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Estratégia para o movimento estudantil no Brasil: primeiro

ensaio

Setembro/2020

1. Qual é o papel das lutadoras e lutadores anarquistas no movimento estudantil?


Entre o conjunto de iniciativas e propostas do movimento estudantil, quais tarefas
devemos priorizar? Que linha política devemos defender? Que conquistas são possíveis
para a luta estudantil dentro do sistema de dominação em que vivemos? E, ainda mais
importante, quais lutas apontam caminhos para sua superação? Com quais setores
podemos estabelecer alianças e acordos?

2. Essas são algumas das perguntas que levaram a militância estudantil da


Coordenação Anarquista Brasileira (CAB) a buscar responder: "De que forma a frente
estudantil constrói poder popular?". Ou, em outras palavras, "Em que a frente estudantil
pode contribuir para alcançar nossos objetivos finalistas?". É o que tentaremos discutir
neste texto.

3. Desde o Congresso de Fundação da CAB, em 2012, já apontamos que nossa


estratégia geral:
"(...) baseia-se nos movimentos populares, em sua organização, acúmulo de força, e na
aplicação de formas de luta avançada, visando chegar à revolução e ao socialismo
libertário. Processo este que se dá conjuntamente com a organização específica
anarquista que, funcionando como fermento/motor, atua conjuntamente com os
movimentos populares e proporciona as condições de transformação. Estes dois níveis
(dos movimentos populares e da organização anarquista) podem ainda ser
complementados por um terceiro, o da tendência, que agrega um setor afim dos
movimentos populares. Essa estratégia, portanto, tem por objetivo criar e participar de
movimentos populares defendendo determinadas concepções metodológicas e
programáticas em seu seio, de forma que possam apontar para um objetivo de tipo
finalista, que se consolida na construção da nova sociedade". (Declaração de
Princípios - Coordenação Anarquista Brasileira)
4. Além disso, nosso texto "Para uma teoria da estratégia", de 2016, nos oferece um
marco analítico para pensar a estratégia como o caminho entre o tempo presente,
marcado por uma determinada estrutura social e uma conjuntura, e o horizonte de
sociedade que defendemos, o socialismo libertário. Nessa estrada, uma estratégia geral
se desdobra e se adapta em diferentes táticas, mais flexíveis, capazes de responder às
mudanças conjunturais e estruturais da sociedade de dominação.

5. É a partir de uma determinada interpretação da estrutura social e de nossa


conjuntura, em particular no que toca às instituições de ensino, que a Frente Estudantil
pode pensar em como ela responde às tarefas indicadas por nossa estratégia geral.

PREMISSAS
(tentando calibrar nosso marco analítico)

sobre a universidade

6. Na sua versão ocidental, as universidades se constituíram historicamente como


espaços fundamentais para a edificação, solidificação e sustentação de projetos
hegemônicos de sociedade.

7. Desde os seus primórdios no ocidente, a luta pela autonomia é uma marca


distintiva desta instituição.
8. A instituição também se caracteriza, em geral, como um dos locais privilegiados
para o pensamento progressista, para a produção de novas ideias e para o embate com o
sistema social.

9. Com a consolidação da ordem burguesa e graças ao dinamismo inerente ao


capitalismo, a maior parte da inovação promovida pela universidade está a serviço da
reprodução do capital.

10. Isso faz com que a luta pela autonomia universitária seja bastante ambígua e
capaz de ser disputada pelos agentes que possuem força social.

11. Em função da inexistência de um setor de intenção revolucionária com atuação


consequente dentro da universidade, esse debate costuma ser pautado por setores sociais
que são – em teoria – progressistas, mas que na prática tratam as classes populares como
responsáveis pelos problemas do mundo, por não partilhar da “iluminação
universitária”; ou, ao menos, como setores incapazes de agir em prol das mudanças
necessárias.

12. O que importa frisar é que, apesar da instituição ser uma peça-chave para a
sustentação da ordem vigente, ela também possui potencial para a contestação da
sociedade de classes. Embora consideremos que ela pode prestar serviço para a
edificação de uma ordem pós-capitalista, sabemos que não é de seu seio que surgem os
movimentos de massas capazes de uma ruptura na sociedade de classes.

sobre os docentes

13. Nenhuma categoria de trabalhadores/as é essencialmente reformista,


revolucionária, reacionária ou qualquer outra posição ideológica, logo, as constatações
sobre a movimentação de determinado grupo de trabalhadores se faz a partir da análise
num determinado recorte histórico e de avanço de consciência. Pode-se então afirmar
que a categoria dos docentes universitários apresenta uma atuação corporativista.
14. O corporativismo docente tende a ser maior ou menor de acordo com o nível de
participação e envolvimento que a categoria mantém com determinado projeto de
sociedade.

15. Dada a possibilidade de se dedicarem exclusivamente à construção de acúmulo


intelectual, assim como a produção e a reprodução do conhecimento que será
transmitido em outras instituições de ensino, a categoria se configura como uma elite no
plano cultural/intelectual. Portanto, a categoria guarda importante relevância dentro da
construção de currículos que formarão – técnica e ideologicamente – a mão de obra
qualificada.

16. Esta condição privilegiada tem relação direta com que marcam a categoria na
sociedade burguesa, onde ela é uma peça fundamental na conservação da ordem
estabelecida.

