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Ensinodehistériaeconsciénciahistérica
lmplicagfies didéticas de uma discussio contemporénea

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(jopyright © Luis Femando Cerri

1; edgggo — 2011; 1' reimpresséo — 2013; 2* reimpressao _ 2914.

lmpresso no Brasil | Printed in Brazil

Todos os direitos reservados a EDITORA FGV. A reprodugao néo autorizada dest


no todo ou em parte, constitui violagéo do copyright (Lei n9 9,619/93) a Publicagar),
'

Os conceitos emitidos neste Iivro sdo de inteira responsabilidade da autgr

Este Iivro foi editado segundo


. .
as normas do Acordo Ortografico da Lin P
aprovado pelo Decreto Leglslatnvo nQ 54, de 18 de abril de 1995, e promulgiiiao pzzguggffg,
to n9 6.583, de 29 de setembro de 2008.

COORDENADORES DA COLEQAO: Marieta de Moraes Ferreira e Renato Franco


PREPA_RA(;i\O DE ORIGINAIS: Sandra Frank
REV|SAO' Fatima Caroni, Marco Antonio Corréa e Adriana Alves
DlAGRAI\7|A(;/:\O, PROJETO GRAFICO E CAPA: dudesign

Ficha catalogréfica elaborada


pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Cerri, Luis Fernando


Ensino de historia e consciénc ia historica / Luis Fernando Cerri. — Rio de
Janeiro : Editora FG\/, 2011
138 p. (Colegao FGV de bolso. Série Historia)
lnclui bibliografia.
ISBN: 978-85-225-0882-2
1. Histéria — Estudo e ensino. 2. Didatica. 3. Historiografia. I. Fundagao Getu-
lio Vargas. ll.T|'tu|o. Ill. Série.
CDD — 907

Editora FGV
Rua Jornalista Orlando Dantas, 37
22231-010 | Rio de Janeiro, RJ | Brasil
Te|$.: 0800-021 -7777 | 21 -3799-4427
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www.fgv.br/editora

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lntrodugao

Parece obvio que 0 passado e 0 futuro participam ativa-


mente do presente de nossas sociedades. Esse é o ponto de
partida das reflexoes que 0 tema deste livro quer proporcio-
nar. Alguns exemplos sobre o passado que constitui 0 pre-
sente nas sociedades do Cone Sul servirao para iniciarmos as
argumentagoes referentes ao tema da consciéncia historica. E
na historia recente que podemos colher esses exemplos, uma
vez que suas conexoes com 0 nosso cotidiano sao mais fre-
quentes e significativas. Mas também os exemplos em nos-
sas vidas pessoais podem ser muito interessantes para pensar
essa articulacao entre passado, presente e futuro.
O liltimo ciclo ditatorial latino-americano, embalado pela
Guerra Fria e pela mudanca do papel da regiao no concerto da
economia e da politica mundial, estendeu-se dos anos 1960
aos anos 1980 e teve um componente adicional: a fratura na
sociedade foi tao profunda que suas feridas permanecem aber-
tas até a atualidade. No caso particular do Brasil, a ditadura

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FGV de Bolso

encontrou uma classe méd'


Ca , q ue come 9 ava a superar com passos mais I om-ica e pom
de uma sociedad 6 L16 1‘
d _ (1 teve 300 anos de e _ as mar
essa sociedade, o proletariado d SCI‘&V1d;§0 N bcas
economia desequilibro u a balanga do eSma1Sd'1I1am1¢
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tr d.P~ Q 0 dernocratica e precipitou o fim da d_ mfavor
a Iigao bras1le1ra de conciliagio politica 6 t _1tadura. A
alto , sem mudangas expressivas no cotidi ranslgoes ”Pe1o
ditadura e ditadores saissem de cena quasingi fez Com que
sem movimentos populares por ajustes de CO tesPercebidos,
caso da Argentina, com seus protestos de ru n aS, como foi 0
n a COntra O U on
filnalnl. .Mesdrnfo com uma transigao tao ”anestesiada" cfmotfi
as1 e1ra , 1 erente em tantos pontos da transigao
. ~ argemjna
e semelhante em tantos outros a transicao uruguaia os ¢S_
queletos no armarlo da ditadura n50 se calaram totalmente.
De tempos em tempos, algum protesto, alguma manifestagio
ou concessao de pensao a ex-presos politicos ou as familias
de desaparecidos por acao das forcas repressivas recoloca no
centro da cena aquelas feridas cobertas que ainda doem.
Como exemplo dessas agitagoes periodicas no Iago calmo da
representagfio nacional sobre seu proprio tempo, em agosto
de 2007 foi lancado mais um livro-relatorio da Cpmissao Es-
pecial de Mortos e Desaparecidos sobre a repressao reahzada
pela ditadura militar brasileira, que governou'0 pals entre
1964 e 1985. Seu langamento ganhou espaco na ntmua
imprensa, e0
6 Com
comando do Exército, em nota, mostrou que Zia leiwm dos
tinuara disposto a manter v1va e atéluante zgragfio reafirmou
' or
acontecimentos do periodo . A nota a‘ C I _P A diferentes
a Lei da Anistia e afirmou que ”fatos h1stor1cost1:;1;gonjstaS,,'
interpretacoes, dependendo da otlca de seusfcia das razoes
Se por um lado aponta a forga da Permane
21

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Ensino de historia e consciéncia historica 9

militares em sua recente intervencao na vida pfiblica e nos


poderes constituidos, por outro essa curiosa pega de relativis-
mo historico, assinada pelo comandante do Exército, indica
0 reconhecimento de outras versoes e, ainda, que a versao
militar encontra-se na defensiva.
A nota foi apresentada ao ministro da Defesa, Nelson Jo-
bim, antes de ser entregue a imprensa. Jobim propos — e fo-
ram acatadas — algumas mudancas no documento e avalizou
a publicagao do comunicado. Assim, 0 governo do presidente
Lula referendava uma nota com o seguinte teorz ”A Lei da
Anistia, por ser parametro de conciliacao, produziu a indis-
pensavel concordia de toda a sociedade Coloca-la em
questao importa em retrocesso a paz e a harmonia nacionais,
ja alcancadas”. Logo a seguir, 0 ministro da Defesa compare-
ceu a cerimonia de lancamento do livro-relatorio e deu um re-
cado aos militares, alertando que eventuais rea<;6es contrarias
ao lancamento, por parte deles, também seriam respondidas.
Um delicado equilibrio.
O equilibrio do governo Lula para, por um lado, preservar
suas origens politicas na oposicao a ditadura e, por outro, nao
descontentar demais os militares, é similar a outro equilibrio
delicado. O comandante do Exército também se equilibra en-
tre afirmar que os fatos historicos sao relativos ao ponto de
vista do sujeito, ao mesmo tempo que utiliza os mitos funda-
dores da instituigao para afirmar uma unidade que parece ser
questionada quando se afirma que o mesmo Exército, hoje
comprometido com a democracia e com a inviolabilidade dos
direitos civis, torturou e matou poucos anos atras. A nota
indicava também que
o Exército Brasileiro, voltado para suas missoes constitucionais,
conquistou os mais elevados indices de confianca e de credibi-

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10 FGV de Bolso

lidade junto ao povo brasileiro 1150 hé Exércitos '


Ao longo da historia, temos sido sempre O mesmo E Cl1stintoS_
Caxias, referéncia em termos de ética e de moral, aliniliercito do
os legitimos anseios da sociedade brasileira_ ado com
A propria existéncia de uma nota do Exército 6
com o Ministério da Defesa mostra que, além de u m tensio
com sentido em disputa, temos um passado que Cm Passado
o Presente. Ond1°10na
Pouco mais de do1s anosdepois, nos prjmeiros meses
2010, o tema volta ao not1c1ario e ao debate nacional C de
promulgagao do Plano Nacional de Direitos Humanos Om a
previu um amplo conjunto de acoes visando amphar 'a (fine
mocratizagao da sociedade brasileira, reduzir desigualdad;
e retomar questoes do passado ainda nao resolvidas, como a
responsabilidade penal dos agentes do governo envolvidos
nas violacoes da integridade fisica e da vida dos Opositores
da ditadura. Desagradando aos conglomerados de midia por
propor controle social dos meios de comunicagao, a Igreja Ca-
tolica por tocar na questfio do aborto e aos militares por pro-
por a revisao da Lei da Anistia e a criacao de uma Comissio
da Verdade, o plano foi reescrito para suavizar suas posigoes
dado o potencial de desgastar o governo em um ano eleitoral,
como efetivamente ocorreu.
Os pontos do passado coletivo que implicam situacoes dc
ruptura e violéncia acabam por gerar memorias ou esquec1-
mentos traumaticos. Isso é ainda mais intenso quando os gru-
pos contendores sao patricios, e sua luta implica tamberli 3
definicao do sentido da histéria nacional. Comegamosl entao’
a nos aproximar do tema desse livro a partir d6 um Olhai
sobre o uso que é feito da historia, passado 6 Presenteggiis
significar o tempo vivido coletivamente e vincular PF]

&a...t~._
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Ensino de historia e consciéncia historica 11

contemporaneos de sociedade, cultura e politica ao futuro


nacional projetado em funcfio da leitura do passado.
Para os personagens envolvidos nesses exemplos, o passado
deve ser deixado em paz, porque tem o potencial de atrapa-
lhar, e mesmo de comprometer, o presente e o futuro. Por ou-
tro lado, esses criticos dos mandatarios presidenciais que se
originaram politicamente no combate as ditaduras militares
nfio pretendem renunciar ao passado, mas buscam referéncias
para a identidade nacional num passado mais distante e (apa-
rentemente) menos controverso.
Podemos, ainda, citar outros exemplos. A conciliagao, na
rememoracao historica de personagens que representaram
grupos e projetos adversarios na historia, como Tiradentes, 0
revolucionario de origem militar metido em uma conspiracao
sediciosa contra a coroa portuguesa, e o imperador d. Pedro I,
aproximados pela maquina de propaganda da ditadura sob o
general Médici, que os representou como herois de um pro-
cesso unico, como se passassem o ”bastao" da corrida pela
independéncia um para ou outro. Ou entre Rosas, na Argenti-
na, tido como caudilho autoritario e nacionaljsta, e Sarmien-
to, presidente liberal er cosmopolita, contrarios aproximados
pela ritualistica civica no governo de Carlos Menem, quando
promoveu a repatriacao dos restos mortais de Rosas como es-
tratégia legitimadora da conciliacao nacional e do indulto a
militares condenados por crimes contra os direitos humanos
(Amézola, 2002: 133-154).
Lembrar ou esquecer os dilaceramentos da nacao realizados
sob as ditaduras militares nao é, ao contrario do que poderia
parecer, escolher entre passado e futuro, mas sim escolher
entre distintas articulagoes de passado, presente e futuro. O
passado nfio esta a salvo das intencoes do presente de dar

