; WARAT, Luís Alberto . O Direito e a sua Linguagem, 118. JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação, São Paulo, 2008, p. 17 e ss.
Porto Alegre, 1984, p. 31. 119. MARTELOTTA, Mário Eduardo/ AREAS, Eduardo Kenedy. (Nota 117), p. 22.
117. MARTELOTTA, Mário Eduardo; AREAS, Eduardo Kenedy. A visão funcionalista da linguagem no 120. PERELMAN, Chaïm. La Nouvelle Rhétorique. Traité de L´Argumentation, Paris, 1958; COING, Hel-
século XX, in FURTADO DA CUNHA/OLIVEIRA/MARTELOTTA, (orgs.). Lingüística funcional: mut. Grundzüge der Rechtsphilosophie, Berlin, 1950; VIEHWEG, Theodor. Topik und Jurisprudenz,
teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 18 e ss. München, 1974.
66 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – os paradigmas da linguagem 67

critérios, porém, não são julgados de modo objetivo, senão de conformidade se pode determinar no caso concreto.
com o assentimento do auditório. Mais importante, portanto, do que a força Embora os topoi possam contribuir para a solução de casos práticos,
dos critérios será a qualidade do auditório. principalmente na identificação de limites lógicos à extensão de cláusulas
VIEWEG, por seu turno, trabalha com um sistema aberto, segundo o contratuais e, em certa medida, à norma incriminadora, longe se encontram
qual os critérios para alcançar uma decisão correta são ilimitados: lei, natureza dos critérios de certeza e determinação. Duas objeções são feitas, ademais,
das coisas, equidade, segurança jurídica, vontade do legislador, interesses ao pensamento de VIEWEG: a confusão que empreende entre pensamento
protetivos, linguagem, etc. Estes critérios são apreendidos das várias opiniões problemático aporético e pensamento problemático sistêmico, e a redução da
ou pontos de vista encontrados no senso comum e colecionados nos respec- solução a um procedimento axiomático dedutivo.124 Essa confusão conduz a
tivos repertórios doutrinários e jurisprudenciais, os topoi.121 Assim, a tópica uma variedade de formulações que fazem com que os topoi careçam de uma
para VIEWEG não é uma espécie de interpretação, mas, sim, uma técnica unidade e se percam em enunciados casuísticos. Nesse ponto assinala LÜ-
de pensamento, orientada ao problema. Com isso, aflora a necessidade de DERSSEN que ninguém sabe ao certo o que constitui uma ciência jurídica
uma definição de problema. VIEWEG contempla o problema sob dois as- a partir da tópica, ou o que é afinal a tópica jurídica.125
pectos: primeiro, como toda questão que admite mais de uma resposta e que A definição do injusto que pudera ser obtida por meio do emprego
pressupõe uma pré-compreensão que deve seguir no sentido de lhe dar uma desses conceitos comuns, ao mesmo tempo em que materializa critérios de
solução; segundo, como toda questão que, uma vez resolvida, ainda busque probabilidade e fortalece, de certo modo, a jurisprudência como sua fonte
uma solução alternativa. Essa concepção do problema, o qual jamais é resolvi- de expressão, reforça um processo de simbolização do injusto, porque deixa
do, implica a dissolução de uma argumentação linear ou de qualquer sistema de constituí-lo sobre uma base de certeza, derivada dos contornos de deli-
dedutivo. A tópica é, assim, um método de resolução de problemas, mas mitação normativa de suas zonas, para compreendê-lo como o resultado de
que não os soluciona de modo definitivo. O segundo conceito de problema um processo de verossimilhança.
encerra, assim, o ciclo do pensamento na configuração do que denomina de
aporia fundamental. Ao primeiro conceito de problema dá lugar à tópica de 5. O CRITÉRIO DA APROXIMAÇÃO LÓGICA
primeiro grau; ao segundo conceito, à tópica de segundo grau, a partir da qual Situando-se no contexto de uma teoria da incerteza, busca POPPER
se edifica a ciência jurídica.122 um retorno ao racionalismo, através de um modelo crítico do conceito de
Relativamente ao injusto, isto conduz a extrair sua definição das opi- verdade e de seu enunciado126.
niões colecionadas sobre o caso posto em discussão, e não de uma dedução Como ponto de partida, assevera haver uma distinção básica entre um
lógica do texto legal, nem mesmo de sua compreensão ou relação estrutural enunciado verdadeiro e um critério de decisão acerca de ser efetivamente
com a ordem jurídica, como se poderia esperar.123 Assim, a determinação dos esse enunciado verdadeiro ou falso. Seria errôneo, porém, considerar que
limites da legítima defesa, por exemplo, é produzida das diversas afirmações certo enunciado – por exemplo, a frase: X subtraiu o gravador de Y – per-
que se fazem sobre esses limites, dentro do que se poderia classificar como deria seu sentido, porque carente, quando de sua emissão, de um critério
senso comum. Descarta-se, com isso, uma delimitação decorrente da pura definitivo que demonstrasse ou que comprovasse efetivamente que aquela
interpretação da definição legal dos pressupostos da legítima defesa. Da con-
124. KRIELE, Martin. Theorie der Rechtsgewinnung, 2ª edição, Berlin: Duncker & Humblot, 1976, p. 114 e
jugação das diversas opiniões não nasce, porém, uma delimitação perfeita da ss.
norma autorizadora de conduta, mas a sua definição com base naquilo que 125. LÜDERSSEN, Klaus. “Juristische Topik und Konsenorientierte Rechtsgeltung”, in Europäische Recht-
sdenken in Geschichte und Gegenwart, Festschrift für Coing, München: Beck, 1982, p. 549.
126. POPPER, Karl Raimund. La sociedad abierta y sus enemigos, tradução espanhola de Eduardo Loedel e
Amparo Gomes Rodriguez, Barcelona, 1994, p.669 et seq.; Idem. Lógica das Ciências Sociais, tradução
121. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, de Estevão de Rezende Martins, Apio Claudio Muniz Acquarone Filho e Vilma de Oliveira Moraes e
tradução de Menezes Cordeiro, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989, p. 243 e ss. Silva, Brasília: Tempo Brasileiro, 1978; Idem. A Lógica da Pesquisa Científica, tradução de Leonidas
122. GARCIA AMADO, Juan Antonio. Teorías de la tópica jurídica, Madrid: Civitas, 1988, p. 84. Hegenberg e Octanny Silveira da Mota, S. Paulo: Cultrix, 1974; Idem. Conjeturas e Refutações, tradu-
123. PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica, tradução de Vergínia K. Pupi, S. Paulo, 1998, p. 229. ção de Sergio Bath, Brasília: Editora UNB, 1982.
68 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – os paradigmas da linguagem 69

afirmação era verdadeira. pois sempre se pode apreender de seus próprios erros, isto é, a ciência avança
A adoção de uma filosofia de critério, quer dizer, que exige que se quando indaga criticamente acerca de sua própria falibilidade. Importante,
tenha previamente um critério para se saber do que se fala, só pode condu- portanto, para caracterizar um enunciado científico é sua capacidade de ser
zir a desilusões, ao desengano e ao relativismo. Isto significa que é possível a falseável. O critério da falseabilidade não serve para afirmar a verdade de um
busca da verdade, ainda que não se disponha de critério de verdade, o que enunciado ou de um conceito, mas é apto para refutar um sistema empírico,
leva à adoção do teorema lógico de TARSKI de que, abstraindo-se alguns ao qual esse enunciado ou conceito quer se referir. Com base nesse critério
sistemas de linguagem artificial, absolutamente empobrecidos, “não pode será possível pôr à prova um sistema, o qual só será genuinamente científico
existir um critério geral de verdade”.127 Para chegar a esta conclusão, parte caso contenha elementos que possam ser refutados. Isto quer dizer que os
POPPER do antigo critério aristotélico de verdade, de fazê-la derivar de enunciados para não serem considerados vazios devem estar ancorados em
sua correspondência com os fatos, conceito este que já fora, anteriormente, tantos elementos empíricos quanto bastem para proporcionar sua própria
superado por BRENTANO.128 superação. O emprego do critério da falseabilidade tem, assim, o condão de
evitar que se processem contradições intrínsecas nos próprios enunciados.130
Embora renunciando a um critério geral de verdade, será possível ad-
mitir que determinado enunciado possa conter uma parcela de verdade, Em todo caso, deve-se ter presente que os enunciados da verdade, em
que irá sucessivamente se substituindo, à medida que o esforço humano e vez de retratar definitivamente seu objeto, são enunciados meramente aproxi-
o progresso da investigação possam trazer sobre o mesmo objeto outras in- mativos. Caso se considere como válido o critério aristotélico de verdade, de
formações mais precisas e abrangentes que tornam o novo enunciado mais que um enunciado é verdadeiro se corresponder aos fatos que quer retratar,
verdadeiro que o anterior. pode-se dizer que qualquer enunciado é igualmente verdadeiro, à medida
que se aproxima mais da verdade que outro, que anteriormente fora tomado
Por conseguinte, a crença na certeza científica e na autoridade da ciên- como verdadeiro.131 O critério de verdade, portanto, é um critério sempre
cia deve ser vista como mero desejo e não como enunciado universal. A aproximativo e tem sua substância não na afirmação da verdade propriamente
ciência é, pois, falível. Sua falibilidade, contudo, não deve significar uma dita, senão na teoria do erro, que constitui a base do racionalismo crítico.
conclusão relativista ou céptica acerca de seus enunciados. Do fato de que as Do princípio de que tudo está sujeito à crítica, deduz-se logicamente, que
afirmações científicas sejam passíveis de erro não se chega a que toda escolha o único enunciado verdadeiro é o de que nossos erros são sempre absolutos.
de uma teoria seja absolutamente arbitrária ou irracional, de modo que não
se possa aproximar de um enunciado verdadeiro. O princípio de que tudo está sujeito à crítica ou à falseabilidade possi-
bilita, ademais, solucionar a questão das fontes de conhecimento: qualquer
A falibilidade da ciência significa que esta pode errar e que a busca da fonte é admissível (tradição, razão, imaginação, observação), mas não possui
certeza, inclusive quando se trata de alta probabilidade de que o fato efeti- o caráter de autoridade. Caso se rechace, de outra parte, o caráter de autori-
vamente deva ser tratado da maneira como se dele afirmou, é igualmente dade a qualquer das fontes de conhecimento, deve-se encontrar também uma
errônea129. Ainda que se aspire à verdade, não se pode jamais afirmar que resposta à pergunta de como se pode empreender, afinal, a crítica de uma
ela fora efetivamente alcançada, porque sempre há a possibilidade de erro, teoria, se a própria crítica é falível. Isto, entretanto, pode ser solucionado,
embora em alguns casos, mínima. Por outro lado, a constatação da falibili- segundo quatro perspectivas.
dade não induz a que se considere que o avanço dos enunciados científicos
possa desmistificar essa afirmação de que a ciência é falível. Pelo contrário, Em primeiro lugar, pode-se partir de que uma crítica será válida sem
sua falibilidade deve ser vista como um exemplo do avanço do conhecimento, que suas suposições tenham que ser comprovadas e justificadas, isto é, as
suposições podem simplesmente integrar a teoria que se quer criticar (crítica
127. POPPER, Karl Raimund. La sociedad abierta, (Nota 126), p. 673.
128. BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, organizado por Kraus, Hamburg: Felix Meiner, 1974. 130. POPPERT, Karl R. A lógica da pesquisa científica, São Paulo: Cultrix, 1974, p. 343 e ss.
129. POPPER, Karl Raimund. La Sociedad abierta (Nota 126), p. 674. 131. POPPER, Karl R. Conjeturas e Refutações (Nota 126), cap. 10.
70 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – os paradigmas da linguagem 71

imanente). Em segundo lugar, as suposições podem ser acolhidas, ainda que lugar, as decisões não podem derivar dos fatos, ainda que a eles se refiram.134
não integrem a teoria criticada, desde que o enunciado da crítica se dirija a Com isso, se concebe um sistema dualista de fatos e normas, que POPPER
demonstrar que a teoria criticada contradiz enunciados geralmente aceitos. quer atribuir à tradição liberal, ainda que não seja liberal na acepção de
Em terceiro lugar, os enunciados críticos podem ter a natureza de uma teoria ADAM SMITH ou dos formadores da ideologia da revolução americana,
concorrente, de modo que, por exemplo, possam ser constituídos de hipó- no sentido, portanto, neoliberal.
teses ou suposições, suscetíveis de serem criticadas (crítica transcendente) e Da mesma forma que se deve admitir socialmente a existência de
capazes de identificar a crítica com a decisão acerca da investigação de novas dois mundos, um mundo dos fatos e outro das normas, o critério da apro-
provas. Em quarto lugar, a crítica pode ser eficaz, sem ser válida: argumentos ximação da verdade vale tanto para um quanto para outro. O injusto,
utilizados para criticar uma teoria podem servir para melhor elucidar o objeto assim, se é retratado como a violação de uma norma, ainda que referente a
dessa teoria. Assim, uma teoria que seja capaz de resistir a muitas críticas determinado fato, vale não como fato, senão como norma e resulta de uma
pode ser qualificada como aquela que se sustenta criticamente. A crítica decisão tentada, quer dizer, é o resultado de um processo de enunciação
válida é aquela que demonstra que a teoria criticada não tem eficácia quanto aproximativa, nunca definitiva e nunca absolutamente certa. Explica-se,
à resolução dos problemas que supunha poder resolver.132 desse modo, a variação na interpretação historicamente configurada dos
De acordo com essa postura do racionalismo crítico, nenhuma teoria tipos penais, de modo a alterar o conteúdo da norma.
é suscetível de comprovação ou de ser justificada, ainda que sustentada por Ainda que POPPER conteste esse argumento, a decisão aproximativa
argumentos críticos. A questão da aproximação da verdade fica, por isso, acerca do injusto é forjada, inevitavelmente, nos mesmos moldes do raciona-
subordinada a um processo de decisão, quer dizer, ao observador ou ao lismo kantiano, pois trata a questão do injusto como decisão suprapositiva,
intérprete das proposições é que cabe decidir se os argumentos críticos são e do relativismo hermenêutico ou da teoria da argumentação, porque deixa
suficientemente fortes para justificar a aceitação da teoria. Como não se nas mãos do intérprete a solução do caso, a partir não de comprovações em-
pode afastar do princípio de que os enunciados nunca são verdadeiros, mas píricas, mas de decisão calcada em proposições críticas ou falseáveis. Convém
sim, aproximativamente verdadeiros, a decisão acerca da aceitação desse esclarecer, todavia, que essas proposições críticas não são, na verdade, dirigi-
enunciado como verdadeiro é sempre, também, uma aceitação tentada, das ao conteúdo de validade das normas, senão exclusivamente aos processos
quer dizer, decisões criticáveis.133 de sua interpretação, sendo portanto um movimento de legitimação por
Esta fundamentação das decisões não vale apenas para as ciências aproximação, no qual os diversos critérios de seu reconhecimento nada mais
naturais; irá refletir-se também na questão do injusto. Primeiramente, o são do que tentativas de ajuste dentro do sistema. Está claro, por outro lado,
racionalismo crítico estabelece a premissa de que as normas de conduta são que os enunciados intrinsecamente contraditórios ou autocontraditórios são
exclusivamente produtos do homem e não podem ser confundidas com as insuscetíveis de legitimação, porque comportam o falseamento por qualquer
leis naturais. Essa observação não significa que a definição dessas normas outro enunciado.135 Nesse sentido, uma norma proibitiva ou mandamental
seja absolutamente arbitrária e que possa ser substituída por qualquer outra intrinsecamente contraditória é ilegítima porque dela jamais se poderá obter
com iguais resultados, senão que é possível comparar as normas existentes uma aproximação a um resultado verificável.
com algumas outras que, segundo nossa decisão, possam servir de modelo.
Mesmo neste caso, os modelos resultam de uma decisão humana. A natu- 6. O NEORRACIONALISMO
reza não nos prescreve modelos, apenas se compõe de fatos. Em segundo Revigorando, por sua vez, o racionalismo kantiano, procura DWOR-
KIN fundamentar sua crítica ao positivismo e à teoria analítica, sustentando

132. POPPER, Karl Raimund. La sociedade aberta (Nota 126), p. 678; Idem. Conjeturas e Refutações, Intro-
dução. 134. POPPER, Karl Raimund. La sociedad abierta (Nota 126), p. 70/71.
133. POPPER, Karl Raimund. La sociedad abierta (Nota 126), p. 679. 135. POPPER, Karl R. (Nota 130), p. 96.
72 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – os paradigmas da linguagem 73

a ideia de que, quando inexista uma norma expressa que regulamente o caso inaplicabilidade. Entende DWORKIN que pode superar essa contradição
concreto, isto não significa que a decisão possa ser aproximada ou que não somente pelo emprego de princípios, porque enquanto as normas, nesse caso,
possa ser tomada. A decisão será sempre única ainda para essa hipótese, apenas indicariam a solução mecanicista do justo ou do injusto sem outras
porque subordinada a princípios racionais que a devem orientar. alternativas, os princípios, ao contrário, conduziriam a uma solução racional,
O raciocínio de DWORKIN parte do princípio de que, independen- porque ainda na hipótese dos chamados exemplos contrários (precedentes
temente das normas positivadas, os indivíduos possuem direitos naturais, de antagônicos), na sua terminologia, não se poderia dizer que a sua existência
modo que, se tais direitos não se encontrarem expressos, cabe ao juiz encon- devesse excluí-los, porque os princípios, de qualquer forma, teriam maior
trá-los, mas não criá-los.136 A questão da dogmática jurídica, portanto, está peso na decisão do que esses precedentes de exceção, os quais não poderiam
em estipular os métodos ou critérios que devem ser utilizados para encontrar ser considerados como integrados aos princípios.
esses direitos e, assim, fundamentar uma decisão correta e verdadeira. Uma A existência de colisão de princípios não retira, pois, da decisão, que
decisão será correta e verdadeira quando possa ser justificada pela melhor sobre qualquer deles se baseia, o seu caráter de racionalidade, nem implica
teoria jurídica, na qual os chamados princípios jurídicos desempenham papel que um dos princípios perca sua validade para outro, porque os princípios
significativo. A melhor teoria jurídica será aquela que abarque esses prin- estão, simplesmente, associados a diversos fins, cabendo ao juiz determinar
cípios, os quais se encontram justificados pela Constituição, pelas normas qual deles terá maior influência no caso concreto.
jurídicas e pelos precedentes judiciais. O racionalismo de DWORKIN irá subordinar a decisão acerca do
Por princípios são entendidos todos os argumentos que possam ser injusto, não propriamente, aos ditames da norma legal, senão aos princípios.
utilizados para a decisão de descoberta dos direitos individuais. Através da As normas legais, nesse caso, desempenham apenas a função de parâmetros
utilização desses princípios, em face de sua finalidade racional, as normas iniciais dessa decisão, que só terão aplicação, caso algum princípio não se
jurídicas podem ser tanto limitadas quanto eliminadas, o que faz com que apresente como seu precedente. Nenhum princípio isoladamente, entretanto,
esses princípios, na verdade, integrem a ordem jurídica. É, afinal, incon- pode fundamentar essa decisão, mas somente a união de todos eles, segundo
cebível uma ordem jurídica constituída apenas de normas. Os princípios, suas estruturas e finalidades. A decisão do juiz não decorre, com isso, de
porém, não podem ser deduzidos de fins de controle social ou de regras de uma interpretação isolada da norma legal, devendo levar em conta, através
reconhecimento, mas constituem eles elementos essenciais da ordem moral. da consideração desse conjunto de princípios, todos os elementos relevantes
O problema fundamental que se põe na formulação de DWORKIN que possam se referir ao caso.
reside em como tratar uma hipótese de incidência de duas normas confli- Essa vinculação aos princípios que, como já se disse, englobam também
tantes, quer dizer, uma norma proibitiva e outra permissiva. Por exemplo, todos os precedentes, visa à consecução de uma decisão ideal e coerente,
uma vez realizado integralmente um tipo de delito, a decisão sobre o injusto politicamente institucionalizada com essas referências à totalidade da ordem
dependeria unicamente da existência ou não de uma norma permissiva, o jurídica, desde o produto do legislador até o labor dos juízes.
que poderia dar lugar a um sistema jurídico contraditório, pois no sistema A institucionalização dessa decisão se vê, por outro lado, reforçada
exclusivamente normativo, positivista, se as normas forem conflitantes, a afir- com a introdução do conceito de integridade, que não é aqui empregado
mação da antijuridicidade da conduta estaria na dependência de se manter ou semanticamente com o sentido de consistência ou de uniformização juris-
não a validade de uma delas em detrimento da outra. A solução, assim, só po- prudencial, mas sim como um conceito de relação, que obriga vincular uma
deria ser tomada no âmbito da validade. Para que ambas as normas valessem, decisão a todos os princípios virtuais.137 Com o conceito de integridade,
seria preciso que tanto as normas proibitivas (regra) quanto as permissivas quer ele construir um sistema jurídico racional, imparcial e igualitário, de
(exceção) fizessem parte da mesma regra, o que levaria a uma situação de
137. DWORKIN, Ronald. El Imperio de la Justicia, tradução espanhola de Claudia Ferrari, Barcelona: Ge-
136. DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio, tradução espanhola, Barcelona: Ariel, 1992, p. 276 e ss. disa, 1992, p. 132 et seq.
74 TEORIA DO INJUSTO PENAL

modo a tornar a decisão sobre o injusto uma decisão inserida no contexto


de uma comunidade moral, que lhe dá a correção e a estabilidade. Mais
tarde, essas mesmas preocupações deverão ser levadas em conta pela teoria
CAPÍTULO 4
do discurso, mediante a procedimentalização desse mesmo processo de
integridade com relação à associação coerente da norma legal e dos pre- OS PARADIGMAS PROCEDIMENTAIS
cedentes, usado por DWORKIN. A decisão do injusto deixa aqui de se
orientar através das garantias puramente legais, para se subordinar a um
processo político e moral de cognição. Embora submetida a um conjunto 1. OS FUNDAMENTOS INICIAIS
de princípios que integram uma comunidade política, inclusive, acima A relativização da noção de sistema na definição do injusto, levada a
da lei, a posição de DWORKIN não desnatura seu sentido limitativo do efeito na teoria da argumentação, em favor de uma solução retórica dos pro-
poder, na defesa dos direitos e garantias dos cidadãos. À medida que o blemas concretos ao estilo proposto por VIEWEG, ao mesmo tempo em que
critério da integridade indique que uma decisão deva ser tomada de confor- reconduz a um jusnaturalismo, pode proporcionar dentro deste, por meio de
midade com os princípios que visam à proteção do sujeito, a configuração uma estratificação das definições, desde que tomadas no caso problemático
do injusto deve ser seguir um processo limitativo e não ampliativo. Nesse como enunciados incondicionados, a criação de regras de preferência. Como
sentido, confere um fundamento principiológico para legitimar as normas afirma ELLSCHEID, o princípio de estratégia da argumentação, que é levado
permissivas de conduta em oposição às normas proibitivas. em consideração na coletânea de critérios variados a encontrar uma decisão
correta, pode implicar o estabelecimento de um positivismo ilustrado, en-
carregado de concretizar a formulação jurídica dentro de certas instâncias de
decisão.138 Estas regras de preferência, também denominadas metarregras, são
distintas, conforme se acentuem mais ou menos os interesses individuais ou os
interesses coletivos, enunciados dentro dos critérios e das soluções possíveis e
encontráveis para o caso concreto. Como geralmente afluem variadas possibi-
lidades de solução, valem as regras preferenciais para aproximar as definições
selecionadas de uma solução mais relevante, em certa medida, pela força dos
argumentos apresentados e que a tornam mais determinante e unívoca.139 O
injusto, por conseguinte, passa a ser identificado não apenas por critérios de
decisão baseados no senso comum, senão pela força dos argumentos estratifi-
cados nas regras preferenciais, resultantes da solução de casos.
Com a instituição de uma instância de decisão alicerçada em regras
preferenciais e não em critérios de certeza, abre-se também o caminho para
discutir o injusto, exclusivamente, sob o panorama de regras procedimentais,
as quais podem ser obtidas sem a participação de um sistema de valores. Aqui,
então, no dizer de ALEXY, a decisão acerca do justo ou do injusto será correta
ou verdadeira, se for obtida mediante um determinado procedimento, que
138. ELLSCHEID, Günter. “Das Naturrechtsproblem. Eine systematische Orientierung”, in KAUFMANN/
HASSEMER/NEUMANN (Org), Einführung in Rechtsphilosophie und Rechtstheorie der Gegenwart,
München: CF Müller, 1994, p. 179 e ss.
139. ELLSCHEID, Günter. (Nota 138), p. 211.
76 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 77

pode ser o discurso racional,140 como qualquer outra forma de justificação de uma desconfiança quanto à forma da intuição ou a certeza dos enuncia-
formal. A mudança de posições no tocante às decisões parece ter origem, dos; b) a relação do desconhecimento acerca de um determinado objeto; c) a
porém, na alteração do conteúdo do juízo de verdade. vinculação do conhecimento a determinado plano. Esses elementos comuns
KANT, na sua lógica transcendental, havia desde logo assentado que geram, pelo menos, três consequências: a) o déficit de conhecimento não
“nosso conhecimento provém de duas fontes fundamentais do espírito, das implica a renúncia do plano de alcançá-lo; b) a busca da verdade (ou da
quais a primeira consiste em receber as representações (a receptividade das justiça) é assegurada por meio de procedimentos; c) cada resultado obtido
impressões) e a segunda é a capacidade de conhecer um objeto mediante estas por meio de procedimento será aceito como correto.145
representações (espontaneidade dos conceitos); pela primeira é-nos dado um Segundo ARTHUR KAUFMANN, a emissão de juízos normativos não
objeto; pela segunda é pensado em relação com aquela representação (como pode empregar as mesmas categorias lógicas das ciências naturais, representa-
simples determinação do espírito)”.141 das e produzidas pelos juízos de possibilidade e impossibilidade, necessidade
Por isso mesmo, considera que intuição e conceito constituem os ele- e eventualidade, obrigatoriedade e facultatividade, senão por categorias sub-
mentos fundamentais de nosso conhecimento, de modo que uma, sem o metidas a determinadas regras preferenciais, tais como as da plausibilidade,
outro que lhe corresponda, jamais poderia proporcionar o conhecimento de conveniência, aceitação e correção. Assim, esses juízos não reconhecem graus
um objeto. Entretanto, tanto a intuição quanto o conceito podem ser puros de exatidão e certeza e admitem, desde logo, vários enunciados, que podem
ou empíricos. “Empíricos, quando a sensação (que pressupõe a presença real ser contestados por distintos modos, todos sustentados como razoáveis. Daí
do objeto) está neles contida; puros, quando nenhuma sensação se mistura se dizer que a relação justo/injusto não está na lei, nem na natureza, senão na
à representação. A sensação pode chamar-se matéria do conhecimento sen- forma como aquela se torna identificada. Esta posição provoca, definitivamen-
sível”.142 Mas, quando se trate de conceitos e intuições puros, contêm estas, te, a ruptura da relação sujeito/objeto e destaca a correção do juízo acerca do
unicamente, a forma sob a qual o objeto é intuído, e os conceitos incluem injusto exclusivamente do procedimento de aplicação do direito.146
somente a forma do pensamento de um objeto, em geral.143 Apesar de se reconhecer que a determinação de um conceito proce-
O pensamento kantiano acerca do conhecimento dos objetos, portanto, se dimental de injusto tem origem nos imperativos categóricos de KANT,147
situa em uma posição de compromisso entre o empirismo trazido por HUME podemos fundar seu substrato jurídico em três correntes fundamentais da
e o subjetivismo cartesiano. Esta posição de compromisso leva a considerar que ciência da pós-modernidade: no funcionalismo, no neocontratualismo e na
o conhecimento, no fundo, se realiza e se torna válido através de um modelo teoria do discurso.
procedimental. Com isso, se abre caminho para se questionar se os juízos pura- 2. O FUNCIONALISMO
mente normativos, sem base empírica, podem ser igualmente corretos.144
HASSEMER assinala que a procedimentalização é “uma característica (1) OS ANTECEDENTES ORGANICISTAS
central das teorias filosóficas e jurídicas, como a teoria do conhecimento e a Antes de tomá-lo como uma teoria procedimental do injusto, deve-se
filosofia de valores”. Dando sequência à sua análise, faz ver que tanto a filo- ver o funcionalismo sob a óptica de uma teoria sistêmica. Distintamente,
sofia quanto o direito penal coincidem sobre as condições dos procedimentos porém, de como procedem as teorias tradicionais de sistema, que o con-
como meios de obtenção da verdade. Para tanto, afirma que, nesse terreno, há ceituam sob a perspectiva de certa codificação ou unidade dos institutos e
três indicações comuns: a) o desconhecimento quanto à realidade, em virtude regras do direito,148 o funcionalismo pretende não apenas explicar o sistema
140. ALEXY, Robert. Recht, Vernunft, Diskurs, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995. 145. HASSEMER, Winfried/ LARRAURI, Elena. Justificación material y justificación procedimental en el
141. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, Segunda Parte: Lógica Transcendental, Introdução. derecho penal, Madrid: Tecnos, 1997, p. 41 e ss.
142. KANT, Immanuel. (Nota 141), loc. cit. 146. KAUFMANN, Arthur. (Nota 112), p. 208.
143. KANT, Immanuel. (Nota 141), loc. cit. 147. ELLSCHEID, Günter. (Nota 138), p. 214; Arthur Kaufmann. (Nota 112), p. 210.
144. KAUFMANN, Arthur. (Nota 112), p. 297 e ss. 148. CANARIS, Claus-Wilhelm. (Nota 121), p.10 e ss.
78 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 79

jurídico, mas compor também uma análise global de todo o sistema social. trajeto no qual ele conserva sua organização de ser vivo (autopoiese), e sua
O objeto do sistema social é evidentemente a ação humana. O fundamento congruência estrutural dinâmica com o meio (adaptação), ou se desintegra”.
da análise sistêmica reside justamente no fato de que as ações se veem regidas Relativamente à relação entre sistema vivo e o meio, “a dinâmica estrutural
por expectativas, as quais encontram nos sistemas seus marcos delimitadores, de um sistema vivo, enquanto ele vive, está sempre espontaneamente em
correspondentemente a diversas variáveis, das quais uma delas estaria cons- coincidência estrutural adequada com o meio para a realização de seu viver.
tituída pelas normas jurídicas. Quando essa coincidência desaparece, o sistema vivo morre”.152
Conforme essas variáveis, podem ser caracterizados sete enfoques sis- Além do neo-organicismo, LUHMANN atribui igualmente à teoria da
têmicos diferenciados: a) a teoria geral dos sistemas; b) a teoria cibernética máquina processadora de informações o condão de haver contribuído para o
dos sistemas; c) a teoria do sistema político sob o aspecto do input-output; início da análise sistêmica. A máquina é construída com um mecanismo autor-
d) a teoria da planificação e automação; e) a teoria sistêmica de PARSONS regulador, que reage às variações de informações do meio e, de conformidade
ou estrutural-funcional; f ) a teoria de LUHMANN ou funcional estrutural com um programa pré-ajustado, fornece seus préstimos a fim de satisfazer essas
e g) a teoria cibernética da regra jurídica.149 variações com vistas a fins abstratamente concebidos.153 Diferentemente do
Geralmente, reconhecem-se como precedentes da teoria sistêmica o neo-organicismo, que parte das relações internas dos organismos vivos como
neo-organicismo e a teoria da máquina processadora de informações. formas de comunicação e adaptação, a máquina processadora de informações
se assemelha a um grande computador, concebido para regular ou codificar
O neo-organicismo compreende os organismos vivos não mais como
especificamente determinadas relações, que podem ser tanto relações sociais,
sujeitos dotados de alma e, assim, integrados ao todo como partes diferen-
quanto combinações de informações do próprio subsistema de dados.
ciadas, senão como um sistema adaptativo.150
A ideia de um organicismo orientado sistemicamente parece haver par- (2) AS TEORIAS DE SISTEMAS
tido de MATURANA, o qual criou o termo autopoiese para designar uma
A teoria geral de sistemas é, no fundo, uma teoria estruturalista, pois
forma de autoprodução de sistema.151 “O viver de um sistema vivo – diz
busca fundar o método científico na determinação das chamadas tipologias
MATURANA – é um processo de interações recursivas do sistema vivo com
estruturais, que desempenhariam o papel de princípio unificador da atividade
o meio, como um fluxo de mudanças estruturais reciprocamente congruen-
especulativa. O elemento caracterizador dessa tipologia é representado pela
tes, que ocorre naturalmente sem esforços ou direcionamento externo, como
noção de sistema, que simboliza a organização dentro de um processo de
um resultado sistêmico de suas interações recorrentes enquanto sistemas
informação. A norma jurídica está situada dentro daquilo que se denominou
determinados estruturalmente, e operacionalmente independentes um do
círculo regulativo e funciona como uma operadora de informações do justo e
outro”. Portanto, “os sistemas vivos e o meio mudam juntos, em congruência
do injusto, pela qual se devem orientar as decisões jurídicas.154
dinâmica estrutural nas suas interações recorrentes através do mútuo desen-
cadeamento recursivo de mudanças estruturais, enquanto os sistemas vivos Embora a cibernética, como ciência multidisciplinar, se destinasse,
conservam sua organização de ser vivo (autopoiese) e sua adaptação ao meio inicialmente, conforme os planos de seu criador, o matemático americano
(a congruência operacional dinâmica com ele)”. Para o observador, assim, o NORBERT WIENER, a explicar relações que se processavam no uso de
que vê é tanto o sistema vivo quanto o meio, de modo que “o sistema vivo máquinas e seus objetivos, pode ela ser vista como uma teoria da regula-
desliza no meio através de suas contínuas mudanças estruturais, seguindo um ção e da informação.155 No campo político, recebeu a adesão de KARL
149. Segue-se, aqui, a classificação proposta por BÜLLESBACH, Alfred. “Systemtheoretische Ansätze”, 152. MATURANA, Humberto. (Nota 151), p. 218.
KAUFMANN/HASSEMER/NEUMANN, Einführung in Rechtsphilosophie und Rechtstheorie der Ge- 153. LUHMANN, Niklas. “Soziologie als Theorie sozialer Systeme”, p. 39.
genwart, p. 371 et seq. 154. BÜLLESBACH, Alfred. (Nota 149), p. 316.
150. LUHMANN, Niklas. “Soziologie als Theorie sozialer Systeme”, in Soziologische Aufklärung, 1971, p. 39. 155. WIENER, Norbert. Cibernética: ou controle e comunicação no animal e na máquina, tradução de
151. MATURANA, Humberto. Ontologia da Realidade, tradução de Cristina Magro, Miriam Graciano e Gita K. Ghinzberg, S. Paulo, 1970; Idem. Cibernética e Sociedade: o uso humano de seres humanos,
Nelson Vaz, Belo Horizonte, 1997, p. 134. tradução de José Paulo Paes, S. Paulo, 1954; FANO, Giorgio. Neopositivismo analisi del linguaggio e
80 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 81

DEUTSCH, com o qual busca associar as funções do governo com as A teoria da direção e organização despontou na antiga República De-
formas de controle e informação.156 mocrática Alemã como ciência da gestão socialista. O ponto de partida é a
O ponto nevrálgico da teoria cibernética de sistemas reside na explica- planificação, a direção e a administração da sociedade sobre a base de uma
ção do autocontrole do poder político sob três perspectivas: a) da capacidade diversidade de métodos e conhecimentos científicos (cibernética, lógica, ma-
para perseguir fins sem variar sua estrutura interna; b) da aprendizagem temática, economia, direito, politologia, psicologia, pedagogia e sociologia),
com variações internas e c) da capacidade para colecionar dados do sistema capitaneados pelo marxismo-leninismo. A norma jurídica desempenhava
e produzir informações. aqui um importante papel nos processos diretivos e de regulação da sociedade
e estava voltada a uma prática de aceitação automatizada, que se assemelhava
Assim, o sistema político depende, para sua legitimação, de um fluxo a uma máquina processadora de informações.
ininterrupto de informações, que lhe assegurem a aceitação social e o cum-
primento de suas leis. Por sua vez, a questão do injusto está condicionada à Tendo em vista esse sentido de regulação automatizada, a norma
capacidade dos indivíduos de conhecerem e atenderem as proibições ou os perdera seu conteúdo axiológico e se firmava como mero instrumental
mandatos.157 Essa capacidade individual, contudo, não explica o injusto, que de uma política estatal. O sentido de planejamento e direção, como base
está, ademais, associado à necessidade de estabilidade do sistema, decorrente da administração socialista, reorientaria o injusto, que se produz sob essa
de um contínuo processo de reações (output) a perturbações (input). perspectiva, quer dizer, a valoração do ato como ilícito já não depende de
uma perspectiva limitativa do poder, senão da eficácia dessa regulação auto-
Uma vez que a análise do sistema jurídico independe do sistema social, matizada.159 Será lícito somente aquilo que não represente uma perturbação
aquele deve ser visto como um sistema fechado e dinâmico, no qual as noções do planejamento e da direção política.
de justo e injusto se produzem e reproduzem, primeiramente, por força da
realidade jurídica formada da acumulação de informações acerca dos fatos (3) A TEORIA ESTRUTURAL-FUNCIONAL
perturbadores (input), depois, pela necessidade de decisão fundamentada
através da dogmática jurídica, como forma de garantir a estabilidade do A teoria estrutural-funcional de PARSONS é fundamentalmente uma
processo e, finalmente, pela necessidade interpretativa que nasce da doutrina teoria estruturalista, influenciada por diversas correntes, desde DURKHIEM,
de base derivada da norma. SPENCER, MALINOWSKI, FREUD e MAX WEBER até o positivismo.160

A norma não é tratada apenas como definição do injusto, senão como Chama-se esta teoria de estrutural-funcional, porque seu ponto de
regra de informação, que só poderá estabilizar-se à medida que seja observa- partida é compreender o sistema social como submetido a certa estrutura, a
da. Como a observância da norma se produz em consequência de decisões qual se devem adaptar as regras ou os instrumentos funcionais. Para tanto,
dogmaticamente fundamentadas, completa-se o sistema. O injusto, por- propõe-se fixar, ao modo neokantiano, um sistema prévio de categorias ou
tanto, se produz e ao mesmo tempo se reproduz unicamente por conta do enunciados, inter-relacionados através de hipóteses constituídas de categorias
sistema. Não muito diferente desta estrutura se situa o modelo input-output ou enunciados básicos, que visam a proporcionar à teoria correção lógica,
do sistema político, que o coloca como um sistema centralizador, do qual ausência de contradições e validade universal. As categorias básicas se referem
faz parte o subsistema econômico, o jurídico e o cultural, entre outros.158 ao autor, à finalidade, à situação e à orientação.
Considerando essas categorias, se reconhece que os sistemas constituem,
cibernetica, Torino, 1968; ASHBY, William Ross . Uma Introdução à Cibernética, tradução brasileira, na verdade, orientações de ações, correspondentemente a três modalidades: a)
S. Paulo, 1970; TAUBE, Mortimer. Der Mythos der Denkmaschine: kritische Betrachtungen zur Kyber-
netik, Hamburg, 1966. o sistema pessoal, que tem em vista a situação na qual se encontra envolvida
156. DEUTSCH, Karl Wolfgang. Política e Governo, tradução de Maria José da Costa Félix Matoso Miran-
da Mendes, Brasília, 1979. 159. BÜLLESBACH, Alfred. (Nota 149), p. 311 da 4ª edição, 1985. Com a unificação alemã, esta teoria
157. BÜLLESBACH, Alfred. (Nota 149), p. 376; DEUTSCH, Karl Wolfgang. Politische Kybernetik, Frei- sistêmica perdeu inteiramente sua importância.
burg im Breisgau,1970. 160. PARSONS, Talcott. El sistema social, tradução espanhola de José Jimenez Blanco e José Cazorla Perez,
158. BÜLLESBACH, Alfred. (Nota 149), p. 380. Madrid, 1984.
82 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 83

uma pessoa individual, tomada como autor; b) o sistema social, que se refere Ademais, é necessária uma expectativa quanto ao funcionamento ordenado
às interações dos vários sujeitos individuais; c) o sistema cultural, que é cons- das instituições elementares. Esta expectativa tem um conteúdo positivo, ou
tituído de valores e símbolos, que vinculam o modo de agir no sistema social. seja, que as instituições estejam em harmonia com as pessoas individuais. A
Qualquer desses sistemas necessita manter-se em equilíbrio. Como a decepção dessa expectativa conduz aos chamados delitos de violação a deveres
estrutura do sistema social está formada por normas sociais de conduta, sua ou delitos por força de atribuição institucional (...)”.161 Os delitos de domí-
estabilidade depende do consenso dos autores quanto a essas normas. Esta es- nio resultam, assim, de uma falta de adaptação individual aos processos de
tabilidade do sistema, ademais, vai depender também de como os indivíduos interação; os delitos de violação a deveres decorrem de uma inadaptação ao
se comportam em face do sistema social, estando, para isso, submetidos a processo de institucionalização normativa e têm como pressuposto que essa
mecanismos de integração, na forma da socialização e controle social. institucionalização se tenha realizado corretamente.
Modelo de estruturação sistemática pode ser a relação entre duas pes- Concebendo a norma jurídica como instrumento de estabilização social
soas, na qual se notam desde logo todos os ingredientes do sistema social: e, consequentemente, da confiança na legitimidade do poder constituído,
valores estruturais, funções ou papéis e coletividade. A diferença entre esse através do controle da lealdade à ordem estabelecida, de bem-estar, do merca-
modelo mais simples e o modelo social está unicamente no grau de com- do de trabalho e do consumo, chega PARSONS à conclusão de que o injusto
plexidade das relações individuais e funcionais, bem como na chamada representaria uma forma de oposição ao controle social institucionalizado,
institucionalização com vistas a erigir um sistema universal de valores vin- quer dizer, uma disfuncionalidade do sistema.
culantes a todos os sujeitos.
(4) A TEORIA FUNCIONAL DE LUHMANN
Considerando essas categorias, pode-se reconhecer que os sistemas
constituem, na verdade, orientações de ações, correspondentemente a três Diferentemente da postura de PARSONS e da sociologia jurídica tradi-
modalidades: a) o sistema pessoal, que tem em vista a situação na qual se cional, que trabalha com métodos empíricos e os traslada ao direito, entende
encontra envolvida uma pessoa individual, tomada como autor; b) o sis- LUHMANN que o sistema jurídico é um subsistema do sistema social global.162
tema social, que se refere às interações dos vários sujeitos individuais; c) o Por outro lado, na análise do direito não entram em consideração as
sistema cultural, que é constituído de valores e símbolos, que vinculam o influências que sobre ele pode exercer a sociedade. O direito é, assim, tomado
modo de agir no sistema social. desde logo como pré-constituído, ficando sem contestação ou sem formula-
Já por seu turno, o controle social tem em vista reprimir as condutas des- ção a questão de como ele se torna possível na sociedade. Essa conclusão é
viadas e perturbadoras do sistema e assegurar o respeito às normas de interação, consequência da ideia de que “a unidade de um sistema pode ser produzida e
por meio de adaptação das motivações dos sujeitos às exigências de manutenção reproduzida tão somente através do próprio sistema e não através de fatores de
das expectativas, dentro das funções desempenhadas nesse sistema. seu ambiente”.163 Isto vale tanto para o sistema social quanto para o subsiste-
ma jurídico. Para se entender a relação entre o subsistema jurídico e o sistema
Com isso, a delimitação das zonas do justo e do injusto está associada
social, será preciso esclarecer que a sociedade, de um lado – diz LUHMANN
ao caráter da socialização e à relação entre as funções de regulação e de moti-
– “é o ambiente do sistema jurídico e, de outro, todas as operações do sistema
vação. O ato injusto, portanto, é aquele que, em consequência de deficiência
jurídico são sempre igualmente operações na sociedade, portanto, operações
no processo de aceitação (aprendizagem) dos valores sociais e de suas normas
da sociedade. Ao mesmo tempo em que se diferencia na sociedade, o sistema
ou em virtude de um defeito de organização institucional, viola suas funções
reguladoras e de motivação, produzindo uma frustração de expectativas. No
161. JAKOBS, Günther. Strafrecht, Allgemeiner Teil, Berlin – N. York, 1993, p. 7/8.
mesmo sentido desse entendimento pode-se notar a posição de JAKOBS, 162. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, Frankfurt am Main, 1995, p. 33 e ss.; Idem. Rechts-
para quem a “(...) decepção da expectativa conduz a delitos que se denomi- soziologie, Opladen, 1983; Idem. “Gerechtigkeit in den Rechtssystemen der modernen Gesellschaft”, in
Rechtstheorie 4, 1973; Idem. Legitimation durch Verfahren, Neuwied, 1969.
nam delitos de domínio ou delitos por força de atribuição organizativa (...). 163. LUHMANN, Niklas. (Nota 162), Das Recht der Gesellschaft, p. 34.
84 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 85

jurídico se executa socialmente. Dito de outro modo, com suas próprias ope- em um determinado ente, quer dizer, embora o sistema possa desprender ener-
rações (que igualmente são operações da sociedade) assenta ele sua própria gia ou captá-la do ambiente, é na verdade um sistema fechado, que se observa
parcela na sociedade, e então, desse modo, se origina na sociedade um ambiente a si mesmo e prescinde, assim, de um conteúdo ou de uma base ontológica.
social interno do direito, de forma que se possa questionar como podem ser Por outro lado, entre as estruturas de seleção e as operações de co-
exercidas sobre esse direito as influências desse ambiente, sem que isto conduza municação, subsiste uma relação circular, de tal modo que as estruturas só
a não mais se diferenciar entre direito e sociedade”.164 podem ser construídas e variar através dessas operações A teoria do sistema
Acolhendo-se essa relação sociedade-direito com base nas operações ju- fechado de comunicações operativas é, assim, uma teoria abrangente da
rídicas, tem-se que a unidade do sistema jurídico se produz e reproduz através sociedade e, caso se compreenda também o sistema jurídico como um sub-
dessas operações do sistema, portanto, segundo um modelo fechado. Por outro sistema do sistema social, ficam excluídas a pretensões dominantes tanto
lado, a operacionalidade que produz e reproduz o sistema social é a comunica- pragmáticas quanto estruturais.168
ção dotada de sentido. Isto quer dizer que o sistema jurídico, como subsistema Geralmente, os autores tratam o conceito de sistema jurídico, como
social, utiliza a operatividade da comunicação, de modo a não poder fazer algo, já vimos, sob o aspecto de uma codificação ou uma concatenação de regras
senão constituir suas normas como meios de comunicação dotada de sentido. harmônicas.169 LUHMANN toma-o como uma conexão de operações fa-
A comunicação jurídica, porém, não se esgota nem nas ações comunicativas ticamente executáveis, que devem ser operações sociais de comunicação,
propriamente ditas, resultantes de uma prática tradicional, nem nas estruturas caracterizadas, por seu turno, como comunicações jurídicas.170 Se por um
linguísticas de SAUSSURE. A comunicação engloba informações e compreensão. lado as estruturas se tornam necessárias para a conexão dessas operações sob
Em comparação às concepções funcionais anteriores, inclusive de PARSONS, alto grau de seletividade, por outro, o direito não toma como sua realidade a
que se estruturam como verdadeiras teorias da ação, construídas sobre o indi- instituição de uma idealidade estável; sua realidade se encontra exclusivamen-
víduo,165 segue LUHMANN um caminho no qual o sujeito, o indivíduo, cede te nas operações que produzem e reproduzem o específico sentido jurídico,
lugar ao próprio sistema, tomado como sistema de observação. O importante ao qual se pode denominar de construtivismo operativo.171
é, assim, a diferença entre observador e observado, cuja unidade torna possível
a operação da observação, executada como comunicação. A própria auto-obser- Ao contrário do que se consagrou nas ciências naturais, especificamente
vação é, pois, uma operação comunicativa, que pressupõe aquela diferença.166 com o princípio da entropia, aplicável a partir da formulação da segunda lei
Com isso, procura enfrentar o clássico entendimento da ciência sociológica, de da termodinâmica, segundo a qual o sistema que se põe, como um comparti-
que toda observação constitua uma ação, que pressupõe um sujeito. Ao contrá- mento fechado, contra o ambiente, se extingue gradativamente, porque perde
rio, entende que o que configura a sociedade é, antes de tudo, o processo ou a energia e se expõe irreversivelmente à desagregação do calor, quer dizer, regressa
operação de comunicação, independentemente do sujeito. Todas as operações ao ambiente, parte-se da ideia da necessidade de uma contínua troca do sistema
de comunicação desempenham, por sua vez, duas funções: a) determinam o com o ambiente, tanto na forma de energia quanto de informações, sem que,
estado histórico do sistema, a partir do qual o sistema se orienta para as próximas entretanto, o sistema perca sua autonomia. Isto significa que aqui se substi-
expectativas; b) constituem estruturas, como esquemas de seleção, pelas quais tui, no tocante à identificação do sistema jurídico, o modelo de sistema aberto,
condensam identidades (quer dizer, de reconhecimento e de reprodução) e as pelo modelo de sistema fechado. No fundo, as respostas do sistema ao ambiente
confirmam e generalizam em novas situações.167 (output) se transformam em próprios estímulos ao sistema (input). O sistema
se produz e se reproduz por ele mesmo. Tendo em vista esta circularidade do
Estas operações, por seu turno, só podem ser descritas e não alicerçadas
168. LUHMANN, Niklas. (Nota 165), p. 37.
169. KRAWIETZ, Werner. Recht als Regelsystem, Wiesbaden, 1984; Idem. „Rechtssystem als Institution?
164. LUHMANN, Niklas. (Nota 162), Das Recht der Gesellschaft, p. 34. Über die Grundlagen von Helmut Schelkys sinnkritischer Institutionentheorie“, in Rechtstheorie, Re-
165. LUHMANN, Niklas. Die Gesellschaft der Gesellschaft, Frankfurt am Main, 1998, p. 21. chts als Sinn und Institution, Berlin: Duncker und Humblot, 1984, p. 209 e ss.
166. REESE-SCHÄFER, Walter. Niklas Luhmann, zur Einführung, Hamburg, 1999, p. 14. 170. LUHMANN, Niklas. (Nota 165), p. 40.
167. LUHMANN, Niklas. (Nota 165), p. 94. 171. LUHMANN, Niklas. (Nota 165), p. 41.
86 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 87

sistema, fica abstraída para a definição de seus elementos, qualquer relação de direito está associada a um problema temporal, que é sempre levado em conta
causalidade entre o sistema e o ambiente. Nisso assume particular importância quando a comunicação não se basta a si mesma, mas, consoante a extensão
o conceito de autopoiese, que justamente indica essa particularidade do sistema: temporal de seu sentido, está orientada e se expressa por expectativas. Neste
um sistema operativamente fechado de normas se caracteriza pelo fato de que, particular, tratando-se da possibilidade de comunicar acerca de expectativas
para a produção de suas operações, se remete à rede de suas próprias operações e de tornar essa comunicação reconhecida, o importante não é orientar-se
e, nesse sentido, se reproduz.172 Embora se trate de um sistema fechado, como apenas pelo indivíduo, senão pela sociedade. Assim, por expectativas, se passa
se disse, admite-se tenha ele de trocar energia com o ambiente, como recurso a entender não um estado de consciência atual do indivíduo, senão um aspecto
inerente à sua própria configuração, para não se tornar estéril. Para superar a temporal do sentido da comunicação.176 Por isso mesmo, no sistema jurídico o
contradição dessa troca de energia com o ambiente, na forma de perda e captação, que está em jogo é a comunicação sobre todas as formas de conduta englobadas
em se tratando de um sistema fechado que, em princípio, se bastaria a si mesmo, e reguladas pelo direito e não a valoração da comunicação como tal.
socorre-se LUHMANN do conceito de “acoplamento” estrutural, concebido Atendendo ao propósito de assegurar a estabilidade temporal das ex-
por MATURANA. Através deste “acoplamento” estrutural, estima que o sistema pectativas, toda comunicação está associada à condição temporal de uma
fechado possa reagir sobre o ambiente, sem estar a ele vinculado. O acoplamento comunicação futura, que se diferencia linguisticamente segundo a fixação
estrutural serviria, então, de meio pelo qual o sistema executaria sua autopoiese.173 de sentido para sua reprodução. Nisso, devem ser atendidas duas condições:
Considerando-se sua operatividade fechada, sua reprodução auto- a) de um lado, a condensação do seu signo, de modo a assegurar-lhe o re-
poiética e a autonomia do sistema jurídico, transparece a questão acerca de conhecimento quando do seu reemprego a um novo contexto; b) de outro
que comunicações trata esse sistema e onde se situam seus limites. Como lado, a confirmação de que o sentido que foi reutilizado se mostre capaz de
só existe operação jurídica quando exista uma comunicação, ficam fora do ser aplicado ao novo contexto. LUHMANN entende que somente a lógica da
âmbito dessas operações condutas individuais, situações de perigo, acidentes condensação e da confirmação pode proporcionar ao intérprete participação
ou intervenções policiais em qualquer de suas formas. Igualmente ficam fora na comunicação linguística e associar sua consciência a operações sociais.177
de consideração meras expressões jurídicas usadas na vida diária, como por O papel funcional do direito relacionado ao futuro de suas comunica-
exemplo, “ajuizar uma ação”, “firmar um contrato”. Ao sistema jurídico só ções, explica a necessidade da simbolização de toda a ordem jurídica, cujas
pertence uma forma de comunicação: a definição codificada do justo e do normas podem ser compreendidas como uma estrutura de expectativas sim-
injusto. No dizer de LUHMANN “apenas esta comunicação busca e afirma bolicamente generalizadas. Isto quer dizer que a simbolização desempenha a
um recorrente entrelaçamento no sistema jurídico; apenas esta comunicação função de condição estabilizadora do sistema. A relação temporal do direito,
toma a codificação como forma de publicidade autopoiética e assume a pre- que se reflete na função da norma jurídica, independe, porém, do período
tensão acerca da necessidade de outras comunicações no sistema jurídico”.174 de vigência dessas normas e de sua historicidade. Como a norma jurídica
A referência ao injusto produz, portanto, os mesmos efeitos de ordenação tem como seu objeto material a conduta humana projetada no espaço e no
que a referência ao justo, à medida que a comunicação se veja regulada através tempo, o que se tem em vista é a expectativa dessa conduta e sua regulação
de codificação. Isto, porém, não depende logicamente das palavras, senão do em um futuro ainda desconhecido e incerto.178 A função da norma jurídica,
entendimento acerca do sentido que é emprestado a essa comunicação.175 desse modo, está orientada à redução das complexidades das relações vitais
Com base no sentido da comunicação, pode-se dizer que a função do da sociedade, mediante uma formulação abstrata e indeterminada, o que
corresponde ao panorama simbolizante da sociedade pós-moderna.
172. LUHMANN, Niklas. (Nota 165), p. 44; TEUBNER, Günther. Recht als autopoietisches System, Frank-
furt am Main, 1989, p. 46.
173. LUHMANN, Niklas. (Nota 165), p. 100. 176. LUHMANN, Niklas. (Nota 165), p. 125.
174. LUHMANN, Niklas. (Nota 165), p. 67. 177. LUHMANN, Niklas. (Nota 165), p. 127.
175. LUHMANN, Niklas. (Nota 165), p. 69. 178. LUHMANN, Niklas. (Nota 165), p. 130.
88 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 89

A definição do injusto neste contexto, embora não esteja filiada a uma da pena como forma simbólica de expressão do ato injusto e como forma de
lei natural que se pudesse constatar empiricamente, não se afasta de um assegurar ao infrator a sua condição de pessoa.181
procedimento cognitivo, porque só adquire relevância na medida em que se A ilicitude de um comportamento não constitui, dessa forma, uma sim-
veja inserida, como forma diferenciada da função jurídica de estabilização, ples contrariedade à norma, constatável através de sua interpretação; estaria
em um sistema autopoiético, que produz seus próprios elementos e sobre simbolizada com a supressão ao autor dos meios de interação social, com a
eles sua própria estrutura, quer dizer, redunda em uma definição tautológica. imposição da sanção.182 O que assinala, no fundo, portanto, a ilicitude do
comportamento é a imposição da sanção. Por meio da sanção, o autor do
(5) OUTROS MODELOS FUNCIONAIS fato se vê, portanto, reconstituído em sua condição de pessoa.
Seguindo a linha do raciocínio sistêmico, em seu livro acerca de prin- O pensamento de JAKOBS, contudo, não pode ser resumido a essa
cípios para uma filosofia jurídica, postula JAKOBS que a norma jurídica não formulação hegeliana, pela qual o autor do fato, uma vez sancionado, se recon-
determina propriamente condutas, senão esclarece se estas pertencem ou não cilia com o direito, o que daria lugar a uma construção puramente artificial,
a determinada ordem e, na medida em que são sancionadas, estabilizam essa de modo a vincular sua vontade individual a uma suposta vontade universal.
ordem. Assim, não se pode atestar a existência da norma porque ela se destine a Mediante outra análise, JAKOBS observa, inicialmente, em uma exposição efe-
dirigir condutas ou porque não fora de algum modo violada. Mais importante tuada no Seminário de Penalistas Alemães, realizado em Frankfurt, em 1985,
é determinar se essa norma fornece um padrão de interpretação adequado ao que a evolução do direito penal está conduzindo a um maior recrudescimento
plano social e não à consciência individual. Uma norma, portanto, terá exis- das sanções e, ainda, a uma criminalização mais crescente de atos situados no
tência real, ainda quando seja violada, conquanto que a infração como tal possa preâmbulo de uma ameaça a determinados bens jurídicos, como ocorre nos
ser identificada no processo de sua comunicação, isto é, na medida em que delitos de perigo abstrato ou mesmo na punição de simples atos preparatórios,
sobre ela possa ser aplicada uma sanção. Se a norma não se situasse no plano o que ensejaria a constituição de um direito penal do inimigo, ao lado de um
da existência real, quando de sua violação, não haveria infração.179 direito penal do cidadão.183 Animado com essa formulação, JAKOBS a defende
Por outro lado, pode-se afirmar que a existência social está condi- em outros escritos como um verdadeiro programa político-criminal.184
cionada a que as pessoas, no processo de comunicação das normas, façam De conformidade com essa proposta, JAKOBS faz uma distinção entre
dos modelos adequados de sua interpretação a sua própria conduta. Nessa as pessoas que integram a cidadania e aquelas que a ela se opõem. A infração
forma de compreensão da realidade social, as pessoas não se confundem a uma norma penal não conduz necessariamente à eliminação da condição
com os indivíduos. Pessoas são somente aquelas que estão submetidas a de cidadão. Um infrator comum conserva sua cidadania e, ao mesmo tempo,
deveres de um grupo social e às quais se possa impor uma definição a partir com a imposição da pena, reconstrói sua condição de pessoa. Mas isso não
do esquema dever/espaço-livre.180 ocorre com aqueles que realizem atos que possam violar o que considera de
A repartição entre justo e injusto, portanto, vale não apenas para se- pilares estruturais da sociedade, como os que cometam atos de terrorismo ou
dimentar um processo de comunicação da norma jurídica quanto ao objeto mesmo de tráfico de drogas, ou que participem da chamada criminalidade or-
sobre o qual se exercita a função do direito, mas também para constituir a ganizada. Estes não ostentam a qualidade de cidadãos e, consequentemente,
qualidade de pessoa. A ruptura da norma, caracterizadora do injusto, por sua não poderão, com a imposição da pena, reconstruir sua condição de pessoa
vez, não implica que seu autor perca a qualidade de pessoa. Embora JAKOBS e nem se reconciliarem com a vontade universal.
reconheça que através da sanção penal não se possa assegurar uma fidelidade
181. JAKOBS, Günther. (Nota 179), p. 108.
cognitiva do autor, engaja-se na teoria de HEGEL e postula a manutenção 182. JAKOBS, Günther. (Nota 179), p. 98 e ss.
183. JAKOBS, Günther. “Kriminalisierung im Vorfeld einer Rechtsgutsverletzung”, in Zeitschrift für die
179. JAKOBS, Günther. Norm, Person, Gesellschaft – Vorüberlegungen zu einer Rechtsphilosophie, Berlin, gesamte Strafrechtswissenschaft, 97, 1985, p. 751 – 785.
1997, p. 54/55. 184. JAKOBS, Günther. Bürgerstrafrecht und Feindstrafrecht, HRRS 2004, p. 93 f.; IDEM, Staatliche Strafe:
180. JAKOBS, Günther. (Nota 179), p. 29 e ss. Bedeutung und Zweck, Nordrhein-Westfälischen Akademie der Wissenschaften, Paderborn, 2004, p. 45 e ss.
90 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 91

A separação para esse efeito, entre cidadãos e não cidadãos, entre Sem se preocupar com os aspectos da linguagem ou argumentativos, o que
amigos e inimigos do sistema jurídico reproduz no âmbito do direito penal vigora nesse sistema é, unicamente, o armazenamento e processamento de
uma velha fórmula de CARL SCHMITT relativa aos inimigos políticos, os informações para embasar uma decisão jurídica. A teoria do injusto, por tal
quais não teriam as garantias dos fiéis ao sistema. A questão principal reside, perspectiva, pode comportar vários enfoques, inclusive, até mesmo, uma
no entanto, na eliminação do conceito de bem jurídico, como limite da interpretação subjetiva, desde que lastreada nas informações, cujo processo
delimitação do injusto. de obtenção afirma a validade do seu conteúdo.
Importante não será, então, a real manifestação lesiva ao bem jurídico, 3. O NEOCONTRATUALISMO
mas, sim, exclusivamente, a violação dos deveres de cidadania. Nesse sentido,
afirma JAKOBS que a validade da norma não é executada apenas por sua Distintamente do procedimentalismo funcionalista, que se expressa no
violação, que caracterizaria o injusto conforme o padrão positivista tradicio- sentido da autopoiese, ou seja, de que o justo ou o injusto nasce e se reproduz
nal, senão principalmente pela violação da confiança de seus destinatários.185 dentro do próprio sistema e se diferencia dentro do programa codificado com
Como o significado de confiança é meramente simbólico, porque jamais se a função específica de possibilitar a formulação de decisões sistêmicas,188 e com
poderá identificar seus contornos, a afirmação do injusto se resume em um isso se justificar, pretende RAWS estabelecer uma regra de justificação proce-
ato de decisão do aplicador da lei. dimental, mediante o retorno aos postulados do racionalismo contratualista,
desde há muito utilizado como forma de fundamentação do Estado de direito.189
Outro modelo funcionalista é proposto por CALLIES. Atendendo
ainda à relação funcional simbólica e entendendo a norma dentro de uma Duas ordens de fundamentos são aqui alinhadas: a) primeira, “cada
estrutura comunicativa, manifesta-se CALLIES no sentido de que o injusto, pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades
por exemplo, do homicídio, deve ser abarcado dentro de um processo com- básicas iguais, que seja compatível a um sistema semelhante de liberdades
plexo, conforme a interação que se produz entre o autor e a vítima, de modo para as outras”; b) segunda, “as desigualdades sociais e econômicas devem ser
que na expressão da ação típica de matar há sempre a referência a um objeto ordenadas, de tal modo que sejam, ao mesmo tempo, consideradas como van-
sobre o qual recai a ação. Assim, independentemente das proibições ou co- tajosas para todos dentro dos limites do razoável e vinculadas a posições e cargos
mandos, a ação injusta constitui uma representação simbólica de complexos acessíveis a todos”.190 Essas duas linhas de fundamentos estão, assim, orientadas
processos de colaboração,186 o que deve produzir uma alteração no critério de propriamente, a uma suposição de igualdade, e não a fundamentos de justiça.
sua participação. O tipo de injusto, por isso, não poderia ser analisado, ex- A teoria do contrato social, em geral, trabalha com a ideia de que a
clusivamente, sob o aspecto do sujeito ativo, mas também do sujeito passivo. liberdade e o patrimônio não constituem um direito comum derivado das
Já o modelo cibernético da regulação jurídica compreende as normas ju- leis positivas, senão direitos que já nasceram com a formação da sociedade
rídicas como canais de informação sistêmica, quer dizer, como subsistema organizada. Com base nesta ideia, surge a questão da repartição desses di-
simplificado de elementos de captação, armazenamento e transmissão de in- reitos fundamentais e a justificativa para as desigualdades. RAWLS admite a
formações com vistas a possibilitar a configuração de um sistema de decisões.187 repartição desigual do patrimônio, mas não da liberdade: a liberdade deve ser
repartida igualmente, ainda que essa repartição desigual fosse em benefício
Distintamente do que se passa com o modelo input-output, que se de todos.191 A decisão acerca da limitação dessa liberdade só pode ser, assim,
ocupa basicamente da estrutura das instituições, a perspectiva cibernéti- admitida, se “em consideração à própria liberdade, isto é, para assegurar que
ca de regulação se assenta na norma como guia desse processo regulador. a mesma liberdade ou uma outra liberdade básica estará adequadamente
185. JAKOBS, Günther. (Nota 183), p. 775.
186. CALLIES, Rolf-Peter. Theorie der Strafe im demokratischen und sozialen Rechtsstaat, Frankfurt am 188. LUHMANN, Niklas. (Nota 165), p. 502/503.
Main, 1974, p. 85. 189. RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça, tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves, S. Paulo, 1997.
187. PODLECH, Adalbert. “Rechtskybernetische Thesen zum Thema Recht, Sprache und Information”, in 190. RAWLS, John. (Nota 189), p. 64.
Rechtstheorie nº 5, 1974, p. 108-110; SCHROTH, Ulrich. (Nota 95), p.329. 191. RAWLS, John. (Nota 189), p. 65; SEELMANN, Kurt. Rechtsphilosophie, München, 1994, p. 185.
92 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 93

protegida e para ajustar o sistema único de liberdade da melhor forma possí- tenham uma lista completa dos temas a decidir e, consequentemente, do que
vel”,192 o que só se obteria recorrendo a um fictício contrato social originário. lhes corresponderia como solução justa. Nesta primeira etapa, se fixa uma
Com tal método, busca o estabelecimento de princípios que possibilitem relação entre providência utilitarista, de um lado, e a proteção da liberdade
uma decisão justa, não sobre a base de um simples procedimento sistêmico individual, por outro, de modo que a proteção à liberdade individual assuma
autopoiético, que conduziria, no fundo, a uma nova fórmula de positivis- a posição preferencial diante da perspectiva simplesmente utilitarista. Como
mo,193 senão construídos sobre a hipótese de uma sociedade originária, na a lista deve cobrir todos os casos imaginários de solução, a decisão justa seria
qual tivessem sido acordados unanimemente por todos os homens, tomados precisamente aquela que tivesse tomado em consideração a totalidade dessas
independentemente de suas particularidades individuais, sua capacidade ou providências. Em segundo lugar, os cidadãos originários devem decidir na
conhecimento, no mais puro estado de igualdade. mais pura ignorância acerca dos efeitos que seriam provocados nas partes
Diversamente de ROUSSEAU, que fixava diferenças entre o homem ci- em conflito pelas várias possibilidades de escolha entre as diversas soluções.
dadão e o homem indivíduo, aqui tudo se iguala. O homem cidadão que vai Se os cidadãos se encontram em uma posição de absoluta ignorância quanto
decidir, deve agir como o homem indivíduo originário. Vale dizer, a decisão às condições especiais de sua própria sociedade, sua situação econômica e
de afirmar se tal fato é justo ou injusto, decorre da forma como ela deve ser social, o grau de desenvolvimento de sua civilização e cultura, sua origem, as
tomada, isto é, mediante formulação de uma hipótese sobre como os homens particularidades e o poder de sua mente, não poderão ajustar os princípios de
originários a teriam encarado. Para fundamentar a decisão justa, não será conveniência social à sua própria individualidade e, pois, só podem decidir
preciso que se estipulem esses princípios como verdade necessária a priori, segundo pontos de vista gerais e, assim, atuar racionalmente.
senão que se passe a aceitá-los como válidos, em sua posição originária. Isto A decisão conforme princípios gerais, produzidos indutivamente, faz
em tese produziria, quanto ao mesmo fato, sempre resultados iguais. Mas, excluir qualquer consideração ao sujeito individual, isto é, elimina-se da
se os princípios do contrato social originário não são princípios necessários decisão, o sujeito. Isto irá repercutir no setor do injusto, porquanto se, por
a priori, senão princípios cuja existência se subordina à sua aceitação a poste- um lado, procura utilizar um critério universal de equidade, por outro,
riori, manifestada no momento da decisão, deixam de constituir princípios vincula esse modelo de equidade à concepção vigente da cultura america-
imutáveis e devem sofrer as influências temporais que pairem sobre quem na e se afasta de dados contingentes de outros povos, cujas características
seja o responsável por essa decisão. Isto leva a uma constante retroalimenta- individuais não lhe correspondem.
ção da posição originária, a partir dos juízos decisórios momentâneos, mas
O injusto é, pois, a configuração de como RAWLS concebe os valores
sustenta um procedimento indutivo, pelo qual a formulação de princípios
que o constituem. Há ainda a acrescentar que a atuação racional cobrada por
racionais gerais decorre da sua formulação concreta, isto é, a decisão a ser
RAWLS para a decisão imparcial, pelo menos em princípio, não se reveste
tomada, particularmente, induz à construção de princípios racionais lógicos
de um caráter de moralidade. O que importa é unicamente a orientação por
que a fundamentem. Aqui se pode notar a influência da hermenêutica hei-
aqueles critérios de equidade/imparcialidade, ponderados entre as esferas de
deggeriana no sentido de que os princípios lógicos estão na dependência de
liberdade e utilidade. Caso se possa falar de algum caso de moralidade, esta
um processo de pré-compreensão. A pré-compreensão se situa justamente
deriva não de um sentimento pessoal ou de princípios a priori, mas sim, do
na ideia de quem decide, levada a efeito no momento da decisão e depois
próprio procedimento. Assim, se os indivíduos estiverem em dúvida acerca
trasladada como procedimento lógico aos seus fundamentos.
da moralidade de seu comportamento, podem eliminá-la – diz RAWLS –
Caso se queira entender essa conclusão, será preciso rever os funda- “observando que as suas convicções correspondem aos princípios que seriam
mentos assentados por RAWLS quanto à racionalidade ou equidade desse escolhidos na posição originária ou se não for o caso, revisando seus julga-
procedimento. Primeiramente, supõe RAWLS que os cidadãos originários mentos para que elas possam manter essa correspondência”.194
192. RAWLS, John. (Nota 189), p. 221.
193. ALEXY, Robert. Begriff und Geltung des Rechts, Freiburg-München, 1994, p. 34. 194. RAWLS, John. (Nota 189), p. 579.
94 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 95

A racionalidade da decisão, além disso, ver-se-ia reforçada pela ausência diz respeito, exclusivamente, à validade de uma norma. O discurso prático, à
de um ânimo invejoso nos homens originários, bem como de sentimentos de sua adequação. É possível considerar, ademais, conforme essas duas orientações,
amor e ódio ou de outras finalidades concretas, como riqueza e poder, já que dois segmentos diferenciados da teoria do discurso: um, com base no consenso
ignorantes quanto à felicidade ou ao sucesso dos demais ou suas condições (HABERMAS), outro, como desdobramento de uma razão prática (ALEXY).
pessoais, agiriam exclusivamente, segundo sua própria inteligência. A atuação A teoria do discurso, em qualquer das duas variantes, como teoria pro-
segundo sua própria inteligência, que se situaria, pois, como o único critério cedimental, pretende obter conteúdos corretos no processo de comunicação
puramente racional, significa que a decisão quanto ao injusto se executa não racional, respectivamente, quando se tratar de discurso teórico sobre fatos
em face de certas finalidades, como por exemplo, a proteção de bens jurídicos empíricos e quando se tratar de discurso prático sobre enunciados norma-
ou a garantia dos direitos humanos, senão, exclusivamente, pela forma indu- tivos. Como teoria procedimental, o que efetivamente nos interessa é esta
tiva de produção desses princípios gerais. A racionalidade, portanto, decorre, segunda acepção do discurso, tomada no seu momento de aplicação, na qual
em última análise, da forma de sua produção. Por conseguinte, a obtenção de terá lugar a decisão acerca do fato injusto. Neste particular, a teoria do dis-
um resultado final, sobre se um ato é ou não contrário ao direito, se justifica curso enfrenta a tarefa de solucionar, pelo menos, três questões fundamentais
somente pela forma como esse resultado é alcançado. Em face do emprego na sequência da decisão jurídica: o critério de verdade, a utilidade de seu
correto do procedimento, pode-se considerar que a decisão encontra, afinal, emprego e o seu fundamento.199
um resultado equitativo ou racionalmente aceitável.

4. AS TEORIAS DO DISCURSO (1) O CRITÉRIO DE VERDADE


Conforme o acento do procedimento recaia no indivíduo ou na situa- Seguindo um novo panorama para o critério de verdade, que não deve re-
ção, podemos classificar as teorias procedimentais, como faz ALEXY, em sultar nem da constatação empírica, nem de uma formulação racional a priori,
dois grandes grupos: no primeiro, aquelas que, como RAWLS, se fixam em HABERMAS entende encontrá-lo no consenso, fundamentado pela força do
que o procedimento seja levado a efeito pelo indivíduo, escolhido aleato- melhor argumento.200 A força do melhor argumento, todavia, só pode resultar
riamente, ou grupos de indivíduos; no segundo, a teoria do discurso que, das qualidades formais do próprio discurso e não de dados externos, como por
como modelo de uma teoria da argumentação, é formulada integralmente exemplo, da consistência lógica das proposições ou da evidência da experiência.
sobre regras, que tecnicamente podem derivar, por transformação, do em- Definindo um critério para determinar formalmente o melhor argu-
prego das formas de argumentação.195 mento, pretende encontrá-lo, com base em STEPHEN TOULMIN,201 na
A teoria do discurso, por sua vez, pode comportar duas orientações fixação das condições ideais de uma situação de comunicação, que estariam
diversas. A primeira orientação busca estabelecer um conjunto de regras su- representadas pela igualdade de oportunidade para todos os participantes do
bordinadas a determinados pressupostos, como por exemplo, a vinculação à discurso, pela liberdade de expressão, pela ausência de privilégio, pela veracidade
lei, de modo a fundamentar uma decisão justa a partir de um caso especial.196 e pela ausência de coação. Uma vez definidas essas condições, tem-se como
As regras do discurso podem ser das mais variadas categorias, como – regras de formada a estrutura do melhor argumento, que é aquele tomado justamente
lógica, regras de participação, regras de argumentação, princípios gerais, regras sob essas condições. A formalização ideal de condições do discurso passa a
de comprovação ou formas de obediência a certos argumentos.197 A segunda integrar a qualidade do próprio discurso e torná-lo suficiente para servir de
orientação assinala uma diferença entre o discurso teórico, ou argumentativo critério de verdade. Como, entretanto, essas condições não são reais, mas
e o discurso prático, ou de aplicação.198 O discurso argumentativo, ou teórico apenas ideais ou fictícias, a qualificação do discurso depende da identificação
195. ALEXY, Robert. Recht, Vernunft, Diskurs, p. 97 e ss. 199. ALEXY, Robert. (Nota 195), p. 109.
196. ALEXY, Robert. Theorie der juristischen Argumentation, Frankfurt am Main, 1990, p. 33. 200. HABERMAS, Jürgen. Vorstudien und Ergänzungen zur Theorie des kommunikativen Handels, Frank-
197. ALEX, Robert. (Nota 195), p. 98. furt am Main, 1984.
198. GÜNTHER, Klaus. Der Sinn für Angemessenheit, Frankfurt am Main, 1988, p. 25. 201. TOULMIM, Stephen. Der Gebrauch von Argumenten, Kronberg, 1978.
96 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 97

real dessas condições, o que se faz através de um ato decisório. Nesse procedimento, interessa não apenas o discurso prático de adequa-
A estrutura do consenso, assim obtido, se situa em uma solução de ção, mas também o discurso teórico de validade. A conjugação desses dois
compromisso entre a teoria tradicional do pensamento universalista, de um discursos induz à conclusão acerca da norma perfeita. Uma norma será per-
lado, e a visão utilitarista, de outro, embora HABERMAS pretenda encontrar feita quando corresponder ao resultado de um discurso ideal. Para KLAUS
nesse termo o ponto de gravidade do discurso, que resultaria, portanto, legi- GÜNTHER, discurso ideal é o que preencha três condições: a) comporte
timado, como critério de verdade, desde que atendidas aquelas condições. A uma participação ilimitada, livre e igualitária; b) tenha vigência ilimitada; c)
originalidade desta colocação parece residir precisamente no fato de legitimar possa ser conhecido ilimitadamente.
o critério de verdade não mais segundo uma pura criação racional ou uma Como os participantes desse discurso ideal possuem um conhecimento
simples constatação, senão como recurso de comunicação sob determinadas ilimitado, quer dizer, um conhecimento empírico acerca das circunstâncias
condições ideais, que estariam comprometidas tanto pela praticidade quanto externas e internas204 e ainda se encontram em uma condição temporal, igual-
racionalidade, mas com vistas à sua subordinação ao conceito de pessoa que, mente ilimitada, estão em condições, respectivamente, de conhecer todas as
no fundo, se situa como a medida do discurso. circunstâncias da decisão e fundamentar a norma em relação a essas circuns-
tâncias. O discurso ideal, todavia, não garante que todas as decisões tenham
(2) A UTILIDADE DO DISCURSO que ser iguais nas mesmas circunstâncias, senão que, sem tal discurso, essas
Mas a determinação do critério de verdade não pode solucionar por si decisões seriam todas absolutamente superficiais.205
só a questão normativa que envolve o conceito de injusto. Para tanto, será O critério de verdade de que se vale a teoria do discurso se afasta pois,
preciso verificar as condições da utilidade do discurso, nas quais se situa a do princípio adaequatio intellectus ad rem. Uma decisão é verdadeira quando
questão de se decidir que espécie de norma se deve aplicar, o que conduz à possa ser tida como adequada ao caso concreto. E será adequada quando
discussão em torno da decisão adequada. corresponder aos princípios que fundamentam o discurso ideal.
A adequação de uma norma e, consequentemente, de uma decisão, é (b) OS FUNDAMENTOS DO DISCURSO IDEAL
aferida conjuntamente por dois componentes: a) sua relação ao caso; b) sua
Como acima ficou assentado, variam os fundamentos do discurso ideal
relação com as demais normas. Para determinar em uma situação dada se
sob duas perspectivas: a primeira, acerca da participação; a segunda, acerca
uma norma é adequada, devem ser levadas em conta todas as normas que
de sua atemporalidade.
possam ser aplicadas ao caso.
Sob a primeira perspectiva, entende-se que o discurso será considerado
(a) A NORMA PERFEITA
ideal à medida que garanta uma participação ilimitada de todos, o que pressu-
KLAUS GÜNTHER procura, com o conceito de coerência, firmar põe que todos os que nele participam devam preencher corretamente todas as
uma decisão adequada, salientando que a imparcialidade da decisão a ser regras assentadas para a sua validade, isto é, clareza, uniformidade, capacidade
tomada decorre de não se dar preferência a qualquer de suas características, e disposição para troca de funções e liberdade de prejulgamento.206 Estas con-
nem deixar de lado qualquer norma.202 Desde que a imparcialidade é uma dições, ainda que não possam ser atendidas faticamente, não acarretam maiores
consequência da atenção que se dá a todas as características da situação e a problemas, porque constituem unicamente conceitos para um discurso ideal.
todas as normas, portanto, a circunstâncias fáticas e sistêmicas, deve ser defi-
nida sob perspectiva pessoal e procedimental, de modo que se possa afirmar Embora a teoria do discurso se oriente para a consecução de um dis-
que uma norma é aplicada imparcialmente quando possa ser estendida a curso ideal a partir de pessoas concretas, o que induziria imediatamente a
todos os que se encontrem na mesma condição de liberdade e igualdade.203
204. ALEXY, Robert. (Nota 195), p. 54
202. GÜNTHER, Klaus. (Nota 198), p. 257. 205. GÜNTHER, Klaus. (Nota 198), p. 49; ALEXY, Robert. (Nota 195), p. 55.
203. GÜNTHER, Klaus. (Nota 198), p. 56. 206. ALEXY, Robert. (Nota 195), p. 113 e ss.
98 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 99

questão de como pessoas absolutamente distintas em termos de cultura, como condição da participação de todos no discurso, pode parecer que a
idioma e características poderiam se unificar em um mesmo procedimento, teoria do discurso confunde o conceito de correção com o próprio consenso
tem em vista que esse discurso ideal só pode ser obtido através do tempo. ou, pelo menos, faz derivar esse conceito do consenso. Na teoria do discur-
Assim, o discurso ideal é aquele que se aperfeiçoa através de um procedi- so, como teoria procedimental, o conceito de correção não resulta nem do
mento continuado de aprendizagem, que se desenvolve desde indivíduos consenso nem da participação de todos na sua elaboração, senão unicamente
reais que nele participam até a consecução de uma situação que se possa do procedimento adotado para um discurso ideal.
considerar como correta. Nesse sentido, portanto, a teoria do discurso rompe Por seu turno, a atemporalidade do procedimento do discurso ideal
com a ideia universalista de atemporalidade, própria do positivismo, e passa sugere a discussão acerca de sua validade universal ou de sua relativização.
a trabalhar com certa dose de contingência. Desde que se admita que a referência ao consenso integra a participação de
A participação ilimitada de pessoas reais no discurso ideal induz, também, todas as pessoas no discurso, mas que esse consenso é apenas tomado como
à necessidade de que o discurso ideal possa ser o resultado do consenso de todos pressuposto formal dessa participação, a qual não pode deixar de admitir
e não apenas de alguns. Discorrendo sobre tal aspecto, entende ALEXY que a a existência de opiniões divergentes quanto à norma a ser acolhida ou à
questão fundamental a ser aqui enfrentada diz respeito a se “um discurso ideal decisão a ser adotada, é igualmente admissível que essa decisão tenha que
pode conduzir, em qualquer caso prático, a um consenso”.207 ser tomada em face de duas posições igualmente corretas, principalmente
Ainda que a referência se faça inicialmente a pessoas reais, o consenso é porque o critério de correção dessas decisões não é um critério definitivo,
aqui tomado conceitualmente, sob a premissa empírica de que o preenchimento mas meramente procedimental.
de todas as condições do discurso ideal conduziria a descartar qualquer diferença A teoria do discurso pressupõe que os participantes do discurso, isto é,
de opinião no caso concreto. Esta premissa parte da ideia de que inexiste nos as pessoas reais, estejam em condições de diferenciar entre boas e más opi-
participantes uma heterogeneidade antropológica de resistência ao discurso, que niões, o que, porém, não implica que essa capacidade opinativa se confunda
possa excluir o consenso quanto a decisões práticas ou a questões valorativas, com o próprio procedimento. O procedimento está para essa capacidade opi-
tomadas no sentido de um discurso temporalmente ilimitado e dentro das regras nativa na mesma relação que a Constituição de um Estado democrático está
de validade, ou seja, de clareza linguística, uniformidade empírica, disposição e para a capacidade de seus cidadãos, de participarem das atividades econômi-
capacidade para troca de papéis e liberdade de prejulgamento. cas, políticas e sociais amparadas por essa Constituição.208 A razão, ademais,
Independentemente de existir ou não uma resistência antropológica ao para que a correção do discurso não se baseie desde logo nessa capacidade
discurso ideal, a adoção de um consenso puramente conceitual ou normativo opinativa das pessoas, senão no próprio procedimento, se justifica como
não impede que os homens reais, dos quais parte o desenvolvimento desse medida para se evitar a interferência no processo de decisão de elementos
discurso, possam igualmente utilizar outras regras, as quais concorreriam de interpretação individual, que pudessem violar o sentido de igualdade e
com aquelas acima situadas, no mesmo grau de correição. Esta possibilidade imparcialidade que se quer preservar. Se a decisão se justifica, porque tomada
de divergência real entre seus participantes não confere ao consenso um dentro dos critérios de um procedimento correto, supera-se aqui o eterno
valor definitivo e, consequentemente, torna o discurso ideal não um critério problema da oposição entre o subjetivo e o objetivo. O procedimento pode
absoluto de correção das decisões práticas, senão um critério possível ou ser considerado como subjetivo na medida em que parte das condições reais
aproximado desta correção. da pessoa de poder exprimir opiniões, e será objetivo quando se alicerçar em
(c) OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO CORRETA condições ideais de correção dessa capacidade.
Uma outra questão que deve ser esclarecida é como a teoria do discurso, A teoria do discurso, ao admitir a existência de duas opiniões igualmen-
afinal, conceitua a correção de uma decisão. Com a exigência do consenso te corretas acerca de normas distintas e divergentes quanto ao seu sentido,
207. ALEXY, Robert. (Nota 195), p. 114. 208. ALEXY, Robert. (Nota 195), p. 120 e ss.
100 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 101

induz à reformulação dos fundamentos do juízo de antijuridicidade, que (3) FATICIDADE E VALIDADE
deixa de ser assim um juízo definitivo, ou melhor, um juízo absoluto e passa a Desde que se afaste de um postulado racional a priori, que pudesse
expressar-se como correto, desde que atendidos os procedimentos imparciais justificar o juízo de antijuridicidade em bases absolutas e se passe a trabalhar
que induzam a decisão em favor de uma ou de outra dessas opiniões. com um critério relativo de injusto, há que se tratar também da relação entre
A opinião aqui não é apenas a opinião do especialista (jurista, juiz, pro- o critério de correção dessa decisão e a preservação da segurança jurídica.
motor, advogado, etc.), mas também a opinião que o cidadão comum adquire Justamente nesse aspecto é que HABERMAS desenvolve sua obra jurídica,
ou constrói da norma jurídica, de modo a fundamentar sua conduta em deter- discutindo a tensão entre faticidade e validade, ou melhor, entre o princípio
minado sentido. A avaliação de se um comportamento é ou não antijurídico, de segurança jurídica e a pretensão de se obter uma decisão correta.210
não comporta apenas uma definitiva e absoluta decisão, em todos os casos. Em primeiro lugar, com base em KLAUS GÜNTHER, procura co-
Entendem os partidários da teoria do discurso, que essa exigência de estabelecer locar, como ponto de partida, que as decisões corretas não são decisões
sempre definitivamente o que é ou não é antijurídico em qualquer caso, sob universais, senão aquelas que são tomadas em face das circunstâncias de cada
ponto de vista absoluto de única e correta decisão, conduz a um fundamento on- caso concreto.211 Neste aspecto, revigora, em certa medida, a posição da nova
tológico do injusto, praticamente indemonstrável e implausível, porque fictício. retórica, que vê o desenvolvimento das decisões na tensão entre o sistema
A decisão única e definitiva vincula o juízo de antijuridicidade, portanto, a um jurídico, sob a perspectiva de uma ordem coerente e sua aplicação prática,
fundamento moral ou de justiça absoluta, cujos parâmetros são fixados a priori. na busca de soluções aceitáveis pelo meio.212 Mas afasta-se da nova retórica,
Na teoria do discurso, ao contrário, a decisão é verdadeira, desde que porque não se satisfaz com essa relação simplista e pragmática, porque o que
possa ser tida como adequada ao caso concreto e será verdadeira, se aten- quer é estabelecer critérios conceituais nessa relação.
didas as condições estabelecidas para o discurso ideal, que são aquelas já Em segundo lugar, com vistas à fixação desses critérios no sentido de
anteriormente fixadas, como a força do melhor argumento ou as condições uma correção racional das decisões, empreende a tarefa de delinear a diferen-
de imparcialidade aventadas por KLAUS GÜNTHER. ciação entre princípios de argumentação, de um lado, como parte de uma
Nesse sentido de fazer com que a correção da decisão decorra do pro- argumentação sistemática, e valores, de outro. Os princípios devem ser enfo-
cedimento, pode-se entender que o conceito procedimental de correção cados como elementos deontológicos; os valores, como objetivos finalísticos.
tem também um caráter absoluto, mas um caráter absoluto somente como Enquanto os princípios estão, de certo modo, atrelados a normas, igualmente
método regulador, isto é, não se busca aqui uma decisão absoluta, apenas não podem deixar de ser influenciados pelos valores, os quais lhes conferem
se exige que, diante de opiniões divergentes acerca, primeiramente, de qual os atributos de universalidade.213 Isto não implica, porém, que as normas
norma aplicar e depois, de justificar a conduta como correta, se devam aten- jurídicas, tendo em vista esses atributos universalistas que lhes são reservados,
der às condições do discurso ideal, que garantem que essa decisão será tomada se destinem a edificar uma sociedade moralmente correta. A norma jurídica
de forma imparcial e adequada. não se identifica com a moral. A norma jurídica é uma norma reguladora de
Esta maneira de antever a decisão adequada como decisão procedimen- condutas dentro de uma certa comunidade, não o resultado de princípios
tal relativiza a questão da antijuridicidade, de tal modo que se pode, então, morais a priori. Entretanto, a comunidade deve ser tratada também nas suas
justificar que no próprio tipo de injusto se inicie e se conclua, em certos casos, relações institucionais, quer dizer, não se pode desconsiderar que sobre essa
a discussão se, efetivamente, uma determinada conduta é, desde logo, injusta comunidade há a intervenção de um Estado instituído. Daí a necessidade
ou não, justificando desse modo, a preocupação de ZAFFARONI quando de serem alinhavados princípios protetivos de direitos fundamentais, que
propõe a chamada atipicidade conglobante.209 210. HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung, 4ª edição, Frankfurt am Main, 1994.
211. HABERMAS, Jürgen. (Nota 210), p. 268.
209. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal, Buenos Aires, 1981, volume III, p. 502 e ss.; 212. PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica, p. 238.
Idem, Derecho Penal, Parte General, Buenos Aires, 2000, p. 461 et seq. 213. ALEXY, Robert. (Nota 195), p. 167 et seq.
102 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 103

constituem os valores pelos quais se devem orientar as normas. A relação individual se justifica em face da lesão de um bem de caráter coletivo.217 Se-
entre princípios deontológicos e valores se torna transparente quando se guindo uma tradição constitucional do Estado democrático, isto só pode ser
assinala com precisão que os únicos valores realmente com o caráter de uni- afirmado sob três condições: de sua propriedade ou adequabilidade ao caso, de
versalidade são aqueles dos direitos fundamentais, porque são valores que sua necessidade em face da inexistência de outros meios menos gravosos e mais
sedimentam a realização de uma ordem comunitária democrática.214 brandos, e de sua proporcionalidade, de modo que a restrição pondere seus
A relação entre norma jurídica e valor, por outra parte, não significa fundamentos na mesma medida das ponderações da atuação individual.218
que a norma jurídica tenha que se orientar positivamente por esse valor,
porque isto induziria a fundar a norma jurídica dentro de um sistema moral. (4) PROCEDIMENTO E RAZÃO
O que se exige é que esta não contradiga esse sistema de valores dos direitos Se a questão da decisão acerca do injusto está condicionada aos funda-
fundamentais e só nesse sentido é que tem caráter universal. Se as normas mentos deontológicos e valorativos do Estado democrático, pode-se concluir,
têm um caráter deontológico contingente, a decisão pode conduzir a uma no tocante à teoria do discurso, que essa decisão, para ser qualificada como
perspectiva custo/benefício, que HABERMAS procura contornar, repudian- correta, deve passar, necessariamente, por duas fases de apreciação. Em uma
do, por um lado, o argumento em torno da otimização deontológica e, por primeira, se discute se o procedimento adotado na elaboração normativa
outro, valendo-se do critério da coerência.215 corresponde àqueles princípios do discurso ideal, quer dizer, se efetivamente
O critério da coerência não pode subsistir senão no sentido de afirmar a foram observadas as condições de validade da norma, condições essas assenta-
validade da norma. O que está em jogo, entretanto, é determinar se uma norma das na igualdade de oportunidades para todos os participantes do discurso, na
é ou não adequada para fundamentar uma decisão correta em face de um caso liberdade de expressão, na ausência de privilégio, na veracidade e na ausência
concreto. Atendendo à proposta de KLAUS GÜNTHER, entende que uma de coação. Em uma segunda, se a decisão se justifica pela presença daquelas
norma será adequada a uma determinada situação, quando empregada de tal condições do discurso prático, isto é, se estão demonstradas a propriedade, a
modo que possa compreender todas as circunstâncias dessa situação e possa ser necessidade e a proporcionalidade da intervenção estatal.
apreciada, alternativamente, em comparação com outras normas.216 Ocorre que Segundo outra perspectiva, sob a perspectiva de uma razão prática,
esse simples procedimento não garante a correção da decisão, que deverá ser entende ALEXY haver necessidade, primeiramente, de se proceder à dife-
alcançada através dos princípios que orientam o discurso jurídico, o qual não renciação entre regras e princípios e, depois, à diferenciação das categorias
se confunde nem com o discurso moral nem com o discurso prático. das normas. Princípios seriam imposições de otimização, enquanto regras têm
O discurso jurídico deve se desincumbir de três tarefas: a) determinar a o caráter de imposições definitivas.
relação precisa entre segurança jurídica e correção; b) racionalizar os princípios Como imposições de otimização, os princípios são normas que deter-
deontológicos e o critério da coerência; c) assentar o procedimento dentro minam que alguma coisa se realize em uma medida relativamente alta de
de uma teoria do Estado democrático. Isto significa que o discurso jurídico dependência a todas as possibilidades fáticas e jurídicas que sobre ela pesam
só pode ser compreendido como discurso que tenha a proteção de direitos e que podem ser preenchidas em diversos graus de atendimento, não apenas
fundamentais como elemento teleológico de sua construção. A decisão acerca a regras, mas a princípios contrários.219 Isto implica considerar que os prin-
do injusto, por isso, deve estar orientada nesse sentido, isto é, de que, afora os cípios são capazes e carentes de ponderação, a qual representa para aqueles
preceitos do discurso prático e dos critérios de coerência ou adequabilidade uma forma característica de seu emprego.
da norma que o irá definir, se tenha que demonstrar que a restrição à atuação Por sua vez, regras são normas que podem ou não ser preenchidas. Se

214. HABERMAS, Jürgen. Die Einbeziehung des Anderen, Frankfurt am Main, 1997, p. 298. 217. HABERMAS, Jürgen. (Nota 210), p. 315
215. HABERMAS, Jürgen. (Nota 210), p. 316 e ss. 218. ALEXY, Robert. (Nota 195), p. 169
216. HABERMAS, Jürgen. (Nota 210), p. 267. 219. ALEXY, Robert. (Nota 195), p. 216.
104 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – os paradigmas procedimentais 105

uma regra é válida e é aplicada, então significa que impõe que se faça aquilo conduzir, na prática, a um decisionismo judicial, capaz de atrelar os direitos
exatamente como ela determina, nem mais nem menos. As regras contêm, fundamentais a outros fundamentos do Estado, fora da proteção da pessoa.
nesse sentido, prescrições no âmbito das possibilidades fáticas e jurídicas. A fim de evitar esse decisionismo, o modelo procedimental, orientado
Se uma regra está em contradição com outra, esta contradição é superada pela finalidade de superar as lacunas deixadas no sistema jurídico, deve seguir
mediante declaração de que uma das regras em conflito deve ser considerada os postulados de um discurso prático racional, atendendo a quatro postula-
como inválida. Se, entretanto, os princípios colidirem, a superação dessa dos: a) a exigência de máxima clareza conceitual e linguística; b) a exigência
colisão será conseguida através da ponderação acerca de qual dos princípios de máxima informação empírica; c) a exigência de máxima generalização; d)
apresenta maior peso no caso a ser decidido.220 a exigência de máxima liberdade em prejulgados. Estes postulados são apenas
Geralmente, os sistemas jurídicos se subordinam ou a um modelo de ideais, portanto, somente realizáveis aproximativamente.
regras, como no positivismo ou no racionalismo kantiano, ou a um modelo Aplicando-se esse procedimento no setor do injusto, para torná-lo com-
de princípios, como no direito livre. Tão logo o sistema de regras tenha patível com um sistema penal liberal e democrático, ter-se-ia que considerar
prescrito com absoluta precisão o caso a ser decidido, este sistema atende uma divisão entre a configuração da conduta proibida, de um lado, cuja
integralmente aos preceitos garantistas. Se inexistir essa forma de prescrição afirmação se submeteria a um modelo rígido de regras vinculantes e a consi-
e isto é muito comum, igualmente deixam de subsistir as garantias de uma deração das causas de justificação, de outro lado, que estariam subordinadas
vinculação do juiz à regra legislada, vindo a decidir segundo sua própria a um modelo de regras e princípios, atendidos os devidos postulados de
convicção ou critérios extrajurídicos. Por outro lado, a adoção de um sistema clareza, informação, generalização e liberdade na apreciação de precedentes.
único de princípios careceria de determinação e segurança. Está claro que, mesmo assim, a decisão acerca do reconhecimento do injusto
A configuração de um sistema jurídico racional só será conseguida poderia resultar arbitrária. Para evitar esse desvio, é fundamental que se tenha
mediante utilização conjunta de regras e princípios, de modo a estruturar em vista, em primeiro plano, a proteção da pessoa, cuja conduta estiver sendo
um sistema de vinculação à lei, que será fechado na medida em que se veja apreciada como contrária à ordem jurídica.
complementado por princípios, de cujos parâmetros não se pode afastar a Mais recentemente, volta a reconhecer HABERMAS a imprescindi-
decisão jurídica. Como ainda assim esse modelo não pode servir de garantia bilidade de limitações ao próprio procedimento do discurso ideal mediante
de que em todas as decisões se proceda a uma vinculação entre o argumento sua legitimação sob o marco da autodeterminação dos cidadãos e da pro-
utilizado e as regras e princípios, é indispensável que se construa sobre essas teção dos direitos humanos.222 Em último grau, isto vem a significar que
regras e princípios um modelo de procedimento racional, que pode ser en- a validade da norma que fundamenta a decisão acerca do injusto, embora
tendido tanto como um procedimento não institucionalizado de argumentos assentada na sua elaboração em procedimento democrático, não pode ser
e pensamentos impostos a determinado caso, quanto como o procedimento afirmada, se carente de legitimidade.
institucionalizado do direito judiciário.221 O perigo de se seguir um proce-
dimento judiciário, em detrimento das considerações teóricas sugeridas pela “A validade de uma norma jurídica reza que o poder estatal garante
doutrina, reside no engessamento da produção científica, que deixa de pro- igualmente a sua elaboração legítima e sua aplicação prática”223 – diz HA-
ceder à discussão em torno da legitimidade da norma e passa a construir um BERMAS – , mas sua legitimidade não pode simplesmente ser garantida
grupo de casos, à semelhança de topoi, que embasariam uma nova fórmula do pelo direito positivo, que é constantemente alterado pelo poder político,
positivismo jurídico. Igualmente, a proposta da ALEXY no sentido de extrair senão pelos pactos de proteção dos direitos humanos, porque “os direitos
o princípio adequado por meio de um procedimento de ponderação pode humanos institucionalizam as condições comunicativas para a formação de

222. HABERMAS, Jürgen. “Zur Legitimation durch Menschenrechte”, in Das Recht der Republik, Frankfurt
220. ALEXY, Robert. (Nota 195), p. 217. am Main, 1999, p. 386 et seq.
221. ALEXY, Robert. (Nota 195), p. 228. 223. HABERMAS, Jürgen. (Nota 222), p. 388.
106 TEORIA DO INJUSTO PENAL

uma vontade política racional”,224 sendo necessário, ademais, para se ins-


tituir o código do justo/injusto, “a geração do status de pessoas de direitos
que, como portadoras de direitos subjetivos, podem se associar voluntaria-
CAPÍTULO 5
mente a qualquer entidade de defesa jurídica e devem poder eventualmente
efetivar suas pretensões”.225 O injusto neste contexto deixa de ser a con- A CRÍTICA DOS PARADIGMAS
clusão de um simples procedimento regular para ser visto dentro de uma
relação dialética entre a autonomia da pessoa humana e as formas de sua
institucionalização, o que pode contribuir para uma reedificação do su- No decorrer da exposição dos diversos sistemas de compreensão do
jeito no direito e, principalmente, no âmbito das formulações acerca dos injusto, podem ser observadas não apenas suas divergências, mas princi-
fundamentos que podem ser levados em conta na definição das causas de palmente suas dificuldades de fixar-lhe um conteúdo universal, aparar-lhe
justificação. Isto, todavia, não implica uma subjetivação do injusto, como as contradições e conferir-lhe fundamentos de estabilidade. A crítica desses
se faz sentir nas concepções ontologicistas, senão que a conduta deve estar paradigmas deve orientar-se, pois, em três sentidos: a) na pretensão de sua
situada dentro de um contexto real e vinculado ao sujeito, como pessoa. atemporalidade; b) na formulação de sua linguagem; c) na sua estabilidade.
A relação da pessoa ao contexto normativo ao qual está subordinada sus-
tenta o conceito de pessoa deliberativa, que será aquela que poderá fazer 1. O PARADOXO DO TEMPO
uma autocrítica de sua conduta e da conduta dos demais, consoante sua Se o trunfo da ciência moderna poderia ser caracterizado como a des-
vinculação institucionalizada às regras que a determinam. Toda proposta coberta das leis naturais, que deram azo à fundamentação do positivismo, sua
de imputação acerca do injusto não pode prosperar sem esse fundamento, reconstrução pós-moderna deve estar situada na solução que possa dar à ques-
o que irá implicar uma profunda reconstrução do modelo básico da teoria tão da temporalidade. A pretensão de explicação universal para os fenômenos
do delito, até hoje adotada sob a influência do positivismo. é, em parte, uma criação da racionalidade, mas está também associada à ideia
determinista de um mundo pré-organizado. Nesse contexto, o racionalismo
e o positivismo entoam o mesmo coro. O primeiro, concebendo princípios
lógicos a priori; o segundo, formulando as leis da natureza; ambos, ademais,
entronizando sua atemporalidade. Para ser universal, a ciência necessita um
preceito racional de dimensão temporalmente ilimitada. Deve valer não
apenas hoje, mas no passado e no futuro, em todas as épocas.
Essa qualificação de atemporalidade se estende também às leis natu-
rais e parece advir da ideia religiosa da eternidade. Lembra PRIGOGINE
que a “ideia de que o mundo estaria sujeito a leis, apareceu de forma
gradual no pensamento do ocidente. Muitos historiadores pensam que
nisto desempenhou um papel essencial o Deus cristão, concebido como o
legislador onipotente. A Deus tudo é dado. A novidade, a escolha ou a ação
espontânea dependem de nosso ponto de vista humano. O descobrimento
das leis imutáveis da natureza havia aproximado, então, o conhecimento
humano a um ponto de vista divino, atemporal”,226 que não pôde jamais ser
224. HABERMAS, Jürgen. (Nota 222), p. 390. 226. PRIGOGINE, Ilya. Nota 1, p. 38; Idem. O Fim das Certezas. Tempo, Caos e Leis da Natureza, tradução
225. HABERMAS, Jürgen. (Nota 222), p. 391. de Roberto Leal Ferreira, S. Paulo, 1996, p. 20
108 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 5 – a crítica dos paradigmas 109

superado. Não se encontra distante deste caminho a lógica hegeliana, pela nas ciências naturais a partir das observações de LAMRACK acerca dos
qual todo juízo sobre o ser contém necessariamente um juízo precedente animais invertebrados,229 só começou mesmo a se destacar com a publica-
e, sem ele, se torna infundado e não constitui qualquer conhecimento; ção em 1859 da obra de DARWIN, A Origem das Espécies, que edificara a
mediante uma escala infinita de afirmações e negações chega, enfim, à teoria da evolução sobre um quadro de irreversibilidade. Essa mesma irre-
conclusão de que o ser é o espírito absoluto. A lógica, assim, não seria versibilidade foi estendida posteriormente aos fenômenos físicos, através
uma ciência das regras rígidas, que se destinariam a descrever o curso do da formulação da segunda lei da termodinâmica em 1865 por CLAU-
pensamento de uma pessoa real, mas “o processo atemporal e metodi- SIUS, depois complementada com a teoria da distribuição de MAXWELL
camente ordenado do pensar verdadeiro”.227 Como o único pensar é o e BOLTZMANN, ambas baseadas na chamada entropia. De acordo com
pensar verdadeiro, tomado como puro pensar e, assim, identificado com o essa lei, o conceito de entropia, tomado como o de evolução, era repre-
próprio ser, aproxima-se da ideia de uma ordem imutável e se converte em sentativo de um estado inicial de desordem. Assim, por exemplo, se dois
metafísica do ser, na qual o conhecimento humano se reduz a um processo gases entram em contacto em determinado sistema, a evolução de fluxo de
circular atemporal, que sempre retorna a si mesmo. Por seu turno, muito partículas de um para outro se processa até o instante em que se alcança
embora o movimento neokantiano tivesse por meta se opor à metafísica um estado de equilíbrio ou de ordem, que se passou a chamar de difusão
e, consequentemente, a um poder absoluto atemporal, acaba também por Maxwell-Boltzmann. Por outro lado, informa PRIGOGINE que se esses
ressuscitá-lo no processo de conhecimento, retirando-o de uma possível dois gases forem submetidos a temperaturas diversas, o experimento indica
realidade objetiva para inseri-lo em uma razão única, em sentido platônico que a sua separação não se processa dentro de uma perspectiva de reversi-
e hegeliano de ideia. Como o processo do conhecimento não é real, mas bilidade, quer dizer, sua evolução de um estado de ordem para um estado
simplesmente ideal, estaria também fora do tempo.228 de desordem não se dá na mesma medida originária, o que indica que o
A atemporalidade, contudo, ainda que se tenha inserido em todas as contato inicial e o processo de entropia produziram um estado de antidifu-
ciências desde as chamadas ciências exatas até a ciência jurídica, sempre se são. Isto induz a considerar que os fenômenos aqui observados apresentam
situou de modo contrastante com a realidade. Diariamente, tanto no âmbito características de irreversibilidade, tanto quando partam da desordem para
do mundo inanimado quanto do mundo vital, o tempo desempenhou e a ordem quanto vice-versa.230
continua a desempenhar um papel significativo para indicar a alteração de Essas argutas observações efetuadas no campo da física foram igualmen-
certo fenômeno físico, por exemplo, a destruição de um objeto; ou de com- te trasladadas ao setor da psicoterapia de grupos, na qual se foi desenvolvendo
preensão de uma atividade como justa ou injusta, por exemplo, a seguida a ideia de que nas observações de grupos familiares, tomadas dentro de um
modificação da interpretação de dispositivos legais, em face da alteração de critério sistêmico, o caráter temporal se fazia necessário para uma possível
costumes ou da consciência jurídica. Apesar dessa constatação empiricamente compreensão do tratamento que se lhes poderia dispensar. Observou-se,
demonstrável, as ciências naturais e a ciência jurídica continuaram, porém, a ainda, que não se deveriam enfocar esses grupos familiares dentro de uma
desdenhar o tempo nas suas especulações, trabalhando com critérios atem- perspectiva de absoluta estabilidade, mas sob a hipótese de que suas relações
porais. Este tratamento teórico no sentido da atemporalidade, de um lado estavam afastadas de uma zona de equilíbrio.
e a observação empírica da temporalidade, de outro, criam o paradoxo do A noção de tempo que se construiu na ciência da pós-modernidade,
tempo, que poderia ser responsabilizado pela separação da sociedade em dois por isso, não pode ser confundida com a de tempo histórico; o tempo ad-
mundos distintos: o mundo ideal e o mundo real. quire uma nova dimensão, não determinista, pela qual se orienta o campo
Embora o paradoxo do tempo tenha começado a despertar atenção experimental dos fenômenos, partindo da ordem ou da desordem, mas com

229. RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental, tradução de Brenno Silveira, S. Paulo, 1967, vol.
227. ASTER, Ernst von. (Nota 4), p. 47. III, p. 268.
228. ASTER, Ernst von. (Nota 4), p. 45. 230. PRIGOGINE, Ilya. (Nota 1), p. 45.
110 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 5 – a crítica dos paradigmas 111

o caráter de irreversibilidade contextual.231 elementos empíricos (da impressão dos sentidos), serve para distinguir duas
espécies de objetos a partir da natureza da nossa faculdade de representação.
2. A REABILITAÇÃO DO SUJEITO Eu sou, enquanto pensante, objeto do sentido interno e chamo-me alma. O
O paradoxo do tempo, por sua vez, trouxe em consideração nas ciên- que é objeto dos sentidos externos chama-se corpo”.234
cias sociais, principalmente, a reabilitação do sujeito, que delas havia sido Vê-se nesse primeiro momento que o conceito de sujeito se confunde
banido como consequência do caráter de reversibilidade que se queria dar com o conceito de consciência, como fundamento de todo pensamento e
aos fenômenos. Acredita-se que a eliminação do sujeito percorre um longo está isento de elementos empíricos, o que significa que o sujeito não é real,
caminho no pensamento científico, que se inicia por volta do século XV, mas apenas um pressuposto.
com o engenheiro italiano FILIPPO BRUNELLESCHI, a quem se deve
a invenção do desenho de perspectiva. Com as pinturas em perspectiva, Por outro lado, ao relacionar esse sujeito como objeto da psicologia
é criada gradativamente a ideia de que a imagem representa a natureza, racional, afirma KANT o seguinte: “O eu penso é, pois, o único texto da
cujo protagonista se vê incluído no próprio quadro e, assim, observado no psicologia racional de onde esta deverá extrair toda a sua sabedoria. Fa-
plano ideal e não real. cilmente se vê que se esse pensamento deve referir-se a um objeto (a mim
próprio), não poderá conter senão predicados transcendentais, porque o
O significado, de outra parte, de um mundo objetivo se mescla a inú- mínimo predicado empírico destruiria a pureza racional desta ciência e a
meros argumentos, deslocando-se desde o século XVIII da qualidade de sua independência relativamente a qualquer experiência”.235
objeto da percepção, até chegar ao extremo na pós-modernidade de prescin-
dir de qualquer perspectiva e, igualmente, de qualquer sujeito cognoscente,232 Aqui, o sujeito é tratado como tal, à medida que contenha seus
como se procura realizar, por exemplo, com o emprego dos computadores, próprios predicados, mas conserva também a característica de servir de
aos quais se quer, inclusive, atribuir a capacidade de pensar.233 distinção dos objetos, de ordem subjetiva e objetiva e de meio de união
entre os predicados e seus juízos.
De qualquer forma, a questão do sujeito teve que ser reabilitada, ainda
que de modo gradual, porque sua eliminação implicava uma contradição. Quando, entretanto, o sujeito é levado a esta última condição, o
Na ideia de KANT, por exemplo, que podemos tomar como modelo do próprio KANT, então, passa a vê-lo “apenas em sentido problemático,
racionalismo, o sujeito não é visto como pessoa real, senão como resultado não enquanto possa conter a percepção de uma existência (como o car-
da relação subjetivo/objetivo. tesiano cogito ergo sum), mas porque (o) consideramos unicamente do
ponto de vista da sua possibilidade, para ver que propriedades podem
Diz KANT: “Chegamos agora a um conceito que não foi indicado derivar dessa proposição tão simples, relativamente ao seu sujeito (quer
anteriormente na lista dos conceitos transcendentais, mas que, todavia, tem este sujeito exista quer não)”.236
que lhe ser acrescentado, sem que, no entanto, se altere, no mínimo que seja,
essa tábua ou se declare incompleta. Trata-se do conceito, ou se se prefere, Se a proposição acerca do sujeito é tomada no sentido problemático,
do juízo: eu penso. Facilmente se vê que esse conceito é o veículo de todos surge a questão, não respondida racionalmente, como é possível que tal sen-
os conceitos em geral e, por conseguinte, também dos transcendentais, em tido seja acolhido sem uma referência ao conceito de uma pessoa real e sim,
que sempre se inclui, sendo, portanto, transcendental como eles; mas não como mero pressuposto de um juízo lógico.
poderia ter um título particular, porque apenas serve para apresentar todo o Por sua vez, o positivismo, nele incluindo-se o empirocriticismo,
pensamento como pertencente à consciência. No entanto, embora isento de tendo em vista as condições ideais que assentam a validade da experiência,

231. ELKAÏM, Mony. “Dialogo”, in Nuevos Paradigmas, Cultura y Subjetividad, p. 64. 234. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, Dialética Transcendental, Livro Segundo, Capítulo Pri-
232. KELLER, Evelyn Fox. “La paradoja de la subjetividad científica”, in Nuevos Paradigmas, p. 148 et seq. meiro.
233. HELM, Gerhard. “Computer können denken!”, in Der Mensch in der Perspektive der Kognitionswis- 235. KANT, Immanuel. (Nota 234).
senschaft, Frankfurt am Main, 1998, p. 132 et seq. 236. KANT, Immanuel. (Nota 234).
112 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 5 – a crítica dos paradigmas 113

prescindiu do sujeito, tratando-o como observador imparcial dos fenômenos, Lógico-Filosófico, quando negava a existência do sujeito e procurava edi-
isto porque o via desde HUME sob a perspectiva da causalidade. O próprio ficar uma linguagem própria para as ciências, altera WITTGENSTEIN
HUME, porém, destacava que a investigação humana se dava através de duas sua postura em face da experiência, salientando que “somente sente dor o
dimensões: da relação entre ideias, e das coisas ou fatos materiais. que se comporta como homem”.238 A linguagem científica deixa de ser um
Quanto à primeira dimensão, isto é, da relação entre ideias, entendia conjunto de símbolos abstratos e eruditos e passa a ser desenvolvida a partir
que poderia ser obtida simplesmente mediante uma pura operação mental, do diálogo da vida cotidiana. O primeiro grande passo nessa transformação
o que proporcionou, mais tarde, a criação do ramo da psicologia social, ou- é dado, porém, pelo conceito de autonomia que, diferentemente da noção
trora chamada de psicofísica, que encarava os fenômenos psicológicos sob kantiana, que a via dentro da perspectiva de uma vontade inteiramente
a perspectiva de sua relação funcional com os fenômenos externos. Como afastada do desejo ou do objeto do desejo, no sentido de uma liberdade
esta dimensão da investigação prescindia de qualquer conteúdo empírico, negativa, é uma noção ligada às dependências.239
seu desenvolvimento posterior se radicaliza ao extremo ao propor-se que Estudando os sistemas de auto-organização, VON FOERSTER dizia
o método da psicologia fosse o método matemático, eliminando, assim, em 1968, dentro de uma perspectiva construtivista, que a auto-organização
integralmente, o sujeito dessa relação funcional. Mesmo a psicanálise laca- de um sistema deve trabalhar para construir e reconstruir sua autonomia,
niana prescindiu também da noção de sujeito, substituindo o eu pelo outro. mas isto implica sempre uma perda de energia, que tem que ser compen-
Nessa linha também se situa a gestalt-terapia, que é uma psicologia proce- sada, pelo segundo princípio da termodinâmica, extraindo-a do exterior,240
dimental, na qual o sujeito é substituído pelo conceito de campos, formas isto é, toda auto-organização é dependente e não autopoiética. Isto significa
ou configurações.237 Quanto à segunda dimensão, entende HUME que a que os seres vivos, ainda que compreendidos dentro de um determinado
investigação só tem significado se tratada empiricamente. Aqui, embora se sistema, como se pretende fazer com o funcionalismo, também estão sujei-
dê ênfase a uma relação de causalidade, com base em juízo de adequação, tos ao mesmo processo de perda de energia e que, por isso, devem extraí-la
ou de probabilidade, o sujeito continua sendo desprezado, só valendo como do mundo exterior, o que implica uma constante interação com o meio.
impulso de referência desse processo causal. Quando inseridos em certos sistemas, como o sistema social ou o sistema
De qualquer modo, a exclusão do sujeito não poderia subsistir jurídico, nos quais se exigem dos sujeitos determinados comportamentos
eternamente. Em primeiro lugar, porque o sujeito é o suporte de todo negativos ou positivos, a energia é simbolicamente representada por infor-
conhecimento, quer este conhecimento seja tomado no sentido racional mações que, interagindo sobre eles, possibilitam sua adaptação.
a priori, quer no sentido puramente empírico. Em segundo lugar, porque A constatação dos sistemas dependentes possibilita reconhecer que os
todos os processos e sistemas se desenvolvem tendo como condição e objeto indivíduos que nele se encontram atuam com o meio, como forma própria
as relações desse sujeito. Em terceiro lugar, porque ainda que se preten- de comunicação, embora sem se desligarem por completo dos sistemas, isto
dam estruturar as instituições sob o véu de suas perspectivas simbólicas, é, não se trata aqui de autonomia, como fundamento de liberdade, mas
a linguagem através da qual tais perspectivas são projetadas só pode ser sim de adaptação. A esse suporte da autonomia agrega-se, mais tarde, o da
articulada pelo sujeito e só adquire sentido através dele. Em quarto lugar, identidade, representativo dos princípios da diferença e da equivalência,
porque não há que se confundir o cérebro com a própria pessoa e tratá-la, pelos quais será possível reconhecer no indivíduo uma dupla face: um lado
assim, como se fora um conjunto de dados codificados; em quinto lugar, subjetivo de identificação do eu, que se assemelha, assim, ao cogito e um
porque o sujeito é o protagonista das práticas sociais. lado objetivo de diferenciação, que pode ser observado pelo próprio eu,
Diversamente de seu pensamento anterior, exposto no Tratado na forma do alter. Assim, para determinado indivíduo, o ego e o alter se
238. WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophische Untersuchungen, § 283.
237. KOFFKA, Kurt. Princípios de Psicologia da Gestalt, tradução de Álvaro Cabral, S. Paulo, 1975, p. 36 239. MORIN, Edgar. (Nota 11), p. 69.
et seq. 240. MORIN, Edgar. (Nota 11), p. 69.
114 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 5 – a crítica dos paradigmas 115

contemplam no mesmo ser auto-organizado. O indivíduo pode tratar a si como obra do próprio agente e não como produto do meio ou de situações
mesmo objetivamente, mas com finalidade subjetiva, o que permite a au- externas. Já no segundo caso, o que ocorre é um processo de inclusão: a
torreferência. A formulação desses princípios não deriva, ademais, da pura conduta, que pertence àquele mesmo sujeito, é vista agora em face da
elaboração racional a priori. Em face de estudos científicos no campo da convivência, podendo ser, por isso, aprovada, proibida ou imposta. Mas, a
imunologia, por exemplo, concluiu-se, em época mais ou menos próxima, aprovação, proibição ou imposição de uma conduta pressupõe, desde logo,
que todos os indivíduos possuem um código biológico de referência que os que essa conduta se veja apreciada segundo um quadro de valores, que se
distingue dos demais, o que lhes permite fazer frente aos agentes externos: forma justamente da interação do sujeito com os demais, o que só pode ser
o que faz parte da identidade molecular é acolhido, o que não lhe pertence efetuado mediante a subsistência de um processo de comunicação entre os
é rejeitado. Reconheceu-se também uma outra característica biológica da diversos sujeitos. O processo de comunicação, como consequência, assim,
identidade: a renovação. Ao cabo de alguns anos, como sabemos, todo indi- do processo de inclusão, possibilita a integração dos sujeitos no mundo
víduo já não será o mesmo de antes, pelo processo contínuo de substituição social e no círculo jurídico.
de suas células, o que assinala que o indivíduo biológico não é reversível, Esses mesmos processos de exclusão e inclusão, por sua vez, não são
isto é, apresenta uma sequência temporal definida, ainda que conserve exclusivos apanágios da ciência jurídica, mas já foram vistos na psicologia,
sua posição de indivíduo diferenciado e identificado com o mesmo ego. A no sentido de não trabalhar nem no plano puramente racional, no sentido
consideração dessas características de identidade e diversidade induziu, por como queria KANT, nem somente no plano da exclusão instintiva, nem
um lado, a recuperação da noção de indivíduo, decorrente de uma tomada meramente procedimental.241 Para dar uma exata dimensão das perspecti-
de posição realista nas ciências biológicas – na verdade, como assinala vas modernas da psicologia, cumpre fazer-se referência a um extraordinário
MORIN, nunca se viu uma espécie, senão apenas indivíduos determinados experimento, conduzido por DAVID L. ROSENHAN. Atendendo à neces-
dentro das espécies – e, de outro, a restauração ou a instauração da noção sidade de se discutir, com profundidade, acerca dos métodos empregados na
de sujeito nas ciências sociais e jurídicas. psiquiatria, foram oito pessoas sadias internadas, voluntariamente, em doze
Tomar o sujeito no seu aspecto puramente biológico, determinado por diferentes hospitais psiquiátricos. A cada uma se destinava uma respectiva
características moleculares e causais, é diferente de situá-lo no âmbito social tarefa. Ao cabo de alguns meses foram desinternadas, sem que os médi-
e jurídico. Aqui não basta assinalar sua identidade e diversidade. Deve entrar cos tenham percebido que não eram portadoras de qualquer enfermidade
em consideração um mundo de relações e de valores, que se deve associar mental. Analisando os resultados da experiência, ao lado dos relatórios de
ainda a mais três outros princípios, que salientam sua condição humana: os cada pseudopaciente, chegou ROSENHAN à conclusão surpreendente de
princípios da exclusão e inclusão, e o da comunicabilidade. que esses pseudopacientes foram, assim, tratados como enfermos mentais,
Na medida em que o sujeito passa a ser visto sob os planos social e sem o serem, porque fundamentalmente os operadores dos respectivos diag-
jurídico, criam-se em torno dele duas sortes de exigências: uma exigência de nósticos clínicos já, desde logo, partiram da conclusão pré-configurada de
que sua conduta seja produto de sua vontade, que por isso deve ser enca- que todos eram, de fato, doentes, uma vez que ali estavam internados e que,
rada como uma conduta diferenciada da conduta dos demais, fundante de ademais, – e isto talvez constitua o dado mais importante da experiência – o
toda a responsabilidade e uma outra exigência de que sua conduta se ajuste método de tratamento os conduzia por um processo de destruição de sua
ao que se considera como adequado à sua convivência com os demais. própria personalidade, executado sob a falta de comunicação verbal e de
No primeiro caso, tem-se realizado um processo de exclusão, quer dizer, o contato visual entre si, e entre eles e os médicos.242 Isto quer significar que
sujeito que se conduz social e juridicamente não é o mesmo que um outro o método de observação psiquiátrica não terá qualquer valor se não estiver
de seu grupo social ou de seu círculo jurídico, senão ele, sozinho, separado 241. LANDAUER, Karl. Theorie der Affekte und andere Schriften zur Ich-Organisation, Frankfurt am Main,
1991, p. 195 et seq.
dos demais. Aqui se fixam as bases da autoria e da imputação do resultado, 242. ROSENHAN, David L. “Acerca de estar sano en un medio enfermo”, in La realidad inventada, Barce-
lona, 1998, p. 99 et seq.
116 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 5 – a crítica dos paradigmas 117

associado às condições de interação de cada paciente, tomado como sujeito as manifestações de multiculturalismo, o que possibilita a convivência entre
de sua relação com os demais pacientes, com as pessoas do mundo, ou do sujeitos de personalidade e formação diferenciada. No sentido do direito, o
ambiente externo, e com seus próprios observadores. conceito de mundo da vida induz à compreensão de um sujeito que possa ser
Nas ciências sociais, a recuperação da noção de sujeito começou a tratado como pessoa deliberativa, ou seja, aquela pessoa que está capacitada
ganhar terreno, principalmente, na sociologia do conhecimento. Em uma de internalizar as normas relativas à ordem jurídica à qual esteja subordinada.
obra clássica e ao mesmo tempo inovadora, BERGER e LUCKMANN O conceito de pessoa deliberativa, por seu turno, é essencial para delimitar
ressaltaram, de maneira consistente, ainda que com apoio na concepção o âmbito de atuação das normas penais. Só poderão ser alcançados pelas
fenomenológica, a interação dos processos de inclusão e exclusão para a normas criminalizadoras aquelas pessoas que estejam inseridas no mundo
construção social da realidade, na qual o sujeito se insere não como mero que vida que lhes corresponde. Além disso, o conceito de pessoa deliberativa
subsistema, mas sim, como centro dessa construção.243 constitui pressuposto para a construção do conceito jurídico de conduta.

Mais recentemente, as teorias cognitivas da realidade repudiaram a 3. O AJUSTE DA LINGUAGEM


consideração de que o sujeito pudesse ser reduzido a mera engrenagem de um A crítica à dedução transcendental de KANT, pela qual a objetividade
processo causal ou que pudesse ser tratado dentro de um sistema exclusivo da experiência se via subordinada à validade dos juízos sintéticos a priori,
de regras que nele se produzem e se autorreproduzem, simplesmente porque, isto é, àqueles juízos que resultam originariamente da experiência, mas que
desconsiderando essa relação dialética da exclusão e da inclusão, os defensores dela prescindem porque assentados em outras bases racionais, é efetuada em
de tal estrutura não poderão traçar um quadro de valores sobre os comporta- três sentidos: pelo positivismo, principalmente pelo Círculo de Viena, pela
mentos que ensejaram essas regras, já que esses mesmos valores passam a ser hermenêutica e pelas teorias procedimentais. Todas essas teorias apresentam
vistos como meros pressupostos formais da organização do próprio sistema.244 um ponto comum: fazem depender a análise dos objetos da validade da
Ao considerar, por fim, que o direito, em oposição ao pensamento po- linguagem. Com isso, procedeu-se a uma dupla transformação de valores.
sitivista, é uma prática social, a construção do sujeito não pode ficar alheia à A linguagem não poderia ser uma linguagem qualquer, senão apenas aquela
sua inserção no mundo da vida, ou seja, aos contextos nos quais forma sua que fosse adequada a retratar a realidade objetiva, isto é, a que a ela melhor
personalidade, desenvolve sua linguagem, apreende sua existência a partir se ajustasse, de modo que a verdade de suas proposições não poderia ser
da existência dos demais e engendra um processo de comunicação. Uma vez alcançada por todos, senão por uma elite de especialistas. Essa estrita compe-
inserido no mundo da vida, o sujeito se torna envolvido por todas as con- tência atribuída aos especialistas, no sentido de exprimir a linguagem correta,
dições, normas e valores, que o vinculam à ordem social e à ordem jurídica. eleva-os à condição de autoridades, pela qual exercem o domínio de classe
Justamente em face disso, ao mover-se sob o espectro de normas e valores, sobre aqueles que ficam de fora do processo de comunicação. Como diz
sob a interação com as demais pessoas, o sujeito se capacita a proceder a uma BOURDIEU: “A linguagem geralmente representa a autoridade, manifesta-a
crítica de sua conduta e da conduta dos demais, bem como a poder conferir e a simboliza. Por isso, existe uma retórica que caracteriza todo o discurso
legitimidade ao seu comportamento, no sentido de um comportamento ajus- da instituição, isto é, um discurso oficial de um porta-voz autorizado, que
tado a todos àqueles que estejam submetidos às mesmas condições do mundo se expressa ele mesmo em uma situação solene, com a autoridade que lhe
da vida. Embora de origem fenomenológica, derivado que é das lições de é delegada. Este perfil (simbólico) caracteriza a linguagem dos religiosos,
HUSSERL, o conceito de mundo da vida é perfeitamente assimilável à pers- professores e, em geral, de todas as instituições, como rotina estereotipada e
pectiva democrática de acolhimento, em uma mesma ordem social, de todas neutra, oriunda das posições ocupadas em um campo competitivo por essas
pessoas, às quais é confiada a delegação de autoridade”.245
243. BERGER, Peter/ LUCKMANN, Thomas. Die gesellschaftliche Konstruktion der Wirklichkeit, Frank-
furt am Main, 1998, p. 95 et seq.
244. JANISCH, Peter. “Zwischen natürlicher Disposition und kultürlicher Lebensbewältigung”, in Der 245. BOURDIEU, Pierre. Language and Symbolic Power, tradução americana de Gino Raymond Matthew
Mensch in der Perspektive der Kognitionswissenschaften, Frankfurt am Main, 1998, p. 380 et seq. Adamson, Cambridge/MA, 1991, p. 109.
118 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 5 – a crítica dos paradigmas 119

Ademais, se o conhecimento da realidade está na dependência da lin- no sentido de que, se a verdade tem que ser entendida pragmaticamente,
guagem, os signos por ela utilizados constituem uma simbolização dessa em função da decisão, esta verdade da proposição terá um caráter norma-
realidade, que se agudiza ainda mais quando a linguagem é interpretada tivo, dependente de uma especial visão do mundo.249 Neste caso, o injusto
mediante um processo de pré-compreensão.246 Aqui, então, se chega ao ex- não será tido como obra do sujeito, senão de um juízo que se formula ou
tremo de sua simbolização, que deixa de ser uma simbolização objetiva e sobre um fictício contrato social originário, segundo as normas vigentes do
apreensível, pelo menos ao alcance de uma operação empiricamente con- direito americano (RAWLS), ou proferido por um juiz Hércules, com base
testável, para se transformar em uma simbolização subjetiva, dependente de em princípios gerais da ordem jurídica e dos precedentes (DWORKIN),
modo exclusivo de um sistema de valores antecedente à própria elaboração ou de um discurso fictício de validade (HABERMAS).
da norma e ao qual apenas terá acesso o intérprete valioso e capaz. Contra Não se altera essa visão se a interpretação da linguagem ou o discurso
essa simbolização, afirma LYOTARD ser absolutamente falsa a ideia de que a forem referidos ao sujeito, porque isto implicaria ressaltar unicamente sua
realidade é construída pela linguagem.247 À medida que se siga essa concepção característica de exclusão (o sujeito como vontade), com o perigo de trans-
simbólica, mais se sedimenta a distância entre a elite intelectual e as bases portar a questão ou no sentido ontológico de uma visão pessoal do injusto
reais do processo de produção e mais se alimenta a dominação de classe. Essa (o injusto como direção de vontade) ou para uma visão absolutamente
particularidade da linguagem como instrumento de poder já fora também biologicista ou organicista da realidade (o injusto como código funcional).
consignada por ADORNO, que a encara como parte integrante de uma Criticamente a essa pretensão, adverte WARAT que se observa “na semio-
racionalidade instrumental, de modo a transformar em mercadoria todo o logia uma tendência perigosa de vincular o discurso aos sujeitos e às suas
complexo cultural de uma formação social.248 interações comunicacionais. Na verdade, o discurso necessita ser vinculado
Aplicável ao injusto, o uso da linguagem implica que a constituição aos diversos elementos do todo social. O discurso é um dado social, que
do ato ilícito ou antijurídico depende de como se interpretam os signos que não pode ser isoladamente abordado, principalmente, se o interesse da
determinam o que é proibido, imposto ou autorizado. A conduta injusta, pesquisa aponta a determinação do valor social das significações”.250 De
assim, não será entendida como produto de uma pessoa, mas simplesmente todas as argumentações que se poderiam tecer acerca de como se alcançar
como um acontecimento simbolicamente reproduzido por meio da lingua- verdadeiramente um conceito de injusto, resulta uma conclusão inafastável
gem. Quem faz o injusto, no fundo, é o intérprete ou com base na norma de que, em qualquer caso, o injusto é um produto do sujeito situado em
ou com base na compreensão de seu sentido. Dessa mesma estrutura não seu contexto social, e sua fixação só terá validade, se efetuada de tal forma
escapam, inclusive, as teorias relativistas, tais como, a teoria da falibilidade que não torne duvidosa a orientação que esse mesmo sujeito possa receber
de POPPER e as teorias procedimentais, as quais fazem depender a verdade do quadro de valores sob os quais atua. Seguindo a crítica de WARAT,
de como se deve decidir acerca de sua representação, quer dizer, a objetivi- podemos dizer, assim, que a recuperação do sujeito só poderá ser efetuada
dade depende igualmente da validade do instrumento de sua investigação. se for ele tomado em todas as suas dimensões, como pessoa individual e
Ainda que supere a questão da mera interpretação ou da pré-compreensão, como pessoa situada em determinado contexto.
mediante um processo de elaboração das condições de um discurso ideal, Caso se queira obter na configuração do injusto um mínimo de
as teorias procedimentais, que estão hoje em voga no pensamento jurídico, segurança jurídica a todas as pessoas em um Estado democrático, será
como as do neocontratualismo, da integridade ou da ação comunicativa, se indispensável repensar-se a função da linguagem e de seus símbolos e sua
defrontam com uma séria dificuldade, muito bem observada por DURÃO, atuação nessa configuração. Os neopositivistas do Círculo de Viena, ao
proporem a elaboração de uma linguagem própria para a ciência, distinta
246. Para uma visão aprofundada e exaustiva das várias acepções do simbólico, sob uma perspectiva fun-
cional, consultar NEVES, Marcelo. Symbolische Konstitutionalisierung, Berlin, Duncker & Humblot,
1998, p. 15 et seq. 249. DURÃO, Aylton Barbieri. A Crítica de Habermas à Dedução Transcendental de Kant, Londrina, 1996,
247. LYOTARD, Jean François. Discurs, figure, Langres: Klincksieck, 2002, p. 284. p. 159.
248. ADORNO, Theodor W. Negative Dialektik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970, p. 58. 250. WARAT, Luís Alberto. O Direito e a Linguagem, Porto Alegre, 1995, p. 101.
120 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 5 – a crítica dos paradigmas 121

da linguagem cotidiana, já advertiam que o conhecimento dos objetos regressarem à vida civil, passaram a apresentar graves sintomas de disfunção
pode ser obscurecido em face do emprego de uma linguagem defeituosa, motora: não podiam caminhar normalmente nem usar seus membros como
a qual por certo retrataria um quadro distorcido de todas as preocupações desejavam. Inicialmente pareceu aos médicos que os ferimentos teriam
cognitivas.251 Embora a saída que encontraram, mediante elaboração de provocado anomalias justamente em uma área que se relacionava a esses
uma linguagem hermética e formal, tenha trazido como consequência sua movimentos, mas, ao cabo de algumas investigações, chegaram à conclu-
elitização, sua advertência é pertinente, à medida que seus signos se tornem são de que tudo estava normal, até que descobriram que essas anomalias
incompreensíveis e imprecisos. se relacionavam a uma deficiência visual, pela qual os pacientes efetiva-
Independentemente da discussão que se trava na teoria da linguagem mente não viam os objetos nos locais em que se encontravam, embora
acerca de seus variados vértices, estruturas e contradições, parece pacificado vislumbrassem esses mesmos locais como normais, sem os respectivos ob-
o entendimento, no atual estágio da semiologia, de que a linguagem, ao jetos. Em termos de função, o fenômeno é equivalente ao teste do ponto
contrário do que sempre se acreditou, não é predominantemente denota- cego, quer dizer, os objetos se situavam em um ponto cego ampliado, o
tiva, mas conotativa, isto é, não se resume a indicar ou definir os objetos, qual tem como característica não denotar a deficiência visual. No caso, os
senão representar também suas significações latentes e suas relações com o pacientes não caminhavam normalmente porque não podiam comandar
sistema de significados enunciados.252 O caráter conotativo da linguagem visualmente seus membros, mas com uma pequena particularidade, todos
sugere sempre a indagação se, efetivamente, por meio dela se pode alcançar achavam que estavam de posse de uma visão normal. Para recuperar seus
a correção dos juízos. É relevante salientar que com a evolução dos meios movimentos perfeitamente, bastou-lhes vedar os olhos. Agora, conscientes
de comunicação, a partir da criação do cinema e seu desenvolvimento de sua cegueira, alteraram sua forma de percepção e puderam controlar
com a televisão, o que ocorre é a formação de um real imaginário, que seus membros. Retirada a vedação dos olhos, recuperaram normalmente o
se desloca no espaço e se transmite universalmente a todos os sujeitos, controle motor, já que sabiam como executá-lo. O controle motor, nesse
gerando expectativas, emoções, sofrimentos, ódios, simpatias ou arreba- caso, só foi recuperado, porque os pacientes o reconstruíram sob outras
tamentos, condensados em um pequeno aparelho receptor, de forma que bases de percepção,254 de modo que estivessem conscientes de sua cegueira
seus protagonistas, pela imagem e pela linguagem, se vejam inseridos em e passassem, por isso, a formar uma estrutura adequada a essa percepção.
um mesmo mundo, de idênticos valores. Nesse processo de transmissão, Segundo este mesmo sentido, pode-se dizer que a linguagem só pode tornar
a relação conotativa já vem pronta, acrítica, induzindo seus receptores a compreensível aquilo que foi previamente construído.
aceitá-la como verdadeira. A verdade de que tudo não passa, porém, de Aplicável esse raciocínio à questão do injusto penal, tem-se que o sis-
uma grande encenação, mais ou menos aproximada do real, na medida do tema de valores sobre os quais se apoia a norma só pode ser compreendido
interesse dos titulares da transmissão, só pode ser alcançada por aqueles pelo sujeito, se forem preenchidos alguns pressupostos: a) se a linguagem que
que a construíram. Isso mais se acentua, agora, com as redes sociais, que expressa esse injusto for a linguagem cotidiana e não a linguagem construída
inundam os cérebros com muitas informações, sem qualquer sentido crítico por outrem; b) se os elementos da delimitação da conduta proibida forem
e sem qualquer demonstração de veracidade. traçados por todos, em um processo de participação democrática e não a
Ilustra muito bem essa afirmação o relato feito por VON FOERSTER construção efetuada por uma elite; c) se for possível submeter todas as infor-
acerca de um fato ocorrido na Primeira Grande Guerra Mundial.253 Alguns mações a uma crítica constante sobre sua correção e veracidade. Atendidos
soldados haviam sido baleados no cérebro e após terem recebido alta e esses pressupostos, será possível estabelecer uma base para recuperar o sujeito
também na linguagem e aproximá-lo dos objetos reais da proibição, porque
251. WARAT, Luis Alberto. (Nota 250), p. 37.
então se pode dizer que o injusto não será simplesmente um produto de seus
252. WARAT, Luis Alberto. (Nota 250), p. 82.
253. FOERSTER, Heinz von. “Visión y Conocimiento: disfunciones de segundo orden”, in Nuevos Paradig-
mas, p. 103 et seq.; Idem, “Construyendo una realidad”, tradução espanhola de Nélida M. De Machaim,
Ingeborg S. de Luque e Alfredo Báez, in La realidad inventada, Barcelona, 1998, p. 39. 254. FOERSTER, Heinz von. “Construyendo la realidad”, in Realidad inventada, Barcelona, 1998, p. 40.
122 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 5 – a crítica dos paradigmas 123

signos, mas de uma decisão de todos.255 Resta agora discutir o problema da primárias e secundárias, pela qual se procede à eliminação do regresso infinito
universalidade do injusto. mediante a identificação da causalidade superveniente, por si só produtora do
evento. Esse primeiro sentido de causalidade, como força produtora de efei-
4. A QUESTÃO DA ESTABILIDADE: HUME E MACKIE tos, repercutiu inclusive nas ciências naturais e no pensamento de KEPLER
A ideia da universalidade dos conceitos e das leis, como já se disse, e GALILEO e até mesmo no empirismo de BACON. No segundo sentido,
corresponde à expectativa da obtenção de estabilidade. Isto vale tanto nas a partir de HUME, a noção de causalidade perde seu caráter de necessidade
ciências naturais quanto nas ciências jurídicas. Nas ciências naturais, a es- ou infalibilidade objetiva. A causa nada mais é do que o produto de um juízo
tabilidade foi perseguida tanto pelo racionalismo quanto pelo positivismo. de probabilidade, assentado na associação de expectativa e experiência. A esta
O primeiro com a introdução dos juízos sintéticos a priori, o segundo pela formulação de HUME, procurou se opor KANT, para quem, entretanto, a
ideia de leis naturais. Desses dois grandes sistemas não se libertaram nem causalidade, embora validada pela experiência, constituiria uma categoria a
a hermenêutica nem as teorias procedimentais, pois buscam fundamentar priori do pensamento, reeditando em termos racionais a mesma teoria do
sua estabilidade, respectivamente, em uma já configurada pré-compreen- encadeamento de ANSELMO DE CANTERBURY, pela qual se conceituava
são ou em um instrumento ideal de raciocínio argumentativo. Mas, em a natureza de acordo com sua ordenação causal.256 Apesar da crença nas leis
certa medida, podemos considerar que o argumento de estabilidade ou naturais ainda subsistir, inclusive, no positivismo, as ciências contemporâ-
universalidade sempre esteve ligado originariamente à questão da causa- neas já não podem compartilhar de um princípio de causalidade necessária e
lidade, o que de certa forma possibilita um juízo de refutação. Com as infalível, principalmente em face das leis da termodinâmica e da física quân-
teorias procedimentais, no entanto, especialmente com o funcionalismo, tica.257 A discussão sobre o conteúdo atual da causalidade será retomada mais
este juízo desaparece com a separação entre sistema jurídico e sistema social: adiante. Aqui interessa tomar uma resolução quanto ao problema que esse
a estabilidade passa a ser puramente normativa, sem respaldo empírico. Só conceito provoca nas formulações diretas do injusto, isto é, determinar até
mais tarde, por força da concepção democrática do injusto, insere-se em que ponto a inserção da causalidade na teoria do delito pôde implicar uma
sua edificação também o conceito de pessoa deliberativa, como forma de completa reformulação dos antigos elementos do direito medieval.
recuperar o sujeito na ordem jurídica. A opção que o conceito de causalidade sugere pode ser desdobrada em
duas dimensões. Na primeira, deve-se decidir se o ato injusto pode ou não
(1) A CAUSALIDADE pode ser tomado com o caráter de universalidade. Na segunda, se o ato in-
Na história da filosofia, informa SCHISCHKOFF, o princípio da causa- justo deve ter por base um resultado, ou se se torna suficiente com a simples
lidade sofreu uma profunda alteração em dois grandes sentidos. No primeiro orientação da conduta. Uma vez superado esse tema, resta verificar que a
sentido, segundo sua concepção originária de DEMÓCRITO, depois desen- teoria do injusto deve ser construída a partir do sujeito, mediante, portanto,
volvida por ARISTÓTELES e PLATÃO, mas principalmente pelos estoicos de sua recuperação no direito.
e epicuristas, emprestava-se à causalidade o atributo de constituir uma força
produtora de efeitos. Isto conduziu mais tarde, quando da apreensão desse (2) INJUSTO E UNIVERSALIDADE
conceito na filosofia medieval sob influência árabe, à teoria da hierarquia Quanto à primeira dimensão, deve ser seguida a opção de que o ato
das causas, pela qual se atribuía uma ordem natural ao mundo, tendo como injusto não pode ser tomado com o caráter de universalidade. Normalmente,
precedente uma causa primeira, que seria Deus. Conhecida se torna, então, quando se destaca a legitimidade de uma norma, se põe em discussão se seu
a formulação de TOMÁS DE AQUINO acerca da diferenciação entre causas
255. Nesse passo, o enunciado 241 das Investigações Filosóficas de LUDWIG WITTGENSTEIN: “Assim 256. SCHISCHKOFF, Georgi. Philosophisches Wörterbuch, 22ª edição, Stuttgart, 1991.
você está dizendo, portanto, que a concordância entre os homens decide o que é certo e o que é errado? 257. STEGMÜLLER, Wolfgang. Das Problem der Induktion: Humes Herausforderung und moderne An-
Certo e errado é o que os homens dizem; e os homens estão concordes na linguagem. Isto não é uma tworten, Darmstadt, 1996; PRIGOGINE, Ilya. O Fim das Certezas: Tempo, Caos e as Leis Naturais,
concordância de opiniões, mas da forma de vida”. tradução de Roberto Leal Ferreira, S. Paulo, 1991, p. 77 et seq.
124 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 5 – a crítica dos paradigmas 125

enunciado pode ser universalizado. Esse é o palco de uma formulação kan- empreendido por JOHN LESLIE MACKIE. A discussão em torno dessa
tiana, que elege como imperativo categórico a condição essencial da conduta postura remete à reprodução, ainda que rapidamente, dos fundamentos da
moralmente correta como aquela que, segundo a vontade do sujeito, possa ser filosofia moral de HUME, sobre a qual se deve desenvolver a base de uma
tomada como lei universal. O propósito de tal formulação reside na delimita- concepção do injusto.
ção dos elementos que devam conferir à conduta um atributo ético imposto HUME não se interessava, na verdade, em responder o que devemos
a todos. Aplicado, sem contornos, ao âmbito do injusto, a consequência seria fazer, questão esta que sempre esteve presente em todas as outras direções da
de que todas as condutas proibidas deveriam ser omitidas por todos, sendo filosofia moral, senão esclarecer com que fundamentos isto deve ser feito.258
inadmissível qualquer causa que as pudesse justificar. Essa consequência da Parece que nesse aspecto é, na verdade, um precursor das teorias procedi-
universalidade conduz, porém, a construir o injusto sob o domínio de uma mentais, anterior a KANT.
norma de obediência, o que contrasta com os fundamentos empíricos que
também o devem fundamentar. Nesse sentido, o injusto não pode ser uni- Partindo do princípio de que não existe uma verdade moral em sentido
versal. Está claro, por outro lado, que o critério de universalidade pode ser objetivo-metafísico, que possa constituir objeto de conhecimento, procura
tomado sob outro significado, quando se submeta a própria proibição a um HUME distinguir entre duas espécies de virtudes: as virtudes naturais e
juízo de refutação. Para tanto, então, pode-se veicular que uma norma só terá as virtudes artificiais. As disposições de conduta da virtude natural, assim
legitimidade se puder ser seguida por todos, conforme o discurso racional como as correspondentes instituições, pertencem ao arcabouço biológico das
pela qual é enunciada. Nesse ponto, assim, deve-se fazer uma diferenciação pessoas humanas; as virtudes artificiais, ao contrário, nada mais são do que
entre o injusto tomado a partir de uma norma de obediência e o injusto como invenções humanas, o que implica que os homens não estão antropologica-
objeto contingente, submetido ao crivo de um procedimento de legitima- mente obrigados a segui-las. Aquilo que é realizado por conta do arcabouço
ção. O injusto tomado a partir de uma norma de obediência é incompatível natural do homem, por sua vez, só pode ser obtido, na segunda forma de
com um Estado democrático, porque deixa de lado em sua construção todo virtude, mediante um processo de socialização, quer dizer, mediante a coope-
o contexto no qual o próprio destinatário, sujeito da norma, se insere. É ração de todos. Este processo de cooperação, no qual se executam as virtudes
condição essencial de legitimidade de uma norma que ela incorpore todos artificiais, tais como o respeito ao patrimônio alheio e às suas transferências,
os elementos que sirvam de referência ao sujeito para que este possa dirigir e o ajuste e o cumprimento dos acordos, a lealdade, a liberalidade, a tolerân-
orientar sua conduta social. Se o simples ato de infringir uma norma proibi- cia, a caridade, o amor ao próximo, a moderação e a imparcialidade, induz
tiva ou mandamental, elevada à categoria de universalidade, já caracteriza o a tendência natural dos homens a ressaltar sua simpatia para com os outros,
injusto, sem possibilitar que essa infração possa ser justificada pelo contexto, ao mesmo tempo em que fundamenta as regras da justiça.
isso desnatura a condição de sujeito de direito, que deve ser apreciado como O processo de configuração dessas virtudes, assim, deve percorrer três
um ser contingente, com suas fraquezas, dependências e sujeições. Já o in- etapas. Em uma primeira etapa se demonstra que a virtude sobre a qual se
justo tomado como objeto contingente está a exigir, constantemente, um quer argumentar não possui substrato natural; em uma segunda etapa se
procedimento de prova de legitimidade da norma criminalizadora, contra fornece a explicação de seu processo de formação; e em uma terceira etapa
a qual podem ser opostos tanto os elementos empíricos que embasam a se procura responder à pergunta por que o atendimento dessas regras é
conduta quanto o próprio critério de universalidade, como condição do tido como virtuoso ou moral, e o contrário como moralmente reprová-
preenchimento da igualdade. Se o ato injusto é caracterizado em face apenas vel.259 Para HUME o sistema moral tem o efeito de desenvolver e fortalecer
de um determinado autor individual e não de uma universalidade, sua con- todas as disposições caracterizadas como virtudes e, ao mesmo tempo,
tingência viola as regras do discurso racional, porque faz do destinatário um
258. HUME, David. Eine Untersuchung über die Prinzipien der Moral, tradução alemã de Gerhard Stremin-
objeto e não um sujeito de direito. Para se compreender melhor este aspecto, ger, Stuttgart, 1984; MACKIE, John Leslie. Humes´s moral theory, London, 1980; STEGMÜLLER,
parece procedente um retorno a HUME, conforme o enfoque recentemente Wolfgang. Hauptströmungen der Gegenwartsphilosophie, Stuttgart, 1989, tomo IV, p. 236 et seq.
259. STEGMÜLLER, Wolfgang. Nota (258), p. 239 et seq.
126 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 5 – a crítica dos paradigmas 127

desestabilizar aquelas que considera como defeitos. Por isso, a valoração atividade dirigida a um fim, como se a orientação ao fim fizesse parte de uma
moral é prescritiva e, pois, determinante de conduta. À medida que essas categoria ôntica, senão de que a essa conduta sempre se vincula um complexo
valorações passem a integrar o sistema moral, codeterminam diretamente de diversos e variados fins, os quais se constituem em objeto de uma escolha
as ações humanas, sem precisar da alternativa da formação de consciência. pessoal, cuja garantia na forma de pretensão perfaz o ponto de apoio para
Ademais, as virtudes, tanto naturais quanto artificiais, têm a tendência de fundar sua concepção jurídica de moral.
bem servirem à sociedade. Contrariamente, assim, a todas as teorias morais, MACKIE inverte
Entendido dessa forma o sistema moral de HUME, tem-se a impressão o raciocínio: em vez de fazer derivar os conceitos jurídicos dos conceitos
de que tudo gira em torno do que se possa compreender por virtude e afinal morais, transforma estes a partir daqueles. Esta filosofia moral que se sus-
como ela se origina, em uma revisão epicurista da realidade.260 Entretan- tenta a partir do direito é explicável como uma via alternativa. Diante da
to, para ele é completamente irrelevante se perquirir se determinada ação negação de uma moral puramente deontológica ou de uma moral puramen-
humana pode ser considerada como virtuosa ou defeituosa. Importante será te teleológica e diferentemente destas, afirma o primado do direito sobre
a regra pela qual se chega a essa conclusão de uma conduta não é aprovada as obrigações e os fins. O sistema jurídico, portanto, é o veículo garantidor
porque esteja de acordo com a regra moral, mas porque nós consensualmente de que todas as pessoas possam efetuar as escolhas de sua preferência em
a aprovamos como tal. Tanto a regra moral quanto a conduta que a ela se face de ideais e fins concorrentes.261
ajusta são, pois, construções humanas. No sistema idealizado por RAWLS os indivíduos construíam a noção
Orientando seu sistema moral segundo este modelo, MACKIE de bem através de seu projetado plano de vida racional, delineado de acordo
sustenta, porém, a tese de sua reconstrução sob a relevância dos valores com as condições com que se defrontam. Este plano, que resulta de uma
individuais da pessoa humana, como forma ou condição antropológica de escolha racional que se processa pela rejeição de outros planos, não pode
uma vida virtuosa. Com isso, acentua que o conceito de direito representa ser aperfeiçoado, já que deve ser tido como o único que, racionalmente,
uma conjunção entre direitos da pessoa e suas pretensões. Desse modo, caso corresponderia ao sujeito.262 Ao contrário da postura de RAWLS, entende
se reconheça que X tem o direito moral de realizar Y, isto significa que X MACKIE que não existe um plano de vida racional. Os homens, na verdade,
tem, primeiramente, o direito de liberdade de realizar Y e, ademais, uma executam vários planos, dentro de uma sequência temporal, dependendo
pretensão de obrigar as outras pessoas a não impedi-lo de realizar Y. Para de cada expectativa que lhes surge a todo instante. Precisamente, esta varia-
evitar equívocos, projeta sua estrutura jurídica em duas teses negativas: a) bilidade de escolha é que se lhes deve assegurar mediante a norma jurídica
o direito não resulta a priori de princípios gerais; b) não há direitos abso- como um direito fundamental, embora não se possa afirmar que se trate de
lutos. Nesta estrutura, o direito assume a função de fixar com segurança um direito absoluto, existente a priori, mas de um direito conquistado e que
os espaços da liberdade individual. serve de base à filosofia moral voltada para o sujeito.
Com a premissa de que a consecução do bem individual constitui uma Como consequência dessa filosofia, igualmente se insere como direito
parte essencial de uma vida virtuosa, estima que se deve assegurar à pessoa fundamental o direito à vida, não porque seja um direito absoluto – nas
um espaço vital onde ela possa executar suas pretensões à própria realização. condições de legítima defesa, por exemplo, pode ser violado pelo próprio
A referência a uma pretensão de autorrealização conduz a perfilar seu sistema indivíduo – , mas sim, porque constitui um elemento indispensável para a
como um sistema orientado pelas consequências, as quais se irão refletir ca- realização daquele direito de escolha. Embora a violação do direito à vida
tegoricamente na conduta humana. Esta conduta não se resume, entretanto, possa ser autorizada em casos especiais ao indivíduo, quando seu próprio
como normalmente se tem feito na teoria da ação final, ao exercício de uma direito à vida se encontra em conflito com o de outrem, e aí essa violação
261. MACKIE, John Leslie. Ethik. Die Erfindung des moralischen Richtigen und Falschen, tradução alemã
260. Sobre uma visão epicurista da realidade, WEINKAUF, Wolfgang. Die Philosophie der Stoa, Stuttgart, de Rudolf Ginters, Stuttgart, 1983, p. 216 et seq.
2001, p. 13. 262. RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça, p. 98.
128 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 5 – a crítica dos paradigmas 129

autorizada está na dependência de uma regra de preferência, tal não se es- valores, todo sistema que busque retratar normativamente essa relação deve,
tende ao Estado, que não pode ser considerado como parte no conflito. A primeiramente, merecer uma determinada qualificação, cujo objeto, como de
pena de morte é, pois, inadmissível desde logo, porque incompatível com a qualquer outra ciência cognitiva, deverá ser aquilo que representa de forma
estrutura da moral subjetiva. mais aguda esse mesmo sujeito, que é conduta humana.265
Ainda que constitua o objeto do sistema jurídico, que fundamen-
(3) INJUSTO E DANO talmente é um sistema de normas impositivas, proibitivas e permissivas, o
Com a adoção da tese de que mesmo os mais elementares direitos são conceito de conduta humana não pode servir, porém, de modelo e de orien-
relativos, desponta agora a questão fundamental do injusto, isto é, como tação a esse sistema. As relações pessoais, desenvolvidas através de condutas
e em que medida se justifica a intervenção do Estado na liberdade indivi- individuais e subordinadas a determinadas escalas de valores, induzem a que
dual. Neste aspecto, procura MACKIE reformular um princípio de JOHN o sistema que as regulamente tenha necessariamente que fixar parâmetros
STUART MILL,263 depurando-o de sua feição puramente utilitarista, no certos e precisos dessa regulamentação, tendo em vista uma única e precípua
seguinte sentido: segundo este princípio, a única justificativa para a in- finalidade: assegurar a condição de pessoa aos autores dessas condutas e sua
tervenção do Estado na liberdade individual, mediante um procedimento liberdade de escolher os fins a que se proponham.
violento ou coativo, é constituída pela necessidade de impedir a ocorrência Com esse sentido, o sistema jurídico, ao enunciar normas penais,
de danos a uma outra pessoa. Este princípio, entretanto, seria muito débil nas quais se definem comportamentos criminosos e se lhes associam san-
para assegurar a liberdade de escolha do sujeito, porque em algumas oca- ções criminais, só pode ser compreendido como um sistema delimitador,
siões, como por exemplo, nos delitos contra a honra e em outras situações quer dizer, só pode justificar-se à medida que trace, de maneira precisa e
semelhantes, é praticamente impossível a comprovação de dano individual, definitiva, os limites da intervenção estatal no âmbito de liberdade indi-
o que deixaria descoberta a sua formulação. vidual, pois só nessa condição é que estará recuperando a noção de sujeito
Nesse caso, propõe MACKIE complementar essa limitação com o cri- de direitos e lhe assegurando a condição de pessoa. Isto implicará, neces-
tério da preponderância: a intervenção na liberdade individual se justifica sariamente, uma outra condição: a norma penal não pode simplesmente
somente quando haja a necessidade de impedir danos a outra pessoa ou para ordenar condutas, como se existira um dever jurídico geral de obediência,
garantir que essa pessoa possa exercer plenamente seu direito de escolha, à quer dizer, a incriminação não pode ter por base simplesmente a decisão
medida que no exercício desse direito de escolha não interfira, por via reflexa, do autor no sentido de certo objetivo, porque isto o situa na condição de
na condição de liberdade da outra.264 A medida dessas limitações é, portanto, juridicamente obrigado a agir de determinada forma, quando o que se
um ato social de convivência, que não é um ato puramente arbitrário, nem preceitua é justamente o contrário. Todos têm, em princípio, o direito de
resultado de um juízo racional a priori, senão de uma análise de valores, a agir como bem entendam. Se a norma penal tem caráter delimitador, cons-
partir dos direitos fundamentais do sujeito. titui uma exigência do sistema jurídico que essa delimitação se consolide
Conceituado o sujeito dentro daquele suporte do trinômio exclusão, em um determinado resultado de dano ou de perigo, único meio possível
inclusão e comunicação, isto é, se o sujeito deve ser visto como individuali- de destronar do direito penal o sentido privatístico contratualista que se
zado em face de sua conduta e, por outro lado, avaliado sob a perspectiva da lhe quer impor. Ademais, se a norma penal tem como pressuposto sua
relação que mantém com os demais sujeitos, sob a égide de um quadro de compreensão por seus destinatários, que devem proceder a uma avaliação
sobre sua legitimidade, seu alcance e seus limites, não pode ser enunciada
263. MILL, John Stuart (A Liberdade, tradução brasileira de Eunice Ostrensky, S. Paulo, 2000, p. 143) es- de modo abstrato nem presumir resultados, deve sempre estar vinculada a
clarece, originariamente, que os limites da autoridade pública sobre a conduta individual devem estar
subordinados a duas máximas: primeira, o indivíduo só é responsável por seus atos perante a sociedade, uma alteração sensível da realidade.
quando estes afetarem interesses alheios; segunda, o indivíduo está sujeito às sanções legais ou sociais,
somente quando a sociedade julgar essas sanções necessárias à sua proteção.
264. MACKIE, John Leslie. (Nota 261), p. 230 et seq. 265. JANISCH, Peter. (Nota 244), p. 384 et seq.
130 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 5 – a crítica dos paradigmas 131

(4) INJUSTO E SUJEITO negativo, o qual, então, teria o efeito de derrogar a própria norma.269 Uma
O direito, concebido a partir de um conjunto de normas, é uma vez que a eficácia faz parte da aplicabilidade da norma, contribui também
prática social, porque não pode ser extraído unicamente da vontade ou para dar-lhe estabilidade, do mesmo modo como ocorre com a causalidade.
como ato da autoridade. Mesmo para aqueles que assim o entendem, ou No regime democrático, no entanto, pode-se dizer que a norma para
para os funcionalistas, o significado do jurídico está voltado para uma ser eficaz não pode se afastar do conceito de pessoa, que é essencial para
eficácia, com o objetivo de regrar condutas humanas. Caso a norma não fixar os limites de sua aplicação. Se mesmo com KELSEN se admite que o
tenha eficácia, de nada vale seu enunciado. Mas a eficácia pode ser vista de costume possa gerar a norma, o qual, depois, se incorpora na ordem jurídi-
diversas formas: ou como efetivo cumprimento ou acatamento, segundo a ca como preceito legislado (costume positivo), por outro lado, deve-se ver
ideia de KELSEN,266 ou como um efeito que possa ser experimentado, a que a norma está sempre acoplada ao substrato de um mundo da vida, sobre
qualquer momento, pelo cidadão, no sentido de executar uma ação confor- cujas relações terá eficácia. À medida que a norma tenha como campo de
me a norma, no dizer de HOERSTER.267 Segundo esses posicionamentos sua aplicação as relações no mundo da vida, também estará condicionada
positivistas, sua eficácia varia, conforme a norma se veja acolhida por seus às condições que devem ser atribuídas à pessoa para que essa possa aceitar
destinatários, ou observada independentemente se por medo ou temor. a norma como legítima e por ela se orientar. Essas condições são essenciais
Nesse sentido, o ordenamento jurídico prevê normas que possuem uma para que a norma possa ser aplicada – e, inclusive, ter eficácia – e se refe-
eficácia plena, sem atenção ao seu substrato social, e normas que corres- rem justamente aos atributos de capacidade da pessoa de formular sobre a
pondem a um juízo de valor de quem as cumpre. A norma que criminaliza norma um juízo de valor e, ao mesmo tempo, em face disso, poder proceder
o furto tem eficácia plena, mas não universal, porque só tem aplicabilidade a uma crítica de sua conduta e da conduta dos demais. Cada mundo da
na relação entre o autor que subtrai a coisa e a vítima que perde seu poder vida, portanto, engendra um conjunto de normas que vinculam todas as
de disposição sobre essa coisa. Sua eficácia não depende da convicção do pessoas que estejam a ele vinculadas. Quanto mais abertas e transparentes
autor, se é ou não um defensor do patrimônio, ainda que a manutenção ou forem essas normas, mais amplitude terá sua eficácia, quando, então, todos
a preservação do patrimônio corresponda aos interesses do próprio mer- os participantes das relações sociais estiverem em condições de por elas se
cado. Portanto, a norma do furto tem uma dupla particularidade: é uma orientar. Os participantes do mundo vida são, portanto, pessoas delibe-
norma eficaz e, ao mesmo, uma norma de utilidade, que está referenciada rativas, que seguem seu destino conforme possam se ajustar aos preceitos
ao interesse e se funda em uma moral prática, que se estratifica socialmente de suas normas. Se a pessoa participar no mundo da vida, mas não puder
a partir da proteção patrimonial. Se ela é ou não aplicada depende não refletir sobre a legitimidade de suas normas, não estará apta a ser consi-
dela mesma, mas dos órgãos estatais de proteção do patrimônio. Por seu derada uma pessoa deliberativa e, portanto, constituir um elemento de
turno, a norma que proíbe avançar o sinal vermelho nos cruzamentos não criação do próprio direito. O fato, porém, de algumas pessoas do mundo
tem qualquer compromisso moral do cidadão, não é uma norma que se da vida não poderem proceder a um juízo de valor sobre as normas que
vincule a uma moral prática de seus destinatários, é uma norma de pura o regulam não implica seu puro e simples descarte. São elas, de qualquer
utilidade, ainda que possa estar associada à evitabilidade de resultados da- forma, sob a consideração de serem portadoras de dignidade, sujeitos de
nosos ou perigosos.268 Embora para o positivismo, a eficácia nada tenha a direitos fundamentais, como pessoas. Nesse sentido, o injusto penal, que
ver, em princípio, com as condições sociais ou morais, KELSEN acolhe a trabalha com o significado das zonas de licitude e ilicitude, não pode pres-
tese de que essa eficácia pode ser afetada pelo costume, o chamado costume cindir do conceito de pessoa deliberativa. Este conceito serve tanto para
a sua proteção, mediante a delimitação dessas zonas, quanto de todas as
266. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, tradução de João Baptista Machado, São Paulo: Martins Fontes,
p. 8. demais pessoas que, por não possuírem a qualidade de pessoas deliberativas,
267. HOERSTER, Norbert. Was ist Recht? Grundfragen der Rechtsphilosophie, München: Beck, 2006, p. 48
e ss.
268. HOERSTER, Norbert. (Nota 267), p. 49. 269. KELSEN, Hans. (Nota 266), p. 149.
132 TEORIA DO INJUSTO PENAL

devem estar fora da incidência da criminalização. Por seu turno, à medida


que se reconheça à pessoa deliberativa a qualidade de elemento essencial à
configuração do injusto, igualmente deflui dessa consideração um conceito
CAPÍTULO 6
de conduta que lhe corresponde e que seja capaz de servir de modelo às
diversas construções dogmáticas. A inserção do sujeito no injusto, como AS BASES DA REFORMULAÇÃO DO INJUSTO
pessoa deliberativa, induz a uma rigorosa limitação da incidência da norma
criminalizadora, mediante a fixação de todas as condições pelas quais se
define a conduta penalmente relevante. Só estará submetida à criminali-
zação aquela pessoa que, como pessoa deliberativa, realizar uma conduta Tomando de empréstimo os argumentos de MACKIE e os princípios
que se enquadre no âmbito da norma penal a partir de sua vinculação aos de sua filosofia moral, a partir da formulação de direitos individuais, po-
contextos que a subordinam. demos redigir os traços gerais de uma teoria do injusto penal. O caráter de
estabilidade e universalidade que sempre se quis conferir à ciência jurídica
teve como consequência, no setor do injusto, a sua unificação. A maioria
esmagadora dos autores afirma, categoricamente, que subsiste uma unidade
na ordem jurídica, o que implica igualmente uma unidade no injusto.270 A
questão que aqui se coloca é, em primeiro lugar, se efetivamente tal assertiva
pode ou deve subsistir em um estado de garantia. Depois, como se deve afinal
conduzir a formulação da teoria do injusto no direito penal.

1. A PRECISÃO TERMINOLÓGICA
Inicialmente, convém delinear algumas diferenciações terminológicas,
embora isto não seja de todo importante, porque a linguagem que nesse
caso deve ser submetida ao tratamento dogmático é, seguindo a recomen-
dação de WITTGENSTEIN, a linguagem cotidiana e não uma linguagem
formalmente construída. Mas, de qualquer forma, entende-se que subsiste
uma distinção terminológica entre antijuridicidade ou ilicitude, de um lado,
e injusto, de outro. A antijuridicidade ou ilicitude, expressões que emprega-
mos como sinônimas, tal como o faz LUIZ REGIS PRADO,271 constituiria
uma característica da ação típica, ou melhor, a relação de contradição entre

270. Assim, por exemplo, ROXIN, Claus. Strafrecht, Allgemeiner Teil, I, 4ª edição, München, 2006, p. 613
et seq.; ZAFFARONI, Eugenio Raúl / PIERANGELI, José Henrique Manual de Direito Penal Brasi-
leiro, S. Paulo, 1997, p. 570; KINDERHÄUSER, Urs. Strafrecht, AT, p. 141; MANTOVANI, Ferrando
. Diritto Penale, Parte Generale, Padova, 1988, p. 139; MUÑOZ CONDE, Francisco . Derecho Pe-
nal, Parte General, Barcelona, 1998, p. 335; PAGLIARO, Antonio. Principi di diritto penale, Milano:
Giuffrè, 2003, p. 265; PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, S. Paulo, 5a. edição,
2005, p. 393 et seq. ; contra, postulando por uma divisão da ordem jurídica, a partir de um tratamen-
to especificamente penal das causas de justificação: GÜNTHER, Hans-Ludwig. “Rechtfertigung und
Entschuldigung in einem teleologischen Verbrechenssystem”, in Rechtfertigung und Entschuldigung,
Freiburg im Breisgau, 1987, p. 381 et seq.
271. PRADO, Luiz Regis. Curso, p. 392; igualmente, BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Parte Geral, Rio de
Janeiro, 1959, tomo I, p 341; BRANDÃO, Cláudio. Teoria Jurídica do Crime, Rio de Janeiro: Forense,
2001, p. 85 e, assim, toda a doutrina estrangeira, de língua espanhola ou italiana.
134 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 6 – as bases DA reformulação do injusto 135

a conduta proibida ou imposta e a totalidade da ordem jurídica, enquanto contradição. Os argumentos, portanto, dessa teoria unificadora se situam no
o injusto representaria a própria ação típica e antijurídica, ou seja, o objeto plano puramente lógico-normativo de uma ordem jurídica tomada como
do juízo de valoração da ordem jurídica. O injusto, desse modo, englobaria uma totalidade fechada e abrangente.
todos os elementos da conduta típica e antijurídica, em contraste com a cul- Em sentido contrário a essa tese da unificação, se põem alguns, dentre
pabilidade, que trataria especificamente da relação entre o injusto e o autor. os quais destacadamente HANS-LUDWIG GÜNTHER, sob o argumento
Quando nos referimos ao injusto, portanto, o fazemos nesse sentido de que as exceções existentes entre as causas de justificação e seus efeitos,
de totalidade dos elementos do tipo e da antijuridicidade. Os fundamentos previstos nos diversos ramos do direito, conduziriam a uma cisão da ordem
do injusto, desse modo, dizem respeito tanto aos limites e pressupostos do jurídica e ao estabelecimento de regras próprias para cada um desses ramos.
tipo, quanto do juízo de antijuridicidade decorrente da ausência de causas de Assim, propõe que se proceda a uma distinção entre as causas que excluem
justificação da conduta. O objetivo deste trabalho é precisamente discutir as o injusto penal e as causas de justificação, estas últimas autênticas causas de
bases desses elementos e desse juízo sob os princípios de garantia individual. exclusão da antijuridicidade, válidas para todos os setores do direito, enquan-
to as primeiras só produziriam efeitos no direito penal.272
2. A UNIDADE DO INJUSTO
Embora seguindo os mesmos fundamentos e admitindo esta diferencia-
Os argumentos para um tratamento unitário do injusto derivam, ção entre causas de exclusão do injusto e de justificação, entende ROXIN que
em primeiro lugar, da unidade do juízo de antijuridicidade, quer dizer, a isto não implica uma cisão na ordem jurídica, porque se trata unicamente de
característica de uma conduta como injusto não decorre apenas de sua anti- problemas atinentes a questões de política criminal. Assim, é perfeitamente
normatividade, mas da contradição entre seu cometimento e a ordem jurídica possível que uma conduta típica e tida como ilícita perante o direito civil,
tomada na sua totalidade. Em segundo lugar, porque a conduta criminosa, por exemplo, possa ser justificada no direito penal, porque este orienta suas
quer como ato comissivo ou omissivo, deve subordinar-se ao princípio da normas permissivas segundo outros fins de proteção.273 Os argumentos de
legalidade, o qual exige que todos os seus elementos se encontrem definidos ROXIN se situam, agora, em outro sentido, no sentido dos fins da pena,
em uma lei escrita e presentes no caso concreto. A conjugação dessas duas daí denominar-se essa postura como integrante de um conceito teleológico
séries de pressupostos, que são mais políticos do que jurídicos, levou a uma de delito. Evidentemente, parece um contrassenso que uma conduta pe-
configuração unificada da concepção do injusto, o qual não pode ser reparti- nalmente justificada não produza os mesmos efeitos em outros ramos do
do consoante a capacidade de contratar dos seus protagonistas, como ocorre, direito. Mas isto, está claro, não se poderá solucionar mediante uma abor-
por exemplo, no direito civil, nem se desprover de informalidades, como se dagem associada aos fins da pena. Antes de tudo, é preciso salientar que não
dá no direito administrativo. existe qualquer princípio a priori, nem racional, nem de ordem lógica, nem
Caso se compreenda o injusto de outro modo, poder-se-á chegar ao de ordem natural, nem de política criminal que possa obrigar a adoção de
desmoronamento do sistema de legalidade que deve presidir o direito penal. qualquer dessas duas teses.
Ao lado desses argumentos, ainda articula a doutrina no sentido de que, uma A unidade da ordem jurídica não pode ser exigida segundo um prin-
vez reconhecida a incidência de qualquer circunstância que justifique o fato cípio geral, por esses caracteres racionais ou empíricos. A unidade da ordem
em face de normas autorizadoras de direito privado ou de direito público, jurídica deve ser entendida de modo relativo, segundo possa ou não con-
não se configurará, igualmente, um injusto penal. Por último, entende-se que tribuir para a salvaguarda daquele direito de escolha do sujeito, da opção
o fato penalmente justificado, por exemplo, sob a legítima defesa, também de conduta que se lhe antepõe e de suas pretensões, à medida que isto não
estaria justificado perante outros ramos do direito. As exceções a essa regra implique lesão ou impedimento de direitos de outra pessoa. Com isso não
não produziriam, por outra parte, uma cisão da ordem jurídica, porque é essa
272. GÜNTHER, Hans-Ludwig. (Nota 270), p. 381 et seq.
mesma ordem jurídica que as incrementa e acolhe, o que espancaria qualquer 273. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 615; postulando por unidade absoluta das causas de justificação, em
sentido universal: MARINUCCI/ DOLCINI. Corso di direitto penale, Milano: Giuffrè, 1999, p. 485.
136 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 6 – as bases DA reformulação do injusto 137

se está retomando a antiga definição racional prática de liberdade proposta Em face desse direito, as normas penais incriminadoras devem-se
por KANT, segundo a qual uma liberdade termina onde outra se inicia. adequar, em primeiro lugar, à exigência de sua estrita legalidade, com os co-
Aqui não se trata de uma limitação racional da liberdade, mas da garantia rolários de anterioridade, forma escrita, definição estrita, taxatividade, clareza
de exercício da liberdade de opção de conduta que, em princípio, deve e especificidade e outros, que correspondem a todas as garantias do processo
ser assegurada a todos em face de uma concepção democrática da ordem de intervenção. Sem estes mínimos pressupostos, poder-se-á dizer que se
jurídica a partir da restauração do sujeito. Esse direito não deriva, assim, está violando a ordem jurídica democrática. A elaboração de uma teoria do
de uma ordem racional, mas da ordem jurídica, composta pelos sujeitos injusto não pode se afastar desses pressupostos, o que quer dizer que a questão
em uma democracia, como direito conquistado. da sua unidade não pode ser medida segundo a perspectiva das sanções, o
Embora a teoria do discurso, ao relativizar os conceitos e submetê-los que implicaria uma visão utilitarista, nem por questões lógico-sistemáticas,
a um critério de correção procedimental, tenha contribuído para possibi- o que ressuscitaria sua visão simbólica, nem através de pura racionalidade, o
litar uma postura diferenciada para o injusto, mediante sua subordinação que conduziria a deixar de lado os parâmetros legais e facilitar a adoção de
a uma ordem democrática, não pôde se afastar totalmente do terreno da um consenso moral, senão segundo sua condição de atender ou não a esses
racionalidade. pressupostos. Quer dizer, então, que a unidade do injusto é, antes de tudo,
uma questão de legalidade e, pois, de garantia individual.
Tecendo suas ponderadas críticas à teoria do discurso, principalmente
à concepção de HABERMAS quanto ao problema da vinculação entre Essa parece constituir a primeira base de formulação de uma teoria do
segurança jurídica e decisão justa, adverte TOMAS BLANKE ser absolu- injusto penal.
tamente irreal propor uma racionalidade à ordem jurídica a partir de um 3. A DIVISÃO DO INJUSTO
princípio a priori ou de um hipotético consenso brotado do discurso e da
emergência do melhor argumento, porque o que importa – e isto seria Por outro lado, em face das exigências políticas que se codificaram
evidentemente democrático – é apenas traçar com precisão os limites do tanto no direito interno quanto nos pactos internacionais, no sentido de as-
exercício do poder estatal, sob a perspectiva da prevalência da liberdade segurar-se a realização plena das potencialidades do sujeito, o preenchimento
individual, como expressão normal do sujeito.274 dos elementos do injusto penal deve subordinar-se, ainda, a que a restrição
da liberdade constitua sempre uma exceção, somente justificável em casos
Historicamente, esse direito de liberdade foi se estratificando desde o definidos de necessidade e desde que atendidas, complementarmente, as
enunciado das Declarações de Direitos dos Estados americanos e da Revo- condições de proporcionalidade e adequabilidade da intervenção,277 quer
lução Francesa até os pactos internacionais de proteção dos direitos civis e dizer, dentro dos critérios de intervenção mínima e demonstração de efetiva
políticos e os direitos fundamentais inseridos nas constituições democráticas. lesão ou perigo concreto de lesão a um bem jurídico, que traz embutida a
É, assim, um direito positivado e não um mero princípio racional.275 Por isso demonstração da danosidade social da conduta.
mesmo, é acertada a ideia de FERRAJOLI de que “no direito penal, a imuni-
dade do cidadão frente às intervenções arbitrárias, que é o direito fundamental A norma penal tem, assim, caráter limitativo e não está associada
específico sobre o qual se funda sua legitimação substancial, está garantida a qualquer sistema teleológico de proteção ou de realização social. Esse
precisamente pela estrita legalidade, quer dizer, pela sujeição do juiz somente caráter limitativo deve valer tanto para a fase legislativa de sua elaboração,
à lei, que ao mesmo tempo assegura a máxima legitimação formal”.276
críticas”, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, 1999, nº 27, p. 143 et seq.; por outro lado, observa
SALO DE CARVALHO, em adesão à tese de FERRAJOLI, que o Estado não deve, entretanto, estar
274. BLANKE, Thomas. “Sanfte Nötigung”, zu Jürgen Habermas, Faktizität und Geltung, in Kritische Jus- vinculado apenas ao princípio da legalidade formal, mas, sobretudo, à recepção dos direitos fundamen-
tiz, Caderno 4, 1994, p. 439 et seq. tais em sede constitucional, que valem para configurar o núcleo substantivo das normas de decisão, in
275. Assim também: LUISI, Luiz. Filosofia do Direito, Porto Alegre, 1993, p. 146. Pena e Garantias: Uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen
276. FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón, tradução espanhola de vários autores, 2ª edição, Valladolid, Juris, 2001, p. 111.
1997, p. 918. Para a crítica do pensamento da prevenção, que está por trás desse posicionamento, QUEI- 277. Assim, também: CERVINI, Raúl. Los procesos de decriminalización, 2ª edição, Montevideo, 1993, p.
ROZ, Paulo. “A justificação do direito de punir na obra de LUIGI FERRAJOLI: algumas observações 100 et seq.
138 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 6 – as bases DA reformulação do injusto 139

quanto para a fase judicial de sua aplicação, refere-se tanto à legalidade as condições relativas à pessoa deliberativa e sua capacidade de se ajustar aos
quanto à oportunidade da intervenção. A norma penal criminalizadora ditames da ordem jurídica, a partir de sua vinculação com o mundo da vida.
deve ser, assim, interpretada, em primeiro plano, como norma de garantia A partir desse ponto, pode-se, então, descartar do âmbito do injusto todas
em face do poder punitivo estatal. as condutas penalmente irrelevantes, que são aquelas, justamente, que não
Aprofundando-se esse caráter limitativo no âmbito da legalidade e da podem ser realizadas por uma pessoa deliberativa. Todo o complexo em torno
oportunidade, tem-se, por imposição democrática e independentemente do do conceito de conduta, com base no conceito de pessoa deliberativa, deve
procedimento de sua elaboração, que o injusto não poderá contradizer os ser analisado nesta primeira fase.
preceitos relativos aos direitos fundamentais e a todos aqueles direitos positi- A avaliação que aqui se faz não é meramente classificatória, mas deli-
vados nos pactos e acordos internacionais de proteção de direitos individuais. mitativa e deve ter em conta a conduta do sujeito em face de todos aqueles
Vale destacar também, como condição de uma teoria democrática preceitos garantidores de que já falamos, com a implicação, desde logo, de
do injusto penal, que não se pode confundir a proteção de direitos huma- excluir da apreciação penal as imputações que lhe sejam contraditórias ou
nos, os quais se inserem naqueles direitos fundamentais, com a proteção incompatíveis, ainda que legalmente previstas, como por exemplo, a fixação
às pretensões políticas e sociais do Estado. Proteger o âmbito de liberdade de uma responsabilidade penal abaixo de 18 anos, que contraria o Estatuto
individual é diferente de proteger o Estado. Para o efeito do injusto penal, de Roma; ou a incriminação da omissão de prestar socorro em acidentes de
por direitos humanos, acolhendo-se o conceito preciso de ALEXY, devem trânsito ainda quando a vítima já esteja morta, ou exigir o comportamento
ser compreendidos unicamente os direitos do indivíduo e não os chamados pudico de um mendigo que está fora do círculo social, ou tratar os indígenas
direitos humanos de outras dimensões ou gerações, que nada mais são do como se fossem inimputáveis, ou ainda prever medidas penais aplicadas aos
que direitos comunitários ou estatais.278 portadores de perturbação mental, em completa desatenção às modernas
orientações da saúde mental. A execução de uma avaliação do injusto em
Posta a questão nestes limites, isto conduz a que a avaliação da conduta duas fases não corresponde, entretanto, ao exame da tipicidade ou da antiju-
como ato injusto deva ser executada em duas fases. ridicidade como simples elementos do delito, de modo que, em um primeiro
Em uma primeira fase, faz-se uma avaliação global da tipicidade e da momento, se analisaria o tipo e, depois, se complementaria essa análise com
antijuridicidade com vistas ao sujeito e à sua conduta, eliminando-se nessa a conclusão acerca da incidência ou não incidência de uma causa de justifi-
avaliação a pretensão estatal, quer no sentido de proteção à sua política social, cação, conforme se poderia supor em face da doutrina tradicional. O que se
quer no sentido de uma suposta proteção da pessoa humana. A norma incri- propõe nesta primeira fase – isto parece que está claro – é uma avaliação das
minadora não tem função protetiva, apenas limitativa. O que interessa nessa delimitações que se podem verificar tanto na tipicidade quanto no âmbito
primeira fase é determinar com absoluta precisão as linhas demarcatórias de antijuridicidade frente à proteção de direitos individuais.
do proibido ou imposto, e do autorizado ou do juridicamente irrelevante. Em uma segunda fase, são analisados os elementos da tipicidade e as
Isto se faz não apenas definindo a conduta criminosa, ou passando a con- autorizações especiais de conduta legalmente previstas, tanto na lei penal
duta concretamente realizada ao crivo dessa definição, em face do binômio quanto no ordenamento jurídico ou, ainda, aquelas autorizações que de-
proibição ou imposição/autorização, como também retratando seu autor correm do próprio sistema jurídico e sobre as quais se deve executar uma
como indivíduo, a fim de não ser confundido como objeto de uma política ponderação acerca do autor como sujeito de direitos.
discriminatória e como sujeito capaz de direitos, a fim de excluí-lo da incri-
minação, quando não tenha a mínima capacidade de aquisição de qualquer O tratamento diferenciado do injusto em duas fases não impede,
direito, por estar fora da ordem social. Incluem-se nessa fase, portanto, todas porém, de levar-se também em conta a real possibilidade de uma unificação
dos elementos da tipicidade e antijuridicidade. Se na primeira fase já se tra-
278. ALEXY, Robert. “Die Institutionalisierung der Menschenrechte im demokratischen Verfassungsstaat”, balha com a unificação desses elementos, na segunda fase, principalmente na
in Philosophie der Menschenrechte, Frankfurt am Main, 1998, p. 247 et seq.
140 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 6 – as bases DA reformulação do injusto 141

questão do erro, pode-se também proceder do mesmo modo. efeitos justificantes que se assinalem, respectivamente, à autorização dos
Este duplo processo de compreensão parece constituir a segunda base atos antinormativos. Assim sendo, todos os atos autorizados pelos outros
de elaboração de uma teoria do injusto penal. setores do direito devem, obrigatoriamente, produzir efeitos justificantes
penais, porque a existência dessas circunstâncias autorizadoras da conduta
4. A INTEGRIDADE DO INJUSTO em outros setores do direito, menos exigentes do que aquelas que se confi-
Já discutimos anteriormente acerca da unidade da ordem jurídica e aca- guram no injusto penal, demonstra a desnecessidade da intervenção estatal
bamos ponderando que esta questão só pode ser suficientemente solucionada no âmbito penal.
sob uma perspectiva de legalidade, como condição de um direito penal de O acolhimento dessa solução não é, portanto, resultado de mera
garantia. Por outro lado, independentemente dessa legalidade que assinala constatação empírica, senão da adoção de princípios de ordem racional de
os limites de uma teoria procedimental do injusto, é preciso salientar que o integridade, que devem fundamentar uma ordem jurídica democrática.
injusto penal se diferencia dos demais injustos porque corresponde a um grau Esse enfoque parece constituir a terceira base para a elaboração de uma
maior de intervenção estatal, de tal modo que suas características próprias teoria do injusto penal.
podem ou não repercutir em outros setores do direito, independentemente
de seus fins sancionatórios. 5. O INJUSTO DANOSO
Como o injusto penal retrata um maior grau de intervenção estatal, só Uma outra questão fundamental a ser tratada no âmbito do injusto
pode subsistir quando inexista dúvida sobre a necessidade dessa intervenção. diz respeito a se é possível seu enunciado incidir apenas sobre a própria con-
Quer dizer, então, que a necessidade da intervenção, além da legalidade, duta ou se é indispensável o critério da danosidade individual e social para
deve constituir um outro delimitador do injusto penal. Mas isto implica não complementá-lo.
apenas um delimitador na sua configuração, a partir de um dado puramente Quando fizemos a crítica dos paradigmas, já ressaltamos essa qualida-
empírico, senão também com o sentido de integridade racional. de a partir do pensamento de MACKIE sobre a base de um enunciado de
Está claro que a demonstração da necessidade da intervenção, que é, na STUART MILL. Se a ordem jurídica deve-se assentar em regras delimita-
verdade, um ato empírico, induz a considerar que o injusto penal, quando doras, isto deve implicar também que no processo de comunicação dessas
de suas relações para com outros setores do direito, deve ser avaliado diale- regras delimitadoras se fixem não apenas os contornos precisos do que é
ticamente, segundo sua intensidade. proibido ou mandado, como também sejam indicados os pressupostos
Por outro lado, os demais injustos (civil, administrativo, tributário, dessa proibição ou desse comando.
etc.) implicam menor graduação de intensidade, porque a necessidade da A norma delimitadora não vale por si mesma. Para valer, além da exi-
intervenção estatal não precisa ser demonstrada com a mesma precisão. gência quanto ao procedimento democrático de sua elaboração, será preciso
Essa dupla constatação empírica do injusto penal e dos demais injustos, que a incriminação seja plenamente justificada sob o ponto de vista de seus
por seu turno, não pode simplesmente ficar reduzida à questão de mera efeitos sociais, de proteção da pessoa. Se a regra é a da preservação da liber-
legalidade, porque reproduz concretamente um dado da ordem jurídica dade, em primeiro plano, e se a exceção de intervenção só pode ser executada
que não pode ser ignorado. em caso de necessidade e desde que atendidas sua adequação, idoneidade e
Se os demais injustos preveem causas de justificação, conforme o grau proporcionalidade, está claro que a norma penal não pode ser acolhida como
de sua intensidade ou necessidade de intervenção, isto deve, proporcional- legítima tão só porque resulta de um ato de autoridade. Toda incriminação
mente, produzir efeitos em todos os setores do direito. Isto quer dizer que, deve, por sua vez, ter por referência um determinado efeito, que não será o
conforme o grau de necessidade da intervenção, deve variar a extensão dos efeito de sua infração, como quer a teoria sistêmica, mas o efeito de lesão,
que pode ser produzido pela conduta proibida ou mandada.
142 TEORIA DO INJUSTO PENAL

Essa referência a um efeito produzido pela própria conduta incrimi-


nada faz com que a norma incriminadora dependa de que essa conduta
tenha efetivamente causado um dano individual e social de certa gravidade
ou que, pelo menos, tenha constituído um perigo concreto desse dano. Esta
exigência fundamenta, por sua vez, a elaboração de uma teoria do bem
jurídico e do processo de imputação, delimitado, em qualquer caso, por
um conceito de direito subjetivo calcado na participação social do sujeito.
Portanto, a incriminação não deve ser tomada exclusivamente por força da
realização de uma ação proibida ou mandada, mas sob as limitações que
SEGUNDA PARTE
se impõem na identificação da intensidade objetiva da lesão ou do perigo
concreto de lesão que essa conduta produza, por um lado, e da intensidade A REVISÃO DOS FUNDAMENTOS
subjetiva de sua produção, por outro lado, de modo a construir um sistema DOUTRINÁRIOS
comissivo ou omissivo, doloso ou culposo de delito. Com a configuração
de um injusto danoso ficam afastados da incriminação, portanto, todos
os atos relativos à manutenção ou restauração de uma moral supralegal,
indefinida e incerta, que muitas vezes conduz a preceitos simplesmente dis-
criminatórios e arbitrários.279 Este modo de pensar o conteúdo do injusto
corresponde, em certa medida, à recuperação do conceito de direito sub-
jetivo, consubstanciado no art. 4o. da Declaração de Direitos do Homem e
do Cidadão, de 1789, hoje afastado das finalidades normativas da sociedade
pós-moderna, mas fundado em que a “a liberdade consiste em fazer tudo
o que não cause lesão a outrem”, de modo que o exercício desse direito “só
encontra limitação naquilo que assegure aos demais os mesmos direitos” e
“apenas definidas essas limitações por leis” legítimas.
Essa exigência parece constituir a quarta base de sustentação de uma
teoria do injusto penal.

279. No mesmo sentido aqui proposto, NINO, Carlos Santiago. Los límites de la responsabilidad penal,
Buenos Aires, 1980, p. 209 et seq.
CAPÍTULO 1
A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA

A teoria do injusto penal passa normalmente pela construção e cons-


tituição do tipo de delito, complementada depois pela análise negativa das
causas de justificação da conduta. De acordo com a tradição que se estra-
tificou definitivamente na teoria do delito, essa configuração bipartida do
injusto está na base dos seus fundamentos doutrinários e é produto de um
certo aperfeiçoamento da dogmática penal. Atendendo a esta particularidade,
qualquer revisão desses fundamentos se deve realizar em duas etapas. Em uma
primeira etapa, fazendo uma abordagem doutrinária do conceito de tipo e da
relação tipo/antijuridicidade, desde seu enunciado inicial de base causal, até
as mais recentes concepções. Em uma segunda etapa, delineando um esboço
de revisão desses fundamentos doutrinários.

1. OS PONTOS DA REVISÃO
Antes de proceder à exposição doutrinária, convém, desde logo, fixar os
pontos centrais da revisão. Diversamente dos demais ramos do direito, o direito
penal delimita desde logo, no código penal ou nas leis suplementares, as carac-
terísticas essenciais pelas quais uma determinada conduta é considerada crime.
O injusto penal, portanto, é primeiramente um injusto típico, constituído, em
regra, dentro de um sistema fechado de configuração. Deve-se entender por
sistema fechado aquele no qual as regras e princípios que o estruturam estão,
de antemão, submetidos a determinadas restrições metodológicas.
O injusto penal, na qualidade de injusto típico, não pode ser produ-
to de livre criação, nem ser orientado por qualquer propósito, senão o de
delimitar com absoluto rigorismo as áreas sobre as quais será admitida a in-
tervenção do Estado. Como o objeto da atuação estatal é sempre a conduta
humana, o círculo jurídico do injusto, compreendido dentro de um processo
de intensidade de imputação, se fecha sobre as características dessa conduta.
Em termos de linguagem jurídica denomina-se tipo de injusto, pre-
cisamente, a descrição legal da conduta criminosa. Tipicidade vem a ser a
146 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 147

configuração concreta desse tipo de injusto através da realização de deter- injusto não pode ficar reduzida aos seus enunciados, mas se incorporar dentro
minada conduta ou, dito de outro modo, a conformidade entre a descrição de um sistema de garantias e de adequação, sob a consideração da realidade
legal da conduta criminosa e a prática de um fato concreto, que ofenda dos conflitos sociais que se refletem na formulação da norma incriminadora.
bem jurídico alheio. A necessária indagação da tipicidade e não só do tipo, como conceito primário,
Deve-se usar a expressão tipicidade para indicar uma relação entre duas é um poderoso instrumento, também, de uma revisão de sua formulação, a
situações sociais conflituosas: a situação configurada legalmente como crime partir da constante e aberta crítica à sua legitimidade.
e aquela vivida pelo agente no âmbito da sua atividade prática. Quando essa A consideração do tipo em referência a um conflito social implica,
situação social concreta vivida pelo agente se identifica com aquela outra portanto, a assunção de que a norma jurídica que proíbe ou que determina
descrita na lei, dizemos que há tipicidade ou adequação típica. Normalmente certa conduta não vale por si mesma, sem que lhe corresponda uma realidade
se entende que as indicações terminológicas diferenciadas de tipo e tipicidade que quer delimitar. Repele-se assim, desde logo, a ideia de enfocar a norma
são importantes para precisar o conteúdo do juízo de proibição. Quanto a incriminadora, tão só, como ato de vontade ou como símbolo hipotético de
isto, porém, não há demonstração lógica. Pelo contrário, dentro da edificação uma situação que se desenvolve por força de sua própria compreensão. É ab-
de um direito penal democrático e tendo em vista as características essenciais solutamente inaceitável, ademais, a interpretação da tipicidade sob o enfoque
comuns das situações configuradas no tipo de injusto e na realidade social, de uma pré-compreensão de sentido ou tomando-a dentro de um sistema
o conteúdo do juízo de proibição não pode resultar exclusivamente do tipo, autopoiético de autoprodução e reprodução.281 Estas concepções estão orien-
mas principalmente do juízo de relação da tipicidade, daí ser possível a uti- tadas pela necessidade de regulação da atividade criminosa, tomando-a como
lização das expressões tipo e tipicidade indistintamente, não como conceitos objeto sem sujeito e associando-a, de qualquer forma, a um fim sancionató-
lógico-formais, senão como formas de expressão da conduta proibida. rio. Por isso, podem conduzir a soluções intoleráveis em face da necessidade
de proteção à liberdade individual, como princípio gerador da tipicidade.
Na verdade, a formulação teórica do conceito de tipo vale na medida de
sua funcionalidade. Neste sentido, entende, por exemplo, MAX HORKHEI- Por seu turno, a relação de contradição entre a conduta típica e aquela
MER que uma teoria deve ser o ponto de conexão entre os fatos concretos sobre conduta concretamente realizada, a antijuridicidade, costuma ser tratada pela
os quais é construída e os fatos possíveis, que deverão ser por ela compreendi- doutrina de forma ambivalente, ora como elemento negativo da própria ti-
dos. Daí dizer que uma teoria somente poderá ser corrigida ou complementada, picidade, ora como elemento autônomo, mas de qualquer modo associada,
à medida que se considere o seu substrato, representado sempre pelos fatores como consequente, ao tipo como antecedente.
desencadeantes de uma prática social determinada.280 Esta visão crítica implica No capítulo anterior foram enunciadas as bases de uma concepção demo-
uma ruptura com os cânones tradicionais da formulação teórica, que se ocupa, crática do injusto, mediante um procedimento em duas fases. Isto irá refletir-se,
exclusivamente, de proposições previamente assentadas e das quais devem de- necessariamente, na sua abordagem dogmática. Podemos, desde logo, anun-
rivar outras proposições sob a forma de enunciados ou conceitos. Desde que ciar que a tipicidade e a antijuridicidade não podem ser fundamentadas em
se passe a situar, em qualquer momento da elaboração do conceito de tipo, o compartimentos estanques, submetidos a operações distintas, unicamente se-
substrato social que lhe serve de base, se faz possível a crítica de sua própria gundo a consideração de que no tipo se encerra a matéria da proibição e na
elaboração. Uma teoria crítica do tipo não pode ficar adstrita, exclusivamente, antijuridicidade um juízo de inadequação à ordem jurídica. A proposição de
a um puro conceito formal. Ao contrário, deve implicar, assim, sob o aspecto que essa operação se desenvolva em duas fases significa que, em uma primeira
da tipicidade, isto é, da conexão entre a descrição da conduta proibida e o fase, a tipicidade e a antijuridicidade devam ser tomadas em conjunto, sob o
conflito social que quer retratar, um constante questionamento quanto à ra- crivo dos direitos fundamentais e dos direitos humanos de primeira geração,
cionalidade ou irracionalidade dessa proibição, quer dizer, a compreensão do e em uma segunda fase, separadamente, para atender seus aspectos analíticos
280. HORKHEIMER, Max. Traditionelle und kritische Theorie, in Gesammelte Schriften, coordenação de 281. Para uma crítica a uma consideração autopoiética ou autorreflexiva do direito, NAUCKE, Wolfgang.
Alfred Schmidt e G. Schmid, Frankfurt am Main, 1985, Tomo 4, p. 169. Rechtsphilosophische Grundbegriffe, terceira edição, Neuwied, 1996, p. 150 et seq.
148 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 149

de configuração. Com isso, o que se pretende é submeter o exame do injusto a dos tipos de delitos em espécie, senão da proteção que se deve ter em vista à
um procedimento dialético rigoroso quanto ao respeito à liberdade individual. liberdade individual. O próprio ROXIN disso se apercebe ao considerar, com-
Esse procedimento dialético, por sua vez, possibilitará que o injusto preendendo-os sob os aspectos de suas diferenças e semelhanças valorativas, que
seja retratado, em uma primeira etapa, como sistema fechado, quando se “tipo e antijuridicidade devem estar, na verdade, sistematicamente separados,
trate de incriminar essa conduta em face dos limites impostos na tipicidade contudo, se podem reunir no âmbito do injusto, constituindo um tipo total”. 285
e, depois, na definição dos pressupostos das causas de justificação; e como Convém, porém, ressaltar que, embora a postura aqui enunciada possa
sistema aberto, quando se devam verificar as condições do sujeito no sentido coincidir com a ideia de unidade do injusto assentada pelos funcionalistas, es-
de ampliar as possibilidades de justificação de sua conduta. A conceituação pecialmente por JAKOBS, com ela não se harmoniza por vários fundamentos,
fechada da tipicidade e a abordagem dialética do injusto são as condições dentre os quais pelo menos dois principais. O primeiro, porque não se vê o delito
essenciais para estruturar-se uma teoria democrática do delito. sob a perspectiva da sanção como fundamento da prevenção geral, nem como
Essa ideia, inclusive, não é de todo extravagante. Na doutrina brasilei- meio de proteção de expectativas dentro de um sistema fechado autopoiético, no
ra, bem acentuou ASSIS TOLEDO que a antijuridicidade, por ele chamada qual o mais importante é a estabilidade do sistema, que é a marca registrada da
de ilicitude, possui no direito penal mais de uma função, uma das quais de elaboração de JAKOBS. O segundo, porque essa perspectiva de individualização
delimitação do injusto penal.282 Igualmente, FIGUEIREDO DIAS vem res- do injusto tem como objetivo assegurar a garantia do sujeito e não acentuar a
saltando que “em um sistema teleológico-funcional da doutrina do crime, não relevância de sua decisão antijurídica. Toda a construção da teoria sistêmica de
há lugar a uma construção que separe, em categorias autônomas, a tipicidade JAKOBS tem como pressuposto, também, que o injusto seja produto de uma
e a ilicitude”.283 Na doutrina alemã, a relação rígida entre os elementos do decisão do sujeito. Isto, entretanto, não significa que os funcionalistas lhe deem
delito, como a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade, levada a efeito importância na construção da teoria do injusto, segundo sua capacidade como
pelo sistema LISZT-BELING, encontra também certos temperamentos. Por sujeito de direitos, o que poderia suscitar a discussão se é possível considerar a
exemplo, ROXIN diz com todas as letras, ao tratar das bases de um sistema te- proibição sob o aspecto da sua inclusão/exclusão social, senão unicamente pelo
leológico-funcional de delito, que o tipo deve estar vinculado necessariamente que constitua objeto metodológico. Já por estes dois fundamentos, pode-se
aos propósitos de prevenção geral, que deverão condicionar sobremaneira sua descartar a aparente coincidência, que talvez só subsista no método de exposição
interpretação e que – e aqui está inclusive uma afirmação pouco ortodoxa – ou de indagação, não nos pressupostos e nem no seu conteúdo.
também a própria culpabilidade imprime ao tipo um determinado caráter.284 2. OS PONTOS ESSENCIAIS DA EVOLUÇÃO DOUTRI-
O tipo estaria, assim, de acordo com essa orientação funcional, subordi- NÁRIA
nado aos parâmetros reitores tanto das finalidades de prevenção geral quanto
dos limites impostos pelo princípio da culpabilidade. Não importam aqui, (1) O CONCEITO DE TIPO
entretanto, os preceitos da culpabilidade, tal como na proposta de ROXIN, A noção de tipo é fruto de longa evolução, que praticamente se con-
senão os fundamentos de princípios da ordem jurídica, que devem condicio- funde com a história da própria teoria do delito. Podemos encontrar seus
nar a interpretação do tipo e dar-lhe o verdadeiro sentido e, por isso mesmo, antecedentes no direito penal renascentista, notadamente em TIBERIUS
impregnar decisivamente a configuração do injusto, quer dizer, a separação e, DECIANUS, que o identificava com o exame da causa formal do deli-
ao mesmo tempo, união do tipo e da antijuridicidade, derivam não apenas de to,286 ou ainda nas concepções do direito penal comum europeu acerca do
uma necessidade prática e sistemática, como consequência da interpretação
285. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 290.
286. TIBERIUS DECIANUS. Tratactus Criminalis, Livro II, capítulo II, nº 4, Frankfurt am Main, 1591.
282. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, S. Paulo, 1991, p. 164. Sobre os fundamentos enunciados por Decianus acerca das demais causas do delito, na sequência aris-
283. DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões Fundamentais do Direito Penal Revisitadas, S. Paulo, RT, 1999, totélica, de causa material, como vontade, causa eficiente, como manifestação de vontade e causa final,
pág. 222. como motivos do agir, ver a magnífica exposição de LUISI, Luiz. “Tibério Deciani e o sistema penal”,
284. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 280. in Direito Criminal, coordenador José Henrique Pierangeli, Belo Horizonte: 2001, p. 24 et seq.
150 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 151

corpo de delito ou nas obras de autores germânicos do século XIX, como é visto como integrante da ação, podendo, portanto, ser identificado com essa
STÜBEL 287 e VON LISZT,288 especialmente este último, ao exigir como ação, como movimento corpóreo que modifica o mundo exterior através de sua
característica do crime a cominação legal de uma pena. Em todas essas própria manifestação. A questão é pacífica entre os causalistas.291 Na verdade,
obras, entretanto, o tipo é compreendido em sentido amplo, como o pró- se reconhecermos como resultado não apenas o evento natural, sensível, mas
prio delito e não particularmente, como seu elemento fundamentador.289 também a lesão de bem jurídico (o chamado resultado jurídico), está claro
O conceito de tipo como elemento autônomo dentro do conceito de delito que todos os crimes possuirão resultado, no sentido jurídico e não, natural.
advém da obra de BELING, Die Lehre vom Verbrechen, de 1906, mais tarde Modernamente, essa discussão foi retomada, como ainda se verá.
suplementada e alterada em alguns aspectos pelo próprio autor, com um Em sua primeira formulação do conceito de tipo, BELING partiu,
opúsculo intitulado Die Lehre vom Tatbestand, de 1930. através de um método puramente dedutivo, da norma legal da previsão dos
(a) A TEORIA CAUSAL fatos criminosos. Superando as ideias anteriores que o confundiam com todas
as circunstâncias concretas do fato (corpo de delito), passou a conceber o tipo
Talvez a mais importante contribuição da teoria causal no tocante à ela-
como o conjunto de circunstâncias caracterizadoras abstratamente do delito,
boração da teoria do delito tenha sido o conceito de tipo, segundo o proposto
conforme sua definição legal. Com esse aporte puramente conceitual e não
por BELING. Na verdade, a noção de tipo constituiu dogmaticamente uma
fático, BELING pôde criar um novo elemento para a definição de delito,
verdadeira revolução no direito penal, de tal modo que, depois disso, todas as
tratado de modo objetivo e neutro, como exigia o dogma causal. Mais tarde,
construções sistemáticas do delito partem inquestionavelmente de seu pressu-
porém, em outros trabalhos, BELING passou a distinguir entre o tipo de
posto. Com o conceito de tipo foi possível a formulação do conceito analítico
delito e o tipo reitor.292 O tipo de delito corresponde às características relativas
de delito e a própria elaboração do conceito de ação, pois proporcionara a
a cada um dos crimes em espécie contidos na parte especial do código penal
distinção entre a conduta, tomada como corpo de delito e sua previsão legal.
(homicídio, furto, roubo, estelionato, falsidade documental, peculato, etc.)
No sistema causal, o tipo tem uma característica marcante, que é a de com seus componentes objetivos e subjetivos. O tipo reitor é o correspon-
ser compreendido como a descrição objetiva e neutra do desenrolar de uma dente abstrato e conceitual de cada delito-tipo. Como elemento conceitual,
conduta, prevista na lei penal e no qual representam papel preponderante o o tipo reitor constituiria o primeiro objeto de investigação, complementado
movimento do agente (realidade causal) e o resultado. O resultado, como parte pela análise dos demais tipos de delito.
integrante da ação causal, deve estar contido necessariamente em todos os deli-
Na teoria do delito, propriamente, o importante é o tipo reitor, pelo qual
tos, pois o conceito causal de ação não pode reconhecer crimes sem resultado.
se edifica a sua noção; o tipo de delito é objeto de estudo da parte especial. A
Esta conclusão vale tanto para os chamados delitos materiais, nos quais é possí-
revisão proposta por BELING em sua construção original não se tornou de-
vel a separação naturalística entre ação e resultado, quanto nos delitos formais,
finitiva e sua diferenciação entre tipo de delito e tipo reitor não prevaleceu na
ou de mera atividade, nos quais a incriminação se esgota na proibição da própria
doutrina subsequente. O próprio BELING, mais tarde, assumiu outra posição,
ação ou nos delitos omissivos próprios, em que a norma se estrutura sobre um
concebendo o tipo como integrante da antijuridicidade, fato que foi inferido
comando ou determinação de uma conduta determinada, a par da proibição
de seu conceito de delito, mas que nunca teve demonstração autônoma.
da omissão ou inatividade do agente. Os partidários da teoria causal entendem
que nos crimes formais deve ser reconhecida como resultado a própria atividade A tipicidade, para a teoria causal, desempenha, primeiramente, papel
do agente.290 Esta posição está coerente com esse sistema, já que nele o resultado puramente descritivo e autônomo, nada tendo a ver com a antijuridicidade.
Depois, por influência de MAX ERNST MAYER, a tipicidade passa a funcio-
287. STÜBEL, Christoph Carl. Über den Tatbestand der Verbrechen nach gemeinen in Deutschland gelten- nar como meio de conhecimento da antijuridicidade ou seu indício objetivo,
den und chursäschsichen Rechten, Wittenberg, 1795, reimpressão Keip Verlag, 1997.
288. LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão, tradução de José Higino, Rio de Janeiro, 1899, p. 183. 291. Veja-se, por exemplo, PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes de Mera Conduta, S. Paulo, 1975, p.44 et seq.
289. LUISI, Luiz. O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislação Penal, Porto Alegre, 1987, p. 14. 292. BELING, Ernst von. Die Lehre vom Verbrechen, Tübingen, 1906, reimpressão Keip Verlag, 1997; Idem.
290. Assim, BRUNO, Aníbal. Direito Penal, PG, II, Rio de Janeiro, 1959, p.221 et seq. Die Lehre vom Tatbestand, Tübingen, 1930; Idem. Grundzüge des Strafrechts, 11ª edição, Tübingen, 1930.
152 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 153