17. Em função dessa condição privilegiada, no atual momento histórico, costumam


ser refratários às mudanças dentro da instituição. O que tem transformado a categoria se
não em um inimigo, pelo menos em um adversário na disputa pela hegemonia dentro da
universidade em diversos momentos. Ainda que paralelamente a tal posição da
categoria, o sindicato nacional – ANDES – tem sido forte aliado nos processos de luta
em defesa de uma universidade pública, gratuita, de qualidade e com maior autonomia e
democracia interna.

18. Apesar disto, cabe destacar que com o avanço da precarização e estratificação do
trabalho docente, a possibilidade de dedicação exclusiva à construção de acúmulo
intelectual tem sido retraída e a categoria tem se tornado cada vez mais heterogênea. E
embora havendo um sentimento de superioridade da categoria dentro da comunidade
acadêmica, que a leva a apresentar os menores níveis de engajamento com uma proposta
que expresse a perspectiva das/os de baixo, atualmente já é possível observar algumas
mudanças de perfil entre as/os docentes mais jovens e precarizadas/os, com contratos
temporários e instabilidade.

19. Havendo um setor mais combativo e disposto à luta entre as/os docentes
universitárias/os, setor este que tende a crescer com a deterioração das condições de
trabalho da categoria, abre-se possibilidades de unidade entre as frentes de luta
estudantil e sindical na defesa da universidade que fortaleça o povo.

sobre os estudantes

20. Ainda que nos países centrais do capitalismo haja uma estrutura excludente de
acesso e permanência nas universidades (em alguns destes países nem havendo
universidade gratuita), este caráter se constata também na universidade dos países de
capitalismo dependente. Sendo assim, a origem social do segmento estudantil nas
instituições financiadas pelo Estado se dá predominantemente entre os setores medianos
da sociedade.

21. Contudo, é importante notar que nos últimos 10 anos vem havendo uma
mudança do perfil das/os estudantes brasileiras/os nas universidades públicas devido às
políticas de acesso e expansão das vagas, fazendo com que a maioria dos estudantes
tenham que trabalhar para se manter na universidade, e advenham de famílias com
orçamento familiar menor que 1,5 salário mínimo e uma parcela significativa de
estudantes provindos de escolas públicas. Contudo, este acesso não está acompanhado
de políticas de permanência e assistência estudantil capazes de garantir que este novo
perfil de estudante possa se dedicar a sua educação, gerando uma série de contradições
com a estrutura excludente da universidade.

22. A categoria estudantil tende a comportar (em alguma medida conforma) um


expressivo setor com perspectivas revolucionárias no âmbito político, cultural ou
comportamental.

23. Em diversos contextos de acirramento das lutas a condição da estudante que é


trabalhador/a em formação dentro da sociedade capitalista se desdobrou na formulação
de uma crítica ampla e radical ao status quo social.

24. Na América Latina o segmento estudantil, pautado por uma perspectiva classista
e antirracista, possui uma forte tradição de envolvimento com as lutas sociais de
orientação anti-imperialista.
25. Um trabalho político sólido, sério e consequente, calcado em uma perspectiva de
intenção revolucionária, tende a frutificar dentro deste segmento.

ETAPA HISTÓRICA

26. A partir da década de 1970, o imperialismo ocidental formula uma nova


estratégia para recuperar as perdas sofridas nos momentos de maior recrudescimento da
luta de classes, motivado pela perda de influência da URSS. Esta estratégia foi
denominada de neoliberalismo e o seu objetivo principal é recuperar o poder econômico
e político perdido pela burguesia no Ocidente durante o pós-guerra, com as concessões
promovidas através do arranjo conjuntural que configurou o estado de bem-estar social.

27. A estratégia neoliberal, portanto, tem por principal objetivo a liquidação dos
direitos sociais (educação, saúde, previdência, etc.) conquistados pela classe
trabalhadora, enquanto a luta pela hegemonia global tinha um forte contraponto no
oriente.

28. A implementação dessa estratégia teve como laboratório o Chile de Pinochet,


quando os adeptos de Milton Friedman reestruturaram a economia sob uma dura
orientação neoliberal. Desde então, os órgãos multilaterais através dos quais os EUA
construíram a sua hegemonia, vêm tentando exportar um receituário macroeconômico
que encontra no caso chileno a sua expressão mais extrema.

29. As investidas neoliberais chegaram na América Latina de forma mais ampla e


explícita depois que os militares deixaram o poder. A era neoliberal no Brasil tem nos
governos de Fernando Collor, Itamar Franco e FHC as experiências históricas em que
de variadas formas foi construído um alinhamento da economia nacional com a
orientação neoliberal.

30. Governos como o de Carlos Menem, na Argentina; Carlos Salinas Gortari, no


México; Alberto Fugimori, no Peru e Andreas Pérez na Venezuela, demonstram a
magnitude da guinada neoliberal do continente. Estes governos também demarcaram
um ciclo de organização e ascenso dos setores contrários ao neoliberalismo, já que em
todos os lugares em que os efeitos “sócio-destrutivos” das políticas neoliberais foram
sentidos houve luta de resistência.