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tal ou qual significado ao tempo, aos personagens historic


a nacao. O presente — bem como o futuro — depende d'e Es,
passado relativamente movel, que possa ser relido. Mas ant:
de cairmos em discussoes sobre a viabilidade ou nao da Ob]-el
tividade no estudo da historia, que nao é intencao desse pe_
queno estudo, pensemos sobre o significado desses exemp1OS_
Haveria outra maneira de abordar esses assuntos sem esgrimjr
argumentos historicos, ou seja, referentes ao significado de
passado, presente e futuro? Decerto que sim: poder-se-ia, por
exemplo, discutir o assunto com base em termos juridicos,
somente, apelando para conceitos internacionais referentes
aos direitos humanos e a democracia, por ambos os lados, nao
considerando a trajetoria desses temas no tempo. Pensamos
que tal discussao nao ganharia o mesmo espaco na midia e
na atencao popular sem os ingredientes historicos, pois nao
passaria por um conjunto de questoes subjacentes: ”quem
somos nos, coletividade nacional", ”de onde viemos e como
nossa origem nos define hoje”, ”para onde vamos, qual é nos-
so destino comum" e, ainda, ”quem sou eu, e de que lado me
posiciono".
Discussao semelhante vem das reivindicagoes dos movi-
mentos negros organizados, no sentido de obter reparacoes
para os cidadaos prejudicados pela escravidao e pelo racismo,
de modo que seus descendentes possam recuperar o patamar
educacional, economico e social que poderiam ter tido se
nao existissem aquelas restricoes. Essas reivindicacoes come-
93mm a ser em parte atendidas por politicas de reserva de
33%: fgargralunos negros ou afrodescendentes em universi-
A efetiVag5§°§ePCuE:>11¢0S I-3I'_€€I,1Ch1d0S atraves de concursos.
nacional sobre O o as rac1a1s e demonstracao de um debate
P3588610: para que fossem aceitas, foi preclso

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Ensino de historla e consciéncia historica 13

que pessoas em postos-chave da administracao de muitas ins-


tituicoes estivessem convencidas de que a condicfio de negro
esté associada a desvantagens pessoais comprovadas estatisti-
camente; de que essas desvantagens se ligam a um tratamento
historicamente desfavoravel, devido a instituicoes e praticas
racistas; de que politicas universais (o tratamento igual aos
desiguais) nao superaram as diferencas e, por fim, de que o
projeto nacional brasileiro nao comporta que essas situacoes
permanecam. A negacao ou a indiferenca a todas essas teses
ainda marca parcelas expressivas da sociedade brasileira, mas
a criacao e a manutencao de politicas afirmativas mostram um
deslocamento das opinioes sobre a identidade, o passado e 0
futuro da nacao, que, por sua vez, conduzem a determinadas
decisoes e investimentos no presente. E esse movimento nao
decorre de outra coisa senao de deslocamentos na aprendiza-
gem e no ensino da historia, em parte dentro da escola, e em
parte no debate proporcionado pelos movimentos sociais, pe-
las agoes de parlamentares e administradores ou junto a eles,
e pelo debate publico em geral.
Tais questoes, de fundo identitario, estao na base do con-
ceito de consciéncia histérica que, em poucas palavras, po-
demos definir como uma das estruturas do pensamento hu-
mano, o qual coloca em movimento a definicao da identidade
coletiva e pessoal, a memoria e a imperiosidade de agir no
mundo em que se esta inserido. Para evocar a imagem poética
_]udaico-crista, depois que Deus sopra as narinas de barro de
Adao e lhe impulsiona para a vida, esse impulso continua
para sempre, até a morte de cada homem e de cada mulher:
mesmo que decida nao agir, o individuo tera optado por uma
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orma de acao, ainda que passiva e 1nd1reta. Mas nao basta
esse impulso irrecorrivel de agir; é preciso saber para onde

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agir, e essa é a busca por sentido inerente a todo Ser humano


e a sua historia, que se liga a historia da coletividade, Temos
a necessidade constante de atribuir sentido ao tempo, 55 0ri_
gens do mundo, do nosso grupo e da humanidade.
No que se refere £1 experiéncia pessoal, podemos ainda
exemplificar de outra forma a consciéncia historica. SupQ_
nhamos uma situacao totalmente banal e cotidiana: acordar
pela manha. Se esta frio, minha primeira reacao biologica é
permanecer na cama mais 10 minutos. Se lembro que da ou-
tra vez que fiz isso, acabei pegando onibus lotado ou transito
pesado no meu caminho para o trabalho, tenho que escolher
qual é o conforto que prefiro: mais 10 minutos de cama quen-
te ou ruas mais livres/onibus vazio. Se decido levantar-me,
posso escolher usar os chinelos para ir até o banheiro ou nao.
Se decido nao usar, alguma coisa me incomoda, além de sen-
tir o ch50 frio: as insistentes vezes em que minha mae me
disse para sempre andar calcado, para nao me resfriar. Talvez
por esses motivos, de sensibilidade e de memoria, eu decida
sair da cama e ir calcado ao banheiro. Novamente, ao tomar
o café da manhfi vou alimentar-me do resultado de escolhas
baseadas em interpretacoes do passado e na cultura de meu
pais e de minha familiar no Brasil talvez eu tome um café com
leite e um pfio francés com margarina; na Argentina pode ser
que eu tome uma medialuna com cha; no pampa argentino,
no Uruguai ou no sul do Brasil é provavel que eu comece o
dia com uma cuia de mate. Nos Estados Unidos sera comum
se eu recorrer a uma tigela com cereais industrializados de
milho e leite.
“Por outro lado, se concebo a historia como uma mera apa-
:3€;;'¢r:;€2<;l)ito que a esséncia da realidade esté num outro
por uma divmdade, pode ser que cu nao sala

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Ensino de historia e consciéncia histérica 15

da cama sem antes fazer uma prece. Essa consciéncia pode


fazer a diferenca na hora de decidir entre um abaixo-assinado
ou uma corrente de oracoes, ambos visando a paz no mundo.
Essa vinculacao fara a diferenca no meu dia, que pode ser
pontuado por diversos momentos de oracao, ou apenas um
momento especifico, ou a minha ida diaria a um templo de
minha fé.
Nao se passou nem meia hora desde o momento em que
despertamos, e ja estamos sofrendo a influéncia de nosso pas-
sado, nossa memoria e nossa cultura. A consciéncia historica,
entretanto, nao se resume ao passado e a memoria, mas as
projecoes que fazemos para o nosso futuro. Escovarei os den-
tes para adiar ao maximo a proxima ida ao temido dentista,
ou porque quero estar com bom halito ao encontrar uma na-
morada daqui a pouco — por mais que minha biologia tenda
ao menor esforco e me dé preguica (ou pressa) de voltar ao
banheiro e escovar os dentes, pentear o cabelo, fazer a barba.
Projeto o futuro, imediato, de médio prazo ou distante, e com
isso tomo as decisoes que me permitem agir, porque nunca
ajo apenas para que hoje seja igual a ontem, mas trabalho a
partir da possibilidade de que no amanha se realizem minhas
expectativas, mesmo que de um cotidiano pacato e seguro.
Nessa dinamica, a minha identidade (constituida em grande
parte pela minha historia) e a identidade coletiva (constituida
em grande parte pela historia nacional) sao fundamentais. E
aqui esta a ligacao entre a consciéncia histérica e 0 ensino de
histéria, bem como com os varios usos sociais que o conheci-
mento historico assume.
Quem acreditamos que somos depende de quem acreditamos
que fomos, e nao é a toa que o ensino de historia — escolar ou
extraescolar, formal ou informal — é uma arena de combate em

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que lutam os diversos agentes sociais da atualidade. Definir


quem somos e quem sao os outros é parte do condicionamento
da nossa acao e paixao, e da acao e paixao dos outros. Se eu
conseguir convencer meu adversario de que ele é um absO1u_
to incompetente, nao precisarei sequer me bater com ele para
alcancar a vitoria, o que é a mais perfeita definicao de sucesso
militar, por exemplo. O milenar Sun Tzu ja pontificava que a
vitoria completa se da quando suas forcas nao lutam: o c1imu_
lo da habilidade é atingir seus objetivos sem luta. Assim, por
exemplo, se minha diplomacia e minha influéncia na cultura e
no pensamento economico defendem que o livre comércio e a
queda do protecionismo economico sao valores em si que, assu-
midos, levarn o pais a algum objetivo que parece radiante como
”progresso" ou ”modernidade", posso lograr desmontar par-
ques industriais inteiros sem ter que bombardea-los e subjugar
outro pais economicamente, enquanto sigo protegendo normal-
mente a minha propria economia da concorréncia estrangeira.
Esta reflexao é apenas aparentemente restrita a teoria da
historia e a sociologia/antropologia do conhecimento histori-
co. O estudo das formas e conteudos pelos quais o conheci-
mento sobre o passado é mobilizado e manipulado publica-
mente para produzir tais ou quais efeitos publicos e privados,
coletivos ou individuais, envolve por completo o estudo do
ensino da historia e seu aperfeicoamento, pois desde suas ori-
gens europeias no século XIX, nossa disciplina cientifica e
escolar participa intensamente desses jogos de saber-poder.
glggeil Pg0£6S:,01ies d'e.histor.ia somos também protagonis-
Ou inconsiignéerseggcapla ou lI1VOl11I1lI3I'1&I]1€I1t€, consciente
- I'0d11Z1II1OS, com nosso trabalho, par-
te de nossas identidades
‘ - . pol1t1cas
pessoais, , . . 6
e profissionais,
Participamos da constituicao das identidades dos outros

