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Fl.

2002
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

Ministério da Jus�ça e Segurança Pública


Polícia Federal
COORDENAÇÃO DE INQUÉRITOS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES - CINQ/CGRC/DICOR/PF

OFÍCIO Nº 10/2022/CINQ/CGRC/DICOR/PF

Brasília/DF, na data da assinatura eletrônica.

75
À Sua Excelência, a Senhora

:21 48
MINISTRA ROSA WEBER
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

:06 Inq
Praça dos Três Poderes, Brasília - DF - CEP 70175-900

14 -75
8
Assunto: INQ. nº 4.875/DF (Epol nº 2021.0049857) SOB SIGILO / AUTUAR EM APARTADO POR
02 .96

DEPENDÊNCIA AO INQ. 4.875/DF


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2-

Excelen�ssima Ministra,
1/0 5.

Cumprimentando-a, e em cumprimento à r. decisão de Vossa Excelência, encaminho,


: 3 r: 43

SOB SIGILO, PARA SER AUTUADO EM APARTADO E POR DEPENDÊNCIA AO INQ. 4.875/DF, 01 PenDrive
Kingston DataTraveler, 8 GB, S/N (sob o Lacre nº 01001645235), com o conteúdo dos processos
administra�vos encaminhados à POLÍCIA FEDERAL pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de
Em po

Vigilância Sanitária, que dizem respeito ao Contrato e à Autorização para importação da Vacina Covaxin.
sso

Encaminho, na mesma mídia digital, cópia do Processo SEI nº 08200.021338/2021-93,


que contem o O�cio nº 2695/2021, oriundo da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal -
pre

CPIPANDEMIA, o qual concede acesso ao Relatório Final e a documentos elaborados pela referida
Comissão - mas que foram classificados como SIGILOSOS.
Im

Respeitosamente,

WILLIAM TITO SCHUMAN MARINHO


Delegado de Polícia Federal
COORDENAÇÃO DE INQUÉRITOS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Documento assinado eletronicamente por WILLIAM TITO SCHUMAN MARINHO, Delegado(a) de


Polícia Federal, em 31/01/2022, às 09:56, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento
no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.
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CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
A auten�cidade deste documento pode ser conferida no site h�p://sei.dpf.gov.br
/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0,
informando o código verificador 21847201 e o código CRC 100AA529.

SAS Q. 06, Lotes 09/10, Edi�cio-Sede da Polícia Federal , Brasília/DF


CEP 70037-900, Telefone: (61) 2024-7931
Referência: Processo nº 08200.001578/2022-52 SEI nº 21847201

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:06 Inq
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pre
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CGRC/DICOR/PF
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POLICIA FEDERAL
h DIRETORIA DE INVESTIGAÇÃO E COMBATE AO CRIME
ORGANIZADO E À CORRUPÇÃO
COORDENAÇÃO DE INQUÉRITOS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES
SAS Q. 06, Lotes 09/10, Edificio-Secte da Policia Federa!, 7® andar - CEP: 70037-900 -
Brasília/DF

INQUÉRITO_STF: 4.875/DF
INQUÉRITO_PF: 2021.0049857
NÚMERO ÚNICO: 0036878-97.2021.1.000000
INÍCIO: 09/07/2021
TÉRMINO: 31/01/2022

7 5
INCIDÊNCIA PENAL: Artigo 319, do Código Penal

:21 48
:06 Inq
“Uma paixão é, pois, antes de mais, uma confusão do
14 -75
espírito. Um sentimento passivo, alienatório, que
desequilibra e faz sofrer mesmo quando é agradável,
8
porque é acompanhado de perturbações e nos leva a
02 .96

pensar e agir contra a nossa razão. O termo vem do


grego pathos e do latim patio, que significam aceitar,
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2-

sofrer. A paixão tem como característica principal ser


sentida como uma servidão, um entrave à nossa
1/0 5.

liberdade. E uma força que nos faz agir contra o nosso


: 3 r: 43

próprio interesse dando-nos a ilusão de ser boa [...] Uma


paixão tende, contudo, a invadir todo o nosso campo de
consciência e a monopolÍ2^ a nossa atenção. O espírito
Em po

tomado por uma paixão não compreende adequa­


sso

damente os seus sentimentos e os seus desejos. Vive


atormentado e inquieto, instável e incoerente, entre a
carência e o excesso. A paixão leva-o, com efeito, a
pre

pensar, dizer ou fazer qualquer coisa sem saber


claramente porque a pensa, a diz ou a faz. Fica
Im

submetido a uma força efetiva que o faz amar ou odiar


passivamente um objeto, mergulhando-o num certo
desequilíbrio psicológico, num conflita interior, numa
tensão. A maior parte dos homens gosfâ de se sentir
levado pelas paixões porque elas se acompanham de
afetos muito intensos que suspendem a m( diocridade da
sua vida quotidiana. Mas toda a paixão/é destrutiva”.
(Bruno GIULIANI. O amor da sabeaoria. Lisboa:
Instituto Piaget, 2002, p. 20) /

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Fl. 2005
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PREVARlCAÇAO (CP, ART. 319). TIPO PENAL


INCRIMINADOR. ELEMENTOS CONSTITUTI­
VOS DO TIPO. SUJEITO ATIVO. CRIME
PRÓPRIO. CONCEITO LEGAL DE FUNCIONÁRIO
PÚBLICO PARA FINS PENAIS (CP, ART. 327,
caput). PRESIDENTE DA REPÚBLICA. POSSIBILI­
DADE. OBJETO MATERIAL. ATO DE OFÍCIO.
DEVER FUNCIONAL DECORRENTE DE REGRA
LEGAL DE COMPETÊNCIA. COMPETÊNCIAS DO
PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PREVISÃO
CONSTITUCIONAL (CF, ART. 84). PRINCÍPIO DA

5
LEGALIDADE PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE

7
:21 48
CRIAÇÃO INTERPRETATIVA DE REGRA DE
COMPETÊNCIA COMO DEVER FUNCIONAL

:06 Inq
GERAL PARA FINS PENAIS. SITUAÇÃO
CONCRETA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO
OBJETIVO DO TIPO PENAL INCRIMINADOR.
14 -75
TIPICIDADE. TIPICIDADE FORMAL. JUÍZO DE
8
TIPICIDADE NEGATIVO. AUSÊNCIA DE JUSTA
02 .96

CAUSA PARA CONTINUIDADE DO INQUÉRITO.


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2-
1/0 5.

Excelentíssima Ministra,
: 3 r: 43
Em po

A POLÍCIA FEDERAL,
sso

pelo Delegado de Polícia Federal que a representa, com fundamento no artigo 10,
pre

§ 1°, do CPP, no artigo 2°, § 1°, da Lei n° 12.830/13, e no artigo 230-C, do RISTF,
vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar o
Im

RELATÓRIO FINAL

da investigação policial realizada para uração da prática do crime de


prevaricação (CP, art. 319) imputado ao Exdelentíssimo Presidente da República
JAIR MESSIAS BOLSONARO.

2
Fl. 2006
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1. CONTEXTUALIZAÇÃO

Em 05/07/2021, os Excelentíssimos Senadores da República Randolph


Frederich Rodrigues Alves, Fabiano Contarato e Jorge Kajuru Reis da Costa
Nasser apresentaram a este Supremo Tribunal Federal notícia-crime (PET.
9.760/DF) solicitando, de início, a intimação da Procuradoria-Geral da
República para requerer “a instauração de inquérito com vistas à posterior

5
persecução criminal” e, no requerimento, “a intimação da Procuradoria-Geral

7
:21 48
da República para promover o oferecimento da denúncia contra o Presidente

:06 Inq
da República pela prática do crime de prevaricação, previsto no art. 319 do
CP”.
14 -75
8
02 .96

Segundo o noticiado pelos Senadores da República, foram ouvidos


pela Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Federal - CPIPANDEMIA,
1/2 586
2-

em 25/06/2021, o Excelentíssimo Deputado Federal Luis Cláudio Fernandes


1/0 5.

Miranda (“Luis Miranda”) e o servidor público do Ministério da Saúde Luis


: 3 r: 43

Ricardo Fernandes Miranda (“Luis Ricardo”) - irmão do Deputado Federal.


Em po

Na ocasião, segundo o que consta na notícia-crime, ambos foram


sso

ouvidos “a respeito da compra, pelo Governo Federal, de vacinas fabricadas


pre

pelo laboratório indiano Covaxin”. Após algumas considerações sobre


Im

suspeitas (“superfaturamento”, “escolha do objeto por critérios não


técnicos”, “intermediação da compra por empresa investigada por outras
fraudes e ilícitos”) acerca da compra da vacina Covaxin pelo Governo
Federal - celebrada no Contrato de n° 29/2021 -, foram transcritos trecfkts
dos depoimentos do servidor público Luis Ricardo e do Deputado Federal
Luis Miranda.

O primeiro, nas palavras dos Senadores da República, relatou que “tO'


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Fl. 2007
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a equipe do setor identificou problemas na importação e na execução do


contrato” e afirmou “ter recebido pressões atípicas vindas dos superiores”.
Foram indicados Alex Liai Marinho, Roberto Ferreiras Dias, Marcelo Bento
Pires e Elcio Franco. Por fim, relatou Luis Ricardo que “Com essa pressão
e a forma com que a gente recebeu os documentos, toda a equipe do setor
não se sentiu confortável com essa pressão e com a falta de documento. E
aí, como os meus dois superiores internos no ministério estavam

7 5
pressionando, eu acionei, conversei com meu irmão, que aí passou ao

:21 48
Presidente”.

:06 Inq
14 -75
O segundo, por sua vez, “narrou à Comissão o encontro em que
apresentou as denúncias ao Presidente da República”. Tal encontro ocorreu,
8
02 .96

segundo o já apurado, no dia 20/03/2021, no Palácio da Alvorada; dele


1/2 586

também participou, na conversa, Luis Ricardo. Ambos teriam relatado ao


2-

Presidente da República Jair Messias Bolsonaro irregularidades por ocasião


1/0 5.
: 3 r: 43

da concessão de licença de importação das vacinas da Covaxin, objeto do


Contrato n° 29/2021. Disse o Deputado Federal Luis Miranda:
Em po
sso

“E eu encontro com o Presidente, levo todos os documentos que,


naquele momento, a gente possuía, que eram não só documentos,
pre

mas também apresentei matérias de jornais - pra ficar bem claro o


Im

que eu apresentei para o Presidente -, matérias que falavam dos


problemas que a empresa possuía dentro do ministério. E levando
a questão ao Presidente, com muita clareza, eu falei: Presidente, a
gente não sabe ao certo se tem ou não tem alguma coisa de errado.
E não temos força pra saber. Mas meu irmão não quer assinar. Ele
não tem conforto pra assinar a invoice da forma que ela veio. E na
segunda - vocês observaram nos eslaides na segunda, na terçai
se manteve. Então, eu explico isso para o Presidente pra que/o
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Fl. 2008
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Presidente tome as devidas providências. E o Presidente, de forma
enfática, falou pra mim: ‘Não, isso realmente é muito sério. Vou
encaminhar para o DG da Polícia Federal verificar tudo isso que
vocês passaram pra mim’”.

