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Clécio Lemos
Pós-Doutor em Direito pela Columbia University (2019). Doutor em Direito pela
PUC-Rio com período sanduíche na Università degli Studi di Padova (2018).
ORCID: 0000-0003-3316-2375
cleciojus@gmail.com
Autor convidado
Resumo: Atendendo ao chamado para uma po- Abstract: Given the call for a contemporary crit-
lítica crítica contemporânea, o presente artigo ical policy, this article presents a proposal in legal
vem apresentar uma proposta nos estudos ju- studies. In the face of consistent research that
rídicos. Diante das consistentes pesquisas que diagnoses the serious failings of criminal justice,
diagnosticam as graves falhas da justiça pe- mainly arising from the confiscation of the con-
nal, principalmente decorrentes do confisco do flict, the disdain for the victim and the enormous
conflito, do desprezo pela vítima e do enorme failure of punishments as a way of reducing se-
fracasso das punições como forma de reduzir rious violations of rights, it adheres to the per-
violações de direitos, aqui se adere à percepção ception that such misconceptions are so intrinsic
de que tais equívocos são tão intrínsecos ao for- to this format that they can not be punctually
mato penal que não podem ser pontualmente repaired, concluding that there is a need to think
reparados, concluindo pela necessidade de pen- about a new judicial model on serious conflicts.
sar uma nova justiça para conflitos graves. Neste In this objective, it presents three guidelines for
objetivo, apresenta três diretrizes para uma nova a post-penal justice: mediation, prioritization of
atuação judicial pós-penal: mediação, prioriza- victims, reparatory decision.
ção das vítimas, decisão reparatória.
Palavras-chave: Políticas – Criminologia – Justi- Keywords: Politics – Criminology – Justice – Pe-
ça – Penal – Pós-penal. nal – Post-penal.
Sumário: 1. Hora de propor. 2. Da crítica penal à justiça pós-penal. 2.1. Mediação. 2.2. Priori-
zação das vítimas. 2.3. Decisão reparatória. Considerações finais. Referências bibliográficas.
1. Hora de propor
“O que há a ser feito?”, assim Bernard Harcourt iniciou em 1º de setembro de
2018 seu esboço teórico anunciando o novo ciclo do seu tradicional curso de 13
conferências oferecido na Universidade de Columbia.1 Critique & Praxis é uma
convocação do pensamento crítico para encarar os desafios do presente momen-
to e pensar o futuro, fazendo com que as críticas possam se transformar em prá-
ticas e estratégias de mudança efetiva da realidade.
Ao analisar a história do pensamento crítico, Harcourt percebe a existência de
uma fratura central pendente. O pensamento marxista, iniciado no século XIX
e renovado pela primeira Escola de Frankfurt no século XX, que trazia em si um
saber moldado em torno de uma coesão interpretativa (materialismo histórico e
luta de classes) e propositiva (práxis centrada na revolução), acabou sendo con-
frontado pelo movimento pós-estruturalista a partir da década de 1960, sendo
postas em dúvida algumas das premissas até então predominantes.2
Segundo o autor, há um cisma no coração do pensamento crítico desde en-
tão. O pensamento tradicional vê-se diante de uma corrente antifundacionalista,
simbolizada pelo maio de 1968, e desde então sua moldura se viu fissurada, mo-
vida em inúmeras direções. Diferentes conceitos de poder, desejo e subjetividade
trouxeram várias novidades, apontando uma inevitável renovação nos diagnós-
ticos das questões políticas contemporâneas.
