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Ano 29/2021 • R$ 40,00

#175

NATHALIE DE GOUVEIA,
GENERAL MANAGER DE
WELLA COMPANY NO BRASIL

LIVRE PARA
AVANÇAR
Quase 20 anos após ter sido
comprada pela P&G, a Wella
volta a ser uma empresa inde-
pendente, com foco em cabe-
los, no mercado profissional
e impulssionada pelos bons
resultados do Brasil

HORA DE OLHAR As maiores redes do varejo de beleza passaram os últimos anos se expandindo.
A GOVERNANÇA Agora, chegou a hora de preparar a casa para o próximo ciclo de crescimento
08. WELLA
Depois de quase 20 anos, a
Wella volta a ser uma em-
presa independente para
tocar o seu destino, com
foco no negócio de cabelos
e no mercado profissional.
#175

No Brasil, essa responsabi-


lidade cabe à executiva Na-
thalie De Gouveia, que quer
manter a operação brasileira
no topodo ranking de cres-
cimento da companhia. 36. ESPECIAL.
CASAS DE FRAGRÂNCIAS
Um dos negócios mais importantes dentro
da cadeia de valor do mercado de beleza, o
negócio de fragrâncias vive um período de

16.
grandes transformações, do qual pode emergir
uma indústria nova, mais sustentável e livre
de combustíveis fósseis.
CATEGORIA
MAQUIAGEM
O avanço da vacinação e a gradual retirada das
restrições de circulação decorrentes da pan-
demia acendem uma luz amarela para a catego-
ria de maquiagem, que agora pode, ao menos,
começar a vislumbrar uma mudança de rota
53. SUPPLY CHAIN
BIOSUSTENTABILIDADE
após dois anos bastante difíceis. Saber o que está acontecendo na origem da
cadeia de fornecimento passou a ser uma
questão inevitável para as grandes empresas
do setor. E os fornecedores estão tendo que
investir para tornar essa cadeia o mínimo im-

24.
pactante posível em termos ambientais e so-
ciais.
CANAL
VAREJO DE BELEZA

56.
Depois de crescer chegou a hora de botar a casa
em ordem para dar conta dos próximos passos.
Sim, as redes de perfumaria precisam evoluir MERCADO
com a sua governança para seguir crescendo de
DIVERSIDADE E INCLUSÃO
forma sustentável no futuro. A hora é agora.
As indústrias de beleza, depois de muitos
anos, passaram a enxergar a população negra
como chave para o consumo e o crescimento
dos seus negócios. Agora, é chegada a hora de
trazê-los para dentro de casa e trabalhar para
que as estruturas corporativas possam refletir
o peso dessa parcela da população em seus
quadros.

ATUALIDADE COSMÉTICA 4 # 175 | AGOSTO 2021


EDITORIAL

A IMINÊNCIA DO AGORA

O
leitor que honra esta página com a ça. De qualquer forma, é um caminho sem volta e ao
sua leitura já deve ter se dado conta qual todo o mercado irá se adaptar. Trata-se de uma
de algo. Ainda que sob diferentes as- demanda do mercado, que responde a demandas de
pectos, os últimos editoriais de Atu- consumidores e sociedade.
alidade Cosmética vêm tratando de No outro ponto da cadeia, lidando diretamente
forma reiterada do momento de rápi- com os consumidores, o varejo de beleza vive, tam-
da transformação pelo qual passa o mundo, o consu- bém ele, um momento de grande transformação. O ca-
midor, e por consequência, tudo o que gera ao redor nal é fundamental para as pequenas e médias indús-
dele: em suma, todos nós. trias brasileiras - particularmente nos segmentos de
Obviamente, cada negócio, cada cadeia de valor cabelos e higiene pessoal - e cresceu de forma acelera-
tem a sua dinâmica e a forma como vai responder a da nos últimos anos, mas sob bases pequenas. Agora,
essas necessidades de mudanças e transformações se os principais atores somam algumas dezenas de lojas
dará de formas distintas, a depender do papel que a e não dão nenhum sinal de que pretendem parar com
empresa ocupa na cadeia e do seu grau de interação esse processo.
com o consumidor. O desafio é que a estrutura que suportou o cres-
Pegue por exemplo o negócio de fragrâncias, um cimento deles até aqui, não tem condições de garan-
dos mais relevantes de toda a cadeia de abastecimen- tir um novo ciclo de expansão que pode nos levar às
to da indústria de higiene pessoal, perfumaria e cos- primeiras redes de perfumaria com mais de 100 lojas.
méticos. O negócio que há mais de 100 anos tem boa O caminho é um só: investir na governança corpora-
parte da sua cadeia produtiva baseada em combustí- tiva, instituindo novos mecanismos de controle, esta-
veis fósseis, vive um novo ciclo de investimentos que belecendo acordos societários adequados ao porte da
prometem transformar o negócio completamente nos rede, trazendo profissionais com experiência e capaci-
próximos anos. Se tudo correr como anunciado pelas dade de liderança para dividir o comando, ou mesmo
principais companhias do setor, ao fim desta década, comandar o novo ciclo de crescimento, além de pre-
a paleta de matérias-primas olfativas dessas casas de- parar a si mesmo e aos membros da sua família com
verá ser 100% obtida de fontes renováveis, livrando o alguma participação no negócio para assumir novos
mercado dos hidrocarbonetos e se convertendo numa papéis na estrutura da empresa.
cadeia muito mais limpa do ponto de vista da sua pe- É um movimento que demandará investimentos
gada de carbono. compatíveis ao atual porte dessas redes e que não
Além das fontes renováveis de origem vegetal, os irá gerar resultados de uma hora para outra. Mas, ele
principais nomes do setor mantêm um esforço parale- precisa ser iniciado já. Assim como as casas de fra-
lo, de mais longo prazo, mas que já consome boa par- grâncias vêm investindo há pelo menos uma década
cela dos esforços futuros de P&D do setor: a biotecno- preparando o negócio para as próximas décadas, os
logia. Tido como um caminho do futuro, a biotecno- empresários do varejo de beleza, guardadas as pro-
logia permite operar em alta escala de produção, com porções, devem ir na mesma direção para garantir um
níveis muito baixos de impacto ambiental. O desafio lugar de maior destaque no médio e no longo prazo.
a ser vencido diz respeito à complexidade que é ainda
é operar com essa tecnologia, além do fato de que não
existem certezas em relação aos riscos de biosseguran- Boa leitura!

FUNDADOR: EDITOR CYNTHIA RODRIGUES


JOSÉ LUIZ DE PAULA JR. AÛANI CUSMA DE PAULA (rodriguescynthiajlpaula@outlook.com)
auani@auamidiaespecializada.com.br
DIRETORA DE NEGÓCIOS: OPERAÇÕES
SUELI CUSMA DARYUS FELISBINO
VENDAS: (daryus@cusmaneditora.com.br)
sueli@cusmaneditora.com.br WANESSA DE SOUZA
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WWW.ATUALIDADECOSMETICA.COM.BR EUFRAZIO LAUTON RUA ANTONIO TAVARES, 59 - CAMBUCI
(lauton@cusmaneditora.com.br) CEP 01542-010 SP – BRASIL

ATUALIDADE COSMÉTICA 6 # 175 | AGOSTO 2021


TRANSFORMAMOS A
NATUREZA
TUREZA EM BELEZA

E Q U I PA M E N T O S I N D U S T R I A I S

MOTORQUE
O MUNDO CONHECE
CAPA Nathalie De Gouveia

RETOMANDO
AS RÉDEAS
HÁ POUCO MENOS DE DOIS ANOS À FRENTE DA OPERAÇÃO DA WELLA NO
BRASIL, A EXECUTIVA NATHALIE DE GOUVEIA TEM COMO MISSÃO CONSOLIDAR
A LIDERANÇA DA EMPRESA NO MERCADO DE COLORAÇÃO PROFISSIONAL,
AVANÇAR NO VAREJO ESPECIALIZADO EM BELEZA E REFORÇAR A EXPERTISE E
O LEGADO DA MARCA WELLA TAMBÉM NA ÁREA DE CONSUMO. TUDO ISSO
PARA MANTER O PAÍS COM UM DOS GRANDES PILARES DE CRESCIMENTO DA
NOVA WELLA INDEPENDENTE >>> AÛANI CUSMA DE PAULA

Q
uando num longínquo 2003, gundo eles tinha uma estratégia clara para os próximos
a P&G, maior empresa de anos. De fato, a Wella sempre foi tida como uma empre-
bens de consumo do mundo, sa saudável e bem gerida. Em 2002, ano anterior à sua
adquiriu a companhia alemã aquisição, o faturamento foi de 3,7 bilhões de euros com
Wella, uma referência no mer- a venda de seus produtos de coloração e cuidados com
cado global de beleza e um os cabelos nas divisões de consumo e profissional, além
dos mais importantes nomes da Cosmopolitan, unidade da empresa responsável pela
da categoria de cabelos, não licença dos perfumes de marcas como Escada, Gucci e
se imaginou a odisseia que Hugo Boss. Mas isso não convenceu os integrantes das
seria vivida pela marca nos anos seguintes. famílias descendentes do fundador Franz Ströher, que
O negócio de US$ 7 bilhões foi realizado num con- desde 1880 mantiveram o controle da empresa.
texto no qual a P&G operava como uma máquina de A Wella ajudaria a empresa norte-americana a se po-
aquisições no segmento de beleza e higiene pessoal. sicionar com força no mercado da Europa e da América
Particularmente com esse movimento, a dona da Pan- Latina. A marca mantinha uma posição sólida no Brasil,
tene buscava consolidar sua liderança do mercado de desde sempre um mercado-chave para a categoria. Na
haircare frente às outras duas únicas companhias re- verdade, a companhia foi uma das grandes “escolas”
almente grandes na categoria do ponto de vista glo- do mercado de beleza no Brasil, um grupo de empresas
bal, a inglesa Unilever e a francesa L’Oréal. Dois anos que ajudavam a forjar profissionais que depois acaba-
antes, a P&G já havia comprado a Clairol, que tinha vam por levar sua expertise e conhecimento para ou-
forte presença nos segmentos de consumo e profissio- tras companhias do setor. No caso da Wella, a empresa
nal no mercado norte-americano em segmentos como tinha operações comerciais e de trade marketing que
coloração e shampoo e pós-shampoo, com a marca eram referência para o setor, sem falar em todo o traba-
Herbal Essences. lho relacionado com a educação profissional. A empresa
O comitê executivo da companhia alemã se opôs também foi das primeiras multinacionais a tropicalizar
frontalmente ao negócio, alegando que este não era um a imagem e a comunicação de suas marcas para a con-
passo necessário para a evolução da empresa, que se- sumidora brasileira, trazendo atrizes locais para serem

ATUALIDADE COSMÉTICA 8 # 175 | AGOSTO 2021


# 175 | AGOSTO 2021 9 ATUALIDADE COSMÉTICA
CAPA Nathalie De Gouveia

AÇÃO DE WELLA EM
PERFUMARIA: a empresa vem
investindo para chegar com
sua linha profissional, de forma
controladal, até o consumidor final.

embaixadoras de suas marcas quando isso não era pra- sem muito destaque.
xe entre as multinacionais do mercado. Hoje, quase duas décadas depois, a Wella finalmente
Ao deixar de ser o negócio principal para passar voltou a ser Wella, uma operação independente (ainda
a ser parte de um negócio muito maior e complexo, a que a Coty siga com 40% das ações da companhia. Os
Wella viu suas divisões profissionais e de consumo se outros 60% pertencem ao fundo de investimentos KKR),
distanciarem, a força de sua marca ser diluída e viveu livre para desenvolver seus negócios e alocar esforços e
um duro choque de realidade. A começar pelo choque recursos naquilo que é importante para a companhia,
cultural. Enquanto a Wella era uma empresa totalmen- sem precisar dividir atenções com outras dezenas de
te focada em beleza, e isso se refletia na sua cultura e marcas e divisões.
na forma como se relacionava e abordava o mercado; a A nova Wella tem receita estimada em mais de US$
visão de negócios da P&G sempre foi muito mais a da 2 bilhões, a maior parte dela oriunda do segmento pro-
realidade de uma grande empresa de bens de consumo fissional (no ano fiscal da Coty de 2019, a divisão profis-
norte-americana, muito objetiva na forma de realizar sional gerou US$ 1,8 bi em vendas líquidas). A compa-
negócios, com foco na gestão de produtos e no canal nhia, com cerca de seis mil funcionários, atende milhões
alimentar. Restava pouco espaço para as nuances que de cabeleireiros e manicures em mais de 100 países. No
envolvem o métier da beleza. portfólio, além dos itens de coloração e cuidados com
Além disso, o negócio profissional, uma histórica os cabelos da Wella, estão marcas como Sebastian (par-
fortaleza da Wella, nunca foi prioridade e, muito me- te do portfólio original da Wella), Vidal Sasson, Nioxin,
nos, uma área de expertise para os americanos. Isso fez Clairol (compradas pela P&G antes da própria Wella)
com que a operação fosse vendida em 2016 como parte além da marca de eletrônicos ghd e dos esmaltes OPI
do pacote de 42 marcas que migraram para a Coty. Em- (comprados pela Coty), entre outras. É justamente na
bora tenha mantido o negócio de cabelos de consumo área profissional que a General Manager de Wella Com-
como um dos seus grandes focos, a P&G não quis ficar pany no Brasil, Nathalie de Gouveia, tem centrado seus
com as colorações, o que explica a venda do portfólio foco e atenção no País.
de Wella como um todo. Nos anos sob gestão dos ame- De origem francesa, mas tendo vivido a maior par-
ricanos, o peso do nome Wella na área de consumo foi te de sua vida profissional nos países ibéricos, Natha-
deixado de lado, com a empresa tratando Koleston qua- lie construiu sua carreira em companhias de varejo em
se que de forma dissociada da marca mãe. Como a linha Portugal e na Espanha. Foi lá que adentrou ao mercado
de coloração mantinha bons resultados, essa perda de de beleza quando assumiu, em 2011, a direção da ope-
identidade não chegou a ser encarado como uma gran- ração de varejo da The Body Shop – então um negócio
de questão. da L’Oréal – para Espanha e Portugal. Foi também pela
Os anos sob controle da Coty não mudaram radi- The Body Shop que a executiva veio à América Latina,
calmente a condição da marca Wella, que seguia como em 2015. Quando a Natura comprou a empresa em
mais uma no seu portfólio intrincado e disfuncional. 2017, ela assumiu seu comando no Brasil até que em se-
Embora respondesse por quase um terço das vendas, tembro de 2019, se mudou para a Coty, justamente para
a verdade é que a divisão profissional nunca chegou a tocar a divisão profissional da companhia. A contrata-
fazer parte realmente do coração da Coty (assim como ção de Nathalie se deu apenas um mês antes de a sua
não o foi na P&G). Na seara do consumo, embora Koles- nova empregadora comunicar que colocaria a divisão à
ton tenha se mantido relevante, a marca mãe continuou venda, o que aconteceu em maio de 2020.

