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1 - Esse texto é uma versão preliminar do artigo publicado numa coletânea de trabalhos,
organizada pelo Grupo de Trabalho Psicanálise, Política e Cultura, da ANPEPP (Associação
Nacional de Pós-Graduação em Psicologia, do qual sou membro e já fui coordenador). Eis a
referência completa do artigo: ROCHA, G.M. Representabilidade e processos miméticos no
inconsciente freudiano: aspectos estéticos e éticos. In: Ana Carolina Lo Bianco; Simone Moschen;
Maria Cristina Poli. (Orgs.). Psicanálise, Política, Cultura. 1ed.Campinas: Mercado das Letras,
2014, v. , p. 73-82.
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Jacques Rancière, em Le destin des images, interroga de forma
contundente o freqüente recurso que a filosofia contemporânea endereça à
noção de ″irrepresentável″, num esforço de discernir ainda se tal noção seria
mesmo dotada de uma ″figura conceitual específica″ [RANCIÈRE: 2003, p. 125].
Para esse autor, uma das conseqüências filosóficas atuais decorrentes das
releituras do empreendimento kantiano acerca do sublime seria – no
pensamento estético, sobretudo, mas não só nele – uma espécie de ″uso
inflacionista″ da idéia de irrepresentável, assim como de alguns de seus
correlatos. No limite, a crítica de Rancière, que se desenvolve a partir de um
contraponto e de objeções ao sublime lyotardiano, é também dotada de motivos
que flertam com a psicanálise.
Rancière vai afirmar que, usualmente, o irrepresentável é assimilado à
″ausência de uma forma de apresentação sensível adequada à idéia″ ou ainda à
″ausência de um esquema de inteligibilidade à altura da potência sensível da
coisa″ [IBID, p. 126]. O sublime, com efeito, é o locus de expressão de um
desacordo entre o que afeta e o que desse afeto é ordenável na esfera do
pensamento. Ou, como prefere o filósofo, o sublime fornece ainda evidências da
enigmática inscrição de um ″traço do irrepresentável″. Mas se atestada a
inexistência de um signo sensível dotado da capacidade de expressar a
incomensurabilidade da razão e da liberdade ou, no vetor contrário, da ausência
de um ordenamento simbólico apto a formatar a multiplicidade dos apelos do
sensível, a questão ali apontada refere-se, todavia, à explicitação de uma
″impossibilidade interna da representação″ [IBID, p. 127]. E é essa atmosfera
filosófica que Rancière julga discutível, a que atesta o ocaso da representação
como conseqüência inevitável da herança conceitual do sublime, e que privilegia
o conceito de ″irrepresentável″ como pivô ou condição de possibilidade de
soerguimento de um pensamento estético e de uma filosofia da arte. Numa feliz
expressão, Lacoue-Labarthe é quem resume o impacto filosófico do sublime,
quando afirma que ″o sublime abisma (abîme) o estético″ [LACOUE-LABARTHE:
1988, p. 115]. Eis, contudo, onde uma interessante discussão pode ser
empreendida, na esteira dessa suposta deposição abismal dos protocolos da
representação. Ver-se-á, não menos, qual parecer ser a posição de Freud a
respeito.
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Rancière fia-se na idéia de que o irrepresentável acaba por ser
hipostasiado no discurso estético, como aquilo que designa algo que não é
dotado de ″conteúdo determinado″ ou, ainda mais explicitamente, como o
conceito que exprime a ″ausência de uma relação estável entre mostração e
significação″ [RANCIÈRE: Op. Cit., p. 152]. Tal instabilidade é sustentada,
conforme se observou, a partir das evidências dos limites de apreensão
discursiva de uma experiência, e, sobretudo, pela ″excepcionalidade″ de um ″tipo
especial de objeto″ que colocaria em ruína as condições de sua
representabilidade [IBID, p. 153]. Eis, portanto, na inscrição do traço
irrepresentável desse objeto, o advento daquilo que Lacoue-Labarthe designa,
correlatamente ao sublime, como um ″pensamento do excesso″, do
″transbordamento″, ou da ″outra-beleza″ [LACOUE-LABARTHE: 1988, p. 116].
