Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
PROCESSO PENAL
SÃO PAULO
Pág. 7
SUMÁRIO
Abreviaturas, 17
Apresentação, 19
1 INTRODUÇÃO, 23
1.1 Considerações preliminares, 23
1.1.1 O Direito de punir, 23
1.1.2 Pretensão punitiva e lide penal, 25
1.1.3 O Processo penal, 26
1.2 Direito processual penal, 29
1.2.1 Conceito, 29
1.2.2 Características do Direito Processual Penal, 30
1.2.3 Posição enciclopédica, 30
1.3 Relações do direito processual penal, 31
1.3.1 Introdução, 31
1.3.2 Relações com o Direito Constitucional, 31
1.3.3 Relações com os demais ramos do Direito, 31
1.3.4 Relações com as ciências auxiliares, 33
1.4 História do direito processual penal, 33
1.4.1 O processo penal na Grécia, 33
1.4.2 Direito romano, 34
1.4.3 Direito germânico, 35
1.4.4 Direito canônico, 35
1.4.5 O processo penal moderno, 35
1.4.6 O processo penal no Brasil, 36
1.4.7 Evolução doutrinária, 38
1.5 Princípios do processo penal, 39
1.5.1 Finalidade do processo penal, 39
1.5.2 Sistemas processuais, 40
1.5.3 Princípio do estado de inocência, 41
1.5.4 Princípio do contraditório, 43
1.5.5 Princípio da verdade real, 44
1.5.6 Princípio da oralidade, 44
1.5.7 Princípio da publicidade, 45
1.5.8 Princípio da obrigatoriedade, 46
1.5.9 Princípio da oficialidade, 47
1.5.10 Princípio da indisponibilidade do processo, 47
1.5.11 Princípio do juiz natural, 48
1.5.12 Princípios da iniciativa das partes e do impulso oficial, 48
1.5.13 Outros princípios do processo e do procedimento, 49
1.6 Fontes do direito processual penal, 50
1.6.1 Classificação, 50
1.6.2 Fonte de produção, 51
1.6.3 A lei, 51
1.6.4 O costume, 53
1.6.5 Princípios gerais do direito, 53
1.6.6 Tratados, convenções e regras do direito internacional, 54
1.6.7 Analogia, 54
PARTE I
DO PROCESSO EM GERAL
Pág. 23
INTRODUÇÃO
Uma das tarefas essenciais do Estado é regular a conduta dos cidadãos por meio de
normas objetivas sem as quais a vida em sociedade seria praticamente impossível. São assim
estabelecidas regras para regulamentar a convivência entre as pessoas e as relações destas com o
próprio Estado, impondo aos seus destinatários determinados deveres, genéricos e concretos,
aos quais correspondem os respectivos direitos ou poderes das demais pessoas ou do Estado.
Esse conjunto de normas, denominado direito objetivo, exterioriza a vontade do Estado quanto à
regulamentação das relações sociais, entre indivíduos, entre organismos do Estado ou entre uns
e outros. Disso resulta que é lícito um comportamento que está autorizado ou não está vedado
pelas normas jurídicas. Essa possibilidade de comportamento autorizado constitui o direito
subjetivo, faculdade ou poder que se outorga a um sujeito para a satisfação de seus
interesses tutelados por uma norma de direito objetivo.
Mas o direito objetivo, ao mesmo tempo em que possibilita as atividades lícitas, é um
sistema de limites aos poderes e faculdades do cidadão, que está obrigado pelo dever de respeito
aos direitos alheios ou do Estado. Quem se afasta do imperativo das regras jurídicas fica
submetido à coação do Estado pelo descumprimento de seus deveres, eis que seriam inócuas as
normas se não estabelecessem sanções para aqueles que as desobedecem, lesando direito alheio,
pondo em risco a convivência social e frustrando o fim perseguido pelo Estado. A sujeição de
todos às normas estabelecidas pelo Estado somente pode ser obtida com a cominação, aplicação
e execução das sanções previstas para as transgressões cometidas, denominadas ilícitos
jurídicos. Essas sanções, em princípio, são o ressarcimento dos danos e prejuízos causados pela
conduta proibida. Por vezes, porém, tais sanções se mostram insuficientes para coibir
determinados ilícitos. Há certos deveres que, por sua transcendência social, devem ser
reforçados com outras normas, destinadas a fazer possível a convivência dos indivíduos em
sociedade. São deveres que devem ser obedecidos em favor de toda a comunidade, sem o que
não poderia existir a paz jurídica. Em caso de infração a esses deveres, a exigência de que se
sancione o ilícito transcende a esfera jurídica do interesse particular para afetar a própria
comunidade social e política.
Pág. 24
Nessa hipótese, em que se lesa ou põe em perigo direito que interessa à própria sociedade, o
Estado, cuja finalidade é a consecução do bem comum, investido por isso no direito de punir
(jus puniendi), institui sanções penais contra o infrator.
Esse direito de punir do Estado, entretanto, não é arbitrário, mas sim delimitado nos
países civilizados pelo princípio de reserva legal e, no Brasil, é previsto na Constituição Federal
de 1988: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal"
(art. 5°, XXXIX).
Prevendo o Estado, através da lei, quais são os fatos que constituem infrações penais
(crimes e contravenções) e cominando as sanções correspondentes (penas, medidas de
segurança, efeitos da condenação), cria o direito penal objetivo, definido como o "conjunto de
normas jurídicas que o Estado estabelece para combater o crime, através das penas e medidas de
segurança". É um direito regulador, normativo, obrigatório, coativo e sancionatório. Suas
normas distinguem-se de outras, como as religiosas, morais, consuetudinárias etc., pois emitem
imperativos, que assumem forma positiva (mandato) ou negativa (proibição).
Assim, o direito penal, em sentido objetivo, é o conjunto de normas que descrevem os
delitos e estabelecem as sanções, e, em sentido subjetivo, o direito de punir do Estado (jus
puniendi). Definindo abstratamente os fatos que devem ser considerados como infrações penais
e cominando para os seus autores as sanções correspondentes, estabelece o Estado os limites do
jus puniendi em um plano abstrato. No instante, porém, em que alguém pratica um fato previsto
na lei penal, "aquele jus puniendi desce do plano abstrato para o concreto, pois, já agora, o
Estado tem o dever de infligir a pena ao autor da conduta proibida". O jus puniendi, portanto,
pode ser definido como "o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito
secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou omissão descrita no
preceito primário, causando um dano ou lesão jurídica" (5).