O grande problema, todavia, é que essa ruptura do horizonte comum da críti-
ca acabou gerando um vácuo propositivo. Foucault, Deleuze, Guattari, Derrida,
e outros tantos, forneceram inovações teóricas essenciais e inadiáveis, mas com
isso trouxeram uma lacuna no campo utópico. Desde esse ponto, o pensamento
crítico se encontra numa encruzilhada, deixando o campo propositivo pendente
de novidades relevantes.3
Se o dever do pensamento crítico é não apenas interpretar o mundo, mas efe-
tivamente mudar o mundo, nas últimas décadas pode-se constatar um desnível
entre estas duas tarefas. Claro que mudar as interpretações já é operar mudanças
A opção geral por um “não intervencionismo” por parte dos críticos da jus-
tiça penal, que parecem ter se reservado a defender políticas sociais apenas para
fora do poder judiciário, forneceu uma “benevolente licença para negligenciar”
o pensamento propositivo jurídico, deixando o pensamento penal preponderar
e moldar o âmbito de mudanças possíveis no tocante a “fazer justiça”.5
A potência do pensamento criminológico de vanguarda tem sido inegável no
intento de desestabilizar as verdades em torno dos dois grandes pilares dos pen-
samentos da justiça penal – crime e pena – todavia, pouco se pensou em modelos
que verdadeiramente escapem do “problema da punição”. As mais contundentes
avaliações dos estragos do formato punitivo estatal ainda não foram convertidas
6. COHEN, Stanley. Visions of social control: crime, punishment and classification. Mal-
den: Polity Press, 1985. p. 237.
7. FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. 3. ed. Rio de Janeiro: NAU edito-
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litionism? An Introduction. In: BIANCHI, Herman; SWAANINGEN, René van (Orgs.).
Abolitionism: towards a non-repressive approach to crime. Amsterdam: Free univer-
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SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro: primeiro volume. Rio de Janeiro: Revan,
2003. p. 114. SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. 3. ed. Curitiba: ICPC:
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Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
8. CAMPOS, Carmen Hein de. Criminologia feminista: teoria feminista e crítica às crimi-
nologias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 290-292. PIRES, Alvaro. A racionali-
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9. COUNCIL OF EUROPE. Report on decriminalization. Estrasburgo: 1980. p. 174.
SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. Trad. João Carlos Todorov e Rodolfo
Se todo poder produz e sustenta saberes, funciona por meio de saberes, isso
significa que há uma coemergência entre fatos e pensamentos.10 As novas desco-
bertas do pensamento crítico desestabilizam saberes que pareciam inabaláveis,
deixando inúmeras interrogações sobre as justificações penais clássicas e abrin-
do espaço para mudanças no poder. O exercício das práticas penais depende e
reforça suas racionalidades, logo, tais racionalidades têm mesmo nível de rele-
vância dos atos praticados.11 A justiça penal só atua porque é uma somatória de
atos e efeitos de verdade, em movimento cíclico: atos que promovem verdades,
verdades que promovem atos.
Logo, confrontar o saber penal com estes novos dados nos fornece condições
de perceber a existência de uma “objetificação do presente”,12 ou seja, notar co-
mo os pressupostos sobre os quais opera a justiça criminal parecem ser uma rí-
gida realidade, e que exatamente por isso a justiça penal não é mais vista como
apenas uma resposta institucional, mas como a única resposta institucional pos-
sível. O modelo penal se infiltrou tão profundamente em nossa cultura e subjeti-
vidade que já não parece possível pensar fora de seus padrões.13
Azzi. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 199. SWAANINGEN, René van. What is abo-
litionism? An Introduction. In: BIANCHI, Herman; SWAANINGEN, René van (Orgs.).
Abolitionism: towards a non-repressive approach to crime. Amsterdam: Free university
Press, 1986. p. 9-12. HARCOURT, Bernard E. Illusion of order: the false promise of bro-
ken windows policing. Cambrige: Harvard University Press, 2004. p. 247-248. BOONIN,
David. The problem of punishment. New York: Cambridge University Press, 2008. p. 272.
SCOTT, David. Visualising an Abolitionist Real Utopia: Principles, Policy and Praxis.
In: Malloch et al. (Eds.). Crime, critique and utopia. Londres: Palgrave Macmillan, 2013.
p. 93. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. 5. ed. Rio de Janeiro:
Editora Revan, 1991. BATISTA, Nilo. Política criminal com derramamento de sangue.
Discursos Sediciosos, ano 3, n. 5/6, Rio de Janeiro, 1998. MATHIESEN, Thomas. Prison on
trial. Second english edition. Winchester: Waterside Press, 2000. CARVALHO, Salo de.
Penas e medidas de segurança no direito penal brasileiro: fundamentos e aplicação judi-
cial. São Paulo: Saraiva, 2013.