ATUALIDADE COSMÉTICA 10 # 175 | AGOSTO 2021


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Com muito orgulho, a C-Pack comemora mais uma importante


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CAPA Nathalie De Gouveia

EVENTO PROFISSIONAL: investimentos em formação e educação dos profissionais, público prioritário para a marca, avançaram.

Apesar do pouco tempo, a chegada de Nathalie foi mais no período da pandemia que teve o mercado de
importante para injetar ânimo e energia na operação salões como um dos mais atingidos. “Atendemos quase
profissional da Coty. Em pouco tempo no cargo, Natha- 400 mil salões e milhões de cabeleireiros. Nós temos nos
lie ajudou a divisão a retomar o seu foco em serviços, comunicado com eles e aproveitado esse período para
educação e inovação, trazendo agilidade para a agenda oferecer ainda mais informação e treinamento sobre os
de lançamentos e, principalmente, reforçando os víncu- produtos”, disse Annie à agência Reuters no início deste
los com profissionais e varejistas especializados. A mar- ano. Quando as portas dos salões se abriram, as pessoas
ca também reforçou sua presença no ambiente digital e estavam mais preparadas para servir aos seus clientes.
mergulhou de cabeça no influente mundo das influen- Se os profissionais seguem como o pilar central do
cers digitais. Mas é agora, à frente de uma operação jo- negócio profissional, hoje, não se questiona mais que as
vem e independente, que Nathalie terá a oportunidade marcas desse segmento precisam estar mais acessíveis
de colocar a Wella numa posição mais forte no mercado. para os consumidores que as querem comprar em outro
A missão como primeira comandante da nova Wella ambiente que não o dos salões de beleza. Por anos, isso
no Brasil não é pouca coisa. foi um dilema crucial para as marcas que operam nesse
Com vendas que superam os US$ 100 milhões e ten- segmento, principalmente para as grandes multinacio-
do sido o mercado que mais contribuiu nos últimos anos nais, que primeiro relutaram e, depois, passaram atuar
para o crescimento dos negócios que hoje compõem a de forma um tanto envergonhada, sem assumir publica-
Wella, o Brasil tem uma posição central na estratégia mente sua presença em outros locais que não os salões.
da empresa. Tanto que a operação local é uma unidade Nesse novo contexto, a Wella é uma das companhias
totalmente independente. Ainda que exista um gerente- que mais rapidamente tem se expandido e ocupado os
-geral para a América Latina, Nathalie responde dire- espaços nas gôndolas das redes do varejo especializado
tamente a CEO da companhia, Annie Young-Scrivner. em beleza (e na home dos seus respectivos e-commer-
Atualmente, do portfólio profissional, a operação local ces). Essas lojas representam um canal-chave para que a
trabalha além da Wella, com as marcas Sebastian, Nio- companhia possa chegar diretamente a um maior núme-
xin, SP System Professional, além dos esmaltes de OPI. ro de consumidores finais. Embora ainda seja um canal
Com a separação da Coty, a operação profissional pulverizado, hoje o Brasil dispõe de ao menos algumas
da nova Wella passou a cuidar da própria vida. Toda a dezenas de redes de perfumaria que somam 10 lojas ou
operação comercial, de marketing e comunicação dos mais espalhadas por todas as regiões do País, tornando
negócios profissionais está sendo tocada pela empresa, o canal um participante importante não só pelo volume
assim como a operação logística para salões, distribui- de vendas, mas também pela possibilidade que a pre-
dores e varejistas. sença nessas lojas oferece de colocar a marca em contato
direto com mais consumidores, num ambiente de lojas
MAIS PERTO DO PROFISSIONAL, no qual a marca consegue ter um mínimo de controle da
MAIS PERTO DA CONSUMIDORA sua exposição.
Independente, a Wella também pode reforçar sua es- Além da presença no varejo multimarca e nos pró-
trutura educacional e o relacionamento com o público prios salões, a empresa tem o seu próprio e-commerce,
profissional, um pilar fundamental do negócio, ainda que concentra a venda de todo o portfólio de produtos

ATUALIDADE COSMÉTICA 12 # 175 | AGOSTO 2021


EMBALAGENS QUE RESPEITAM A NATUREZA
Do papel-cartão que vem de florestas certificadas
à reciclabilidade pós-uso, nossos produtos embalam sustentabilidade.

EMBALAGENS COM DNA SUSTENTÁVEL


CAPA Nathalie De Gouveia

profissionais da companhia. Mas, ao contrário de sua retamente à CEO global).


maior rival, a francesa L’Oréal, que opera quiosques O fato de que boa parte da operação de consumo
próprios para a venda de suas marcas profissionais, a será executada pela Coty, não quer dizer que as linhas
Wella não pretende ter canais proprietários de distribui- que separam os mundos profissional e de consumo
ção física para o consumidor. da Wella serão intransponíveis, como costumavam ser
A Wella tem sido das empresas mais agressivas nes- num passado não tão distante assim. A ideia é que as
se sentido, marcando presença forte em praticamente divisões possam trabalhar em projetos conjuntos com
todas as grandes redes de perfumaria, que passaram mais frequência.
a olhar com mais cuidado e atenção para receber essas
marcas. Segundo Nathalie, cerca de 30% das vendas da INVESTIMENTOS NO BRASIL
divisão profissional já são realizadas pelo canal especia- Neste momento, a Wella segue usando o centro de dis-
lizado. A tendência é que esse número siga crescendo, tribuição da Coty, em Goiás. Mas está em estudos para,
sem que isso possa ofuscar a atuação da empresa junto numa janela de não mais do que dois, três anos, ter o seu
aos salões. próprio centro de distribuição no país. A produção lo-
Se a marca Wella, ao lado de SP e Sebastian, tem o cal de parte do portfólio também segue sendo feita pela
seu foco no canal profissional e no varejo de beleza, a Coty e por alguns parceiros terceiros. A nacionalização
marca de tratamento para queda e cabelos finos e Nio- da produção é algo que se acelerou nos últimos anos,
xin abre uma nova frente de oportunidades para a ope- mas não algo capaz de levar a empresa a pensar em
ração local da companhia, o canal farma. Trata-se de um investir numa fábrica própria em terras brasileiras. O
território novo, no qual a Wella está dando os seus pri- mesmo vale para eventuais planos de desenvolvimento
meiros passos de forma mais estruturada e consciente de linhas específicas para o Brasil.
num ambiente que hoje já conta com uma infinidade de A estrutura de P&D da Wella hoje é centralizada em
produtos de tratamentos de cabelos de marcas de der- Darmstadt, cidade alemã na qual a marca foi criada.
mocosméticos, mas não com uma marca de cuidados de Segundo Nathalie, neste momento não existem planos
origem profissional, posicionada numa faixa de preço para desenvolver produtos exclusivamente para o mer-
bastante superior à dos itens que cumprem com a mes- cado brasileiro, mas a executiva, como gerente-geral da
ma função disponíveis no canal hoje. operação brasileira, tem assento no comitê de desenvol-
vimento de produtos da companhia. Ou seja, nenhum
INDEPENDENTE, MAS NÃO TOTALMENTE produto da empresa é lançado sem que a opinião local
Ao contrário do que acontece com as marcas profissio- seja levada em conta.
nais da Wella, os negócios das duas marcas de coloração Olhando para frente, aquisições representam uma
de varejo da companhia no Brasil, Koleston e Soft Color, opção para a Wella acelerar o seu crescimento. Mas
seguiram em boa medida como estavam antes. A Coty, nada de imaginar que a companhia possa avançar para
que tem uma operação robusta de consumo no Brasil novos segmentos do mercado de beleza. Hoje a Wella
com suas marcas Monange, Risqué e Bozzano, seguirá é uma companhia totalmente focada nos cabelos. Por
responsável pela comercialização dos produtos dessas isso, o foco é olhar para segmentos relacionados com a
marcas no varejo, além da fabricação e logística dos categoria que representam oportunidades em espaços
mesmos. Não que o time de Nathalie tenha terceiriza- que a empresa não está ocupando nos dias de hoje, in-
do toda a responsabilidade desse negócio a sua antiga clusive no Brasil, segundo Natalie.
dona. Pelo contrário. No caso dessas marcas, Nathalie Para além das oportunidades de compras, a opera-
e o seu time irão controlar os aspectos relacionados ção brasileira da Wella também tem um espaço relati-
ao marketing e a comunicação da marca. O desenvol- vamente grande para ampliar o seu portfólio local com
vimento de novos produtos também ficará a cargo da marcas da própria Wella e que hoje não estão oficial-
própria Wella, sem falar na própria definição das es- mente no país, como a ghd, a Kadus/Londa, marca pro-
tratégias. Isso não deve mudar no curto prazo. Mas a fissional focada em salões pequenos e independentes
marca Wella deve voltar a ter mais peso na identificação com presença na Europa e nos Estados Unidos, além da
e na comunicação das linhas de Koleston e Soft Color, marca weDo, que opera no aquecido segmento de pro-
reafirmando a expertise de 140 anos da Wella na área dutos naturais. Na área de varejo, a própria marca Wella
de coloração. opera uma linha extensa de produtos de estilização e
O segmento de consumo, que antes da venda à P&G finalização que não está disponível para as brasileiras
respondia por um percentual relativamente próximo hoje, bem como a Color by You, uma linha jovem de
do das marcas profissionais da Wella, é hoje um terri- coloração temporária que permite mais de 1000 combi-
tório no qual, globalmente, a Wella vai precisar correr nações de cores.
algumas léguas para poder exercer todo o seu potencial. São muitas ferramentas à disposição de Nathalie,
Tanto que a empresa criou uma vice-presidência global, cuja expectativa é que a operação local consiga manter
específica para o mercado de consumo, que define e su- a posição de destaque no País ao longo dos próximos
pervisiona as estratégias dos países (no caso da divisão anos, crescendo acima dos dois dígitos nos próximos
profissional, os gerentes-gerais regionais respondem di- cinco anos.

