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EDIFICAR COM

PROPOSTAS DE APROFUNDAMENTO E VIVÊNCIA


Ano Escutista 2015-2016
1

EDIFICAR COM FRANCISCO


PROPOSTAS DE APROFUNDAMENTO E VIVÊNCIA
Ano Escutista 2015-2016
2 Edificar com Francisco

Ficha Técnica:
Título: EDIFICAR COM FRANCISCO - PROPOSTAS DE APROFUNDAMENTO E VIVÊNCIA
Autor: Assistência Nacional e Secretaria Nacional Pedagógica
rafismo António Laranjeira
ma ns Vicente Carducho - (Hospital de la V.O.T. de San Francisco de Asis, Madrid); Caravaggio,
(Wadsworth Atheneum, Hartford, Connecticut); Giotto, (Basílica superior, Assis, Itália); Cimabue,
(Basílica superior, Assis, Itália); Vitral no Demindere Franciscus Museum in Sint-Truiden (Belgica);
Mic Carlson, S. Francisco de Assis; Hispano-Philippine, Cabeça de S. Francisco de Assis; Mosaico
da Igreja de S. Francisco em Manhattan (EUA); Jusepe de Ribera, (Galleria Palatina, Palazzo
Pitti, Florença, Itália); Solanus Center, Detroit, Michigan (USA)
is o or o r fica Célia Sousa
m r ss o
si o a
ISBN: 978-972-740-199-4

Edi o do

or o aciona d Esc as
Escutismo Católico Português

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on 00351 218 427 020

2015
3

1. INTRODUÇÃO
De Francisco de Assis foi dito que «representa um alter Christus [outro
Cristo], que era verdadeiramente um ícone vivo de Cristo. Ele foi chamado
também “o irmão de Jesus”. De facto, era este o seu ideal: ser como Jesus;
contemplar o Cristo do Evangelho, amá-l’O intensamente, imitar as suas
virtudes.» (Bento XVI) Passados quase 800 anos sobre a sua morte (3 de
outubro de 1226), é facto comprovável que o impacto desta singular figura
continua a suscitar uma imensidão de admiradores, dentro e fora da Igreja.
De tal modo que o atual sucessor de Pedro na Cátedra de Roma tomou o
seu nome e acaba de publicar uma importante encíclica «sobre o cuidado
da casa comum», inspirando-se na vida do Santo de Assis, e intitulando este
documento com o início do seu Cântico das Criaturas «Laudato Si». Se bem
que dirigido a toda a humanidade, este texto maior do magistério papal é
claramente uma “encíclica escutista”, a aprofundar em todos os níveis do
Escutismo!
Há muito que o CNE tem Francisco de Assis como patrono da I Secção,
apontando aos Lobitos o exemplo deste santo. Mas neste ano escutista
2015/2016, propomo-nos olhar de novo, e com novo olhar, para ele, com
o lema já anunciado, dentro da dinâmica trienal: «Edificar com Francisco»!
Indo além do que já conhecemos (particularmente a dimensão ecológica e o
cuidado dos mais frágeis), procuraremos percorrer a vida inteira de Francis-
co de Assis, aprofundando o modo como foi profundamente transformada
pelo encontro com Cristo através de tantas mediações humanas e eclesiais.
O caderno que agora apresentamos oferece um conjunto de textos (do frei
Luís Oliveira, OFM, e dos mais recentes Papas) que enquadram, do ponto
de vista histórico-teológico, a vida e obra de Francisco de Assis. Uma via-
gem por algumas expressões da arte e a proposta tipo de duas atividades
4 Edificar com Francisco

para escuteiros, bem como um conjunto de sugestões bibliográficas, são os


elementos que compõem esta publicação, uma ajuda concreta para viver
intensamente este ano escutista.
Um agradecimento especial é devido ao frei Luís Oliveira, OFM, pelos diver-
sos contributos com que enrique esta publicação: os dois textos iniciais, a
escolha das imagens e textos que as acompanham, bem com as sugestões
bibliográficas. A ele se deve a animação do encontro de 4 de julho de 2015,
em Fátima, onde foi preparado o novo ano escutista. Aos dois grupos que
imaginaram as atividades que aqui se apresentam, igualmente a nossa gra-
tidão.
Boa caça! Boa pesca!

Pedro Duarte Silva – Secretário Nacional Pedagógico


Pe. Luís Marinho – Assistente Nacional
5

E E E

E ri ncia d Fra r Francisc s

Frei Luís de Oliveira, OFM

Três projetos de vida, uma pessoa! O pai queria que o filho fosse rico
comerciante. A sociedade do seu tempo seduzia-o a ser glorioso cavaleiro.
Deus chama-o a viver na sequela de Cristo, pobre e crucificado.1
O itinerário de Francisco começa aqui, por detrás do balcão da loja das “vai-
dades do mundo”, às quais o seu pai, Pedro Bernardone, um dia, tentou,
por palavras ou à pancada, reconduzi-lo.
Parecia, num primeiro momento, que este seria o seu projeto natural: ocu-
par o seu lugar na empresa comercial do pai, seguir o exemplo paterno,
«comerciante sagaz e ambicioso», que teria sido o artífice da fortuna fami-
liar.2
De facto, nas aspirações do pai, Francisco estava destinado a tomar as ré-
deas da grande empresa comercial da família.3 Contudo, este não será o
projeto assumido pelo Santo de Assis, o de ser um “alter Bernardone”, até
porque Francisco é mais alegre e generoso4, pouco identificado com o pai,
1
Cf. Legenda dos Três Companheiros, 17 (3Comp), in Fontes Franciscanas, Ed. Franciscana, Braga, 1982
[daqui em diante FF I].
2
CHARRON, J.-M., Da Narciso a Gesú–- La ricerca dell´identità in Francesco d´Assisi, Ed. Messaggero Padova,
1995, p. 50.
3
Cf. MANSELLI. R., San Francesco, Bulzoni, Roma 1980, p. 41.
4
Evidenciando a diferença de carácter entre pai e filho, TC 2, FF, p. 694, refere: «Quando chegou à juventude,
dotado de espírito vivo, exerceu o ofício de seu pai, o comércio, mas de modo muito diferente do dele: era
mais generoso e mais alegre, entregava-se aos divertimentos e ao canto, e vagueava, dia e noite, pela cida-
de, com amigos da sua idade. Era tão liberal nos gastos, que dissipava em festins e outros folguedos tudo
o que tinha ou ganhava.»
6 Edificar com Francisco

que era mais preocupado em acumular bens e aumentar os seus negócios


e a sua fortuna5, ainda que ocupasse uma «posição legalmente e juridica-
mente precisa, a de comerciante e mais ainda rico comerciante, tanto de
ser de facto, se não de direito, agregado aos cavaleiros, à outra condição de
que era privado de todo o status regularmente reconhecido»6.
A ambição cavaleiresca de Francisco – expressão de uma das esperanças
da burguesia medieval que era o acesso à nobreza e o desejo de aventura
presente em toda a literatura cavaleiresca7 – era possível de se concretizar,
não por pertença à classe social dos nobres, mas sim devido à condição
económica da família de Francisco e do próprio Francisco. Tal condição
diferenciava-os da nobreza apenas no plano social, pela distinção nítida,
então existente, entre as três “ordens”, nas quais se dividia a sociedade.
Mas, na medida em que os ricos burgueses acabavam por ter um teor de
vida idêntico e muitas vezes superior ao da nobreza, por causa da sua ca-
pacidade financeira, esta distinção tinha tendência a perder os seus efeitos
classicistas.8
Apaixonado da glória das armas e na esperança de «se tornar cavaleiro às
ordens do conde Gentil», e sustentado pela riqueza do pai que lhe permitiu
mandar fazer «as roupas mais ricas possível»9, ei-lo que toma o caminho
da Apúlia para juntar-se a um tal Gualter di Brienne, com quem pretendia
ganhar honrarias e fama. Tratava-se de cumprir a visão sonhada do palácio
grande e encantador, cheio de armas que resplendiam com tanto esplen-
dor, e que seriam para Francisco e para os seus cavaleiros.10 Era tanta a sua
alegria que, a quem lhe perguntava qual a fonte desta alegria, ele respon-
dia: «Sei que me tornarei um grande príncipe.»11 Expressão de um idealis-
mo que é confirmado por uma outra resposta que ele dera tempos antes
quando prisioneiro em Perúsia: «Sabei que um dia hei de ser venerado em
todo o mundo.» Francisco aparece-nos então como um jovem à procura de
ideais e cujas energias não estão ainda investidas numa causa, num projeto
que a seu ver seja legítimo, tenha interesse e possa ser realizado.12
5
Cf. CHARRON, J.-M., Da Narciso a Gesú..., p. 50.
6
MANSELLI R., Francesco e suoi Compagni, Col. Bibliotecca Seraphico-Capuccina, Istituto Storico dei Ca-
ppuccini, Roma, 1995, p. 187.
7
Cf. CHARRON, J. M., Da Narciso a Gesú... p. 56.
8
Cf. MANSELII, San Francesco, p. 53.
9
Cf. TC, FF, p. 696.
10
Cf. TC 5, FF, p. 697: «Nessa noite, durante o sono, apareceu-lhe um homem; chamando-o pelo seu nome,
conduziu-o a um palácio, grande e encantador, cheio de armas de guerra; havia, suspensos das pare-
des, escudos refulgentes e todos os outros objetos próprios do equipamento militar. Cheio de alegria,
interrogava-se com espanto o que significaria aquilo. Depois perguntou: “A quem pertencem estas armas
que brilham com tanto esplendor, e este palácio tão encantador?” Ouviu esta resposta: Todas estas armas,
com o palácio, são para ti e para os teus cavaleiros.»
11
Cf. TC 5, FF, p. 697.
12
CHARRON, J. -M., Da Narciso a Gesú... p. 57.
7

Riqueza e glória eram o seu poder e a sua ambição. Mas chegado a Espole-
to, um sonho marcará o início de uma reviravolta de todos os seus sonhos
cavaleirescos, na qual a riqueza se converterá em pobreza e a glória das
armas em cruz.
Deus interpela Francisco e convida-o a deixar o servo para seguir o Senhor.
Ele deveria corrigir a interpretação que havia dado à visão do palácio gran-
de e encantador cheio de armas. Não se tratava de satisfazer as suas am-
bições de prosperidade temporal, a glória do mundo, mas de conhecer a
vontade de Deus, a qual, alcançada, haveria de mudar totalmente os seus
desejos «segundo a carne».13
No silêncio da sua consciência, esperava que Deus lhe desse um sinal, que
lhe fizesse saber qual a Sua vontade.14 Procurava-O, não na confusão do
mundo, mas no segredo da sua oração, no ínfimo da sua alma invadida
pela doce presença do seu Senhor, Jesus Cristo. E tão forte era esta presen-
ça que Francisco a exprimia na grandeza da sua generosidade para com
os pobres: ele que, «desde longa data, era o benfeitor dos pobres, gravou
mais profundamente no seu coração a resolução de nunca dizer não ao po-
bre, que lhe pedisse esmola em nome do Senhor, e distribuir esmolas mais
abundantes que habitualmente».15
Lenta e secretamente se preparava a natureza do servo de Deus capaz de
não só dispor da sua riqueza a fim de a partilhar com os desafortunados
deste mundo, como aliás o fazia, mas também e sobretudo de se dar a si
mesmo para acolher o pobre na sua vida, abraçando-o e beijando-o frater-
namente, como acontecerá no célebre encontro com o leproso!
Ainda que à sua vista a lepra lhe cause calafrios, no leproso está a pobreza
na sua nudez material que o atrai e que Francisco, vencida a natural repul-
sa, abraça e beija no dia em que o Senhor o conduziu ao meio dos leprosos
e com eles usou de misericórdia. A sua vida muda e «sai do mundo».16

13
Cf. TC 11, FF p. 700: «Um dia, em que ele orava ao Senhor com todo o fervor, falou-lhe uma voz: “Francisco,
tudo o que tu amaste e desejaste possuir segundo a carne, tens agora que o detestar e desprezar, se queres
conhecer a minha vontade. Quando o alcançares, o que outrora te parecia encantador e delicioso, ser-te-á
insuportável e amargo; e no que antes te causava horror, colherás extrema doçura e suavidade ilimitadas.”»
14
Cf. TC 6, FF, p. 698. «De manhã tomou o caminho de Assis, apressado, feliz e alegre em extremo. Espe-
rou com confiança que Deus, depois de o honrar com esta visão, lhe desse a conhecer a sua vontade e o
aconselhasse para a sua salvação. O seu coração mudara. Renunciou a ir à Apúlia. Não desejava mais que
conformar-se com a vontade divina.»
15
TC 8, FF, p. 699.
16
SÃO FRANCISCO DE ASSIS, Testamento, FF, p. 157. «Deus, nosso Senhor, quis dar a sua graça a mim, o
irmão Francisco, para que começasse a fazer penitência; porque, quando eu estava em pecados, parecia-me
muito amargo dar com os olhos nos leprosos; mas o mesmo Senhor, um dia, me conduziu ao meio deles e
com eles usei de misericórdia. E ao afastar-me deles, o que antes me parecera amargo, converteu-se para
mim em doçura de alma e de corpo: e em seguida, passado um pouco de tempo, saía do mundo.»
8 Edificar com Francisco

A sua habitual atenção generosa aos pobres transforma-se em identificação


com os pobres, pois o facto determinante deste encontro foi a caridade pe-
los leprosos, em vez do horror que antes sentia diante deles. «Dantes não
apenas a companhia de leprosos, mas até o simples facto de os ver, mesmo
de longe, já o enchia de horror: agora, perfeitamente despreocupado de si
mesmo, prestava-lhes todos os serviços possíveis, com extrema humildade
e delicadeza, por amor de Cristo crucificado, que segundo a expressão do
Profeta foi considerado desprezível como um leproso.»17
A este propósito, e seguindo o pensamento de Manselli, vale a pena sa-
lientar que o momento central da conversão de Francisco não foi tanto de
carácter pauperístico, isto é, uma opção pela pobreza, mas sobretudo um
momento muito mais humanamente profundo e válido que é o da com-
preensão do duplo sofrimento da alma – a lepra da alma – e do corpo. Isto
não quer dizer que a pobreza não tenha tido importância no itinerário espi-
ritual e no momento da conversão de Francisco. O que se pretende afirmar
com maior evidência é que no momento da conversão o que provocou a
transformação decisiva não surge do ideal cristão e ascético da pobreza,
mas de uma motivação ao mesmo tempo mais profunda e mais humana e
cristã.
E é tanto assim que, embora na Regra sublinhe o rigor da pobreza, quando
se trata de referir em síntese a história da sua vida no seguimento de Cristo,
Francisco reconhece como momento culminante da conversão aquele no
qual usou de misericórdia para com os leprosos.18 Trata-se de os comungar
no seu coração, numa íntima relação nascida de uma serena intuição do
divino.
Desde então, Francisco procurava mais insistentemente silêncio e o reco-
lhimento escondido para melhor ouvir o Senhor que em breve haveria de o
instruir sobre o que devia fazer.19