A punição ao autor da lesão social representa a justa reação do Estado contra o autor da
infração penal, em nome da defesa da ordem e da boa convivência entre os cidadãos. E como os
interesses tutelados pelas normas penais são, sempre, eminentemente públicos, sociais, impõe-se
a atuação do Estado, não como simples faculdade de impor medidas penais, mas como
obrigação funcional de realizar um dos fins essenciais de sua própria constituição, que é a
manutenção e reintegração da ordem jurídica.
Pág. 25
O Estado não tem, apenas, o direito de punir, mas, sobretudo, o dever de punir. O jus puniendi
ou o poder de punir é uma manifestação da soberania estatal, e, segundo Grispigni enquadra-se
na categoria dos direitos públicos subjetivos do Estado porque este "intervém na relação jurídica
como soberano". Mas o direito- poder de punir só pode realizar-se, como será visto, através do
processo penal.
Pág. 26
Pág. 27
Sua origem remonta à Carta Magna inglesa, de 1215, em que se estabelecia a garantia de que a
aplicação de sanção só poderia ser efetuada de acordo com a lei da terra (by the law of the land).
A expressão foi alterada em 1355, quando o Rei Eduardo III foi obrigado pelo parlamento a
aceitar um Estatuto que se referia ao devido processo legal (due process of law). Tal garantia
passou para colônias americanas e, posteriormente, foi incorporada pelo sistema constitucional
federal dos Estados Unidos da América, em 1791 (V emenda) e em 1867 (XIV emenda).
O fim originariamente visado pelo princípio era o da proteção individual, por meio de
uma limitação posta ao poder, mas hoje se entende que é uma cláusula aberta, indeterminada,
mas não vazia de conteúdo, dela defluindo vários princípios que a jurisprudência, atendendo a
sua origem, evolução e finalidade, vai reconhecendo e aplicando aos casos concretos. Mais do
que uma simples regra de obediência à lei processual para a aplicação de sanções, a cláusula do
devido processo legal abriga dois pontos principais. É, "por um lado, o recurso extremo a que o
Poder Judiciário pode recorrer para tornar ilegal atividades dos outros ramos do governo, e com
a qual pode, de outra parte, estabelecer a sua supremacia também no campo político, vale dizer,
põe nas mãos dos juízes o controle da política legislativa" e, por outro, "não se limita à
determinação processual (procedural due process), senão que se estende também à garantia de
direitos substanciais (substantive due process), impedindo, por conseguinte, que o gozo destes
últimos seja restringido de modo arbitrário ou desarrazoado" (1). Diz bem Odone Sanguiné:
"toda lei que não observar determinados critérios de elaboração legislativa, infringindo garantias
fundamentais do indivíduo, será considerada inconstitucional por infringência deste princípio
superior. Como se percebe, a sua enunciação no Texto Constitucional não é inútil; pelo
contrário, ela tem permitido o florescer de toda uma construção doutrinária e jurisprudencial que
tem procurado agasalhar o réu contra toda e qualquer sorte de medidas que o inferiorize ou
impeça de fazer valer as suas autênticas razões".
O princípio do juiz natural ou do juiz constitucional (nulla poena sine judice) está
inscrito no artigo 5°, LIII, da CF ("ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente") e no mesmo artigo, inc. XXXVII ("não haverá juízo ou tribunal de
exceção"). Em síntese, como ensina Florian, a lei penal não pode ser aplicada senão seguindo-se
as formas processuais estabelecidas na lei, ou em outras palavras: o direito penal material não
pode ser realizado senão pela via do direito processual penal, de sorte que ninguém pode ser
punido senão mediante um juízo regular e legal. O Estado pode exercitar seu direito à repressão
somente pela forma processual e perante os órgãos jurisdicionais estabelecidos na lei.
O Estado e o Direito estabelecem assim um sistema de órgãos públicos, perfeitamente
diferenciados em sua atividade, como a Polícia, o Ministério Público, os Juízes e Tribunais
penais, com a finalidade comum de prevenção e repressão das infrações penais.
Pág. 28
A Polícia tem como função primordial impedir a prática dos ilícitos penais e descobrir a
ocorrência desses ilícitos e a autoria deles. O Ministério Público representa o interesse do
Estado na imposição da sanção aos delinqüentes, procurando assegurar a imparcialidade do
órgão jurisdicional. A imposição da pena e sua posterior execução exige a imparcialidade
daquele que vai exercer a função decisória, ou seja, se o acusado é culpado ou inocente; é a
atividade do Juiz.
Para a resolução da lide "entra em atividade o poder jurisdicional do Estado, cujo órgão
se coloca eqüidistante dos titulares em choque, para dar a cada um o que é seu, o que o faz
mediante a aplicação de norma ditada, para o caso, pela ordem jurídica". A solução da lide é
realizada através de atos em que cada uma das partes tem oportunidade de demonstrar a
prevalência de seu interesse sobre o da outra: a acusação em obter o reconhecimento da
pretensão punitiva; a defesa em não sofrer restrição ao seu direito de liberdade. Ao conjunto
desses atos, que visam a aplicação da lei ao caso concreto, se dá o nome de "processo". O
processo soluciona a lide, ou seja, compõe o litígio. É o conjunto de atividades e formas,
mediante as quais os órgãos competentes, preestabelecidos na lei, observando certos requisitos,
promovem, julgando, a aplicação da lei penal em cada caso concreto, ou, a série de sucessão de
atos que se realizam e desenvolvem no tempo, sujeitos a normas de procedimento, e através do
qual se realiza a atividade jurisdicional, mediante o exercício pelo órgão jurisdicional penal de
seus poderes, com o concurso das partes e terceiros na atividade cooperadora que ela requer. No
processo "se desenvolve uma série de atos coordenados visando à composição da lide, e esta se
compõe, fica solucionada, quando o Estado, através do Juiz, depois de devidamente instruído
com as provas colhidas, depois de sopesar as razões dos litigantes, dita sua resolução com força
obrigatória".