Mesmo que tais predicados, sobretudo os primeiros, caracterizem
frequentemente o recurso ao irrepresentável, menos então como um conceito
heurístico, deduzido de um procedimento rigoroso de análise das relações em
jogo na experiência do sublime, e mais, como sugere Rancière, como operador ad
hoc de uma certa paralisação do tratamento epistêmico do assunto. Seria então, e
mesmo assim, o apelo ao irrepresentável efetivamente a via régia para o
tratamento conceitual da flagrante instabilidade, denunciada pelo sublime, entre
esses dois níveis da realidade humana?
Num dos momentos emblemáticos de irrupção da questão no pensamento
freudiano, que se dá ao longo do exame do sentimento oceânico, o apelo ao
irrepresentável se faz solidário do reconhecimento da complexidade expressiva
do inconsciente. A importância capital ali concedida à alegoria de Roma 2 poderia
ser aqui retomada nos termos sugeridos por Rancière, ou seja, como forma
exemplar de um regime de acordo entre ″poiesis e aisthesis″, ou de um esforço
de ″regulagem″ entre o que se concebe e aquilo que se enuncia ou se encena
[RANCIÈRE: Op. Cit., p. 112].
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Designamos aqui como “alegoria de Roma” um recurso expositivo que Freud mobiliza, no primeiro
capítulo do Mal-estar na cultura, com a finalidade de apresentar ao caráter liminarmente irrepresentável
dos processos inconscientes. Ali ele cria uma alegoria em que a capital italiana é comparada a um “ser
psíquico” no qual “ao lado da última fase de desenvolvimento, subsistem ainda todas as fases
anteriores” [FREUD: 1987 (1930), p. 255]. Noutro lugar, buscamos explorar mais detidamente os
desdobramentos dessa alegoria para os horizontes ético e, sobretudo, estético do pensamento freudiano.
Cf. ROCHA, G. M. O estético e o ético na psicanálise: Freud, o sublime e a sublimação. Tese de
Doutorado. Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo: 2010.
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Com efeito, tal aproximação pressupõe considerar o mais paradigmático
esforço de regulagem entre mostração e significação tematizado pela
metapsicologia freudiana, qual seja, o sonho. Talvez, não por acaso a alegoria de
Roma é manifestamente assemelhada a uma paisagem onírica, cuja inaudita
figurabilidade é aquela na qual Freud aponta um extravasamento dos processos
miméticos e arranjos peculiares de alcançar pela imagem a expressão de cadeias
complexas e sobredeterminadas de pensamentos recalcados, e que resulta, não
raro, em cenas incompreensíveis, absurdas e paradoxais, cujo sentido somente a
interpretação psicanalítica estaria apta a revelar. O sonho, esse paradigma da
invenção freudiana e pivô de sua veneração pela estética surrealista, é aquilo que
consiste, segundo uma tese da Interpretação dos sonhos, numa ″coisa pictórica″,
ou numa ″coisa passível de ser representada″ [FREUD: 1987 (1900), p. 323].
Resultado das operações dos processos primários no inconsciente –
deslocamento, condensação e consideração à figurabilidade – o sonho é um
fenômeno da atividade anímica que descortina os meandros de sua
potencialidade expressiva, assim como os limites de sua aptidão representativa.
Em sua obra capital sobre o assunto, Freud insiste na tese de que o
rebaixamento da atenção psíquica instaurada na fronteira entre o inconsciente e
o pré-consciente, que se dá durante o estado de sono, parece ter como correlato
um afrouxamento da censura que advém do recalcamento. Nessas condições, os
conteúdos recalcados podem aflorar e manifestarem-se sob a forma do sonho.
