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Ficha Técnica:
Título: EDIFICAR COM FRANCISCO - PROPOSTAS DE APROFUNDAMENTO E VIVÊNCIA
Autor: Assistência Nacional e Secretaria Nacional Pedagógica
rafismo António Laranjeira
ma ns Vicente Carducho - (Hospital de la V.O.T. de San Francisco de Asis, Madrid); Caravaggio,
(Wadsworth Atheneum, Hartford, Connecticut); Giotto, (Basílica superior, Assis, Itália); Cimabue,
(Basílica superior, Assis, Itália); Vitral no Demindere Franciscus Museum in Sint-Truiden (Belgica);
Mic Carlson, S. Francisco de Assis; Hispano-Philippine, Cabeça de S. Francisco de Assis; Mosaico
da Igreja de S. Francisco em Manhattan (EUA); Jusepe de Ribera, (Galleria Palatina, Palazzo
Pitti, Florença, Itália); Solanus Center, Detroit, Michigan (USA)
is o or o r fica Célia Sousa
m r ss o
si o a
ISBN: 978-972-740-199-4
Edi o do
or o aciona d Esc as
Escutismo Católico Português
i www.cne-escutismo.pt
Emai geral@cne-escutismo.pt
on 00351 218 427 020
2015
3
1. INTRODUÇÃO
De Francisco de Assis foi dito que «representa um alter Christus [outro
Cristo], que era verdadeiramente um ícone vivo de Cristo. Ele foi chamado
também “o irmão de Jesus”. De facto, era este o seu ideal: ser como Jesus;
contemplar o Cristo do Evangelho, amá-l’O intensamente, imitar as suas
virtudes.» (Bento XVI) Passados quase 800 anos sobre a sua morte (3 de
outubro de 1226), é facto comprovável que o impacto desta singular figura
continua a suscitar uma imensidão de admiradores, dentro e fora da Igreja.
De tal modo que o atual sucessor de Pedro na Cátedra de Roma tomou o
seu nome e acaba de publicar uma importante encíclica «sobre o cuidado
da casa comum», inspirando-se na vida do Santo de Assis, e intitulando este
documento com o início do seu Cântico das Criaturas «Laudato Si». Se bem
que dirigido a toda a humanidade, este texto maior do magistério papal é
claramente uma “encíclica escutista”, a aprofundar em todos os níveis do
Escutismo!
Há muito que o CNE tem Francisco de Assis como patrono da I Secção,
apontando aos Lobitos o exemplo deste santo. Mas neste ano escutista
2015/2016, propomo-nos olhar de novo, e com novo olhar, para ele, com
o lema já anunciado, dentro da dinâmica trienal: «Edificar com Francisco»!
Indo além do que já conhecemos (particularmente a dimensão ecológica e o
cuidado dos mais frágeis), procuraremos percorrer a vida inteira de Francis-
co de Assis, aprofundando o modo como foi profundamente transformada
pelo encontro com Cristo através de tantas mediações humanas e eclesiais.
O caderno que agora apresentamos oferece um conjunto de textos (do frei
Luís Oliveira, OFM, e dos mais recentes Papas) que enquadram, do ponto
de vista histórico-teológico, a vida e obra de Francisco de Assis. Uma via-
gem por algumas expressões da arte e a proposta tipo de duas atividades
4 Edificar com Francisco
E E E
Três projetos de vida, uma pessoa! O pai queria que o filho fosse rico
comerciante. A sociedade do seu tempo seduzia-o a ser glorioso cavaleiro.
Deus chama-o a viver na sequela de Cristo, pobre e crucificado.1
O itinerário de Francisco começa aqui, por detrás do balcão da loja das “vai-
dades do mundo”, às quais o seu pai, Pedro Bernardone, um dia, tentou,
por palavras ou à pancada, reconduzi-lo.
Parecia, num primeiro momento, que este seria o seu projeto natural: ocu-
par o seu lugar na empresa comercial do pai, seguir o exemplo paterno,
«comerciante sagaz e ambicioso», que teria sido o artífice da fortuna fami-
liar.2
De facto, nas aspirações do pai, Francisco estava destinado a tomar as ré-
deas da grande empresa comercial da família.3 Contudo, este não será o
projeto assumido pelo Santo de Assis, o de ser um “alter Bernardone”, até
porque Francisco é mais alegre e generoso4, pouco identificado com o pai,
1
Cf. Legenda dos Três Companheiros, 17 (3Comp), in Fontes Franciscanas, Ed. Franciscana, Braga, 1982
[daqui em diante FF I].
2
CHARRON, J.-M., Da Narciso a Gesú–- La ricerca dell´identità in Francesco d´Assisi, Ed. Messaggero Padova,
1995, p. 50.
3
Cf. MANSELLI. R., San Francesco, Bulzoni, Roma 1980, p. 41.
4
Evidenciando a diferença de carácter entre pai e filho, TC 2, FF, p. 694, refere: «Quando chegou à juventude,
dotado de espírito vivo, exerceu o ofício de seu pai, o comércio, mas de modo muito diferente do dele: era
mais generoso e mais alegre, entregava-se aos divertimentos e ao canto, e vagueava, dia e noite, pela cida-
de, com amigos da sua idade. Era tão liberal nos gastos, que dissipava em festins e outros folguedos tudo
o que tinha ou ganhava.»
6 Edificar com Francisco
Riqueza e glória eram o seu poder e a sua ambição. Mas chegado a Espole-
to, um sonho marcará o início de uma reviravolta de todos os seus sonhos
cavaleirescos, na qual a riqueza se converterá em pobreza e a glória das
armas em cruz.
Deus interpela Francisco e convida-o a deixar o servo para seguir o Senhor.
Ele deveria corrigir a interpretação que havia dado à visão do palácio gran-
de e encantador cheio de armas. Não se tratava de satisfazer as suas am-
bições de prosperidade temporal, a glória do mundo, mas de conhecer a
vontade de Deus, a qual, alcançada, haveria de mudar totalmente os seus
desejos «segundo a carne».13
No silêncio da sua consciência, esperava que Deus lhe desse um sinal, que
lhe fizesse saber qual a Sua vontade.14 Procurava-O, não na confusão do
mundo, mas no segredo da sua oração, no ínfimo da sua alma invadida
pela doce presença do seu Senhor, Jesus Cristo. E tão forte era esta presen-
ça que Francisco a exprimia na grandeza da sua generosidade para com
os pobres: ele que, «desde longa data, era o benfeitor dos pobres, gravou
mais profundamente no seu coração a resolução de nunca dizer não ao po-
bre, que lhe pedisse esmola em nome do Senhor, e distribuir esmolas mais
abundantes que habitualmente».15
Lenta e secretamente se preparava a natureza do servo de Deus capaz de
não só dispor da sua riqueza a fim de a partilhar com os desafortunados
deste mundo, como aliás o fazia, mas também e sobretudo de se dar a si
mesmo para acolher o pobre na sua vida, abraçando-o e beijando-o frater-
namente, como acontecerá no célebre encontro com o leproso!