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Ensino de historia e consciéncia historica 17

Quando nos acercamos de um recorte mais especifico de


nossas sociedades, os nossos sistemas escolares, a discussao
sobre o conceito de consciéncia historica vém abrir uma nova
frente de reflexao quanto ao antigo problema: o que é e o
que significa ensinar historia? Que consequéncias essa refle-
xao tem para o ensino? Como os saberes sobre o tempo (nes-
se sentido, historicos) adquiridos antes, durante e apesar da
escolarizacao afetam o aprendizado, suas caracteristicas e sua
qualidade?
O estudioso alemao Jorn Riisen (2006) afirma que profes-
sores e alunos podem estar trabalhando em sala de aula com
quadros e matrizes de significacao que nem sempre sao cons-
cientes. Podemos exemplificar esses quadros e matrizes com
as nocoes de progresso, decadéncia e futuro. Considerando
isso, pode ser que muitos dos problemas dos alunos no apren-
dizado da historia, dos quais nos queixamos ha décadas,
venham tendo suas causas incorretamente identificadas, pelo
menos em parte. A perspectiva da consciéncia historica nos
impoe, também, outro ponto de vista sobre a nossa disciplina:
o de que ela é resultado de necessidades sociais e politicas na
formacao da identidade de novas geragoes e, portanto, o seu
problema nao é somente de ordem cognitiva ou educacional,
mas também sociologica e cultural. A rejeicao de muitos alu-
nos em estudar historia pode nao ser somente uma displicén-
cia com os estudos ou uma falta de habilidade com essa maté-
ria, mas um confronto de concepcoes muito distintas sobre o
tempo, que nao encontram nenhum ponto de contato com o
tempo historico tal como aparece na narrativa de carater qua-
se biografico das nacoes ou da humanidade. Talvez, ainda, o
”codigo genético" da disciplina escolar historia, nascido no
século XIX sob o influxo do nacionalismo, do iluminismo ou

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FGVde 305°

do romantismo, do raci01181i$I_n°' fia Perspectwa do Pmgresso


(ainda que em miltima instanc1a)., lmlfglléa 3 nos’ P1'0fessores,
uma mnoepgao de tempo, ~de 1dent1 a e e dehumanidade
que nao se encaixa nas vlsoes das novaS 8e1'a§°@$, lnarcadas
por pe1'$PeCtiVaS de futuro (e, portanto, de tempo, de idem
tidade e de humanidade) distintas. Pode ser que venha dai a
dificuldade de dialogar com a vivéncia dos individuos jovens
em convivéncia com suas comunidades concretas.
O conceito de consciéncia historica é ligado, ainda segundo
Riisen, a mudanca de paradigma da didatica da hjst('>1-ia
anos 1960, de acordo com a qual o foco da disciplina passanos do
ensino para a aprendizagem historica, e propoe outra m d
u an-
§a no nosso modo de ver o ”fazer" da disci P Lina na escola. 6
o ensino da historia implica o gerenciamento dos objetivos
curriculares e das concepgoes de tempo e de historia ue os
q
alunos ja trazem consigo desde fora da escola, entao o profes-
sor de historia definitivamente nao é um tradutor de conheci-
mento erudito para o conhecimento escolar, um simplificador
de conteudos. E, sim, um intelectual capaz de identificar 08
quadros de consciéncia historica subjacentes aos sujeitos do
processo educativo — inclusive o seu proprio — e de assessorar
a comunidade na compreensao critica do tempo, daident1da-
de e da acao na historia. .
Por fim, com este pequeno livro temos por objetivo
but Para a visao de novos quadros de analise da -reah £20
escolar por parte do professor, entendendo-o P011'“°a eando
ricamente como um intelectual, academicamente Pr_°Cl,1rria em
promover uma maior aproximacao entre a teoria da hlsglsino.
P1'°¢¢SSo de reflexao didatica e a pratica cotidifllla do

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Capitulo 3

C0n5 equéncias para a pratica do profissional de historia

muitas décadas, e atravessando os séculos XIX, XX~6


Por ~ do ensino de historia vem sendo a pr0du9a°
XXL a tglngzo da identidade nacional. Com suas origens 110
6 , “Pro ug ~ ' ' que conh 6 cemos se vincula
' o de h1stor1a
wculo
aum XI?’
Con exl:)oe:1121:XPansao
' ~ - da eduCa§5° Pfibhca Para O Con-
. te com os avancos d 0 sufra 8 io
Junto da P opulacao Uuntamen
. - ~ d na soberan1a
"' das nacoes basea as
_
llI11V6I‘SEll e a consolidacao I _
~ - ' nar u1ca .
P°Pu1ar' e nao mals na Soberalna 11.10. q )' de historia
' ' pro duto
I Um t1p1co 0 liberal e 1lum1n1sta,
_ N50 0 or 61151110
acasol OS POht1_, _
e marcado ate ho]e por suas or1genS- P \ _ ~ O1i_
. ~ . Q33 vinculadas a discussao p
cos, Jornahstas e outras peSS
- no espago publico
t1ca ' - sao ~ os prim ' eiros a fazer _ soar
to odcalarme
fates
quando as pesquisas demonstram o d€SCO1‘lh€C1II1€I1d alunos I

datas e personagens da h1stor1a nacional por partef gendo en-


- I ~ ' S '

Nao é incomum que os rfipérteres saiam a C3mP° astatar que


, .
‘luetes, em datas c1v1cas - - apfinas Para _CO n
especlals, Se
as pessoas nas ruas nao ~ sabem o mOt1V ' o do feriado. Trata-

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106 FGV de Bolso

do mesmo tipo de escandalo que causa o fato do, me


. - ~ Smo
Brasil, onde as palavras do hmo sao de um rebuscamem no
complexidade completamente elitistas, as pessoas oomunso e
os jogadores de futebol — nao saberem cantar corretamefe
o Hino Nacional. Ou seja, trata—se de um ”escandalo M355
no qual as bases da nossa comunidade politica parecem estar
comecando a se desfazer. A reacao de muitas professoras pri_
marias é reforcar a ”hora civica" semanal, porque, sem Saber
quem sao os proceres, quais sao as datas civicas que devemos
guardar e, finalmente, as oracoes civicas cantadas, ou Seja'
os hinos, parece ser impossivel termos um cidadao brasileiro.
Esses exemplos ratificam a ideia de que, socialmente, espera_
-se que o ensino de historia contribua de modo decisivo para
a formacao do cidadao em nossas sociedades, cimentando-0
ao espirito publico, ao amor pelo pais, aos interesses coleti-
vos, por meio da vinculacao de todos a um passado comum.
O trabalho nacionalizador do ensino de historia, todavia,
passou a sofrer sucessivas mudancas. O canadense Christian
Laville, por exemplo, em artigo publicado na Revista Brasi-
leira de Histo'ria (Laville, 1999), aponta a mudanca na trajeto-
ria do ensino de historia nos paises desenvolvidos:
Nos paises ocidentais, o fim da Segunda Guerra Mundial foi
o marco de uma etapa importante. O resultado da guerra foi
percebido como a vitoria da democracia, uma democracia cujo
P1”iI1Cipi0 nao se discutia mais a partir de entao, mas que p1'6¢i'
sava agora funcionar bem, ou seja, com a participacao dos cida-
daos, como manda o principio democratico. A ideia de “cida-
dao Parti°iPaI1t¢" comecou a substituir a de ”cidadao-sudito”-
0 Iensino da historia nao deixou de ganhar com isso. Ao con-
tranof Vi“ a fun§50 de educacao para a cidadania democratiC3
substituir sua funcao anterior de instrucao nacional.

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Ensino de historia e consciéncia hi51;6|'i¢a 107

Laville generaliza os paises ocidentais, mas a maior parte


da América Latina tem trajetorias distintas. Nao é tOtalmente
correto d1zer, nessps paises, que o ensino de historia esteve a
servico da educacao para a vivéncia e a pratica da democra_
gia apos a II Guerra Mundial. Nossas experiéncias pO1itiQa5
foram diferentes entre si, mas com muitos tracos semelhan_
tes, sobretudo entre os anos 1960 e 80, em que o continente
caiu, quase todo, sob o pesado dominio das ditaduras mili-
tares. Nelas, o civismo e o ensino de historia continuavam a
servico daquela instrucao nacional, e a escola, por sua vez,
tinha incluida em sua rnissao a tarefa de reproduzir o con-
senso fabricado da associacao dos interesses nacionais com
o governo militar, e toda oposicao a eles com um crime de
lesa-patria. Mas, no Brasil, essas imagens passaram a perder
forca ainda nos anos 1970, e ja nos anos 1980 a Igreja Catoli-
ca, as universidades e as escolas eram espacos importantes de
resisténcia ao regime. Os anos 1980 e boa parte da década de
1990 foram marcados por tentativas, dos professores e inte-
lectuais preocupados com o ensino de historia, de formulacao
-d6 propostas que congregassem a nova identidade a formar
junto aos alunos: nacional, mas também socialmente critica,
revisando a historia dos vencedores e abrindo espaco para
outras historias, como a dos vencidos; tentando trazer o ho-
mem e a mulher comuns para a sala de aula e convencé-los do
protagonismo essencial do povo nos processos historicos. Foi
0 temP° das propostas oficiais de cunho marxista, ou inspi-
radas Ila nouvelle histoire. Para muitos esse foi um periodo em
C1116 0 ensino em geral, e com o ele o ensino de historia, estava
Zfijfigco declinio, e a aprendizagem entrava em c0n(<i119f>eS
as aulasflgeira 1IIdIg6I1C1&. Gobretudo nas escolas secun arms:
6 hlstorla com vigor civlco/nacionahsta e as come
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108 FGV de Bolso

moracoes civicas trad1c1ona1s


. . . escasseavam,_ A Ojeriza 5 ed u
950 da época do regime rn1l1t-ar, sua estétlca e sua men ca.
parecem ter criado uma indlsposicao com qualquer afiigem
voltada a educacao civica. Por isso, a formacao da identdude
nacional pode se ter deslocado para outros ospagom P; ade
meios de comunicacao de massa, para os jogos de futei 01s
para alguns lares, ou para parte alguma. 0'
No caso brasileiro a onda das posturas neoliberais assum1_
das pelo Estado demorou até o inicio dos anos 1990 para fa_
zer sentir seus efeitos, e ainda assim com o refluxo que foi
a renuncia/impedimento do presidente Collor. Pode-se dizer
que a politica publica federal, sistematicamente orientada
pela visao neoliberal, teve lugar com a eleicao do presidente
Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995. A conjungao
desses fatores — a predominancia do pensamento neoliberal e
do consenso de Washington, a forca da tese do fim da histo-
ria, de Francis Fukuyama, o maremoto da globalizacao sobre
a vida das pessoas (mais fortemente sentida pelo desempre-
go com o fim das barreiras protecionistas da industria e do
comércio nacional), os efeitos da queda do socialismo como
alternativa global de sociedade — constituiu o contexto da
crise do ensino de historia no Cone Sul.