ATUALIDADE COSMÉTICA 14 # 175 | AGOSTO 2021


PERFUMERY FOR
A BETTER WORLD

artofperfumeryatIFF
CATEGORIA Maquiagem
Foto: Koldo_Studio/AdobeStock

ATUALIDADE COSMÉTICA 16 # 175 | AGOSTO 2021


PREPARANDO-SE
PARA A RETOMADA
COM O INÍCIO DA VACINAÇÃO EM MASSA E O RELAXAMENTO DAS RESTRIÇÕES
IMPOSTAS PELA PANDEMIA, UM DOS SEGMENTOS MAIS AFETADOS, O DE
MAQUIAGEM, FAZ UM BALANÇO DO PRIMEIRO SEMESTRE E ENCARA AS
PERSPECTIVAS DA REABERTURA. >>> CESAR ALVES

A
categoria de maquiagem vem pontuou a excutiva da empresa.
sofrendo como poucas o im- Na Kiss New York, marca de origem norte-america-
pacto econômico e as mu- na, especialmente no caso de produtos labiais, base e pó
danças comportamentais im- compacto, os efeitos da crise foram bem perceptíveis.
postas pela crise sanitária. As “O primeiro semestre foi desafiador, porque ainda não
restrições de distanciamento e tínhamos perspectivas palpáveis de retomada da eco-
isolamento social, somadas ao nomia, com o consumo mais racional e tímido”, explica
agravamento da crise socioe- Regina Jung, Head da Kiss New York. Do outrolado, ela
conômica no País impactaram conta que a empresa viu oportunidades de crescimen-
significativamente esse segmento do mercado. Com as to em itens para autocuidado em casa, como skincare,
rotinas mais centradas no lar, em especial entre os bra- além de produtos para olhos, como máscaras de cílios,
sileiros que aderiram ao trabalho e ensino à distância, lápis e itens para as sobrancelhas”, reforça.
houve mudança no comportamento em relação ao uso Pesquisa recente conduzida pela Mintel, uma das
de maquiagem. principais agências de inteligência de mercado do mun-
Um dos dos fundadores da companhia L21cosmeti- do, aponta que 23% dos brasileiros afirmaram ter usado
cos, dona da marca Lacre21 e que também comercializa maquiagem com menos frequência durante a pandemia,
as marca BT21 e Hello Beauty, Daniel Galvão conta que- além de 41% ter mudado para marcas de maquiagem
os primeiros meses do ano não foram nada promissores mais baratas, num esforço para economizar o dinheiro.
para os resultados da categoria. “No primeiro semestre Ainda segundo a pesquisa, mais da metade dos brasi-
tivemos uma movimentação maior apenas no e-com- leiros passaram a usar maquiagem só em ocasiões espe-
merce”, diz o empresário, que tambem responde pela ciais, como encontros virtuais com familiares e amigos,
gesão de Marketing Comercial. O empresário revela apontando também que um em cada três consumidores
que nesse cenário adverso, o desempenho melhor da passou a usar maquiagem durante videoconferências.
companhia se deu por conta de uma linha licenciada, Outro dado interessante da pesquisa mostrou que
a BT21, que deu à empresa a vantagem de lidar com as dentre os consumidores usuários, uma parcela signifi-
fãs do grupo com fãs – a marca faz referência ao gru- cativa busca por produtos de maquiagem que ofereçam
po coreano, BTS. A linha é fruto de uma parceria com a benefícios funcionais, isto é, de cuidados ou tratamento
Big Hits, gravadora da boy band. “É uma marca de forte para a pele do rosto. Os dados sugerem a oportunida-
apelo comercial. Agora na linha de maquiagem regular, de para que as marcas ofereçam produtos que estejam
tivemos uma queda nas vendas. Em torno de 30% no alinhados com o novo estilo de vida dos consumidores,
primeiro semestre”, lamenta Galvão. e que além de colorir e disfarçar imperfeições, reúnam
Na Dailus, a diretora de Marketing, P&D e Novos benefícios de skincare.
Negócios, Carolina Bertelli, conta que com o mercado É Algo que já vinha sendo notado pela equipe da
adotando uma postura conservadora de compra, a per- Simple Organic, marca cujo portfólio é dividido entre
formance da empresa foi estável no primeiro semestre, produtos de maquiagem e skincare. De acordo com
estimulada por produtos para olhos e esmaltes. “Itens Patricia Lima, CEO e fundadora da empresa, nos últi-
multifuncionais ganharam força, o público sentiu a ne- mos anos, o negócio de skincare cresceu mais do que
cessidade de readequar o nécessaire e suas finalidades”, a própria maquiagem, no sentido de as pessoas têm

# 175 | AGOSTO 2021 17 ATUALIDADE COSMÉTICA


CATEGORIA Maquiagem

REGINA JUNG, DA KISS NEW YORK: com o fim


das restrições, consumidoras devem retomar o uso da
maquiagem como forma de expressar seus sentimentos.

RELAXAMENTO DE
RESTRIÇÕES E RETOMADA
Embora ainda lento, o programa de imunização da po-
pulação adulta do País já dá abertura para vislumbrar
um processo de retomada o mais próximo possível da
normalidade. Aos poucos, algumas das ordens de res-
trição impostas pela pandemia começam a relaxar. O
que não representa exatamente uma retomada imediata
aos níveis do mercado pré-pandemia, conforme alerta
Amanda, da Mintel.
“Apesar da vacinação da população adulta ter atin-
gido níveis satisfatórios em alguns estados, os brasi-
leiros seguirão impactados financeiramente, adotando
um comportamento de consumo mais sensível a preço
e pautado pela busca por opções mais acessíveis. O ce-
nário representa uma oportunidade para que marcas
entendido cada vez mais que é muito importante cui- locais ganhem competitividade e invistam em produ-
dar da pele para que ele esteja saudável antes de se tos multifuncionais que reflitam as novas rotinas dos
aplicar uma base cobrindo imperfeições. “Todo esse consumidores brasileiros”. A declaração da analista
comportamento de consumo veio se fortalecendo e, baseia-se na informação da pesquisa da Mintel, de que
quando chegou na pandemia, cresceu ainda mais, 40% dos brasileiros afirmaram que têm usado mais pro-
com o fato de as pessoas estarem em casa, utilizando dutos de maquiagem multiuso para economizar tempo
máscara, não utilizando tanta maquiagem”, acredita em sua rotina durante a pandemia, sendo esperado que
a CEO. continuem a dar preferência pelo uso de produtos que
Como o momento ainda é de incerteza, o que se sejam mais versáteis e ofereçam diferentes funções.
busca é a adaptação à realidade dos tempos atuais. E, Na mesma linha, Galvão, da Lacre21, também está
como lemba Daniel Galvão, da Lacre21, batom e más- entre queles que acredita que, mesmo com a vacinação
cara, definitivamente, ainda não combinam com o mo- e relaxamento das restrições, o momento não abre es-
mento. “Temos procurado manter o foco em cremes paço para grandes expectativas. “Mesmo com algum
para a pele e cílios. Estamos lançando uma segunda relaxamento que estamos vendo, não houve percepção
marca, chamada Hello Beauty, focada em skincare, de minha parte no aumento de vendas. Na verdade, as
que deve ser a tendência do momento”, aposta Galvão. vendas continuam caindo. Dependemos muito do pes-
Segundo Amanda Caridad, Senior Analyst Beauty soal voltar a sair, voltar a frequentar as baladas. Além
& Personal Care da Mintel Brasil, o uso da máscara do mais, o uso de máscara não ajuda muito também”,
facial tem sido uma barreira importante para o uso de pontua o empresário.
maquiagem, sobretudo considerando que os brasilei- Apesar dos impactos econômicos da crise – desem-
ros têm a pele predominantemente mista ou oleosa, prego e redução do poder de compra do consumidor –
e o uso mais frequente da máscara pode levar ao au- ainda estarem evidentes, alguns dos entrevistados estão
mento de acne e até sensibilidade da pele. De acordo otimistas para o último período do ano e já percebem
com a empresa de inteligência de mercado, 51% dos alguma melhora nas vendas, embora ainda pequena.
brasileiros têm usado menos maquiagem e investido Na Simple Organic, as vendas de seus produtos ti-
mais em produtos de cuidados faciais. Para a analis- veram um aumento considerável nos últimos meses. A
ta da Mintel, as marcas de maquiagem poderiam au- marca, no entanto, já vinha crescendo em ritmo acele-
mentar seu alcance ao incluírem em suas formulações rado, mesmo durante o momento mais crítico das res-
ingredientes que ofereçam benefícios à pele acneica. trições de isolamento. “Atuamos com um público mui-
“Além disso, é provável que produtos que tragam to jovem, que procura marca consciente e está muito
maior duração e resistência à água, incluindo testes adaptado ao digital. Ele não está sempre na loja física,
de resistência com o uso da máscara, atraiam um nú- mesmo a marca tendo feito as estratégias digitais para
mero cada vez maior de consumidores, visto que ape- as lojas físicas também. Então sim, seguimos expan-
sar da vacinação ter sido acelerada, estamos longe de dindo. Mas não dá para dizer até que ponto esse cres-
vislumbrar um futuro sem o uso da máscara facial no cimento está ligado ao fim das medidas de restrição e
Brasil”, complementa Amanda. a gradual volta à normalidade. Seguimos no mesmo

ATUALIDADE COSMÉTICA 18 # 175 | AGOSTO 2021


ritmo de expansão”, comemora Patrícia Lima.
Para Regina, da Kiss New York, também é possível
perceber uma movimentação positiva no número de
vendas da marca. “Ela ainda é tímida, mas, especial-
mente agora, com os avanços de vacinação e expectati-
vas de maior segurança e estabilidade, já podemos con-
siderar um cenário mais promissor, com consumidores
se animando e já planejando todos os projetos até então
reprimidos pelo período pandêmico. Estamos otimistas
e confiantes nessa retomada”, garante a executiva.
Fundadora e CEO da Dalla, Eliane Dalla Vecchia
declara que, apesar de pequena, foi possível notar uma
melhora nos números de vendas nos últimos dois me-
ses, em comparação com o início do ano. Mas ela é cau-
telosa ao analisar o movimento positivo. “Não acredito
em uma melhora significativa ainda para este ano. Fi-
nanceiramente, os consumidores sentiram muito esses
quase dois anos de pandemia. Acredito, inclusive, que
o consumo este ano continue menor do que o normal”.
Eliane conta que a estratégia da marca vem sendo a de
reinventar a forma como a empresa abastece o mercado,
diminuindo as quantidades para os pedidos e criando
um mix mais enxuto para ajudar o lojista a manter a
variedade de produtos sem precisar de um estoque alto.
Carolina Bertelli, da Dailus, acha que, após alguns CAROLINA BERTELLI, DA DAILUS : de
meses em casa, é preciso encarar que, por causa das olho nas tendências para oferecer produtos
restrições de mobilidade e prioridades financeiras, os antenados, mas de custo mais acessível
brasileiros realinharam suas necessidades, sendo mais para a consumidora nesse momento difícil.

# 175 | AGOSTO 2021 19 ATUALIDADE COSMÉTICA


CATEGORIA Maquiagem

objetivos com seu consumo, embora não tenham deixa-


do de consumir. “As pessoas passaram a se cuidar mais,
ampliando sua busca por itens que tragam a sensação
de bem-estar. Percebemos que nossos clientes passaram
a optar por itens de beleza que destacam os olhos, so-
brancelhas, cuidados com a pele e unhas. Tudo que a
máscara não esconde”, diz a diretora da Dailusa, apon-
tando o que vê como uma tendência.
É o que aponta também o estudo da Mintel. “Nós
não acompanhamos os resultados das categorias como
algumas agências fazem. Porém, o que vemos em nossa
pesquisa é um enfoque maior na região dos olhos – deli-
neadores, sombras, máscaras para cílios –, impulsionado
pelo uso obrigatório da máscara facial. Além disso, bálsa-
mos labiais que oferecem benefícios à pele dos lábios co-
bertos pela máscara podem ganhar cada vez mais espaço
entre os consumidores brasileiros. Visto que eles têm de-
monstrado maior interesse pelo uso de produtos sem cor
nos lábios, e que proporcionem efeito natural de lábios
mais cheios e nutridos”, observa Amanda Caridad.

PERSPECTIVAS E TENDÊNCIAS PARA 2022


Embora ainda não se possa cravar por quanto tempo
precisaremos conviver com o uso de máscaras em de-
terminados ambientes, com a maioria da população
imunizada, é possível sonhar com dias melhores para
o próximo ano. A reabertura do comércio e o retorno
dos consumidores às ruas, podendo circular com mais
segurança, o segmento de maquiagem já começa a mo- PATRÍCIA LIMA, DA SIMPLE ORGANIC: expansão
vimentar com expectativas positivas para 2022. da marca que tem pegada digital e forte apelo entre
“Em um cenário de lenta retomada econômica, au- o público jovem e conscientel, se manteve.
mento do otimismo e fim das restrições sanitárias, é
esperado que a categoria de maquiagem retome o cres-
cimento pré-pandemia”, aposta Amanda da Mintel. Ela com um custo mais acessível, pelo reflexo da crise finan-
acredita que os consumidores usarão a maquiagem como ceira. Acho que o mercado estará bem mais aquecido e
uma forma de expressarem a alegria pós-pandemia. os consumidores mais curiosos por novidades e ativos”,
A recuperação da segurança no convívio social físico explica Eliane, da Dalla.
tende a impulsionar o consumo de produtos e serviços Na mesma linha Carolina Bertelli, da Dailus, espera
que foram reprimidos no período pandêmico. E a cate- clientes cada vez mais exigentes em relação a qualidade
goria maquiagem vem muito ao encontro disso. Regina, do que consomem, e procurando produtos que entre-
da Kiss New York também acredita na capacidade da guem algo a mais do que estética puramente. “Acom-
maquiagem como veículo de comunicação do emocio- panhar as tendências, tecnologia, inovação e entregar
nal, e que isso será a principal tendência do segmento ao consumidor um produto de qualidade por um preço
à retomada das relações sociais. “As pessoas se expres- justo, mas sem perder de foco no compromisso com a
sam por meio da maquiagem! Brinco que, se na inter- inclusão e meio socioambiental”, diz. São posições que
net já vemos tantas manifestações de looks para tomar dialogam com as conclusões sobre tendências de con-
a vacina, a velha máxima de não sair sem batom para sumo detectadas pela Mintel. “Foi possível ver que os
comprar pão na padaria vai ser ainda mais forte. A ten- brasileiros estão cada vez mais interessados pelas prá-
dência é o resgate do que ficou perdido e ainda veremos ticas éticas e sustentáveis das marcas que consomem.
muita gente se arriscando mais em cores e produções O conceito de sustentabilidade será pauta importante
diferentes, ”reforça a Head da Kiss New York. para que as empresas respondam às novas preferências
A expectativa com a manutenção do autocuidado dos consumidores por marcas e produtos que estejam
como tendência no mercado dos cosméticosm algo tra- alinhados aos seus valores morais, e que também os aju-
zido pela pandemia, que deu aos consumidores algum dem a reduzir o impacto ambiental de seu consumo.  As
tempo para conhecerem e usarem mais cosméticos, marcas de maquiagem podem inovar ao traduzirem tais
além de criarem uma rotina de uso que deve permane- preferências através de embalagens mais sustentáveis,
cer, é significativa. “Acredito que 2022 é um ano para produzidas com materiais renováveis, compostáveis e
voltar a estabilidade. As pessoas buscarão produtos recicláveis”, conclui Amanda Caridad.