Ainda que à sua vista a lepra lhe cause calafrios, no leproso está a pobreza
na sua nudez material que o atrai e que Francisco, vencida a natural repul-
sa, abraça e beija no dia em que o Senhor o conduziu ao meio dos leprosos
e com eles usou de misericórdia. A sua vida muda e «sai do mundo».16
13
Cf. TC 11, FF p. 700: «Um dia, em que ele orava ao Senhor com todo o fervor, falou-lhe uma voz: “Francisco,
tudo o que tu amaste e desejaste possuir segundo a carne, tens agora que o detestar e desprezar, se queres
conhecer a minha vontade. Quando o alcançares, o que outrora te parecia encantador e delicioso, ser-te-á
insuportável e amargo; e no que antes te causava horror, colherás extrema doçura e suavidade ilimitadas.”»
14
Cf. TC 6, FF, p. 698. «De manhã tomou o caminho de Assis, apressado, feliz e alegre em extremo. Espe-
rou com confiança que Deus, depois de o honrar com esta visão, lhe desse a conhecer a sua vontade e o
aconselhasse para a sua salvação. O seu coração mudara. Renunciou a ir à Apúlia. Não desejava mais que
conformar-se com a vontade divina.»
15
TC 8, FF, p. 699.
16
SÃO FRANCISCO DE ASSIS, Testamento, FF, p. 157. «Deus, nosso Senhor, quis dar a sua graça a mim, o
irmão Francisco, para que começasse a fazer penitência; porque, quando eu estava em pecados, parecia-me
muito amargo dar com os olhos nos leprosos; mas o mesmo Senhor, um dia, me conduziu ao meio deles e
com eles usei de misericórdia. E ao afastar-me deles, o que antes me parecera amargo, converteu-se para
mim em doçura de alma e de corpo: e em seguida, passado um pouco de tempo, saía do mundo.»
8 Edificar com Francisco
Um dia, «movido sem dúvida pelo Espírito», entrou na Igreja de São Damião
para orar. Enquanto orava, uma voz vinda do crucifixo falou-lhe: «Francisco,
não vês que a minha casa cai em ruínas? Vai e repara-ma.»20
17
S. BOAVENTURA, Legenda Maior 6, FF, p. 541.
18
Cf. MANSELLI, R., San Francesco, p. 44-46.
19
TC 13.
20
Cf. TC 13, FF, p. 703. («Francisce, nonne vides quod domus nica destnuitur? Vade igitur et repara illam
mihi.»)
9
21
Cf. TC 13, FF, p. 703. («Libenter faciam, Domine.»)
22
TC 14, FF, p. 703.
23
A propósito do episódio de São Damião, vale a pena referir JEAN-MARC CHARRON que, no seu contributo
psico-histórico a uma teologia da identidade cristã construída à volta da análise psicanalítica de um caso
como o de Francisco de Assis, se distancia da opinião de Manselli, que faz do encontro com o leproso o
ponto de viragem da conversão de Francisco. Segundo Charron, sem negar que este encontro tenha sido
determinante para Francisco, é necessário considerar que tal se situa num mais amplo contexto no qual a
sensibilidade à miséria e ao sofrimento é exasperada e que, por outro lado, não é suficiente em si mesmo
para explicar a mudança que se realiza então na vida de Francisco. Porquê imprevistamente, parafraseando
os primeiros biógrafos, o que era amargo aos seus olhos, isto é a companhia dos leprosos, se torna uma
fonte de doçura? Porque Deus lhe teria revelado. Responde a hagiografia tradicional. Mas seria por isto que
também a amargura suscitada pela sua condição de sofrimento (a figura narcisista) aparece agora como
uma realidade suportável? E essa pode ser suportável na medida em que alguém lhe dá um sentido, neste
caso a figura de Cristo encontrado em São Damião. Francisco vê em Jesus Crucificado a figura que abre o ca-
minho a um reconhecimento e a uma integração da condição de sofrimento do ser humano. Esta conversão
traduz-se de imediato numa prática de renúncia que caracteriza a sua nova identidade. Mas só este aspeto
não pode esgotar toda a cristologia de Francisco. Se a sua identificação com Jesus se concentra antes de
tudo sobre a sua humanidade sofredora, essa inclui também a perspetiva do Cristo glorificado, Filho do Pai
e membro da Trindade (cf Da Narciso a Gesú..., p. 180-181).
24
Cf. MANSELLI, R., San Francesco, p. 62-63.
10 Edificar com Francisco
Cada vez mais embrenhado na meditação das coisas do céu, o que se se-
guiria seria a consequência natural (quase diríamos sobrenatural!) do ho-
mem que tinha já verdadeiro desprezo pelas riquezas,25 que antes sonhava
princesas e cavaleiros, e agora encontrou o amor que o despertara para a
vida, o Amor não era amado e que ele queria amar para sempre de todo
o coração, de toda a alma e de todo o entendimento, e com todas as suas
forças! A venda do cavalo e dos panos finos em Folinho, para com o dinhei-
ro arrecadado ajudar ao serviço divino na Igreja de São Damião; a fuga da
casa paterna e o despojamento total dos bens do pai na presença do bispo
de Assis, onde pronunciou o seu “discurso de adeus” diante de Pedro Be-
nardone, que era seu pai mas de quem Francisco já não era mais seu filho:
«Até agora chamei a Pedro Bernardone meu pai. Mas, porque decidi servir
a Deus, devolvo-lhe o dinheiro que atormentaria a sua alma e toda a roupa
que dele recebi. De agora em diante, quero dizer: “Pai Nosso, que estais no
céu “e não “meu pai, Pedro Bernardone”.»26
Francisco parte! Nada o pode impedir, pois tudo deixou para seguir o seu
Senhor! «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua
cruz e siga-me.» (Mt 16,24-26) E segue-O com o ardor de quem se conside-
rava o arauto do Grande Rei, sem o temor dos assaltos das dúvidas e das
incertezas que por vezes o pensamento tem e o coração percebe. O segui-
mento é em Francisco não apenas uma resposta às suas íntimas exigências
vitais mas particularmente a escolha definitiva e a adesão incondicional a
uma Pessoa que o chama, que lhe fala, que o interpela e o conduz, e lhe
manifesta a sua vontade.