Ensinar historia para qué, afinal?

Essa crise vincula-se ao problema da identidade. Emborfl


nossos paises nao tenham vivido ainda as promessas da infl-
dernidade, ja vivemos as vantagens e as agruras dos efeitos
das teses da pos-modernidade. O quadro da pos-moderI11-
dade é marcado pelas identidades fluidas, pela constante
mudanca de ordem dos fatores de pertencimento 110 Clue”

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Ensino de historia e consciéncia historica we

dro hierarquizado que compomos ao responder a perguma;


/Quem sou?
() sujeito pos-moderno, segundo Stuart Hall, é marcado
pela fluidez e interpenetragao entre diversos pertenoimemos
e condicoes, o que nubla a identidade coletiva, cada vez mais
fragmentada. O politico tende a ser cada vez mais pessoal,
e 0 espaco publico se esvazia como campo da definicao dos
destinos. As lutas sociais sao cada vez menos por transfor-
magao global da sociedade, e cada vez mais pela resolucao de
questoes pessoais que nao afetam decisivamente a estrutura
social: a defesa dos interesses de minorias étnicas e sexuais,
o feminismo, a cultura de paz. Mesmo o famoso Movimento
dos Sem-Terra, saudado pela esquerda como saida para o ma-
rasmo das lutas populares, tem por efeito principal, quando
bem-sucedido em suas jornadas, multiplicar a quantidade de
pequenos proprietarios rurais, que ganham o direito de fre-
quentar o mercado capitalista de cabeca erguida.
Que papel pode ter a aprendizagem escolar da historia neste
momento? Como formar autenticamente a identidade do alu-
no, na auséncia de uma identidade global, sobreposta a todas
as outras, como era o caso da identidade nacional? Claro que
0 nacionalismo continua tendo 0 seu papel, mas, no presente
momento, ele é temperado por outros clamores identitarios, e
0 bom cidadao nao é aquele que apoia o governo, entendendo-
-0 C0mO encarnacao da nacionalidade. Pelo contrario, 1I' contra
S°V¢rnos nao raro é um ato de civismo! Mas como formar esse
civismo diante da necessidade académica de ensinar tambem
as mazelas e dilaceracoes da historia nacional? Como assumlr a
'
‘dentidade nacional, como amar o pais ao mesmo tempo fl ue. se
c°mP1'e¢nde todo o drama as desonestidades e as v1olenc1aS
que estao Presentes até h0_l€, ainda que enterradas Junto Com
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no FGV de Bolso
< .,~>, l:_
4_:2ms. :_~i.|';
\L-
-a

seus alicerces? Como é que se aprende a amar a na ~ -»

mesmo tempo, ser atento, questionador, portador da ‘:9 $3’ 30


da desconfianca que formam o senso critico? como Colpvida e
/comunidade de destino" (nos dizeres de Otto Bauer sfiir Ila
, ,
naqao) desconfiando de modo a tomar a distancia O re 3
ser capaz de continuas analises criticas?
Do ponto de vista da consciéncia historica, essas questg
sao naturais. Em primeiro lugar, porque recolocam o enshfg
escolar de historia na sua dimensao real. Carretero (2007), sg
deparou com os ruidos entre o que se espera oficialmente e O
que efetivamente faz 0 ensino escolar de historia. O livro par;
te da ideia fundamental da distancia e convivéncia conflitiva
entre historia escolar e historia como disciplina que busga
alcancar o conhecimento cientifico do passado. Esta ultima
vem do paradigma racionalista ilustrado, aspira a verdades
assépticas, sem carga moral. Na escola, pelo contrario, do-
minaria a dimensao afetiva, missao de construir identidade,
com o que estaria a negar e hostilizar os “outros”, que nao
participam da narrativa canénica sobre a nacao no tempo.
Em Carretero, a possibilidade de conciliar essas historias (es-
colar e cientifica) é escassa ou nula, e quem ganha a batalha
pela opiniao popular é a historia escolar. A racionalidade da
historia cientifica nao é capaz de gerar identidades e identi-
ficacoes, de acordo com o autor. Nesse quadro estamos pa-
ralisados num atoleiro, e a obra de Carretero é tentativa d6
entender esse fenomeno e sair desse atoleiro/encruzilhada do
ensino de historia. Para esse autor, o ensino de historia foi, <1
em parte continua sendo, memoria historica; faz, assim, 0113'
balho da memoria, e nao o da racionalizagao. Isso em Pam‘ Se
deve ao surgimento da disciplina, ligada a crise de identidadfi
da modernizacao no século XIX, a qual é resolvida com Sfllda

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Ensino de hlstorla e consciéncia historica 111

romgmtica e nacionalista de que a historia escolar participa.


Entretanto, 0 panorama dos conflitos surgidos nos ultimo;
ano; em relagao ao ensino de historia sustenta que ha uma
tensgo entre razao critica e emotividade identitaria.
() contexto dessa discussao é a recolocacao das identidades
politicas e subjetivas em escala planetaria, diante do quadro
do mundializacao de todos os aspectos da vida. Essa discus-
550 se desenrola em dois polos opostos na atualidade: o hu-
manismo critico (em busca de uma identidade pos-nacional,
no estilo da discussao proposta por J. Habermas) e o roman-
tismo de perspectiva nacionalista.
Paises que recentemente sairam do socialismo, como vimos,
tém uma experiéncia particular no que se refere ao conteudo
e ao sentido de sua educacao historica escolar. Os casos da
Estonia e da antiga Alemanha Oriental sao estudados como
exemplos da convivéncia de uma historia gdue_v_i§';s_\humanista
e internacionalista 3- ahistoria oficial, pro-soviética — que se
desmancha muito antes do fim da Uniao Soviética; afinal o
pseuldiscurso chocava-se com a pratica imperialista de Mos-
:§'<31,1_.\._§'ubjacente a ela manteve-se — e depois chegou ao poder
- uma subversao da historia oficial, de carater nacionalista.
E8821 subversao, cultivada em carater privado, é dada a luz
COM a estruturacao de governos pos-socialistas. Nos Estapdgs
Unidos da América, a busca neoconservador,a,por excelépnciaw
Ha aP1'endizagem historica nas escolas abre o debate dos_na-
Zi__;lZ1l standards. Todavia, a configuracao final dessas onen-
ta§°@S ciffricuhres oficiais —- resultantes de amplo e demo-
cratico debate — abre-se a uma perspectiva multicultural e
questiflnadora dos Estados Unidos como nagao branca e cris-
is!’ ° que levara neoconservadores do governo de Bush pal 3
eseStim111&r(!) a util‘izac ao dos standards
_____,, p0fiCiai$-
-2

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FGV de Bolso
112

' ’ria na escola teria erdido


Por um
- lado 8 hlsto
diante ~ ia de tan_ro_§
da concorrenc P t outros
seu poder
recursode
/ Persuasao
. ” _ dentldade
d1s utam 3 f°1'ma§a0 da 1
_ ' ' ' 1 S
, dO§ 1I.ld_1_1/j1_d_uo§s pgf
outro, 613 ¢°ntinua sendo ’ em lversas
. . partes do mundd“
, um
item fundamental do debate pol1t1co’. Podemos concluir em
: ou o debate pubhco esta mal-assesso
1 dois sentidos 019081505
' rad o, e discute sobre a h1stor1a enslnada quando ela pouca
coisa pode promover entre os educandos, ou a 1de1a de que a
historia nao tem mais um papel S1gI1IfiC211I1V0 na formagao de
_.identidades po litico-terr1tor1a1s precisa ser olhada com mais
/ cuidado antes de ser dada como certa.
O conceito, de. consciéncialhistorica
*"" - - d
entende que a interpre-
tagao do proprio 1nd1v1duo e da colet1v1da e no tempo C0me_
ca a ser formada muito antes da escolarizacao das criangas‘,
’Estas chegam as escolas, por exemplo, com preconceltos ra-
ciais ja arraigados, de modo que é muito mais fac1l que a edu-
cacao humanista e igualitaria seja mais um verniz que uma
conviccao dos futuros adultos educados. Podemos concordar
que a historia escolar tem uma fungao de orientagao no tem-
po, mas ela nao esta sozinha nesse papel: ao existir, ao deci-
dir, ao agir todo ser humano necessita co ituir e colocar em
funcionamento sua consciéncia historicaffiao se espera pela
escola para ter orientacao tempor@
Estara o ensino de historia nas escolas condenado, entao, a
nulidade? Longe disso. No que se refere a identidade social,
sua funcao — de interesse publico — é prevenir a formag50
de identidades nao razoaveis. No Que se refere a c_01_1'f...1Til2L1-i*-
9@}9_.para la vida do sujeito, sua funcao é alargar hor1z0n£¢$-"
6 permitir a ascensao de formas mais complexas de pensa,-_,
mento’ além de P1"ePflfHr para a ”autodefesa intelectual" (essa
expressao é de Noam Chomsky), ou seja, ajudar no sentido