10. LEMOS, Clécio. Foucault e a justiça pós-penal: críticas e propostas abolicionistas. Belo
Horizonte: Letramento, 2019.
11. HARCOURT, Bernard E. Situação do curso. In: A sociedade punitiva: curso no Collège
de France (1972-1973). Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2015. p. 245.
12. VORUZ, Veronique. Politics in Foucault’s later work: a philosophy of truth; or refor-
mism in question. Theoretical Criminology, 15 (1): p. 1-19, 2010.
13. NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 21.
“Quero dizer que, nas relações humanas, quaisquer que sejam elas – quer se
trate de comunicar verbalmente, como o fazemos agora, ou se trate de rela-
ções amorosas, institucionais ou econômicas –, o poder está sempre presente;
quero dizer, a relação em que cada um procura dirigir a conduta do outro. (...)
14. MATHIESEN, Thomas. The politics of abolition revisited. Londres: Routledge, 2015.
15. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976).
2. ed. São Paulo: editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 34.
Logo, se o exercício do poder pode ser traduzido como “ação sobre ação”17,
ele exige a liberdade de alguém ser conduzido, e isto pressupõe um espaço cons-
tante para agir e contra-agir, abrindo caminho para pensar novas coordenadas
para a política. Tomando por base este conceito “positivo” de poder, a presença
do poder deve ser considerada inevitável nas relações humanas e a questão não
é apelar para um antipoder, mas buscar um direito de “não ser governado desta
maneira”18, permitindo assim desatar o espaço propositivo em busca de novas
relações e novos arranjos.19
É possível que a complexificação da análise criminológica se converta em
uma nova forma de idealizar respostas institucionais aos graves conflitos huma-
nos. Se a teoria crítica foi capaz de trazer com tamanha qualidade o conclusivo
descrédito com relação à justiça criminal, agora ela deve ser hábil a promover
uma nova forma de justiça. Não basta criticar, é fundamental iniciar um novo
campo de propostas para que as falhas identificadas sejam traduzidas em solu-
ções, e a demonstração de novas saídas tende a tornar ainda mais claras as limi-
tações do formato penal.
Encontrada esta demanda, vale uma movimentação a fim de idealizar novas
ferramentas para lidar com os problemas que até então somente a justiça pe-
nal parece pretender enfrentar. Sendo certo que continuarão existindo graves
16. FOUCAULT, Michel. A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In: Ética,
sexualidade, política (Ditos e Escritos V). Trad. Elisa Monteiro e Inês Autran Dourado
Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 276.
17. FOUCAULT, Michel. O Sujeito e o Poder. In: DREYFUS, H.; RABINOW (Orgs.). Michel
Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Vera
Porto Carrero. Rio de Janeiro: Universitária, 1995. p. 248.
18. FOUCAULT, Michel. O que é a crítica? Trad. Antonio C. Galdino. Revisão da tradução
Stella Fuser Bittar. Cadernos da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, Marília, v. 9,
n. 1, 2000. p. 173.
19. HARCOURT, Bernard. The counterrevolution: how our government went to war against
its own citizens. New York: Basic Books, 2018. p. 340.
conflitos humanos, há urgente necessidade de que seja pensada uma justiça que
supere os problemas do modelo penal e promova melhor convivência social. Ex-
tinguir os problemas provocados pela justiça penal seria um avanço, mas conti-
nuaria pendente a organização do auxílio institucional com relação a alguns dos
mais relevantes danos sociais.
“Aqueles que rejeitam a justiça criminal se defrontam com uma questão ine-
vitável: ‘então o que você colocaria no lugar?’ Esta é uma pergunta legítima.
Problemas sociais são reais e precisam de soluções; os danos experienciados,
particularmente pelos mais marginalizados, são assustadoramente reais; e os
conflitos igualmente são reais. Eles todos requerem soluções e respostas con-
cretas.”20
20. MOORE, J. M.; ROBERTS, Rebecca. What lies beyond criminal justice? Developing
transformative solutions. Justice, Power and Resistance, Foundation Volume, 2016.
p. 116.
21. FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo:
Editora Martins Fontes, 2008. p. 105. ROSE, Nikolas; O’MALLEY, Pat; VALVERDE,
Mariana. Governamentality. Annual Review of Law and Social Science, 2006. p. 87.