Segundo o Deputado Federal Luis Miranda, passados 3 (três) meses da


data do encontro, e uma vez que não recebeu nenhuma resposta do Presidente da
República ou de seus assessores ou do Ministro da Saúde, era provável que o

7 5
Presidente da República Jair Messias Bolsonaro não havia encaminhado a

:21 48
“denúncia” ao Diretor-Geral da Polícia Federal. Essa, também, foi a conclusão

:06 Inq
dos Senadores da República:

14 -75
“Ademais, a despeito da promessa do Presidente diante do
8
02 .96

denunciante, a Polícia Federal não foi acionada ao menos até o dia


1/2 586

18 de junho de 2021, quando vieram a público as denúncias do


2-

servidor ao Ministério Público. Segundo a Polícia Federal, não foi


1/0 5.

encontrado nenhum registro de abertura de inquérito para apurar


: 3 r: 43

as denúncias de irregularidades na compra da vacina indiana


Em po

Covaxin. O órgão confirmou que Jair Bolsonaro jamais alertou a


PF para corrupção no contrato da vacina indiana”.
sso
pre

E, em seguida, avaliaram:
Im

“À luz disso, é de se afirmar que o Presidente da República deveria


ter, com os fatos de que dispunha à época, requisitado a
instauração das competentes investigações para apurar a suspeita
de nefasta corrupção no bojo das contratações do Ministério da\
Saúde. Dentre outras medidas, uma das mais naturais seria a de,
cautelarmente, interromper as negociações ou execução contratual
com a empresa responsável pela vacina indiana Covaxin até que /
Fl. 2009
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os fatos fossem fmalmente apurados e esclarecidos. No entanto,


não houve nenhuma ação para a abertura de inquérito capaz de
investigar as denúncias.
Mas, ao revés, o que se viu foi uma agilidade ainda maior para o
fazimento do ajuste e a assinatura do contrato de aquisição da
vacina, mesmo sob os enormes indícios de gravíssimas
irregularidades. Parece-nos, assim, que o Presidente da República
escolheu, deliberadamente, a inação diante do aparente esquema

7 5
de corrupção”.

:21 48
:06 Inq
Ao final, e em razão do juízo que estabeleceram sobre os fatos narrados

14 -75
pelo Deputado Federal Luis Miranda, atribuíram ao Presidente da República Jair
Messias Bolsonaro uma omissão que caracterizaria, além de crime de
8
02 .96

responsabilidade e de ato de improbidade administrativa, o crime de prevaricação.


1/2 586
2-

Intimada, a Procuradoria-Geral da República, representada pelo Vice-


1/0 5.

Procurador-Geral da República, após algumas considerações sobre a


: 3 r: 43

independência e harmonia entre os Poderes da República, o contexto de


Em po

investigações por Comissões Parlamentares de Inquérito no Congresso Nacional,


a função institucional do Ministério Público, a violação, se deferido o
sso

requerimento, do princípio acusatório, a existência de investigação por órgão do


pre

Ministério Público Federal no Distrito Federal sobre os fatos envolvendo a


Im

empresa que celebrou o contrato com o Ministério da Saúde, entendeu que

“em respeito ao sistema de independência e harmonia dos Poderes


constituídos e consciente da impossibilidade do salto direto da
da fase apuratóriV
notícia-crime para a ação penal, com supressão
o Ministério Público Federal requer que não se dê trânsito i
petição precoce, sem prejuízo de o Ministério Público Federa i
praticar os atos de sua atribuição após o encaminhamento oo
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Fl. 2010
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relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito respectiva, e a


resolução que o aprovar.

Subsidiariamente, caso o entendimento de Vossa Excelência fosse


diverso, o Ministério Público Federal, na mesma ocasião, postulou pela

“reabertura de oportunidade para que a Procuradoria-Geral da


República se pronuncie sobre a conveniência, a oportunidade e as

7 5
diligências iniciais necessárias em um Inquérito sob a jurisdição

:21 48
do Supremo Tribunal Federai sobre a fração das apurações da

:06 5 Inq
Comissão Parlamentar de Inquérito trazida ao conhecimento da
Corte Constitucional pelos requerentes, com tramitação em
8-7
paralelo à investigação pela Casa Legislativa e as demais
02 .96
14
instâncias investigativas ordinárias”.
1/2 586
2-

Em decisão de 01/07/2021, Vossa Excelência entendeu que


1/0 5.
: 3 r: 43

“O exercício do poder público, repito, é condicionado. E no


Em po

desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o


papel de espectador das ações dos Poderes da República. Até
sso

porque a instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito não


pre

inviabiliza a apuração simultânea dos mesmos fatos por outros


Im

atores investidos de concorrentes atribuições, dentre os quais as


autoridades do sistema de justiça criminal (MS 23.639, Rei. Min.
Celso de Mello, Tribunal Pleno, publicado em 16.2.2001).
Com efeito, não há no texto constitucional ou na legislação de
temporári^de
regência qualquer disposição prevendo a suspensão
procedimentos investigatórios correlatos ao objeto da CPI.
Portanto, a previsão de que as conclusões dos trabalhos
parlamentares devam ser remetidas aos órgãos de controle não
7
Fl. 2011
CGRC/DICOR/PF
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limita, em absoluto, sua atuação independente e autônoma. Outra
não pode ser a interpretação dada ao artigo 58, § 3°, da CF/88 e às
Leis n° 1.579/1952 e Lei n° 10.001/2000, sob pena, inclusive, de
restringir poderes constitucionalmente atribuídos.

E, ao final, decidiu:

Ante o exposto, indefiro o pedido para que “não se dê trânsito à

7 5
petição”, porquanto direito de estatura constitucional, e determino

:21 48
a reabertura de vista dos autos à PGR, para que, oportunizando-

:06 5 Inq
Ihe nova manifestação nos limites de suas atribuições
constitucionais, adote as providências que julgar cabíveis”.
8-7
02 .96
14
Em nova manifestação, o Vice-Procurador-Geral da República solicitou
1/2 586

a Vossa Excelência a instauração de inquérito “para apuração dos fatos veiculados


2-

na petição”, na qual foi atribuída “ao Excelentíssimo Senhor Presidente da


1/0 5.

República Jair Messias Bolsonaro o cometimento, em tese, da infração penal


: 3 r: 43

descrita no artigo 319 do Código Penal.” Foi, também, solicitada a condução da


Em po

investigação pela POLÍCIA FEDERAL e foram indicadas, pelo Ministério


Público Federal, as diligências essenciais e suficientes para “contribuir para a
sso

formação de opinião quanto à viabilidade de se promover, ou não, ação penal”


pre

sobre fato que, em tese, caracterizaria o crime de prevaricação.


Im

2. OBJETO E LIMITES DA INVESTIGAÇÃO POLICIAL

Em 02/07/2021, foram autorizadas por Vossa Excelência

“(i) a instauração de inquérito destinado à investigação penal ^s


fatos noticiados na peça inicial (evento 01), relacionado» ao
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Fl. 2012
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Senhor Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro; bem


como (ii) a realização das diligências indicadas na promoção
ministerial”.

É importante, desde logo, esclarecer que esta investigação policial tem


por objeto fatos depreendidos do contexto apresentando na notícia-crime e
limites que, por consequência lógico-jurídica, giram em torno da imputação
penal que, em tese, é atribuída ao Presidente da República Jair Messias

7 5
:21 48
Bolsonaro — o crime de prevaricação (CP, art. 319).

:06 Inq
Ou seja, não é objeto de investigação neste inquérito eventuais

14 -75
irregularidades, ilegalidades ou crimes envolvendo a negociação, a celebração ou
a execução do Contrato n° 29/2021, no âmbito do Ministério da Saúde ou no da
8
02 .96

Agência Nacional de Vigilância Sanitária, seja por parte de agentes públicos do


1/2 586

Governo Federal, seja por parte de particulares, pessoas físicas ou jurídicas. O


2-

objeto desta investigação policial é o ato (ou ausência dele), com aspecto jurídico-
1/0 5.

penal, atribuído ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro.


: 3 r: 43
Em po

É certo, no entanto, que os elementos de prova (depoimentos e


documentos) produzidos nesta investigação irão, uma vez compartilhados,
sso

subsidiar, nas jurisdições competentes, outras investigações que tenham por


pre

objeto específico os fatos relacionados ao Contrato n° 29/2021.


Im

Os limites, portanto, são aqueles que, a partir das diligências indicadas


pelo Ministério Público Federal, e deferidas por Vossa Excelência, dão suporte
fático-jurídico ao que consta, obietivamente. na Portaria de instauração (de
09/07/2021) deste inquérito policial e que, em tese, tipificariam o crime, de
prevaricação (CP, art. 319).

Com isso, preserva-se o princípio da legalidade, em sua amplitiide


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Fl. 2013
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

penal (CF, art. 5, II e XXXIX; CP, art. 1°) e administrativa (CF, art. 37, caput),
e evita-se, em investigações, de um lado, experimentos teóricos e malabarismos
interpretativos e, de outro, o uso do Estado-investigação - a Polícia Judiciária -
com vieses ideológicos ou políticos. Na investigação — conduzida por uma Polícia
de Estado -, ainda que os fatos e os meios de obtenção de provas sejam
complexos, é e sempre foi suficiente um juízo de valor de subsunção do fato-ato
(do mundo real) à norma do tipo penal (mundo jurídico).

7 5
Na aparência da prática de infração penal, o Ministério Público Federal

:21 48
indicou diligências que, como dito, são essenciais e suficientes para avaliar a

:06 Inq
viabilidade jurídica de se promover, ou não, a ação penal - segundo, neste caso,
14 -75
o procedimento estabelecido no art. 86, da Constituição Federal - sobre fato que,
em tese, caracterizaria o crime de prevaricação praticado pelo Presidente da
8
02 .96

República Jair Messias Bolsonaro. Assim, segundo indicado na Portaria, este


1/2 586

inquérito policial foi instaurado


2-
1/0 5.
: 3 r: 43

“para apurar se, em 20/03/2021, o Presidente da República teria


sido informado sobre supostas irregularidades na compra, pelo
Em po

Ministério da Saúde, de 20 milhões de doses da vacina Covaxin,


sso

produzida pela empresa indiana Bharat Biotech Limited


International, e se, ainda assim, e ao não comunicar os órgãos de
pre

fiscalização ou de investigação criminal, teria deixado de praticar,


Im

indevidamente, ato de ofício, para satisfazer interesse ou


sentimento pessoal, fato que, em tese, constitui o crime previsto
no artigo 319, do Código Penal”.

3. DILIGÊNCIAS

As diligências indicadas pelo Ministério Público Federal forany as


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Fl. 2014
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2021.0049857
seguintes:

“(a) solicitar informações à Controladoria-Geral da União, ao


Tribunal de Contas da União, à Procuradoria da República no
Distrito Federal, e em especial à Comissão Parlamentar de
Inquérito da Pandemia sobre a pendência de procedimentos
relativos aos mesmos fatos, e, em caso positivo, o
compartilhamento de provas;

7 5
(b) produzir provas, inclusive através de testemunhas, sobre:

:21 48
(b. 1) a prática do ato de ofício após o prazo estipulado ou o tempo

:06 Inq
normal para sua execução, com infração a expressa disposição
legal ou sua omissão;14 -75
(b.2) a competência dos supostos autores do fato para praticá-lo;
8
02 .96

(b.3) a inexistência de discricionariedade quanto à prática ou


1/2 586

omissão do ato pelo agente;


2-

(b.4) caracterização de dolo, direto ou eventual, acrescido do


1/0 5.

intuito de satisfazer interesse ou sentimento pessoal;


: 3 r: 43

(c) ouvir os supostos autores do fato.