Um dia, «movido sem dúvida pelo Espírito», entrou na Igreja de São Damião
para orar. Enquanto orava, uma voz vinda do crucifixo falou-lhe: «Francisco,
não vês que a minha casa cai em ruínas? Vai e repara-ma.»20

17
S. BOAVENTURA, Legenda Maior 6, FF, p. 541.
18
Cf. MANSELLI, R., San Francesco, p. 44-46.
19
TC 13.
20
Cf. TC 13, FF, p. 703. («Francisce, nonne vides quod domus nica destnuitur? Vade igitur et repara illam
mihi.»)
9

A resposta não se fez esperar: «Vou fazê-lo prontamente, Senhor.»21 A pron-


tidão de quem estava convicto de ter ouvido a voz do próprio Jesus Cru-
cificado. E se é verdade que inicialmente não teria compreendido bem a
que casa se referia o apelo, dedicando-se de imediato à reconstrução dos
edifícios, nem por isso este encontro com o Crucificado deixaria de ter uma
importância excecional no seu itinerário espiritual. «A partir deste dia, o seu
coração ficou tão ferido e tão profundamente comovido com a lembrança
da Paixão do Senhor que, durante toda a vida, guardou na alma a memó-
ria das Chagas do Senhor Jesus.»22 Com efeito, é em Cristo na cruz que ele
encontra a razão de ter deixado o mundo para se colocar do lado dos le-
prosos, ser leproso entre os leprosos, ser marginalizado entre os margina-
lizados, um pobre entre os pobres. A dor de Cristo iluminava e justificava
todas as dores dos homens.23
O crucifixo de São Damião faz ver a Francisco e indica-lhe a dor de Cristo,
como valor sobre-humano na realidade da existência humana, como força
única capaz de dar um significado e um sentido à dor dos homens, de tal
modo a poder suscitar neles a vontade de O procurar e de O aceitar com
um ato de livre escolha, ao ponto mesmo de se aproximar d´Ele.24

21
Cf. TC 13, FF, p. 703. («Libenter faciam, Domine.»)
22
TC 14, FF, p. 703.
23
A propósito do episódio de São Damião, vale a pena referir JEAN-MARC CHARRON que, no seu contributo
psico-histórico a uma teologia da identidade cristã construída à volta da análise psicanalítica de um caso
como o de Francisco de Assis, se distancia da opinião de Manselli, que faz do encontro com o leproso o
ponto de viragem da conversão de Francisco. Segundo Charron, sem negar que este encontro tenha sido
determinante para Francisco, é necessário considerar que tal se situa num mais amplo contexto no qual a
sensibilidade à miséria e ao sofrimento é exasperada e que, por outro lado, não é suficiente em si mesmo
para explicar a mudança que se realiza então na vida de Francisco. Porquê imprevistamente, parafraseando
os primeiros biógrafos, o que era amargo aos seus olhos, isto é a companhia dos leprosos, se torna uma
fonte de doçura? Porque Deus lhe teria revelado. Responde a hagiografia tradicional. Mas seria por isto que
também a amargura suscitada pela sua condição de sofrimento (a figura narcisista) aparece agora como
uma realidade suportável? E essa pode ser suportável na medida em que alguém lhe dá um sentido, neste
caso a figura de Cristo encontrado em São Damião. Francisco vê em Jesus Crucificado a figura que abre o ca-
minho a um reconhecimento e a uma integração da condição de sofrimento do ser humano. Esta conversão
traduz-se de imediato numa prática de renúncia que caracteriza a sua nova identidade. Mas só este aspeto
não pode esgotar toda a cristologia de Francisco. Se a sua identificação com Jesus se concentra antes de
tudo sobre a sua humanidade sofredora, essa inclui também a perspetiva do Cristo glorificado, Filho do Pai
e membro da Trindade (cf Da Narciso a Gesú..., p. 180-181).
24
Cf. MANSELLI, R., San Francesco, p. 62-63.
10 Edificar com Francisco

Cada vez mais embrenhado na meditação das coisas do céu, o que se se-
guiria seria a consequência natural (quase diríamos sobrenatural!) do ho-
mem que tinha já verdadeiro desprezo pelas riquezas,25 que antes sonhava
princesas e cavaleiros, e agora encontrou o amor que o despertara para a
vida, o Amor não era amado e que ele queria amar para sempre de todo
o coração, de toda a alma e de todo o entendimento, e com todas as suas
forças! A venda do cavalo e dos panos finos em Folinho, para com o dinhei-
ro arrecadado ajudar ao serviço divino na Igreja de São Damião; a fuga da
casa paterna e o despojamento total dos bens do pai na presença do bispo
de Assis, onde pronunciou o seu “discurso de adeus” diante de Pedro Be-
nardone, que era seu pai mas de quem Francisco já não era mais seu filho:
«Até agora chamei a Pedro Bernardone meu pai. Mas, porque decidi servir
a Deus, devolvo-lhe o dinheiro que atormentaria a sua alma e toda a roupa
que dele recebi. De agora em diante, quero dizer: “Pai Nosso, que estais no
céu “e não “meu pai, Pedro Bernardone”.»26
Francisco parte! Nada o pode impedir, pois tudo deixou para seguir o seu
Senhor! «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua
cruz e siga-me.» (Mt 16,24-26) E segue-O com o ardor de quem se conside-
rava o arauto do Grande Rei, sem o temor dos assaltos das dúvidas e das
incertezas que por vezes o pensamento tem e o coração percebe. O segui-
mento é em Francisco não apenas uma resposta às suas íntimas exigências
vitais mas particularmente a escolha definitiva e a adesão incondicional a
uma Pessoa que o chama, que lhe fala, que o interpela e o conduz, e lhe
manifesta a sua vontade.
É, pois, esta Pessoa que Francisco escuta, quando, um dia, na igreja da Vir-
gem Mãe de Deus, a Porciúncula, participava na Missa e ouviu o Evange-
lho no qual «Cristo envia os discípulos a pregar e lhes ensina a forma de
vida evangélica: nada de ouro nem de prata, nem dinheiro nas algibeiras,
nem saco de viagem, nem mudas de roupa, nem calçado, nem pau para se
apoiarem ou defenderem».27
No entanto, Francisco pede ao sacerdote que lhe explique o sentido da pas-
sagem do Evangelho que acabara de ouvir, a fim de compreender melhor
o significado daquelas palavras e ter a certeza de que era a resposta con-
creta de Deus que ele esperava desde o sonho de Espoleto. A mediação do
sacerdote servia, por assim dizer, para evitar os perigos de uma “decisão

25
TC, FF, p. 705.
26
TC 20, FF, p. 707.
27
S. BOAVENTURA, Legenda Maior, FF, pp. 548-549.
11

impulsiva” ou de um “discernimento-decisão idealistas”, conduzindo a um


“discernimento comprometido”, isto é, marcado pelo compromisso que tor-
na a pessoa capaz de renunciar às satisfações imediatas, fortalecido por
um fator importante: a vontade, e no qual se encontram dois polos: o eu da
pessoa e um segundo polo que o anima, constituído por uma outra Pessoa:
«Deus omnipotente, eterno, justo e misericordioso.»28 Ouvido o comentário
do sacerdote, Francisco, «cheio de indizível alegria, exclamou: “Eis o que
quero realizar, com todas as minhas forças.”»29
Assim, movido por impulso divino e fortalecido pela mediação da Igreja,
“mater et magistra”, Francisco percebe que não é chamado a viver como os
eremitas, mas é enviado a reconstruir a Igreja, fazendo sua a obra iniciada
por Cristo. Como sinal exterior desta mudança, fruto da descoberta da sua
missão, deixa o burel de eremita e escolhe um outro, à imagem da cruz 30
cingido com uma corda, que lhe foi sugerido quando escutava a referida
passagem do Evangelho, enviando-o a continuar a missão dos Apóstolos.
«Desde então, com grande fervor e júbilo, Francisco começou a pregar a
penitência, a todos edificando com a simplicidade das suas palavras e a ge-
nerosidade do seu coração»,31 saudando o povo com a saudação que uma
revelação divina lhe ensinara: «O senhor te dê a Paz.»32
A sua pregação pública feita com força persuasiva, e mais ainda o teste-
munho da sua vida, seduz e atrai de tal maneira que alguns homens, fas-
cinados, se decidem juntar a ele pelo hábito e pela vida. Sabemos pelas
fontes franciscanas que os seus primeiros companheiros foram Bernardo
de Quintavalle, rico e alta personalidade de Assis;33 Pedro Catânio, jurista e
cónego de São Rufino34; Silvestre, padre da Igreja de São Damião; converti-
do por graça do Altíssimo à forma de vida de Francisco e dos seus irmãos,
com quem viveu de modo edificante;35 Egídio, «um homem autenticamente
cheio de Deus e digno de ser lembrado»,36 trabalhador da terra que, com

28
FORTUNA, ENZO, Discernere con Francesco d´Assisi – Le scelte spirituali e vocazionali, Ed. Messaggero,
Padova, 1997, p. 187-188.
29
TC 25, FF, p.711. («Hoc, inquit, est quod cupio totis viribus adimplere.»)
30
Cf. CELANO, T., Vida Primeira 22, FF, p. 227. Este novo hábito não é, como às vezes se afirma, a roupa que
os camponeses vestiam, mas sim o hábito com o qual se identificavam os pregadores (cf., MONTORSI,FR,
G., Ha senso per i frati minori Ia missione al popolo oggi?, Segretariato nazionale dei Frati minori per Ia
Missione ai popolo, Rimni, 1997, p. 5) [Pró Manuscripto fuori commercio)
31
1C 23, FF, p. 227.
32
TC 26, FF, p. 712. («Dominus det tibi pacem!»)
33
Cf, TC 27, FF, p. 712.
34
Cf, TC 28, FF, p. 713.
35
Cf. TC 30-31, FF p. 714-715.
36
S. BOAVENTURA, LM4, FF, p. 550-551 (cf. TC32, FF, p. 715).
12 Edificar com Francisco

dezoito anos, em 1209, é acolhido por Francisco no seu grupo, e vive na Or-
dem até à sua morte, a 23 de abril de 1262; e outros como Filipe37 Sabatino,
Mórico e João da Capela.38
Com estes irmãos, tem início a fraternidade que Francisco atribui a Deus
no seu Testamento e cujo guia é o único Altíssimo que lhe mostrava o que
devia fazer.39
Desde então, os irmãos seguem simplesmente a «forma vitae»40, ou seja,
vivem segundo a forma do santo Evangelho.
Aumentado o número dos irmãos, era chegado o momento oportuno de
se dirigirem a Roma e se apresentarem ao Papa41, a fim de obter um maior
consenso, uma autorização para agir, que servisse também de permissão e
de apoio, segundo a vontade e as ordens do Soberano Pontífice, para con-
tinuar a obra começada de exortação à penitência.
Recebida a aprovação da regra escrita por Francisco, e concedida a autori-
zação para pregar, por toda a parte, a penitência, deixaram Roma cheios de
entusiasmo e de esperança e confiança no Salvador, percorrendo cidades e
aldeias a anunciar com a virtude do Espírito Santo o Reino de Deus.42

ico d o r a m om m m ar
m mod o d id n ifica o

Frei Luís de Oliveira, OFM

Mas… que pobreza é esta capaz de ser apetecível em tempos de fortes es-
tímulos ao ter, ao consumo, à ostentação de riqueza? Como entender um
homem que prefere viver pobre, sendo filho de um pai rico? Uma resposta
crível a estas questões supõe, entre outros, aquele testemunho escrito na
primeira pessoa, no seu Testamento: «Deus, nosso Senhor, quis dar a sua
graça a mim, o irmão Francisco, para que começasse a fazer penitência;
porque, quando eu estava em pecados, parecia-me muito amargo dar com

37
1 C 25, FF. p. 229.
38
TC 35, FF, p. 716.
39
TF 14, in MANESTÓ, E. e BRUFANI, S. (a cura di), Fontes Franciscani, Ed. Porziuncola, Assisi, 1995, p. 228.
(Edição crítica) «Et postquam Dominus dedit mihi de fratribus, nemo ostendebat mihi, quid deberem facere, sed
ipse Altissimus revelavit mihi, quod deberem vivere secundem formam sancti Evangelii.»
40
Cf. Regula non Bullata 11,1 in MENESTÓ, E. e BRUFANI, S. (a cura di), Fontes Francescani, p. 186. «Si quis
divina inspiratione volens accipere hanc vitam venerit ad nostros fratres...»
41
Cf.TC46, FF, p. 724.
42
Cf. TC 51-54, FF, p. 726-728.
13

os olhos nos leprosos; mas o mesmo Senhor, um dia, me conduziu ao meio


deles e com eles usei de misericórdia. E ao afastar-me deles, o que antes me
parecera amargo, converteu-se para mim em doçura de alma e de corpo: e
em seguida, passado um pouco de tempo, saí do mundo.»
Com efeito, a meu ver, esta «saída do mundo» – o mundo de discriminação
e injustiças, de insensibilidade ao sofrimento humano e de intolerâncias
–, é a sua autêntica pobreza, nascida da conversão de coração que o faz
descobrir o essencial da vida: aquela «doçura» experimentada no encontro
com a pessoa humana diminuída na sua dignidade pela exclusão social. E
não penso que se trata de um mero sentimentalismo, mas antes de uma
profunda transformação mental e cordial, pois aquela «doçura» revela a
presença íntima de Deus por quem se sente movido («doçura de alma») e
a proximidade afetuosa ao ser humano, homem e mulher, com quem vive
solidário («doçura de corpo»). Daí em diante, todas as coisas terrenas ficam
relativizadas ao absoluto dos absolutos: o amor pelo próximo por amor a
Deus, o amor ao Pai no amor ao Irmão. Faz-se pobre com os pobres, excluí-
do com os excluídos, a fim de que ninguém jamais se sinta desprezado e
todos possam viver incluídos numa verdadeira família, a dos filhos de Deus,
e numa sociedade livre e justa.
Assumiu intimamente em toda a sua vida a paternidade divina, com Cristo,
no Espírito Santo, testemunhada simbolicamente na nudez do seu corpo,
despojando-se mesmo das suas roupas interiores sob o olhar de piedade e
admiração do bispo, diante do qual o pai carnal, descontente com as novas
ideias do filho, o obrigara a comparecer para ele «renunciar solenemente a
todos os direitos de herança e restituir qualquer coisa que pudesse ainda
ter». É neste quadro cheio de misteriosa luminosidade que «vemos, ouvi-
mos e lemos, não podemos ignorar», o que Francisco diz sem hesitação,
com desassombro: «Até aqui, chamei-te meu pai aqui na Terra; daqui para
o futuro poderei dizer com segurança: “Pai nosso, que estais no céu”, pois
a Ele confiei todo o meu tesouro e n’Ele depositei toda a minha confiança.»
Deste modo, Francisco, «desprezador do mundo dos grilhões que ao mun-
do o podiam prender», coloca-se definitivamente no campo dos deserda-
dos de todos os tempos e abandona-se àquela pobreza confiante em Deus
com a qual é possível progredir no caminho da virtude e atingir o cume da
santidade. É caso para dizer… torna-se rico de pobreza!
São Francisco de Assis é um homem exemplar para quem quer viver na
fidelidade a Cristo e no abandono absoluto ao fortalecimento do Amor, tor-
nando-se assim capaz de o testemunhar em todas as situações e lugares.
Um modelo de identificação para quem insiste em dar a primazia à poesia
diante da técnica, à meditação diante da práxis transformadora, e resiste à
14 Edificar com Francisco

tentação de redução funcional do humano, à tentação de o fechar no hori-


zonte do prático, do imediato, do útil, «da teimosia de um poder explicativo-
-científico da sua inteligência em relação ao universo, isto é, de domínio
face à interpretação, de exploração face à significação» (LDO).
15

o o a o Discurso do Papa ao povo de Assis, reunido na praça da


Basílica de Santa Maria dos Anjos, 12 de março de 1982

Caríssimos irmãos e irmãs!