A denominação jurídica de "processo", porém, não designa apenas o conjunto de atos
coordenados visando o julgamento da pretensão punitiva, o que, pode-se dizer, é o aspecto
formal do fenômeno. Materialmente o processo é uma relação jurídica autônoma, diversa do
direito material discutido, de caráter público, entre o Estado-Juiz e as partes. Existe no processo
um complexo de vínculos jurídicos que se estabelecem não só entre as partes acusadora e
acusada mas entre estas e o julgador. Na esfera penal, o Estado-Administração tem o direito
subjetivo público de exigir a tutela jurisdicional no exercício do jus puniendi; o acusado tem o
direito subjetivo de liberdade a ser assegurado; e o Estado-Juiz tem a obrigação de proferir a
decisão, dever decorrente da sujeição daqueles ao poder jurisdicional ou, como afirma
Tourinho, "as partes com o direito de exigir do órgão jurisdicional sua decisão sobre a lide e o
órgão jurisdicional com a obrigação de resolver o litígio".
Pág. 29
1.2.1 Conceito
Praticado um fato definido como crime, surge para o Estado o direito de punir, que se
exercita através do processo penal. Este é o conjunto de atos cronologicamente concatenados
(procedimentos), submetido a princípios e regras jurídicas destinadas a compor as lides de
caráter penal. Sua finalidade é, assim, a aplicação do direito penal objetivo, Por essa razão, De
Marsico entende que "o Direito Processual Penal estuda o conjunto das normas ditadas pela lei,
para aplicação do direito penal na esfera judiciária, tendo por fim não só a apuração do delito e a
atuação do direito estatal de punir em relação ao réu, mas também a aplicação das medidas de
segurança adequadas às pessoas socialmente perigosas e a decisão sobre as ações conexas à
penal".
O Direito Processual Penal, porém, não se cinge a esse objeto. Para que o Estado possa
propor a ação penal, deduzindo a pretensão punitiva no processo, são indispensáveis atividades
investigatórias consistentes em atos administrativos da Polícia Judiciária, o que é feito no
inquérito policial (persecução). Além disso, as pessoas que praticam os atos de investigação e os
atos do processo, "devem estar devidamente legitimadas para realizar as atividades que se
concretizem no procedimento, e devem ter reguladas as relações que entre si mantêm, com a
determinação dos direitos, deveres, ônus e obrigações que daí derivam". São, portanto,
necessárias as normas que disciplinem a criação, estrutura, sistematização, localização,
nomenclatura e atribuição desses diversos órgãos diretos e auxiliares do aparelho judiciário
destinado à administração da justiça penal, constituindo-se o que se denomina Organização
Judiciária. Dessa forma, pode-se conceituar o Direito Processual Penal, no seu aspecto de
ordenamento jurídico, como "o conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação
jurisdicional do Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a
estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares".
Já se tem utilizado a expressão "Direito Judiciário Penal" em lugar de "Direito
Processual Penal". Aquela designação, porém, está sendo abandonada, sendo esta a utilizada
correntemente. A expressão "Direito Judiciário Penal" é equívoca porque pode ser entendida
como o ramo do direito que se ocupa apenas da Organização Judiciária ou, ao contrário, como o
ordenamento referente a tudo que se refere ao Poder Judiciário. Sendo o "processo penal" o
objeto precípuo desse ramo do Direito, mais adequada é a denominação Direito Processual
Penal.
Como todo e qualquer Direito, o Direito Processual Penal também pode ser encarado
como Ciência Jurídica, "que tem por objeto a exegese das normas processuais penais, a sua
construção dogmática, isto é, a formação dos institutos jurídicos dessa disciplina, e a crítica do
direito vigente".
Pág. 30
O Direito Processual Penal é um dos ramos do Direito Público, que se identifica pelo
sujeito das relações por ele reguladas e pelas finalidades das suas normas. No processo penal, de
um lado, um dos sujeitos é o Estado soberano, titular do interesse coletivo e que se situa numa
relação de subordinação do particular; não atua, portanto, como Estado-súdito, como em suas
relações comuns. De outro, a finalidade das normas processuais penais é obter a repressão dos
delitos, ou seja, o exercício do jus puniendi, que constitui um dos fins essenciais do Estado. Não
se pode negar, portanto, o caráter publicístico do Direito Processual Penal.
Sendo o processo uma forma de composição do conflito de interesses, conclui-se que,
conceitualmente, é ele uno, ou seja, refere-se às lides civil e penal. Entretanto, o Direito
Processual divide-se em dois grandes ramos: o Direito Processual Civil e o Direito Processual
Penal. Tal divisão é estabelecida de acordo com o conteúdo do processo, ou seja, aquilo que
nele se contém. Sob o aspecto substancial, o conteúdo do processo é a afirmação do autor da
existência ou inexistência de uma relação jurídica material, sobre a qual, via de regra, surge uma
controvérsia a ser dirimida pelo juiz. Ora, quando se trata de uma pretensão de natureza extra-
penal a regulamentação normativa é de Processo Civil. Porém, se se trata de uma causa penal,
de uma pretensão punitiva ou correlata, a regulamentação é feita pelo Direito Processual Penal.
Assim, embora a doutrina predominante se concentre numa concepção unitária do processo,
porque "a teoria geral do processo é uma conseqüência inarredável do estudo sistemático das
diversas categorias processuais", o conteúdo do processo penal, que é a pretensão punitiva,
individualiza o ramo jurídico denominado Direito Processual Penal.
Pág. 31
1.3.1 Introdução
O Direito Processual Penal, como uma das partes que compõem o sistema jurídico de
um país, não só está subordinado ao Direito Constitucional, como mantém íntima correlação
com os demais ramos das ciências jurídicas (Direito Penal, Direito Processual Civil, Direito
Administrativo, Direito Civil, Direito Comercial e Direito Internacional Público). Além disso,
beneficia-se de ciências extra-jurídicas, que colaboram com os atos de investigação e do
processo a fim de que a composição do litígio penal se faça da forma mais adequada, inspirada
sempre no ideal de Justiça. São as ciências auxiliares do Direito Penal e do Direito Processual
Penal.
É estreita a relação do Direito Processual Penal com o Direito Penal, já que, sem este,
aquele não existiria. É pelo processo que se realiza, se dá existência concreta ao Direito Penal,
ou seja, se decide sobre a procedência e aplicação do jus puniendi (direito penal subjetivo) do
Estado, em conflito com o jus libertatis do acusado. Matérias comuns, aliás, são disciplinadas
tanto no Código Penal como no Código de Processo Penal, com os relativos à ação penal, ao
sursis, ao livramento condicional, à reabilitação etc.