Em po

Tais diligências, dentre outras, vão ao encontro da cristalização dos


sso

elementos do tipo penal incriminador do art. 319, do CP.


pre
Im

A POLICIA FEDERAL, durante a investigação, realizou as seguintes


diligências:

INFORMAÇÕES E DOCUMENTOS:

1. Solicitação à Presidente do Tribunal de Contas da União^o

Ministro de Estado da Controladoria-Geral da União, áo


Procurador-Chefe do Ministério Público Federal/Procuradoria
II
Fl. 2015
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da República no Distrito Federal de informações sobre


eventuais apurações ou fiscalizações relacionadas ao Contrato n°
29/2021 (Processo Eletrônico n° 25000.175250/2020-85)
celebrado entre a União por intermédio do Departamento de
Logística em Saúde da Secretaria Executiva do Ministério da
Saúde e a empresa Bharat Biotech Limited International,
representada pela empresa Precisa Comercialização de
Medicamentos Ltda (CNPJ n° 03.394.819/0005-00) {fls. 69-70,

7 5
:21 48
73)
(i) Resposta do Tribunal de Contas da União (fls. 463-468)

:06 Inq
(ii) Resposta do Ministério Público Federal/Procuradoria
14 -75
da República no Distrito Federal (fls. 469-470 — o conteúdo
é enviado por petição)
8
02 .96

(iii) Resposta da Controladoria-Geral da União (fls. 484-


1/2 586

522)
2-
1/0 5.

2. Solicitação ao Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral


: 3 r: 43

da Presidência da República de informações sobre o local e os


Em po

horários de início e término do encontro ocorrido no dia


20/03/2021 entre o Senhor Presidente da República Jair Messias
sso

Bolsonaro, o Deputado Federal Luis Miranda e o servidor público


pre

Luis Ricardo, bem como sobre se outras pessoas, funcionários da


Im

Presidência ou não, acompanharam o encontro (fl. 75).


(i) Resposta (v. Certidão de fl. 478, Despacho de fl. 1844 e
fls. 1875-1876)

3. A obtenção de cópia das gravações (e das respectivas notas


taquigráficas) dos depoimentos prestados à Connpão
Parlamentar de Inquérito no Senado Federal na “CP^ da
Pandemia” pelas seguintes pessoas: Emanuela Batista de luza
12
Fl. 2016
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
Medrades, Francisco Emerson Maximiano, Luis Cláudio
Fernandes Miranda, Luis Ricardo Fernandes Miranda, Regina
Célia Silva Oliveira, Roberto Ferreira Dias, William Amorim
Santana.
(i) Resposta (v. fls. 533-536 - o conteúdo é enviado por
petição)

4. Solicitação ao Diretor do Instituto Nacional de Criminalística

7 5
de perícia para extração de dados da conta de WhatsApp

:21 48
registrada no número + 1 407 800 7920 do Deputado Federal LUIS

:06 Inq
CLÁUDIO FERNANDES MIRANDA, nos limites (pessoas e

14 -75
período) estabelecidos no TERMO DE DEPOIMENTO POR
REGISTRO AUDIOVISUAL N° 3455164/2021 2021.0049857-
8
02 .96

CGRC/DICOR/PF (Epol202L0049857-CGRC/DICOR/PF) (fl.


1/2 586

480)
2-

(i) Resposta (fls. 529-532 o conteúdo é enviado por


1/0 5.

petição)
: 3 r: 43
Em po

DEPOIMENTOS:
sso

1. Depoimento de Luis Ricardo, servidor público do Ministério


pre

da Saúde (fls. 94-97)


Im

2. Depoimento de Luis Miranda, Deputado Federal (por registro


audiovisual — fl. 194; o conteúdo é enviado por petição)
3. Depoimento de Emanuela Batista de Souza Medrades,
diretora executiva da empresa Precisa Comercialização de
Medicamentos Ltda (fls. 107-109).
4. Depoimento de Francisco Emerson Maximiano, diretor
presidente da empresa Precisa Corntercialização de Medicamentos
Ltda (fls. 116-118) /
13
Fl. 2017
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

5. Depoimento de Eduardo Pazuello, Secretário de Estudos


Estratégicos da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, e ex-Ministro da Saúde, em março de
2021 (fls. 197-198)
6. Depoimento de Ántonio Elcio Franco Filho, Assessor
Especial da Casa Civil, e ex-Secretário-Executivo do Ministério
da Saúde, em março de 2021 {fls. 556-559)

75
7. Depoimento de Jonathas Diniz Vieira Coelho, Ajudante de

:21 48
Ordens da Presidência da República (fls. 560-562)

:06 Inq
JUNTADA DE DOCUMENTOS:
14 -75
8
1. Documentos apresentados por Emanuela Batista de Souza
02 .96

Medrades e Francisco Emerson Maximiano (fls. 126-193)


1/2 586

2. Documentos apresentados por Luis Miranda (fls. 200-333)


2-

3. Documentos apresentados por Eduardo Pazuello (fls. 334-


1/0 5.
: 3 r: 43

447)
4. Documentos apresentados por Jonathas Diniz Vieira Coelho
Em po

(fls. 564-584)
sso

5. Documentos apresentados por Antonio Elcio Franco Filho


(conforme Despacho de fls. 563 e 1884 e fls. 1877-1993)
pre

6. Documentos encaminhados pelo Presidente da Comissão


Im

Parlamentar de Inquérito do Senado Federal-


CPIPANDEMIA, cujo Ofício n*^ 2695/2021 confere acesso ao
Relatório Final e a documentos elaborados pela referida CPI -
considerando que foram “classificados” como sigilosos pelo
Presidente da CPIPANDEMIA, os documentos são encar^hados
em petição apartada e sob sigilo - conforme Despacho de f. 1844)

14
Fl. 2018
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
Em 18/10/2021, a POLÍCIA FEDERAL solicitou a Vossa Excelência a
prorrogação do prazo para encerramento da investigação, uma vez que havia
necessidade de obter documentos de processos que, por ato administrativo ou por
lei, estavam/estão sob sigilo: os processos de contratação e de importação (caso
fossem diversos) da vacina Covaxin (Contrato n° 29/2021), junto ao Ministério
da Saúde e o processo de autorização de uso emergencial da vacina Covaxin junto
à Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

7 5
Após manifestação do Ministério Público Federal, Vossa Excelência

:21 48
deferiu a prorrogação do prazo e as diligências pleiteadas (1831-1837) e

:06 Inq
requisitou, diretamente, ao Diretor-Presidente da Agência Nacional de Vigilância

14 -75
Sanitária (fl. 1839) e ao Ministro de Estado da Saúde (fl. 1841) o envio dos
processos à POLÍCIA FEDERAL - os quais, em ambos os casos, aportaram no
8
02 .96

prazo estabelecido.
1/2 586
2-

Observa-se, no entanto, que, não obstante Vossa Excelência tenha


1/0 5.
: 3 r: 43

mantido “a nota de confidencialidade administrativamente imposta aos


documentos acima referidos” e determinado que os arquivos deveriam “ser
Em po

protocolados em autos apartados e sob sigilo, na forma do art. 230-C, § 2°, do


RISTF”, o Ministério Público Federal juntou aos autos principais “as peças do
sso

processo de importação que culminou na formalização do Contrato n. 29/2021”


pre

(fls. 606-1830).
Im

No entanto, a POLÍCIA FEDERAL, em cumprimento ao que consta na


r. decisão de Vossa Excelência, encaminha os processos enviados pelo Ministério
da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária em petição apartada e
sob sigilo.

Em 29/11/2021, esta autoridade policial, oflcialmente, teve ciência da


decisão de Vossa Excelência, deferindo a prorrogação do prazo.
15
Fl. 2019
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

Não há outras diligências a serem realizadas ou cumpridas pela


POLICIA FEDERAL. O confronto dos dados e das informações constantes dos
documentos obtidos ou juntados e dos depoimentos colhidos é suficiente para
esclarecer o fato objeto desta investigação, segundo o delimitado na Portaria de
instauração do inquérito policial (fls. 1-2) e explicitado no pedido de prorrogação

5
de prazo (fl. 593):

7
:21 48
“(a) o encontro, no dia 20/03/2021, entre o Exmo. Sr. Presidente

:06 Inq
da República Jair Messias Bolsonaro, o Deputado Federal Luis
14 -75
Cláudio Fernandes Miranda e o servidor público Luis Ricardo
Fernandes Miranda, no Palácio da Alvorada; (b) o conteúdo das
8
02 .96

conversas e suas circunstâncias - segundo o divulgado pela


1/2 586

imprensa e pelos depoentes Luis Cláudio e Luis Ricardo, nesta


2-

oportunidade eles teriam levado ao conhecimento do Chefe do


1/0 5.
: 3 r: 43

Poder Executivo informações sobre possíveis irregularidades


envolvendo um contrato de aquisição de vacinas pelo Ministério
Em po

da Saúde; (c) a ação ou omissão consciente do Presidente da


sso

República em determinar a apuração de possíveis


irregularidades/ilegalidades envolvendo o Contrato n° 29/2021
pre

celebrado entre a União (Ministério da Saúde) e a empresa Bharat


Im

Biotech Limited International (então representada pela empresa


Precisa Comercialização Medicamentos Ltda)” (fl. 593).

Restou comprovado - como narrado na notícia-crime - o encontro


entre o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, o Deputado Federal Luis
Miranda e o servidor público Luis Ricardo no Palácio da Alvorada, no dia
20/03/2021. Embora não houvesse nenhum encontro registrado na agen la oficial
do Presidente da República (v. fl. 65), o Ofício n® 131/2021/GPPR, de 13,08/2021,
16
Fl. 2020
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
assinado pelo Chefe do Gabinete Pessoal do Presidente da República, o Sr. Célio
Faria Júnior (fls. 1875-1876), e o depoimento do Ajudante de Ordens Jonathas
Diniz Vieira Coelho (fls. 560-562) convergem, neste ponto, com o conteúdo dos
depoimentos prestados pelo servidor público Luis Ricardo e pelo Deputado
Federal Luis Miranda, tanto na Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado
Federal, em 25/06/2021, quanto na POLÍCIA FEDERAL, em 14/07/2021 e
27/07/2021, respectivamente.

7 5
Não há dúvidas, igualmente, de que o Deputado Federal Luis Miranda

:21 48
e 0 servidor público Luis Ricardo, na ocasião, levaram ao conhecimento do

:06 Inq
Presidente da República Jair Messias Bolsonaro informações que, na visão

14 -75
deles, indicariam a ocorrência de irregularidades na execução do Contrato n°
29/2021, no âmbito do Ministério da Saúde.
8
02 .96
1/2 586

O conteúdo de uma conversa reservada - como a ocorrida no dia


2-

20/03/2021 -, normalmente só é de conhecimento de seus interlocutores. Neste


1/0 5.

caso, no entanto - e no ponto que interessa para avaliar o fato -, uma das pessoas
: 3 r: 43

ouvidas pela POLÍCIA FEDERAL confirmou, indiretamente, que o Presidente da


Em po

República Jair Messias Bolsonaro teve conhecimento, no dia 20/03/2021, dessa


situação.
sso
pre

O então Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, declarou:


Im

“QUE o Presidente da República, pessoalmente, no Palácio do


Planalto, solicitou ao declarante que averiguasse se estava
ocorrendo alguma irregularidade com o contrato de aquisição da
vacina Covaxin; QUE recebeu esse pedido pessoalmente, de
maneira verbal; QUE essa demanda não foi feita por escrito, èor
telefone ou mensagens de texto; QUE não se recorda se fste
pedido do Presidente da República foi feito no dia 22 ou dia
17
Fl. 2021
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

vacina, mesmo sob os enormes indícios de gravíssimas


irregularidades. Parece-nos, assim, que o Presidente da República
escolheu, deliberadamente, a inação diante do aparente esquema
de corrupção”.