Por um lado, tal afrouxamento parece depender substancialmente das alterações
fisiológicas do sono e do relaxamento geral do organismo, que se traduzem numa
diminuição geral dos níveis de investimento pulsional das funções psíquicas
elementares, tais como a censura anímica. Apesar, todavia de jamais afirmá-lo
explicitamente, deduz-se da investigação freudiana a ocorrência ali de um outro
fator. A representabilidade em jogo na construção onírica por si só tem o efeito
de desarmar substancialmente a censura, ancorada em mecanismos que
fornecem ao recalcado elementos para uma expressão ″disfarçada″ de seus
apelos de satisfação. O sonho ″realiza o desejo″, afirma Freud com todas as
letras. Ele representa o desejo como efetivamente realizado. Aqui, o que se deve
destacar é justamente o disfarce, a roupagem, numa palavra, a forma encontrada
pelo procedimento onírico de liberar do recalcamento a satisfação retida dos
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apelos pulsionais. O sonho como experiência estética, na obra de Freud, não
deixa de guardar parentesco com esse aspecto do sublime kantiano, a saber, o
livre jogo do pensamento imaginante que visa fornecer, através da unidade da
forma, uma expressão para a diversidade do sensível e do pulsional.
No curso da análise dos protocolos do sonho, Freud põe em destaque os
mecanismos do deslocamento e da condensação. O primeiro deles refere-se à
aptidão de que a intensidade pulsional ligada a uma representação psíquica seja
transferida, parcial ou integralmente à outra. No sonho, tal processo se traduz,
por exemplo, no fato de que um elemento aparentemente trivial da cena onírica
seja justamente aquele que, de forma deslocada, colmata uma parcela substancial
do investimento pulsional e do enodamento dos pensamentos oníricos latentes.
Na Traumdeutung, o Sonho da table d´hôte é a representação de uma cena na qual
Freud parece estar sendo seduzido por uma moça desconhecida. Em sua
interpretação, todavia, os pensamentos oníricos latentes mais arcaicos, ligados
às lembranças de Freud com sua mãe, decorrem de um complexo associativo
desencadeado pela atenção prestada a um detalhe aparentemente trivial dessa
cena, o espinafre que era servido como refeição. Espinafre era ali o significante
para o qual havia sido deslocada a mais intensa parcela do investimento
pulsional inconsciente e, não por acaso, tornara-se um elemento discreto, quase
imperceptível na narrativa onírica, mas capital para a revelação das significações
do sonho àquele que o sonhara, o próprio Freud.
Numa de suas análises memoráveis, empreendida no capítulo IV da
Interpretação dos sonhos, Freud sonhara com o ″rosto um tanto modificado″ de
seu tio Josef, que era também o amigo R. Esse rosto estranho, ″repuxado no
sentido do comprimento″ e revestido por uma ″barba amarela especialmente
nítida″ [FREUD: 1987 (1900), p. 154] condensava numa mesma figura a
representação de variados elementos dos pensamentos oníricos. Em suas
associações, Freud é conduzido aos significantes ″tolo″ e ″criminoso″, neles
ancorando os elementos a partir dos quais o sonho superpõe à imagem
deformada do tio Josef a presença do amigo R. A barba amarela, peculiar na
lembrança desse parente controverso, revela-se ainda na crua imagem
envelhecida do amigo R. Freud confessa ao leitor reencontrá-la ainda diante do
espelho, emoldurando-lhe a face.