31. Os protestos do Caracazo contra as medidas econômicas do governo de Carlos


Andrés Pérezem 1989, na Venezuela; o levante do Ejército Zapatista de Liberación
Nacional (EZLN) em Chiapas em 1994; as manifestações em várias partes do mundo na
Ação Global dos Povos contra as medias do Fundo Monetário Internacional (FMI) e em
Seattle em 1999 contra a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC); o
movimento Piquetero na Argentina entre os anos de 1996 e 2002 reunindo em grande
parte trabalhadores desempregados contra as medidas fiscais e de câmbio, que levaram
o país a uma grande recessão econômica; na Bolívia os conflitos conhecidos como
Guerra del Agua em 2000 contra a privatização do sistema municipal de gestão e
abastecimento da água na cidade de Cochabamba e em torno da Guerra del Gasque
ocorriam desde meados da década de 90 e tem o auge no conflito de outubro de 2003
contra a exportação e controle do gás natural por multinacionais estrangeiras são alguns
exemplos expressivos que ajudam a ilustrar o barril de pólvora em que o continente se
transformou ao longo da década de 1990 e nos anos iniciais do século XXI com a
adoção do projeto neoliberal.

32. Este ascenso foi contido pela chegada da socialdemocracia aos governos da
maior parte dos países da América Latina através de frentes populares. E assim como o
estado de bem-estar social teve que ser engolido pelas elites, na mesma lógica de dar os
anéis para conservar os dedos, o avanço das frentes populares teve que ser mais ou
menos tolerado de acordo com o caso. Enquanto em países como Brasil, Argentina e
Uruguai ocorreram casos de governos com apoio popular, porém com uma agenda
ligada aos interesses da burguesia naquele momento; outros países como Venezuela e
Bolívia tiveram processos políticos que empurraram a disposição das forças sociais para
além do que desejava a burguesia, obrigando um grau de tolerância a contragosto.

33. Não obstante, os governos socialdemocratas foram extremamente coniventes e


em alguns casos foram inclusive influenciados pela lógica neoliberal. Com o
aprofundamento da crise em 2008, a disputa pela hegemonia global passou a se dar de
forma mais franca, com a investida do bloco eurasiático sobre a América Latina, um dos
elementos que contribuiu para o recrudescimento da política imperialista dos EUA
(retomando uma perspectiva mais próxima do imperialismo clássico), cujas manobras
passam a ser muito nítidas a partir de 2009 com o golpe contra Manuel Zelaya em
Honduras.

34. Apesar das especificidades de cada país, os desgastes acumulados pelas frentes
populares após, pelo menos, 10 anos de inconteste hegemonia no subcontinente,
facilitaram a ascensão da direita serviçal que se alinhou com essa perspectiva
imperialista mais incisiva. E o fato das frentes populares que chegaram ao poder não ter
realizado uma alteração significativa da desigual estrutura socioeconômica latino-
americana e ter se adaptado perfeitamente ao fisiológico “toma lá, da cá” dos
operadores políticos do andar de cima foi magistralmente utilizado para o seu desgaste e
derrubada.

35. Pela primeira vez na história surgiram na América Latina empresas que
acessaram o clube mais restrito da burguesia mundial. Os problemas estruturais próprios
do desenvolvimento da industrialização tardia pareciam estar sendo contornados por
estas empresas que começavam a diversificar as suas inversões por variados países do
subcontinente, assim como da África.

36. O esgotamento do ciclo econômico favorável para as commodities a nível


internacional também teve a sua importância. O superávit da balança comercial
experimentado no período de 2002 a 2014, quando houve uma supervalorização dos
produtos primários, permitiu que, no caso brasileiro, o governo petista facilitasse o
acesso ao crédito para as camadas historicamente excluídas do ciclo de consumo de
bens de consumo duráveis e a realização de imponentes obras de infraestrutura, que
foram fundamentais para o aquecimento do mercado de trabalho e da melhoria
conjuntural nos níveis de vida da classe trabalhadora.

37. Contudo, como o governo petista não foi capaz de trabalhar para alterar a
inserção do país na economia mundial, quando o “ânimo” do comércio internacional
mudou, a fragilidade própria a uma economia de matriz primária inviabilizou a
manutenção da política macroeconômica até então realizada. E na impossibilidade de
manutenção da concessão de crédito, em função do endividamento das famílias e com a
finalização da maior parte das grandes obras, o “ciclo virtuoso” experimentou um
esgotamento.

38. A Operação Lava-jato incidiu sobre o centro nevrálgico da política econômica


socialdemocrata, as enfraquecidas transnacionais brasileiras (Odebrechet, Camargo
Correa, Andrade Gutierrez, entre outras menores, assim como sobre o grupo JBS-
Friboi).

39. Com a derrubada do petismo (que ocorreu com a própria participação


fundamental do PT neste processo) tivemos uma clara aceleração na aplicação da
agenda neoliberal. Os ataques aos direitos sociais foram multiplicados e a sua
intensidade amplificada.

CONJUNTURA DA EDUCAÇÃO

40. No cenário internacional, as tendências para os projetos vigentes de universidade


apontam sua aproximação cada vez maior a um modelo empresarial. Alguns exemplos
disso são o foco na produção de "resultados" produtivistas mensurados através de
rankings internacionais; a venda do nome das universidades como marcas comerciais
que estampam cursos, times de esportes, produtos e grupos de investimento; a disputa
internacional para receber maior quantidade de estudantes estrangeiros e suas
mensalidades; a troca de reitores e gestores de carreira docente por gestores
empresários, tecnocratas ou mesmo acionistas da marca universitária; e o avanço
crescente para a venda de cursos EAD, em particular no modelo "MOOC", de público
ilimitado e com interação completamente virtual.

41. No Brasil, apesar da intenção de instituições como USP, Unicamp ou UFMG em


disputar esse patamar, nenhuma universidade está na primeira linha das chamadas
"Universidade de Classe Mundial", aquelas que figuram entre as 200 melhores nos
rankings internacionais. No entanto, isso não significa que elas não sejam afetadas por
essas tendências e busquem também adaptá-las para nossa realidade.