Ou seja, tanto a notícia-crime apresentada — com suporte nas


declarações do Deputado Federal Luis Miranda quanto o depoimento do ex-
Ministro da Saúde evidenciam que o Presidente da República Jair Messias

7 5
:21 48
Bolsonaro recebeu uma “denúncia” de que podería haver irregularidades na
execução do Contrato n° 29/2021. (Um esclarecimento: o Contrato n° 29/2021 foi

:06 Inq
celebrado em 25/02/2021, 25 dias antes do encontro; as possíveis irregularidades

14 -75
descritas pelo servidor público Luis Ricardo só chegaram ao seu conhecimento
no dia 18 ou 19/03/2021, pois, segundo ele declarou, “com relação ao Contrato n°
8
02 .96

29/2021, celebrado entre a União e a empresa BHARAT BIOTECH LIMITED


1/2 586

INTERNATIONAL, esclarece que sua Divisão teve conhecimento dele no mês


2-

de março, não se recordando exatamente da data, através de email encaminhado


1/0 5.
: 3 r: 43

pela empresa PRECISA COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS LTDA;


QUE este email foi encaminhado para o email do Departamento de Logística, que
Em po

o reencaminhou para o Departamento de Importação” - fl. 94)


sso

Não havendo elementos que indiquem o contrário, deve-se presumir


pre

que os ocupantes dos cargos de Deputado Federal e de Ministro de Estado, como


Im

qualquer cidadão, digam a verdade. E, neste ponto, há, novamente, convergência.

Comprovados o encontro e suas circunstâncias e o conhecimento da


“denúncia”, resta verificar se o Presidente da Repút^a Jair Messias Bolsonaro,
no contexto dos fatos aqui considerados, retardoinou deixou de praticar,
indevidamente (leia-se: ilegal, irregular ou injustificadam mte), ato de ofício, para
satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

19
Fl. 2022
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
Há duas versões sobre a conduta do Presidente da República Jair
Messias Bolsonaro após o dia 20/03/2021. Uma, a de que ele não agiu, pois não
acionou a POLÍCIA FEDERAL para a apuração dos fatos, antes deles se tomarem
públicos, em 18/06/2021 e 23/06/2021 - datas em que foram publicadas, por
veículos de comunicação diferentes, duas reportagens sobre as possíveis
irregularidades encontradas no contrato da vacina Covaxin; outra, a de que o
Presidente da República e o Governo Federal agiram exercendo o dever-poder de
controle dos seus próprios atos administrativos, anulando-os quando ilegais ou

7 5
revogando-os quando inconvenientes ou inoportunos o Contrato n° 29/2021

:21 48
celebrado entre a União e a empresa Precisa Comercialização de Medicamentos

:06 5 Inq
Ltda teve sua execução suspensa em 02/07/2021 e foi rescindido em 23/08/2021.
8-7
Não é aceitável, face à impossibilidade de produção de prova concreta
02 .96
14
sobre tal circunstância, optar por uma das versões.
1/2 586
2-

De fato, a POLÍCIA FEDERAL não foi acionada, pelo Presidente da


1/0 5.

República Jair Messias Bolsonaro, antes dos fatos se tomarem públicos. No


: 3 r: 43

entanto, há declarações prestadas e documentos produzidos por agentes públicos


Em po

(um ex-Ministro de Estado da Saúde, fls. 197-198 e 334-447, e um ex-Secretário-


Executivo do Ministério da Saúde, fls. 556-559 e 1877-1993) e órgãos públicos
sso

(como o TC n“ 006.789/2021-8, do Tribunal de Contas da União - cuja análise


pre

preliminar é de 25/03/2021; e a Nota Técnica n“ 1839/2021/CGSAU/DS/SF, da


Im

Controladoria-Geral da União) que indicam que houve um acompanhamento


contemporâneo (pelo TCU) e, com a publicização dos fatos, posterior (pela CGU)
da execução do Contrato n“ 29/2021.

Se, diante de tal circunstância, uma versão sem lastro mobatório


suficiente fosse escolhida, o Estado-investigação romperia os limites da fronteira
entre o mundo político e o mundo jurídico-penal. Ao mundo político perfence a
legitimidade do confronto (e não do conflito), do debate e da decisão par certas
20
Fl. 2023
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
f

concepções de mundo. E nesta esfera, sobretudo integrada pelo Poder Legislativo,


que a opção por algumas, entre muitas idéias diferentes, é legítima. Ao mundo
jurídico-penal compete, tão somente, investigar/processar fatos~atos que,
previamente já definidos em lei (principio da legalidade e da reserva legal),
caracterizariam infrações penais. A vontade e a escolha são da essência do mundo
político; a razão é o limite do mundo jurídico-penal.

Por isso, e importa esclarecer, se o Estado-investigação ou o Estado-

7 5
acusaçào não se desincumbem do dever de comprovar um fato-ato tipificado

:21 48
como infração penal, não podem, em substituição, valerem-se de experimentos

:06 Inq
teóricos, mesmo que engenhosos - como é o caso da “inferência para a melhor
14 -75
explicação” -, para indicar, direcionando, uma “hipótese” como sendo a “melhor
explicação”. Há que haver, ainda que por indícios, lastro probatório suficiente, e
8
02 .96

não apenas argumentação.


1/2 586
2-

O fato-ato no mundo jurídico-penal deve ser considerado sob um único


1/0 5.
: 3 r: 43

paradigma: o da análise técnico-jurídica do tipo penal incriminador — que


incorpora os princípios, garantias e regras do regime jurídico-penal, o “senso
Em po

comum” teórico dos juristas e a jurisprudência dos Tribunais.


sso

Este caso impõe um caminhar adiante.


pre
Im

Ainda que não estejam comprovadas quaisquer das versões antes


aludidas, é necessário constatar - como se fará em seguida - se “o fato concreto
[se adequa] ao modelo legal abstrato, previsto tipo penal incriminador”
(Guilherme de Souza NUCCI. Princípios constitucionais penais e processuais
penais. 4^^ ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 120). /

21
Fl. 2024
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
4. ANÁLISE TÉCNICO-JURÍDICA DO TIPO PENAL INCRIMINADOR:
ART. 319, DO CÓDIGO PENAL

Ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro foi atribuída na


notícia-crime conduta que, em tese, caracterizaria o crime de prevaricação
descrito no tipo penal incriminador do art. 319, do CP, assim redigido;

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de

7 5
ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para

:21 48
satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três

:06 Inq
meses a um ano, e multa.
14 -75
Segundo os Senadores da República, diante do recebimento de
8
02 .96

“denúncias” de possíveis irregularidades em contrato celebrado pela União,


1/2 586
2-

“o Presidente da República deveria ter, com os fatos de que


1/0 5.

dispunha à época, requisitado a instauração das competentes


: 3 r: 43

investigações para apurar a suspeita de nefasta corrupção no bojo


Em po

das contratações do Ministério da Saúde. Dentre outras medidas,


uma das mais naturais seria a de, cautelarmente, interromper as
sso

negociações ou execução contratual com a empresa responsável


pre

pela vacina indiana Covaxin até que os fatos fossem fmalmente


Im

apurados e esclarecidos. No entanto, não houve nenhuma ação


para a abertura de inquérito capaz de investigar as denúncias”.

Pois bem. Segundo o “senso comum” teórico dos juristas, crime é um


fato típico, ilícito (antijurídico, antinormativo) e cuipável - ou, ao menos, típico
e ilícito {André ESTEFAM. Direito Penal: parte geral (arts. 1° a 120). 10“ ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, v. 1, pp. 207-208). /

22
Fl. 2025
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
Não há dúvidas de que o fato típico ou tipo penai incriminador
(primeiro elemento estrutural do conceito de crime) é a concretização, no mundo
real, do princípio da legalidade. Segundo Sérgio de Oliveira MÉDICI,

“O Estado, por meio do Direito Penal, reprime as condutas


antissociais consideradas lesivas a bens ou interesses jurídicos
relevantes. Essa repressão não é feita de forma arbitrária e
indiscriminada, de acordo com a vontade de cada julgador. A

7 5
limitação ao arbítrio, decorrente do princípio da legalidade, está na

:21 48
definição das condutas consideradas penalmente relevantes, ou

:06 Inq
seja, por meio dos tipos penais'^ {Teoria dos tipos penais: parte

14 -75
especial do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004,
p. 106).
8
02 .96
1/2 586

O tipo penal incriminador exerce, assim, funções de garantia e de


2-

segurança, pois, “[a]o indicar os limites para a atuação punitiva do Estado e,


1/0 5.

consequentemente, o âmbito de atuação lícita aos cidadãos, atua com a


: 3 r: 43

fundamental importância de delimitar claramente a zona do ilícito penal sobre a


Em po

qual pesa a ameaça da punição” (Mariângela Gama de Magalhães GOMES.


Teoria geral da parte especial do direito penal. São Paulo: Atlas, 2014, pp. 33-
sso

34).
pre
Im

Para que uma conduta seja considerada infração penal, ela precisa ser
adaptada a um tipo penal incriminador. Significa dizer que deve haver a
realização no mundo dos fatos de todos os elementos constitutivos, expressos ou
implícitos, objetivos e subjetivos, do tipo penal incriminador. Tais elementos nada
mais são do que as “referências que fazem (ou podem fazer) parteW descrição
típica, quando são delimitadas as condutas ilícitas do ponto de vista do direito
penal” (Mariângela Gama de Magalhães GOMES, op. cit., p. 43).

23
Fl. 2026
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

Embora não haja um consenso, é possível indicar os seguintes


elementos constitutivos do tipo penal incriminador: conduta (ação ou
omissão), resultado (ou evento), nexo causai, sujeitos (ativo e passivo), meios
(ou instrumentos) e modos de execução, circunstâncias de tempo e lugar,
objeto material, bem jurídico (ou objetividade jurídica), quebra do dever de
cuidado objetivo e previsibilidade objetiva - os dois últimos apenas para os
crimes culposos (André ESTEFAM, op. cit., p. 229; Mariângela Gama de
Magalhães GOMES, op. cit., pp. 42-43; Sérgio de Oliveira MEDICI, op. cit., p.

7 5
114; José Cirilo de VARGAS. Do tipo penal. 3^ ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

:21 48
2008, pp. 67-68).

:06 Inq
14 -75
Para a completude da compreensão da análise técnico-jurídica sobre o«
fatos aqui considerados são necessários alguns esclarecimentos sobre os
8
02 .96

seguintes elementos constitutivos do tipo penal incriminador do art. 319: o sujeito


1/2 586

ativo e o objeto material.


2-
1/0 5.

O crime de prevaricação está previsto no Capítulo I (Dos Crimes


: 3 r: 43

Praticados por Funcionário Público Contra a Administração em Geral) do


Em po

Título XI (Dos Crimes Contra a Administração Pública) da Parte Especial do


Código Penal. Neste Título, o Código Penal reúne os crimes que visam proteger
sso

o normal funcionamento dos órgãos do Estado, assegurando, no âmbito da res


pre

publica, a “boa conduta” dos agentes públicos e dos particulares. O Capítulo I,


Im

especificamente, contém as principais “expressões penais da corrupção pública”


- na feliz expressão de Waldo FAZZIO JUNIOR {Corrupção no poder público:
peculato, concussão, corrupção passiva e prevaricação. São Paulo: Atlas, 2002,
p. 12).