É, pois, esta Pessoa que Francisco escuta, quando, um dia, na igreja da Vir-
gem Mãe de Deus, a Porciúncula, participava na Missa e ouviu o Evange-
lho no qual «Cristo envia os discípulos a pregar e lhes ensina a forma de
vida evangélica: nada de ouro nem de prata, nem dinheiro nas algibeiras,
nem saco de viagem, nem mudas de roupa, nem calçado, nem pau para se
apoiarem ou defenderem».27
No entanto, Francisco pede ao sacerdote que lhe explique o sentido da pas-
sagem do Evangelho que acabara de ouvir, a fim de compreender melhor
o significado daquelas palavras e ter a certeza de que era a resposta con-
creta de Deus que ele esperava desde o sonho de Espoleto. A mediação do
sacerdote servia, por assim dizer, para evitar os perigos de uma “decisão
25
TC, FF, p. 705.
26
TC 20, FF, p. 707.
27
S. BOAVENTURA, Legenda Maior, FF, pp. 548-549.
11
28
FORTUNA, ENZO, Discernere con Francesco d´Assisi – Le scelte spirituali e vocazionali, Ed. Messaggero,
Padova, 1997, p. 187-188.
29
TC 25, FF, p.711. («Hoc, inquit, est quod cupio totis viribus adimplere.»)
30
Cf. CELANO, T., Vida Primeira 22, FF, p. 227. Este novo hábito não é, como às vezes se afirma, a roupa que
os camponeses vestiam, mas sim o hábito com o qual se identificavam os pregadores (cf., MONTORSI,FR,
G., Ha senso per i frati minori Ia missione al popolo oggi?, Segretariato nazionale dei Frati minori per Ia
Missione ai popolo, Rimni, 1997, p. 5) [Pró Manuscripto fuori commercio)
31
1C 23, FF, p. 227.
32
TC 26, FF, p. 712. («Dominus det tibi pacem!»)
33
Cf, TC 27, FF, p. 712.
34
Cf, TC 28, FF, p. 713.
35
Cf. TC 30-31, FF p. 714-715.
36
S. BOAVENTURA, LM4, FF, p. 550-551 (cf. TC32, FF, p. 715).
12 Edificar com Francisco
dezoito anos, em 1209, é acolhido por Francisco no seu grupo, e vive na Or-
dem até à sua morte, a 23 de abril de 1262; e outros como Filipe37 Sabatino,
Mórico e João da Capela.38
Com estes irmãos, tem início a fraternidade que Francisco atribui a Deus
no seu Testamento e cujo guia é o único Altíssimo que lhe mostrava o que
devia fazer.39
Desde então, os irmãos seguem simplesmente a «forma vitae»40, ou seja,
vivem segundo a forma do santo Evangelho.
Aumentado o número dos irmãos, era chegado o momento oportuno de
se dirigirem a Roma e se apresentarem ao Papa41, a fim de obter um maior
consenso, uma autorização para agir, que servisse também de permissão e
de apoio, segundo a vontade e as ordens do Soberano Pontífice, para con-
tinuar a obra começada de exortação à penitência.
Recebida a aprovação da regra escrita por Francisco, e concedida a autori-
zação para pregar, por toda a parte, a penitência, deixaram Roma cheios de
entusiasmo e de esperança e confiança no Salvador, percorrendo cidades e
aldeias a anunciar com a virtude do Espírito Santo o Reino de Deus.42
ico d o r a m om m m ar
m mod o d id n ifica o
Mas… que pobreza é esta capaz de ser apetecível em tempos de fortes es-
tímulos ao ter, ao consumo, à ostentação de riqueza? Como entender um
homem que prefere viver pobre, sendo filho de um pai rico? Uma resposta
crível a estas questões supõe, entre outros, aquele testemunho escrito na
primeira pessoa, no seu Testamento: «Deus, nosso Senhor, quis dar a sua
graça a mim, o irmão Francisco, para que começasse a fazer penitência;
porque, quando eu estava em pecados, parecia-me muito amargo dar com
37
1 C 25, FF. p. 229.
38
TC 35, FF, p. 716.
39
TF 14, in MANESTÓ, E. e BRUFANI, S. (a cura di), Fontes Franciscani, Ed. Porziuncola, Assisi, 1995, p. 228.
(Edição crítica) «Et postquam Dominus dedit mihi de fratribus, nemo ostendebat mihi, quid deberem facere, sed
ipse Altissimus revelavit mihi, quod deberem vivere secundem formam sancti Evangelii.»
40
Cf. Regula non Bullata 11,1 in MENESTÓ, E. e BRUFANI, S. (a cura di), Fontes Francescani, p. 186. «Si quis
divina inspiratione volens accipere hanc vitam venerit ad nostros fratres...»
41
Cf.TC46, FF, p. 724.
42
Cf. TC 51-54, FF, p. 726-728.
13
uma das maiores glórias da história da Itália e do seu nobre povo, contudo
tiveram também um revérbero universal, pois dele muito se beneficiou o
desenvolvimento religioso e civil de não poucos países da Terra. Francisco,
filho de Pedro de Bernardone, tornou justamente célebre e honrado no
mundo inteiro o nome desta cidade umbra, em que nasceu há oito séculos.
E fê-lo também como filho da Igreja, em plena comunhão com o outrora
bispo da cidade e com os bispos de Roma, que aprovaram e encorajaram
o novo movimento por ele iniciado, conferindo-lhe a possibilidade de um
incitamento, que teve múltiplas repercussões no plano da vida cristã, das
missões, e ainda da literatura e da arte. Era justo, por isso, que também eu
voltasse a Assis, neste solene oitavo centenário franciscano, para reconfir-
mar a minha profunda veneração ao Santo “Poverello”, a minha estima e
do mesmo modo as minhas expectativas depositadas de novo nas grandes
famílias religiosas que dele derivam, a uma das quais é confiado e cuida-
do desta Basílica de Santa Maria dos Anjos; mas igualmente a minha alta
consideração pela própria cidade de Assis, que foi e continua a ser o berço
privilegiado do grande “Menestrel de Deus”, definido como «o mais santo
dos italianos e o mais italiano dos santos».