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Nessa mesma passagem, ele salienta que a imagem distorcida do tio Josef
que seu sonho produzira lhe fizera pensar nas ″fotografias compostas de Galton″
[IBID, p. 155]. Francis Galton (1822-1911), primo de Charles Darwin, foi
antropólogo, cartógrafo e estatístico. Em 1877, Galton é convidado pelo diretor
do sistema prisional da Grã-Bretanha a examinar uma série de fotografias de
criminosos reincidentes. Com base na tese de que o exame dos traços
fisionômicos de significativa amostragem de indivíduos reincidentes em
determinados crimes – sobretudo os envolvidos em abusos e violência sexual –
revelaria um perfil fisionômico comum. Galton pretendia realizar um
procedimento técnico que subsidiasse práticas que reduzissem os crescentes
índices de criminalidade urbana que acometiam a Inglaterra, em tempos de
revolução industrial. Seu método consistia na técnica de projeção de uma série
de retratos, um após o outro, sobre uma superfície fotográfica sensibilizada. Cada
retrato era então re-fotografado na mesma chapa, mediante a aceleração da
exposição acima do tempo normal. O resultado era a superposição progressiva,
sob um mesmo suporte, das imagens dos rostos dos detentos. Seu artífice
esperava desses ″retratos combinados″ que eles revelassem quais elementos
fisionômicos melhor caracterizariam o rosto de um criminoso. Todavia, ao
apresentar no ano seguinte o resultado de seus estudos, Galton é constrangido a
admitir o fracasso de sua empreitada: as feições individuais de cada criminoso,
quando superpostas, não se reforçavam na imagem combinada, mas, ao
contrário, desapareciam. A lembrança de Freud é precisa: tal como na montagem
onírica, a condensação cifra mais que decifra.
A estreita relação que se estabelece entre esse sonho emblemático e o
procedimento da fotografia de Galton tem seu fundamento remontado ao
processo de interpretação do sonho, em cujas associações Freud menciona o
dispositivo em questão. Se, pela vertente do conteúdo do sonho, a alusão ao
criminoso que dali se depreende é reiterada por outros elementos associativos
que concorrem para sua interpretação, do ponto de vista da figurabilidade, a
lembrança da invenção do primo de Darwin não é menos importante. Relida sob
a perspectiva que animava o procedimento de Galton, essa imagem onírica em
que se condensam três personagens distintos – Freud, o amigo R. e o tio Josef –
parece, no limite, confrontar o psicanalista com uma indagação crucial: como
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figurar a alteridade? Quais as propriedades de um signo sensível capaz de
fornecer à subjetividade contornos que apresentem toda a complexidade
identitária e pulsional de sua constituição? Como fotografar a divisão subjetiva?
de. Ao fim e ao cabo da análise do ″sonho do tio Josef″, resplandecia o desejo de
Freud de que nada pudesse atentar contra seu ″caráter impecável″ [IBID, p. 155]
e que, consequentemente, sua nomeação como Privatdozent – como professor da
Universidade de Viena – não padecesse de qualquer empecilho. Desejo cuja
revelação pressupôs, na materialidade própria da cena onírica, as máculas
morais e vicissitudes pulsionais atribuídas aos dois indivíduos cujos traços
fisionômicos haviam se misturado àqueles do próprio sonhador.
Nesse momento, Freud já se ocupava das relações entre os processos
inconscientes e suas condições de figurabilidade, ou entre a complexidade
simbólica e pulsional dos pensamentos recalcados e seus processos de expressão
no psiquismo. Pois na mesma medida em que os fundamentos do caráter
revelam-se irredutíveis às suas manifestações sensíveis, assim também a
complexidade dos arranjos ideacionais inconscientes não são, senão de forma
lacunar, representáveis pela vertente imagética do fenômeno onírico. E, sob esse
último aspecto, é notória ainda a noção de ″consideração à figurabilidade″ que, a
despeito de participar das operações primárias de formação de um sonho, jamais
obteve na tradição do comentário psicanalítico o mesmo destaque conferido aos
processos de deslocamento e condensação. A análise freudiana da questão da
figurabilidade revelaria a complexidade em jogo na transposição, para um
regime sensorial e privilegiadamente visual, da trama discursiva, polissêmica e
sobre-determinada que subjaz à formação dos sonhos. O ″papel desempenhado
pelas palavras na formação dos sonhos″, argumenta Freud, não é meramente
acessório. O sonho não somente se traduz num esforço de comprimir e converter
em imagens as densas cadeias do pensamento, como é precedido por um esforço
de ″encontrar transformações verbais apropriadas para os pensamentos
isolados″ [FREUD: Op. Cit., p. 324].
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mesmo tempo, atender às finalidades da condensação e criar ligações,
que de outro modo talvez não se fizessem presentes, com algum outro
pensamento; quanto a esse segundo pensamento, ele já pode ter tido
sua forma original de expressão modificada, com vistas a juntar-se ao
primeiro a meio caminho″ [IBID, p. 327].