Como crime funcional, a prevarícaçãcj concretiza, em essência, um


desvio de poder (ou competência). Neste caso •mo aduz Maria Cuervo Silva e
Vaz CERQUINHO-
24
Fl. 2027
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
“em que o agente prossegue fim de interesse privado, seja para a
implementação de desejos e ambição pessoais ou de terceiros,
evidentemente configura-se grave ofensa à norma jurídico-
administrativa de sua competência, porquanto não contente em se
desviar de fim genérico de interesse público, deixa-se o agente
guiar, no exercício de um poder que lhe foi conferido para atuar
em nome e representação do Estado, para fazer valer os altos
desígnios desse, por paixões pessoais, por desejos de favoritismo

7 5
ou de perseguições, vindo, com isso, não só a infringir a regra de

:21 48
competência, mas a provocar grave ofensa ao princípio de

:06 Inq
igualdade dos administrados perante a Administração, a qual tem

14 -75
a sua gênese no próprio plano constitucional que consagra a
igualdade de todos perante a lei” (O desvio de poder no ato
8
02 .96

administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, pp. 81-82,


1/2 586

apud Waldo FAZZIO JÚNIOR, op. cit., p. 23).


2-
1/0 5.

Há uma ofensa grave à “ftinçâo pública” (em sentido amplo).


: 3 r: 43

Intencional o desvio, o que sobra é a “disfunção pública qualificada”. Por isso,


Em po

mais do que um mero ato administrativo inválido (segundo o regime jurídico-


administrativo), a conduta objeto da prevaricação pode caracterizar, num só
sso

tempo, ilícito administrativo, civil, ímprobo e penal. O agente público, ao tempo


pre

que “desserve”, “serve-se” da função pública para obter vantagem


Im

particular.

Segundo esclarece Marçal JUSTEN FILHO,

“A função consiste numa posição jurídica caracterizadíK^ela


titularidade de deveres, poderes e direitos atribuídos ao sujeito pão
para a realização dos próprios interesses pessoais, mas ara
satisfação de interesses [legítimos] alheios. Em termos técdico-
25
Fl. 2028
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

jurídicos, a existência de uma função significa a instituição de


poderes jurídicos de natureza instrumental, que são previstos como
meio para a realização de um fim transcendente ao interesse
pessoal do sujeito.
Logo, a afirmativa de que a função do administrador é aplicar a lei
de ofício significa não apenas a titularidade de poderes para
interpretar e dar concretude à lei, mas o dever de fazê-lo visando
à realização dos interesses coletivos. Atribui-se a um sujeito o

7 5
encargo de perseguir a satisfação de um interesse ou de um direito

:21 48
que ultrapassa sua órbita própria individual. Como contrapartida

:06 Inq
da atribuição desse encargo, o sujeito recebe um poder jurídico,

14 -75
cujo conteúdo e delimitação dependem das circunstâncias e da
adequação à realização do fim imposto pelo direito.
8
02 .96

Assim, o conceito de função compreende três aspectos diversos, a


1/2 586

saber: a) a titularidade alheia do interesse a ser realizado; b) o


2-

dever de o sujeito perseguir a realização desse interesse; c) a


1/0 5.

atribuição de poder jurídico necessário para a realização desse


: 3 r: 43

interesse”. (Curso de direito administrativo. 10^ ed. São Paulo:


Em po

Revista dos Tribunais, 2014, pp. 146-147)


sso

Pi. função pública impõe ao agente público um dever funcional cujo


pre

objetivo é promover e preservar o interesse público (da sociedade). “Ao agente


Im

público incumbe considerar, à luz dos princípios constitucionais da


Administração Pública, a necessidade de atuar no sentido de concretizar a vontade
pública. Faltar ao acatamento de tais princípios acarreta-lhe o dever de responder,
sempre, na órbita administrativa, quase sempre, na civil, e às vezes, na criminal.
f

E que age, e, por isso, responde pelos desvios que consumar no exercício d^seus
poderes” (Waldo FAZZIO JÚNIOR, op. cit., p. 23).

Mas, só desvia o poder quem o possui; só responde por um ato desviado


26
Fl. 2029
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
quem pode praticá-lo. Em outras palavras: um agente público só pode agir se
legalmente legitimado (se houver previsão legal), e nos limites do que lhe
compete. Não por outro motivo, uma das consequências da prática de ato
(administrativo, legislativo ou judicial) por agente público incompetente é a
invalidade do ato - e de tudo o que dele deriva. O dever funcional decorre de lei.

Por isso, a administração pública possui uma estrutura organizada


segundo diversos critérios: um deles, o da competência. A atuação de agentes e

7 5
órgãos públicos é também limitada por ele.

:21 48
:06 Inq
A regra de competência para a prática do ato é assim descrita por
José dos Santos CARVALHO FILHO: 14 -75
8
02 .96

“Competência é o círculo definido por lei dentro do qual


1/2 586

podem os agentes exercer legitímamente sua atividade. Na


2-

verdade, poder-se-ia qualificar esse tipo de competência como


1/0 5.

administrativa, para colocá-la em plano diverso das competências


: 3 r: 43

legislativa e jurisdicional. O instituto da competência funda-se na


Em po

necessidade de divisão do trabalho, ou seja, na necessidade de


distribuir a intensa quantidade de tarefas decorrentes de cada uma
sso

das funções básicas (legislativa, administrativa ou jurisdicional)


pre

entre os vários agentes do Estado, e é por esse motivo que o


Im

instituto é estudado dentro dos três Poderes de Estado,


incumbidos, como se sabe, do exercício daquelas funções.
O elemento da competência administrativa anda lado a lado com
o da capacidade no direito privado. Capacidade, como não
desconhecemos, é a idoneidade de atribuir-se a al^ém a
titularidade de relações juridicas. No direito público há \xrkplus
em relação ao direito privado: naquele se exige que, alén das
condições normais necessárias à capacidade, atue o sujeiito da
27
Fl. 2030
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
vontade dentro da esfera que a lei traçou. Como o Estado possui,
pessoa jurídica que é, as condições normais de capacidade, fica a
necessidade de averiguar a condição específica, vale dizer, a
competência administrativa de seu agente.
Sendo o Estado integrado por grande quantidade de agentes, e
estando a seu cargo um número incontável de funções, não é
difícil concluir que a competência tem que decorrer de norma
expressa. Enquanto no direito privado a presunção milita em favor

7 5
da capacidade, no direito público a regra se inverte: não há

:21 48
presunção de competência administrativa; esta há de originar-

:06 Inq
se de texto expresso. Sendo a função administrativa subjacente

14 -75
à lei, é nesta que se encontra, de regra, a fonte da competência
administrativa. Consoante o ensinamento de todos quantos se
8
02 .96

dedicaram ao estudo do tema, a lei é a fonte normal da


1/2 586

competência. £ nela que se encontram os limites e a dimensão


2-

das atribuições cometidas a pessoas administrativas, órgãos e


1/0 5.

agentes públicos. Mas a lei não é a fonte exclusiva da


: 3 r: 43

competência administrativa. Para órgãos e agentes de elevada


Em po

hierarquia, ou de finalidades específicas, pode a fonte da


competência situar-se na própria Constituição” {Manual de
sso

direito administrativo. 3 P ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 102)


pre
Im

Na interconexão entre os regimes jurídico-administrativo e jurídico-


penal, saber sobre a competência para a prática do ato é essencial, especialmente
nas expressões penais da corrupção pública que envolvem a prática de ato de
ofício (como são os casos dos crimes de corrupção passiva qualificada e de
prevaricação).

Portanto, o sujeito ativo do crime de prevaricação é todo igente


público que, por lei, tem o dever funcional de praticar um ato de oflcio de
28
Fl. 2031
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

maneira devida e de acordo com a lei, mas o faz em sentido avesso.

O crime de prevaricação - assim como os demais crimes previstos no


Capítulo I do Título IX - pressupõe uma especial condição do sujeito ativo: a de
ser ele agente público.

É crime próprio e funcional. É próprio porque “a previsão típica traz,


implícita ou explicitamente, exigências relativas à determinada qualidade ou

7 5
condição especial do sujeito que realiza a conduta. Tais exigências restringem a

:21 48
possibilidade de imputação objetiva, já que a pessoa que não possui a qualidade

:06 Inq
ou condição exigida pelo tipo não pode violar a norma incriminadora que é

14 -75
subjacente ao tipo” (Fernando GALVÃO. Direito penal: parte geral. \A° ed. Belo
Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2021, p. 1170). É funcional porque só pode ser
8
02 .96

praticado por agente público - não consideradas as possibilidades de coautoria e


1/2 586

de participação.
2-
1/0 5.

O Código Penal define, em seu art. 327, o que se deva entender por
: 3 r: 43

“funcionário público”/?í3ra os efeitos penais:


Em po

Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais,


sso

quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce


pre

cargo, emprego ou função pública.


Im

§ 1°. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo,


emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para
empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a
execução de atividade típica da Administração Públicá.
§ 2®. A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos
crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em
comissão ou de função de direção ou assessoramento de cfrgão da
administração direta, sociedade de economia mista,/empresa
29
Fl. 2032
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
pública ou fundação instituída pelo poder público.

É interessante observar que a Constituição Federal apenas utiliza as


designações “servidor público” e “agente público” para se referir aos profissionais
do Estado. A expressão “agente público” possui significado mais amplo, é mais
atual e mais clara. É a utilizada pela Lei de Improbidade Administrativa (Lei n”
8.429/92):

7 5
Alt. 2®. Para os efeitos desta Lei, consideram-se agente público o

:21 48
agente político, o servidor público e todo aquele que exerce,

:06 Inq
ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,

14 -75
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de
investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas
8
02 .96

entidades referidas no art. 1° desta Lei.


1/2 586
2-

Há uma unicidade de objetivos no Código Penal (ao prever os crimes


1/0 5.

praticados por funcionário público contra a administração em geral) e na Lei de


: 3 r: 43

Improbidade Administrativa (ao prever os atos de improbidade administrativa):


Em po

ambos reprimem ilícitos (penais ou civis) praticados na ‘^administração


pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
sso

Distrito Federal e dos Municípios’* que não obedeçam “aos princípios de


pre

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (CF, art. 37,


Im

caput) - segundo, é claro, as tipificações legais.

Sendo a Lei de Improbidade Administrativa conceitualmente mais


“atual”, é apropriado que ela explicite melLor (em razão, até, das evoluções das
discussões doutrinárias e jurisprudenciaisA quem, e por qual motivo, são as
pessoas que mantém algum vínculo juiídico (legal ou de fato) com a
administração pública; e que, por tal circ itância, podem ser responsabilizadas
administrativa, civil e penalmente.w
30
Fl. 2033
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
Uma norma complementa e explicita a outra.

De qualquer modo, o regime-jurídico penal não deixa dúvidas sobre os


sujeitos ativos dos crimes funcionais. Para os fins penais, “funcionário público”
é toda pessoa que mantém algum vínculo jurídico (legal ou de fato) com a
administração pública, pois no exercício de uma função pública. O conceito
abrange os agentes políticos, os servidores públicos (em sentido amplo) e os
particulares que atuam em colaboração com o Poder Público. “A ênfase”, diz

7 5
Roberto Wagner Battochio CASOLATO, “foi dada à atividade (função pública)

:21 48
que o agente exerce, não aos seus predicados formais de servidor público

:06 Inq
(legalizado titular de posto nos quadros do funcionalismo); ‘Não interessa que se

14 -75
trate ou não de um verdadeiro funcionário público, segundo o define o Direito
Administrativo, uma vez que nossa lei considerou menos a condição de
8
02 .96

funcionário público do que o exercício da função pública’” (Os crimes contra a


1/2 586

administração pública. T ed. São Paulo: CPC, 2000, pp. 134-135).


2-
1/0 5.