2. Mas a Assis Francisco não deve somente o seu registo natalício. Mais ain-
da, por graça divina, ele encontrou aqui a supereminente riqueza de Cristo
e do seu Evangelho, que produziu nele, por assim dizer, um novo nasci-
mento, colocando-o numa interior condição de absoluta harmonia com o
próximo e a natureza. Encontramo-nos neste momento junto da basílica
que conserva a antiga igrejinha da Porciúncula. Precisamente nela, depois
de a ter restaurado com as próprias mãos, quando fazia a leitura litúrgica
do capitulo décimo do Evangelho segundo Mateus, Francisco decidiu aban-
donar a precedente breve experiência eremítica para se dedicar à pregação
no meio do povo, «com palavra simples mas com coração maravilhoso»,
como diz o seu primeiro biógrafo, Tomás Celano (Vita I, 23), dando início ao
seu típico ministério. Aqui, depois, ocorre a tomada de hábito de Santa Cla-
ra, com a fundação da segunda Ordem das Clarissas ou “Pobres Damas de
São Damião”. Aqui, ainda, Francisco impetrou a Cristo, mediante a interces-
são da Rainha dos Anjos, o grande perdão ou “Indulgência da Porciúncula”,
após ter sido confirmada pelo meu predecessor, Papa Honório III, a partir
de 2 de agosto de 1216; e foi depois desta data que ele iniciou uma grande
atividade missionária, levando Francisco e os seus frades a alguns países
muçulmanos e a várias nações da Europa. Aqui, enfim, o Santo acolheu can-
tando a «nossa irmã morte corporal» (Canto das Criaturas, 12) aos quarenta
e cinco anos de idade. Estamos, portanto, num dos lugares mais veneráveis
17
4. Mas o Santo de Assis foi também, por assim dizer, um modelo da reconci-
liação entre os homens. A sua intensa atividade de pregador itinerante levou-
-o de região a região e de povoado a povoado por quase toda a Itália. O
18 Edificar com Francisco
seu típico anúncio de «Paz e bem», que o fez ser definido como um «novo
evangelista» (Tomás Celano, Vita I, 89; II, 107), ressoava por todas as classes
sociais, muitas vezes em luta entre si, como convite a procurarem o acordo
dos dissídios mediante o encontro e não o litígio, a docilidade da compreen-
são fraterna e não o ódio ou a violência que divide.
E no Canto das Criaturas (v. 10) ele confessa com júbilo: «Louvado sim, meu
Senhor, por aqueles que perdoam por causa do Teu amor.» É este um prin-
cípio fundamental do cristianismo, que não significa passividade ou estéril
submissão, mas convida a enfrentar cada situação com interior serenida-
de, mas também com determinação, e com magnânima superioridade, que
implica porém um nítido juízo de valor e divisão de responsabilidade. São
muito claros os reflexos de uma semelhante atitude também no plano da
vida civil das nações. Lá onde os direitos humanos são vilipendiados, em
qualquer parte da terra, os cristãos não podem adotar as mesmas armas
do desprezo gratuito ou da violência sanguinária. Eles, de facto, têm outras
riquezas interiores e uma dignidade que ninguém pode depreciar. Mas isto
não significa nem inútil comiseração nem cúmplice aquiescência. O cristão
não pode nunca aceitar que a dignidade do homem seja de algum modo
mutilada, e por isso levantará sempre e constantemente a voz para sugerir
e favorecer uma recíproca reconciliação que salvaguarde e promova a paz
e o bem da inteira sociedade. E fá-lo-á com sumo respeito pelo homem,
respeito que se pode bem dizer franciscano e por isso evangélico.
ras algo da alegria transcendente de Deus criador, do qual está escrito que
«contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom» (Gn 1,31)? Não
está talvez aqui a explicação do afetuoso apelativo de «irmão» e «irmã»,
com que o Poverello se dirige a todo o ser criado?
A uma semelhante atitude somos chamados também nós. Criados à ima-
gem de Deus, devemos torná-l’O presente no meio das criaturas «como
senhores e guardas inteligentes e nobres» da natureza e «não como desfru-
tadores e destruidores sem respeito algum» (cf. Carta Encíclica Redemptor
hominis, n.º 15).
A educação ao respeito pelos animais e, em geral, pela harmonia da criação
tem, além disso, benéfico efeito sobre o ser humano como tal, contribuindo
para desenvolver nele sentimentos de equilíbrio, de moderação, de nobre-
za e habituando-o a elevar-se «da grandiosidade e beleza das criaturas» à
transcendente beleza e grandeza do seu Autor (cf. Sb 13,5).
Queridos jovens
[…]
quantos jovens, nos nossos dias, não se poderia dizer algo de semelhante?
Além disso, hoje há a possibilidade de se ir divertir muito além da própria
cidade.
Então, ouvimos repetir no cântico que São Francisco ouviu uma voz. Ouviu
no seu coração a voz de Cristo; e o que aconteceu? Aconteceu que com-
preendeu que se devia colocar ao serviço dos irmãos, sobretudo dos mais
sofredores. Tal é a consequência deste primeiro encontro com a voz de
Cristo. Hoje de manhã, passando por Rivotorto, lancei um olhar ao lugar
em que, segundo a tradição, estavam reunidos os leprosos: os últimos, os
marginalizados, em relação aos quais Francisco experimentava um irresis-
tível sentido de repugnância. Sensibilizado pela graça, ele abriu-lhes o seu
coração. E fê-lo não somente através de um misericordioso gesto de esmo-
la – seria demasiado pouco –, mas beijando-os e servindo-os. Ele mesmo
23
confessa que aquilo que antes lhe resultava amargo, se lhe tornou «doçura
de alma e de corpo» (2 Test 3: FF 110).
Portanto, a graça começou a plasmar Francisco. Ele tornou-se cada vez mais
capaz de fixar o seu olhar no rosto de Cristo e de ouvir a sua voz. Foi naque-
le momento que o Crucifixo de São Damião lhe dirigiu a palavra, chamando-
-o para uma missão ousada: «Vai, Francisco, repara a minha casa que, como
vês, está totalmente em ruína.» (2 Cel I, 6, 10: FF 593) Ao parar hoje de
manhã em São Damião, e depois na Basílica de Santa Clara, onde se conser-
va o Crucifixo original que falou a Francisco, também eu fixei o meu olhar
naqueles olhos de Cristo. É a imagem de Cristo Crucificado-Ressuscitado,
vida da Igreja, que fala inclusive em nós se estamos atentos, como há dois
mil anos falou aos seus Apóstolos e há oitocentos anos falou a Francisco. A
Igreja vive continuamente deste encontro.