22. VALVERDE, Mariana. Michel Foucault. New York: Routledge, 2017. p. 19.
23. FOUCAULT, Michel. Subjetividade e verdade: curso no Collège de France (1980-1981).
Trad. Rosemary Costhek Abílio. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2016. p. 90-91.
útil para fomentar novas formas de pensar e reagir. Sendo o poder uma ativi-
dade inevitável, a questão é pensar o “como”. Onde houver relações humanas,
“mecanismos regulatórios sempre irão existir”.24 Consequentemente, diante das
violências e injustiças, devemos ter a possibilidade de questionar os métodos ju-
rídicos utilizados e ousar sugerir novos.
Usando a linguagem do “terceiro Foucault”25, poderíamos dizer: com base em
certas “veridicções”, a modernidade ocidental inventou e instituiu uma forma
de “governamentalidade” penal, visando fomentar certas “subjetivações”. Logo,
quando o corpo teórico crítico vem e muda as “veridicções”, não resta outro ca-
minho senão elaborar uma nova “governamentalidade” jurídica para tentar pro-
mover novas “subjetivações”.
A política deve assumir seu lugar definitivo na teoria crítica jurídica, e aqui
ela remeterá à idealização de um novo formato de justiça que deve brotar justa-
mente dos fracassos da experiência penal. Assim, a proposta inicial de uma justi-
ça pós-penal será pensada a partir de três diretrizes: 1) mediação; 2) priorização
das vítimas; 3) decisão reparatória.
2.1. Mediação
A justiça penal nunca se importou realmente com a efetiva pacificação dos
conflitos humanos, tanto é que a existência de lide entre as partes sempre foi algo
amplamente desinteressante ao modelo. Basta notar alguns traços básicos de seu
funcionamento: há inúmeras descrições criminosas que de fato não representam
conflitos (ex: crime de tráfico de drogas); as pessoas envolvidas não podem defi-
nir por conta própria sua valoração do ato; as pessoas envolvidas não podem de-
cidir como resolver o conflito.
Estar realmente preocupado com a resolução dos problemas significa come-
çar por colocar novamente o conflito no centro da questão, e para tanto é fun-
damental convocar as partes como protagonistas. Atender a este chamado exige
que seja incentivada a interação dos envolvidos e que eles tenham voz decisiva
perante o problema, por isso um primeiro passo deveria ser priorizar a resolu-
ção direta.
Uma solução que passa pela interação dos envolvidos e a comunidade tem
maior poder de fomentar coesão social, na medida em que a decisão não provém
24. HARCOURT, Bernard. Critique & praxis. New York: Columbia University, 2018. p. 79.
25. FOUCAULT, Michel. A coragem da verdade: curso no Collège de France (1983-1984).
Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. p. 10.
Por óbvio, há que se tomar os devidos cuidados para que os pactos sejam fei-
tos de forma livre, sem coerção. Todavia, esta preocupação é comum também ao
Direito Civil, e não parece haver nenhuma dificuldade adicional no caso dos con-
flitos que são hoje entendidos como pertencentes ao campo penal. Invalidar um
acordo entre as partes nestes casos, pela mera suspeita de coerção, equivaleria a
invalidar igualmente todos os acordos promovidos na justiça cível, e é claro que
isso não tem fundamento.