Pág. 32
Naquele estatuto também são definidos como crimes fatos que lesam ou põem em perigo a
regularidade da administração da Justiça, seja esta civil ou penal (arts. 338 a 359 do CP).
Relaciona-se o Direito Processual Penal com o Direito Processual Civil por serem
ramos do mesmo tronco, de tal sorte que hoje se fala em Teoria Geral do Processo como
disciplina para o estudo dos institutos básicos dos dois ramos. Na verdade, os institutos
processuais só diferem em relação ao conteúdo do processo, seja ele a pretensão punitiva
(processo penal), seja ele a pretensão extra-penal (processo civil). Ressalte-se também que há
influências recíprocas nas ações e sentenças penais e civis. É efeito da condenação a obrigação
de indenizar o dano causado pelo crime (art. 92, I, do CP), tornando-se a sentença condenatória
título para a execução civil (arts. 63 do CPP e 584, inc. II, do CPC). Também faz coisa julgada
no cível a sentença penal em que se reconhece ter sido o ato praticado em estado de
necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular
de direito (art. 65 do CPP). Por outro lado, deve-se anotar também as questões prejudiciais, em
que se suspende obrigatória ou facultativamente a ação penal até a decisão do processo civil
(arts. 92 a 94 do CPP). Regulam-se também no Código de Processo Penal matérias que seriam,
a rigor, do juízo civil, como as questões de posse de coisas (art. 120), de perda de bens (art.
122), de seqüestro de imóveis (art. 125), de hipoteca legal (art. 134) etc.
Há, também, relações entre o Direito Administrativo e o Direito Processual Penal. A lei
penal é aplicada através do processo por agentes da Administração Pública (Juiz, Promotor de
Justiça, Delegado de Polícia etc.), sendo inúmeros os pontos de contatos dos dois ramos
jurídicos quando se prevê legislativamente a organização, composição, competência, disciplina,
deveres, ônus etc., da organização judiciária (Poder Judiciário e seus auxiliares), do Ministério
Público, da Polícia Judiciária, da Defensoria Pública etc. Além disso, a execução penal tem uma
natureza jurídica híbrida, interpenetrando-se as matérias penais, processuais e administrativas.
Há, inclusive, uma parte da atividade da execução que se refere especificamente a providências
administrativas e que fica a cargo das autoridades penitenciárias.
Relações ainda existem entre o Direito Processual Penal e o Direito Civil, lembrando-se
novamente a matéria referente às questões prejudiciais, cujo objeto é civil (arts. 92 e 93 do
CPP). Faz ainda o Código de Processo Penal referência às restrições estabelecidas na lei civil
quanto à prova do estado das pessoas (art. 155) e aos documentos (arts. 231 a 238). Institui
impedimentos decorrentes do Direito de Família, como o casamento e o parentesco (arts. 252,
253, 254, 255, 462) e possibilita a recusa ao testemunho por essas mesmas relações civis (art.
206).
Com o Direito Comercial as ligações do Processo Penal se encontram principalmente na
Lei de Falências, que, prevendo os crimes falimentares, fixa normas pertinentes à fase
preparatória da ação penal, aos prazos, às conseqüências do recebimento da denúncia, à prisão, à
reabilitação etc.
Quanto ao Direito Internacional Público as relações do Direito Processual Penal se
estabelecem nas matérias relacionadas no Código de Processo Penal e referentes à ação penal
por crimes praticados em território estrangeiro (art. 88), à prevalência de tratados, convenções e
regras de direito internacional sobre a lei processual (art. 1°, I), às relações jurisdicionais com
autoridades estrangeiras (arts. 780 a 782), que se constituem das cartas rogatórias (arts. 783 a
786) e da homologação de sentenças penais estrangeiras (arts. 787 a 790).
Pág. 33
Pág. 34
Quanto aos delitos que atentavam contra o próprio Estado, após a denúncia perante a
Assembléia ou Senado, era indicado o acusador e o Arconte designava e compunha o tribunal
popular para o julgamento. Perante este se manisfestava o acusador, apresentando suas
testemunhas, e em seguida a defesa. Os juízes votavam sem deliberar e a decisão era tomada por
maioria de votos, sendo absolvido o acusado se houvesse empate. Para os crimes políticos de
maior gravidade, após a manifestação do Conselho dos Quinhentos, reunia-se a Assembléia do
Povo, não se concedendo ao acusado qualquer garantia. Existiam outros tribunais como o
Areópago, destinados a julgar os homicídios premeditados, os incêndios etc., o Tribunal dos
Éfetas, composto de 51 membros, para o julgamento dos homicídios não voluntários e não
premeditados, e o Tribunal dos Eliastas (Heliea), com jurisdição comum e que chegou a ser
composto por 6.000 pessoas, dividido em seções de 500 cada, em que cada uma podia julgar
isoladamente ou em conjunto com outras.
Pág. 35
Entre os povos germânicos, os crimes privados eram reprimidos pela vingança privada e
também, mais tarde, pela composição. Existia também a Assembléia, que atuava somente por
iniciativa da vítima ou de seus familiares, presidida pelo rei, príncipe, duque ou conde. O
procedimento era acusatório, regido pelos princípios da oralidade, imediatidade, concentração e
publicidade. A confissão tinha um valor extraordinário, vigorando, na questão das provas as
ordálias ou juízos de Deus (prova de água fervente, do ferro em brasa, do fogo etc.), bem como
os duelos judiciários, com os quais se decidiam os litígios, pessoalmente ou através de lutadores
profissionais. Era absolvido o acusado que suportasse as ordálias ou vencesse o duelo.
Pág. 36
Pág. 37
O Escolteto era ao mesmo tempo, chefe de polícia e promotor público, mas a acusação não era
apenas pública pois os particulares também podiam pedir aos tribunais a condenação dos
delinqüentes. Buscava-se a confissão dos réus com insistência, inclusive por meio de fraude e de
torturas. A prova testemunhal tinha grande valor, ainda quando conseguida mediante tortura ou
promessas de recompensa. As normas jurídicas aplicadas pelos holandeses nos territórios
ocupados no Brasil, porém, em nada de relevante contribuíram para a construção do processo
penal brasileiro.