isto é, desde que realizada uma ação concreta que se identifique com a descrição a teoria dos elementos subjetivos do injusto, enunciada inicialmente por FIS-
que dela se faz na lei penal, isto vem a constituir um indício objetivo da incidên- CHER, NAGLER e HEGLER e, mais tarde, desenvolvida por MEZGER,
cia sobre essa ação de uma norma proibitiva.293 Nessa colocação, quem realiza com o que se descartou quase que totalmente a definição de BELING de
o tipo – quem age com tipicidade – já assinala que, provavelmente, também que a tipicidade e a antijuridicidade se compunham tão só de características
contrariou todo o direito vigente. Mesmo assim, esse indício não se insere na descritivas e objetivas.295 Os elementos normativos, encontrados amiúde nas
proibição, ou seja, o tipo tem antes de tudo caráter formal, não sendo mais disposições penais, como coisa alheia (no furto, no roubo ou na apropria-
do que um objeto, composto de caracteres conceituais objetivo-descritivos do ção indébita), warrant (no crime de emissão irregular de conhecimento de
delito, sobre o qual, posteriormente (na antijuridicidade), incidirá um juízo de depósito) e documento (nos crimes de falso), por exemplo, estão a exigir o
valor extraído da dedução das normas jurídicas, em sua totalidade. pronunciamento de juízos de valor para a compreensão do tipo de delito
Modernamente, a partir de WELZEL, pretende-se recuperar a imagem em espécie e, inclusive, para diferenciar os delitos entre si, como ocorre na
de BELING, atribuindo-lhe o mérito de haver salientado, já naquela época, falsidade documental, com a noção de documento público e particular. Mas
o caráter indiciário do tipo com relação à antijuridicidade da conduta, muito a transformação de que falamos não se resume a esses aspectos essencialmente
antes da contribuição neokantiana de MAX ERNST MAYER, por entender dogmáticos. O neokantismo altera os fundamentos da teoria do injusto.
que o tipo encerrava desde logo a matéria da proibição, isto é, o objeto (ação) Na concepção de BELING, o tipo era objetivo e neutro, portanto objeto
proibido pela ordem jurídica.294 Essa conclusão não foi, porém, suficiente- sensível sob aspecto causal. No neokantismo, o injusto é produto de uma cria-
mente demonstrada e parece contradizer a filiação filosófica de BELING, ção normativa, sem referência real, como resultado de juízos de valor, tendo
um positivista jurídico ancorado no dogma causal. em vista o objetivo visado pelo legislador, que tanto pode ser a proteção de
bens jurídicos quanto de qualquer outra situação estatal de conveniência. Esta
(b) O NEOKANTISMO
flexibilidade no conceito de bem jurídico pode ser notada nas divergentes
Observa-se, assim, que na concepção causal os componentes do delito acepções que dele extraem os neokantianos, a partir de sua consideração no tipo
são meros atributos legais da conduta, nos quais o tipo desempenharia o de injusto. MAX ERNST MAYER, com apoio em STAMMLER, identifica o
primeiro papel, justamente o de conceituação descritiva, ou melhor, de conjunto de bens jurídicos como imposições de normas de cultura, revigoran-
identificação. Estes aspectos puramente legalistas, próprios do positivismo do uma espécie de naturalismo cultural.296 Embora tenha buscado definir as
jurídico reinante na época, não puderam resistir a uma alteração de perspec- normas de cultura em sua famosa obra intitulada “Normas jurídicas e normas de
tivas. O objeto da norma incriminadora deixa de ser o resultado de dano cultura”, editada em 1901, como a “totalidade dos mandatos e proibições que
ou de perigo, cuja constatação era comprovável mediante um procedimento se dirigem ao indivíduo, como exigências religiosas, morais, convencionais, re-
causal e passa a ser a própria conduta, desvinculada de seu substrato natural lacionais ou profissionais”, o que as situaria no plano dos imperativos, entende
e agora, sob enfoque puramente normativo. Isto se processa gradativamen- MAX ERNST MAYER que a função do ordenamento jurídico estaria limitada
te sob a influência na teoria do delito do movimento neokantiano o qual, a “converter bens em bens jurídicos e garantir-lhes a tutela”. Essa tutela, entre-
embora não tenha alterado sistematicamente a estrutura de delito proposta tanto, percorreria duas vias. Na primeira, reconhecer-se-ia que o bem jurídico,
por BELING, lançou as bases para sua transformação. apesar de derivar normalmente de um dado real, só teria existência a partir das
Dogmaticamente, esta transformação se dá por dois meios. Primei- imposições das normas de cultura que, dirigindo-se ao povo, lhe asseguram
ramente, com o processamento dos elementos normativos do tipo, levado a a transformação axiológica de simples coisa a um bem dotado de valor e lhe
efeito por MAX ERNST MAYER, MEZGER e GRÜNHUT e, depois, com 295. GRÜNHUT, Max. Begriffsbildung und Rechtsanwendung in Strafrecht, Tübingen, 1926; HEGLER,
August. “Subjektive Rechtswidrigkeitsmomente im Rahmen des allgemeinen Verbrechensbegriffs”, in
293. MAYER, Max Ernst. Der Allgemeine Teil des deutschen Strafrechts, 1ª edição, 1915, p. 10 e 52, reim- Festgabe für Frank, 1930, p. 256; MAYER, Max Ernst. Der Allgemeiner Teil des deutschen Strafrechts,
pressão da 2ª edição, Heidelberg, 1923, Frankfurt am Main, 1997. 2ª edição, Heidelberg, 1923, p. 182 e 185; MEZGER, Edmund. Tratado de Derecho Penal, trad. espa-
294. WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán, tradução chilena de Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez nhola de Rodriguez Muñoz, Madrid, 1955, §§ 19 a 23.
Pérez, Santiago, 1970, p.79. 296. MAYER, Max Ernst. (Nota 295), p. 37.
154 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 155

respaldam a proteção, criando a todos, indistintamente, deveres de proteção e muito do sistema que fora iniciado pelo neokantismo. O ponto comum de
respeito. Na segunda, o bem valorado no sentido das normas de cultura assu- ambas as teorias está em deixar de priorizar o resultado e dar maior atenção aos
miria a condição de bem jurídico, por imposição de sua tutela jurídica, agora aspectos direcionais e subjetivos da conduta e, consequentemente, do injusto.
não mais dirigida a todos, mas exclusivamente ao juiz, que teria como função Dogmaticamente, a concepção do tipo finalista é reflexo do conceito de
sancionar as respectivas infrações de sua violação.297 MEZGER, por sua vez, ação finalista. Uma vez admitida a autonomia do conceito de ação em relação
embora acolha as normas de cultura como pressupostos das normas jurídicas, às normas de direito, a primeira tarefa do tipo será acolher essa ação, com
entende, como bens jurídicos, interesses individuais ou sociais na manutenção todos os seus segmentos e componentes, como objeto de valoração jurídica.
de determinado status,298 o que lhe confere um significado teleológico. Perde-se, Esse objeto de valoração que, na verdade, é a conduta humana, ao situar-se
com isso, o sentido de estabilidade, que uma concepção causal poderia inicial- como integrante do tipo de um delito, vem a constituir a chamada matéria
mente proporcionar, porque o bem tem o mesmo significado da norma. Na da proibição. O tipo seria assim a descrição legal da conduta proibida e está,
concepção causal, mesmo que o bem jurídico fosse conceituado formalmente, dessa forma, condicionado a como se possa compreender essa conduta em
ainda assim, sua proteção estaria ancorada em dado concreto, não segundo sua fase antecedente, ou seja, como conduta final.
uma criação teleológica.
Conforme a variação da relação entre a execução dos meios causais e
O dado mais significativo, porém, dessa reformulação neokantiana na os fins projetados volitivamente, poderá variar a classificação dos delitos.
teoria do delito cifra-se na relação tipo-antijuridicidade. Inicialmente, o tipo Desde que se estabeleça, no início da realização do tipo, a diferenciação
é despojado, como já vimos atrás, de seu caráter de absoluta autonomia, para entre as espécies da relação entre meio causal e fim projetado, que con-
constituir um indício de antijuridicidade, conforme o enfoque de MAX ERNST dicionam a proibição ou comando com vistas ao seu caráter protetivo, já
MAYER. Com MEZGER, porém, a perda da autonomia do tipo atinge o seu se formam, com isso, grupos diferenciados de delitos, que se classificam
clímax, ao ser concebido como um momento da antijuridicidade. O delito não em delitos dolosos, culposos e omissivos, os quais por sua vez, induzem à
é agora definido como a ação típica, antijurídica e culpável, mas como ação composição de tipos diversos para cada um deles. Constituem-se, assim,
tipicamente antijurídica e culpável. O tipo não é mais o elemento identificador três tipos gerais de delito: doloso, culposo e omissivo.
da antijuridicidade (ratio cognoscendi), mas seu fundamento (ratio essendi). Isto
quer dizer que o injusto possui elementos próprios e, ao contrário dos demais Nos delitos dolosos, o tipo desdobra-se em duas partes, conforme os dois
ramos do direito, tem uma forma especial de aparecimento, ou seja, através segmentos da ação: tipo objetivo e tipo subjetivo. O tipo objetivo representa a
da realização de uma conduta prevista na lei como crime. Esta compreensão manifestação exterior da vontade, compreendendo a respectiva ação delituosa
conjunta da tipicidade e da antijuridicidade não possui efeitos em si malévolos, e, ainda, todas as características que o legislador conferiu como indispensáveis
mas proporciona e dá base para que nela se inicie uma subjetivação do injusto, à identificação do delito, tais como o objeto, o resultado (onde houver) e
que já se havia feito com a introdução dos elementos subjetivos de justificação. demais circunstâncias referentes ao sujeito, à vítima, ao tempo, ao lugar, ao
meio e ao modo de execução da ação. O tipo subjetivo compõe-se do dolo,
(c) O FINALISMO como elemento subjetivo geral e de intenções, tendências ou percepções,
Uma vez terminada a Segunda Grande Guerra Mundial e solapadas as como elementos subjetivos especiais, existentes em determinados delitos.
bases de sua estrutura jurídica, constituída pelo positivismo e pelo neokan- O dolo toma diferentes acepções no finalismo. WELZEL o identifica
tismo, abrem-se as portas para que na teoria do injusto se proceda a uma como a vontade de realização da ação. Com isso, até mesmo os dados da
profunda revolução, mediante o acolhimento da teoria finalista. A teoria finalis- causalidade dizem respeito a problemas do dolo.299 Para outros, o dolo com-
ta, entretanto, ainda que busque situar-se em base ontológica, não se distancia preende a vontade consciente em relação ao tipo objetivo.300 Não fazendo
297. MAYER, Max Ernst. Normas jurídicas y normas de cultura, tradução castelhana de José Luis Guzmán
Dálbora, Buenos Aires, 2000, p. 56 et seq 299. WELZEL, Hans. (Nota 294), p. 95 et seq.
298. MEZGER, Edmund. (Nota 295), p.309. 300. BLEI, Hermann. Strafrecht, I, A. T., München, 1975, p.103.
156 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 157

menção à vontade de realização, estes últimos autores separam nitidamente Nos delitos culposos, nos quais não há vontade de realização, o tipo
os casos resolvidos pela aplicação da fórmula da causalidade daqueles que se compõe de uma ação contrária às normas de cuidado, estabelecidas no
se filiam originariamente ao dolo. Exemplo significativo dessa separação e âmbito da relação e do resultado proibido. Nesses delitos não há que se falar
da identificação do critério a ser aplicado é o do sobrinho que convence seu de tipo objetivo e tipo subjetivo, pois essa dicotomia não lhes é aplicável.
tio a viajar por uma estrada de ferro, em cujo trajeto, sabidamente perigoso, Os fundamentos da diferença entre delitos dolosos e delitos culposos
vem ele a morrer por acidente ferroviário. WELZEL aqui exclui o tipo por não encontram, porém, denominador comum entre os finalistas. WELZEL
ausência de dolo, em virtude de não haver vontade de realização, mas mera manifesta a diferença segundo um juízo de valor negativo incidente sobre a
expectativa da ocorrência da morte do tio.301 MAURACH-ZIPF já excluem conduta típica: no crime doloso o juízo de valor negativo recairia sobre o resul-
a causalidade, por entenderem que a ação do sobrinho não configurava tado danoso, consciente e volitivamente produzido ao bem jurídico (desvalor do
causa adequada do resultado morte.302 resultado); nos crimes culposos o que efetivamente se leva em conta é o desvalor
Associando-se o dolo ao sentido da atividade, torna-se mais simples sua da própria ação, segundo a forma de sua execução, a qual deve ser avaliada
caracterização. Não se fala mais de inúmeras modalidades de dolo, conheci- mediante um modelo comparativo com aquela ação que, hipoteticamente,
das e divulgadas até hoje desde o século passado, como dolo de ímpeto, dolo de teria realizado um homem prudente e consciencioso.307 MAURACH, todavia,
premeditação, dolo indireto, dolo determinado ou indeterminado. As espécies de entende que a diferença deve se radicar no tipo subjetivo: nos crimes dolosos
dolo reduzem-se a duas: dolo direto e dolo eventual. Há dolo direto quando o há, via de regra, perfeita congruência entre os segmentos objetivos e subjetivos
agente quer a realização do tipo ou a toma como necessária para o alcance de da conduta típica, de sorte que o que realmente se realiza corresponde ao que
seus objetivos. Há dolo eventual quando o agente toma a realização do tipo efetivamente foi querido; nos crimes culposos, o que efetivamente se realizou
como possível e se conforma com ela, assumindo, portanto, o risco de sua não correspondeu à vontade do autor da ação, de modo a caracterizar um
verificação. A diferenciação entre dolo direto e dolo eventual faz-se no plano desvio altamente relevante no processo causal.308
do sentido da atividade, com base no elemento intelectivo, primeiramente e Assim, nota-se desde logo que a característica básica da postura finalista
depois, no elemento volitivo.303 é tratar o delito culposo segundo a condução da atividade humana estabele-
Referentemente aos elementos especiais do tipo subjetivo, os finalistas cida no tipo de injusto, quer tendo por base o objeto de um juízo de valor
podem compreendê-los de dois modos. Para WELZEL seriam eles atributos negativo sobre essa atividade, quer o desvio do processo causal ou defeito de
do autor, incluindo-se, pois, no tipo, como elementos da autoria.304 Outros congruência. Os delitos culposos, portanto, não se subordinam aos mesmos
entendem que a autoria do delito deve ser tratada fora da teoria do delito, na princípios do tipo doloso, nem devem ser tratados como forma de culpabi-
teoria própria relativa ao concurso de agentes, embora relacionada evidente- lidade, como propunha a teoria causal.
mente ao tipo; os elementos subjetivos especiais seriam, portanto, elementos Compartindo dessa ideia de uma diferenciação radical e atendendo ao
do fato típico e não do autor.305 Adotando-se a posição de WELZEL, devem modelo de subjetivação do injusto, STRATENWERTH, seguido entre nós
ser incluídos nesses elementos subjetivos especiais igualmente os motivos do por HEITOR COSTA JÚNIOR, inclui no âmbito do tipo a indagação acerca
agir (motivo fútil, motivo torpe, motivo egoístico, etc.).306 da capacidade subjetiva do agente quanto à violação da norma de cuidado.309
301. WELZEL, Hans. (Nota 294), p.98/99.
Os delitos omissivos, por seu turno, derivam de outra base sistemática:
302. MAURACH, Reinhart / ZIPF, Heinz. Strafrecht, Allgemeiner Teil, München, 1992, 8ª edição, tomo 1,
p. 251. Idem. Direito Penal e Direitos Humanos, Rio de Janeiro, 1977, p. 75/81; PRADO, Luiz Regis. Curso
303. WELZEL, Hans. (Nota 294), p.99/100. de Direito Penal Brasileiro, p. 379.
304. WELZEL, Hans. (Nota 294), p.113. 307. WELZEL, Hans. (Nota 294), p. 74.
305. MAURACH-ZIPF. Strafrecht, p.281; BLEI, Hermann. (Nota 300), p.61/91; STRATENWERTH, Gün- 308. MAURACH, Reinhart. Deutsches Strafrecht, München, 1971, p. 530.
ther. Strafrecht, Allgemeiner Teil, Köln-Berlin-Bonn-München, 1976, p.111. 309. STRATENWERTH, Günther. (Nota 305), p. 301; COSTA JÚNIOR, Heitor. Teoria dos delitos culposos,
306. No Brasil, BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral, 22ª edição, S. Paulo, Rio de Janeiro, 1988; em posição intermediária: COSTA, Carlos Adalmir Condeixa da. Da Natureza
2016, p. 368; FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito Penal, Parte Geral, Rio de Janeiro, 1976, p.191; Formal dos Crimes Culposos, Rio de Janeiro, 1989, p. 132.
158 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 159

de uma norma de comando ou determinação. Assim, o elemento essencial A estrutura finalista do tipo irradiou-se para outros sistemas, como o
para configurar a realização típica é a infração ao dever de agir ou de impedir da teoria social da ação, representado por JESCHECK e WESSELS, bem
o resultado proibido. O tipo omissivo finalista vem a compor-se, pois, dessa como do funcionalismo, que tem como principais articulistas JAKOBS e de
infração do dever de agir, quando legalmente tipificada a omissão como tal certa forma, ROXIN.
(crimes omissivos próprios) ou de impedir o resultado, quando o omitente,
(d) A TEORIA SOCIAL
por suas especiais relações no que toca à proteção de bem jurídico, se situe
na posição de seu garantidor. Agrega-se a isso, como parte integrante do tipo, A teoria social da ação, como ocorre com todas as demais teorias, diver-
a real possibilidade de realizar a ação devida.310 ge no tocante à formação do tipo. Os seus primeiros formuladores seguiam
a estrutura da teoria causal, tanto em sua forma primitiva quanto nas suas
Finalmente, na relação tipo-antijuridicidade, o finalismo assume a pro-
variantes cunhadas sob influência neokantiana.312
posta neokantiana de MAX ERNST MAYER, tomando o tipo como indício
da antijuridicidade. Diferentemente, porém, de outros penalistas, finalistas Sob forte influência finalista, porém, WESSELS compreende o tipo
ou não, WELZEL compreende o injusto (tipo e antijuridicidade) como in- como o conjunto de características que assinalam o conteúdo de injusto
justo pessoal, isto é, referente especificamente a determinado autor, em que se de determinado delito. Tendo em vista que a ação socialmente relevante
dá atenção ao fim que este autor persegue, à sua atitude, aos deveres que lhe apresenta-se como uma conduta dirigida ou dirigível volitivamente a deter-
são ou eram impostos, aos seus motivos e demais circunstâncias pessoais.311 minado objetivo, o tipo deve também ser segmentado em tipo objetivo e tipo
subjetivo, e distinguido, segundo o sentido da atividade, em tipos dolosos,
Com a adoção da teoria do injusto pessoal transporta-se o conteúdo
culposos e omissivos.313 Mesma postura assume JESCHECK, para quem o
do ilícito penal, com base na lesão objetiva a bens jurídicos, para o desvalor
delito, cujo modelo básico é o doloso, compõe-se de dois elementos gerais:
pessoal da ação, corolário de um substrato de dever jurídico imposto a todos
antijuridicidade e culpabilidade.
os membros da sociedade pelas normas jurídicas. Esse desvalor pessoal da
ação configuraria, no sistema welzeliano, o padrão comum do desvalor geral O tipo representa a forma de expressão e característica da antijuridici-
de todos os delitos. A dificuldade dessa teoria está em harmonizar essa tese dade de cada delito e fundamenta, por isso, o conteúdo de injusto, ou seja,
com os delitos culposos que, fundamentalmente, são delitos de resultado, o sentido da proibição dessa conduta, tanto no aspecto da ação (desvalor do
cujo desvalor se radica quase que inteiramente na verificação concreta do re- ato) quanto do resultado (desvalor do resultado).314
sultado proibido pela norma penal e só, secundariamente, no desvalor do ato. Com a identificação do conteúdo da conduta, sob sua própria avalia-
Como vimos acima, WELZEL, coerentemente com seu sistema, po- ção em face da orientação que lhe é impressa e do resultado, esclarece-se o
siciona o tipo dos delitos culposos fundamentalmente no desvalor da ação, significado do conceito de injusto pessoal, com repercussões no âmbito da
com base na forma de sua execução. Por outro aspecto, a teoria do injusto antijuridicidade.
pessoal, embora possa contribuir para solucionar alguns casos controverti- Embora essas concepções deem a impressão de que compreendem o
dos da antijuridicidade, como veremos adiante, pode servir de apoio a uma tipo como ratio essendi da antijuridicidade, seus autores a isso não chegam,
teoria mitigada de tipo de autor, incompatível com o direito liberal, ou assumindo a conclusão de que ele, na verdade, é apenas indício ou ratio
ainda possibilitar que determinadas causas relativas à punibilidade, como os cognoscendi da antijuridicidade. Apenas se fortalecem aqui os elementos sub-
motivos do agir, que normalmente são objeto da culpabilidade, tenham seu jetivos de justificação, os quais terão, agora, como fundamento o conteúdo
tratamento dentro do tipo de injusto, o que acentua mais sua subjetivação da ação típica (desvalor do ato e desvalor do resultado).
e fá-lo perder seu sentido de segurança.
312. Assim, por exemplo, SCHMIDT, Eberhard. “Soziale Handlungslehre”, in Festschrift für Engisch,
310. Sobre toda a problemática da omissão, segundo a teoria finalista, WELZEL, Hans. (Nota 294), p. Frankfurt am Main, 1969.
263/292. 313. WESSELS, Johannes. Strafrecht, Allgemeiner Teil, 22ª edição, München, 1992, p. 30 et seq.
311. WELZEL, Hans. (Nota 294), p. 92. 314. JESCHECK, Hans-Heinrich. Lehrbuch des Strafrechts, AT, Berlin, 1978, p. 184 et seq.
160 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 161

(e) O FUNCIONALISMO sua estrutura, acolhe ROXIN a solução da teoria finalista, dividindo o tipo
O funcionalismo tem em JAKOBS um de seus principais expoentes em tipo objetivo e tipo subjetivo, mas ressaltando que a ação típica consti-
no direito penal. Em sua estruturação do tipo, exposta de modo não muito tui, na verdade, uma unidade de fatores internos e externos, que não pode
claro, verbera ele que a realização do tipo constitui uma etapa da imputação. ser rompida, apenas compreendida em suas singularidades através de seus
O injusto não pode ser compreendido isoladamente, como pensavam os momentos individualizadores objetivos e subjetivos. Assim, não existiriam
causalistas, mas do confronto entre tipicidade e antijuridicidade. Assim, o no tipo elementos puramente objetivos ou subjetivos, sendo inútil discutir
tipo de injusto seria representado pelo conjunto de caracteres que assinalam acerca disso. A divisão entre o externo e o interno serve apenas à ordem exter-
legalmente a intolerabilidade social de determinada atividade, que só pode na e deve ser desconsiderada quando contrarie o sentido de um conceito.317
ser descartada com a incidência de uma norma permissiva. (f) OUTROS POSICIONAMENTOS
Embora considere o tipo como mero indício da antijuridicidade e venha Posição especial ocupa SCHMIDHÄUSER, que se filia basicamente à
a criticar as teorias radicais que implicam sua unificação à antijuridicidade, concepção causal-normativa do tipo de injusto, compreendendo-o, porém,
conclui que é indissociável da caracterização dessa intolerabilidade a ausência como preenchido com a simples produção (causação) de uma lesão a um
de causa de justificação. A diferenciação entre tipo e antijuridicidade só teria bem jurídico, ainda quando a conduta do agente esteja de conformidade
importância, praticamente, na identificação da espécie de erro que poderia com as normas sociais. Assim, em um acidente produzido por um automóvel
surgir da falsa representação por parte do agente no que toca ao que a lei absolutamente isento de defeitos, o tipo de delito culposo será igualmente
proíbe de um modo geral (ação típica e seus elementos) e o que ela autoriza, realizado pelo fabricante do veículo, cabendo excluir-se a antijuridicidade
de modo especial (causas de justificação e seus elementos).315 mediante o auxílio do risco permitido.318
Ainda que não se possa criticar sua postura de considerar indispensável Por sua vez, SAX compreende o tipo legal como uma configuração va-
um enfoque conjugado do tipo e da antijuridicidade, a fim de determinar os lorativamente neutra, podendo ser realizado sem que se verifique uma lesão
exatos contornos do conteúdo do injusto, o sistema proposto por JAKOBS não a um bem jurídico. Esta lesão, porém, é considerada como indispensável
vai além de uma circularidade dentro do próprio âmbito normativo, quer dizer, para legitimar a coação estatal de punir, pretendendo, com isso, criar uma
o injusto não se edifica senão dentro de si mesmo e é resolvido mediante uma exclusão do tipo por motivo de limitação de responsabilidade através da fi-
série de argumentos tautológicos, que se resumem a um processo puramente nalidade protetiva da norma, que está submetida, juntamente com a hipótese
decisório, isto é, uma verdadeira decisão em torno de uma outra decisão.316 de ausência de elementos da tipicidade, à categoria especial de ausência de
Sob outro viés funcional, o modelo proposto por ROXIN parte do ra- tipo por inexistência de uma lesão de bem jurídico.319 Esta tese é interessante
ciocínio de qual significado se deve emprestar ao tipo. Com isso o distingue porque antecipa para a tipicidade a análise do conteúdo material do injusto
em três aspectos: no sentido sistemático, no sentido político-criminal e no que se era feita no âmbito da antijuridicidade.
sentido dogmático. O sentido sistemático, tal como proposto por BELING,
assegura no conceito de delito a diferenciação de seus elementos componen- (2) O CONCEITO DE ANTIJURIDICIDADE
tes: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade; o sentido político-criminal A compreensão do tipo, como se pôde ver dessa sintética exposição,
está voltado à função de garantia que o tipo desempenha como consequência segue mais ou menos o modelo de sociedade na qual desempenha suas fun-
do princípio da legalidade; e o sentido dogmático serve à identificação do ções. Inicia-se com um conteúdo puramente causal e objetivo; depois se
erro de tipo e seu efeito de eliminar o dolo. De qualquer forma, quanto à 317. ROXIN Claus. (Nota 270), p. 305 et seq.; para outras questões do funcionalismo, ver GRECO, Luís. “In-
trodução à dogmática funcionalista do delito”, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 32, p. 120.
318. SCHMIDHÄUSER, Eberhard. Strafrecht, Allgemeiner Teil, Tübingen, 1975, 9/11. Entendendo que a
315. JAKOBS, Günther. Strafrecht, Allgemeiner Teil, 2ª edição, Berlin-N.York, 1993, p. 152 et seq. questão da causalidade é prévia a um exame normativo, mas vinculando-a à estrutura do tipo como
316. Neste sentido, a crítica de SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual conceito fonte: REALE JÚNIOR, Miguel. Parte Geral e Tipicidade, S. Paulo, 1986, p. 29.
de la ciencia jurídico-penal alemana, tradução espanhola de Manuel Cancio Meliá, Bogotá, 1996, p. 46. 319. SAX, Walter. “Tatbestand und Rechtsgutsverletzung”, in Juristenzeitung, 1976, p. 9 et seq.
162 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 163

subjetiva com o neokantismo; subordina-se a um conceito hermético de de BACON sobre o common law.322 Ainda que se reconheça este precedente
conduta, orientado a um determinado fim; insere-se como elemento de im- histórico do direito anglo-americano, o problema é que essa diferenciação,
putação de uma conduta socialmente intolerável, no funcionalismo; retoma como, aliás, seus próprios juristas atestem, jamais teve qualquer aplicação
sua função de garantia com ROXIN, mas subordinado aos fins da pena e prática, pois o que sempre valeu e continua valendo é o juízo final de culpa-
finalmente se torna dependente do caráter protetivo da norma. bilidade que, no fundo, absorve o juízo de antijuridicidade.323
No fundo, toda evolução do tipo conduz a caracterizá-lo cada vez mais Por isso, o conceito de antijuridicidade como tal somente começou a des-
como instrumento de proteção de políticas criminais do Estado, cuja fusão de pontar no século passado, mas sob perspectivas diversas. Por um lado, através
metas com os preceitos emanados dos direitos humanos de segunda e terceira da incursão de VON JHERING no direito civil romano tornou-se possível
gerações, que são direitos puramente comunitários ou estatais e não verdadei- diferenciar entre as consequências de um ato ilícito e de um ato culpável.324
ros direitos humanos, gera sua desconstituição como instrumento de garantia Por outro, através da evolução dogmática, com a contribuição de MERKEL e
individual. Há, entretanto, uma necessidade histórica e conceitual de que se sua teoria dos elementos negativos do tipo,325 de VON LISZT com o conceito
recupere a noção de tipo, com vistas ao sujeito. Mas esta recuperação precisa de antijuridicidade formal e de BINDING com a acepção do delito como
igualmente ser procedida no âmbito da antijuridicidade, porque o injusto é, ato contrário à norma, mas não à lei,326 se pôde compreender que o delito
na verdade, o resultado de uma operação complexa e não de mera classifica- estava situado em correlação com as normas da ordem jurídica. É paradoxal,
ção. Igualmente, a partir da argumentação discursiva, o tipo se vê também entretanto, que tanto MERKEL quanto BINDING se opunham a um concei-
delimitado diante da influência dos conceitos de mundo da vida e de pessoa to unitário de antijuridicidade. O primeiro estabelecia, como pressuposto de
deliberativa, os quais devem compor a estrutura do conceito de conduta. qualquer formulação acerca da antijuridicidade, o caráter imperativo da norma
incriminadora, de tal modo que seu destinatário deveria ser imputável, porque,
(a) ANTECEDENTES DO CONCEITO
caso contrário, não poderia atuar antijuridicamente.327 O último compreendia
O conceito de antijuridicidade, entretanto, não se desenvolve na dou- o ilícito sempre como um ato culpável, negando-lhe por isso autonomia.328
trina concomitantemente com o de tipicidade. Até final do século XVIII
as legislações penais e igualmente os penalistas desconheciam um conceito (b) A TEORIA CAUSAL
geral e diferenciado de antijuridicidade. Geralmente, a confundiam com a Deve-se, na verdade, a VON LISZT a exata compreensão da antijuri-
culpabilidade e, quando muito, apenas ressaltavam as causas de justificação dicidade como elemento autônomo do delito. Isto pode ser notado na sua
mais conhecidas, como a legítima defesa e o estado de necessidade, mas conceituação do delito como ação injusta, nos seguintes termos: “Como
atreladas ao homicídio e não como justificantes genéricas, extensíveis a todas injusto, o crime, do mesmo modo que o ilícito civil, é antijurídico ou por
as espécies de conduta.320 Ainda, porém, no século XVIII foi possível arti- outros termos, é a violação de uma norma do Estado, de um preceito proibiti-
cular-se um pequeno movimento gerador de um conceito diferenciado com vo ou impositivo da ordem jurídica”, de tal modo que só “excepcionalmente e
BÖHMER, que através da superação da dominação da doutrina casuística
de CARPZOV distinguia entre a exclusão do homicídio por legítima defesa e 322. HASSEMER, Winfried. “Rechtfertigung und Entschuldigungsgründe im Strafrecht. These und Kom-
por dolo, abrindo, com isso, um novo caminho na investigação do injusto.321 mentare”, in Rechtfertigung und Entschuldigung. Rechtsvergleichende Perspektiven. Freiburg im Breis-
gau, 1987, p. 178.
323. HENDLER, Edmundo. Derecho Penal y Procesal Penal de los Estados Unidos, Buenos Aires, 1996, p. 65.
Acerca das vicissitudes históricas do conceito de antijuridicidade, 324. JHERING, Rudolf von. “Das Schuldmoment im römischen Privatrecht”, Festschrift für Birnbaum,
informa HASSEMER que no direito anglo-americano já se procedia à dife- Gießen, 1867, p. 4.
325. MERKEL. Adolf Joseph Matthäus. Lehrbuch des deutschen Strafrechts, Stuttgart, 1889, p. 82, reim-
renciação entre causas de justificação e causas de exculpação desde o tratado pressão, Frankfurt am Main, 1996.
326. BINDING, Karl . Die Normen und ihre Übertretung, Leipzig, 1922, vol. I, p. 29 et seq.
320. RÜPING, Hinrich. Grundriß der Strafrechtsgeschichte, München, 1991, p. 44. 327. MERKEL, Adolf Joseph Matthäus Kriminalistische Abhandlungen, tomo 1, Stuttgart, 1867, p. 42.
321. HIPPEL, Robert von. Deutsches Strafrecht, Berlin, 1925, vol. I, p. 250 e ss, reimpressão, Aalen, 1971; 328. BINDING, Karl. Die Normen, volume I, p. 299; sobre isso, com argumentos favoráveis e desfavoráveis,
para uma visão geral: BOLDT, Gottfried. Johann Samuel Friedrich von Böhmer und die gemeinrechtli- KAUFMANN, Armin, Teoría de las Normas, tradução de Enrique Bacigalupo e Ernesto Garzon Val-
che Strafrechtswissenschaft, Berlin, 1936, reimpressão, Frankfurt am Main, 1997. dez, Buenos Aires, 1977, p. 193 et seq.
164 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 165

por causas especiais é lícita a lesão de interesses juridicamente protegidos”.329 cuja violação implica a antijuridicidade, e a uma norma de determinação sub-
Mais tarde, VON LISZT enuncia o conceito de antijuridicidade material: jetiva, deduzida da primeira e que fundamenta a culpabilidade.333 O injusto
antijurídico é o fato que ofende ou põe em perigo um bem jurídico.330 aqui é, assim, deduzido da violação a uma norma de valoração que se dirige
Apesar da contribuição de VON LISZT, os partidários da teoria a todos, diversamente da culpabilidade, que está associada a uma norma
causal, especialmente BELING, não inovaram acerca desse conceito, de dever, que se vincula somente a quem esteja pessoalmente obrigado ao
apenas estabeleceram, por força da noção de tipo, a nítida separação entre seu cumprimento.334 Com isso, descarta-se definitivamente a concepção de
a conduta proibida e a conduta lícita. Essa observação, porém, já havia sido MERKEL de que a imputabilidade constituiria um pressuposto do injusto.335
feita por VON LISZT em seu tratado, ainda que anteriormente ao conceito Dada, entretanto, a particularidade de se atribuir ao tipo a condição de ratio
de tipo, ao salientar que a análise da antijuridicidade deveria resumir-se na essendi da antijuridicidade, a lesão de bem jurídico, que fundamentava a an-
indagação acerca da incidência ou não de uma causa de justificação,331 o tijuridicidade material de VON LISZT, passa a assumir o papel de conteúdo
que significava que o juízo sobre a ilicitude deveria pressupor a realização material do injusto típico,336 função que, desde então, vem sendo exercida
de uma ação causal, prevista como proibida. dentro do tipo de injusto. Ademais, aperfeiçoa MEZGER a sistematização
dos elementos subjetivos do injusto, reconhecendo-lhes desde logo dupla
(c) O NEOKANTISMO função: como fundamento do próprio tipo de injusto e como integrantes das
A inovação sobre esta matéria coube aos neokantianos. Inicialmente causas de justificação legais e extralegais.337 De qualquer modo, MEZGER
MAX ERNST MAYER trouxe à consideração o enunciado de que a antijuri- reconhece que o juízo de antijuridicidade deve ser efetuado objetivamente e
dicidade se consubstanciaria através de dois juízos: um juízo provisório com que a imputação pessoal é questão a ser decidida na culpabilidade.338
a realização do tipo, resultante da violação de uma regra de conduta e um (d) O FINALISMO
juízo definitivo, através da negativa de uma causa de justificação.332 Com isso,
confere-se um acento especial na relação tipo/antijuridicidade, atribuindo ao Por influência da doutrina anterior, cujos antecedentes estão em VON
primeiro o caráter de indício da segunda. O trunfo dessa concepção não está WEBER no sentido de incluir o dolo no tipo de injusto,339 o finalismo, ao
em atribuir ao tipo o caráter indiciário da antijuridicidade, mas sim, de abrir a acolher esta mesma estrutura e ainda fundamentando-a através do conceito
possibilidade de um enfoque sistêmico das causas de justificação, em que tipo ôntico de ação final, tratou do injusto como injusto pessoal, quer dizer, o in-
e causas de justificação se contrapunham através do binômio regra/exceção. justo deve ser atribuído a uma determinada pessoa, daí ganhando relevância
a questão do desvalor do ato.340
Aprofundando esta análise, MEZGER acentua, por outro lado, que a
Mas, apesar disso, o finalismo regressou à fase anterior ao neokantismo,
antijuridicidade deveria ser aferida em dois estágios: no primeiro, situando a
ao conceber o juízo de antijuridicidade como um juízo delibativo: o tipo
conduta do agente em face da norma objetiva de valoração; no segundo, ca-
constitui um indício de antijuridicidade, confirmado definitivamente com
racterizando-a quanto à execução do tipo de delito. A antijuridicidade passa
a ausência de qualquer causa de justificação. Com a introdução do conceito
a ser, então, o elemento principal do delito, o qual assume a característica
de injusto pessoal, em que o importante passa a ser o modo e a forma de
especial de uma antijuridicidade típica.
Mas, há ainda um outro problema. Com essa posição, MEZGER reco-
333. MEZGER, Edmund. (Nota 295), p. 340 et seq.
nhece afinal que o delito comporta dois juízos, um objetivo e outro subjetivo, 334. MEZGER, Edmund. (Nota 295), vol. I, p. 343.
correspondentes, respectivamente, a uma norma de determinação objetiva, 335. Entre nós, adotando praticamente a posição de Merkel: REALE JÚNIOR, Miguel. Antijuridicidade
Concreta, S. Paulo, 1974, p. 93.
336. MEZGER, Edmund. (Nota 295), vol. I, p. 398.
329. LISZT, Franz von. Lehrbuch des deutschen Strafrechts, Berlin, 1ª edição, 1881, § 22. 337. MEZGER, Edmund. (Nota 295, vol. I, p. 349.
330. LISZT, Franz von. (Nota 329), 21ª edição, 1919, p. 132. 338. MEZGER, Edmund. (Nota 295), vol. I, p. 354 et seq.
331. LISZT, Franz von. (Nota 329), 1ª edição, § 22. 339. WEBER, Helmuth von. Zum Aufbau des Strafrechtssystems, Jena, 1935.
332. MAYER, Max Ernst. (Nota 293), p. 173. 340. WELZEL, Hans. (Nota 294), p. 91 et seq.
166 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 167

execução da conduta proibida por parte do agente, que darão o sentido da coincidência que se formara entre a teoria final de ação, com seu conceito
sua atividade e assinalam o desvalor do ato, o finalismo fortalece também a de injusto pessoal, e a teoria do tipo de autor, bem como a mesma preocu-
subjetivação da antijuridicidade. pação eticizante que se agregava à norma penal e a substituição do conceito
A questão da subjetivação do injusto, na verdade, não deve ser apreciada de bem jurídico pelo de valores ético-sociais, tal como na proposta de
pelo lado simplesmente dogmático, porque isto já estava presente nos parti- SCHAFFSTEIN.343 Este raciocínio, aliás, é consequência de uma tomada
dários do neokantismo e ainda em outros autores, como, por exemplo, em de posição política do finalismo que, ao formular o juízo de desvalor da
EBERHARD SCHMIDT e HEGLER, este último, inclusive de forma radical, antijuridicidade, se apoia no critério da autoridade, quer dizer, o juízo da
entendendo que, para fins de imputação pessoal, praticamente inexistiria dife- antijuridicidade vale na medida em que tem como sujeito não a pessoa do
rença entre os elementos subjetivos do injusto e os elementos da culpabilidade.341 autor, mas a ordem jurídica,344 desnaturando, com isso, seu conceito de
ação e o sentido do conceito de injusto pessoal. A subjetivação do injusto,
A compreensão perfeita de como se processa essa subjetivação do in- na forma de injusto pessoal, passa a valer, por isso, como tipo de autor,
justo só pode ser obtida, na verdade, com a apreciação da própria estrutura cujos parâmetros são tirados, portanto, da ordem jurídica e não das condi-
do sistema final de delito e suas inovações. ções próprias do autor concreto, como sujeito do seu juízo de enunciação.
O finalismo inova em dois aspectos substanciais.
A concepção de injusto pessoal do finalismo se irradiou também para
Em primeiro lugar, subordina toda a estrutura do injusto ao conceito outros setores, tendo sido acolhida tanto pelos partidários da teoria social da
final de ação, que não é um conceito normativo, mas um conceito ontoló- ação, quanto pelos cultores modernos do funcionalismo. Vários, entretanto,
gico, quer dizer, anterior a qualquer formulação e cujo elemento essencial foram os problemas que esta concepção suscitou, principalmente no setor das
– a finalidade – fora afinal descoberto como uma verdade incontestável.342 causas de justificação, quando se tratasse daquilo que os autores espanhóis
De acordo com este conceito, o legislador deve submeter seus projetos aos passaram a considerar como justificantes incompletas, isto é, quando, embora
esquemas da ação final, que não podem ser modificados por sua vontade ou presentes os elementos objetivos, faltasse o elemento subjetivo de justificação.
conforme seus interesses. Este conceito vale, inclusive, não apenas para o Isto conduziria a pelo menos três problemas. Primeiro: seria preciso determi-
direito, mas para todas as ciências do comportamento. nar as condições necessárias para a configuração de qualquer dos elementos
Em segundo lugar, no campo político, confere à norma penal a função subjetivos de justificação, isto é, decidir se bastava a mera consciência acerca
primária de proteção dos valores ético-sociais. Em vez do resultado, elege dos pressupostos objetivos, ou se era indispensável a vontade acerca da jus-
o sentido da própria ação como o elemento essencial de configuração do tificação (por exemplo, na legítima defesa, dever-se-ia exigir a consciência
injusto. Mediante um raciocínio refinado e sedutor, porque logicamente da agressão ou a vontade de se defender?). Segundo: solucionar os efeitos
razoável, foi fácil demonstrar a função no injusto de uma valoração inci- da eximente incompleta, quer dizer, caso estejam presentes os pressupostos
dente sobre o sentido da ação e não sobre o resultado, como decorrência da objetivos e não os subjetivos de uma causa de justificação, deve-se decidir se
elaboração de uma teoria subjetiva do injusto que, contrariamente a qual- o autor é punido por crime consumado ou por crime tentado. Terceiro: se
quer outra, é lançada com o epíteto de definitiva. Quem não se ajustasse isto também vale para os crimes culposos.
aos seus parâmetros estaria decididamente condenado ao inferno, porque Entretanto, qualquer das soluções apresentadas a esses problemas é ab-
teria contrariado a ordem essencial das coisas. solutamente insatisfatória, o que demonstra que a teoria não é tão definitiva
É interessante notar, como o faz MONIKA FROMMEL, a quanto poderia aparentar. Caso se exija, por exemplo, na legítima defesa, além
dos pressupostos objetivos, a vontade de se defender, como se deve diferenciá-la
341. HEGLER, Alfred. “Subjektive Rechtswidrigkeitsmomente im Rahmen des allgemeinen Verbrechensbe-
griffs”, in Festgabe für Frank, 1930, Tomo I, p. 251 et seq. 343. FROMMEL, Monika. “Los orígenes ideológicos de la teoría final de acción de Welzel”, tradução de
342. WELZEL, Hans. “Die deutsche strafrechtliche Dogmatik der letzten 100 Jahre und die finale Handlun- Francisco Muñoz Conde, in Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, 1989, p. 621 et seq.
gslehre”, in Juristische Schulung, 1966, p. 421 et seq. 344. WELZEL, Hans. (Nota 294), p. 77.
168 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 169

do dolo, ou subsiste, então, um dolo de justificação? Por outra parte, como motivos jurídicos fundados de aceitação da conduta típica por parte da ordem
poderiam ser punidas do mesmo modo duas pessoas, uma que se excedesse jurídica como uma conduta socialmente tolerável em face do contexto.348 A
conscientemente na legítima defesa, e outra que, embora sem saber que estava, identidade entre injusto e realização do tipo só vale – no dizer de JAKOBS –
na verdade, se defendendo, tivesse deliberadamente executado a agressão? quando o tipo for compreendido como um substrato completo do injusto e
A solução pelo crime consumado, na eximente incompleta, implica a quando a determinação da antijuridicidade se limitar à constatação da ausência
ruptura com os princípios da igualdade e da proporcionalidade; a solução de justificação. Ainda que com a oposição de parte da doutrina, tal ocorreria
pelo crime tentado é logicamente insustentável, porque na realidade houve também nos chamados tipos abertos e naqueles nos quais estivessem inseridos
um delito consumado. Ademais, como se poderia exigir a presença de um elementos especiais da antijuridicidade. No caso dos tipos abertos, entende que
elemento subjetivo de justificação na culpa inconsciente, quando a própria os limites entre a ausência de tipo e a incidência de uma justificativa estão
violação da norma de cuidado era desconhecida do autor? Todas essas ques- orientados, igualmente, pelo sentido de intolerabilidade social da conduta, isto
tões induzem a perplexidades no âmbito do injusto, ainda não resolvidas. é, se esta conduta for tolerada apenas em determinado contexto, tratar-se-á de
justificação; se, ao contrário, esta mesma conduta não causar qualquer estorvo,
(e) O FUNCIONALISMO independentemente do contexto, haverá ausência de tipo. Esses tipos abertos
As soluções funcionais esbarram, por sua vez, em uma dificuldade ini- são encontrados em inúmeras disposições legais, quando o legislador condi-
cial decorrente de sua posição em face das perspectivas da norma penal, pelas ciona o processo de imputação à violação de normas que se encontram fora do
quais se entende como necessária a vinculação entre infração e pena. Assim, sistema penal ou de circunstâncias que devam ser submetidas a um juízo de
por exemplo, AMELUNG afirma que a função da teoria do injusto não é valor especial. Isso ocorre nos delitos violação de correspondência, com a ex-
identificar condutas proibidas, mas condutas merecedoras de pena. Por isso, pressão indevidamente (art. 151), de divulgação de segredo, (art. 153), violação
entende correto vincular as causas legais de justificação ao tipo e tratar as de segredo profissional (art. 154), abandono material (art. 244) e abandono
demais como causas simplesmente excludentes.345 intelectual (art. 246), com a expressão sem justa causa, de emissão de título ao
Por seu turno, JAKOBS assinala que a antijuridicidade, assim como os portador sem permissão legal (art. 292), com a expressão sem permissão legal, de
demais elementos do delito, deve ser entendida dentro de um processo de im- falsificação de selo o sinal público (art. 296, § 1º, II), prevaricação (art. 319) e
putação, pelo qual se estabelecem os fundamentos para punir-se uma pessoa, violação de sigilo funcional (art. 325, § 1º, II), com a expressão indevidamente.
com vistas a estabilizar a validade da norma.346 Diante disso, compreende o Há grande controvérsias em torno da posição sistemática desses elementos, se
injusto, desde logo, na própria realização do tipo, quanto inexistentes as res- constituem elementos especiais da antijuridicidade ou se integram o tipo. Uma
pectivas causas justificantes, quer dizer, a antijuridicidade só cumpriria a função vez que esses elementos estão associados ao processo de imputação, a solução
de congregar os elementos negativos do injusto.347 Desde que não estivesse aventada seria tratá-los dentro dos elementos normativos do tipo, que a con-
presente qualquer causa justificante, seria impróprio tratar-se da antijuridi- dicionam.349 Como elementos normativos do tipo devem ser abarcados pelo
cidade, como elemento autônomo do delito. Neste passo, segue, com outros dolo agente. O erro, portanto, sobre esses elementos será nítido erro de tipo.
contornos, a lição de MEZGER, no sentido de tomar o tipo como ratio es- De outro lado, SCHÜNEMANN vê também no injusto a função de
sendi da antijuridicidade. MEZGER, todavia, como já visto, queria vincular assinalar as condutas socialmente nocivas, que serão abarcadas pelos elementos
o injusto a uma norma valorativa, ou de determinação objetiva; JAKOBS positivos do tipo, enquanto seus elementos negativos, em uma reprodução pós-
quer, ao contrário, associar o injusto e, consequentemente, a antijuridicidade -moderna da teoria de MERKEL, abrangeriam tanto as causas de justificação
a um programa de imputação, no qual as causas de justificação representariam quanto as excludentes.350 Com esta postura, aproxima-se da tese de HANS-
345. AMELUNG, Knut. “Zur Kritik des kriminalpolitischen Strafrechtssystems von Roxin”, in Grundfragen 348. JAKOBS, Günther. (Nota 346), p. 349.
der modernen Strafrechtssystems, Berlin- N. York, 1984, p. 85 et seq. 349. JAKOBS, Günther. (Nota 346), p. 160 et seq.; sobre isso: MORGANTE, Gaetana. L’Illicitá Speciale
346. JAKOBS, Günther. Strafrecht, Allegemeiner Teil, 2ª edição, p. 125. nela Teoria Generale del Reato, Torino: Giappichelli, 2002, p. 151.
347. JAKOBS, Günther. (Nota 346), p. 159. 350. SCHÜNEMANN, Bernd. “Die deutschsprachige Strafrechtswissenschaft nach der Strafrechtsreform im Spie-
170 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 1 – A DELIMITAÇÃO DOUTRINÁRIA 171

-LUDWIG GÜNTHER, de uma diferenciação entre causas de justificação e em ARTHUR KAUFMANN, a subsistência de uma terceira categoria, de-
causas de exclusão do injusto penal, com o propósito de obter uma graduação nominada espaço juridicamente indiferente, situada entre justo e injusto, ou
na gravidade do delito, já no âmbito do injusto e não somente na culpabili- melhor, entre ato lícito e ilícito, como, por exemplo, no ato de suicídio.355
dade, o que serviria para legitimar teleologicamente o sistema penal. É pelo Originariamente se havia aventado uma zona neutra no injusto, que se daria
menos curiosa a solução apresentada por este GÜNTHER, por exemplo, na na hipótese do aborto necessário, na colisão de deveres de igual categoria ou
hipótese de uma justificação incompleta no homicídio, isto é, se alguém mata nos casos de comunidade de perigos que representem uma forma de estado de
outrem sob as condições objetivas da legítima defesa, embora não soubesse que necessidade. Entende ROXIN, porém, que tal conceito não pode ser aplicado
estava sendo agredido. Caso se trate, aqui, de homicídio qualificado, propõe na teoria do injusto porque, uma vez tipificado o fato, não se pode dizer que
ele a sua desclassificação para homicídio simples,351 o que é, evidentemente, seja juridicamente indiferente,356 sendo, assim, incorretas as hipóteses elenca-
incompreensível, porquanto as circunstâncias qualificadoras nada têm a ver das do aborto necessário e das situações de necessidade, que se resolvem pelas
com as causas de justificação como tal e nem muito menos com os elementos regras fixadas na legislação penal. Para JUAREZ CIRINO DOS SANTOS
subjetivos de justificação. Esta proposta bem demonstra a complexidade do poderiam ser reconhecidos nas esferas pré-típicas espaços jurídicos livres, mas
tratamento das eximentes incompletas, ainda sem solução definitiva não no âmbito do injusto, porque o comportamento típico seria valorado al-
Já a posição funcional de ROXIN, que coroa a dogmática penal con- ternativamente, ou como típico e justificado, ou como típico e injustificado.357
temporânea, apesar de não discrepar, substancialmente, dos enunciados da Desde que, conforme AMELUNG, a função do injusto é de estabelecer,
doutrina tradicional no tocante à relação tipo/antijuridicidade, porque entende positivamente, as condutas merecedoras de pena e não as condutas proibidas
que a realização do tipo indicia a antijuridicidade,352 caracteriza esta antijuri- em si mesmas, admite ele, além disso, na interpretação dos respectivos tipos,
dicidade como uma qualidade da ação típica, no sentido de que o fato está em se deva levar em conta a capacidade da vítima, de ser violada, concretamente,
contradição com as proibições ou determinações do direito penal.353 Com isso, em seus bens jurídicos. Isto quer dizer que não haverá, por exemplo, crime de
admite que o juízo de antijuridicidade possa variar de um para outro ramo do estelionato, por ausência de ato injusto, à medida que a vítima tenha desconfia-
direito, embora isso não implique uma quebra da unidade da ordem jurídica. do, concretamente, das más intenções do agente, porque, neste caso, o injusto
Entende perfeitamente possível admitir-se que um fato fosse antijurídico pe- é constituído sobre a incapacidade da vítima de perceber o engodo e não sobre
rante o direito civil e não o fosse perante o direito penal. Por exemplo, o direito a proibição de enganar.358 Com base nisso, pretende SCHÜNEMANN criar
civil pode tachar de antijurídica a destruição de um bem patrimonial de um uma categoria nova de interpretação da norma penal, denominada vítimo-dog-
menor impúbere e obrigar o autor a sua reparação, ainda quando subsista um mática, pela qual se querem excluir do injusto de certos delitos (por exemplo,
consentimento presumido do menor para aquele ato de destruição, enquanto ameaça, fraude, moeda falsa) todos os atos que possam ser vinculados à capa-
que o direito penal assim não o considere, porque reconheça a este consenti- cidade concreta de proteção da própria vítima.359 Assim, só haveria ameaça,
mento a propriedade de uma causa de justificação, de vez que, diversamente se esta fosse capaz de atemorizar, concretamente, a vítima, de modo que esta
do direito civil, se fixa na capacidade fática de compreensão do menor acerca pudesse se sentir ameaçada; não haveria fraude se a vítima fosse capaz de,
das consequências do ato e não na sua capacidade negocial.354 imediatamente, descobri-la; nem moeda falsa, se a falsificação fosse grosseira.
Mais recentemente, embora com reservas, admite ROXIN, com apoio Embora a vítimo-dogmática se refira, basicamente, à interpretação do
gel des Leipziger Kommentars und des Wiener Kommentars”, in Goltddammer´s Archiv, 1985, p. 347 et seq. 355. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 611 et seq.
351. GÜNTHER, Hans-Ludwig. Strafrechtswidrigkeit und Strafunrechtsausschluss, Köln-Berlin-Bonn- 356. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 612 et seq.; admitindo, de certa forma, uma zona neutra no injusto: COS-
-München, 1983, nota 30. Ver a crítica in: CORTES ROSA, Manuel, “La función de la delimitación TA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal, Parte Geral, Rio de Janeiro, 1998, vol. I, tomo II, p. 877-878.
de injusto y culpabilidad en el sistema del derecho penal”, in Fundamentos de un sistema europeo del 357. SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, Rio de Janeiro, 2000, p. 152.
derecho penal, Barcelona, 1995, p. 247-278. 358. AMELUNG, Knut. “Irrtum und Zweifel des Getäuschten beim Betrug”, in Goldammer’s Archiv für
352. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 291. Strafrecht, 1977, p. 1 et seq.
353. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 601. 359. SCHÜNEMANN, Bernd. “Methodologische Prolegomena zur Rechtsfindung im Besonderen Teil des
354. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 614. Strafrechts”, in Festschrift für Bockelmann, 1979, p. 130.
172 TEORIA DO INJUSTO PENAL

injusto dos delitos em espécie, a corrente funcional vem reconhecendo sua


influência, igualmente, na parte geral do direito penal. Assim, poder-se-ia
pressupor que, na imputação objetiva, o alcance do respectivo tipo estaria
CAPÍTULO 2
condicionado principalmente pela responsabilidade da vítima, de se expor
a perigo, ou na legítima defesa, a exclusão ou a limitação de sua necessidade AS FUNÇÕES DO INJUSTO
deveria ser vista sob o ângulo do envolvimento do agredido, notadamente no
caso de sua provocação.360 Normalmente, busca-se fundamentar a vítimo-dog-
mática tanto no conceito de antijuridicidade material quanto no princípio
de subsidiariedade. Pelo primeiro se reconhece que ali onde seja exigível ou Na determinação da função do injusto, deve-se partir, primeiramente,
possível uma autodefesa da vítima, não poderá haver lesão de bem jurídico da relação tipo e antijuridicidade. A teoria causal, em sua formulação origi-
por parte do autor; pelo segundo, entende-se que o direito penal constitui a nária, entendia que tipo e antijuridicidade eram compartimentos estanques,
ultima ratio da política social, sendo ilegítima sua intervenção, quando meios cada qual configurado ao seu modo e cuja validade para a concepção do
menos severos estejam disponíveis para impedir o dano.361 Apesar de a vítimo- delito só teria sentido se fossem ambos realizados. A insustentabilidade da
-dogmática corresponder à tendência de se dar à vitima um papel significativo tese da separação entre tipo e antijuridicidade não decorreu, como parece,
no direito penal, a ela se opõe ROXIN, para quem o princípio vitimológico de mero acidente dogmático. Há, por trás desse aspecto dogmático, um
só deve valer para casos específicos e não como norma geral da antijuridici- condicionamento político da norma penal.
dade,362 pois ainda na hipótese de se reconhecer a ausência, em determinados 1. O SENTIDO DA NORMA PENAL
contextos, da necessidade de proteção ao bem jurídico, a juridicidade ou a
A questão da norma penal diz respeito à função que se lhe atribui. É a
não punibilidade do evento lesivo não pode se reduzir a princípio único, mas
norma penal meramente proibitiva? Ou é também ou essencialmente uma
resultar da ponderação do respectivo interesse de proteção. Por isso, assevera
norma determinativa? A contestação em favor de uma ou de outra, ou de
que em todas as hipóteses aventadas pelo princípio vitimológico, a exclusão
ambas as alternativas, não implica por si só uma postura democrática.
do injusto poderia ser fundamentada de outro modo, quer se reconhecendo a
ausência de perigosidade social da agressão, quer se constatando que a liberdade Na evolução histórica desse papel que se assinala à norma, pode-se
de ação do titular do bem jurídico não tenha sido violada (autoexposição a notar, por exemplo, que o acolhimento da primeira alternativa, sugerida
perigo, ou consentimento quanto a perigos), ou a necessidade da proteção do por CHRISTIAN THOMASIUS, em 1687, em oposição ao Estado despó-
bem na legítima defesa tenha sido excluída ou se tenha limitado pela conduta tico, surtiu efeito liberalizante, ao exigir para a punição a presença de um
precedente daquele que deveria exercê-la.363 dano e, ao mesmo tempo, da demonstração de sua utilidade para a melhoria
do criminoso. Eis sua magnífica sentença: “Fluunt ex hoc praecepto duo
Em face do que, em rápida passagem, foi possível anotar do conceito
specialia, unum respiciens actus puniendos, alterum puniendi modum. Prius
de antijuridicidade e de sua formulação através dos tempos, pode-se con-
est: Puni actus damnum reipublicae inferentes et emendabiles. Ita Medicus
cluir que o injusto deve solucionar pelo menos três questões fundamentais.
non propter omnem aberrationem medicamenta praescribit, sed propter
A primeira é a determinação da sua função. A segunda diz respeito ao seu
eam, quae morbum parit & medicamentis tolli potest”364 (“Desta regra
conteúdo. A terceira a seus efeitos.
defluem duas outras regras especiais, uma relativa à ação punível e outra, à
forma da punição. A primeira diz: puni somente ações que possam trazer
dano ao Estado e cuja punição possa lhe servir de melhoria. Da mesma
360. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 606 e ss.
361. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 607.
362. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 607 et seq. 364. THOMASIUS, Christian. Institutiones Jurisprudentiae Divinae, 1720, reimpressão, Aalen, 1963, sen-
363. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 609. tença 102.
174 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – as funções do injusto 175

maneira que o médico não prescreve medicamentos a todos, mas somente 2. A RELAÇÃO TIPO-ANTIJURIDICIDADE
àqueles que possam contrair uma enfermidade e com os quais se possa evi-
A questão da relação entre tipo e antijuridicidade, portanto, deve levar
tá-la”). Em consequência desse preceito, verbera THOMASIUS em favor
em conta, em primeiro plano, este sentido delimitativo da norma penal em
da não-punibilidade, por exemplo, dos delitos de bagatela, de delitos leves,
face do exercício do poder estatal, e não o sentido de proibição ou de impo-
de falhas de caráter comuns em todas as pessoas, de casos duvidosos e de
sição de condutas. Em razão disso, essa relação só pode ser elucidada através
fatos inevitáveis.365 Justamente esta mesma tese da norma proibitiva foi
da fixação das funções do tipo e das limitações da antijuridicidade naquelas
posteriormente utilizada por BINDING, ainda que mesclada com a teoria
duas fases a que nos referimos como base da elaboração de uma teoria do
dos imperativos de THON, para simplesmente subjetivar a concepção de
injusto. Esse tratamento que se dá à norma penal, evidentemente, pressupõe
delito e unir injusto e culpabilidade.
uma tomada de posição política sobre o exercício do poder de punir.
Por outro lado, a adoção de normas determinativas pode também in-
Revivendo uma antiga pretensão privatística, a doutrina penal vem
tensificar a punição mediante a criação de tipos de omissão, como ocorre na
conferindo ao Estado um verdadeiro direito de punir – direito penal sub-
pós-modernidade e como se deu no nacional-socialismo, no qual o delito
jetivo (jus puniendi) – como resultado do exercício de sua soberania,366
era uma violação de dever, embora seja a tese sustentada por KELSEN, que
entendendo, com isso, que possa delimitar-lhe a extensão com maior rigor,
com ela pretendia elaborar uma teoria da norma desvinculada de preceitos
mediante regras objetivas de conferência do chamado direito penal ob-
morais e, assim, garantista. A conjugação de ambas as teses pode caminhar
jetivo (jus poenale). Este panorama, assim estruturado, ainda que revele
em qualquer sentido. Tudo depende de como se devam estabelecer os parâ-
bons propósitos, na verdade equaciona equivocadamente o papel da norma
metros de sua aplicação.
penal. Conferir-se ao Estado um direito subjetivo de punir, ao contrário
Diante destes preceitos, inexiste, a priori, a melhor solução. Esta deve do que se pode imaginar, não terá, como correspondência, a criação de
decorrer de uma postura simplesmente prática, a de tomar a norma penal direitos públicos subjetivos ao cidadão. Isto porque, na relação contratual,
como instrumento de delimitação entre o poder de intervenção do Estado a conferência de um direito a uma das partes, necessariamente, impõe
e a liberdade individual. Isto significa que o exercício desse poder não deve obrigações à outra. Foi justamente sobre este esquema que se elaboraram
estar condicionado por um sentido de utilidade social, ou paz jurídica, ou todas as concepções que retratavam o delito como uma infração a deveres
qualquer outro fim que o próprio Estado assenta, mas, simplesmente, pela e não como lesão de bens jurídicos.367
necessidade, nos casos expressos e precisamente configurados, de assegurar a
Retomando uma correta assertiva de MACKIE, a questão deve ser
todos os mesmos direitos. Nesse sentido, a norma pode ser tanto proibitiva
posta em dois níveis: da liberdade individual e do poder de intervenção do
ou impositiva. Sua validade não depende, pois, do fim a que se destine,
Estado. Antes de mais nada, é preciso ressaltar que a garantia e o exercício da
senão da necessidade de sua promulgação e das garantias que ofereça. Se,
liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação, em face de sua
por exemplo, houver necessidade de se impor a obrigação de prestar auxílio,
evidência. A liberdade individual decorre necessariamente do direito à vida e
como condição de sobrevivência de outros, esta norma será, em princípio,
está consagrada nos pactos internacionais e nas constituições democráticas.
válida, mas, se apesar dessa necessidade, deixar de indicar com nitidez quem
Daí não haver igualmente a necessidade de se compor uma relação jurídica
deva prestar a obrigação e referir, ademais, os casos em que ela se dá, deixa de
de direito privado entre o Estado e o cidadão, de modo que a este se confira
ser válida, porque incompatível com os direitos fundamentais. A imposição
o direito de liberdade. O que necessita de legitimação é o poder de punir do
de deveres tem que estar referenciada a dados concretos, que demonstrem
inequivocamente a necessidade de atuar. Deveres genéricos, sem essa cor- 366. BITENCOURT Cezar Roberto. (Nota 306), p. 39; MUÑOZ CONDE, Francisco. (Nota 270), p. 75;
MAURACH/ZIPF. Strafrecht, AT, I, p. 3; contra: BRUNO Aníbal. (Nota 271), p. 19 e ss; explicativo:
respondência e sem identificar os destinatários, viola a ordem democrática. COSTA, Álvaro Mayrink da. (Nota 356), p. 8.
367. Considerando tecnicamente inútil e politicamente perigoso tal conceito, a ele se opõe corretamente
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, Rio de Janeiro, 5a. edição, 1999, p.
365. THOMASIUS, Christian. (Nota 364), sentença 102, segunda parte. 106 et seq.
176 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – as funções do injusto 177

Estado, e esta legitimação não pode resultar de que ao Estado se lhe reserve todo, independentemente de sua previsão legal, incompatível com a ordem
o direito de intervenção. Isto seria falsear o problema, porque justamente democrática. Se a conclusão for afirmativa, a conduta deve ser considerada
aquele que está precisando legitimar sua força – o Estado – é que se auto- lícita, de vez que sua proibição ou determinação, constitui uma manifestação
confere direitos e por isso se autolegitima. Nesses termos, a legitimação seria de abuso do poder de punir.
manifestamente autopoiética. Com razão vem sustentando ZAFFARONI Se, por exemplo, o Estado resolver baixar a responsabilidade penal
que o sistema penal, no qual se inclui o poder de intervenção, é irracional e, para 10 anos de idade, em violação ao Estatuto de Roma que a fixa em 18
pois, carente de legitimidade.368 Mas, de qualquer modo, persiste a questão anos e às demais convenções internacionais, a primeira tarefa a proceder-
se e como se pode autorizar essa intervenção. -se, no caso de alguém com essa idade se vir imputado de um delito, não
Deve-se entender quanto a isto, novamente com apoio em MACKIE será a análise dos elementos do tipo, para se constatar a presença ou não
e na tradição do empirismo inglês, que a intervenção, ainda que não possa da imputação objetiva ou do desvalor do ato ou do resultado, ou do dolo
se autolegitimar, só pode ser admitida se fundamentalmente necessária ou da culpa do agente, mas sim declarar que a norma incriminadora é
para garantir o pleno exercício da liberdade individual,369 compreenden- abusiva com relação àquele sujeito. Com isso, se procede a uma autêntica
do-se nessa liberdade, evidentemente, todos os seus corolários e acessórios, recuperação do papel do sujeito na ciência jurídica e a exercer a delimi-
e quando não haja outro meio de garanti-la através de uma intervenção tação democrática do poder do Estado. Poder-se-ia objetar, diante desta
mais branda. Só nisso deve residir a questão normativa, sem concessão de solução, que o marco etário para a fixação da responsabilidade não é um
direitos estatais e sem a imposição de obrigações individuais. Com esta problema do tipo, mas sim da culpabilidade e que, com isso, se estaria res-
postura, se restauram os princípios básicos do direito penal, decorrentes taurando uma antiga concepção de MERKEL de só admitir o enunciado
do primitivo veio do contrato social, pelo qual, no dizer de HASSEMER, do injusto em relação a pessoas imputáveis, de modo a não mais possi-
“não se permite nenhum poder autônomo, nem usurpador”, de modo que bilitar uma adequada e necessária diferenciação entre os elementos que
“se deve limitar o poder estatal da maneira mais enérgica, ali onde mais compõem o conceito de delito. A questão, porém, não é de imputabilida-
claramente se manifesta, quer dizer, no direito penal, que deve ser confi- de, porque esta diz respeito às condições acerca da capacidade de entender
gurado a partir do ponto de vista dos direitos individuais, como sua forma e querer a partir de uma estrutura pessoal de higidez mental e maturidade,
mais enérgica e contundente de proteção”.370 A postura de que a incidência cujos parâmetros são estabelecidos normativamente. Aqui não se trata
da norma penal só se legitima quando vise a preservar a liberdade produz de discutir se o menor tem ou não capacidade de entendimento e auto-
consequências também no âmbito da culpabilidade, a qual deve estar sub- determinação, mas descartar, desde logo, a possibilidade de incidência
metida aos princípios de intervenção mínima e de idoneidade. de uma norma proibitiva, em termos de demarcação das zonas do lícito
Se seguirmos nossa proposta de elaboração de uma teoria do injusto, de e do ilícito, quando esta proibição afronte preceitos fundamentais de
modo que, em uma primeira fase, devam ser questionados o tipo de injusto proteção à pessoa humana. Está claro que os casos de inimputabilidade
e os preceitos autorizadores da conduta, em face dos direitos fundamentais, devem ser tratados também no âmbito da conduta penalmente relevante,
o tipo não pode mais desempenhar o papel de indício de antijuridicidade. pois diante da moderna orientação psiquiátrica, a partir da experiência de
Trieste, não mais persiste a legitimidade de conduzi-los segundo as regras
Tanto o tipo quanto a antijuridicidade se submetem ao mesmo crivo do sistema punitivo. Esse tema, porém, é diferente daquele relativo aos
para verificar se, desde logo, a incriminação da conduta é ou não, no seu menores, os quais merecem uma proteção especial, inclusive da ordem
368. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. En busca de las penas perdidas, Bogotá, 1990, p. 7 et seq.; KARAM, internacional, e não podem ficar na dependência dos arroubos emotivos
Maria Lúcia. “Segurança pública e processo de democratização”, in Discursos Sediciosos, nº. 5/6, 1998,
p. 169 et seq. dos legisladores. O legislador pode fixar os limites da imputabilidade
369. MACKIE, John Leslie. Ethik, tradução alemã de Rudolf Ginters, Stuttgart, 1983, p. 232. penal, segundo os critérios determinantes da ciência e mesmo da ordem
370. HASSEMER, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad, tradução espanhola de Francisco Muñoz
Conde e María del Mar Díaz Pita, Valencia, 1999, p. 45. de valores constitucionais, mas não pode usar de seu poder para tratar os
178 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – as funções do injusto 179

menores de 18 anos como seres desprovidos de dignidade. compartimentos do injusto – o tipo e a antijuridicidade – não devem se situar
Daí porque a necessidade de uma concepção do injusto que não apenas como em uma relação de causalidade, de antecedente para consequente, mas
se vincule a um objeto – a ação proibida – senão que tenha seu ponto de que, dependendo do caso concreto e da necessidade de proteção individual,
apoio na origem dessa proibição a partir da proteção do sujeito. Elucidando, possam ser apreciados separada ou conjuntamente.
aliás, acerca da relação entre objeto e sujeito, explica muito bem ADORNO Essa análise dialética do injusto é imperativa por dois fundamentos.
que “(...) devido à desigualdade no conceito de mediação, o sujeito só incide Primeiro, porque a delimitação dos poderes de intervenção do Estado
no objeto de uma forma radicalmente diferente daquela em que o objeto não pode ser feita apenas com base nos enunciados, ainda que precisos,
incide no sujeito. Só se pode pensar o objeto por meio do sujeito, embora das normas proibitivas ou mandamentais, senão igualmente pelas normas
continue a perseverar como alter deste último. O sujeito, ademais, é em permissivas. É que a função de delimitação que se atribui à norma não pode
sua própria estrutura e desde o início também objeto. Não se pode pensar ser enfocada apenas no seu sentido formal, mas principalmente, no sentido
o objeto separado do sujeito como ideia, mas o sujeito pode certamente ser material, que dirá acerca da necessidade ou não da intervenção estatal.
afastado do objeto em pensamento”.371
Só haverá ilicitude quando esgotados todos os recursos em favor da
Isso significa que a relação entre injusto e sujeito se deve realizar prevalência da liberdade. A operação que se deve fazer, assim, é exatamente
através de duas formas, uma mediante sua união, em face dos preceitos no sentido inverso da que, normalmente, realiza a doutrina. Em vez de
fundamentais, de vez que nesse caso a ideia de um Estado democrático perquirir se existe uma causa que exclua a antijuridicidade, porque o tipo
não pode ser afastada dessa sua condição; outra, mediante sua separação, de injusto já a indicia, o que constituiria uma presunção juris tantum de
quando o sujeito se torna objeto do juízo de valor, a fim de fundar sobre ilicitude, deve-se partir de que só se autoriza a intervenção se não existir
ele a responsabilidade pelo ato cometido. Na primeira hipótese, o sujeito em favor do sujeito uma causa que permita sua conduta. Neste caso, o tipo
é a própria razão de ser da proibição e, por isso, deve estar relacionado di- não constitui indício de antijuridicidade, mas apenas uma etapa metodo-
retamente ao injusto, o qual poderá ter sua análise desdobrada em algumas lógica de perquirição acerca de todos os requisitos para que a intervenção
etapas, da tipicidade e da antijuridicidade, como formas de identificar a do Estado possa efetivar-se.
conduta objetiva desse sujeito nas zonas do lícito ou ilícito. Na segunda
hipótese, o sujeito pode ou não ser responsabilizado pelo seu ato, e como O segundo fundamento decorre do princípio da presunção de inocên-
objeto contingente é pensado na culpabilidade. cia, hoje positivado no art. 5º, LVII, da Constituição. Caso se presuma que
toda ação, embora criminosa, não possa ser atribuída com esta qualificação
Esta relação entre sujeito e objeto, que impregna, assim, todos os ele- a alguém, antes que se verifiquem todas as possibilidades de sua exclusão,
mentos do conceito de delito, impõe que sua análise seja realizada sempre em isto implica uma alteração na estrutura e na interpretação tanto das normas
etapas, de modo a assegurar, em cada uma delas, a proteção de sua liberdade. processuais penais quanto das normas penais. Em virtude disso, não se
Este raciocínio, que corresponde ao método de limitação de comportas, se- pode considerar indiciado o injusto pelo simples fato da realização do tipo,
gundo a ideia de WALTER BENJAMIN,372 que se destinam a tornar menos antes que se esgote em favor do sujeito a análise das normas que possam au-
irracional a intervenção estatal, torna viável admitir, então, que o tipo possa torizar sua conduta. Está claro que deve haver um método para se proceder
ser tido também como etapa preliminar do juízo do injusto, agora não mais a essa análise, o qual pode perfeitamente identificar-se com aquele proposto
na condição de indício, senão de mera etapa. O injusto, entretanto, tem que tradicionalmente pela doutrina, ou seja, examinando-se, em uma primeira
ser analisado dialeticamente para que os direitos individuais não se vejam etapa, os elementos do tipo e, depois, os elementos da antijuridicidade. O
tolhidos por intervenções inoportunas. A análise dialética significa que os juízo, neste caso, se faz em duas etapas, mas ele é único. Faz-se em duas
371. ADORNO, Theodor W.. Negative Dialektik, Frankfurt am Main, 1967, p. 184 et seq. etapas por uma questão metodológica e não política, como ocorria e sempre
372. BENJAMIN, Walter. Para uma crítica de la violencia, tradução espanhola de Roberto Blatt Weinstein,
Madrid, 1998, p. 40. ocorreu, mas a dogmática o justificava como consequência lógica inevitável
180 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – as funções do injusto 181

do sistema. Como o juízo é único, a interpretação da própria ação típica mescla no próprio tipo elementos da antijuridicidade, como ocorre, por
deve estar de acordo com a autorização da conduta, podendo-se, assim, exemplo, no crime de violação de correspondência (art. 151), no tocante à
antecipar a decisão acerca do injusto mediante a verificação, por exemplo, expressão indevidamente; no crime de violação de segredo profissional (art.
de que a conduta fora cometida em cumprimento a um dever legal. Não há 154), com a expressão justa causa; no crime de exercício ilegal da medicina,
razão lógica, inclusive, ainda no caso de o tipo ser tomado como indício da com a expressão sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites; no crime de
antijuridicidade, para que não se antecipe o juízo de antijuridicidade neste emissão de título ao portador sem permissão legal (art. 292), com a expressão
caso. Parece que aqui se reproduz aquela mesma hipótese de atipicidade sem permissão legal; no crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/06),
conglobante de que falava ZAFFARONI e de seu atual conceito positivo com a expressão sem autorização.
de tipo conglobante, em oposição ao tipo sistemático, ainda válido como Em todos esses casos, as expressões citadas pertencem à antijuridici-
conceito, que abre espaço problemático à discussão da incriminação. Após dade, mas estão presentes no tipo, de modo que sua ausência torna o fato
a 1a. edição deste livro, se pôde constatar que ZAFFARONI, na segunda não apenas permitido, como atípico. Especificamente quanto ao crime de
edição de seu tratado, busca aperfeiçoar o conceito de atipicidade conglo- exercício ilegal da medicina, por exemplo, a ação proibida só ganha sentido
bante, transformando-a de uma condição negativa em condição positiva ou se confrontada com a sua condição de ilegalidade. É que, neste caso, ao
forma de expressão da própria tipicidade. Neste sentido, entende ZAFFA- contrário de muitas outras condutas, o simples exercício profissional não
RONI, em coincidência com a proposta aqui esboçada, que o tipo objetivo constitui uma ofensa antecipada a qualquer proibição. A proibição, deri-
conglobante “reconsidera o alcance da norma deduzida do tipo mediante vada da ausência de autorização, como o registro adequado no Conselho
sua globalização no universo de normas deduzidas de outros tipos e esta- Regional de Medicina, ou do seu exercício para além dos limites dessa
belecidas por (ou deduzidas de) outras leis penais e não penais, conforme autorização, é que confere à conduta a qualidade de conduta proibida. Se
ao princípio geral de coerência ou não contradição, o que compreende as alguém, por exemplo, sendo médico, continua a exercer a profissão, apesar
limitações proibitivas (interferências de criminalização primária) derivadas de cassado o seu registro pelo conselho de medicina, mas sem o saber que
de normas de hierarquia superior (constitucionais e internacionais) e do efetivamente já não mais detinha a respectiva autorização, atua evidente-
sentido geral de todas elas, que pressupõem também que o pragma373 possa mente sem dolo, por não estar configurado o tipo subjetivo, e não apenas
ser imputado como próprio a uma pessoa”.374 sem culpabilidade. Aqui não se trata de avaliar a conduta em face de um
Esta antecipação do juízo de antijuridicidade não está, porém, cir- hipotético erro de proibição, derivado da fórmula contida no art. 20, § 1o,
cunscrita somente àquelas hipóteses de normas autorizadoras expressas, do código penal, de que o agente “supõe situação de fato que, se existisse,
senão em todos os casos em que possa ser observada uma imediata contra- tornaria a ação legítima”. O agente, na realidade, não supõe estar atuando
dição entre a antinormatividade, representada pela prática da ação típica, e sob o patrocínio de uma causa de justificação, mas no âmbito normal de
a incidência de uma situação compreendida dentro de um contexto, ou de suas atividades que, em princípio, não eram proibidas.
um processo de permissão,375 o que excluiria da incidência penal inúmeros Por outro lado, deve-se destacar que há casos em que a própria ti-
casos da vida diária.376 picidade encerra tacitamente uma contradição à ordem jurídica, em face
A própria lei penal, ademais, já induz essa operação conjunta, quando da impossibilidade da incidência de uma causa de justificação com base
no princípio do direito preponderante. Tal se dá, por exemplo, nos crimes
373. Este vocábulo, de origem grega, induz a muitos significados. No texto, indica a ação e seu resultado. sexuais, cuja descrição da conduta já pressupõe uma prévia exclusão de
Reconstruindo modernamente esta noção, RICHARD RORTY quer compreendê-la, igualmente, como normas permissivas. Seria evidentemente inimaginável um estupro prati-
experiência, mas englobada em uma realidade normativa.
374. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho Penal, Parte General, Buenos Aires, 2000, p. 433. cado em legítima defesa ou em estado de necessidade. Nestas hipóteses,
375. Esta é a preocupação de ZAFFARONI, (nota 374).
376. Compreendendo também as causas de justificação dentro de um contexto situacional: SANTOS, Juarez
o único limitador possível da configuração típica seria a prévia indagação
Cirino dos. Direito Penal, A Nova Parte Geral, Rio de Janeiro, 1985, p. 187 et seq.
182 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – as funções do injusto 183

se, com tal incriminação, estariam atendidos os princípios constitucionais no chamado tipo-total de injusto, que teve, após sua criação, vários adeptos,
de garantia, principalmente, o da proporcionalidade, com o qual se pode como por exemplo, ENGISCH, LANGE, LANG-HINRICHSEN, OTTO,
questionar se as ações típicas de diversas categorias devem merecer a mesma SAMSON, SCHAFFSTEIN e outros.379 A adoção do tipo-total de injusto
intensidade de intervenção estatal. Por exemplo, se as ações do estupro, que tem seus problemas, menos pela denominação e por seus aspectos sistemá-
implicam uma conjunção carnal ou atos de libidinagem, podem ser objetos ticos do que por seu substrato político-criminal. Mesmo nos seus aspectos
do mesmo juízo de valor, com a mesma e idêntica sanção, tal como ocorre dogmáticos, estes problemas também afloram.
no vigente código penal.377 Primeiramente, a alteração da estrutura sistemática do delito, tomada
A adoção dessa metodologia não significa, porém, uma adesão à teoria exclusivamente no aspecto dogmático, torna confusa sua metodologia ao
dos elementos negativos do tipo, proposta por MERKEL.378 Analisando não mesclar novamente componentes que requisitaram anos de esforço para a
apenas os casos isolados nos quais a tipicidade e a antijuridicidade se mani- sua autonomia e configuração científica, sem qualquer resultado prático
festam conjuntamente, mas também por motivos sistemáticos, em face da que possa influir na melhor proteção à liberdade individual. Neste terreno
identidade de funções desempenhadas pelos elementos fundamentadores do representa um retrocesso.
tipo e os elementos excludentes da antijuridicidade, a teoria de MERKEL Em segundo lugar, desconsidera o conteúdo da formulação do tipo
pretende fundir esses dois elementos, de modo que o delito se constitua de e a característica das causas de justificação, que não podem ser retratadas
apenas duas etapas: o tipo e a culpabilidade. como se uma relação regra/exceção. Enquanto o tipo, com sua função de
De acordo com esta teoria, as causas de justificação (legítima defesa, garantia ou de política criminal, serve para delimitar o setor da intervenção
estado de necessidade, exercício regular de um direito, estrito cumprimento estatal, mediante a descrição da conduta criminosa, a antijuridicidade deve
de dever legal, etc.) só por questão de técnica legislativa é que figuram iso- ser com ele conjugada, não na modalidade de sua exceção formal, mas
ladamente em relação ao tipo, porque na verdade, devem ser nele fundidas. como limitação de seu conteúdo diante do fato concreto. O tipo, portan-
Assim, o tipo de homicídio (art. 121), por exemplo, deveria ser lido to, como categoria abstrata, é um limitador do arbítrio e uma segurança
da seguinte forma: “matar alguém, pena de reclusão de 6 a 20 anos, salvo se, para o cidadão. A antijuridicidade extrai sua validade do caso concreto.
praticado para defender-se de uma agressão injusta, atual ou iminente ou A incidência de uma específica norma permissiva não altera a função de
para salvar-se de perigo atual, não provocado por sua vontade e inevitável por garantia do tipo, tomado genericamente, mas interfere no seu conteúdo
outro modo, etc.”, o que quer dizer: a morte de alguém só será típica quando concreto e na sua validade em relação a determinado fato, que por isso não
não justificada. Isto conduz à conclusão de que os pressupostos de uma causa pode sofrer os efeitos da atuação estatal, ainda que constitua, em face da
de justificação (no exemplo dado, a legítima defesa ou o estado de necessi- descrição legal, uma conduta criminosa.
dade) constituem elementos negativos do tipo, de modo que sua inexistência A unificação desses dois elementos traria, ademais, dificuldades ao en-
se insere como pressuposto da realização do tipo. Enquanto os elementos quadramento, inclusive, sistematicamente, das hipóteses em que a autorização
que compõem os tipos de delito – tais como o homicídio, a lesão corporal, para a conduta decorra de norma permissiva extrapenal, cuja incorporação ao
o furto, etc. – são apreciados no aspecto positivo, os elementos das causas de tipo resultaria duvidosa, ainda que sob o enfoque de seu elemento negativo.
justificação devem ser determinados negativamente, isto é, sua presença exclui Ao estudar as causas de justificação, podemos constatar que muitas
o tipo, sua ausência fundamenta o tipo. A teoria dos elementos negativos
do tipo tem como resultado final a unificação do tipo e da antijuridicidade 379. ENGISCH, Karl. “Tatbestandsirrtum und Verbotsirrtum bei Rechtfertigungsgründen”, ZStW 70, 1958;
LANGE, Heinrich. “Irrtumsfragen bei der ärztlichen Schwangerschaftsunterbrechung”, JZ 1953, 9;
LANG-HINRICHSEN, Dietrich. “Die irrtümliche Annahme eines Rechtfertigungsgrundes in der Re-
377. Aqui não se está discutindo, evidentemente, a hipótese de incidência de uma causa de exculpação, que chtsprechung des BGH”, JZ 1953, 362; OTTO, Harro. Grundkurs Strafrecht, Allgemeine Strafrechts-
se pode admitir, por exemplo, na coação irresistível. lehre, Berlin- N. York, 1992, § 5º III; SAMSON, Erich. Systematischer Kommentar, 5ª edição, Frankfurt
378. MERKEL, Adolf Joseph Matthäus. Lehrbuch des deutschen Strafrechts, Stuttgart, 1889, reimpressão, am Main, 1987, comentários preliminares ao § 32; SCHAFFSTEIN, Friedrich. “Soziale Adäquanz und
Frankfurt am Main, 1996, p. 82 Tatbestandslehre”, ZStW 72, 1960.
184 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – as funções do injusto 185

permissões relativamente a certas condutas penalmente típicas derivam de da culpabilidade, possibilitando o perfeito enquadramento nesta categoria
normas de outros ramos do direito como, por exemplo, o exercício do direito de alguns elementos controvertidos da teoria do crime, como a imputação
de prender tripulantes ou passageiros conferidos ao capitão do navio (art. do resultado, o objeto da ação, o conteúdo dos delitos omissivos e a estru-
498 do Código Comercial), cujos parâmetros estão distanciados daqueles tura do delito culposo.
próprios do direito penal. Incorporá-las imediatamente ao tipo, tal como se O caráter conceitual do tipo não lhe confere, porém, o sentido de
encontram nas leis originárias, geraria sua aceitação formal e desnaturaria a conceito universal. Seguindo a formulação, neste particular, do empirismo
possibilidade de questioná-las em seus aspectos constitucionais, principal- lógico, pode-se dizer que a função sistemática se compreende dentro de um
mente quando a permissão de conduta implique o exercício de um poder processo, no qual o tipo deve desempenhar o papel de objeto referencial,
discricionário de alguém em posição superior, como é o caso do capitão do pelo qual se assinala a identificação, através dos respectivos elementos, do
navio ou o comandante de aeronave. conflito social que se quer regulamentar. A individualização desse objeto
Analisado, entretanto, segundo seus estritos parâmetros, o tipo de in- permite a diferenciação dos diversos delitos constantes da parte especial
justo não pode se resumir, em um regime democrático, à mera expressão do código penal, assim, por exemplo, entre o homicídio (matar alguém), o
formal de deveres jurídicos ou de meras proibições, mas deve estar condi- furto (subtrair coisa alheia móvel), o estelionato (obter vantagem indevida
cionado ao atendimento de preceitos fundamentais de proteção da pessoa através do emprego de meio fraudulento, etc.), com repercussões no papel
humana, dentro da ordem jurídica. Compreendido dessa forma, o tipo se delimitativo da norma penal, pois esta, no momento da avaliação que
destina a identificar com precisão a ação que o Estado considera criminosa, efetiva sobre as variadas modalidades de conduta, igualmente não pode
sem os qualificativos de “intolerabilidade social” ou “nocividade” ou outros se desvincular do critério de proporcionalidade, que está inserido sempre
semelhantes, porque aqui não se encerra juízo de valor social ou moral, senão não apenas na sanção, como se costuma enfatizar, mas principalmente na
mera circunscrição do que, em princípio, é proibido ou mandado. definição dessas respectivas condutas. Se o tipo, por isso, não possui caráter
Com isso, o tipo traça, em uma primeira etapa, os limites do justo e universal, pode ser eliminado por defeito de validade, desde que a definição
do injusto e pode comportar diversos enfoques quanto ao seu sentido ga- das condutas criminosas viole o critério da proporcionalidade.
rantidor. A questão das chamadas funções do tipo, que tantos argumentos Por outra parte, o princípio da legalidade, inserido no art. 5º, XXXIX,
suscitou na doutrina penal, não pode ser elucidada, por sua vez, exclusi- da Constituição da República, pelo qual se exige uma exata descrição da con-
vamente sob plano dogmático que, no fundo, apenas se importa com seus duta criminosa, tem por escopo evitar possa o direito penal transformar-se
efeitos técnicos e se resume a problemas de fundamentação. Uma vez que em instrumento arbitrário, orientado pela conduta de vida ou pelo ânimo.
se compreenda o tipo de injusto como reprodução de uma norma de con- Considerando que a função primeira do direito penal é a de delimitar as
teúdo limitativo, assinalar-se-lhe uma determinada função implica antes áreas do justo e do injusto, mediante um procedimento ao mesmo tempo
de tudo uma consideração acerca de seus variados conteúdos. Atendendo substancial e informativo, a exata descrição dos elementos que compõem a
a esses conteúdos, como o faz ROXIN,380 embora sob outros parâmetros, conduta criminosa serve, primeiramente, ao propósito de sua materialização,
podemos assentar-lhe pelo menos três funções: a função sistemática, a quer dizer, sua condição espaço-temporal; depois, como instrumento de co-
função político-criminal e a função dogmática. municação entre o Estado e os cidadãos, pelo qual se assinalam as zonas do
proibido e do permitido; por fim, de regulação sistemática.
3. AS FUNÇÕES DO TIPO
A exigência de materialização do injusto, aqui designada por condição
Conferir-se ao tipo uma função sistemática significa admitir-lhe um espaço-temporal, isto é, a fixação de elementos-objetos apreensíveis de acordo
papel categorial dentro do conceito de delito, ao lado da antijuridicidade e com a linguagem cotidiana, impõe a exigência de que a função do tipo tenha
como referência a lesão ou o perigo de lesão de bem jurídico, objetivamente
380. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 280 et seq.
186 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – as funções do injusto 187

concretizável através desses objetos. Esta materialização não significa que a à culpabilidade e à punibilidade ou aos pressupostos da persecução penal;
norma penal tenha que ser casuística, mas, simplesmente, que não pode estar o terceiro é fruto da sua função dogmática e engloba igualmente aspectos
desligada do sentido que se lhe confere como instrumento de comunicação, relativos às causas de justificação, por exemplo, as questões relativas ao erro
porque uma comunicação só terá sentido, conforme bem assinalou WITT- de tipo e ao erro sobre causas descriminantes da conduta.382
GENSTEIN, na medida em que se refira a determinado objeto.381 Sob esses Essa classificação, contudo, em nada interessa à configuração do injus-
parâmetros deve-se edificar sua função político-criminal. to. Vale unicamente por seu aspecto didático e, ao contrário do que parece,
A função dogmática normalmente diz respeito à descrição dos caracteres pode tornar complexas suas funções.383
aos quais deve se estender o dolo do agente. Esta função dogmática vem ex- Conceber-se um tipo reitor pode induzir uma formalização excessiva
pressa no art. 20 do Código Penal, no qual se lê que o “erro sobre elemento de seus elementos, como se estes tivessem validade universal. Na primitiva
constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por redação de BELING, a concepção de um tipo reitor tinha sentido, porque
crime culposo, se previsto em lei”. A delimitação da extensão do dolo do construída sobre um conceito causal que se acreditava ser infalível e, ade-
agente cumpre igualmente a função de fundamentação e graduação do injus- mais, visualizada, por isso mesmo, objetivamente. No instante em que se
to e deve estar associada à imputação. À função dogmática se reserva o papel imagina um tipo reitor, imediatamente se pressupõe que sua estrutura se
de esclarecer fundamentadamente em que medida e de que forma se deve estenda a todos os delitos, o que é, dogmaticamente, não só inviável, como
considerar que determinada conduta ingressa na zona do ilícito. O ingresso impossível, já que há delitos que exigem uma configuração diferenciada
na zona do ilícito, portanto, comporta variações, que devem ser identificadas nos seus elementos subjetivos, que não se ajustam a regras genéricas e só
pelas respectivas espécies de delito, doloso ou culposo, como exigência de sua adquirem significado em função do sujeito, como os delitos omissivos
materialização em termos de imputação. É, também, impensável uma função ou os delitos com elementos subjetivos especiais. No sentido político-cri-
dogmática sem referência aos modos materiais de configuração do injusto. minal, ademais, o tipo reitor não pode valer por si mesmo, nem em seu
Estas funções desempenhadas pelo tipo de injusto, ao mesmo tempo aspecto conceitual ou categorial, nem em sua constituição, já que a função
em que devem ser nitidamente diferenciadas, devem ser apreciadas em suas sistemática que lhe corresponderia também traz consigo uma avaliação
inter-relações, para que se possa compreender com exatidão o verdadeiro sig- proporcional da intervenção estatal.
nificado que ele representa, nem sempre esclarecido quando se compreende Por seu turno, a noção de tipo de garantia, em sentido amplo, faz
o tipo apenas na sua função sistemática, como elemento do delito. confundir entre tipo e delito. Esta confusão, inclusive, pode obscurecer a
4. AS SUPOSTAS MODALIDADES DE TIPO referência à lesão ou ao perigo de lesão ao bem jurídico, como fundamento
da tipicidade e vincular a realização do tipo aos fins protetivos da norma
Correspondentemente a suas funções, reconhece ROXIN algumas mo- ou à sanção penal e não ao seu sentido delimitativo. A garantia que se
dalidades de tipo: um tipo reitor, um tipo de garantia e um tipo de erro. O traça ao cidadão não deve ser vista como edificada sobre a sanção, pois do
primeiro corresponderia à sua função sistemática e compreenderia o tipo em contrário, sua validade estaria na dependência da gravidade da pena, quer
sentido estrito, com todos seus elementos; o segundo derivaria de sua função dizer, uma vez que a pena fosse módica, tudo seria permitido. Na verdade,
político-criminal e seria tomado em um sentido mais amplo, englobando a questão não se resume a isto, mas em conjugar, em um primeiro plano,
não apenas os caracteres típicos estritos, mas também os elementos referentes a proteção do sujeito e a necessidade da intervenção e, em um segundo
plano, a relação dessa intervenção com a forma e o modo de avaliação da
381. WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophische Untersuchungen, § 53-54. Em determinado aspecto, não
discrepa desse entendimento, BENJAMIN, Walter.“Sobre el lenguaje en general y sobre el lenguaje de
conduta típica, sob o parâmetro da proporcionalidade, independentemente
los humanos”, in Para una crítica de la violencia y otros ensayos, tradução castelhana de Roberto Blatt,
Madrid: Taurus, 1999, p. 59 et seq, que rechaça a concepção instrumental da linguagem, situando-a, por 382. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 280 et seq.
isso mesmo, como uma própria entidade espiritual do homem dentro de certo contexto, vinculada às 383. Também crítico em relação aos modismos classificatórios: COSTA, Álvaro Mayrink da , “Teoria do
palavras e, assim, aos objetos, que expressam, portanto, sua natureza linguística. Tipo”, in Ciência e Política Criminal em Honra de Heleno Fragoso, Rio de Janeiro, 1992, p. 75.
188 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 2 – as funções do injusto 189

da pena. Assim, quanto a este último aspecto, se na tipificação de uma de punição e se exclui a retroatividade de um novo tipo mais gravoso. A
conduta se atribui igual valor a várias ações diferenciadas quanto ao modo função de fundamentação diz respeito à separação entre ações típicas e
de execução e quanto aos seus efeitos, como ocorre, por exemplo, no crime atípicas, bem como ao caráter indiciário, representado pelo tipo quanto à
de favorecimento à prostituição (art. 228), em que se equipara a simples antijuridicidade da conduta.384 Como já vimos, de acordo com a estrutura
ação de induzir à prostituição, que é própria de um ato de persuasão ou proposta anteriormente, a função de fundamentação não pode servir ao
convencimento, àquela de efetivamente impedir ou dificultar que alguém caráter indiciário do tipo, mas unicamente a uma estratégia metodológica
a abandone, que já implica um ato material, será preciso verificar a rela- para sistematizar alguns institutos da teoria do delito, como por exemplo,
ção de proporcionalidade da intervenção e essas duas formas de conduta, a relação de causalidade, a imputação objetiva, o dolo, etc. Nem se deve
para declarar, desde logo, que esta norma é incompatível com o sistema admitir, por outro lado, que a função de fundamentação esgote a matéria
de proteção dos direitos fundamentais, independentemente da pena que de proibição, porque toda a teoria do injusto ficaria reduzida, dessa forma,
se lhe assinale. a questões meramente dogmáticas, desprovida de seu caráter político, que
Finalmente, inexiste um tipo de erro. O que há é simplesmente uma lhe dá dinamismo e possibilita sua inserção dentro do contexto da proteção
fixação de limites entre o dolo e a culpa, a qual pode se dar não apenas de direitos fundamentais.
através de uma análise do desdobramento dos seus elementos intelectivos BUSTOS RAMÍREZ, por sua vez, acolhe essa última classificação e
e volitivos, como também da discrepância objetiva entre a ação do sujeito ainda acrescenta mais uma função, a de instrução, pela qual os cidadãos
e sua intenção real, da qual resulta a solução do erro. Esta conclusão não se tomam conhecimento das normas penais.385 Esta função de instrução, to-
altera quando se considera ser incompatível com uma postura dogmática davia, pode estar compreendida na função político-criminal, pela qual se
rigorosa prever-se o dolo no tipo, como seu elemento subjetivo e, ao mesmo assinalam as delimitações das zonas do justo e do injusto, igualmente como
tempo, admitir-se o erro de tipo, como excludente do dolo, como inte- um processo de comunicação.
grante do próprio tipo. A admissão de um tipo de erro, diverso do tipo de Deve-se, ainda, agregar que essa modalidade de comunicação não se
delito, é que está dogmaticamente equivocada. O erro de tipo nada mais é destina a instrumentalizar o tipo como forma ideológica de ensinamento
do que uma interpretação que se efetua sobre o próprio dolo na sua relação ou de formação de mentalidade, porque isto escapa às suas finalidades. Ao
com o objeto da ação. Para tanto, não há necessidade dogmática de uma Estado não se pode outorgar o direito de criar, estruturar, modificar ou
outra categoria. Se assim fosse, então, teríamos que constituir também uma eliminar formas de personalidade, segundo sua finalidade política, muito
teoria geral do erro, diversa da teoria do delito, porquanto, igualmente, o comum nos regimes autoritários do nacional-socialismo e do stalinismo.
erro sobre causas de exculpação está, de qualquer forma, referido a objetos Simplesmente se trata de informar o que se proíbe e o que se permite, ou,
situados no âmbito da culpabilidade e, por isso, ali não poderia ficar. no caso da omissão, o que se determina, sob o pressuposto da lesão ou perigo
5. OUTROS POSICIONAMENTOS de lesão sensível de bem jurídico, nada mais.

Alguns autores compreendem de outro modo as funções do tipo. Cumpre salientar, por outra parte, que as funções do injusto estão
Assim, por exemplo, MAURACH-ZIPF entendem que o tipo possui duas condicionadas aos elementos que o compõem, bem como aos processos de
funções: de garantia e de fundamentação. A função de garantia corresponde imputação que se incluem em seu conteúdo, porque não se pode projetar
à função político-criminal, na qual ressaltam todos os postulados do prin- funções a priori, senão no contexto das delimitações positivadas do poder
cípio da legalidade, isto é, de seus parâmetros ou efeitos: nulla poena sine estatal de intervenção.
lege; nulla poena sine lege scripta; nulla poena sine lege stricta; nulla poena Há, assim, por parte das funções, uma dependência dialética para
sine lege praevia, com os quais se elimina o costume como fonte de norma
384. MAURACH, Reinhart / ZIPF, Heinz. Strafrecht, AT, tomo I, p. 277 et seq.
incriminadora, se proíbe a analogia fundamentadora de delito ou agravante 385. BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Manual de Derecho Penal, Parte General, Barcelona, 1989, p. 159.
190 TEORIA DO INJUSTO PENAL

com os elementos do injusto, daí não se poder dizer que, simplesmen-


te, o injusto tem no aspecto dogmático as funções sistemáticas, de
fundamentação, de garantia ou de informação, sem uma indicação de
CAPÍTULO 3
como essas funções são executadas e como estão condicionadas. Caso
contrário, ficaríamos em uma fórmula vazia, tão comum a certos textos O CONTEÚDO DO INJUSTO
legais com princípios programáticos, que jamais correspondem ao que
efetivamente se aplica.
A determinação do conteúdo do injusto diz respeito não mais à relação
entre tipo e antijuridicidade, mas sim, à estrutura desses dois elementos e
à significação dos juízos de valor que necessariamente são emitidos sobre a
conduta criminosa. A constituição do conteúdo do injusto decorre, assim, da
análise diferenciada que se deve realizar sobre os elementos que compõem o
tipo e a antijuridicidade, de modo a tornar possível a perfeita delimitação da
conduta proibida ou mandada. Isto se impõe por imperiosa necessidade dog-
mática, que se destina a emprestar à tarefa da decisão jurídica os instrumentos
adequados à solução do caso concreto. Para que isto possa ser efetivado,
deve-se dividir a tarefa em duas partes. Na primeira, enfocando a estrutura
e a formação, em geral, do tipo. Na segunda, a estrutura da antijuridicidade
e os princípios gerais que devem regê-la.
Antes, porém, de analisar os elementos próprios do injusto, de confor-
midade com a definição de delito proposta nas normas incriminadoras, será
preciso estabelecer alguns pressupostos de configuração do injusto.
O injusto não é produto de uma elaboração puramente formal da
norma criminalizadora, mas sim o conjunto de caracteres que se destinam,
conforme os indicares do saber penal, a delimitar o âmbito de incidência da
intervenção penal sobre a liberdade individual. A delimitação dessa interven-
ção deve passar, necessariamente, sob o crivo de dois conceitos básicos, que de
certa forma integram o injusto, mas que podem já constituir, na verdade, seus
pressupostos indeclináveis. O primeiro diz respeito ao conceito de sujeito. O
segundo envolve a questão da conduta.