42. Nas últimas duas décadas, as principais transformações no cenário universitário


brasileiro vieram das políticas públicas dos governos do PT, em particular o ProIes, o
ProUni que amplia lógica similar ao já existente FIES, e o REUNI. Elas revelam em seu
conjunto o uso de recursos públicos para fortalecer as grandes corporações nacionais da
educação privada. O maior símbolo é a atual Cogna (antiga Kroton-Anhanguera), que
surfou nessas políticas e chegou ao posto de maior empresa de educação do mundo, ao
lado de outras “campeãs nacionais” monopolistas como Estácio, Ânima Educação e
Grupo Ser Educacional.

43. O repasse público para o ensino superior privado cresce, via renúncias fiscais e
FIES, desde 2003 e ultrapassa o valor destinado às universidades públicas após os
efeitos da Emenda Constitucional 95. De 2003 a 2016, o repasse às privadas cresceu
mais de 1000%, oito vezes mais do que cresceu o investimento nas públicas. As
matrículas no setor privado também crescem mais do que no setor público. No final dos
anos 2010, cerca de 75% das/os estudantes estavam nas privadas, onde são maiores os
índices da modalidade EAD e, em geral, onde a educação é mais precarizada. Esse
avanço da EAD se dá, em especial, nas licenciaturas.

44. Com a drástica redução das verbas públicas via programas como FIES e ProUni
a partir de 2013, essas megacorporações da educação superior privada avançam agora
com cada vez mais força para a compra de escolas, editoras, produção de materiais
didáticos, pacotes de formação docente, etc, levando assim seu projeto privado
monopolista e precarizante para a educação básica, particularmente de olho nas receitas
da rede pública.

45. Em seu conjunto, o sentido dessas políticas aponta para a educação como uma
commodity, uma mercadoria aos moldes de qualquer outra submetida ao mercado
financeiro, processo que tem importante marco na definição da educação como parte do
acordo TiSA da Organização Mundial de Comércio, já nos anos 1990. Nesse sentido há
forte papel da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
que coordena o PISA, programa de avaliação de alunos que gera uma classificação
internacional entre os países com o objetivo expresso de influenciar políticas e
resultados educacionais. A prova passa a ser realizada bianualmente no Brasil a partir do
ano 2000.
46. O Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI)
promulgado a partir do decreto Nº 6096/2007 nos marcos do governo Lula representou
o começo de um vertiginoso processo de ampliação do número de vagas das
universidades federais, tendo se tornado o baluarte propagandístico dos governos
PT/PCdoB e, consequentemente, de suas forças de juventude, principalmente a UJS,
que por dirigir a UNE, fez desta uma porta-voz acrítica do processo.

47. Acrítica, pois, ainda que o REUNI tenha garantido a interiorização de


universidades com a abertura de 85 mil novas vagas nas federais, muitas concentradas
no turno noturno e em licenciaturas; o programa não rompeu com os ditames
expansionistas do período FHC e das orientações do Banco Mundial (basta ver as
comparações de crescimento entre as redes pública e privada de ensino superior). Dessa
forma o REUNI criou uma falsa democratização, pois ao ampliar a entrada de
estudantes sem garantir um proporcional avanço das políticas de permanência estudantil
levou a um crescimento vertiginoso da evasão dos estudantes, e com esta evasão
focalizada entre os mais pobres pode-se mesmo afirmar que se trata da exclusão desses
estudantes.

48. Sem políticas de permanência e com o PNAES cada vez mais incapaz de suprir
as demandas estudantis, a juventude universitária pobre se viu lançada a subempregos, a
estágios com baixa remuneração e ao mercado informal, reduzindo não só as
possibilidades de participação acadêmica, como também de envolvimento político.
Como resultado tivemos ao menos dois desdobramentos importantes: i) o esvaziamento
da base dos espaços estudantis, consolidando direções distanciadas, reduzindo a força
do movimento estudantil; ii) redução da capacidade de debate do modelo universitário
que garanta o poder popular e até mesmo redução da capacidade de defesa deste atual
modelo.

49. Portanto, pode-se afirmar que ao não romper com o programa dos órgãos
internacionais do capitalismo e propalar o REUNI como o mais avançado programa de
democratização do ensino superior público, a social-democracia fundou as bases sólidas
da miséria política na qual a direita pode erigir seu palacete de ataques e privatizações
capazes de soterrar os poucos avanços obtidos pelo programa.
50. Um dos efeitos da direção dos órgãos do capitalismo global sobre o REUNI é o
tipo de curso criado. Apesar da criação de diversas vagas em licenciaturas noturnas
houve preferência pela criação de cursos nas modalidades bacharel e tecnológico, com
reforçamento da educação a distância. Com os cursos tecnológicos à distância tendo
apresentado um crescimento de 377,78% entre 2008 e 2016, saindo de 162 para 612
cursos no território brasileiro. Vale ainda destacar que estes cursos são mais enxutos,
com currículos voltados à formação de mão de obra qualificada, servindo aos interesses
diretos do capital.