Em janeiro de 1822 as Cortes Portuguesas decretaram a extinção de todos os tribunais
criados no Rio de Janeiro quando da estada de D. João VI, porém o decreto não recebeu o apoio
do Príncipe Regente. Após a proclamação da Independência, a Assembléia Geral Constituinte
Legislativa do Império do Brasil decretou que continuassem a vigorar no Brasil as Ordenações,
leis, regulamentos, alvarás, decretos e resoluções promulgadas pelos reis de Portugal até que
fossem editadas as novas disposições legais. Foi a Constituição promulgada em 25 de março de
1824 que deu a organização básica do Poder Judiciário brasileiro, editando-se em 29-11-1832 o
Código de Processo Criminal, alterado pela Lei n° 261, de 3-12-1841, que foi regulada pelo
decreto n° 120, de 31-12-1842. Com isso, deixaram de existir as "devassas" e as "querelas", que
assumiram novas formas, agora com o nome de "queixas". As denúncias podiam ser oferecidas
pelo Promotor Público ou por qualquer do povo, sendo possível o procedimento ex officio em
todos os casos de denúncia. Como regra geral, a competência para o julgamento era centrada no
Júri, estando delas excluídas as contravenções e os crimes menos graves. José Frederico
Marques considera o Código como a síntese dos anseios humanitários e liberais que palpitavam
no seio do povo e nação naquele período. A Lei n° 261, de 3 de dezembro de 1841, porém,
procurou criar um aparelhamento policial altamente centralizado, fortaleceu o reacionarismo
político e submeteu e absorveu o poder judiciário diante da organização política com que o
disciplinou.
Com a proclamação da República e de acordo com a Constituição de 1891, os Estados
passaram a ter suas próprias constituições e leis, inclusive as de caráter processual, mas poucos
se utilizaram dessa faculdade de legislar. Continuou vigendo, pois, a legislação federal, na
época o Decreto n° 4.824, de 22-11-1871, e a Lei n° 2.033, de 20 de setembro do mesmo ano,
com as alterações introduzidas pelo art. 407 do Código Penal de 1890.
Unificada a legislação processual penal com a Constituição de 1934 e com o advento da
Carta Constitucional de 1937, providenciou-se a promulgação do atual Código de Processo
Penal (Decreto-lei n° 3.689, de 30-10-1941), que entrou em vigor em 1° de janeiro de 1942. Foi
promulgado também o Decreto-lei n° 3.931, de 11-12-1941, com o nome de Lei de Introdução
ao Código de Processo Penal, a fim de se adaptar ao novo estatuto processual os processos
pendentes. O novo Código manteve o inquérito policial e o arcaico procedimento escrito e
burocrático, mas instalou a instrução contraditória e a completa separação das funções julgadora
e acusatória, restringiu a competência do Júri e eliminou, quase por completo, o procedimento
ex officio.
Pág. 38
O Código de Processo Penal sofreu várias alterações, entre as quais as previstas na Lei
n° 263, de 23-2-1948 (que modifica a competência do Tribunal do Júri e dá outras
providências), da Lei n° 1.408, de 9-8-1951 (que prorroga vencimento de prazos judiciais e dá
outras providências), da Lei n° 1.431, de 12-9-51 (que altera o art. 725 do CPP), da Lei n°
4.611, de 2-4-65 (que modifica as normas processuais dos crimes previstos nos arts. 121, § 3°, e
129, § 6°, do CP), da Lei n° 6.416, de 24-5-1977 (que altera vários dispositivos do CP e do
CPP), da Lei n° 7.780, de 22-6-1989 (que introduz alterações nos arts. 325 e 581 do CPP), da
Lei n° 8.038, de 28-5-1990 (que institui normas procedimentais para processos perante o STJ e
o STF), da Lei n° 8.072, de 25-7-1990, alterada pela Lei n° 8.930, de 6-9-1994, (que dispõe
sobre os crimes hediondos), da Lei n° 8.658, de 16-5-1993 (que revogou os arts. 556 a 562, do
CPP), da Lei n° 8.699, de 27-8-1993 (que acrescenta parágrafo ao art. 24 do CPP), da Lei n°
8.701, de 1°-9-1993 (que acrescenta parágrafo ao art. 370 do CPP), da Lei n° 8.862, de 28-3-
1994 (que dá nova redação aos arts. 6°, incisos I e II; 159, caput e § 1°; 160, caput e parágrafo
único; 164, caput; 189; e 181, caput, do CPP), Lei n° 8.866, de 11-4-1994 (que se refere à prisão
administrativa), da Lei n° 8.906, de 4-7-1994 - Estatuto da Advocacia (que contém dispositivos
processuais) etc. Além disso, o processo de execução penal passou a ser regido pela Lei n°
7.210, de 11-7-1984 (Lei de Execução Penal).
De acordo com o seu desenvolvimento científico, o Direito Processual Penal pode ser
separado em dois períodos, tendo o segundo se iniciado com o Código de Processo Criminal
(Code d'Instruction Criminelle), promulgado na França em 1808. No primeiro período os
doutrinadores identificam as seguintes fases: dos glosadores, dos pós-glosadores, dos práticos e
dos precursores.
Os glosadores limitaram-se a breves notas de interpretação (glosae), constituindo sua
contribuição em mera exegese primitiva de fragmentos do Direito Romano. Cabem-lhes, porém,
os méritos "de haver iniciado, para o processo penal, o adequado tratamento jurídico, lançando
assim os alicerces da doutrina processual penal".
Destacaram-se dentre eles Irnério (1085-1125), Búlgaro (De Judiciis), Placentino (De
varietate actionem), Bernardo de Dorna (Summula de libellis), Tancredo e Acúrsio etc.
Os pós-glosadores desenvolveram o sistema das glosas, passando aos comentários,
ainda com base no direito romano (Justiniano), em estudos conjuntos com o direito processual
civil.
Pág. 39
Dessa fase são Bártolo de Assoferrato (1314-1357), Jacobus de Bellovisu (1270-1335) e
Albertus Gandinus (Tratactus de maleficiis, de 1262).
Os práticos passaram à exposição sistemática, ainda com caráter precário, mas numa
ordem mais organizada de exposições que se elevavam ao plano das questões gerais. Devem ser
mencionadas as obras de Júlio Claro de Alexandria (1525-1575), Prosperio Farinácio (1554-
1613), Benedito Carpsov, Antonio Matheus, Nicola Vigelus, Mathias Berlich, Beaunamoir,
Pierre Ayrault etc.