1. Quero logo exprimir-vos a minha profunda alegria de me encontrar nova-


mente hoje convosco, cidadãos e cristãos da diocese de Assis, neste alegre
encontro.
Saúdo-vos a todos, um a um, com sincero afeto, dirigindo um especial pen-
samento às autoridades civis, que desejaram cortesmente estar ao meu
lado neste feliz dia, e ao bispo diocesano, D. Goretti, que associo aqui pu-
blicamente a quantos se consagram com responsabilidade e dedicação ao
bem comum da convivência humana e cristã de Assis.
Agradeço-vos cordialmente o sentido e caloroso acolhimento a mim reser-
vado; nele percebo o vosso acatamento e devoção não só a minha pessoa
mas sobretudo àquele que indignamente, represento: a Pedro, isto é, como
sinal e garantia da unidade da Igreja universal, e ainda mais a Jesus Cristo,
que de todos nós, sua Igreja, é o único verdadeiro Chefe, Senhor e Esposo,
tendo-nos resgatado pelo seu precioso sangue (cf. 1Pd 1,18-19).
Depois da visita realizada poucos dias após o meu chamamento à Cátedra
de Pedro, a 5 de novembro de 1978, esta é a segunda vez que venho a As-
sis. E, crede-me, a emoção é sempre a mesma, porque aqui se respira uma
singular atmosfera de puríssima fé cristã e de altíssimos valores humanos
de civilização. As duas componentes, de facto, encontram aqui a sua per-
feita fusão, no nome de Francisco, e, se elas constituem indubitavelmente
16 Edificar com Francisco

uma das maiores glórias da história da Itália e do seu nobre povo, contudo
tiveram também um revérbero universal, pois dele muito se beneficiou o
desenvolvimento religioso e civil de não poucos países da Terra. Francisco,
filho de Pedro de Bernardone, tornou justamente célebre e honrado no
mundo inteiro o nome desta cidade umbra, em que nasceu há oito séculos.
E fê-lo também como filho da Igreja, em plena comunhão com o outrora
bispo da cidade e com os bispos de Roma, que aprovaram e encorajaram
o novo movimento por ele iniciado, conferindo-lhe a possibilidade de um
incitamento, que teve múltiplas repercussões no plano da vida cristã, das
missões, e ainda da literatura e da arte. Era justo, por isso, que também eu
voltasse a Assis, neste solene oitavo centenário franciscano, para reconfir-
mar a minha profunda veneração ao Santo “Poverello”, a minha estima e
do mesmo modo as minhas expectativas depositadas de novo nas grandes
famílias religiosas que dele derivam, a uma das quais é confiado e cuida-
do desta Basílica de Santa Maria dos Anjos; mas igualmente a minha alta
consideração pela própria cidade de Assis, que foi e continua a ser o berço
privilegiado do grande “Menestrel de Deus”, definido como «o mais santo
dos italianos e o mais italiano dos santos».

2. Mas a Assis Francisco não deve somente o seu registo natalício. Mais ain-
da, por graça divina, ele encontrou aqui a supereminente riqueza de Cristo
e do seu Evangelho, que produziu nele, por assim dizer, um novo nasci-
mento, colocando-o numa interior condição de absoluta harmonia com o
próximo e a natureza. Encontramo-nos neste momento junto da basílica
que conserva a antiga igrejinha da Porciúncula. Precisamente nela, depois
de a ter restaurado com as próprias mãos, quando fazia a leitura litúrgica
do capitulo décimo do Evangelho segundo Mateus, Francisco decidiu aban-
donar a precedente breve experiência eremítica para se dedicar à pregação
no meio do povo, «com palavra simples mas com coração maravilhoso»,
como diz o seu primeiro biógrafo, Tomás Celano (Vita I, 23), dando início ao
seu típico ministério. Aqui, depois, ocorre a tomada de hábito de Santa Cla-
ra, com a fundação da segunda Ordem das Clarissas ou “Pobres Damas de
São Damião”. Aqui, ainda, Francisco impetrou a Cristo, mediante a interces-
são da Rainha dos Anjos, o grande perdão ou “Indulgência da Porciúncula”,
após ter sido confirmada pelo meu predecessor, Papa Honório III, a partir
de 2 de agosto de 1216; e foi depois desta data que ele iniciou uma grande
atividade missionária, levando Francisco e os seus frades a alguns países
muçulmanos e a várias nações da Europa. Aqui, enfim, o Santo acolheu can-
tando a «nossa irmã morte corporal» (Canto das Criaturas, 12) aos quarenta
e cinco anos de idade. Estamos, portanto, num dos lugares mais veneráveis
17

do Franciscanismo, caro não só à Ordem Franciscana, mas também a todos


os cristãos, que aqui, quase enlevados pela intensidade das memórias his-
tóricas, destas recebem luz e estímulo para um renovamento de vida, como
sinal de uma fé mais enraizada e de um amor mais genuíno.

3. De modo particular, sinto o dever de salientar a específica mensagem que


nos vem da Porciúncula e da sua Indulgência. Ela é mensagem de perdão
e de reconciliação, isto é, de graça, da qual nos tornamos objeto, com as
devidas disposições, por parte da misericórdia divina. Deus, diz São Paulo,
é verdadeiramente «rico em misericórdia» (Ef 2,4) e, como escrevi na car-
ta encíclica que se intitula precisamente com estas palavras «a Igreja deve
professar e proclamar a misericórdia divina em toda a verdade, tal como
nos é transmitida pela Revelação» (Dives in misericórdia, n.º 13), ou melhor,
ela «vive uma vida autêntica quando professa e proclama a misericórdia, o
mais admirável atributo do Criador e do Redentor» (ibidem). Pois bem, qual
de nós pode dizer no seu íntimo que não tem necessidade desta misericór-
dia, isto é, que está em total sintonia com Deus, a ponto de não precisar
da sua intervenção purificadora? Quem não tem algo a ser perdoado por
Ele e pela Sua paterna magnanimidade? Ou, usando os termos evangéli-
cos, quem de nós poderia lançar a primeira pedra (cf. Jo 8,7) sem se culpar
de presunção ou de irresponsabilidade? Somente Jesus Cristo teria podido
fazê-lo, mas a isto renunciou com um incomparável gesto de perdão, isto
é, de amor, que revela contemporaneamente uma ilimitada generosidade
e uma construtiva confiança no homem. Cada dia devemos reavivar em nós
seja a invocação, humilde e alegre, da reconciliatória graça de Deus, seja o
sentido da nossa dívida para com Ele, que se ofereceu a nós «uma só vez
para sempre» (Hb 9,12), e continuamente nos apresenta de novo, com imu-
tável bondade, um perdão ao qual não temos direito, que nos restitui a paz
com Ele e com nós mesmos, infundindo-nos nova alegria de viver. Só nesta
base se compreende a austera vida de penitência levada por Francisco e, da
nossa parte, podemos aceitar o apelo a uma constante conversão que nos
dissuada de uma existência egoísta e nos concentre em Deus como ponto
focal da nossa vida. O próximo sínodo dos bispos – como bem sabeis – terá
como tema A Reconciliação e a Penitência na missão da Igreja, e aqui em As-
sis não podemos desde agora não invocar a iluminante assistência de São
Francisco naqueles trabalhos.

4. Mas o Santo de Assis foi também, por assim dizer, um modelo da reconci-
liação entre os homens. A sua intensa atividade de pregador itinerante levou-
-o de região a região e de povoado a povoado por quase toda a Itália. O
18 Edificar com Francisco

seu típico anúncio de «Paz e bem», que o fez ser definido como um «novo
evangelista» (Tomás Celano, Vita I, 89; II, 107), ressoava por todas as classes
sociais, muitas vezes em luta entre si, como convite a procurarem o acordo
dos dissídios mediante o encontro e não o litígio, a docilidade da compreen-
são fraterna e não o ódio ou a violência que divide.

E no Canto das Criaturas (v. 10) ele confessa com júbilo: «Louvado sim, meu
Senhor, por aqueles que perdoam por causa do Teu amor.» É este um prin-
cípio fundamental do cristianismo, que não significa passividade ou estéril
submissão, mas convida a enfrentar cada situação com interior serenida-
de, mas também com determinação, e com magnânima superioridade, que
implica porém um nítido juízo de valor e divisão de responsabilidade. São
muito claros os reflexos de uma semelhante atitude também no plano da
vida civil das nações. Lá onde os direitos humanos são vilipendiados, em
qualquer parte da terra, os cristãos não podem adotar as mesmas armas
do desprezo gratuito ou da violência sanguinária. Eles, de facto, têm outras
riquezas interiores e uma dignidade que ninguém pode depreciar. Mas isto
não significa nem inútil comiseração nem cúmplice aquiescência. O cristão
não pode nunca aceitar que a dignidade do homem seja de algum modo
mutilada, e por isso levantará sempre e constantemente a voz para sugerir
e favorecer uma recíproca reconciliação que salvaguarde e promova a paz
e o bem da inteira sociedade. E fá-lo-á com sumo respeito pelo homem,
respeito que se pode bem dizer franciscano e por isso evangélico.

5. São Francisco está diante de nós também como exemplo de inalterável


mansidão e de sincero amor para com os animais irracionais que fazem
parte da criação. Nele repercute aquela harmonia que é explicada com su-
gestivas palavras das primeiras páginas da Bíblia: «Deus colocou o homem
no jardim do Éden, para o cultivar e o guardar.» (Gn 2,15) e «conduziu» os
animais «para o homem, para ver como ele os havia de chamar» (Gn 2,19).
Em São Francisco entrevê-se quase uma antecipação daquela paz, indicada
pela Sagrada Escritura, quando «o lobo será hóspede do cordeiro, a pantera
se deitará ao pé do cabrito; o touro e o leão comerão juntos, e um menino
pequeno os conduzirá» (Is 11,6).

Ele contemplava a criação com os olhos de quem sabe reconhecer nela a


maravilhosa obra da mão de Deus. A sua voz, o seu olhar, os seus dedicados
cuidados, não só para com os homens mas também para com os animais
e a natureza em geral, são um eco fiel do amor com que Deus pronunciou
no início o fiat que os fez existir. Como não sentir vibrar no Canto das Criatu-
19

ras algo da alegria transcendente de Deus criador, do qual está escrito que
«contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom» (Gn 1,31)? Não
está talvez aqui a explicação do afetuoso apelativo de «irmão» e «irmã»,
com que o Poverello se dirige a todo o ser criado?
A uma semelhante atitude somos chamados também nós. Criados à ima-
gem de Deus, devemos torná-l’O presente no meio das criaturas «como
senhores e guardas inteligentes e nobres» da natureza e «não como desfru-
tadores e destruidores sem respeito algum» (cf. Carta Encíclica Redemptor
hominis, n.º 15).
A educação ao respeito pelos animais e, em geral, pela harmonia da criação
tem, além disso, benéfico efeito sobre o ser humano como tal, contribuindo
para desenvolver nele sentimentos de equilíbrio, de moderação, de nobre-
za e habituando-o a elevar-se «da grandiosidade e beleza das criaturas» à
transcendente beleza e grandeza do seu Autor (cf. Sb 13,5).

6. Caríssimos irmãos e irmãs, ao agradecer ao Senhor ter-me uma vez mais


conduzido até esta Assis, inimitável e reconfortante, renovo a todos vós a
expressão da minha gratidão pela vossa sentida participação neste encon-
tro.
Convido-vos todos a louvar com as palavras de Francisco, o «Altíssimo, om-
nipotente, bom Senhor» (Cântico das Criaturas, 1), porque somente n’Ele
encontramos sempre a força suficiente para caminhar cada dia com novo
entusiasmo. E isto desejo com todo o coração a cada um de vós e a quan-
tos vos são caros. Penso, em particular, nos jovens, que se preparam com
empenho para as suas tarefas de amanhã; nos trabalhadores, que receiam
pelo justo sustento da sua família; nos doentes e nos vários sofrimentos
que eles devem suportar, nas pessoas idosas e em quantos sentem o peso
da solidão; a todos asseguro a minha lembrança na oração quotidiana. E
todos, pela materna intercessão da Virgem dos Anjos, recomendo-vos à be-
nevolência de Deus, a fim de que sempre vos assista e vos colme com a
abundância dos seus dons celestes, que de coração invocarei ao dar dentro
de pouco a bênção eucarística.
20 Edificar com Francisco

n o : Discurso do Santo Padre aos jovens na praça diante da Basí-


lica de Santa Maria dos Anjos, 17 de junho de 2007

Queridos jovens

[…]

Acolhe-nos aqui, juntamente com Francisco, o coração da Mãe, a «Virgem


que se fez Igreja», como ele gosta de a invocar (cf. Saudação à Bem-Aventu-
rada Virgem Maria, 1: FF 259).
Francisco tinha um afeto especial pela pequena igreja da Porciúncula, con-
servada nesta Basílica de Santa Maria dos Anjos. Ela foi uma das igrejas que
ele se empenhou a reparar nos primeiros anos da sua conversão e onde
ouviu e meditou o Evangelho da missão (cf. 1 Cel I, 9, 22: FF 356).
Depois dos primeiros passos de Rivotorto, foi aqui que ele instituiu o “quar-
tel-general” da Ordem, onde os frades se pudessem reunir como que no
seio materno, para se regenerarem e voltarem a partir repletos de impulso
apostólico. Aqui obteve para todos uma fonte de misericórdia, na experiên-
cia do “grande perdão”, do qual todos nós temos sempre necessidade. Aqui,
finalmente, viveu o seu encontro com a “irmã morte”.
Prezados jovens, vós sabeis que o motivo que me trouxe a Assis foi o desejo
de reviver o caminho interior de Francisco, por ocasião do VIII centenário da
sua conversão. Este momento da minha peregrinação tem um significado
particular. Pensei neste momento como o ápice do meu dia. São Francisco
fala a todos, mas sei que tem precisamente por vós, jovens, uma atração
especial.
Confirma-o a vossa presença tão numerosa, assim como as interrogações
que me apresentastes. A sua conversão teve lugar quando estava na ple-
nitude da sua vitalidade, das suas experiências e dos seus sonhos. Tinha
transcorrido vinte e cinco anos sem decifrar o sentido da vida. Poucos me-
ses antes de morrer, recordará aquele período como o tempo em que «vivia
nos pecados» (cf. 2 Test 1: FF 110).
Em que pensava, Francisco, quando falava de pecados? Segundo as bio-
grafias, cada uma das quais tem um seu perfil, não é fácil determiná-lo.
Um retrato eficaz do seu modo de viver encontra-se na Legenda dos três
companheiros, onde se lê. «Francisco era muito alegre e generoso, dedicado
aos jogos e aos cantos, perambulava pela cidade de Assis dia e noite com
amigos do seu cunho, tão generoso ao gastar, que dissipava em almoços
e outras coisas aquilo que podia ter ou ganhar.» (3 Comp 1, 2: FF1396) De
21

quantos jovens, nos nossos dias, não se poderia dizer algo de semelhante?
Além disso, hoje há a possibilidade de se ir divertir muito além da própria
cidade.