51. Dois outros efeitos podem ser observados: um que diz respeito à docência e
condições de trabalho: aumento da relação de estudante/professor pois não houve o
devido crescimento no número de contratações, que precariza e sobrecarrega docentes
universitários, também piorando a qualidade da educação (efeito no qual não nos
debruçaremos por entender que o debate diz respeito ao GT sindical). O outro efeito é a
baixa qualidade da infraestrutura física dos campi criados, muitos sendo alocados em
escolas antigas, prédios abandonados cedidos por prefeituras e até mesmo em
contêineres, sem a construção de moradias, creches, bandejões, laboratórios e demais
estruturas necessárias não só à garantia de assistência estudantil, mas também à própria
ação pedagógica. O saldo de obras do REUNI é um amontoado de paralisações e poucas
conclusões, com prédios com rachaduras, infiltrações e alguns com risco de uso.

52. Outro marco nas últimas décadas para as universidades públicas são as políticas
de acesso para os povos oprimidos por meio das ações afirmativas no ingresso,
resultado legal de um processo longo de lutas populares, principalmente do movimento
negro. A Lei 12.711/2012 prevê 50% das vagas para estudantes de escolas públicas,
pretas/os, indígenas ou com deficiência, pautada no Estatuto de Igualdade Racial de
2010. Aliada às leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que instituem no currículo oficial das
escolas o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, a garantia de ações
afirmativas para acesso às universidades marca uma mudança no perfil das/os
estudantes, rompendo com a narrativa da elite branca de que o ensino superior seria sua
exclusividade. No entanto, as políticas de permanência foram totalmente insuficientes
nesse processo e a evasão das mais pobres ainda ocorra com frequência.
53. Os avanços neoliberais no ensino público superior são fortemente pautados no
“inovacionismo”, movimento que coloca a produção de inovações no centro da
produção científica, como objetivo primordial. Inovações seriam então invenções
rentáveis, aplicáveis pela indústria para obtenção de lucro. Isso coloca as instituições
públicas de ensino, que em 2019 produziram mais de 95% da ciência no Brasil, à mercê
dos interesses comerciais, ditando para onde são direcionadas as pesquisas. Medidas
como o FUTURE-SE, no final de 2019, e o fim das bolsas do PIBIC em áreas de
ciências humanas e de ciências da natureza não aplicadas à tecnologia, promulgado no
primeiro semestre de 2020, refletem também essa influência. Na esfera governamental,
uma medida de fomento ao “inovacionismo” foi o Marco Legal da Ciência, Tecnologia
e Inovação, lei nº 13.243/2016, cujo texto propagandeia a mercantilização da ciência e
estabelece objetivos comerciais para a produção científica de forma escancarada.

54. O avanço das Parcerias Público-Privadas, normalmente realizadas em


contratações pontuais de serviços e empresas, principalmente via pregão, ganha nova
força com as Organizações Sociais. Elas são formalizadas a partir do final dos anos 90,
na lei nº 9.637/1998. São pessoas jurídicas de direito privado cujas atividades sejam
dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e
preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. Na prática, a implementação de OS’s
transfere à esfera privada a administração de bens públicos e estão difundidas na
administração da educação básica em estados como Minas Gerais a partir de 2018. De
forma similar, se intensificam as PPP na administração de Hospitais Universitários pela
EBSERH a partir de 2011.

55. A EBSERH, Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, foi formalizada pela


lei nº 12.550/2011. A partir de sua fundação há uma progressiva tomada dos Hospitais
Universitários Federais (HUF) vinculados a instituições de ensino superior. Esse
processo foi marcado por resistência de trabalhadores, estudantes e comunidades
atendidas por esses hospitais. Consequências como a precarização dos contratos dos
trabalhadores e regimes de atendimento nos hospitais motivaram greves e mobilizações
logo após a adesão da EBSERH em alguns hospitais. Em 2020 a EBSERH é
responsável pela administração de 40 HUF’s.
56. O governo de Michel Temer (2016-2018) atingiu seriamente as universidades
com o aumento da desigualdade em todo o país e com a aprovação da chamada PEC da
Morte (EC 95/2016), que não apenas rebaixa os investimentos na educação e no
presente de milhões de brasileiros, como compromete o futuro de várias gerações de
estudantes.

57. A destruição das relações de trabalho, o aumento do desemprego e a redução de


concursos públicos pós-2014 colocaram a disputa pelas bolsas de pós-graduação e a
carreira acadêmica como alternativa de sobrevivência para um setor da juventude
precarizada que ascendeu à universidade, especialmente nas licenciaturas de
humanidades, o que mudou muito o perfil das e dos pós-graduandos. O paradoxo é que
o mesmo ajuste fiscal sentido no mercado de trabalho causa também, mais
recentemente, a ameaça à própria ideia antes consolidada de "carreira" na academia, em
uma conjuntura que esmaga a pesquisa, corta vagas e recursos na pós-graduação e
inclusive menospreza a ciência.

58. A gestão nefasta de Bolsonaro e seus diferentes ministros (em especial o olavista
Weintraub), além da manutenção e ampliação dos cortes de bolsas e de verbas em níveis
históricos, que chegaram a ameaçar a existência das IFES no primeiro ano de governo,
foi além e passou a interferir politicamente na gestão dos estabelecimentos de ensino,
nomeando padrinhos não eleitos para reitorias e agências de fomento (como CAPES e
CNPq);

59. A entrada de Jair Bolsonaro alçou ao Ministério da Educação (MEC) toda uma
equipe técnica composta diretamente por indicação de Olavo de Carvalho, que passa a
buscar seu projeto de "guerra cultural" ideologização do conhecimento acadêmico,
controlando os incentivos de pesquisa e garantindo o fortalecimento de projetos e
iniciativas, sobretudo nas ciências humanas, embasados no revisionismo histórico, nas
teorias de supremacia branca e em pressupostos conservadores.