Sim, caros jovens: deixemo-nos encontrar por Cristo! Confiemos n’Ele, ouça-
mos a sua Palavra. N’Ele não há somente um ser humano fascinante. Sem
dúvida, Ele é plenamente humano e em tudo semelhante a nós, exceto no
pecado (cf. Hb 4,15). Todavia, é também muito mais: n’Ele Deus fez-Se ho-
mem e, portanto, Ele é o único Salvador, como diz o seu próprio nome:
Jesus, ou seja, “Deus salva”. A Assis as pessoas vêm para aprender de São
Francisco o segredo para reconhecer Jesus Cristo e fazer a Sua experiência.
Eis o que Francisco sentia por Jesus, segundo o que narra o seu primeiro
biógrafo: «Ele tinha Jesus sempre no coração. Jesus nos lábios, Jesus nos
ouvidos, Jesus nos olhos, Jesus nas mãos, Jesus em todos os outros mem-
bros... Aliás, encontrando-se muitas vezes em viagem e meditando ou can-
tando Jesus, esquecia-se que estava em viagem e detinha-se para convidar
todas as criaturas ao louvor de Jesus.» (1 Cel II, 9, 115: FF 115) Deste modo,
vemos que a comunhão com Jesus abre também o coração e os olhos para
a Criação.
Nesta altura, desejo dedicar uma palavra precisamente a esta última vo-
cação. Francisco, que foi diácono, não sacerdote (cf. 1 Cel I, 30, 86: FF 470),
nutria pelos sacerdotes uma grande veneração. Embora soubesse que tam-
bém nos ministros de Deus há muita pobreza e fragilidade, via-os como mi-
nistros do Corpo de Cristo, e isto bastava para fazer brotar nele um sentido
de amor, de reverência e de obediência (cf. 2 Test 6-10: FF 112-113). O seu
amor pelos sacerdotes é um convite a redescobrir a beleza desta vocação.
Ela é vital para o povo de Deus. Amados jovens, circundai de amor e grati-
dão os vossos sacerdotes. Se o Senhor tiver de chamar algum de vós para
este grande ministério, como também para alguma forma de vida consa-
grada, não hesiteis em dizer o vosso sim. Sim, não é fácil, mas é bom ser
ministro do Senhor, é bom prodigalizar a vida por Ele! O jovem Francisco
sentia um afeto verdadeiramente filial pelo seu Bispo, e foi nas suas mãos
que, despojando-se de tudo, fez a profissão de uma vida já totalmente con-
sagrada ao Senhor (cf. 1 Cel I, 6, 15: FF 344).
Concedo-vos a todos a minha bênção! Obrigado por tudo, pela vossa pre-
sença e pela vossa oração.
26 Edificar com Francisco
Papa Inocêncio III. Ele vê em sonhos que a Basílica de São João de Latrão,
a igreja-mãe de todas as igrejas, está a desabar e um religioso pequeno e
insignificante ampara com os seus ombros a igreja para que não caia. É
interessante notar, por um lado, que não é o Papa quem dá ajuda para que
a igreja não desabe, mas um religioso pequeno e insignificante, que o Papa
reconhece em Francisco que o visita. Inocêncio III era um Papa poderoso,
de grande cultura teológica, assim como de grande poder político, contudo
não é ele quem renova a Igreja, mas um religioso pequeno e insignificante:
é São Francisco, chamado por Deus. Por outro lado, é importante observar
que São Francisco não renova a Igreja sem ou contra o Papa, mas em comu-
nhão com ele. As duas realidades caminham juntas: o sucessor de Pedro, os
bispos, a Igreja fundada na sucessão dos Apóstolos e o carisma novo que o
Espírito Santo cria neste momento para renovar a Igreja. Ao mesmo tempo,
cresce a verdadeira renovação.
Voltemos à vida de São Francisco. Dado que o pai Bernardone lhe repro-
vava a demasiada generosidade para com os pobres, Francisco, diante do
bispo de Assis, com um gesto simbólico, despojou-se das suas roupas, com
a intenção de renunciar assim à herança paterna: como no momento da
criação, Francisco nada possui, mas só a vida que Deus lhe doou, em cujas
mãos ele se entrega. Depois, viveu como um eremita, até que, em 1208,
teve lugar outro acontecimento fundamental no itinerário da sua conver-
são. Ouvindo um trecho do Evangelho de Mateus – o sermão de Jesus aos
Apóstolos enviados em missão –, Francisco sentiu-se chamado a viver na
pobreza e a dedicar-se à pregação. Outros companheiros se uniram a ele, e
em 1209 veio a Roma, para submeter ao Papa Inocêncio III o projeto de uma
nova forma de vida cristã. Recebeu um acolhimento paterno daquele gran-
de Pontífice que, iluminado pelo Senhor, intuiu a origem divina do movi-
mento suscitado por Francisco. O Pobrezinho de Assis tinha compreendido
que cada carisma doado pelo Espírito Santo deve ser colocado ao serviço
do Corpo de Cristo, que é a Igreja; portanto, agiu sempre em plena comu-
nhão com a autoridade eclesiástica. Na vida dos santos não há contraste
entre carisma profético e carisma de governo, e, se surge alguma tensão,
eles sabem esperar com paciência os tempos do Espírito Santo.
com Cristo, um homem que queria criar uma renovação do povo de Deus
sem formas canónicas nem hierarquia. A verdade é que São Francisco teve
realmente uma relação muito imediata com Jesus e com a palavra de Deus,
que queria seguir sine glossa, tal qual é, em toda a sua radicalidade e ver-
dade. É também verdade que inicialmente ele não tinha a intenção de criar
uma Ordem com as formas canónicas necessárias mas, simplesmente, com
a palavra de Deus e com a presença do Senhor, ele desejava renovar o povo
de Deus, convocá-lo de novo para a escuta da palavra e para a obediência
verbal com Cristo. Além disso, sabia que Cristo nunca é “meu”, mas é sem-
pre “nosso”, que não O posso ter “eu” e reconstruir “eu” contra a Igreja, a
sua vontade e o seu ensinamento, mas só na comunhão da Igreja construí-
da sobre a sucessão dos Apóstolos é que se renova também a obediência
à palavra de Deus.
É também verdade que não tinha a intenção de criar uma nova Ordem, mas
apenas de renovar o povo de Deus para o Senhor que vem. Mas compreen-
deu com sofrimento e dor que tudo deve ter a sua Ordem, que também o
direito da Igreja é necessário para dar forma à renovação, e assim inseriu-
-se realmente de modo total, com o coração, na comunhão da Igreja, com
o Papa e com os bispos. Sabia sempre que o centro da Igreja é a Eucaristia,
na qual o Corpo de Cristo e o seu Sangue se tornam presentes. Através do
Sacerdócio, a Eucaristia é a Igreja. Onde caminham juntos Sacerdócio de
Cristo e comunhão da Igreja, então ali habita também a palavra de Deus. O
verdadeiro Francisco histórico é o Francisco da Igreja, e precisamente deste
modo fala também aos não-crentes, aos fiéis de outras confissões e religiões.