ATUALIDADE COSMÉTICA 20 # 175 | AGOSTO 2021


Vamos nos conhecer?
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NOVA LOJA DA SONEDA, EM


SÃO PAULO: uma das maiores
redes de perfumaria do Brasil reviu
a sua governança e agora está em
fase pré-auditoria externa.

Hora de pensar
no próximo passo
AS REDES DE PERFUMARIAS BRASILEIRAS CRESCERAM RAPIDAMENTE NOS
ÚLTIMOS ANOS. AGORA, MUITAS “OSTENTAM” DEZENAS DE LOJAS E NAO
DÃO SINAIS DE QUE PRETENDEM PARAR POR AÍ. SÓ QUE PARA SUSTENTAR O
PRÓXIMO CICLO DE EXPANSÇAO, SERÁ NECESSÁRIO QUE ELAS DÊEM ATENÇÃO
À SUA GOVERNANÇA >>> AÛANI CUSMA DE PAULA

A
s grandes redes do va- Essa movimentação acelerada faz com que hoje,
rejo de beleza viveram a o País conte com algumas dezenas de redes com
maior parte dos últimos mais de uma dúzia de lojas em operação. Algumas
anos abrindo lojas novas, em vários estados, o que implica lidar com mais do
atualizando as antigas e que um regime tributário e maiores complexidades
cuidando do básico em logísticas. Pelo menos cinco bandeiras já superam a
termos de gestão e infra- marca emblemática das 50 lojas.
estrutura para suportar Tudo o que aconteceu nos últimos anos só foi possível
seus respectivos proces- porque os empresários e empresárias à frente dessas re-
sos de expansão. des tiveram a visão de que para seguir firme no jogo era

ATUALIDADE COSMÉTICA 24 # 175 | AGOSTO 2021


preciso crescer. E, para crescer, seria necessário investir namie Cosméticos, rede fluminense com 15 lojas na ci-
recursos financeiros e contar com alguma capacidade de dade e na região metropolitana do Rio de Janeiro. Ele
gestão instalada para manter o mínimo de controle so- mesmo é fruto desse processo.
bre as vendas, os estoques e o caixa da empresa. “Existe Nos últimos anos, a sucessão familiar ganhou uma
um movimento de consolidação de redes e com isso vem nova vestimenta, também no sentido de uma melhor
uma evolução importante na questão da governança”, governança dos negócios da família, até para harmo-
acredita Cesar Tsukuda, presidente da Beauty Fair. nizar a convivência familiar no ambiente corporativo.
Nos seus projetos de desenvolvimento de mercado, “Enxergamos com satisfação de que isso esteja aconte-
a Beauty Fair trabalha com um conjunto de 60 bandei- cendo e de forma muito legal, com as novas gerações
ras de varejo de beleza consideradas grandes. Destas, assumindo o negócio, trazendo uma visão nova, o que
Tsukuda acredita que 15 já estão em condições de co- foi importante em questões como digitalização e mesmo
meçar a pensar numa governança um pouco mais es- na concepção das novas lojas. Temos várias redes com
truturada. Para o executivo, trata-se de uma visão clara lojas que não deixam absolutamente nada a desejar às
entre os empresários do setor. “É mais ou menos o que redes de fora”, diz Lázaro Marques, diretor Comercial
aconteceu no canal farma, 10, 15 anos atrás, quando as da Salon Line. Apresentação impecável, muito boa.
grandes redes organizaram sua gestão e a governança Um dos casos mais emblemáticos de transforma-
das redes para suportar um processo de expansão mui- ção na governança do Varejo de beleza é justamente o
to forte”, lembra o diretor da Beauty Fair. de uma rede familiar, a Soneda Cosméticos, que soma
Considerando a atual realidade do varejo especiali- 34 lojas no estado de São Paulo.
zado no Brasil, a régua da qual partem esses varejistas O negócio é controlado por membros da família Ka-
é bem mais alta do que era há poucos anos. Por isso, os machi que até então, estavam congregados sob a bandei-
próximos passos vão exigir bem mais do que cuidar do ra Sumirê, que reunia outras famílias e, apesar da marca
básico da gestão. O varejo de beleza, ao menos as suas e identidade única, mantém a individualidade na opera-
principais redes, tem tudo para viver um novo ciclo no ção e na gestão das lojas de cada proprietário. A mudan-
Brasil que vai levar o processo de profissionalização e ça começou a ser gestada em 2016, quando Minoru Ka-
sofisticação no trabalho para outro patamar. machi, atual CEO da rede, reuniu seus irmãos e primos
E isso é mais do que necessário. Com todo o gi- com o objetivo de entender como garantir um futuro me-
gantismo do mercado de higiene pessoal, perfumaria lhor para a família. “Não era sobre trabalho, mas sobre
e cosméticos tupiniquim, a participação das redes de a família mesmo”, pontua o empresário. Dessa conversa
perfumaria no negócio como um todo ainda é muito inicial, muitas coisas foram surgindo e deram origem a
baixa. É bem provável que isso só seja revertido por um primeiro documento, uma carta de valores da famí-
meio do crescimento e da expansão das redes das atu- lia, que englobava, entre diversos aspectos, a confiança.
ais dezenas para a casa das centenas de lojas. Daí que, quando começaram a trabalhar juntos, o pri-
Se hoje, operar 20, 30 lojas já é o suficiente para po- meiro passo foi que as senhas dos sistemas de cada ope-
sicionar uma bandeira entre as maiores redes de perfu- ração deveriam estar abertas para todo mundo. “Foi aí
maria do Brasil, elas ainda estão muitos distantes dos que começamos a nos organizar como família”, lembra
números de outros canais de varejo que operam com a Minoru. É daí que começa a surgir o embrião da Sone-
venda de itens de higiene e beleza como os supermer- da. Em 2018, a rede Perfumaria 2000 (controlada por um
cados, as farmácias e até o atacarejo. dos sócios da Rogê, um dos maiores distribuidores de
Mas, como já foi dito, não se pode avançar rumo à cosméticos do Brasil), foi oferecida à família Kamachi,
barreira das 100 lojas, por exemplo, com a estrutura de que ainda não estavam formalmente juntos em nenhum
governança atual. “O crescimento aumenta a complexi- negócio. Tornarem-se sócios das 10 lojas da 2000 foi o
dade dos negócios, por isso certamente todos estão foca- primeiro movimento em conjunto da família, que aí sim,
dos em melhorar a governança de suas empresas”, con- começou a pensar e a organizar o novo negócio. Até por-
corda Luiz Piccoli, fundador e CEO da Cless Cosméticos. que, tratava-se de incorporar uma rede com outra cultu-
Via de regra, os negócios nas redes do varejo de be- ra e numa situação que envolvia muita desconfiança da
leza ainda são tocados pelo fundador, quando muito parte de quem estava do outro lado. Um exercício muito
acompanhado por familiares e alguns auxiliares que válido para dar o próximo passo, unificar essas 10 lojas
trabalham há muito tempo na companhia. Gente que com as lojas de propriedade de cada um dos membros
conhece bem o jeito de trabalhar do dono e a cultura da família Kamachi não só sob uma única marca, o que
da empresa. Pessoas competentes, quase sempre. Mas, acontecera em 2018, mas sim de converter as diferentes
que muitas vezes carregam, assim como o dono, um operações em um único negócio.
piano pesado demais e sozinho nas costas. “O canal No final de 2019, com o auxílio do arquiteto Julio
perfumaria é, essencialmente, familiar. Todas as redes Takano, que já havia projetado lojas para a Soneda e
são geridas pelos fundadores ou pelos filhos num pro- também atua na área de arquitetura de negócios, a fa-
cesso natural, sem grandes preparações. Nesse aspecto mília empreendeu um grande processo de reorganiza-
de gestão era um ramo amador, muito concentrado no ção societário. Na sequência, já durante a pandemia, um
dono”, relata Augusto Cardoso, sócio-diretor da Mo- novo grupo de advogados e consultores, que não man-

# 175 | AGOSTO 2021 25 ATUALIDADE COSMÉTICA


CANAL Varejo de Beleza

tinha relacionamentos anteriores com nenhum membro


da família, foi contratado para realizar um estudo apro-
fundado da família, dos seus negócios e sobre qual seria
o melhor caminho para a unificação. “Eram sete janga-
das familiares, cada qual com suas lojas. Desafiamo-nos
a fazer o trabalho de valuation de cada uma das partes
olhando para faturamento, ebitda, contabilidade... Só
depois desse estudo é que eles chegaram até nós e nos
apresentaram o modelo que eles julgavam ser o ideal
para a família”, lembra Minoru. Ao fim dos trabalhos,
os consultores foram conversar com cada núcleo fami-
liar, mostrar os resultados, ver se concordavam com os
números e avaliar se aquilo fazia sentido ou não para
cada um deles. “Para nossa surpresa, de cara todo mun-
do entendeu o que foi feito e aceitou o caminho apresen-
tado por eles”, diz o CEO da Soneda.
Hoje, os diferentes membros da família Kamachi
são sócios de uma única empresa. Todas as lojas são
filiais da Soneda e todos os membros da família com
mais de 18 anos, signatários do modelo de governan-
ça da companhia. Como caçula da sua geração, coube
a Minoru fazer a ponte com a nova geração. “Tenho
15 sobrinhos comigo, alguns executivos, outros mais
operacionais. Brinco que eles estão estagiando na ca-
deira de diretor para aprender e conduzimos a bola
a quatro mãos, até entregar na hora que eles segura-
rem”, brinca Kamachi. Hoje, a diretoria executiva da
Soneda é composta apenas por membros da família.
AUGUSTO CARDOSO, DA MONAMIE: com dois ou
Assim como existem empresas preparando a gover-
três pontos de venda, a família se divide para cuidar
nança para passar o bastão numa condição de organiza-
do negócio. Com 15 lojas, isso é impossível.
ção profissional para a próxima geração tocar o negócio
sob uma gestão muito mais profissional, ainda que o co-
mando esteja exclusivamente nas mãos de membros da
própria família; outras companhias vêm apostado em estratégico e da expansão”, reforça o sócio da Monamie.
trazer gente de fora para auxiliar a gerir os negócios. Até aqui, a cereja do bolo desse processo de trans-
É algo que começa a fazer mais sentido na cabeça dos formação foi a contratação de um diretor comercial
donos dos negócios, até porque são poucos os casos de que veio do mercado. É ele o responsável por acompa-
redes como a Soneda, que podem dispor de um quadro nhar todos os processos sobre o que acontece na loja e
familiar suficientemente grande e com formação e expe- as negociações com os fornecedores.
riência para compartilhar o comando do negócio quan- Trazer gente de fora para ocupar posições no topo
do se tem que tocar um número de lojas considerável. do comando das redes ainda é uma exceção da exceção.
“Enquanto eram duas, três lojas, a família se dividia. Mas, um segundo passo natural, acredita Cesar Tsuku-
Com mais, você não dá conta”, reconhece Cardoso, da da. “Primeiro se olha para o back office, para a opera-
Monamie. “Você cria estratégias, prepara as ações, ne- ção, e depois, numa profissionalização mais plena, aí
gocia, mas não consegue garantir a execução na ponta. sim você pode ter um número 1 contratado”, diz. Até
Aí, metade das lojas fazem aquilo e a outra não“, atesta. porque, esse é um movimento para o qual, de imediato,
O empresário fluminense divide o comando da empre- alguém que sempre fez tudo e assim construiu o negó-
sa fundada por seus pais com a irmã. Ela acompanha cio, não costuma estar preparado. É algo que demanda
mais de perto as lojas enquanto ele se concentra na ad- dos donos uma grande transformação, um exercício de
ministração e no comercial. Mas a rede viveu um cres- desapego numa mudança cujos reflexos têm impactos
cimento acelerado nos últimos anos. Das 15 lojas, cinco que podem afetar a saúde da companhia, para o bem ou
foram abertas no período da pandemia. O processo só para o mau. “Há que se ter cuidado. Uma decisão erra-
foi possível porque a empresa se dedicou a organizar a da nesse tema pode comprometer o negócio no médio
gestão, trazendo gente de fora, com experiência no vare- prazo”, acredita o diretor da Beauty Fair, para quem, o
jo, num processo de profissionalização que Cardoso diz ponto de partida para a mudança é o desejo, da parte do
que ainda está acontecendo. “Trouxemos gente do mer- empreendedor, de querer realizar a mudança.
cado para compor as equipes setor a setor, justamente Para Marques, da Salon Line, várias redes atingiram
para sairmos da operação diária e cuidarmos mais do tamanho tal que vão precisar muito se profissionalizar

