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C ONCENTRAÇÃO E CENTRALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES URBANAS : UMA

Revista 7
de Geografía Norte Grande, 39: 7-20 (2008)
PERSPECTIVA MULTIESCALAR. REFLEXÕES A PARTIR DO CASO DE SÃO PAULO

Concentração e centralização das


atividades urbanas: uma perspectiva
multiescalar. Reflexões a partir do caso
de São Paulo1

Sandra Lencioni2

RESUMO
A grande dimensão territorial da metrópole contemporânea é produto de um
processo que conurba cidades e também fragmenta o território, o que remete à
idéia de arquipélago urbano. Essa realidade é analisada a partir da discussão
sobre a idéia de aglomeração, já que essa é fundamental para a definição do
urbano. Mas, o centro da discussão repousa sobre a necessidade de distinguir
dois conceitos para se compreender essa realidade: o de concentração e o de
centralização do capital. Enfatiza, também, a necessidade de uma análise
multiescalar, pois além da escala topográfica é importante na análise da
metrópole contemporânea se considerar a escala topológica, relativa aos fluxos
imateriais, pois essa escala insere a questão da distância numa lógica virtual
que modifica a noção do longe e do perto, aproximando lugares distantes e
distanciando lugares próximos.
Palavras chaves: Aglomeração, concentração, centralização, metrópole, escala.

ABSTRACT
The vast territorial dimension of the contemporary metropolis is a product of
the process of conurbanization that also entails the fragmentation of the
territory, which leads to the idea of urban archipelago. This reality is analyzed
starting from the discussion on the notion of agglomeration, since it is a
fundamental notion for the definition of the urban. Yet, the center of the
discussion rests on the need of distinguishing between two concepts to
understand urban reality: concentration and centralization of the capital. The
text emphasizes, also, the need of multi-scalar analysis. Indeed, besides the
topographical scale, it is important to consider the topological scales in the
analysis of the contemporary metropolis. The topological scale relates to the
immaterial flows, putting the issue of distance in a virtual logic that modifies
the notions of the far and near, approximating remote places and separating
nearby places.
Key words: Agglomeration, concentration, centralization, metropolis, scale.

2 Prof. Dr. do Departamento de Geografia da Facul-


dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
1 Artículo recibido el 5 de octubre de 2007 y acep- Universidade de São Paulo (Brasil).
tado el 24 de febrero de 2008. E-mail: slencion@usp.br
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A imagem espraiada e de difícil apre- A aglomeração: princípio da


ensão dos limites territoriais de São Paulo é
testemunho de que essa metrópole é produ- construção da cidade e do
to de uma urbanização que produziu uma urbano
aglomeração difusa que conurba cidades se
expandindo por centenas de quilômetros. A metrópole espraiada e difusa, como a
Por isso, iniciamos nossa discussão colocan- atual metrópole de São Paulo, indica que es-
do em relevo a idéia de aglomeração como tamos sob um patamar da urbanização de-
elemento importante na definição do urba- corrente de mudanças profundas que alte-
no. Em seguida, enfatizamos a forma frag- ram a produção do espaço. Compartilhamos
mentada da metrópole contemporânea, que da posição de alguns autores, como Lacourt,
metamorfoseou a metrópole compacta típica de que estamos vivendo um processo de
de grande parte do século XIX e XX. Com metropolização que diz respeito “ao conjun-
características sócio-espaciais historicamen- to de processos que privilegiam as grandes
te novas, a fragmentação da metrópole con- dimensões urbanas marcadas pelas transfor-
temporânea induz facilmente ao uso da figu- mações do sistema produtivo apreendido a
ra de linguagem que nos remete à idéia de nível internacional e mundial”. Esse proces-
que ela se constitui num arquipélago de il- so “conduz às organizações e às recompo-
has urbanas. sições territoriais novas , tanto no plano in-
terno dos conjuntos urbanos que lhes dizem
O centro da discussão repousa sobre a respeito, quanto relativos às suas relações
necessidade de distinguir dois conceitos para externas” (Lacourt, 1999: 64).
se compreender a metrópole contemporânea,
o de concentração e o de centralização do Essas organizações e recomposições te-
capital que consideramos parâmetros indis- rritoriais novas guardam relação com a cida-
pensáveis para se pensar a dinâmica urbana de e o urbano. Sem entrar no mérito da dis-
dos dias atuais. O primeiro, o de concen- cussão sobre a relação entre cidade e
tração do capital, permite entender que em- urbano, que fugiria ao escopo desse trabal-
bora essa metrópole possa ser representada ho, vamos tecer algumas observações sobre
por imagens que indicam que ela é espraiada a relação entre aglomeração e cidade, no
e dispersa, é preciso frisar que ela é, igual- sentido de indicar que embora a metrópole
mente concentrada. Faz parte da racionalida- possa apresentar grande grau de dispersão
de da acumulação capitalista concentrar um da mancha urbana, ela é sempre uma aglo-
grande número de população, renda, indús- meração. Discussão necessária e precedente
trias de alta tecnologia e trabalho qualifica- para podermos compreender que ela é, tam-
do, bem como fazer da metrópole difusa e bém, concentração.
espraiada territorialmente, uma única bacia
de trabalho e habitat, dentre outros aspectos A relação entre aglomeração e cidade
que poderíamos enumerar. não é simples e nem é universal, como pode
parecer. A primeira observação a ser feita é
O segundo conceito discutido é o con- a de que a aglomeração de homens ou de
ceito de centralização, que permite esclare- habitação não produz, necessariamente,
cer os mecanismos de administração e con- uma cidade. Podemos ter aglomerações de
trole do capital, que por meio dos serviços homens e de pessoas sem termos cidade e
voltados às empresas reafirmam e renovam a para comprovar essa afirmação basta men-
centralidade da metrópole. cionar as tendas armadas nos desertos ou as
feiras itinerantes de escravos da era moderna
Nas observações finais enfatizamos a ne- que embora constituíssem aglomerações não
cessidade de se considerar, dada a densida- eram cidades.
de dos fluxos imateriais, a escala topológica
que insere a questão da distância numa lógi- Um pressuposto fundamental da cidade
ca virtual e de comunicação que modifica a é a sedentarização, que os exemplos acima
noção do longe e do perto, aproximando lu- não contemplam. Essa observação foi feita
gares distantes e distanciando lugares próxi- por Ratzel e relatada por Derruaux ao enfa-
mos. tizar a sedentarização como um dos pressu-
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PERSPECTIVA MULTIESCALAR. REFLEXÕES A PARTIR DO CASO DE SÃO PAULO