I. O CONCEITO DE SUJEITO
Desde que se edificou a ordem jurídica sob o panorama de estabili-
dade e universalidade, o injusto foi composto por dados objetivos, ora pela
causalidade e seus desdobramentos, ora pela finalidade, ora pela função de es-
tratificar as expectativas. Com isso, o sujeito passou a tornar-se um elemento
192 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 193

meramente simbólico, usado apenas como referência hipotética do processo cidadão e de pessoa de direito, respectivamente, de legislador e destinatário
de atribuição de responsabilidade. da norma. À medida que se desenvolva o discurso normativo, pode-se com-
Ocorre, porém, que a edificação de uma sociedade democrática, a partir preender que o conceito de cidadão, por sua condição de elemento do processo
da construção dos diplomas constitucionais de Pós-Guerra, procedeu à recu- de estruturação do próprio Estado e titular do direito subjetivo de participa-
peração do sujeito na estrutura política do Estado, atribuindo-lhe a qualidade ção política, não prescinde do conceito de pessoa de direito. Na verdade, os
de ser, também, uma pessoa dotada de dignidade. Uma vez alicerçada a três conceitos, de pessoa deliberativa, de cidadão e de pessoa de direito, não
ordem jurídica sobre a proteção da dignidade da pessoa humana, não será implicam que o sujeito detenha uma personalidade tripartida. Ao contrário,
mais possível construir uma teoria do injusto penal sem sujeito. as condições de cidadão e de pessoa de direito são inerentes à pessoa delibe-
rativa.386 Por outro lado, a relação dialética entre o autor, como cidadão, e o
Não importam, aqui, os variados conceitos de sujeito, que podem servir destinatário da norma, como pessoa de direito, não pode prescindir daquilo
às ciências sociais, em geral, mas sim aquele que pode se ajustar à ordem que DERRIDA falava acerca da decisão: à medida que o sujeito se afirme
jurídica e, consequentemente, possibilitar sua vinculação ao mundo da vida. como tal por meio da decisão de ação a partir de sua relação com o outro,
Nesse sentido, o sujeito constitui um elo de ligação entre a ordem normativa igualmente assume a responsabilidade por essa decisão, independentemente
e a realidade empírica, indispensável para a construção de um sistema de da responsabilidade do outro.387 No processo legislativo que se executa por
garantias. Se o objetivo dessa inserção é assegurar um sistema de garantias, o meio de representantes, ainda que a norma tenha o significado de validade
conceito de sujeito tem que desempenhar uma função restritiva da incrimina- universal, a responsabilidade do destinatário não exime a responsabilidade do
ção, ou seja, deve ser um conceito que possa identificar e eliminar do âmbito representante de editar uma norma autoritária, o que justifica o procedimento
de incidência do injusto penal aqueles sujeitos que não possam executar uma de colocar em discussão continua sua própria legitimidade.
conduta penalmente relevante.
Na teoria do injusto, a questão que se coloca em face do conceito de
Atendendo a esse objetivo, pode-se dizer que o conceito de sujeito pessoa deliberativa diz respeito a verificar a exata relação de compromisso
na ordem jurídica perpassa por dois componentes essenciais: sua condição do sujeito para com a adoção e o respeito da norma, ou seja, indicar até que
de pessoa deliberativa e sua inserção em um contexto do mundo da vida. ponto será possível reconhecer ao sujeito o direito de descumprir a norma
Pessoa deliberativa será aquela que, conforme seu desenvolvimento mental criminalizadora. Se a norma corresponde à vontade de todos, a consequên-
e sua formação social, tenha a capacidade de formular um juízo de valor cia lógica deveria ser seu cumprimento por todos. O Estado democrático,
sobre sua própria conduta e a conduta dos demais, de forma a verificar se a porém, no que toca à aprovação das normas opera sempre, no regime repre-
norma criminalizadora é dotada de legitimidade. O mundo da vida envolve sentativo, sob o critério das votações majoritárias, o que implica que a norma
todo o complexo de condições que vinculam o sujeito a uma determinada não é expressão da real vontade de todos. À medida que se reconheça validade
sociedade, desde seu nascimento, durante sua formação e desenvolvimento constitucional ao regime representativo e executado corretamente o procedi-
de sua personalidade até o término de sua existência ou a vinculação a outras mento legislativo, a doutrina jurídica entende, porém, que as normas, mesmo
condições ou outros mundos da vida. aprovadas por maioria, são dotadas de legitimidade. A partir de então, todos
Quando se fala do sujeito como pessoa deliberativa deve-se ter em vista devem observá-la, não realizando as condutas proibidas ou executando as
que seu conceito só se torna factível em um Estado democrático de direito, ações mandadas. Ocorre, porém, que essa estrutura que dá corpo ao Estado
no qual será também possível proceder-se à identificação das funções que são democrático não pode estar divorciada do mundo da vida, que sedimenta
cometidas aos participantes da elaboração normativa. Justamente nesse sentido,
assinala KLAUS GÜNTHER que a atribuição que se dá à pessoa deliberativa 386. GÜNTHER, Klaus. “Qual o conceito de pessoa de que necessita a teoria do discurso do direito? Refle-
xões sobre a conexão interna entre pessoa deliberativa, cidadão e pessoa de direito”, in Revista da FGV,
de poder formular um juízo crítico sobre sua conduta e a conduta dos demais vol. 2, nº 1, 2006, p. 223 e ss.
387. DERRIDA, Jacques. “Observações sobre desconstrução e pragmatismo”, in MOUFFE, Chantal (org.),
conduz também à identificação de outras funções que lhe são inerentes, a de Desconstrução e pragmatismo, Rio de Janeiro: Mauad, 2016, p. 119 e ss.
194 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 195

as bases de identificação do sujeito, tanto como pessoa deliberativa, quanto as teorias que buscam conceituar a conduta. A teoria causal, com base na
como cidadão ou pessoa de direito. A condição de cidadão e de pessoa de relação entre antecedente e consequente. A teoria finalista, com base na con-
direito, respectivamente, como partícipe da elaboração da norma e como seu secução de um fim. A teoria social, ainda que de modo mitigado, com base
destinatário, independentemente do regime representativo, está vinculada a na relação entre um juízo de valor sobre o ato e um juízo de valor sobre o
elementos empíricos de inserção do sujeito em determinado contexto, para resultado. A teoria personalista, com base na exteriorização da personalidade
o qual a norma é editada e no qual vigora. A relação entre norma e contexto com vistas a um processo de imputação. Sob estes paradigmas, a conduta
é fundamental para a constituição de um Estado democrático pluricultural. sempre foi concebida como obra de um sujeito isolado do mundo, como
Com base na conceituação do sujeito como pessoa deliberativa, tem-se que uma entidade autônoma e exaurida em si mesma.
excluir de qualquer criminalização todos aqueles sujeitos que não se encon- A conceituação da conduta de acordo com a relação entre meio e fim
trem situados no mesmo contexto da norma penal, ou seja, aqueles sujeitos impede, portanto, a consideração de situar a pessoa deliberativa no âmbito
que se vinculem diretamente a outros mundos da vida, para os quais a norma das complexas condições do mundo da vida. Entretanto, conduta humana
penal não foi originariamente destinada. A superação da tese positivista de é, antes de tudo, uma conduta social, na qual devam estar presentes todos os
uma ordem jurídica universal, assentada em uma hipotética norma fun- elementos que congreguem a relação do sujeito com os demais, mediante a
damental, abre a possibilidade de se admitir que toda ordem jurídica está elaboração e consecução de um processo de comunicação. A pessoa humana,
sedimentada sobre um contexto social determinado. ao realizar uma conduta e orientá-la sob o âmbito da norma penal, deve ser
Na verdade, a ordem jurídica não pode ser edificada sem ter em conta a dotada também das condições de fazê-lo em função de outrem e, portanto,
pluralidade dos grupos humanos que compõem esse contexto. Nenhuma so- de ser não apenas causadora de efeitos, mas de dirigir conscientemente o
ciedade é composta de seres humanos monolíticos, resultantes de uma mesma processo causal com vistas a esses efeitos. Dai se dizer que a conduta humana
raça ou origem. Mesmo nos países mais desenvolvidos nos quais essas particu- é uma conduta performática.
laridades se diluíram pela mais ampla miscigenação será impossível identificar A antropologia tem assinalado como origem de um ato performático
sujeitos idênticos, que estejam vinculados a um mesmo e único mundo da aqueles executados nas comunidades primitivas pelos pajés ou curandeiros,
vida. A pluralidade de mundos da vida é que confere humanidade aos sujeitos, que, ao proferirem as ditas palavras mágicas, produziam um alteração da
que os retira de uma abstração ou simbolismo e os faz desenvolver capacidades realidade, ao proporcionar uma forma de enfrentar os perigos, que não se
diferenciadas de percepção da realidade empírica e normativa. resumissem a gritos e fugas descontroladas.388 Portanto, segundo AUSTIN,
A configuração do sujeito como pessoa deliberativa faz parte, portanto, o ação performática, ao contrário da ação de constatação, não reproduz a
dos pressupostos do injusto, porque possibilita sua constante reconstrução realidade, mas a transformam. Um grito de fogo no cinema, por exemplo,
crítica. Uma vez que a norma criminalizadora seja editada sem atender aos independentemente de corresponder ao não a um efetivo incêndio, provoca
princípios da legalidade, idoneidade, intervenção mínima, proporcionalidade uma alteração da realidade, pondo as pessoas em movimento de fuga do local.
e vedação de duplicidade de incriminação, que integram um Estado demo- A característica básica, assim, de uma ação performática é de produzir uma
crático, tampouco poderá ser apropriada para orientar condutas humanas, alteração não na realidade empírica, mas no comportamento de outras pes-
porque incapaz de proporcionar ao sujeito a formulação de um juízo de valor soas. Para a constituição de uma ação performática, portanto, não interessa
acerca de sua legitimidade. Sob este significado da norma, inexiste injusto propriamente a relação entre meio e fim. O que importa será a afetação do
sem que esteja vinculado a um sujeito. círculo de liberdade de outra pessoa, a partir de que todos então envolvidos
nas mesmas relações do mundo da vida. O grito de fogo no cinema afeta as
II. O CONCEITO DE CONDUTA pessoas que ali se encontrem, mas não as que se situam fora dos possíveis
Conforme leciona HABERMAS, as teorias da conduta sempre foram
enunciadas tendo por base a relação entre meio e fim. Isso ocorre com todas 388. ROBINSON, Douglas. Introducing Performativ Pragmatics, London-N. York: Routledge, 2006, p. 60.
196 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 197

efeitos de uma realidade que, caso correspondesse ao enunciado de perigo, associada a determinada finalidade: a delimitação do poder de intervenção
lhes poderia acarretar consequências desagradáveis. O exemplo do cinema é do Estado, a qual não pode ser alcançada sem um pressuposto material que
significado para indicar também a existência de um micro e de um macromun- lhe trace os contornos de estabilidade. Daí a necessidade de que se estabeleça,
do da vida. Quando se está tratando da relação entre norma criminalizadora como base da ação típica, a lesão de bem jurídico.389 A exigência de que o bem
e sujeito, tem-se vista o macromundo da vida. Quando estão sendo conside- jurídico seja afetado, como condição elementar da realização típica, decorre
radas as relações dentro de certo espaço, como o cinema, a escola, o hospital, de uma compreensão realista do injusto, pela qual se identificam as zonas do
a fábrica, a empresa, etc., estar-se-á levando em conta o micromundo da vida. lícito e do ilícito. À medida que a norma penal deva estar, constantemente,
Por seu turno, as normas da ordem jurídica não valem apenas para pequenas submetida a um juízo de legitimidade, que está jungido ao seu significado
relações, são elaboradas para alcançar todas as pessoas indistintamente. Se a como expressão de um discurso racional, o qual, por seu turno, jamais se es-
ação performática é aquela que quer representar os objetivos da norma diante tabiliza, porque se sedimenta sobre a participação interativa de todos os seus
de seus destinatários, estará também submetida às condições de seus sujeitos, destinatários, aflora a necessidade de subordinar sua eficácia à demonstração
que atuam nesse mundo da vida na qualidade de pessoas deliberativas. de que a conduta incriminada tenha produzido uma alteração sensível da
Como conduta performática, integra ela o injusto, como seu elemento realidade. Nesse ponto, será importante determinar o sentido dessa alteração.
primário. O conceito de conduta performática, por outro lado, ainda que Não será apenas uma alteração da realidade normativa, que poderia ocorrer
seja elaborado em função de atos de fala na realidade empírica, como parte com mero ato de violação da proibição (crimes comissivos) ou desatendi-
integrante da pessoa, é um conceito jurídico, construído a partir dos ele- mento do mandamento (crimes omissivos), mas, sim, uma alteração como
mentos que compõem o processo social de comunicação. Como conceito ruptura do sistema de valores sobre o qual se edifica a criminalização. O bem
jurídico, mas calçado no processo social de comunicação, possibilita proceder jurídico expressa, em cada caso, esse sistema de valores e só terá significado
à diferenciação entre condutas penalmente relevantes e irrelevantes, de modo para a ordem jurídica quando possa ser submetido a uma verificação acerca
a poder eliminar, em primeiro plano, da incidência da norma criminaliza- de sua lesão ou perigo de lesão. O bem jurídico, em si mesmo, é estéril,
dora todas as ações que não possam ser atribuídas a uma pessoa deliberativa, como condição da criminalização; só perde essa esterilidade, quando possi-
conforme sua vinculação ao mundo da vida. bilite uma avaliação acerca das alterações empiricamente sensíveis sobre sua
constituição e estrutura. Se o discurso racional se assenta sobre a base de
Portanto, sob esse aspecto, o conceito de ação deixa de ser mero ele- uma constante renovação empírica, porque depende das condições reais de
mento instrumental da dogmática e recupera uma função significativa no existência de seus participantes e, portanto, não é um discurso puramente
âmbito de teoria do delito, com consequências relevantes no âmbito do abstrato, a alteração do bem jurídico, para servir de parâmetro de compor-
injusto e também na culpabilidade, a qual pode, então, reconstruir seus tamento, só pode ser tida como relevante quando puder ser identificada
fundamentos com base no poder atuar de outro modo. como uma lesão ou um perigo concreto de lesão. Como consequência, não
podem ser admitidos no âmbito desse discurso situações nas quais o perigo
1. O TIPO DE INJUSTO seja presumido, porquanto, ainda que a criminalização possa perseguir ob-
(1) A ESTRUTURA DO TIPO DE INJUSTO jetivos altruísticos (como a proteção do meio ambiente), essa presunção, por
O tipo, tomado sempre em sentido estrito, compõe-se, normalmente, depender de muitos fatores externos e internos, jamais concordantes, não
de um núcleo, representado pela ação ou omissão e seu objeto, tendo como estará apta a ser incorporada e, assim, tematizada nas discussões jurídicas
base a lesão ou o perigo de lesão a um determinado bem jurídico. A repro- havidas na esfera pública. Justamente, a ordem jurídica democrática se dife-
dução do tipo como ação indica que a norma jurídica definidora do injusto rencia, no âmbito da esfera pública, da ordem puramente estatal. Enquanto a
é uma norma de conduta e não uma norma meramente de reconhecimento,
389. Com razão, assim, ao impor, como pressuposto de qualquer exame do tipo, a identificação do bem jurídico
na terminologia proposta por HART. Como norma de conduta, deve estar que pode ser violado: LOPES, Jair Leonardo. Curso de Direito Penal, 2ª edição, S. Paulo, 1999, p. 119.
198 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 199

ordem estatal se manifesta, desde seus primórdios no século XV, por meio de sua proteção e não de sua lesão ou perigo concreto de lesão, o legislador fica
regras relativas seus funcionários ou autoridades, as quais podem ser também desobrigado de conferir-lhe elementos objetivos para sua identificação. Por
identificadas com critérios de hierarquia, de códigos, símbolos ou mesmo consequência, o bem jurídico passa a constituir um simples argumento de le-
gestos (como a continência ou os atos reverenciais), de modo a contemplar gitimação da norma criminalizadora e se torna um simples elemento simbólico
seus destinatários externos como simples súditos, como o público amorfo, a do injusto. A fim de conter essa distorção, convém buscar um conceito de bem
ordem democrática se caracteriza por uma discussão aberta e franca na esfera jurídico capaz de exigir do legislador e do aplicador da lei uma rigorosa atenção
pública, ou seja, em todos os setores da vida e não apenas nos parlamentos, aos seus elementos e, também, caso seja necessário, proceder a uma limitação
acerca dos temas que afetem todos os participantes. da norma criminalizadora por meio de uma noção de direito subjetivo que
Geralmente, insere-se o bem jurídico como pressuposto do tipo, mas na desloque a matéria para o âmbito de legitimidade da própria norma.
qualidade de objeto de proteção. Na verdade, não se pode instituir como pres- (2) O CONCEITO DE BEM JURÍDICO
suposto do tipo a proteção de bem jurídico, porque essa proteção não possui
Dadas as variedades com que se apresenta, é praticamente impossível
conteúdo real. Em primeiro lugar, não há demonstração de que, efetivamente, a
conceituar-se exaustivamente bem jurídico. As conceituações, geralmente,
formulação típica de uma conduta proibida proteja o bem jurídico. Em segun-
procuram esclarecer de forma sintética as diretrizes do pensamento jurídico
do lugar, essa proteção do bem jurídico funciona apenas como mera referência
quanto ao conteúdo do injusto e às finalidades da norma, o que conduz a
formal, sem qualquer fundamento material. Finalmente, inserir-se a proteção
confundi-los, indevidamente, com o próprio bem jurídico. Neste sentido,
de bem jurídico como pressuposto do tipo significa uma opção por uma polí-
podemos traçar quatro vertentes conceituais: uma positivista, uma neokan-
tica criminal puramente sistêmica, de tomar o tipo não como instrumento de
tiana, uma ontológica e uma funcionalista, as quais, entretanto, ainda que
garantia, mas sim, como instrumento de manutenção e reprodução da ordem.
se caracterizem por determinada orientação, estão muitas vezes impregnadas
Este último aspecto é ignorado pela dogmática que, simplesmente, aceita a
de outros parâmetros e argumentos que não corresponderiam, no fundo, ao
finalidade protetiva atribuída ao tipo como dado absolutamente irrefutável.390
seu programa inicial. Esta mescla de argumentos se reflete, igualmente, nos
Caso se tome, entretanto, a norma penal não como categoria imperati- autores, tornando ainda mais confusa a conceituação que se propõem a for-
va, nos termos autoritários propostos por THON391 e seus seguidores, como mular e obscurecendo seus reais propósitos e sua visão ideológica do direito
BINDING, por exemplo, mas unicamente com o sentido de instrumento penal. A questão do conceito de bem jurídico, como fundamento da incrimi-
de garantia individual, perde ela seu caráter teleológico, que, aliás, só o tem nação, não pode deixar de ser o resultado de uma escolha política acerca do
porque assim lhe concede a doutrina, e passa a ser vista dentro de sua exata que se pretende com a sua proteção. Embora no âmbito de um direito penal
dimensão democrática, que se lhe deve prescrever. Entendida a norma penal democrático se exija a absoluta transparência do objeto lesado, como forma
dessa forma, não cabe ao tipo a função de proteção de bem jurídico. de comunicação normativa, independentemente do engajamento político
O bem jurídico é importante instrumento de contenção de poder, do seu intérprete, o conceito de bem jurídico, principalmente em face de
mas sua questão, como adiante se verá, reside na sua contingência, que pode sua delimitação efetuada por meio de argumentos compatíveis ao panorama
gerar um estado de instabilidade. Como o bem jurídico é tratado em face de da linguagem ordinária, deve ser levado a sério, porque nele reside todo o
processo de legitimação da norma penal.
390. ZAFFARONI critica, asperamente, esse sentido protetivo de bem jurídico, que se quer emprestar à Apenas para tomar alguns dos principais representantes das vertentes
norma penal, ressaltando, dentre outros argumentos, que o conceito de bem jurídico, como objeto de
proteção, nada mais é do que “produto de uma confusão incompatível com o caráter fragmentário da conceituais acima aludidas, pode-se ver que VON LISZT retratava, ini-
legislação penal e com o caráter sancionador desta”. Assim, como o direito penal seria meramente um
direito sancionador e não constitutivo, isto é, não cria o bem jurídico, mas apenas o toma de outros cialmente, o bem jurídico como interesses da vida humana juridicamente
ramos do direito, os quais seriam, em suma, seus reais protetores, não o poderia tomar como objeto
de tutela, mas, apenas, como forma de delimitação do poder punitivo (Derecho Penal, Parte General, protegidos.392 Já WELZEL o conceituava sob dupla óptica: primeiramente,
Buenos Aires, 2000, p. 464).
391. THON, August. Rechtsnorm und subjektives Recht, Weimar, 1878, reimpressão, Aalen, 1964. 392. LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Allemão, p. 219.
200 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 201

como um bem vital da comunidade ou do indivíduo; depois, como um estado uma das partes envolvidas no conflito não mais a pudesse exercer. Com isto,
social desejável,393 atributo este que recolheu de MEZGER.394 MUÑOZ subordinava-se o conceito de delito a um princípio material – a preservação da
CONDE concebe-o inserido no âmbito da necessidade de convivência, liberdade individual – independentemente dos propósitos políticos do Estado,
daí como pressuposto existencial de utilidade.395 Dessas diretrizes, afora de dando lugar, também, à possibilidade de se ver no delito uma própria lesão de
JAKOBS que nega importância ao bem jurídico e o substitui pelo critério bens materiais e não simplesmente uma violação de dever.399 Este conceito de
da validade da norma,396 resultam não apenas divergências ou perplexidades delito constituía, nesse sentido, uma forma de delimitação da incriminação e
dogmáticas, como também posições ideológicas quanto às suas finalidades. do arbítrio estatal na configuração de tipos penais, porque representava, no
Se pensarmos corretamente sobre a própria origem da criação do con- campo jurídico, a preocupação de retratar o direito subjetivo como símbolo
ceito de bem jurídico, veremos – como bem ressalta HASSEMER – que os de demarcação do dano social que pudesse decorrer da conduta criminosa. O
impulsos de política criminal e do próprio direito estatal desempenham na Estado não poderia, assim, incriminar qualquer conduta, mas apenas aquelas
solução de seus problemas um papel tão significativo quanto suas considera- condutas que implicassem a violação de direito subjetivo e, consequentemente,
ções de ordem dogmática,397 de tal modo que nem sempre se tenha podido que implicassem um dano social. É conhecida, inclusive, a dura crítica traçada
diferenciar, com absoluta precisão, do objeto da ação. Pode-se dizer, além por FEUERBACH a GALLUS KLEINSCHROD quanto a alguns tipos de
disso, que nem sempre se tem podido diferenciar o bem jurídico dos próprios delito constantes do projeto de código penal da Baviera, elaborado por este
fins da norma incriminadora. Esse argumento é por demais relevante, porque último, em especial quanto ao delito de alta traição. Segundo o § 403 do
através da evolução do conceito de bem jurídico se pode ver que sua criação projeto, KLEINSCHROD conceituava o delito de alta traição como a “ação
não é apenas produto de uma elaboração jurídica pura, mas também de um dolosa orientada no sentido de alterar a constituição vigente”. Opondo-se a esta
contexto político e econômico. redação, afirmava FEUERBACH que, com tal tipificação, “qualquer ação,
sem qualquer exceção, poderia constituir alta traição”, até mesmo uma ação
Atribui-se, normalmente, a BIRNMAUM o conceito de bem jurídico, 398 originariamente lícita, já que essa se exauria exclusivamente no atuar doloso.400
em oposição à tese iluminista de que o delito constituiria uma lesão de direito A crítica parece ainda hoje oportuna, porque a redação do projeto de KLEINS-
subjetivo. Para entender-se o porquê desta concepção, é preciso salientar que CHORD não está tão distante, por exemplo, da redação do art. 25 de nossa
ela não teria tido êxito, não fosse a ideia inicial de FEUERBACH, ancorada antiga lei de segurança nacional, instituída pelo decreto-lei 898/69, que definia
no contrato social, de afastar o fundamento do delito da tese de que pudesse como delito “praticar atos destinados a provocar guerra revolucionária ou subver-
ele ser visto como uma simples violação de dever, sancionada criminalmente. siva”. Com apoio na sua teoria do delito como violação de direito subjetivo e,
Na ideia de FEUERBACH, o delito como violação de direito subjetivo assim, construída sobre uma base material, FEUERBACH argumentava que
significava, ao invés de uma lesão de dever para com o Estado, uma lesão ao a alta traição só poderia subsistir se, efetivamente, ocorresse um ato concreto
direito individual do ofendido, de não poder exercer sua própria liberdade em de hostilidade, que viesse a violar a estabilidade do Estado, no sentido de um
face da ação de outrem, quer dizer, então, que o delito pressupunha, antes de dano social,401 quer dizer, aplicável ao nosso exemplo da antiga lei de segurança,
tudo, um estado de igualdade de direitos de liberdade entre seu autor e a vítima, não se poderia caracterizar como contrário à segurança do Estado a prática de
igualdade esta que se via quebrada com a execução desse delito, de forma que simples atos que se destinassem à guerra revolucionária ou subversiva, mas atos
concretos de hostilidade que implicassem a execução da guerra e a consequente
393. WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán, p. 15. desestabilização do regime, da qual resultasse um dano social.
394. MEZGER, Edmund. Tratado de Derecho Penal, p. 399.
395. MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho Penal, Parte General, p. 65.
396. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, p. 46. 399. HASSEMER, Winfried. (Nota 397), p. 35.
397. HASSEMER, Winfried. Theorie und Soziologie des Verbrechens. Ansätze zu einer praxisorientierten 400. FEUERBACH, Paul Johann Anselm. Kritik des Kleinschrodischen Entwurfs zu einem peinlichen Ge-
Rechtsgutslehre, Frankfurt am Main, 1980, p. 27. setzbuche für die Chur-Pfalz-Bayrischen Staaten, Parte III, p. 34 et seq., reedição a cargo de Werner
398. BIRNBAUM, J. M. F. “Über das Erfordernis einer Rechtsverletzung zum Begriffe des Verbrechens, mit Schmid, da edição de Giesen: Tasché u. Müller, 1804, Frankfurt am Main: Keip, 1988.
besonderer Rücksicht auf den Begriff der Ehrenkränkung “, in Archiv des Kriminalrechts, 1934, p. 149 et seq. 401. FEUERBACH, Paul Johann Anselm. (Nota 400), p. 34.
202 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 203

É preciso ressaltar, todavia, que esse sentido material do conceito de sistema de trocas de mercadorias, o bem jurídico nasce justamente no contex-
bem jurídico, que hoje se desfruta como fundamento de qualquer incrimi- to da grande produção e do incremento do consumo e, afora considerações de
nação, não havia sido despertado, propriamente, em BIRNBAUM. Este, ordem política, também sofre, na sua conceituação, o influxo desse processo
na verdade, tinha outro propósito, com sua elaboração, que era justamente econômico. Neste sentido, é importante também observar, ao estilo da crítica
o de adequar a teoria jurídica do delito ao sistema punitivo vigente, que de MARX à chamada fetichização e, depois, à metamorfose da mercadoria,404
conflitava com a ideia da violação de direito subjetivo, principalmente nos inserida na evolução do capitalismo, as alterações que, posteriormente, se
chamados delitos contra a religião, contra o Estado ou contra a comunidade. vão procedendo no conceito de bem jurídico que, gradativamente, perde seu
Com a introdução do conceito de violação de bem jurídico, em substituição substrato material (deixa, portanto, de ser uma mercadoria real) até o ponto
ao conceito de violação de direito subjetivo, como fundamento do delito, de se inserir como mero pressuposto formal da norma incriminadora, como
desde que se pudesse reconhecer que, igualmente, interesses comunitários na teoria de BINDING, correspondendo, daí, ao capitalismo financeiro (os
ou religiosos fossem contemplados como espécies de bens jurídicos, ainda títulos de crédito são, por si mesmos, mercadorias) e chegar a confundir-se
que se ganhasse em clareza, quanto à incriminação das respectivas condutas, com a noção de função, já agora no capitalismo de serviços. A visão pós-mo-
se perdia – e de fato se perdeu – a vinculação dessa incriminação aos seus derna do funcionalismo, que propugna, enfim, em prol da substituição da
pressupostos de legitimidade,402 que estavam, de qualquer modo, presentes noção de bem jurídico pela de estabilidade normativa, pode ser considerada,
na estrutura idealizada por FEUERBACH. Embora os regimes autoritários, dentro de certos limites, também um reflexo dissimulado dessa evolução da
por seu turno, se tenham manifestado contra a noção de bem jurídico, con- vida material, agora desprovida de propósitos edificantes e simplesmente
siderando-a como estorvo aos seus fins políticos, nem sempre tem ficado satisfeita com a manutenção de regras de organização. No mencionado pro-
muito claro se esta noção efetivamente os tenha prejudicado nesse desiderato. cesso de fetichização da mercadoria, MARX procurava demonstrar como o
Como todo conceito, o de bem jurídico só pode servir a uma autêntica teoria valor de uso dos bens postos em circulação, aliado aos interesses de consumo
democrática do injusto, à medida que corresponda aos seus fins limitativos e de seus adquirentes, ocultava o seu valor de trabalho e, assim, as contradições
não aos propósitos punitivos. Daí a necessidade de sua formulação dentro de havidas no seu processo de produção. Se tomarmos o bem jurídico como
um sentido de linguagem que expresse, na sua própria origem e elaboração, objeto de proteção e não como condição limitativa da incriminação, parece
os contornos exatos das zonas de intervenção do Estado, a partir da crítica perfeitamente cabível a analogia com esse argumento de MARX. Tal como
dessa mesma intervenção, sob o pressuposto de sua legitimidade. na fetichização da mercadoria, pela qual se ocultam as relações de produção,
A análise da evolução histórica desse conceito pode, em certa medida, ao retirar-se do tipo de delito a exigência de um dano social decorrente da
contribuir para sua reformulação, ao demonstrar como esse conceito se violação de direito subjetivo e justificá-lo tão só com a violação de um bem,
amolda aos vários segmentos da evolução da política criminal e do pensa- que poderia ser confundido com a própria finalidade da norma, se legitima
mento jurídico em geral. Não se deve descartar, nessa evolução, por outro a incriminação, sem mais, por meio da simples legalidade. Seguindo a trilha
lado, como bem ressalta NILO BATISTA, a identidade da noção de bem dessa evolução, podemos entender, então, as correntes de pensamento que
jurídico, como bem material, tal como na proposta inicial de BIRNBAUM, se dedicam a formular o conceito de bem jurídico, sem se desvincularem da
ao conceito de mercadoria, elevado, na época, à condição essencial do capi- estrutura formal da norma, a começar do positivismo.
talismo industrial, em franco desenvolvimento.403 Da mesma forma que a
(a) A VISÃO POSITIVISTA
criação do processo de composição, tão caro ao direito germânico primitivo,
pode ser considerada, em certo sentido, um reflexo no mundo jurídico do Não se pode traçar, com precisão, o conceito positivista de bem jurídi-
co, quer no plano puramente jurídico quer no plano sociológico, sem uma
402. Sobre isso, ver a abordagem de GÜNTHER, Klaus, “De la vulneración de un derecho a la infracción de
un deber. Un cambio de paradigma en el derecho penal?”, in La insostenible situación del derecho penal,
tradução espanhola sob coordenação de Carlos Maria Romeo Casabona, Granada, 2000, p. 489 et seq. 404. MARX, Karl. O capital, tradução brasileira de Reginaldo Sant’Anna, Rio de Janeiro, 1968, livro 1,
403. BATISTA, Nilo. “Ocupações do MST e propriedade”, in Boletim do IBCCRIM, 95, outubro/2000, p. 7. volume 1, p. 79 e 116.
204 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 205

definição dos contornos da ciência do direito, segundo aquela concepção. Todo norma incriminadora abre caminho para considerar VON LISZT como um
o arcabouço científico do positivismo já foi esclarecido no capítulo próprio da positivista naturalista. Embora sustente, em seu tratado, que “é a vida e não o
primeira parte, quando se salientou sobre os diversos objetos empíricos que dão direito que produz o interesse”, adverte que “só a proteção jurídica converte
lugar às distintas propostas de sua apreensão no campo jurídico. Aqui basta que o interesse em bem jurídico”,406 apresentando-se, com tal assertiva, como um
se considere sua postura fundamental, a de que toda norma incriminadora deve representante do iluminismo, pelo qual o direito não teria outro escopo, senão
possuir um antecedente causal. Este antecedente causal poderá ser a vontade o de regular as relações interindividuais. Contudo, ao definir os bens jurídicos
do Estado, ou da autoridade, como no positivismo jurídico propriamente dito, como as “condições vitais da comunidade estatal”, 407 as quais se manifestam
ou condições de vida, como no positivismo sociológico. por meio da norma jurídica, como expressão da vontade geral, põe-se, então, na
A noção de bem jurídico varia, conforme essas duas vertentes do po- trilha de um organicismo. Há que distinguir no pensamento de VON LISZT,
sitivismo. Segundo o positivismo jurídico, somente a lei expressa os objetos porém, duas situações: a primeira diz respeito à origem do bem jurídico, isto
jurídicos, porque encerra a vontade declarada do Estado. O bem jurídico se é, do interesse; a outra, às razões da própria incriminação. Assim, por um lado,
reduz, aqui, a um elemento da própria norma, que tanto pode ser sua fina- manifesta VON LISZT o entendimento de que o interesse, que vai dar lugar
lidade quanto a ratio de seu sistema. Representante deste posicionamento é ao bem jurídico, é pré-existente ao conteúdo da norma; a esta cabe apenas
BINDING.405 Segundo o positivismo sociológico ou naturalista, derivado, por acolhê-lo como seu objeto de proteção, em se tratando de uma condição vital
desdobramento, da escola histórica, o direito tem sua fonte não apenas na lei, da comunidade estatal. Por outro lado, não indica o porquê da escolha, por
mas principalmente no costume, ou no espírito do povo, como sintetizador parte do legislador, daquele e não de outros interesses como bens jurídicos,
de uma vontade geral, ao estilo contratualista ou organicista. A noção de bem sendo-lhe indiferente, portanto, as razões da incriminação.
jurídico como interesse juridicamente protegido, tal como na proposta de Esta é a crítica que lhe faz HASSEMER, para quem esta posição demons-
VON LISZT, é produto dessa ideia privatística dominante no século passado, tra sua filiação à estrutura positivista, que aceita, empiricamente, a existência
que se intrometeu na formulação da teoria do injusto desde VON JHERING do interesse, sem qualquer consideração de valor acerca de sua significação e
e constituía um pressuposto indeclinável também do desenvolvimento da vida da legitimidade do Estado de elevá-lo à categoria de bem jurídico.408
material. Aqui, o marco penal encontra suas delimitações no momento subje- Esse segundo significado do bem jurídico, embora possa ser respaldado,
tivo, quer dizer, na materialização do exercício da capacidade de contratar por hipoteticamente, como experiência jurídica, assinala, por excelência, uma
parte do sujeito, de modo que, protegendo-se o interesse, se concebe a vida visão normativa de sua realidade, porque se desgarra de seu substrato empí-
social como uma resultante de pretensões individuais, as quais, dependendo rico e abre caminho à sua criação a partir de um ato de autoridade.
de sua importância, se veem amparadas pela norma de direito público. Não
obstante a origem privatística desse conceito, deve-se reconhecer que há aqui, (b) A VISÃO NEOKANTIANA
se bem que ingênua, uma ideia utilitarista da norma penal sobre a base de
O positivismo, na forma de um normativismo desprovido de valor,
uma realidade. O interesse não é algo imaginário, é algo perceptível, assim,
ainda que se estruture, politicamente, de modo diverso, não está muito dis-
por exemplo, a manutenção da vida, da integridade corporal, do patrimônio
tante do neokantismo. Com o neokantismo se inaugura, porém, uma outra
e sua possibilidade de transmissão, da reputação como expressão da própria
fase de evolução política, na qual a medida individual cede lugar a posições
individualidade no seio da comunidade, da incolumidade pública, como estado
ou situações preferenciais. Elimina-se definitivamente o sujeito e se traba-
social de estabilidade frente a perigos, ou da própria confiança em documentos
lha com a noção de totalidade, decorrente de um puro juízo normativo,
ou objetos de caráter público, que sustenta a fé pública.
aparentemente neutro, mas em geral, de perfil autoritário, que obtém seu
A existência de fundamento utilitarista para o objeto de proteção da
406. LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Allemão, p. 94.
407. LISZT, Franz von. “Der Zweckgedanke im Strafrecht”, in ZStW, 3 (1883), p. 1-47.
405. BINDING, Karl. Die Normen und ihre Übertretung, Leipzig, 1922, volume I, capítulo I, p. 188. 408. HASSEMER, Winfried. (Nota 397), p. 40.
206 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 207

coroamento com a definitiva substituição da noção material de bem, pela de cultura já o teriam feito. 411 Este pensamento de MAX ERNST MAYER,
noção de valor, não de um valor individual, mas de um hipotético valor cul- independentemente de sua filiação filosófica, reflete sua postura liberal, em
tural, que nasce e vive nos imperativos e proibições da norma. Na acepção oposição às teses que se seguiram e que deram lugar, por meio de um processo
de RICKERT, a totalidade dos valores e sua conexão sistemática é que deter- de corrupção ideológica de seus intérpretes, como no caso de MEZGER, à
minam a vida humana, que se converte, assim, em vida humana cultural.409 fundamentação de um Estado fascista.412 Com a dependência do conceito de
Seguindo esse mesmo sentido, MEZGER faz coro com HONIG e exprime bem jurídico às normas de cultura, concebidas como um substrato pré-jurídico
o bem jurídico, em síntese, como um valor que se identifica com a própria de qualquer processo legislativo, já começa a delinear-se sua ontologicidade.
finalidade da norma, da qual depende para sua existência, ao mesmo tempo
em que o considera como elemento de todos os pressupostos do complexo (c) A VISÃO ONTOLÓGICA
total de cultura do qual emana o direito.410 Vê-se que essa ideia de fazer deri- Na concepção ontológica de WELZEL, o bem jurídico conserva seu
var o bem jurídico da própria elaboração normativa, que expressa o complexo sentido de objeto de proteção da norma, tal como no neokantismo, mas se
cultural, coincide com a proposta do positivismo jurídico, de fazê-lo apenas vê substituído, em grau de preferência, pelos chamados valores ético-sociais.
um pressuposto formal da incriminação. Daí ser compreensível tratar-se o Para chegar a esta posição, WELZEL nega, em primeiro plano, que uma proi-
pensamento neokantiano dentro do ideário positivista, que trabalha com os bição, ou um comando, possa resultar exclusivamente de um determinado
dados existentes na ordem jurídica, sem questioná-los. A perquirição acerca poder externo, quer poder de Estado quer poder divino, ou de hábitos sociais
do bem jurídico em cada um dos delitos, portanto, que sempre chama a repetidos.413 A origem das determinações ou proibições é encontrada em um
atenção nos manuais ou nos comentários do código penal, se limita a dizer o axiomático dever incondicional transcendente, ao estilo kantiano do imperati-
que, na realidade, o legislador quer proteger ou incriminar. Essa metodologia vo categórico, mas vinculado ao sentido que se deve dar à ação humana.414 Este
garante a aplicação da norma incriminadora sem qualquer questionamento sentido, pelo qual se manifesta o imperativo, é incorporado à consciência de
acerca de sua legitimidade, valendo o bem jurídico como mero exercício cada um como um verdadeiro projeto sensível, ou modelo de ação. Este projeto
retórico ou marco de referência classificatório, isto é, só serve mesmo para não constitui, assim, um elemento da ação, mas o repositório de dados sobre
possibilitar, sistematicamente, a classificação dos delitos na parte especial dos o conteúdo do dever, pelos quais o homem procura esclarecer o sentido de
códigos penais e fornecer aos comentadores assunto para sua interpretação, seu “ser no mundo” e interpretar os fins de sua conduta, segundo as orienta-
desde que respeitada a incolumidade da ordem jurídica. Convém não con- ções de valor. Como esse projeto não pode ser conhecido, de modo absoluto,
fundir, todavia, a concepção de MEZGER, como representante tardio da porque nem sempre é acessível a todos, em determinadas condições históricas,
visão neokantiana, com a de MAX ERNST MAYER, igualmente um puro o homem só pode tomá-lo em consideração, transformando a transcendência
adepto daquela orientação filosófica. Mais atrás, já se havia salientado essa dos valores em imanência de sua própria consciência e razão.415. Isto signifi-
distinção. Aqui basta recordar seu ponto essencial. ca, pois, que a questão do dever não pode estar dissociada da pessoa, sobre a
Contrariamente a MEZGER, entende MAX ERNST MAYER que a qual repousa a responsabilidade por seu desatendimento.416 Como os valores
noção de bem jurídico não se desprende da noção de valor. Há, portanto, ético-sociais serão sempre valores de orientação de conduta e não derivados
uma nítida diferença entre o bem jurídico e a finalidade da norma. Por bem do sucesso de eventos materiais causais, constituem seu dado existencial tanto
jurídico até se poderia conceber, como fazia VON LISZT, o interesse juridica-
411. MAYER, Max Ernst. Normas jurídicas y normas de cultura, tradução castelhana de José Luiz Guzmán
mente protegido, mas se deve ressaltar, todavia, que antes mesmo de a ordem Dálbora, Buenos Aires, 2000, p. 108.
jurídica incorporar determinado bem como seu objeto de proteção, as normas 412. Sobre isso, com elucidativo material, MUÑOZ CONDE, Francisco, Edmundo Mezger y el derecho
penal de su tiempo, cit., p. 27 et seq.
413. WELZEL, Hans. Naturrecht und materiale Gerechtigkeit, Göttingen, 1957, p. 237
409. RICKERT, Henrich. “Thesen zur System der Philosophie”, in Neukantianismus, Stuttgart, 1982, p. 174 414. WELZEL, Hans. (Nota 413), p. 238.
et seq. 415. WELZEL, Hans. (Nota 413), p. 242.
410. MEZGER, Edmund. Tratado de derecho penal, tomo I, p. 402 e 406. 416. WELZEL, Hans. (Nota 413), p. 329 e 241.
208 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 209

o dever transcendental, ao qual estão subordinados e o qual, desde logo, se da lógica não seriam normas da razão, mas teriam seu fundamento na lei
torna imanente na consciência e na razão do ator, quanto, por conseguinte, dos próprios objetos que queriam regular.420 Com isso, a apreensão desses
a condição deste como pessoa responsável. Embora a pessoa responsável se valores se faria normalmente pelos modos tradicionais do conhecimento,
veja integrada na condição de existência desses valores, não são eles produ- isto é, quer por meio da intuição quer pela forma da percepção, quer pela
to de um ato voluntário ou arbitrário do homem, mas estão condicionados intuição sensível ou insensível, em uma unidade recíproca de coincidência
empiricamente a três aspectos do ser, sem cuja significação seria impossível entre a imagem e o pensamento.421
pensar-se em um projeto social: a) a falibilidade física do homem; b) sua dife- A totalidade idealizada por WELZEL, ao contrário, está embutida na
rença sexual; c) sua sociabilidade, quer dizer, sua referência a outros homens e consciência, como forma de imanência de uma lei moral transcendente, que
sua recíproca dependência.417 Como consequência desses aspectos, situam-se, cada um tem em conta ao manifestar seu projeto de ação. Diante do subjeti-
como elementos básicos de qualquer projeto social de proteção, além da pessoa, vismo do enunciado welzeliano, é fácil compreender por que trata a questão
as instituições do patrimônio, da família e da comunidade política. Destarte, do bem jurídico de modo secundário, como um desdobramento, ora na-
uma ordem social, juridicamente organizada, deve antes de tudo orientar seus turalístico ora normativo dos valores ético-sociais. É que sendo imanente
cidadãos para que incorporem na sua consciência e, consequentemente, nos à consciência de cada pessoa a obediência a um dever geral de respeito a
seus projetos de ação a obediência ao dever, dentro de uma decisão de valor esses valores ético-sociais, a proteção jurídica se confunde com a proteção
em torno da proteção daqueles pressupostos elementares relativos à pessoa, ao moral, não havendo necessidade – talvez, apenas uma necessidade retórica –
patrimônio, à família e ao Estado,418 os quais constituiriam, em última análise, de identificar os dados materiais do objeto de proteção, veiculados como bens
os valores ético-sociais elementares. jurídicos. Com tal postura, a noção de bem jurídico perde substancialidade.
O ontologismo de WELZEL representa uma mescla dos enunciados A proteção de valores ético-sociais nada mais é do que a incriminação da an-
neokantianos e da filosofia de valores, sem que assuma uma posição definida tissociabilidade, daí não ser incoerente que seus adeptos venham a conceituar
em favor de uma ou de outra tese. Aqui, ressalta a existência de um impe- o bem jurídico como um estado social, ou seja, uma determinada ordem, que
rativo categórico transcendente, que constitui o fundamento da ação – no se impõe como bem vital do indivíduo e da comunidade. É percuciente, neste
sentido, portanto, da Escola da Marburg – , mas cujas normas não se orien- sentido, a segura ponderação de JUAREZ CIRINO DOS SANTOS, seguida
tam pelos princípios da universalidade e dignidade da pessoa humana, senão por NILO BATISTA, de que no fundo, em uma sociedade dividida em clas-
por um projeto social de proteção de pressupostos elementares de sua exis- ses, o direito penal está protegendo relações sociais, interesses, estados sociais
tência, tratados como valores ético-sociais, portanto, como dados ônticos, ao ou valores escolhidos pelas classes dominantes, ainda que, sob o critério de sua
estilo de MAX SCHELER. Convém demonstrar a identidade, por um lado universalidade,422 o que implica igualmente, por um lado, o fortalecimento do
e a contradição, por outro, destes dois posicionamentos, desde a tentativa, descrédito desse conceito como fundamento protetivo e, por outro, a possi-
por parte de WELZEL, de rediscutir um novo programa de direito natural, bilidade de sua crítica social. Independentemente de poder servir à discussão
como fundamento à sua teoria do bem jurídico. Enquanto WELZEL trata os em torno da fidelidade, ou não, do legislador aos imperativos de proteção
valores elementares – os valores ético-sociais – como valores decorrentes de dos valores ético-sociais e, assim, subordiná-lo a uma ordem de valor e não
uma totalidade, engajada naqueles pressupostos empíricos da pessoa humana simplesmente à imposição normativa, o que implicaria, de certa forma, uma
e de sua sociabilidade, MAX SCHELER fá-los proceder, porém, da própria contraprova de legitimidade, o grande problema que apresenta o ontologismo
coisa,419 no sentido como era idealizado por HUSSERL, de que as normas é de imprimir ao direito penal um conteúdo programático de orientação de

420. HUSSERL, Edmund. Investigaciones lógicas, tradução espanhola de Manuel Garcia Morente e José
417. WELZEL, Hans. (Nota 413), p. 244 e 245. Gaos, Madrid, 1929, p. 8.
418. WELZEL, Hans. (Nota 413), p. 252 e 253. 421. SCHELER Max. (Nota 419), p. 31.
419. SCHELER, Max. Idealismo – realismo, tradução castelhana de Agustina Schroeder de Castelli, Monte- 422. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal, A Nova Parte Geral, Rio de Janeiro, 1985, p. 23; BATIS-
video, 1962, p. 32. TA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, Rio de Janeiro, 1999, p. 116.
210 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 211

condutas, e deixar de concebê-lo dentro de suas limitações e garantias. Ao lado entretanto, são necessárias à produção de um processo de reação (output), que
da instabilidade do processo de descobrimento desses valores ético-sociais, se executa mediante a imposição de uma sanção, que adquire legitimidade
não muito claramente definidos, o direito penal pode ser usado, conforme o tão só com o fato de que tenha que ser aplicada em decisões dogmaticamente
destino político que se dê à incriminação, como instrumento ideológico dos fundamentadas. Com isso, se garante a reprodução do sistema, a sua estabi-
mais perigosos. Basta que se imprima aos valores ético-sociais conteúdos seme- lidade e, socialmente, a convivência. Essas ideias correspondem, em parte, à
lhantes ao sadio sentimento do povo, ou à consciência coletiva, ou à vontade posição de MUÑOZ CONDE, que se situa em uma esteira giratória, entre
geral da nação, ou à moralidade pública, para que se instaure um regime de as exigências de uma realidade social, de um lado, e as ideias funcionais, de
terror, sem fronteiras e ontologicamente legitimado. outro, na relação sistêmica de input e output, isto é, os conflitos (input) geram
De qualquer forma, o conceito ontológico de bem jurídico corres- a necessidade de uma intervenção (output) sob o pressuposto de utilidade.
ponde nitidamente ao Estado de bem-estar social, em que o processo de Esta utilidade, por sua vez, não implica desatender à realidade social e exis-
geração de riqueza se vê associado a um fundamento ético de sua base tencial da pessoa humana, mas é apenas um delimitador do que deve e do que
material, que cria a expectativa de que possa ser repartido por todos, como não deve ser protegido. A vinculação ao ideário funcional, assim, não afasta
bem vital da comunidade. MUÑOZ CONDE de entender como necessários para a convivência alguns
pressupostos existenciais que, conforme sua utilidade, são conceituados como
(d) A VISÃO FUNCIONALISTA bens jurídicos, no sentido de que a “pessoa necessita para sua autorrealização
e o desenvolvimento de sua personalidade na vida social”.423 Conceituando
Diversamente da postura ontológica, já agora sob os influxos de um
o bem jurídico sob esta ótica existencial, aproxima-se MUÑOZ CONDE
Estado mínimo, cujas tarefas essenciais se encontram, em grande escala, pri-
de uma visão crítica, na medida em que submete também aos mesmos pres-
vatizadas, o funcionalismo enfrenta a questão do bem jurídico, partindo da
supostos os bens jurídicos coletivos e descarta se possa elevar a essa categoria
ideia de que o fim do direito penal está situado na estabilidade da norma penal,
simples interesses de classe ou de políticas estatais.424
como instrumento adequado à manutenção do sistema. Sob esta perspectiva,
podem ser selecionados diversos modelos funcionais, desde o modelo ciber- Ao modelo funcional próprio correspondem, basicamente, as propostas
nético até o modelo mais ortodoxo de JAKOBS. Os enunciados gerais desses de JAKOBS, que partem do pressuposto de que à norma penal só interessa
diversos modelos já foram perfilados na primeira parte. Aqui, interessa apenas assegurar a expectativa de uma conduta correta. A conduta correta seria
o tratamento que esses modelos dispensam aos bens jurídicos, ou aos fins de aquela que não implicasse uma decepção de expectativas, daí situar-se em
proteção da norma que, para muitos, se veem confundidos com aqueles. Para um círculo tautológico. Ainda que não descarte expressamente a teoria do
evitar uma exposição casuística, podemos reduzir os diversos modelos funcio- bem jurídico, ao fazer-lhe algumas concessões relativas à sua supremacia
nais a três grupos: o estrutural, o funcional próprio e o funcional impróprio. sobre a teoria da danosidade social, JAKOBS procura dar-lhe uma outra con-
ceituação. Em vez de tratá-los como interesses ou pressupostos existenciais,
Ao primeiro grupo se associam as posições que entendem ser a norma
identifica os bens jurídicos com a validade fática das normas, das quais se
penal um instrumento de controle social, pelo qual se assegura e, ao mesmo
possa esperar a proteção dos bens, das funções e da paz jurídica.425 Ao refor-
tempo, se legitima o autocontrole do poder político. Esta legitimidade, con-
mular o conceito de bem jurídico para indicar que por tal se deva entender
tudo, está condicionada à manutenção de um estado de estabilidade, que
a validade fática das normas, regressa à velha proposta de MEZGER de não
pode corresponder aos fundamentos da convivência, ou à simples organização
o diferenciar de seus próprios fins de proteção. Mais radical se mostra, neste
do sistema. Como a norma penal tem como escopo exercer o controle social,
setor, AMELUNG, para quem a teoria do bem jurídico é simplesmente
é preciso que seja comunicada a todos em um fluxo permanente de imposi-
ções ou proibições, as quais devem ser aceitas e atendidas pela comunidade, 423. MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho Penal. Parte General, 3a. edição, Valencia, 1998, p. 63 et seq.
para impedir as perturbações do sistema. As perturbações (input) do sistema, 424. MUÑOZ CONDE, Francisco. (Nota 423), p. 66.
425. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, 2ª edição, Berlin- N. York, 1993, p. 44 et seq.
212 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 213

inútil, devendo ser substituída pelo conceito de danosidade social.426 Embora REGIS PRADO bem assinalou a diversidade de todas as definições e, perce-
seja correto associar-se todo o sistema normativo à danosidade social produ- bendo o perigo de uma radical substituição da noção de bem jurídico pelo
zida pelo delito, os funcionalistas utilizam esse critério, meramente, como de validade da norma, se associou ao pensamento de ROXIN, para ressaltar
princípio informador e não como fundamento material da incriminação. ser praticamente impossível sua conceituação fora do contexto constitucional
O modelo funcional impróprio se associa à teoria de ROXIN, que quer sobre o qual se assenta a norma jurídica, daí entender por bem jurídico não
revitalizar o conceito de bem jurídico a partir de uma base de política criminal apenas um valor abstrato, mas um valor concretizável decorrente da realida-
ancorada nos preceitos da Constituição, como restrição ao poder de punir. de social e subordinado às suas condições.429 Esclarecendo a trama de todas
Apesar de dar a entender, em uma interpretação iluminista, que o conceito de essas concepções, já havia anteriormente se manifestado ZAFFARONI em
bem jurídico não pode ser dissociado do pressuposto de liberdade que cerca favor de uma perspectiva pessoal do bem jurídico, vendo-o como a “relação
a pessoa humana, conclui que, no fundo, o bem jurídico serve para a manu- de disponibilidade de um sujeito para com um objeto”.430
tenção do sistema. Este pensamento eclético deflui de sua própria definição O bem jurídico não se confunde, assim, nem com os interesses juri-
de bem jurídico como “dados da realidade ou de determinados objetivos, ne- dicamente protegidos, nem com um estado social representativo de uma
cessários ao livre desenvolvimento do indivíduo, à realização de seus direitos sociedade eticamente ideal, nem ainda com mera relação sistêmica e nem pode
fundamentais e ao funcionamento de um sistema estatal, estruturado sobre ser identificado como uma função, integrada ao fim de proteção da norma.
a base de representação desses fins”.427 Sustentando sua definição na Consti- Bem jurídico é um elemento da própria condição do sujeito e de sua
tuição, admite que o conceito de bem jurídico possa derivar tanto de dados projeção social e nesse sentido pode ser entendido como um dado da pessoa,
anteriores à lei penal – mas não anteriores à Constituição – quanto de deveres que se incorpora à norma como seu objeto de preferência real e constitui,
criados por ela mesma. Embora o conceito de ROXIN possa ser posto em portanto, o elemento primário da estrutura do tipo, ao qual se devem referir a
discussão, porque – ao estilo neokantiano – se deixa levar pela normatização ação típica e todos os seus demais componentes. Ao ser incorporado à norma,
globalizada, ao assentar-lhe uma base puramente sistêmica, caminha, ao invés, o bem jurídico o faz na condição de um valor e, portanto, de um objeto de
para a construção de um sistema de garantias, ao desvincular da proteção de preferência real e não simplesmente ideal ou funcional do sujeito. Neste caso,
bem jurídico a mera proibição de condutas imorais, a proteção de fins pura- o bem jurídico condiciona a validade da norma e, ao mesmo tempo, subordina
mente ideológicos e todos os preceitos discriminatórios, bem como ao buscar sua eficácia à demonstração de que tenha sido lesado ou posto concretamente
limitações ao poder de punir na própria evolução do grau de utilidade dos em perigo. Por isso são inválidas normas incriminadoras sem referência direta
dados e dos objetivos que servem de substrato ao bem jurídico.428 a qualquer bem jurídico, nem se admite sua aplicação sem um resultado de
dano ou de perigo concreto a esse mesmo bem jurídico. A existência de um
(e) UMA VISÃO CRÍTICA
bem jurídico e a demonstração de sua efetiva lesão ou colocação concreta em
A exposição das diversas alterações que se produzem na noção de bem perigo constituem, assim, pressupostos indeclináveis do injusto penal.
jurídico, a partir do positivismo até o funcionalismo, vem demonstrar que
A identificação do bem jurídico, tomado no sentido de objeto de pre-
seu conceito depende do rumo tomado pelo poder punitivo, em face das
ferência do sujeito, cumpre sua função delimitadora da incriminação. Claro
modificações estruturais havidas na sociedade e no Estado. De uma socie-
dade liberal-individualista até a sociedade da comunicação pós-moderna, o
429. PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-Penal e Constituição, S. Paulo, 1997, p. 76. Também com uma
que se observa é que a noção de bem jurídico vai diluindo gradativamente posição garantista: FERNÁNDEZ, Gonzalo. “Bien jurídico y principio de culpabilidad”, in Derecho
penal hoy, Buenos Aires, 1995, p. 169 et seq.
sua substância material, até culminar praticamente na sua eliminação. LUIZ 430. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho Penal, Parte General, Buenos Aires, 2000, p. 466; Idem, Ma-
nual de Derecho Penal, México, 1986, p. 410; Idem. Manual de Direito Penal Brasileiro, S. Paulo,
1997, p. 464. Igualmente, vendo o bem jurídico dentro de uma perspectiva dialética sujeito-sociedade:
426. AMELUNG, Knut. Rechtsgüterschutz und Schutz der Gesellschaft, Frankfurt am Main, 1972, p. 393. SCHULZ, Lorenz, „Strafrecht als Rechtsgüterschutz – Probleme der Mediatisierung am Beispiel öko-
427. ROXIN Claus. (Nota 270), p. 16. logischer Güter“, in Aufgeklärte Kriminalpolitik oder der Kampf gegen das Böse? Frankfurt am Main,
428. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 18 et seq. 1998, p. 236.
214 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 215

está que, sendo um objeto de preferência do sujeito, o próprio bem jurídico Embora sob outro contexto, mas levando em consideração, igualmente,
constitui um valor da pessoa. Contudo, com isso, não se está querendo dizer a subordinação de seu conceito aos ditames da Constituição, esse mesmo
que o tipo de injusto deva estar vinculado a um sistema material de valores raciocínio foi bem esboçado ainda por DOLCINI e MARINUCCI, que
ao estilo de MAX SCHELER e NICOLAI HARTMANN, que os conce- concluem, em oposição a toda forma de autoritarismo legalista e diante dos
bem como referências objetivas e independentes do sujeito,431 ou ao modelo movimentos em favor de uma acentuada repressão penal sob o manto da
neokantiano, que identifica valor e norma. Seguindo a definição de HABER- proteção de bem jurídico, não haver obrigatoriedade constitucional explícita
MAS, podemos dizer que norma e valor se diferenciam basicamente em face de incriminação para a salvaguarda de qualquer bem jurídico, salvo quando
de seus pressupostos: a primeira se vincula a uma situação de dever; o outro, a demonstrada sua estrita necessidade.434 O mesmo argumento levou PAULO
uma finalidade.432 Para se entender realmente a constituição do bem jurídico, DE SOUSA MENDES a afirmar que a importância do bem jurídico, por
não se pode partir de que sua proteção se insira como um dever, porque estaria maior que seja, em face do princípio da subsidiariedade, não pode implicar
ele sendo confundido, então, com a própria norma, o que o retrataria como a criminalização da conduta que o lese ou o ponha em perigo, porque a
mero atributo formal e não uma condição material de sua validade. Constituição, na verdade, apenas deve encarregar-se de delimitar o âmbito
O bem jurídico adquire sua qualidade de valor, à medida que esteja da incidência penal, mas não de impor criminalizações.435
inserido como finalidade do sujeito, de tomá-lo como objeto de preferência A questão da criminalização de condutas não pode ser confundida com
real. Neste caso, está associado à função de proteção, não dele próprio, senão as finalidades políticas de segurança pública, porque se insere como uma con-
da pessoa humana, que é o objeto final de proteção da ordem jurídica. Isto dição do Estado democrático, baseado no respeito dos direitos fundamentais
significa que o bem jurídico só vale à medida que se insira como objeto re- e na proteção da pessoa humana. Isto quer significar que, em um Estado
ferencial e preferencial de proteção da pessoa, pois só nesta condição é que democrático, o bem jurídico deve constituir um limite ao exercício da polí-
se insere na norma como valor. tica de segurança pública, reforçado pela atuação do Judiciário, como órgão
Com outro raciocínio, na órbita de sua proteção, para demonstrar que fiscalizador e controlador e não como agência seletiva de agentes merecedores
todos os bens jurídicos se subordinam ao mesmo fundamento, também neste de pena, em face da respectiva atuação do Legislativo ou do Executivo. A de-
sentido se põe a observação de HASSEMER de que “... bens jurídicos univer- cisão jurídica, portanto, que fundamenta a intervenção do Estado, mediante
sais somente requerem proteção como condição da possibilidade de proteção a afirmação de que determinada conduta é injusta, só terá legitimidade se for
dos bens jurídicos individuais, os quais, por isso, possuem uma função orienta- pronunciada sob a perspectiva de uma política de garantia individual, tomada
dora. Deste modo, o fim de proteção dos bens jurídicos é a realização da pessoa sob argumentos racionais, que têm como pressuposto a imparcialidade do
individual, sendo o interesse geral apenas uma etapa deste rumo”.433 órgão jurisdicional e todos aqueles critérios que fundamentam o discurso
ideal, dentro do qual se devem incluir, necessariamente, todos os argumentos
Entendido como valor e não como dever, é o bem jurídico, pois, re- em favor da proteção de direitos humanos. Nesta linha de raciocínio, entende
conduzido à condição de delimitador da norma. Essa condição delimitadora ROBBERS, a partir do art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do
é que assinala a característica essencial do bem jurídico e deve ser levada em Cidadão de 1789, que um Estado só será democrático à medida que reco-
conta em qualquer circunstância, ainda que sob a ideia de subordiná-lo aos nheça a separação de poderes e o respeito pelos direitos humanos.436
preceitos constitucionais.
Desse modo, a proteção de direitos humanos, como condição de defesa
431. Uma síntese desse pensamento pode ser vista em COSTA. José Silveira da. Max Scheler, O personalis-
mo ético, S. Paulo,1996, p. 39 et seq.
432. HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung, p. 312. 434. DOLCINI, Emilio / MARINUCCI, Giorgio. “Constituição e Escolha dos Bens Jurídicos”, in Revista
433. HASSEMER, Winfried. Theorie und Soziologie des Verbrechens. Ansätze zu einer praxisorientierten Portuguesa de Ciência Criminal, nº 2, ano 4, 1994, p. 151 et seq.
Rechtsgutslehre, Frankfurt am Main, 1980, p. 222; da mesma forma, vendo os bens jurídicos como re- 435. MENDES, Paulo de Sousa. Vale a pena o direito penal do ambiente?, Lisboa: Associação Acadêmica
lações sociais concretas, que nascem da própria relação democrática, como uma superação do processo Faculdade de Direito, 2000, p. 174.
que nela se desenvolve, SILVA, Tadeu Antonio Dix. Liberdade de expressão e direito penal, S. Paulo, 436. ROBBERS, Gerhard. “Strafpflichten aus der Verfassung?”, in Aufgeklärte Kriminalpolitik, Frankfurt
2000, p. 349. am Main, 1988, vol. I, p. 147 et seq.
216 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 217

individual frente ao Estado despótico, além de ser um programa, é funda- pobre, constitui um bem jurídico fundamental.
mento do próprio Estado democrático, que se deve, pois, ocupar de garantir Normalmente, para os efeitos delimitativos, os bens jurídicos prescindem
a todos o pleno exercício de seus direitos fundamentais. Isso quer dizer que de qualquer classificação, porque todos devem ter origem na pessoa humana. A
a legitimidade da atuação estatal, no sentido de um exercício protetivo, está doutrina, porém, os classifica segundo alguns critérios, puramente aleatórios.
vinculada a que sua atuação se faça necessária para impedir a interferência Segundo seu titular, haveria bens jurídicos individuais (vida, integridade física,
de outrem no exercício de direitos do próprio indivíduo, o que fundamenta honra, liberdade, patrimônio), coletivos (incolumidade pública, meio ambiente,
a constituição de um direito subjetivo desse indivíduo à determinada con- fé pública, paz pública) ou estatais (administração pública, administração da
dição de garantia. Isto não implica, porém, o uso da pena criminal, pois a justiça, soberania, ordem pública econômica). Segundo a percepção, haveria
função de garantia, impulsionada pelo exercício de um direito subjetivo do bens jurídicos concretos (vida, integridade corporal, patrimônio) e abstratos (in-
cidadão à proteção jurídica, deve estar de qualquer modo condicionada à columidade pública, fé pública, paz pública). Segundo a natureza, haveria bens
preservação dos direitos humanos, que têm como princípio primordial a jurídicos naturais (vida, integridade física, liberdade) e normativos (patrimônio,
solução pacífica dos conflitos, dando como conclusão de que a pena não é administração pública, ordem pública econômica). Segundo seus elementos, de-
dotada por si mesma de qualquer legitimidade e só se justifica na medida de ver-se-iam distinguir bens jurídicos de origem real (vida, integridade corporal,
sua extrema necessidade. Quer dizer, inexiste um dever absoluto de punir.437 saúde) e de origem ideal (honra, sentimento religioso). Deve-se alertar que esta
A punição criminal é unicamente uma contingência de ultima ratio. Deve-se classificação é meramente metodológica e serve apenas para, em determinado
concluir, então, que a noção de bem jurídico não pode ser posta como legi- contexto e limitadamente, identificar a qualificação do bem que se pressupõe
timação da incriminação, mas como sua delimitação, daí seguindo, no dizer lesado ou posto em perigo pela ação do agente.
de DOHNA, a necessidade de que seja determinado com precisão para possa
servir de barreira frente à intencionalidade e à vacuidade.438 Mais adiante, veremos como essa modalidade de classificação – entre
bens jurídicos individuais e coletivos – pode conduzir à confusão entre bem
(f) BEM JURÍDICO E OBJETO DA AÇÃO jurídico e função. Ainda que se possa reconhecer a existência de um bem
jurídico estatal ou coletivo, sua inserção como tal não desnatura o conteúdo
O bem jurídico, por seu turno, não se confunde com o objeto da ação,
estritamente pessoal desses bens. O interesse fiscal do Estado, por exemplo,
pois não pode ser entendido no sentido puramente material, como se fosse
não pode ser erigido em bem jurídico unicamente por causa dos interesses do
uma pessoa ou uma coisa, mas no sentido da característica dessa pessoa e
poder público, mas sempre como condição de sobrevivência ou de melhoria
de suas relações, isto é, como valor decorrente da vida individual e social,
da vida da pessoa humana, o que induz constantemente à discussão em torno
indispensável à sua manutenção e ao seu desenvolvimento. A vida humana,
da legitimidade de todas as incriminações daí derivadas. Isto significa que todo
por exemplo, erigida à condição de bem jurídico fundamental, não apenas
bem que se possa reconhecer como coletivo, em face da impossibilidade fática
para o direito penal, mas também para todos os demais ramos do direi-
de identificação da pessoa de seu titular, é no fundo um bem do indivíduo.
to, encerra um valor, tanto por seu lado puramente biológico, ou material,
quanto e principalmente porque está relacionada à pessoa, entendida como (g) BEM JURÍDICO E FUNÇÃO
categoria primária de todo o sistema jurídico. Assim, a vida humana, mesmo
quando apresente deficiências materiais graves ou ainda quando se encontre A necessária vinculação de um bem jurídico estatal à sua origem e fi-
em formação, independentemente de a quem pertença, se a um homem nalidade pessoal é uma garantia do indivíduo de que sua liberdade não será
socialmente valioso ou desvalioso, ao culpado ou ao inocente, ao rico ou ao molestada por mera adoção de políticas públicas, no âmbito administrativo,
econômico ou social ou finalidades eleitoreiras. Será preciso demonstrar,
para tornar válida a eleição desta categoria de bem jurídico, que sua lesão
437. ROBBERS, Gerhard. (Nota 436), p. 152.
438. DOHNA, Edegardo Alberto. “El problema del derecho penal en la actualidad”, in Estudios Críticos signifique um dano igualmente à pessoa e às suas condições sociais. Por isso
sobre la Cuestión Criminal I, Buenos Aires, 2001, p. 66-67.
218 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 219

se deve descartar da noção de bem jurídico a noção de função, que encerra e condição social ou política, que jamais se confunde com funções, mas que
atividades administrativas do Estado, referentes ao controle sobre determi- pode estar compreendida como tal, segundo aquela definição. Manejando um
nado setor da vida de relação ou de seu próprio organismo. conceito dessa ordem, é natural que se passe a confundir bem e função.
Acostumados à herança positivista e normativista desde BINDING e A principal fonte de confusão entre bem jurídico e função está situada,
MEZGER, os doutrinadores sentem dificuldades de proceder à necessária porém, na indefinição acerca do objeto de referência da norma. O bem jurí-
distinção entre bem jurídico e função. Geralmente, acoplam suas assertivas a dico constitui, ao mesmo tempo, objeto de preferência, como valor vinculado
um modelo básico de função – a administração pública ou a administração da à finalidade do sujeito e, consequentemente, da ordem jurídica em torno da
justiça – e daí fazem derivar todas as demais funções como corolários daque- proteção da pessoa humana, e objeto de referência, como pressuposto de
las. Com este critério de derivação, comparável analogicamente à construção validade da norma, bem como de sua própria eficácia. Neste último caso, ao
dos tipos penais, pretendem justificar a validade e a legitimidade das respec- subordiná-la à demonstração de lesão ou colocação em perigo concreto do
tivas normas incriminadoras. O raciocínio é simples e primário: se o direito bem jurídico. A doutrina tem normalmente trabalhado, indistintamente,
penal tem como objeto de proteção a administração pública, está claro que, com essas duas categorias, ou modos de expressão do bem jurídico, sem
igualmente, podem ser protegidos todos os atos de controle decorrentes dessa atentar para o fato de que a segunda (objeto de referência) constitui um
administração, ainda que sejam meros atos administrativos sem qualquer objeto dependente da primeira (objeto de preferência). Á medida que se
repercussão na vida da pessoa humana. Este raciocínio é, evidentemente, toma o bem jurídico apenas como objeto de referência, é fácil confundi-lo
falacioso e deve ser combatido. Para fazê-lo, no entanto, convém precisar com qualquer função, pois na condição de objeto de referência desempenha
melhor, primeiramente, o conceito de função, depois, os fundamentos pelos o bem jurídico, efetivamente, uma função de validade e eficácia da norma.
quais se possa efetuar sua distinção dos bens jurídicos e, finalmente, indicar A fim de torná-lo objeto de garantia e não simplesmente de incriminação,
sua verdadeira importância na definição do injusto. é indispensável pensá-lo como objeto de preferência, vinculado a um valor.
Ao pôr em discussão os objetivos das leis ambientais italianas, FRAN- Uma vez concebido como valor, torna-se imperioso estabelecer-se sua dife-
CESCO PALAZZO tem salientado a necessidade de uma precisa identificação rença para com o conceito de função.
dos objetos de proteção nos delitos daí derivados, em oposição à noção de
(aa) O conceito de função
função. Embora seja um esforço louvável, o de enfrentar essa tarefa, sem aten-
ção às orientações ideológicas e políticas de diversos matizes, que imperam O conceito de função deve partir da ideia de que toda função tem sempre
nesse setor, seu projeto não pode ser considerado como exitoso, porque acaba uma característica de instrumentalidade e de dependência de outro objeto.
relativizando seu escopo, até o ponto de também admitir que alguns delitos Assim, na matemática se denomina função uma grandeza variável, cujo valor
bem específicos, como os delitos contra o ambiente, possam ter por objeto depende do valor de uma outra grandeza e, na lógica, uma relação que associa
jurídico o próprio controle ambiental e não bens jurídicos materiais, imedia- membros de uma classe determinada a um certo membro de outra classe. Se,
tamente lesados. Parece que essa relativização tem sua fonte no enunciado de por exemplo, dois objetos imantados forem colocados à determinada distância
seu conceito de função, como “conjuntos de homens e meios normativamente e provocarem, por força disso, uma atração de um para outro, dizemos que essa
organizados para o alcance de fins institucionais ou sociais”.439 Este conceito força atrativa constitui a função da distância que os separa.440
de função, derivado da noção de fim e do sentido de organização, é demasia- É indissociável, portanto, do conceito de função o conceito de relação.
damente impreciso e pode abarcar até mesmo bens jurídicos pessoais. Afinal Este raciocínio é aplicável a todas as demais ciências. Na medicina, o conceito
de contas, o genocídio tem como objeto de proteção uma particularidade da de função está vinculado ao conceito de propriedades de um órgão ou aparelho
organização de certos grupos humanos, em torno de sua etnia, raça, origem
439. PALAZZO, Francesco. “Principios fundamentales y opciones político-criminales en la tutela del am- 440. KASNER, Eduard/ NEWMAN, James. Matemáticas y imaginación, tradução castelhana de J. Celdeiro
biente en Italia”, in Revista Penal, Salamanca, 1999, Nº 4, p. 76. Ricoy, Buenos Aires, 1951, p. 330.
220 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 221

e só adquire significado à medida que se veja dentro de variáveis de uma rela- Independentemente das concepções sociológicas ou filosóficas, a vincu-
ção. Assim, a função digestiva está sempre associada à quantidade de alimentos lação entre função e relação decorre, como informa PAUL WATZLAWICK,
ingerida e à capacidade de sua absorção ou processamento metabólico do res- de uma mudança radical na configuração dos objetos da ciência moderna,
pectivo aparelho. Sem as variáveis do alimento (independentes) e dos órgãos principalmente com a superação da noção clássica de grandeza e a introdução
encarregados da digestão (dependentes) seria impensável a função digestiva. do novo conceito de número a partir da contribuição do matemático francês
Na sociologia funcionalista, o conceito de função está associado ao conceito de FRANÇOIS VIÈTE em 1591. Por esta interpretação, a relação numérica
relação sistêmica, de modo que se poderia entender por função a eficiência ou deixou de representar grandezas distintas e passou a se compor apenas de
a força de um determinado elemento social para a construção, manutenção ou variáveis,445 possibilitando, com isso, o cálculo dos predicados. No momento
alteração de uma condição do sistema global, ao qual aquele mesmo elemento em que as grandezas individuais (1, 2, 3 homens ou mulheres) foram subs-
pertence. Não dissente deste conceito geral de função a diversidade de atributos tituídas por variáveis (x, y, z homens ou mulheres), se erigiu a relação como
que lhe são dispensados ou o método de sua determinação. Enquanto DUR- condição necessária de sua significação. Para tanto, contribuiu também a
KHEIM chama de função a força de manutenção da condição de normalidade alteração da própria natureza do conceito de relação, que deixou de ser um
de uma sociedade, fornecida por um determinado elemento social, avaliado conceito que exprimiria sempre uma realidade – como na formulação de
segundo o grau de desenvolvimento das condições preexistentes desta mesma ARISTÓTELES – e passou a comportar uma dupla dimensão: as relações
sociedade,441 em PARSONS o conceito de função é abstraído do conceito de poderiam ter objetividade, embora não fossem reais. No caso dos ímãs, por
sociedade e diz respeito à força de manutenção, exclusivamente, de um siste- exemplo, ao mesmo tempo em que podemos substituí-los por letras, pode-
ma global. Invertendo os polos da proposição, já entendia MERTON que o mos também atribuir, hipoteticamente, à distância que os separa, qualquer
conceito de função não deveria ser inferido do sistema global, ao qual estaria grandeza, sem a necessidade de que se tenha de referir, sempre, a uma situa-
subordinado, mas sim de um determinado elemento, tomado isoladamente e ção concreta. Como a força atrativa se encontra em razão inversa à distância
cuja força repercutiria na unidade de outros elementos do sistema. Deste modo, – quanto maior a distância, menor a atração – é possível, objetivamente,
um mesmo elemento poderia ser funcional (eficaz), disfuncional (prejudicial) estabelecer um gráfico dessa relação, sem que isto represente uma realidade.
ou não-funcional (irrelevante) ao sistema.442 A função é, assim, uma relação decorrente de variáveis, que correspondem
Na filosofia, podem ser encontradas várias acepções para a função. Em a pontos de referência de algo. Da mesma forma que as variáveis dependentes,
todas elas, porém, o conceito de função continua se exprimindo dentro de a função não tem significado próprio, somente no contexto da própria relação.
uma relação. Assim, por exemplo, em KANT a função estaria imbricada no Há que se distinguir, entretanto, uma relação funcional de uma relação real,
processo do conhecimento, inserido igualmente em uma relação, cuja função ou substancial.446 Se dissermos, por exemplo, que João ama Joana estaremos
se resumiria na “unidade da ação que consiste em ordenar diversas representa- indicando uma relação que pode ser verdadeira ou falsa, mas é uma relação real,
ções sob uma representação comum”,443 quer dizer, a função corresponderia à limitada aos seus únicos dois objetos, ou grandezas individuais, que subsistem
força dos conceitos na formação do entendimento. Para FICHTE, o mundo independentemente da relação. Da mesma forma, como estamos tratando com
em sua totalidade nada mais seria do que a função do próprio eu, ou seja, um pessoas, a relação de amor de João por Joana comporta um juízo de eleição ou
instrumento de sua realização, na qual o eu se poria na condição de uma va- de preferência sentimental ou ético, de tal modo que não poderemos dizer que
riante independente e primitiva, determinante de todas as demais relações.444 o amor de Joana seja a função do amor de João. Se dissermos, entretanto, que
x ama y, a substituição das pessoas reais por objetos simbólicos os transforma
441. DURKHEIM Emile. La división del trabajo social, tradução espanhola de Carlos G. Posada, Barcelona, em relação funcional, de modo que podemos dizer que o amor de y constitui
1993, vol. I, p. 67 et seq.
442. HILLMANN, Karl-Heinz. Wörterbuch der Soziologie, Stuttgart, 1994, p. 251. 445. WATZLAWICK, Paul et allii. Pragmática da comunicação humana. Um estudo dos padrões, patolo-
443. KANT, Immanuel. Crítica da razão pura, p. 102. gias e paradoxos da interação, S. Paulo, 1998, p. 21.
444. FICHTE, Johann Gottlieb. Grundlage der gesamten Wissenschaftslehre, Jena/Leipzig (1794), 4ª edição, 446. ARISTÓTELES já compreendia essa modalidade de relação, quando tivesse por termos objetos reais ou
Hamburg, 1997, capítulo III. sensíveis, cf. Metaphysik, XIV,., p. 365 et seq.
222 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 223

uma função do amor de x, que pode ser desdobrada em muitas outras rela- papel das chamadas agências de fiscalização.
ções, suscetíveis de quantificação, como, por exemplo, que todos amam todos, A função administrativa de controle do tráfego rodoviário, por exem-
alguém ama alguém ou, em sentido negativo, que ninguém ama ninguém. À plo, é exercida pelo Estado sobre a base de uma relação de que veículos
medida que as variáveis se mesclem em inúmeras outras relações, se vão criando circulam por estradas e ruas. O controle do tráfego por si só não tem a
outras funções e ampliando, por isso, o cálculo dos respectivos predicados. Da menor relevância, mas apenas quando se faça sobre veículos em circulação
relação funcional monádica x ama y, que no fundo exprime uma propriedade, por estradas e ruas, isto é, como desdobramento de uma relação funcional
podem resultar, assim, outras relações, triádicas ou poliádicas, das variáveis determinada, na qual os objetos em circulação seriam as variáveis dependen-
entre si, ou com outras variáveis. Esse desdobramento das funções dá lugar ao tes das condições e dimensões de estradas e ruas. Desta relação é que nasce
que BERTRAND RUSSELL e ALFRED WHITEHEAD denominaram de a função de controle, que está subordinada à quantidade de veículos em
conjuntos incompletos, ou seja, uma possibilidade infinita de combinações, circulação e à capacidade de escoamento ou à dimensão das vias. Especifi-
sem substância material.447 camente nesta relação de circulação de veículos se pode ver, por outro lado,
Estas relações funcionais, ou sobre variáveis, têm importância para os que os elementos da relação – os veículos – não representam, aqui, qualquer
cálculos quantitativos, ou de predicados, mas não representam em si mesmas conteúdo material; servem apenas de variáveis, que conduzem à proposição
um valor, ou seja, um objeto de preferência. Da formulação funcional moná- de que circulam de conformidade com regras de circulação. As regras de cir-
dica, ou de propriedade, x ama y e de qualquer de seus desdobramentos – todos culação e o controle resultam, pois, de uma simples equação de ajuste entre
amam todos, alguém ama alguém, ninguém ama ninguém – só se pode inferir a quantidade de veículos e a dimensão das vias, sem qualquer referência aos
uma referência lógica, que não subsiste fora da relação. Como não é suscetível objetos reais em circulação, mas apenas ao seu número estatístico. Neste
de preferência, a função não constitui um valor e, portanto, não pode ser con- passo, como se trata de um controle anônimo, pode a função se exaurir na
fundida com um bem. Já daí se pode dizer que uma simples relação ou uma regra que a expressa, porque esta regra nada mais é do que a forma ou o modo
função não poderá ser caracterizada como bem jurídico, salvo quando passe de ser do próprio controle difuso ou anônimo.
a constituir um dado de relevância para a pessoa humana. A condição de se Esta forma de controle anônimo é característica da sociedade pós-mo-
associar à pessoa humana e ser transformada em seu objeto de referência faz derna que, ao lado da eliminação do Estado do processo de produção, impõe,
com que a função deixe de ser meramente uma relação. Neste ponto, a relação por outro lado, uma contínua substituição de relações materiais, ou reais, por
x ama y poderá se concretizar na relação João, como pessoa, ama Joana, igual- funções de comunicação. Neste caso, o controle do tráfego, por exemplo,
mente como pessoa, e descartar, assim, sua significação simbólica. deixa de ser um controle material, efetuado por fiscais, para se transformar
em um mero controle de informação. Desde que o que importa é meramente
(bb) Função e controle
uma relação quantitativa da circulação e não a distribuição de bens, isto pode
Transportado esse conceito de função à ordem jurídica, ainda que se ser obtido por simples informação, isto é, se a regra foi ou não atendida. Este
possa manifestar através de distintas modalidades, se mantém sempre com controle de informação satisfaz ao conteúdo da regra de circulação, que só
a característica de subordinação ao pressuposto de que só tem existência e tem por objeto a circulação anônima de veículos.
sentido em uma determinada relação. Na atividade estatal, as funções se
Essa mesma característica assinala, igualmente, outras funções, como
expressam, normalmente, por medidas de controle, que constituem o matiz
a de controlar a entrada ou a saída de dinheiro do país, que tem por objeto
de um processo de descentralização, que se opera com maior intensidade a
a comunicação do ato de entrada ou de saída, independentemente de suas
partir do afastamento do Estado do processo de produção e distribuição de
repercussões na economia, ou da pessoa que efetivamente o realiza; ou de
bens, ou da satisfação das necessidades reais das pessoas e sua redução ao
controlar a arrecadação das receitas e das despesas, sob o pressuposto funcio-
447. RUSSELL, Bertrand/ WHITEHEAD, Alfred North. Principia mathematica, 1ª edição, tomo 1, Cambri- nal de metas políticas preestabelecidas.
dge, 1910.
224 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 225

A função de controle de informação, como depende exclusivamente de receita federal, uma vez que a quantia supere determinado limite (atualmente,
uma relação de circulação de veículos ou de bens e da capacidade de escoamen- dez mil reais). Não o fazendo, viola a autorização legal para sair com o dinheiro
to das vias ou da política do Estado, se restringe a um número determinado de do país. Veja-se que a sanção é aplicável, independentemente do prejuízo real
objetos ou de pessoas, àquelas que sejam motoristas ou transportadores, e não que a quantidade de dinheiro transportada possa causar ao sistema financei-
possui um caráter de universalidade. É uma função específica, condicionada às ro. É contrastante com esse prejuízo, por exemplo, o fato de ser sancionada
suas respectivas variáveis. A ausência do caráter de universalidade dessas funções a pessoa que transporta dez mil dólares, sem comunicar sua saída à receita
e sua essência meramente informativa demonstram seu elemento simbólico e federal, e de não ser sancionada aquela outra que tenha feito a comunicação,
sua clara distinção do conceito de bem jurídico. mas que transporte quantias infinitamente superiores, quer dizer, sem levar
Significativo desta distinção, por exemplo, é o fato de que a sanção em consideração o fato de que quem transporta dez mil dólares e não faz a
imposta aos que infringem as regras de circulação independe da circunstância comunicação deste transporte à receita federal causa, no fundo, muito menos
de que, no momento da infração, não haveria a necessidade daquela regra, prejuízo do que aquele que transporta um bilhão de dólares, mas comunica o
porque nenhum outro veículo se encontrava na rua, ou de que ela seria ne- transporte desta quantia. O que está em jogo, neste caso, não é o patrimônio
cessária, em face da circunstância de que, com isso, se estaria impedindo o público ou o sistema financeiro, somente a função de controle de informação.
abastecimento de bens ao público ou restringindo a liberdade das pessoas. A gravidade desta última hipótese está em que a sanção, aqui, não é meramente
Como se trata de uma sanção administrativa, que não tem como pressuposto administrativa, mas também criminal, nos termos da legislação vigente.448 Sem
a lesão ou colocação em perigo de qualquer bem jurídico, a simples infração ter havido lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico, faz-se, portanto, de uma
das regras de controle é suficiente para justificá-la. simples função de controle um objeto de proteção penal, o que é um absurdo
e viola os pressupostos constitucionais da incriminação.
Não difere dessa estrutura a sanção imposta a quem transporta dinheiro
para o exterior, sem autorização legal. Inicialmente, a norma incriminadora, (cc) A distinção entre bem jurídico e função
que estava subordinada a uma lei regulamentar, que deveria expressar as con-
Observando-se as diversas funções, como as de controle do tráfego ou
dições deste transporte, dava a impressão de que a proibição estaria vinculada
de entrada ou da saída de bens, dentre outras, verifica-se que elas não têm ca-
a uma lesão ou a um perigo de lesão ao patrimônio público ou ao sistema
ráter de universalidade, porque estão submetidas exclusivamente a critérios de
financeiro. Ainda que se possa discutir se o próprio sistema financeiro constitui
oportunidade. Isto não é característica exclusiva das funções administrativas ou
ou não um bem jurídico, a questão deveria ser dirimida no âmbito da lesão
de gestão, dá-se tanto nas ciências da natureza quanto no sistema normativo.
ou do perigo. Depois da instituição do plano real, a lei passou a exigir que a
Voltando ao exemplo da relação entre dois objetos imantados e a distância
transferência de dinheiro para o exterior só pudesse ser feita por via bancária
que os separa, a função expressa pela força atrativa depende não apenas da
(lei 9.069/95, art. 65), mediante a identificação completa do cliente e do
distância, quanto também dos outros termos da relação, o que demonstra sua
beneficiário. Conferia, ademais, ao Conselho Monetário Nacional poderes
característica de instabilidade, já que se encontra condicionada à variação das
de fixar condições complementares sobre os limites, o ingresso e a saída desse
respectivas grandezas. O mesmo se passa no caso do controle do tráfego, que é,
dinheiro. Em face dessas condições, pode-se notar, definitivamente, que se
afinal, contingente da produção de veículos e da edificação pública das vias de
abandona a relação entre a saída do dinheiro e a produção, com isso, de dano
circulação. Se tomarmos a ordem jurídico-penal sob o pressuposto de garantia,
ou de perigo a um bem jurídico. O que passa a valer é o procedimento de
a incriminação de uma conduta só deve ter por objeto jurídico o que possa
identificação daquele que promove a saída e do respectivo beneficiário. Daí se
pode compreender o porquê da exigência complementar imposta pelo Con-
448. Lei 7492/86, art. 22, parágrafo único, em consonância com a lei 9069/95, art. 65: “O ingresso no País
selho Monetário Nacional no sentido de que, em se tratando de transporte e a saída do País de moeda nacional e estrangeira devem ser realizados exclusivamente por meio de
manual de dinheiro, o transportador tenha de comunicar esse transporte à instituição autorizada a operar no mercado de câmbio, à qual cabe a perfeita identificação do cliente ou
do beneficiário”. Sobre isso, TÓRTIMA, José Carlos, Crimes contra o sistema financeiro nacional, Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
226 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 227

decorrer de um ente real estável – a pessoa humana – e não de uma função, implicaria a edificação de uma ordem jurídica puramente utilitarista, de todo
sendo inválidas as normas que assim o tratem. A distinção entre função e bem modo inadmissível. Não contradiz essa assertiva, igualmente, a relativização
jurídico é, pois, essencial a um direito penal democrático. de alguma modalidade de projeção da vida, como, por exemplo, a amplia-
Ademais, está claro que, em face da complexidade da vida, algumas fun- ção das causas de permissibilidade do aborto, porque, neste caso, a vida
ções se vão materializando, de tal modo que suas variáveis possam constituir humana em formação se faz objeto de um juízo de valor em face da pessoa
uma realidade, ainda que puramente normativa, mas irredutível a simples humana da mãe e de suas condições reais de existência. Quer dizer, não se
grandezas, fato que as torna indispensáveis à existência do Estado ou do está procedendo a uma avaliação meramente predicativa, ou de quantidade,
próprio indivíduo. Isso ocorre, por exemplo, com a administração da justiça, mas de substância, entre a manutenção da vida já formada da mãe, e de suas
que é hoje uma função indeclinável do Estado democrático. A característica condições reais e qualitativas de existência, e a da vida em formação do feto.
dessa função de servir, indistintamente, a todos, no sentido de uma univer- Há, aqui, um conflito real de bens jurídicos e não de funções.
salidade e sua vinculação à própria estrutura do Estado, dá-lhe estabilidade Como a função depende da relação na qual se processa e cuja entidade
e a converte em bem jurídico, porque se constitui valor da pessoa humana. é, no fim, a consequência de uma metamorfose e não a representação de
A distinção entre bem jurídico e função não pode partir da própria uma realidade substancial, não detém a função um caráter de autonomia, ou
norma e de sua infração, e nem o conceito de função pode derivar exclusiva- independência. Em oposição a isto, deve-se entender o bem jurídico como
mente dos fins que persegue. A distinção básica reside em que a função não um valor da pessoa humana, que se constitui em objeto de sua preferência e
existe por si mesma, depende de uma relação e de suas variáveis, possibilitan- referência, material ou ideal, mas real, que independe, para sua existência e
do unicamente cálculos de predicados, que não podem ser confundidos com essência, de qualquer relação funcional.
valores. Não importa, assim, ao conceito de função que essa ou aquela ativi- Não desnatura essa característica do bem jurídico o fato de que muitos
dade de controle possa ser útil ou inútil, adequada ou inadequada. Confira-se bens sejam concebidos como um conjunto de relações, como é o caso do
o caso do controle da circulação de veículos, acima exposto. A chamada uti- patrimônio, porque neste caso se trata de relações reais e não meramente
lidade da função nada mais é do que uma derivação da variação de grandeza simbólicas, isto é, não se constitui o patrimônio exclusivamente de um ato
de suas variáveis, ou seja, da quantidade de veículos e da dimensão das vias. de informação, mas de uma relação de titularidade de um direito, oponível
Se as ruas forem de tal forma amplas e suficientes à circulação de todos os a todos. O próprio patrimônio, por outro lado, pode ser a variável de uma
veículos, essa diferença quantitativamente favorável aos veículos faz diminuir função, por exemplo, à medida que tenha de ser acessível a todos. Isto não
a intensidade da função, da mesma forma que o aumento da distância torna implica que o patrimônio seja uma função do Estado, mas sim, que a relação
menor a força atrativa dos objetos imantados. Isto não quer dizer, porém, funcional, neste caso, se estabelece entre o patrimônio, como condição da
que a função detenha um valor substancial; dá-lhe apenas um valor quanti- pessoa e variável independente, por um lado e a capacidade de sua aquisição,
tativo, cognominado de valor de utilidade, assim como na digressão marxista por outro, como variável dependente. Ao Estado compete ampliar a capa-
acerca do valor de troca ou de utilidade da mercadoria, em oposição ao seu cidade de aquisição. Para tanto, poderá reduzir o número concentrado de
valor real, tomado como valor de trabalho, assentado nas condições reais das titulares patrimoniais, mediante redistribuição de rendas, ou aumentando a
relações de produção. A suposta emissão de juízos de valor sobre funções – própria grandeza patrimonial, com o incremento da produção de bens ou do
acerca de sua utilidade ou inutilidade – e sua entronização como objeto de poder aquisitivo de todos. Em qualquer caso, o patrimônio, como tal, não
proteção correspondem, portanto, a uma falsa interpretação de seu sentido se desconstrói em função, continua sendo um valor da pessoa, a qual se vê,
dentro de uma relação. Já o bem jurídico, por exemplo, a vida humana, inclusive, engrandecida pela ampliação das possibilidades de ser dele titular.
deve ser tomado como valor por si mesmo, quer se refira a uma pessoa vir-
Encarando esse aspecto da questão patrimonial, que no Brasil se con-
tuosa quer a uma pessoa moralmente execrável. Não há possibilidade de se
vencionou chamar de função social da propriedade, MOCCIA procura dar
medir, quantitativamente, o grau de intensidade de valor da vida, porque isto
228 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 229

ao conceito de patrimônio um significado mais abrangente do que sempre o confusão é, por exemplo, como já vimos, a corrente identidade que se faz entre
fez o direito privado e mais preciso do que o dotou a economia, ao afirmar as funções de controle da arrecadação e o próprio patrimônio público, entre as
que sua tutela “assume relevância na sociedade e, ademais, no ordenamento funções de controle ambiental e o próprio meio ambiente, ou entre a função de
jurídico, não porque, ou não apenas porque, determinados objetos ou direi- controle e estabilidade da economia com a ordem pública econômica, tomada
tos que tenham valor econômico sejam atribuídos a um sujeito, senão pelo como ente coletivo e abstrato.
fato de que a disponibilidade destes bens assegura ao sujeito uma órbita de Esta confusão é, no fundo, a consequência inevitável de um sistema
desenvolvimento de sua personalidade”, quer dizer, a tutela patrimonial se penal de proteção, como normalmente se toca, quando se fala das tarefas do
justifica “no sentido de garantia da disponibilidade dos bens com vistas a direito penal, porque, com isso, se passa a entendê-lo em face de suas carac-
assegurar ao titular o desenvolvimento de sua própria entidade no âmbito terísticas programáticas e não como instrumento de delimitação de poder,
econômico”.449 Esta mudança de orientação na identificação do bem jurí- como deve ser em um Estado democrático.
dico irá se refletir, por sua vez, na concreção do objeto jurídico dos delitos
Se o objetivo do direito penal, porém, não é o de simplesmente prote-
econômicos, normalmente confundido com as próprias tarefas do Estado,
ger bens jurídicos, mas o de traçar, nitidamente, os contornos das zonas do
ou com sua política tributária ou fiscal.450
lícito e do ilícito, do proibido e do permitido, no sentido de só justificar a
Um outro aspecto das características das funções e dos bens jurídicos intervenção do Estado sobre a liberdade da pessoa humana, em casos de ex-
é também de importância à sua distinção. Trata-se dos dados referentes ao trema e demonstrada necessidade, a primeira condição de seu implemento é
processo de seu conhecimento. a de descartar, desde logo, essa classificação entre bens individuais e coletivos
e trabalhar com a noção de bem jurídico, como bem jurídico pessoal. Esse
(dd) A identificação dos bens jurídicos é o primeiro e indeclinável pressuposto para se proceder, com segurança, à
Ainda que se reconheça a diferença entre bem jurídico e função, não é identificação do bem jurídico e diferenciá-lo da função.
fácil sua distinção no caso concreto, daí a necessidade de se alinhavarem indi- Por outro lado, como em termos de percepção, muitos bens jurídicos
cativos para este encargo. Um dos pontos controvertidos dessa distinção tem nitidamente pessoais, por exemplo, a honra e a intimidade, são imateriais,
origem na tendência de a doutrina penal proceder, grosso modo, a uma classifi- por sua natureza, a simples asserção do bem jurídico como individual (e não
cação de bens jurídicos consoante seus titulares, entre bens jurídicos individuais coletivo), embora constitua um pressuposto indeclinável de um direito penal
e coletivos, ou consoante sua percepção, entre bens concretos e abstratos. Esta democrático, não basta para sua perfeita distinção das funções. É indispen-
classificação, além de arbitrária, implica, desde logo, três consequências. A pri- sável, quanto a estes, proceder-se a uma segunda tarefa, a de estabelecer os
meira, de impor a adoção de um sistema dualista, isto é, de que os bens possam princípios normativos de sua própria limitação.
ter origem tanto na órbita individual, quanto coletiva ou estatal, conforme sua
funcionalidade. A segunda, de incrementar um estado de proteção simbólica A percepção de um bem jurídico passa, portanto, por duas fases se-
desses bens, principalmente quando se trate dos chamados bens coletivos. A quenciais. A primeira, de corresponder ao processo de redução individual.
terceira, de tornar obscuras suas propriedades, o que reforça sua confusão com A segunda, de elencar suas características ou propriedades e de dispor acerca
as funções, à medida que estas passem a ser interpretadas como interesses do dos princípios normativos de sua delimitação.
Estado ou da comunidade em certa organização ou status. Significativa desta No caminho da primeira sequência, só poderá ser reconhecido como bem
jurídico o que possa ser reduzido a um ente próprio da pessoa humana, quer
449. MOCCIA, Sergio. “De la tutela de bienes a la tutela de funciones: entre ilusiones postmodernas y reflu- dizer, para ser tomado como bem jurídico será preciso que determinado valor
jos iliberales”, in Política criminal y nuevo derecho penal, Barcelona, 1997, p. 133. possa implicar, direta ou indiretamente, um objeto de preferência individual,
450. Observando as dificuldades para situar os bens jurídicos nos delitos econômicos, bem ressaltam BAJO
FERNANDEZ, Miguel e BACIGALUPO, Silvina que, nos delitos fiscais, por exemplo, o bem jurídico independentemente de se esse dado corresponde a uma pessoa determinada ou
é constituído do patrimônio ou erário público e não da simples função de arrecadar (Derecho Penal
Econômico, Madrid, 2001, p. 218). a um grupo de pessoas indistinguíveis. Por exemplo, a incolumidade pública,
230 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 231

para assegurar sua qualidade de bem jurídico, não pode ser vista dentro do como tipo de delito, porque lhe falta a lesão de bem jurídico.
contexto da ordem pública, mas na de um estado de estabilidade da pessoa Na segunda sequência, tem-se que estabelecer aquilo que constitua as
humana, sentida dentro de um grupo social ainda que indeterminado, frente a propriedades essenciais de um bem jurídico e elencar os princípios normati-
perigos para a sua vida, saúde e ao seu patrimônio. Dessa forma, não pode ser vos que devam incidir sobre essas propriedades para delimitar-lhes o alcance
integrado no âmbito da incolumidade pública o simples controle do tráfego de e precisar-lhes o conteúdo.
veículos, mas só a situação concreta de perigo ou de dano para a vida, a saúde
ou o patrimônio das pessoas, ainda que não identificáveis, decorrentes de ações Já se assinalou que uma das características do bem jurídico deve ser
desenvolvidas naquelas atividades controladas. Se não se puderem reduzir os sua universalidade e substancialidade, isto é, sua subsistência como valor,
dados dessa atividade controlada a situações concretas de perigo ou de dano decorrente de juízo de preferência da pessoa, independentemente de uma
à vida, à saúde ou ao patrimônio de pessoas, não se estará diante de um bem relação. Isto não obsta, está claro, que na maioria das vezes estejam os pró-
jurídico, mas sim de uma verdadeira e simples função. Ao discutir-se, portanto, prios bens jurídicos vinculados a muitas formas de relações, que lhes dão os
acerca da chamada incolumidade pública, deve-se proceder à sua redução às contornos e lhes delimitam o âmbito de atuação, nem que algumas relações
condições de preferência e referência de uma pessoa quanto à estabilidade de vitais possam ser enquadradas como bens jurídicos, desde que possuam esse
seus bens relacionados à vida, à saúde, à integridade física e ao patrimônio, que caráter de universalidade. A liberdade, por exemplo, pode ser compreendida
se vejam ameaçado por perigos concretos. tanto como um valor intrínseco ou imanente da pessoa, quanto como uma
relação vital, quando vista sob o ângulo da convivência dessa mesma pessoa.
O mesmo se pode dizer, por exemplo, do meio ambiente ou das rela-
Neste caso, a relação de convivência delimita os contornos do exercício dessa
ções de consumo. Para ser tomado no sentido de bem jurídico, deve o meio
liberdade e a transforma em um dado significativo da existência coletiva, que
ambiente e seus elementos, como o solo, a água, o ar e demais condições
deixa de ser uma simples referência imaginária ou simbólica (afinal, o que
naturais, serem entendidos como aquele espaço ou condições vitais, que se
é a existência coletiva?), para se constituir em uma projeção real da pessoa.
caracterizam como bens essenciais da pessoa humana e de sua vida de relação
para com outras pessoas e com a natureza, e não como bem por si mesmo, Percebendo a necessidade de o bem jurídico possuir uma determinada
protegido e sufragado como interesse exclusivo do Estado e de seu poder substancialidade e não ser simplesmente inferido de um dado normativo,
de controle. Por sua vez, as relações de consumo não valem como simples JÄGER e ROXIN ressaltaram, já há alguns anos, por ocasião das respec-
relações, mas como projeção de direitos individuais à informação acerca dos tivas teses de cátedra, o seu caráter de objeto valorado, isto é, vinculado
produtos de seu uso e consumo por parte das pessoas que nelas se encontram. a um juízo de valor e suscetível de alteração no mundo exterior.451 Com
isso, descartaram da noção de bem jurídico, como objeto de proteção da
À medida que esses bens, ditos coletivos, devam ser, em qualquer caso,
norma, situações referentes à moralidade pública, aos bons costumes, ao bem
reduzidos a bens pessoais, será possível evitar incriminações aleatórias, de
comum, ao sentimento do povo e outras semelhantes. Apesar de trabalharem
simples proteção a funções. Seria, pois, incompatível com o sistema dessa
com a exigência de substancialidade no conceito de bem jurídico, JÄGER e
redução e com os princípios de um direito penal de garantia, a incriminação
ROXIN não o vincularam, necessariamente, à condição de objeto sensível,
de ações, por exemplo, de frequentar determinada praia, sob o pretexto de,
quer dizer, não o condicionaram a uma coisa, somente cognoscível pelos
com isso, evitar um acúmulo de pessoas no local e disciplinar seu tráfego,
sentidos, mas sim a um dado real, da vida material ou espiritual, capaz de
com vistas a um perigo de contaminação ambiental. Tal incriminação não
ser lesado por uma conduta humana. Diante dessa postura, flexibilizaram
teria por base a lesão de bem jurídico, mas a simples função de controle
sua crítica e abriram a possibilidade de ampliar o elenco dos bens jurídicos
ambiental, pois não se pode deduzir daí que essa proibição tivesse como
e, assim, permitir que nele fossem incluídos tanto objetos sensíveis, como
pressuposto a lesão ou o perigo concreto de lesão a um bem da pessoa e de
sua vida de relação. Quer dizer, então, que o controle de acesso à praia pode
451. JÄGER, Herbert. Strafgesetzgebung und Rechtsgüterschutz bei Sittlichkeitsdelikten, Stuttgart, 1957, p.
ser exercido como ato administrativo, mas jamais na forma de incriminação, 13 e ss.; ROXIN, Claus. Täterschaft und Tatherrschaft, 6ª edição, Berlin, p. 413.
232 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 233

a vida, a integridade corporal e o patrimônio, quanto estados, situações e processo de construção valorativa.454 Esse processo, no entanto, não implica
funções. Independentemente das consequências de sua flexibilização, esta situar os bens jurídicos dentro de um esquema puramente axiológico, ou fazê-los
postura representa, em todo caso, uma importante delimitação do conceito derivar da ordem jurídica. Ao contrário, a construção valorativa do bem jurídi-
de bem jurídico, a partir de um procedimento no qual seu reconhecimen- co, como dado do ser, significa orientar sua cognição ao propósito de submeter
to fica condicionado à sua capacidade de sofrer uma alteração real em sua suas conclusões a uma contraprova, quer dizer, o processo de cognição deve estar
constituição. A grande questão, entretanto, está situada, como bem pondera subordinado, antes de tudo, a um juízo de refutabilidade, correspondente aos
WOHLERS, em determinar os limites dessa substancialidade, isto é, em preceitos de um Estado democrático, fundado na mais absoluta transparência
determinar até que ponto pode o bem jurídico se afastar de sua expressão de seus objetivos. Com isso, só será caracterizado como bem jurídico aquilo
sensível e se espiritualizar.452 A resposta adequada a esta questão é o grande que possa ser concretamente lesado ou posto concretamente em perigo, mas
desafio a ser enfrentado pela dogmática penal. de tal modo que a afirmação dessa lesão ou desse perigo seja suscetível de um
Exaurindo o conteúdo dessa questão, podemos dizer que a caracte- procedimento de contestação. No âmbito dos estreitos limites do injusto penal,
rística de universalidade e substancialidade, conferida aos bens jurídicos, não basta para caracterizar, assim, um valor como bem jurídico, que ele possa
não pode ser, simplesmente, inferida de um procedimento denotativo, mas ser reduzido, direta ou indiretamente, à sua característica de pessoalidade, isto
conotativo. Isto implica considerar, como o faz WITTGENSTEIN relati- é, que interesse, antes de tudo, à pessoa humana. É preciso que esse valor apre-
vamente ao significado das palavras e das frases,453 que o significado do bem sente, ademais, substancialidade, de forma a fundamentar um procedimento
jurídico, conforme essas duas características (que seriam, portanto, tomadas de demonstração de que tenha sido lesado ou posto em perigo. Justamente, a
como se fossem partes constitutivas de uma frase), não está subordinado à possibilidade deste procedimento é que assinala um limite normativo (a regra
sua logicidade, mas, sim, ao contexto de garantia e de limitação de poder do jogo de WITTGENSTEIN) à questão da espiritualização do bem jurídico.
de um Estado democrático. Consoante este contexto (a modalidade de jogo
(ee) As funções, os bens jurídicos e o injusto
de linguagem que lhe corresponde, na expressão de WITTGENSTEIN), a
identificação do bem jurídico deve orientar-se, assim, em dois sentidos. No setor do injusto, por isso mesmo, as funções não podem ser havidas
como pressupostos indeclináveis da incriminação ou objetos de proteção,
O primeiro sentido é o de que o bem jurídico não pode perder, direta ou
porque carecem de substância e não podem se submeter a qualquer exame,
indiretamente, sua referência a um dado do ser, isto é, sua existência como tal
ou demonstração ou de refutação empírica, de que tenham sido lesadas ou
deve preceder suas características normativas. Por exemplo, a vida humana tem
postas em perigo. A importância de uma função de controle, portanto, só se
existência real, independentemente de sua consideração normativa. O mesmo
manifesta nas relações havidas nos atos de sua decisão, pelas quais se possa
se passa com a liberdade, com a honra e com o patrimônio, este último tomado,
identificar o respectivo bem jurídico. É justamente com esse propósito que
em sua origem, como um conjunto de relações de disponibilidade, antes de
se estabelecem as funções do tipo, referentes aos seus fins sistemáticos, po-
se constituir em uma relação jurídica de domínio. O segundo sentido é o de
lítico-criminais e dogmáticos, todos imbricados no complexo da linguagem
que a consideração do bem jurídico, como dado do ser, ainda que preceda,
pela qual se expressa a proibição, que tem, como consequência, a efetiva lesão
logicamente, seu enfoque normativo, não pode dele prescindir. Justamente este
ou o perigo de lesão a um bem jurídico. Da delimitação das zonas do lícito e
sentido é que assinala o processo conotativo de sua identificação. Tem razão,
do ilícito, da qual decorre a proibição ou a imposição de condutas, segue-se
assim, WOHLERS, ao invocar o ensinamento de LÜDERSSEN, de assinalar
a função dos respectivos bens jurídicos, como instrumentos de referência
a incorreção daqueles posicionamentos que buscam incutir a ideia de que o
dessa delimitação. A exigência, portanto, de que esses bens venham de fato a
ser, como tal, possa se tornar conhecido objetivamente, sem submeter-se a um
sofrer uma lesão ou um perigo concreto de lesão, aferidas essas consequências
452. WOHLERS, Wolfgang. Deliktstypen des Präventionsstrafrechts – zur Dogmatik “moderner” Gefähr-
dungsdelikte, Berlin, 2000, p. 225. 454. WOHLERS, Wolfgang. (Nota 452), p. 232; LÜDERSSEEN, Klaus. Genesis und Geltung in der Juris-
453. WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophische Untersuchungen, § 49. prudenz, Frankfurt am Main, 1996, p. 49.
234 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 235