ATUALIDADE COSMÉTICA 26 # 175 | AGOSTO 2021


e trazer gente de fora. Mas não só. Também será mais turo. É algo que demanda preparação e vai muito além
necessária uma boa governança de informações exter- de deixar o dia a dia. É preciso entender como tudo o
nas, de tendência e mercado, que deem ferramentas à que acontece no mundo hoje, da tecnologia às mudan-
gestão e a quem define as estratégias do negócio, captar ças nos hábitos de consumo, irão moldar o negócio que
muito rapidamente a movimentação do mercado. “Para será bem sucedido no futuro. Estão os empresários do
que se tenha o acompanhamento perfeito dessas movi- varejo de beleza preparados para isso? Para Marques,
mentações, ele precisa ter pessoas e mecanismos que os sim. A dificuldade está em encontrar pessoas prepa-
permita enxergar isso na rapidez com que o movimento radas para essa nova função no canal. Isso tem levado
vem acontecendo”, pontua o diretor da indústria. eles a buscarem pessoas em outros segmentos do varejo,
profissionais com conhecimento e preparo adequados
DIVIDINDO O PODER às necessidades da varejista naquele momento.
Se compartilhar o negócio com quem é da família já é um
desafio, imagina então com alguém recrutado no merca- GENTE QUALIFICADA
do e contratado pelo empresário para, de alguma forma, CUSTA CARO. VAI PAGAR?
ajudá-lo a levar a rede para outro patamar? Dividir o po- Pelo porte atual das companhias do setor, mesmo entre
der é um dos, se não o maior, desafio nesse processo de as maiores, não se pode dizer que a necessidade de tra-
mudança da governança. “Dá medo no início, porque é zer gente de fora para ajudar a liderar os negócios seja
algo desconhecido. A gente trabalhou a vida inteira, mas algo imediatamente mandatório. É bem provável que
sempre aqui. Não aprendemos como as coisas funcio- com algum esforço e disposição, a infraestrutura e a li-
nam em outras empresas. É diferente”, concorda Cardo- derança atual dessas redes ainda comportem a abertura
so, da Monamie. “Vejo que existe uma consciência muito de mais algumas lojas. Mas, como lembra Cesar Tsuku-
grande – da parte de todos – da necessidade da profissio- da, no varejo, quem costuma olhar para a contratação
nalização de seus negócios. Muitos deles se prepararam, de executivos do mercado para comandar o seu negó-
ou estão se preparando, para fazer essa transição de ma- cio, costuma ter um olhar para o longo prazo.
neira pertinente e eficaz”, reforça Piccoli, da Cless. Mas O grande dilema é que trazer profissionais ex-
o empresário alerta: delegar é preciso! Mas ficando de perientes no mercado, para assumir uma função de
olho, bem de perto. Até que a nova cultura e os controles liderança, não costuma ser barato. Não que o profis-
estejam bem fundamentados”, aponta. sional em questão não valha um salário alto. É que o
O fundador do negócio precisa acompanhar a tran- comércio sempre foi uma atividade de margens muito
sição de perto, tudo o que está sendo feito, mas, ao menores do que a indústria, por exemplo, e com um
mesmo tempo, aceitar as mudanças e trabalhar junto histórico de salários mais baixos, até porque o grosso
com a nova liderança para somar e, quando necessário, da folha costuma estar destinada ao pessoal de chão
orientá-la, mas não cercear-la por vaidade ou ciúmes. É de loja. A soma disso com o histórico de sempre tocar
um processo que consome. “Com a gestão profissional o negócio sozinho ou com o auxílio de poucas pessoas
achei que ia trabalhar menos, mas foi o contrário. Tra- mais próximas, faz com que os empresários do setor
balhei mais do que nunca, porque tinha que estar como tenham muitas restrições em bancar salários compatí-
o novo diretor no dia a dia. Entendemos que naquele veis com os profissionais que querem contratar. Além
momento era preciso”, reforça. disso, empresas de outros canais de varejo, maiores e
“Em algumas redes vejo essas movimentações dos mais estruturados, costumam ter condições de pagar
donos contratando profissionais para assumir os vários salários mais altos aos seus executivos. O que torna a
departamentos da empresa e dando a eles autonomia conta, num primeiro momento, ainda mais salgada.
para a tomada de decisões. Mas não são muitas”, pon- Posto tudo isso, é importante sim que os empre-
tua Lázaro Marques, que lembra que mesmo em redes sários das maiores redes do setor comecem a encarar
grandes e que evoluíram de forma fantástica nos últi- esses investimentos como uma necessidade. Para o
mos anos, todas as grandes decisões eram centralizadas mercado como um todo, esse movimento tende a ser
no dono, que é quem criou e construiu todo esse nego- benéfico a médio e longo prazo, no sentido de dar ori-
cio. “Esse é o ponto que eu acredito, daqui para frente, gem a formação de profissionais de alta administração
deve ser alvo de preocupação para todos, de buscar sim que conseguirão unir o conhecimento técnico do vare-
esta evolução, porque se não vai ficar difícil de acompa- jo com a vivência e o conhecimento dos meandros do
nhar tudo o que está por vir e acontecer com este canal” mercado de beleza.
reforça o diretor Comercial.
Justamente por essa movimentação é que assumir O DESAFIO DE CRESCER
um papel na governança da empresa, deixando não só MANTENDO A CULTURA
a execução, mas, também a tomada de decisões que até Outro grande desafio relacionado ao crescimento e que
então eram tomadas apenas por ele ou seus familiares, tem muito a ver com a qualidade da governança, diz
envolve realmente se desapegar dos “pequenos pode- respeito ao grau de aculturamento das companhias que
res” que permeiam o dia a dia, para se dedicar ao “gran- vivem processos acelerados de expansão, particular-
de poder” de liderar a condução da empresa para o fu- mente quando a estrutura de comando começa a crescer

# 175 | AGOSTO 2021 27 ATUALIDADE COSMÉTICA


CANAL Varejo de Beleza

e a sair exclusivamente da mão do dono e numa fase


inicial de quando a empresa começa a se orientar muito
mais por processos e outros indicadores.
Manter a cultura viva com meia dúzia de lojas é uma
coisa. Conseguir garantir a coesão dessa cultura em 20,
30 ou mais operações, com um número várias vezes
maior de colaboradores é outra bem diferente. “Tenho
certeza de que ainda são poucas as redes que estão con-
seguindo implementar o aculturamento de um mode-
lo. É difícil manter a essência viva”, aponta Tsukuda,
para quem esse é um desafio das redes para se tornarem
grandes varejistas, grandes marcas, sem perder a essên-
cia. “Essas empresas têm história, legado, uma série de
coisas de valor que não podem ser relegadas a um se-
gundo plano”, emenda o diretor da Beauty Fair.
É claro que no caso de varejistas em expansão, em
muitos casos, o que é chamado de cultura, nada mais é
do que o jeito que o dono tem (ou tinha) de fazer as coi-
sas, de tratar as pessoas, de negociar, de tocar o negócio.
Isso pode ser bom ou pode ser ruim. Mas não neces-
sariamente é o suficiente para estabelecer uma cultura
empresarial para suportar um negócio que deixa de ser
pequeno e caminha para ser uma operação realmente
grande. “Vejo muitos empresários avançarem bem  na
gestão e critérios de expansão. Agora, boa governança
precisa se enraizar na cultura da empresa. Isso leva tem-
po”, acredita Piccoli.
Por isso, a importância que dentro do processo de LUIZ PICCOLI, DA CLESS: o negócio de varejo de beleza
avanço da governança, se consolide a visão e os valo- no Brasil tem muitas peculiaridades. Por isso é preciso
res que o dono ou a família tem sobre o negócio e que cuidado na hora de trazer gestores de fora da empresa.
são inegociáveis, não confundindo isso com a falta ou o
excesso de processos ou de bons mecanismos de contro-
le, por exemplo. Quando a empresa avança, a diferen- que, reconhecidamente, são (e provavelmente seguirão
ça entre essas coisas fica mais evidenciada e, sem uma sendo) fundamentais para a diferenciação do canal es-
cultura baseada em valores, pode-se ter uma empresa pecializado na comparação com outros canais de vare-
muito bem administrada, mas que pouco consegue jo que também oferecem produtos de higiene e beleza,
fazer de diferente em relação a todo o mercado. Uma sem falar na comparação com outros canais como a
operação bem azeitada pode manter a saúde financei- venda direta e as franquias. Compõe esse diferencial,
ra da companhia por um bom tempo, mas sozinha, não temas como amplitude e profundidade do mix de ca-
será o suficiente para construir um negócio que marque, tegorias e itens; atendimento assistido e o relaciona-
uma marca que permita ao consumidor estabelecer uma mento com fornecedores, particularmente as pequenas
identidade, se engajar com ela. e médias empresas locais, fundamentais para garantir
Ter clareza sobre qual a visão e os valores do negó- uma oferta que os consumidores não vão encontrar nas
cio é essencial para a construção de uma cultura que farmácias ou supermercados. “O canal é onde a consu-
valorize o que de bom a empresa construiu (e como midora vai experimentar e estar aberta às coisas novas.
construiu), ao mesmo tempo em que permite aos seus É o canal formador de opinião e, para nós, de uma im-
controladores uma visão mais clara sobre o que dessa portância gigante”, reconhece o diretor da Salon Line.
cultura, eventualmente, pode não fazer mais sentido Para quem tem uma visão um pouco mais ampla do
ou estar em descompasso com a realidade vivida pela que é o negócio e, principalmente, uma visão da sua
própria empresa. Cultura é algo vivo, que vai evoluir. sustentação no médio e no longo prazo, não costuma
O desafio é não perder a mão no que fez realmente o ter esse problema. Mas, numa visão estreita, de quem
diferencial da empresa. não tem experiência nos meandros do canal, tudo isso
Um bom exemplo de “risco cultural” para uma per- pode ser contrário à busca pela maximização máxima
fumaria em crescimento e o de apostar numa visão de do lucro. E alguém que vem de fora, com experiência
varejo muito financista. Não que ter um negócio que de varejo, mas não do varejo especializado, pode pôr
tenha a última linha, a do lucro, como foco central do tudo a perder. É um dos maiores desafios nesse pro-
negócio seja ruim. Longe disso. O grande problema cesso, não perder a dinâmica do varejo de beleza, que
é como essa visão se equilibra com outros elementos precisa ser muito rápido para responder às tendências

ATUALIDADE COSMÉTICA 30 # 175 | AGOSTO 2021


e demandas que mudam a todo instante. nal, e combinar bem as regras”. Lembra o CEO da Cless,
Não existe um modelo único de governança, que sir- para quem as particularidades do canal especializado
va a todas as empresas mesmo que operem no mesmo no Brasil fazem com que os avanços precisam ser cui-
setor. Mas, Cesar Tsukuda acredita que as perfumarias dadosamente planejados para não contradizer a cultura
tendem a caminhar para um modelo no qual a família se existente. “Mas certamente ela é necessária”, concorda
mantém no conselho justamente para manter valores e Piccoli. “Hoje temos 250 pessoas na empresa, com 50
cultura para crescer como empresa forte, mas mantendo que estão há muito tempo na empresa. Quem tem ex-
o legado da família. “Onde vamos chegar importa, mas periência com gestão e com pessoas consegue lidar com
a jornada é tão importante quanto o destino. O fato de isso. Quando você estabelece uma gestão profissional
estarmos em família nessa construção só torna a jornada traz muitas mudanças e se isso não for feito de forma
mais importante”, aponta Kamachi. compartilhada, vai se encontrar resistências para im-
“Quem vem de fora traz um conhecimento e uma plantar novos processos. Uma empresa com 15 lojas não
experiência que nós não temos”, diz Cardoso. “Mas tem a mesma dinâmica de quando tinha três, mas ainda
não é porque você coloca um gestor de fora que você temos gente atuando na rede que já estava aqui quando
vai deixar de ver o negócio”, emenda. Para o diretor da só tínhamos três lojas e o processo pode ser difícil para
Monamie, os donos continuam a olhar para a estratégia, eles”, reconhece Cardoso.
eles só tiram o pé da execução. Agora, como ele mesmo
lembra, é claro que é preciso encontrar a pessoa certa, o CONTROLES INTERNOS E
que é difícil. “Quem vem de fora para assumir essa fun- AUDITORIA INDEPENDENTE
ção tem que ter essa sensibilidade, de que a Monamie Claro que não adianta estabelecer uma boa governan-
começa com meu pai, com 10 anos de idade, cortando ça corporativa sem bons mecanismos de gestão e de
cabelos, e que passou o negócio para mim... Essa pes- controles internos que permitam que a governança da
soa tem que entender tudo isso, ou vai encontrar muita empresa monitore a execução das estratégias e planos
resistência”, aponta o empresário. “Trazer profissionais estabelecidos pelo comando das companhias.
de fora certamente agrega novos conceitos, mas é sem- Como já se disse aqui, as principais redes do varejo
pre importante olhar com carinho o perfil do profissio- de beleza do Brasil investiram bastante nos últimos anos