Também o sucessor de Inocêncio III, Papa Honório III, com a sua Bula Cum
dilecti de 1218, apoiou o singular desenvolvimento dos primeiros Frades Me-
nores, que iam abrindo as suas missões em diversos países da Europa, e
até em Marrocos. Em 1219, Francisco obteve a autorização para ir falar, no
Egito, com o sultão muçulmano Melek-el-Kamel, para pregar também ali o
Evangelho de Jesus. Desejo ressaltar este episódio da vida de São Francisco,
que tem uma grande atualidade. Numa época na qual se estava a verificar
um confronto entre o Cristianismo e o Islão, Francisco, intencionalmente ar-
29
mado só com a sua fé e com a sua mansidão pessoal, percorreu com eficácia
o caminho do diálogo. As crónicas falam-nos de um acolhimento benévolo e
cordial recebido do sultão muçulmano. É um modelo no qual também hoje
se deveriam inspirar as relações entre cristãos e muçulmanos: promover um
diálogo na verdade, no respeito recíproco e na compreensão mútua (cf. Nos-
tra aetate, n.º 3). Parece depois que em 1220 Francisco visitou a Terra Santa,
lançando assim uma semente, que teria dado muito fruto: de facto, os seus
filhos espirituais fizeram dos lugares nos quais Jesus viveu um âmbito pri-
vilegiado da sua missão. Com gratidão, penso hoje nos grandes méritos da
Custódia franciscana da Terra Santa.
Foi dito que Francisco representa um alter Christus, que era verdadeiramen-
te um ícone vivo de Cristo. Ele foi chamado também “o irmão de Jesus”. De
facto, era este o seu ideal: ser como Jesus; contemplar o Cristo do Evange-
lho, amá-l’O intensamente, imitar as suas virtudes. Em particular, ele quis
dar um valor fundamental à pobreza interior e exterior, ensinando-a tam-
bém aos filhos espirituais. A primeira bem-aventurança do Sermão da Mon-
tanha – bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos
Céus (Mt 5,3) – encontrou uma luminosa realização na vida e nas palavras
de São Francisco. Deveras, queridos amigos, os santos são os melhores in-
térpretes da Bíblia; eles, encarnando na sua vida a Palavra de Deus, tornam-
-na atraente como nunca, de modo que fala realmente connosco. O teste-
munho de Francisco, que amou a pobreza para seguir Cristo com dedicação
e liberdade totais, continua a ser também para nós um convite a cultivar a
30 Edificar com Francisco
Obrigado por terdes vindo, obrigado por esta festa! Verdadeiramente, esta
é uma festa! E obrigado pelas vossas perguntas.
Estou feliz porque a primeira pergunta foi feita por um jovem casal. Um tes-
temunho muito bonito! Dois jovens que escolheram, que decidiram, com
alegria e coragem, formar uma família! Sim, porque é verdade, é preciso
ter coragem para formar uma família! É preciso ter coragem! E a vossa per-
gunta, jovens esposos, está relacionada com a pergunta sobre a vocação. O
que é o Matrimónio? É uma verdadeira vocação, como o são o sacerdócio e
a vida religiosa. Dois cristãos que casam reconheceram na sua história de
amor o chamamento do Senhor, a vocação a formar de duas pessoas, varão
e mulher, uma só carne, uma só vida. E o sacramento do Matrimónio corro-
bora este amor com a graça de Deus, arraigando-o no próprio Deus. Com
este dom, com a certeza desta vocação, é possível começar com segurança,
sem medo de nada, para juntos enfrentar tudo!
Pensemos nos nossos pais, nos nossos avós ou bisavós: eles casaram em
condições muito mais pobres do que as nossas, alguns em tempos de guer-
ra, ou do pós-guerra; outros emigraram, como os meus pais. Onde encon-
travam a força? Encontravam-na na certeza de que o Senhor estava com
eles, que a família é abençoada por Deus mediante o sacramento do Matri-
32 Edificar com Francisco
não tenhais medo de dar passos definitivos: não tenhais medo de os dar.
Quantas vezes ouvi mães que me dizem: «Mas Padre, tenho um filho de
trinta anos e não se casa: não sei o que fazer! Tem uma namorada linda,
mas não se decide.» Mas senhora, deixe de lhe passar as camisas a ferro! É
assim! Não tenhais medo de dar passos definitivos, como o do Matrimónio:
aprofundai o vosso amor, respeitando os seus tempos e as suas pressões,
orai, preparai-vos bem, mas depois tende confiança que o Senhor não vos
deixa sozinhos! Fazei-o entrar na vossa casa como um membro da família,
e Ele amparar-vos-á sempre.
Então o Evangelho, esta mensagem de salvação, tem dois destinos que es-
tão ligados entre si: o primeiro, suscitar a fé, e trata-se da evangelização; o
segundo, transformar o mundo em conformidade com o desígnio de Deus,
e trata-se da animação cristã da sociedade. Mas não são dois elementos
separados, são uma única missão: anunciar o Evangelho com o testemunho
da nossa vida transforma o mundo! Eis o caminho: anunciar o Evangelho
com o testemunho da nossa vida!
Olhemos para Francisco: ele fez as duas coisas, com a força do único Evan-
gelho. Francisco fez crescer a fé, renovando a Igreja; e, ao mesmo tempo,
renovou a sociedade, tornando-a mais fraterna, mas sempre com o Evan-
gelho, com o testemunho. Sabeis o que disse Francisco certa vez aos seus
irmãos? «Pregai sempre o Evangelho e, se for necessário, também com as
palavras!» Mas como? Pode pregar-se o Evangelho sem palavras? Sim! Com
o testemunho! Primeiro o testemunho e depois as palavras! Mas primeiro
o testemunho!
Jovens da Úmbria: fazei assim também vós! Hoje, em nome de São Fran-
cisco, eu digo-vos: não tenho ouro, nem prata para vos oferecer, mas algo
muito mais precioso, o Evangelho de Jesus. Ide com coragem! Com o Evan-
gelho no coração e nas mãos, sede testemunhas da fé com a vossa própria
vida: levai Cristo às vossas casas, anunciai-O aos vossos amigos, abraçai-O e
servi-O nos pobres. Jovens, transmiti à Úmbria uma mensagem de vida, de
paz e de esperança! Podeis fazê-lo!
A todos, paz e bem! Com esta saudação franciscana, agradeço-vos por ter-
des vindo a esta praça, cheia de história e fé. Para rezarmos juntos.