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Ensino de historia e consciéncia historica 1 13

ue o cidadao nao seJa suscetivel a manipulagoes que o


de q , - . .
Sub]-uguem a mteresses all1e1os~. Alem disso, deve oontribuir
para que os futuros cldadaospao
, fiquem presos no “presente
, _
c0ntinu0", que acabara por ter caracteristicas entroplcas ou
p(j<c5/'/'ir‘as
trutl para a sociedade. Nesse conjunto de tarefas, o en-
Sino do historia participa do trabalho soc1al1zador da escola,
tirando o suleito do egocentrlsmo e mtroduzindo-o na vida
' 7 0 I n ,

dbho , com o que nos confrontamos com o 1nd1v1dual1smo e


o esvaziamento do espago publico que vivenciamos.
0 que seriam as identidades nao razoaveis a prevenir? A
ta-mjnologia trai o pressuposto racionalista desse programa:
trata-se de um ponto de vista racionalista. Mas nao se trata de
I I‘

um racionalismo cartesiano, em que a verdade esta em algum 1


lugar somente, e nao esta em outros, e nem um racionalismo?
relativista, em que a verdade, por estar com todos, nao existc.~.'\,\
Tr euma-razao comunicativa ou dialogica, que nao
anem relativa, mas relacional, ou seja, a verdade se
constitui no dialogo entre os suJe1tos e nos consensos m1n1-
"’i'f1o§ 'Ejfie”é"possivel ir construindo, respeitando ao maximo as
diferencas e, ao mesmo tempo, evitando as indiferengas em
relacao a coletividade — a coletividade é uma tarefa comum
que transcende a tolerancia e demanda trabalho comum: as-
Sumir a responsabilidade pelos outros como forma de cons-
lmir protegao para si mesmo.
Uma identidade cegamente nacionalista — por exemplo, que
vincula nacao com o sangue, com a natureza, com o chao, com
a etnia — ou religiosamente fundamentalista — que Submete
t“d° 8 um destino sagrado apresentado por uma divindade —
lE11§_“IB,aidentidad~e1,az,oa:/el. Baseia-se em elementos nao ra-
clonilisiliiliticos ou misticos, com a verdade apresada e subpl-
gada 3 so grupo em uma sociedade ou regiao. Também 1180
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sem raclonal glpa 1de:1t1d}?;€1i-C " ficldtal
que tenha fe cfiga I1
ciéncia como resolucao o Je 1va e to os os problemas hum E1
nos, q ue acaba por desconsiderar
~ as pessoas
_ COm
_ 0 sujeitos da‘
seus problemas e solucoes. Essa perspectiva ho]e tem tomado e
forma da tecnologia como ideologia, ou seja, a crenga de que?)
progresso cientifico ou tecnologico, nos redimira. Pelos eXem_
plos, podemos perceber que nao e razoavel uma identidade
que se apropria da verdade, pois é potencialmente autoritaria
ou destrutiva, ja que tem por principio que as outras identida-
des nao sao verdadeiras. Erigir a propria posicao em verdade,
ou mesmo em dogma, é contrario a razao, cuja definicao pode
muito bem ser 0 principio de que o melhor argumento vale,
e que, como o conhecimento avanca, as posicoes sao validas
enquanto nao forem superadas por argumentos melhores.
d Sao razoaveis as identidades que se sustentam na for ‘Ea de
d_H___d__
Tsi-;us argumentos p1‘i'ficipais','mas‘nao"neg‘anr"a--possibilidade
/‘de que eles sejam refutados em algum mornento;"Alpossibil%=-
dade de que os proprios argumentos venham a ser vencidos
significa que eles podem ser postos a prova, podem ser discu-
tidos e, portanto, trata-se de uma razao sustentada no dialo-
go. Identidades nao razoaveis sao potencialmente destrutivas
e desprezam, em maior ou menor grau, o outro, a democra-
cia e, em ultima instancia, a integridade fisica e a vida. As
identidades nacionais podem ser assassinas, e de certa forma
<1 foi para isso que elas serviram: para produzir motivos para
1 matar os inimigos nas guerras. Mas nao é somente de guerffls
~ \
I ~ I o 0 ‘ '
que Vlve uma 118980, e por 1SSO as ldentidades nacionais nao
F $~':10‘apenas, e nem todo o tempo, assassinas, embora essa p08-
s1b1hdade este]a sempre la, guardada.
Em Sociedades que ainda nao resolveram suas questoes fun-
‘ damentais de distribuicao de renda adesao consciente (105
' I

/em» i1.@1a.aba »-»<~=-/31>-Jo».-=-1-»-»


.4" -\

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~ / ‘IQ/7 /\J\ \J\-’ ‘ \ §r~_-:* '1

1 iasinodehfstona econsuéncia Nstéfici 115


' ~. --"1""! ., II <4 1.-=~; ‘L-‘..*~/n 1 ' ’ K

Cidadios 3 um projeto minimamente consensual de nacao


3 o futuro imediato e o H1818 distante, go 61131110 d§g_h15tO_g:_
121..
1-13 COIlU'1b',-11 P
ara a manutencao mimma da coesao SOC121l se ~

’ segflgfdialogar cpoprnas 1de1as tacitas da populacao da qual


7 k I‘, p w

.0/3-In-go" vem. Em sociedades, entretanto, nas quals aquelas


/{ii}
questoes fundamentais encontram-se resolvidas, ou pelo me-
nos equacionadas, bem como em setores mais bem aquinhoa- A

dos de sociedades desiguais, os novos d€tSafl0§,Ql1.C‘;$€-£0lO€3lII" xv

550 apatia, despolitizacao, individualisnfofindiferenga. Essas


atitudes decorrem de identidades nao razoaveis, que o ensino
dc historia — em tese — combate no processo contemporaneo u
r.

de formacao dos cidadaos. Mais que propostas autoritarias


e racistas, esses fenomenos cornecam a corroer democrac1as._
—corr§olidadas, demandando um novo papel para a escola e
para oensino delhistoria. Este ja podera considerar a maior
‘Isaak <151-L115 inissao cumprida se, com seus dados e argumen-
tos, conseguir que os sujeitos apercebam-se de que suas po-
sicoes sao fundamentadas em argumentos e crencas, e assim
disponham-se a conversar sobre elas fraternalmente. Por isso
a ideia de que temos que ensinar uma determinada quantida-
de de conteudos, sem os quais o potencial cognitivo e o espi-
rito civico dos nossos alunos ficara irremediavelmente manco
011 paralitico, é um tanto quanto contraproducente.
_A “academia de artes marciais do pensamento" na qual a
hlstoria participa com seu estilo especifico de combate, liga-
‘Se as tarefas de instrumentalizacao cognitiva do aluno com
of saberes e fazeres tipicos da histéria. A metodologia da his-
ms&@ .o “q.1lejacon1;eceu._e ems
Agenibaseamos p/ara conhecer esses fatos. O hi$t0l'i3d°Y
- -_._.,...,r --.- ,__>_ _ M _ M V _ >\
-
Pmcllra cevrtificar-se“de quemlproduziu a 1nforma§a0, " quan do
1ss .
0 acontecell 6 dxiais eram as possibilidades de que 85 001535
, 1
‘ I .1-. _ *
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FGV de Bolso
116

tivessem acontecido de outra forma. O método histé _


quadrinha os sujeitos, suas ligagoes sociais, suas intencp es_
interesses em jogo, para entender a i11fOI‘mag5O que Cngoes e
deles traz, e, assim, dimensiona-la corretamente e rela aum
_la. Se o nosso aluno puder fazer isso e identificar ;t1v1za.
interesses por tras de reportagens, processos 111816115)S soa~s e
governamentais, a historia tera cumprido outra de Suésflpoes
goes educativas. un‘
Retirar os jovens do presente continuo é abrir as Qt
para aAsensibilidade em relacao ao passado e a oomprinrssg
da dinamlca do tempo. Trata-se da competéncia de experién_
cia, como se v1u anteriormente, ue inte ~ .
narrativa. Conhecer as surpresas? as mudg&1r1:g:sCiO1:1npIi~Zt;2€1a
do desenrolar dos acontecimentos abre as portas da inteligé:
cia a possibilidade historica. Viver apenas o presente tende
a reproduzir a condigao atual — com todas as suas mazelas
— pela ausoncia de sujeitos interessados em tentar fazer as
coisas de outra forma.
Mas nao podemos ter a ilusao de que o ensino de historia
dara conta de tudo isso. Sua verdadeira dimensao nao é nem a
demiurgia social nem a inutilidade, mas um espaco de dialogo
e possibilidade.-Nao‘ Compete-ao-trabalho-da---historiapa esco-
la formar a"conscién'oial historica dos alunos - eles ja chegain
com suas consciéncias formadas em seus tragos fundamentflis
—,‘%'mas possibilitar o debate, a negociacao e a abertura para a
amp‘Iiag:ao..e comple;;ifi_cpacao das fonnas de atribuir sentido
ao tempo que os alunos trazem com eles. .
” e' doar
Nao é demais insistir que conscientizar nao _M_,, {_0_L1_.E1“
am
P01")l56 'mmtm£‘am'tt§iocesso. d¢ -<11 O
go en_tre_ 3 ' 7 tas de geragao de sentido para 0 temfcé
” dialogica, po demos avancar um Po
Dentro dessa cond' ao