postos da cidade (Derruaux, 1964: 561). Po- possui um alto coeficiente de concentração,
rém, apenas esse atributo não basta para a exemplo da concentração de trabalho qua-
considerarmos que as aglomerações seden- lificado, de serviços produtivos, ou seja, da-
tárias se constituam cidades. Se assim o fos- queles serviços voltados ao atendimento às
se consideraríamos muitas aldeias indígenas empresas, notadamente de empresas com
como sendo cidades. fortes vínculos com o mercado mundial, de
fluxos virtuais, de população, de renda e de
No caso de relacionarmos a aglome- edifícios verticalizados.
ração, já com seu atributo de ser sedentária,
à idéia de cidade, devemos considerar ape- A cidade de São Paulo, o centro desse
nas as aglomerações que se caracterizam aglomerado metropolitano, é a maior praça
pelo desenvolvimento de atividades não financeira do país. O número de agências
agrícolas? A resposta a essa questão é nega- no ano de 2006 era de 2.067, enquanto que
tiva, como observou Derriaux, em meados o Rio de Janeiro, em segundo lugar, possuía
do século XX, quando disse que muitas cerca da metade, 1.031 agências. Enquanto
aglomerações constituem cidades muito em- as operações de crédito, no Rio de Janeiro,
bora apresentem grande parte de sua popu- significaram 35 bilhões de reais, em São
lação voltada para as atividades agrícolas Paulo esse número foi de 236 bilhões de
(Derruaux, 1964). Exemplifica falando de reais (IBGE, 2006). Quanto aos depósitos to-
várias aglomerações mediterrâneas, como tais eles saltaram de 106 bilhões de reais,
Mesina, Palermo ou Murcia. Diz ele que es- em 1996, para 204 bilhões em 2001, apre-
sas aglomerações, embora com uma popu- sentando um crescimento da ordem de 52%
lação vinculada ao campo, apresentam as- (Banco Central do Brasil, 2001). Dos 48
pectos próprios de cidade, tais como o maiores bancos do país, 30 deles possuem a
mercado e a administração pública. Esse au- sede principal na cidade de São Paulo (Fe-
tor para reforçar a posição de Ratzel, faz um rreira, 2007: 238). Essa cidade abriga a sede
raciocínio em direção oposta dizendo que o da BOVESPA -Bolsa de Valores de São
fato de um aglomerado se caracterizar por Paulo-, que se constitui no maior centro de
população não agrícola, não significa neces- negociação de ações da América Latina con-
sariamente, que estamos diante de uma ci- centrando 70% do volume de negócios rea-
dade e dá como exemplo os aglomerados de lizados (SEMPLA, 2003).
fábricas com algumas casas ao redor que es-
tão longe de constituírem cidade. Essa combinação de dispersão e concen-
tração é que configura o espaço da metró-
Recuperamos essas premissas da relação pole contemporânea. A metrópole coesa,
entre aglomeração e cidade porque estamos como “grande cidade”, é a forma clássica da
nos referindo à metrópole de São Paulo que metrópole. O seu espraiamento por um ex-
se apresenta territorialmente espraiada, com tenso território e seus limites imprecisos
um tecido urbano esgarçado que pode mati- pode levar a entender que o que é disperso
zar um dos elementos fundamentais de sua não é o aglomerado, mas o novo patamar da
constituição que é o de aglomeração. Essa urbanização. Trata-se apenas de uma apa-
aglomeração pode se apresentar coesa, rência, pois o que é disperso é a forma que
como o foi no passado, ou dispersa, como assume a aglomeração. Seja qual for a confi-
tem se apresentado nos dias atuais. guração metropolitana, quer seja um espaço
mais denso ou mais disperso, esse espaço é
A metrópole contemporânea, devido ao condição, processo e produto associado à
seu espraiamento territorial e a conurbação urbanização, que tem na idéia de aglome-
de cidades apresenta uma densidade popu- ração um dos elementos centrais de sua de-
lacional menor que a metrópole coesa do finição. Portanto, o que é disperso é sua for-
passado. Seus limites territoriais são difusos, ma.
dado o grande grau de dispersão, por exem-
plo, da população, das atividades de consu- Essa gigantesca mancha urbana, como a
mo, da área construída e das atividades pro- da atual metrópole de São Paulo, requer in-
dutivas. Mas, essa dispersão não deve corporação crescente de áreas que chegam
comprometer, no entanto, a visão de que ela ao mercado de terras supervalorizadas em
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relação à valorização anterior. Mas, essas te- mam um conjunto apesar de separadas umas
rras apresentarem valor unitário menor em das outras pelo oceano, algumas áreas dessa
comparação a algumas áreas tradicionais da metrópole constituem verdadeiras ilhas que
cidade e é essa dinâmica de preços que faz pouco contato têm com seu entorno, como
com que novas áreas sejam continuadamen- se tivessem um oceano entre elas. Esse é o
te incorporadas à lógica do mercado de te- caso das áreas de condomínios fechados,
rras da metrópole, contribuindo para a inde- que podem apresentar população até maior
finição dos limites metropolitanos. que a de cidades, onde o que importa não é
tanto o contato com o seu entorno, mas o
Uma metrópole espraiada e dispersa sig- acesso a alguma autopista. Também é o caso
nifica maior tempo de deslocamento de seu dos shopping-centers que se espalham por
habitantes, maior tráfego de veículos e várias áreas da cidade, bem como das torres
maior movimento pendular entre o local de de escritório onde se desenvolvem os ser-
moradia e o local de trabalho. Produz-se viços superiores. Muitas dessas torres são
nessa metrópole uma irracionalidade que chamadas de edifícios inteligentes porque
cobra do capital maior dispêndio de tempo apresentam infra-estrutura de telecomuni-
com a locomoção pela cidade, com possibi- cações avançada e otimização dos recursos
lidades de se multiplicarem os acidentes de instados para seu funcionamento, além de
trânsito e de se aumentar o ambiente carre- segurança e conforto.
gado de poluentes. Tudo isso compromete o
funcionamento da metrópole e a própria Essas ilhas representam a fragmentação
existência da cidade. Borja e Castells dizem da cidade, muito embora essa cidade arqui-
que podemos evoluir “para um mundo sem pélago se constitua numa única bacia de ha-
cidades, ao menos em grande parte do pla- bitat e de trabalho. O ir e vir não se dá, pre-
neta e para a maioria da população. Um ferencialmente, no entorno dessas ilhas, mas
mundo organizado em torno de grandes no seu interior, a indicar a fragmentação do
aglomerações difusas de funções econômi- tecido urbano que é um dos grandes respon-
cas e assentamentos humanos disseminados sáveis pela negação da rua como lugar de
ao largo de vias de transportes, com zonas encontro de transeuntes e de desiguais. A at-
semi rurais intersticiais, áreas periurbanas mosfera no interior dessas ilhas é mais de
sem controle e serviços desigualmente re- um clube do que de uma cidade, não sendo
partidos em uma infra-estrutura descontínua. propriamente urbana.
O global poderia se organizar em torno de
centros de direção, tecnológicos e residen- Assim, no interior dessa metrópole es-
ciais das elites, conectados entre si por co- praiada, novas formas de segregação espa-
municações a longa distância e redes eletrô- cial emergem num mosaico onde condomí-
nicas, enquanto a população poderia nios de luxo se apresentam ao lado de
individualizar seu habitat na difusão urbana bairros pobres ou favelas. Esse novo mosai-
descrita, ou agrupar-se em comunidades de- co urbano compromete a tradicional forma
fensivas de ideologia quase tribal para asse- de viver na cidade e, do ponto de vista da
gurar sua sobrevivência em um mundo es- explicação compromete a interpretação que
truturado globalmente em seu centro e imperou no final do século XX, o modelo
desestruturado localmente em múltiplas pe- centro-periferia que norteou a compreensão
riferias” (Borja y Castells, 1997: 13). Adver- do crescimento urbano das metrópoles lati-
tem, dizendo: “os tons de ciência de ficção no-americanas.
de nosso discurso tem a intenção apenas de
chamar a atenção do leitor sobre um proces- Assim, a metrópole espraiada, com limi-
so em marcha, inscrito na lógica do potente tes difíceis de precisar, é a expressão máxi-
sistema tecno econômico emergente, mas ma da indefinição das fronteiras e da des-
que de modo algum é uma fatalidade” (Bor- agregação da cidade compacta típica do
ja y Castells, 1997: 13-14). início do século XX. Trata-se de uma metró-
pole difusa, de limites imprecisos, que co-
No território dessa metrópole espraiada nurba cidades e se estende por centenas de
formam-se verdadeiras ilhas urbanas. Tanto quilômetros, mas essas características todas
quanto um arquipélago em que as ilhas for- não comprometem a interpretação de que
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ela se constitui numa única aglomeração. Esses conceitos parecem se confundir,