As iniciativas de lazer durante os fins de semana reúnem muitos jovens.


Pode-se “perambular” também virtualmente, “navegando” na internet, pro-
curando informações ou contactos de todos os tipos. Infelizmente, não fal-
tam aliás, existem muitos, demasiados(!) jovens que procuram paisagens
mentais tanto fátuos como destruidores nos paraísos artificiais da droga.
Como negar que são numerosos os jovens, e não jovens, tentados a seguir
de perto a vida do jovem Francisco, antes da sua conversão? Por detrás
daquele modo de viver havia o desejo de felicidade que habita cada co-
ração humano. Mas podia aquela vida dar a alegria verdadeira? Francisco
certamente não a encontrou. Estimados jovens, vós mesmos podeis fazer
esta verificação a partir da vossa experiência. A verdade é que as coisas
finitas podem dar centelhas de alegria, mas somente o Infinito pode encher
o coração. Disse-o outro grande convertido, Santo Agostinho: «Criastes-nos
para Vós, ó Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não descan-
sa em Vós.» (Confissões, 1, 1)
Ainda o mesmo texto biográfico refere-nos que Francisco era bastante vai-
doso. Gostava de fazer confecionar para si vestes sumptuosas e buscava a
originalidade (cf. 3 Comp 1, 2: FF 1396). Na vaidade, na busca da originalida-
de, há algo pelo que todos nós somos de alguma forma tocados.

Hoje, costuma-se falar de “cuidado da imagem”, ou de “busca da imagem”.


Para podermos ter um mínimo de bom êxito, temos necessidade de nos
creditar aos olhos dos outros com algo de inédito, de original. Em certa
medida, isto pode expressar um desejo inocente de ser bem acolhidos.
Mas com frequência insinuam-se nisto o orgulho, a busca exagerada de
nós mesmos, o egoísmo e o desejo de domínio. Na realidade, centrar a vida
em nós mesmos é uma armadilha mortal: nós somente poderemos ser nós
mesmos, se nos abrirmos ao amor, amando Deus e os nossos irmãos.
Um aspeto que impressionava os contemporâneos de Francisco era tam-
bém a sua ambição, a sua sede de glória e de aventura. Foi isto que o impe-
liu para o campo de batalha, levando-o a terminar como prisioneiro por um
ano em Perugia. Uma vez livre, a mesma sede de glória tê-lo-ia levado até
às Apúlias, numa nova expedição militar, mas precisamente nesta circuns-
tância, em Espoleto, o Senhor fez-Se presente no seu coração, induziu-o a
voltar pelos seus passos e a colocar-se seriamente à escuta da sua Palavra.
É interessante observar como o Senhor tomou Francisco pelo seu lado, o
22 Edificar com Francisco

do desejo de se afirmar, para lhe indicar o caminho de uma ambição san-


ta, projetada rumo ao Infinito: «Quem te pode ser mais útil: o senhor ou o
servo?» (3 Comp 2, 6: FF 1401) foi a pergunta que ele ouviu ressoar no seu
coração. É como dizer: Porque te contentares com depender dos homens,
quando existe um Deus pronto a acolher-te na sua casa, no seu serviço real?
Diletos jovens, recordastes-me alguns problemas da condição juvenil, da
vossa dificuldade de construir para vós um futuro, e sobretudo do cansaço
de discernir a verdade. Na narração da paixão de Cristo encontramos a per-
gunta de Pilatos: «O que é a verdade?» (Jo 18,38) É a pergunta de um cético,
que diz: «Tu dizes que és a verdade, mas o que é a verdade?» E assim, dado
que a verdade é irreconhecível, Pilatos deixa entender: façamos segundo
quanto é mais prático, segundo o que tem maior êxito, e não procurando
a verdade. Depois, condena Jesus à morte, porque segue o pragmatismo,
o sucesso e a sua própria sorte. Também hoje, muitos perguntam: «Mas
o que é a verdade? Podemos encontrar alguns dos seus fragmentos, mas
como poderemos encontrar a verdade?» É realmente árduo acreditar que
esta é a verdade: Jesus Cristo, a verdadeira Vida, a bússola da nossa vida. E
todavia, se começássemos, como é uma grande tentação, a viver apenas se-
gundo as possibilidades do momento, sem verdade, verdadeiramente per-
demos também o fundamento da paz comum, que pode ser unicamente a
verdade. E esta verdade é Cristo. A verdade de Cristo verificou-se na vida
dos santos de todos os séculos. Os santos constituem o grande vestígio de
luz na história, que atesta: esta é a vida, este é o caminho, esta é a verdade.
Por isso, tenhamos a coragem de dizer sim a Jesus Cristo: «A tua verdade
verificou-se na vida de muitos santos. Nós seguimos-te!» Prezados jovens,
ao vir aqui da Basílica do Sacro Convento, pensei que falar quase uma hora
sozinho talvez não seja um bem. Por isso, penso que agora seria o momen-
to para uma pausa, para um canto. Sei que tendes muitos cânticos, e talvez
neste momento eu possa ouvir um destes vossos cantos.

Então, ouvimos repetir no cântico que São Francisco ouviu uma voz. Ouviu
no seu coração a voz de Cristo; e o que aconteceu? Aconteceu que com-
preendeu que se devia colocar ao serviço dos irmãos, sobretudo dos mais
sofredores. Tal é a consequência deste primeiro encontro com a voz de
Cristo. Hoje de manhã, passando por Rivotorto, lancei um olhar ao lugar
em que, segundo a tradição, estavam reunidos os leprosos: os últimos, os
marginalizados, em relação aos quais Francisco experimentava um irresis-
tível sentido de repugnância. Sensibilizado pela graça, ele abriu-lhes o seu
coração. E fê-lo não somente através de um misericordioso gesto de esmo-
la – seria demasiado pouco –, mas beijando-os e servindo-os. Ele mesmo
23

confessa que aquilo que antes lhe resultava amargo, se lhe tornou «doçura
de alma e de corpo» (2 Test 3: FF 110).

Portanto, a graça começou a plasmar Francisco. Ele tornou-se cada vez mais
capaz de fixar o seu olhar no rosto de Cristo e de ouvir a sua voz. Foi naque-
le momento que o Crucifixo de São Damião lhe dirigiu a palavra, chamando-
-o para uma missão ousada: «Vai, Francisco, repara a minha casa que, como
vês, está totalmente em ruína.» (2 Cel I, 6, 10: FF 593) Ao parar hoje de
manhã em São Damião, e depois na Basílica de Santa Clara, onde se conser-
va o Crucifixo original que falou a Francisco, também eu fixei o meu olhar
naqueles olhos de Cristo. É a imagem de Cristo Crucificado-Ressuscitado,
vida da Igreja, que fala inclusive em nós se estamos atentos, como há dois
mil anos falou aos seus Apóstolos e há oitocentos anos falou a Francisco. A
Igreja vive continuamente deste encontro.

Sim, caros jovens: deixemo-nos encontrar por Cristo! Confiemos n’Ele, ouça-
mos a sua Palavra. N’Ele não há somente um ser humano fascinante. Sem
dúvida, Ele é plenamente humano e em tudo semelhante a nós, exceto no
pecado (cf. Hb 4,15). Todavia, é também muito mais: n’Ele Deus fez-Se ho-
mem e, portanto, Ele é o único Salvador, como diz o seu próprio nome:
Jesus, ou seja, “Deus salva”. A Assis as pessoas vêm para aprender de São
Francisco o segredo para reconhecer Jesus Cristo e fazer a Sua experiência.
Eis o que Francisco sentia por Jesus, segundo o que narra o seu primeiro
biógrafo: «Ele tinha Jesus sempre no coração. Jesus nos lábios, Jesus nos
ouvidos, Jesus nos olhos, Jesus nas mãos, Jesus em todos os outros mem-
bros... Aliás, encontrando-se muitas vezes em viagem e meditando ou can-
tando Jesus, esquecia-se que estava em viagem e detinha-se para convidar
todas as criaturas ao louvor de Jesus.» (1 Cel II, 9, 115: FF 115) Deste modo,
vemos que a comunhão com Jesus abre também o coração e os olhos para
a Criação.

Em síntese, Francisco era um verdadeiro apaixonado por Jesus. Encontrava-


-O na Palavra de Deus, nos irmãos e na natureza, mas sobretudo na sua
presença eucarística. A este propósito, escrevia no Testamento: «Do mesmo
altíssimo Filho de Deus, nada mais vejo corporalmente neste mundo, a não
ser o seu santíssimo corpo e o seu santíssimo sangue.» (2 Test 10: FF 113) O
presépio de Greccio exprime a necessidade de O contemplar na sua terna
humanidade de Menino (cf. 1 Cel I, 30, 85-86: FF 469-470). A experiência
de La Verna, onde recebeu os estigmas, mostra a que nível de intimidade
ele tinha chegado na relação com Cristo crucificado. Com Paulo, ele podia
realmente dizer: «Para mim, viver é Cristo.» (Fl 1,21) Se se despoja de tudo
24 Edificar com Francisco

e escolhe a pobreza, o motivo de tudo isto é Cristo, é somente Cristo. Jesus


é o seu tudo: e basta-lhe!

Exatamente porque pertence a Cristo, Francisco pertence também à Igreja.


Do Crucifixo de São Damião, ele recebeu a indicação de reparar a casa de
Cristo, que é precisamente a Igreja. Entre Cristo e a Igreja existe uma rela-
ção íntima e indissolúvel. Sem dúvida, ser chamado a repará-la implicava,
na missão de Francisco, algo de próprio e de original. Ao mesmo tempo,
aquela tarefa nada mais era, em última análise, do que a responsabilidade
atribuída por Cristo a cada batizado. E inclusive a cada um de nós, Ele diz:
«Vai, repara a minha casa.» Todos nós somos chamados a reparar de novo,
em cada geração, a casa de Cristo, a Igreja. E a Igreja vive e torna-se bela
somente quando age deste modo. E como sabemos, existem muitas formas
de reparar, de edificar, de construir a casa de Deus, a Igreja. Além disso,
ela edifica-se através das vocações mais diversificadas, da laical e familiar à
vida de especial consagração, à vocação sacerdotal.

Nesta altura, desejo dedicar uma palavra precisamente a esta última vo-
cação. Francisco, que foi diácono, não sacerdote (cf. 1 Cel I, 30, 86: FF 470),
nutria pelos sacerdotes uma grande veneração. Embora soubesse que tam-
bém nos ministros de Deus há muita pobreza e fragilidade, via-os como mi-
nistros do Corpo de Cristo, e isto bastava para fazer brotar nele um sentido
de amor, de reverência e de obediência (cf. 2 Test 6-10: FF 112-113). O seu
amor pelos sacerdotes é um convite a redescobrir a beleza desta vocação.
Ela é vital para o povo de Deus. Amados jovens, circundai de amor e grati-
dão os vossos sacerdotes. Se o Senhor tiver de chamar algum de vós para
este grande ministério, como também para alguma forma de vida consa-
grada, não hesiteis em dizer o vosso sim. Sim, não é fácil, mas é bom ser
ministro do Senhor, é bom prodigalizar a vida por Ele! O jovem Francisco
sentia um afeto verdadeiramente filial pelo seu Bispo, e foi nas suas mãos
que, despojando-se de tudo, fez a profissão de uma vida já totalmente con-
sagrada ao Senhor (cf. 1 Cel I, 6, 15: FF 344).

Sentia de modo especial a missão do Vigário de Cristo, a quem submeteu a


sua Regra e confiou a sua Ordem. Se os Papas mostraram tanto afeto por
Assis, ao longo da história, isto constitui num certo sentido uma retribuição
do carinho que Francisco teve pelo Papa. Caríssimos jovens, sinto-me feliz
por estar aqui, na esteira dos meus predecessores, e de maneira particular
do amigo, do amado Papa João Paulo II.
25

Como que em círculos concêntricos, o amor de Francisco por Jesus dilata-se


não apenas na Igreja, mas em todas as coisas, vistas em Cristo e por Cristo.
Daqui nasce o Cântico das Criaturas, em que o olho descansa no esplendor
da Criação: do irmão sol à irmã lua, da irmã água ao irmão fogo. O seu olhar
interior tornou-se assim puro e penetrante, a ponto de vislumbrar a beleza
do Criador na beleza das criaturas. O Cântico do irmão sol, antes de consti-
tuir uma elevadíssima página de poesia e um convite implícito ao respeito
pela Criação, é uma oração, um louvor que se dirige ao Senhor, ao Criador
de todas as coisas.