ESG. TEMA DO MOMENTO


AINDA ENGATINHA NO CANAL

T
ema do momento no ambiente corpora- ESG, é que as indústrias vêm ofertando ao mer- istem outras prioridades, inclusive na área social,
tivo, a temática ESG – sigla em inglês cado mais produtos sócios ambientalmente cor- que também engloba a relação da empresa com
que designa um conjunto de práticas retos. E aos poucos (bem aos poucos mesmo) os seus funcionários. “A gente vem focado no
ambientais, sociais e de governança – o varejo de beleza começa a dedicar mais es- time interno, anunciamos vale-alimentação para
começa a ser discutida no ambiente do varejo paço no mix e na loja para produtos naturais ou todos os colaboradores. Hoje são 700 e, pelo me-
de beleza brasileiro, mas ainda de forma em- orgânicos, por exemplo. nos 500, não recebiam esse benefício. Esse é o
brionária. “É um movimento sem volta e as re- Na operação das lojas, aplicar preceitos am- ponto: olhar para dentro, estabelecer plano de
des sabem que precisam encarar isso, mas não bientais, relacionados ao consumo inteligente de carreiras para os times, criamos um EAD para que
sabem como fazer”, acredita Cesar Tsukuda, que energia, por exemplo, é muito mais desafiador. eles possam se capacitar para subir de cargo. É
vê justamente na questão da governança atual “Quantos prédios tem condições de receber en- uma preocupação nossa”, explica Kamachi.
do canal, hoje, como a necessidade mais latente. ergia solar? Às vezes, tem que colocar estrutura Outro tema que diz respeito ao aspecto so-
“Nos quesitos social e ambiental alguns já fazem abaixo para implantar isso. Não é uma decisão cial nas relações entre os varejistas e seus colab-
isso pela essência da pessoa, do dono. Mais redes fácil. Agora, querer é o começo”, pontua Tsu- oradores diz respeito aos próprios salários pagos
podem estar de olho nisso, ter essa vontade, mas kuda. “Hoje o varejo de beleza faz muito pouco no canal. Historicamente e de forma generaliza-
ainda não é uma realidade”, acredita o diretor em relação ao ESG. Somos muito tímidos nessas da, o trabalho no varejo, principalmente no chão
da Beauty Fair. práticas, mas existe uma expectativa e uma co- da loja, não é uma escolha, mas sim a falta dela.
Como neste momento, as indústrias, espe- brança para entrarmos com mais força nessas Em parte, isso se deve a falta de perspectivas
cialmente as grandes companhias do setor, têm questões. Falamos muito em logística reversa para subir na carreira (algo que com a expansão
dado grande peso à execução dessa agenda, de embalagens e como implementar isso. Temos das redes evoluiu), e aos salários pagos. “É pre-
isso vai acabar chegando ao varejo de beleza, muito a avançar”, reconhece o diretor da Mona- ciso pensar nisso”, concorda Augusto Cardoso,
que pelo seu porte, teria mais dificuldades mie. A loja mais recente inaugurada pela Soneda da Monamie. “Temos um momento de defasagem
de liderar todas as transformações que essa na capital paulista é toda de vidro e conta com no salário por conta da pandemia, e o poder de
temática implica. Entre as mais óbvias, e que drivers de iluminação que regulam o consumo compra foi perdido. É um problema de fato e se
refletem novos hábitos e atitudes do consumi- de energia. Agora, embora Minoru Kamachi diga fala muito pouco em relação a isso. Pode haver
dor, um dos elementos que têm fortalecido o que o tema ambiental esteja no radar, ainda ex- um movimento positivo”, emenda.

# 175 | AGOSTO 2021 31 ATUALIDADE COSMÉTICA


CANAL Varejo de Beleza

não comportaria a nova operação consolidada. Depois


de prospecções, a empresa optou por migrar para um
sistema muito mais voltado para os supermercados. A
opção, segundo Minoru Kamachi, se deu justamente
por conta do volume muito maior com os quais esse ca-
nal opera e o nível de complexidade também superior,
com perdas maiores e prazos de validade muito mais
curtos. “Se roda em supermercado vai rodar para nós
perfeitamente. Optamos por um ERP muito mais con-
tábil e essa é a integração que estamos fazendo hoje”,
conta o CEO da Soneda.
Uma mudança já implementada e que exemplifica
quanto cresce a necessidade de controles mais efetivos
na medida em que o negócio cresce diz respeito à con-
ferência do material recebido das empresas. Até então,
os recebimentos eram conferidos apenas por volume.
Agora, a conferência é feita unidade por unidade, o
que é um desafio adicional, já que as transportadoras
não costumam querer esperar por essa conferência. É
um processo novo e, apenas no primeiro mês, Kama-
chi diz ter detectado R$ 130 mil reais de itens que não
LÁZARO MARQUES, DA SALON LINE: falta de profissionais haviam sido pedidos, mas estavam sendo entregues e
de liderança que conheçam de operações de varejo e do recebidos, engordando os estoques e consumindo caixa
negócio de beleza é um desafio para as redes de perfumaria.
da companhia. Junto com o aprimoramento dos proces-
sos, a Soneda começa a ver a necessidade de incorporar
profissionais com formação mais técnica e específica
para se expandir e contar com uma infraestrutura mais para o time. “Criamos gerências regionais, com profis-
adequada para suportar isso. O que não quer dizer que sionais de fora da família, para manter a nossa cultura
essa infraestrutura é suficiente para suportar um novo do chão de loja. Não apagamos isso, para manter esse
ciclo de expansão, que parte de um ponto bem mais alto olhar do dono”. Mesmo a área de Compras, nos quais
do que os ciclos anteriores. De maneira geral, dentre as a gestão vem sendo aperfeiçoada há mais tempo, o mo-
15 redes de perfumaria mais avançadas, aquelas que es- delo já mudou várias vezes, e continua mudando: por
tão em posição de começar a pensar mais seriamente departamento, por marca, por regional... “Não tem uma
na sua governança, Cesar Tsukuda vê, com raríssimas fórmula pronta e estamos ajustando todos os dias. Essa
exceções, lacunas em toda a estrutura de back office, da semana mudamos nosso formato de compras, pensan-
logística à controladoria. “Isso é uma realidade do mer- do em diminuir cada vez mais o índice de ruptura nas
cado. Por mais que se tenha avançado, ainda existem lojas” contou Kamachi.
oportunidades de melhorias, sem dúvidas. Até porque Na Monamie, os controles internos representam o
os avanços organizacionais costumam começar pela desafio do momento. “Na administração é mais fácil,
área comercial”, pontua o diretor da Beauty Fair. mas o varejo é muito complexo para efeitos de controle.
Uma das empresas que vem trabalhando mais forte- Hoje, nosso foco é melhorar o controle no recebimento
mente nesse processo de redesenho da gestão e dos con- de produtos e checagem da mercadoria no recebimen-
troles é a Soneda. Quando consolidou o novo contrato to”, diz Augusto Cardoso. Assim como acontecia na So-
social, com todos os membros da família Kamachi ago- neda, os processos de recebimento eram feitos apenas
ra como acionistas de uma única Soneda, em novembro pelo volume de caixas, o que resultava em produtos
passado, a rede recorreu novamente aos consultores, es- errados ou até vencidos, incorporados ao estoque. A au-
pecialmente para reorganizar a área contábil para pre- tomatização desses processos de conferência é o ideal e
parar os balanços deste ano, mas também consolidar os isso passa por um novo sistema de ERP, investimentos
do ano passado. Para Minoru Kamachi, a empresa hoje em novas tecnologias e por certificar que as pessoas es-
está numa fase de pré-auditoria. Estamos trabalhando tão seguindo os processos. “Hoje, vivemos esse momen-
nisso hoje, revendo número a número. “Mas a partir do to. Nosso investimento está focado nisso. Sem automa-
ano que vem a gente tem a necessidade de fazer a audi- tizar esses processos é muito complicado”, reconhece.
toria externa sim”, diz o CEO da varejista. “Isso muda o
negócio de patamar, até pelas exigências de uma audi- AÍ SIM, PRONTAS PARA O MERCADO
toria externa, que obriga o aperfeiçoamento de proces- Realizando os investimentos nos mecanismos de
sos”, concorda Cesar Tsukuda. controles, com a estrutura de governança e gestão
Na esteira das mudanças, a Soneda entendeu, entre atuais, Augusto Cardoso crê ser possível à Monamie
outras coisas, que o ERP usado pelas operações da rede, suportar dobrar de tamanho, alcançando as 30 lo-

ATUALIDADE COSMÉTICA 32 # 175 | AGOSTO 2021


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LOJA DA MUNDO DO CABELEIREIRO: com a evolução da governança, é natural que o apetite por aquisições e fusões no setor cresça.

jas, o que configura uma espécie de teto para lojas anos. “Quem sabe até comece a ter algo de fusão en-
da bandeira no estado. Embora hoje não tenha nada tre redes, algo que nesse canal ainda não tivemos”,
acertado, a Monamie já analisou alguns mercados questiona Marques.
fora do Rio de Janeiro. Para Tsukuda, com o início do processo da cons-
A governança do negócio para dar conta de um trução de uma governança mais sofisticada para o
novo ciclo de expansão pelas redes do varejo de be- negócio, junto com a própria expansão das redes, que
leza é algo que vai muito além de botar a casa em or- devem seguir inaugurando lojas nos próximos anos,
dem. “Vejo algumas redes se estruturando com uma num período entre três e cinco anos, abre-se uma jane-
preocupação bastante grande de fazer a expansão de la bastante interessante para fundos de investimentos
maneira organizada e profissional. Isso possibilita tes- e, também, compradores estratégicos, como redes in-
tar o modelo. Uma vez validado, é possível acelerar ternacionais ou mesmo as próprias redes locais. “Isso
o crescimento”, diz Piccoli, da Cless, lembrando que vai acontecer”, garante o diretor da Beauty Fair, mas
alguns empresários do setor também estão procu- ele também acredita que é necessário ao canal enfren-
rando fundos de investimentos, para levantar capital tar um desafio futuro de rediscutir o seu papel no mer-
novo que possa acelerar essas expansões. “Vemos com cado de beleza. “A perfumaria precisa se reinventar, se
bons olhos a entrada de um parceiro. Mas não nesse reencontrar... A pandemia deu uma chacoalhada com a
momento”, pontua Cardoso. Para ele, é preciso antes chegada forte de e-commerce, multicanal, marcas que
amadurecer os processos internos antes de pensar em não vendiam seus produtos em outros canais e passa-
aderir a algum fundo ou mesmo uma fusão com algu- ram a vender. Vejo com bons olhos o futuro, mas nos
ma outra rede. próximos meses e anos existe uma questão importan-
Na outra ponta, Lázaro Marques acredita que mes- te de discutir a conexão e a proximidade nas relações
mo as maiores empresas do setor ainda têm condições entre indústria e varejo, porque o consumidor tem um
de crescerem sozinhas. Para ele, essas empresas têm comportamento diferente”, complementa o executivo.
as condições financeiras necessárias para expandir e Na mesma linha, Piccoli, da Cless, acredita que um
melhorar seus negócios com recursos próprios, algo ponto importante para o crescimento de qualquer pes-
que eles gostam de reforçar e que lhes dá mais segu- soa ou empresa é “entender o outro”. “Essa reflexão e
rança “O sonho mudou. Você percebe isso conversan- o diálogo minimizam conflitos, elimina ruídos, eviden-
do com eles. Até poucos anos atrás, eles almejavam cia oportunidades, gera confiança e compromisso com
que suas empresas tivessem 20 lojas, 30 lojas. Agora, parcerias reais. Transforma o interesse-interesseiro, num
você escuta dos grandes que eles querem ter 300 lojas, interesse-interessado - de construções de pontes e cresci-
500 lojas e estão se movimentando muito forte para mento”, reforça o CEO da Cless, para quem, neste diálo-
isso”, afirma o executivo da Salon Line. Passadas es- go é possível alinhar estratégias, construir mix mais inte-
sas dificuldades e evoluindo da forma que evoluiu, ligentes, buscar mais rentabilidade, e relacionamentos de
quem se preparou para vai estar pronto para avançar longo prazo, o que realmente gera riqueza. “Penso que
num ambiente que tende a melhorar nos próximos estamos neste caminho. Estou animado!”, conclui.

ATUALIDADE COSMÉTICA 34 # 175 | AGOSTO 2021


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ESPECIAL Casas de Fragrâncias

PERFUMISTA CHEIRA VA-


Foto: Symrise/Divulgação

NILLA: a essência do pro-


ceso de criação perfumística
pode não ter mudado muito,
mas as camadas de infor-
mação que precisam ser
levadas em conta na hora
de compor a fragrância vêm
se ampliando muito. Espe-
cialmente pela necessidade
de calcular o impacto ambi-
ental das criações.