Os precursores são os comentadores do Período Humanitário, que incluem, além de
Cesare de Bonesana, marquês de Beccaria, Filangieri, Vauglans, Romagnosi etc. e, em Portugal,
Pascoal de Melo Freire, Pereira de Souza, Caetano Gomes etc.
No segundo período, iniciado após o Código de Napoleão, de 1808, surgem os estudos
mais completos a respeito do processo penal, distanciado do direito material, nas obras de
Francesco Carrara (Programma del Corso di Diritto Criminalle); Faustin Hélie (Traité de l'
Insttruction Criminelle), Garraud (Compêndio de Direito Criminal); Luigi Lucchini (Elementi di
Procedura Penale) etc. Anote-se, sobretudo, o nome de Oscar Bulow, com sua obra "A Teoria
das Exceções Dilatórias e dos Pressupostos Processuais", em que, com fundamento na relação
processual de caráter público, imprime novos rumos e aponta outros métodos ao Direito
Processual.
No Brasil, durante o regime imperial, quem mais contribuiu para o desenvolvimento da
doutrina processual penal foi Pimenta Bueno, com a obra "Apontamentos sobre o Processo
Criminal Brasileiro". Já na República, o maior processualista é João Mendes de Almeida Junior
(O Processo Criminal Brasileiro), salientando-se ainda os nomes de Galdino Siqueira, Costa
Manso, Cândido Mendes, Firmino Whitaker, João de Oliveira Filho, Pontes de Miranda,
Florêncio de Abreu. Sobre o Código de Processo Penal, devem ser ressaltados os comentários
de E. Espínola Filho (Comentários ao Código de Processo Penal), José Frederico Marques
(Elementos de Direito Processual Penal e Tratado de Direito Processual Penal), Hélio Tornaghi
(Instituições de Direito Processual Penal), E. Magalhães Noronha (Curso de Direito Processual
Penal) e Fernando da Costa Tourinho Filho (Processo Penal). Valiosa também tem sido a
colaboração dos novos processualistas brasileiros: Ada Pellegrini Grinover, Rogério Lauria
Tucci, Afrânio Silva Jardim, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, José Roberto Barauna,
Herminio Alberto Marques Porto, Paulo Lúcio Nogueira, Vicente Greco Filho, Antonio
Scarance Fernandes etc.
Pág. 40
Pág. 41
Como conseqüência direta do princípio do devido processo legal (item 1.1.3), instalou-
se na doutrina e nas legislações o denominado princípio da "presunção de inocência." De acordo
com o artigo 9° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, toda pessoa se
presume inocente até que tenha sido declarado culpada, preceito reiterado no artigo 26 da
Declaração Americana de Direitos e Deveres, de 2 de maio de 1948, e no artigo 11 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU. Nesses termos, haveria uma presunção
de inocência do acusado da prática de uma infração penal até que uma sentença condenatória
irrecorrível o declarasse culpado. De tempos para cá, entretanto, passou-se a questionar tal
princípio que, levado às últimas conseqüências, não permitiria qualquer medida coativa contra o
acusado, nem mesmo a prisão provisória ou o próprio processo. Por que admitir-se um processo
penal contra alguém presumidamente inocente? Além disso, se o princípio trata de uma
presunção absoluta (juris et de jure) a sentença irrecorrível não a pode eliminar; se trata de uma
presunção relativa (juris tantum), seria ela destruída pelas provas colhidas durante a instrução
criminal antes da própria decisão definitiva.
Pág. 42
O que se entende hoje, como diz Florian, é que existe apenas uma tendência à presunção
de inocência, ou, mais precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o
acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado.
Assim, melhor é dizer-se que se trata do "princípio de não culpabilidade". Por isso, a nossa
Constituição Federal não "presume" a inocência, mas declara que "ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5°, LVII), ou seja, que o
acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma
sentença final que o declare culpado. Pode-se até dizer, como o faz Carlos J. Rubianes, que
existe até uma presunção de culpabilidade ou de responsabilidade quando se instaura a ação
penal, que é um ataque à inocência do acusado e, se não a destrói, a põe em incerteza até a
prolação da sentença definitiva. Não se impede, assim, que, de maneira mais ou menos intensa,
seja reforçada a presunção de culpabilidade com os elementos probatórios colhidos nos autos de
modo a justificar medidas coercitivas contra o acusado. Dessa forma, ao contrário do que já tem
se afirmado, não foram revogados pela norma constitucional citada os dispositivos legais que
permitem a prisão provisória, decorrentes de flagrante, pronúncia, sentença condenatória
recorrível e decreto de custódia preventiva (4), ou outros atos coercitivos (busca e apreensão,
seqüestro, exame de insanidade mental etc.). Aliás, a prisão provisória é admitida pela Carta
Magna quando prevê os institutos processuais da prisão em flagrante e por mandado judicial
(art. 5°, LXI), da liberdade provisória com ou sem fiança (art. 5°, LXVI) etc.
* 5. Fernando da Costa Tourinho Filho, com o brilho de sempre, sustenta que o artigo
5°, LVII, da nova Constituição Federal, revogou os arts. 393, I, e 594, do CPP, e 35, da Lei
Antitóxico, quanto à prisão provisória do réu. Processo Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1989.
v. 1. p. 61-9. A respeito, ver item 19-3-10.
Pág. 43
Pág. 44
Com o princípio da verdade real se procura estabelecer que o jus puniendi somente seja
exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos exatos limites de sua culpa numa
investigação que não encontra limites na forma ou na iniciativa das partes. Com ele se excluem
os limites artificiais da verdade formal, eventualmente criados por atos ou omissões das partes,
presunções, ficções, transações etc., tão comuns no processo civil. Decorre desse princípio o
dever do juiz de dar seguimento à relação processual quando da inércia da parte e mesmo de
determinar, ex officio, provas necessárias à instrução do processo, a fim de que possa, tanto
quanto possível, descobrir a verdade dos fatos objetos da ação penal.
No processo penal brasileiro o princípio da verdade real não vige em toda a sua
inteireza. Não se permite que, após uma absolvição transitada em julgado seja ela rescindida,
mesmo quando surjam provas concludentes contra o agente. A transação é permitida, por
exemplo, nas ações privadas com o perdão do ofendido. A omissão ou desídia do querelante
pode provocar a perempção. Há, também, inúmeras outras causas de extinção da punibilidade
que podem impedir a descoberta da verdade real.