Quando o ponto inicial da justiça deixa de ser uma predefinição estatal do va-
lor da conduta e da resposta adequada (como ocorre no formato penal), vítimas
e agressores ganham novamente seu direito de discutir de maneira ampla como
lidar com o problema existente. É preciso assumir que a complexidade social não
permite autorizar que o Estado pressuponha um consenso valorativo tanto sobre
os fatos quanto sobre as resoluções, por isso, fomentar mediações deve ser o ca-
minho inicial neste ímpeto de alcançar uma nova forma de justiça.30
Pensar em conciliação deve abrir o âmbito de possibilidades de pactuar, sendo
necessário inclusive admitir que para certos casos as partes queiram simplesmen-
te se perdoar. Entretanto, é claro que esta liberdade deve encontrar limites, sendo
inegável que acordos aviltantes a quaisquer dos lados não podem encontrar va-
lidade jurídica.31 De nada faria sentido apelar para um processo de mediação ca-
so o conteúdo final pudesse remeter a consequências punitivas e degradantes.32
Um apoio por meio de pessoas tecnicamente preparadas parece ser impor-
tante. Nesse primeiro momento a atuação institucional deveria estar capacitada
a inspirar as pessoas a entender conjuntamente seus conflitos, visando superar
suas dificuldades materiais, sociais e emocionais. A gravidade maior dos confli-
tos aqui deve demandar uma qualificação diferenciada da equipe de mediação,
deve-se utilizar meios especiais visando “inspirar respeito a si, ao ambiente e ou-
tras pessoas, e desenvolver novas habilidades para comunicação interpessoal”.33
30. BIANCHI, Herman. Justice as sanctuary: toward a new system of crime control. Oregon:
Wipf & Stock, 2010. p. 83.
31. LARRAURI, Elena. Criminologia crítica: abolicionismo y garantismo. Revista de Estu-
dos Criminais. Ano IV, n. 20, Porto Alegre, 2005. p 24.
32. CHRISTIE, Nils. Restorative Justice: Five Dangers Ahead. In: KNEPPER, Paul; DOAK,
Jonathan; SHAPLAND, Joanna (Orgs.). Urban crime prevention, surveillance, and restorative
justice: effects of social technologies, 2009. p. 199. DELMAS-MARTY, Mireille. Os grandes
sistemas de política criminal. Trad. Denise Radanovic Vieira. Barueri: Manole, 2004. p. 312.
33. SCOTT, David; BELL, Emma. Reawakening Our Radical Imaginations: Thinking rea-
listically about utopias, dystopias and the non-penal. Justice, Power and Resistance Fou-
ndation, v. sept, 2016. p. 26.
39. HULSMAN, Louk. Temas e conceitos numa abordagem abolicionista penal da justiça
criminal. Verve, São Paulo, Nu-Sol/PUC-SP, n. 3, 2003. p. 199.
40. A exemplo do que fornece a lei brasileira de proteção da mulher contra violência domés-
tica (Lei 11.340/06), nos seus artigos 22 a 24.
41. MATHIESEN, Thomas. A caminho do séc. XXI – abolição um sonho possível? Verve,
n. 4, São Paulo: O programa, 2003. p. 96.
42. STEINERT, Heinz. Mas alla del delito y de la pena. In: SCHEERER; HULSMAN; STEINERT;
CHRISTIE; DE FOLTER, MATHIESEN (Orgs.). Abolicionismo penal. Buenos Aires:
EDIAR, 1989. p 53.
Isso não significa afirmar que a ameaça de punição e a punição em si não ge-
rem efeitos preventivos, é claro que geram. Todavia, considerados seus imensos
efeitos negativos, seria fundamental demonstrar que elas são mais eficazes que as
medidas reparatórias, e é precisamente isto que as pesquisas não mostram. Uma
nova justiça deve se basear em coerções reparatórias como forma de conclusão
processual, sua vantagem crucial: vincular a coerção ao benefício da vítima ou
de terceiros.
Pensar em abolicionismo não significa optar por “não fazer nada” ou “estar
preso a uma visão romântica do agressor”.43 Uma nova forma de justiça deve estar
preocupada sim com mecanismos de resposta relevante e de responsabilização,
porém visando melhores efeitos às vítimas e menores danos aos condenados.
Aqui o privilégio deve ser dado às formas de compensação relevante dos ofen-
didos, respeitando suas necessidades especiais e a capacidade real do agressor.
Dada a complexidade dos casos, é também razoável incentivar que os conteúdos
decisórios tenham maior leque de possibilidades, bem como esperar que essas
reparações sejam de valor mais relevante, com atenção para o especial caráter
moral e social do dano.
Ao contrário do modelo penal, que ao pretender oferecer segurança jurídica
acabou por engessar as respostas institucionais, um novo modelo deve mostrar
flexibilidade para se adaptar às particularidades de cada caso. Cada decisão de-
ve ter maleabilidade para oferecer uma resolução mais útil à situação concreta.