no plano do real e não apenas do simbólico, constitui um impedimento es- Se, por um lado, se deve distinguir entre bem jurídico e função, por
trutural à adoção de uma política criminal destinada à proteção de funções. outro, se pode divisar, como já se assinalou anteriormente, uma função pró-
A inserção da lesão ou do perigo concreto de lesão a um bem jurídico pria ao bem jurídico, que é a de servir de elemento estrutural do injusto e, ao
como pressuposto da incriminação torna, desde logo, incompatível com um mesmo tempo, de objeto de referência da incriminação, mediante a demons-
direito penal democrático qualquer forma de elevar uma função do Estado à tração de sua lesão ou perigo de lesão. Como a identificação do bem jurídico
categoria de seu objeto de proteção penal. Por outro lado, ao tomar-se o bem se faz mediante um processo discursivo, edificado sob a norma penal, que deve
jurídico como objeto de preferência, como valor e de referência, no plano da ser, assim, absolutamente clara e expressa na linguagem construída por todos,
sua lesão ou perigo de lesão, impossibilita-se a pretensão de utilizá-lo como ins- o bem jurídico serve também aos propósitos garantistas, vinculados à prote-
trumento de proteção de funções, ou de submetê-lo hierarquicamente àquelas. ção da pessoa humana, de só admitir uma incriminação, não apenas quando
Por isso mesmo, deve ser descartado da estrutura normativa o chamado bem ocorra uma lesão ou um perigo de lesão do próprio bem jurídico, mas quando
de prestação, ou instrumental, que é representado pela disponibilidade econô- da incriminação não resulte uma dessocialização da pessoa humana. Indepen-
mico-financeira, sem a qual seria impossível a assunção das funções típicas do dentemente da sanção penal aplicável, a própria incriminação pode produzir,
Estado, como, por exemplo, a correta gestão econômica, o correto funciona- muitas vezes, um efeito dessocializador, por exemplo, quando passe a retratar
mento do sistema de arrecadação, a ordem estável da economia ou a regular como penalmente proibidas, por si sós, sem qualquer exame do dano social
percepção dos tributos. Como bem expressa MOCCIA, tomar tais bens, que daí resultante, condutas situadas no âmbito normal de relação das pessoas.
são, na verdade, funções, como objetos de tutela penal implica banalizar o con- Por exemplo, ainda que a honra constitua um bem jurídico, a incrimi-
ceito de bem jurídico.455 Na verdade, o objeto de tutela, aqui, corresponderia nação de atentados à honra não pode valer exclusivamente sob este aspecto
a uma ordem pública ideal, insuscetível de apreensão conceitual, delimitação da lesão deste bem jurídico e nada mais; é preciso que a incriminação desses
e juízo de refutabilidade. O juízo de refutabilidade é aqui referido segundo atentados não implique uma dessocialização das pessoas, no sentido de proi-
uma exigência normativa de garantia da pessoa humana, não se confundindo, bir-lhes todos os comentários sobre os demais, o que impossibilitaria a vida
por isso, ainda que tenha pontos aparentes de semelhança, com o critério de social e a sua convivência. Imagine-se como seria intolerável a vida social, se se
falseabilidade, ou falibilidade, de POPPER, que no fundo é apenas um critério proibisse, simplesmente, qualquer comentário áspero ou até mesmo desairoso
de verdade. Não se quer, na identificação do bem jurídico, conhecer a verdade, à conduta dos que exerçam autoridade, como os governantes, os parlamenta-
mas estabelecer limites negativos à sua espiritualização. res, os juízes, os membros do Ministério Público ou os funcionários.
Quanto à questão da verdade, busca-se seguir, aqui, as linhas traçadas por A exigência de uma delimitação da intervenção do Estado, igualmente
WITTGENSTEIN, no sentido de que a identificação do bem jurídico, assim no âmbito do processo de socialização, ou dessocialização, e não apenas no
como a identificação de uma realidade, deve, em todo caso, estar subordinada a âmbito causal da produção de efeitos, deflui da necessidade de situar o bem
um contexto, no qual o que menos importa é sua conclusão acerca da verdade jurídico, não apenas, agora, como objeto de preferência ou de referência,
ou da falsidade da preposição, e muito mais a exigência de que esse bem, para mas sim como instrumento de discussão da legitimidade do próprio direito
ser um bem jurídico, comporte um procedimento de demonstração de que de punir. Neste sentido é que se diz que o bem jurídico cumpre, assim, um
seja, efetivamente, lesado ou posto em perigo, e que, portanto, a afirmação papel delimitativo da incriminação e protetivo da pessoa.
dessa condição de lesividade ou perigosidade concreta possa igualmente ser Encarando essas particularidades do bem jurídico e os princípios deli-
negada, através de idêntico procedimento.456 mitativos e protetivos daí inferidos, pode-se concluir que será incompatível
com o princípio democrático qualquer incriminação que, por exemplo, uti-
455. MOCCIA, Sergio. (Nota 449), p. 121. lize a definição típica como instrumento de cobrança de dívidas públicas
456. . A exigência de elementos procedimentais, como limites do poder e do discurso de validade jurídica já
fora, inclusive, proposta de forma bastante clara por HABERMAS e outros autores, cujos parâmetros ou privadas, ou que restrinja a liberdade de expressão em proveito de um
essenciais se encontram expostos anteriormente.
236 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 237

programa político de segurança ou de manutenção de monopólios, ou que de direito subjetivo implica uma interferência sobre a própria manifestação
viole a intimidade com o propósito de assegurar a dominação de mercados, da pessoa, impedindo-a de exercer suas atividades normais por meio de uma
ou a imposição de uma política econômica globalizada, ou que regulamente conduta penalmente relevante, que é aquela conduta própria de uma pessoa
a vida privada, exigindo do sujeito o cumprimento de normas de segurança deliberativa contrária a uma norma legítima. Procedendo-se a um juízo inverso,
pessoal, mesmo sem seu consentimento. a lesão de direito subjetivo condiciona a incidência de norma criminalizadora.
Em situações dessa ordem, a eleição da função na condição de bem Nessas condições, pode-se concluir com as seguintes afirmações: a)
jurídico, como categoria pública ou estatal, sem consideração às condições do todo ato típico tem como pressuposto uma lesão ou um perigo concreto de
sujeito e seus projetos, bem como ao processo de sua dessocialização, viola os lesão de bem jurídico; b) não haverá, ademais, ato típico quando não se possa
fundamentos do Estado democrático, amparados na proteção da dignidade demonstrar uma lesão de direito subjetivo.
da pessoa humana.
(3) A AÇÃO TÍPICA
Deve-se esclarecer que todas essas condições impostas para a caracteriza-
Por outra parte, o bem jurídico só pode ser considerado violado se
ção do bem jurídico vinculam os legisladores e os julgadores. Apesar disso, em
esta violação se der na zona do ilícito. Como a norma penal é fundamen-
muitos casos, dadas as condições e exigências sociais endereçadas à proteção
talmente uma norma de conduta, porque se destina a demarcar as zonas
de diversos interesses pessoais, coletivos ou estatais, é comum que as normas
do lícito e do ilícito em relação aos sujeitos e a delimitar o poder de inter-
criminalizadoras não se consolidem sobre a lesão ou perigo de lesão de um
venção do Estado, a ação ou a omissão típica violadora de bem jurídico
bem jurídico, senão sobre funções de controle. Está claro que essas normas não
ou que produza uma lesão de direito subjetivo é sempre representada por
têm legitimidade em uma ordem jurídica democrática, mas os tribunais têm
um verbo dotado de certo sentido. A representação da ação através de um
sido recalcitrantes em caracterizá-las como inconstitucionais e usam, ao invés,
verbo demonstra, por seu turno, o sentido dinâmico da conduta típica, que
argumentos que buscam transformar a ausência de bem jurídico em condições
passa a ser operada por um sujeito determinado.
simbólicas de estabilidade normativa. Neste caso, é relevante contar também
com um recurso adicional de contestação dessas decisões. Uma vez que seja in- A vinculação do sujeito à execução da ação põe de manifesto que o
certa a presença de um bem jurídico, como pressuposto da incriminação, cabe tipo deve estar amparado também por critérios de imputação, de modo que
ainda um apelo ao conceito de lesão de direito subjetivo, como fundamento seja atribuído a alguém com base na causalidade de sua produção e ainda
para delimitar a incidência da norma criminalizadora. pelos princípios de orientação na ordem jurídica, com vistas aos propósitos
garantistas. Os critérios de imputação é que irão determinar, por seu turno,
A lesão de direito subjetivo na ordem jurídica, em função da aplicação
a divisão entre delitos dolosos e culposos e bem assim fundamentar os delitos
da norma penal, não deve ser vista como uma simples interferência no direito
omissivos, tanto próprios quanto impróprios.
de ação, como se costuma fazer no âmbito do direito privado. O direito sub-
jetivo, ainda que para os positivistas constitua mero instrumento de técnica Diversamente da postura finalista que, desde o primeiro instante da
processual, tem uma importância relevante no Estado democrático, quando manifestação volitiva, vê essa divisão como consequência necessária da con-
diga respeito ao seu exercício no mundo da vida. A partir da premissa de que figuração ôntica da ação – ação como exercício da atividade final e assim
o próprio direito, como tal, é também uma prática social, o direito subjetivo composta naturalisticamente – , a formação dos tipos dolosos, culposos e
pode ser visto como aquele que se reconhece à pessoa de poder participar dessa omissivos não pode ser retirada de um processo natural, senão dos critérios
prática social. O direito subjetivo, portanto, não se resume a ser um direito de imputação derivados da estrutura de demarcação das zonas do lícito e do
de exigir de outrem uma prestação com base em uma norma objetiva, mas, ilícito e da relação entre as modalidades de conduta e os seus efeitos lesivos
fundamentalmente, o de conferir à pessoa o poder de ser um componente da ou perigosos aos bens jurídicos.
ordem jurídica, como integrante do mundo da vida. Nesse sentido, a lesão A questão não está, como afirmamos em trabalho anteriormente
238 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 239

publicado, na esteira da teoria finalista, em determinar-se a gradação do in- (4) O OBJETO DA AÇÃO E OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS
justo a partir do conteúdo da ação, no plano ontológico.457 Naquela ocasião, Tendo em vista as características das ações típicas dentro de um pro-
embora tivéssemos em conta que a distinção entre dolo e culpa só pudesse ser cesso de imputação, vêm elas quase sempre referidas a um objeto, que pode
realizada dentro da estrutura do injusto, ainda o configurávamos como uma ser representado por uma pessoa, uma coisa, ou um ente abstrato. Mesmos
avaliação jurídica incidente sobre uma conduta finalisticamente orientada. nos tipos que não possuem objeto da ação, como por exemplo, o crime
Ainda que se possa, inclusive, admitir, como o faz, por exemplo, no de reingresso de estrangeiro expulso (art. 338) ou o crime de falsidade em
âmbito da filosofia, JANISCH, que a conduta se edifique sobre uma base prejuízo da nacionalização de sociedade (art. 311) e cuja incriminação não
final, isto é, se constitua do meio para alcançar determinado objetivo,458 o tem em vista a produção de efeitos sensíveis sobre determinado objeto, quer
importante na elaboração de uma estrutura normativa no âmbito do injusto material quer imaterial, mas sim, exclusivamente, a atividade do agente como
é que a distinção entre tipos dolosos, culposos ou omissivos se processe como tal, não se exclui a necessidade da formulação do juízo de imputação objetiva,
efeito de uma imputação orientada pela gravidade de lesão ou de perigo de porque igualmente estão eles submetidos a princípios de garantia e devem
lesão ao bem jurídico. Neste caso, os delitos dolosos e culposos não podem estar relacionados ao agente como obra sua.
ser diferenciados nem sobre uma base naturalística nem sobre uma base de Por outro lado, quando alguns tipos, além da ação e seu objeto,
pura e simples infração à norma, que estaria sendo, então, enunciada como descrevam outras circunstâncias complementares que assinalam suas carac-
instrumento de proteção e não como critério delimitador. terísticas como ação proibida, isto é, a norma somente proíbe as condutas
O grande problema que todas as teorias enfrentam é justamente este, nela descritas, quando se encontrem associadas a essas circunstâncias, de-
de tratar a proibição normativa como instrumento de proteção de bem jurí- ve-se entender que o injusto, nesses casos, encontra-se condicionado às
dico e não sobre a base de sua lesão. Com isso, podem justificar, como o faz chamadas situações típicas que, em face de serem circunstâncias acessórias,
JAKOBS, por exemplo, primeiramente, a eliminação do próprio conceito devem ser entendidas restritivamente. Se o legislador só admite que a ação
de bem jurídico, que pode ser até mesmo a estabilidade do sistema, depois, se torne proibida quando associada a essas circunstâncias, significa que
que a incriminação tenha apoio exclusivamente na decisão antijurídica do a ação por si mesma não ingressa na zona do ilícito ou quando o faz, se
sujeito e, finalmente, por isso mesmo, que possam ser criados sem maiores apresenta dentro de certo grau inferior de gravidade.
problemas delitos de perigo abstrato, sempre que necessário para organizar Portanto, a configuração da situação complementar ou se encontra
determinado setor normatizado da conduta.459 nos limites extremos da intervenção estatal ou em uma posição propor-
A configuração da ação típica, para que o tipo desempenha realmente cionalmente inferior àquela ocupada pela ação originária. Assim, qualquer
uma função de garantia, precisa se ajustar não apenas à sua definição legal, ampliação de seu conteúdo irá inevitavelmente transportar a conduta para
senão também aos substratos empíricos que dão base à incriminação. A ação além do que inicialmente se havia delineado como proibido ou a avaliá-la
típica, como espécie legal de uma conduta performática, deve ser idônea a em grau proporcionalmente maior. Nestes casos, a interpretação extensiva é
fundar um processo de imputação, de modo que implique a criação ou um evidentemente abusiva.
aumento do risco de produção de um resultado proibido. Como esse pro- Por exemplo, no peculato, a indicação do autor do crime significa que
cesso de imputação está fundado em dados materiais, não basta, assim, que a norma delimita o círculo de seus autores, só podendo o delito ser praticado
a conduta seja simplesmente proibida. Ao contrário, deve ser proibida em por funcionário público, cujo conceito deve ser interpretado restritivamente
face precisamente do risco que cria para o resultado. nos exatos contornos referidos no art. 327. O mesmo se dá nos demais crimes
funcionais, como a corrupção passiva, a prevaricação, o emprego irregular de
457. TAVARES, Juarez. Direito Penal da Negligência, S. Paulo, 1985, p. 114 et seq. verbas e rendas públicas, e outros, devendo-se salientar que, em alguns deles,
458. JANISCH, Peter. “Zwischen natürlichen Disposition und kultürlicher Lebensbewältigung”, p. 384.
459. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, p. 172. outras circunstâncias podem particularizar ainda mais a conduta proibida,
240 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 241

limitando o alcance do tipo (como ocorre com a prevaricação). No infan- método são os tipos do homicídio e do furto, nos quais, respectivamen-
ticídio, além da referência indireta ao autor, há indicação da vítima e do te, se descrevem clara e concisamente as condutas proibidas, como “matar
tempo em que a ação é praticada, demonstrando que a delimitação normativa alguém”(art. 121) e “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”
quanto à proibição da conduta abrange não apenas o sujeito ativo, mas o (art. 155). Nem sempre, porém, vigora o método descritivo. Em inúmeras
sujeito passivo e o espaço temporal da realização da ação. No ato obsceno, disposições penais, opera-se um método valorativo, pelo qual se identificam
a norma impõe a condição do lugar em que é cometida a ação, quer dizer, os elementos típicos, como se verá mais adiante.
só se proíbe o ato se houver publicidade ou possibilidade de que possa ser
(5) AS CARACTERÍSTICAS DO TIPO
presenciado. Na epidemia, assinala-se que a ação típica deve ser executada
de certo modo, isto é, mediante a propagação dos germens patogênicos. Se Muitas vezes, o legislador, tendo em vista as particularidades da conduta
a epidemia resultar de outra forma, por exemplo, de uma alteração genética proibida, que varia extremamente no caso concreto e que, por isso, não pode
que implique uma baixa de imunidade, inexiste o tipo. No homicídio, a ser exprimida exaustivamente através de um processo descritivo completo, usa
ação torna-se qualificada e, portanto, implica maior reprovação pela ordem fórmulas sintéticas, deixando que o intérprete as complemente caso a caso.
jurídica, quando são empregados certos meios. Se o meio usado não puder ser Por exemplo, no crime de aborto, cuja conduta é descrita como “pro-
caracterizado como insidioso, cruel ou causador de perigo comum, tratar-se-á vocar aborto” (arts. 124, 125 e 126), sem indicar acerca da interrupção da
de homicídio simples e não de homicídio qualificado. gravidez ou da morte do feto; no crime de injúria, que se resume em “injuriar
Note-se que em todas essas inserções de elementos modais do tipo se alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro” (art. 140), sem referência ao
processa uma alteração das características e da gravidade da ação proibida, que constitua, afinal, essa atividade de injuriar. O mesmo se dá, em profusão,
daí a imposição de que devam ser vistas nos limites exatos da definição nos crimes culposos, cujo tipo, salvo raras exceções (p. ex., na receptação
legal. Quando se trate, assim, de características que ensejam uma interpreta- culposa, art. 180 § 1º), não vem descrito expressamente na lei penal.
ção analógica, como no caso citado do homicídio qualificado, os elementos Embora essas fórmulas sintéticas sejam correntes em todas as leis
complementados interpretativamente devem estar em harmonia com o con- penais, seu uso evidentemente implica violação do princípio da legalidade.
ceito-padrão normativo indicado, por exemplo, meio insidioso ou cruel, Na análise dessas fórmulas, que são acolhidas acriticamente pela doutrina,
sendo abusiva uma criação que se desvincule desse conceito-padrão e se que delas apenas se vale como forma de exposição, é imprescindível uma
oriente pela finalidade protetiva da norma. Nesse sentido, será absolutamente tomada de posição semiológica, quer dizer, esses elementos devem ser vistos
abusiva a decisão que considerar arma de brinquedo como se fora arma, ou na sua dimensão política dentro do discurso que fundamenta e que quer
equiparar um punhal a uma arma de fogo, para o efeito de caracterizar o tipo legitimar o poder de punir.
agravado do crime de roubo (art. 157, § 2º, I).460 Aqui tem lugar a observação absolutamente pertinente de WARAT de
Em decorrência da sua função político-criminal, que se ocupa da garan- que “o discurso, em uma aproximação inicial, pode ser definido por contra-
tia da manutenção de um Estado democrático, através da elaboração clara e posição ao enunciado. O enunciado é uma sequência de frases, vistas a partir
precisa das normas de conduta que devam ser destinadas a todos os cidadãos de um ponto de vista estático e determinadas pela comprovação de dois bran-
e do processo de comunicação que se instaura entre estas normas e os sujei- cos comunicacionais”. Por outro lado, “o discurso é o enunciado analisado
tos, o tipo submete-se a determinados métodos semânticos de elaboração. no processo de sua enunciação, o que indica que ele apenas pode ser visto
Geralmente, o método mais usual, em razão de sua clareza e simplicidade, é o teoricamente com relação ao que determina”, implicando considerar que “...a
método descritivo, através do qual o legislador tem em vista traçar uma divisão semiologia tende a analisá-los de forma indevida, quando propõe abordá-los a
entre as condutas proibidas e as atividades lícitas. Exemplos marcantes desse partir dos princípios extraídos da própria linguística e, principalmente, quando
460. Com inúmeras indicações: BATISTA, Weber Martins. O Furto e o Roubo no Direito e no Processo pretende uma análise imanente do discurso, da qual se quer deduzir a sua
Penal. Doutrina e Jurisprudência, Rio de Janeiro, 1987, p. 231 et seq.
242 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 243

interpretação, a sua função e os seus mecanismos de inserção no social”.461 “recém-nascido” (art. 134), “vulnerável” (art. 217-A).
As fórmulas sintéticas indicam que o legislador não está suficientemen- Na verdade, a doutrina tem hesitado em admitir a existência de elemen-
te convencido de como irá tipificar determinada conduta, mas, assim mesmo, tos puramente descritivos, porque entende que, no fundo, todas as expressões
o faz como exercício puro e simples do poder. Como a norma penal é norma usadas nos tipos comportam uma interpretação, mesmo aquelas mais ele-
de conduta, será preciso que essas fórmulas sintéticas reproduzam exatamente mentares.463 Assim, no homicídio, no qual ninguém duvida do que seja
o que se tem em vista com o discurso legislativo, isto é, não deixem dúvidas uma pessoa viva que assinala o conceito de “alguém”, diante da sua própria
do que se quis proibir. Assim, só será permitido o seu uso, em último caso característica e dos progressos da medicina, não existe certeza na decisão
e desde que a conduta proibida, em face do conhecimento que dela possui de afirmar a partir de que momento se pode considerá-la já como pessoa e
a comunidade, por força da experiência de vida ou da constante e reiterada não apenas como feto ou até que momento se pode dizer que ainda estará
observação, se mostre como substancialmente clara. Esta exigência, portanto, viva ou já morrera. O mesmo ocorre com a ação de “subtrair”, no furto, no
se destina, em primeiro plano, ao legislador. Ao julgador, cumpre de qualquer qual o significado original no sentido de “tirar” foi substituído, através da
modo verificar se no caso concreto, em face ainda dos preceitos referentes interpretação, por um ato mais complexo, de “romper a posse” ou violar “o
aos direitos fundamentais, esta norma traça efetivamente, em relação ao seu poder de disposição e vigilância de alguém” sobre a coisa.
contexto, os limites precisos da intervenção estatal, podendo, caso contrário, De qualquer modo, a diferenciação entre elementos descritivos e nor-
declarar a sua atipicidade por invalidade. mativos será dogmaticamente importante à medida que sirva para delimitar
Na descrição da conduta proibida, costuma-se distinguir entre elemen- o início de execução ou a consumação do delito, os elementos do dolo e seu
tos descritivos e elementos normativos. Não há, porém, uma distinção nítida e alcance, bem como na identificação das espécies de erro de tipo e de proi-
absoluta entre eles. Pode-se, no entanto, denominar de elementos descritivos bição. A existência das características de normatividade assumida, inclusive,
aqueles conceitos que, para a sua configuração, independem da atuação ou da em tipos aparentemente descritivos, como o homicídio, demonstra de forma
influência da vontade do agente ou de juízos de valor. São elementos descri- inequívoca a viabilidade de uma teoria dialética do injusto.
tivos, por exemplo, os conceitos de “matar” (art. 121), “subtrair” (art. 155), Assim, por exemplo, no homicídio, a noção de morte é decisiva para
“ofender” (art. 129), “destruir” (art. 163), “alguém” (art. 121), “coisa” (art. a fixação do seu momento consumativo. Independentemente das conside-
155), cuja apreensão de significado é acessível a todos. Por sua vez, os elemen- rações médico-legais acerca da demonstração de sua concreta ocorrência, a
tos normativos exigem, para sua compreensão, um juízo de valor, com base noção de morte não está assentada na norma penal, que remete sua decisão à
em circunstâncias ou indicações situadas geralmente fora da norma penal. norma administrativa, quer dizer, aos parâmetros previstos nos regulamentos
Os elementos normativos se apresentam no tipo através de duas formas: ou dos conselhos de medicina, que instruem acerca das autorizações relativas
de modo expresso ou de modo tácito,462 conforme seu significado remeta a transplantes de órgãos. Aqui, portanto, a própria tipificação da conduta
necessariamente a outros conceitos ou implique uma própria elucidação de como homicídio está na dependência de elementos de uma norma permis-
seu conteúdo. Assim, são exemplos de elementos normativos expressos os siva, de modo que, neste caso, ninguém pode assegurar que o tipo constitua
conceitos de “alheia” (art. 155), “garantia pignoratícia” (art. 171 § 2º III), um indício de antijuridicidade.
“fatura” e “duplicata” (art. 172), “warrant” (art. 178), “documento” (art.
297). São elementos normativos tácitos os representados pelas ações de “frau- Tendo em vista que a ação proibida se projeta materialmente no mundo
dar” (art. 179), “poluir” (art. 271), “falsificar” (art. 297), “usurpar” (art. 328), social não apenas como ato, mas também como efeito, esta particularidade
“fazer justiça” (art. 345), ou pelos objetos “aborto” (arts. 124, 125, 126),
463. BAUMANN, Jürgen / WEBER, Ulrich. Strafrecht, Allgemeiner Teil, 9ª edição, 1985, p. 129; DOPSLA-
FF, Ulrich . “Plädoyer für einen Verzicht auf die Unterscheidung in deskriptive und normative Tatbes-
tandsmerkmale”, in Goltdammer‘s Archiv für Strafrecht, 1987, p. 1; ENGISCH, Karl. “Die normativen
461. WARAT, Luiz Alberto. O Direito e sua Linguagem, Porto Alegre, 2ª edição, Porto Alegre, 1995, 82/83. Tatbestandselemente”, in Festschrift für Edmund Mezger, 1954, p. 142; STRATENWERTH, Günther.
462. MAURACH/ZIPF. Strafrecht, AT, I, p. 292. Strafrecht, Allgemeiner Teil, I, 3ª edição, p. 96.
244 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 245

deve também ser incorporada ao tipo. A doutrina tem admitido a existência de o sono ou a tranquilidade da vítima ou que se traduza em perigo atual.
tipos de resultado e de tipos de mera atividade. Há tipos, assim, que preveem A classificação de crimes de resultado e crimes de mera atividade decor-
expressamente um resultado natural; outros o pressupõem, como decorrência re de uma visão puramente causal do tipo, própria do positivismo, e ainda
da ação desenvolvida pelo agente e ainda uma outra categoria de tipos que não dominante nos autores contemporâneos. Quando se tratou, atrás, das bases
preveem qualquer resultado, bastando a realização da conduta. Assim, no crime de sustentação do injusto, ficou bastante clara a conclusão de que todo injus-
de estelionato, o resultado – “vantagem ilícita e prejuízo alheio” – vem previsto to deve estar referenciado a um resultado de dano, ou melhor, todo injusto só
expressamente na descrição do fato; já no crime de furto, o resultado constitui pode subsistir em face de uma alteração sensível da realidade. Isto por duas
um elemento não-escrito do tipo, derivado da ação de subtrair, que tem como razões básicas: a) todo injusto deve implicar uma lesão ou um perigo concreto
efeito o desapossamento da vítima em relação a determinada coisa e no crime de lesão do bem jurídico; b) todo injusto está inserido em um contexto ao
de exercício ilegal da medicina, o resultado seria irrelevante. qual se vincula uma pessoa deliberativa, ou seja, aquela pessoa que detém
(6) O RESULTADO TÍPICO a capacidade de proceder a uma avaliação da norma criminalizadora e pela
qual pode discutir sua legitimidade e orientar sua conduta. Em face disso,
A referência a delitos de resultado e de mera atividade, além de critérios
pode-se dizer que todo delito possui resultado.464
puramente classificatórios, suscita igualmente uma questão de conteúdo de
injusto, cujo perfeito equacionamento está na dependência de sua correta sis- Caso o injusto viesse a se exaurir na própria realização da ação típica,
tematização. A matéria comporta aqui dois enfoques: um conceitual e outro não seria possível proceder-se à sua avaliação em face da lesão ou do perigo
material. No primeiro enfoque, importa verificar se é possível distinguir na ao bem jurídico e nem se destinar a servir de dado de orientação da conduta
construção do tipo entre delitos de resultado e de mera atividade. No segundo dos destinatários da norma. Nesse sentido, todo tipo de injusto possui um
enfoque, segue-se analisar que papel esta diferenciação desempenha na estru- resultado de dano ou de perigo concreto ao bem jurídico. Como a crimina-
tura do injusto, uma vez assentada a premissa acerca da existência de delitos de lização de condutas tem como pressuposto esse resultado, por força de sua
resultado. Por ora, cabe unicamente tratar do primeiro enfoque. O segundo en- vinculação à afetação do bem jurídico, mostram-se completamente superadas
foque será analisado quando se discutir acerca do conteúdo da antijuridicidade. as antigas classificações que se amparam unicamente nos dados empíricos
centrados na causalidade.
Podemos conceituar delitos de resultado como aqueles nos quais se pode
separar nitidamente, no plano natural de espaço e tempo, entre a ação e o Por outro lado, tampouco se afigura correta a divisão feita, normalmen-
seu efeito. O efeito dessa ação, caracterizado material e naturalisticamente te, pelos doutrinadores nacionais entre delitos de mera atividade e delitos
como resultado, tanto pode ser representado por uma lesão sobre o objeto da formais, pela qual se afirma que nos delitos formais há um resultado de
ação, quanto por situação de perigo concreto, como ocorre, por exemplo, na perigo, como na ameaça, ou um resultado imaterial, como na injúria. Essa
epidemia, na qual a ação consiste em propagar germes patogênicos e o resul- classificação, inclusive, nem corresponde à referida classificação em delitos
tado será o perigo para a vida, a integridade física ou a saúde de um número de resultado e de mera atividade, a qual não estava vinculada à caracterização
indeterminado de pessoas, que podem concretamente sofrer a contaminação. de resultados de dano ou de perigo, ou à circunstância particularíssima de o
legislador se contentar com um simples resultado de perigo, dentro de um
Já os delitos de mera atividade não possibilitam essa separação espaço-tem-
contexto de delito de dano. O importante para aquela classificação seria a
poral entre ação e resultado, porque este se esgota naquela. Isto se daria, por
perfeita identificação do resultado naturalístico, que deve ser entendido como
exemplo, na injúria, em que a conduta criminosa prescinde de que a vítima
uma alteração sobre o objeto da ação.
tenha verdadeiramente se sentido afetada com a ofensa; no falso testemunho,
para o qual é também irrelevante que a mentira proferida pela testemunha Ademais, desde que se considere que a própria ação típica tem que ser
tenha influído na decisão da causa; na ameaça, em que não se faz necessário exa-
464. JOFFILY, Tiago. O resultado como fundamento do injusto penal, Florianópolis: Empório, 2016, p. 197
minar se efetivamente o mal que se prometeu realizar tenha ou não perturbado e ss.
246 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 247

idônea para produzir um risco à ocorrência do resultado, pode-se dizer que atividade do agente de se opor ao exercício de uma opção sexual da vítima,465
todo delito pressupõe um resultado, que pode ser real ou potencial. A altera- quanto pela efetiva violação dessa liberdade, que por ser um bem jurídico
ção sensível da realidade, na forma de uma alteração material ou substancial imaterial não comporta uma conclusão empírica acerca de sua lesão, como se
do objeto da ação, como no homicídio, no qual a vítima sofre uma lesão dá, por exemplo, com o patrimônio. Há tipos que são nitidamente de resul-
irreversível, caracterizadora da morte, quanto na forma de um quadro de pro- tado, mas que, dependendo da atividade praticada, podem ser confundidos
babilidade dessa alteração substancial, como nos delitos de perigo concreto, com delitos de mera atividade, porque interligam o resultado à própria ação,
está subordinada, em termos de injusto, a um processo de imputação, pelo como ocorre com a lesão corporal, na qual em determinadas circunstâncias o
qual se reconhece a produção de risco ao bem jurídico. resultado não pode ser identificado imediatamente ou só possa ser verificado
O delito de injúria, por exemplo, só se consuma quando a ofensa tenha ou se produza mais tarde (em exemplo de ROXIN, em que alguém desfere em
chegado ao conhecimento da vítima. Nesse momento se lesa o bem jurídico outrem uma bofetada, sem um efeito sensível imediato). Também há tipos nos
que é a dignidade da pessoa e, portanto, justamente nesse momento se estará quais o resultado não está expresso, mas constitui seu elemento não escrito,
produzindo um resultado tanto empírico, baseado na notícia do fato deson- inferido de uma relação associativa e não de mera estrutura sintagmática, como
roso, quanto jurídico, de lesão de bem jurídico. A injúria é um delito em no furto, no qual o processo de subtração só terá sentido se confrontado com
que a conduta se desdobra em duas fases determinadas por um processo de a lesão do poder de disposição do titular da coisa.
interpretação, com vistas a critérios de atribuição: em uma primeira fase, se Em decorrência das incertezas presenciadas no âmbito da causalidade,
dá a emissão da ofensa; em uma outra fase, ocorre o conhecimento da ofensa por um lado e por razões puramente dogmáticas, de outro, passou-se desde
por parte da vítima. O conhecimento da ofensa, na verdade, não representa MEZGER a contestar a importância prática da distinção entre delitos de
um perigo para o bem jurídico, mas um dano a esse bem jurídico. A injúria resultado e de mera atividade, quando o principal trunfo seria proporcionar
não é delito de perigo, é delito de dano. O problema da injúria não está, a perfeita diferenciação entre a ação e seu efeito material.466 Contra essa
portanto, na ocorrência de um resultado de perigo, que o legislador prevê, distinção, alinhavava MEZGER três séries de argumentos. Primeiramente,
mas despreza. O problema está no processo de atribuição, isto é, na relação entendia prescindível essa classificação para o efeito de se aplicarem as teorias
entre a atividade do agente, como modalidade de incremento do risco, e do lugar e do tempo do crime, porque isto já se havia tornado irrelevante em
a lesão produzida à dignidade, como bem jurídico. Nada há de formal na face do direito positivo. O segundo, porque, ao contrário do que propugnava
caracterização dessa atividade. Pelo contrário, a atividade de ofender deve BELING, não se poderiam catalogar os delitos de mera atividade como de-
pressupor uma capacidade própria de incrementar um risco ao bem jurídico, litos de mão-própria. O terceiro, quanto à necessidade da classificação para
que é demonstrado pelas condições do contexto em que essa atividade se se precisarem os limites do consentimento acerca da ação e do resultado,
desenvolve sobre a dignidade pessoal e no qual se engloba o conhecimento entendia que a solução deveria ser uniforme para ambos os grupos.467 Estes
da ofensa por parte da vítima. Isto não transforma a injúria em delito de são argumentos puramente dogmáticos.
resultado antecipado, ou, como dizem, em delito formal. Aliás, as próprias A questão da classificação não é importante pela classificação em si,
expressões usadas nesta distinção, de delitos materiais, formais e de mera mas por seus efeitos. Ainda que se reconheçam insuficientes e superadas as
atividade já demonstram a sua impropriedade, pois, nos delitos de perigo bases causais que a sustentavam, a classificação ainda poderia apresentar certa
concreto, por exemplo, não existe uma alteração substancial do objeto da relevância, pelo menos, por dois argumentos.
ação e nem por isso deixam de ser delitos de resultado.
Ademais, nem sempre será fácil justificar a classificação de alguns delitos
465. POTT, Christine. “Rechtsgutsgedanken versus Freiheitsverletzung. Zum Begriff des Unrechts bei der
nesse ou naquele grupo, como delitos de resultado ou de mera atividade, como Vergewaltigung nach dem 6. Strafrechtsreformgesetz”, in Kritische Vierteljahresschrift für Gesetzge-
bung und Rechtswissenschaft, Caderno 1, 1999, p. 111.
é o caso dos delitos sexuais, que tanto podem ser vistos sob o ângulo da própria 466. MEZGER, Edmund. Tratado de Derecho Penal, I, p. 175.
467. MEZGER, Edmund. Tratado de Derecho Penal, I, p. 177.
248 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 249

Primeiro, ainda que, em certos tipos, a imputação dependa das con- culposamente. No outro sentido, os delitos qualificados pelo resultado são
clusões de uma interpretação associativa incidente sobre a própria conduta constituídos de uma combinação de dolo e culpa, os denominados delitos
(como na injúria e no furto), a distinção entre delitos de mera atividade e preterdolosos. Entretanto, no Código Penal, podem ser encontradas também
de resultado possibilitaria uma aproximação de certeza para a fixação do combinações de dolo e dolo (por exemplo, as lesões graves – art. 129, § 1º e
momento exato da consumação do delito. § 2º), ou de culpa e culpa (por exemplo, o crime de desastre ferroviário cul-
Ademais, como, diferentemente de outros países, nossa legislação penal poso, com resultado de lesão ou morte culposas – art. 260, § 2º e art. 263).
atende, neste particular, ao princípio da proporcionalidade, punindo com Compreendendo-se o tipo de injusto sob o aspecto de garantia que
menor rigor o delito tentado, a identificação de um delito como de mera ati- nele se incorpora, no sentido de que tanto a ação quanto seu objeto estão
vidade ou de resultado, seria relevante em termos de garantia. Este argumento, subordinados à perfeita delimitação das zonas do lícito e do ilícito e ainda – e
contudo, não se revela importante, dado que será sempre possível identificar o isto é fundamental – projetados no mundo social com efeitos determinados
momento consumativo do delito mediante um processo teleológico de inter- de dano ou de perigo, se torna absolutamente necessária uma relação de
pretação. Se, por exemplo, no delito de injúria o pressuposto da incriminação proporcionalidade entre a avaliação do injusto decorrente da infração e a
é constituído pela lesão da dignidade, está claro que não se pode tratar de um avaliação incidente sobre seus efeitos.
delito de perigo, mas sim de delito de dano. Se é um delito de dano, eviden- Quando se trata da análise dos delitos qualificados pelo resultado, seus
temente não poderia se exaurir na simples ação de proferir palavras ofensivas, críticos têm acentuado a ideia de que com eles se estaria reproduzindo uma
senão quando essas palavras alcançassem o conhecimento da vítima. sequela do princípio medieval da responsabilidade objetiva, derivado do cri-
Segundo, ainda que a teoria da imputação objetiva tenha excluído, tério de que, uma vez realizado um ato ilícito, o agente responderia por todas
em muitos casos, o resultado e apenas se tenha dedicado exclusivamente à as suas consequências. Assim, pretendem a sua eliminação do direito penal,
ação, pela qual se fixam os parâmetros de incremento ou aumento do risco, porque incompatíveis com o princípio da culpabilidade ou da igualdade,
não pode ela descurar-se do fato de que, quando se trate de diminuição do sendo, portanto, inconstitucionais.468 Entretanto, parece que a matéria pode
risco, o ponto de orientação não é a ação, mas o resultado. E nem poderia desde logo ser decidida no âmbito do injusto. A grande controvérsia em torno
ser de outro modo, porque neste aspecto é também relevante o papel de- desses delitos se assenta precisamente em seu conteúdo de injusto.
sempenhado pelos fins protetivos da norma, os quais devem necessariamente Desde a primeira formulação do princípio versari in re illicita, passando
referir-se ao resultado e não apenas à ação. Por este argumento, então, não pela doutrina BÁRTOLI e do dolus indirectus ou da culpa dolo determinata de
se justificaria a classificação, já que todo processo de imputação pressupõe a FEUERBACH até nossos dias, a tomada de posição acerca dos delitos quali-
existência de um resultado. ficados pelo resultado pode ser resumida em dois pontos fundamentais: ou se
(7) OS DELITOS QUALIFICADOS PELO RESULTADO trata de uma unidade legislativa de fatos que se relacionam em concurso formal
ou sua construção apresenta um conteúdo próprio que os torna mais graves.
Questão mais complexa diz respeito aos chamados delitos qualificados
pelo resultado. Há que distinguir aqui duas categorias de crimes qualifica- Caso se compreendam os delitos qualificados pelo resultado como uma
dos pelo resultado. No sentido clássico, entendia-se por delito qualificado unidade jurídica de fatos dolosos e culposos em concurso formal, é imprescin-
pelo resultado, aquele delito cuja ação era dolosamente realizada, mas cujo dível que suas consequências estejam em harmonia com as demais situações
resultado mais grave era atribuído ao agente sem qualquer pressuposto de normativas, nas quais esta combinação se torne faticamente admissível. Se
que tivesse sido querido ou pelo menos fosse previsível. Este tipo de delito o tal não acontecesse, então, estar-se-ia diante de uma construção legislativa
Código Penal brasileiro não mais admite, por força do art. 19, introduzido
pela reforma de 1984, pelo qual se passou a exigir para essa responsabili- 468. ROXIN Claus. (Nota 270), p. 332; DIEZ RIPOLLES, José Luís. “Die durch eine fahrlässig herbeige-
führte schwere Tatfolge qualifizierten Delikte und das Schuldprinzip”, in ZStW 96, 1984; SCHUBART,
dade pelo resultado mais grave, pelo menos, que o agente o tenha causado Martin. “Das Problem der erfolgsqualifizierten Delikte”, in ZStW 85, 1973.
250 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 251

indevida. Esta solução fora proposta no projeto alternativo alemão de 1966 ele mesmo confessa, os fundamentos do princípio do versari in re illicita.
para os delitos contra a pessoa. A maioria da doutrina, entretanto, quer fun- Em suas origens esse pensamento remonta ao século XIII, quando a
damentar os delitos qualificados pelo resultado, como se constituíssem uma igreja objetivava punir a simples irregularidade de uma conduta para excluir
categoria própria de tipificação, na qual por circunstâncias puramente de dos ofícios religiosos os indignos, bastando que contra eles se comprovasse a
política-criminal fossem ignoradas as regras atinentes aos delitos de origem.469 produção causal de um resultado indesejável.474 Neste caso, o elemento sub-
Assim, a imputação do resultado culposo, que agrava o conteúdo de injusto, jetivo, que por tradição romana e canônica era exigível para a realização de
deverá ser apreciada exclusivamente sob o aspecto deste resultado e não da delitos, se tornava presumido com relação a este resultado mais grave, porque
relação para com a ação anterior dolosamente realizada.470 Compreendendo o elemento típico relevante estava situado na ação antecedente, cuja simples
desta forma o conteúdo de injusto destes delitos, a doutrina legitima sua irregularidade se queria punir. Para não violar o princípio in homicidio culpa
agravação reconhecendo para isso uma série de argumentos. dolo non aequiparatur, vigorante no direito penal comum, utilizou-se CAR-
A JAKOBS, por exemplo, não é de todo repugnante a ideia da respon- PZOV do recurso da doutrina BÁRTOLI, que compreendia a res illicita em
sabilidade com base no princípio do versari in re illicita, porque a lei poderia atenção à conduta que, por sua perigosa tendência, provavelmente condu-
impor consequências mais rigorosas àquele que, movendo-se, inicialmente, zisse a resultados mais graves, aliando-a à teoria do dolus generalis e do dolus
no âmbito do proibido, tivesse culposamente realizado outros resultados indirectus, de modo a edificar um outro sentido do fato doloso, pelo qual
mais graves do que aquele inicialmente projetado, o que implicaria uma re- “na vontade da causa situa-se a vontade do efeito”.475 Com isso, pretendia
construção diferenciada entre estes delitos e os fatos simplesmente culposos, CARPZOV superar problemas práticos de política criminal, principalmente
não-associados desde o início a um comportamento doloso. Esta solução quanto à dificuldade da prova e da demonstração da relação dolosa para com
– afirma ele – estaria, inclusive, legitimada por uma tipologia criminológi- o fato mais grave. Como consequência, não se tornava mais necessária uma
ca, que demonstraria uma especial gravidade para essas formas de prática relação especial entre a ação básica e o resultado; tal como na proposta pela
delituosa, o que justifica sua não-subsunção às regras do concurso formal.471 doutrina BÁRTOLI, para a incriminação bastava a demonstração da tendên-
Para JESCHECK a justificativa em prol de maior agravação reside em que cia perigosa da ação básica no sentido da produção do resultado mais grave,
este delito é fundamentalmente doloso, por isso entende que sua construção ou de qualquer relação psíquica do autor para com esse resultado. Com isso,
possa estar em sintonia com o princípio de culpabilidade, desde que o resul- o instigador responderia, sem qualquer limitação, pelos excessos do instigado,
tado mais grave seja revisado segundo a culpabilidade do fato culposo, não ainda quando sequer os tivesse admitido.476 A retomada de JAKOBS não se
bastando para isso um mero juízo de adequação entre o delito base doloso e afasta muito desta posição, apenas obra com maior rigor técnico.
o resultado mais grave culposo.472 Para BOLDT a maior punibilidade reside A outra posição, situada na potencialidade do perigo, conduz a que a
na potencialidade do perigo para lesão do bem jurídico que se desenvolve unidade legal, nesta hipótese, da ação dolosa e do resultado culposo não pode
com a prática do delito-base doloso.473 reduzir-se a uma simples relação de concurso formal.
Dessas três posições, a que mais preocupa é evidentemente a de JAKOBS, O problema, então, diz respeito a determinar basicamente se a ma-
que quer desde logo reconhecer uma diferenciação na agravação do injusto a nutenção dos delitos qualificados pelo resultado está em harmonia com
partir da decisão tomada pelo próprio agente, reeditando simplesmente, como o sistema penal aqui proposto. Antes de mais nada, é absolutamente in-
compatível com nossa tradição jurídica uma postura que erija a decisão do
469. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, p. 331; HIRSCH, Hans Joachim. “Zur Problematik des erfolgsquali- agente em elemento fundamental do conteúdo de injusto do fato. Sendo este
fizierten Delikte”, in Goltdammer’s Archiv für Strafrecht, nº 67, 1972; JESCHECK/WEIGEND. Lehr-
buch des Strafrechts, AT, p. 262; MAURACH/ZIPF. Strafrecht, AT, p. 284;
470. JESCHECK/WEIGEND. Lehrbuch des Strafrechts, AT, p. 572. 474. PEREDA, Julian. El versari in re illicita en la doctrina y en el código penal, San Sebastián, 1948, p. 69;
471. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, p. 331. SCHUBART, Martin. (Nota 468), p. 757.
472. JESCHECK/WEIGEND. Lehrbuch des Strafrechts, p. 572. 475. SCHUBART, Martin. (Nota 468), p. 759 et seq.
473. BOLDT, Gottfried. “Zur Struktur der Fahrlässigkeitstat“, in ZStW 68, p. 356. 476. SCHUBART, Martin. (Nota 468), p. 758.
252 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 253

conteúdo determinado, como ficou dito, pela efetiva lesão ou perigo de lesão será permitido e a norma penal deixa de ser uma norma de conduta, para
ao bem jurídico, materializável em determinado evento sensível, não pode ser uma norma do comportamento interior.
simplesmente reduzir-se ao seu aspecto formal de infração normativa, nem Resta observar agora a questão do conteúdo de injusto. Vamos deixar
à postura subjetiva do sujeito, porque nesse caso, não se está alicerçando o de fora os argumentos processuais – em especial, a dificuldade da prova em
injusto no sujeito, mas sim em dado simbólico desse sujeito, para o efeito relação à intenção de matar – que tanto animaram CARPZOV a elaborar uma
de assegurar a política de repressão. Diz-se dado simbólico porque, sendo teoria própria para o dolo e fixar-nos apenas no principal argumento penal da
impossível demonstrar-se a ligação subjetiva entre a conduta do sujeito e o doutrina dominante. O principal argumento reside em que o delito qualificado
resultado mais grave, é ela aqui presumida nos termos propostos por CAR- pelo resultado possui um conteúdo de injusto mais grave do que a simples com-
PZOV, como meio de indignidade ética e não jurídica. Fica, portanto, em binação de dolo e culpa, que caracterizaria uma relação de concurso formal,
discussão, a posição assumida por BOLDT, que é a que domina praticamente porque a realização do delito-base representa um incremento maior do risco
também na doutrina brasileira,477 e que considera como fundamento para a da ocorrência de um resultado mais grave. Para fundamentar esse incremento
maior punibilidade a potencialidade do perigo ao bem jurídico, decorrente são possíveis as seguintes alternativas: o resultado mais grave se relaciona com o
da prática da ação do delito-base. delito-base através do juízo de probabilidade; o delito-base, uma vez realizado,
Há evidentemente dois modos de avaliar a gravidade do injusto: ou traz em si a probabilidade nos limites da certeza de que o resultado mais grave
com base na própria conduta ou com base na cominação da pena. A avaliação ocorrerá; o delito-base constitui um meio adequado à produção do resultado
com base na conduta deve ter em conta a sua realização no mundo fenomêni- mais grave.478 Há outros argumentos trazidos à colação por HIRSCH, mas
co e seus efeitos reais e está associada à finalidade da norma. A avaliação com todos os demais orientados por razões de política criminal.
base na pena é meramente sancionatória e está associada à política criminal. Com essas alternativas, todas elas empíricas e absolutamente contestáveis
De ambas se serve a doutrina para estabelecer os fundamentos dos crimes – imagine-se uma lesão leve produzida em uma das mãos da vítima, da qual
qualificados pelo resultado. resulte a morte por infecção do ferimento, de um lado, como delito qualificado
A fim de tornar mais acessível essa análise, tomemos inicialmente como pelo resultado, e os acidentes de trânsito decorrentes de completa embriaguez
parâmetro, como faz SCHUBART com relação ao direito suíço, o delito de ao volante e homicídio culposo, de outro, em concurso formal, quando a
lesão corporal seguida de morte e, depois, o delito de latrocínio. No delito segunda relação é indiscutivelmente mais grave do que a primeira – a maior
de lesão seguida de morte a pena é de reclusão de 4 a 12 anos, enquanto no gravidade do injusto não resulta da real situação de perigo, senão de um simples
latrocínio a pena é de 20 a 30 anos. Se comparássemos com a hipótese de um princípio de imputação objetiva. Mas os princípios de imputação objetiva não
concurso formal, teríamos para o caso de lesão corporal seguida de morte a constituem fundamentos para agravar o fato. Constituem apenas elementos
pena de 1 ano e 3 meses a 4 anos de reclusão (lesão leve e homicídio culposo); para atribuir-se o fato a alguém mediante a afirmação de sua causalidade ou
no caso do latrocínio, de 2 a 7 anos de reclusão (furto e homicídio culposo) restringindo-lhe essa atribuição, notadamente conforme as regras da diminui-
ou de 5 a 13 anos de reclusão (roubo e homicídio culposo), observada a regra ção do risco. Vista a matéria sob esta perspectiva, os delitos qualificados pelo
limitativa do art. 70, parágrafo único. Já pela disparidade entre as sanções resultado só poderiam ser admitidos se constituídos com o mesmo conteúdo
possíveis, apreciadas no máximo de agravação do concurso formal, podemos de injusto dos delitos que resultassem de uma relação de concurso formal.
desde logo afirmar que se está violando o princípio de proporcionalidade, Caso contrário, violam o sistema de fundamentação do injusto penal, porque
segundo o qual para resultados danosos idênticos deve-se seguir a mesma não representam uma gravidade maior na lesão ou no perigo de lesão de bem
consequência penal, salvo se entendermos como JAKOBS que a política jurídico, único critério de aferição real dessa gravidade.479
criminal está orientada pelas decisões do sujeito. Neste último caso, tudo
478. HIRSCH, Hans-Joachim. (Nota 469), p. 69.
477. BRUNO, Aníbal. Direito Penal, vol. IV, p. 202; BITENCOURT, Cezar Roberto (Nota 306), p. 388; 479. Entendendo que esses delitos qualificados pelo resultado violam, igualmente, o princípio da culpabili-
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, S. Paulo, 1965, vol. 2, p. 372 et seq. dade, SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, Rio de Janeiro, 2000, p. 127.
254 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 255

(8) AS CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE sua vez, JESCHECK procura distinguir duas espécies de condições objetivas
Não devem ser confundidos com os delitos qualificados pelo resultado de punibilidade: próprias e impróprias. As próprias dizem respeito à funda-
aqueles outros subordinados a uma condição objetiva de punibilidade, como mentação da pena, sendo as verdadeiras condições objetivas de punibilidade,
por exemplo, o crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, no por exemplo, no acima referido crime de induzimento, instigação ou auxílio
qual a punibilidade só terá lugar quando o suicídio se consumar ou da tentativa ao suicídio, a produção do resultado de lesão grave ou morte. As impróprias
de suicídio resultar lesão corporal de natureza grave, e os crimes falimentares, constituem causas ocultas de agravação de pena, como determinados resultados
que só serão punidos quando for declarada a falência do comerciante. As con- mais graves, que não são abrangidos pelo dolo,485 por exemplo, a agravação de
dições objetivas de punibilidade têm suscitado muitas controvérsias.480 metade da pena no caso de associação criminosa (art. 288, p. único), que em
tese seria aplicável a todos os seus participantes.486
As condições objetivas de punibilidade são tidas normalmente como
elementos do fato punível situados fora do tipo de injusto, mas previstos no Tendo em conta as dificuldades decorrentes destas colocações, pretende
complexo típico como manifestação da valoração de sua punibilidade. Podem SCHMIDHÄUSER elevar essas condições objetivas de punibilidade à cate-
ser preenchidas após, ou antes, do fato, não sendo, portanto, necessariamen- goria de um quarto elemento do crime, partindo do argumento de que aqui
te, acontecimentos futuros. Estas condições representam uma particularidade se trata de elementos acessórios do fato punível, que devem estar relacionados
do conflito social desencadeado no delito e a delimitação do legislador acerca ao injusto e à culpabilidade, no sentido de fundamentar o merecimento de
de sua solução através do emprego de uma sanção penal. Muitas vezes, não pena desse fato. Curiosamente, porém, como não se referem essas condições
interessa ao legislador que determinado fato, embora típico, seja punido sim- ao tipo de injusto ou à culpabilidade, entende que não precisam, igualmente,
plesmente pelo cometimento por um agente culpado, mas somente quando ser abarcadas pelo dolo do agente, bem como não aparecem em todos os
ocorrerem resultados ou consequências específicos, que considera relevantes delitos, senão apenas em alguns deles.487
à consecução de sua política criminal. A concepção correta para a sistematização dessas condições objetivas de
Não é pacífico o entendimento acerca da posição sistemática das condi- punibilidade deve ser buscada com a mesma metodologia empregada para a
ções objetivas de punibilidade. SAX, por exemplo, as situa como verdadeiros aferição dialética do injusto penal. Inicialmente, deve-se rechaçar a bipartição
elementos do tipo.481 BEMMANN as compreende ora como pressupostos entre condições próprias e impróprias, bem como a adoção indevida de um
processuais, ora como verdadeiros elementos do tipo de injusto, asseverando quarto elemento do delito. A diferenciação entre condições próprias e im-
que neste último caso só estariam compreendidas as circunstâncias necessárias próprias só faz confundir o intérprete, pois, de qualquer modo, as agravações
ao merecimento de pena.482 A doutrina dominante, entretanto, as considera objetivas da pena, previstas em determinados delitos, independentemente
como pressupostos materiais da punibilidade, que se encontram fora do tipo do fato realizado, ou estão vinculadas à punibilidade e, assim, constituem
de injusto e da culpabilidade, mas que apresentam relação direta para com o evidentes condições de punibilidade, ou pertencem ao tipo. Não teria sentido
fato.483 Conforme se acolha a proposição de SAX, essas condições objetivas de também se acolher a tese da criação de um outro elemento do delito já que,
punibilidade devem ser abarcadas pelo dolo do agente, o que não acontece com se assim fosse, os fundamentos elencados implicariam o reconhecimento
relação à doutrina dominante, que taxativamente descarta esta hipótese.484 Por imediato de que essas condições devam ser compostas por outros elementos

480. Sobre isso: PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 763 et seq.. 485. MARTÍNEZ PÉREZ, Carlos. “Condiciones objetivas de punibilidad y presupuestos de procedibilidad”,
481. SAX, Walter. „Tatbestand und Rechtsgutsverletzung“, in Juristenzeitung, 1976, p. 14 et seq. in Criminología y Derecho Penal a servicio de la persona, San Sebastián, IVC, 1989, p. 565 e ss; JES-
482. BEMMANN, Günther. Zur Frage der objektiven Bedingungen der Strafbarkeit, Göttingen, 1957, p. 27 CHECK/WEIGEND. Lehrbuch des Strafrechts, p. 556 ; do mesmo modo, Mir Puig, Santiago. Derecho
e 52. Penal, Parte General, Barcelona, 1990, p. 159 et seq.
483. WESSELS, Johannes. Strafrecht, AT, 22ª edição, 1992, p. 44 et seq.; Santos, Juarez Cirino dos. A mo- 486. ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. Quadrilha ou Bando, Rio de Janeiro, 1977, p. 72. Com posição
derna teoria do fato punível, Rio de Janeiro, 2000, p. 271. intermediária, fazendo a agravação depender do caso concreto: SALES, Sheila Jorge Selim. Dos Tipos
484. JESCHECK/WEIGEND. Lehrbuch des Strafrechts, p. 556 et seq.; MAURACH/ZIPF. Strafrecht, AT I, Plurissubjetivos, Belo Horizonte, 1997, p. 138.
p. 299; SCHÖNKE/SCHRÖDER/LENCKNER. Strafgesetzbuch Kommentar, 24ª edição, 1991, p. 177; 487. SCHMIDHÄUSER, Eberhard. Strafrecht, Allgemeiner Teil, Tübingen, 1970, p. 382 et seq.; também,
WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, p. 45. LANGER, Winrich. Das Sonderverbrechen, Berlin, 1972, p. 327 et seq.
256 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 257

alheios ao injusto ou à culpabilidade.488 versari in re illicita, que poderia disfarçar simbolicamente a punição pelo fato de
Uma vez admitida a hipótese de que essas condições constituam um que, assentada a tese de que essas condições não pertencem ao tipo de injusto,
mero anexo do tipo, surge de imediato a consideração acerca de suas relações o legislador poderia valer-se de qualquer critério, quando já tenha estabelecido
reais com o respectivo tipo de delito ao qual se subordinam, quer dizer, a corretamente as condições do injusto. Exigindo-se, assim, primeiramente, que
questão não se resume simplesmente em afirmar que essas condições consti- os efeitos objetivos condicionantes da punibilidade se vinculem aos critérios
tuam anexo do tipo. Será preciso determinar, ademais, se, como anexos do da imputação objetiva e, depois, a uma graduação quanto à intensidade de sua
tipo, guardam com esse alguma relação de necessidade, ou se subordinam produção, sob a medida concreta do risco assumido, pode-se descartar o temor
apenas a critérios de política criminal. de que as condições objetivas de punibilidade, pelo fato de não se importarem
com a real participação dos sujeitos no fato típico, conduzam a mera e sim-
Embora se possa reconhecer que essas condições objetivas de puni- ples obra de responsabilidade objetiva. Ficariam, assim, impedidos os efeitos
bilidade estejam vinculadas a um programa de política criminal, porque dogmaticamente equívocos, que levaram inclusive à sua rejeição, na medida
estão associadas diretamente à imposição da pena, a doutrina tem buscado do possível, no esboço de projeto de reforma EVANDRO LINS, de 1994,
fundamentá-las segundo suas relações com o tipo de delito. Primeiramente, como bem ressaltara JOÃO MARCELLO, porque constituiriam resquício de
se entende ser imprescindível a demonstração de uma relação causal entre responsabilidade objetiva.490
a realização do tipo e a verificação dos determinados efeitos específicos que
condicionam a sua punibilidade; por exemplo, a ocorrência da morte ou de Não obstante a mudança de orientação dogmática, a matéria continua
lesão grave, no delito de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, deve ativa e merece uma atenção específica, principalmente no que toca, por exem-
ser consequência das ações típicas respectivas de induzir, instigar ou prestar plo, ao delito de associação criminosa e ao delito falimentar. Em face dessa
auxílio. Sem essa demonstração causal, não será possível tomar-se a presença nova formulação, não pode ser aceita a extensão objetiva da agravação do
de qualquer desses efeitos, como fundamento de punibilidade. Se se exige, delito de associação criminosa armada a todos os seus participantes. É verda-
assim, uma relação causal objetiva entre esses efeitos e as respectivas ações de que os fundamentos invocados para a agravação da pena neste caso dizem
típicas, do mesmo modo serão aplicáveis às condições objetivas de punibili- respeito a um fato objetivo, à perigosidade resultante da capacidade ofensiva
dade todos os critérios que fundamentam a imputação objetiva. da própria associação, que se torna potencialmente mais forte, quando algum
de seus membros esteja armado, o que representa maior ameaça ao bem
Essa exigência é um pressuposto de garantia no processo de delimitação jurídico. Independentemente, porém, da própria validade da norma que
do injusto, que se deve refletir também na questão da punibilidade. Se o injusto define o injusto da associação criminosa, que poderia ser contestada porque
deve ser tratado, por outro lado, não apenas sob o ângulo da imputação objeti- se trata de uma criminalização de mero perigo abstrato e, ainda admitindo-se
va, mas também de acordo com os graus de intensidade da atuação do agente, a existência dessas condições objetivas de punibilidade como anexo do tipo,
perfilados pelo dolo ou pela culpa (imputação subjetiva), todos os anexos do não pode essa agravação objetiva ser imposta ao partícipe, sem o atendimento
tipo, como as condições objetivas de punibilidade, devem igualmente subordi- dos preceitos mínimos de garantia estabelecidos nos princípios constitucio-
nar-se a um mesmo processo de graduação, medido de acordo com o critério nais, especialmente pelo princípio da legalidade. Quer dizer, esta agravação
do denominado risco assumido.489 Entende-se, assim, que o agente que realiza só deve ser estendida ao partícipe que, pelo menos, tenha aceitado o risco de
uma atividade típica, cuja punibilidade se subordine a condições objetivas, deva sua verificação. Neste caso, poder-se-ia supor que, analogicamente à estrutura
assumir o risco de que, agindo ou participando do fato típico, poderá produzir do dolo, o agente, ao cometer a ação proibida, tenha assumido os riscos de
aqueles resultados que, uma vez ocorridos, sustentam essa punibilidade. Com sua punição ou da agravação da pena. É verdade que, neste caso específico da
isso se impede que aqui se reproduza uma versão invertida do princípio do associação criminosa, como no da rixa qualificada, esta mesma solução estaria
488. Assim, a crítica acertada feita por ROXIN, Claus (Nota 270), p. 1046.
489. MAURACH/ZIPF. Strafrecht, AT, p. 297; WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, p. 46. 490. ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. Dos Crimes contra a Ordem Econômica, S. Paulo, 1995, p. 51.
258 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 259

assumida – e com maior rigor – caso se contemplassem essas condições como A declaração de falência depende de outros fatores como, normalmente, o
elementos do injusto, como defende, por exemplo, ASSIS TOLEDO,491 ao pedido de algum credor, o não pagamento do débito no prazo elisivo de título
se submeterem integralmente às condições de garantia a ele deferidas. de dívida líquida e certa, etc., sendo, por isso mesmo, estranha tanto ao tipo
Diferentemente disso, porém, deve ser tratada a matéria no tocante de injusto quanto à culpabilidade. Além do mais, tratando a matéria dialeti-
aos delitos de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio e aos delitos camente com vistas ao problema das garantias, pode-se afirmar que a inserção
falimentares, nos quais a inclusão dessas condições no tipo de injusto não da sentença declaratória no tipo, como seu elemento, de modo a indicar-lhe
implica maior garantia. Veja-se que, caso se compreenda que o tipo do delito o momento consumativo não cria as mesmas garantias asseguradas no caso da
de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 122) se configura in- associação criminosa. Lá se trata de uma agravação de pena, aqui de funda-
tegralmente, quer dizer, se consuma com a ocorrência do suicídio ou de mentação do injusto. Veja-se, ademais, a questão dos delitos pós-falimentares.
lesão corporal grave na vítima, a consequência imediata será admitir-se a A maioria da doutrina brasileira segue a orientação da doutrina ita-
sua tentativa punível. Para afastar a hipótese dessa tentativa, a doutrina teria, liana, representada, sobretudo por ANTOLISEI, no sentido de que, nesse
então, de recorrer a fórmulas absolutamente casuísticas e idiomáticas, que caso a declaração de falência seria um pressuposto e não uma condição do
consistiriam, por exemplo, em demonstrar que as ações de induzir ou de denominado crime pós-falimentar.493 A orientação italiana é compreensível,
instigar se produziriam através de único ato, ou independentemente do efeito na medida em que entende, de conformidade com as lições de direito civil,
imediato na formação de vontade da vítima, o que geraria uma série de incer- que as condições objetivas de punibilidade constituem um acontecimento
tezas e imprecisão nos lindes do injusto. Nesse caso, a adoção das condições futuro e incerto.494 Portanto, na hipótese dos fatos praticados após a falên-
objetivas de punibilidade pode constituir um preceito de garantia, uma vez cia, a declaração de falência não poderia mais constituir uma condição de
subordinadas aos critérios de imputação acima propostos. Ademais, deve-se punibilidade, primeiramente porque já não seria um acontecimento futuro,
ver que, embora não integrem o tipo, os resultados morte ou lesão corporal mas passado; depois, porque os delitos pós-falimentares decorreriam simples-
grave se situam na mesma zona de risco do processo de imputação. Por isso mente da infração de deveres impostos pela sentença declaratória da falência
devem ser também abrangidos pelo dolo do agente. e aos quais estariam subordinados o comerciante falido e outras pessoas que
No crime falimentar, a matéria tem suscitado alguma controvérsia. Pri- participem do respectivo procedimento.495
meiramente, se indaga se a declaração de falência é ou não condição objetiva Caso se compreenda, ao revés, que as condições objetivas de punibili-
de punibilidade. Como a declaração de falência não interfere na configuração dade não guardam relação com aquelas condições do direito civil, mas são
do injusto desses delitos, nem na culpabilidade do agente, parece tratar-se efeitos determinados que subordinam a atuação do Estado, quer em face
evidentemente de uma condição objetiva de punibilidade.492 Por outro lado, a de fatos anteriores ou posteriores à sua ocorrência, não tem sentido, neste
lei falimentar fixa o chamado termo legal da falência, que é o período de risco último caso, sua transmutação a pressupostos do delito. Deve-se entender
que compreende todo o processo antecedente à sua decretação. Em face disso, aqui, assim, da mesma forma quanto à exigência de dupla-incriminação nos
os atos dos comerciantes indicados como criminosos na lei falimentar devem casos de extraterritorialidade, que mesmo que se refira a fatos anteriores ou
também ser apreciados em face do processo de imputação, de tal forma que posteriores, a declaração de falência continua sendo uma condição objetiva
só serão as eles imputados se aumentarem o risco de prejuízo dos credores. de punibilidade também dos crimes pós-falimentares, de tal sorte que se
essa sentença por algum motivo for reformada ou anulada, os fatos restarão
491. TOLEDO, Francisco de Assis Princípios Básicos de Direito Penal, S. Paulo, 1991, p. 155 et seq. impunes, embora já se tenham consumado. Além de não haver uma perfeita
492. Assim, a maioria da doutrina brasileira: PIMENTEL, Manoel Pedro. Legislação Penal Especial, S.
Paulo, 1972, p. 82; HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, 4ª edição, Rio de Janeiro, 1958,
p. 29, nota-de-rodapé nº 27; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, Parte Geral, 1991,
p. 217; MESTIERI, João. Teoria Elementar do Direito Criminal, p. 384; o mesmo ocorre na doutrina 493. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições, PG, p. 217; MESTIERI, João. Teoria Elementar do Direito Cri-
espanhola: MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal, Parte General, p. 162; RIPOLLÉS, Quintano. Curso minal, p. 384.
de Derecho Penal, I, 1963, p. 399; BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar, Rio de Janeiro: 494. NIETO MARTÍN, Adán. El delito de quiebra, Valencia: Tirant lo blanch, 2000, p. 72.
Revan, 2006. 495. NIETO MARTÍN, Adán. (Nota 494), p. 72.
260 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 261

sistematização dos pressupostos do crime, que devem ser compreendidos atribuídos ao sujeito, mediante sua subsunção à descrição legal da conduta
unicamente dentro do próprio injusto, a solução diversa poderia conduzir, proibida. O problema é que, independentemente da causalidade, a imputa-
neste caso da reforma ou da nulidade da sentença de falência, à punibilidade ção está inserida no contexto da formação das figuras típicas, pois é através
do sujeito, porque o delito já se teria consumado, ficando a avaliação dessa deste processo que elas se devem verificar.
consumação e de sua punibilidade, em face da ausência de regra expressa, Atendendo ao sentido da recuperação do sujeito no âmbito do in-
inteiramente na dependência de uma interpretação teleológica com vistas ao justo, não sob o enfoque de um injusto pessoal nos termos ontologicistas
chamado fim protetivo da norma. do finalismo e nem, por outro lado, mediante um procedimento de pura
Vigoram, igualmente, nos delitos falimentares os mesmos princípios de subjetivação funcional sobre a base da decisão interna, o processo de im-
imputação do delito de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio. Isto sig- putação deve ter como ponto de gravidade a consideração de que só será
nifica que a declaração de falência deve estar relacionada aos fatos constitutivos possível atribuir-se o injusto a alguém, quando sua realização possa ser
do tipo de delito falimentar, de modo que o comerciante se vincule àquela afirmada como obra sua e não de terceiros.
declaração através do critério do risco assumido. Relativamente aos delitos Dizer-se que a imputação se orienta sobre uma base pessoal, de só atri-
pós-falimentares, ressalta ainda a questão de que o agente deve reconhecer que buir-se o injusto como obra própria do agente, não implica acolher-se a tese
o fato que pratica é uma consequência da falência e se situa na sua zona de risco. neo-hegeliana de que no fundo o ato deve ser visto como um desdobramento
Das condições objetivas de punibilidade, ademais, devem ser diferen- da própria vontade. Ao contrário desta tese, a vontade não deve merecer por
ciadas as condições de procedibilidade,496 que estão ligadas aos pressupostos si mesma qualquer consideração nesta fase, salvo como modalidade de me-
processuais e não se vinculam ao fato nem à pena, mas, exclusivamente, às dição da intensidade da agressão ao bem jurídico. O processo de imputação,
condições que tornem possível um processo penal ou uma sentença de mérito. por isso mesmo, deve-se desenvolver objetiva e subjetivamente, como forma
Os pressupostos processuais não afetam a questão da necessidade de de medição dessa intensidade, sobre duas bases. Na primeira, assenta-se em
pena, nem a estrutura do injusto ou da culpabilidade, embora muitas vezes que, dentro da perspectiva de garantia, é indispensável a demonstração ine-
venham inclusive disciplinados no próprio código penal, quando então se quívoca de que o injusto tenha que ser objetivamente determinado, de modo
submetem a todos os princípios constitucionais relativos às garantias do que não reste dúvida de que a conduta incriminada fora realizada pelo sujeito.
direito penal, como aos princípios da legalidade e da irretroatividade. Na segunda, de que essa conduta tenha que ser individualizada, quer dizer,
sobre ela se proceda a uma depuração empírica de seus elementos de modo
2. O PROCESSO DE IMPUTAÇÃO a identificar com precisão a exata contribuição do sujeito na sua execução.
Sobre estas duas bases ter-se-á de edificar o tipo de delito que lhe correspon-
Se a divisão entre delitos dolosos, culposos e omissivos se executa no da, doloso, culposo ou omissivo, daí dizer-se que no tipo de delito há duas
âmbito do injusto como efeito de um processo de imputação, faz-se neces- ordens de imputação: uma imputação objetiva que se relaciona, no âmbito
sário também fixar os pontos básicos deste processo. puramente objetivo, à ação proibida e ao seu objeto, bem como ao resultado;
Normalmente, a imputação é tratada dentro do conceito de causali- e uma imputação subjetiva, que diz respeito à configuração do dolo e seu
dade, de tal sorte que nosso código penal no art. 13, seguindo a tradição alcance, bem como aos elementos de sua diferenciação com a culpa.
legislativa, a pressupõe como condição do resultado. Nesta linha, toda a A imputação objetiva tem como pressuposto indeclinável a afirmação
imputação só poderia ter sentido nos delitos de resultado e não nos delitos da causalidade entre a conduta do agente e o resultado. Sem que se demonstre
de mera atividade, os quais devido à própria configuração externa, sem con- em primeiro plano que, por exemplo, fora o tiro dado por A que matou B,
sideração às consequências que dela adviriam, poderiam simplesmente ser não caberá qualquer outra indagação posterior, findando aqui mesmo a in-
vestigação. Uma vez, entretanto, demonstrada a relação de causalidade entre a
496. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, Bauru, 1979, vol. 1, p. 486.
262 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 263

conduta do agente e o resultado, esta causalidade isoladamente não basta para ele causado pelo sujeito.
fundamentar o juízo de atribuição típica, porque pode ser que no processo Do texto do Código Penal podem ser extraídas duas conclusões. A
causal haja interferido uma causa superveniente, capaz de produzir sozinha o primeira, de que sem causalidade não há imputação. Essa é uma assertiva
resultado, quebrando a causalidade anterior, como pode igualmente intervir indeclinável do princípio da responsabilidade pessoal, em oposição à responsabi-
concomitantemente nesse processo um outro sujeito que tenha contribuído lidade solidária, que pode existir no direito privado, mas não no direito penal.
de modo decisivo para reforçar a produção do resultado. Quando isto ocorre, A segunda, de que admitindo a causalidade na omissão, se deve exigir que o
a explicação da causalidade, segundo um critério contrafático, como o da processo de imputação também se estenda ao risco de produção do resultado
teoria da equivalência das condições, será insuficiente para fundar a impu- em face da ação devida. Neste quadro normativo inicial é que se deve compor a
tação. Será necessário ainda proceder-se à individualização desse processo teoria da imputação como elemento estrutural do conteúdo de injusto do fato.
e verificar, por fim, se o resultado pode ser ainda atribuído ao sujeito. Para
chegar-se ao termo final dessa demonstração, são utilizados diversos critérios, Mas a questão da causalidade não é uma questão exclusivamente ju-
que vão desde o apuramento das condições empíricas do processo causal, até rídica. Tanto a filosofia quanto as demais ciências sempre se ocuparam da
as ponderações de ordem normativa, que delimitam a intervenção, consoante causalidade. Na filosofia, como já ressaltado atrás, ao tratar da crítica aos
os pressupostos dos princípios de necessidade e danosidade. Só, então, se lhe paradigmas da estabilidade, a noção de causa seguiu tradicionalmente dois
poderá imputar objetivamente esse resultado. caminhos: a) como forma de uma relação racional, em que a causa é sempre
deduzida de seu efeito, uma espécie de força que sempre gera esse efeito; b)
Essa exigência de um complemento da pura causalidade natural, me- como forma de uma relação empírica, na qual a causa não é deduzida do seu
diante critérios normativos, para fundamentar a imputação de um resultado efeito como uma força produtora, mas segundo um juízo de previsibilidade,
a alguém, é consequência, portanto, da consideração de que o direito penal que, pela constância e uniformidade, poderá admitir uma série de suces-
não é apenas um recepcionista do real, mas uma ordem de normas, com fina- sões.497 O primeiro caminho é seguido, basicamente, por ARISTÓTELES,
lidade social específica, que é a proteção da pessoa humana diante do poder que admitia quatro espécies de causa: a causa material (da qual é feita uma
de intervenção do Estado, mediante a demonstração, primeiramente, legal coisa), a causa formal (como forma ou substância de uma coisa), a causa efi-
e, depois, fática de lesão ou perigo de lesão a determinados bens jurídicos e ciente (que produz modificações nas coisas) e a causa final (como motivo do
para cujo preenchimento é insuficiente o enunciado de uma só ordem causal. agir).498 O segundo caminho tem apoio na obra de HUME: não existe uma
Dentro destes princípios norteadores, deve-se dividir a análise da imputação relação de causalidade natural e necessária; causalidade, como relação entre
objetiva em dois momentos: da relação de causalidade e dos demais elemen- dois fatos em ordem de sucessão, só pode ser afirmada através de sua repetição
tos da imputação. Evidentemente, não se pretende aqui discorrer sobre todo empiricamente observável, segundo um critério de regularidade. 499 Após a
o processo de imputação, mas apenas sobre seus elementos essenciais, que formulação do segundo princípio da termodinâmica através de CLAUSIUS,
possam elucidar acerca de uma teorização do injusto, consoante um sistema complementado pelo princípio da distribuição de MAXWELL e BOLTZ-
de delimitação e garantias. Nesse sentido, examinaremos, respectivamente, MANN no século XIX (o calor só passa de um corpo mais quente para um
as questões da causalidade e da imputação objetiva. corpo mais frio e não vice-versa), baseado em uma interpretação estatística
(1) A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE e ainda, mais tarde, com o enunciado de HEISENBERG do princípio da
indeterminação (a impossibilidade de medidas certas só autoriza previsões
O Código Penal, ao disciplinar a relação de causalidade, dispôs, com
prováveis acerca do comportamento de uma partícula subatômica),500 a fi-
apoio na teoria da condição que “causa será a ação ou omissão sem a qual
o resultado não teria ocorrido” (art. 13). Antes disso, porém, enunciou que 497. ABBAGNANO, Nicola. Diccionario de Filosofía, México-Buenos Aires, 1966, p.152.
o “resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a 498. ARISTÓTELES. Physica, I, 1, 184a 10.
499. HUME, David. Investigación sobre el conocimiento humano, tradução espanhola, 1992, IV, 1 e 2.
quem lhe deu causa”, exigindo, assim, para sua imputação, que tenha sido
500. HEISENBERG, Werner. Die physikalischen Prinzipien der Quantentheorie, Mannheim, 1958, IV § 3º.
264 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 265

losofia contemporânea praticamente eliminou a noção de causa e passou a BURI505, tendo recebido diversas críticas de seus opositores, devido ao chama-
trabalhar com a noção de condição, segundo um critério de probabilidade.501 do regresso infinito, pelo qual, na medida em que toda e qualquer condição que
Embora a noção de causa seja posta em dúvida pela ciência, que a contribua para o resultado é considerada como sua causa, condutas anteriores,
substitui por um critério estatístico, no direito penal, no sentido da determi- absolutamente estranhas ao fato sob julgamento, devem ser também nele in-
nação da responsabilidade pessoal, é necessária e imprescindível, no primeiro cluídas. Por exemplo, em um acidente de automóvel, em face da alta velocidade
plano, uma noção de causalidade baseada na relação de certeza e necessidade, imprimida pelo motorista, dele seriam causa não apenas o motorista, mas
embora isso só se torne possível ex post, depois que o fato se verificou. Antes também o projetista, o engenheiro e o fabricante do automóvel, como ainda o
da ocorrência do fato, a causalidade só pode ser aferida, segundo os critérios construtor da estrada ou os pais do motorista que o haviam gerado.
de probabilidade e indeterminação. Mais controvertida ainda se mostra a Na concepção de VON BURI, não será lícito distinguir entre condi-
chamada causalidade na omissão, na qual são insuficientes as cláusulas tradi- ções essenciais e acidentais do resultado, pois todas as forças que tenham
cionais de sua determinação e por isso mesmo a questão passa a ser de mera contribuído para produzir esse resultado são, da mesma forma, essenciais à
imputação, e cuja interpretação deve ser, assim, absolutamente restritiva. sua produção e nenhuma delas pode ser deixada de lado. Assim, se alguma
Buscando estabelecer uma noção de causalidade, foram formuladas di- pessoa imprimiu uma dessas forças para produzir o resultado, que queria
versas teorias, todas elas hoje, praticamente, reduzidas a três grandes grupos, realizar, deve responder por esse resultado, em toda a sua extensão.
conforme se tenham em vista a simples imputação material, com base no Observe-se, porém, que a teoria da condição, ao contrário das concep-
critério de certeza (sob plano lógico ou contrafático), a imputação sobre uma ções filosóficas que lhe correspondem, não considera como causa a totalidade
base de adequação e a imputação sobre uma base normativa, o que deu lugar das condições que influem no resultado, mas apenas uma dessas condições,
à teoria da condição, à teoria da causalidade adequada e à teoria da relevân- qualquer delas, sem consideração às demais. É, portanto, uma teoria indivi-
cia jurídica. Os autores fazem referência a outras teorias, como as da causa dualizadora no sentido de formar, com respeito a cada uma dessas condições,
eficiente, da preponderância, da causa próxima, da causalidade jurídica, da um processo causal independente. Dentro desta concepção, é invocada, ge-
causa humana e da tipicidade condicional, as quais, entretanto, se encontram ralmente, uma fórmula prática para determinar se uma dessas condições
absolutamente superadas e não merecem referência especial.502 – conforme a escolha que se faça – pode ser considerada como causa do
resultado: é a fórmula da eliminação hipotética do resultado. Uma condição
(A) A TEORIA DA CONDIÇÃO será causa de um resultado se, uma vez eliminada mentalmente essa condição,
Segundo a teoria da condição, causa é toda condição do resultado. Isto tiver como efeito também a eliminação do resultado.
quer dizer que não se faz, inicialmente, uma diferenciação entre causa e
condição. Causa pode ser qualquer condição, indistintamente, que tenha A fórmula da eliminação hipotética tem gerado inúmeras controvérsias,
contribuído para o resultado. É indiferente, portanto, para a noção de causa, não apenas em relação aos seus efeitos, que adiante veremos, senão quanto à
que o resultado tenha sido produzido ocasionalmente ou que para sua veri- sua origem.506 A doutrina atribui erroneamente essa fórmula ao jurista sueco
ficação tenha concorrido uma concausa, ou seja, uma condição preexistente, THYRÉN que, embora tenha contribuído para a solução de vários casos
concomitante ou superveniente.503 práticos de causalidade, através de uma crítica rigorosa aos seus postulados
de certeza e incerteza, não foi seu criador.507 A fórmula foi mesmo proposta
A teoria da condição foi formulada em 1858 pelo processualista austríaco
JULIUS GLASER504 e depois introduzida na jurisprudência através de VON
505. BURI, Maximilian von. Zur Lehre von der Teilnahme an dem Verbrechen und der Begünstigung, Gies-
sen, 1860; Idem. Über Causalität und deren Verantwortung, Leipzig, 1873, reimpressão, Frankfurt am
501. DETEL, Wolfgang. “Wissenschaft”, in Philosophie, Tomo I, 1991, p. 172 et seq. Main, 1968; Idem. Beiträge zur Theorie des Strafrechts und zum Strafgesetzbuch, Leipzig, 1894, reim-
502. Para uma visão dessas teorias: HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, 1958, Tomo II, p.61 et seq. pressão, Frankfurt am Main, 1997.
503. HUNGRIA, Nelson. (Nota 502), p. 61. 506. Sobre a polêmica de seu uso pelos tribunais, veja-se a indicação de ROXIN, Claus. (Nota 270), § 11.
504. GLASER, Julius. Abhandlungen aus dem österreichischen Strafrecht, Leipzig, 1858, Tomo I, p. 298; 507. THYRÉN, Johan C. W. „Bemerkungen zu den kriminalistischen Kausalitätstheorien“, in Abhandlungen
Idem, Handbuch des Strafprozesses, Leipzig, 1883, reimpressão, Frankfurt am Main, 1998. aus den Strafrechte und der Rechtsphilosophie, vol. I, 1894.
266 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 267

por GLASER, ao enunciar a sua teoria e reproduzida depois por VON BURI. outro, atiram simultaneamente contra C, o qual vem a falecer em consequên-
Esta fórmula, adotada no Código Penal, como é uma fórmula contrafática, cia de um dos tiros, embora não se possa comprovar de qual carabina partira
quer dizer, que prescinde de uma efetiva comprovação empírica, só é, entre- o tiro mortal. Pelo princípio in dubio pro reo, ambos serão responsáveis apenas
tanto, um elemento seguro para a determinação da causalidade, quando esta por tentativa de homicídio, mesmo que a vítima tenha morrido. O princípio
causalidade se mostre evidente e quando não concorram outros elementos in dubio pro reo não é apenas um critério que opere no âmbito processual,
que possam elidir essa evidência. Assim, se A atira em B e este morre em diante da incerteza ou dubiedade das provas que foram colhidas na instrução.
decorrência dos ferimentos produzidos pelo tiro, A será causa da morte de B, É antes de tudo uma consequência do princípio da presunção de inocência e
porque, eliminada a ação de A, será eliminada a morte de B. Isto é evidente, deve ser utilizado como instrumento delimitador da incidência normativa.510
e sua determinação pela intuição ou pela experiência, enfim, por todos os A solução pela tentativa, neste caso, produzida por sua aplicação no âmbito
meios de apreensão dos fenômenos se torna desnecessária no processo lógico do injusto, ainda que efetivamente se tenha verificado um delito consumado,
de sua demonstração. Se a causalidade não é evidente, a fórmula da elimina- corresponde a uma condição puramente objetiva de imputação, qual seja, de
ção hipotética pouco ajuda, devendo ser complementada por outros critérios. atribuir a cada sujeito, exata e corretamente, o que lhe corresponde, não em
A primeira dificuldade da fórmula da eliminação hipotética se dá no termos de decisão para o fato, como pareceria a alguns funcionalistas, senão
caso de dupla causalidade alternativa, quando várias condições concorrem como produção de efeitos lesivos ao bem jurídico. Parece que a invocação do
para o resultado, mas de modo que cada uma delas, isoladamente, seja su- princípio da dúvida pode induzir a ideia de que se estão mesclando elementos
ficiente para produzi-lo. Aqui o critério legalmente proposto é corrigido processuais e penais para a obtenção de uma justa solução para o caso con-
doutrinariamente através da fórmula da eliminação global, assim enunciada: creto. Esta ideia seria inferida da antiga concepção do tipo de injusto como
“se concorrem para o resultado diversas condições e, uma vez eliminadas elemento autônomo e puramente descritivo do delito ou, quando muito,
alternativa, mas não cumulativamente, cada uma delas, o resultado não é como indício objetivo da antijuridicidade. Se, entretanto, passarmos a aferir
eliminado, qualquer delas é considerada como causa desse resultado”.508 Um o injusto sobre uma base de correlação entre a tipicidade e a antijuridicidade,
exemplo clássico: A e B, independentemente um do outro, ministram a C, esta ideia facilmente desaparece, porque de qualquer forma a imputação deve
no mesmo instante, uma dose igual de veneno, de modo que cada uma dessas também ser avaliada segundo os princípios dos direitos fundamentais, dentre
doses é suficiente para matá-lo. Neste caso, tanto a ação de A, quanto a ação os quais se insere o da presunção de inocência.511
de B, são causas da morte. Se fôssemos aplicar aqui a fórmula da eliminação Diferente do exemplo acima citado é aquele em que A e B injetam
hipotética, teríamos uma solução contraditória, porque, se eliminarmos a em C uma dose igual de veneno, mas cada uma das doses é insuficiente
ação de A, o resultado morte permanece; se eliminarmos a ação de B, o re- para produzir-lhe a morte, que só se dá com a acumulação das doses. Neste
sultado ainda permanece, o que levaria ao absurdo de um evento sem causa. caso, a aplicação pura e simples da fórmula da eliminação hipotética resolve
Convém, entretanto, fazer um reparo a esta formulação globalizante: o problema porque, eliminada a ação de A, será eliminado o resultado, ou
caso fique comprovado que apenas uma das doses de veneno causara efeti- eliminada a ação de B, também será eliminado o resultado, respondendo
vamente a morte, antes da outra, sem que se possa determinar, contudo, se cada qual por delito consumado. A dificuldade reside quando se trate de
a dose letal partira de A ou de B, deve ser aplicado aqui o princípio in dubio doses alternativas, cada uma delas suficiente para produzir a morte e que se
pro reo, imputando-se a cada um deles apenas a tentativa de homicídio.509 resolve, como vimos, pelo critério da eliminação global.
Vale este raciocínio também para o exemplo em que A e B, sem saber um do Mas o critério da eliminação global ainda não é suficiente, como

508. Nesse sentido: WELZEL, Hans. Das deutsche Strafrecht, p. 41; WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, 510. Sobre isso, em toda sua extensão: STUCKENBERG, Carl-Friedrich Untersuchungen zur Unschulds-
p. 49. vermutung, Berlin-N. York, 1998, p. 98 et seq.
509. Esta solução é pacífica na doutrina: ROXIN, Claus. Strafrecht, AT, p. 355; WESSELS/BEULKE. Stra- 511. ROMERO ARIAS, Esteban. La presunción de inocencia. Estudio de algunas de las consecuencias de
frecht, AT, p. 52. la constitucionalización de este derecho fundamental, Pamplona, 1985, p. 119 et seq.
268 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 269

complemento ao da eliminação hipotética, nos casos em que a causalidade importam aqui os critérios utilizados – viola também o princípio in dubio pro
vem associada a outros e diversos fatores, de tal forma que se torne difícil reo, notadamente, como bem assinala ROXIN,513 quando se trate de decisões
sua identificação. Nestes casos, a concepção tradicional sempre esbarrou em sobre divergências científicas acerca dos efeitos de certos medicamentos, pro-
sérias dificuldades. Para isso, tem-se enunciado recentemente o princípio dutos alimentícios, substâncias de uso doméstico ou aparelhos eletrônicos.
da alteração exterior, pelo qual “haverá causalidade quando se produzir, por Em terceiro lugar, as agravações e as antecipações do resultado só podem ser
qualquer motivo, uma modificação no mundo exterior”, sem consideração imputadas se efetivamente puderem ser demonstradas como manifestamente
a que, se eliminada a condição, o resultado também seria ou não excluído512. evidentes ou materialmente sensíveis, como nos exemplos acima tratados, em
Este novo critério tem sido utilizado, como forma alternativa à teoria do que o resultado inequivocamente decorreu de uma sobrecarga de causalidade.
incremento do risco, para afirmar a causalidade dos efeitos, por exemplo, da Dificuldades apresenta também a causalidade nas chamadas decisões
ingestão de medicamentos (como no caso do medicamento contergam) que, corporativas, quando um determinado conselho, em votação por maioria, re-
geralmente, se associam a outros fatores ou à constituição pessoal da vítima. solve lançar determinado produto, o qual mesmo antes de ser comercializado
Dentro do critério da alteração externa, seria possível afirmar-se a causalidade já comprovadamente apresentava perigo concreto de produzir efeitos danosos
nas hipóteses de antecipação, agravamento ou modificação de acontecimen- nos adquirentes. Neste caso, o argumento contrário se fixa na instabilidade
tos. Assim, o médico que, diante de um paciente em estado terminal e para da imputação, pois seria sempre possível que qualquer dos imputados viesse
minorar-lhe o sofrimento, resolve antecipar-lhe a morte, injetando-lhe uma a afirmar que fora dele o voto divergente ou que, tratando-se de maioria
dose letal de morfina, é causador do homicídio, ainda que se comprove que qualificada, ainda que seu voto fosse divergente e hipoteticamente eliminado,
o doente morreria de qualquer forma. Será causador de um dano quem, o resultado não desapareceria. ROXIN defende aqui a ideia da causalidade
diante de um automóvel bastante abalroado, resolve ainda quebrar-lhe os cumulativa, propugnando por uma solução idêntica à do exemplo do re-
vidros, agravando o seu estado de destruição ou aquele que, para fazer graça, sultado agravado.514 Ocorre, porém, que esta hipótese também tem que ser
resolve pintar de verde o carro vermelho de seu vizinho. Em todos esses casos, submetida ao crivo do princípio in dubio pro reo, o qual só deixará de incidir,
houve uma alteração no mundo exterior, que inexistiria se não ocorresse a por exemplo, se após a decisão tomada por maioria, todos os integrantes
ação do agente. Esse mesmo critério vale para os delitos ambientais, quando do conselho, inclusive os que votaram pela divergência, já se tenham com-
se incrimina não apenas o incremento da poluição, antes inexistente, senão prometido posteriormente no processo de execução. É que, nesta hipótese,
também o agravamento das condições do meio já deterioradas. não basta para afirmar a causalidade que os seus protagonistas estivessem
De qualquer forma, esse complemento da fórmula originária da cau- presentes no ato da resolução coletiva, em face da impossibilidade material
salidade não pode resultar de simples argumento interpretativo, a ser usado da perfeita identificação de cada uma de suas condições.
pelo juiz, segundo seus próprios prognósticos. Aqui, a questão deve ser vista
Igualmente não interferem na afirmação da causalidade os processos
sob três aspectos. Em primeiro lugar, como o injusto retrata de qualquer
causais hipotéticos, isto é, aqueles desdobramentos que poderiam ocorrer, de
forma um conflito social real, o critério de imputação tem também que
outra forma. Por exemplo, A entrega a B um chicote para que este castigue
levar em conta essa característica, não podendo se afastar dos princípios
fisicamente C. Mesmo que se comprove que o chicote seria entregue a B de
causais naturais, porque estes é que proporcionam elementos para afirmar
qualquer forma por D, A será causador da lesão corporal em C. Aqui, a fórmula
se a conduta ingressou ou não na zona do ilícito e se através dela se efetivou
da eliminação hipotética pode não funcionar, porque mesmo sendo eliminada
o resultado representativo da ofensa ou do perigo ao bem jurídico. Em se-
a ação de A, o resultado ocorreria, mas de outra forma. Esta hipótese, contudo,
gundo lugar, desde que a relação de causalidade não possa ser afirmada no
não elimina a causalidade posta em curso pela ação de A, porque o decisivo
plano natural ou haja dúvidas sobre o processo de produção do resultado,
qualquer complemento que se possa efetuar através de uma decisão – não
513. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 356.
512. ROXIN, Claus. (NOTA 270), p. 355. 514. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 359.
270 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 271

é orientar-se pelo resultado concreto realmente ocorrido e não pelo resultado a interferência de sua ação no momento em que esse resultado se verifica.
que iria ocorrer. Outra condição que não influi, via de regra, na relação de Em ambos os casos, o agente responde apenas pelos fatos já praticados ante-
causalidade é a das chamadas concausas. Na análise das concausas o ponto de riormente. As situações padronizadas que são tomadas pela doutrina como
orientação deve ser o seguinte: se no momento do resultado, as concausas ainda exemplares para estabelecer essa diferenciação e fixar os limites do regresso,
estiverem atuando, são elas também causa desse resultado; se, entretanto, o como os casos da ambulância, do incêndio no hospital e da infecção dos
resultado advém de outros fatores, embora as concausas tenham contribuído ferimentos não suscitam maiores dúvidas.
inicialmente para o processo causal, deve-se considerar interrompida a causali- A questão está em se determinar a causalidade em face de atuação
dade anterior, imputando-se o resultado apenas ao agente que tenha provocado dolosa posterior. Como a relação de causalidade deve ser vista sob enfoque
a nova causalidade. Por exemplo, A acerta um soco em B que, sendo hemofí- puramente objetivo, ela não se interrompe nas hipóteses de atuação dolosa
lico, vem a morrer em consequência de uma hemorragia provocada pelo soco. ou culposa posterior de terceiros sobre o processo causal, sob o pressuposto
Aqui se lhe deve imputar objetivamente o resultado morte porque sua ação, de que essa interferência se acumule à condição anterior. O tratamento
cumulada com a concausa da hemofilia, produziu a morte de B. A questão se dessas hipóteses é o mesmo que se dá ao exemplo da ambulância. Vejamos
A agiu com dolo ou com culpa, não é questão da causalidade, mas de outro agora um outro exemplo: A atira contra B, produzindo-lhe grave ferimento
setor do tipo. Outro exemplo: A desfere um tiro em B, que é levado ao hospital na cabeça; em seguida, sem qualquer acordo anterior, vem C e atinge B
e ali adquire uma infecção grave nos ferimentos, que lhe produzem a morte. com uma forte pancada no mesmo lugar dos ferimentos, agravando-os e
A é causa da morte de B, porque esta foi provocada pela ação de A, cumulati- produzindo-lhe a morte. A e C respondem por homicídio consumado. Se,
vamente com a concausa infecção. Se, ao invés, a morte fosse provocada por ao invés, a morte fosse provocada por um tiro de B no coração da vítima,
outros fatores, sem a concorrência da ação de A no processo de sua execução, A responderia apenas por tentativa de homicídio. É o que se dá com o
a este não poderia ser imputado esse resultado: por exemplo, se a hemofilia, exemplo sempre citado da causalidade incontrolável: A fere mortalmente B,
independentemente do soco, é acelerada pela ingestão de um medicamento ou antes que este tome um avião, o qual momentos depois explode matando a
se a infecção hospitalar atinge a medula espinhal e não os ferimentos. vítima e todos os demais passageiros, de tal modo que A não poderia con-
O Código Penal, tendo em vista a questão das concausas supervenientes trolar sua execução, porque nem ao menos sabia da existência da bomba.
e com o propósito de limitar o regresso infinito do processo causal, procurou Neste caso, A responde apenas por tentativa de homicídio.
dispor acerca da interrupção da causalidade através de uma fórmula que pra- Por outro lado, mesmo que o agente tenha causado, anteriormente,
ticamente desnatura a teoria da condição por ele adotada: “A superveniência uma lesão culposa, a causalidade não se altera se a essa lesão se somar a
de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, atuação posterior dolosa ou culposa de terceiro. O processo causal, ademais,
produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os tanto pode ser preenchido através de uma causalidade física, quanto psíquica,
praticou” (art. 13, § 1º). inserindo-se nesta última o planejamento para o fato. Por exemplo: A e B,
Nesse dispositivo, deve-se inicialmente distinguir entre causas relativa e de comum acordo, resolvem matar C; no dia determinado para o crime, A
absolutamente independentes. Causas absolutamente independentes são aquelas desfere na vítima um tiro na barriga, prostrando-a no solo; em seguida, B
que, sob qualquer consideração, se situam fora do processo causal no qual dá-lhe o tiro de misericórdia na cabeça, causando-lhe a morte. A e B res-
se insere a ação do agente, de modo que se pode dizer que, mesmo que o pondem conjuntamente por homicídio consumado, porque, embora o tiro
agente se esforçasse, não poderia intervir nos seus efeitos. Essas causas abso- de A não tenha causado diretamente a morte da vítima, a sua ação se inseriu
lutamente independentes não necessitam do corretivo assinalado pelo art. objetivamente no processo causal planejado por ambos. Neste caso especial
13, § 1º, porque fazem parte de outro processo causal, alheio ao agente. Já as de causalidade cumulativa, com procedimentos qualitativamente diversos
causas relativamente independentes são as que, embora se insiram no processo (um tiro na barriga e outro na cabeça), nota-se, desde logo, que a relação
causal posto em marcha pelo agente, produzem o resultado, sem contar com de causalidade deixa de ser tratada sob condição puramente objetiva e passa
272 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 273

a ser integralizada segundo o plano subjetivo dos autores, o que desnatura, hipotética, se situam foram do injusto. Em face das incongruências da teoria
inteiramente, a pureza inicial da teoria da condição. Aqui, para manter uma da condição, principalmente, na hipótese da causalidade cumulativa, segun-
consideração puramente objetiva da causalidade, será necessário trabalhar-se do o plano dos autores, a doutrina é levada a buscar fórmulas alternativas para
com uma modalidade especial de planificação para o fato, segundo uma determinar essa causalidade, que devem partir, de qualquer modo, da velha
perspectiva final objetiva, isto é, a análise do plano dos autores deverá ser proposição de HUME de que o processo causal é, no fundo, um processo
feita com base na determinação objetiva de sua execução, conforme a dirigi- sobre uma sequência de regularidades.
bilidade comum exercida sobre esse processo executivo. Sob esta perspectiva,
(B) A TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
a relação de causalidade deve ser compreendida como a execução de um
processo global, no qual os autores se inserem, segundo própria divisão de A primeira sequência de ideias alternativas acerca do tratamento desses
trabalho, traçada segundo um objetivo comum. No exemplo citado, tanto fatos foi fruto da teoria da causalidade adequada, que não é propriamente uma
A quanto B já haviam traçado, objetivamente, a divisão de trabalho a ser teoria da relação causal, mas uma teoria da imputação, porque pretende limitar
realizada na execução do fato comum, antes mesmo de se questionar acerca a causalidade natural, segundo parâmetros juridicamente aceitáveis. Para essa
da causalidade de suas atividades para com o resultado ocorrido, isto é, plane- teoria, causa é apenas a condição tipicamente adequada a produzir o resultado.
jaram matar C, de comum acordo, encetando, cada um, a respectiva parcela Causa, portanto, não será qualquer condição, como propõe a teoria da condi-
objetiva de contribuição para o fato. ção, mas só aquela conduta que represente uma tendência geral à produção de
um resultado típico. Foi primeiramente VON BAR quem procurou restringir,
A aplicação pura e simples da teoria da condição pode complicar ainda,
no campo jurídico, a causalidade natural, tendo em conta os fins próprios do
quando o processo causal se desvia de seu conteúdo naturalístico-material e
direito, dele excluindo todas as condições que não se incluíssem nas chamadas
passa a ser inferido de um juízo de probabilidade. Por exemplo, diante dos
regras gerais da vida.515 O grande teorizador foi, porém, o médico e fisiologista
acenos de C, que estava se afogando, A impede que B o socorra através do
VON KRIES, que, analisando as condições que contribuem para a produção
lançamento em sua direção de um salva-vidas. Neste caso, a afirmação da
de resultados juridicamente proibidos, destaca que algumas delas são efetiva-
causalidade não pode decorrer da mera aplicação do critério da eliminação
mente adequadas a produzir semelhantes resultados e, segundo a experiência da
hipotética, porque o resultado é meramente provável. Normalmente, consi-
vida, tendem a produzi-los, na forma concebida. Afora essa causação adequada,
dera-se que A seja seu causador porque se não tivesse com sua ação impedido
existe uma causação não adequada ou fortuita, que dá lugar a esses resultados,
o ato de salvamento de B, C teria uma chance de não morrer. A causalidade
mas de uma forma excepcional, que só pode ser apreciada em determinados
aqui se baseia em que a ação de A é causal para a morte de C, porque diminuiu
casos concretos e isolados e que, portanto, estaria fora do alcance do direito.516
as possibilidades de que ela não ocorresse, alterando, portanto, a sequência
dos fatos. Nesta hipótese, porém, a identificação da causa deve subordinar-se Causa adequada vem a ser a causa provável de um resultado, avaliada
a um pressuposto indeclinável: à demonstração de que as chances de salva- segundo um critério objetivo, denominado prognose posterior objetiva. De
mento fossem absolutas. Caso contrário, a morte do náufrago não poderia ser acordo com esse critério, proposto por MAX RÜMELIN, principalmente
atribuída à ação de A, porque isto implicaria uma alteração abusiva no âmbito para o direito civil, a questão da probabilidade do resultado deve ser vista a
da imputação, transformando a probabilidade em certeza. Aqui só resta a im- partir de um observador objetivo posterior, tendo em conta, porém, todas
putação pelo delito de omissão de socorro e não por homicídio. as condições anteriores, já subsistentes à época do fato, que eram do conhe-
cimento do agente ou que lhe eram objetivamente previsíveis.517
Todos esses fatos sugerem, por outro lado, uma outra série de considera-
ções que dizem respeito ao problema dos papéis que os sujeitos desempenham 515. MEZGER, Edmund. Tratado de Derecho Penal, vol. I, p. 235; BAR, Ludwig von. Die Lehre vom Kau-
salzusammenhang im Rechte, besonders im Strafrecht, Leipzig, 1871.
ou devam desempenhar na sociedade e cujos resultados, ainda que afirmados 516. MEZGER, Edmund. Tratado de Derecho Penal, p. 235; VON KRIES, Johannes. Die Prinzipien der
Wahrscheinlichkeitsrechnung, Tübingen, 1886.
como efeito de determinada ação, por aplicação do princípio da eliminação 517. RÜMELIN, Max. “Die Verwendung der Kausalbegriffe im Straf-und Civilrecht”, in Archiv für die civi-
listische Praxis, 1900, Tomo 90, p. 171 et seq.; MEZGER Edmund. Tratado de Derecho Penal, p. 236.
274 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 275