Pág. 45
Pág. 46
Por ser praticamente indispensável que os delitos não fiquem impunes (nec delict
meneant impunita), no momento em que ocorre a infração penal é necessário que o Estado
promova o jus puniendi, sem que se conceda aos órgãos encarregados da persecução penal
poderes discricionários para apreciar a conveniência ou oportunidade de apresentar sua
pretensão punitiva ao Estado Juiz. O princípio da obrigatoriedade (ou da legalidade) que vigora
entre nós, obriga a autoridade policial a instaurar inquérito policial e o órgão ao Ministério
Público a promover a ação penal quando da ocorrência da prática de crime que se apure
mediante ação penal pública (arts. 5°, 6° e 24 do CPP). Tal princípio, o mais difundido nas
legislações modernas, contrapõe-se ao princípio da oportunidade, em que o órgão estatal tem a
faculdade de promover ou não a ação penal, uma discricionariedade da utilidade tendo em vista
o interesse público. Funda-se este na regra mínima non curat praetor, ou seja, o Estado não deve
cuidar de coisas insignificantes, podendo deixar de promover o jus puniendi quando verificar
que do exercício da ação penal podem advir maiores inconvenientes que vantagens. Sempre
dentro de alguns limites, adotam este princípio a França, a Alemanha, a Noruega etc. No país, o
princípio da oportunidade está reservado às ações privadas e as públicas dependentes de
representação e requisição do Ministro da Justiça.
A nova Constituição Federal, ao permitir a criação de juizados especiais (entre eles o
chamado "de pequenas causas"), para a apuração das infrações penais de menor potencial
ofensivo, permitindo a transação, não instituiu o princípio da oportunidade nas ações penais
públicas uma vez que tal instituto se refere somente à possibilidade de composição entre as
partes, nos termos da lei, após a propositura do processo penal. Segundo os arts. 74 e 76 da Lei
n° 9.099/95, entretanto, a composição e a transação antecedem a possibilidade de oferecimento
da denúncia, mitigando, assim, o princípio da obrigatoriedade.
Pág. 47
Como a repressão ao criminoso é função essencial do Estado, deve ele instituir órgãos
que assumam a persecução penal. É o princípio da oficialidade, de que os órgãos encarregados
de deduzir a pretensão punitiva sejam órgãos oficiais. No nosso país, em termos constitucionais,
a apuração das infrações penais é efetuada pela Polícia (art. 144 da CF e art. 4° e ss do CPP), e a
ação penal pública é promovida, privativamente, pelo Ministério Público (art. 129, I, da CF),
seja ele da União ou dos Estados (art. 128, I e II, da CF). Como órgãos oficiais encarregados da
repressão penal, a Polícia e o Ministério Público têm autoridade, ou seja, podem determinar ou
requisitar documentos, diligências ou quaisquer atos necessários à instrução do inquérito
policial ou da ação penal, ressalvadas as restrições constitucionais.
O princípio da oficialidade, porém, não é absoluto, prevendo-se, como exceção, a ação
penal privada, promovida pelo próprio ofendido ou por quem tenha qualidade para representá-
lo, tanto nos crimes que se apuram exclusivamente mediante queixa (art. 30, do CPP), quanto na
ação privada subsidiária (art. 5°, LIX, da CF, e art. 29 do CPP).
Como a nova Constituição Federal não agasalhou emenda no sentido de instruir a
chamada ação penal popular e, ao contrário, instituiu a exclusividade do Ministério Público na
ação penal pública, ficou revogado o art. 41 da Lei n° 1.079, de 10-4-1950, que possibilitava a
iniciativa de qualquer do povo nos crimes de responsabilidade praticados por Ministros do STF
e Procurador Geral da República.
Pág. 48
Pág. 49
Do princípio da iniciativa das partes decorre como conseqüência que o juiz, ao decidir a
causa, deve cingir-se aos limites do pedido do autor (MP ou ofendido) e das exceções deduzidas
pela outra parte (réu), não julgando sobre o que não foi solicitado pelo autor (ne eat judex ultra
petita partium). O julgamento ultra petita viola o princípio citado.
Proposta a ação penal por iniciativa da parte, passa-se a desenvolver o processo, de um
ato processual a outro, segundo a ordem do procedimento, até que a instância se finde. A fim de
se assegurar essa continuidade, essa passagem de um ato processual a outro, é necessário o que
se denomina impulso processual, ou ativação da causa, que, em nosso direito, é regido pelo
princípio do impulso oficial ou ex officio. Assim, embora a iniciativa na produção das provas
pertença às partes, incumbe ao juiz, segundo o CPP, "prover a regularidade do processo e
manter a ordem no curso dos respectivos atos" (art. 251), "determinar, de ofício, diligências para
dirimir dúvida sobre ponto relevante" (art. 156), determinar exame complementar (art. 168),
formular quesitos nas perícias em geral (art. 176), proceder novo interrogatório (art. 196) etc.
Com o impulso oficial impede-se a paralisação do procedimento pela inércia ou omissão das
partes, caminhando-se para a resolução do litígio de forma definitiva, que é o objetivo do
processo, a que obriga o princípio da indeclinabilidade da jurisdição penal. Evidentemente tal
princípio não é absoluto. Pode o processo ser encerrado sem a solução do conflito quando
ocorre, por exemplo, uma causa extintiva da punibilidade, ou suspenso nos casos de
impronúncia (art. 409 do CPP) ou de falta de intimação da sentença de pronúncia (art. 413 do
CPP).
1.5.13 Outros princípios do processo e do procedimento
Pág. 50
Há que se falar, também, do princípio do duplo grau de jurisdição, que dá maior certeza
à aplicação do direito pelo reexame da causa (item 19.1.1). Embora não previsto expressamente
pela Constituição Federal, decorre ele do próprio sistema constitucional, que prevê a
competência dos tribunais para julgar "em grau de recurso" determinadas causas. Em princípio,
pois, as decisões são passíveis de recurso para um grau mais elevado de jurisdição, não se
podendo suprimi-lo se houver fundamento jurídico que o sustente. A regra comporta exceções,
como nas hipóteses de competência originária dos tribunais, em que não se prevê possibilidade
de recurso ordinário.