§ . .fi;al';3.r A

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Ensino de hlstorla e conscléncla historlm
1 1'1

mais na especificidade da aprendizagem historica. A h i3[();-13


na 353013 acumula a fungao de colaborar para que os sentidns
das narrativas — 11° Passado 6 no Presentfi Sejam estabelcci-
dos ¢ discutidos.
E o que fazer com esses sentidos? Da mesma forma que nao
basta conhecer letras, silabas e palavras para ter letramento
gm relacao aos codigos linguisticos (ou seja, sair da condicao
de analfabeto funcional), saber historia nao basta para que
esse conhecimento seja util a vida dos aprendizes. A utilida-
de da historia se da pela consciéncia de como os acontecimen- =11’
tos que narramos ganham sentido, e de como o conhecimento
deles nos ajuda a nos orientar no tempo, articulando as nos-
sas decisoes com nossa experiéncia pessoal ou aprendida dos
livros sobre o passad e por fim com as nossas expectativas
individuais e colet% De uma forma nova, critica e com-
plexa, a historia tem condicoes de reassumir a condigao de
mestra da vida. Se o ensino de historia nao leva a isso, nao se
completou o processo educativo de letramento historico, ou
seja, o conhecimento nao voltou a vida pratica.
Com base na obra de Thomas Kuhn e na ideia de paradigma
cientifico, Riisen propoe uma matriz disciplinar para a histo-
Ylfl que seja capaz de contemplar a articulacao efetiva entre o
conhecimento e a acao, entre a ciéncia especializada e o uso
cotidiano da historia pelas pessoas. A historia, nas sociedades
§°‘:Ee;nP0taneas, existe porque algumas pessoas, due VIVBITI
cotidiana de todo mundo, tornam-se histonadoras em
shzltfgpbalho. Esse nexo e, fundamental, P015- _a Conficuinci
-~ '
no Confa faz com que a or1enta<;a~o temP°ra1 fela um enfillg é
que perllltl a todos.AA metodlaaqfio desse fenomeno cgrglé (ou
H50 devmlte a exlstencla da historla, que, P°m",1t_o' n , am
¢I'1a ser tratada como) um assunto esoterico, S0 P

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FGV de Bolso
1 1s

iniciados, mesmo porque seus mecamsmos epsenciais S50 de


amplo uso comum. Se e assim, _uma~ consequencia imediata é
que historia se discute, nao se lmpoe como saber do eSpeCia_
lista, como ”discurso competente de hlstoriador. Decorrem
dessa concepgao da matriz disciplinar da historia, portanto
as bases para uma perspectiva dialogica no ensino de 11181611;
e nas acoes de vulgarizag:ao9 cientifica.
Segundo Rusen, a relagao entre a disciplina cientifica da
historia e a vida pratica e intrinseca, e ocorre“ségun‘do*"um-__
ciclo de demandas e respostas que atravessam os campos dd
vida pratica e da ciéncia especializada. As caréncias de orien_
taoao da pratica humana no tempo compoem o fundamento do
matriz disciplinar da historia; sao, assim, seu primeiro fatdr
constituinte. Essas caroncias articulam-se na forma de interes-
se cognitivo pelo passado, na construcao de respostas aceita-
veis para as questoes identitarias fundamentais, como “quem
somos nos", ”qual a origem do nosso grupo", “quem sao os
‘outros’ que nao partilham de nossa identidade". Essas carou-
cias se transformam em interesses precisos no conhecimento
historico, em reflexao especifica sobre o passado e trabalho
para conheco-lo o suficiente para suprir tais interesses. Essa
reflexao, entretanto, nao ocorre sem determinados critérios de
sentido, que sao requeridos para a orientacao no tempo. Inte-
resses e ideias sao fundamentos de todo pensamento histori-
co, mas nao bastam para constituir a especificidade cientifica
dele: sem as fontes nao se pode reconstituir um passado que

9
O termo n vulganzacao"
. .., -
sofre a influéncia de toda uma carga dc preconceito ' 1.
S0§l1a1l;lP;5
Ongem anstocratica do termo "vulgar" usada ara distin uir a nobreza da plebe. V ,3
acumulou 0 sentido de algo de mau gosto baixo Pinferior mgs na verdade aPe1am°s aqw para
o sent1do
-
estnto
.
da palavra, ou seja, algoI referente
r
ao povo,
I
a r multidao. '

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Ensino de historia e conscléncla historlca \ 1,,

ma sentido como historia, e é quando se fazem efetivos na ex-


periéncia concreta do passado que possibihtam a base de “his-
téria" ¢omo conhecimento cientifico. Na matriz disciplinar de
Riisen, esse é o fator métodos, ou seja, as regras que orientam a
pesqujga empirica e clue permitem que a producao do conhe-
dmento nao seja arb1trar1a ou moldada impunemente, exclu-
sivamente de acordo com os interesses e ideias (embora estes
oontinuem presentes no resultado de toda essa operacao).
0 quarto fator dos fundamentos da ciéncia da historia nos
poi-mite vislumbrar mais claramente o papel do ensino (com-
preendido como o trabalho da disciplina escolar, mas tam-
bém como todo o conjunto de praticas, espacos, materiais e
midias que envolvem o conhecimento historico) na matriz
disciplinar da historia. Esse fator é composto pelas formas
dc apresentacao do conhecimento obtido na pesquisa empi-
rica, que tem um grau de importancia tao grande quanto o
dos métodos da pesquisa. Ao apresentar-se, o conhecimento
historico remete as caroncias de orientacao que o originaram.
Evidentemente, esse ciclo ”gira" diversas vezes, porque as
caréncias se modificam o tempo todo, e um dos fatores dessas
mudancas nas caréncias de orientacao é o proprio acumulo de
Conhecimentos que atendeu a caroncias anteriores.
_Ql1ando tomamos a matriz disciplinar da historia em con-
Slderacao, nao so fica facil explicar qual pode ser o resultado
Pratico de seu ensino na vida dos alunos, como fica dificil
C°mPF¢ender que uma disciplina tao fundamental nao tenha
P010 menos a mesma dimensao, no curriculo escolar, de disci-
phflas instrumentais, como a lingua materna e a matematica
gem dg fleliflearmos melhor a inconformidade com a falta de
Pa§° 6 mteresse nos estudos sobre ensino de historia den-
tro dfi Inuit . . , .
05 departamentos un1vers1tar1os voltados a 6880

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FGV de Bolso
120

campo do conhecimento). A d1sc1pl1na de historia na escola ,


socialmente planejada (como elemento de um conjunto de coe
nhecimentos e atitudes que as geracoes precedentes e a atual
pretendem transmitir a gpracao em formacao) para imerferir
positivamente na formacao da consciencia historica, a qual
esta intimamente relacionada a questao dos valores e dos mO_
delos de acao. A conscioncia historica é pré—requisito que faz
a mediacao entre a moral, a nossa agao, nossa personalidade e
nossas orientacoes valorativas (Rusen, 1992).
/lmvoltamos a insistir que, diferentemente do que se imagina
~ no senso comum, influenciado por séculos de uma visao his-
~. _-_._

torica tradicional, limitada e conservadora, a historia nao é


1’.
o estudo do passado, nem como cioncia nem como ensino. A
d historia é um nexo significativo entre passado, presente e fu-
turo, nao apenas uma perspectiva do que aconteceu, nao ole-
\. ’ vantamento do que "realmente aconteceu". Conforme Riisen,
.\\__
. esse nexo envolve a producao dos posicionamentos morais:
-I»w.1-wan-=-._>.2-

’r____,,/
[a historia] é uma traducao do passado ao presente, uma inter-
pretacao da realidade passada via uma concepgao da mudanca
temporal que abarca o passado, o presente e a expectativa de
acontecimentos futuros. Essa concepcao amolda os valores mo-
rais a um ”corpo temporal" (por exemplo, o corpo da validade
continua de um antigo tratado); a historia reveste os valores
de experiéncia temporal. A consciéncia historica transforma os
valores morais em totalidade temporais: tradicoes, conceitos d6
desenvolvimento ou outras formas de compreensao do tempo-
Os valores e as experiéncias estao mediatizados e sintetizad0$
em tais concepcoes de mudanca temporal. A consciénC1f1
historica amalgama ”ser" e ”dever" em uma narrativa sigI11'
ficante que refere acontecimentos passados com 0 Objetivo dc

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Ensino do historia e consciéncia historiq
121

.
hm-r ~ '
mtellgivel o p resent
I e , e confenr
' uma perspectwa
. futura
A C55,; ,1tlVld8dC atua . Dpsta forma, a consciéncia historica faz
mm oontnbuigao essenual a consc1enc1a ética mor3]_
(Rilsen. 199229)“)

A aprendizagem escolar da historia é, sobretudo, apron-


dmgem da identidade coletiva mais ampla; dai o apelo - 3
domanda constante que atravessa os séculos — ao ensino da
historia para a formacao do cidadao, que é a identidade po-
litica central da modernidade, na qual as relacoes entre ()5
diferentes sao organizadas com base nos Estados nacionais.
Por mais que questionemos, na atualidade, a educacao civica
do passado, a pedagogia da nacao através de uma pedagogia
da passividade e da obediéncia, e outros usos do conheci-
mento historico para controle e nao para emancipagao social,
nao se pode fugir a necessidade de educacao civica, porque
sem ela nao ha Estado. Isso independe do nome que dermos a
ela (como, por exemplo, ”formagao para a cidadania", tao em
voga atualmente).
Identidade e cidadania sao, hoje multidimensionais. Pato-
res como etnia, género, opcao sexual, religiao e regionalismo
interferem fortemente na constituicao da identidade dos in-
dividuos e alternam-se, juntamente com a identidade politica
011 cidadania, no topo da hierarquia variavel de pertencimen-
tos que caracterizam o sujeito pos-moderno. Nesse sentido,
0 ensino de historia hoje esta colocado diante do desafiodfi
trabalhar as identidades para além de seu Obj6tlVO'lI11Cl3l,
q"¢ era a formacao da cidadania, objetivo este tambem con-
tr°"@I‘$0 desde o inicio, visto que a concepgao de cidadama
n5° é Cvnsensual.
F
Tradu€50 nos$a_

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122 FGV de Bolso [or_k6A\.é,_ t -

1*‘ \/. ,,-rv _"


__ ;»fi'/‘ I -K./\\I‘

Pode-se dizer, considerando a per pectiva da didética d


- I - ' , A a,
historia — que se renova com o conce o de consciencia histori
ca —, que valor educativo principal a historia é a formaggd da
competencia
A C

narra
'
t1 va , q ue se sub 1v1de
//g
I Q ' 1 -

Onas .