O essencial é a noção de função pública — mais ampla que a de


: 3 r: 43

funcionário público. Por isso, a norma penal conceituai prevista no art. 327, do
Em po

CP, diz que são considerados funcionários públicos, para os efeitos penais,
inclusive aqueles que, '''embora transitoriamente ou sem remuneração, exercem
sso

cargo, emprego ou função pública”. Essa norma penal (art. 327, CP) engloba
pre

todas as modalidades de atuação do Estado. Suficiente, no entanto, seria dizer


Im

que todos os que exercem função pública são considerados “funcionários


públicos” - melhor ainda, agentes públicos - para os fins penais. Função pública,
seria, aqui, gênero; cargo e emprego, espécies. As funções são amplas. Abrangem
todas as atividades do Estado. Pbuco importa se legislativa, executiva ou
judiciária. Permanentes, temporárias, eventuais, é indiferente. Assim, o
funcionário público, titular de cargo, exerce função. O servidor contratado por
tempo certo, também. y
\
31
Fl. 2034
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
Essa é a orientação de reconhecidos juristas. Segundo Nélson
HUNGRIA,

“Para dirimir dúvidas em tomo do conceito de ‘funcionário


público’ como sujeito ativo de crimes contra a administração em
geral (crimes funcionais ou de função), dispõe o art. 327 do
Código (refletindo, aliás, o que já era pacífico na doutrina e na
jurisprudência pátrias): ‘Considera-se funcionário público, para os

75
efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem

:21 48
remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”. (...) O

:06 Inq
conceito de “funcionário público” deve ser, assim, ligado à noção

14 -75
ampla de função pública. Este, o critério prevalente ou moderno.
Consoante a lição de GAVAZZI, o conceito de funcionário
8
02 .96

público já não deriva do de autoridade, mas do de função pública,


1/2 586

e por função pública se deve entender qualquer atividade do


2-

Estado que vise diretamente à satisfação de uma necessidade ou


1/0 5.

conveniência pública. (...) Pode dizer-se, como corolário do art.


: 3 r: 43

327, que não é propriamente a qualidade de funcionário público


Em po

que caracteriza o crime funcional, mas o fato de que é praticado


por quem se acha no exercício de função pública, seja esta
sso

permanente ou temporária, remunerada ou gratuita, exercida


pre

profissionalmente ou não, efetiva ou interinamente, ou per


Im

accidens.

Referindo-se à função pública in genere, o art. 327 abrange todas


as órbitas de atividades do Estado: a de legis executio (atividade
rectórica, pela qual o Estado praticamente se realiza), a de legis
lato (atividade legislatória, ou de normalização da ordem polítko-
social) e a da jurisdictio (atividade judiciária, ou de apuração e
declaração da vontade da lei nos casos concretos)” {Comentários
32
Fl. 2035
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
ao Código Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. IX, pp.
398-399).

Para Heleno Cláudio FRAGOSO,

“Pode o exercício da função pública ser voluntário ou obrigatório;


permanente ou eventual; gratuito ou remunerado, e sua natureza
específica é irrelevante. Pode, assim, tratar-se do exercício de uma

7 5
função pública, correspondente a cargo ou emprego público

:21 48
eletivo (membros do Poder Legislativo), de nomeação ou

:06 Inq
contratual, como também de mera situação de fato” {Lições de

14 -75
direito penal. 5® ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, v. 2, p. 385-
386).
8
02 .96
1/2 586

Sob tal panorama, não há qualquer dúvida sobre poder ser o ocupante
2-

do cargo de Presidente da República considerado sujeito ativo de crimes


1/0 5.

funcionais. É o Presidente da República, para os efeitos penais, segundo o art.


: 3 r: 43

327, do CP, “funcionário público” porque exerce amplamente, e na condição de


Em po

principal autoridade pública da República, função pública.


sso

Por isso, dizia Nélson HUNGRIA: “Tanto é funcionário público o


pre

presidente da República quanto o estafeta de Vila de Confins, tanto o senador


Im

ou deputado federal quanto o vereador do mais humilde Município, tanto o


presidente da Suprema Corte quanto o mais bisonho juiz de paz da hinterlândia”
(op. cit., pp. 399-400). Semelhantemente, dizia Edgard Magalhães NORONHA
que, segundo o art. 327, do CP, é funcionário público “tanto o Presidente da
República, do Congresso, ou do Supremo Tribunal, como o contínqo da
repartição. Não é mister, assim, que a pessoa seja funcionário público; o que é
indispensável é que exerça ílinção pública, que, no dizer de Maggiore, é qual<mer
atividade que realiza fins próprios do Estado, ainda que exercida por pe^oas
33
Fl. 2036
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
estranhas à administração pública” {Direito penal. 21® ed. São Paulo: Saraiva,
1998, V. 4, p.212).

Há uma outra fundamentação: numa leitura literal do art. 327, do CP,


ainda assim o Presidente da República é considerado “funcionário público” para
os efeitos penais. É que, a Constituição Federal, ao estabelecer os parâmetros
constitucionais da Organização dos Poderes (Título IV), no Capítulo II (do Poder
Executivo), Seção I (Do Presidente e do Vice-Presidente da República), refere-se,

7 5
por algumas vezes, à “condição funcional” do Presidente da República (e do Vice-

:21 48
Presidente da República): ele ocupa cargo. Veja-se:

:06 Inq
14 -75
Alt. 78. O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão
posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o
8
02 .96

compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição,


1/2 586

observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro,


2-

sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.


1/0 5.
: 3 r: 43

Parágrafo único. Se, decorridos dez dias da data fixada para a


posse, o Presidente ou o Vice-Presidente, salvo motivo de força
Em po

maior, não tiver assumido o cargo, este será declarado vago.


Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-
sso

Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão


pre

sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o


Im

Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do


Supremo Tribunal Federal.
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da
República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última
vaga. \
§ 1° - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do períod©
presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias
depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da leí.
34
Fl. 2037
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

Art. 83. O Presidente e o Vice-Presidente da República não


poderão, sem licença do Congresso Nacional, ausentar-se do País
por período superior a quinze dias, sob pena de perda do cargo.

Em qualquer interpretação, literal ou de sentido abrangente, o


Presidente da República é “funcionário público” para os efeitos penais e pode ser
sujeito ativo nos crimes funcionais.

7 5
Concluindo, a expressão “funcionários públicos” do art. 327, do CP

:21 48
abrange: agentes políticos, servidores públicos, empregados públicos,

:06 Inq
funcionários públicos, particulares em colaboração com a administração pública,

14 -75
agentes públicos de fato. Todos podem cometer atos de corrupção pública (Waldo
FAZZIO JÚNIOR, op. cit., p. 61).
8
02 .96
1/2 586

Reconhecida a sujeição do cargo de Presidente da República à


2-

condição de sujeito ativo dos crimes funcionais, necessário analisar sua


1/0 5.

conduta sob o aspecto do objeto material do tipo penal incriminador do art.


: 3 r: 43

319.
Em po

O art. 319, do CP, indica como objeto material (elemento constitutivo


sso

objetivo do tipo penal incriminador) das condutas (omissivas e comissiva) o ato


pre

de ofício.
Im

Ato de ofício, segundo Nelson HUNGRIA, é “todo e qualquer ato em


que se exterioriza o exercício da função ou cargo” (op. cit, p. 377). O ato de ofício
é a exteriorização, no mundo dos fatos, do dever funcional. iRresente no tipo
penal incriminador do art. 319, e integrante também dosuipos penais
incriminadores dos arts. 317 e 333, do CP, é ato da competênc a do agente
público, ato que guarda relação com a sua função pública. “Ato ae ofício é ato
de competência” (Waldo FAZZIO JÚNIOR, op. cit., p. 81). /
35
Fl. 2038
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

Ato de ofício é ato do ofício. Por isso, dever funcional. E como tal,
deve observar prévia regra legal de competência.

Segundo o princípio da legalidade administrativa {CF, art. 37,


caput), o agente público está obrigado a fazer ou deixar de fazer algo quando a
lei assim estabelecer. Em outras palavras, deve existir uma norma legal que
outorgue competência específica ao agente público, pois todo e qualquer dever

7 5
:21 48
funcional decorre de regra legal de competência.

:06 Inq
A notícia-crime. assim como o Relatório Final da Comissão

14 -75
Parlamentar de Inquérito do Senado Federal - CPIPANDEMIA, item 13.15 (fls.
1083-1084 — cujo conteúdo, neste ponto, em nada altera o contexto dos fatos
8
02 .96

apurados), concluem que o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro


1/2 586

retardou ou deixou de praticar, indevidamente, ato de ofício.


2-
1/0 5.
: 3 r: 43

No entanto, no contexto dos fatos aoui considerados, a conclusão


jurídica é outra. As competências que impõem os deveres funcionais ao cargo
Em po

de Presidente da República são aquelas estabelecidas na Constituição Federal.


Segundo o art. 84,
sso
pre

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


Im

I - nomear e exonerar os Ministros de Estado;


II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção
superior da administração federal;
III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos
nesta Constituição;
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como
expedir decretos e regulamentos para sua fíel execuçãp;
V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente; /
36
Fl. 2039
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
VI - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando
não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de
órgãos públicos;
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;
VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus
representantes diplomáticos;
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos

7 5
a referendo do Congresso Nacional;

:21 48
IX - decretar o estado de defesa e o estado de sítio;

:06 Inq
X - decretar e executar a intervenção federal;

14 -75
XI - remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional
por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação
8
02 .96

do País e solicitando as providências que julgar necessárias;


1/2 586

XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se


2-

necessário, dos órgãos instituídos em lei;


1/0 5.

XIII exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear


: 3 r: 43

os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica,


Em po

promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que


lhes são privativos;
sso

XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros


pre

do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os


Im

Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o


presidente e os diretores do banco central e outros servidores,
quando determinado em lei;
XV - nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do
Tribunal de Contas da União; x
XVI - nomear os magistrados, nos casos previstos nesta
Constituição, e o Advogado-Geral da União; l
XVII - nomear membros do Conselho da República, nos termos
37
Fl. 2040
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
do art. 89, VII;
XVIII - convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho
de Defesa Nacional;
XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado
pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida
no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições,
decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;
XX - celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso

7 5
Nacional;

:21 48
XXI - conferir condecorações e distinções honoríficas;

:06 Inq
XXII - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que

14 -75
forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele
permaneçam temporariamente;
8
02 .96

XXIII - enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto


1/2 586

de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento


2-

previstos nesta Constituição;


1/0 5.

XXIV - prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de


: 3 r: 43

sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas


Em po

referentes ao exercício anterior;


XXV - prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da
sso

lei;
pre

XXVI - editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do


Im

art. 62;
XXVII - exercer outras atribuições previstas nesta Constituição.
XXVIII - propor ao Congresso Nacional a decretação do estado de
calamidade pública de âmbito nacional previsto nos arts. 167-B,
167-C, 167-D, 167-E, I67-F e 167-G desta Constituição, v
Parágrafo único. O Presidente da República poderá deleg^ as
atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, prin eira
parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da Repimlica
38
Fl. 2041
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites
traçados nas respectivas delegações.

Não há, nesse rol, um dever funcional que corresponda à conduta


atribuída na notícia-crime ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro. De
qualquer modo, no contexto dos fatos aqui considerados, ainda que não tenha
agido, ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro não pode ser
imputado o crime de prevaricação. Juridicamente, não é dever funcional

7 5
(leia-se: legal), decorrente de regra de competência do cargo, a prática de ato

:21 48
de ofício de comunicação de irregularidades pelo Presidente da República.

:06 Inq
14 -75
É legítimo, por certo, do ponto de vista da opinião pública, esperar que
a principal autoridade pública da República, numa situação como a que foi trazida
8
02 .96

ao conhecimento deste Supremo Tribunal Federal pelos Senadores da República,


1/2 586

manifeste, de algum modo, um agir. Mas, mesmo assim, na hipótese de omissão,


2-

tal conduta se aproximaria mais de uma ausência do cumprimento de um


1/0 5.

dever cívico, mas não de um desvio de um dever funcional.