Lembra ainda Fernando da Costa Tourinho Filho o princípio do favor rei (ou favor
inocentiae, ou favor libertatis) pelo qual, num conflito entre o jus puniedi do Estado e o jus
libertatis do acusado, deve a balança inclinar-se a favor deste último. Isso significa que, na
dúvida, sempre prevalece o interesse do acusado (in dubio pro reo). Por isso a própria lei prevê
a absolvição por insuficiência de prova (item 14.2.1); a proibição da reformatio in pejus (item
19.3.13); os recursos privativos da defesa, como o protesto por novo júri (item 19.4.1), os
embargos infringentes ou de nulidade (item 19.6.4), a revisão criminal (item 6.4.2), o princípio
do estado de inocência (item 1.5.3) etc.
Por fim, deve-se também aludir às garantias processuais. Por dispositivo constitucional
está prevista a da ampla defesa (art. 5°, LV, da CF), considerando-se como seus meios
inerentes: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apreender alegações contra a
acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por
advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça (art. 133, da CF); e
e) poder recorrer da decisão desfavorável.
Há também como garantia a do juiz imparcial, estabelecida com as disposições legais
referentes à suspeição, às incompatibilidades e aos impedimentos (itens 7.2.1 a 7.3.4).
1.6.1 Classificação
Fonte, em sentido geral, é aquilo de onde provém algo. No direito, significa tudo aquilo
de onde provém um preceito jurídico. Como em todos os ramos do direito as fontes do Direito
Processual Penal podem ser classificadas em: de produção (materiais), que constituem, criam o
direito; e formais (de cognição), que revelam o direito, que são os seus modos de expressão.
Fonte de produção do processo penal é o Estado. As fontes formais são a lei (a única
fonte primária, imediata), o costume, os princípios gerais do direito e a analogia (fontes
secundárias, mediatas). Não são fontes, mas meras formas de interpretação, a doutrina e a
jurisprudência.
Pág. 51
Diante da natureza publicista do processo penal, cabe ao Estado legislar sobre a matéria,
criando, com exclusividade, o direito correspondente. É ele, pois, a única fonte de produção,
material, do direito processual penal.
Nos termos da nova Constituição Federal, compete privativamente à União legislar
sobre "direito processual" (art. 22, I). Entretanto, a própria Carta Magna, rompendo com a
tradição que vem desde a Constituição Federal de 1934, permite que lei complementar autorize
os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas no citado artigo,
inclusive Direito Processual Penal (art. 22, parágrafo único). Além disso, estendeu a
competência dos Estados e Distrito Federal para legislar concorrentemente com a União sobre a
"criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas" (art. 24, X, e 98, I) e
"procedimentos em matéria processual" (art. 24, XI). Concorrentemente com a União, também
cabe ao Estado e ao Distrito Federal legislar sobre "direito penitenciário" (art. 24, I, e §§ 1° e
2°). É também da competência dos Estados-membros, conforme as constituições estaduais, a
legislação sobre organização judiciária no âmbito estadual, bem como sobre custas dos serviços
forenses (art. 24, IV, da CF). Essas autorizações constitucionais derivam da necessidade de se
adaptar o processo penal às peculiaridades locais, tão diversas no nosso país, de dimensão
continental e com problemas distintos conforme a região do território em que se deve aplicar a
lei processual.
1.6.3 A lei
A lei é a única fonte formal imediata, ou direta, do Direito Processual Penal pois é por
meio dessa regra jurídica que o Estado impõe a sua vontade. É fonte imediata porque contém
em si mesma a norma jurídica processual. Utiliza-se a palavra lei em seu sentido amplo, isto é,
como toda disposição emanada de qualquer órgão estatal (Executivo, Legislativo e Judiciário),
na esfera de sua própria competência.
Em relação ao processo penal brasileiro, além dos dispositivos referentes à matéria na
Constituição Federal, são fontes primárias todas as normas jurídicas que se referem ao processo
penal, divididas entre preceitos que regulamentam o Direito Processual Penal da jurisdição
comum e as que se referem ao Direito Processual Penal das jurisdições especiais.
Quanto ao Direito Penal comum, há como lei básica o Código de Processo Penal
(Decreto-lei n° 3.689, de 3-10-1941) e as leis extravagantes ou modificadoras do Estatuto, das
quais as mais importantes são: Decreto-lei n° 7.661, de 21 de junho de 1945 (Lei de Falências);
Lei n° 263, de 23 de fevereiro de 1948 (que modifica a competência do Tribunal do Júri);
Pág. 52
Pág. 53
1.6.4 O costume
O costume, regra de conduta praticada de modo geral, constante e uniforme (elemento
interno), com a consciência de sua obrigatoriedade (elemento externo), é fonte formal mediata,
secundária, indireta, do processo penal. Embora não mencionado no artigo 3° do CPP, que
admite a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, o costume é referido pelo
artigo 4° da Lei de Introdução do Código Civil como uma das formas integradoras do Direito,
em especial na lacuna da lei, podendo ser considerado como forma de revelação do Direito
Processual Penal. Não coartando a liberdade ou qualquer dos interesses dos sujeitos processuais
nem contrariando os fins do processo, o costume pode auxiliar na interpretação e mesmo
aplicação da norma processual. É o que se tem denominado de "praxe forense".
Fala-se em costume secundum legem (de acordo com a lei), extra legem (na ausência de
lei) e contra legem (contra a lei). O último, segundo o direito moderno, é proibido.
Pág. 54
1.6.7 Analogia
Pág. 55
No direito pátrio, o artigo 4° da LICC afirma que "quando a lei for omissa, o juiz
decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito" e o
artigo 126 do CPC permite na lacuna ou obscuridade da lei que o juiz recorra à analogia, aos
costumes e aos princípios gerais do direito. Especificamente, o artigo 3° do Código de Processo
Penal admite a aplicação analógica (3). Pode-se citar como exemplo do emprego da analogia, às
vezes equivocadamente chamada de interpretação analógica, o cabimento do recurso em sentido
estrito nas hipóteses de revogação da prisão preventiva e de concessão da liberdade provisória
por analogia com o artigo 581, V, do CPP, na sua antiga redação, referente aos casos de
indeferimento da prisão preventiva e relaxamento de prisão em flagrante (4). Por analogia com
o artigo 296 e respectivos parágrafos do CPC, se tem permitido o direito do indiciado de
oferecer contra-razões em recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público de
decisão em que se rejeita a denúncia. Também se permitiu a representação processual de pessoa
jurídica por quem estava à frente dos negócios, sem apresentação dos respectivos estatutos, por
analogia com a jurisprudência cível.