Na determinação da causalidade, a teoria da adequação parte, primei- pode ser responsável por este resultado se a conexão causal for juridicamente
ramente, da fórmula da eliminação hipotética. Se, através de seu emprego, se relevante. A questão da causalidade, portanto, não se resume à determinação
concluir que inexiste causalidade, esta conclusão deve ser respeitada, porque se a ação do agente era condição sine qua non ou causa adequada do resultado,
baseada em dados naturais incontestáveis. Se, porém, se afirmar a causalidade mas em se saber se, juridicamente, essa relação causal era relevante.518 Neste
pela teoria da condição, isto não quer dizer que essa causalidade seja igual- aspecto, faz-se uma diferenciação entre causalidade e imputação do resulta-
mente adequada a produzir o resultado, devendo-se, então, aplicar o critério do. A causalidade seria decidida pela teoria da condição. A imputação teria
da prognose posterior objetiva. Por exemplo, nos delitos qualificados pelo por base a relevância jurídico-penal do processo causal, que só reconheceria as
resultado, o resultado mais grave – como a morte no latrocínio – deve ser condições tipicamente adequadas a produzir o resultado, sob o enfoque da
produzido pela violência empregada pelo agente e não decorrer do fato em finalidade protetiva da norma e as particularidades concretas do tipo legal
geral ou de um infarto da vítima, salvo se o agente conhecia a circunstância de crime.519 A teoria da relevância jurídica ocupa-se basicamente de casos
de ser ela também cardíaca ou que isto pudesse ser objetivamente previsível limites, nos quais a justiça da atribuição de causalidade é posta em dúvida
em face de suas reações ou estado emocional. diante das finalidades do próprio direito e pode ser vista como o primeiro
Pela teoria da adequação, soluciona-se desde logo no setor da causali- passo para a formulação da moderna teoria da imputação objetiva do resultado.
dade o conhecido exemplo do sobrinho, que interessado na herança de seu O caso mais comum tratado pela teoria da relevância jurídica seria do
tio o convence a fazer uma viagem de trem, na qual sofre um acidente e regresso infinito, que tantos exemplos jocosos já suscitou, mas que adquire
morre. De acordo com a teoria da condição, como a contribuição psíquica especial importância nos delitos qualificados pelo resultado, praticados em
é causal e continua a produzir efeitos durante toda a viagem, a morte do tio coautoria, nos quais se corre sempre o risco de que a responsabilidade pelo
é imputada ao sobrinho, mesmo que advenha de um acidente. Na teoria da resultado mais grave seja atribuída ao agente com base no princípio do versari
adequação, como a morte se situa fora de qualquer probabilidade, segundo in re illicita, isto é, como simples consequência de sua atuação anterior con-
a experiência da vida, não pode ela ser imputada ao sobrinho. Diferente será trária ao direito. Pela teoria da relevância, será imprescindível analisar, nesse
o caso em que o sobrinho convence o tio a realizar uma viagem de avião, caso, se a causalidade se afastou do processo que o tipo legal previu como
sabendo que nele se encontra uma bomba, que acaba provocando a explosão proibido e também do fim de proteção da norma (a norma não quer ter em
do aparelho e a sua morte. Aqui, devido ao conhecimento especial do agente conta qualquer resultado mais grave); se tal ocorrer, não será possível res-
quanto ao desenrolar do processo causal, sua ação foi adequada ao resultado, ponsabilizar-se esse autor, mas somente quem, no caso concreto, atuou com
respondendo ele por homicídio consumado. relevância típica, isto é, aquele que produziu o resultado mais grave dentro
A teoria da adequação, por não ser propriamente uma teoria da cau- do desdobramento da própria atividade típica.520 O Código Penal brasileiro,
salidade, serve apenas de critério delimitador dessa causalidade, quando o ao limitar a causalidade no que se refere às causas supervenientes, acolheu em
processo produtor do resultado juridicamente proibido seja anormal ou atí- parte os argumentos da teoria da relevância jurídica, embora tivesse deixado
pico. Mesmo como teoria limitadora, é ela defeituosa, porque não apresenta, de lado circunstâncias importantes, principalmente, dos delitos culposos e
com o critério da prognose posterior objetiva, instrumentos seguros a deli- omissivos e todas aquelas situações controvertidas dos delitos qualificados
mitar objetivamente a responsabilidade do agente, sem recorrer ao dolo e à pelo resultado, ou de dupla causalidade. Mas a teoria da relevância jurídica
culpa ou à culpabilidade. é ainda insuficiente para resolver definitivamente esses problemas, porque
trabalha com critérios puramente normativos, que ficam na dependência de
(C) A TEORIA DA RELEVÂNCIA JURÍDICA uma decisão interpretativa e desconsideram elementos próprios do processo
Por isso mesmo, como complemento à análise da causalidade, propôs
518. MEZGER, Edmund. Tratado de Derecho Penal, vol. I, p. 241 et seq.
MEZGER que, ainda quando uma ação seja causal relativamente ao resul-
519. WESSELS/BEULKE. Strafrecht AT, p. 53
tado, quer segundo a teoria da condição, quer da adequação, o seu autor só 520. BLEI, Hermann. Strafrecht, AT, 16 ª edição, 1975, p. 78 et seq.
276 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 277

causal. Vê-se, pois, que em face de qualquer dessas teorias ainda é bastante o dado objetivo da relação de causalidade física, mas também sobre o impulso
controvertida a determinação da causalidade, não se podendo superar uma volitivo. Apesar de ser uma teoria adequada ao campo da imputação, o direito
indagação subjetiva, em alguns casos, o que levou a teoria científica moderna penal não a acolheu com entusiasmo, preferindo, como vimos, a teoria da equi-
a inseri-la em um processo de crise e a repudiá-la. valência das condições, que é, na verdade, uma teoria contrafática, quer dizer,
o que importa para determinar se uma condição é causa de certo evento é a
(D) A CLÁUSULA CETERIS PARIBUS
assertiva de que se esta condição não existisse, o evento igualmente não existiria,
A crise da teoria da causalidade está associada a dois aspectos de sua independentemente se essa relação era ou não regular. O caráter contrafático
manifestação, nem sempre levados em conta pela doutrina: a necessária dife- da causalidade apresenta, porém, inúmeras dificuldades e necessita de algum
renciação entre a explicação causal dos fenômenos, ou leis da causalidade, por modo de delimitação dessa forma de explicação, ou subordiná-la a corretivos.
um lado e a relação causal, por outro lado. Para DAVIDSON, que trabalhou, Um desses corretivos, impostos pelo legislador diante da possibilidade do re-
especialmente, este tema, a explicação causal, ou as leis da causalidade, dizem gresso infinito da sequência causal, já foi dado pela limitação da causalidade
respeito a uma forma de argumentação pela qual se podem vincular, entre si, nas condições supervenientes, mas, como já acentuado, em face dos problemas
diversos fenômenos. A relação causal, por sua vez, seria uma relação natural inerentes a esta fórmula estrita, os corretivos apresentados não são suficientes
entre acontecimentos singulares, que persiste, independentemente de que para individualizar, com precisão, o conteúdo e a extensão da relação causal.
sobre ela se afirme ou se negue alguma coisa. Assim, se alguém desfere contra
Como a adoção da causalidade, segundo seu caráter contrafático, segue
outro um tiro e lhe produz a morte, podemos descrever a relação entre o
uma forma de explicação que não precisa corresponder ao enunciado da
tiro e a morte, invocando algumas formas de argumentação, que se edificam
própria relação causal natural, é perfeitamente compreensível que sua iden-
como teorias da causalidade,521 mas não podemos criá-la, por se tratar de uma
tificação se faça mediante o recurso do critério da eliminação hipotética, que
relação natural. A questão de se estruturarem, separadamente, a explicação
bem o retrata em um quadro variável e reversível. Assim, embora este critério
causal (teoria) e a relação causal (fenômeno) dá lugar a uma série de conje-
não possa abarcar todos os dados da causalidade, que deveriam ser tomados
turas acerca da velha e conhecida discussão se a relação de causalidade tem
em sua totalidade e não em suas partes, ou variáveis dependentes (assim é,
ou não um fundamento nomológico, quer dizer, se uma determinada relação
inclusive, a proposta das teorias científicas tradicionais), é ele, como critério
causal singular (no caso, o tiro e a morte da vítima ou, em outro exemplo,
lógico e racional, um servidor dedicado à teoria da equivalência das condi-
se alguém jogou uma pedra e quebrou a janela do vizinho) deve, ou não,
ções, porque prescinde, no caso concreto, de uma avaliação empírica sobre
submeter-se à mesma forma de demonstração, como decorrência de que a
os dados reais dessas condições e do contexto no qual atuam.
explicação (teoria), para ser verdadeira, tem de corresponder à relação causal,
esta, sim, de qualquer modo, submetida a uma lei causal estrita. Tecendo uma crítica a essa forma de retratar a causalidade, da qual não se
libertaram nem mesmo as teorias da causalidade adequada, porque substituí-
Se acolhermos positivamente esse caráter nomológico, isto é, de que todo
ram, simplesmente, o critério da eliminação hipotética pelo da probabilidade,
e qualquer vínculo causal singular entre dois acontecimentos está subordina-
sem outros corretivos, BERTRAND RUSSELL bem asseverou que de uma
do a única e determinada explicação, como forma de verdade, chegaremos à
generalização, por exemplo, de que A é normalmente seguido de B, ou de que
conclusão de que toda a questão da causalidade e, consequentemente, da impu-
a eliminação hipotética de A e a consequente eliminação de B afirma a relação
tação deve ser resolvida por uma teoria que tome essa relação, segundo um juízo
causal necessária entre A e B, não se pode chegar, com absoluta precisão, ao
empírico de regularidade. A teoria da regularidade, que deve seu enunciado,
termo final da cadeia causal, porque só com isso não seria possível prever as
propriamente, a HUME e JOHN STUART MILL, constitui o cerne de um
circunstâncias concomitantes ou consequentes que poderiam decretar a fali-
modelo bastante avançado de causalidade, porque individualiza as condições
bilidade dessa cadeia.522 Uma vez que a explicação da causalidade, portanto,
que atuam na produção do resultado e possibilita trabalhar não apenas sobre
522. RUSSELL, Bertrand. Psychological and Physical Causal Laws, in The Analysis of Mind, London-New
521. DAVIDSON Donald. “Geistige Ereignisse”, in Handlung und Ereignis, 1998, p. 302. York, 1921, 9ª reimpressão, 1968, p. 96.
278 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 279

articula hipóteses e não uma cadeia de demonstrações e refutações, a adoção coloca com essa afirmação é de como se poderá afirmar essa semelhança. Como
de qualquer de suas teorias, em especial da teoria da condição, com seu critério bem pondera ERNEST NAGEL, “obviamente não basta uma semelhança ar-
de eliminação hipotética, implica considerar, como critério de verdade, unica- tificial entre as circunstâncias”, pois, “dois conjuntos de circunstâncias podem
mente o uso do método da pseudofalsificação, isto é, uma relação causal não ser considerados iguais por observadores diversos” e, não obstante isso, “um
será eliminada, sem mais, quando sobre ela interferem fatores ou condições efeito determinado pode resultar de um desses conjuntos, mas não de outro”,524
contingentes. Com isso se quer dizer que a causalidade, tal como concebida o que implica que a explicação causal dos fenômenos, neste caso, se orienta
em seu sentido contrafático, ao prescindir de qualquer circunstância empírica, menos por suas condições determinantes e mais por seus efeitos.
implica uma mera ficção lógica, daí serem irrelevantes, em face da teoria da Diante dessas características, a cláusula ceteris paribus comporta inú-
condição, as chamadas concausas. Veja-se, por exemplo, que o Código Penal no meras acepções. Para KEIL, que se dedicou, com afinco, a elucidar a relação
seu art. 13 acolhe, quanto à causalidade, pelo menos, duas ficções: a primeira, entre agir e causar, subsistem sob esta expressão cinco enunciados:525
de considerar que a noção, ou explicação da causalidade se deva fazer pelo cri- a. ceteris paribus significa “segundo iguais fatores”;
tério da eliminação hipotética, sem a consideração de fatores concomitantes; b. ceteris paribus significa “segundo todos os outros iguais fatores”;
a segunda, de considerar a omissão como causa. Caso se argumente com uma
c. ceteris paribus significa “sob normais circunstâncias”;
noção contrafática de causalidade, que se exaure no seu próprio enunciado, será
d. ceteris paribus significa “em sequência não perturbada”;
perfeitamente compreensível um modelo lógico de relação causal.
e. ceteris paribus significa “se não há outros fatores” (ceteris absentibus).
No direito penal a relação de causalidade não está orientada, porém,
Diante de todos esses enunciados, o que se pretende com a cláusula
para o descobrimento da verdade dos fatos, até mesmo porque, em um sen-
ceteris paribus é considerar que a questão da causalidade não pode ser equa-
tido contrafático, as circunstâncias que cercam esses fatos são irrelevantes.
cionada sem os fatores concretos que atuam na cadeia causal. Nisto reside
Aqui o que se cogita é de um fator de garantia, que ponha um limite à ex-
seu mérito, que corresponde, assim, à expectativa de superar o enunciado
tensão dessa explicação causal, sob o pressuposto de que a questão consiste,
contrafático da teoria da equivalência das condições e de seu critério de
portanto, em se decidir se a explicação da relação causal, para os efeitos do
eliminação hipotética, que conduz a um procedimento puramente lógico e
direito penal, deve ser sempre apenas lógica, ou se sobre esta explicação
reversível, em oposição ao que deve, efetivamente, se tratar, que é de uma
(teoria da causalidade) é necessário incidir um outro critério que leve em
teoria da causalidade que leve em conta tanto as circunstâncias antecedentes
conta os contrafatores empíricos, como fatores de garantia.
que impulsionam a sequência causal, quanto os fatores que, concomitante ou
Parece que toda a preocupação da ciência, em geral, desde RUSSEL, supervenientemente, sobre ela atuam. Concluindo-se, porém, no sentido de
é de estabelecer uma lei causal que situe esses fatores de interferência como tomar como correta a busca de uma tal teoria, será preciso, ademais, apontar
condições determinantes da relação entre antecedente e consequente. A teoria qual dos significados, acima indicados, da cláusula ceteris paribus é o mais
da imputação, como veremos mais adiante, desenvolve esses fatores sob a pers- adequado às exigências da teoria do injusto penal.
pectiva da sociedade de risco. Antes disso, contudo, essas circunstâncias podem
No direito penal, a filiação antecipada à teoria da equivalência das
ser ainda trabalhadas no âmbito da causalidade, sob o crivo da cláusula ceteris
condições, rechaça a ideia de se verificar, com especificação, o que se passa
paribus. Ainda que apenas recentemente essa cláusula tenha sido estudada
na cadeia causal, fora de sua elaboração lógica. Assim, costuma-se afirmar
mais a fundo, podemos atribuir-lhe o enunciado a JOHN STUART MILL,
que as concausas não interferem na relação de causalidade, salvo quando, por
ao emprestar à causalidade o atributo de princípio da uniformidade, pelo qual
força do § 1º do art. 13 do Código Penal, constituírem causas supervenientes,
se admite que na natureza se produzem casos paralelos, que voltarão a ocorrer,
caso se verifiquem semelhanças em suas circunstâncias.523 A questão que se
524. NAGEL, Ernest. La estructura de la ciencia. Problemas de la lógica de la investigación científica, tradu-
ção castelhana de Nestor Miguez, Barcelona, 1991, p. 293.
523. MILL, John Stuart. A System of Logic, London, 1879, livro 3, capítulo 3., seção 1. 525. KEIL, Geert. Handeln und Verursachen, Frankfurt am Main, 2000, p. 227.
280 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 281

que por si só tenham produzido o resultado. Esta afirmação, porém, como uma vez que, em ciências sociais, ou em ciências normativas, como o direito,
veremos, deve ser colocada sob refutação. a análise dos fenômenos, como ensina NAGEL, tende a estabelecer leis gerais,
Tem razão, por um lado, KEIL ao enfatizar a impropriedade do segun- que são levadas a cabo pelos intérpretes, ainda que em diversas condições, sob
do significado da cláusula ceteris paribus (b), em comparação com o primeiro um plano, primeiramente, de enunciados estatísticos (pense-se, por exemplo,
(a), em face da consideração de que, empiricamente, é absolutamente impos- na jurisprudência dominante e repetida dos tribunais superiores) e, depois,
sível, em uma cadeia causal, que todas as circunstâncias sejam absolutamente como leis “quase gerais”, no sentido de que, embora sejam expressas em
iguais. Do mesmo modo, é incompreensível, como forma limitativa, o ter- sentido universal, são afirmadas sem a intenção deliberada de se excluir a
ceiro enunciado (c). Além de ser difícil esclarecer o que se deva entender ponderação de que suas relações dependem da igualdade de outros fatores,
por “circunstâncias normais”, o índice de normalidade tende a ser aferido de que possam ou devam nelas interferir.527
acordo com um método estatístico, que é incompatível, evidentemente, com Aplicando-se aos casos práticos e enfrentando, com isso, a fórmula con-
um sistema de garantias. Ainda que a aferição do índice de normalidade não trafática do Código Penal, podemos afirmar uma relação de causalidade, tão só
seja fixado estatisticamente, a normalidade das circunstâncias depende, na e apenas, quando as condições atuantes no momento do resultado se encon-
verdade, do rumo seguido pelos antecedentes, que podem abarcar os fatores trarem sob iguais fatores das condições desencadeadas no momento da ação.
concomitantes e supervenientes, quer dizer, o significado de “normalidade”, Assim, não basta para afirmar a causalidade a simples eliminação hipotética da
ao orientar-se pelo rumo dos antecedentes, pode se satisfazer com sequências ação e a consequente eliminação do resultado, mas a subsistência, além disso,
anormais, desde que contingentes. Isto retiraria da cláusula ceteris paribus de fatores iguais tanto no momento da ação, quanto no momento do resultado.
sua força limitadora. O mesmo argumento pode ser usado para o quarto Afora, assim, a fórmula limitadora do § 1º do art. 13 do Código Penal,
significado (d), pois nem sempre a interferência de fatores perturbadores que já incorpora, em certa medida, a cláusula ceteris paribus, se pode, desde
pode excluir a relação causal. A última formulação (e) tem a vantagem de logo, excluir a própria causalidade, em muitos casos que só comportariam
disciplinar os fatores diversos que atuam na causalidade, não em um sentido uma análise derradeira no âmbito da imputação objetiva. Tal se pode dar,
positivo, mas negativo. Aqui valem as assertivas de JOSEPH, JOHANSSON principalmente, nas hipóteses de delitos culposos, em que o resultado,
e HEMPEL de que “se outros fatores são iguais ou constantes, é irrelevante”; embora decorra da ação do agente, não se verifica sob os mesmos fatores da
o que, efetivamente, confirma a causalidade é o fato de todos os outros fatores infração à norma de cuidado, ou nos casos de desvio do curso causal, ou de
não se terem verificado, pois daí se pode dizer que “há uma certa condição autoexposição a perigo, nos delitos dolosos, nos quais o impulso inicial toma
inicial e uma certa condição resultante”.526 O problema deste último signi- um rumo inesperado, porque as condições atuantes no momento do resulta-
ficado reside em que, uma vez abstraídos os fatores positivos, a limitação da do já não mais se veem situadas sob os mesmos fatores incidentes à época da
cláusula ceteris paribus pode se tornar inútil, em face da utilização, neste caso, ação. Como adiante veremos, a teoria da imputação objetiva trabalha sobre
do critério da eliminação hipotética, que atua negativamente, a partir das variações do risco autorizado ou proibido e pode apresentar dificuldades,
consequências. Quer dizer, a condição antecedente será causa da consequente quando se trate de determinar se a ação do agente de fato incrementou ou
se, eliminados os fatores positivos, a consequente for o resultante daquela. aumentou, no caso concreto, o risco da ocorrência do resultado. A vantagem
A subsistência, assim, da cláusula ceteris paribus se deve ao primeiro da cláusula ceteris paribus está em se exigir, como pressuposto de qualquer
significado (a), isto é, sempre que se verifique a condição X, então, desde imputação, que os fatores de produção do resultado sejam qualitativamente
que “sob iguais fatores”, ocorrerá o resultado Y. iguais àqueles existentes no momento da ação, sem a necessidade de uma
No fundo, a cláusula ceteris paribus é, igualmente, uma consequência medição quantitativa dos riscos daí decorrentes.
inexorável da generalização lógica, que dá lugar à própria teoria da condição, Vejamos uma aplicação desta cláusula no conhecido exemplo da posse
526. KEIL, Geert. (Nota 525), p. 229. 527. NAGEL, Ernst. (Nota 524), p. 419.
282 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 283

e do uso de arma: alguém guarda uma arma em sua residência, com a devida constituem um avanço significativo para evitar as maléficas consequências
precaução. Sem que houvesse alteração, por parte do agente, nessa precaução, dessa extensão causal. O que se objetiva, porém, é discutir ainda uma solução
a arma vem a ser manuseada, indevidamente, por seu filho menor, tendo para essa extensão no próprio âmbito da causalidade. Para tanto, parece que,
como resultado a morte de seu colega de escola. Esta morte não pode ser em decorrência do que a própria ciência propôs, já foram criadas as condições
imputada ao dono da arma, porque os fatores que atuaram na produção do para essa pretensão, como ocorre, por exemplo, entre outros, nos trabalhos de
resultado não eram os mesmos que estavam a viger na ação de guardá-la. PUPPE. Uma dessas condições reside em que as ciências vêm propondo que
Enfim, o resultado morte não decorreu sob o efeito dos mesmos fatores as variáveis devam ser apreciadas dentro de um processo global, no qual se
quanto à posse e guarda da arma, qual seja, o ato de acondicioná-la em local torna relevante assinalar que a relação entre o antecedente A e o consequente
de difícil acesso, mas de uma interferência inesperada de outrem sobre aque- B seja apreciada como fato histórico e não como relação linear.530 Como fato
las condições. Tratando-se de condições submetidas a fatores diversos (por histórico, a variável A e o evento B devem ser vistos como acontecimentos
um lado, o ato de guardar com precaução; por outro, a ação interferente do dinâmicos. Ao concluir, assim, que a relação de causalidade se dá entre acon-
menor), não se pode afirmar a causalidade. tecimentos e não entre elementos singulares, a ciência abriu a possibilidade de
dispor cerca de um outro enunciado, pelo qual a causalidade não é aferida de
(2) A CAUSALIDADE FUNCIONAL
elementos isolados, mas de conformidade com um determinado sistema.531
Muito já se falou sobre as inconveniências dos critérios utilizados no
A teoria da condição, pelo seu enunciado, corresponde ao pensamento
direito penal para explicar e justificar a imputação pela causalidade. Não será
positivista do século XIX, que impregnou as ciências em geral com a ideia
preciso reproduzir novamente essa longa e exaustiva discussão. O que se pode
de encontrar uma explicação para os fenômenos dentro do próprio mundo,
dizer é que a questão da causalidade continua ainda a despertar interesse no
como forma de demonstrar que o pensamento científico era logicamente ir-
direito penal e sua extensão não foi suficientemente delimitada, principal-
retocável.532 Dentro desse mesmo contexto se desenvolve também uma teoria
mente quando a explicação está fundada na teoria da condição, como ocorre
instrumental da ação humana, a qual persiste, inclusive, até nossos dias, ora
no direito brasileiro, em face da regra expressa do Código Penal.
como entidade causal, ora final. HABERMAS faz bem a diferença entre as
Ao tratar o problema no âmbito da própria causalidade e seguindo a ações instrumentais, baseadas na relação meio e fim, e as ações sociais, ora
tradição escolástica de isolar as causas primeiras das causas segundas, procu- estratégicas, ora comunicativas, para mostrar a necessidade de que a conduta
rou-se disciplinar a regra de que, quando uma causa superveniente produzir humana seja, na verdade, conceituada a partir de sua relação com o mundo
o resultado por si mesma, restará excluída a causalidade anterior.528 Essa vital (Lebenswelt), o que lhe poderá fornecer os atributos adequados à sua
regra, contudo, não é suficiente para impedir que, em algumas formas de identificação.533 Essa proposta de vincular a conduta ao contexto, sem retra-
causalidade, por exemplo, nos casos de cumplicidade psíquica ou de uma tá-la exclusivamente como entidade causal, deve produzir efeitos também na
suposta coautoria em crime culposo, ou de condições congênitas (hemofilia, explicação científica de seu desdobramento na realidade exterior. À medida que
osteoporose, etc.), se possa fazer vigorar a causa antecedente no momento a teoria da causalidade dependa do contexto e encare os acontecimentos como
do evento. A limitação só se fez viável, assim, por meio de critérios alheios à fatos históricos, não há como se desvincular a explicação da relação causal do
causalidade, como propugna a doutrina dominante da imputação objetiva próprio enunciado da conduta. A causalidade no direito penal só tem signi-
em quase todos os países.529 Está claro que os critérios da imputação objetiva ficado em função da ação humana. Sem ela, a explicação causal cai no vazio.

528. CP, art. 13, § 1º: A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por
si só, produziu o resultado. 530. GODFREY-SMITH, Peter. Theory and Reality, p. 197.
529. Por influência de ROXIN, por exemplo, a teoria da imputação objetiva tem-se expandido de maneira 531. BALZER, Wolfgang. Die Wissenschaft und ihre Methode, Grundsätze der Wissenschaftstheorie, Frei-
significativa por toda a América Latina, inclusive o Brasil, principalmente depois da introdução empre- burg/München, 1997, p. 322 f.
endida por GRECO, Luís, Um panorama da teoria da imputação objetiva, São Paulo: RT, 2013, p. 17 532. GODFREY-SMITH, Peter. (Nota 530), p. 191.
e ss. No exemplo do hemofílico, RENGIER, Rudolf, (Nota 567), p. 93, propõe excluir a imputação por 533. HABERMAS, Jürgen. “Kommunikatives Handeln und Lebenswelt”, in Philosophische Texte, Frankfurt
força do critério de imprevisibilidade do resultado. am Main, 2009, 1, p. 157 f.
284 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 285

Voltando a HABERMAS, pode-se dizer que “à conduta normativa- Essas questões, por sua vez, conduzem à discussão se a realidade do processo
mente regulada corresponde uma ordem social, que se conceitua como um causal é apenas uma realidade física, ou se compõe, como na proposta de
sistema de normas reconhecidas ou instituições subsistentes”,534 de tal forma WELMER, também de decisões, de proposições e de argumentos.537 Se a
a não se poder tratar de uma conduta exclusivamente por seus efeitos linea- causalidade, por sua vez, for também constituída de argumentos, se pode-
res. É que “ao lado do mundo fático objetivo se põe, em primeira linha, um ria discutir se sua afirmação não implicaria uma reafirmação redundante,
mundo social, ao qual está submetido o autor, como sujeito funcional, assim como nas fórmulas de RAMSEY e AYER.538 Igualmente, pode-se colocar
como os outros autores que podem entabular reciprocamente relações interpes- aqui também o tema da vinculação entre explicação causal determinista e as
soais, reguladas legitimamente”.535 Por sua vez, o “mundo social é constituído proposições ou argumentos, ou seja, é também importante verificar se uma
de ordens institucionais, que estabelecem quais interações pertencem à totalidade forma de explicação causal, expressa por meio de uma teoria, como a teoria
das respectivas relações sociais autorizadas; e todos os destinatários de tal com- da condição, é a única explicação possível para todos os fenômenos.
plexo de normas estão submetidos aos mesmo mundo social”.536 Partindo dessa Como pressuposto à contestação àquelas questões, parece necessário
consideração, pode-se dizer que a explicação causal, em primeiro lugar, não esclarecer em que medida a relação de causalidade se vincula a um critério
pode prescindir de um enunciado de conduta, como seu pressuposto de vali- de verdade. Parece que essa vinculação se torna necessária quando se cons-
dade; em segundo lugar, está subordinada a um mundo social que regule as tata que o enunciado da relação causal se dá em torno de fatos semeados de
relações interpessoais e, finalmente, a um sistema de normas. Parece, então, elementos que devam ser comprovados empiricamente por meio da perícia.
que a explicação causal não é mais um simples enunciado contrafático, mas a Uma vez que os fatos, portanto, estão na base da afirmação da causalidade,
conclusão centrada na relação entre conduta humana, resultado e o respectivo surge também a necessidade de se discutir se essa relação pode também ser
mundo dos valores, tal como já havia sugerido HASSEMER. tematizada em torno do critério de verdade. Não vamos discutir aqui os
A discussão que deve surgir agora é em torno de como se poderia equa- inúmeros critérios de verdade que a ciência propôs no transcurso de seu de-
cionar essa forma de explicação causal. Um primeiro obstáculo é representado senvolvimento. Em se tratando de determinar a natureza da relação causal,
ainda pela teoria da condição, entronizada fortemente no direito penal desde o importante será indicar a forma como essa relação se apresenta. Como,
o século XIX; um segundo obstáculo será definir a natureza dessa explicação segundo a proposição inicial, no direito penal a causalidade não se resume à
causal e sua relação com uma noção de sistema. Quanto ao primeiro obstá- observação de que o acontecimento A produziu o acontecimento B, mas sim
culo, parece hoje que poderá ser transposto facilmente, porque a doutrina que ambos se encontram submetidos a uma norma e que, em consequência
penal já percebeu há muito sua impropriedade como critério exclusivo de disso, a afirmação dessa relação representa, de certa forma, um recurso de
imputação. Inclusive, tanto os adeptos de uma teoria de imputação objetiva, justificação do que se quer caracterizar como verdadeiro, isto conduz a que
quanto os antigos defensores do finalismo, interpuseram recortes nesse enun- o critério de verdade não deva estar relacionado aos elementos materiais do
ciado, no âmbito da teoria do risco ou no âmbito do dolo. Mais problemático fato, mas sim à decisão a ser tomada quanto à validade daquela afirmação.
é enfrentar o segundo obstáculo. A questão, então, se a causalidade pode ser diretamente apreendida
Inicialmente, podemos discutir se efetivamente a explicação do mundo pelo observador, tanto faz se por meio da perícia ou pelo juiz, parece que
se dá diretamente por meio de uma operação que se poderia chamar de plás- pode ser respondida de forma negativa, ou seja, a apreensão da realidade da
tica, pela qual a realidade é registrada no intelecto como uma figura em um causalidade não é uma operação de simples identificação, de simples registro
molde de cera, ou se a realidade só é apreendida sob a forma de uma argu-
mentação que a retrate conforme a imagem que dela pode fazer o observador. 537. WELMER, Albrecht. Gibt es eine Wahrheit jenseits der Aussagenwahrheit? In Wie Worte Sinn machen,
Frankfurt am Main, 2007, S. 226.
538. RAMSEY, F. P. “Tatsachen und Propositionen”, in Gunnar Skirbekk (org.) Wahrheitstheorie, Frank-
534. HABERMAS, Jürgen. (Nota 533), p. 168. furt am Main, 1977, S. 224 f.; AYER, A. J. “Wahrheit”, in Gunnar Skirbekk (org.) Wahrheitstheorie,
535. HABERMAS, Jürgen. (Nota 533), p. 173. Frankfurt am Main, 1977, S. 276 f.; AUSTIN, J. L. “Truth”, in G. Pitscher (org.), Truth, Contemporary
536. HABERMAS, Jürgen. (Nota 533), p. 173. Perceptions in Philosophy, New Jersey, 1964, S. 162 f.
286 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 287

ou modelagem, mas de justificação dos critérios postos em execução para em relação a outro “quando depender deste outro, na medida em que o valor que
demonstrá-la. Portanto, a decisão judicial que afirma a causalidade entre a lhe corresponder for calculável sob o parâmetro deste outro, segundo a forma de
ação do agente e o resultado não é uma afirmação redundante, de simples uma lei física”.543 Mas, como a relação de causalidade não pode ser separável
reafirmação do que os peritos disseram, porque o juiz deve apreciar a relação de sua explicação e esta se expressa por meio de uma decisão, com pretensão
causal segundo as delimitações impostas pelo direito, ou seja, a indicação de validade, o conceito físico de função não pode ser aqui aplicado. Poder-
pericial não é apenas um indício que seria ou não reafirmado, mas o próprio -se-á, então, entender neste caso por função o sentido ou o significado que uma
conteúdo do fato posto à prova e sobre o qual deve o juiz decidir.539 atividade desempenha em face de um sistema, à medida que possa corresponder
Podemos seguir, aqui, então a proposta de HABERMAS de que “a às expectativas que esse mesmo sistema espera daquela atividade. O problema
verdade é uma pretensão de validade, que associamos a uma proposição, na qual está, porém, em se vincular a explicação da causalidade às perspectivas de
a afirmamos”.540 Se estamos tratando, assim, da relação causal, a afirma- manutenção do sistema, o que não seria recomendável, pois, então, implica-
ção sobre essa relação, como forma de explicação científica, não pode estar ria dar à decisão sobre a causalidade uma finalidade que ela não persegue, e
constituída exclusivamente de informações sobre coisas, mas de proposições, nem se poderia compreender uma explicação causal em termos de autopoiese,
ou melhor, de decisões acerca do fato posto à prova. Portanto, a explicação porque ela nada tem a ver com o sentido de uma autorreprodução.
causal está amparada em um discurso, no qual se devam também discutir não Por outro lado, ao direito penal não cabe sedimentar um sistema nor-
apenas os elementos que compõem o fato, mas principalmente o sentido da mativo, mas traçar elementos que possam discutir sua legitimidade, inclusive
decisão sobre a verdade da afirmação. quanto à explicação acerca da responsabilidade. A decisão sobre a causalida-
Assim, a explicação causal também não pode ser uma explicação trans- de, portanto, como expressão da verdade acerca do seu enunciado em relação
cendental, de modo a ser justificada em termos metafísicos, porque deve estar aos fatos, tem uma pretensão de validade, mas isso não implica associar essa
relacionada ao fato concreto que se quer verificar e de conformidade com o expressão à estabilidade da norma. A pretensão de validade serve para verificar
próprio segmento científico no qual é tematizada. Parece, portanto, correta se o enunciado pode ser deslegitimado em face do conjunto normativo ao
a afirmação de WELMER de que assinalar como verdadeira ou falsa uma qual está subordinada a atividade. Assim, a verificação da verdade ou falsi-
determinada explicação depende também da fixação dos limites que lhe são dade da explicação causal, por não se tratar diretamente dos elementos do
próprios.541 A explicação causal, portanto, está centrada em um contexto; no fato, mas de proposições ou decisões, não pode ser obtida, aqui, pelo critério
direito penal, no contexto normativo que estabelece a relevância da condição da correspondência, pois implicaria redundância, e nem pelo critério da coe-
como fator do qual depende, ou pelo qual foi produzido, o resultado.542 rência, pelo qual se poderia aceitar uma decisão que contrariasse o sistema
Portanto, se a explicação causal está subordinada a um sistema de normas, normativo. Nem é relevante trabalhar-se aqui com a teoria do consenso,
que disciplinam a atividade, será também necessário verificar como essa ex- que pressupõe que a pretensão de validade conduza a uma universalização
plicação se comporta em termos funcionais. da conclusão acerca da explicação causal, o que pode ser discutível em face
da variedade como se constitui a relação concreta entre causa e efeito. Im-
Normalmente quando se fala em termos funcionais quer-se proceder portante é apenas verificar como se comporta uma explicação empírica diante
à vinculação desses termos a um determinado sistema, no sentido de uma do conjunto normativo no qual ela é executada. Conforme o desenvolvimento
circularidade. Se a relação de causalidade, por seu turno, for tratada como da explicação empírica se poderá negar sua validade em face do sentido
uma relação física, poder-se-á entender que um acontecimento será funcional imprimido à ação. Sob este fundamento, parece não haver necessidade de se
proceder à diferenciação entre ação comunicativa e ação estratégica, embora
539. Assim, similarmente, PUPPE, Ingeborg. StGB Nomos Kommentar, 4ª edição, p. 499 e ss.
540. HABERMAS, Jürgen. “Diskurstheorie der Wahrheit”, in Philosophische Texte, 2009, Band 2, p. 210. nessa última ainda se reconheça um processo de comunicação orientado às
541. WELMER, Albrecht. Wie Worte Sinn machen, p. 202.
542. HALL, Ned. “Two Concepts of Causation”, in John Collis, Ned Hall, L. A. Paul (org.), Causation and 543. MITTELSTRAß, Jürgen (org.). Enzylopädie Philosophie und Wissenschaftstheorie, Stuttgart- Weimar,
Counterfactuals, Cambridge- London, 2004, p. 225 f. 2004, p. 691.
288 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 289

consequências.544 A diferenciação teria significado caso se pretendesse fixar, entre fenômenos ou acontecimentos se deveu, primeiramente, a ERNST
desde logo, a ação comunicativa como fiel ao sistema, em um sentido uni- MACH, nos últimos terços do século XIX. Segundo MACH, a causalidade
versal, o que foge ao contexto da causalidade, pois implicaria, de certo modo, não pode ser aferida segundo um critério puramente empírico baseado na
o reconhecimento de um conceito metafísico de verdade quanto aos pressu- necessidade, mas sim de conformidade com o sistema no qual os processos
postos de validade daquela ação. Em qualquer caso, a explicação causal deve se verificam. Diz ele: “Em geral, depende menos se vemos a equação da física
funcionar como limitador do reconhecimento de uma atividade deficitária como expressão de substâncias, leis ou, em casos especiais, de forças; de qualquer
quanto ao processo de comunicação. modo, elas expressam uma dependência funcional”.547
Na medida em que a explicação causal seja negativa, não há que se falar Na verdade, a indagação acerca da causalidade só passa a ser interessante
de ação estratégica, na qual os atos ilocucionários desapareceriam. Caso se quando um acontecimento ocorre em condições de anormalidade, quer dizer,
possa dizer, assim, que a conduta não fora causal para o resultado, se confron- só se passa a prestar atenção à causalidade quando se depara com um resultado
tada com o sistema sob o qual teria sido executada, o sujeito atuaria, assim, inesperado e se quer atribuir sua produção a qualquer ato ou acontecimento
de conformidade com um procedimento racional. Está claro que o reconheci- que lhe tenha precedido. Assim se dá, por exemplo, na vida diária, quando um
mento de conformidade com um procedimento racional poderia ser obtido aparelho deixa de funcionar, quando se produz um acidente automobilístico,
em outros estágios da teoria do delito, mas é possível, também, antecipar esse quando um avião cai e assim por diante. Justamente em face dessa acidenta-
reconhecimento na própria causalidade, uma vez que se compreenda a ex- lidade do acontecimento, é que se põe em dúvida a causalidade naturalística,
plicação causal também no âmbito de um procedimento racional, orientado com base na relação de necessidade entre os atos ou acontecimentos anteriores
conforme os parâmetros normativos que disciplinam a conduta. e o que sucedeu. É que todos já se acostumaram a observar as coisas dentro de
Posta a questão nestes termos, parece necessário trabalhar-se ainda com certo sentido de estabilidade, que estará abalada caso um acontecimento dessa
o conceito de função, visto na relação entre sistema e mundo vital (Lebenswelt), ordem se apresente. Assim sucede, por exemplo, com o tráfego de veículos.
embora essa relação tenha sido hoje intensamente criticada.545 Com a cha- Todos se acostumaram a chegar a seus destinos sem qualquer interrupção,
mada ao mundo vital se possibilitará verificar se a explicação causal vincula a com o trem, com o automóvel ou com o avião. Ainda que acidentes sempre se
conduta ao mundo objetivo e ao conjunto de elementos que possibilitem ao produzam, são tomados como acontecimentos excepcionais, a quebrar aquela
sujeito orientar sua conduta; com a chamada ao sistema, se poderá reduzir estabilidade do sistema. Uma vez posta em dúvida a determinabilidade objetiva
a complexidade dos elementos do mundo vital ao conjunto normativo que dos fenômenos, que gera a estabilidade, a causalidade só poderá ser enfocada
retrate especificamente a conduta posta em discussão. segundo um critério funcional que confronte o resultado ou acontecimento
inesperado com o sistema no qual ocorra, quer dizer, a questão inicial não será
Ainda que se possa criticar a redução da problemática da explicação a de imediatamente atribuir a produção do fenômeno a um determinado fator
causal a um princípio funcional, porquanto isto poderia conduzir a uma causal, senão a de indagar o que falhou dentro do sistema, de modo que aquele
indeterminação quando se trate da relação entre objetos singulares e não evento veio a se produzir.548
acontecimentos, a teoria funcional tem contribuído para esclarecer melhor
o sentido das relações entre os objetos, em face do contexto no qual estas Outro não é, por seu turno, o procedimento que passou a ser adota-
relações ocorrem. do nas ciências jurídicas, especialmente, no direito penal. Ao exigir que a
afirmação da causalidade se fizesse dentro da tipicidade como expressão da
A consideração funcional da causalidade não é estranha ao direito relação empírica entre ação instrumental e resultado – nos delitos culposos,
penal,546 mas parece que a explicação funcional da relação de causalidade principalmente em confronto com a norma de cuidado, é bastante discutível
544. HABERMAS Jürgen. (Nota 533), S. 191.
545. JOAS, Hans. “Die unglückliche Ehe von Hermeneutik und Funktionalismus”, in Kommunikatives Han- Funktion”, in Gedächtnisschrift für Armin Kaufmann, 1989, p. 189 f.
deln, 2002, p. 144 e ss. 547. MACH, Ernst. Erkenntnis und Irrtum, Jena, 1926, p. 277.
546. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, 1993, p. 189; LAMPE, E. J. “Die Kausalität und ihre strafrechtliche 548. SCHEIBE, Erhard. Die Philosophie der Physiker, p. 221, 222.
290 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 291

falar-se de uma relação empírica – , o direito encampou, praticamente, o ação do agente. Esta exigência é que provoca a discussão se este resultado está
enunciado das ciências naturais. O problema é que não o fez de modo satis- ou não associado, concretamente, a uma conduta que viola as condições de
fatório, ao usar, na sua determinação, ou um critério lógico-hipotético, ou comunicação de uma sociedade normativamente organizada.552
assumir, em alguns casos, um critério probabilístico549 ou até mesmo estatís- Especificamente, por exemplo, aos delitos culposos, pelos critérios apre-
tico.550 Embora esses critérios possam valer com relação a alguns fenômenos, sentados, no que toca à limitação do dever de cuidado e à identificação da
são insuficientes para retratar a explicação causal em termos de pretensão causalidade com base na teoria da condição, ou à configuração do comporta-
de validade, como ocorre no direito penal, porque ainda estão estruturados mento alternativo com base na teoria da probabilidade, não se tem segurança
sobre uma relação linear de dois ou mais acontecimentos. para proceder à vinculação entre conduta do agente, descuidada ou excedente
O conceito probabilístico de causa suficiente sugere, por sua vez, uma dos limites do risco autorizado, e o resultado efetivamente realizado. A decisão
recuperação da explicação contrafática, tal como na teoria da condição. sobre se o resultado está associado, concretamente, a uma ação descuidada do
Como expõe PEARL, na hipótese de que A e B disparem, em igualdade de agente, só poderá ser obtida se considerarmos que a ação descuidada constitui a
condições, sobre C, a afirmação da causalidade de ambos quanto ao resulta- função desse resultado.553 Com isso se quer significar que tanto a ação quanto
do se baseará mais em nossa intuição do que propriamente em um cálculo o resultado devem ser tratados como acontecimentos históricos temporais,
matemático de determinação,551 o que poderá levar à conclusão de que qual- submetidos a um processo de interação.
quer deles não tenha, efetivamente, causado o evento. Essa deficiência em Para ilustrar essas considerações, podemos tomar como paradigmáticos
determinação tem conduzido a só utilizar o critério probabilístico quando dois casos hipotéticos: um de delito culposo e outro de delito doloso. Em
se tratar de limitar a expansão da explicação causal contrafática, como o faz ambos, em face da teoria da condição se poderia, perfeitamente, afirmar a
NIETHEN. A fim de evitar a indeterminação deste critério, convém propor causalidade. Em ambos também se poderá verificar que a relação entre a ação
outro enunciado, que possa retratar a causalidade sob o parâmetro de sua do agente e o resultado não se opera de forma linear, ficando condicionada
delimitação pelos lindes das normas legais. Isto significa que a explicação ao tratamento que a norma confere ao modo como a ação fora executada.
causal só pode assumir um índice de legitimidade se for tomada em sentido
negativo, ou seja, como um conceito reduzido em relação à amplitude de Assim, no exemplo do motorista que dirige em excesso de velocidade e
outros processos explicativos. atropela um suicida que se lança sobre o veículo de uma passarela, cada um
dos elementos da cadeia causal – a ação e o resultado – não pode ser visto
Acolhendo-se essa postulação no sentido de elaborar um critério ex- como fato isolado, mas como acontecimento em uma relação funcional.
plicativo limitador da causalidade, pode-se partir, na identificação de seu A relação funcional tem, aqui, como protagonista não apenas a produ-
desdobramento, de dois dados essenciais: a) a necessidade de uma explicação ção do resultado, mas também outras duas variáveis: o fato de se haver a
causal que vincule ação e resultado, segundo as limitações de legitimidade vítima lançado sobre o veículo em movimento, a velocidade imprimida pelo
que a norma impõe; b) a função da ação para com o resultado, em face da agente, acima do limite permitido, e a norma que disciplina a condução
proibição ou determinação normativa. de veículos. Para que se possa equacionar a relação funcional também será
Àqueles que defendem um fundamento material do injusto é imperioso importante proceder a uma explicação qualitativa sobre o sentido da ativi-
que se exija, até mesmo como seu pressuposto indeclinável, que esse só estará dade executada pelo agente. O sentido da atividade constitui um elemento
preenchido se ficar assentado que o resultado proibido esteja vinculado à que possibilita vincular a atuação particular do agente ao complexo global
549. PUPPE, Ingeborg. “Zurechnung und Wahrscheinlichkeit”, ZStW 95 (1983), p. 287; idem, StGB No-
mos-Kommentar, 4ª edição, p. 524 e ss; com outra fundamentação, no sentido de limitar a causalidade, 552. Sobre um nomológico critério da causalidade, que subordina sua explicação a uma relação necessária
ZIETHEN, Jörg, Grundlagen probabilistischer Zurechnung im Strafrecht, Frankfurt am Main, 2004, p. entre ação e resultado, ver MEIXNER, Uwe. Theorie der Kausalität. Ein Leitfaden zum Kausalbegriff
148 e ss. in zwei Teilen, Paderborn, 2001, p. 445 ff.
550. PÉREZ-BARBERA, Gabriel. “Kausalität und Determiertheit”, ZStW 114 (2002), S. 611 f. 553. Para uma crítica da posição funcional: STEGMÜLLER, Wolfgang. Erklärung, Begründung, Kausalität,
551. PEARL, Judea. Causality, Cambridge, 2000, p. 316. p. 676 ss.
292 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 293

do acontecimento, de modo que se possa analisar sua função em face do por maioria, lançar, na rede pluvial, dejetos tóxicos. Aqui se está a discutir
preceito normativo. Analisar a interferência da vítima e também a regulação um fato doloso, executado de conformidade com uma decisão do conselho
da atividade possibilita fazer uma apreciação funcional do processo causal, da empresa. Como a decisão foi por maioria, a questão estará em determinar
de modo que um acontecimento só tenha sentido em função da existência se a ação do conselheiro que votou contrariamente à proposta do conselho
do outro. A questão, então, que se coloca deve ser: que função desempenhou, também pode ser considerada como causa da poluição. Neste exemplo, não
afinal, a ação descuidada para o resultado, em face do comportamento da vítima? se pode tomar em consideração apenas a relação de causalidade entre a re-
Utilizando-se a expressão de HALL,554 pode-se dizer que o resultado solução do conselho e o resultado danoso ao meio ambiente, ou às vítimas
não dependeria, aqui, da conduta do agente, tendo em vista a forma como ela individuais, mas ainda a relação de causalidade que se processou entre as
se desempenhou em face das proibições ou determinações da ordem jurídica. ações dos conselheiros e essa resolução.
Embora a morte da vítima fosse fisicamente provocada pelo choque com o A situação pode se tornar delicada, à medida que a presença do con-
automóvel do autor, a explicação causal não poderia ficar reduzida ao aspecto selheiro divergente contribua para a constituição do quórum necessário a
hipotético da teoria da condição, ou a uma afirmação redundante. Normal- legitimar a resolução. Aqui, se apresentam três variáveis: a) a resolução do
mente, a teoria da imputação objetiva resolveria essa hipótese com base na conselho contrária à proibição legal; b) a ação divergente do conselheiro; c)
ausência de concretização do risco no resultado, mas isso não impediria de a contribuição deste conselheiro divergente para o quórum da reunião.
se reconhecer que também, aqui, a explicação causal poderá conduzir a uma A resolução do conselho, efetuada, formalmente, de conformidade com
negação da causalidade funcional. É que neste caso, como a ação descuidada os Estatutos da Empresa, mas contrária à norma legal que proíbe o lançamen-
e a ação cuidadosa estão no mesmo plano, pode-se dizer que ambas não cons- to de dejetos tóxicos no rio, constitui uma condição causal para o resultado:
tituem função do acontecimento, porque, para a ação do suicida, qualquer se não houvesse essa resolução, o fato não teria ocorrido. Nesse aspecto, pela
dessas formas de ação não faria o menor sentido, isto é, se o veículo estivesse teoria da condição, não há dúvida quanto a essa causalidade, até porque o
sendo dirigido em velocidade excessiva ou dentro dos padrões fixados pelas funcionário executor da ordem, ao lançar os dejetos tóxicos no rio, não al-
regras de trânsito o sentido seria o mesmo, tanto para o autor quanto para a terou, com sua conduta, o que lhe fora anteriormente determinado. Não se
vítima, em relação ao resultado concreto. Submetida essa análise ao sistema pode, então, invocar uma correção causal do regresso infinito, tendo por base
normativo, se poderia dizer que a ação descuidada não implicou quanto ao uma causa secundária. Por outro lado, essa resolução só se tornou possível
resultado concretamente ocorrido qualquer ruptura comunicativa, ou seja, porque contava com a presença de todos os conselheiros. Imagine-se que nos
a norma que proíbe a velocidade excessiva não pôde reconhecer uma relação Estatutos conste uma regra de que para o quórum de decisões importantes,
funcional entre essa proibição e o acontecimento. como aquelas que afetam o meio ambiente, se exija a presença de todos os
Diferente será o caso, por exemplo, da pessoa que está atravessando a conselheiros. O comparecimento de todos, portanto, constitui também uma
rua e vem a ser atropelada por um veículo em alta velocidade. Nesta hipótese, condição sem a qual o resultado não teria ocorrido. O que se deve discutir,
a condução cuidadosa constituiria a função de possibilitar que o pedestre então, é se para a afirmar a causalidade basta o comparecimento de todos os
atravessasse a rua, quer dizer, o fato de atravessar a rua teria sentido se o carro conselheiros, ou seja, de que todos os conselheiro tenham tomado parte na
não estivesse em alta velocidade. Há, portanto, uma relação funcional aqui, decisão ou se é indispensável verificar a efetiva participação de cada um dos
neste último caso, entre a conduta e a proibição do excesso de velocidade, conselheiros em sua atuação, como votante da resolução. Ao votar a favor,
que fundamenta a explicação causal do resultado. a atuação de um conselheiro poderá influir ou não na resolução. Se, por
Esse mesmo raciocínio pode ser também usado nas ações praticadas em exemplo, o conselho se compõe de 7 membros, e a resolução for tomada
colegiados, como para aquela em que o conselho de uma empresa resolvera, pelo voto de 4, contra 3, a participação de qualquer dos que votaram a favor
da resolução é decisiva para sua aprovação. Se a resolução for tomada por
554. HALL, Ned. Two Concepts of Causation, p. 205.
294 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 295

maioria esmagadora, por exemplo, 6 a favor e 1 contra, pode-se dizer que o já uma condição necessária à validade da resolução. Neste caso, não se deve
voto de dois deles não foi decisivo para a aprovação da resolução. Ainda que observar apenas a relação entre o voto e a validade da resolução, mas o voto
tivessem votado contra, a resolução teria sido aprovada por 4 a 3. e o sentido da resolução contra a norma proibitiva. O voto, sendo contrário
Ademais, há ainda que se considerar que um dos conselheiros votou ao sentido da resolução, ainda que a validasse quanto ao quórum, não teria
contra a proposta. Aplicando-se um critério da imputação objetiva, pode-se a função de conformar-se com a sua emissão. Uma vez que o voto divergen-
tornar duvidosa a responsabilidade de cada um, porque ainda que um dos te não constituiu uma função do resultado, igualmente, não é de se exigir
conselheiros tivesse votado contra, a resolução teria sido tomada de qualquer desse conselheiro que atue, posteriormente, para inibir a execução da decisão
modo (comportamento alternativo conforme o direito). ROXIN quer tratar colegiada.556 Só se poderá exigir uma atuação eficaz posterior de quem tenha
essa questão no âmbito da coautoria, afirmando a responsabilidade dos que votado a favor da decisão.
votaram a favor da resolução, com base em uma apreciação ex ante. Segundo (3) A IMPUTAÇÃO OBJETIVA
seu entendimento, assume uma função relevante para o fato aquele que lhe
Ainda que se adote a limitação da causalidade pela cláusula ceteris pa-
empresta contribuição, ainda que essa contribuição não seja necessária.555
ribus, ou por aplicação da fórmula da causalidade funcional, é possível que
Parece, porém, que o problema não é de coautoria, mas sim de cau- a causalidade se veja afirmada consoante o critério da eliminação hipotética
salidade: aquele que contribui para o fato, agrega-lhe uma condição para o ou os princípios da teoria da condição, uma vez que não se possa afastar, no
resultado e, portanto, sua atuação pode ser considerada causa do resultado, caso concreto, a identidade dos fatores interferentes na ação e no resultado.
por aplicação pura e simples da teoria da condição. Contudo, a simples Apesar disso, não basta que se afirme essa causalidade para que esse resultado
aplicação desta teoria se torna delicada quando envolve a posição do conse- seja imputável a alguém. Será preciso fazer com que esse resultado seja atri-
lheiro que votara contra a resolução. Nesse caso, não se pode proceder a uma buído objetivamente ao agente como obra sua, isto é, como base para uma
apreciação ex ante, porque sua presença no conselho validava, desde logo, a responsabilidade pessoal a partir de considerações de sua própria capacidade
decisão final da empresa, independentemente de seu voto, porque para a de- de domínio sobre essa causalidade.
cisão era imprescindível a presença de todos. Antes, portanto, de comparecer
Se a questão da causalidade já está solucionada, positivamente, e como
para a reunião, já se poderia atribuir a esse conselheiro uma condição para a
o que agora se discute é acerca de critérios objetivos limitadores da imputa-
tomada de decisão, porque sua presença era imprescindível. Porém, seu voto
ção, não haverá necessidade de se projetarem critérios positivos, mas apenas
foi divergente, o que implica verificar sua posição ex post.
negativos de atribuição. A teoria da imputação objetiva, portanto, não é
Tomando-se em consideração a ação do conselheiro divergente, pode- uma teoria para atribuir, senão para restringir a incidência da proibição ou
mos dizer que ela não constituiu uma função da resolução ilícita tomada pela determinação típica sobre determinado sujeito. Simplesmente, por não acen-
maioria, ainda que esta resolução constitua a função dos resultados danosos. tuarem esse aspecto, é que falham no exame do injusto inúmeras concepções
É que, votando contra a proposta, a ação do conselheiro divergente não teve que buscam fundamentá-lo.557
sentido para essa resolução, uma vez que atendeu à proibição legal. Portanto,
A teoria da imputação objetiva do resultado, como teoria de atribuição,
em termos funcionais, a ação do conselheiro divergente não fora causal para o
parece remontar, filosoficamente, a PLATÃO, quando se refere à eleição que
resultado. A causalidade não será aqui aferida segundo a teoria da condição,
cada um faz acerca de seu próprio destino,558 embora se possa atribuir sua
e sim de acordo com uma modalidade de causalidade funcional, na qual
importante para o resultado é verificar até que ponto a condição se insere no
556. Sem razão, portanto, o Tribunal de Stuttgart que, em decisão de 1981, afirmou a responsabilidade do
contexto da norma, que delimita sua extensão no caso concreto. conselheiro divergente, pelo simples fato de não haver impedido o resultado. Em sentido contrário a
essa decisão, e negando, agora, a causalidade, ROXIN, Claus. Strafrecht, AT, II, 2003, p. 650.
Não será diferente a solução na hipótese de a ação de votar constituir 557. Vendo a imputação objetiva como limitador da tipicidade: PESSOA, Nelson. “Imputación objetiva y el
concepto de acción”, in Teorías Actuales en el Derecho Penal, Buenos Aires, 1998, p. 199 et seq.
555. ROXIN Claus. Strafrecht, Allgemeiner Teil, II, 2003, p. 87/88. 558. PLATÃO. República, X 617 e.
296 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 297

origem à noção de virtude de ARISTÓTELES, como a disposição racional dizer, pressupõe que o agente, com sua conduta, tenha incrementado um
que conduz o homem a fazer bem a sua tarefa.559 No campo da teoria do risco para o bem jurídico, risco esse indevido e materializado como resultado
direito moderno, entende FRISCH que a teoria da imputação tem seu ponto no âmbito da extensão do tipo de delito.
de partida com um artigo de HONIG, relativo ao controle do curso causal, Neste esquema, portanto, a base da imputação se fixa em que a conduta
como pressuposto para atribuir-se a alguém a responsabilidade pelo resultado do agente, além de causal para com determinado resultado, ou para com a
produzido.560 De qualquer modo, em geral, como teoria normativa, inicia-se lesão ou o perigo de lesão de bem jurídico, deve haver produzido um risco
com a obra de LARENZ, que busca discutir acerca da teoria da imputação para a ocorrência daquele resultado ou daquela lesão ou perigo de lesão.
em HEGEL561 e no direito penal, em particular, com um livro de HARDWI- Contudo, não vale para a imputação qualquer risco, mas apenas o risco in-
G,562 no qual visara a distinguir entre a imputação no injusto e a imputação devido e materializado na conduta e no resultado típicos. Note-se que, neste
na culpabilidade. Logo, tomou corpo em toda a doutrina moderna, levando particular, se promove, aqui, muitas vezes já no âmbito da tipicidade uma
autores a proporem uma remodelação na teoria do delito, como teoria da verdadeira antecipação de um juízo de antijuridicidade. Da mesma forma
imputação,563 ou chegando ao extremo de substituir a conceituação tripartida como ocorre, normalmente, com o juízo de antijuridicidade, que é determi-
do delito por uma nova conceituação a partir apenas da imputação objetiva nado por meio de critério negativo, dadas as características do sentido que
no âmbito da antijuridicidade e da imputação subjetiva na culpabilidade,564 se imprime ao processo de imputação, esta não deve ser avaliada positiva,
caminho este último que tem seu antecedente em HARDWIG, mas sem aco- mas negativamente. Não se devem, assim, coligir critérios para afirmar a
lhida pela maioria.565 Não obstante haver a teoria da imputação assumido um imputação, mas para negá-la.
lugar de destaque em todos os manuais de direito penal, se deve, contudo, a
ROXIN o grande mérito de sua sistematização e enquadramento correto na O fundamento da adoção de critérios negativos de avaliação do processo
teoria do delito da atualidade.566 de imputação é enunciado pela doutrina, inclusive ROXIN, sobre a base da
finalidade protetiva da norma, isto é, não haverá imputação, genericamente,
Tendo em vista essa finalidade de lançar objetivamente as bases de quando a ação do agente e o respectivo resultado não se incluírem no âmbito
uma responsabilidade pessoal e não apenas causal, a doutrina busca estabe- de proteção fixado pela norma penal. Evidentemente, embora se postule, em
lecer os critérios normativos que possam fundamentar a imputação objetiva sentido contrário, que a norma penal não deve ser compreendida em seu
em relação a um resultado típico, conforme os fins de proteção da norma momento protetivo, que é, empiricamente, indemonstrável e, ademais, tão
e o alcance do tipo de injusto. Situando-se desse modo frente à sociedade só legitimante da incriminação, mas apenas em seu sentido delimitativo do
pós-moderna, propõe ROXIN que esses critérios normativos tenham que poder incriminador, pode-se concordar que não haverá imputação quando o
se referir necessariamente aos pressupostos da própria incriminação, quer fato se situar além dos limites do que é proibido. Está claro, então, que todo
o processo de imputação não é matéria exclusiva da tipicidade, mas de toda
559. ARISTÓTELES. A Ética, II, 6, 1106 a 22; MENDES, Paulo de Sousa. “Contributo à teoria da imputa-
ção objetiva do resultado”, Comunicação ofertada no Juristisches Seminar, Universidade de Frankfurt, a ordem jurídica. Isto não obsta, entretanto, a que sejam analisados, desde
1995. logo, na própria tipicidade os critérios negativos da imputação.
560. FRISCH, Wolfgang. “La imputación objetiva: el estado de la cuestión”, tradução espanhola da Ricardo
Robles Planas, in Sobre el estado de la teoría del delito, Madrid, 2000, p. 22 et seq.
Pode-se dizer, assim, que não haverá, alternativamente, imputação se:
561. LARENZ, Karl. Hegels Zurechnungslehre und der Begriff der objektiven Zurechnung, Leipzig, 1927.
562. HARDWIG, Werner. Die Zurechnung: Ein Zentralproblem des Strafrechts, Hamburg, 1957; com a) o agente tiver diminuído o risco para o bem jurídico; b) o agente não
exaustiva informação: REYES ALVARADO, Yesid. Imputación Objetiva, Bogotá, 1992, p. 7 et seq.;
sobre os traços gerais dessa evolução: SCHÜNEMANN, Bernd. “Consideraciones sobre la imputación tiver aumentado o risco para o bem jurídico; c) o risco era permitido; c) esse
objetiva”, in Teorías Actuales en el Derecho Penal, Buenos Aires, 1998, p. 119 et seq. risco não se materializar no resultado típico; d) o resultado, na forma como
563. Assim, por exemplo, JAKOBS, Günther, Strafrecht, AT, 2ª edição, p.123 et seq.
564. Assim, por exemplo, REYES ALVARADO, Yesid. “Fundamentos teóricos de la imputación objetiva”, ocorrido, não se incluir no âmbito de alcance do tipo.
in Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, Madrid, 1992, p. 934 et seq.
565. Criticamente: BUSTOS RAMÍREZ, Juan. “Imputación objetiva (cuestiones metodológicas y sistemáti- Embora a base funcional de fundamentação desses critérios possa ser
cas)”, in Estudios Penales y Criminológicos XII, Universidad de Santiago de Compostela, 1989.
566. ROXIN, Claus. Strafrecht, AT, p. 375 et seq. contestada, porque tem em vista que o injusto decorre, na verdade, da violação
298 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 299

a deveres de organização e não da realização de uma conduta que ultrapasse os de outro resultado que, ocasionalmente, pode ser mais vantajoso ou menos
lindes da intervenção estatal, podem eles merecer acolhida, na falta de outros lesivo para a vítima. Neste caso, não há exclusão da imputação.
indicadores, desde que subordinados às condições pessoais do sujeito e sua li- Por exemplo, A convence B a atirar contra a barriga de C, em vez de
berdade contextual. Isto significa que o processo de imputação objetiva deve ser atingi-lo na cabeça. Embora o tiro na barriga fosse menos lesivo, porque C
visto como um recurso adicional a recuperar a função do sujeito na realização pôde até salvar-se, é de se imputar esse resultado a A, porque com sua atuação
do injusto, eliminando de seu âmbito aqueles acessórios absolutamente contin- inaugurou um outro processo causal, direcionado para a produção de uma
gentes, pelos quais esse mesmo sujeito se veria situado como mero objeto das distinta lesão do bem jurídico. Neste caso, tanto A quanto B devem respon-
propostas incriminadoras. À medida que esses critérios possam acentuar essa der por tentativa de homicídio contra C. Outro exemplo (de WESSELS): A,
sua função central delimitadora, segundo o princípio da integridade racional sabendo que B iria ser atacado por C, que planejava matá-lo, agride B, antes
da ordem jurídica, serão válidos como critérios normativos. que ele alcance o local da emboscada e subtrai-lhe ainda um dos sapatos,
Atendendo a que o injusto não pode prescindir de uma referência fazendo com que ele regresse à sua casa; com isso, evita, assim, a sua morte.
danosa, ainda quando se trate de delitos de perigo, porque deve pressupor Neste último caso, embora a lesão produzida fosse menor e, portanto, o risco
uma lesão ou um perigo concreto de lesão a um bem jurídico, não deverá da morte tivesse sido reduzido, as lesões e o furto do sapato serão imputados
haver injusto quando a conduta que se pretende incriminar se tenha orien- a A. Está claro que se pode justificar o fato, conforme as circunstâncias,
tado no sentido da proteção desse bem jurídico. Portanto, o risco que o pelo estado de necessidade. A mesma situação se dá, ainda, quando A, por
agente desencadeou com sua conduta para o bem jurídico deixa de subsistir, exemplo, em face de um incêndio irrompido em um apartamento que põe
primeiramente, pelo critério da diminuição do risco.567 Quer dizer, embora o a vida de uma criança em perigo atual, e não havendo outro meio de atuar
agente tenha provocado uma lesão ou um perigo de lesão ao bem jurídico, para debelar este perigo, resolve lançar a criança pela janela, produzindo-lhe,
não lhe será imputado tal resultado de dano ou de perigo, se a sua conduta com isso, lesões graves, mas evitando-lhe a morte. Aqui, há imputação do
consistiu em uma alteração do processo causal em marcha, de modo a tornar resultado, porque as lesões na criança correspondem a uma sequência de
menor essa lesão ou menor a possibilidade da ocorrência do perigo. risco distinta daquela que fora incrementada pelo incêndio, podendo, porém,
Por exemplo, A afasta com um forte empurrão o revólver de B, fazendo justificar-se o fato, também, pelo estado de necessidade.568
com que atinja o ombro, mas impedindo que alcançasse a cabeça de C. Embora Segundo ROXIN, a justificativa para a adoção do critério da dimi-
o empurrão de A seja causal para a lesão no ombro de C, não lhe será imputada nuição do risco para excluir-se a imputação reside em que, ao agir para
tal lesão, porque, com sua conduta, A, na verdade, diminuiu o risco de uma minorar as consequências de um ato em si lesivo, o agente atuou no sentido
lesão maior do bem jurídico, que seria a morte de C. Outro exemplo: A afasta da finalidade de proteção da norma e não contra ela.569 A questão nestas
com a mão uma pedra que atingiria a cabeça de B, de modo que apenas lese seu hipóteses está relacionada, porém, não à finalidade protetiva da norma, que
braço. Igualmente, a lesão no braço, ainda que causal em relação a A, não lhe é difícil de ser determinada em cada caso concreto e, afinal, é irrelevante e
será imputada porque implicou diminuição do risco de uma lesão mais grave. estranha à constituição do injusto. Como a regra da constituição do injusto,
Diferente é a situação, quando o agente, interferindo no processo causal conforme dissemos acima, está baseada na prática de uma conduta dentro
em marcha, não atua no sentido da diminuição do risco, mas na realização da zona do ilícito que tenha lesado ou posto em perigo o bem jurídico,
será perfeitamente admissível que se exclua do injusto uma conduta que se
567. JESCHECK/WEIGEND. Lehrbuch des Strafrechts, p. 286; MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal, Par-
te General, p. 245; OTTO, Harro. “Risikoerhöhungsprinzip statt Kausalitätsgrundsatz als Zurechnun- dirija objetivamente em sentido oposto àquele pressuposto pela norma. Em
gskriterium bei Erfolgsdelikten”, in Neue Juristische Wochenschrift, 1980, p. 422; ROXIN, Claus.
(Nota 270), p. 375; WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, p. 59; para a crítica do critério da diminuição vez de raciocinar neste caso no sentido da proteção, pode-se perfeitamente
do risco, MENDES, Paulo de Sousa. “Crítica à Ideia de “Diminuição do Risco” de Roxin”, in Revista
Brasileira de Ciências Criminais, vol. 14, 1996, p. 102 et seq.; no sentido de caracterizar, aqui, um
consentimento tácito ou presumido, ou mesmo um estado de necessidade: KINDERHÄUSER, Urs.
“Risikoerhöhung und Risikoverringerung”, in ZStW, 2008, p. 481 e ss; idem. Strafrecht, AT, 2015, p. 568. Assim, por exemplo, WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, 30ª edição, Heidelberg, 2000, p. 64.
95; RENGIER, Rudolf. Strafrecht, Allgemeiner Teil, 10ª edição, München: Beck, 2018, p. 89. 569. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 376.
300 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 301

raciocinar no sentido da não-proibição, que mais se ajusta a uma concepção decorrência de sua costumeira aceitação por todos como inerentes à vida mo-
delimitativa do injusto. derna, sejam social e juridicamente tolerados. Tal se dá com os riscos resultantes
Inexiste imputação, ademais, quando o agente, ainda que não tenha do tráfego rodoviário, ferroviário e aéreo, com as atividades desempenhadas em
diminuído o risco para o bem jurídico, não o tenha aumentado.570 Isto se usinas, minas, metalurgias, indústrias, em hospitais, institutos de pesquisas e
dá, quando, em face do grau de contribuição do agente para com o fato, outros que possam gerar perigo ao bem jurídico. Desde que observadas as regras
não se possa demonstrar que tenha ele excedido o risco geral da vida diária, atinentes a essas atividades, compreende-se que não podem ser imputados aos
ao qual o fato está, normalmente, subordinado.571 Portanto, em princípio, seus agentes os resultados danosos ou perigosos daí advindos.
não haverá aumento do risco, quando a atuação do agente se situar dentro Por exemplo, se A, obedecendo rigorosamente às regras de condução de
de uma situação de risco que não possa comportar uma avaliação quanto à veículos, vem a causar a morte de B, não responderá por ela. Outro exemplo:
sua extensão. Esta questão requer, porém, alguma especialização, quer dizer, uma vez atendidas as normas de segurança, não pode ser imputada ao diretor
para se identificar, desde logo, se a conduta do agente pode ou não sujeitar-se do hospital, a título de lesão corporal, a infecção adquirida por um médico ou
a uma avaliação dentro do risco normal, deve-se trabalhar, aqui, com dois por uma enfermeira, no decorrer do tratamento de um paciente. Um terceiro
critérios que, embora alternativos, se justapõem: a) o critério da capacidade exemplo, já tratado sob a égide da cláusula ceteris paribus, mas que é sempre
de domínio do processo causal572 ou b) o critério da intangibilidade do risco.573 lembrado no âmbito da teoria da imputação objetiva: A, devidamente autori-
Tomemos o exemplo do sobrinho que manda seu tio para uma viagem zado, guarda em sua casa, dentro de uma gaveta bem trancada, um revólver,
de trem, na qual sofre um acidente e morre. Embora a conduta do sobrinho, destinado exclusivamente à sua defesa pessoal; seu filho adolescente, porém,
no plano da causalidade psíquica, tenha sido causal para o resultado, segundo sem que o pai soubesse, arromba a gaveta e com a arma dispara contra seu
o critério da eliminação hipotética, esse resultado não lhe deve ser imputa- colega, matando-o. A morte da vítima não pode ser imputada ao pai, porque,
do, porque estava absolutamente fora de seu domínio. O mesmo caso se dá, independentemente da previsão ou não do resultado, sua conduta se situava
quando A verte uma bacia d’água em uma represa que apresenta um forte dentro do risco permitido. Diferente será a solução, se o pai deixar a arma sobre
vazamento, vindo a acontecer uma inundação. Esta inundação não pode ser a mesa, sem qualquer cuidado, pois, então, atuando com violação do risco per-
atribuída a A, porque com sua conduta não poderia determiná-la, em face da mitido, incrementa o perigo de que, com essa arma, alguém venha a ferir outra
absoluta insignificância da sua contribuição. Aqui vigora o critério da intangi- pessoa, sendo-lhe assim imputado o resultado morte, como homicídio culposo.
bilidade, quer dizer, a imputação não subsiste quando for de tal forma diminuta O risco incrementado pelo agente precisa ainda encontrar a sua realização
a participação no processo causal, que não se possa demonstrar sua relevância. final no resultado típico. Geralmente, a materialização do risco no resultado
A indemonstrabilidade da relevância dessa contribuição causal conduz a con- típico se dá, sem maiores problemas, quando a conduta do agente representa
siderá-la como incluída no âmbito daquele risco normal da vida diária. um aumento do risco para o bem jurídico ou quando o agente provoca um risco
Não haverá igualmente imputação quando o agente tenha atuado dentro indevido. No entanto, pode acontecer que, em certos casos, apesar do aumento
dos limites do risco permitido.574 Devem ser entendidos por risco permitido do risco ou do risco indevido, o resultado típico se dê por outros fatores, em
aqueles perigos que resultem de condutas que, por sua importância social e em virtude de um desvio causal que conduza a um evento objetivamente inespe-
rado, produzido de forma anômala, de modo a não se poder afirmar seja esse
evento a materialização natural do risco incrementado com a conduta inicial
570. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 377.
571. Assumem posição semelhante a esta, ainda que sob a ideia de um risco permitido, igualmente, WES- do agente. Este desvio, às vezes, é tratado no setor do dolo, mas excluirá desde
SELS/ BEULKE. Strafrecht, AT, 30ª edição, Heidelberg, 2000, p. 59. logo a imputação objetiva, quando puder ser objetivamente observado, sem a
572. WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, p. 60.
573. ROXIN, Claus. “Gedanken zur Problematik der Zurechnung im Strafrecht”, in Festschrift für Honig, necessidade de se perquirir acerca da postura subjetiva do agente.
19170, Tomo I, p. 174 et seq.
574. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, p. 200 et seq.; KÜHL, Thomas. Strafrecht, AT, p. 46; ROXIN, Claus. Exemplo significativo é o do ladrão que, juntamente com seu colega,
(Nota 270), p. 382 et seq.
302 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 303

resolve realizar furto em uma residência; lá chegando, enquanto o ladrão fica a vítima se atira contra o veículo em movimento. Mesmo que A dirigisse com
de vigia, seu colega entra na casa e começa a subtrair objetos, quando se depara, velocidade moderada, seria impossível evitar o acidente, porque este se daria
inesperadamente, com a proprietária; impressionado com a mulher, resolve da mesma forma. Não será imputada, neste caso, a A a morte de B.
estuprá-la. Esse estupro não é imputado ao ladrão que ficara de vigia, porque De outro modo deve ser apreciado o fato, caso o agente tivesse realiza-
se diz que está fora do desdobramento objetivo da sua cooperação causal. Mas, do uma conduta irregular e não se pudesse afirmar com certeza, mas apenas
aqui, ao contrário do que se afirma, é inaplicável a limitação do § 1º do art. provavelmente que o resultado não ocorreria. Neste caso, como há sempre
13, porque a contribuição causal do vigia, quer o quisesse ou não, continuava a uma possibilidade de que o bem jurídico não fosse lesado, caso a conduta do
produzir efeitos, favorecendo a prática do estupro. Por outro lado, esta hipótese agente obedecesse ao cuidado necessário ou se mantivesse dentro dos limites
não precisa chegar ao exame do dolo, porque é objetivamente evidente que o do risco permitido, a imputação do resultado ao agente fica na dependência
estupro é derivado de um desvio causal inesperado e não pode ser imputado da afirmação de que sua conduta concreta aumentou as chances da lesão do
ao vigia como obra sua, já que o risco por este incrementado por meio de sua bem jurídico, fazendo com que o risco, de alguma forma, se materializasse no
contribuição para o fato não se materializou no resultado concretamente veri- resultado típico. Por exemplo, o motorista A, ao ultrapassar o ciclista B, não
ficado. Um outro exemplo: o motorista A dirige em excesso de velocidade por guarda uma distância adequada em relação à bicicleta e acaba passando por
uma rodovia bastante movimentada; ao ultrapassar o veículo dirigido por B, cima de B, matando-o. Mais tarde, constata-se que B estava embriagado e que
fá-lo com muita proximidade, mas dentro de sua faixa de condução, de modo também não respeitou a sua linha de condução; contudo, diante de como se
que este vem a morrer de infarto, provocado pelo susto da ultrapassagem. Esta procedeu à ultrapassagem, não haveria certeza, mas apenas probabilidade de
morte não pode ser imputada a A, porque se situa fora de qualquer expectativa, que se o ciclista estivesse sóbrio poderia ter evitado o acidente. Indiferentemen-
de modo que o risco indevidamente incrementado pelo excesso de velocidade te à embriaguez de B, deve ser aqui imputado o resultado morte a A, porque
não se materializa no resultado típico. com sua condução irregular não só acarretou o acidente, como aumentou as
Incluem-se também na hipótese de ausência de materialização típica do chances de que ele ocorresse em quaisquer outras circunstâncias. Aqui não se
risco os resultados que, embora advindos de condutas irregulares do agente, está discutindo a questão da causalidade, que já estaria afirmada pelo critério
ocorreriam da mesma forma, caso o agente tivesse tido conduta regular.575 da eliminação hipotética. O que se discute é se é possível, apesar da causalidade
Um conhecido exemplo de ROXIN: A, na qualidade de farmacêutico, presente, excluir a imputação do resultado ao seu causador. Evidentemente, a
avia uma receita médica vencida, fornecendo um medicamento ao paciente questão da culpa é matéria a rever-se em outra fase e não agora.
que, sendo confeccionado à base de fósforo, tem efeitos cumulativos no or- Não haverá, finalmente, imputação se o resultado concretamente ve-
ganismo; em consequência da ingestão do medicamento, o paciente morre. rificado não se incluir no alcance do tipo. O fundamento desta afirmação
Consultado o médico sobre a receita, afirma ele que, caso fosse solicitado, não deve ser fixado em que o tipo legal de crime vise a uma determinada e
emitiria outra requisição igual à primeira que se achava vencida, porque o específica forma de proteção, conforme a finalidade da norma jurídica nele
paciente necessitava do tratamento e não havia sinais de acumulação perigosa. encerrada, senão que, nesses casos, a conduta incriminada está subordinada
No caso, embora o farmacêutico tivesse atuado de maneira irregular, porque a específicas modalidades de atuação com vistas a lesar o bem jurídico.
aviara uma receita vencida em relação a um medicamento perigoso, não lhe será Se o ato incrementa um risco indevido ao bem jurídico protegido,
imputada a morte do paciente, porque caso agisse ele corretamente, mediante tal risco é alcançado de modo geral pela norma, sujeitando o seu autor às
a exigência de outra receita válida, o resultado se produziria da mesma forma. medidas penais coercitivas, porque a norma, nesse caso, está orientada no
A mesma solução será dada a outro exemplo semelhante: A dirige em excesso sentido de também incluir na zona do injusto aquelas ações que produzam
de velocidade e vem a atropelar B, causando-lhe a morte, justamente porque esses riscos para a verificação dos resultados. Em casos excepcionais, porém,
575. JESCHECK/WEIGEND. Lehrbuch des Strafrechts, AT, p. 288; ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 386 e ss.; principalmente nos crimes culposos e também nos delitos dolosos, pode
WESSELS/BEULKE. STRAFRECHT, AT, P. 60.
304 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 305

acontecer que o resultado, devido à forma e ao modo anormal como fora pelas regras de exculpação, ora pelas regras do consentimento579. De acordo
causado, se situe fora do âmbito de incriminação da norma.576 A doutrina, com as primeiras, regras de exculpação, deve-se negar validade ao princípio
em geral, quando se refere aos limites do alcance do tipo, trata dos casos de da autorresponsabilidade em relação às pessoas que não possam atuar culpa-
desvio causal relevante ou inesperado. Parece, contudo, que estes desvios velmente, isto é, aos inimputáveis em geral ou àqueles que se vejam diante
ficam melhor resolvidos na relação entre risco e resultado, como se fez acima. de um estado de coação, ou de subordinação hierárquica, que lhes tolha a
Especificamente no âmbito do alcance do tipo devem ser resolvidos os capacidade normal de motivação.
casos de autoexposição a perigo, ou aqueles subordinados ao princípio da Pelas regras do consentimento, a autorresponsabilidade se fixa sobre a
autorresponsabilidade. Isto se dá em duas séries de casos: a) na atuação frente renúncia do bem jurídico e pressupõe, para tanto, as seguintes condições: a)
a perigos assumidos voluntariamente pela própria vítima; b) na intervenção, que os bens jurídicos sejam disponíveis; b) que o agente seja seu único titular;
dolosa ou culposa, de terceiros no processo de produção do fato . c) que o agente tenha a capacidade de consentir, quer dizer, que possa avaliar,
No primeiro grupo de casos, o agente contribui para que a vítima reali- em face de suas condições pessoais, o significado e o alcance de sua renúncia;
ze conscientemente uma conduta perigosa para si mesma, quer dizer, apesar d) que o ato de disposição não tenha sido obtido por coação, fraude ou com
da atuação do agente ter sido causal, pelo critério da eliminação hipotética, violação de dever pessoal; e) que o consentimento tenha sido manifestado
para o perigo ou o dano, a vítima os aceita ou, pessoalmente, os realiza. antes do fato, expressa ou concludentemente; f ) que o consentimento não
Aqui a questão da imputação não pode ser vista unicamente sob o âmbito viole princípios fundamentais da ordem jurídica.
da teoria do risco, mas em consideração à estrutura geral da ordem jurídica. Ainda que se trate de imputação no setor do injusto, nada obsta a
Como foi dito antes, a questão da incriminação deve ser tratada sob o as- que se tomem, aqui, condições do próprio injusto ou da culpabilidade. Na
pecto da delimitação da intervenção estatal, vigorando, em sentido geral, o verdade, todas as etapas da realização do processo de imputação congregam
princípio de que cada qual tem a maior extensão possível de liberdade, como elementos, que não se limitam, exclusivamente, ao injusto, mas também à
decorrência de sua condição de pessoa e como membro de uma comunidade culpabilidade, em face de que a sua validade está sempre na dependência de
democraticamente organizada, só lhe estando vedadas certas zonas de atua- uma avaliação global da ordem jurídica. A orientação a ser seguida deve ser
ção, perfeitamente traçadas através da norma jurídica. Nesta consideração, é aquela que tenha por base, portanto, o que for mais benéfico ao imputado.
indiferente pensar-se no sujeito como entidade ou subsistema organizativo, Daí a medida da autorresponsabilidade dever ser delimitada pelas regras que
como o faz JAKOBS, para daí construir uma teoria das funções e sobre ela melhor se ajustem ao caso concreto, que tanto podem ser as da capacidade
edificar a teoria da imputação objetiva.577 O que deve valer, neste caso, é o de culpabilidade, quanto as do consentimento.
princípio da autorresponsabilidade, pelo qual o resultado decorrente da ação Como a matéria deve ser decidida nos casos concretos, vejamos alguns
livre e inteiramente responsável de alguém, só pode ser imputado a este e não exemplos como pontos de partida para as respectivas soluções.
àquele que o tenha anteriormente motivado.578 Como se trata de avaliação de
liberdade pessoal, a imputação depende, porém, do resultado concreto em Exemplo n.º 1: A aconselha B a dedicar-se ao alpinismo e a escalar a
referência ao tipo de delito que se quer examinar, sendo incabível uma solu- Cordilheira dos Andes, embora não participe da aventura. Por ser B ainda
ção geral, porque a regra será sempre de permissibilidade e não de proibição. inexperiente neste esporte, não consegue fixar corretamente um dos grampos
de sustentação, cai e morre no meio da tentativa de escalada.
De qualquer modo, há de se proceder a uma delimitação dos critérios
para a medida da autorresponsabilidade. Neste setor, a doutrina ora se orienta Exemplo n.º 2: A convida B a participar de uma corrida noturna (pega)
de automóveis. B, durante a disputa pelas ruas da cidade, abalroa de frente
576. KÜHL, Thomas. Strafrecht, AT, p. 58 et seq.; ROXIN Claus. (Nota 270), p. 390. um caminhão, encontrando a morte no acidente.
577. JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal, tradução de Manuel Cancio Meliá, Bue-
nos Aires, 1996, p. 71 et seq.
578. HAFT, Fritjof. Strafrecht, AT, München, 1994, p. 65. 579. Assim, WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, 30ª edição, Heidelberg, 2000, p. 61 et seq.
306 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 307

Exemplo n.º 3: A convida B a participar, juntamente com outros, de uma relação ao suicídio, o Código Penal pune as ações de instigar, induzir e prestar
sessão de consumo de drogas. Como B havia tomado, anteriormente, algumas auxílio; ações estas, porém, que devem se materializar na ação de autodestrui-
doses de uísque, sem o conhecimento de A, tão logo absorve por aspiração os ção dolosa da própria vida. No que toca ao autoperigo, o código não prevê
primeiros miligramas de cocaína, sofre uma parada cardíaca e morre. qualquer forma de incriminação quanto aos partícipes. Se a lei não incrimina
No exemplo n.º 1, apesar de a conduta de A haver contribuído de a participação dolosa no autoperigo, isto é, na ação de pôr em perigo a pró-
modo causal para a morte de B, estará excluída a imputação, porque se situara pria vida, não poderá incriminar a participação nos resultados eventualmente
dentro dos limites do risco permitido. Se o Estado permite o alpinismo como decorrentes dessa ação de autoperigo. Assim, pode-se concluir que, por mais
esporte, não poderia proibir as ações que, simplesmente, aconselhassem a reprovável, sob o ponto de vista moral e até jurídico, a ação de A não se inclui
sua prática. A questão que se pode colocar é a respeito da inexperiência de no alcance do tipo de homicídio, quer doloso quer culposo.580
B. Se B jamais tivesse recebido instruções de alpinismo e fosse convencido No exemplo n.º 3, a instigação de B ao consumo de drogas é proibida,
por A a proceder a uma escalada perigosa, a conduta de A representaria um constituindo crime previsto no art. 33, § 2º da Lei 11.343/2006. Em face
aumento do risco para a vida de B. Entretanto, como B assumiu voluntária disso, A está, portanto, em princípio, praticando um delito. A questão que se
e conscientemente esta situação de perigo, A não pode responder pela morte coloca é como devem ser tratadas as consequências dessa conduta proibida,
de B. Ademais, o tipo de homicídio traça as linhas divisórias da proibição provocadas por ato do agente instigado. Poder-se-ia partir, aqui, para a solu-
de que o sujeito produza a morte de alguém, das mais variadas e possíveis ção do dolo, no sentido de que, se a morte de B foi causada porque ele havia
maneiras, mas não de uma forma absurdamente extensa, senão dentro de misturado álcool e droga, sem que A soubesse disso, A não agira com dolo
certos limites, não podendo alcançar também aquelas condutas de autorrisco, em relação a essa morte. Mas a solução do dolo não interfere na imputação
normalmente aceitas pela sociedade porque, se não houvesse esse limite, seria por culpa. Assim, será importante ainda analisar se a conduta de A se situa no
inviável qualquer vida social. É evidente que se B, sem o saber, fosse usar na âmbito do alcance do tipo de homicídio. O fundamento neste caso deve ser
escalada uma corda defeituosa e A tivesse conhecimento disso, mas assim dado ainda pelo princípio da autorresponsabilidade, isto é, se as consequências
mesmo o aconselhasse a continuar na empreitada, seria ele responsável por mais graves são assumidas volitiva e integralmente pelo próprio agente que
sua morte, em face de seu especial conhecimento do processo causal, que lhe as padece, mediante sua própria conduta descuidada, não se podem imputar
ficaria subordinado. Nesta hipótese, se fôssemos aplicar as regras do consen- essas consequências àquele que apenas incrementou o risco de sua ocorrência.
timento, se poderia dizer que, diante do caso concreto, B não era capaz de Portanto, não será igualmente imputada a A a morte de B. Esta é a solução
conhecer o alcance da assunção do risco, que pressupunha a capacidade de que a jurisprudência do Supremo Tribunal da Alemanha tem dado a casos
avaliar as próprias condições da corda que iria usar. semelhantes, sob influência do pensamento de SCHÜNEMANN.581 É igual-
No exemplo n.º 2, A instigou B a praticar uma ação, em si mesma pe- mente a posição adotada pela maioria da doutrina582 e está de acordo com
rigosa e proibida, incrementando, portanto, o risco de acidente. B assumiu os princípios do Estado democrático, limitado no seu poder de intervenção,
voluntária e conscientemente esse risco, que se materializou no resultado típico. embora chocante para uma comunidade que vê na droga, por influência da
É evidente que a instigação a uma corrida noturna de rua é reprovável, em face mídia, um símbolo de demonização do comportamento humano.
da ordem jurídica em geral, devido aos riscos e perigos que acarreta não apenas Ainda neste primeiro grupo de casos, nos quais a vítima assume o perigo,
aos participantes, mas também aos demais transeuntes. Apesar disso, porém, o devem ser incluídos aqueles nos quais a vítima provoca a ação do agente de
importante será aqui investigar se a ação de A, em face especificamente do tipo modo que este incremente o risco por ela assumido. O fundamento deve ser,
de homicídio, é por ele alcançada, sabendo-se que a morte não é provocada
580. Com essa solução, ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 403.
dolosamente nem por ele nem por B. Veja-se, primeiramente, que a legislação 581. SCHÜNEMANN, Bernd. “Fahrlässige Tötung durch Abgabe von Rauschmitteln”, in Neue Zeitschrift
für Strafrecht, 1982, p. 60.
penal brasileira não prevê como crime nem o suicídio, nem o autoperigo. Em 582. KÜHL, Kristian. Strafrecht, AT, p. 66; JESCHECK/WEIGEND. Lehrbuch des Strafrechts, p. 288; RO-
XIN, Claus. (Nota 270), p. 405 et seq.; WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, p. 58.
308 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 309

também, aqui, lançado sobre a decisão autorresponsável da vítima, com a parti- ao veículo do que propriamente do uso de cinto de segurança. Desde que o
cularidade de que a conduta danosa não é praticada por ela, mas pelo instigado. motorista se tenha mantido nos limites aceitáveis das regras normais de condu-
Tomemos alguns exemplos. ção de veículos, a ele não poderá ser imputada a lesão sofrida pelo passageiro,
porque este, por ele mesmo, assumiu a responsabilidade de tal evento. Está
Exemplo n.º 4: querendo chegar de qualquer modo a um determina- claro que idêntica solução poderia ser obtida através de outros critérios, por
do lugar, A insiste com B para que este dirija mais depressa, apesar de estar exemplo, dos princípios do consentimento do ofendido, mas isso já escaparia
chovendo e a pista escorregadia. Embora relute a princípio, B acaba cedendo do âmbito da imputação objetiva e se situaria sob outras condições.
aos insistentes apelos de A, vindo a derrapar e produzir lesões no passageiro.
No segundo grupo de casos, o agente realiza uma conduta arriscada,
Exemplo n.º 5: A, como passageiro de um veículo, não aceita colocar mas sobre ela interfere outra conduta de um agente que estava obrigado
o cinto de segurança; em consequência disso, em uma freada normal do veí- a enfrentar o perigo. Os resultados que se situem dentro do âmbito dessa
culo, mas um pouco mais intensa, golpeia a cabeça no para-brisa, sofrendo responsabilidade de evitá-los não são alcançados pela incriminação típica.
uma grave lesão na cabeça. O fundamento de se excluir a imputação, nestas hipóteses, reside em que a
Embora a regra seja a da plena autorresponsabilidade da vítima, a sua competência conferida a certos agentes de, em face de sua profissão (como
decisão autorresponsável, provocando e consentindo no perigo de lesão, só soldados, bombeiros, policiais, etc.), assumirem a obrigação de evitar ou
exclui, porém, a imputação se o resultado advier exclusivamente do risco impedir a manifestação de perigos para os bens jurídicos, afasta do âmbito
por ela assumido e não de outras falhas do instigado. Isto porque, há de do injusto, com relação a esses perigos, todas as demais pessoas, que não
certo modo um processo causal anterior, produtor do perigo e que deve ser estejam submetidas a essa atribuição.583
analisado em conjunto com os critérios de imputação. Exemplo n.º 6: o motorista A dirige à noite um caminhão, por uma
Assim, no exemplo n.º 4, se a derrapagem foi causada por uma dis- estrada movimentada, com as lanternas traseiras apagadas, sendo por isso
tração do motorista, responde ele pela lesão causada, já que a vítima não a retido em um posto da polícia rodoviária. Como A se dispôs a reparar
assumira nestes termos. imediatamente o defeito, para seguir viagem, o policial B resolve acompa-
No exemplo n.º 5, a questão é um pouco mais complexa. Se, por um nhá-lo com o carro-patrulha até a oficina mais próxima, seguindo atrás do
lado, o Código de Trânsito classifica como infração o fato de dirigir o veículo caminhão, com as luzes de advertência acesas. Durante o percurso, recebe
sem que qualquer de seus ocupantes use o cinto de segurança, por outro, esta B um chamado do posto policial e abandona A à sua própria sorte. Em
violação à norma de trânsito constitui unicamente uma indicação de que, assim consequência da falta de visibilidade acarretada pelo fato de o caminhão
agindo, o motorista estaria ultrapassando os limites do risco permitido. O que trafegar sem as luzes, e sem estar sob a proteção do carro de polícia, C
se deve discutir é se a exigência do uso de cinto de segurança pode sobrepor-se choca-se contra a sua carroceria, vindo a morrer no local.
à liberdade de agir, quando se trate de regulamentação do autorrisco. Anali- Exemplo n.º 7: A, inadvertidamente, esquece o ferro de passar roupas
sando-se a ordem jurídica sob o princípio da integridade racional, chega-se à ligado, ocasionando um incêndio em seu apartamento. Durante os trabalhos
conclusão de que a norma que impõe o uso do cinto de segurança deve ser de apagar as chamas, um dos bombeiros é gravemente ferido pela queda de
tomada nos seus devidos limites, quer dizer, só deve ser levada em conta no um lustre no local.
âmbito da regulação administrativa, não podendo vedar em outros setores a Exemplo n.º 8: A fere B na perna, sendo este transportado ao hospital;
realização de conduta diversa. Isto deriva justamente do fato de que o uso do lá, o médico C, erroneamente, entende que lhe deve amputar a perna, porque
cinto de segurança se baseia no princípio empírico da probabilidade e não da seria o único meio de evitar uma septicemia.
certeza de que o seu desatendimento conduzirá a resultados perigosos ou dano-
sos. Estes resultados estão mais na dependência da forma de direção imprimida
583. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 417 e ss.; idem. Strafrechtliche Grundlagenprobleme, 1973, p. 134 et seq.
310 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 311