: 3 r: 43
Em po

É bom que se esclareça. Não é que o Presidente da República não possa


ser sujeito ativo do crime de prevaricação. Pode. Mas, tão somente, se e quando
sso

envolver as suas competências legais, previstas na Constituição Federal,


pre

desvirtuando-as, indevida ou ilegalmente, para satisfazer interesse ou


Im

sentimento pessoal.

Relembrando o que diz José dos Santos CARVALHO FILHO, sob o


enfoque jurídico-administrativo,

“Competência é o círculo definido por lei dentro do qijal podem


os agentes exercer legítimamente sua atividade.

39
Fl. 2042
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

Enquanto no direito privado a presunção milita em favor da


capacidade, no direito público a regra se inverte: não há
presunção de competência administrativa: esta há de originar-
se de texto expresso. Sendo a função administrativa subjacente
à lei, é nesta que se encontra, de regra, a fonte da competência
administrativa. Consoante o ensinamento de todos quantos se
dedicaram ao estudo do tema, a lei é a fonte normal da
competência. É nela que se encontram os limites e a dimensão

5
7
das atribuições cometidas a pessoas administrativas, órgãos e

:21 48
agentes públicos. Mas a lei não é a fonte exclusiva da

:06 Inq
competência administrativa. Para órgãos e agentes de elevada

14 -75
hierarquia, ou de finalidades específicas, pode a fonte da
competência situar-se na própria Constituição” (op. cit., p.
8
02 .96

102).
1/2 586
2-

Sob o enfoque jurídico-penal, a conclusão não é diferente. Veja-se:


1/0 5.
: 3 r: 43

Para Heleno Cláudio FRAGOSO “Ato de ofício é todo aquele que


Em po

corresponde à competência legal do funcionário, enquadrando-se nas atribuições


da função exercida” (op. cit., p. 426).
sso
pre

Segundo Luiz Regis PRADO:


Im

“Exige-se, ainda, como pressuposto do delito em exame, que o ato


em torno do qual é praticada a conduta incriminada seja da
competência ou atribuição inerente à função exercida pelo
funcionário público, visto que a tipicidade se cinge justamenteyo
tráfico da função ... Sujeito ativo do delito é o funcionário que
detém a competência ou atribuição para a realização do ato ae
ofício (ato inerente à atribuição ou competência da função).
Fl. 2043
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
abrangendo, portanto, o ato administrativo, o legislativo e o
judicial (delito especial próprio)... Na hipótese de o ato omitido
ou retardado não se inserir no âmbito da competência ou
atribuição do funcionário, não se pode falar em prevaricação,
visto que esta pressupõe a ‘infidelidade na obrigação funcional e
plena parcialidade no seu desempenho’”. {Tratado de direito penal
brasileiro: parte especial (arts. 250 a 361). 3“ ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. v. 3, pp. 609, 620 e 622).

7 5
:21 48
Mais contundente, Cezar Roberto BITENCOURT diz:

:06 Inq
14 -75
“O objeto material do crime de prevaricação é o ‘ato de ofício’,
que é aquele que o funcionário público deve praticar em
8
02 .96

decorrência dos seus deveres funcionais, consequentemente,


1/2 586

segundo o tipo penal, é necessário que o sujeito ativo encontre-se


2-

no exercício de suas funções regulamentares. Sujeito ativo


1/0 5.

somente pode ser o funcionário público, a exemplo do que ocorre


: 3 r: 43

no crime de corrupção passiva, tratando-se, por conseguinte, de


Em po

crime próprio, que exige essa condição especial do sujeito ativo,


mas somente, advirta-se, se for competente para realizar o ato
sso

de oficio (administrativo, legislativo ou judicial) ... É necessário


pre

que qualquer das condutas incriminadas refira-se a ‘ato de ofício’,


Im

isto é, relativo às atribuições funcionais e territoriais regulares


do funcionário público. Em outros termos, o retardamento ou
omissão, indevidos, ou sua prática contra disposição legal
expressa, deve referir-se a ‘ato de ofício’ da competência do
funcionário prevaricador. Com efeito, para a configuração^

crime de prevaricação exige-se que o ato retardado ou omitido


indevidamente, ou praticado contra expressa disposição de le
esteja compreendido nas especificas atribuições funcionais ao
41
Fl. 2044
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
servidor público prevaricador. Se o ato não é da competência
do funcionário, poder-se-á identificar outro crime, mas, com
certeza, não o de prevaricação”. {Tratado de direito penal: parte
especial (crimes contra a administração pública e crimes
praticados por prefeitos). - 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, v. 5,
pp. 130 e 133).

Para Roberto Wagner Battochio CASOLATO,

7 5
:21 48
“Como o tipo se refere a ‘ato de ofício’ entende Noronha que tal

:06 Inq
ato é ‘aquele que se compreende nas atribuições do funcionário,

14 -75
ou em sua competência’. Mirabete: ‘O objeto do tipo é o ato de
oficio', é necessário que o funcionário seja responsável pela
8
02 .96

função relacionada ao fato que esteja em suas atribuições ou


1/2 586

competência. E abrangente o dispositivo; inclui o ato


2-

administrativo, o legislativo e o judicial’. Com efeito, sendo a


1/0 5.

prevaricação a conduta que espelha infidelidade ao dever


: 3 r: 43

funcional, mister que envolva uma prática indevida, uma omissão


Em po

ou um retardamento de ato do âmbito de atribuição do servidor.


Convenhamos: se o ato refoge à alçada do agente o fato de este
sso

retardá-lo não poderá representar um criminoso


pre

procedimento de índole funcional, como é a ‘praevaricatio”^


Im

(op. cit., p. 83).

Waldo FAZZIO JÚNIOR, no seu estudo das “expressões penais da


corrupção pública”, esclarece que:

“Competência é a medida de poder de cada órgão. Requisito ae


legalidade do ato administrativo é sempre conferido por lei. O
ato de ofício é o ato administrativo que se encontra na órbita de
42
Fl. 2045
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
competência do agente público, entre seus poderes ... Retardando
ou omitindo ato que tem o dever de praticar, o agente público está
deixando de atuar os poderes que, por lei, deve exercer. Já
praticando ato de ofício, mas contra disposição de lei, está fazendo
atuar o poder que recebeu da ordem jurídica contra a própria
ordem jurídica. Não se trata mais de omitir-se no desempenho da
competência, mas de exercê-la contra lei ... Nem pode haver
prevaricação se o ato praticado, omitido ou retardado refoge

7 5
ao âmbito da competência do agente público. O delito

:21 48
caracteriza-se pela infidelidade ao dever funcional e pela

:06 Inq
parcialidade em seu desempenho ... Ainda assim, é necessário

14 -75
ponderar que para caracterização da corrupção passiva
qualificada e da prevaricação o ato de ofício deve ser
8
02 .96

determinado, isto é, deve estar contido nas atribuições legais do


1/2 586

agente público. Não tem nenhum sentido admitir-se, por


2-

exemplo, que o agente público retarde ou deixe de praticar ato


1/0 5.

próprio da função pública, mas que está fora de sua


: 3 r: 43

competência. Também não oferece razoabilidade entender-se


Em po

que o agente público corrompido prevarique em relação a ato


que não se insere entre seus poderes” (op. cit., pp. 81 e 199).
sso
pre

O mesmo é aplicado ao crime de prevaricação especial previsto na Lei


Im

n° 7.492/86 (que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional), art. 23:

Alt. 23. Omitir, retardar ou praticar, o funcionário público, contra


disposição expressa de lei, ato de ofício necessário ao regular
funcionamento do sistema financeiro nacional, bem comc a
preservação dos interesses e valores da ordem econômico-
financeira: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e mmta.

43
Fl. 2046
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
Na mesma linha de raciocínio, confirmando a não configuração do
crime de prevaricação pela ausência de ato de ofício decorrente de regra legal
de competência, novamente Luiz Regis PRADO:

“Sujeito ativo do delito é o funcionário público que detém a


competência ou atribuição para a realização do ato de ofício (ato
inerente à atribuição ou competência da função), abrangendo,
portanto, o ato administrativo, o legislativo e o judicial (delito

7 5
especial próprio). Cabe registrar a observação de que o conceito

:21 48
de funcionário público é aquele previsto no art. 327 do Código

:06 Inq
Penal. É admissível a participação de particular, desde que este

14 -75
tenha conhecimento da condição especial do autor”. {Direitopenal
econômico. 8® ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, pp. 249-251).
8
02 .96
1/2 586

Igualmente, Cezar Roberto BITTENCOURT e Juliano BREDA:


2-
1/0 5.

“O objeto material do crime de prevaricação é o ‘ato de ofício’,


: 3 r: 43

que é aquele que o funcionário público deve praticar em


Em po

decorrência dos seus deveres funcionais; consequentemente, é


necessário que o sujeito ativo encontre-se no exercício de suas
sso

funções regulamentares ... Sujeito ativo somente pode ser o


pre

funcionário público, tratando-se, por conseguinte, de crime


Im

próprio, que exige essa condição especial do sujeito ativo, mas


somente, advirta-se, se for competente para realizar o ato de ofício,
necessário ao regular funcionamento do sistema financeiro
nacional. É indispensável que o agente encontre-se no exercício de
sua função e, nessa condição, omita ou retarde ato de\oficio,
indevidamente, ou o pratique contra disposição expressa deyei ...
O crime de prevaricação especial, enfatizando, somenis se
aperfeiçoa quando o funcionário público, no exercício sua
44
Fl. 2047
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857
flinção, retarda ou omite ato de ofício necessário ao regular
funcionamento do sistema financeiro nacional, indevidamente, ou
o pratica contra disposição expressa de lei. É necessário que
qualquer das condutas incriminadas refira-se a ‘ato de ofício’, isto
é, relativo às atribuições funcionais e territoriais regulares do
funcionário público com atividade vinculada ao sistema financeiro
nacional. Em outros termos, o retardamento ou a omissão,
indevidos, ou sua prática contra disposição legal expressa devem

7 5
referir-se a ‘ato de ofício’ da competência do funcionário

:21 48
prevaricador e relacionado ao sistema financeiro nacional. Com

:06 Inq
efeito, para a configuração do crime de prevaricação especial,

14 -75
exige-se que o ato retardado ou omitido, indevidamente, ou
praticado contra expressa disposição de lei esteja compreendido
8
02 .96

nas específicas atribuições funcionais do servidor público


1/2 586

prevaricador. Se o ato não é da competência do funcionário, poder-


2-

se-á identificar outro crime, mas, com certeza, não este” {Crimes
1/0 5.

contra o sistema financeiro nacional & contra o mercado de


: 3 r: 43

capitais. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, pp. 301 e 304).


Em po

Também é importante pontuar que, sendo a previsão de uma regra legal


sso

de competência específica de um dever funcional o que caracteriza o ato de ofício,


pre

se o “ato” puder ser realizado por “qualquer pessoa do povo”, por exemplo,
Im

significa que o ato não é de ofício (do ofício, funcional). Por isso, algo semelhante
à previsão dó art. 5°, § 3°, do Código de Processo Penal, em regra, não é ato de
ofício. Diz o &t. 5°, § 3°, do CPP:

Art. 5®. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será


iniciado:
§ 3°. Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da
existência de infração penal em que caiba ação pública poderá.
45
Fl. 2048
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e


esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar
inquérito.

Assim, a prática de ato de comunicação de irregularidades, como a


prevista no art. 5°, § 3®, do CPP, em regra, é “ato comum”, não de ofício, pois
decorre da liberalidade, da vontade, de quem o pratica.