Reiterando, numa aglomeração que tem muito embora sejam bastante distintos. Tal-
hoje a característica de ser dispersa e que vez essa confusão tenha origem na própria
só aparentemente pode sugerir contra-sen- exposição de O Capital e derive da mu-
so porque essa forma está de acordo com dança de nome nas primeiras edições dessa
sua época. Como bem salientou Borja e obra. Na primeira e segunda edições de O
Castells, a “era das telecomunicações não Capital, não aparece nenhuma vez o nome
dilui os centros urbanos, como proclama- centralização. Marx usa os termos concen-
vam os deterministas tecnológicos, senão, tração adjetivado de simples (concentração
ao contrário, ao permitir a gestão e a co- simples) para se referir ao que vamos con-
municação entre si de sistemas urbanos e ceituar como concentração e o termo con-
rurais distantes, tende a concentrar a popu- centração, sem adjetivo, para o que vamos
lação em aglomerações territoriais parcial- conceituar como centralização. Somente a
mente descontínuas, de gigantesca dimen- partir da terceira e quarta edição de O Capi-
são e de características sócio-espaciais tal é que aparecem os termos concentração
historicamente novas...” (Borja y Castells, e centralização (Marx, 1984, Livro I, Vol. 3:
1997: 22). 778). Essa discussão de Marx está no capítu-
lo de O Capital no qual ele discute a lei ge-
Concentração e centralização: ral da acumulação capitalista (Marx, 1984).
conceitos para pensar a Por concentração entende-se o processo
unidade dos processos sócio- que faz expandir os meios de produção e de
espaciais trabalhadores, ampliando, assim, a base da
acumulação e confundindo-se com ela. Por
isso, falamos em concentração de capital
A metrópole é antes de qualquer coisa
quando, por exemplo, uma determinada in-
uma aglomeração, particularmente São Pau-
dústria compra mais máquinas para a pro-
lo é hoje uma aglomeração de grandes ex-
dução ou quando aumenta o número de tra-
tensões territoriais e com limites difíceis de
balhadores. Ou quando um escritório de
definir. Possui uma dinâmica territorial rela-
propaganda e marketing contrata mais pu-
cionada à processos sociais que necessita
blicitários ou mesmo quando equipa o escri-
ser compreendida, dada a interação existen-
tório com equipamentos de informática. As
te entre a dinâmica social e a espacial, que,
implicações desse processo no urbano são
conforme Massey, só a análise separa, na
de diferentes naturezas, dentre elas, pode-
medida em que não “Há processo espacial
mos lembrar a concentração das atividades
sem conteúdo social... O espacial... não
econômicas que modificam, por exemplo, a
existe como um reino separado” (Massey,
malha urbana e a aglomeração.
1986: 3).
O processo de concentração do capital,
Para melhor compreender essa unidade o
por ser um processo de acumulação, está di-
recurso a dois conceitos, o de concentração
retamente relacionado à produção da rique-
e centralização do capital nos parece funda-
za econômica, a qual tem no indicador de
mental, pois permite relacionar a dinâmica
Produto Interno Bruto (PIB) um dos elemen-
do capital á dinâmica dos lugares. Em parti-
tos de sua apreensão. Priorizando a perspec-
cular, possibilita discutirmos a questão da
tiva territorial queremos destacar que a con-
centralidade da cidade no âmago da econo-
centração territorial da riqueza gerada no
mia urbana.
Brasil é bastante nítida.
Primeiramente, cabe observar que a con-
Examinando-se os 20 municípios que
centração e a centralização do capital são
apresentam, para o ano de 2005, maiores
conceitos relativos à reprodução do capital,
PIB do Brasil, 7 estão no Estado de São Pau-
referidos, portanto, ao processo social. Em
lo perfazendo 18% do PIB nacional. Só a
segundo lugar, ressaltar que dizem respeito
capital, a cidade de São Paulo, apresenta o
a movimentos distintos que constituem dois
índice de 12%, sendo os outros 6% proce-
momentos do processo de valorização do
dentes dos municípios da região metropoli-
capital.
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tana, a saber: Barueri, Guarulhos, São Ber- Quanto à centralização, a primeira dis-
nardo do Campo e Osasco, bem como dos tinção é que essa não se confunde com a
municípios de Campinas e São José dos acumulação. Centralizar é, acima de tudo,
Campos, todos a uma distância menor que centralizar capitais. O processo de centrali-
100 quilômetros da cidade de São Paulo zação constitui-se num processo em que
(SEADE, 2005). frações individuais de capitais se associam,
se fundem ou se reagrupam. A centralização
Os dados do Estado de São Paulo indi- é, a rigor, a abolição da autonomia do capi-
cam que esse Estado é responsável por tal individual; ou seja, significa a expro-
32,3% do PIB brasileiro 3. A cidade de São priação de um capitalista por outro capita-
Paulo e mais 4 municípios: Barueri, Guarul- lista, que acaba por transformar capitais
hos, São Bernardo do Campo - todos esses menores, num capital de maior magnitude.
pertencentes à Região Metropolitana de A centralização é, portanto, uma reorgani-
São Paulo – e, ainda o município de Cam- zação na distribuição da propriedade dos
pinas, respondem por cerca de 50% do PIB capitais. Altera-se apenas o agrupamento
paulista, 50% do valor adicionado da in- das partes constitutivas do capital social e,
dústria paulista e, também por 58% do va- nesse sentido, é que concentra a proprieda-
lor adicionado dos serviços4. Revela-se, as- de do capital, mas não se constitui num pro-
sim, a grande concentração territorial da cesso acumulação, não resultando, portanto,
riqueza gerada nesse país de dimensões em nenhum aumento do capital social
continentais. (Marx, 1984, Livro I, Vol. 3: 778). Em outros