Como tantos outros peregrinos, também eu vim hoje, para bendizer o Pai
por tudo o que quis revelar a um destes «pequeninos» de que nos fala o
Evangelho: Francisco, filho de um comerciante rico de Assis. O encontro
36 Edificar com Francisco
De que nos dá hoje testemunho São Francisco? Que nos diz ele, não com as
palavras – isso é fácil –, mas com a vida?
1. A primeira coisa que nos diz, a realidade fundamental de que nos dá
testemunho é esta: ser cristão é uma relação vital com a Pessoa de Jesus, é
revestir-se d’Ele, é assimilação a Ele.
De onde começa o caminho de Francisco para Cristo? Começa do olhar de
Jesus na cruz. Deixar-se olhar por Ele no momento em que dá a vida por nós
e nos atrai para Ele. Francisco fez esta experiência, de um modo particular,
na pequena Igreja de São Damião, rezando diante do crucifixo, que poderei
também eu venerar hoje. Naquele crucifixo, Jesus não Se apresenta morto,
mas vivo! O sangue escorre das feridas das mãos, dos pés e do peito, mas
aquele sangue exprime vida. Jesus não tem os olhos fechados, mas abertos,
bem abertos: um olhar que fala ao coração. E o Crucifixo não nos fala de
derrota, de fracasso; paradoxalmente, fala-nos de uma morte que é vida,
que gera vida, porque nos fala de amor, porque é o Amor de Deus encar-
nado, e o Amor não morre, antes derrota o mal e a morte. Quem se deixa
olhar por Jesus crucificado fica recriado, torna-se uma «nova criatura». E
daqui tudo começa: é a experiência da Graça que transforma, de sermos
amados sem mérito algum, até sendo pecadores. Por isso, Francisco pode
dizer como São Paulo: «Quanto a mim, de nada me quero gloriar, a não ser
na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.» (Gl 6,14)
Voltamo-nos para ti, Francisco, e te pedimos: ensina-nos a permanecer
diante do Crucifixo, a deixar-nos olhar por Ele, a deixar-nos perdoar, recriar
pelo seu amor.
Na ideia de muitos, São Francisco aparece associado com a paz; e está cer-
to, mas poucos vão em profundidade. Qual é a paz que Francisco acolheu e
viveu, e nos transmite? A paz de Cristo, que passou através do maior amor,
o da Cruz. É a paz que Jesus Ressuscitado deu aos discípulos, quando apa-
receu no meio deles (cf. Jo 20,19-20).
A paz franciscana não é um sentimento piegas. Por favor, este São Fran-
cisco não existe! E também não é uma espécie de harmonia panteísta
com as energias do cosmos... Também isto não é franciscano! Também
isto não é franciscano, mas uma ideia que alguns formaram. A paz de
São Francisco é a de Cristo e encontra-a quem «toma sobre si» o seu
«jugo», isto é, o seu mandamento: Amai-vos uns aos outros, como Eu vos
amei (cf. Jo 13,34; 15,12). E este jugo não se pode levar com arrogância,
presunção, orgulho, mas apenas se pode levar com mansidão e humil-
dade de coração.
Não posso, enfim, esquecer que hoje Itália celebra São Francisco como
seu padroeiro. E formulo os melhores votos para todos os italianos, na
pessoa do chefe do Governo, aqui presente. Disso mesmo é expressão
também o gesto tradicional da oferta do azeite para a lâmpada votiva,
que este ano compete precisamente à região da Úmbria. Rezemos pela
nação italiana, para que cada um trabalhe sempre pelo bem comum,
olhando mais para o que une do que para o que divide.
Faço minha a oração de São Francisco por Assis, pela Itália, pelo mundo:
«Peço-Vos, pois, ó Senhor Jesus Cristo, pai das misericórdias, que Vos dig-
neis não olhar à nossa ingratidão, mas recordai-Vos da superabundante
compaixão que sempre mostrastes [por esta cidade], para que seja sempre
o lugar e a morada de quantos verdadeiramente Vos conhecem e glorificam
o vosso bendito e gloriosíssimo nome pelos séculos dos séculos. Amen.»
(Espelho de perfeição, 124: FF, 1824)
39
ic n ard c o s i ma i a o d Francisco
os i a d a d an Francisco d sis adrid
Deus. E pôde então observar por entre as asas, a imagem de um corpo hu-
mano crucificado, de mãos e pés estendidos e pregados a uma cruz. Duas
asas erguiam-se acima da cabeça, outras duas abriam-se para voar, e as
duas restantes encobriam-lhe todo o corpo. Esta aparição deixou-o pro-
fundamente assombrado, enquanto no coração se lhe misturava a triste-
za com a alegria: alegria pela expressãobenigna com que se via observado
por Cristo na figura desse Serafim – tristeza, porque ao ver o sofrimento
de Cristo pregado à cruz, uma espada de dor lhe trespassava a alma com
dolorosa compaixão aspecto tão misterioso dessa aparição deixava-o ató-
nito, porque em seu entender não se poderia coadunar o sofrimento de
um corpo com a espiritualidade imortal de um Serafim. Mas graças às luzes
do alto, pôde enfim compreender porque é que a divina Providência lhe
proporcionava esta visão: era para que ele se fosse acomodando à ideia de
que a semelhança que deveria ter com Cristo crucificado se realizaria, não
pelo martírio do corpo, mas pelo incêndio total da alma. A visão, entretanto,
desaparecera, deixando-lhe o coração a arder em chama viva – e deixando-
-lhe também o corpo marcado em chagas vivas.»
ara a io Francisco m as
ads or n m ar ord onn c ic
io o rm o d o Francisco s a s
as ica s rior ssis ia
irmãs: mui gratas deveis estar a Deus vosso criador, e sempre e em todos
os lugares o deveis louvar, porque vos concedeu um vestido dobrado e tres-
dobrado; e porque conservou vossos pais na arca de Noé, a fim de que não
acabasse no mundo a vossa espécie. E ademais lhe deveis estar obrigados
pelo ar, que vos destinou; além disto, vós nem semeais nem recolheis, mas
Deus vos nutre e vos dá os rios e as fontes para beberdes; e vos dá os
montes e os vales para refúgio e as altas árvores para fazerdes ninhos; e
conhecendo que vós não sabeis fiar nem coser, vos veste a vós e a vossos
filhos. Grande, é pois, o amor que vos tem o Criador, que tantos benefícios
vos faz; por isso, minhas irmãzinhas, guardai-vos do pecado da ingratidão, e
esforçai-vos sempre por louvar a Deus». Tendo o santo dito estas palavras,
todas aquelas aves começaram a abrir o bico, a estender o pescoço, a alar-
gar as asas, e a inclinar, como reverência, a cabeça até o chão, mostrando,
com sinais e cantos, o muito prazer que lhes davam as palavras do Santo
Padre. E S. Francisco se regozijava e deleitava com elas, maravilhando-se
muito de tanta multidão de pássaros, da sua beleza e variedade, e da sua
atenção e familiaridade; pelo que devotamente louvava o Criador.»
ima d a do r sco
as ica s rior ssis ia
«Que belo, que magnífico e glorioso era ele na inocência da sua vida, na
simplicidade das suas palavras, na pureza do coração, no amor a Deus, na
caridade fraterna, na obediência pronta, no trato cortês e afectuoso, na
candura angélica do semblante!