No exemplo n.º 6, uma vez que o policial assumiu a responsabilidade e passe a constituir um outro modelo de risco, é de se excluir a imputação
de tornar inócua a fonte de perigo (o tráfego com as lanternas apagadas), as quanto ao primeiro causador, no que toca a esse segundo modelo, porque
consequências que dela poderiam advir não devem ser imputadas ao motorista, situado fora do alcance do tipo correspondente àquele primeiro modelo de
salvo se este, tendo conhecimento de que não mais recebia a sua assistência, risco.586 É que com relação à atuação do médico, como parte inerente de sua
continuou assim mesmo a viagem.584 Aqui, a exclusão da imputação dessas profissão, subsiste socialmente uma devida expectativa de segurança quanto
consequências ao motorista tem como fundamento o fato de que, havendo a seus métodos, através da qual se pode confiar em que não cometerá erros
intervenção significativa de terceiro (no caso, o policial) no processo de desdo- grosseiros no exercício de suas atividades. Por isso, devem ser excluídos do
bramento causal, pelo princípio da autorresponsabilidade o processo inicial de primeiro causador os excessos cometidos pelo médico.587
imputação se vê desconstituído, uma vez que a lesão ou perigo de lesão ao bem O processo de imputação comporta cada vez mais indagações e é pro-
jurídico está subordinado, agora, a outro procedimento, vinculado quanto à duto não da ampliação do conteúdo do injusto, mas de sua compreensão
forma e o modo de sua execução ao policial. No exemplo n.º 7, como as lesões dentro de um sistema de liberdade e de limitações. Normalmente, entretan-
produzidas no bombeiro se inserem no âmbito de enfrentamento dos riscos de to, trata da relação entre a conduta do sujeito e os resultados dela advindos,
sua própria profissão, não devem ser imputadas à dona de casa. Se o bombeiro cujos parâmetros essenciais já esquematizamos acima, em síntese apertada.
tem a obrigação de apagar as chamas, sem se importar com os riscos que isto Por outro lado, como já se disse, a imputação objetiva assinala também as
representa, está claro que assume também os demais resultados que normal- características da ação típica dentro de um primeiro degrau de separação
mente defluem desse ato.585 No exemplo n.º 8, o erro grosseiro do médico, dos delitos dolosos, culposos e omissivos, principalmente pela relação entre
devido à sua gravidade, atinge tal importância que não se pode mais imputar os riscos assumidos pelo sujeito e os riscos autorizados pelo direito, de um
ao agressor essa lesão mais grave (perda de membro – art. 129, § 2º, III, CP), lado, que representam a oposição proibição/permissão e as condições de sua
porque fora do alcance do tipo por ele praticado. Ao médico cabe agora a in- evitabilidade; de outro lado, que se inserem na oposição imposição/desobri-
teira responsabilidade pelo resultado mais grave, respondendo A apenas pelo gação. É nesse conjunto de binômios que se deve tratar igualmente a questão
crime de lesão leve (art. 129). Observe-se que, nesta hipótese, é inaplicável a se ao injusto basta unicamente a realização da ação ou da omissão, ou se ele
limitação do art. 13, § 1º, porque a lesão anterior continuou a produzir efeitos
se compõe obrigatoriamente também do resultado. Aqui aflora, portanto, a
inclusive sobre a intervenção cirúrgica, que é realizada por decorrência direta
discussão acerca da relação das funções do injusto e de seu conteúdo.
dos ferimentos. Ademais, não será adequado apelar-se para a solução do dolo,
porque poderia levar a uma complicação ainda maior de responsabilidade, (4) O DESVALOR DO ATO E O DESVALOR DO RESULTADO
com a previsão absurda de se imputar a um mesmo agente um crime de lesão Ao estabelecer as características da conduta proibida, inserindo-as no
leve dolosa em concurso com outro crime de lesão culposa, incidentes sobre o tipo de injusto, o legislador procede a uma avaliação negativa sobre essa
mesmo fato. O importante para dirimir questões desta ordem é determinar-se, conduta mesma e sobre o resultado por ela produzido. Esta dupla avaliação
previamente, se a intervenção do médico, independentemente de sua ação ter toma o nome de desvalor do ato e desvalor do resultado. O desvalor do ato e o
sido ou não tecnicamente errônea, representou uma consequência normal das desvalor do resultado, que são levados em conta principalmente na distinção
complicações da lesão anterior ou se, ao invés, desencadeou, a partir dela, um entre os delitos dolosos e culposos, se integram em unidade recíproca, de
outro risco, não assumido objetivamente pelo primeiro causador. Para dirimir sorte que um se manifesta através do outro. Em face do ditames da teoria do
essa questão, pode-se utilizar aqui, independentemente de seus fundamentos, discurso democrático, a criminalização de uma conduta deve estar submetida
o critério do modelo de risco proposto por JAKOBS. Desde que a intervenção a alguns pressupostos, entre os quais se destacam a ação, que podemos carac-
do médico se afaste do modelo de risco posto em prática pelo primeiro causador terizar como atividade performática, e uma alteração sensível da realidade,
584. MAURACH/ZIPF. Strafrecht, AT, I, p. 262; ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 417 e ss.
585. BURGSTALLER, Manfred . Das Fahrlässigkeitsdelikt im Strafrecht, Wien, 1974, p. 112 et seq.; RO- 586. JAKOBS, Günther. Studien zum fahrlässigen Erfolgsdelikt, 1972, p. 92 et seq.
XIN, Claus. (Nota 270), p. 418. 587. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, p. 211.
312 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 313

traduzida em termos de lesão ou de perigo concreto de lesão ao bem jurídico. uma separação, no direito civil, entre injusto e responsabilidade, foi possível
Sob este enfoque, perde interesse a distinção entre crimes de mera atividade a elaboração da teoria dos imperativos de THON, pela qual o direito nada
e crimes de resultado, nos quais teria prevalência ou o desvalor do ato ou mais seria do que um complexo de determinações, o qual, entretanto, ao
desvalor do resultado. A partir da consideração de que, nesse processo de contrário da doutrina anterior, poderia comportar um injusto sem culpabi-
criminalização, preferente não é o desdobramento causal do acontecimento, lidade, o que fazia com que este sistema também pudesse ser estendido aos
mas sim a alteração que se processa no bem jurídico, pode-se dizer que não inimputáveis.589 Portanto, injusto e culpa seriam diversos e o injusto poderia
basta para a completa infração à norma tão só o desvalor do ato, mas sim, ser realizado por qualquer pessoa, adulto ou criança, capaz ou incapaz. Estava
principalmente, o desvalor do resultado. Neste último caso, o bem jurídico criada a primeira formulação puramente objetiva do injusto.
só passa a ser efetivamente atingido se o desvalor do resultado se materializar, Entretanto, como bem pondera ROXIN, esta concepção objetiva só
como consequência do desvalor do ato em lesão ou perigo concreto de lesão. foi verdadeiramente desenvolvida mais tarde, com as obras de NAGLER,
Está claro, por outro lado, que todo delito possui um desvalor do ato, GOLDSCHMIDT e, principalmente, MEZGER, os quais criaram as con-
porque é constituído não apenas de uma infração a um dever, mas de uma dições para o seu moderno entendimento.590 NAGLER sustentava que teria
conduta penalmente relevante, que se desenvolve no mundo da vida. Ade- o direito uma função ordenadora social objetiva no sentido de regular a vida
mais, se o bem jurídico só se torna afetado por força de uma alteração em humana comunitária e cuja infração caracterizaria o injusto.591 GOLDSCH-
sua estrutura ou estabilidade, ou seja, por lesão ou perigo concreto de lesão, MIDT procurava estabelecer a distinção entre injusto e culpabilidade, com
entre desvalor do ato e desvalor do resultado opera-se uma relação dialética. base na diferença entre norma jurídica e norma de dever: enquanto a norma
Desse modo, o desvalor do ato só se manifesta à medida que se ponha em jurídica proíbe ou determina uma certa conduta e assim, caso seja infringida,
vinculação com o desvalor do resultado. Exemplo claro desta dialética se fundamenta o injusto, a norma de dever impõe uma motivação legalmente
mostra no crime de homicídio, em que a incriminação da conduta tem por estabelecida e fundamenta a culpabilidade.592 Para MEZGER, o injusto é
base não apenas o desvalor do resultado – a morte da vítima – mas também caracterizado na base da violação a uma norma valorativa, enquanto a cul-
as condutas que se orientem no sentido da produção desse resultado morte. pabilidade implicaria a lesão a uma norma determinativa.593 Uma orientação
A questão do desvalor do ato e do resultado sempre esteve implicita- puramente baseada no desvalor do ato é seguida nas últimas décadas por ZIE-
mente presente em toda a dogmática, desde a teoria causal, mas começou a LINSKI, para quem somente a ação, e não o resultado, constitui objeto da
vir à tona com a teoria finalista, através de sua concepção do injusto pessoal: proibição, sob dois argumentos: primeiramente de que só é possível proibir
o injusto não é produzido pela simples causalidade, mas somente como obra ações e não resultados, seja quando o autor dirige sua atividade diretamente
de uma determinada pessoa, tendo em vista os seus objetivos, motivos ou à realização do injusto – por exemplo, no homicídio, a direção no sentido da
deveres para com o fato, que apresentam a mesma importância para o injusto morte de uma pessoa – seja quando põe em perigo o bem jurídico, através
que a lesão efetiva de bens jurídicos. de atividade descuidada; em segundo lugar, porque o resultado pode decor-
Ademais, a discussão acerca da relação entre injusto e culpabilidade rer sempre do acaso, não sendo certa sua verificação.594 Modernamente, se
passa por diversas fases. Primeiramente, com MERKEL e, depois, com reconhece que o injusto está vinculado não só a uma norma proibitiva ou
HOLD-FERNECK, é o injusto concebido como lesão de bem jurídico,
mas também como uma oposição à força espiritual do direito. Precisamente, 589. THON, August. Rechtsnorm und subjektives Recht, Weimar, 1878.
590. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 323.
em face de ser uma oposição à força espiritual do direito, o injusto só poderia 591. NAGLER, Johannes. “Der heutige Stand der Lehre von der Rechtswidrigkeit”, in Festschrift für Bin-
estar referido às pessoas imputáveis, de modo que injusto e culpa seriam inse- ding, Leipzig, Tomo II, 1911, p. 273.
592. GOLDSCHMIDT, James. “Der Notstand, ein Schuldproblem”, in ÖstZStr 1913, p. 129 et seq.
paráveis.588 Mais tarde, após a contribuição de VON JHERING, propondo 593. MEZGER, Edmund. “Die subjektiven Unrechtselemente”, in Der Gerichtssaal, 1924, n. 89, p. 207.
594. ZIELINSKI, Diethart. Disvalor de acción y disvalor del resultado en el concepto de ilícito, tradução de
588. MERKEL, Adolf. Kriminalistische Abhandlungen, 1867, Tomo I; HOLD-FERNECK, Alexander. Die Marcelo A. Sancinetti, Buenos Aires, 1990; para uma visão geral, SANCINETTI, Marcelo, Teoría del
Rechtswidrigkeit, Leipzig, Tomos I e II, 1903 e 1905. delito y disvalor de acción, Buenos Aires, 1991.
314 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 315

determinativa, que indica o que não deve ou deve ser feito e se estende tanto primariamente, a uma função finalística de assegurar uma determinada ordem
aos imputáveis quanto aos inimputáveis, como também a uma norma valora- ou a consecução de ideais políticos, ou a realização de uma vida moral, vir-
tiva, que o toma como lesão ou perigo de lesão de bem jurídico. Enquanto a tuosa ou intimamente correta. Deve-se recordar aqui o sentido conferido por
violação das normas proibitivas ou determinativas fundamenta o desvalor do MACKIE ao direito, em geral, de que as normas não existem para garantir o
ato, a norma valorativa fundamenta o desvalor do resultado, tendo em vista estabelecimento de um objetivo moral determinado, como a vigência dos valo-
a real ocorrência de lesão ou de perigo ao bem jurídico, o que possibilita a res ético-sociais, mas, ao inverso, a disciplina jurídico-democrática do exercício
diversidade de punições para o crime consumado e para a tentativa, atenuan- da liberdade individual é que pode proporcionar a sua construção, não, porém,
do-se a pena em relação a esta.595 transformando o Estado em órgão protetor do que entenda ser correto, senão
Diversamente do modo pelo qual a doutrina tradicional trata da maté- delimitando-se-lhe o poder de intervenção. Assim, a questão do que incriminar
ria, parece que os fundamentos do desvalor do ato e do desvalor do resultado está condicionada pelo sentido da necessidade de assegurar este exercício da
devem situar-se em outro plano. Todo o complexo dos argumentos utilizados liberdade, primeiramente, com vistas ao próprio Estado, mediante a restrição
em torno da relevância do desvalor do ato ou do desvalor do resultado gira de seu poder e depois, em relação aos sujeitos individuais. Os bens jurídicos,
em torno, é verdade, do sentido que se imprime à concepção da norma penal. portanto, funcionam nesta fase como pontos de referência, que estabelecem
Aqui é irrelevante o argumento esgrimido por WELZEL de que a norma concretamente os marcos da intervenção. Uma vez estabelecidos democratica-
deve ser assim concebida porque, se só proibisse o resultado e não, desde mente estes marcos de referência, não por um partido político ou por grupos
logo, a conduta a ele orientada, de nada valeria a proteção por ela persegui- de qualquer natureza ou origem, mas por um processo de escolha no qual se
da.596 Esta afirmação é produzida em face de uma concepção extrajurídica possa assegurar a participação de todos, aos moldes traçados pela teoria do
da conduta proibida sobre a base de sua ontologicidade, da qual se originam discurso democrático, será possível identificar o que efetivamente se incrimina.
os chamados valores ético-sociais que impregnariam a norma penal. Para se A segunda série de fundamentos diz respeito ao modo dessa incrimi-
compreender realmente o conteúdo do injusto sob o enfoque do desvalor nação. Aqui são obedecidos aqueles parâmetros de garantia já indicados na
do ato e do desvalor do resultado não se deve partir desta concepção, mas construção dos tipos de delito, isto é, a descrição estrita da conduta incri-
de outros critérios. Como bem recorda KÖHLER, a lei penal toma a ação minada e sua confrontação com os direitos fundamentais. Neste estágio tem
humana dentro de uma estrutura própria, resultante das relações que quer lugar a apreciação dialética, conjunta e separada, da tipicidade e da antiju-
disciplinar e que nada têm a ver com a ética da boa vontade.597 ridicidade e sua aferição.
O importante na caracterização do conteúdo de injusto de um deter- Finalmente, na última série de fundamentos deve-se decidir acerca da
minado fato é verificar três séries de fundamentos referentes ao caráter da extensão da incriminação. Neste ponto é que emerge a questão da imputação
incriminação. A primeira diz respeito à questão acerca do que disciplinar, a objetiva e do desvalor do ato e do desvalor do resultado.
segunda deve referir-se ao modo desta incriminação e a terceira à sua extensão. Assim, constituem, no fundo, uma desfiguração da teoria da imputação
A primeira série está condicionada aos aspectos políticos da incriminação, todas as formulações que se fazem acerca de que, em face da norma determi-
em que se acentua a necessidade de uma delimitação do poder de intervenção nativa ou proibitiva, se configura um desvalor do ato e, em face da norma
do Estado delineada sobre o fundamento de que essa intervenção só pode valorativa, um desvalor do resultado, com vistas a estabelecer que o conteúdo
efetivar-se na medida de sua necessidade, quer dizer, quando haja lesão ou do injusto está condicionado à forma e ao modo de execução da ação. Sim-
perigo concreto ao bem jurídico. A incriminação não corresponde, então, plesmente, é incabível uma articulação dogmática desses dois aspectos do
injusto sem relacioná-los à teoria da imputação. Poder-se-ia perguntar: para
595. JESCHECK/WEIGEND . Lehrbuch des Strafrechts, p. 238 et seq.; ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 324
et seq. que serve afinal o desvalor do ato ou o desvalor do resultado? A doutrina tem
596. WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán, p. 12 et seq. sempre a mesma resposta: para poder incriminar tanto a tentativa quanto
597. KÖHLER, Michael. Strafrecht, AT, Berlin-Heidelberg-N. York, 1997, p. 12.
316 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 317

o delito consumado, ou para fundamentar o tipo dos delitos culposos. Isto postura é basicamente ética e toma a norma de conduta como uma norma
passa necessariamente por uma decisão acerca de se efetivamente o resultado de dever. Para essa concepção é absolutamente sem significação a questão
pode ser atribuído ao sujeito ou se a ação se situava dentro ou fora do âmbito da imputação objetiva, porque o resultado é aqui representado como mera
do risco permitido ou do alcance do tipo. Veja-se, por exemplo, que os fatos condição objetiva de punibilidade.
que invariavelmente suscitam essa distinção e que ressaltam a qualidade da A outra posição é seguida pelos partidários da teoria causal, que veem
execução do injusto, como os casos de erro na execução ou de tentativa o resultado como parte integrante da ação e consequentemente como único
inidônea, são efetivamente pontos referenciais da imputação objetiva, nor- fundamento do injusto. Se o resultado é elemento da ação, a proibição só pode
malmente resolvidos pela doutrina no setor do dolo, mas que dizem respeito ser executada sobre uma relação de causalidade precisa, segundo a teoria da
a soluções que independem de uma indagação subjetiva. Daí ser correto, sob condição. Causalidade e resultado constituem, assim, o conteúdo do injusto.
este aspecto, o sistema de JAKOBS ao compor sua teoria do delito como
uma teoria da imputação, na qual se situam também as formas do injusto.598 Finalmente, uma posição intermediária, hoje dominante, trata o injus-
to tanto sob o aspecto da ação quanto do resultado. Esta última variante não
Por conseguinte, havendo relação direta entre os princípios da impu- está de todo desacertada, apenas carece de uma precisão dogmática.
tação objetiva e a forma de execução do injusto, toda a matéria referente ao
desvalor do ato e ao desvalor do resultado perde significado como elemento No momento em que, desvinculando-se da teoria causal, se pretende
autônomo de sua configuração, quer dizer, a questão da norma determinativa que o injusto se situe sob uma avaliação incidente sobre a ação e sobre o resul-
ou proibitiva, de um lado, e da norma valorativa, de outro, perde a impor- tado, descarta-se a ideia de que a incriminação possa resumir-se unicamente
tância que a doutrina tradicional lhe dispensa. à verificação da relação de causalidade entre ação e resultado. Ao condicionar
a incriminação à forma e ao modo da realização do tipo, seus partidários o
De qualquer modo, tratando-se da matéria dentro do processo de im- fazem, porém, exclusivamente, sob o enfoque do juízo de valor normati-
putação, é preciso estabelecer os paradigmas pelos quais se deve orientar o vo, sem se importar acerca do conteúdo desse próprio juízo de valor. Nas
conteúdo de injusto. Normalmente, como já vimos acima, o que se discute, duas posturas anteriores, há de certa forma um comprometimento com este
em primeiro lugar, é acerca da ponderação entre ação e resultado no injusto. conteúdo, por um lado, sobre uma base puramente subjetivista, da decisão
Aqui se situam basicamente três posições. individual, de outro, sobre uma base puramente objetiva, de estreitamen-
A primeira posição, vinda do finalismo e de seus seguidores mais di- to causal. Representam elas duas posturas ideológicas bem determinadas,
retos, como ARMIN KAUFMANN e ZIELINSKI, quer fundar o injusto ambas radicais e punitivas: a primeira, fazendo do direito um instrumento de
exclusivamente na formação da vontade do sujeito, de modo que a norma conscientização moral, expresso em um processo de interpretação e decisão
penal extraísse a matéria da proibição da sua decisão antijurídica. Neste judicial; a segunda, calcada na responsabilidade objetiva. Para contornar essas
caso, a proibição não seria traçada previamente pelo legislador, mas sim, posturas, não basta a consideração de que no conteúdo do injusto desem-
pelo próprio autor do delito. Desde que o agente se imaginasse desde logo penham papéis relevantes tanto a ação quanto o resultado, mas demonstrar
no âmbito do injusto, este já se teria iniciado e estaria completamente que a forma e o modo de incriminação devem corresponder a juízos de ade-
preenchido. Evidentemente que esta postura, como já afirmamos, é incom- quação e idoneidade, que determinem se eles se situam ou não no âmbito
patível com um sistema jurídico de caráter democrático, porque o injusto de alcance do tipo e das permissões, bem como se são aptos a produzirem
não pode ficar na dependência exclusiva de um ato mágico de esclarecimen- uma lesão ou um perigo concreto de lesão do bem jurídico. Neste contexto,
to, por parte do juiz, acerca do momento em que o sujeito decidiu, segundo tanto o desvalor do ato quanto o desvalor do resultado devem sua existência
suas próprias perspectivas, a se opor à determinação da norma. Uma tal ao valor incidente sobre a conduta e sobre o resultado decorrente do juízo
de imputação, com vistas à afetação do bem jurídico.
598. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, p. 167; entendendo também que o desvalor do ato se relaciona di-
retamente à imputação: MARTINEZ ESCAMILLA, Margarita. La imputación objetiva del resultado,
Madrid, 1992, p. 67. Diversamente do que entende, por exemplo, MARTINEZ
318 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 319

ESCAMILLA,599 não se deve fazer derivar a imputação objetiva do sentido ao modelo de conduta performática, atribuída a uma pessoa deliberativa,
que se dê ao injusto, mas exatamente em sentido dialético: o conteúdo do no mundo da vida, impede as espiritualizações provocadas pelo legislador
injusto está na dependência de como se trata a questão da imputação e a em torno de suas concepções morais. As condições reais do sujeito, tomado
imputação está vinculada à estrutura da norma criminalizadora, que tem como pessoa deliberativa, devem ser postas em ligação com a forma e o modo
como pressuposto uma conduta performativa, realizada no mundo da vida de execução da ação, bem como com a forma e o modo como se produziu o
e capaz de produzir uma alteração sensível no bem jurídico. resultado. Se a ação concretamente verificada não estiver situada nas condi-
Se a questão da imputação é prescindível, porque o que vale é somente ções de execução pressupostas pelo tipo de injusto, este não se constituirá; da
a decisão do sujeito, significa que a norma penal está sendo considerada não mesma forma, quando o resultado se afastar dos limites do risco permitido.
como uma norma jurídica de conduta, que projete as linhas divisórias entre Esta mesma necessidade de delimitação da incriminação foi também percebi-
o lícito e o ilícito, mas sim como uma norma moral de determinação. Por da por MIR PUIG, que a vincula ao critério da previsibilidade, enfatizando
outro lado, se a imputação só se baseia na afirmação da causalidade – a cau- que, se “nos delitos de resultado, a efetiva causação deste não basta se não for
salidade é de qualquer modo um critério de imputação – o injusto acentua previsível, seria incoerente admitir que nos delitos de mera atividade bastasse
o caráter do desvalor do resultado. Neste caso, a norma está orientada pela a efetiva realização material da conduta quando não fora previsível que os atos
produção de efeitos, sendo o injusto consequência de mero juízo de consta- praticados pudessem constituir tal conduta”.600 Vê-se, então, que mesmo para
tação. Contudo, o injusto não pode ser visto apenas como consequência de aqueles que insistem na diferenciação causal entre delitos de mera atividade
mero juízo de constatação, porque, então, não seria necessária uma avaliação e delitos de resultado, é necessário construir os paradigmas da delimitação
da incriminação em face dos direitos fundamentais. Bastava que se afirmasse do injusto, com o fim de diminuir a extensão de seu conteúdo, que não será
a existência de uma relação de causalidade para convalidá-la. Aqui está o alcançado simplesmente através da mera objetivação da causalidade e muito
grande defeito de uma concepção puramente causal e mecanicista da reali- menos da finalidade, traduzida na postura ou decisão subjetiva.
dade jurídica: a constatação da causalidade dá validade, por sua vez, à norma Concebida a constituição do injusto sob estes pressupostos, pode-se
incriminadora. Diante da constante abstração produzida hoje pela doutrina então diferenciá-lo nas categorias dolosas, culposas e omissivas. Entretanto,
no âmbito da norma penal, deve-se ressaltar que na teoria causal, pelo menos, diversamente do que propõe o finalismo, a introdução do dolo no tipo não é
o processo de validação é perceptível e concreto. Nos seguidores modernos uma consequência necessária, por força do conceito final de ação, mas como
do finalismo, o processo de validação é incerto, porque fica dependente da forma de antecipar no injusto todo o momento normativo da total delimitação
decisão judicial acerca de uma circunstância que só o sujeito detém, que é o do poder de punir, ainda que sob a perspectiva de uma conduta performática.
momento exato e a extensão de uma postura absolutamente subjetiva frente Sob esta maneira de ver o injusto, o tratamento do dolo no tipo e a
ao sistema de valores que se quer preservar. Do mesmo defeito não escapam constituição de tipos culposos e omissivos, em moldes diversos daqueles
as teorias funcionalistas, que trabalham o injusto, exclusivamente, sob o dos delitos comissivos dolosos, é uma decorrência também de sua função
aspecto da estabilidade da norma. de garantia. Da mesma forma que tipo e antijuridicidade devem estar em
A interpretação dos elementos da imputação, sob o pressuposto do uma relação alternativa, de unidade e autonomia, conforme seja necessário
alcance do tipo, de um lado e da permissão do risco, de outro, ajusta a incri- reforçar a segurança jurídica, os elementos do dolo podem circular entre o
minação, primeiramente, a um sistema de valores que pode ser questionado injusto e a culpabilidade, de modo a tornar acessível a ponderação que se
e, portanto, não é absoluto; em segundo lugar, ajusta-a às condições reais deve realizar entre suas espécies – dolo direto e dolo eventual – e seus efeitos
e objetivas do sujeito, independentemente de sua decisão subjetiva ou de em um e em outro setor. Isto também proporcionará como consequência
sua intencionalidade. Por sua vez, a vinculação da norma criminalizadora uma humanização da própria culpabilidade, que deixará de ser um juízo

599. MARTÍNEZ ESCAMILLA, Margarita. (Nota 598), p. 62. 600. MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal, Parte General, Barcelona, 1990, p. 250.
320 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 321

puramente normativo sobre critérios intangíveis para se adequar ao sujeito, conteúdo da antijuridicidade, há que se desdobrar a sua análise em dois planos.
subordinando-se aos mesmos limites de garantia do injusto. Em um primeiro plano, sob a dimensão de uma norma geral de permissão,
Mais adiante, veremos essas consequências, ao tratarmos dos efeitos da quer dizer, a norma geral de permissão não é uma norma só, mas engloba
estrutura do injusto. Aqui basta-nos a edificação do conteúdo do injusto sob todos os preceitos que assegurem os direitos individuais, a partir da estrutura
a perspectiva de garantia. Talvez só desta maneira é que será viável a cons- do Estado democrático sobre a base da proteção à pessoa humana. A partir
trução de um conteúdo de injusto realmente correspondente ao fim político desta dimensão se desenvolvem os objetos não apenas do direito penal, como
de proteção do sujeito. também, principalmente, do direito constitucional. Por esta dimensão, é pos-
sível declarar a invalidade da norma incriminadora, bem como lhe restringir o
Como a imputação que constrói o injusto não é uma questão pura alcance antes, durante ou depois de sua aplicação. Em um segundo plano, tra-
de tipicidade, mas se estende também a temas de permissão, os mesmos ta-se de decidir concretamente se a conduta que tenha preenchido os elementos
elementos que disciplinam a teoria do alcance do tipo e do risco devem ser do tipo e seus pressupostos no tocante à imputação está, de qualquer modo,
avaliados em ambos os setores, igualmente através do método dialético de autorizada por uma norma expressa ou pelo sistema jurídico. Para retratar com
associação e dissociação. Sobre estas bases será agora possível a elaboração de fidelidade este segundo plano, deve-se reparti-lo em três segmentos. O primeiro
uma estrutura para a antijuridicidade. segmento diz respeito ao método de sua análise. O segundo segmento engloba
seus elementos constitutivos. O terceiro segmento, os princípios gerais que
3. A ANTIJURIDICIDADE informam suas normas particulares e seus efeitos.
Uma conduta só pode ser qualificada de ilícita, não apenas quando se
(1) OS MÉTODOS DE IDENTIFICAÇÃO
ajustar aos elementos do tipo e aos pressupostos de imputação, mas também
quando confrontada com as normas permissivas. Geralmente, fala-se aqui de Normalmente, as normas que autorizam uma determinada conduta,
uma relação de regra e exceção, mas isto corresponde a uma concepção causal como aquelas da legítima defesa e do estado de necessidade, por exemplo,
e neutra do injusto. A relação que se processa entre as normas de proibição são tratadas através de um método negativo de identificação, quer dizer, uma
e determinação, de um lado, e as normas permissivas, de outro, compõe a vez não verificada qualquer circunstância que se inclua em seus pressupostos
ordem jurídica sob paradigmas de garantia individual e decisões democráti- – por exemplo, não reconhecida a legítima defesa ou o estado de necessidade
cas. Não comporta a ordem jurídica uma relação de regra e exceção, porque – se afirma a ocorrência do injusto penal.
simplesmente ambas se encontram subordinadas a preceitos fundamentais de Esse método negativo de identificação, entretanto, deve ser revisto. O
proteção dos direitos do sujeito, inseridos na Constituição e nos acordos e fundamento principal desta revisão reside em duas circunstâncias.
pactos internacionais. A ordem jurídica, portanto, não é um amontoado de
A primeira: se a constituição do tipo de injusto está subordinada a um
normas estáticas, cuja dinâmica se desenvolve dentro do próprio sistema, nem
processo de imputação, em que sua afirmação depende da negativa da aferição
uma ordem moral, que se oriente por valores naturais ou extrajurídicos, mas
relativa à inclusão ou não da ação no alcance do tipo ou no âmbito do risco
normas que têm no sujeito sua razão de ser e que estão positivadas para serem
permitido, a análise das hipóteses configuradoras das causas de justificação, da
concretamente perceptíveis e possam assim desempenhar uma determinada
mesma forma, deve partir de que, em tese, a conduta está autorizada e só deixa-
função. Especificamente no âmbito do direito penal, como se trata de normas
rá de sê-lo, se demonstrada a sua não incidência, isto é, que esta conduta não se
de conduta pública, implicam, de certa forma, uma disciplina na relação entre
inclui nos pressupostos da autorização concedida. Esta primeira circunstância
sujeito e Estado, de tal modo que este, mediante acordos democraticamente
está, assim, deduzida da configuração dos elementos do processo de imputação,
realizados no plano temporal, legisla-as delineando seu campo de atuação.
que é o mesmo, tanto no tipo quanto na antijuridicidade.
Nesse processo de interação entre Estado e sujeito, a regra não é a conduta
A segunda circunstância deriva do princípio constitucional da presunção
incriminada, mas a liberdade de atuação. Assim, quando se trate de especificar o
322 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 323

de inocência que, como vimos acima, não é exclusivo do processo penal, e subjetivos, estes últimos referentes, portanto, à vontade de praticar a ação
senão de todas as normas, até mesmo das normas de direito administrativo justificada, ou quando muito, à consciência de seus pressupostos.
e de direito do trabalho.601 Se há uma presunção de que todo o processo de Com a moderna vertente da teoria social da ação, que é no fundo um
imputação só se torna válido quando descartadas todas as chances de sua desdobramento da teoria finalista, se esclarece que a justificativa completa
exclusão, da mesma forma todas as condutas devem ser tidas como corretas, só ocorrerá quando preenchidos os elementos objetivos e subjetivos, porque
salvo quando se demonstrar o contrário. enquanto os primeiros justificam o desvalor do resultado e assim o compen-
Situada a matéria nesse sentido, as causas de justificação se compõem, sam ou eliminam, os últimos eliminam o desvalor da ação. Esta parece ser
juntamente com os elementos do tipo, em um mesmo processo de imputação. por ora a teoria dominante.603
Se o método de aferição parte do mesmo pressuposto, está claro que a A questão, entretanto, não se situa na necessidade dogmática de uma
interpretação dos elementos das causas de justificação tem que seguir também correspondência linear entre os elementos fundamentadores do tipo e aque-
um critério puramente objetivo, não interessando em sua análise se o tipo les que integram as causas de justificação, de tal modo que o ato só estaria
foi realizado porque o sujeito realmente quis executá-lo ou se sua execução justificado se essa correspondência se verificasse em toda a sua extensão. Esta
se edificou sobre a base da violação de uma norma de cuidado objetivo ou abordagem só terá sentido caso se compreenda o tipo como consequência
ainda se a execução do tipo derivou de um processo de atribuição ou equipa- de uma avaliação efetuada sobre os elementos da conduta, no sentido de
ração, como ocorre nos delitos omissivos. Em qualquer desses casos, o juízo sua constituição, quer se tome a conduta no seu contexto final, quer social,
de antijuridicidade é objetivo. isto é, caso se tome a conduta com seus elementos naturais como dado
vinculante à forma e ao modo de sua incriminação. Porém, se o tipo é visto
(2) OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
como um conjunto de elementos delimitadores da conduta incriminada,
Quanto aos elementos constitutivos das causas de justificação ou, em independentemente da sua constituição, torna-se irrelevante para justificar
sentido mais geral, das normas permissivas, a teoria causal, desde o enunciado determinado ato configurado como típico exigir-se que se efetue sobre esse
de VON LISZT, considera que elas se compõem de características puramente ato uma projeção de circunstâncias objetivas e subjetivas, de forma a que as
objetivas, não se indagando, quando de sua aferição, se o agente realmente circunstâncias objetivas eliminariam o desvalor do resultado e as subjetivas o
quis realizar a ação conforme a forma e o modo da autorização concedida ou desvalor do ato. Conforme ficou demonstrado anteriormente, deve-se excluir
não. Assim, se alguém atuasse objetivamente em legítima defesa, estaria desde do desvalor do ato toda a avaliação da conduta centrada na decisão do agente,
logo justificado, ainda que fosse sua intenção matar o agressor.602 mas tomando-a apenas dentro de um processo de imputação. Se assim se
Por influência do neokantismo, primeiramente, e, depois, do finalismo, trata, não há qualquer exigência prévia de ordem dogmática para a adoção
foram-se introduzindo nas causas de justificação características subjetivas, dos elementos subjetivos de justificação. Esses elementos podem ou não
decorrentes da transposição para este setor dos mesmos fundamentos do subsistir no âmbito das justificantes, à medida que isso se torne necessário
tipo de injusto. Assim, se o tipo de injusto contém elementos subjetivos e se no caso concreto em face de dificuldades de sua avaliação para verificar se
o desvalor do ato e do resultado têm em vista precisamente a orientação da além de típica, a ação é ainda antijurídica. Por exemplo, se alguém provoca
conduta, as causas de justificação devem compor-se de elementos objetivos deliberadamente uma situação de legítima defesa para dela se beneficiar, tor-
na-se necessária uma avaliação dos momentos subjetivos da conduta para se
601. Nesse sentido, a esmagadora maioria da doutrina espanhola: ROMERO ARIAS, Esteban. La presunci- saber se efetivamente subsiste ou não a legítima defesa. Essa avaliação, porém,
ón de inocencia. Estudio de algunas de las consecuencias de la constitucionalización de este derecho
fundamental, Pamplona, 1985, p. 119 et seq.; VÁZQUEZ SOTELO, José Luis. Presunción de inocencia não é uma exigência de ordem dogmática como decorrência imprescindível e
del imputado e íntima convicción del tribunal, Barcelona, 1984, p. 298 et seq.; VALLEJO JAÉN, Ma-
nuel . La presunción de inocencia en la jurisprudencia constitucional, Madrid, 1987, p. 31 et seq. incontornável do conceito de conduta final, ou da consideração da decisão do
602. Ainda com este sentido, a maioria absoluta da doutrina italiana: MANTOVANI, Ferrando. Diritto Pe-
nal, Parte Generale, Padova, 1988, p. 137; FIANDACA, Giovanni/ MUSCO, Enzo. Diritto penale,
Parte generale, 2ª edição, Bologna, 1997, p. 195. 603. Indicações em WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, 1998, p. 84.
324 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 325

agente, senão uma fórmula que deve ser usada para ponderar adequadamente porque inerentes ao próprio juízo de permissão. Assim, por exemplo, na legí-
se o conflito desencadeado com essa provocação deve ou não ser solucionado tima defesa, só importam os elementos que se refiram à agressão, como sua
mediante a intervenção estatal no âmbito criminal. existência, atualidade ou iminência e injustiça,604 mas não propriamente os
Nos casos em que se torne necessário preencher os elementos das que fundamentam a reação justificada, como a qualidade dos meios empre-
causas de justificação com características igualmente objetivas e subjetivas, gados e o modo de seu emprego. No estado de necessidade, só interessam os
em analogia à constituição do tipo de injusto, há também a imperiosidade elementos referentes à situação de necessidade, como a existência e a atuali-
de submeter esse trabalho a um processo de delimitação. dade do perigo605 e não a questão da ponderabilidade dos bens.
Essa delimitação deve ser efetivada em dois blocos. Em um segundo bloco, trata-se de investigar o perfil dessas exigências,
isto é, determinar se basta para caracterizar a justificação que o sujeito tenha
Em um primeiro bloco, a constituição dos elementos das causas de
tomado como possível a ocorrência da situação justificante606 ou tenha tido
justificação deve corresponder à forma e ao modo de limitação da imputação
consciência acerca dos elementos que a compõem607 ou que é necessário que
extraída dos elementos do tipo. Isto quer dizer que os elementos das causas
tenha efetivamente querido atuar conforme o direito, isto é, que tenha reco-
de justificação comportam características objetivas e subjetivas, em princípio,
nhecido a situação justificante e atuado de acordo com esse conhecimento.608
somente quando se trate de fatos dolosos. Se, como pensa a doutrina tradi-
cional, os elementos das causas de justificação devem ter correspondência A última dessas variantes – de que é requerida uma vontade justifican-
analógica com os elementos do tipo, seria absurdo que aqui se incluíssem te – é fruto do finalismo, que faz impregnar tanto o tipo de injusto quanto
características subjetivas, quando no tipo de injusto tal não ocorresse. Po- as causas de justificação dos elementos que integram o conceito final de
der-se-ia pensar que, então, isto seria possível quando se tratasse de culpa conduta. Por outro lado, a exigência de uma perfeita correspondência entre
consciente, mas ainda nesse caso tal não se deve verificar. É que, na culpa estrutura do tipo e estrutura das causas de justificação implica uma recons-
consciente, o critério de limitação da imputação não tem fundamento vo- tituição, sob um plano final, da teoria dos elementos negativos do tipo,
litivo e decorre unicamente de um juízo empírico de previsão. Quer dizer, porque, embora os partidários da teoria finalista a rejeitem, tomam as causas
na culpa consciente, a afirmação de que o sujeito concretamente previra o de justificação como se fossem reais elementos de eliminação do tipo, quando
resultado não se assenta em um juízo direto de constatação, como ocorre com se trata de indicar o conteúdo dos elementos subjetivos de justificação.
qualquer das modalidades dolosas, senão em uma reflexão acerca de que isto Está claro que essa posição não pode prevalecer diante de uma concep-
efetivamente se deu, justamente, porque a investigação aqui é operada sobre ção democrática do injusto, pelo menos, por dois argumentos. O primeiro,
o conteúdo intelectivo do critério de imputação. porque a correspondência entre elementos do tipo e elementos das causas de
Como estamos tratando de garantia individual e como vemos a norma no justificação não pode jamais ser absoluta. É que essa correspondência não tem
seu sentido limitativo, ainda por força do princípio da presunção de inocência apoio na estrutura do tipo como tal, mas no processo de sua imputação, que
seria absolutamente abusiva uma exigência de que, para justificar uma conduta segue rumos diferentes em relação ao exercício de uma ação final. O segun-
desta qualidade – cometida por culpa consciente – , se introduzisse um ele- do, porque a exigência desta perfeita correspondência entre tipo e causas de
mento subjetivo de justificação que não pode ser empiricamente demonstrado. justificação, que dará lugar ao dolo ou à finalidade de praticar a ação justifi-
cada, ainda que prescindisse da base do processo de imputação, não se fixaria
Por outro lado, esses elementos subjetivos de justificação só podem se
estender àqueles elementos que, por sua natureza, possam ser objeto de uma 604. SANTOS, Juarez Cirino dos, A moderna teoria do fato punível, Rio de Janeiro, 2000, p. 167.
apreensão subjetiva correspondentemente aos elementos do dolo e que retra- 605. Da mesma forma, SANTOS, Juarez Cirino dos. (Nota 604), p. 186.
606. GÜNTHER, Hans-Ludwig. Systematischer Kommentar, Frankfurt am Main, 1992, pré-comentários ao
tem a situação fática, que é exigida como pressuposto para a ação justificada, § 32.
ficando de fora disso todos os demais que, em face do enunciado das normas 607. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 641;
608. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, p. 360; JESCHECK/WEIGEND. Lehrbuch des Strafrechts, p. 328;
permissivas, devam ser apreciados exclusivamente segundo sua objetividade, MAURACH/ZIPF. Strafrecht, AT, p. 348; WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, p. 84.
326 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 327

sobre os mesmos parâmetros daqueles estabelecidos para o dolo. Enquanto melhor solução é dada pela vertente que se satisfaz desde logo, para justificar
no dolo, a vontade se estende a objetos definidos no próprio tipo, portanto a a conduta, com a circunstância de que o sujeito tenha tomado como possí-
objetos perfeitamente identificados, o suposto dolo de justificação só disporia vel a ocorrência da situação justificante. Esta teoria está de acordo, inclusive,
desses elementos identificados nas causas legais, não nas causas supralegais de com duas condições essenciais na configuração do injusto. A primeira é que,
justificação, que não se estruturam sobre definições legais, mas em critérios na verdade, a justificação não pode ser vista dentro de um procedimento de
sistêmicos da ordem jurídica. Seria evidentemente incomensurável a relação congruência entre tipo e justificação. Esta congruência era o resultado de uma
entre este suposto dolo de justificação e as condições do consentimento do visão gráfica que MAURACH609 havia elaborado para explicar a constituição
ofendido, por exemplo, que são criadas exclusivamente pela doutrina, me- sistemática do tipo finalista e demonstrar a relação entre erro de tipo e tentativa,
diante um processo teleológico de interpretação das normas de direito. Uma quer dizer, o erro de tipo como elemento negativo da tentativa.
exigência deste dolo de justificação diante de elementos incertos, quanto a Ao elaborar as normas que irão demarcar as zonas do lícito e do ilícito,
seus objetos de referência, constitui uma violação do princípio da legalidade, o legislador não atua e não precisa atuar com essa congruência sistemática,
porque simplesmente se está tornando criminosa uma conduta por mera porque tanto pode traçar uma norma permissiva genérica que se estenda a todas
criação analógica de suas condições de permissibilidade. Estes argumentos as situações típicas e por isso mesmo incongruente, quanto prever uma causa
demonstram, por seu lado, a necessidade de enfocar as causas de justificação específica de justificação aplicável, originariamente, a determinadas modali-
em face da ordem constitucional e não apenas pelos seus elementos consti- dades de delito, como o foi a legítima defesa para com o homicídio e, depois,
tutivos ou por sua posição sistemática. estendida a todas as demais figuras típicas. A segunda, em que os elementos
Uma vez descartada a exigência do dolo de justificação, resta examinar subjetivos que compõem o tipo devem ser vistos dentro do processo de impu-
as outras duas variantes. A mais conhecida e que ocupa o lugar preferencial tação. Assim, as causas de justificação devem adaptar-se não a esses elementos,
da doutrina é aquela que exige apenas que o sujeito tenha tido conhecimento mas ao processo de imputação, o que leva a considerar que os elementos sub-
das situações fáticas das causas justificantes, por exemplo, que o sujeito saiba jetivos de justificação têm uma base na própria teoria do risco permitido e
ou haja reconhecido que está sofrendo uma agressão injusta e atual. Neste devem ser apreciados ex post, quer dizer, depois da realização do fato e de sua
aspecto, surgem dois problemas. avaliação global. Somente dessa forma é que se poderá afirmar que no caso
O primeiro, em relação aos elementos do dolo. O segundo, em relação concreto se torna necessária uma ponderação acerca de sua incidência ou não,
ao conteúdo deste conhecimento. Embora os partidários desta teoria rejeitem para dirimir as questões ainda pendentes. Por outro lado, a ordem jurídica, em
uma estrutura final de conduta, deixam de perceber, sob outro plano, que face do resguardo da liberdade individual, permite que o sujeito atue dentro de
estão projetando o elemento intelectivo do dolo do tipo sobre uma causa de certos riscos, cujo limite mínimo não pode ser dado pelo padrão doloso, mas
justificação, enfrentando os mesmos problemas da teoria finalista, quando pelo padrão culposo, pois, do contrário, a vida se tornaria uma rede de regula-
de causas supralegais. Quanto a estas, a pergunta imediata será: sobre que mentos, tão ao sabor da burocracia ritualista. Desta forma, para integralizar as
elementos deve incidir esse conhecimento? A resposta não pode ser dada causas de justificação no âmbito subjetivo, quando isto se torne necessário em
imediatamente com base na indicação precisa do conteúdo desse conheci- face das circunstâncias, é suficiente que o sujeito tenha tomado como possível
mento, mas de acordo com uma criação doutrinária incidente sobre o caso a verificação de uma situação justificante. Isto se dá em caso de dúvida acerca
concreto, o que parece igualmente violar o princípio da legalidade, que exige da ocorrência ou de uma legítima defesa real ou de defesa provocada.
uma prévia definição do que é proibido e permitido. Por exemplo, se alguém é constantemente assaltado e vê dele aproxi-
Desde que se entenda necessário incluir nas causas de justificação elemen- mar-se no escuro alguém, em situação semelhante àquela de outros assaltos,
tos subjetivos, tendo em vista que essas devem corresponder às modalidades de não precisa reconhecer efetivamente que está sendo agredido, basta que tenha
limitação do processo de imputação, nas respectivas formas de dolo e culpa, a
609. MAURACH/ZIPF. Strafrecht, AT, p. 283.
328 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 329

tomado como possível essa situação de defesa. Se, efetivamente se tratar de pretenda reduzir todas as circunstâncias e variedades das causas de justificação
um assalto, sua conduta de reagir à agressão – dependendo da sua moderação a um denominador comum, o que é próprio de concepções totalizantes ou
– estará justificada objetivamente, porque as dúvidas acerca de se a situação fundadas em preceitos éticos. Em segundo lugar, as causas de justificação
fora ou não provocada pelo próprio sujeito deixaram de existir em face da devem ser vistas como permissões de dupla qualidade: de um lado, como
afirmação de que, no caso, a situação estaria também justificada subjetivamen- derivadas de direitos fundamentais, aos quais se devem subordinar; de outro,
te.610 Esta solução, inclusive, é a única que permite compatibilizar a teoria do como autorizações contingentes, motivadas por circunstâncias acidentais ou
erro de proibição indireto com a solução culposa, quando incidente sobre os particulares de determinados setores da ordem jurídica.
pressupostos típicos de uma causa de justificação reconhecida e, em face de Diante disso, pode-se dizer que o decisivo para uma pretensão de siste-
sua evitabilidade, se socorre da pena do crime culposo. Caso se exigisse um matização dessas causas de justificação não é equacioná-las estaticamente, senão
dolo de justificação, evidentemente não seria possível, neste caso, uma solução dentro de sua dinâmica, como condições de solução dos conflitos sociais, que se
culposa, daí propugnarem os partidários do finalismo por simples atenuação estendem por todos os setores do direito e se intensificam na realização de uma
de culpabilidade. Por outro lado, caso se exigisse o reconhecimento da situação conduta criminosa. Como condições de solução dos conflitos sociais, as causas
justificante, poder-se-ia estar diante de dolo eventual. Mas exigindo-se apenas de justificação, portanto, não podem ser vistas simplesmente como exceções de
que o sujeito tenha tomado como possível a situação justificante, já se está comportamentos proibidos, senão como instrumentos de convivência social,
criando uma base para a solução culposa, porque a questão relativa à própria quando muitas vezes a justiça deve ceder lugar à conveniência. Por esta ótica,
ação justificante não depende de qualquer elemento subjetivo de justificação, qualquer princípio que se pretenda inserir como meio sistematizador dessas
mas apenas de uma ponderação objetiva advinda da ordem jurídica. causas de justificação deve estar subordinado a estes paradigmas, que são de
(3) OS PRINCÍPIOS INFORMADORES uma sociedade real e não de um sistema simbólico.
Uma vez decidida a questão do conteúdo dos elementos das causas de A partir desse posicionamento é que se deve também incluir entre as
justificação, resta agora examinar seus princípios gerais e seus efeitos. Como condições que influem na descaracterização da conduta vista como crimi-
bem diz ROXIN, uma sistematização das causas de justificação até agora não nosa os processos de marginalização social. Se as causas de justificação têm o
frutificou e parece que isto dificilmente ocorrerá.611 A razão dessa impossibili- objetivo de solucionar conflitos sociais, mais do que nunca terão relevância
dade sistemática é normalmente atribuída não apenas a erros dogmáticos ou à esses processos de marginalização como meio de sua composição, quando as
diversidade de concepções acerca do injusto, como principalmente à variedade respectivas condutas violarem bens jurídicos. Em uma sociedade desigual, os
incomensurável de normas permissivas, que disciplinam os atos segundo para- conflitos não são solucionados segundo um esquema de regra e exceção, mas
digmas de diversos setores do direito e, por isso mesmo, sob enfoques e juízos de modo a proceder a uma integração dos sujeitos marginalizados na própria
diferenciados. Isto é devido não apenas a estes aspectos, que dizem respeito à consecução da ordem jurídica democrática e seus objetivos, entre os quais o
estrutura da ordem jurídica, mas às funções que são atribuídas a esses setores de eliminar as desigualdades e a miséria (Constituição da República, art. 3º,
diferenciados. Aqui também as funções e as estruturas se relacionam dialetica- III). Aos que estão fora da atenção do Estado não se pode aplicar o mesmo
mente. Apesar disso, ainda que sem unidade, será possível fixar alguns pontos tratamento destinado àqueles que desfrutam do poder.
que podem ser levados à condição de princípios das causas de justificação. Desde que observados os limites da convivência, não há impedimen-
Antes de tudo, será necessário, porém, estabelecer alguns pressupos- tos para que se criem outros princípios ou critérios de sistematização, além
tos. Em primeiro lugar, não se pode restaurar aqui uma teoria monista, que daqueles que normalmente são utilizados pela doutrina. O importante é que
todos sirvam a esses propósitos de possibilitar uma vida harmoniosa e a plena
610. Nesta hipótese, o Supremo Tribunal alemão já havia reconhecido a legítima defesa (BGH VRS 40, 104 realização da liberdade individual. Partindo disso, devemos também estabe-
e 107, 1971. Embora, neste caso, opte ROXIN pela teoria do reconhecimento, entende viável a teoria da
possibilidade, frente a situações onde não haja sacrifício da vida humana: Strafrecht, AT, p. 537. lecer uma diferença entre as causas de justificação como normas permissivas
611. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 615.
330 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 331

e os princípios que buscam sistematizá-las. a ordem jurídica precisa ser reafirmada quanto à validade de suas normas.
A diferença entre normas e princípios não é pacífica e está caren- Já para o estado de necessidade agressivo, o princípio da ponderação de bens
te de melhor esclarecimento, mas podemos considerar que os princípios, é mitigado pelo princípio da autonomia, quer dizer, a intervenção sobre a
tomando as indicações da teoria do discurso, se destinam a caracterizar autonomia de terceiro inocente para salvar um bem valioso só é admissível
seus objetos dentro de um contexto de maior generalidade, enquanto as se, em face do bem em perigo, essa intervenção for igualmente valiosa,614
normas permissivas, como causas de justificação, buscam regulamentar circunstância que está legalmente representada na exigência de que o perigo
determinado objeto sob um grau menor de generalidade. Há, portanto, não possa ser afastado de outro modo.
uma diferença, primeiramente, de grau. A este critério agrega ALEXY ainda Por seu turno, estima HASSEMER, por exemplo, que se o agredido,
um outro qualitativo: de que princípios são instrumentos de otimização ao se defender da agressão, reafirma a validade da ordem jurídica, por outro
de argumentos, que se caracterizam pelo fato de poderem ser preenchidos lado, a definição em favor dessa atuação está assentada em um critério de
de diversos modos e de que a medida impositiva desse preenchimento direito preponderante em contraposição ao direito do agressor, o que leva à
depende não apenas de possibilidades fáticas, como jurídicas, enquanto conclusão de ser impossível a subsistência simultânea de duas causas de jus-
normas, na qualidade de regras, podem ou não ser preenchidas. Quando tificação, uma em favor do agredido, outra em favor do agressor.615
uma regra vale, então impõe que se faça algo exatamente como determina, Por sua vez, JAKOBS pretende classificar os princípios em três grupos,
nem mais nem menos.612 Justamente porque princípios valem como argu- que corresponderiam a específicas situações justificantes: os princípios de
mentos otimizados e dependem das possibilidades tanto materiais quanto responsabilidade, da definição de interesses em favor do agredido e de so-
formais, é que se torna absolutamente inviável sistematizar unitariamente lidariedade.616 Pelo princípio de responsabilidade, entende que o melhor
as causas de justificação. fundamento para a justificação reside em que o agredido deva responder
Em relação à ordem jurídica, HABERMAS, como já vimos, trabalha pelas consequências de seu comportamento, dentro de um sistema organi-
com dois princípios fundamentais, o de segurança jurídica e o de correção zativo, isto é, segundo o papel que socialmente desempenha neste sistema,
das decisões, sobre os quais busca fundamentar a relação entre faticidade e o que se daria nos casos de legítima defesa, estado de necessidade defensi-
validade.613 A segurança não deve ser entendida, aqui, como segurança pú- vo, direito de resistência frente a agressões, prisão provisória, autoajuda e
blica, mas segurança de que a decisão jurídica se oriente para a consecução inúmeros direitos relativos ao exercício de cargos ou ofícios públicos. Pelo
de objetivos democráticos. segundo princípio, a justificação ocorreria porque a vítima teria definido
ROXIN entende, por sua vez, que se devam considerar os contornos em seu proveito as modalidades de intervenção aceitáveis, administrando-as
dos princípios de ordem social, que se desdobram em inúmeros corolários, em categorias determinadas, como acontece nos casos de consentimento
conforme as diversas causas de justificação em espécie. Por exemplo, na legí- real ou presumido ou de estado de necessidade em favor de terceiro. Fi-
tima defesa vigoram os princípios da proteção individual e da manutenção nalmente, o princípio da solidariedade fundamenta a justificativa porque
ou confirmação do direito. Ao agredido se lhe faculta agir para se proteger aqui se há atuado em favor de outras pessoas ou da comunidade, nos casos
frente à agressão e, ao mesmo tempo, para reafirmar a validade do direito de exercício de funções ou no estado de necessidade agressivo. Todos esses
na sociedade, ainda que pudesse ter chamado a autoridade para defendê-lo. princípios, entretanto, são coordenados pelo critério de proporcionalidade,
Já no estado de necessidade defensivo, se combinam os princípios da pro- em uma relação custo/benefício, de modo que se possa afirmar um saldo
teção individual e da proporcionalidade. Frente a um ataque de animais, positivo em favor da vítima ou do agredido.617
por exemplo, o agredido pode proteger-se, mas não há como se dizer que
614. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 616 e ss.
615. HASSEMER, Winfried. “Rechtfertigung und Entschuldigung im Strafrecht”, p.216.
612. ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte, 3ª edição, 1996, Frankfurt am Main, p. 76. 616. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, p. 350.
613. HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung, p. 242 et seq. 617. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, p. 350/351.
332 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 333

Estes critérios todos, como se pode ver de seus próprios enunciados, exercício do poder de punir, é absolutamente questionável que se possa re-
se deixam impregnar pelo sistema adotado. JAKOBS pretende extraí-los de duzir a sistematização das causas de justificação a esquemas organizativos,
uma concepção basicamente centrada no seu conceito de ação, como “reali- como se o sujeito fosse puramente um indivíduo biológico, ou um subsis-
zação evitável do resultado, sendo considerado resultado já a execução de um tema social, ainda que compreendido no contexto das funções que possa
movimento corporal (delitos de mera atividade), ou uma consequência mais desempenhar nesse sistema. Neste caso, deve-se ter em conta, em primeiro
além desse movimento corporal (delitos de resultado)”, entendendo, por sua plano, essa função limitativa da norma penal, que deve servir de paradigma
vez, por evitabilidade, o próprio dolo ou a culpa, que “vincula o resultado à a todas as formas de justificação.
motivação”, mas neste caso só “importam aqueles resultados que sejam co- Em face disso, devem ser vistas as normas permissivas não simplesmen-
nhecidos (dolosos) ou pelo menos cognoscíveis (culposos), e conhecidos ou te como meras autorizações, senão como projeções efetuadas pelo legislador
cognoscíveis como consequência de um processo de motivação”, que pode ser sobre situações que considera de antemão, como excluídas da intervenção
considerado como “as direções de impulsos voluntariamente conformadas ou estatal. Justifica-se, assim, uma conduta, em primeiro lugar, porque em deter-
voluntárias e conformáveis (nos automatismos) sem uma atividade corporal minadas relações humanas conflituosas, em face da prevalência da liberdade
posterior”. Diante dessa complexa definição, passa a definir o sistema como individual e por variados motivos, não se chegou definitivamente à conclusão
“uma conexão psicofísica de efeitos entre a motivação e o aparelho motor”, de de que uma das partes, justamente aquela que defendeu o bem jurídico em
sorte que “o que interessa é o output deste sistema”, sendo assim irrelevante a face da agressão praticada pela outra, tenha ingressado na zona do ilícito.
forma como o sujeito ajuste essas direções, ou seja, as motivações pelas quais Quer dizer que o Estado, pelo princípio da intervenção mínima, deve deixar
se faz responsável no setor do injusto.618 O sujeito é entendido, desta forma, que os conflitos se resolvam, em um primeiro estágio, conforme a orientação
como um subsistema organizado do sistema social, no qual não interessam que as próprias partes envolvidas lhe imprimam no caso concreto. Em segun-
as influências externas (input), mas somente suas reações (output), daí a invo- do lugar, porque em virtude de uma ponderação de bens e valores, a lesão
cação do princípio de responsabilidade como fundamento da justificativa da de bem jurídico se vê compensada pela possibilidade de se evitar mal maior.
legítima defesa. Quem, por isso, intervém dolosa ou culposamente no âmbito
de organização de outro, deve responder por essa intervenção, sujeitando-se à A conjugação do respeito à autonomia de decisões e da ponderação
reação da vítima, que nesse caso atua em favor da validade da ordem jurídica. de bens parece constituir o filão para se elaborar uma teoria das causas de
justificação. Neste passo, não se deve propugnar por uma solução absoluta-
No sistema proposto por ROXIN, não existe um comprometimen- mente correta, senão por aquela que mais se ajuste a um sistema que faz da
to com determinada forma de compreensão da conduta humana. Embora liberdade individual o primado das indagações e efeitos da ordem jurídica.
funcionalista, baseia-se em uma relação normativa de ordem pública para jus- Aqui, será então perfeitamente cabível a discussão em torno daqueles dois
tificar essa reação, dando praticidade às decisões acerca do injusto, o mesmo princípios gerais de uma ordem democrática assentados por HABERMAS:
fazendo HASSEMER, para quem, entretanto, não será a legalidade do ato o de alcançar a segurança jurídica dentro de um juízo de compatibilidade com
decisivo em sua justificação, mas sim a norma protetiva que está por detrás uma decisão correta. Se o primado é da liberdade individual, o sistema de
da constituição do tipo de injusto, o que explica o porquê da adoção, nesta justificativas orientado pelo princípio da segurança jurídica deve procurar
hipótese, do princípio do direito preponderante.619 garantir essa liberdade individual mediante um esclarecimento adequado dos
Tendo em vista a orientação imprimida à norma penal, que se di- limites permitidos do atuar estatal.
ferencia das normas de direito privado não apenas em face do objeto que Uma vez assentados esses limites, através de normas que possam ser
quer regular, mas principalmente pelas limitações que impõe ao Estado no conhecidas por todos, quer quanto à proibição ou imposição, quer quanto
à permissão, a esses se associam os critérios procedimentais necessários à
618. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, p. 775/776. decisão correta, os quais, entretanto, devem ficar condicionados não apenas
619. HASSEMER, Winfried. (Nota 615), p. 210.
334 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 3 – o conteúdo do injusto 335

à norma formal ou ao discurso do melhor argumento, senão às condições a mesma postura assumida no código penal português de 1995 (art. 72), que
reais do sujeito. Por esta razão, afiguram-se como impensáveis os princípios estipula uma atenuação especial da pena quando existirem circunstâncias que
que procurem sistematizar a matéria unicamente sob um paradigma formal diminuam de forma acentuada a ilicitude do fato. Ainda que o Código Penal
e universal, como também sob o prisma de uma autorregulação sistêmica. brasileiro nada disponha sobre esta matéria, a solução pelo crime tentado será,
O sujeito não pode ser visto sob o esquema de um círculo integrado de em princípio, correta, para aquela corrente doutrinária que acolhe os elementos
organização, no qual suas diversidades sociais são retratadas apenas por seus subjetivos de justificação, se desde logo não se caracterizar uma exclusão da
papéis, que podem servir de bons argumentos para a decisão de certas im- ilicitude, independentemente sua presença no caso concreto.
putações, mas que deixam escapar, desta decisão, os processos de exclusão Há, entretanto, duas situações que devem ser analisadas com mais
social, pelos quais se retira dos sujeitos sua própria função como pessoa. Ao profundidade. A primeira se refere a uma questão levantada por LAMPE e
lado de todos esses princípios sistêmicos e de ordem pública ou do direito LENCKNER da justificativa em dois atos.623 Assim, por exemplo, o policial
preponderante, há que se edificar um sistema de causas de justificação que que deva efetuar a prisão em flagrante, com base no art. 301 do Código de
também insira nas suas normas a possibilidade de uma flexibilização em face Processo Penal, só terá sua conduta justificada pelo estrito cumprimento do
da exclusão. Assim, em países que são objetos preferenciais de exclusão de dever legal, se o fizer para o fim de conduzir o detido a um procedimento
um mundo globalizado, o sujeito não é um subsistema organizado. É um criminal, mas não para levá-lo a saldar um compromisso financeiro. Nesta
sujeito que se encontra à margem do social, para o qual se torna indiferente hipótese, ocorrem duas séries de circunstâncias.
a separação entre justificação e desculpa, porque os traços delimitativos do
lícito e do ilícito já não podem mais ser esclarecidos. Para este, pois, a decisão Pela primeira, o estrito cumprimento de dever legal só incidirá objeti-
correta será aquela que, desde logo, antecipe para o âmbito das causas de vamente como causa de justificação quando o detido tiver sido conduzido ao
justificação todos os pressupostos que só teriam sentido como elementos da órgão de persecução penal competente e não simplesmente privado de sua
culpabilidade, para excluí-lo da imputação. liberdade. Pela segunda, como o elemento subjetivo aqui deve ser estendido
não apenas ao ato da prisão, mas também ao seu efeito, sua ausência poderá
Geralmente, quando se trata de indicar a consequência penal de uma implicar aa caracterização de um delito consumado, dependendo de como
causa de justificação, assume destaque o problema referente às chamadas jus- se desenvolveu o procedimento da prisão. A solução do delito consumado
tificantes incompletas, nas quais, embora presentes todos os seus pressupostos nesta ordem de coisas é resultado não só da ausência do elemento subjetivo
objetivos, não se tenha preenchido seu segmento subjetivo. A doutrina tem de justificação, mas também da não-observância objetiva do procedimento
pugnado ora pela caracterização de delito tentado,620 ora pela punição por da prisão. Quer dizer, então, que esta hipótese não constitui uma exceção à
delito consumado.621 No Código Penal espanhol de 1995, adotou-se no seu solução da tentativa, mas uma forma especial de manifestação da causa de
art. 68 uma solução de compromisso, ao prever-se para esse caso uma atenua- justificação, tendo em vista as características da norma permissiva.624
ção de pena na mesma quantidade da atenuação referente ao crime tentado
(art. 66), tornando, por isso, insubsistente a posição doutrinária de CEREZO A segunda se refere a uma situação de conflito de deveres. Muito se
MIR que pugnava, anteriormente, pela ocorrência de um injusto integral.622 É tem discutido sobre seus fundamentos e efeitos, sem grande sucesso, porque
geralmente esse tipo de conflito é tratado como se fora modalidade especial
620. Assim, por exemplo, a maioria: ROXIN Claus. (nota 270), p. 644; STRATENWERTH, Günther. Stra- de estado de necessidade, deixando de lado sua conformidade com o con-
frecht, AT, p. 152; JESCHECK/WEIGEND. Lehrbuch des Strafrechts, p. 330; KÜHL, Kristian. Strafre-
cht, AT, p. 130; MAURACH/ZIPF. Strafrecht, AT, p. 350; WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, p. 85. teúdo do injusto.
621. Assim, por exemplo: ZIELINSKI, Diethart. isvalor de acción y disvalor de resultado en el concepto de
ilícito, p. 313; ZAFFARONI/ PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 576; WELZEL,
Hans. Derecho Penal Alemán, p. 122; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, Rio de
Convém também distinguir os conflitos aparentes dos conflitos reais.
Janeiro, 1991, p. 185. Para que haja conflito de deveres, é preciso que subsistam simultaneamente
622. CEREZO MIR, José. Curso de Derecho Penal Español, 4ª edição, Madrid, 1994, p. 456; agora, porém,
com outro entendimento, em face do novo código: Idem, “La regulación del iter criminis y la concepci-
ón del injusto en el nuevo código penal español”, in Revista de Derecho Penal y Criminologia, Univer- 623. SCHÖNKE/SCHRÖDER/LENCKNER. Strafgesetzbuch Kommentar, p. 477.
sidad Nacional de Educación a Distancia, nº 1, Madrid, 1998, p. 23 624. Com este entendimento: ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 645.
336 TEORIA DO INJUSTO PENAL

dois deveres de agir, dos quais só um possa ser atendido, mas sempre com o
descumprimento do outro.625 Todos os demais conflitos ou são aparentes ou
se submetem às regras do estado de necessidade.
CAPÍTULO 4
Assim, não se pode qualificar de conflito a concorrência de um dever
de agir e de um dever de se omitir, quando por exemplo, o médico diante OS EFEITOS DA CONCEPÇÃO DO INJUSTO
do dever de salvar um paciente resolve, mediante ato coativo, retirar sangue
de um terceiro para proporcionar-lhe a transfusão salvadora. Neste caso, não
há conflito de deveres, há estado de necessidade.626 Tampouco há conflito de Muitos são os efeitos de uma concepção democrática do injusto e do
deveres, e sim estado de necessidade, na hipótese sempre citada do médico método para a qualificação da conduta que nele se integra, por exemplo,
que viola seu dever profissional de sigilo e comunica a existência de uma a função da culpabilidade e sua correlação com a antijuridicidade, o tra-
determinada enfermidade contagiosa de seu paciente e com isso evita que tamento do erro de tipo e de proibição, os fundamentos da tentativa, os
seu colega contraia a infecção. critérios do concurso de crimes, os princípios do concurso de agentes e a
Quando efetivamente ocorra um conflito real de deveres, será preciso delimitação de sua responsabilidade. Ainda no âmbito do processo penal,
distinguir duas situações. Se os deveres forem de categorias diferentes, haverá pode-se entender que a divisão do injusto em duas fases implicará neces-
justificação quando se tenha cumprido o de maior hierarquia. Quando, sariamente uma reconfiguração do exame dos pressupostos processuais ou
porém, se trate de deveres de igual categoria, não há na verdade que se falar das condições da ação penal.
em causa de justificação. Abordando, de certo modo, essa matéria no âmbito do procedimento
A doutrina trata a colisão de deveres desiguais, sob a prevalência do dever no Estado democrático, entende ROXIN, por exemplo, que a violação ma-
menor, como se fora causa de exculpação. Entretanto, nesta hipótese, deve-se terial de preceitos fundamentais que possa decorrer do exame do caso deve
seguir a tese de ZAFFARONI, caracterizando-a como caso de atipicidade,627 normalmente implicar o arquivamento do feito, por faltar uma condição
isto porque, diferentemente das causas de justificação, na colisão real de deveres de validade do processo.628 Vê-se, assim, que a recuperação do sujeito no
de mesma hierarquia, em qualquer das hipóteses aventadas pela doutrina, se setor do injusto e a vinculação da incriminação de seu ato aos princípios
fôssemos seguir os padrões dominantes o sujeito teria cometido ato ilícito. Mas, de validade da própria norma incriminadora inseridos na Constituição ou
dadas as características do fato, configura-se aqui, então, um terceiro estágio nos pactos internacionais de proteção de direitos humanos não se restringe
de normatividade, o chamado campo neutro de atuação, no qual o Estado aos seus aspectos puramente penais, mas se estendem a todos os setores
não poderá intervir porque delineou uma solução jurídica que não pode ser do direito nos quais se possa sentir direta ou indiretamente sua influência.
cumprida pelo sujeito. Relativamente a esses casos, é indiferente que o sujeito Atendendo a esses fundamentos, a recuperação do sujeito na ordem
tenha ou não atuado com o conhecimento da situação de fato que fundamen- jurídica e, especificamente, na teoria do delito produz efeitos relevantes,
ta o dever. Em qualquer caso, deve-se-lhe aqui excluir o juízo de imputação, que podem implicar sua reestruturação. Esses efeitos são de duas ordens: a)
vendo neste conflito uma situação análoga à do risco permitido. os que impregnam o injusto a partir da consideração do conceito de pessoa
deliberativa; b) os que resultam de um conceito performático de ação. Essas
duas ordens irão implicar a reconstrução do sistema da imputabilidade e a
formulação do conceito de performatividade.
625. Assim, ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 778; STRATENWERTH, Günther. Strafrecht, AT, p. 141; WES-
SELS/BEULKE. Strafrecht, AT, p. 234.
626. WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, p. 234.
627. ZAFFARONI/PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 554. 628. ROXIN, Claus. Strafverfahrenrecht, 25a. edição, München, 1998, p. 162.
338 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 339

1. IMPUTABILIDADE E PERFORMATIVIDADE desenvolver uma ação performática que possa ser avaliada como uma conduta
penalmente relevante. Essas relações intersubjetivas de contexto, por sua vez,
Não se pretende fazer, aqui, uma reprogramação histórica do desenvol-
podem estar condicionadas a duas séries de fatores: à capacidade psicofísica
vimento do conceito e das funções da imputabilidade. A partir da formulação
do autor e aos comandos culturais que o vinculam. Estas duas condições
de BELING acerca do conceito analítico de crime, em que todo objetivo
dizem respeito, respectivamente, à essência do conceito de imputabilidade e
integrava o injusto e todo subjetivo compunha a culpabilidade, entendeu-se
às condições de performatividade. Em ambos casos, até mesmo por força da
que, ao referir-se ao sujeito, a imputabilidade só poderia ser ou pressuposto ou
vinculação entre conduta e norma criminalizadora, estará presente, em todos
elemento da culpabilidade. Salvo no que toca aos autores hegelianos, a impu-
os sentidos, o conceito de pessoa deliberativa, como elemento essencial da
tabilidade jamais fora proposta como elemento do injusto, inclusive, para os
formação da ordem jurídica democrática.
juristas que adotaram a teoria finalista da ação e propunham sua subjetivação. A
um injusto objetivo, ou preferencialmente objetivo, não poderia corresponder Deve-se observar, ademais, que a pretensão da teoria crítica do crime de
um dado pessoal e próprio do sujeito. Como o sujeito só interessava à ordem delimitar o processo de responsabilização do sujeito a partir dos pressupostos
jurídica por causa de sua integridade psicofísica, o conceito de imputabilidade fornecidos pelo direito não pode deixar de lado que o conceito de ação penal
passou a ser construído em decorrência do conceito de sua ausência, ou seja, serve justamente para fundamentar e limitar esse processo de responsabiliza-
de modo invertido. Por este método, a lei deveria ocupar-se de definir o que ção. Uma vez que o conceito performático de ação possibilita compreender o
caracterizava a inimputabilidade. Com isso, assentava suas premissas no sentido papel social das pessoas que atuam no mundo da vida, igualmente fica claro
de estabelecer, a contrario sensu, o conceito de imputabilidade, o que gerava, que é possível estabelecer contato intersubjetivo complexo com pessoas com
por consequência, segundo a dinâmica das interpretações, a assertiva, até hoje distúrbios mentais ou menores de idade, de modo a afastá-los da incidência
vigente, de que pela regra todas as pessoas são imputáveis. da norma penal, ainda que se reconheça, em certa medida, que são capazes
de ação, interação e produção social.
É importante considerar, porém, que, em determinado momento de
sua produção, pretendeu VON LISZT desvincular-se de sua estrita visão Uma vez delineadas as bases de sustentação das relações intersubjetivas,
positivista e enunciar a imputabilidade como a capacidade de realizar uma a análise da imputabilidade e das condições de performatividade deve ser feita
conduta social.629 como etapa inicial da configuração do injusto. Portanto, sob este novo enfoque,
a imputabilidade deixa de ser elemento ou pressuposto da culpabilidade, como
A noção de conduta social desenvolvida por MAX WEBER, carac-
sempre foi tratada pela dogmática penal, para se inserir como elemento do
terizada como uma forma de ação estratégica,630 abriu a possibilidade de
próprio injusto. Se a imputabilidade integra o injusto, como parte do conceito
uma complementação posterior pela teoria do discurso e pelos enfoques
de ação performática, os casos que caracterizam sua ausência, ou seja, os casos
dos atos de fala, no sentido de uma teoria performática de ação.631 A teoria
de inimputabilidade devem ser tratados como hipóteses de ausência de ação.
performática de ação, compreendida como a conduta centrada nas relações
intersubjetivas do autor para com as demais pessoas, no mundo da vida, Por outro lado, nem sempre o autor deve ser avaliado segundo sua capa-
condiciona, por seu turno os elementos da própria imputabilidade. Uma vez cidade psicofísica, mas sim de conformidade com suas vinculações culturais.
que a ação performática pressupõe uma relação intersubjetiva do autor, este Em toda sociedade pluralista, como é a sociedade humana, independente-
deve estar também situado nas mesmas condições de contexto das normas mente dos atributos de raça, sexo, condição social ou origem, subsistem
incriminadoras, a fim de que possa ser integrado na ordem jurídica. Faltan- grupos culturais que se desarrolham em determinados e específicos mundos
do as relações intersubjetivas de contexto, o autor não estará capacitado de da vida, muitas vezes situados dentro do mesmo território no qual vigem as
normas estatais criminalizadoras. Esses diversos mundos da vida engendram,
629. HEINITZ, Ernst. “Franz von Liszt als Dogmatiker”, in Franz von Liszt zum Gedächtnis, Berlin: De
Gruyter, 1969, p. 443 e ss. por seu turno, determinadas formas de pensar e atuar, que diferem, substan-
630. WEBER, Max. Wirtschaft und Gesellschaft. Studienausgabe, Tübingen: Mohr, 2014, p. 214. cialmente, dos elementos configuradores da pessoa deliberativa pressuposta
631. TAVARES, Juarez. Fundamentos de teoria do delito, Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018, p. 125 e ss.
340 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 341

pela ordem jurídica dominante. Se a conduta penalmente relevante pressupõe e cujos resultados têm levado a estados de perplexidades e incertezas, que
no seu autor os elementos de pessoa deliberativa, faz ela parte do injusto, talvez possam ser mais bem equacionados no sentido de assegurar aos sujeitos
como ação performática. Os casos, portanto, em que se caracteriza uma envolvidos a garantia indispensável quanto à qualificação de suas condutas,
discrepância entre os diversos mundos da vida e os elementos da pessoa uma vez lançadas as bases de sua configuração normativa.
deliberativa vinculados à ordem jurídica dominante, devem ser tratados, A divisão dos delitos em dolosos e culposos segue normalmente na histó-
também, como ausência de ação, na forma de ausência de performatividade. ria dogmática da teoria do delito dois caminhos distintos. O primeiro caminho
Como consequência, os sujeitos pertencentes culturalmente a mundos da é percorrido pela teoria causal e se assenta em que o conceito de delito é uni-
vida diversos não podem ser considerados como deficientes ou perturbados tário para suas formas de aparecimento, as quais só guardam sentido se vistas
mentais. Na verdade, os indígenas em seu estado natural só foram tratados no âmbito da atribuição subjetiva, quer dizer, como formas diferenciadas de
pela doutrina como inimputáveis por força de uma ficção, hoje incompatível culpabilidade. O dolo e a culpa indicariam, assim, modalidades causais de
com um Estado de direito democrático, até porque não são eles e nunca o vinculação psicológica do agente ao fato, em uma reprodução subjetiva de
foram portadores de distúrbios mentais ou de qualquer outra anomalia de uma ordem natural, cujo conteúdo poderia ser alcançado cognitivamente. O
desenvolvimento. Ademais, dependendo do grau de contato com o mundo segundo caminho é objetivado basicamente pelo sistema finalista, agora aco-
do direito imposto, eles poderão até ter capacidade de ação instrumental lhido pela maioria da doutrina, por finalistas ou não-finalistas, e tem por base
ou mesmo de poder efetuar um juízo sobre suas condutas diante do direito que as formas dolosas e culposas são extraídas da própria estrutura da conduta,
vigente, mas estarão regidos, legitimamente, por outras normas válidas, que quer dizer, o conceito de ação, quer sob o aspecto final, social ou normativo,
os eleva a uma categoria diferenciada de pessoas. Ao reconhecer-se que o induz que, desde logo no âmbito do tipo de delito, se proceda à separação
pluralismo social e cultural engendra também um pluralismo de regras, fora, dessas duas formas de manifestação da atividade criminosa. Se a conduta fora
portanto, daquelas emitidas por ato de autoridade, poderá também ocorrer, conceituada como o exercício de uma atividade final e o tipo de injusto sua
no caso, uma verdadeira colisão de normas, cuja solução poderá conduzir à reprodução legal, seria coerente com o sistema que tanto o dolo quanto a culpa
extinção da antijuridicidade da conduta, tal como se dá com relação às pes- constituíssem, em primeiro plano, matéria do injusto e não da culpabilidade.
soas que se encontram inseridas em um processo de marginalização social.
Esses dois esquemas dogmáticos, por seu turno, formam a base sobre
2. A IMPUTAÇÃO SUBJETIVA a qual tradicionalmente se executou a diferenciação entre dolo eventual e
De todos os efeitos produzidos na criminalização, o principal decorre culpa consciente. Apesar do fato de que esses esquemas continuem a perdurar
evidentemente do processo de imputação, do qual já foram vistos alguns dos na teoria do delito, parece, entretanto, que a divisão entre delitos dolosos e
seus resultados, quando da constituição do tipo de injusto relativamente à culposos não se deve fazer nem como forma de culpabilidade, nem como
questão da atribuição objetiva de um fato ao sujeito, como obra sua. Esse desdobramento da estrutura da conduta instrumental, senão em face das
mesmo fundamento de individualização do injusto, por sua vez, se estende limitações projetadas pela norma penal sob a forma de imputação dessa
não apenas à questão pura da imputação objetiva, senão à edificação das conduta ao sujeito, como ação performática.
modalidades essenciais de seu aparecimento, expressas pelo dolo e pela culpa, Essa afirmativa se assenta, entretanto, em dois fundamentos, os quais,
que constituem, sem a menor dúvida, a pedra de toque de todo o sistema por sua vez, pressupõem a solução de duas questões preliminares. A primeira
penal. Por isso, podemos aqui discutir, primeiramente, esse aspecto dos múl- questão preliminar está associada a uma indagação de política criminal: se
tiplos efeitos do injusto, por ser o mais importante e o mais decisivo para a norma penal delimitativa está ou não associada à estrutura da conduta. A
a estruturação de um direito penal de garantia. Saliente-se, ademais, que segunda questão preliminar resulta da resposta que se dê à primeira e diz
neste setor está presente o tormentoso problema da diferenciação entre dolo respeito à possibilidade de uma delimitação do âmbito do injusto com ou
eventual e culpa consciente, nem sempre resolvido com absoluta correição sem sua vinculação à estrutura da conduta.
342 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 343

A primeira questão preliminar exige uma resposta diferenciada. Uma vez de proporcionalidade, conforme o processo de produção da lesão de bem
que a conduta seja enunciada a partir da relação entre meio e fim, portanto, jurídico seja mais ou menos intenso.
como conceito instrumental, pode-se afirmar a impossibilidade de que, por Deve-se esclarecer, por outro lado, que é possível fixar com precisão os
força desse conceito, se possa obter uma delimitação do poder de intervenção limites da intervenção estatal, segundo a dinâmica e a gravidade dos acon-
do Estado. Em favor dessa assertiva podem ser invocadas variadas razões, de tecimentos e não de acordo com uma estrutura instrumental de conduta.
ordem causal ou normativa, ou até mesmo funcional, mas a principal delas Isso é certo. Ademais, mediante a superação do modelo instrumental, que é
reside no fato de que inexiste uma conformidade quanto a essa estrutura ins- adequado para legitimar, mas não para limitar o poder de punir, é possível
trumental de conduta, se de conteúdo exclusivamente causal, final ou social, e desvincular-se a norma penal de qualquer conteúdo ético pré-determinado
a modalidade de delito. O finalismo pretendeu sedimentar os delitos, principal- e, igualmente, exigir-se, na sua interpretação, que a decisão se deva orientar
mente os dolosos, a partir de uma concepção ôntica de conduta, pela qual toda pelos princípios da segurança jurídica e da correção, sob o pressuposto do
a ordem jurídica se deveria orientar, quando fosse criminalizar determinado respeito e da proteção da dignidade da pessoa humana. É preciso, porém,
fato. Tal concepção, porém, não se sustenta em face de um direito penal de considerar que a intensidade da lesão ao bem jurídico está também atrelada
garantia. Ao cidadão se torna absolutamente impossível efetuar a conexão entre ao processo de desenvolvimento da pessoa no mundo da vida. Quando se
uma categoria lógico-objetiva, representada pela finalidade, e o injusto de seu fala em delimitação da intensidade subjetiva de afetação do bem jurídico,
fato, o que o torna vulnerável aos abusos do poder persecutório, o qual, tendo deve-se ter em vista que não será possível sua desvinculação com o conceito
em vista programas de política criminal, pode simplesmente acentuar alguns de pessoa deliberativa. Ao reconhecer-se que a legitimidade da ordem jurídica
critérios ontológicos e justificar que, por exemplo, seja possível admitir-se que depende das relações entre Estado e pessoa deliberativa, a norma penal, ao
de um crime culposo inicial se avance para uma responsabilidade dolosa, desde equacionar os elementos da imputação subjetiva, não pode desconsiderar o
que se confundam elementos do dolo eventual com os da culpa consciente. substrato da atuação dessa pessoa no mundo da vida.
Uma vez que a norma penal não se destina à proteção de valores ético-sociais,
por exemplo, não há por que compreendê-la dentro deste pressuposto. O que Um dos pontos cruciais de sustentação do conceito de pessoa delibera-
interessa inicialmente à norma penal é como se processa e até onde se estende tiva reside no pressuposto de que essa pessoa é dotada de vontade. Sem que se
a lesão de bem jurídico, independentemente da estrutura final da conduta lhe atribua essa particularidade, será impossível reconhecer-se que sua atua-
incriminada. Entretanto, se o conceito de conduta está assentado em duas ção é uma atuação performática. Por outro lado, se o bem jurídico, devido
condições essenciais, que são a condição da pessoa deliberativa e a condição à sua constante espiritualização, não pode, muitas vezes, ser esclarecido, é
do mundo da vida, no qual aquela se movimenta, será possível, de certa forma, relevante para delimitar seus contornos recorrer-se ao conceito de direito
obter uma certa coerência na interpretação do processo de imputação com base subjetivo como o direito da pessoa deliberativa de participar de uma prática
na recuperação do sujeito. Isto porque o conceito de conduta performática, social. À medida que a pessoa deliberativa não possa participar do processo
extraído dessas condições, implicará uma reconstrução desse processo a partir de criminalização e da determinação do bem jurídico, torna-se ilegítima a
da lesão ou do perigo concreto de lesão do bem jurídico. própria criminalização. Há, portanto, uma conexão entre a delimitação da
intensidade subjetiva de afetação do bem jurídico e das condições que im-
Respondida essa primeira questão, já podemos seguir a investigação peram no conceito de conduta performática.
acerca da possibilidade de se limitar essa intervenção em face do conceito de
conduta performática. Se estabelecemos anteriormente que o que importa Estabelecidos esses dois pressupostos, podemos agora verificar os funda-
é como e em que extensão se verifica a lesão de bem jurídico, é possível mentos dogmáticos para delimitar a intensidade dessa afetação. O primeiro
proceder a uma delimitação do poder de intervenção segundo campos de fundamento deve justificar acerca da base dogmática para proceder à variação
intensidade dessa lesão. Isto quer significar que, ao fixar as zonas do lícito dessa intensidade. O segundo fundamento busca estabelecer as diferen-
e do ilícito, o poder de intervenção deve ser limitado segundo um critério ças entre os limites das variações de intensidade. O primeiro fundamento
344 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 345

refere-se, portanto, à posição sistemática do dolo e da culpa na estrutura do aqui de dar ao Estado os argumentos pelos quais este possa exercer o jus
injusto. O segundo, às suas diferenças. puniendi, sobre uma ordem ontológica ou psicológica, mas delimitar seu
Como vimos anteriormente, a estrutura do injusto se assenta em um exercício dentro de extremos de intensidade com relação à lesão de bem ju-
procedimento de imputação, que a condiciona, por força da sua função rídico, da máxima intensidade, com o dolo direto, até a mínima intensidade,
delimitativa. Este procedimento de imputação pode ocorrer através de duas com a culpa. As formas dolosa e culposa de imputação devem ser tratadas,
formas: sob critérios de atribuição objetiva, baseados no excesso do risco para igualmente, como delimitadores da atuação estatal, segundo o grau de sua
a lesão do bem jurídico e sob critérios de imputação subjetiva, baseados na intensidade e devem, por isso mesmo, merecer uma especial atenção para
variação da direção volitiva desse risco. extirpar-lhes o conteúdo ético e fundá-las apenas nos seus elementos reais.

O dolo, portanto, entendido como a vontade de realizar o comporta- Com esses fundamentos, o que se pretende é construir uma teoria do
mento típico, só adquire significado se compreendido no contexto de um dolo que se afaste, primeiramente, de seu conteúdo ontológico e, ademais,
processo de imputação ao sujeito em face do risco que sua conduta, assim que não deixe margens a interpretações puramente psicológicas. Para tanto,
dirigida volitivamente, representa para o bem jurídico. Da mesma forma, a o dolo deve ser retratado de uma forma, antes de tudo, garantista. Afora seus
culpa só passa a ser relevante, à medida que, sob o pressuposto de um exces- elementos reais, sua conformação depende da clareza e da precisão de sua
so de risco, a violação da norma de cuidado objetivo se tenha manifestado configuração normativa, que lhe trace uma perfeita identificação de contor-
através de um resultado lesivo bem jurídico e se torne possível, com o auxílio nos e limites. Assim, por atividade dolosa não se deve compreender qualquer
do critério da previsibilidade, ser imputada ao sujeito. atividade volitiva, no sentido naturalístico ou puramente psicológico, senão
somente aquela forma volitiva normativamente identificada como a que lesa
Assim, a delimitação das zonas do lícito e do ilícito e a redução do ou coloca em perigo o bem jurídico. Sobre esta base é que se deve realizar,
poder estatal de intervenção, a partir disso, dependem da correção do pro- portanto, a distinção entre dolo eventual e culpa consciente.
cesso de imputação, tanto aquele baseado no risco objetivo quanto aquele
derivado de uma investigação da manifestação volitiva do sujeito. Condi- 3. A ESTRUTURA DOS ELEMENTOS SUBJETIVOS
cionando-se a composição do injusto à correção do processo de imputação, Uma vez configurada a imputação subjetiva com base na gradação que
faz-se depender o injusto também de critérios que possam ser discutidos se procede, agora no âmbito volitivo, em relação à intensidade de agressão
por todos os seus destinatários, que são em última instância os verdadeiros ao bem jurídico, representada pelos resultados de dano ou de perigo, será
interessados em reduzir os poderes do Estado, em níveis compatíveis com a necessário decidir acerca de sua estrutura para delimitar, com precisão, os
proteção de direitos fundamentais. limites da intervenção estatal.
Tem razão, neste sentido, MARIA DEL MAR DIAZ PITA ao buscar Normalmente, a doutrina tem identificado, desde a formulação dos
um novo conteúdo do dolo fora do ponto de vista ontológico ou notada- neokantistas, duas séries de elementos subjetivos no injusto: o dolo, como seu
mente psicológico e interpretá-lo como um título de imputação.632 Embora componente geral e abrangente, e algumas outras características subjetivas, que
correto este ponto de partida, está, porém, equivocado na parte em que passa se manifestam apenas em certos delitos, classificados como delitos de intenção,
a definir o dolo como “uma decisão contrária aos bens jurídicos protegidos delitos de tendência e delitos de impressão.634 Embora esta classificação seja,
pelo ordenamento penal”,633 porque a avaliação que se deve fazer sobre o
dolo não deve ter por base, simplesmente, a decisão do sujeito, nem o caráter 634. A classificação dessas espécies de delito foi uma fórmula encontrada por MEZGER, Edmund (Vom
Sinn der strafrechtlichen Tatbestände, Fetschrift für Traeger, 1926 e no Tratado, vol. I, p. 357) para
preventivo da norma penal, mas sim o grau de intensidade dessa conduta, sistematizar aquilo que a doutrina anterior, principalmente, com HEGLER (Die Merkmale des Verbre-
chen, ZStW 36, 19, 1914) e MAYER, Max Ernst (Der allgemeine Teil des deutschen Strafrechts, 1915,
assim dirigida volitivamente, para com a lesão de bem jurídico. Não se trata p. 185), havia identificado como elementos subjetivos do injusto ou da antijuridicidade. HEGLER, por
seu turno, já havia aventado a existência de um delito “com intenção interna transcendente”, enquanto
MAX ERNST MAYER se esforçava para separar o motivo que fundamenta o injusto daquele que se
632. DIAZ PITA, Maria del Mar. El dolo eventual, Valencia, 1994, p. 301 et seq. encerra na culpabilidade, para concluir que os elementos subjetivos da antijuridicidade são, na verdade,
633. DIAS PITA, Maria del Mar. (Nota 632), p. 301. elementos do processo de imputação e só terão significado se vinculados a uma base causal.
346 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 347

inclusive, discutível, porque não apresenta fundamentos seguros para proceder pudessem esclarecer a distinção entre dolo eventual e culpa consciente. A preo-
à sua diferenciação no caso concreto, principalmente, quanto aos chamados cupação da doutrina, no entanto, foi sempre no sentido de legitimar a figura
delitos de tendência (Neigungsverbrechen ou Hangverbrechen),635 pode servir, do dolo eventual, como espécie de dolo. A questão do dolo eventual envolve,
no entanto, como ponto de partida para a análise do conteúdo subjetivo do assim, não apenas sua distinção com a culpa consciente, mas sim com a discus-
injusto, em face da construção dos respectivos tipos de delito. são em torno de sua própria legitimidade. Como o dolo eventual vem previsto
Na medida em que o legislador se ocupa de definir os limites da ilici- no próprio Código Penal (art. 18, I), é importante discutir, primeiro, acerca
tude penal, deverá também esclarecer acerca de como a conduta incriminada de sua diferenciação com a culpa consciente e, em segundo lugar, de sua legi-
se deve relacionar à lesão e ao perigo de lesão aos bens jurídicos, quando timidade. Embora haja referências a critérios assentados no risco e na estrutura
procedida sobre a diversidade de manifestação de vontade do agente. Quando da atividade volitiva, podemos classificar essas várias teorias em dois grandes
se trata de identificar os parâmetros de definição dessa diversidade, duas grupos, conforme a divisão dos elementos que compõem o dolo e a estrutura
questões devem ser, previamente, decididas: a) se existe, realmente, uma es- do tipo: a) teorias intelectivas e b) as teorias volitivas. Não se vai, aqui, exaurir
trutura naturalista que embase esses elementos subjetivos; b) como se procede o tema, mas apenas indicar, em linhas gerais, os meios de delimitar o dolo.
à diferenciação entre esses elementos.
(1) AS TEORIAS INTELECTIVAS
Analisando justamente a proposta de ARMIN KAUFMANN de fazer
com que a definição de dolo, como vontade de realização, possa estar as- As teorias intelectivas fixam-se em que os limites do dolo devem ser
sentada sobre uma base ontológica, pondera HASSEMER que a questão da determinados com base no conhecimento do agente acerca dos elementos
existência ou da separação dos elementos subjetivos de imputação não pode do tipo objetivo. Dentre estas teorias, podem ser destacadas as seguintes:
ser discutida sob ponto de vista ontológico, mas sim deontológico.636 Essa teoria da representação ou da possibilidade, teoria da probabilidade, teoria da
crítica, relevante em certa medida, porque busca demonstrar que a questão evitabilidade, teoria do risco e teoria do perigo a descoberto.
da imputação subjetiva não é solucionada, simplesmente, com paráfrases, A teoria da representação, ou da possibilidade, foi desenvolvida depois da
conduz, por sua vez, a discussão para outro âmbito, que será o de determinar Segunda Guerra, por SCHRÖDER e SCHMIDHÄUSER. Esta teoria susten-
se, efetivamente, se pode afirmar que uma base ontológica é também uma ta, inicialmente, antes de tratar da distinção entre dolo e culpa, que não existe
base naturalista. Se o ontológico é identificado com o naturalístico, então, culpa consciente, mas apenas culpa inconsciente. É a mesma tese de SÉRGIO
a discussão em torno da imputação subjetiva se deve reduzir às formulações DO REGO MACEDO que, considerando que o fato de o agente prever que
finalistas, na medida em que se compreenda que todo o processo de imputa- ocasionará o resultado que ele não aprova, mas que afasta mentalmente, seria
ção esteja vinculado à estrutura final de conduta. Se o naturalístico, porém, uma atitude psíquica tão contraditória quanto inverossímil, conclui pela im-
estiver associado ao empírico e não ao ontológico, se tratará de discutir, em possibilidade de se configurar a culpa consciente.637 Tomada em suas últimas
sequência, até que ponto será possível assentar o processo de imputação consequências, esta teoria estabelece, na verdade, que a diferenciação entre dolo
subjetiva sobre dados observáveis e objetivamente apreensíveis. eventual e culpa se deve efetivar exclusivamente no plano da possibilidade.

4. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE Assim, desde que o agente tenha conscientemente admitido a possibi-
lidade da ocorrência do resultado, haverá dolo eventual. A diferença entre
A doutrina sempre procurou adotar fórmulas e elaborar teorias que dolo e culpa, portanto, radica no conhecimento ou desconhecimento do
635. MEZGER, Tratado, p. 357, chega a afirmar que os delitos de intenção podem se confundir com os de- agente quanto aos elementos do tipo objetivo: se houver conhecimento, há
litos de tendência, embora reserve a esses, especificamente, os casos que MAYER, (Nota 633, p. 358),
tratava como de motivação relevante no injusto, como, do exame ginecológico efetuado para satisfazer dolo; se não houver conhecimento, há culpa. Esta teoria, entretanto, embora
a concupiscência do médico, ou do mestre que castiga o aluno para se vingar do pai.
636. HASSEMER Winfried. Persona, mundo y responsabilidad. Bases para una teoría de la imputación en
derecho penal, tradução espanhola de Francisco Muñoz Conde e María del Mar Díaz Pita, Valencia: 637. MACEDO, Sérgio do Rego. Da inexistência da culpa consciente e, por extensão, do dolo de perigo e
Tirant lo Blanch, 1999, p. 126. do crime preterdoloso, Tese apresentada à UERJ, 1980, p. 12.
348 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 349

na variante de SÉRGIO DO REGO MACEDO possa conduzir a posições mas em determinar se um sistema jurídico pode afirmar que alguém atua
liberais, com a eliminação igualmente do dolo de perigo e dos delitos pre- dolosamente e assim como tal reprová-lo, quando não tinha ele repre-
terdolosos, não deve ser acolhida. Antes, estende o âmbito do dolo eventual sentado como existente um risco relevante, como produto de sua ação.643
até o interior da culpa consciente; depois, diante das dificuldades de sua Afirmar-se o dolo, neste último caso, implica trabalhar, no fundo, com um
aplicação prática, trabalha com a ficção de que a confiança em que o resultado critério de presunção, porque em vez de investigar a sua existência real,
não ocorra implica a eliminação da possibilidade de seu conhecimento,638 com base nas condições do fato, a está pressupondo, segundo um modelo
transmudando uma condição volitiva (a confiança na sua não ocorrência) hipotético de sujeito de ação, empregado como tertius comparationis.
em um dado intelectivo (a possibilidade de sua representação). Por outro lado, pondera ROXIN que não se pode tomar como parâ-
Segundo a teoria da probabilidade, que é uma variante da teoria da metro para o dolo a figura estranha do homem sensato, pois um camponês
possibilidade, haverá dolo eventual quando o autor tenha tomado como que ingressa, fumando, em um celeiro e, com isso, ocasiona um incêndio,
provável a lesão do bem jurídico. Para HELLMUTH MAYER, formulador não pode ser considerado como agente de uma ação dolosa, pelo simples
desta teoria, probabilidade significa mais do que possibilidade e menos do fato de que um outro camponês, mais cuidadoso, também o seria.644 Ima-
que preponderantemente provável.639 Esta teoria, assim como sua antecesso- gine-se que alguém, não habituado a lidar com o preparo de comida, tenha
ra, não delimita claramente os setores do dolo e da culpa e deixa de atentar esquecido de desligar o fogão ao distrair-se com outros fatos, vindo, com
para o fato de que a probabilidade da lesão do bem jurídico é apenas um isso, a ocasionar um incêndio. O fato não se torna dolo porque, feita uma
indício de que o agente assume o risco de produzi-la. 640 Uma digressão comparação, se chegasse à conclusão de que um cozinheiro experimentado
moderna desta teoria é empreendida por INGEBORG PUPPE, que a tra- não teria esquecido o fogão ligado. O uso de um terceiro na relação de
balha sobre o critério do conhecimento acerca de um perigo qualificado: lesão de bem jurídico complica a identificação do dolo, porque a vontade
haverá dolo quando o perigo, que o agente, consciente ou supostamente, já não mais será aferida pelo autor, mas por alguém que se encontra fora
produziu para o bem jurídico, for de tal quantidade e qualidade, que uma dessa relação.
pessoa sensata ou cuidadosa só o aceitaria sob a condição de que o resultado Ainda como outra variante dessa teoria da probabilidade, podemos
deveria ocorrer.641 Nesta modalidade, da mesma forma como ocorre com o citar a proposta de JAKOBS, ao combinar o critério da probabilidade com
critério da probabilidade, vale a crítica de que o conhecimento do perigo o da séria possibilidade, quando o decisivo para determinar os limites do
qualificado constitui somente indício de que o agente tenha assumido o dolo e da culpa reside praticamente na combinação desses dois fatores, com
risco da produção do resultado e não propriamente um critério identifica- base, porém, no denominado risco habitual. Isto quer dizer que haverá culpa
dor do dolo. Mais grave ainda é sua conclusão, ao deixar a aferição do dolo consciente, quando o agente, em face de sua própria experiência individual,
sob o critério do homem sensato, que inexiste concretamente e que contradiz caracterizadora de uma forma de costume em relação a resultados lesivos,
o princípio da responsabilidade individual.642 Em acertada crítica a esta realizar sua conduta tomando esses resultados como improváveis. O dolo
última, salienta PRITTWITZ que a questão não se limita – como entende eventual dar-se-á quando o agente julgar não ser improvável que, com sua
PUPPE – a prestigiar o autor que tenha evitado com sucesso o resultado, ação, resultará o resultado lesivo.645 Valem aqui as mesmas críticas anterior-
mente opostas à concepção de PUPPE, com a agravante de que a figura do
638. SCHRÖDER, Horst. “Aufbau und Grenzen des Vorsatzbegriffes”, in Festschrift für Sauer, 1949, p.
207 et seq.; SCHMIDHÄUSER, Eberhard. Strafrecht, AT, p. 342 et seq. Para a crítica dessa teoria: costume do risco da ocorrência do fato nada acrescenta à solução do proble-
JESCHECK/WEIGEND. Lehrbuch des Strafrechts, p. 302/303; ROXIN, Claus. (Nota 270) p. 455;
WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, p. 68. ma. Pelo contrário, insere o dolo no que se chama de círculo organizativo,
639. MAYER, Helmuth. Strafrecht, Studienbuch, 1967, p. 121. não com vistas ao sujeito, mas à sua função social.
640. Para a crítica: WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, p. 68; ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 457.
641. PUPPE, Ingeborg. “Der Vorstellungsinhalt des dolus eventualis”, in ZStW 1991, p. 1 et seq.
642. Para a crítica: ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 457 e ss.; PRITTWITZ, Cornelius. Strafrecht und Risiko 643. PRITTWITZ Cornelius. (Nota 642), p. 357.
– Untersuchung zur Krise von Strafrecht und Kriminalpolitik in der Risikogesellschaft, Frankfurt am 644. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 458.
Main, 1993, p 357 et seq. 645. JAKOBS, Günther. Strafrecht, AT, 2ª edição, p. 269 et seq.
350 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 351

A teoria da evitabilidade foi formulada por ARMIN KAUFMANN, volitivo, que na prática seria absolutamente dispensável de sua estrutura.
como desenvolvimento da teoria finalista da ação. De acordo com sua con- Portanto, para o dolo eventual basta que o agente tenha conhecimento desse
cepção, se o agente representar como possível o resultado, o dolo eventual só risco, que não é qualquer risco, mas o risco tipificado como ação proibida.650
será excluído se a sua vontade dirigente do fato estiver orientada no sentido Haverá culpa consciente, quando o autor, diante da representação de um
de evitar o resultado. Haverá, assim, culpa consciente quando o agente, jun- perigo concreto, diga a si mesmo: por este ou outro motivo, nada passará.
tamente com a prática de sua ação, assentar contrafatores com a ajuda dos Isto significa que o autor, nesta situação, se decide subjetivamente por uma
quais possa conduzir essa atividade, de modo a não produzir as consequências conduta não perigosa e, pois, não atua dolosamente.
que havia previsto como possíveis.646 A crítica a essa teoria repousa em dois relevantes pontos. Primeiramen-
Na verdade, os critérios encampados por esta teoria não indicam satisfato- te, deixa que a diferença se estabeleça exclusivamente pelo lado intelectivo,
riamente a diferença entre o dolo eventual e a culpa consciente, embora possam o que seria incompatível com o Código Penal brasileiro (art. 18, I), que
ser tomados, sobretudo, como indícios de uma atuação dolosa. É evidente exige não apenas o conhecimento do risco, mas a sua aceitação ou assunção.
que, se o autor pratica uma ação sem se esforçar para que esta não produza Em segundo lugar, ao fixar como objeto do dolo unicamente a ação típica
um resultado lesivo, normalmente pode configurar uma situação em que lhe arriscada, desconsidera aspectos importantes da atuação dolosa quanto aos
era indiferente tal lesão e, assim, caminhar no sentido do reconhecimento do demais elementos que compõem o tipo legal, tornando permeáveis as linhas
dolo eventual. Mas, na vida real, nem sempre as pessoas, ao realizarem ativi- divisórias entre o proibido e o permitido.
dades, tomam as precauções devidas a evitar resultados indesejáveis ou lesivos A teoria do perigo a descoberto é de autoria de HERZBERG, que pre-
decorrentes dessas atividades e nem por isso atuam dolosamente.647 Por outro tende estabelecer a diferença entre dolo e culpa exclusivamente com base no
lado, a simples indiferença quanto ao fato sustenta a imputação por dolo, tipo objetivo. Por perigo a descoberto entende ele a situação em que a sorte ou o
principalmente quando essa indiferença diga respeito ao próprio cuidado e acaso é que decidem se o resultado lesivo ocorrerá ou não, o que caracterizaria
não ao resultado. ROXIN lembra, novamente aqui, o exemplo do camponês o dolo eventual. Já a culpa consciente estaria presente na hipótese do perigo
que ingressa no paiol com o cigarro aceso e, à evidência, atua somente com resguardado, quando o próprio autor, a vítima ou um terceiro, tendo em vista
culpa consciente, embora não tenha tomado as devidas precauções para evitar cuidadosa observação do resultado, pudesse evitá-lo. Isto quer dizer que o
o incêndio.648 De qualquer forma, o uso dessas precauções pode servir como perigo será resguardado quando o resultado for evitável, não apenas em face
causa de exclusão do dolo, à medida que o autor possa supor que, tomando do autor, senão no sentido objetivo, o que significa que a evitabilidade é aqui
essas precauções, a verificação do resultado seria remotamente provável.649 tratada independentemente das condições subjetivas. O dolo eventual se dará,
A teoria do risco é resultante da formulação de FRISCH. Parte ele de portanto, segundo essa concepção, quando o resultado estiver fora do poder
que o objeto do dolo não é o resultado típico, mas sim unicamente a conduta de ser evitado. Com isso, procura HERZBERG estabelecer critérios puramen-
típica. Por exemplo, no homicídio, não será a morte da vítima, mas a conduta te objetivos de diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente, que se
que traga risco para a vida. Com tal proposta, baseia-se em que, na realida- aproximam daqueles ditados pela teoria da imputação objetiva do resultado,
de, o dolo só pode ser identificado pelo seu elemento intelectivo quanto ao mas de certa forma vinculados ao elemento intelectivo. Alguns exemplos cita-
risco indevido em face da prática de uma conduta e não pelo seu elemento dos pelo próprio criador da teoria já podem demonstrar, por outro lado, que
tal critério objetivo não se tornou suficientemente seguro para proporcionar,
646. KAUFMANN, Armin. “Der dolus eventualis im Deliktsaufbau. Die Auswirkungen der Handlungs-und
der Schuldlehre auf die Vorsatzgrenze”, in ZStW 1958, p. 64 et seq. em certos casos concretos, uma precisa diferenciação entre as atuações dolosa
647. Para a crítica: HASSEMER, Winfried . “Kennzeichen des Vorsatzes”, in Armin Kaufmann Gedächt- e culposa. Assim, por um lado, admite que autorizar que crianças de uma
nisschrift, 1989, p. 289 et seq.; JESCHECK/WEIGEND. Lehrbuch des Strafrechts, p. 303; WESSELS/
BEULKE. Strafrecht, AT, p. 69. escola fundamental adentrem em mar revolto, apesar das indicações de perigo
648. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 458/462.
649. Com esta solução: SCHROTH, Horst. “Die Differenz von dolus eventualis und bewubter Fahrlässigke-
it”, in Juristische Schulung, 1992, p. 1 et seq. 650. FRISCH, Wolfgang. Vorsatz und Risiko, Köln, 1983, p. 97 et seq.
352 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 353

constantes das placas de sinalização, ou que cruzem um semáforo vermelho, apenas o conhecimento ou a previsão de que a conduta e o resultado típicos
não caracteriza dolo eventual, por se tratar de situação tratada como de perigo podem realizar-se, como também que o agente se ponha de acordo com isso,
resguardado, em que a evitabilidade do resultado estaria nas mãos, respecti- ou na forma de conformar-se ou de aceitar, ou de assumir o risco de sua pro-
vamente, da professora ou do condutor do veículo; de outro lado, afirma o dução. Esta teoria comporta duas variantes. A primeira acolhe estritamente
dolo eventual na sedução ou no estupro de vulnerável, quando o agente tenha os postulados iniciais da teoria e, tendo em vista que aqui o decisivo é a vin-
suposto que a vítima fora maior de idade, ou no roubo, quanto ao resultado culação ao chamado lado emocional, pugna, modernamente, por admitir o
mais grave, se o agente houver levado a vítima a um estado de inconsciência, dolo eventual somente naqueles casos em que o resultado se apresente como
porque a realização do tipo decorreria do mero acaso.651 agradável ao agente. Haverá culpa consciente, em caso contrário.653 Esta é a
As conclusões dessa teoria são às vezes contraditórias, pois nem sempre teoria dominante na jurisprudência da Alemanha, que invoca sempre, para
haverá só culpa consciente quando o perigo for resguardado, no caso em que o a caracterização do dolo eventual, o chamado princípio do limite da inibição
risco do resultado lesivo se apresente claro ao autor, deixando este que o acaso (Hemmschwellentheorie).654 A segunda variante pretende fixar-se mais na ideia
ou a sorte decidam acerca das consequências de seu ato, como no exemplo da de que pode haver dolo eventual, mesmo quando o resultado seja desagra-
professora que autoriza o banho de mar em condições absolutamente perigosas dável ao agente e até mesmo por ele não desejado. O que vale é a relação
e sem qualquer margem de segurança ou do motorista que cruza o sinal ver- entre o agente e suas reais pretensões. Se o agente, embora reconhecendo o
melho na frente de outros veículos, em alta velocidade. Por outro lado, nem perigo concreto de produção do resultado, o toma como meio para alcançar
sempre haverá dolo eventual quando o resultado tenha sido deixado ao acaso, seus outros objetivos, atua com dolo eventual, ainda que não o deseje e até
pois em caso de dúvida remota acerca da constituição do objeto, a postura mesmo se esforce para que seja evitado.655
subjetiva do agente é no sentido de esperar que esse resultado não ocorra, por A teoria do consentimento aproxima-se bastante da posição assumida
exemplo, no caso do estupro de vulnerável, em que, pela compleição física da pelo Código Penal, que exige que o agente tenha assumido o risco de produção
vítima, poderia ele supor que se tratasse de pessoa maior de idade.652 O critério do resultado, o que quer dizer que deve vincular a esse resultado sua vontade de
da evitabilidade objetiva, ainda que incerto, pode valer, porém, como elemento realização. Como todas as demais teorias, esta apresenta também suas falhas, ao
acessório da identificação da assunção do risco, relativamente à postura do desconsiderar o plano global do fato e, assim, poder exatamente elucidar acerca
agente de tomar como séria a possibilidade de produzir o resultado. do que se deva entender, afinal, por assumir o risco do resultado.
A teoria da indiferença, impropriamente também chamada de teoria do
(2) AS TEORIAS VOLITIVAS sentimento, formulada por EXNER e ENGISCH, quer diferenciar o dolo
As teorias volitivas, por seu turno, fixam-se em que a diferenciação eventual da culpa consciente através do alto grau de indiferença por parte do
entre dolo eventual e culpa consciente deve ser feita com base no elemento agente para com o bem jurídico ou a sua lesão.656 Essa posição se assemelha,
volitivo e não apenas no elemento intelectivo. Só assim – entendem seus em alguns pontos, à teoria do consentimento, mas pode conduzir a situações
partidários – seria possível equiparar o dolo eventual ao dolo direto para críticas, principalmente porque, em muitos casos de culpa inconsciente, em
mesmo tratamento penal, pois seria desarrazoado admitir-se uma espécie de que o agente não tenha representado conscientemente o perigo para o bem
dolo sem referência ao querer. Dentre as teorias volitivas destacam-se a teoria jurídico, atua ele com alto grau de indiferença.657
do consentimento ou da assunção e a teoria da indiferença.
653. Assim, MÜLLER, Ingo. “Der Vorsatz der Rechtsbeugung”, in Neue Juristische Wochenschrift, 1980, p.
A teoria do consentimento é a teoria dominante e tem por base uma 2392.
654. Com inúmeras referências, VIANA, Eduardo. Dolo como compromissivo cognitivo, Madrid-Barcelona-
vinculação emocional do agente para com o resultado. Vale dizer, exige não -Buenos Aires-São Paulo: Marcial Pons, 2017, p. 305 e ss.
655. WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AT, p. 69.
651. HERZBERG, Rolf Dietrich. “Die Abgrenzung von bedingtem Vorsatz und bewubter Fahrlässigkeit – 656. ENGISCH, Karl. Untersuchungen über Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht, 1930, reimpressão,
ein Problem des objektiven Tatbestandes”, in Juristische Schulung, 1986, p. 249 et seq. Aalen, 1995, p. 186 et seq.
652. Para a crítica: SCHÖNKE-SCHRÖDER-CRAMER, Strafgesetzbuch Kommentar, 24ª edição, p. 241. 657. Ver crítica de WELZEL, Hans. Das deutsche Strafrecht, p. 67.
354 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 355

Na doutrina francesa, por exemplo, a adoção de fórmula semelhante à qualquer modo agirei, há dolo eventual”.
teoria da indiferença tem causado sérios transtornos, a ponto de se fazer do Estas fórmulas pouco se diferenciam, embora os autores busquem uma
dolo eventual modalidade especial ou mais grave de culpa, ou seja, como cir- identificação da primeira com a teoria hipotética do consentimento e a segunda
cunstância agravante da forma culposa, ou como expressão de dolo de perigo com a teoria positiva do consentimento.661 Mesmo FRANK não foi capaz de
resultante de infração a medidas legais ou regulamentares de segurança.658 projetar-lhes a diferença. As fórmulas indicam apenas o que todas as teorias
Nesta qualificação de dolo de perigo, que difere substancialmente da noção afirmam: que se deve reconhecer a existência do dolo eventual quando o
acolhida pela doutrina brasileira, nem sempre as soluções se apresentam preci- agente esteja consciente de que o resultado com certeza se produziria, pois,
sas em seus contornos. Na verdade o que se incrimina, com tal formulação, não caso atuasse, teria ele se conformado ou assumido o risco de sua produção.
é a produção dolosa de um resultado danoso, mas o fato de se expor a perigo Por outro lado, estas fórmulas apresentam defeitos intrínsecos insuperáveis.
a vida ou a integridade corporal mediante a infração de uma norma legal ou
regulamentar, chegando-se a classificar como doloso o fato de alguém dirigir A primeira fórmula não é o enunciado de uma teoria, mas simples critério
à noite em excesso de velocidade, quando as condições atmosféricas lhe eram de aferição de prova, através do qual se pretende a distinção de duas formas
adversas e as ruas movimentadas,659 o que efetivamente constitui uma presun- diferenciadas de imputação. Sendo unicamente um critério processual e não
ção de dolo. Recentemente, através de CRAMER, esta teoria recebeu novos penal, a diferença entre dolo eventual e culpa consciente fica na dependência
impulsos e outros adendos, onde se aliam a possibilidade de realização do tipo, do juiz, o qual a decidirá então com base em uma formulação psicológica
a indiferença e a assunção do risco,660 o que pode esclarecer acerca de algumas hipotética, que normalmente está vinculada à personalidade do sujeito. Isto
questões advindas de sua proposição inicial e servir de instrumento precioso cria uma total instabilidade no âmbito do injusto, porque a imputação deixa
na interpretação da lei penal e na solução dos casos concretos. de seguir por caminhos objetivos e demarcados para submeter-se a caprichos
ou pré-compreensões de quem a irá decidir. Por isso mesmo, é bem acertada a
(3) AS FÓRMULAS PRÁTICAS crítica de MARIA DEL MAR DIAS PITA de que “se a conclusão do juiz é que
o sujeito haveria atuado também como o fez, ainda que tivesse tido a certeza
Como ajuda na distinção entre dolo eventual e culpa consciente, a daquilo que lhe parecia provável, então faz com que o sujeito responda por
doutrina e a jurisprudência têm-se valido de duas fórmulas enunciadas por uma aceitação do resultado que, na realidade, não assumiu, por uma vontade
FRANK. São indicações práticas de como se deve proceder para identificar que não teve, por algo que definitivamente não fez”.662 Com tal fórmula, o que
uma e outra situação. Na verdade, o propósito inicial de FRANK não era se consagra, no fundo, é um direito penal do autor.663
traçar uma distinção entre dolo e culpa, mas apenas um meio através do
qual se poderia chegar a entender o dolo eventual. A primeira fórmula parte Relativamente à segunda fórmula, FRANK a pressupõe a partir de
de como teria atuado o agente, se ele, de antemão, tivesse certeza de que o uma atitude interna do sujeito, que não pode ser objeto de avaliação do di-
resultado se produziria. E é assim enunciada: “caso se chegue à conclusão reito penal. Isto é explicável, porque FRANK alinhavava a diferença do dolo
de que, em face desse conhecimento, teria ele atuado, haverá dolo eventual; eventual para com a culpa consciente no âmbito da culpabilidade, fazendo
caso se chegue à conclusão de que, de posse desse conhecimento, teria ele se incidir sobre o agente um juízo de reprovação pela conduta realizada, daí ser
omitido de agir, não haverá dolo eventual”. A segunda fórmula se baseia em sua fórmula absolutamente incompatível com uma teoria democrática do
uma suposta indagação, feita pelo agente, antes de atuar. Seu enunciado é injusto com base em critérios objetivos de imputação.
o seguinte: “se o agente diz a si mesmo: seja ou aconteça isto ou aquilo, de Ainda buscando uma fórmula prática, de uso no direito processual penal,
propõe PRITTWITZ que sejam tomados como indícios de uma atuação
658. CEDRAS, Jean . “L’actualité penale en France depuis de 1994”, in Revue Internationale de Droit Penal, 661. BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Parte Geral, vol. II, p. 75.
vol. 67, p. 744, AIDP, Toulouse, 1996. 662. DIAZ PITA, Mari del Mar. (Nota 632), p. 175.
659. CEDRAS, Jean. (Nota 658), p. 754. 663. GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. “Acerca del dolo eventual”, in Estudios de Derecho Penal, Madrid,
660. SCHÖNKE-SCHRÖDER-CRAMER. Strafgesetzbuch Kommentar, 24ª edição, p. 42. 1990, p. 253.
356 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 357

dolosa a probabilidade do evento e a aceitação da realização do risco, e como deve-se partir de dois pressupostos.
indícios de uma atuação culposa o domínio da ocorrência do resultado e o O primeiro, de que o dolo eventual é, legalmente, equiparado ao dolo
resguardo do perigo.664 Esta fórmula, como se pode ver, não é fórmula única, direto no tocante aos seus efeitos, o que quer dizer que no dolo eventual deve
mas a mescla de várias teorias e só tem sentido, como o próprio autor quer sig- haver um grau de intensidade em relação ao processo de produção do resul-
nificar, dentro de uma avaliação probatória e não como critério de imputação. tado que tenha carga equivalente àquela que se desenvolve com o dolo direto.
A jurisprudência brasileira, neste aspecto, não se tem comportado de Isto leva à conclusão de que o dolo eventual deve ter uma base normativa que
modo estável e segue, pelo menos, três caminhos na identificação do dolo justifique sua inclusão no âmbito volitivo do sujeito. Assim, na identificação
eventual e na sua diferenciação da culpa consciente. O primeiro, que re- do dolo eventual é preciso não perder de vista esse procedimento de equiva-
presenta a maioria, é de exigir que, além de haver o agente realizado uma lência, o que faz cair por terra, por conseguinte, qualquer teoria que pretenda
atividade perigosa ou arriscada, tenha aceitado o resultado ou nele consen- equacioná-lo exclusivamente nos amplos limites de seu elemento intelectivo.
tido.665 O segundo, acolhendo a teoria da indiferença666 e o terceiro com o O segundo pressuposto é de que no dolo eventual o agente deve ter
entendimento lastreado no âmbito da teoria da probabilidade.667 refletido e estar consciente acerca da possibilidade da realização do tipo669 e,
Todas essas indicações jurisprudenciais são, entretanto, meramente segundo o seu plano para o fato, se tenha colocado de acordo a que, com
contingentes e estão voltadas às circunstâncias do caso concreto, de modo sua ação, produzirá uma lesão do bem jurídico.670 Já na culpa consciente, o
que, por isso, não podem servir de modelo nem de critério para definir agente também está ciente da possibilidade de realização do tipo, mas como
acerca dessa diferenciação. Veja-se que o próprio Supremo Tribunal vem não se colocou de acordo com a produção do resultado lesivo, espera poder
acentuando, indevidamente, uma extensão do dolo eventual em acidentes evitá-lo ou confia na sua não ocorrência. A distinção, assim, deve processar-se
de trânsito, quando o motorista esteja embriagado, mediante uma amplia- no plano volitivo e não apenas no plano intelectivo do agente.
ção da teoria da indiferença.668 Para decidir no caso concreto, é preciso antes de tudo, e partindo das
Como se pode ver das recomendações anteriores, neste setor se impõe características do dolo eventual e da culpa consciente, diferenciar dois grupos
cada vez mais a necessidade de delimitação precisa do conteúdo de injusto de casos: a) no primeiro, o agente tem a verificação do tipo como dependente
do fato sobre a base de um processo de imputação e não como consequência de sua própria atividade; b) no segundo, a verificação do tipo dependerá de
de uma postura ideológica de cunho ontologicista ou psicológica, ou até outras circunstâncias ou de outra atividade, que não a do agente.671
mesmo sentimental, que, de uma forma ou de outra, justificam a orientação No primeiro grupo de casos, no qual o agente tem a verificação do
jurisprudencial. tipo como dependente de sua vontade, ao agente se lhe reserva sempre uma
dupla possibilidade de atuação, que fará variar o processo de imputação e a
(4) OS PONTOS CRUCIAIS DA DIFERENCIAÇÃO intensidade do injusto. Na primeira, o agente não atribui qualquer chance
A distinção entre dolo eventual e culpa consciente continua sendo um de evitar o resultado, deixando ao acaso sua verificação. Aqui haverá dolo
dos pontos mais controvertidos e nevrálgicos da teoria do delito. A fim de eventual se a dependência da atividade futura é menosprezada consciente-
estabelecer-se essa distinção, atendendo aos fundamentos antes enunciados, mente pelo agente, o que demonstra uma vontade de realização da ação, na
664. PRITTWITZ, Cornelius. “Die Ansteckungsgefahr bei AIDS”, in Juristische Arbeitsblätter, 1988, p. 495
forma de conformar-se com o resultado. Na segunda, o agente não deixa ao
et seq. acaso a verificação do resultado, mas confia em poder evitá-lo, através de sua
665. STF HC 107801, 1ª Turma, Relator: Ministro Luiz Fux, decisão de 06/09/2011; TJSP, in RT 607/274,
RT 548/300, RT 587/317; TACRIM-SP, IN JUTACRIM 81/258; TJGB, in RDP 6/128. habilidade, presença de espírito, atenção ou cuidado, ocasião em que atua
666. TJBA, in 409/395.
667. TARJ, in ADV 6905/695; TJSP, in RT 612/291. 669. Esta é uma nota comum a todas a teorias, v. SCHÖNKE-SCHRÖDER-CRAMER, Strafgesetzbuch
668. STF HC 124687, 1ª Turma, Relator: Ministro Luís Roberto Barroso, decisão de 29/05/2018; STF HC Kommentar, 24ª edição, p. 239.
121654, 1ª Turma, Relator: Ministro Edson Fachin, decisão de 21/06/2016; STF HC 127774, 2ª Turma, 670. ROXIN, Claus. (Nota 270), p. 446 e ss.
Relator: Ministro Teori Zavascki, decisão de 01/12/2015 (acolhendo a teoria da indiferença). 671. WELZEL, Hans . Das deutsche Strafrecht, p. 65.
358 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 359

sem vontade de realização672 e apenas com culpa consciente. sabem que produziria um risco evidente para a ocorrência do resultado,
Para ilustrar, fixemos dois exemplos conhecidos na doutrina: e mesmo assim o empregam, aceitam eles o resultado no âmbito de sua
Exemplo n.º 1: Dois ladrões desejam roubar um comerciante e, para vontade? Há um contraste, aqui, entre o que se arrisca e a efetiva vontade
imobilizá-lo, pensam usar um cinto de couro, com o qual pretendiam asfi- dos agentes. Mesmo que eles não detivessem a causalidade em suas mãos,
xiá-lo até deixá-lo inconsciente. Refletindo sobre o meio que vão empregar, procedem de modo a evitar a morte da vítima, apertando o cinto no mínimo
concluem que se o utilizassem, como o planejado, poderiam matar o co- possível. Parece que, nesse ponto, pode ser invocada a teoria desenvolvida
merciante. Como não queriam matá-lo, mas apenas torná-lo inconsciente, pela jurisprudência da Alemanha de verificar até que ponto o uso de meio
decidem usar um saco de areia para golpear-lhe a cabeça. No momento da arriscado corresponde imediatamente à aceitação do resultado, com base no
ação, porém, o saco se arrebenta. Como estavam com pressa, resolvem usar o plano emocional dos agentes. No plano emocional, os agentes não queriam
cinto de couro, apesar de saberem de sua perigosidade para a vida da vítima. matar. Para que a assunção do risco pudesse conduzir à aceitação do resul-
Mas o usam com muito cuidado, apertando-o devagar até que a vítima tado seria preciso que os agentes também o incorporassem como parte de
faleça. Uma vez posta a vítima fora de reação, os dois efetuam a subtração um plano que, desde o princípio, incluía a morte. Diante dessa discrepância
das mercadorias da loja. Antes de sair, preocupados com a sorte da vítima, entre o que os agentes queriam e o que realmente ocorreu, pode-se concluir
voltam para ver seu estado e constatam que morrera por asfixia. que atuaram com culpa consciente.