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afere, mas frequentemente protagoniza a cena em que o desejo se desdobra. O
sonho, como lembra Freud, ao ″verter o conteúdo do pensamento num outro
molde″, precipita nos arranjos sensíveis o próprio sujeito representado nos
intervalos desse pensamento. A montagem onírica revela, a um tempo, a
submissão dos arranjos sensíveis ao ordenamento significante em cuja trama o
desejo se desvela, e a impossibilidade de cumprimento integral da subsunção de
sua verdade nos protocolos da apresentação imagética ou do ordenamento
simbólico. Eis o real do sonho – aqui compreendido em sua vertente mimética –
para o qual Jacques Lacan assinala que se esgueira em seu “lugar- tenente”, ″por
trás da representação″, e cuja expressão é entrevista num esforço sempre
inacabado de apresentação. Belas ou terríveis, as paisagens oníricas ora
escondem, ora revelam suas raízes profundamente infiltradas no solo opaco e
movediço da pulsão.
Aqui, duas conclusões se impõem: primeiramente, afere-se que o
problema metapsicológico da consideração à figurabilidade aponta claramente
para um esforço de apresentação daquilo que se refere ao real na obra freudiana.
E o faz num contexto de recurso ao material estético. Pois se a experiência de
Galton tem sua origem reportável ao ideal da ciência - numa versão,
convenhamos, algo higienista - seu fracasso epistêmico, todavia, não faria
obstáculo a que ela reivindicasse sua legitimidade noutro campo, a saber, aquele
da arte. Se jamais soubéssemos de que se tratara de um experimento científico,
qualquer um de nós poderia reencontrar as fotografias de Galton nas paredes de
uma galeria de arte ou num compêndio dedicado à vanguarda das
experimentações fotográficas. Não se tem notícia de nenhum artista que tivesse,
em 1877, trabalhado com essa técnica de superposição de imagens. Mas a partir
das primeiras décadas do século XX, célebres fotógrafos serviram-se largamente
dela, Man Ray, principalmente – mas depois, sofisticando-a, Lucian Clergue, Wolf
Vostell. Contemporaneamente, Peter Campus. Transmitir um elemento do real,
nesse contexto, poderia traduzir-se em captar, numa forma sensível, e sob a
opacidade mimética de sua natureza desregrada e pulsional, a subjetividade
descentrada e inconsciente. Captar, portanto, o que só se mostra como imagem
dessensibilizada. Ou como imagem arruinada pelo caráter sincrônico de sua
hiper-sensibilizacão. Imagem, portanto, apresentável, mas não legível. O
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procedimento galtoniano, que superpõe, pelo diverso dos semblantes, a
heterogeneidade de um sujeito a si mesmo, parece flertar com a intuição de
Freud, ciosa do que há de irreconciliável na constituição subjetiva, cuja
representabilidade resvala no impossível.
Galton não encontrou o que procurava. Suas fotografias não revelaram os
contornos desse real, da fisionomia da pulsão sexual no pólo extremo de seus
imperativos. Mas é como artista – que ele não foi – que a ele devemos um
ensinamento. Se a arte nos revela um real transcendente e acessível pela
vertente da montagem, isso se dá justamente na medida em que ela nos aponta
para a produção desse real como efeito do fracasso de sua apreensão mimética
numa forma sensível, mesmo que composta, ou numa articulação significante. O
real, esteticamente considerado, talvez consista, ao contrário, num efeito que se
torna palpável na diferença mínima ou, como lembra Alenka Zupancic, no
intervalo entre duas “aparições”, entre dois semblantes [ZUPANCIC: 2002, p.
73]. Um efeito de surpresa, ou de graça, ou até de dignidade, que é disparado
quando o sujeito do inconsciente advém nos interstícios dos signos que o
perseguem.
Bibliografia
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RANCIÈRE, J. (2003). Le destin des images. Paris: La Fabrique éditions.
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