60. Apesar da dificuldade de se inserir nas universidades, conservadores e olavistas


estão crescendo muito no mercado editorial e com veículos de mídia próprios, com
grande presença nas redes sociais, traduzindo material do exterior e disseminando suas
ideias, com a pretensão de formular um campo teórico do conservadorismo nacional.
ONDE QUEREMOS CHEGAR?

61. Por nos orientarmos pela construção do poder popular, pretendemos no longo
prazo construir uma sociedade que se paute pelo socialismo libertário autogestionário.

62. Mas temos plena consciência de que tal tarefa demanda um esforço gigantesco,
próprio de uma guerra de longa duração, que não poderá ser vencida se cultivarmos a
ilusão de que a vitória está ao alcance das mãos.

63. Para isto é fundamental entender o estágio em que nos encontramos em termos
de acumulação de força social. Neste sentido é preciso ter muito claro que, no curto
prazo, o nosso objetivo é oferecer o máximo de resistência possível às investidas
neoliberais, conservadoras e coloniais que se acentuam na região.

64. Para isto é necessário não apenas crescermos enquanto alternativa anticapitalista
e nos alçarmos como uma opção para os setores progressistas, assim como trabalhar
para alterar a correlação de forças entre os setores progressistas. Diante disto, para o
médio prazo temos como principal desafio apresentar um caminho para a superação da
experiência da social-democracia no governo.Será necessário demonstrar que os limites
e equívocos do petismo não são um raio num dia de céu azul, mas são erros recorrentes
na história da social-democracia no ocidente. Ou seja, precisamos construir uma
narrativa e um programa consistente que tenha no seu cerne a defesa do socialismo
libertário autogestionário.O que se dá tanto pela disputa contra este setor, para avanço
dos princípios libertários no setor organizado, quanto pela atuação no sentido de
organizar os setores não organizados da categoria estudantil, em especial aqueles
oriundos das classes oprimidas.

65. No longo prazo temos como principal tarefa a construção de um bloco que
inclua os setores de intenção revolucionária e onde os grandes debates de ordem
estratégica em chave anticapitalista deverão ser travados, com o objetivo de orientar os
movimentos de massa, que a esta altura já deverão estar libertos da hegemonia social-
democrata.
AS TAREFAS DA FRENTE ESTUDANTIL

66. Em linhas mais gerais, identificamos como papel da Frente Estudantil quatro
grandes tarefas: 1) disputar o sentido dos currículos e o conjunto da formação recebida
pelas classes oprimidas dentro das instituições educacionais; 2) colocar essas
instituições a serviço da classe trabalhadora, organizada nos movimentos sociais e lutas
populares, através de seus posicionamentos institucionais, estrutura e recursos; 3)
aglutinar estudantes enquanto uma força social capaz de apoiar as demais lutas sociais;
e 4) aproximar e formar militantes que seguirão atuando em outras de nossas frentes
após seu período como estudantes.

67. Damos exemplos do que significa essa disputa pelo currículo quando propomos
debates sobre reforma da previdência ou história do movimento estudantil em uma
semana acadêmica; quando incluímos uma disciplina de Estudos Afro-Brasileiros ou
Direitos Trabalhistas em nossa reforma curricular; ou mesmo quando escrachamos a
postura de um professor assediador ou de extrema-direita. Entra aqui, também, a tarefa
prioritária da luta por acesso e permanência nas universidades, trazendo para dentro o
povo negro, indígena, quilombola, trans, classes oprimidas em geral e seus
conhecimentos e saberes. É apenas pelas próprias mãos desses setores que as
instituições educacionais podem ser colocadas a serviço da nossa classe.

68. Damos exemplos do que significa essa disputa por posicionamento institucional
ou estrutura e recursos quando fazemos com que nossa Universidade rejeite o Future-se
ou use sua cadeira no Conselho de Educação para se posicionar contrária à Reforma do
Ensino Médio; quando conseguimos mobilizar na universidade um parecer técnico a
favor de um quilombo ou aldeia buscando demarcação ou um artigo acadêmico
denunciando a má qualidade das moradias feitas no Minha Casa, Minha Vida na nossa
região; quando conseguimos verba para levar ônibus num encontro estudantil ou
popular, para projetos de extensão popular, para realizar um Estágio Interdisciplinar de
Vivência com a Via Campesina, ou mesmo com a montagem de palco e estrutura física
da universidade em um evento do movimento social numa ocupação ou parque público
ameaçado pelo capital imobiliário. Inclusive, entra aqui a luta por manter nossos campi
abertos para a comunidade como áreas de lazer e socialização.
69. Damos exemplo do papel da frente estudantil enquanto força de apoio para
outras lutas quando conseguimos mobilizar o movimento estudantil para ajudar em um
piquete na porta de fábrica ou da garagem em uma greve; quando fechamos uma
rodovia em dia de greve geral; quando criamos uma aliança com as trabalhadoras
terceirizadas por seus direitos trabalhistas; mas também em ações de apoio de maior
inserção, como um projeto de extensão ou um cursinho popular na comunidade ou no
campo.

70. A formação de militantes através da luta estudantil se desdobra de diferentes


formas. Idealmente formando militantes para a organização ou para o agrupamento de
tendência, mas também formando militantes para outros espaços e frentes onde não
estamos especificamente ou que já atuam em outras frentes e que entram no âmbito
universitário, trazendo consigo suas práticas e debates que devem ser integrados à luta
estudantil. Ainda, mesmo sem formar militantes, quando nossa disputa por currículos
mais críticos acaba formando trabalhadoras e trabalhadores com perspectivas mais
próximas às nossas em sua atuação cotidiana.