Quadro Nº 1
PRODUTO INTERNO BRUTO DO ESTADO DE SÃO PAULO MUNICÍPIOS COM MAIOR PIB (2005)

Municípios PIB

Em milhões de reais Porcentagem

1 São Paulo 263.177 36,2


2 Barueri 22.431 3,1
3 Guarulhos 21.615 3,0
4 Campinas 20.621 2,8
5 São Bernardo do Campo 19.448 2,7
6 Osasco 18.311 2,5
7 São José dos Campos 17.090 2,4
8 Santo André 11.427 1,6
9 Jundiaí 10.185 1,4
10 Ribeirão Preto 10.096 1,4
Total 414.401 57,1
Total do Estado de São Paulo 727.053 100,0

Fonte dos dados: SEADE - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados; IBGE - Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (2005).

3 Em termos absolutos: 2.248.504 mil reais (IBGE,


2006). Brasil, em artigo de autoria de Alana Gandra, “Ano
4 Segundo Relatório da empresa de consultoria Pri- fecha com aumento de fusões de empresas, mostra
cewaterhouse Coopers, comentado pela Agência pesquisa”, no site da Agência Brasil (2006).
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termos, com a centralização do capital des- transações envolvendo fusões e aquisições


aparecem inúmeros capitais individuais, de empresas, número 44% maior que as
quer por absorção de uns pelos outros, quer transações de 2005 (SEADE, 2005). Em
por associações ou fusões entre os capitais, 2007, esse número passou a 718, batendo
dentre outras formas de centralização. recorde em relação aos anos anteriores. A
esse recorde vem se juntar um outro dado
Nas palavras de Aglietta, enquanto a importante, os negócios realizados em 2007
“concentração simples é, dentro do campo foram de maior volume financeiro do que o
do valor, um fato quantitativo de acumu- do ano de 2006 (Pricewaterhouse Coopers,
lação desigual que conserva a autonomia 2008).
dos capitais, a centralização é uma modifi-
cação qualitativa que remodela a autonomia Uma outra questão importante é que tem
dos capitais e cria novas relações de conco- se acentuado o papel de direção e comando
rrência ” (Aglietta, 1986: 195). Acrescenta da economia exercido pela metrópole de
mais adiante que a “centralização é uma for- São Paulo, que se constitui num lugar privi-
ma violenta de concorrência... É um efeito legiado de localização das sedes das gran-
do processo geral de desvalorização do ca- des empresas que atuam no Brasil.
pital sobre o fracionamento das capitais me-
diante o qual o movimento da acumulação A nosso ver a concentração e a centrali-
global encontra novas condições para seu zação do capital constituem conceitos cha-
futuro desenvolvimento” (Aglietta, 1986: ves para se compreender a unidade do pro-
196). cesso sócio-espacial e as dinâmicas recentes
a partir de um olhar que busca apreender o
A centralização da propriedade do capi- movimento do capital, muito importante
tal coloca sob um mesmo poder, um mesmo nessa fase de reestruturação econômica sob
comando, o processo que mobiliza e con-
trola os ciclos de valorização dos capitais
envolvidos. Esses atributos da propriedade Quadro Nº 2
do capital, o de dispor ou por em movimen- 100 MAIORES EMPRESAS DO BRASIL
to o capital e o de controlar sua valorização LOCALIZAÇÃO DAS SEDES (2006)
se realiza através da gestão da empresa.
Cada vez mais, diante das possibilidades de-
Estado de São Paulo 33
correntes da revolução das comunicações e
informática, o que é importante não é tanto Cidade de São Paulo 28
a proximidade territorial entre as unidades
Raio de 100 km a partir da
de produção e nem entre a administração
cidade de São Paulo 33
dos negócios e a produção industrial, mas a
capacidade de controle dos vários e distin- Estado do Rio de Janeiro 20
tos processos de valorização distribuídos em
Estado de Minas Gerais 14
vários lugares, colocando-os sob um mesmo
ciclo de movimentação do valor. Exemplifi- Estado da Bahia 5
cando, o que importa num grupo econômi-
Distrito Federal 4
co, numa rede de fornecimento de serviços
ou numa rede dispersa de comércio é o con- Estado do Paraná 5
trole das unidades dispersas por meio da
centralização da gestão empresarial. Estado de Santa Catarina 4
Estado do Rio Grande do Sul 3
Não é novidade nenhuma afirmar que o
processo de centralização do capital tem se Demais Estados (19) 12
acentuado, basta ler a imprensa cotidiana Total 100
para se ter vários exemplos de fusões de em-
presas, de grupos econômicos comprando Obs.: A localização da sede foi definida segundo
outros grupos e de desaparecimento de mui- a unidade da empresa que responde pelo
tas empresas. As informações econômicas domicílio fiscal para fins de importo de renda.