. . I. , _ C m
A primeira catego 1a da 0 petfinciamnarrativ
. p Com e_
wténcia __de_,e.z¢pte1:ié.n_C.i.Q,-que se refere a aprender a olhar o pas_ I

5550' e resgatar sua quahdade temporal, d1ferenc1ando-o do %


presente e do futuro. Identificar o passado como tal, e sem .1
4
|

"1

tir que é possivel conheco-lo melhor, integrando essa refl¢_ -.\

xao a propria vida de modo significativo é o que define essa


competéncia. Progressivamente, o su]e1to val entendendo e
incorporando a dimensao, a profundidade e a extensao do
passado, sua especificidade, nossa incapacidade de muda-lo,
mas a possibilidade de mterpreta-lo e narra-lo de
l outras
d for-
mas. Essa competéncia é central, porque sem e a ten e-se a
ima8 inar o tempo como uma continuidade 1nfin1ta do presen-
te. Com isso, a conscioncia historica do sujeito acaba apare- 1.@4I’.-1%
x»._.1.4n;‘.41-\.;c‘.a -r.

lhada com nocao minima da historicidade do proprio tempo.


.1v
Embora nao seja possivel imaginar, na pratica, um tipo ideal i

de uma consciéncia de historia desprovida completamente 1


5
1

da consideracao efetiva do passado (porque 0 conhecimento


' d 3
do passado é inevitavel), pode-se constatar, na atualida e,
um comportamento cujas acoes " desenvolvem-se como se nao ~.

houvesse passa d o ou futuro .


I

1
A segunda subdiV§S§0--da-c‘orrip'e"t“oHEia‘n tiva é chama-
da por Riisencfle 'C0mpe;§mim@-\ C0I1$i5t@ 113 A
i
1
caP acidade de desenvolverl ed aprimorar constantemente
. . ~ urfilfl6
s
”filosofia da historia", uma concepgao e uma atribuicapi _
significado ao todo temporal. Em outras palavras, e a d6 I1}
930 C16 um sistema - grupal, mas com fortes toques P6550315
sentido
— de significacoes através do qual o sujeito perceba 0
4.

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Ensino de historia e consciéncia historica
123

(ou do
tos OS Sentidos)
passado. da
Porh1st0.na'
mais que,de modo a Poder
na escola, lulgar os
evitemos even-
fornecer
Sentidgs fechados sobre os processos historicos, é isso o que
as pessoas procuram ao buscar o conhecimento historico, e é
isso 0 que tendem a construir com base nele. Tal fato so seré
um problema se esses sistemas de significacao do tempo fo-
{om completamente fechados a mudancas, reavaliagoes e cri-
tigas, de forma que a competéncia de interpretacao acabara
dogmatica e inflexivel, sem utilidade para o desenvolvimento
do pessoa e da sociedade.
p mativa om et ' é composta também pela
éncia de 01*ientagd0._’_, ssa competéncia também poderia
’" ' to historico”, em uma comparacao
com a ideia de letramento para a lingua nacional e o concei-
to de alfabetismo funcional: nao basta dominar a leitura e
a escrita; é preciso conseguir usar essas competéncias para
entender as instrucoes de um manual ou deixar um bilhete
compreensivel para alguém. Nao basta conhecer fatos e pro-
cessos bistoricos; é preciso ter capacidade de interpretar 0
tempo e usar esse conhecimento para a propria vida, agindo
em conformidade com os proprios principios e objetivos.
A competéncia de orientacao consiste na capacidade de
lltililar os conhecimentos e analises historicas adquiridos 6
Prgallizados para estabelecer um curso de acao pessoal, o que
lnclui tanto um projeto pessoal de futuro quanto o enga]a-
ment0 consciente em projetos coletivos, ou até mesmoa com-
pleta Ilegagao dos mesmos. Nesse sentido, de nada &d13I1t2l~O
alum aprender tudo sobre a Guerra Mundial enquanto na‘)
consegufi aprender ou aplicar nada do que aPrendeu Pafa
entender
I Por que o seu bairro r sua familia ou ele m6SII1° sao
vlfimfls de fenomenos como o desemPre80 estrutllfalr a dis“

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4 FGV de Bolso
12

criminaoao ou o alcoolismo, e o one e possivel fazer quanto


isso. A historia, que afinal deveria fornecer reflexoes e res a
tas elaboradas — ainda que provisorias — sobre a hiStoriCi§0s_
desses temas cruciais para a vida do aluno, incluindmosade
grandes quadros que permitem entender seus fundamentim
vinculacoes e consequéncias, acaba por oferecer somente reg,
postas mais ou menos sofisticadas sobre Napoleao Bonapart_
ou sobre os combates das guerras do século XX. Embora esse?
temas sejam importantes, nao devem suplantar a necessidade
de compreender o mundo imediato do aluno (Rusen, 1992)_
Fica claro entao que 0 conceito de consciéncia historica exi_
ge uma revisao dos conteudos e da programacao do ensino
de historia. Uma tabua de conteudos que é homogénea para
todas as cidades, estados e para o pais ignora as caréncias do
orientacao temporal que podem ser distintas em cada esco-
la ou sala de aula e, portanto, nao considera o conceito de
consciéncia historica e suas implicacoes para os curriculos e
praticas educativas.

Consciéncia historica e o problema dos conteudos

As discussoes sobre o papel da historia ensinada a partir


dos conceitos de consciéncia historica e competéncia narra-
tiva estao intimamente relacionadas ao debate sobre o que
estudar em historia, quais conteudos, que é um dos debates
centrais quanto aos curriculos escolares. Como argumenta-
mos acima, o ponto de partida para o estudo disciplinar dfl
historia é a experiéncia vivida, de modo que uma coisa na0
seja o oposto (e o adversario) da outra. E enganoso, todavlflt
o es-
pensar que a historia ensinada pode reduzir-se apenafig
tudo dos fatores imediatos que formam o cotidiano am

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Ensino de historia e consciéncia historica
125

no, embora 1sso se]a absolutamenteIindispensavel para a sua


emanoipacao. O concurso dos conteudos "d1stantes", num Se_
gundo momento, nao pode ser dispensado, para que a fungio
educativo da historia possa ser devidamente cumprida. Sem
esses temas, perdem-se no horizonte as ideias centrais de 31-
teridade e diversldade, e sem eles nao é possivel a critica de
nossa propria sociedade, e a ideia de utopia, que so oonstréi
sobre 0 nao presente, o nao cotidiano, e que é importanto no
definigao de cursos de acao e projetos, sobretudo os projetos
coletivos.
As reformas educacionais que foram implantadas com dife-
rentes ritmos e intensidades nos paises da América do Sul nos
anos 1990 eram portadoras de varios problemas e itens discu-
tiveis. No Brasil essas propostas, com forte influéncia de edu-
cadores espanhois, estiveram na base dos parametros curricu-
lares nacionais, que de certa forma equivalem aos contenidos
bdsicos comunes da Argentina.“ Um dos problemas centrais
das propostas de temas transversais e conteudos procedimen-
tais, por exemplo, é o argumento, de tom liberal ou neoliberal,
de que 0 povo precisa de uma educacao para o trabalho, pa1;a.»..
a resolugao dos seus problemas imediatos, principalmente./A
questao é que, efetivamente, nem para a formacao do C1Clad1‘0~
para suas tarefas imediatas nos podemos dispensar o conheci-
mento do distante e do ”exotico", uma vez que a cidadanla S0
Compoe seus elementos fundamentais a partir de conhecimen-
I08 sobre as formas de V §§§9 P°VQS.dl§e@1?l-
t9§_“-llifiiflntes. no rtempo 6 110 ¢$P-a-9°---bem ‘pm . Sahel?
Sci)? ter sido’ daqL1llO (1116 fO1. Sfiglflll O

f
l do
/ ‘
J‘
1
.‘

T pp u \. _-,-1. d h.stéria ver

Para . ‘ "~--..- .-.,--"' . o do ensin0 6 1 ’


Am‘ uma Per$P¢¢t1va sobre essa reforma na Argentina no CfiI11P
ezola (2008:109 e segs.).

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FGV de Bolso
126 I

pamce. Camvez,
- ' '
no lnstlgacriite 1'1:r0 Educfzrg 0 czdada0?,
' ~ ha, uma
cultura de conhecimento 0 ou ro qne e undamental para
eonhecimento de si mesmo e 0 exerclcio da itolerangial que SE
adquire em grande parte com 0 saber h1stor1c0.
A contribuigéio da historia na escola nao é so a Comp;-eensao
da propria realidade e a formagfio da identidade, mas tam_
bém a concepgfio e compreensfio da diferenga, da alteridade
— tanto para ensinar a convivéncia nas sociedades que ho]-e
sao, na maioria, multiculturais, quanto para ensinar a julgar
0 proprio sistema politico e social em que se vive (sem ou_
tros pontos de visjca além daquele que eu vivo nao ha critica
efetiva possivel). E dentro desse raciocinio que pode ser lida
como oportuna a lei que institui a obrigatoriedade do estudo
da historia e cultura afro-brasileira, mesmo em comunidades
— como é comum no Parana — compostas na sua maior parte
p por descendentes de holandeses, poloneses, ucranianos e ale-
\m5es: para evimr*um fiea'doermndo‘-e para
prevenirlo comportamento excludente, considerando que a
modfernpidzagfio -tende a oolofiéiripidamente em convivio mul-
tifiiltural ageomunidades. D0 mesmo modo, 0 es-
Ffdoldagwculturas indigenas na Argentina é importante, mes-
/
mo que essas populagoes sejam hoje tao pouco expressivas
~ ~

em termos de composigfio populacional.