Sob a perspetiva da oração é preciso ver também o compromisso de Fran-


cisco pela paz. Este aspeto da sua vida é de grande atualidade, num mundo
que tem tanta necessidade de paz e não consegue encontrar o seu cami-
nho. Francisco foi um homem de paz e um pacificador. Mostrou-o inclusive
na mansidão com que se colocou, todavia sem jamais silenciar a sua fé,
diante de homens de outros credos, como demonstra o seu encontro com
o Sultão (cf. 1 Cel I, 20, 57: FF 422). Se hoje o diálogo inter-religioso, espe-
cialmente depois do Concílio Vaticano II, se tornou património comum e
irrenunciável da sensibilidade cristã, Francisco pode ajudar-nos a dialogar
autenticamente, sem cair numa atitude de indiferença em relação à verda-
de ou à atenuação do nosso anúncio cristão. O facto de ser um homem de
paz, de tolerância e de diálogo nasce sempre da experiência de Deus-Amor.
Não por acaso, a sua saudação de paz é uma oração: «O Senhor te conceda
a paz.» (2 Test 23: FF 121)

Prezados jovens, a vossa numerosa presença aqui diz como a figura de


Francisco fala ao vosso coração. É de bom grado que vos volto a transmitir
a sua mensagem, mas sobretudo a sua vida e o seu testemunho. Chegou a
hora de jovens que, como Francisco, vivam seriamente e saibam estabele-
cer uma relação pessoal com Jesus. Chegou a hora de considerar a história
deste terceiro milénio, há pouco iniciado, como uma história que tem mais
necessidade do que nunca de ser fermentada pelo Evangelho. Faço mais
uma vez meu o convite que o meu amado predecessor, João Paulo II, gosta-
va de dirigir, especialmente aos jovens: «Abri as portas a Cristo.» Abri-as à
maneira de Francisco, sem medo, sem cálculos, sem medida. Caros jovens,
sede a minha alegria, como o fostes de João Paulo II. Desta basílica dedica-
da a Santa Maria dos Anjos marco um encontro convosco na Santa Casa de
Loreto, nos primeiros dias de setembro, para a Ágora dos jovens italianos.

Concedo-vos a todos a minha bênção! Obrigado por tudo, pela vossa pre-
sença e pela vossa oração.
26 Edificar com Francisco

n o Audiência-geral, 27 de janeiro de 2010

Queridos irmãos e irmãs,

Numa catequese recente, já ilustrei o papel providencial que a Ordem dos


Frades Menores e a Ordem dos Padres Pregadores, fundadas respetiva-
mente por São Francisco de Assis e por São Domingos de Gusmão, tiveram
na renovação da Igreja do seu tempo. Hoje gostaria de vos apresentar a
figura de Francisco, um autêntico “gigante” da santidade, que continua a
fascinar muitíssimas pessoas de todas as idades e religiões.

«Nasceu no mundo um sol.» Com estas palavras, na Divina Comédia («Paraí-


so», Canto XI), o sumo poeta italiano Dante Alighieri alude ao nascimento de
Francisco, ocorrido entre o final de 1181 e o início de 1182, em Assis. Per-
tencente a uma família rica – o pai era comerciante de tecidos –, Francisco
transcorreu uma adolescência e uma juventude tranquilas, cultivando os
ideais cavalheirescos da época. Com vinte anos participou numa campanha
militar e foi feito prisioneiro. Adoeceu e foi liberto. Depois do regresso a
Assis, começou nele um lento processo de conversão espiritual, que o levou
a abandonar gradualmente o estilo de vida mundano, que tinha praticado
até então. Remontam a esta época os célebres episódios do encontro com
o leproso, ao qual Francisco, descendo do cavalo, deu o ósculo da paz, e da
mensagem do Crucifixo na pequena Igreja de São Damião. Três vezes Cristo
na Cruz Se animou e lhe disse: «Vai, Francisco, e repara a minha Igreja em
ruínas.» Este simples acontecimento da palavra do Senhor ouvida na Igre-
ja de São Damião esconde um simbolismo profundo. Imediatamente São
Francisco é chamado a reparar esta pequena igreja, mas o estado de ruínas
deste edifício é símbolo da situação dramática e preocupante da própria
Igreja naquele tempo, com uma fé superficial que não forma e não trans-
forma a vida, com um clero pouco zeloso, com o refrear-se do amor; uma
destruição interior da Igreja que implica também uma decomposição da
unidade, com o nascimento de movimentos heréticos. Contudo, no centro
desta igreja em ruínas está o Crucifixo e fala: chama à renovação, chama
Francisco a um trabalho manual para reparar concretamente a pequena
Igreja de São Damião, símbolo da chamada mais profunda a renovar a pró-
pria Igreja de Cristo, com a sua radicalidade de fé e com o seu entusiasmo
de amor a Cristo. Este acontecimento, que aconteceu provavelmente em
1205, faz pensar noutro semelhante que se verificou em 1207: o sonho do
27

Papa Inocêncio III. Ele vê em sonhos que a Basílica de São João de Latrão,
a igreja-mãe de todas as igrejas, está a desabar e um religioso pequeno e
insignificante ampara com os seus ombros a igreja para que não caia. É
interessante notar, por um lado, que não é o Papa quem dá ajuda para que
a igreja não desabe, mas um religioso pequeno e insignificante, que o Papa
reconhece em Francisco que o visita. Inocêncio III era um Papa poderoso,
de grande cultura teológica, assim como de grande poder político, contudo
não é ele quem renova a Igreja, mas um religioso pequeno e insignificante:
é São Francisco, chamado por Deus. Por outro lado, é importante observar
que São Francisco não renova a Igreja sem ou contra o Papa, mas em comu-
nhão com ele. As duas realidades caminham juntas: o sucessor de Pedro, os
bispos, a Igreja fundada na sucessão dos Apóstolos e o carisma novo que o
Espírito Santo cria neste momento para renovar a Igreja. Ao mesmo tempo,
cresce a verdadeira renovação.

Voltemos à vida de São Francisco. Dado que o pai Bernardone lhe repro-
vava a demasiada generosidade para com os pobres, Francisco, diante do
bispo de Assis, com um gesto simbólico, despojou-se das suas roupas, com
a intenção de renunciar assim à herança paterna: como no momento da
criação, Francisco nada possui, mas só a vida que Deus lhe doou, em cujas
mãos ele se entrega. Depois, viveu como um eremita, até que, em 1208,
teve lugar outro acontecimento fundamental no itinerário da sua conver-
são. Ouvindo um trecho do Evangelho de Mateus – o sermão de Jesus aos
Apóstolos enviados em missão –, Francisco sentiu-se chamado a viver na
pobreza e a dedicar-se à pregação. Outros companheiros se uniram a ele, e
em 1209 veio a Roma, para submeter ao Papa Inocêncio III o projeto de uma
nova forma de vida cristã. Recebeu um acolhimento paterno daquele gran-
de Pontífice que, iluminado pelo Senhor, intuiu a origem divina do movi-
mento suscitado por Francisco. O Pobrezinho de Assis tinha compreendido
que cada carisma doado pelo Espírito Santo deve ser colocado ao serviço
do Corpo de Cristo, que é a Igreja; portanto, agiu sempre em plena comu-
nhão com a autoridade eclesiástica. Na vida dos santos não há contraste
entre carisma profético e carisma de governo, e, se surge alguma tensão,
eles sabem esperar com paciência os tempos do Espírito Santo.

Na realidade, alguns historiadores no século xix e também no século pas-


sado procuraram criar por detrás do Francisco da tradição um chamado
Francisco histórico, assim como se procura criar por detrás do Jesus dos
evangelhos um chamado Jesus histórico. Este Francisco histórico não teria
sido um homem de Igreja, mas um homem relacionado imediatamente só
28 Edificar com Francisco

com Cristo, um homem que queria criar uma renovação do povo de Deus
sem formas canónicas nem hierarquia. A verdade é que São Francisco teve
realmente uma relação muito imediata com Jesus e com a palavra de Deus,
que queria seguir sine glossa, tal qual é, em toda a sua radicalidade e ver-
dade. É também verdade que inicialmente ele não tinha a intenção de criar
uma Ordem com as formas canónicas necessárias mas, simplesmente, com
a palavra de Deus e com a presença do Senhor, ele desejava renovar o povo
de Deus, convocá-lo de novo para a escuta da palavra e para a obediência
verbal com Cristo. Além disso, sabia que Cristo nunca é “meu”, mas é sem-
pre “nosso”, que não O posso ter “eu” e reconstruir “eu” contra a Igreja, a
sua vontade e o seu ensinamento, mas só na comunhão da Igreja construí-
da sobre a sucessão dos Apóstolos é que se renova também a obediência
à palavra de Deus.

É também verdade que não tinha a intenção de criar uma nova Ordem, mas
apenas de renovar o povo de Deus para o Senhor que vem. Mas compreen-
deu com sofrimento e dor que tudo deve ter a sua Ordem, que também o
direito da Igreja é necessário para dar forma à renovação, e assim inseriu-
-se realmente de modo total, com o coração, na comunhão da Igreja, com
o Papa e com os bispos. Sabia sempre que o centro da Igreja é a Eucaristia,
na qual o Corpo de Cristo e o seu Sangue se tornam presentes. Através do
Sacerdócio, a Eucaristia é a Igreja. Onde caminham juntos Sacerdócio de
Cristo e comunhão da Igreja, então ali habita também a palavra de Deus. O
verdadeiro Francisco histórico é o Francisco da Igreja, e precisamente deste
modo fala também aos não-crentes, aos fiéis de outras confissões e religiões.

Francisco e os seus frades, cada vez mais numerosos, estabeleceram-se na


Porciúncula, ou Igreja de Santa Maria dos Anjos, lugar sagrado por excelência
da espiritualidade franciscana. Também Clara, uma jovem de Assis, de família
nobre, se pôs na escola de Francisco. Assim, teve origem a segunda Ordem
franciscana, a das Clarissas, outra experiência destinada a dar frutos insignes
de santidade na Igreja.

Também o sucessor de Inocêncio III, Papa Honório III, com a sua Bula Cum
dilecti de 1218, apoiou o singular desenvolvimento dos primeiros Frades Me-
nores, que iam abrindo as suas missões em diversos países da Europa, e
até em Marrocos. Em 1219, Francisco obteve a autorização para ir falar, no
Egito, com o sultão muçulmano Melek-el-Kamel, para pregar também ali o
Evangelho de Jesus. Desejo ressaltar este episódio da vida de São Francisco,
que tem uma grande atualidade. Numa época na qual se estava a verificar
um confronto entre o Cristianismo e o Islão, Francisco, intencionalmente ar-
29

mado só com a sua fé e com a sua mansidão pessoal, percorreu com eficácia
o caminho do diálogo. As crónicas falam-nos de um acolhimento benévolo e
cordial recebido do sultão muçulmano. É um modelo no qual também hoje
se deveriam inspirar as relações entre cristãos e muçulmanos: promover um
diálogo na verdade, no respeito recíproco e na compreensão mútua (cf. Nos-
tra aetate, n.º 3). Parece depois que em 1220 Francisco visitou a Terra Santa,
lançando assim uma semente, que teria dado muito fruto: de facto, os seus
filhos espirituais fizeram dos lugares nos quais Jesus viveu um âmbito pri-
vilegiado da sua missão. Com gratidão, penso hoje nos grandes méritos da
Custódia franciscana da Terra Santa.

Tendo regressado a Itália, Francisco entregou o governo da Ordem ao seu


vigário, frei Pedro Cattani, enquanto o Papa confiou à proteção do cardeal
Ugolino, futuro Sumo Pontífice Gregório IX, a Ordem, que contava com cada
vez mais adeptos. Por seu lado, o fundador, totalmente dedicado à pregação
que desempenhava com grande sucesso, redigiu uma Regra, depois aprova-
da pelo Papa. Em 1224, na Ermida de La Verna, Francisco vê o Crucificado na
forma de um serafim e do encontro com o serafim crucificado recebeu os es-
tigmas; ele torna-se assim um com Cristo crucificado: um dom que expressa
a sua íntima identificação com o Senhor. A morte de Francisco – o seu tran-
situs – aconteceu na noite de 3 de outubro de 1226, na Porciúncula. Depois
de ter abençoado os seus filhos espirituais, ele faleceu, estendido no chão
nu. Dois anos mais tarde, foi construída em sua honra uma grande basílica
em Assis, que ainda hoje é meta de muitíssimos peregrinos, que podem ve-
nerar o túmulo do santo e gozar da visão dos frescos de Giotto, pintor que
ilustrou de modo magnífico a vida de Francisco.

Foi dito que Francisco representa um alter Christus, que era verdadeiramen-
te um ícone vivo de Cristo. Ele foi chamado também “o irmão de Jesus”. De
facto, era este o seu ideal: ser como Jesus; contemplar o Cristo do Evange-
lho, amá-l’O intensamente, imitar as suas virtudes. Em particular, ele quis
dar um valor fundamental à pobreza interior e exterior, ensinando-a tam-
bém aos filhos espirituais. A primeira bem-aventurança do Sermão da Mon-
tanha – bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos
Céus (Mt 5,3) – encontrou uma luminosa realização na vida e nas palavras
de São Francisco. Deveras, queridos amigos, os santos são os melhores in-
térpretes da Bíblia; eles, encarnando na sua vida a Palavra de Deus, tornam-
-na atraente como nunca, de modo que fala realmente connosco. O teste-
munho de Francisco, que amou a pobreza para seguir Cristo com dedicação
e liberdade totais, continua a ser também para nós um convite a cultivar a
30 Edificar com Francisco

pobreza interior para crescer na confiança em Deus, unindo também um


estilo de vida sóbrio e um desapego dos bens materiais.

Em Francisco, o amor a Cristo expressou-se de modo especial na adoração


do Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Nas Fontes franciscanas leem-se
expressões comovedoras, como esta: «Toda a humanidade tema, o univer-
so inteiro trema e o céu exulte, quando no altar, na mão do sacerdote, está
Cristo, o Filho do Deus vivo. Ó favor maravilhoso! Ó sublimidade humilde,
que o Senhor do universo, Deus e Filho de Deus, a tal ponto se humilhe que
se esconda para a nossa salvação, sob uma modesta forma de pão.» (Fran-
cisco de Assis, Escritos, Editrici Franciscane, Pádua 2002, p. 401)

Neste Ano Sacerdotal, apraz-me recordar também uma recomendação di-


rigida por Francisco aos sacerdotes: «Quando quiserem celebrar a Missa,
puros de modo puro, façam com reverência o verdadeiro sacrifício do san-
tíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.» (Francisco de Assis,
Escritos, p. 399) Francisco mostrava sempre uma grande deferência em re-
lação aos sacerdotes e recomendava que fossem sempre respeitados, tam-
bém no caso de serem pessoalmente pouco dignos. Dava como motivação
deste profundo respeito o facto de que eles receberam o dom de consagrar
a Eucaristia. Queridos irmãos no sacerdócio, nunca esqueçamos este ensi-
namento: a santidade da Eucaristia pede que sejamos puros, que vivamos
de modo coerente com o Mistério que celebramos.