indicam que no ano de 2006 houve 560 Fonte: Fundação Getúlio Vargas (2007).
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o efeito da globalização. Mais do que isso, gestão define a cidade como sendo global
possibilitam uma interpretação das relações ou não. O que nos parece mais relevante e
sócio-espaciais situadas além e aquém dos significativo é compreender que há uma re-
reflexos da globalização. lação direta entre o crescimento da centrali-
zação do capital nas mais diversas ativida-
A principal contribuição do conceito de des econômicas e o crescimento dos
centralização para a interpretação do urba- serviços avançados nas metrópoles. Esses,
no é que a gestão empresarial dos grupos por se acharem concentrados territorialmen-
econômicos e das grandes empresas em te garantem a centralidade da metrópole,
rede priorizam a metrópole e, no caso brasi- seu poder de dominação e direção; ou seja,
leiro, prioriza a metrópole de São Paulo. É sua hegemonia.
no exercício da função central da metrópo-
le, que é de controle do capital, que se Segundo Smith, enquanto “na cidade
adensam os serviços produtivos, os serviços pré-capitalista foram as necessidade da tro-
voltados às empresas, muitas vezes denomi- ca mercantil que ditaram o movimento de
nados de serviços avançados. Daí provém o centralização espacial, na cidade capitalis-
grande desenvolvimento dos serviços nas ta avançada são os ditames financeiros e
metrópoles e, no caso em exame, da metró- administrativos que perpetuam a tendência
pole de São Paulo. à centralização. Isso ajuda a explicar por-
que certas atividades chamadas de serviços
São serviços, portanto, voltados ao con- são centralizadas e outras são suburbaniza-
sumo produtivo e não individual, tais como das, e porque a reestruturação das áreas
os serviços de consultoria jurídica às empre- centrais assume esta forma corporativa/pro-
sas. Muito embora esses serviços possam ser fissional” (Smith, 2007: 25). Desenvolven-
oferecidos à distância, a proximidade física, do seu raciocínio podemos dizer que na
muitas vezes, é fundamental, por exemplo, metrópole moderna, típica de grande parte
entre advogados, clientes e profissionais es- do século XX, a industrialização e as multi-
pecialistas. O contato próximo e imediato nacionais foram importantes para o desen-
entre as pessoas possibilita decisões quanto volvimento dos serviços produtivos e, con-
aos acordos financeiros, às transações inter- sequentemente, para a centralidade da
nacionais, às aplicações financeiras e aos metrópole. Hoje em dia o que caracteriza a
contratos assinados. Por decorrência, já que metrópole contemporânea é a presença dos
esses serviços avançados requerem uma mi- grupos econômicos, notadamente a gestão
ríade de outros que gravitam em seu redor, desses grupos.
aglomeram-se os serviços nas diversas cen-
tralidades da metrópole. É necessário perseguir a idéia de locali-
zação dos serviços avançados no interior
Sassen discutindo a produção de ser- dos territórios da metrópole (Figura Nº 1).
viços produtivos, aqueles voltados à pro- Esses se dão em áreas que expressam o poli-
dução, diz que a “característica particular centrismo, o qual vem progressivamente se
da produção desses serviços, especialmente desenvolvendo.
aqueles envolvidos em operações complexas
e inovadoras, é de exprimir sua concen- E o que é interessante é que essa multi-
tração acentuada nas maiores cidades” (Sas- centralidade apresenta uma hierarquia se-
sen, 1995: 68). gundo o grau de internacionalização das ati-
vidades que nelas se desenvolvem, sendo o
Nesse sentido, podemos afirmar que o topo da pirâmide ocupado pelas áreas onde
grau de concentração territorial dos serviços o grau de internacionalização dos serviços é
produtivos na metrópole tem relação direta maior, expresso pela presença de firmas es-
com o desempenho de seu papel central. trangeiras e pelos vínculos densos com o ex-
Muitos desses serviços estão diretamente re- terior no desenvolvimento dos negócios. Em
lacionados à gestão do capital, tratando-se geral, é nas novas áreas centrais que os ho-
de serviços que viabilizam a realização do téis voltados para os homens de negócio
comando da produção. A nosso ver o que apresentam a tendência de nelas se localiza-
menos importa é saber se a concentração da rem. Na base da pirâmide temos o centro
C ONCENTRAÇÃO E CENTRALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES URBANAS : UMA 15
PERSPECTIVA MULTIESCALAR. REFLEXÕES A PARTIR DO CASO DE SÃO PAULO