Portanto, não parece errado inclusive abrir a possibilidade para que as sentenças
sejam de uma “obrigação de fazer”, algo que parece ser uma anomalia diante do
quadro tradicional do direito privado.
As medidas compensatórias têm uma grande vantagem, ao ficar o agressor
vinculado a uma obrigação (de dar ou fazer) em favor da vítima, reforça-se a
conexão entre o ato praticado e os efeitos produzidos sobre o ofendido, pro-
movendo um maior senso social de responsabilidade mútua sobre a vida em co-
munidade. Ao invés do sofrimento isolado da pena, mal que não produz nenhum
benefício a ninguém, na reparação o condenado está sendo movido em direção
ao bem-estar de alguém.
Esse direcionamento à vítima também tende a favorecer a proporcionalida-
de da medida, fazendo com que tanto a vítima quanto o condenado sintam que a
43. SCOTT, David. Visualising an abolitionist real utopia: principles, policy and praxis. In:
Malloch et al. (Eds.). Crime, critique and utopia. Londres: Palgrave Macmillan, 2013.
p. 110.
sentença é mais justa, e atende melhor aos anseios de justiça na convivência so-
cial. Enfim, se a punição não visa atender a necessidade concreta de ninguém,
como se pode ponderar a gravidade do dano provocado com uma consequência
a ser determinada (especialmente no caso da pena de prisão)?
Fazer com que a medida esteja conectada diretamente à vítima favorece uma
“organização cultural horizontal”, de forma que a resposta passa por uma “co-
municação não violenta”. As medidas reparatórias, por não visar “o sofrimento
em si” e pelo conteúdo não brotar isoladamente da decisão de um terceiro, incen-
tivam uma rede menos vertical de poder.44
Mas, para todos aqueles que já pretenderam defender as decisões reparató-
rias, sempre surgiu uma última pergunta: e se o condenado não cumprir a or-
dem? Muito bem, aqui até mesmo o Direito Civil contemporâneo já nos fornece
uma série de ferramentas para fazer valer a efetividade judicial, como ordens
diretas de transferência de valores em instituições financeiras, ou privações de
liberdade de curta duração. As coerções podem ser necessárias para um certo nú-
mero de casos, e é preciso que a justiça esteja munida de meios efetivos.
Sendo tais condenações decorrentes das mais graves lesões, pode ser preciso
utilizar coerções para alcançar a reparação imposta, sendo interessante indicar
que o modelo pós-penal deve conter medidas coativas de efetivação mais vee-
mentes das que hoje propiciadas pelos procedimentos de direito privado. Vale
ressaltar, lógico, que aqui tais medidas não se converteriam em caráter punitivo
porque são sustentadas em caráter provisório, devendo ser extintas imediata-
mente quando o condenado se mostrar comprometido em cumprir a obrigação.
Fazendo a opção pelas sentenças de natureza reparatória, tudo remete que es-
te tipo de imposição trará maiores benefícios às vítimas e à sociedade. Trata-se de
um passo crucial para superar o modelo reprodutor de sofrimentos que o ociden-
te se acostumou a considerar como a saída para seus problemas.
Considerações finais
Pelo que foi demonstrado, a opção abolicionista aqui desenvolvida não trata
simplesmente de extinguir a competência penal. Sim, os conflitos mais graves de-
vem ser merecedores de maior atenção, e por isso aqui se pleiteia uma justiça pos-
suidora de ferramentas peculiares, seja no momento em que quer especialmente
44. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle pela para
além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan, 2012. p. 264.
45. VON HIRSCH, Andrew; ASHWORTH, Andrew; SHEARING, Clifford. Specifying Aims
and limits for restorative justice. Restorative justice & criminal justice: competing or
reconcilable paradigms? Oxford: Hart Publishing, 2003. p. 26.
Referências bibliográficas
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para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan, 2012.
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3. ed. Rio de
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BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janei-
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BIANCHI, Herman. Justice as sanctuary: toward a new system of crime control.
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BOONIN, David. The problem of punishment. New York: Cambridge University
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Lemos, Clécio. Justiça pós-penal: hora de propor.
Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 169. ano 28. p. 139-162. São Paulo: Ed. RT, julho 2020.
Crime e Sociedade 159
Pesquisas do editorial