7 5
Mas, sob uma condição, nada impede que um “ato comum”, como

:21 48
o acima mencionado, possa vir a ser um ato de ofício. A condição é a de que

:06 Inq
um tal ato, como qualquer ato de ofício, esteja previsto em lei como dever
funcional da função pública. 14 -75
8
02 .96

Há inúmeros exemplos na legislação que confirmam que o ato de


1/2 586

comunicação de irregularidades ou da prática de crimes, em casos específicos.


2-

pode ser considerado um ato de ofício. E, como consequência, não haverá espaço
1/0 5.
: 3 r: 43

para liberalidades, pois a legislação impõe a obrigatoriedade, ou seja, estabelece


o dever funcional (por regra de competência) de comunicação pelos agentes e
Em po

órgãos públicos da prática de crimes à Polícia Judiciária, ao Ministério Público,


sso

ao Poder Judiciário, dentre outros órgãos públicos. Veja-se:


pre

1) A obrigatoriedade do Conselho de Controle de Atividades


Im

Financeiras, pela Lei n” 9.613/98, art. 15, de comunicar “às


autoridades competentes para a instauração dos procedimentos
cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta
Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquéí\outro
ilícito”. \

2) A obrigatoriedade da Comissão de Valores Mobiliários, pela


Lei n° 6.385/76, art. 12, de “Quando o inquérito, instaur^o de
46
Fl. 2049
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

acordo com o § 2® do art. 9°, concluir pela ocorrência de crime de


ação pública, a Comissão de Valores Mobiliários oficiará ao
Ministério Público, para a propositura da ação penal”.

3) A obrigatoriedade do Banco Central e da Comissão de


Valores Mobiliários, pela Lei Complementar n” 105/2001, art.
9®, de “Quando, no exercício de suas atribuições, o Banco Central

5
do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários verificarem a

7
:21 48
ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, ou
indícios da prática de tais crimes, informarão ao Ministério

:06 Inq
Público, juntando à comunicação os documentos necessários à

14 -75
apuração ou comprovação dos fatos”.
8
02 .96

4) A obrigatoriedade do Banco Central e da Comissão de


1/2 586

Valores Mobiliários, pela Lei n" 7.492/86, art. 28, de “Quando,


2-

no exercício de suas atribuições legais, o Banco Central do Brasil


1/0 5.
: 3 r: 43

ou a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, verificar a


ocorrência de crime previsto nesta lei, disso deverá informar ao
Em po

Ministério Público Federal, enviando-lhe os documentos


necessários à comprovação do fato”.
sso
pre

5) A obrigatoriedade da Receita Federal do Brasil, pela Lei n®


Im

9.430/96, art. 83, encaminhar “representação fiscal para fins


penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos
arts. 1° e 2° da Lei n° 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos
crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e
337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal), ... ao Ministério Público depois de proferida a
decisão final, na esfera administrativa, sobreÁ exigência fiscal do
crédito tributário correspondente”. /
Al
Fl. 2050
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

6) A obrigatoriedade dos membros da Magistratura, pelo


Decreto-Lei n" 3.689/41 {Código De Processo Penal), art. 40, de
“Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juizes ou
tribunais verificarem a existência de crime de ação pública,
remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos
necessários ao oferecimento da denúncia”.

7 5
7) A obrigatoriedade da Autoridade Policial, pela Lei

:21 48
Complementar n° 35/79, art. 33, parágrafo único, de “Quando, no

:06 Inq
curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte
14 -75
do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os
respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o
8
02 .96

julgamento, a fim de que prossiga na investigação”.


1/2 586
2-

8) A obrigatoriedade da Autoridade Policial, pela Lei n®


1/0 5.
: 3 r: 43

8.625/93, art. 41, parágrafo único, de “Quando no curso de


investigação, houver indício da prática de infração penal por parte
Em po

de membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou


sso

militar remeterá, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os


respectivos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem
pre

competirá dar prosseguimento à apuração”.


Im

9) A obrigatoriedade da Autoridade Policial, pela Lei


Complementar n® 75/93, art. 18, parágrafo único, de “Quando, no
curso de investigação, houver indício da prática de infração penal
por membro do Ministério Público da União, a auto)ydade policial,
civil ou militar, remeterá imediatamente os autos a) Procurador-
Geral da República, que designará membro do Mimstério Público
para prosseguimento da apuração do fato”. y
48
Fl. 2051
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

Enfim, há obrigação para alguns agentes e órgãos públicos de


comunicar, a quem for competente conhecer, a prática de ilícitos. Mas, como foi
dito e exemplificado, essa obrigação (um ato de ofício) deve estar,
pontualmente, prevista em lei como dever funcional, segundo regra
específica de competência, do agente ou órgão público.

O que não pode ocorrer - e a isso chegaríamos se concluíssemos com


os Senadores da República que “o Presidente da República deveria ter, com os

7 5
:21 48
fatos de que dispunha à época, requisitado a instauração das competentes
investigações para apurar a suspeita de nefasta corrupção no bojo das contratações

:06 Inq
do Ministério da Saúde” - é a criação interpretativa de regra de competência

14 -75
de “dever funcional geral”, seja no âmbito do regime jurídico-administrativo,
seja, por maior razão, no do regime jurídico-penal. Não é razoável impor, sem lei,
8
02 .96

um “dever funcional” que compreenda toda e qualquer conduta de um agente


1/2 586

público. A lei limita a sua atuação; a sua atuação, portanto, deve estar, antes,
2-

na leu
1/0 5.
: 3 r: 43

Ademais, o princípio da legalidade penal impõe restrições à


Em po

interpretação sobre os elementos constitutivos do tipo penal incriminador,


deixando claros os limites entre o licito e o ilícito penal.
sso
pre

Por isso, neste caso, ausente o dever funcional do Presidente da


Im

República Jair Messias Bolsonaro de comunicar eventuais irregularidades de que


tenha tido conhecimento - e das quais não faça parte como coautor ou partícipe -
r

aos órgãos de investigação, como a POLICIA FEDERAL, ou de fiscalização, não


está presente o ato de ofício, elemento constitutivo objetivo impresàndível para
caracterizar o tipo penal incriminador do art. 319, do CP.

Em outras palavras: não há crime a ser apurado.

49
Fl. 2052
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

A concretização do objeto material (ato de ofício) do tipo penal


incriminador do art. 319, do CP, deve estar demonstrada antes da análise dos
demais elementos, seja os de natureza normativa (“indevidamente”, “contra
disposição expressa de lei”), seja os de natureza subjetiva (dolo geral e dolo
específico - “interesse ou sentimento pessoal”). Por ser anterior, ficam
prejudicadas, porque juridicamente ilegítimas, quaisquer considerações sobre
os demais elementos constitutivos do tipo penal incriminador e sobre as
demais circunstâncias gerais do contexto dos fatos (se houve solicitação de

7 5
:21 48
apuração ao Diretor-Geral da Polícia Federal, se houve solicitação de apuração ao
ex-Ministro de Estado da Saúde, se o ex-Ministro de Estado da Saúde solicitou a

:06 Inq
atuação do ex-Secretário-Executivo do Ministério da Saúde, se o ex-Secretário-
14 -75
Executivo do Ministério da Saúde exerceu o dever-poder de autotutela da
Administração Pública).
8
02 .96
1/2 586
2-

5. CONCLUSÃO
1/0 5.
: 3 r: 43

Ausente um dos elementos objetivos constitutivos do tipo penal


Em po

incriminador, o Juízo de tipicidade necessariamente há de ser negativo.


sso

Significa dizer que não há correspondência, relação de adequação, entre os


fatos e o crime de prevaricação atribuído ao Presidente da República Jair
pre

Messias Bolsonaro. O juízo de tipicidade, neste caso, sequer pôde ultrapassar o


Im

contorno da tipicidade formal. Não há materialidade. Não há crime.

Sendo o juízo de tipicidade negativo, por falta de materialidade do


crime, é adequada a aplicaçãoXs.m.j., por analogia, do entendimento estabelecido
pela 1“ Turma do Supremo 1 ribunal Federal no HC n” 129.678/SP (Rei. do
Acórdão Min. Alexandre de Moraes, j. 13/06/2017). Em tal precedente,
considerou-se que /

50
Fl. 2053
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

“A justa causa é exigência legal para o recebimento da denúncia,


instauração e processamento da ação penal, nos termos do artigo
395, III, do Código de Processo Penal e consubstancia-se pela
somatória de três componentes essenciais: (a) TIPICIDADE
(adequação de uma conduta fática a um tipo penal); (b)
PUNTBILIDADE (além de típica, a conduta precisa ser punível,
ou seja, não existir quaisquer das causas extintivas da
punibilidade); e (c) VIABILIDADE (existência de fundados

7 5
indícios de autoria)”.

:21 48
:06 Inq
Ao encerrar o seu voto, o Ministro Alexandre de Moraes faz referência

14 -75
a outros precedentes das duas Turmas, a demonstrar a convergência de
entendimento entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal:
8
02 .96
1/2 586

“Enfim, esta Corte já decidiu, reiteradas vezes, que a extinção


2-

anômala da ação penal, em habeas corpus, é medida excepcional,


1/0 5.

somente admissível quando prontamente identificável: (a)


: 3 r: 43

atipicidade da conduta; (b) ausência de indício mínimo de


Em po

autoria ou existência do crime; ou (c) causa de extinção da


punibilidade (cf. HC 138.147-AgR, Rei. Min. ROBERTO
sso

BARROSO, Primeira Turma, DJe de 17/5/2017; HC 140.437-


pre

AgR, Rei. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 11/5/2017;


Im

RHC 140.008, Rei. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda


Turma, DJe de 26/4/2017; RHC 125.336-AgR, Rei. Min. TEORI
ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 1712/2016”.

A POLÍCIA FEDERAL, assim, entende não ser necessário ouvir o


Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, ou qualquer outro agente político
ou público, por fato que não tem repercussão penal. /

51
Fl. 2054
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

Encerrada a suspensão dos processos processuais (Portaria GDG n°


269/2021, art. 5°), seguirão, paralelamente, com este RELATÓRIO FINAL, dois
Ofícios que serão protocolados, fisicamente e em apartado (um deles sob sigilo),
os quais encaminham mídias com conteúdo audiovisual e documentos
classificados como sigilosos.

Pelo exposto, não sendo considerado penalmente típico o fato


apurado por ausência de elemento constitutivo objetivo do tipo penal incriminador

7 5
do art. 319, do CP, a POLÍCIA FEDERAL, com fundamento no art. 395, II, c/c o

:21 48
art. 397, III, do Código de Processo Penal, e no art. 231, § 4°, “c”, encerra as

:06 Inq
investigações e submete o resultado à apreciação de Vossa Excelência, Ministra
Relatora. 14 -75
8
02 .96
1/2 586

Respeitosamente,
2-
1/0 5.
: 3 r: 43

Brasília/DF, 31 janeiro de 2022.


Em po

N
sso

WILLIAM TITQ SCHUMAN MARINHO


Delegado de Policia Federal
pre

Co )rdenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores


Im

52
Fl. 2055
CGRC/DICOR/PF
2021.0049857

POLÍCIA FEDERAL

TERMO DE REMESSA

Faço a REMESSA dos autos ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.


Documento eletrônico assinado em 31/01/2022, às 10h30, por GILDERSON DUARTE RABELO, Escrivao de Policia Federal, na
forma do artigo 1º , inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A autenticidade deste documento pode ser conferida no
site https://servicos.dpf.gov.br/assinatura/app/assinatura, informando o seguinte código verificador:

75
2759acdaee24d910d4504e191dd0937b3690a049

:21 48
:06 Inq
14 -75
8
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: 3 r: 43
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