Figura Nº 1
A EXPANSÃO DAS ATIVIDADES TERCIÁRIAS NA CIDADE DE SÃO PAULO

Fonte: Asaptaçao Laboratório de Urbanismo da Metrópole – LUME FAU/USP (2007).

tradicional que embora apresente alguma indústria de alta tecnologia e inovadora,


centralidade e até mesmo fortes laços com o num quadro de refluxo da atividade indus-
exterior, tem uma característica que o difere trial e de não reconversão das áreas tradi-
das outras áreas centrais da metrópole. Nele cionalmente industriais da cidade, que pas-
e no seu entorno a deterioração de edifícios sam a se constituir como resíduos de um
e o encortiçamento de muitos deles denun- outro tempo a espera de reconversão. Des-
ciam a degradação da vida urbana e quando envolve-se, também, um deslocamento da
há renovação urbana são os planos estraté- indústria, em especial dos ramos tradicio-
gicos e investimentos estrangeiros que mui- nais para além da região metropolitana.
tas vezes, assumem a cena.
A concentração, na metrópole, da indús-
Segundo a importância desses centros na tria de alta tecnologia e da indústria inova-
metrópole contemporânea, cujo indicador é a dora se deve à necessidade que essas indús-
lucratividade dos negócios que aí se desenro- trias têm de trabalho qualificado que se faz
lam e o poder de gestão do capital emanado aí presente, bem como de aproximação com
daí, é que podemos perceber a força de uma universidades e centros de pesquisa. As em-
metrópole. “... Nova Iorque, Londres e Tóquio presas voltadas para o mercado externo,
podem ser vista como constituindo um territó- bem como das que apresentam maior com-
rio transnacional de centralidade voltado para petitividade e maior agressividade, têm mui-
um complexo de indústrias e de atividades” to a ganhar ao se localizarem na metrópole,
(Sassen, 1995: 71). Dizendo de uma outra ma- dada a densidade de possíveis negócios que
neira, cidades globais com Nova Iorque, Lon- a metrópole apresenta, não importando os
dres e Tóquio constituem, cada uma delas, um altos custos dessa localização.
terreno transterritorial de centralidade. O terri-
tório dessas cidades é global e é essa caracte- Se de um lado, o da centralidade, a me-
rística que a distingue das demais metrópoles trópole espraiada apresenta uma hierarquia
importantes do mundo. piramidal relativa às várias centralidades, o
mesmo não pode ser dito em relação às de-
Além do mais, uma outra característica mais áreas da cidade, pois a configuração
importante é que na metrópole se adensa a da metrópole difusa é, como dissemos, de
16 R E V I S TA DE GEOGRAFÍA NORTE GRANDE

um arquipélago, cujo tecido urbano é frag- redes que se estruturam não são mais redes
mentado. Apresenta locais em que convivem hierarquizadas, como no passado, sendo,
lado a lado, áreas elitizadas, a exemplo de sobretudo, redes anastomosadas.
alguns condomínios fechados, e favelas. Es-
tranhos um ao outro e separados socialmen- Podemos, esquematicamente, apresentar
te compartilham uma vizinhança territorial algumas características mencionadas nesse
que impossibilita apreendermos arranjos texto relacionadas à metrópole que se des-
que obedeçam a uma hierarquia piramidal. envolveu do último terço do século XIX ao
último terço do século XX; ou seja, da me-
Do século XIX ao atual assistimos, assim, trópole moderna e da metrópole contem-
a uma trajetória de mutação da metrópole: porânea, como São Paulo, que anuncia uma
de compacta para dispersa e de coesa para nova forma de viver na cidade (Quadro Nº
fragmentada. Desenvolve-se, assim, uma 1). Não é demais advertir que todo esquema
nova lógica espacial que se caracteriza pela é simplificador, mas tem o mérito de fazer
dominação do espaço de fluxos sobre a do saltar à vista transformações que considera-
espaço dos lugares , em que o espaço de mos relevantes para a discussão em pauta.
fluxos, é “estruturado em circuitos eletrôni-
cos que ligam entre si, globalmente, nodos A metrópole contemporânea é uma reali-
estratégicos de produção e gestão”. E, que dade nova que necessita ser compreendida de
se caracteriza, também por se constituir várias perspectivas. Aqui, a ênfase foi dada
num espaço dos lugares, “como forma terri- aos processos de concentração e de centrali-
torial de organização da cotidianidade e da zação como emuladores de novas visões sobre
experiência de grande parte dos seres huma- a metropolização contemporânea.
nos” (Borja y Castells, 1997: 67). Para esse
autor, “enquanto o espaço de fluxos está Situados enquanto processos do capital,
globalmente integrado, o espaço dos lugares a concentração do capital se relaciona à
está localmente fragmentado” (Borja y Cas- aglomeração urbana e sua contra face, à dis-
tells, 1997: 67). Nesse espaço de fluxos as persão. Por outro lado, a centralização do

Quadro Nº 3
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA METRÓPOLE MODERNA E DA METRÓPOLE CONTEMPORÂNEA

Metrópole Moderna Metrópole Contemporânea

Processo Urbanização Metropolização


Aglomeração Concentrada Dispersa
Espaço Espaço dos lugares/espaço Espaço dos fluxos/espaço dos
dos fluxos lugares
Extensão territorial Metrópole coesa Metrópole difusa
População/superfície Alta densidade Densidade em declínio
Forma Contínua Fragmentada
Mobilidade Integração no percurso Percurso sem integração
Desenho Crescimento radiocêntrico Crescimento mais linear
Limites Definidos Indefinidos
Centralidade Policêntrica Intensificação do policentrismo
Renovação urbana Planos de recuperação Planos estratégicos
Redes Hierárquicas Anastomosadas
Capital Produção Gestão

Fonte: Elaboração própia.