Do amor a Cristo nasce o amor às pessoas e também a todas as criaturas


de Deus. Eis outra característica da espiritualidade de Francisco: o sentido
da fraternidade universal e o amor pela criação, que lhe inspirou o céle-
bre Cântico das criaturas. É uma mensagem muito atual. Como recordei na
minha recente Encíclica Caritas in veritate, só é sustentável um desenvolvi-
mento que respeite a criação e que não danifique o meio ambiente (cf. n.os
48-52) e na Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano ressaltei que
também a construção de uma paz sólida está relacionada com o respeito
da criação. Francisco recorda-nos que na criação se manifesta a sabedoria
e a benevolência do Criador. A natureza é entendida por ele precisamente
como uma linguagem na qual Deus fala connosco, na qual a realidade se
torna transparente e nós podemos falar de e com Deus.

Queridos amigos, Francisco foi um grande santo e um homem jubiloso. A


sua simplicidade, a sua humildade, a sua fé, o seu amor a Cristo, a sua bon-
dade para cada homem e mulher fizeram-no feliz em todas as situações.
De facto, entre a santidade e a alegria subsiste uma relação íntima e indis-
31

solúvel. Um escritor francês disse que no mundo só existe uma tristeza:


a de não ser santo, isto é, de não estar próximo de Deus. Olhando para o
testemunho de São Francisco, compreendemos que é este o segredo da
verdadeira felicidade: tornar-nos santos, próximos de Deus! Que a Virgem,
ternamente amada por Francisco, nos obtenha este dom. Confiemo-nos a
ela com as mesmas palavras do Pobrezinho de Assis: «Santa Maria Virgem,
não existe outra semelhante a ti nascida no mundo entre as mulheres, filha
e escrava do altíssimo Rei e Pai celeste, Mãe do nosso santíssimo Senhor
Jesus Cristo, esposa do Espírito Santo: interceda por nós... junto do teu san-
tíssimo e dileto Filho, Senhor e Mestre.» (Francisco de Assis, Escritos, p. 163)

Francisco Encontro com os jovens da região da Úmbria, Praça da Basí-


lica de Santa Maria dos Anjos, Assis, 4 de outubro de 2013

Estimados jovens da Úmbria, boa tarde!

Obrigado por terdes vindo, obrigado por esta festa! Verdadeiramente, esta
é uma festa! E obrigado pelas vossas perguntas.

Estou feliz porque a primeira pergunta foi feita por um jovem casal. Um tes-
temunho muito bonito! Dois jovens que escolheram, que decidiram, com
alegria e coragem, formar uma família! Sim, porque é verdade, é preciso
ter coragem para formar uma família! É preciso ter coragem! E a vossa per-
gunta, jovens esposos, está relacionada com a pergunta sobre a vocação. O
que é o Matrimónio? É uma verdadeira vocação, como o são o sacerdócio e
a vida religiosa. Dois cristãos que casam reconheceram na sua história de
amor o chamamento do Senhor, a vocação a formar de duas pessoas, varão
e mulher, uma só carne, uma só vida. E o sacramento do Matrimónio corro-
bora este amor com a graça de Deus, arraigando-o no próprio Deus. Com
este dom, com a certeza desta vocação, é possível começar com segurança,
sem medo de nada, para juntos enfrentar tudo!

Pensemos nos nossos pais, nos nossos avós ou bisavós: eles casaram em
condições muito mais pobres do que as nossas, alguns em tempos de guer-
ra, ou do pós-guerra; outros emigraram, como os meus pais. Onde encon-
travam a força? Encontravam-na na certeza de que o Senhor estava com
eles, que a família é abençoada por Deus mediante o sacramento do Matri-
32 Edificar com Francisco

mónio e que é abençoada a missão de ter filhos e de os educar. Com estas


certezas, eles superaram até as provações mais árduas. Eram certezas sim-
ples, mas verdadeiras; formavam colunas que sustentavam o seu amor. A
sua vida não foi fácil; havia problemas, muitos problemas! Mas estas certe-
zas simples ajudavam-nos a ir em frente. E assim conseguiram formar uma
bonita família, dar vida e criar os próprios filhos.

Estimados amigos, é necessária esta base moral e espiritual para construir


bem, de modo sólido! Hoje, esta base já não é garantida pelas famílias nem
pela tradição social. Aliás, a sociedade em que vós nascestes privilegia os
direitos individuais, e não tanto a família – estes direitos individuais! –, privi-
legia as relações que duram enquanto não surgirem dificuldades, e por isso
às vezes fala-se de relação de casal, de família e de matrimónio de forma
superficial e equívoca. Seria suficiente seguir certos programas televisivos
para ver estes valores! Quantas vezes os párocos – também eu, algumas
vezes, ouvi – ouvem um casal que vem ter com eles para casar: «Mas vós
sabeis que o matrimónio é para a vida inteira?» «Ah, nós amamo-nos muito,
mas... permaneceremos juntos enquanto o amor durar. Quando terminar,
cada qual toma o seu rumo.» É o egoísmo: quando eu não sinto, interrompo
o matrimónio e esqueço aquela «uma só carne» que não se pode dividir.
É arriscado casar: é arriscado! É aquele egoísmo que nos ameaça, porque
dentro de nós todos temos a possibilidade de uma dupla personalidade:
aquela que diz: «Eu, livre, eu quero isto...», e a outra que diz: «Eu, me, mim,
comigo, para mim...» Sempre o egoísmo, que volta e não se sabe abrir ao
próximo. A outra dificuldade é esta cultura do provisório: parece que nada
é definitivo. Tudo é provisório! Como eu disse antes: o amor, sim, mas en-
quanto durar. Uma vez ouvi um seminarista – bom – que dizia: «Quero tor-
nar-me sacerdote, mas por dez anos. Depois, vou pensar.» É a cultura do
provisório, mas Jesus não nos salvou provisoriamente: salvou-nos de modo
definitivo!

Mas o Espírito Santo suscita sempre respostas novas às renovadas exigên-


cias! E assim multiplicaram-se na Igreja os itinerários para noivos, os cursos
de preparação para o Matrimónio, os grupos de jovens casais nas paró-
quias, os movimentos familiares... São uma riqueza imensa! São pontos de
referência para todos: jovens à procura, casais em crise, pais em dificuldade
com os filhos e vice-versa. Ajudam-nos todos! Além disso, existem diversas
formas de acolhimento: a custódia, a adoção, as casas-família de vários ti-
pos... A fantasia – permiti-me esta palavra –, a fantasia do Espírito Santo é
infinita, mas é também muito concreta! Então, gostaria de vos dizer que
33

não tenhais medo de dar passos definitivos: não tenhais medo de os dar.
Quantas vezes ouvi mães que me dizem: «Mas Padre, tenho um filho de
trinta anos e não se casa: não sei o que fazer! Tem uma namorada linda,
mas não se decide.» Mas senhora, deixe de lhe passar as camisas a ferro! É
assim! Não tenhais medo de dar passos definitivos, como o do Matrimónio:
aprofundai o vosso amor, respeitando os seus tempos e as suas pressões,
orai, preparai-vos bem, mas depois tende confiança que o Senhor não vos
deixa sozinhos! Fazei-o entrar na vossa casa como um membro da família,
e Ele amparar-vos-á sempre.

A família é a vocação que Deus inscreveu na natureza do homem e da mu-


lher, mas existe outra vocação complementar ao Matrimónio: o chamamen-
to ao celibato e à virgindade pelo Reino dos céus. Foi a vocação que o próprio
Jesus viveu. Como podemos reconhecê-la? Como segui-la? Foi a terceira
pergunta que me dirigistes. Todavia, algum de vós pode pensar: mas como
é bom este bispo! Fizemos a pergunta e ele já tem todas as respostas pron-
tas, escritas! Recebi as perguntas há alguns dias. É por isso que as conheço.
E respondo-vos com dois elementos essenciais, sobre o modo como reco-
nhecer esta vocação para o sacerdócio ou para a vida consagrada. Rezar e
caminhar na Igreja. Estas duas coisas andam juntas, estão interligadas. Na
origem de cada vocação à vida consagrada há sempre uma forte experiên-
cia de Deus, uma experiência que não esquecemos, que recordamos du-
rante a vida inteira! Foi a que Francisco teve. E isto não o podemos calcular,
nem programar. Deus surpreende-nos sempre! É Deus quem chama, mas é
importante ter uma relação quotidiana com Ele, ouvi-l’O em silêncio diante
do Tabernáculo e no íntimo de nós mesmos, falar-Lhe, receber os sacra-
mentos. Manter esta relação familiar com o Senhor é como deixar aberta
a janela da nossa vida, a fim de que Ele nos faça ouvir a sua voz, o que Ele
deseja de nós. Seria bom ouvir-vos, ouvir os sacerdotes aqui presentes, as
religiosas... Seria muito bom, porque cada história é única, mas todas come-
çam a partir de um encontro que ilumina profundamente, que sensibiliza o
coração e compromete a pessoa inteira: os afetos, o intelecto, os sentidos,
tudo. A relação com Deus não se refere unicamente a uma parte de nós
mesmos, mas diz respeito a tudo. É um amor tão grande, tão bonito, tão
verdadeiro, que merece tudo e merece toda a nossa confiança. E gosta-
ria de vos dizer algo de modo vigoroso, especialmente hoje: a virgindade
pelo Reino de Deus não é um «não», mas um «sim»! Sem dúvida, exige a
renúncia a um vínculo conjugal e a uma família, mas na base encontra-se o
«sim», como resposta ao «sim» total de Cristo a nós, e este «sim» torna-nos
fecundos.
34 Edificar com Francisco

Mas aqui em Assis não há necessidade de palavras! Estão presentes Fran-


cisco e Clara, são eles que nos falam! O seu carisma continua a falar a mui-
tos jovens no mundo inteiro: rapazes e moças que deixam tudo para seguir
Jesus no caminho do Evangelho.

Eis o Evangelho. Gostaria de me inspirar na palavra «Evangelho» para res-


ponder às outras duas perguntas que vós me dirigistes, a segunda e a quarta.
Uma diz respeito ao compromisso social, neste período de crise que amea-
ça a esperança; e a outra refere-se à evangelização, ao anúncio de Jesus aos
outros. Vós perguntastes-me: O que podemos fazer? Qual pode ser a nossa
contribuição? Aqui em Assis, aqui perto da Porciúncula, parece que posso
ouvir a voz de São Francisco, que nos repete: «Evangelho, Evangelho!» E
di-lo também a mim, aliás, primeiro a mim: Papa Francisco, sê servo do
Evangelho! Se eu não conseguir ser um servidor do Evangelho, a minha vida
não terá valor algum!

Mas estimados amigos, o Evangelho não diz respeito unicamente à religião;


ele refere-se ao homem, ao homem todo, ao mundo, à sociedade e à ci-
vilização humana. O Evangelho é a mensagem de salvação de Deus para
a humanidade. Mas quando dizemos «mensagem de salvação», não é um
modo de dizer, não são simples palavras, nem palavras vazias, como exis-
tem tantas hoje em dia! A humanidade tem verdadeiramente necessidade
de ser salva! Vemo-lo todos os dias, quando folheamos o jornal, ou quando
ouvimos o noticiário televisivo; mas vemo-lo também ao nosso redor, nas
pessoas e nas situações; e vemo-lo inclusive em nós mesmos! Cada um de
nós tem necessidade da salvação! Sozinhos, não conseguimos! Precisamos
da salvação! Mas salvação do quê? Do mal. O mal age, desempenha o seu
trabalho. Mas o mal não é invencível, e o cristão não se resigna diante do
mal. E vós, jovens, desejais resignar-vos perante o mal, as injustiças e as
dificuldades? Quereis ou não quereis? [Os jovens respondem: Não!] Ah, mui-
to bem! Gosto disto! O nosso segredo é que Deus é maior do que o mal: e
isto é verdade! Deus é maior do que o mal! Deus é amor infinito, misericór-
dia sem limites, e este Amor venceu o mal pela raiz, mediante a morte e a
ressurreição de Cristo. Este é o Evangelho, a Boa Notícia: o amor de Deus
venceu! Cristo morreu na cruz pelos nossos pecados e ressuscitou. Com
Ele, podemos lutar contra o mal e derrotá-lo todos os dias. Cremos nisto,
ou não? [Os jovens respondem: Sim!] Mas este «sim» deve inserir-se na vida!
Se acredito que Jesus venceu o mal e que me salva, devo seguir Jesus, devo
percorrer o caminho de Jesus durante a vida inteira.
35

Então o Evangelho, esta mensagem de salvação, tem dois destinos que es-
tão ligados entre si: o primeiro, suscitar a fé, e trata-se da evangelização; o
segundo, transformar o mundo em conformidade com o desígnio de Deus,
e trata-se da animação cristã da sociedade. Mas não são dois elementos
separados, são uma única missão: anunciar o Evangelho com o testemunho
da nossa vida transforma o mundo! Eis o caminho: anunciar o Evangelho
com o testemunho da nossa vida!

Olhemos para Francisco: ele fez as duas coisas, com a força do único Evan-
gelho. Francisco fez crescer a fé, renovando a Igreja; e, ao mesmo tempo,
renovou a sociedade, tornando-a mais fraterna, mas sempre com o Evan-
gelho, com o testemunho. Sabeis o que disse Francisco certa vez aos seus
irmãos? «Pregai sempre o Evangelho e, se for necessário, também com as
palavras!» Mas como? Pode pregar-se o Evangelho sem palavras? Sim! Com
o testemunho! Primeiro o testemunho e depois as palavras! Mas primeiro
o testemunho!

Jovens da Úmbria: fazei assim também vós! Hoje, em nome de São Fran-
cisco, eu digo-vos: não tenho ouro, nem prata para vos oferecer, mas algo
muito mais precioso, o Evangelho de Jesus. Ide com coragem! Com o Evan-
gelho no coração e nas mãos, sede testemunhas da fé com a vossa própria
vida: levai Cristo às vossas casas, anunciai-O aos vossos amigos, abraçai-O e
servi-O nos pobres. Jovens, transmiti à Úmbria uma mensagem de vida, de
paz e de esperança! Podeis fazê-lo!

Francisco Homilia, 4 de outubro de 2013, Praça de São Francisco de Assis

«Bendigo-Te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coi-


sas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos.» (Mt 11,25)

A todos, paz e bem! Com esta saudação franciscana, agradeço-vos por ter-
des vindo a esta praça, cheia de história e fé. Para rezarmos juntos.

Como tantos outros peregrinos, também eu vim hoje, para bendizer o Pai
por tudo o que quis revelar a um destes «pequeninos» de que nos fala o
Evangelho: Francisco, filho de um comerciante rico de Assis. O encontro
36 Edificar com Francisco

com Jesus levou-o a despojar-se de uma vida cómoda e despreocupada,


para desposar a «Senhora Pobreza» e viver como verdadeiro filho do Pai
que está nos céus. Esta escolha, feita por São Francisco, constituía uma ma-
neira radical de imitar a Cristo, de se revestir d’Aquele que, sendo rico, Se
fez pobre para nos enriquecer por meio da sua pobreza (cf. 2Cor 8,9). Em
toda a vida de Francisco, o amor pelos pobres e a imitação de Cristo pobre
são dois elementos indivisivelmente unidos, as duas faces de uma mesma
medalha.