Tinha maneiras finas, era meigo, afável, oportuno em exortar, fidelíssimo
em cumprir, avisado e arguto no aconselhar, eficaz no agir, a tudo impri-
mindo graciosidade.
45
«Tinha razão, esse homem cheio de Deus, em se sentir tão afectuoso e hu-
mano para com as criaturas irracionais, dado que também elas, por sua
vez, se sentiam atraídas por ele, a ponto de lhe prestarem atenção quando
as instruía, e lhe obedecerem quando ele mandava, e se virem refugiar em
seus braços com toda a confiança, e ficarem sem dificuldade junto dele
quando o desejasse.»
osaico da r ad Francisco m an a an E
A S. FRANCISCO DE ASSIS
Louvado sejas, meu irmão poeta,
Pela beleza excelsa do teu canto,
O mais singelo,
Singular
E santo
De quantos se entoaram neste mundo.
Louvado sejas pelo profundo
51
Sentimento de paz
Que nele nos dás, cego a exaltar o sol,
Podre a exaltar a vida,
E até rendido aos pés da própria morte,
Nossa nocturna irmã sem caridade.
E louvado também pela humildade
Tutelar
Da tua inspiração,
Que soube, humanamente, ser do chão,
Mesmo erguida nas asas e a voar…
MIGUEL TORGA
12 Agosto 1981
52 Edificar com Francisco
s d i ra Francisco d ssis
a ria a a ina a a o i i F or n a ia
«Um pequeno grande livro sobre S. Francisco de Assis. Cem páginas arden-
tes, febris, dum imaginário de boas mãos e claro entendimento, que se apu-
53
MIGUEL TORGA
20 Outubro 1993
54 Edificar com Francisco
o an s n r roi ic i an
«Os professores são pessoas que ensinam aos outros as palavras que eles
próprios encontraram nos livros. Mas não se aprendem palavras num livro
de ar. Recebe-se, de tempos a tempos, a sua frescura. Estremecemos ao
sopro duma palavra: amava-te muito antes de nasceres. Amar-te-ei, mui-
to para lá do fim dos tempos. Amo-te em todas as eternidades. Antes de
dormitar, deslumbrado, no ventre de sua mãe, Francisco de Assis estava
mergulhado nesta palavra. Conservava-se a palavra encerrada na Bíblia,
como ouro no fundo de um cofre. Libertavam-na nas festas, nos gestos do
trabalho e nos gestos de repouso. Ela impregnava as redondezas da terra,
a respiração dos animais nas granjas, o gosto do pão forte. E antes de estar
na Bíblia, onde estava esta palavra, de onde é que ela vinha? Pairava sobre
o vazio das terras e sobre o vazio dos corações, rodopiava com o vento nos
desertos. Ela era primeira. Ela sempre existira. A palavra de amor é anterior
a tudo, até mesmo ao amor. No começo, só existia ela, a voz sem palavras, o
sopro de ouro que envolvia Deus, Francisco de Assis e o cão de Tobias, bem
estreitados, confundindo a respiração.»
E E
i idad d fim d s mana
Edifica
DIMENSÃO DESCRIÇÃO
No acolhimento, através de uns pai-
néis (A3 – mínimo) afixados na pa-
rede, cada participante vai registan-
PROJETO/SONHO DO PAI (Pietro di do o que sabe sobre a vida de São
Bernardone dei Moriconi) Francisco
(OPÇÃO 2: em vez de se registar o
que cada um sabe, pode registar-se
o que não sabe).
Segue-se uma palestra sobre a vida
de São Francisco. O palestrante
pode ser um frade franciscano ou
alguém que seja versado/ conhece-
dor da vida de São Francisco.
57
Fim d s mana
SÁBADO DOMINGO
Raide (a começar
antes do amanhe-
cer – Encontro
Acolhimento com a Cruz de São
(O que sei sobre Damião)
São Francisco?) PROJETO/
(Dinâmica «O que PROJETO/
MANHÃ SONHO
os outros esperam SONHO DE
DO PAI
de mim?») DEUS
– Ver o nascer
do Sol
Palestra sobre Construção do
a vida de São Projeto
Francisco Comunitário
Partilhado
ALMOÇO Partilhado
ENCERRAMENTO
Jogo de vila
(Vida de São PROJETO/SO-
Francisco) NHO DA SOC./
TARDE
Dinâmica da PESSOAL, DE
experiência da FRANCISCO
prisão
JANTAR
Dinâmica notur-
na – Encontro
com o leproso
PROJETO/SO-
NOITE (Que pessoas
NHO DE DEUS
marcaram/ mar-
cam a minha
vida?)
60 Edificar com Francisco
in micas o o
A dinâmica consiste num percurso de orientação com carta e bussola, dividido
em três etapas.
6. RECURSOS
i io rafia Franciscana
2. F E ÃO FRANCISCO
Editorial Franciscana, Braga, Portugal
5. David Azevedo,
SÃO FRANCISCO – FÉ E VIDA
Editorial Franciscana, Braga, Portugal
6. Eloi Leclerc,
E E
Editorial Franciscana, Braga, Portugal
7. Agostinho da Silva,
EF E
Ed. Ulmeiro, Lisboa, Portugal
8. Franco Cardini,
SÃO FRANCISCO DE ASSIS
Editorial Presença, Lisboa, Portugal
9. Christian Bobin,
F E E E
Editorial Apostolado de Oração, Braga, Portugal
E osi s
Corpo Nacional de Escutas (2015)
Exposição sobre a vida de São Francisco.
http://biblioteca.cne-escutismo.pt/
67
ndic
1. INTRODUÇÃO ............................................................ 3
E E E
E
E
E E
6. RECURSOS ................................................................. 63
68 Edificar com Francisco
978-972-740-199-4 Assistência Nacional