C ONCENTRAÇÃO E CENTRALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES URBANAS : UMA 17
PERSPECTIVA MULTIESCALAR. REFLEXÕES A PARTIR DO CASO DE SÃO PAULO

capital se vincula estreitamente à questão da a concentração da dispersão. Pela lógica to-


centralidade urbana. A aglomeração, que pológica apreendemos a densidade virtual
discutimos na primeira parte desse texto e a dos lugares, medida em termos dos fluxos
concentração, dispersão e centralidade imateriais entre dois pontos, que dizem res-
constituem processos espaciais importantes peito aos fluxos de informação e comuni-
para se compreender a dinâmica da metró- cação.
pole contemporânea. Uma metrópole, como
dissemos, onde predomina o espaço de Muito embora não haja indicadores sis-
fluxos sobre o espaço dos lugares. Nessa tematizados para dimensionar a densidade
dialética reside uma outra questão relacio- virtual dos lugares, o que mostra que as ne-
nada à necessidade de se incorporar uma cessidades da pesquisa vão além das possi-
visão multiescalar na análise para que se bilidades disponíveis, alguns dados indire-
possa apreender dimensões novas da lógica tos, levando-se em conta apenas os dados
espacial na sua importância devida. relativos à informação, podem ser indicati-
vos da densidade virtual dos lugares. Por
Considerações finais exemplo, o número de empresas de teleco-
municações, em 2007 que atuam em São
Imperioso é considerarmos os fluxos ma- Paulo é de 389. Se compararmos com a ci-
teriais e imateriais que se desenvolvem no es- dade que se apresenta em segundo lugar, o
paço. Daí a necessidade de transcendermos à Rio de Janeiro, com o dado de 141 empresas
escala que leva em conta a dimensão da su- de telecomunicações, podemos verificar que
perfície do terreno e incorporar na análise a São Paulo tem 2,7 vezes mais empresas que
dimensão da escala que toma em conside- o Rio de Janeiro. Um outro dado relativo ao
ração os fluxos imateriais. A justificativa é a número de provedores de Internet aponta
de que a dinâmica dos processos espaciais para São Paulo o número de 172 provedores
não repousa apenas sob a lógica topográfica, de Internet e para o Rio de Janeiro, o de 28
mas também sob a lógica topológica. (OESP, 2007).

A lógica topográfica está relacionada à Significativo é também, o número de do-


distância entre dois lugares e tem como re- mínios “.com.br” e “.org.br” da cidade de
ferência a rede de infra-estrutura de circu- São Paulo. Esses domínios representam 90%
lação. A distância corresponde a um interva- do total de domínios existentes no Brasil
lo de espaço e de tempo entre dois lugares e (Gusmão e Ramos, 2006: 136). Os dados de
dois instantes, medido em termos de superfí- 2003 indicam que a cidade de São Paulo
cie e de tempo de percurso. Exemplificando, tinha 49% desses domínios do Brasil, en-
a distância entre A e B é de 5 quilômetros e quanto que a participação da cidade do Rio
de 10 minutos. A lógica topológica, por de Janeiro, a segunda colocada é cinco ve-
outro lado, insere a distância numa lógica zes menor. Tendo como referência o Estado
virtual possibilitada pela revolução da infor- de São Paulo, a cidade de São Paulo detém
mática e comunicações. Nesse caso, a dis- 58% desses domínios (Gusmão e Ramos,
tância entre A e B é medida apenas em in- 2006: 137).
tervalo de tempo dos fluxos imateriais e, no
seu limite, pode chegar à instantaneidade, A visão multiescalar permite, assim, su-
anulando-se o intervalo e, conseqüentemen- perar a perspectiva apenas topográfica, nos
te, a própria distância. libertando de uma visão de uma única natu-
reza, de um único referente. Porque há pos-
Sob essas duas lógicas, ou seja, a partir sibilidades de se examinar um fenômeno
de um espectro multiescalar, é que a aglome- por meio de várias escalas diferentes é im-
ração e a dispersão metropolitana, enquanto portante ir além da perspectiva topográfica.
processos espaciais devem ser examinadas na Podemos, cabe acrescentar, examinar um
análise da metrópole contemporânea. Pela fenômeno apenas da perspectiva topográfi-
lógica topográfica, relativa à superfície do te- ca, utilizando-se várias escalas e esse proce-
rreno, podemos ver a densidade dos lugares, dimento não deixa de ter, também, uma
quer em termos de edificações e de ativida- perspectiva multiescalar. No entanto, se está
des urbanas, concorrendo para distinguirmos considerando apenas um referente – o topo-
18 R E V I S TA DE GEOGRAFÍA NORTE GRANDE