De que nos dá hoje testemunho São Francisco? Que nos diz ele, não com as
palavras – isso é fácil –, mas com a vida?
1. A primeira coisa que nos diz, a realidade fundamental de que nos dá
testemunho é esta: ser cristão é uma relação vital com a Pessoa de Jesus, é
revestir-se d’Ele, é assimilação a Ele.
De onde começa o caminho de Francisco para Cristo? Começa do olhar de
Jesus na cruz. Deixar-se olhar por Ele no momento em que dá a vida por nós
e nos atrai para Ele. Francisco fez esta experiência, de um modo particular,
na pequena Igreja de São Damião, rezando diante do crucifixo, que poderei
também eu venerar hoje. Naquele crucifixo, Jesus não Se apresenta morto,
mas vivo! O sangue escorre das feridas das mãos, dos pés e do peito, mas
aquele sangue exprime vida. Jesus não tem os olhos fechados, mas abertos,
bem abertos: um olhar que fala ao coração. E o Crucifixo não nos fala de
derrota, de fracasso; paradoxalmente, fala-nos de uma morte que é vida,
que gera vida, porque nos fala de amor, porque é o Amor de Deus encar-
nado, e o Amor não morre, antes derrota o mal e a morte. Quem se deixa
olhar por Jesus crucificado fica recriado, torna-se uma «nova criatura». E
daqui tudo começa: é a experiência da Graça que transforma, de sermos
amados sem mérito algum, até sendo pecadores. Por isso, Francisco pode
dizer como São Paulo: «Quanto a mim, de nada me quero gloriar, a não ser
na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.» (Gl 6,14)
Voltamo-nos para ti, Francisco, e te pedimos: ensina-nos a permanecer
diante do Crucifixo, a deixar-nos olhar por Ele, a deixar-nos perdoar, recriar
pelo seu amor.

2. No Evangelho, ouvimos estas palavras: «Vinde a Mim, todos os que estais


cansados e oprimidos, e Eu hei de aliviar-vos. Tomai sobre vós o meu jugo e
aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração.» (Mt 11,28-29)
Esta é a segunda coisa de que Francisco nos dá testemunho: quem segue a
Cristo, recebe a verdadeira paz, a paz que só Ele, e não o mundo, nos pode dar.
37

Na ideia de muitos, São Francisco aparece associado com a paz; e está cer-
to, mas poucos vão em profundidade. Qual é a paz que Francisco acolheu e
viveu, e nos transmite? A paz de Cristo, que passou através do maior amor,
o da Cruz. É a paz que Jesus Ressuscitado deu aos discípulos, quando apa-
receu no meio deles (cf. Jo 20,19-20).

A paz franciscana não é um sentimento piegas. Por favor, este São Fran-
cisco não existe! E também não é uma espécie de harmonia panteísta
com as energias do cosmos... Também isto não é franciscano! Também
isto não é franciscano, mas uma ideia que alguns formaram. A paz de
São Francisco é a de Cristo e encontra-a quem «toma sobre si» o seu
«jugo», isto é, o seu mandamento: Amai-vos uns aos outros, como Eu vos
amei (cf. Jo 13,34; 15,12). E este jugo não se pode levar com arrogância,
presunção, orgulho, mas apenas se pode levar com mansidão e humil-
dade de coração.

Voltamo-nos para ti, Francisco, e te pedimos: ensina-nos a ser «instru-


mentos da paz», da paz que tem a sua fonte em Deus, a paz que nos
trouxe o Senhor Jesus.

3. Francisco começa assim o Cântico das Criaturas: «Altíssimo, omnipo-


tente, bom Senhor [...], louvado sejas [...] com todas as tuas criaturas.»
(FF, 1820) O amor por toda a criação, pela sua harmonia! O Santo de
Assis dá testemunho de respeito por tudo o que Deus criou e como Ele o
criou, sem fazer experiências sobre a criação destruindo-a; mas ajudan-
do-a a crescer, a ser mais bela e semelhante àquilo que Deus criou. E
sobretudo São Francisco dá testemunho de respeito por tudo, dá teste-
munho de que o homem é chamado a salvaguardar o homem, de modo
que o homem esteja no centro da criação, no lugar onde Deus – o Cria-
dor – o quis; e não instrumento dos ídolos que nós criamos! A harmonia
e a paz! Francisco foi homem de harmonia e de paz. Daqui, desta Cidade
da Paz, repito com a força e a mansidão do amor: respeitemos a criação,
não sejamos instrumentos de destruição! Respeitemos todo o ser huma-
no: cessem os conflitos armados que ensanguentam a terra, calem-se
as armas e que, por toda a parte, o ódio dê lugar ao amor, a ofensa ao
perdão e a discórdia à união. Ouçamos o grito dos que choram, sofrem
e morrem por causa da violência, do terrorismo ou da guerra na Terra
Santa, tão amada por São Francisco, na Síria, em todo o Médio Oriente,
no mundo inteiro.
38 Edificar com Francisco

Voltamo-nos para ti, Francisco, e te pedimos: alcançai-nos de Deus o dom


de haver, neste nosso mundo, harmonia, paz e respeito pela criação!

Não posso, enfim, esquecer que hoje Itália celebra São Francisco como
seu padroeiro. E formulo os melhores votos para todos os italianos, na
pessoa do chefe do Governo, aqui presente. Disso mesmo é expressão
também o gesto tradicional da oferta do azeite para a lâmpada votiva,
que este ano compete precisamente à região da Úmbria. Rezemos pela
nação italiana, para que cada um trabalhe sempre pelo bem comum,
olhando mais para o que une do que para o que divide.

Faço minha a oração de São Francisco por Assis, pela Itália, pelo mundo:
«Peço-Vos, pois, ó Senhor Jesus Cristo, pai das misericórdias, que Vos dig-
neis não olhar à nossa ingratidão, mas recordai-Vos da superabundante
compaixão que sempre mostrastes [por esta cidade], para que seja sempre
o lugar e a morada de quantos verdadeiramente Vos conhecem e glorificam
o vosso bendito e gloriosíssimo nome pelos séculos dos séculos. Amen.»
(Espelho de perfeição, 124: FF, 1824)
39

ic n ard c o s i ma i a o d Francisco
os i a d a d an Francisco d sis adrid

«Arrebatado assim em Deus pelos impulsos do seu amor seráfico, e pelo


desejo de se configurar com Aquele que por um excesso de amor quis ser
crucificado, certa manhã, por alturas da festa da Exaltação da Santa Cruz,
estando em oração num barranco da montanha, viu descer do alto do Céu
um Serafim com seis asas resplandecentes como fogo. Num voo extrema-
mente rápido, essa figura fixou-se no ar, a pouca distância do homem de
40 Edificar com Francisco

Deus. E pôde então observar por entre as asas, a imagem de um corpo hu-
mano crucificado, de mãos e pés estendidos e pregados a uma cruz. Duas
asas erguiam-se acima da cabeça, outras duas abriam-se para voar, e as
duas restantes encobriam-lhe todo o corpo. Esta aparição deixou-o pro-
fundamente assombrado, enquanto no coração se lhe misturava a triste-
za com a alegria: alegria pela expressãobenigna com que se via observado
por Cristo na figura desse Serafim – tristeza, porque ao ver o sofrimento
de Cristo pregado à cruz, uma espada de dor lhe trespassava a alma com
dolorosa compaixão aspecto tão misterioso dessa aparição deixava-o ató-
nito, porque em seu entender não se poderia coadunar o sofrimento de
um corpo com a espiritualidade imortal de um Serafim. Mas graças às luzes
do alto, pôde enfim compreender porque é que a divina Providência lhe
proporcionava esta visão: era para que ele se fosse acomodando à ideia de
que a semelhança que deveria ter com Cristo crucificado se realizaria, não
pelo martírio do corpo, mas pelo incêndio total da alma. A visão, entretanto,
desaparecera, deixando-lhe o coração a arder em chama viva – e deixando-
-lhe também o corpo marcado em chagas vivas.»

S. BOAVENTURA, Legenda Maior, XIII


41

ara a io Francisco m as
ads or n m ar ord onn c ic

«Este amor maravilhoso com que sempre soube albergar e manter no


coração a Jesus, e Jesus crucificado, mereceu-lhe a glória suprema de ser
assinalado com o distintivo de Cristo, Filho do Altíssimo que, em êxtase,
ele contemplava na glória indizível e incompreensível, sentado à direita do
Pai, com o Qual, na unidade do Espírito Santo, vive e reina, triunfa e impe-
ra, Deus eternamente glorioso, por todos os séculos. Ámen.»

TOMÁS DE CELANO, Vida Primeira, Cap. IX, 115


42 Edificar com Francisco

io o rm o d o Francisco s a s
as ica s rior ssis ia

«S. Francisco de Assis entrou no campo e começou a pregar aos pássaros,


que estavam no chão. E imediatamente os que estavam pelas árvores vie-
ram onde a ele, e todos juntos permaneceram quietos, até que S. Francisco
acabou a pregação; e só depois que lhes lançou a bênção é que partiram.
E, segundo contava depois frei Masseu e frei Tiago de Massa, andando S.
Francisco por entre eles, tocava-os com o manto sem que nenhum se mo-
vesse. A substância da prática de S. Francisco foi esta: «Avezinhas, minhas
43

irmãs: mui gratas deveis estar a Deus vosso criador, e sempre e em todos
os lugares o deveis louvar, porque vos concedeu um vestido dobrado e tres-
dobrado; e porque conservou vossos pais na arca de Noé, a fim de que não
acabasse no mundo a vossa espécie. E ademais lhe deveis estar obrigados
pelo ar, que vos destinou; além disto, vós nem semeais nem recolheis, mas
Deus vos nutre e vos dá os rios e as fontes para beberdes; e vos dá os
montes e os vales para refúgio e as altas árvores para fazerdes ninhos; e
conhecendo que vós não sabeis fiar nem coser, vos veste a vós e a vossos
filhos. Grande, é pois, o amor que vos tem o Criador, que tantos benefícios
vos faz; por isso, minhas irmãzinhas, guardai-vos do pecado da ingratidão, e
esforçai-vos sempre por louvar a Deus». Tendo o santo dito estas palavras,
todas aquelas aves começaram a abrir o bico, a estender o pescoço, a alar-
gar as asas, e a inclinar, como reverência, a cabeça até o chão, mostrando,
com sinais e cantos, o muito prazer que lhes davam as palavras do Santo
Padre. E S. Francisco se regozijava e deleitava com elas, maravilhando-se
muito de tanta multidão de pássaros, da sua beleza e variedade, e da sua
atenção e familiaridade; pelo que devotamente louvava o Criador.»

FLORINHAS DE S. FRANCISCO, Capítulo XVI


44 Edificar com Francisco

ima d a do r sco
as ica s rior ssis ia

«Que belo, que magnífico e glorioso era ele na inocência da sua vida, na
simplicidade das suas palavras, na pureza do coração, no amor a Deus, na
caridade fraterna, na obediência pronta, no trato cortês e afectuoso, na
candura angélica do semblante!
Tinha maneiras finas, era meigo, afável, oportuno em exortar, fidelíssimo
em cumprir, avisado e arguto no aconselhar, eficaz no agir, a tudo impri-
mindo graciosidade.
45

Espírito sereno e sóbrio, alma delicada, de índole contemplativa e oração


constante, em tudo punha entusiasmo e fervor. Tenaz nos propósitos, fir-
me na virtude, perseverante na graça e sempre igual a si mesmo. Pronto
para o perdão, tardo para a ira, engenho arguto, memória feliz, discorria
com subtileza, era ponderado nas decisões e simples em tudo. Rigoroso
consigo próprio, indulgente com os demais, discreto com todos. Eloquente
por natureza, de aspecto jovial e acolhedor, jamais foi indolente ou arrogan-
te. Meão de estatura, mais baixo que alto, cabeça regular e redonda, rosto
um tanto comprido e saliente, testa plana e pequena, olhos regulares, ne-
gros e límpidos, cabelo escuro, sobrancelhas rectilíneas, nariz equilibrado
e afilado, orelhas sobressaídas mas pequenas, têmporas achatadas, língua
pacificadora, ardente e penetrante, voz vibrante e doce, clara e sonora; den-
tes compactos, alinhados e brancos; lábios pequenos e finos; barba negra
e rala, pescoço esguio, ombros direitos, braços curtos, mãos finas, dedos
compridos, unhas acaneladas; pernas delgadas, pés pequenos, pele fina e
enxuto de carnes. Vestia rudemente, dormia muito pouco e era extrema-
mente generoso.
Humilde como era, mostrava-se manso com todos, a todos os feitios se aco-
modava. Sendo o mais santo de entre todos os santos, entre os pecadores
era como um deles.»

TOMÁS DE CELANO, Vida Primeira, Cap. XXIX, n.83


46 Edificar com Francisco

i ra no mind r Francisc s s m in in r id n ica

«Tinha razão, esse homem cheio de Deus, em se sentir tão afectuoso e hu-
mano para com as criaturas irracionais, dado que também elas, por sua
vez, se sentiam atraídas por ele, a ponto de lhe prestarem atenção quando
as instruía, e lhe obedecerem quando ele mandava, e se virem refugiar em
seus braços com toda a confiança, e ficarem sem dificuldade junto dele
quando o desejasse.»

S. BOAVENTURA, Legenda Menor, cap. V, n.6


47

ic ar son Francisco d ssis

«Era realmente de um fervor único e, se é verdade que nos séculos passa-


dos alguém o pôde igualar nos bons propósitos, ninguém lhe foi igual no
fervor dos desejos.
Tornava-se-lhe mais fácil praticar a perfeição do que pregá-la, pois mais do
que em dizer palavras, que encarecem a virtude mas não fazem o homem
virtuoso, empregava as energias em obras de santa edificação. Por isso se
mantinha inalteravelmente alegre e tranquilo, e em seu coração, para si e
para Deus, todo se expandia em cânticos de júbilo.»