O NEGÓCIO
ESTÁ MUDANDO.
PARA ONDE VAI?
O NEGÓCIO DE FRAGRÂNCIAS ESTÁ EM PLENO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO,
INVESTINDO PESADO PARA ESTABELECER INGREDIENTES À PARTIR DE FONTES
RENOVÁVEIS E BIOTECNOLOGIA E DAR ADEUS AO PETRÓLEO, QUE POR MAIS DE
UM SÉCULO VEM SERVINDO DE BASE PARA SUA CADEIA PRODUTIVA
>>> AÛANI CUSMA DE PAULA

ATUALIDADE COSMÉTICA 36 # 175 | AGOSTO 2021


A
criação dos ingredientes sintéticos de diferentes óleos essenciais, amplificando o desafio
à base de hidrocarbonetos, no final para o setor.
do século XIX, elevou ao patamar de Claro que existe ainda a própria questão da finitude
“indústria moderna” o negócio da do petróleo no mundo. Estudos atualizados da petrolí-
criação perfumística, até então uma fera britânica BP acreditam que isso deve acontecer em
tradição artesanal milenar calcada 2067, considerando o atual nível das reservas. Na déca-
nos ingredientes naturais. da passada, novas descobertas ampliaram as reservas
Mais de 100 anos depois dessa revolução que deu até então conhecidas em mais de 25%. Por isso, é bem
origem à moderna indústria de fragrâncias, as maio- provável que a disponibilidade de petróleo no mundo
res empresas do setor estão numa espécie de corrida perdure por um período ainda superior.
contra o tempo para eliminar os produtos baseados Mas a verdade é que hoje, o fator mais importante
em petroquímicos do seu portfólio e substituí-los por para justificar os pesados investimentos que vêm sendo
alternativas baseadas em fontes renováveis de menor feitos pelas casas na substituição do petróleo como base
impacto ambiental. da indústria é a necessidade das empresas diminuírem
O movimento não começou hoje, nem ontem. Há seu impacto ambiental. Nomes como L’Oréal, Unilever
cerca de 15 anos, o mercado de fragrâncias vem bus- e Natura&Co, para citar alguns dos maiores clientes
cando meios para se livrar da dependência dos com- globais da indústria, também têm compromissos pú-
bustíveis fósseis como base de sustentação da sua ca- blicos de redução de impacto ambiental e redução no
deia produtiva. Hoje, em boa medida, o negócio ainda uso de ingredientes não renováveis. Algumas precisam
segue muito dependente deles. Mas, é provável que o inclusive encontrar meios para reduzir em 10 anos o
setor esteja vivendo hoje, efetivamente, a sua última nível de consumo atual, mesmo considerando o cresci-
década sob a égide do petróleo. mento nesse período. Além disso, no meio de tudo, uma
Os principais atores do setor estão comprometidos nova geração de consumidores, muito mais consciente
publicamente com metas ambientais ambiciosas, que e restritiva em relação aos produtos que consomem e
devem conduzir a grandes transformações em seus por- aos ingredientes que constam da fórmula. “Existe toda
tfólios e processos de negócios, industriais e criativos. uma pressão de governos, empresas e da sociedade em
Até 2030, a casa de fragrâncias norte-americana IFF está relação ao carbono. Agora, ninguém mais quer usar ma-
comprometida a ter 100% dos ingredientes utilizados térias-primas baseadas em petróleo”, reconhece Eder
em suas composições olfativas biodegradáveis e oriun- Ramos, presidente global da área de Fragrâncias da
das de fontes renováveis. A suíça Givaudan também está multinacional alemã Symrise.
comprometida com uma paleta de ingredientes 100% re- Embora alguns falem em cinco, seis mil ingredientes
nováveis até 2030. Na também suíça Firmenich, a meta olfativos para a composição de fragrâncias disponíveis
é ligeiramente mais modesta, 99% das composições de- no mercado, o negócio mesmo está concentrado em algo
vem ter origem em fontes renováveis no final da década. como dois mil itens. A maior parte ainda está baseada
A mudança vem sendo puxada por diversos fato- na cadeia petroquímica, incluindo itens básicos para a
res. Um dos primeiros triggers foi a própria instabi- produção. “Nosso mercado não tem os estudos das ma-
lidade no preço da commodity, que fez com que os térias-primas novas que possam cumprir com esses re-
custos de matérias-primas básicas para a indústria de quisitos de serem verdes (para tantos ingredientes) e que
fragrâncias subisse de forma vertiginosa e “assustan- sejam totalmente aceitos do ponto de vista regulatório.
do” o mercado em vários momentos na década passa- A adaptação disso vai despender muito tempo e traba-
da. Outro ponto é o contínuo processo de exclusão ou lho”, acredita Michel Ulhoa, gerente Comercial de Fra-
restrições no uso de uma série de ingredientes tradi- grâncias para América Latina da casa chilena Cramer.
cionais para a indústria por órgãos reguladores, justa- É uma mudança que vem sendo feita com os carros
mente por questões relacionadas ao impacto ambien- em movimento. Mas que já nos próximos dois ou três
tal ou registros de potenciais riscos à saúde humana anos deve resultar em mudanças drásticas na paleta de
desses materiais, em sua grande maioria derivados de matérias-primas disponíveis para a criação.
hidrocarbonetos. O peso dessas restrições foi, e segue Além da aplicação dos princípios da química verde,
sendo, bastante significativo, obrigando a indústria a que permite a transformação e produção de moléculas
reformular composições consagradas e quebrar a ca- sem resíduos e já impacta substancialmente na susten-
beça em busca de substitutos para mantê-las o mais tabilidade, mas num nível de preço final que é bastante
próximo possível das fórmulas originais. A lista de res- competitivo – cada vez mais adotada pelas empresas do
tritivos será ampliada mais uma vez com a entrada em setor, o dirigente da Symrise explica que existem duas
vigor da emenda 50 da IFRA, a associação que congre- rotas principais que estão sendo seguidas pela indústria
ga as entidades nacionais do mercado de fragrâncias e para alcançar o objetivo de obter a totalidade de maté-
exerce uma espécie de auto regulação em relação a lis- rias-primas para a indústria a partir de fontes renováveis.
tas de ingredientes restritivos para a indústria em âm- Uma delas é desenvolver mais ingredientes a partir
bito global. O novo documento estabelece restrições de outras cadeias produtivas como os pinenos, substân-
para elementos químicos presentes nas composições cias químicas derivadas da indústria de papel e celulose

# 175 | AGOSTO 2021 37 ATUALIDADE COSMÉTICA


ESPECIAL Casas de Fragrâncias

que servem de base para a fabricação de uma série de


químicos aromáticos; ou da cana de açúcar, para men-
cionar apenas dois. Em 2015, a companhia alemã ad-
quiriu a Pinova Holdings, fornecedora de ingredientes
provenientes de fontes naturais e renováveis, particular-
mente os pinenos, utilizados
​​ na produção de ingredien-
tes de fragrâncias e produtos de higiene bucal, por cerca
de US$ 400 milhões.
A outra é uma aposta cara, de mais longo prazo e
resultados ainda incertos (embora seja considerado o fu-
turo), que é o uso da biotecnologia.

EM BUSCA DE MAIS RENOVÁVEIS


Assim como a Symrise, a norte-americana IFF também
vem apostando nos derivados de pinenos, com a produ-
ção há mais de 20 anos concentrada na sua fábrica em
Jacksonville, nos Estados Unidos. “A busca por renová-
veis já permeia o P&D de ingredientes da IFF há mais
de 10 anos”, conta Josiane Bordignon, diretora Comer-
cial de Fine Fragrances para Latam da empresa. Apesar
desse histórico, o desafio para estabelecer um portfólio
de fontes renováveis ainda é grande. “Todos os deriva-
dos de alfa-pineno, beta-pineno, desse feedstock, ok. Mas
tem todo o resto do portfólio. As moléculas de musk, por JOSIANE BORDIGNON, DA IFF: a partir de 2025, portfólio de
ingredientes da casa de fragrâncias deve mudar radicalmente.
exemplo, ainda derivam da indústria de petróleo”. Por
conta da amplitude e da relevância dos ingredientes de-
rivados de combustíveis fósseis na cadeia produtiva do
mercado e fragrâncias, Breno Grou, CEO da casa de fra- para reduzir as nossas emissões”, concorda Eder Ramos.
grâncias brasileira Ginger, acredita ser prematuro falar Outro desafio relacionado diz respeito ao custo dos
no fim do uso de ingredientes à base de petroquímicos. ingredientes renováveis, que na média ainda são mais
“A cadeia é extensa e as escalas são gigantescas. Acredito caros. Grande parte dos materiais usados na indústria
que vai levar um tempo um pouco maior para virar essa já vem de uso vegetal, mas para muitos itens, na escala
cadeia de forma mais sustentável”, acredita Grou. Além atual, o custo é mais caro. Essa é uma chave que pode
disso, no caso das cadeias de abastecimento dos reno- mudar rapidamente? Para Eduardo Matoso, presidente
váveis, é preciso estabelecer mecanismos que permitam da Kaapi, casa de fragrâncias e ingredientes brasileira,
garantir a confiabilidade e a segurança na oferta de acor- a resposta é sim. É possível, por exemplo, usar o propa-
do com as demandas do mercado. Quando o dono da nediol zemea (derivado de açúcar de milho) para subs-
terra opta por deixar de plantar árvores para criar gado, tituir o propileno glicol e com uma sintetização chegar
porque essa atividade é mais vantajosa, a oferta cai, os ao DPG (um dos ingredientes mais comuns na indústria
preços sobem e todo o mercado sofre com isso. Recente- de fragrâncias). “Hoje, esse processo é mais caro. Mas o
mente, o mercado viveu isso com a falta de terebintina, mercado é dinâmico, vai onde tem demanda. Realmen-
matéria-prima obtida da madeira de pinho e que serve te, se o cliente deixar de comprar à base de petróleo, os
de base para a produção de inúmeros ingredientes de preços vão ter que se reorganizar. A partir do momento
base da indústria de fragrâncias. que isso virar grande escala vai ter uma reorganização
“Tem um desafio forte da nossa indústria que é esta- dos preços”, diz o empresário.
belecer essas fontes renováveis”, reconhece a executiva O sócio-diretor da também brasileira Vollmens Fra-
da IFF, ressaltando inclusive que a companhia vive uma grances, Nestor Mendes, acredita que seria possível
nova fase nesse sentido com a aquisição da divisão de que o Brasil tivesse um papel mais relevante na oferta
Nutrição e Biociências da DuPont, que agrega novas tec- de químicos aromáticos de fontes renováveis, voltando
nologias e possibilidades à essa busca. “De certa forma, a produzir ao menos alguns ingredientes localmente.
a estratégia da IFF lá de trás vem se consolidando nessa No passado, as próprias multinacionais tinham plantas
direção, tanto que o nosso novo lema é o do more good aqui. Hoje, praticamente tudo vem de fora, mesmo que
(fazer mais o bem), ter impacto positivo por meio do que o Brasil seja participante importante de algumas dessas
a gente faz”, emenda a diretora da casa norte-americana. cadeias produtivas, como a da terebintina, obtida do
A busca por gerar impacto positivo, ao invés de simples- óleo de pinho. “Temos produção local, aí China e Índia
mente se preocupar só em neutralizar os efeitos da pro- vem buscar essa matéria-prima aqui, convertem em seus
dução sobre o planeta, representa um novo paradigma países, para nós termos de comprar de volta depois.
para a indústria. “Temos que investir e buscar caminhos Olha que beleza”, lamenta Mendes.