gráfico -, que compromete uma visão mais termos topográficos pode ser uma grande
ampla dos fenômenos espaciais. É necessá- distância em termos virtuais; ou seja, a
rio ir além. pouca distância em termos topográficos en-
tre A e B, por exemplo, 5 quilômetros, pode
Buscando maior clareza, vejamos o ser uma grande distância em termos virtuais
exemplo: se tomarmos apenas a escala na se A não tiver uma infra-estrutura de infor-
perspectiva topográfica, a opção por diferen- mação e comunicação que possa se comu-
tes escalas, 1: 25.000 ou 1: 100.000, levará à nicar com B, restando, assim, muito distante
interpretação de que o fenômeno urbano é de B. Por outro lado, a longa distância, me-
disperso, no primeiro caso e, concentrado, dida em quilômetros de superfície, pode, na
no segundo, o que resvala, facilmente, num escala topológica, ser praticamente anulada
inadequado relativismo. O mesmo pode ser dada a capacidade dos fluxos imateriais.
dito quando nessa mesma perspectiva e a
partir de uma grande escala se interpreta que Pumain interroga se as novas tecnologias
os bairros elitizados estão mesclados com os de informação e de comunicação não esta-
bairros empobrecidos. Mas, se examinados a riam conduzindo a uma geografia sem esca-
partir de numa pequena escala a conclusão é la (Pumain, 2003: 1). E, Buzenot diz que da-
a de que não se trata de uma mescla, mas, ao qui em diante, as interações espaciais não
contrário, de uma separação. É por isso que se farão mais unicamente segundo as regras
Harvey alerta que o que é relevante ou faz de um espaço topográfico onde as distancias
sentido numa escala não o é em outra (Har- são os fatores de diferenciação, mas segun-
vey, 2004: 108). do as regras de um espaço topológico onde
a capacidade de estar conectado ou vincula-
Importa, ainda, destacar a importância do torna-se fator de diferenciação e gerador
da escala do corpo humano no espaço urba- de desigualdades” (Buzenot, 2007).
no, relativa ao lugar que o corpo individual
ocupa na cidade. Essa dimensão é topográfi- Devemos considerar, também, uma ca-
ca mas parece muito ausente na discussão racterística dos dias atuais decorrente do
sobre a cidade. Conforme Harvey, o “capital desenvolvimento do território em rede que
se empenha continuadamente em moldar os veio suplantar o território de redes. Para Mo-
corpos de acordo com seus próprios requisi- gin “o território rede se caracteriza essen-
tos, ao mesmo tempo em que internaliza em cialmente... por ter propriedades de ordem
seu modus operandi efeitos de desejos cor- ‘topológica’ que valorizam as ‘relações hori-
porais, vontades, necessidades e relações zontais’ e sua ligação pólo a pólo a expen-
sociais...” (Harvey, 2004: 157). sas das relações verticais e piramidais, pólo-
hinterlância”. Acrescenta, ainda, que a
Isso significa que além de moldar a ex- “cidade global está presa em uma rede
periência individual dos corpos, o capital (web) que corresponde a uma organização
busca socialmente discipliná-los na pro- em rede ( reticulum ), isto é, a uma estrutu-
dução e, o que é importante para a discus- ração que privilegia a horizontalidade e cria
são em pauta, discipliná-los, também, na ci- hierarquias que não são de natureza pirami-
dade. O que vem ocorrendo em Los Angeles dal” (Mogin, 2006: 226).
é um exemplo do esforço em disciplinar o
corpo humano na cidade. Foi aprovada re- A idéia de ordem topológica vem reafir-
centemente a norma, pelo City Council, de mar a importância de se considerar os fluxos
que os moradores de rua podem dormir nas imateriais na análise espacial, como obser-
calçadas no período compreendido entre 9 vamos anteriormente, já que a virtualidade
horas da noite às 6 da manhã do dia seguin- subverteu a maneira de se pensar o espaço.
te se eles guardarem, pelo ao menos, 3 me- Dizendo de uma outra maneira, o virtual re-
tros das casas ou das lojas (International He- afirmou a importância de se levar em conta
rald Tribune, 2007). as relações horizontais, por exemplo, as re-
lações entre cidades globais, e, também as
Numa perspectiva multiescalar, como a relações verticais como as do global em re-
discutida nesse texto, que envolve escalas lação ao local, sem necessariamente passar
de natureza diferentes, a pouca distância em pelo regional ou nacional.
C ONCENTRAÇÃO E CENTRALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES URBANAS : UMA 19
PERSPECTIVA MULTIESCALAR. REFLEXÕES A PARTIR DO CASO DE SÃO PAULO

O que é importante assinalar é que a Unidos , 3ª Ed. México, España, Argentina,


perspectiva multiescalar ao permitir levar Colombia: Siglo Veintiuno Editores, 1986.
em conta as naturezas diferentes de escala
possibilita conciliar tanto a escala topográfi- BANCO CENTRAL DO BRASIL. Bacen/
ca como a escala topológica, fazendo justa- Departamento Econômico. Brasil: Fundação
por a distância e a proximidade em termos SEADE, 2001.
de extensão territorial e em termos virtuais.
Um material, outro imaterial, mas ambos BORJA, J. y CASTELLS, M. Local y global.
reais e concretos porque se constituem, La gestión de las ciudades en la era de la infor-
como nos ensina a dialética, em sínteses de mación. Madrid: Santillana S. A. -Taurus, 1997.
múltiplas determinações, dentre elas, a da
história na totalidade social concreta. Por BUZENOT, L. Demarche du géographie
isso, a questão da escala topológica só et raisonnement multiscalaire. Hisgeo, 2007.
emerge quando se realiza a possibilidade de Disponível em Internet: http://histgeo.ac-aix-
uma sociedade estruturada não só em ter- marseille.fr/a/div/d043.htm.
mos de fluxos materiais, mas, também, ima-
teriais. Dizendo de uma outra forma, uma DERRUAUX, M. Tratado de geografia hu-
visão apenas topográfica, ou seja, que leve mana. Barcelona: Editorial Vicens-Vives, 1964.
em conta apenas a escala da superfície do
terreno, pode perder a dimensão de que a FERREIRA, J. S. W. O mito da cidade-glo-
forma territorial dispersa da metrópole con- bal. O papel da ideologia na produção do
temporânea contém alta concentração de espaço urbano . São Paulo: Ed. Vozes, 2007.
vínculos virtuais que aproximam os lugares.
FUNDAÇAO GETÚLIO VARGAS. 100
Em síntese, o que se buscou assinalar maiores empresas do brasil localização das
nesse texto é que a metrópole contemporâ- sedes (2006). Conjuntura Econômica, 2007.
nea, como a metrópole de São Paulo, com-
bina em vários níveis e dimensões, uma GUSMÃO, R. e RAMOS, M. Concen-
rede de fluxos materiais e imateriais que a tração regional da C&T no Brasil – perfil da
análise multiescalar deve apreender por liderança paulista no cenário nacional. São
meio de uma análise multiescalar. Particular- Paulo em Perspectiva, 2006, Vol. 20, Nº 3,
mente no caso da escala lógica, é importan- p.120-141. Disponível em Internet:
te perceber, mesmo de forma estimativa e www.seade.gov.br/produtos/spp/v20n03/
aproximada, a rede de fluxos imateriais que v20n03_10.pdf.
permite dimensionar as redes de relações
que emanam da metrópole. Além desse as- HARVEY, D. Espaços da esperança . São
pecto, buscou revelar que na metrópole Paulo: Ed. Loyola, 2004.
contemporânea se realizam movimentos de
concentração e de centralização sócio-espa- IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
ciais (do capital e territorial), nos quais a Estatística). Producto Interno Bruto dos Mu-
concentração tende a relacionar com o ho- nicípios. Brasil: IBGE, 2006.
mogêneo e o repetitivo, enquanto que à
centralização ao disperso e heterogêneo. INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE.
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