71. Cada realidade local e momento histórico responderão quais das tarefas acima
ganham prioridade. Elementos como a força dos ataques privatistas ou conservadores
nas instituições educacionais; a capacidade de luta demonstrada pelo movimento
estudantil no período; a proporção da população local que integra a comunidade
universitária; a capacidade de inserção e intervenção social das instituições educacionais
locais; os espaços prioritários para influência da organização política dentro de sua
estratégia geral (determinadas categorias de trabalhadoras ou regiões das cidades, por
exemplo). Independente das prioridades apontadas, em todos os locais onde atuamos
nas lutas estudantis, o conjunto das tarefas descritas acima como papel da Frente
Estudantil estará sempre envolvido.

FRENTE ESTUDANTIL E TENDÊNCIA

72. Todas as formas de disputa citadas se inserem dentro do escopo da disputa pela
hegemonia da universidade, que se mantém atualmente como espaço privilegiado de
disseminação e reprodução das ideias dos de cima, ainda que seja também espaço de
críticas com bases progressistas. Disputa esta que vai para além do campo das ideias e
se concretiza na luta por espaços e por poder que deve colocar em xeque o projeto
burguês a partir de experiências populares. Nesse sentido, a construção do poder
popular nas universidades passa pelas disputas supracitadas e encontra seu ápice na
colocação das estruturas universitárias para operar sob as necessidades de nossa classe,
ou seja, pela tomada material e de gestão destes centros de produção de conhecimento.

73. Para termos efetividade nesta disputa, nos organizamos através dos
agrupamentos de tendência e dessa forma obtemos maior potência para a disputa em
meio ao movimento, tanto por ampliar a militância que atuará conosco, pois esta não
precisará ser anarquista especifista, quanto por organizar esta militância para a disputa.

74.  Uma avaliação da experiência acumulada da atuação da CAB no meio estudantil


indica que a ferramenta de tendência tem sido o caminho mais utilizado pelas
organizações específicas para desenvolver o trabalho, gerando agrupamentos que, em
alguns casos, foram capazes de aproximar dezenas de companheiras fora da específica,
avançar para outras cidades e persistir no tempo. Entendemos que isso tem relação com
a militância da específica ter sabido utilizar as especificidades da luta estudantil para
avançar na atuação, tais como o ritmo mais rápido de aproximação e desenvolvimento
nas lutas; a relação frequente das bases com diversas forças políticas concorrentes e a
necessidade de organização para evitar ser massa de manobra; e a realidade de que a
maioria das lutadoras está recém se formando militante e, muitas vezes, ainda não
encontrou uma ideologia política com a qual se alinha com confiança.

75. É essa potência do agrupamento de tendência que, para exercer sua força limite,
deve rumar à conformação de um campo combativo estudantil nacional, com
envolvimento às demais frentes de luta, e com capacidade de influenciar os rumos do
movimento estudantil e a solidariedade de classe, imprescindíveis para avançar em
direção ao poder popular.

76. No entanto, por se tratar de uma instância político-social – intermediária – não


será ela a responsável pela reflexão e execução da ruptura revolucionária, esta ruptura
só se viabiliza na relação entre as instâncias operativas de nosso projeto.

77. Entendemos que se aplica ao nível estudantil aquilo apontado pela FAU no texto
Sindicato e Tendência: “Os sindicatos significam um nível, primário e geral, de ação de
massas. As agrupações de tendência coordenadas entre si e enraizadas no conjunto de
setores mais combativos do povo, nos bairros, são um nível superior ao anterior. Mas a
transformação de fundo do sistema só pode ser conseguida na medida em que exista
uma organização especificamente política, capaz de disputar o  poder com as classes
dominantes. E para isso são necessários formas de organização e métodos de ação que
só em uma organização ideologicamente homogênea e apta para atuar em todos os
terrenos, pode se dar.”

78. Assim, a relação da frente da OE com a tendência deve se dar através do


estímulo do trabalho comprometido e disciplinado, sendo os militantes da OE as
referências de luta. Defendendo nosso estilo militante, que passa pela salvaguarda dos
princípios basilares do projeto e por nossa metodologia de trabalho, os quais só podem
se tornar traços próprios da tendência se estiverem vivos em nossas ações cotidianas,
mas também firmados em estatutos ou cartas orgânicas próprias a este nível.

MOVIMENTO ESTUDANTIL E REUNIFICAÇÃO DOS DE BAIXO

79. Por mais que a Universidade (e consequentemente o movimento estudantil)


possa desempenhar um papel importante dentro de uma estratégia de transformação
social orientada pelo acúmulo de forças no longo prazo, nenhuma estratégia que tenha o
objetivo de transformar a sociedade ampla e radicalmente pode se pautar numa única
instituição, ou numa única frente de luta.

80. Se nos pautamos pela construção do poder popular e entendemos que o poder
popular deve reorganizar a sociedade a partir do empoderamento dos de baixo, a partir
de espaços autogeridos, precisamos pensar em como fazer para articular as nossas
iniciativas dentro da universidade – e nas lutas pela educação de forma mais ampla –,
com as iniciativas que possuam orientações similares nos outros âmbitos em que os
setores periféricos caminhem na mesma direção.

81. Ter consciência disto é fundamental para que tenhamos uma compreensão mais
ampla e sólida das tarefas que temos pela frente. Pois, se um dos nossos objetivos no
médio prazo é nos apresentarmos como alternativa e construir um bloco anticapitalista
que possa fazer avançar uma agenda de intenção revolucionária, não temos como deixar
de incidir sobre este arranjo.