Por outro lado, 0 ensino da diferenga é fundamental na pré-
pria elaboragao de uma perspectiva do passado que considere
0 que nao aconteceu, os projetos dos vencidos, uma historia
das ideias de mundo: para que nao se ensine e nao se apr¢I}¢l_a
que o presente, tal como 0 conhecemos, era a {mica poss1b1-
lidade, com 0 que acabamos organizando 0 conhecimenw fl‘)
Passado em fungfio do presente (objetivo cognitivo). Tamlifm
Para que percebamos que a realidade nao é una, 6 que 6' 1s-

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Ensino de hlstérla e consciéncia hlstéri
ca
127

térica, P ortanto modificavel


_ ' de P ende nte da acfio humana e
que vale a pena agir na esfera coletiva I q ueb ran d 0 0 principal
auto de fe n€01ibe1'a1' que» e 3 fl§1&0 individualista
. , ' salvadora d e
Si mesmo. Para que alguern possa agir, e preciso uma perspe¢_
tiva de futuro, uma u~t0p1a no melhor sentido.
Além dessa extensao dos estudos
_ histéricos ao futuro (ou
OS futuros do paSSad0, 011, ainda, os futuros do presente), a
inwrporacfio do conceito de consciencia historica reforga a
exigéncia de que o ensino dé conta também do presente, do
qual um dos formatos é a historia recente ou historia do tem-
po presente. Sobre isso, o historiador argentino Gonzalo de
Amézola traca um quadro que vale também para o Brasil:
Embora esses contefidos [de historia recente] nao estivessem to-
talmente ausentes do ensino, restringiam-se a pouco mais que
sobrevoar rapidamente alguns poucos acontecimentos das 1'11-
timas décadas de nosso passado e, a medida que se comegava a
chegar muito perto do presente, limitava-se ao racconto, a uma
enumeracéio asséptica de presidentes. Por outro lado, o fato de
que estes temas estivessem posicionados no final do ano facili-
tava as manobras de desvio e permitia que na maior parte das
vezes nem sequer estes propositos modestos se cumprissem.
Normalmente, em novembro tocava 0 gongo do 1'1ltim0 T011114 <10
ciclo letivo sem que a historia recente tivesse tocado as luvas
Com os alunos. O passado proximo tende a ser incomodo e, se
P°$$iV@l, é prudente desviar-se dele.
(Amézola, 1999:137, rradlwiv nossa)
Considerar que a consciencia historica s e forma também
por um Superavit de intencionalidade presente em todasnao
as
deciso es e a “ ' 0 como consl'derar que
goes pode ser entendid d Se ra _
ha11€mh'1stor1a
' ' nem consciencia
'* ' h'toricasemuH1-1
1S °

F-

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128 FGV de Bolso

zoavel de utopia. O conhecimento da diferenca


. _ _ esp aCia_]'
cultural, temporal — educa nossa mente para lma 1
teridade e aplica-la a nos mesmos. Como argumeitlgar a al_
inicio deste livro, a criacfio na historia nao acontecgnos no
tir do nada, do vazio, mas das pegas que temos 51 maa Par_
combinar diferentemente e imaginar os projetos colet-0 Para
futuro e as ”comunidades de destino". W08 de
~

\
\
\n
4.

/.\ \
ue , em suma, o conceito de consciencia historica dferec 6
I ' \
/
I
para o ensino da historia? Em primeiro lugar, afasta-s¢ uma
Visao voluntarista e messianica que, sob diferentes forma§,\
proponha a ”conscientizag5o historica" dos “sem-conscién-r
cia" porque, como argumentamos, isso nao existe: como to-\‘\
d
dos navegam por su as vidas conduzidos pela correnteza 0 \
tempo, todos tém que definir instrumentos e projetos para
navega-lo, e esse procedimento basico de Viver é a consci-
encia historica em agfio. Se pensamos em como o conceito dc-:1,
consciencia historica influi sobre os objetivos educacionaispo
conceito de competéncia narrativa é muito mais importante.
O objetivo da educagfio historica nao é formar a consciencia
historica, no sentido de pressupor que ela nao existeno edu-
'’
cando, para poder cria-la. Tam bém nao é fazer corn-qufiI todos
_ H
\‘"-"che " ’ " ” nsciéncia historica genetlcfll
\ 8 uem" ao n1vel da co ~ >9
9 - 9 dos tip0S <16 86'
” ”
pbrqie as pessoas nao sao o u estao em-‘H111
M,
M I‘
"k "w.‘\ ‘J 1,1-
__/'
-.._,_‘___

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Palavras finais

_ , .
~ d 6 sentido h1stor1co. Uma de 3 era g ao de. sentlrO_
ragao - f°1"ma te nas narrativas
~ p‘do
dominante ou mais frequen . , . 1.
pode ser Pre N0 caso de professores de historia, P0
duzidas por um grup0.f rma genétical que articula as demais.
@XemPl0’ predommd' a 0 0 modo critico e o eX€mP1a1'r sendo
Seguem-se, pela or ¢t_
m 'amente nao é V61-ificado. Entretanto,
O 9 C ~ '
que ° tradlclonal Pm 1 . - a 50 na construgao <16 Sentldos
f t reli ioso e sua Parnclp 9 ' d Caroline Pa-
0 a or g t evistados 113 Pesqulsa e
Para a malona dos ell r da ossivel Permanéncla de um
cievitch sao um indicador . Phistérica que é a fé em 818°
. . ciéncia ' '5-
fator tradlclonal da Onsf Ancia desse transcendente na hi
transcendente, 6 na Inter 'ere ue pensemos de outra forma is
, . ~
toria. Essa c0nstata§aO exlg e 31¢ a tradi<;5o tem Sell eSPa9° rso-
.
P€I'Sp€Ct1VElS - '
que lmagmam q . . .
nos gu]e1toS Com ac es .
duzido. ou anula d 0 11 a II10d€I‘I‘11d€1de dernidade.
6 011' Como h1-
t . . ais dessa H10 , derna em
as conquls tas intelectu da e1‘$P€C1IlV&
- po S-m0 _1o,, em
Pétese, trata-se exatamente ago para o "isso e flqul
_ . n
que 0 "1sso ou aqu110 Perde esp

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FGV de Bolso
130

novas configuracoes -que nao excluem elementos tradiciona'


de pensamentos, ob_]et1vos epraxis modernas. () que paras
ce especifico desse tipo de sujeito (proiessores graduados e _
historia), a confirmar atraves de pesquisas em outros Contei
tos regionais e culturais, é a configuracao de conhecimento
historico, motivacoes transcendentais e utopias politicas na
articulacao das interpretacoes do tempo e elaboragéiq de agfies
na vida pratica.
No quadro atual, com o que sabemos a partir das pesquisag
empiricas que estao apenas em seu inicio, ensinar historia
considerando a consciencia historica é desenvolver ativi_
dades que permitam que o educando conheca historia - de
preferéncia a historia que, de forma mais aproximada, seja
sua historia — ao mesmo tempo que conhece diferentes for-
mas pelas quais se lhe atribuiu significado. O famoso bordao
de que ”o aluno deve produzir conhecimento historico” nao
conduz (embora também nao impeca) a que ele tenha que fa-
zer pesquisa historica parecida com a convencional, mas in-
dica muito mais que ele pode construir interpretacoes passi-
veis de serem usadas para a sua propria historia, que envolve
seu passado, presente e futuro. Com interpretagao propria (0
que nao quer dizer exclusiva, mas consciente e informada-
mente assumida) da historia, ele tem condicoes de ser sujeitfl
autonomo. O uso dos modos de geragao de sentido historlj
co dependera das situacoes e contextos em que se insere, J3
que algo que é tradicional ou critico em um contexto Pflge
nao 0 ser em outro. Os quatro modos de gera§50 de Senndfi
historico sao ainda uma ferramenta heuristica para 0 est“ S
empirico da consciencia historica, e a admissao (105 m§5f_€O
em forma de uma escala obrigatoria que constitua Ob]? lug
de ensino é algo muito arriscado. O que podemos dlzer 6 q

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Ensino de historia e consciéncia histéri
ca 131

a edu(;3(;§O historica escolar, se realizada com sucesso d


- - I €Ve
fornecer os elementos cognitivos para que o sujeito possa
reduzir sentido hlstorico de todas as formas, sem ficar
E0 an modo tradicional ouexemplar. Isso nao significa ate
devamos conformar consciencias para que produzam sen-
tido predommantemente dentro de um ou outro modo. O
sujeito 'e.d0110 do Saber quando produz narrativas criticas
Q11 genet1ca.s,.e quando produz narrativas exemplares, on
mesmo tradicionais, ao atribuir sentido aos acontecimentos
e processos. A0 vislumbrar as possibilidades dos modos cri-
tico e genético, sabera que suas producoes de sentido sao
passiveis de discussfio e precisam sustentar-se no argumen-
to, ainda que este venha a ser o argumento da tolerancia com
aquilo que nao se sustenta no pensamento racional, mas que
produz vida, dignidade e felicidade. Ainda que o argumento
seja indicar os limites da racionalidade instrumental, tecno-
légica e cartesiana; ainda que se trate de apontar que a razao
produz, tantas vezes, um mundo irracional.
Formar o cidadfio em nossos tempos, 0 que envolve forma-
gao do senso critico e da reflexao autonoma, exige compre-
ender que 0 professor de historia (assim como os professores
em geral) é um intelectual. Essa afirmativa vem a ser, a um
so tempo, uma constatacao e um programa. O pr0f6SS01‘ da
escola trabalha com uma forma de conhecimento que 0 pr0-
fessor universitario de historia, o historiador ”em senso es:
t1"it0", na maior parte das vezes nao domina. Esse dominioe
fieu salvo-conduto para um dialogo horizontal com os demals
llltelectuais, desde que despidos do preconceito e das h16I‘?iI;
q“iZa§5¢S que as divisoes sociais do trabalho trouxeram,
f0rdis 1110, do taylorismo,
' no qual un1versitari0S
_ 6 Owpantes
d Caqfio
de Cargos Publicos no ministério ou secretarias d6 6 u

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FGV de Bolso
132

seriam engenheiros, e o professor seria apenas um Operério


executor. Esse esquema nunca funcionou com a educagaoi
Por fim, entao, um dos efeitos mais importantes do conceito
de consciencia historica é recolocar o papel do professor de
historia. De um operario do saber historico, ele passa a poder
ser considerado o mediador privilegiado entre as contribui_
goes da ciéncia historica e as diversas conformacoes da cong_
ciéncia historica dos alunos e comunidades em que se ingere
devido ao seu trabalho. Essa historia esta apenas comecando,

>{‘i-i i’-.v| .1 _ 9 1, p

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