Exemplo n.º 2: Um motorista tem um encontro profissional no centro Pode-se, aqui, ainda invocar um outro exemplo, formulado por LA-
da cidade. Como o trânsito estava lento, resolve ultrapassar um caminhão CMANN: uma pessoa aposta com outra que acertará a bola de vidro colocada
em uma curva, sabendo que era local perigoso e que poderia ocasionar na mão de uma mulher, previamente encarregada de segurá-la, usando de
acidente. Ao fazer a ultrapassagem, bate de frente com uma motocicleta, um rifle e sem produzir-lhe qualquer lesão. Se produzir lesões ou mesmo a
matando o motoqueiro. morte da mulher, há que se distinguir o fato segundo as regras apresentadas:
se o autor confiou, através de sua habilidade, por estar seguro de si mesmo,
Tomemos em vista a resolução desses exemplos. No exemplo n.º 2, o que poderia evitar o resultado, haverá somente culpa consciente; se, ao invés,
agente, embora violando conscientemente uma norma de cuidado no trân- consciente de sua inabilidade, contasse com a produção do resultado, porque
sito de veículos, ao ultrapassar em uma curva, confiava que nada aconteceria não se atribuía qualquer chance de evitá-lo, deixando-o ao acaso, haverá
e que, portanto, poderia com sua habilidade evitar o acidente. A causalidade dolo eventual.673 Este caso é diferente daquele dos ladrões porque o atirador
estava em suas mãos e ele acreditava que pudesse dominá-la. Atua, assim, com inexperiente não teve a menor inibição de levar adiante seu empreendimento,
culpa consciente. Em relação ao exemplo n.º 1, a situação é mais complexa. sem tomar qualquer outra precaução. Se não poderia dominar a causalidade
Na verdade, os agentes não queriam matar o comerciante, apenas desacor- e não procedeu de modo a manifestar sua preocupação no sentido de que o
dá-lo para subtrair-lhe mercadorias (crime de roubo, art. 157), e empregam resultado não ocorresse, demonstra uma identidade entre seu lado emocional
o cinto de couro, que sabiam que poderia causar-lhe a morte, mas o fazem e a aceitação do resultado, qualquer que ele seja.
com cuidado, para evitá-la. Mesmo assim, deixam a ocorrência do resultado
nas mãos do acaso, porque sabiam de antemão que não poderiam, com sua Além disso, no segundo grupo de casos, em que a verificação do resul-
atividade, controlar a causalidade. Pela teoria da indiferença, o fato de deixa- tado não depende de sua atividade, o autor pode estar em dúvida quanto à
rem a produção do resultado ao acaso caracterizaria o dolo eventual. Ocorre, constituição ou qualidade do objeto sobre o qual irá recair sua conduta ou
porém, que a postura psicológica dos agentes demonstra uma preocupação pode estar consciente de que a ocorrência do resultado típico não depende
marcante no sentido de que eles não queriam a morte da vítima. A questão apenas de sua atividade. Aqui, haverá dolo eventual se o agente contar com a
que se põe é a seguinte: à medida que arriscam no uso de um meio que eles constituição do objeto ou com a ocorrência do resultado e culpa consciente

672. Assim, MAURACH/ZIPF. Strafrecht, AT, I, p. 312; WELZEL, Hans. Das deutsche Strafrecht, p. 65. 673. MAURACH/ZIPF. Strafrecht, AT, I, p. 314.
360 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 361

se ele, em relação a esses aspectos, tiver apenas dúvida.674 o risco de violar a liberdade sexual da vítima. Esses esclarecimentos são impor-
Dois exemplos podem ilustrar essa conclusão. Exemplo nº 1: um pro- tantes porque a teoria da indiferença pode tratar como sendo dolosas condutas
prietário rural mata com um tiro de fuzil um boi situado além dos limites de que são nitidamente culposas.
sua propriedade (crime de dano – art. 163), reconhecendo como possível que Na doutrina e nas legislações, os termos empregados para caracterizar
ele se situe em solo vizinho e, portanto, não lhe pertença. Aqui, a produção o dolo eventual e diferenciá-lo da culpa consciente, tais como assumir o risco,
do resultado não está apenas nas mãos do agente, porque está condicionada a conformar-se com o resultado, confiar na sua não produção, contar com a ocor-
que o boi se situe na fazenda do vizinho. Então, para haver dolo eventual, o rência do resultado e outros, não apresentam uma unidade nem correspondem
agente deve acolher como séria a possibilidade de que o boi se situe fora de sua a uma exata interpretação normativa quanto à equiparação entre a atividade
fazenda, e, portanto, empreendendo uma atividade com a qual assume o risco volitiva e a aceitação do resultado.
da produção do resultado; se, porém, sabe que seu vizinho não possuía gado O Código Penal brasileiro, em seu art. 18, I, acolhe a fórmula de as-
naquela área, a dúvida sobre a propriedade era remota; pode-se dizer que ele sumir o risco, que implica dar relevância, na configuração do dolo eventual,
confiava que não iria destruir propriedade alheia e atua, por isso, com culpa ao seu elemento volitivo e não meramente intelectivo, mas essa adoção
consciente. Exemplo nº 2: o agente mantém relações sexuais com menor de nada mais é do que uma expressão também do conformar-se com o resulta-
14 anos, sem possuir exato conhecimento acerca da idade da vítima. Igual- do e não descarta a análise do elemento intelectivo, como seu pressuposto
mente, a condição necessária da ação antijurídica, que é a idade da vítima, prévio. Neste particular, inclusive, em face da equivocidade de seus termos,
não depende da atuação do agente. Se, diante das circunstâncias, contou com a fórmula do código é evidentemente incompatível com um direito penal
a efetiva possibilidade de que a vítima fosse menor de 14 anos, ao efetuar a de garantia, o que está a exigir uma precisa tomada de posição da doutrina
ação assumiu o risco da produção do resultado e atua com dolo eventual; se, para delimitá-la no seu verdadeiro sentido.
porém, em atenção ao desenvolvimento corporal da vítima, mas sem perquirir
mais profundamente acerca de sua idade, tem apenas dúvida remota sobre se a A questão primordial do dolo eventual não reside propriamente nas ex-
vítima era menor de 14 anos, deve-se admitir que ele confiava que a sua idade pressões de sua formulação legal ou nas expressões usadas pela doutrina, mas
fosse superior a 14 anos, atuando com culpa consciente. Observe-se, porém, no ponto em que, no dolo, qualquer que seja sua espécie, há uma vontade
que nessas hipóteses, não basta para caracterizar o dolo eventual a simples do agente no sentido de realizar o resultado e, assim, lesar o bem jurídico.675
indiferença com relação ao resultado que ele provoca; a indiferença pode estar As doutrinas que se assentam apenas na cognição são bastante sedutoras
situada na consideração acerca das condições que interferem na sua atuação. porque simplificam a investigação, mas são insuficientes para afirmar que o
No caso do boi, a circunstância de o animal estar ou não em sua fazenda resultado se incorpora na vontade do agente, ou melhor, em seu plano voli-
não depende de sua atividade, mas é condição necessária para orientar essa tivo. Para que se possa sustentar a existência do dolo eventual ainda dentro
atividade, no sentido de realizá-la ou não; assim, a indiferença não é quanto da estrutura do dolo, como forma de direção consciente e voluntária da sua
ao resultado, mas quanto a essa condição. O mesmo se dá no estupro de vul- conduta, assim como vontade sobre manobrar ou conduzir essa atividade, será
nerável: a indiferença é quanto ao fato de a vítima ser menor de 14 anos. Para preciso partir de dois fundamentos: a) o agente deve ter consciência de que,
haver dolo eventual, o agente, uma vez supondo que a vítima seja menor de com sua atuação, pode seriamente lesar ou por em perigo um bem jurídico;
14 anos, deve conformar-se com isso e, portanto, ao praticar a ação, assumir b) tendo em conta essa séria possibilidade de lesão ou colocação em perigo
o risco da produção do resultado. Portanto, há uma sequência subjetiva nesses do bem jurídico, assume o risco de sua produção. O que assinala, portanto, a
acontecimentos, que pode se iniciar com uma postura de indiferença quanto base do dolo eventual é a relação recíproca de seus elementos constitutivos.
à idade da vítima; depois de ter em conta a séria possibilidade de que se trate Primeiramente, o agente deve dirigir sua conduta com consciência da
de pessoa menor de 14 anos e, finalmente, decidir realizar a ação, assumindo seriedade das possibilidades de lesão e de perigo de lesão ao bem jurídico e,
674. Assim, WELZEL, Hans. Das deutsche Strafrecht, p. 66. 675. DIAZ PITA, Maria del Mar. (Nota 632), p. 302 et seq
362 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 363

apesar disso, decidir empreender sua atividade arriscada. O agente sabe, então, deve-se reconhecer que ele, então, assumiu o risco desse resultado, de nada
que está pondo em risco o bem jurídico. Em segundo lugar, que essa consciên- valendo as indagações de que esperava que nada acontecesse.
cia acerca de, com sua atividade, colocar em risco o bem jurídico se traduza Por exemplo: um caminhoneiro, em uma estrada estreita, sem acosta-
na aceitação no resultado de dano ou de perigo, previsto no tipo de delito. A mento e com trânsito intenso de veículos, deixa correr livremente na descida,
postura do agente quanto ao risco não se pode satisfazer simplesmente com em ponto morto, seu pesado veículo. Seu objetivo não é causar acidentes, mas
uma decisão sobre a direção da conduta, mas pressupõe, para servir de base ao economizar combustível. Sabe, todavia, que essa manobra é arriscada e pode
dolo, que o agente inclua na sua consciência que essa modalidade de atuação causar acidente, conforme ensina a experiência. Se, no momento do fato, a
está sendo conduzida no sentido de uma séria possibilidade de lesão ou colo- estrada estava intensamente movimentada, até com trânsito lento, os fatores são
cação em perigo do bem jurídico.676 A referência ao bem jurídico é, no caso, favoráveis à produção do acidente e, portanto, havia séria possibilidade de que
essencial porque significa que o agente situa sua vontade, como vontade de algo acontecesse. Por outro lado, como a estrada era estreita, sem acostamento
realização da ação e do resultado e, com isso, acentua a intensidade de agres- e o tráfego intenso e lento, fatores esses de pleno conhecimento do motorista,
são ao bem jurídico. Penso que aqui é perfeitamente dispensável a arguição as chances de evitar o resultado mediante sua própria atividade eram nulas, o
de que o agente, com isso, igualmente viola a norma, pois a norma não pode que induz à conclusão de que atuara conformando-se com a séria possibilidade
ser tida como violada no plano subjetivo. A norma é apenas um instrumento de lesão do bem jurídico, assumindo ele o risco de sua produção.
de delimitação de poder e por isso não é violada subjetivamente pelo sujeito.
Trata-se unicamente de um instrumento de demarcação de atividades. Se o Esse mesmo raciocínio vale para a conhecida hipótese de embriaguez
agente lesa o bem jurídico dentro da zona do ilícito, então se pode dizer que ele ao volante, associada à velocidade excessiva, à qual a jurisprudência brasileira
está praticando uma conduta proibida, cuja gravidade depende da intensidade tem assinalado, sem outras condições, as características do dolo eventual.
de sua atuação qualificada no processo de imputação. Neste caso, para configurar-se o dolo eventual não basta, exclusivamente, a
constatação de embriaguez e da velocidade. Será preciso demonstrar que as
A conformação com o resultado constitui, portanto, um marco inicial condições concretas do evento eram, igualmente, desfavoráveis ao agente,
de medição daquilo que o Código Penal brasileiro expressa como assumir o de modo que este não pudesse objetivamente invocar a expectativa de que o
risco da produção do resultado. Só haverá assunção do risco, quando o agente resultado não ocorreria ou poderia ser evitado.
tenha tomado como séria a possibilidade de lesar ou colocar em perigo o
bem jurídico e não se importa com isso, demonstrando, pois, que aceita Tomemos, agora, um exemplo um tanto polêmico: alguém infecta-
o resultado como ele será produzido. Assim, não poderão servir de ponto do pelo vírus da AIDS mantém relações sexuais com outra pessoa sadia,
de apoio a essa conformação e, pois, do dolo eventual, a simples dúvida ou a transmitindo-lhe a doença. Para determinar-se o dolo eventual ou a culpa
simples possibilidade, ou a simples decisão acerca da ação. consciente, será necessário saber, em primeiro lugar, acerca do modo como
a conduta foi realizada. Se a relação sexual se resume a uma conjunção
Ao determinar-se do que se possa considerar como séria possibilidade e carnal, mesmo que se tenha dado sem qualquer proteção, as indicações
assumir o risco do resultado, é indispensável fazer-se uma análise das circuns- científicas de que, através de uma relação dessa ordem, só remotamente
tâncias do caso concreto, tendo por orientação o critério da real possibilidade se contrairá a doença fundamentam a conclusão de que não havia uma
de evitar esse resultado. Se o agente desenvolve uma atividade, que pelas cir- séria possibilidade de contaminação. Por outro lado, embora as chances de
cunstâncias em que é praticada só assimila fatores favoráveis à ocorrência do evitar a infecção não dependam da atividade da pessoa infectada, diante da
resultado, pode-se dizer que há, então, séria possibilidade dessa ocorrência. remota possibilidade de infecção, poderia ela esperar que a contaminação
Ademais, se da análise concreta se depreende que ao agente não lhe resta- não ocorresse. Há aqui culpa consciente. O mesmo se dá no caso de uma
va qualquer chance de evitar o resultado, mediante sua própria atividade, relação de alto risco, mas mantida com a proteção de preservativo: embora
676. No sentido também de que a decisão, neste caso, não é no tocante à ação, mas pela possível lesão do bem a efetiva possibilidade de infecção estivesse presente, caso o preservativo se
jurídico, SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, Rio de Janeiro, 2000, p. 69.
364 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 365

rompesse, não haveria uma séria possibilidade de contaminação, podendo eventual, em face do princípio in dubio pro reo.679 Convém observar que
o agente esperar que nada ocorresse; há igualmente só culpa consciente. esse raciocínio da violenta emoção não se aplica aos agentes de segurança do
Se, porém, a relação arriscada se dá sem proteção, há efetiva ou séria possi- Estado. Isto porque, da mesma forma que ocorre com os bombeiros que se
bilidade de contaminação e, como a infecção não depende da atividade do encarregam de apagar o fogo, mesmo sabendo dos riscos de sua atividade, os
agente transmissor, mas do mero acaso, há aqui dolo eventual. Uma outra agentes de segurança têm o dever de proteção sobre as pessoas, o qual lhes
questão que se põe é acerca de que tipo, afinal, o agente infectado realiza: impõe, portanto, um controle extra sobre suas próprias emoções no sentido
se homicídio ou lesões corporais graves. Aqui, o critério a vigorar será o de evitar que possam intervir na formação de sua vontade.
de que o dolo, como vontade de realização da ação e do resultado, deve
referir-se a uma ação imediata, e não a uma ação que, por sua cronicidade, (5) A DISCUSSÃO DA LEGITIMIDADE
conduza à morte. Portanto, só pode haver crime de lesão corporal grave e Vistas, então, em rápidas passagens, as digressões doutrinárias em torno
não homicídio.677 da diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente, torna-se necessário
Um outro aspecto relevante, que vem sendo tratado pela doutrina é a analisar a legitimidade da manutenção do dolo eventual na ordem jurídica.
questão relativa à compatibilidade do dolo eventual com estados afetivos ou Para proceder a essa análise, deve-se ter em vista que o evento atribuído ao
emocionais do agente. Nesse particular, entende PRITTWITZ que a emoção sujeito em termos de dolo eventual não percorre um caminho linear. O dolo
deve ser levada em conta na aferição da subsistência do dolo eventual. O eventual não é extraído de uma vinculação direta entre agente e resultado,
argumento reside em que essa emoção, tal como ocorre com a chamada mas do desdobramento de uma ação em dois atos: a consciência de que, ao
“violenta emoção em decorrência de injusta provocação da vítima” (art. 121, realizar a ação, cria uma séria possibilidade de produção da lesão ou do perigo
§ 1º), constitui um elevado grau de excitação psicológica que, traduzida até de lesão ao bem jurídico e, finalmente, a aceitação desse resultado.
mesmo em sintomas de ordem física, reduz o domínio dos impulsos condi- Claro está que a discussão em torno da legitimidade do dolo eventual só
cionantes da ação e faz regredir a moderação, as lembranças e a reflexão. E pode ser tratada se se adotar a teoria do consentimento. Ao se entender que
conclui que, como resultado de especulações de ordem criminológica efe- basta à caracterização do dolo eventual um chamado compromisso cognitivo,
tuadas sobre o Código Penal, se deve sempre considerar que a dinâmica do a análise do fato se reduz, praticamente, ao primeiro momento, em que o
fato emocional ocasiona uma efetiva diminuição da atividade consciente, o agente, ao realizar a ação, tem consciência de que está criando uma séria pos-
que pode excluir o dolo eventual no caso concreto.678 sibilidade de lesão do bem jurídico. Ao adotar-se a teoria intelectiva do dolo,
A tese aqui apresentada, embora não constitua uma regra geral, pode ser assim, a diferenciação com a culpa consciente passa a ser tratada exclusivamente
utilizada para, atendendo às circunstâncias do fato, excluir o dolo eventual, no plano cognitivo, deixando para o aplicador da lei a tarefa de deduzir se o
quando o agente, em face de seu estado de ânimo, não esteja em condições agente também se ligava ao resultado que veio a ser produzido. Mesmo que
de decidir se está ou não se conformando com o resultado. Este estado emo- se reconheçam as dificuldades práticas da diferenciação entre dolo eventual e
cional gera efetivamente uma séria dúvida acerca da posição do sujeito em culpa consciente, as quais poderiam ser simplificadas normativamente, há uma
relação à lesão ou não do bem jurídico, o que deverá levar à exclusão do dolo necessidade de verificar se a vinculação do agente ao resultado possui ou não
uma base volitiva. Pode-se invocar uma série de argumentos para demonstrar
677. Sobre esse tema, com as mesmas conclusões do texto: FRISCH, Wolfgang. “Riskanter Geschlechts- que o dolo prescinde de vontade, mas isso contraria seriamente o fundamento
verkehr eines HIV-Infizierten als Straftat?” in Juristische Schulung, 1990, p. 362 et seq.; PRITTWITZ,
Cornelius. “Strafrechtliche Aspekte von HIV – Infektion und AIDS, in AIDS”, Recht und Gesundheits- do próprio conceito de conduta performática. Na conduta performática, para
politik, 1990, p. 125 et seq.; ROXIN, Claus. Strafrecht, AT, p. 475 e ss.; SCHÖNKE-SCHRÖDER-E-
SER. Strafgesetzbuch Kommentar, 24ª edição, p. 1628/1629; SCHEUERL, Walter. AIDS und Strafre- que o agente possa ser responsabilizado por seus atos deve estar em condições
cht, Münster- Hamburg, 1992, p. 83 et seq.; Contra o texto, entendendo que se trata de dolo eventual:
SCHROTH, Horst. “Die Rechtsprechung des BGH zum Tötungsvorsatz in der Form des „dolus eventu- também de fazer uma autocrítica em relação à sua conduta e, com isso, poder
alis“, in NStZ, 90, p. 326.
678. PRITTWITZ, Cornelius. “Dolus eventualis und Affekt”, in Goltdammer‘s Archiv für Strafrecht, 1994,
p.454 et seq. 679. Também com esta conclusão: SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal, p. 78.
366 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 367

colocar em discussão a própria legitimidade da norma criminalizadora. Há, defesa.682 No fundo, porém, a teoria constituiu uma forma também de
portanto, na essência dessa conduta uma atividade volitiva, sem qual seria superação do princípio do versari in re illicita, que levava ao extremo a
impossível ao agente se dispor a produzir efeitos no mundo da vida. responsabilidade objetiva pela prática de atos irregulares.
MAX WEBER já havia alertado que na sociedade contemporânea a res- Na ética de responsabilidade de MAX WEBER, a responsabilidade
ponsabilidade não pode ter por base exclusivamente a postura cognitiva, a política dos agentes está centrada nos resultados, daí ser uma ética conse-
chamada Gesinnungsethik, que é típica de julgamentos morais, porque parte quencialista, mas, apesar disso, procede à distinção entre meios corretos e
sempre da ideia de conjugar meios corretos a fins corretos. Ao direito, ao incorretos para afirmar que o emprego de meios incorretos não pode condu-
contrário, que trabalha com consequências drásticas em face de resultados proi- zir, automaticamente, à imprestabilidade do efeito, quando se tratar de efeito
bidos, como ocorre com a imposição da pena, é insuficiente a responsabilidade que corresponda a um fim correto. Por conseguinte, o emprego de meios
cognitiva. Daí ser imprescindível calcar-se o discurso jurídico na chamada ética incorretos pode produzir efeitos corretos. Esta é a base da teoria. Ao aplicar-se
da responsabilidade, Verantwortungsethik, pela qual se poderá discutir se, efe- essa base ao dolo eventual, tem-se que verificar até que ponto o emprego de
tivamente, determinados resultados podem ser justificados ainda que obtidos meios incorretos que acaba produzindo um resultado proibido deve ser im-
pelo emprego de meios incorretos.680 Está claro que MAX WEBER, ao tratar putado ao agente como doloso. Se o agente dirige em excesso de velocidade
dessa distinção, não teve em vista a questão do dolo eventual, mas sim a ativi- pelas ruas cidade, mas imbuído do propósito de salvar uma pessoa, que havia
dade política. Contudo, será oportuno lembrar dessa distinção para mostrar infartado, ainda que tenha se valido de meios incorretos, o fim lícito que o
a necessidade de se investigar o fato sob a ótica dos dois atos: um ato inicial, animava descarta sua atuação inicial dolosa em relação a resultados proibidos
incorreto, que põe em risco o bem jurídico e um ato final que ocorre sem que que possam daí advir. Esta é a conclusão de uma ética da responsabilidade:
se inclua diretamente na vontade do agente. MAX WEBER tampouco com- o uso de meios incorretos não contamina dolosamente o resultado. A essa
preendeu ambas as formas éticas como antagônicas, mas sim complementares. mesma conclusão chega a teoria do duplo efeito. Tratar-se-á de resultados
Daí dizer SCHLUCHTER que “a ética da cognição e a ética da responsabili- culposos, mas não dolosos. Portanto, o emprego de meios incorretos, pelos
dade só se complementam e adquirem significado, como ética da relação entre quais se produz um resultado proibido, não implica considerar que esse
meio e fim, à medida que os objetivos tenham sido queridos”.681 É, assim, resultado tenha sido incorporado na vontade do agente tão só por causa do
essencial, para se estabelecer uma base de responsabilidade que o resultado final meio incorreto. A ética da responsabilidade exclui, ademais, os argumentos
se vincule volitivamente ao agente. Esta é a questão a ser discutida: se no dolo puramente semânticos que desejam afirmar a vontade do agente em relação
eventual há ou não vinculação volitiva entre resultado e agente. a resultados proibidos apenas pelo fato de que sua conduta inicial incorreta
A dupla acepção da ética política de MAX WEBER pode encontrar esteja em incompatibilidade com a afirmação discursiva em sentido negati-
seus antecedentes da teoria do duplo efeito de TOMÁS DE AQUINO. A vo, ou seja, que o emprego de meios incorretos possa satisfazer à imputação
teoria do duplo efeito tem lugar nos casos em que o agente emprega meios dolosa do resultado, à medida que possa indicar, discursivamente, que em
incorretos e acaba causando uma série de eventos, alguns que correspon- sentido racional não seria possível concluir o contrário. A incompatibilidade
diam ao seu plano inicial e outros, não. A teoria só atribui responsabilidade semântica conduz, na verdade, a uma simples questão de crença ou de puro
ao agente para os efeitos que se ligaram diretamente à sua vontade. Na decisionismo e não à apreciação real do desdobramento volitivo sobre a pro-
verdade, TOMÁS DE AQUINO não estava preocupado com a questão do dução causal do evento. Quem no fundo irá expressar o significado racional
dolo, mas fundar a exclusão de responsabilidade para os fatos em legítima da conclusão é o julgador, independentemente da real posição do agente
diante do resultado. O discurso racional, por outro lado, uma vez que decorra
de uma simples decisão não se confunde com o discurso crítico que deve estar
680. WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações, tradução de Marco Antonio Casanova, São Paulo:
Martin Claret, 2015, p. 129 e ss.
681. SCHLUCHTER, Wolfgang. Wertfreiheit und Verantwortungsethik, Tübingen: Mohr, 1971, p. 29 682. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teologica, I-II q64 a7.
368 TEORIA DO INJUSTO PENAL CAPÍTULO 4 – Os efeitos da concepção do injusto 369

presente na metodologia de análise dos fatos sociais. O delito é um fato social, Compreendendo essa situação, WELZEL propôs uma separação sequen-
assim como o direito é uma prática social que se convencionou estratificar cial entre as etapas de produção dos eventos: os eventos que estiverem situados
em normas abstratas.683 Como fato social, as conclusões discursivas só podem como objetivo final do agente ou efeito necessário desse objetivo final deverão
ser caracterizadas como racionais à medida que incorporem a possibilidade ser imputados a título de dolo direto; os eventos que se ligam eventualmente
de uma contestação. Daí a advertência de MOSER de que “onde, portanto, ao objetivo final, concomitantes ou consequentes, devem ser imputados a título
normas e proposições são levadas em conta, não se trata simplesmente de de dolo eventual, quando o agente se conforma com eles; os demais eventos
um discurso, senão de um agir comunicativo da vida diária”, o que retira a só podem ser imputados como delito culposo. Nessa sequência de WELZEL
qualidade do argumento de ser, inclusive, posto em discussão e à prova.684 reside precisamente a questão crucial do dolo eventual, como já dito: confor-
Aplicando-se ao tema do dolo eventual e da culpa consciente, podem mar-se com o resultado, ou seja, assumir o risco da produção do resultado,
ser supostas as seguintes sequências: a) o agente emprega meios incorretos e implica querê-lo? Se assumir o risco significa querer, estará correta a sequência
com isso causa um resultado proibido; b) o agente emprega meios corretos e de WELZEL; caso contrário, a teoria do dolo eventual padece de ilegitimidade.
causa um resultado proibido; c) o agente emprega meios incorretos e causa Essa sequência é importante, por outro lado, porque parte de uma relação final
uma série de resultados proibidos, alguns dos quais são concomitantes ou entre o emprego dos meios e a produção do resultado.686
consequentes ao resultado principal. Na segunda sequência, uma vez que o No dolo eventual, como se disse, da mesma forma como ocorre com
agente empregou os meios corretamente, a produção do resultado proibido o crime culposo, a conduta é desdobrada em duas fases: primeiramente,
não lhe pode ser imputada. Nas outras duas sequências surge o problema o agente realiza uma atividade descuidada ou arriscada; depois, produz
seguinte: o emprego de meios incorretos conduz necessariamente à respon- por desdobramento de sua ação inicial um resultado proibido. Para que
sabilidade por resultados proibidos? exista dolo, é preciso demonstrar que o agente tinha consciência de que
Buscando responder a esta questão, observa MANRIQUE PEREZ que sua conduta inicial criava um sério risco para a ocorrência do resultado e
a responsabilidade pelos efeitos decorrentes do emprego de meios irregulares que incluiu na sua vontade inicial, que era dirigida exclusivamente à con-
não pode ter por base o critério da probabilidade, mas sim a estrutura da con- duta descuidada ou arriscada, também a produção do resultado proibido.
duta, a qual se funda em uma vinculação volitiva entre o agente e o fato.685 Como não há neste caso uma vinculação volitiva direta entre a realização
Ainda que seu conceito de conduta esteja calcado na relação entre meio e da ação inicial e o resultado final, a doutrina busca muitos argumentos
fim, seu raciocínio também se estende à conduta performática. Portanto, para sustentar uma base volitiva para a imputação do resultado, valendo-se
o emprego de meios irregulares, ainda que com resultados prováveis, não de elementos semânticos, pelos quais quer traduzir a expressão vontade,
implica imputar ao agente esses resultados apenas com base nessa relação de não em termos psicológicos, mas sim em termos de atribuição normativa.
probabilidade; é preciso que os resultados se liguem volitivamente ao agente. Nesse ponto, o procedimento de atribuição normativa pode ser preenchido
Em relação às sequências acima enunciadas, devem ser separados dois grupos exclusivamente como expressão de um compromisso cognitivo para com
de resultados: o resultado que corresponde efetivamente à vontade do agente o resultado, em uma reprodução, portanto, da ética da cognição de MAX
e os resultados concomitantes ou consequentes, que são efeitos secundários WEBER (o sujeito é responsável pelo resultado quando tenha consciência
do emprego dos meios. Uma vez que o agente só responde pelo que se inclua de que emprega meios incorretos em sua conduta inicial), ou por meio de
no âmbito de sua vontade, não lhe poderão ser imputados, a título de dolo, uma pura ficção volitiva, pela qual, ao se afirmar que o sujeito se confor-
os resultados concomitantes e consequentes. mara com o evento, se chega à conclusão de que, com isso, o incluiu em
sua vontade. Nessa análise, é preciso recordar que, justamente, uma das
683. MENKE, Christoph. “Subjektive Rechte: Zur Form der Differenz”, in MenschenRechtsMagazin, 2008,
Caderno 2, p. 197 e ss. características que se ajunta à vontade, como elemento essencial à estrutura
684. MOSER, Heinz. Methoden der Aktionsforschung, München: Kösel, 1977, p. 74.
685. MANRIQUE PEREZ, Maria Laura. Acción, dolo eventual y doble efecto, Madrid-Barcelona-Buenos
Aires: Marcial Pons, 2012, p. 47 e ss. 686. WELZEL, Hans. Das deutsche Strafrecht, AT, Berlin: De Gruyter, 1969, p. 64 e ss.
370 TEORIA DO INJUSTO PENAL

da conduta, é sua capacidade de dirigir o processo causal. À medida que


a vontade se veja desprovida dessa capacidade de dirigibilidade, em face
da interferência de outros fatores, entre os quais o seu distanciamento dos
efeitos produzidos, já não se pode falar em ato volitivo. Em vista disso, as-
sumir o risco ou conformar-se com o resultado, quando o agente não detém BIBLIOGRAFIA
o domínio da causalidade, não pode fundar um crime doloso. A teoria do
duplo efeito assinala, corretamente, que o sujeito não pode ser responsabi-
lizado por aquilo que não quis. Ademais, conformar-se, aceitar ou assumir ABBAGNANO, Nicola. Diccionario de Filosofía, México-Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica,
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o risco, tomar na compra, ou mesmo ser indiferente em face do resultado
ADORNO, Theodor W. Negative Dialektik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1966.
são meras expressões semânticas que são insuficientes para equiparar-se ao
ALEXY, Robert. “Die Institutionalisierung der Menschenrechte im demokratischen Verfassungsstaat”,
querer. Aí reside, então, a ilegitimidade do dolo eventual, ao figurar como in Philosophie der Menschenrechte, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998, p. 247 e ss.
um elemento fictício de assimilação de uma vontade inexistente. Se não ALEXY, Robert. Begriff und Geltung des Rechts, Freiburg-München: Alber, 1994.
existe fundamento para a afirmação da vontade, o chamado dolo eventual ALEXY, Robert. Recht, Vernunft, Diskurs, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995.
não passa de uma modalidade mais grave de culpa consciente, em que o ALEXY, Robert. Theorie der juristischen Argumentation, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1990.
agente simplesmente não espera poder evitar o resultado. O fato de o agente ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte, 3ª edição, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996.
não poder esperar evitar o resultado se inclui no âmbito de um critério ob- AMELUNG, Knut. “Zur Kritik des kriminalpolitischen Strafrechtssystems von Roxin”, in Grundfragen
jetivo de previsibilidade e não pode ser indicativo de uma atividade volitiva. der modernen Strafrechtssystems, Berlin- N. York: de Gruyter, 1984, p. 85 e ss.
A vingar um raciocínio contrário, estar-se-á encampando uma afirmação de AMELUNG, Knut. „Irrtum und Zweifel des Getäuschten beim Betrug, in Goldammers Archiv für
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dolo sem vontade, que no fundo se reduz a um puro juízo de constatação
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ÍNDICE REMISSIVO

A Antolisei 259
Abbagnano 33, 263 aprendizagem
processo de 98
aborto 241 processo de 80
aborto necessário 171 apropriação indébita 153
ação e movimento corpóreo 151 Araújo Júnior, João Marcello de 255, 257
ação típica e intensidade de agressão 182 Aristóteles 23, 27, 45, 51, 221, 263, 296
adaequatio intellectus ad rem 45, 97 arma
adequabilidade 137 e imputação 301
juízo de 103 roubo 62
adequabilidade e coerência 102 arma de brinquedo e roubo 240
adequação típica 146 Ashby 80
Adorno 178 atipicidade conglobante 100, 180
Agostinho 28 ato obsceno 240
alcance do tipo 296, 303 atos antinormativos 141
Alexy 75, 92, 94, 97, 98, 101, 103, 138, 330 Audi, Robert 29, 33
ameaça 244 aumento do risco 301
Amelung 168, 211 autoconsciência
anexo do tipo 256, 257 racionalismo e 28
Anselmo de Canterbury 123 autonomia e seres vivos 23
antidifusão autopoiese 78, 86, 88, 91, 92, 113
estado de 109 publicidade autopoiética 86
antijuricidade reprodução autopoiética e sistema
métodos de investigação 321 jurídico 86
antijuridicidade 72, 161, 320 autopoiese e injusto 149
conteúdo da 321 autopoiese e tipo 147
evolução da 162 auto-referência 114
antijuridicidade e expressões especiais 181 auto-responsabilidade pelo resultado 304
antijuridicidade e função 148 autoridade 69
antijuridicidade e injusto 133, 134 autoridade e linguagem 117
antijuridicidade em Max-Ernst Mayer 164 autoridade e regra 53
antijuridicidade em von Liszt 163 axiomas de valor 46
antijuridicidade e ontologia 100 axiomas e linguagem 55
antijuridicidade e procedimento 100, 101 axiomas em Brentano 45
antijuridicidade e suprapositividade 41
antijuridicidade e tipicidade 147 B
antijuridicidade e tipo em Beling 151 Bacigalupo, Silvina 228
antijuridicidade e von Jhering 163 Bacon 123, 163
antijuridicidade formal 163 Bajo, Miguel 228
antijuridicidade material 164 Balzer 61
antijuridicidade no finalismo 165 Batista, Nilo 175, 202, 209
antijuridicidade no neokantismo 164 Baumann 243
antinormatividade 134 Beling 150, 151, 152, 153, 160, 164,
antinormatividade e permissão 180 187, 247
390 TEORIA DO INJUSTO PENAL Índice Remissivo 391

bem jurídico 62, 94, 137 bem jurídico e resultado 151 caráter contrafático 277 causas de justificação 134, 135, 139,
classificação 217 bem jurídico e situação estatal 153 caráter nomológico 276 140, 145, 162, 164, 180, 330
como identificar 228 causa 335 elementos constitutivos das 322
bem jurídico e sua eliminação 200 causa material ou substância 28
conceito 199 justificativa em dois atos 335
conceito do funcionalismo 210 bem jurídico e tipo 198 e concausas 270 princípios informadores 328
conceito neokantiano 205 bem jurídico e valores 209 e função do tipo 189
e leis naturais 35 causas de justificação e atipicidade 336
conceito ontológico 207 bem jurídico e zona do ilícito 237
conceito positivista 203 eliminação hipotética do resultado 265 causas de justificação e elementos
Bemmann 254
e desvalor pessoal 158 em Aristóteles 263 subjetivos 324, 326
Benjamin, Walter 178 fórmula da eliminação global 266
e Hassemer 214 causas de justificação e função do tipo 187
em Mezger 154 Binding 163, 174, 198, 204 interrupção da 270
causas de justificação e injusto pessoal 167
fim de proteção 214 Birnbaum 200, 202 juízo de previsibilidade 123
limitação 273 causas de justificação e ordem social 330
sua função própria 235 Bitencourt, Cezar 175, 252
uma visão crítica 212 na filosofia 263 causas de justificação e organização 333
Blanke 136 na omissão de socorro 272
bem jurídico causas de justificação e outros ramos do
Blei 155, 275 nas decisões corporativas 269
e normas de cultura 153 direito 183
Böhmer 162 no código penal 260, 262
bem jurídico como objeto de preferência princípio da alteração exterior 268 causas de justificação e ponderação de
Boldt 250, 252
219 processos hipotéticos 269 bens 333
Boltzmann 109, 263
bem jurídico como objeto de referência regresso infinito 265 causas de justificação e princípios 105
Bourdieu 117 teoria da causalidade adequada 273
219 causas de justificação e sistema aberto 148
Brentano 45, 68 teoria da condição 264
bem jurídico e antijuridicidade material teoria da relevância jurídica 274
causas de justificação e sua unidade 329
Brunelleschi 110
164 teorias da 264 causas de justificação e sujeito 106
Bruno, Aníbal 133, 175, 252
bem jurídico e classes sociais 209 vontade da causa e vontade do efeito 251 causas de justificação e teoria dos
Büllesbach 78, 80
bem jurídico e Constituição 215 causalidade alternativa elementos negativos do tipo 182
Burgstaller 310 causa dupla 266
bem jurídico e dessocialização 235 causas de justificação e tipo 183, 322, 323
Bustos Ramírez, Juan 189 causalidade cumulativa 269
bem jurídico e dever 214 causas de justificação e vontade justificante
causalidade e atuação dolosa posterior 271 325
bem jurídico e direito subjetivo 200 C
bem jurídico e finalidade da norma 206 causalidade e contergam 268 causas de justificação no common law 162
Callies 90
bem jurídico e função 217 causalidade e dolo 155 causa superveniente 270
Campanella 28
distinção 225 causalidade e imputação 262, 263 Cedras 354
Canaris 66, 77
bem jurídico e função do tipo 185 causalidade e incremento do risco 268 Cerezo Mir 334
características do tipo 241
bem jurídico e função social da causalidade e injusto 123 certeza científica 68
Carnap 48
propriedade 227 causalidade e instabilidade 25 certeza e auto-evidência 28
Carpzov 162, 251, 252, 253
bem jurídico e furto 64 causalidade em Hume 263 certeza e ciência 68
categorias e tipicidade 148
bem jurídico e garantidor 158 causalidade em Kant 123 certeza e evidência 65
categorias funcionais 81
bem jurídico e interesse 204, 213 causalidade e necessidade 123 certeza e regras 77
categorias lógicas 77
bem jurídico e interesse fiscal do Estado 217 causalidade e sistema 86 Cervini, Raúl 137
categorias lógico-objetivas 28
bem jurídico e juízo de refutabilidade 234 causalidade e sujeito 112 cheque sem fundos 56
causa
bem jurídico e justificativa 333 conceito de 263 causalidade física e psíquica 271 cibernética 78, 81, 90
bem jurídico e legitimação 216 causa adequada 273 causalidade incontrolável 271 origens da 79
bem jurídico em Amelung 211 causa como relação de certeza 264 causalidade na omissão 264 ciência e falibilidade 68
bem jurídico e mercadoria 202 causa como relação empírica 263 causalidade necessária 123 ciência jurídica 23, 64, 108, 115, 133
bem jurídico em Jakobs 211 causa como relação racional 263 causalidade psíquica 300 ciência jurídica e atemporalidade 108
bem jurídico em Muñoz Conde 211 causa como totalidade das condições 265 causalidade superveniente 262 ciência jurídica e ciência normativa 24
bem jurídico em Roxin 212 causa dupla 275 causalidade típica 273, 275 ciências jurídicas e estabilidade 122
bem jurídico em Welzel 207 causa e condição 264 causa primeira 122 ciências jurídicas e sujeito 33
bem jurídico e normas de cultura 207 causalidade 122 causas de exclusão da antijuridicidade 135 ciências naturais 70, 77, 85, 108, 109,
bem jurídico e objeto da ação 216 antecipação de eventos 268 causas de exclusão do injusto 135 122, 123
392 TEORIA DO INJUSTO PENAL Índice Remissivo 393

ciências sociais conceito kelseniano de norma 44 conduta criminosa e tipo 145 construtivismo
estabilidade nas 26 conceitos empíricos 47 conduta de vida método na psiquiatria 115
Círculo de Viena 47, 117, 119 conceitos modais, ou aléticos 51 e legalidade 185 conteúdo do dolo 344
positivismo 47 conceitos sintéticos a priori 47 conduta e ação 44 contexto vital 59
positivismo 28 conduta e antijuridicidade 147 contingência
concepções de positivismo 37
Clausius 109, 263 conduta e corpo de delito 150 princípio da 52
Condeixa da Costa 157
cláusula ceteris paribus 276, 279 conduta e dever ser 44 contingência e procedimento 98
aplicação prática 281 condições objetivas de punibilidade 254
posição sistemática 254 conduta e fato concreto 146 contingência e punibilidade 216
enunciado 280
conduta conduta e imposição 45 contratos
código biológico 114 liberdade de vontade 29
ação 313 conduta e imputação 145
código penal 145, 151, 185, 186 ação final 155 contrato social 91, 92, 119
código penal da Baviera 201 conduta e injusto 134, 145
antijuridicidade 72 controle social 72, 82, 83
código penal e causalidade 260 autorizações especiais 139 conduta e justificação 148
conduta e moralidade 93 controle social em Hart 54
código penal e dolo eventual 361 avaliação 311
avaliação da 138 conduta e norma delimitativa 66 convenção e leis naturais 43
código penal espanhol 334 convencionalismo 43
avaliação do injusto 252 conduta e omissão 45
cogito como ato injusto 138 convencionalismo e neokantismo 43
como eu 113 conduta e proibição 44
como prescrição 44 convivência 114, 128
na psicologia racional 111 danosidade social da 137 conduta e tipo
racionalismo 28 no finalismo 155 convivência e justificação 329
definição de 138
cogito ergo sum descrição e prescrição 44 conduta funcional 82 corpo de delito 150, 151
racionalismo 111 e alcance do tipo 307 conduta humana 129 corpo e alma 111
Coing 65 e aprovação consensual 126 conduta injusta 118, 141 corrupção passiva 239
colisão de deveres 171, 335 e contexto de realidade 106 conduta justificada 134, 135 Costa Júnior, Heitor 157
colisão de princípios 73, 104 e convivência 114, 115 costume 44
e decisão do agente 323 conduta proibida 50, 134, 141
computadores efeitos justificantes da 141 concepção extrajurídica da 314 costume e norma incriminadora 188
capacidade dos 110 e finalidade em Mackie 127 conduta proibida e regras rígidas 105 Cramer 354
Comte 28, 35 e finalismo 155 conduta típica 237 crime falimentar 258
comunicação 115 e Janisch 238 conduta típica e conduta concreta 147 crimes de falso 153
operações sociais de comunicação 85 e norma penal 341 conexão e disjunção 52 critério aristotélico de verdade 68, 69
processo de informação 79 e proporcionalidade 185, 188
e valoração moral 126 conflito social critério da aproximação lógica 67
comunicação e norma 88 e condições de punibilidade 254
e valores 115 critério da capacidade de domínio do
comunicação e sujeito 115 e imputação 268
e verbo 237 processo causal 300
comunicação jurídica 84 e virtude natural 125 e tipo 185
critério da coerência 102
comunicação racional 95 e vontade 114 conflito social e tipo 147
critério da diminuição do risco 298
concausa 264 expectativa de 87 conhecimento a priori 45
e zona do ilícito 186 critério da intangibilidade do risco 300
concausas supervenientes 270 consciência
formulação sintética 242 e justificação 167 critério da prognose posterior objetiva 274
conceito científico e constatação 43
imposição e prescrição 44 nas causas de justificação 323 critério de certeza 75
conceito de antijuridicidade 162 justificação 333 racionalismo e 28 critério de verdade 68, 95
conceito de autonomia 113 liberdade de opção 136 legitimação 96
consciência e sujeito 111
conceito de coerência 96 modo e forma de execução 166 critério de verdade e aproximação 69
orientação da 123 consciência funcional 87
conceito de função 219 critério de verdade e consenso 96
relação em Kelsen 44 consciência ou possibilidade
conceito de injusto 51, 119 da situação justificante 325 critério de verdade e discurso 97
injusto pessoal 159, 165, 167 teoria causal 152
processo de cognição 54 conduta antijurídica e procedimento 100 consenso 82, 95, 96, 98, 99 critério de verdade e injusto 96
conceito de tipo 149 conduta autorizada 321 consenso e argumento 95 critério de verdade procedimental 95
conceito de verdade 67 conduta como obra do sujeito 261 consenso moral 137 critério geral de verdade 68
em Brentano 45 conduta correta e procedimento 100 Constituição 72, 99, 179, 185, 320, 337 critérios de certeza 67
conceito de verdade e injusto 46 conduta criminosa 134 Constituição e suprapositividade 40 critérios normativos
394 TEORIA DO INJUSTO PENAL Índice Remissivo 395

da imputação 296 delitos de mera atividade e delitos formais Dias Pita, Maria del Mar 344, 355 Dohna 216
crítica 71, 117 245 Diez Ripolles 249 Dolcini 215
crítica ao empirismo 45 delitos de mera atividade e previsibilidade dignidade da pessoa humana 236 dolo
crítica ao racionalismo 45 319 Dilthey 58, 59 e risco habitual 349
crítica da linguagem 46, 47 delitos de perigo abstrato 238 Dirac 26 fórmula de Prittwitz 355
fórmulas de Frank 354
crítica do consenso 136 delitos de resultado 158, 244, 246 direito à vida teoria da evitabilidade 350
crítica dos paradigmas 107 conceito de 244 como direito fundamental 127 teoria da indiferença 353
crítica e eficácia 70 posição de Mezger 247 direito de escolha 127, 128, 135 teoria da probabilidade 348
crítica imanente 70 delitos de violação a deveres 83 direito e experiência 36 teoria da representação 347
crítica transcendente 70 delitos dolosos 155 direito natural 72 teoria do consentimento 352
delitos dolosos e culposos 157, 238 direito penal comum teoria do risco 350
culpabilidade 148, 328 teoria do risco a descoberto 351
culpabilidade e antijuridicidade 162 delitos formais 150 e corpo de delito 149
delitos materiais 150 direito penal de garantia 140 dolo de justificação 326
culpabilidade e finalismo 157 dolo direto 156, 319, 345, 357
culpabilidade e injusto 134 delitos omissivos 150 direito penal subjetivo 175
delitos omissivos e finalismo 157 direitos absolutos dolo e Carpzov 253
culpabilidade e motivos 158 dolo e condições de punibilidade 254, 257
delitos omissivos e função do tipo 185 inexistência de 126
culpabilidade e prevenção geral 148 dolo e culpa 188, 238
delitos omissivos e tipo reitor 187 direitos fundamentais 91, 101, 102, 128,
culpa dolo determinata 249 dolo e elementos do tipo 243
delitos omissivos próprios 150 136, 138, 147, 174, 176, 188, 189, 216,
culpa na estrutura do injusto 344 dolo e elementos subjetivos de justificação
delitos patrimoniais 56 242, 315, 318, 344
D delitos por força de atribuição direitos fundamentais e causas de 324
Darwin 109 institucional 83 justificação 329 dolo e finalismo 155
Davidson 276 delitos preterdolosos 249 direitos fundamentais e in dubio pro reo 267 dolo e função do tipo 186
Decianus 149 delitos qualificados pelo resultado 248 direitos fundamentais e injusto 138 dolo e homem sensato 349
decisão correta 66, 72, 75, 98, 101 e Boldt 250 direitos humanos 94, 105, 147, 215, 337 dolo e imputação 340, 344
decisão correta e justificação 333 e unidade jurídica 249 direitos humanos e bem jurídico 215 dolo e sentido da atividade 156
decisão correta e norma 102 delitos sexuais 246 direitos humanos e política 162 dolo eventual 156, 319, 328, 357
desastre ferroviário 249 direitos humanos e política social 138 e AIDS 363
decisão humana 70 e circunstâncias do fato 362
decisão judicial Descartes 28 direitos individuais 72, 133, 138, 139, e estado afetivo 364
decisão ideal 73 descrição e conduta 44, 145 176, 321 elementos do 361
Declaração de Direitos do Homem e do descrição e explicação 48 direitos individuais e injusto 178 expressões legais do 361
Cidadão 142 desenho de perspectiva 110 direitos subjetivos 106 na jurisprudência 356
Declarações de Direitos 136 desordem direito subjetivo 142 dolo eventual e culpa consciente 345, 346
estado de 109 discurso da instituição 117 distinção 356
dedução transcendental 43, 117
delito agravado 62 dessocialização 235 discurso ideal 98, 100 dolo na estrutura do injusto 344
delito continuado 49 desvalor 165 discurso prático 94, 95 dolo no tipo 319
delito falimentar desvalor do ato 158, 159, 166 discurso racional 76 dolus generalis 251
e condição de punibilidade 257 desvalor do ato e norma proibitiva 314 discurso teórico 94 dolus indirectus 249, 251
delitos culposos 316 desvalor do ato e o desvalor do resultado distribuição deôntica Dopslaff 243
delitos culposos e desvalor do ato 158 311 princípio da 52 doutrina Bartoli 249, 251
delitos culposos e dolosos 157 desvalor do ato e Zielinski 313 divisão dos delitos Durão 118
delitos culposos e finalismo 157 desvalor do resultado 157, 159 princípios da 341 Durkheim 220
delitos culposos e injusto pessoal 158 desvalor pessoal 158 divisão dos delitos e imputação 260 Dworkin 72, 73, 74, 119
delitos de domínio 82, 83 desvio causal documento
delitos de mão-própria 247 e imputação 301 crimes de falso 153 E
Detel 36, 264 crimes de falso 242 ego e alter 113
delitos de mera atividade 150, 244, 246
conceito de 244 dever geral de obediência 129 dogmática jurídica 65, 72, 80 Eisberg 26
396 TEORIA DO INJUSTO PENAL Índice Remissivo 397

elementos descritivos 242 espírito do povo 36 experiência e princípios a priori 33 função e variáveis 221
elementos do injusto 137 estado de estabilidade experiência e processo de purificação 43 função político-criminal do tipo 186
elementos especiais do tipo 156 paradigmas do 26 experiência e verdade função sistemática do tipo 184
elementos negativos do tipo 163, 182 Estado democrático 99, 102, 103, 119, no discurso 95 funcionalidade 58
elementos normativos 242 178, 216, 236, 240, 321, 337 explicação causal e relação causal 276 funcionalismo 35, 77, 160
elementos normativos do tipo 152 estado de necessidade 162, 182, 321, 325 disfuncionalidade 83
elementos subjetivos de justificação 154, estado de necessidade agressivo 331 F funcionalismo e expectativa 78, 87
159, 167, 323, 324, 325, 327 estado de necessidade defensivo 330 falibilidade e ciência 68, 69 funcionalismo e expectativas 82
elementos subjetivos de justificação na estado de necessidade e colisão de deveres falso testemunho 244 funcionalismo e finalismo 159
culpa 168 336 faticidade e validade 101, 330 funcionalismo e injusto pessoal 167
elementos subjetivos do injusto 153, 165 estado de necessidade e estupro 181 favorecimento à prostituição 188 funcionalismo e seres vivos 113
elementos subjetivos do injusto e estado de necessidade em favor de terceiro fenomenologia 116 funcionalismo e unidade do injusto 149
culpabilidade 166 331 Ferrajoli 136 funções do injusto 173
elemento subjetivo de justificação 328, 335 Estatuto de Roma 139, 177 Feuerbach 200, 249 funções do tipo 184
Elkaïm 110 estelionato 151, 185, 244 Fiandaca 322 funções do tipo em Maurach 188
Ellscheid 75, 77 estoicismo 33 Fichte 220 fundamentalismo 35
emissão de título ao portador sem estóicos 122 Figueiredo Dias 148 furto 44, 64, 151, 153, 182, 185, 241,
permissão legal 181 estrito cumprimento de dever legal filosofia analítica 47 243, 244, 252, 302
empirismo científico 47 e justificativa em dois atos 335 filosofia da evidência 45
empirismo e causalidade 123 estrito cumprimento de um dever legal 182 filosofia de critério 68 G
empirismo e subjetivismo 76 estrutura do injusto e imputação 344 filosofia moral Gadamer 59, 60
estupro 181 em Hume 125 Galileo 23, 123
empirismo lógico e tipo 185 em Mackie 127
empirocriticismo 28, 43, 111 eternidade e leis naturais 107 Gestalt 112
ética em Hume 36 finalismo 154 Gimbernat Ordeig 355
emprego irregular de verbas e rendas finalismo e divisão dos delitos 341
públicas 239 eu Glaser 264
forma de aparecimento do 28 Fischer 153 gnosiologia
Engisch 183, 353 Foerster 113, 120
exemplo do sobrinho 274 princípios a priori 40
entendimento fontes de conhecimento 69
preceitos a priori 33 exercício regular de um direito 182 Goldschmidt 313
princípios racionais 33 Exner 353 Fragoso, Heleno 156, 259, 334 Gonzáles Lagier 51
entimemas 65 experiência 33, 47, 111, 117 Frank 354 Gonzalo Fernández 213
entropia 85, 109 juízos de percepção interna 45, 46 fraude 56 Gray 37
observação 36 Frisch 296, 350, 364 Grünhut 152
enunciados analíticos, ou empíricos 47 observação da atemporalidade 108
enunciados aproximativos 69 Frommel 166 Günther, Hans-Ludwig 133, 170, 325
percepção 36, 121
epicuristas 122 percepção 110 função da norma 173 Günther, Klaus 94, 96, 97, 101, 102
epidemia 240, 244 percepção e 28 função de controle de informação 224
eqüidade 66, 92, 93 subjetivação 43 função de instrução do tipo 189 H
eqüidade e imparcialidade 93 experiência e causalidade 123 função dogmática do tipo 186 Habermas 95, 96, 101, 102, 105, 119,
equilíbrio experiência e condensação 43 função e cálculo de predicados 222 136, 214, 330, 333
estado de 109 experiência e evidência 95 função e controle 222 Haft 304
erro de tipo 186 experiência e hipótese 48 função e controle do tráfego 223 Hardwig 296
erro e ciência 68 experiência e idéias 45 função em Durkheim 220 Hart 48, 52, 53, 196
erro e elementos do tipo 243 experiência e interpretação 60 função em Fichte 220 Hartmann 34, 214
erro e possibilidade 68 experiência e leis naturais 35 função em Kant 220 Hassemer 162, 176, 200, 205, 214, 331,
Escola de Baden 43 experiência e linguagem 113 função em Merton 220 332, 350
espécies de dolo experiência e observação 47, 48, 49, 69 função em Parsons 220 Hegel 88, 296
e finalismo 156 experiência e precedente 38 função e o conceito de relação 219 Hegler 153, 166
398 TEORIA DO INJUSTO PENAL Índice Remissivo 399

Heidegger 59 imposições de otimização 103 injusto e causalidade 123 injusto em Schünemann 169
Heisenberg 263 imputabilidade injusto e classificação 162 injusto e neocontratualismo 93, 94
Helm 110 e injusto 177 injusto e comunicação 86 injusto e neokantismo 44
Hempel 280 imputação injusto e conduta concreta 185 injusto e norma 73, 80
Hendler 163 e divisão dos delitos 237 injusto e constatação empírica 140 injusto e o caráter da incriminação 314
Heráclito 33 imputação do resultado injusto e controle social 83 injusto e ontologia 100, 238
princípio da 114
hermenêutica 57, 117, 122 injusto e critério de verdade 96 injusto e paradigmas de imputação 316
imputação do resultado e alcance do tipo
hermenêutica heideggeriana 92 injusto e culpabilidade 312 injusto e poder de punir 175
303
Herzberg 351 injusto e dano 128 injusto e positivismo 38
imputação e agentes obrigados a enfrentar
Hillmann 220 injusto e dano social 141 injusto e pré-compreensão 62
o perigo 304, 309
hipótese faticamente projetada 48 injusto e decisão 73, 95 injusto e presunção de inocência 179
imputação e execução do injusto 316
hipótese projetada 50 injusto e decisão aproximativa 71 injusto e procedimento 75, 77, 100
imputação e perigos assumidos por
Hippel 162 injusto e decisão do agente 251 injusto e processo de cognição 54
terceiro 304
Hirsch 250, 253 injusto e decisão judicial 38 injusto e quadrilha 257
imputação objetiva 295
Hobbes 37 e subjetiva 261 injusto e decisão racional 74 injusto e racionalismo crítico 70
Hold-Ferneck 312 imputação subjetiva 340 injusto e delimitação 148 injusto e ratio essendi 154
homem cidadão 92 e objetiva 261 injusto e delimitação normativa 67 injusto e relação simbólica 49
homem indivíduo 92 imputações contraditórias 139 injusto e desvalor 46 injusto e relações sintagmáticas 64
homicídio 90, 151, 162, 170, 182, 185, indução e conceito 44 injusto e desvalor do ato 314 injusto e relativismo 101
240, 241, 243, 252, 268, 271, 272, 306, indução reflexiva 43 injusto e direitos fundamentais 138 injusto e resultado 123, 244
307, 312, 313, 327, 350, 364 infanticídio 240 injusto e discurso 105 injusto e resultado culposo 250
homicídio culposo 253, 301 injúria 241, 244 injusto e discurso prático 102 injusto e segurança 119
Honig 206 injusto 72, 80, 82, 86, 91, 92, 107, 250 injusto e Estado democrático 103 injusto e simbolização 67
honra e bem jurídico 235 análise dialética 179 injusto e estrutura da conduta 341 injusto e sistema 75
Hume 35, 36, 76, 112, 122, 123, 124, avaliação do 139 injusto e experiência 38, 41, 46 injusto e sistema de regras 53
125, 263, 273, 276 bases de reformulação 133 injusto e falência 258 injusto e sistema fechado 145, 148
conceito 25
Hungria, Nelson 264 conduta típica e antijurídica 134 injusto e fases de avaliação 138 injusto e sistema político 80
Husserl 208 conteúdo 191 injusto e finalismo 154 injusto e situação típica 239
definição codificada 86 injusto e formação de vontade 316 injusto e status de pessoa 106
I divisão do 137 injusto e funcionalismo 88 injusto e suas etapas 179
idealismo kantiano 40 efeitos da concepção do 337 injusto e gravidade 252 injusto e suas fases 176
identidade e diversidade 114 e gradação 46
funções 173 injusto e imputação 160, 186, 189, 260 injusto e sujeito
ilícito 118 integridade do 140 injusto e interpretação 63 união e separação 178
ilícito civil e crime 163 unidade do 134 injusto e jurisprudência 56 injusto e teoria procedimental 136
ilícito e culpa 163 injusto baseado na causalidade 318 injusto e justo 46 injusto e tipo 100, 134
ilícito e linguagem 64 injusto civil 140 injusto e lesão de bem jurídico 312 injusto e topoi 66
ilicitude injusto danoso 141 injusto e liberdade 128 injusto e universalidade 122, 123
antijuridicidade 179 injusto e ação final 166 injusto e linguagem 50, 118 injusto e valor 46
presunção juris tantum 179 injusto e zona neutra 52
injusto e administração socialista 81 injusto e linguagem cotidiana 121
ilicitude e antijuridicidade 133 injusto no funcionalismo 168
injusto e antijuridicidade 133 injusto em Binding 174
ilicitude e ato formal 64 injusto penal 134, 140
injusto e aprendizagem 82 injusto em Callies 90
ilicitude e norma 89 injusto penal e injusto civil 140, 141
injusto e ato de reconhecimento 38 injusto em Hassemer 332
imperativos categóricos 41, 77 injusto penal e intensidade 140
injusto e ato de vontade 38 injusto em Jakobs 88, 160
imposição 115 injusto penal em H. L. Günther 170
injusto e ato indiferente 171 injusto em Jescheck 159
imposição e autorização 138 injusto pessoal 119, 158, 167
injusto e autoridade 38 injusto em Rawls 93
imposições definitivas 103
400 TEORIA DO INJUSTO PENAL Índice Remissivo 401

crítica de Monika Frommel 167 irreversibilidade jus puniendi 175, 345 182, 321, 322, 323, 325, 327, 330, 332
injusto pessoal e desvalor do ato 312 o fenômeno da 109 justificante em dois atos 335 legítima defesa e estupro 181
injusto subjetivo 166 o fenômeno da 27 justificantes incompletas 334 legítima defesa e excesso 168
injusto típico 145 justo 80, 82, 86, 91, 92, 106 Leibniz 51
J
input 80, 85, 90, 211, 332 justo e injusto 79 lei de segurança nacional 201
Jaén Vallejo 322
input-output 78, 80, 90 leis do movimento 25
Jäger, Herbert 231 K
institucionalização 83 leis e regras 38
Jakobs 82, 88, 149, 159, 160, 200, 211, Kant 28, 33, 36, 76, 77, 110, 111, 115,
institucionalização e decisão 73 leis e sistema político 80
238, 250, 251, 252, 296, 304, 310, 316, 117, 123, 220
institucionalização e funcionalismo 82 leis naturais 23, 33, 48, 70, 88, 107,
325, 331, 349 Karam, Maria Lúcia 176
integridade 73, 118, 141 122, 123
Janisch 116, 129, 238 Kasner 219 origem 33
integridade racional 140
Jellinek 37, 38 Kaufmann, Armin 316, 350 paradigmas 33
intensidade objetiva 142
Jescheck 159, 250, 255 Kaufmann, Arthur 62, 77, 171 leis naturais e convenção 43
intensidade subjetiva 142
Jescheck/Weigend 250, 254, 298, 302, Keil 280 leis naturais e filosofia comtiana 35
interpretação 73
alteração de costumes 108 307, 314, 325, 334, 348, 350 Keller 110 leis naturais e hipótese 48
e discurso 242 Jhering 163, 204, 312 Kelsen 44, 174 leis naturais e norma universal 49
métodos tradicionais 56 Johansson 280 Kepler 123 leis naturais e positivismo 35
padrão de 88 Joseph 280 Kleinschrod 201 leis naturais e racionalismo 33
reformulação do conteúdo 56 juiz Hércules 119 Koffka 112 leis naturais e reflexão racional 36
interpretação abusiva 239 juízo de antijuridicidade 134 Köhler, Michael 314 leis positivas e direitos básicos 91
interpretação analógica 240 juízo de necessidade 103 Koller 37 leis suplementares 145
interpretação e autor individual 58 juízo de possibilidade 47 Krawietz 85 Lenckner 335
interpretação e contexto vital 59 juízo de previsibilidade 123 Kühl 300, 304, 307, 334 lesão corporal 247
interpretação e definição legal 66 juízo de previsibilidade e causa 263 lesão corporal grave 249
interpretação e funcionalismo 87 juízo de probabilidade 272 L liberdade de vontade 29
interpretação e hipótese 61 juízo de proibição 146 Lacmann 359 liberdade individual 93, 126, 128, 129,
interpretação e juízos de percepção 46 juízo de verdade 76 Ladrière 24 136, 148, 327, 333
interpretação e legitimação 71 juízos afirmativos 45 Lamarck 109 liberdade individual e direitos humanos 138
interpretação e linguagem 46, 55, 119 juízos apodíticos 45 Lampe 335 liberdade individual e norma 174
interpretação em Gadamer 60 juízos categóricos 46 Landauer 115 liberdade individual e tipicidade 147
interpretação e pré-compreensão 59 juízos de percepção interma 46 Lange, Ernst Michael 48 liberdade individual e tipo 149
interpretação e procedimento 99 juízos de realidade 43 Lange, Heinrich 183 lícito e linguagem 64
interpretação e processo associativo 64 juízos de valor 46, 153, 242 Lang-Hinrichsen 183 linguagem 46, 47, 57, 66, 107, 112,
interpretação e realidade 59 juízos de valor e injusto 191 Larenz 296 117, 119, 120
interpretação e relação simbólica 63 juízos evidentes paradigmas 55
legalidade 140
interpretação e sanção 89 apodíticos 45, 46 linguagem científica 55, 113
legalidade da ordem jurídica 140
interpretação e tipo 148 juízos hipotéticos linguagem conotativa 120
legalidade e injusto 134, 140
interpretação funcional 58 disjuntivos 46 linguagem cotidiana 48, 120, 121, 133
legalidade e oportunidade 138
interpretação subjetiva juízos negativos 45 linguagem denotativa 120
no funcionalismo 91 legalidade estrita 136, 137
juízos normativos 77 linguagem e cibernética 91
intérprete 60 legitimação
juízos sintéticos a priori 117, 122 do discurso 105 linguagem e conhecimento 118
intérprete e processo de avaliação 47 juízos valorativos 43 legitimação da intervenção 136 linguagem e construção 121
intérprete individual 59 jurisprudência e dolo eventual 356 legitimação e liberdade 175 linguagem e definição de domínios
intervenção mínima 137 jurisprudência e injusto 56 Saussure 55
legitimação e sistema político 80
intuição e conceito 76 jurisprudência e probabilidade 67 linguagem e determinação axiológica 55
legitimação por aproximação 71
involução e relatividade 26 jusnaturalismo 65, 75 linguagem e direito 55
legítima defesa 50, 66, 127, 134, 162,
402 TEORIA DO INJUSTO PENAL Índice Remissivo 403

linguagem e função 119 Mestieri, João 259 Newton 25 norma e processo simbólico 118
linguagem e incerteza 56 meta-regras 75 Nieto Martín 259 norma e proteção de valores 166
linguagem e injusto 118 método descritivo 240 norma 81, 173 norma e razão 36
linguagem e relações associativas 64 método e contratualismo 92 caráter deontológico contingente 102 norma e símbolo 147
linguagem e relações sintagmáticas 64 método lógico 65 processo regulador 90 norma e sistema 78
linguagem e sistema 63 Mezger 45, 152, 154, 164, 200, 206, norma abusiva 177 norma e tipo em Beling 151
linguagem e tipo 185 247, 273, 274, 313 norma de circulação 41 norma e validade 102, 103, 105
linguagem ordinária 51 Mill 128, 141, 276, 278 norma de conduta norma e valor 102
como norma de dever 317
lingüística estrutural 63 Mir Puig 255, 258, 298, 319 norma geral de permissão 321
norma de cuidado 157
Lins, Evandro 257 Moccia 227, 234 norma incriminadora 142
norma de cuidado e risco 344
Liszt 150, 163, 164, 199, 204, 205, 322 modelo deontológico 50 norma incriminadora e circunstâncias
norma de cuidado objetivo 322
lógica formal 47 modelos deônticos 51 modais 239
norma de determinação 45
Lopes, Jair Leonardo 197 modernidade e ciência 23, 25 norma incriminadora e função limitativa
norma delimitadora 141
López, Pilar 29 moralidade 138
em Rawls 93 norma determinativa 150, 158, 174, 313
Luckmann 116 norma jurídica e escolha 127
moralidade e positivismo 36 norma de valoração 45, 164, 165
Lüderssen 232 norma jurídica e moral 101
moralidade e razão 36 norma e adequabilidade 102
Luhmann 78, 79, 83, 86, 87 norma jurídica e norma de dever 313
Morin 27, 113 norma e ato de vontade 44
Luisi, Luiz 136 norma penal
motivos do agir norma e autoridade 37 sentido da 173
M e finalismo 156 norma e axiomas 45 norma penal e conteúdo ético 343
Macedo, Sérgio 347 Muñoz Conde 133, 175, 200, 211 norma e bem jurídico 200 norma penal e delimitação 174
Mach 43 norma e cibernética 90 norma penal e dever 129
Mackie 122, 125, 126, 127, 128, 133, N norma e círculo regulativo 79 norma penal e estrutura da conduta 341
141, 175, 176, 315 Nagel, Ernest 279, 281 norma e comunicação 90 norma penal e limitação 137
Mantovani, Ferrando 133, 322 Nagel, Thomas 29 norma e constatação 44 norma penal e norma civil 332
Marinucci 215 Nagler 153, 313 norma e constatação indutiva 44 norma perfeita 96, 97
Marques, José Frederico 252 natureza das coisas 66 norma e criação judicial 54 norma permissiva 72, 183
Martinez Escamilla, Margarita 318 natureza e leis objetivas 23 norma e crime continuado 49 norma permissiva e tipificação 243
Martínez Pérez 255 natureza e representação 110 norma e delimitação 179 norma permissiva genérica 327
Marx 203 Naucke 40, 147 norma e desvalor 315 norma proibitiva 50, 56, 64, 72
marxismo-leninismo 81 necessidade de intervenção 128, 137, 140 norma e discurso 95 e desvalor do ato 314
matéria da proibição 155 necessidade e causalidade 123 norma e eficácia 37 norma proibitiva e Thomasius 174
materialização do injusto 185 necessidade e eventualidade 77 norma e fato 62 norma proibitivas 72
Maturana 78, 86 necessidade e intervenção 103 norma e função 59 normas
Maurach 156, 157, 188, 327 neocontratualismo 77, 91, 118 norma e função do tipo 186 categorias de 103
Maurach/Zipf 175, 250, 254, 310, 325, neokantismo 28, 108, 152 norma e injusto 73, 80 normas de definição 52
334, 358 neokantismo e convencionalismo 43 norma e intérprete 118 normas e princípios 72
Maxwell 109, 263 neokantismo e finalismo 165 norma em Jakobs 88 normas impositivas 129
Mayer, Hellmuth 348 neokantismo e historicismo 59 norma em Kelsen 174 normas incriminadoras 137
Mayer, Max Ernst 151, 152, 153, 154, neokantismo e injusto 44 norma e modelo cibernético 90 normas permissivas 129
158, 164, 206 neokantismo e teoria do injusto 153 norma e neokantismo 152 normas positivadas e direitos naturais 72
Mayrink da Costa, Alvaro 175, 187 neo-organicismo 78, 79 norma e nomen juris 56 normas proibitivas 129
melhor argumento 95 neopositivismo 47 norma e opinião 99 norma valorativa 313
Mendes, Paulo de Sousa 215, 296, 298 neo-racionalismo 71 norma e opinião divergente 100 e desvalor do resultado 314
Merkel 163, 169, 177, 182, 312 Neves 118 norma e Parlamento 37 nova retórica 101
Merton 220 Newman 219 norma e precedente 72
404 TEORIA DO INJUSTO PENAL Índice Remissivo 405

O Parsons 81, 83, 84, 220 princípio da causalidade 122 princípios da diferença e da equivalência 113
objeto da ação 239 peculato 151, 239 princípio da comunicabilidade 114 princípios da exclusão e inclusão 114
Objeto da ação 239 Pereda 251 princípio da entropia 85 princípios da necessidade e danosidade
objeto e sujeito Perelman 65, 101 princípio da indeterminação 263 262
em Adorno 178 permissão princípio da integridade e cinto de princípios de argumentação 101
obrigatoriedade e facultatividade 77 princípio da 52 segurança 308 princípios de conveniência 93
omissão de socorro 139 pessoa princípio da integridade racional e princípios de garantia e injusto 134
e causalidade 272 institucionalização e autonomia da 106 imputação 298 princípios de Mackie 133
omissão e ação 45 pessoa de direitos e injusto 106 princípio da intervenção mínima 333 princípios deontológicos 102
omissão e finalismo 158 Pessoa, Nelson 295 princípio da legalidade 134, 185 princípios deontológicos e racionalização
omissão e imposição 44 Pimentel, Manoel Pedro 258 princípio da legalidade e fórmulas 102
omissão e permissão 51 plano de vida racional 127 sintéticas 241 princípios de ordem social e justificação 330
opiniões 66 Platão 122, 295 princípio da legalidade e quadrilha 257 princípios do empirismo 47
opiniões e ordem jurídica 66 Podlech 90 princípio da presunção de inocência 179 princípios e causas de justificação 105
ordem jurídica 72, 119, 136, 148, 167 politologia 81 princípio da presunção de inocência e princípios e decisão justa 92
ordem jurídica democrática 141 ponderações de bens e valores 333 antijuridicidade 321 princípios e injusto 73
ordem jurídica e antijuridicidade 134 pontos de vista 66 princípio da proporcionalidade princípios e normas 73
ordem jurídica e cisão do injusto 135 pontos de vista e racionalidade 93 e tentativa 248 princípios e produção indutiva 94
ordem jurídica e delito 163 Popper 71 princípio da proteção individual princípios e regras 103, 104
ordem jurídica e garantia democrática 137 positivismo 28, 35, 44, 71, 72, 111, 117 legítima defesa 330 princípios jurídicos 72
ordem jurídica e inadequação 147 positivismo e estabilidade 122 princípio da responsabilidade 331 princípios justificantes e Jakobs 331
ordem jurídica e injusto 140 positivismo e injusto 38 princípio da responsabilidade e princípios lógicos a priori 107
ordem jurídica em Habermas 330 positivismo e leis naturais 107 justificação 332 princípios racionais 72, 92, 141
ordem jurídica e tipicidade 181 positivismo e linguagem 55 princípio da responsabilidade objetiva princípios virtuais 73
ordem jurídica e tipo 152 positivismo e racionalismo 36, 43 249 princípio utilitarista 128
ordem jurídica e unidade do injusto 134 positivismo e teoria causal 152 princípio da responsabilidade pessoal Prittwitz 348, 355, 364
ordem moral 72 positivismo ilustrado 75 263 probabilidade 68
ordem moral e ordem jurídica 320 positivismo lógico 59 princípio da solidariedade 331 probabilidade e certeza 67
organização possibilidade e impossibilidade 77 princípio da taxatividade 137 probabilidade e delito mais grave 253
defeito de 82 Pott 247 princípio de proporcionalidade e delitos procedimento
sistema de 113 Prado, Luiz Regis 133, 157, 213 qualificados pelo resultado 252 objetivo e subjetivo 99
sistema de 332 pragma 180 princípio do consenso 136
violação de deveres de 298 procedimento de comunicação 47
precedentes judiciais 72 princípio do direito preponderante 181, procedimento e razão 103
otimização deontológica 102
pré-compreensão 59, 60, 62, 92, 118, 122 332 processo de comunicação 88
Otto 183, 298
pré-compreensão da linguagem 118 princípio do versari in re illicita 249 processo dedutivo 55
output 80, 85, 211, 332
pré-compreensão e tipicidade 147 princípio e precedente 73 processo de exclusão 114
P predicados transcendentais 111 princípio e razão 36 processo de imputação 260
pactos internacionais 136, 137, 175, prescrição e imposição 44 princípio geral da crítica 69 processo de inclusão 115
320, 337 pressupostos processuais 260 princípio in dubio pro reo e causalidade 266 processo de socialização 125
Palazzo 218 presunção de inocência 179 princípio racional e direitos fundamentais processo racional indutivo 44
paradigmas procedimentais 75 prevaricação 239 136 processos de interação 83
paradoxo prevenção geral e tipo 148 princípios prognose posterior objetiva 273
do tempo 110 Prigogine 23, 25, 107, 109, 123 em Dworkin 72 proibição 115
princípio da alteração exterior 268 modelo de 104
paradoxo do tempo 107 proibição e decisão antijurídica 316
princípio da argumentação 75 princípios a priori 43
Parlamento 53 proibição e delitos formais 150
princípios básicos do direito penal 176
406 TEORIA DO INJUSTO PENAL Índice Remissivo 407

proibição e direitos fundamentais 177 racionalismo em Popper 67 resultado e neokantismo 152 Saussure 63, 84
proibição e exclusão social 149 racionalismo e positivismo 43, 107 resultado e omissão 158 Savigny 36, 56
proibição e imposição 138 Rawls 91, 92, 93, 94, 119, 127 resultado e sistema jurídico 129 Sax 161, 254
proibição e indício 152 razão 69 resultado e teoria causal 150 Schaffstein 167, 183
proibição e norma universal 50 razão prática 95, 103 resultado e tipo 155, 244 Scheler 208, 214
proibição e omissão 150 reabilitação do sujeito 110 resultado típico 244 Schelling 34, 36
proibição e permissão 320 Reale Júnior, Miguel 161 retórica aristotélica 65 Scheuerl 364
proibição e processo racional e proibição 40 Reale, Miguel 24 retórica da discussão 65 Schischkoff 122, 123
proibição e realidade 121 realidade e fantasia 48 reversibilidade Schleiermacher 57
proibição normativa e bem jurídico 238 Reese-Schäfer 84 fenômeno da 110 Schlick 59
o fenômeno da 25
projeto alternativo de 1966 regras 53, 72 perspectiva de 109 Schmidhäuser 161, 255, 347
e combinação de dolo e culpa 250 modelos de 104 Schmidt, Eberhard 159, 166
sistema de 104 reversibilidade e relatividade 26
proporcionalidade 103, 137, 182, 185 Schönke-Schröder-Cramer 352
regras de alteração Reyes Alvarado 26, 296
proporcionalidade e justificação 331 Schönke-Schröder-Eser 364
Hart 53 Rickert 206
proposições do neopositivismo 47 Schönke/Schröder/Lenckner 254
regras de conduta 53 risco assumido
proposições negativas a priori 46 e condições de punibilidade 256 Schröder 347
regras de julgamento
psicanálise lacaniana 112 risco indevido 301 Schrödinger 26
Hart 53
psicologia 81, 115 risco permitido 161, 300, 303, 306, 327 Schroth, Horst 364
regras de preferência 77
psicologia racional 111 meta regras 75 risco permitido e colisão de deveres 336 Schubart 249, 251, 252
psicologia social 112 regras de reconhecimento 53, 72 risco permitido e desvalor 316 Schünemann 169, 307
psicoterapia de grupos 109 regras de validade do discurso 97 risco permitido e norma de trânsito 308 segurança jurídica 66, 101, 102, 119,
psiquiatria regras e conduta proibida 105 Robbers 215 136, 319, 330
experimento de Rosenhan 115 princípio de 101
regras em Alexy 103 Romero Arias 267, 322
psiquiatria e construtivismo 115 segurança jurídica e justificação 333
regras e normas 330 Rorty 180
Puchta 36 semiologia 119, 120, 241
regras e princípios 103, 104 Rosenhan 115
pudor público sensação 76
regras funcionais 81 Ross 36
e mendicância 139 senso comum 66, 75
regras gerais da vida 273 roubo 62, 151, 153, 252, 352
Puppe 348, 349 ser e dever-ser 36
regras primárias roubo e arma de brinquedo 240
Q Hart 53 Rousseau 92 signos 58
Queirós, Paulo 136 regras secundárias Roxin 133, 135, 148, 159, 160, 162, signos e antijuridicidade 118
Hart 53 signos e linguagem 118, 120, 122
Quintano Ripollés 258 170, 186, 212, 231, 247, 249, 256,
relação de causalidade 262 silogismo e verdade 65
269, 296, 299, 302, 309, 310, 313,
R relações sintagmáticas 64 simbolização e linguagem 118
314, 325, 328, 330, 332, 337, 349,
racionalidade dos princípios 34 relativismo e ciência 68 simbolização e ordem jurídica 87
350, 364
racionalidade e explicação 107 relativismo hermenêutico 71 simbolização e realidade 118
Rümelin 273
racionalidade e injusto 136 repouso e movimento 23 símbolo e linguagem 47, 49, 113, 119
Rüping 162
racionalidade e ordem jurídica 136 Resnick 26 símbolos e sistema 82
Russell 109, 222, 277
racionalidade e princípios 73 responsabilidade penal sistema 75, 83
racionalidade kantiana 34 abaixo de 18 anos 139, 177
S sistema aberto 66, 85
racionalismo 71, 110 responsabilidade solidária 263 sistema adaptativo 78
Sales, Sheila J. Selim 255
conceitos transcendentais 110 resultado 265, 316 sistema autopoiético 88
Samson 183
racionalismo contratualista 91 resultado como realização evitável 332 sistema causal 150
sanção penal e cognição 88
racionalismo crítico 69, 70 resultado e ação 244 sistema cultural 82
Sancinetti 313
racionalismo e empirismo 45 resultado e crime doloso 157 sistema da organização 113
Santos, Juarez Cirino dos 171, 180, 209,
racionalismo e estabilidade 122 resultado e culpa 157 sistema de autorizações 139
325, 362
racionalismo em Dworkin 73 resultado e finalismo 155
408 TEORIA DO INJUSTO PENAL Índice Remissivo 409

sistema de legalidade 134 Streck, Lenio 61 na psicologia racional 111 tempo e teoria da relatividade 26
sistema de liberdades básicas 91 Stübel 150 na sociologia 116 tentativa de homicídio 62, 271
no injusto 138
sistema de linguagem 48, 68 Stuckenberg 267 teoria analítica 71
no positivismo 112
sistema de organização 27, 78, 81, 116 subjetivação do injusto no racionalismo 110 teoria causal 150
sistema de Rawls 127 e tipo de autor 167 no tipo 155 teoria causal 164
sistema de regras 53, 116 finalismo 47, 106 no tomismo 28 teoria causal e delitos formais 150
finalismo 157 opção de conduta 135
sistema de Roxin e conduta 332 neokantismo 154 teoria causal e desvalor 317
paradoxo do 28
sistema de significados 120 subjetivismo cartesiano 76 teoria causal e divisão dos delitos 341
pessoa capaz de direitos 138
sistema de valores 75, 102, 118 subsistema jurídico 83 posição na filosofia 27 teoria causal e teoria social 159
sistema de valores e injusto 56 subsistema simplificado 90 potencialidades 137 teoria causal e tipicidade 151
sistema dualista 71 subsunção 62 reedificação no direito 106 teoria cibernética 80
sistema e autoprodução 78 restauração no injusto 136 teoria cibernética da regra jurídica 78
suicídio 307 sentido problemático do 111
sistema fechado 85, 145 sujeito teoria cibernética dos sistemas 78
significado kantiano 28
sistema fechado 80 aspecto biológico 114 teoria da ação comunicativa 118
sujeito cognoscente 110
sistema fechado e injusto 148, 149 aspecto social e jurídico 114 teoria da argumentação 71, 75, 94
como pessoa 106
sujeito de direitos 129, 139
sistema jurídico 72, 78, 83, 84, 86, 113, teoria da causa formal 149
conceito causal do 29 sujeito e bem jurídico 213
129 teoria da condição
conceituação 128 sujeito e consciência 111 origens da 264
sistema jurídico 83, 85 conhecimento da situação justificante sujeito e decisão 149 teoria da distribuição
sistema jurídico e limitação 129 326 sujeito e garantia de liberdade 136 de energia 109
sistema jurídico e sistema social 80 contratualismo 93
decisão antijurídica 238
sujeito e imputação 261 teoria da evolução 109
sistema Liszt-Beling 148
diferenciação 113 sujeito e injusto 119, 149 teoria da hierarquia das causas 122
sistema moral 102, 125, 126 união e separação 178
e causalidade 116 teoria da imputação objetiva 295
sistema moral em Mackie 126 e conhecimento 112 sujeito e integração social 114
sistema organizativo e justificação 331 teoria da imputação objetiva do resultado
e culpabilidade 178 sujeito e justificação 148 origens 295
sistema penal e racionalidade 176 e execução da ação 237 sujeito e linguagem 58
e filosofia moral 127 teoria da incerteza 67
sistema penal liberal 105 sujeito e objeto 77
e formulação do eu 28 teoria da máquina processadora de
sistema pessoal 81, 82 em Adorno 178
e Gestalt 112 informações 78, 79
sistema político 80 eliminação do 27, 110 sujeito e valores 119 teoria da planificação e automação 78
sistema racional 73, 104 e linguagem 112, 119 sujeito responsável 24 teoria da relatividade 26
sistemas de delito 142 em Adorno 178 suprapositividade 40
em Wittgenstein 113 teoria das evidências 65
sistema social 78, 81, 82, 83, 84, 113,
e neokantismo 28 T teoria democrática do injusto 138
332
e norma abusiva 177
Taube 80 teoria de n. goodman 49
sistema social 80, 83, 85 e proibição 121, 178
tautologia 88 teoria do aumento do risco 300
sistema social e valores 82 e psicanálise 112
Tavares, Juarez 238 teoria do bem jurídico 142
sistema teleológico-funcional 148 e realidade racional 111
e relação funcional 112 tempo 108 teoria do delito 145, 149, 151
sistematização das causas de justificação
e sistema 112 atemporalidade 27, 107, 108 teoria do delito e autoria 156
329
e tipo 162 atemporalidade 27, 107 teoria do delito e erro 188
sociedade originária 92 exclusão do 33 atemporalidade do discurso 97 teoria do delito e neokantismo 152
sociologia 81, 83, 116 exclusão na antropologia 27 contextual 109 teoria do discurso 74, 77, 94, 95, 97, 98,
sociologia do conhecimento 116 exclusão na história 27 histórico 109
exclusão na psicologia 27 103, 136, 330
sociologia jurídica 83 tempo do crime 247 atemporalidade do discurso 99
solipsismo 28 exclusão na sociologia 27
tempo e ciência pós-moderna 109 condições de imparcialidade 100
identificação do 113
Stammler 153 interação do 115 tempo e ciências naturais 27 discurso ideal 100, 105, 118
Stegmüller 46, 47, 49, 123, 125 liberdade de escolha do 128 tempo e discurso 98 discurso ideal, ver também discurso ideal
Stratenwerth 157, 243, 334 103
na fenomenologia 116 tempo e reversibilidade 26
discurso moral 102
410 TEORIA DO INJUSTO PENAL Índice Remissivo 411

discurso prático 102 teoria sistêmica de Parsons 78 conceito de 145 tipos abertos 169
discurso prático 102, 103, 105 teoria sistêmica e injusto 149 estrutura 196 tipos qualificados pelo resultado 248
força do melhor argumento 100 tipo de injusto e antijuridicidade 179
teoria social da ação 159, 167 tipo subjetivo 155, 157, 161
melhor argumento 136 tipo de injusto e compreensão 62
melhor argumento e justificação 334 teoria social e causas de justificação 323 tipo total 149
resistência ao discurso 98 teorias procedimentais 94, 117, 118, 122 tipo de injusto e motivos 158 tipo total de injusto 183
utilidade do discurso 96 teorias procedimentais e Hume 125 tipo de injusto e norma limitativa 184 Toledo, Francisco de Assis 148, 258
validade universal do discurso 99 teoria subjetiva do injusto 166 tipo de injusto e realidade social 146 Tomás de Aquino 28
teoria do discurso e antijuridicidade 100 teorias volitivas do dolo 352 tipo de injusto e valores 214 topoi 66, 67
teoria do discurso e decisão 100 termodinâmica 85, 109, 113 tipo e antijuridicidade 145, 148, 160 Toulmin 95
teoria do discurso e opinião divergente 99 neokantismo 154
teste do ponto cego 121 Tourinho Filho, Fernando da Costa 260
teoria do discurso e sujeitos 99 relação 175
Thomasius 173 tráfico de drogas 181
teoria do encadeamento das causas 123 tipo e antijuridicidade em Beling 152
Thon 174, 198, 313
teoria do erro 69, 328 tipo e antijuridicidade no finalismo 158 U
Thyrén 265
teoria do injusto 145 tipo e bem jurídico 198 unidade da ordem jurídica 133, 135, 140
tipicidade 138, 139
base de formulação 140, 141, 142 conceito de 145
tipo e causas de justificação 168, 183 unidade do injusto 133, 134
pressupostos 137 conduta imposta 115, 134 tipo e comunicação 240 universalidade e estabilidade 133
teoria do injusto penal conduta proibida 141, 146, 166 tipo e condições de punibilidade 254 universalidade e injusto 123
base de formulação 137 conduta proibida 30, 105, 134 tipo e congruência 327
traços para uma 133 conduta proibida e finalismo 155 universalidade e lei 122
tipo e delitos dolosos no finalismo 155
teoria do injusto pessoal 158, 165, 167, descrição da conduta proibida 242
e participação democrática 121
tipo e deveres jurídicos 184 V
261 tipo e dolo 155
tipicidade e antijuridicidade 138, 147 vacuidade legal e linguagem 56
teoria dos elementos negativos do tipo 182 tipo e elementos da antijuridicidade 181
tipicidade e elementos negativos 147 valores 82
teoria dos fins da pena 135, 162 tipo e elementos normativos 242 e princípios 101
teoria do sistema político 78 tipicidade em Mezger 154
tipo e finalismo 159 quadro de 119
teoria dos precedentes 72, 73, 74, 105, tipicidade e ordem jurídica 181
tipo e funcionalismo 160 valores e conduta 115, 116
119 tipicidade e pré-compreensão 147
tipo e imputação 237 valores e finalidade 101
teoria dos signos 63 tipicidade e sistema fechado 148
tipo e interpretação 71 valores e Habermas 214
teoria estrutural-funcional 81 tipicidade e teoria causal 151
tipo em Beling 150 valores e sistema 82
teoria estruturalista 79, 81 tipo 72, 90, 100, 139, 145, 146, 147,
tipo em Jescheck 159 valores e sujeito 114, 129
teoria funcional de Luhmann 83 151, 153, 159, 184
características 241 tipo em Roxin 160 valores ético-sociais 166, 167, 207, 314,
teoria funcional-estrutural 78 como indício de antijuridicidade 151 tipo em Sax 161 342
teoria geral de sistemas 79 e injusto 134 tipo em Schmidhäuser 161 valores individuais 126
teoria geral dos sistemas 78 evolução do conceito de 149 tipo e neokantismo 152 valores sociais 82
teoria jurídica 72 modalidades 186 valores temporais 25
tipo e política 162
teoria procedimental 77, 95, 99 tipo como etapa do injusto 178 valor e universalidade 101
tipo e prevenção geral 148
teoria procedimental do injusto 140 tipo culposo 157, 241 Vázquez Sotelo 322
tipo e ratio essendi 154, 159
teoria quântica 26 tipo culposo e finalismo 157 verdade
tipo e resultado 244
teorias de sistemas 79 tipo de autor 167 construção da 120
tipo e sociedade 161
teorias do discurso 94 tipo de delito 72, 145, 151 verdade e aproximação 70, 71
tipo e tipicidade 146
discurso ideal 98 tipo de delito e erro 188 verdade e ciência 23
discurso ideal 97 tipo finalista 155
tipo de delito e imputação 261 verdade e decisão 118
discurso prático 97 tipologias estruturais 79
tipo de delito e juízos de valor 153 verdade e evidência 45
discurso teórico 97 tipo no sistema causal 150
força do melhor argumento 95 tipo de delito em Beling 151 verdade e falsidade 36
tipo objetivo 155, 161
teorias intelectivas do dolo 347 tipo de erro 186, 188 verdade e linguagem 117
tipo objetivo e tipo subjetivo 157
teoria sistêmica 77, 141 tipo de garantia 186, 187 verdade e relativismo 68
tipo omissivo e finalismo 158
precedentes 78 tipo de injusto 90, 176 verdade moral 125
tipo reitor 151, 186, 187
412 TEORIA DO INJUSTO PENAL

verossimilhança 67
verossimilhança e retórica 65
versari in re illicita
e Jakobs 250
Viehweg 65, 75
Viète 221
violação de correspondência 181
violação de segredo profissional 181
virtudes artificiais
em Hume 125
virtudes naturais
em Hume 125
vítimo-dogmática 171
Von Aster 23, 57, 58, 60, 108
Von Bar 273
Von Buri 265
Von Kries 273
vontade do legislador 44, 66
Von Weber 165

W
Warat 48, 64, 119, 241
Watzlawick 221
Weber, Ulrich 243
Weinkauf 126
Welzel 152, 155, 156, 157, 158, 199,
207, 266, 314, 357
Wessels 159, 254, 299
Wessels/Beulke 254, 266, 275, 298, 307,
323, 325, 334, 336, 348, 350, 353
Whitehead 222
Wiener 79
Wittgenstein 28, 29, 48, 50, 55, 113,
122, 186, 232, 233
Wohlers 232
Wright 48, 50, 51, 52

Z
Zaffaroni 100, 133, 176, 180, 198, 213,
334, 336
Zielinski 313, 316
Zipf 156, 188

Teoria

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