TOMÁS DE CELANO, Vida Primeira, 2ª. parte, cap. II, n.93


48 Edificar com Francisco

is ano ii in a ad Francisco d ssis

«Se eu soubesse falar de S. Francisco de Assis, garanto-vos que escreveria o


que de melhor se pode alguma vez dizer de um santo assim. Por isso, com
pudor, atrevo-me a murmurar umas quantas ideias apoiadas numa mon-
tanha de emoções sobre a qual sou elevado quando penso neste Homem
entre os homens, que se descuida de si para cuidar dos outros, no segui-
mento de Jesus Cristo. Pobre de uma pobreza que não se priva de nada,
para restituir tudo ao Senhor, num compromisso constante de discernir de
que maneira, com os dons que tem, pode servir aos irmãos e às irmãs em
49

espírito de simplicidade e de verdadeira alegria. Profeta que toma a Palavra


do Senhor a sério e as palavras dos homens, e as põe em prática, enquanto
sinais eficazes de como aquela é fecunda e conduz estas à plenitude da ver-
dade. Santo de uma santidade que é viver a vida como celebração do amor
no qual se reconhece amado e que é o próprio amor de Deus. Modelo cuja
beleza é a do coração e cuja grandeza é a da alma, visto pelo mundo como
a expressão humana da maior humildade possível: ser grande, parecendo
pequeno!»

Frei Luís de Oliveira, OFM


50 Edificar com Francisco

osaico da r ad Francisco m an a an E

A S. FRANCISCO DE ASSIS
Louvado sejas, meu irmão poeta,
Pela beleza excelsa do teu canto,
O mais singelo,
Singular
E santo
De quantos se entoaram neste mundo.
Louvado sejas pelo profundo
51

Sentimento de paz
Que nele nos dás, cego a exaltar o sol,
Podre a exaltar a vida,
E até rendido aos pés da própria morte,
Nossa nocturna irmã sem caridade.
E louvado também pela humildade
Tutelar
Da tua inspiração,
Que soube, humanamente, ser do chão,
Mesmo erguida nas asas e a voar…

MIGUEL TORGA
12 Agosto 1981
52 Edificar com Francisco

s d i ra Francisco d ssis
a ria a a ina a a o i i F or n a ia

«Um pequeno grande livro sobre S. Francisco de Assis. Cem páginas arden-
tes, febris, dum imaginário de boas mãos e claro entendimento, que se apu-
53

rou mais na verdade humana do retratado de que no brilho do seu resplen-


dor divino. Mas foi a feliz maneira de evidenciar aos olhos deslumbrados do
leitor, dos meus, pelo menos, seu devoto de há muito, a realidade de um
santo com santidade para todos os tempos, único homem da Criação que
na terra se mediu naturalmente com a grandeza de Cristo. Um Cristo mais
humilde, sem eloquência em nenhum templo, nem azorrague para expul-
sar dele nenhum vendilhão, próximo de nós, eternamente criança, messias
da universalidade do amor que gratifica a própria morte e sacraliza de igual
maneira as mais significativas e insignificativas manifestações da vida, que
teve e tem o seu reino aqui, neste nosso vale de lágrimas, onde reinou e rei-
nará pelos séculos dos séculos, para todos os orgulhos baixo como a lama,
e para todos os espantos alto como uma estrela.»

MIGUEL TORGA
20 Outubro 1993
54 Edificar com Francisco

o an s n r roi ic i an

«Os professores são pessoas que ensinam aos outros as palavras que eles
próprios encontraram nos livros. Mas não se aprendem palavras num livro
de ar. Recebe-se, de tempos a tempos, a sua frescura. Estremecemos ao
sopro duma palavra: amava-te muito antes de nasceres. Amar-te-ei, mui-
to para lá do fim dos tempos. Amo-te em todas as eternidades. Antes de
dormitar, deslumbrado, no ventre de sua mãe, Francisco de Assis estava
mergulhado nesta palavra. Conservava-se a palavra encerrada na Bíblia,
como ouro no fundo de um cofre. Libertavam-na nas festas, nos gestos do
trabalho e nos gestos de repouso. Ela impregnava as redondezas da terra,
a respiração dos animais nas granjas, o gosto do pão forte. E antes de estar
na Bíblia, onde estava esta palavra, de onde é que ela vinha? Pairava sobre
o vazio das terras e sobre o vazio dos corações, rodopiava com o vento nos
desertos. Ela era primeira. Ela sempre existira. A palavra de amor é anterior
a tudo, até mesmo ao amor. No começo, só existia ela, a voz sem palavras, o
sopro de ouro que envolvia Deus, Francisco de Assis e o cão de Tobias, bem
estreitados, confundindo a respiração.»

CHRISTIAN BOBIN, Le Très-Bas, Éditions Gallimard, 1992


(trad. portuguesa: Francisco e o pequenino)
55

E E
i idad d fim d s mana

O “T” maiúsculo é subs-


tituído pelo TAU, sím-
TEMA «Edifica-Te!»
bolo franciscano, de
acordo com Ez 9-4.

Edifica

Fim de semana (sexta- Apesar de se propor


-feira à noite a domin- que seja uma ativida-
go até ao almoço) de de fim de semana, o
esquema apresentado
DURAÇÃO
pode ser desenvolvi-
do em três momentos
difusos no tempo, um
para cada dimensão.
56 Edificar com Francisco

1. Conhecer a vida/ figura de São Francisco.


2. Descobrir as dimensões humanas da vida de
São Francisco.
OBJETIVOS
3. Promover a descoberta das pessoas que
marcam a nossa vida (a vida do efetivo do agru-
pamento)
DESCRIÇÃO Partindo da apresentação feita pelo Frei Luís
Oliveira, e pelas três dimensões da vida de São
Francisco que ele nos apresentou (dimensão
«projeto/sonho do pai»; dimensão «projeto/so-
nho de Francisco – Sociedade»; dimensão «pro-
jeto/sonho de Deus»), criou-se um programa no
qual cada dimensão seria uma parte do mesmo,
de acordo com o esquema seguinte:

DIMENSÃO DESCRIÇÃO
No acolhimento, através de uns pai-
néis (A3 – mínimo) afixados na pa-
rede, cada participante vai registan-
PROJETO/SONHO DO PAI (Pietro di do o que sabe sobre a vida de São
Bernardone dei Moriconi) Francisco
(OPÇÃO 2: em vez de se registar o
que cada um sabe, pode registar-se
o que não sabe).
Segue-se uma palestra sobre a vida
de São Francisco. O palestrante
pode ser um frade franciscano ou
alguém que seja versado/ conhece-
dor da vida de São Francisco.
57

Esta dinâmica pode ser – por exem-


plo – participada por outros elemen-
tos que não os Dirigentes, como
pais do agrupamento; catequistas
e/ou outros elementos da paróquia,
com o objetivo de dar a conhecer as
dinâmicas escutistas e a (própria)
figura de São Francisco, que pode-
rá servir – igualmente – para pro-
posta de temática(s) anual(ais) para
outras estruturas escutistas e não
escutistas (nomeadamente da pa-
róquia).
Dinâmica – jogo (que envolva to-
dos os participantes divididos em
equipas verticais) – sobre a vida
de São Francisco; preenchimento
de um guião/cronologia da vida de
São Francisco, para consolidar os
conhecimentos já possuídos e real-
çados na palestra (na dimensão an-
terior).
Terminar o jogo com uma dinâmica
PROJETO/SONHO DA SOCIEDADE/ sobre o episódio da “experiência da
PESSOAL (de Francisco) prisão”. Proposta: Cada equipa en-
tra num quarto escuro, em silêncio
e durante um período de tempo
(10 minutos, no máximo) ficará em
silêncio. Depois, no seu guião do
jogo, deverá registar o que sentiu; o
que terá sentido Francisco quando
se viu encarcerado?…
Esta dimensão pode ser – por exem-
plo – participada por elementos não
Dirigentes.
58 Edificar com Francisco

Dinâmica que recorde o encontro


com o leproso. Proposta:
– Leitura do relato do encontro.
– Em seguida, propor que – no seu
Diário de Atividade/Dinâmica – se
registe o que possam foi marcando
(marcou/marca/…) a sua vida, nas
suas várias dimensões e aconteci-
mentos.
Raide – atividade mais física – para
recordar o encontro com a Cruz de
São Damião, partindo da leitura do
relato desse encontro.
Ao longo do trajeto/atividade mais
física, cada participante é desafiado,
PROJETO/SONHO DE DEUS num suporte próprio criado para o
efeito, a:
– registar o que espera (no âmbito
do Escutismo e do agrupamento) de
cada um dos outros;
– ao mesmo tempo, cada partici-
pante é desafiado a registar no seu
Diário de Atividade o que é que
cada um acha (por si próprio) que
os outros esperam de si;
– a registar, num suporte próprio
criado para este fim, os seus sub-
sídios/contributos para a constru-
ção do Projeto Comunitário, que irá
resultar no projeto/plano anual do
agrupamento.
59

Fim d s mana

SÁBADO DOMINGO

Raide (a começar
antes do amanhe-
cer – Encontro
Acolhimento com a Cruz de São
(O que sei sobre Damião)
São Francisco?) PROJETO/
(Dinâmica «O que PROJETO/
MANHÃ SONHO
os outros esperam SONHO DE
DO PAI
de mim?») DEUS
– Ver o nascer
do Sol
Palestra sobre Construção do
a vida de São Projeto
Francisco Comunitário
Partilhado
ALMOÇO Partilhado
ENCERRAMENTO
Jogo de vila
(Vida de São PROJETO/SO-
Francisco) NHO DA SOC./
TARDE
Dinâmica da PESSOAL, DE
experiência da FRANCISCO
prisão
JANTAR
Dinâmica notur-
na – Encontro
com o leproso
PROJETO/SO-
NOITE (Que pessoas
NHO DE DEUS
marcaram/ mar-
cam a minha
vida?)
60 Edificar com Francisco

i idad ica d amin iros i

TEMA Construir com São Francisco


Sempre utilizando a noite, que
DURAÇÃO 1 ou 2 dias permite melhores momentos de
introspeção.
1. Divulgar o tema anual do CNE «Edificar com São Francisco»
E 2. Construir o PPV, para os Noviços.
3. Rever o PPV, para os Caminheiros.
Utilizando como imaginário a vida de Francisco de Assis e divi-
dindo-a em três etapas, Infância, Juventude e Adulto, podere-
mos perceber a evolução do homem, Francisco de Assis.
Vemos assim o homem Francisco de Assis, inicialmente condi-
cionado pela família, através do projeto de vida que o pai tinha
DESCRIÇÃO
para ele, pela sociedade, o sonho de glória de ser cavaleiro, e
finalmente o seu próprio projeto de vida que se foi delineando
e que ele assumiu numa fase mais adulta.
Faremos então o paralelismo com o percurso dos Caminheiros,
ajudando-os a perceberem a sua própria evolução.

in micas o o
A dinâmica consiste num percurso de orientação com carta e bussola, dividido
em três etapas.

1.ª Etapa Em mensagem, apresentar a infância de Francisco de Assis.


Infância Levar os Caminheiros a lembrarem quais eram/são os so-
O Projeto do Pai nhos/projetos que os pais/família têm para eles.

Apresenta-se a juventude de Francisco, o sonho de Glória e


2.ª Etapa reconhecimento social de ser Cavaleiro, mas também a pri-
Juventude são e a doença.
O sonho pessoal Introduzir dinâmicas que permitam aos Caminheiros iden-
Reconhecimento tificar os sonhos concretizados e os não concretizados, os
Social / Glória seus êxitos e fracassos e perceberem que o fracasso pode/
deve ser um ponto de partida para um novo êxito.
61

Nesta etapa, utilizam-se as passagens mais marcantes do


3.ª Etapa
início da vida adulta de Francisco, o encontro com o leproso,
Adulto
a reconstrução das Igrejas, a Cruz de São Damião.
Discernimento,
Os Caminheiros seguem individualmente percursos
perceção e
distintos, durante o qual irão preparar/rever o PPV, tendo
preparação do seu
como base as etapas anteriores.
projeto pessoal
Neste percurso, o Caminheiro deverá ter contacto com
alguém que o interpele, à semelhança do leproso.
62 Edificar com Francisco
63

6. RECURSOS
i io rafia Franciscana

1. FONTES FRANCISCANAS I - São Francisco de Assis


Editorial Franciscana, Braga, Portugal

2. F E ÃO FRANCISCO
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

3. Escri os d Francisco ara d ssis


Editorial Franciscana, Braga, Portugal

4. Fernando Félix Lopes,


E E ÃO FRANCISCO
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

5. David Azevedo,
SÃO FRANCISCO – FÉ E VIDA
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

6. Eloi Leclerc,
E E
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

7. Agostinho da Silva,
EF E
Ed. Ulmeiro, Lisboa, Portugal

8. Franco Cardini,
SÃO FRANCISCO DE ASSIS
Editorial Presença, Lisboa, Portugal

9. Christian Bobin,
F E E E
Editorial Apostolado de Oração, Braga, Portugal

10. Chiara Furgoni,


F E
Ed. Einaudi (Tascabili), Torino, Italia
64 Edificar com Francisco

11. Hermann Hesse,


F E ,
Edizioni Sugarco, Milano, Italia

12. Manuel Alves Correia


GÉNIO DA BONDADE
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

13. Kaetano Esser


E E E ÃO FRANCISCO
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

14. Daniel Alcid,


E E ÃO FRANCISCO
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

15. José Antonio Merino,


FE F F E
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

16. Fernando Uribe,


E EF E
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

17. Thadee Matura,


SÃO FRANCISCO DA ASSIS – MENSAGEM DOS SEUS ESCRITOS
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

18. José António Merino,


E E ÃO F E E
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

19. Gerard Guiton,


DESCOBRIR SÃO FRANCISCO
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

20. Thadee Matura,


SÃO FRANCISCO A HERANÇA E OS HERDEIROS
Editorial Franciscana, Braga, Portugal
65

21. José António Merino,


SÃO F E E
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

22. Martin Carbajo Nuñes,


SÃO F E
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

23. Giacomo Bini,


E E F
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

24. Ignacio Larrañaga,


F E E
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

25. Thadée Matura,


F E s r da ida Es iri a
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

26. José Antonio Merino,


SÃO FRANCISCO E TU
Editorial Franciscana, Braga, Portugal

27. Frei Almir Ribeiro Guimarães,


E F E o iros ara c rc os
d s do
Editora Vozes, Petropolis, Brasil

28. Lázaro Iriarte, OFM Cap.


F
Editora Vozes, Petrópolis, Brasil

29. Leonardo Boff,


A ORAÇÃO DE SÃO FRANCISCO
ma m nsa m d a ara o m ndo ac a
Editor Pergaminho, Cascais, Portugal

30. Fernando Uribe,


E E F E E
Edição do Instituto Teológico Franciscano, Murcia, Espanha
66 Edificar com Francisco

E osi s
Corpo Nacional de Escutas (2015)
Exposição sobre a vida de São Francisco.
http://biblioteca.cne-escutismo.pt/
67

ndic

1. INTRODUÇÃO ............................................................ 3
E E E
E
E
E E
6. RECURSOS ................................................................. 63
68 Edificar com Francisco
978-972-740-199-4 Assistência Nacional

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