82. Neste sentido, cabe refletir sobre o papel que podemos desempenhar na
reunificação dos de baixo a partir do movimento estudantil.

83. Tendo em vista que os governos social-democratas assimilaram – quase


esvaziando de sentido – algumas pautas históricas da esquerda, como o combate à
desigualdade social (com os seus limites já apontados aqui anteriormente), entre outros,
como a democratização do acesso ao ensino superior.

84. Sem pretender aprofundar muito este debate (que deverá ser esmiuçado em outro
material de veiculação pública), é importante pelo menos fixar que a aventura petista
criou possibilidades diferenciadas para o ingresso de pretas/os e pobres na universidade.
Coisa que, apesar de toda a superestimação criada pelos setores democrático populares
(pois, ao passo que milhares de negras/os ingressavam na universidade gratuita, milhões
ingressavam nas privadas), de fato representa uma mudança de rota para a universidade
gratuita no Brasil; pois, historicamente o lugar deste sujeito social na universidade
sempre foi desempenhando afazeres braçais (cozinha, limpeza, segurança etc.), nunca
como estudante ou professor.

85. Todavia, apesar de todos os problemas inerentes à política educacional petista, a


entrada destes milhares de estudantes de origem social periférica na universidade
gratuita, pode propiciar interessantes possibilidades estratégicas.

86. Como foi dito inicialmente, a condição de estudante universitário é transitória (e


este sujeito se caracteriza na América Latina por uma significativa abertura para
perspectivas progressistas de cunho anti-imperialista). Como também foi dito agora há
pouco, as possibilidades para as/os pretas/os e pobres nas universidades foram
ampliadas no último período. Então, se juntamos estas duas variáveis, temos à mão uma
linha que permite incidir sobre a fragmentação dos de baixo no Brasil.

87. Para isto precisamos fixar 3 tarefas básicas: 1) trabalhar pelo ingresso de um
número cada vez maior de estudantes oriundos das camadas periféricas, a partir de
iniciativas independentes e autônomas; 2) garantir que o processo de preparação para o
ingresso na universidade prepare este sujeito para desempenhar um papel de agente de
transformação dentro da universidade; 3) denunciar sistematicamente o caráter de classe
da Universidade e do vestibular.

88. Obviamente que estas três orientações não dão conta de tudo. Para a nossa
atuação dentro da universidade, precisamos fixar algumas diretrizes que também são
fundamentais: 1) complementar a luta pelo acesso, com a luta pela permanência dentro
da universidade que é o maior desafio do estudante pobre; 2) lutar pelo direito da/o
estudante pobre se dedicar exclusivamente aos estudos (o que ampliará a sua
possibilidade de se envolver com as organizações estudantis); 3) vincular a universidade
às grandes questões dos de baixo a nível local (colocar a universidade a serviço das/os
de baixo), mas sem perder de vista a necessidade de construir uma perspectiva classista
em uma chave regional e internacional (já que trabalhador não tem pátria); 4) incidir
sobre o caráter transitório da condição estudantil, apontando para a necessidade da luta
ir além dos muros da universidade durante e após a graduação.

89. Preparar a militância para atuar dentro da universidade sem se descolar dos
grandes debates feitos pela sociedade implica manter um nível de relativa proximidade
com outras frentes de luta. Fomentar um estilo militante que busca trabalhar aberta e
deliberadamente pelo ingresso de setores periféricos na universidade, implica em
estimular nossas/os companheiras/os a desenvolverem trabalhos sociais com este viés.

90. Se trabalhamos dentro da universidade com compas oriundos das periferias e no


processo de luta construímos um sujeito que entende a importância de incidir no atual
arranjo social que fragmenta os de baixo em prol da exploração dos de cima, temos
melhores possibilidades para produzir em escala ampliada o processo de acumulação
silenciosa de forças em diversos lugares simultaneamente.

91. Ao lado deste tipo de orientação, cabe para as/os compas oriundas/os de outras
regiões e frações de classe a orientação de atuação no local de trabalho fortalecendo a
nossa proposta para o sindical, apoiando as iniciativas comunitárias ou a atuação junto à
frente agrária-territorial, junto às organizações feministas, de luta negra, a partir da
análise da organização sobre quais se mostrem mais promissoras. O fundamental é
garantir que a militância na graduação prepare a ponte para uma militância que deve
seguir pelo resto da vida.

92. Neste processo o papel da frente estudantil é essencial, pois, para o


funcionamento do nosso esquema teórico a interação interdependente entre os níveis
nos coloca à responsabilidade de prezar por estas diretrizes e formular propostas
concretas que permitam a sua efetivação. Sem que a frente trabalhe de acordo com o
que é de se esperar dela a partir da nossa orientação teórica, a chance da tendência se
esgotar no tático, ou, no nível local é concreta. No melhor dos casos, ficamos
dependentes de conjunturas favoráveis que ao trazerem bons militantes para tendência
colocam estas preocupações na ordem do dia. Por isto, no nosso trabalho devemos ter
clareza quanto à++ importância da consolidação e da renovação ampliada da frente. Se
a tendência cresce a frente deve crescer junto!

93. Neste processo, no médio prazo teremos a possibilidade de nos consolidar como
alternativa, acumulando força dentro e fora da universidade; amadurecendo um
programa com perspectiva de ruptura para o longo prazo.

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