ATUALIDADE COSMÉTICA 38 # 175 | AGOSTO 2021


ESPECIAL Casas de Fragrâncias

PRODUÇÃO DE CELULOSE, NOS ESTADOS UNIDOS: subproduto do processo


Foto: Domart/Reprodução Internet

produtivo da indústria de papel e celulose representa uma das grandes cadeias


de renováveis para as matérias-primas do negócio de fragrâncias.

cer ingredientes e processos sustentáveis, especialmente


porque ela permite escalonar a produção, sendo muito
menos suscetível a quebras de produção na comparação
com as fontes renováveis, sujeitas a diferentes intempé-
ries ambientais e de mercado. Mas ela ainda representa
um processo complexo, de difícil operação e controle.
Por muito tempo, o foco na aplicação dessas tecnologias
recaiu sobre indústrias correlatas, como a de nutrição e
a farmacêutica. “Agora ela vem para o negócio com as
novas oportunidades que estamos vendo também para o
negócio de fragrâncias da IFF”, comemora Josiane. Com
a adição da divisão de Nutrição e Biociência da DuPont,
a IFF quer acelerar, justamente, a incorporação da bio-
tecnologia aos seus processos de inovação e desenvolvi-
Os naturais, quando corretamente manejados, tam- mento. O processo não é imediato, mas o fruto das siner-
bém representam uma oportunidade de redução no gias do negócio adquirido com a divisão de fragrâncias
impacto ambiental da indústria e na melhoria dos seus deve gerar frutos em dois ou três anos. “Temos um plano
índices de sustentabilidade. Referência em ingredientes bem agressivo a partir de 2025 e vamos virar de ponta
naturais no universo das fragrâncias, a francesa Rober- cabeça nosso portfolio”, afirma a executiva.
tet aposta nas suas origens para aumentar o pipeline de A biotecnologia não é só difícil de operar. Ela é um
renováveis. “A matéria-prima natural é a nossa razão de jogo caro, que demanda muito dinheiro para investir
ser, portanto, a proteção do meio ambiente é nosso pilar em pesquisa avançada e cientistas de ponta. Mendes,
mestre de atuação. Nossa forte política de responsabili- da Vollmens, acredita inclusive que tudo o que for
dade socioambiental é comprometida com a preservação ser criado nesse sentido deve vir das grandes casas
dos recursos naturais, a redução de resíduos e a contri- de fragrâncias.
buição das comunidades locais”, explica Cynthia Cres- Mas não só. É um terreno ainda sob o qual existe
po, diretora da área de Fragrâncias da casa no Brasil. pouca clareza regulatória, ao que se somam dilemas
Ao menos no discurso, os naturais são desejados éticos e científicos. “A biotecnologia já é a bola da vez
pelas marcas e principalmente pelos fornecedores. Mas há tempos e acredito que os investimentos nela pelas
olfativamente, nas condições de uso atual dificilmente se empresas vão crescer”, reforça Matoso. O presidente da
consegue construir algo próximo do que o consumidor Kaapi espera que se trabalhe cada vez mais com enge-
está acostumado a cheirar. “Já me pediram para criar nharia genética de bactérias para se produzir a molécula
um perfume 100% natural. Entreguei para o cliente um que se quer com apelo sustentável e natural. “Mas esse
eucalipto, 100% natural”, brinca o perfumista Fabiano ser vivo não é natural”, alerta. “Ninguém sabe qual o
Ramos, da Ginger. Daí que se faz necessário a busca por bio risco da criação de organismos geneticamente modi-
processos que permitam substituir os ingredientes de ficados em seres humanos. A biossegurança envolvida
origem fóssil, por outros de fontes renováveis, mas ca- nesse processo é uma incógnita”, emenda o empresário.
pazes de cumprir com as funções que os atuais sintéticos Todo esse contexto de custos e riscos envolvidos ten-
cumprem na construção da composição olfativa. de a concentrar essas novas tecnologias, ao menos num
primeiro momento, nas mãos das grandes casas globais.
DESAFIO PARA O FUTURO PRÓXIMO “Muitas vezes esses novos ingredientes são captivos, de
Se a busca por fontes renováveis é um caminho mais uso exclusivo e demora para que eles os liberem para
adiantado e que deve seguir como ponta de lança na o mercado”, pontua o sócio da Vollmens. Mesmo que
cruzada pela substituição dos ingredientes de petróleo, exista hoje um sem números de startups de alguma for-
a biociência aponta como a aposta das empresas para ma envolvida na pesquisa e no desenvolvimento de no-
revolucionar o futuro da indústria e consagrar o fim da vas aplicações a partir da biotecnologia, são as grandes
era do petróleo na indústria de fragrâncias. “Nós temos que dispõe dos recursos necessários para avançar com
um time de cientistas focado em biotecnologia em nossa os estudos, bancar os testes e toda a documentação ne-
sede e parte de nossos investimentos são direcionados cessária, além de garantir a capacidade de colocar as ino-
para a pesquisa e desenvolvimento desta área com for- vações no mercado em larga escala, caso a pesquisa gere
tes lançamentos de ativos para beleza, nutrição e sauda- novos ingredientes. De imediato, a tendência é que o gap
bilidade”, pontua Cynthia, da Robertet. que separa as quatro grandes casas globais das outras
A biotecnologia é um ótimo caminho para estabele- empresas do mercado deve crescer. Isso deve se refletir

ATUALIDADE COSMÉTICA 40 # 175 | AGOSTO 2021


LÍDER EM NATURAIS
Casa de Perfumaria Francesa com Novas Instalações no Brasil

A Robertet, conhecida mundialmente pela sua fragrâncias, aromas e ativos, mantendo a premissa
sólida trajetória de mais de 170 anos, eleva aindade enaltecer o DNA Robertet em todos os detalhes,
mais sua posição global extraordinária como casa reforçando o potencial criativo e triplicando a
de fragrância criativa, renomada, premiada e lídercapacidade de produção e armazenamento. Todo
em matérias-primas naturais levando sua expertise este investimento destaca a grande importância
ao mercado brasileiro. dos negócios da subsidiária, em solo brasileiro
há quase 60 anos, como uma região de grande
Um investimento de mais de R$50 milhões deu destaque para o grupo.
vida a uma inovadora e tecnológica planta fabril
projetada com base no programa global Robertet Para os nossos clientes levamos o que existe de
CSR (Corporate Social Responsability) que garante mais moderno, sofisticado, nobre e da mais alta
o mais alto nível de qualidade, rastreabilidade e qualidade em matérias-primas, o que deriva em
transparência na fabricação de seus ingredientes, criações inigualáveis.

“Estamos otimistas e prontos para um futuro


promissor, juntos de nossos
clientes, potencializando a força do mercado
brasileiro através da perfumaria.”

Cynthia Crespo
Fragrances Director
ESPECIAL Casas de Fragrâncias

EDER RAMOS, DA SYMRISE: com scorecard patenteado,


perfumistas da casa já podem criar levando em conta os critérios de
impacto ambiental, mantendo o controle sobre o processo criativo.

riscos legais e regulatórios nos quais podem ser impli-


cadas, mesmo que elas não tenham participação direta
em nenhum desses malfeitos. Na prática, o que se tem
para os stakeholders é a responsabilização objetiva da
parte mais famosa e exposta nesse processo, a marca
de consumo. Daí que o grau de exigência em relação à
rastreabilidade tenha subido muito nos últimos anos. E
isso vai cascatear cada vez mais para todo o mercado. Na
Cramer, que atende principalmente empresas de médio
e pequeno porte da América Latina, esse mercado vai co-
meçar a exigir, mais do que exigem agora, dos fornece-
dores das matérias-primas de que eles estão comprando
produtos sustentáveis, amigos do meio ambiente. “Esta-
mos trabalhando nesse sentido, buscando que todos os
na ponta. Como as grandes casas atendem, basicamente, nossos fornecedores tenham uma orientação sustentável
às grandes contas (os grandes grupos globais e regionais e trabalhando sob todos os parâmetros que temos da
do setor de higiene e beleza), o risco dessas tecnologias IFRA”, pontua Ulhoa, da casa chilena.
inovadoras permanecerem restritas a uma bolha de Apesar dos pesados investimentos realizados nos
grandes clientes, o que poderia minar a competição em últimos anos, incluindo aí muitas aquisições de peque-
várias categorias, não deve ser desconsiderado. nas companhias com atuação no segmento de ingre-
dientes naturais e um maior controle sobre as planta-
MAIS DO QUE SABER A ORIGEM DA FONTE ções, e maior proximidade com cooperativas e comu-
A preocupação com as fontes utilizadas na produção das nidades extrativistas, ter o mapa completo para ras-
fragrâncias não passa só por encontrar alternativas re- trear toda a cadeia ainda é um grande desafio. “Todo
nováveis em substituição às matérias-primas derivadas o nosso sistema de criação perfumística já traz essas
de petróleo; ou ao advento da biotecnologia. Uma par- informações, mas é um trabalho absurdo, pegar mais
te substancial da produção da indústria tem origem em de duas mil matérias-primas e dissecar todas as suas
ingredientes naturais. E passou a ser mandatório para propriedades físico-químicas, e, também, saber toda
a indústria conseguir identificar, lá no início da cadeia, a cadeia de carbono, qual a fonte de fornecimento...
na fazenda ou na comunidade extrativista, por exemplo, Aquilo que é verticalizado é mais fácil (a companhia
o material que ela está processando naquele momento. produz algo entre 55% e 60% de tudo o que está dis-
Fazer isso nos dias atuais é mais do que saber que as ponível no seu portfólio de ingredientes), mas a cadeia
flores ou os frutos vieram de uma determinada região e na nossa indústria ainda é bastante quebrada, o que
que estão de acordo com o padrão de qualidade exigido dificulta chegar exatamente lá na fonte”, conta Josia-
pela indústria. É preciso ter um nível de controle muito ne, que lembra que apesar de processar a maior parte
mais estrito, quase que in loco, para saber como aquele dos seus ingredientes, a fonte do fornecimento não é
determinado lote de matérias-primas foi obtido, quem necessariamente da empresa. Por conta dessa exigên-
plantou, quais os processos que foram utilizados, qual o cia somada à dificuldade de se obter as informações de
processo de colheita, a remuneração das pessoas envol- origem, em alguns casos tivemos que optar por retirar
vidas, os benefícios que o negócio retornou à comunida- alguns fornecedores, porque um problema ali poderia
de entre muitos outros novos critérios nada aleatórios. cascatear para toda a cadeia de valor da empresa. A
Com o ambiente digital e das redes sociais, as marcas aquisição do Laboratoires Monique Remy, em 2000,
passaram a ter a sua reputação muito mais exposta. As- reflete além da busca por naturais, uma necessidade
sumindo posições públicas e trabalhando no sentido de maior de garantir o controle sobre os processos, para
colocar em prática políticas de ESG (a sigla em inglês), que fossem sustentáveis e sempre com qualidade.
as empresas de bens de consumo não querem dar muita O desafio para os fornecedores de matérias-primas
brecha para o risco de verem o seu nome ou suas mar- e ingredientes para a indústria de fragrâncias e aromas
cas envolvidas em questões ambientais ou sociais gra- não é pequeno, e vem acompanhado de questionamen-
ves. Uma notícia envolvendo o uso de matérias-primas tos sobre o nível “profundo” de rastreabilidade. A de-
plantadas em áreas florestais; ingredientes obtidos de manda por transparência existe, sem dúvida. Mas o tipo
forma ilegal, ou uma relação comercial injusta com as de abertura de informação que é solicitado a essas em-
comunidades extrativistas podem gerar um abalo con- presas, pequenas, mas muito especializadas em muitos
siderável à reputação de uma corporação, sem falar nos casos, é questionado. “Principalmente as empresas eu-

ATUALIDADE COSMÉTICA 42 # 175 | AGOSTO 2021


Naturally creative for five generations
ESPECIAL Casas de Fragrâncias

ropeias exigem um nível bastante profundo de rastre- que, eventualmente, aparece um ou outro cliente com
abilidade. Para mim não é clara a razão”, pontua Ma- a demanda por uma fragrância que alcance patamares
toso, da Kaapi. Para ele, que vem desenvolvendo suas mais elevados de biodegradabilidade ou a fonte dos in-
cadeias de fornecimentos em lugares de difícil acesso ao gredientes naturais aplicados na composição, especial-
longo dos últimos anos, ao mesmo tempo em que existe mente quando isso está aderente ao propósito da marca
um movimento das grandes empresas comprando esses da empresa. “De uma forma ou outra, ao restringir o
pequenos. Matoso receia o risco de se caminhar para a uso de commodities (de base fóssil), essa fragrância aca-
formação de um ambiente mais concentrado e de menor ba ganhando valor agregado. Mas, diria que a maioria
concorrência. “Eles querem saber de quem você compra, das empresas ainda não tem essa mentalidade” pontua
quanto paga, qual o seu processo... Aí ele vai lá e compra o CEO da Ginger,
direto”, lamenta o empresário, que reconhece a necessi- Para além dos custos, o mercado atendido pelas casas
dade de controles. locais também têm de enfrentar alguns velhos dogmas,
que acabam reduzindo as oportunidades de mitigação
COISA DE GENTE GRANDE? de impactos ambientais. Um exemplo clássico disso diz
AINDA SIM. MAS SÓ POR UM TEMPO respeito ao nível de dosagem aplicado às aplicações. Dá
Se os maiores fabricantes de cosméticos do mundo e seus para diminuir o uso de solventes (derivados de petró-
principais fornecedores de fragrâncias estão indo nessa leo) se o cliente estiver disposto a entender melhor a es-
direção, isso vai cascatear para todo o mercado de algu- trutura de custo do produto dele. Ele pode receber uma
ma forma. “Ficamos muito felizes em ver as empresas fragrância não diluída em solvente e vai aplicá-la a 0,2%
não só globais, mas também nacionais preocupadas em e não a 1%, por exemplo. É óbvio que existe uma dife-
oferecer ao consumidor produtos que carregam esta res- rença no custo nominal de uma e de outra composição.
ponsabilidade’’, pontua Cynthia, da Robertet, que aqui E é nela que muitos clientes menores costumam parar
no Brasil compete com casas locais em muitos clientes a discussão. Ainda enfrentando problemas de abasteci-
nacionais de médio porte. mento, o custo dos solventes cresceu muito, tornando as
Agora, se a jornada para as grandes ainda será lon- fórmulas mais baratas, inviáveis. “O cliente quer uma
ga, o caminho deve se estender por alguns anos a mais fórmula de US$ 10, principalmente os de saneantes. E
até que as pequenas e médias casas de fragrâncias, espe- não se consegue fazê-los entender que estão comprando
cialmente as casas locais, tenham à disposição boa parte solvente, que não tem cheiro”, diz Mendes. “Alguns co-
desse novo portfólio de ingredientes de base tecnológica meçam a ver isso e começam a comprar fragrâncias con-
e renovável. Logicamente, uma primeira etapa, vai ge- centradas, mas não é fácil convencer”, emenda. Além do
rar certa diferença dos grandes com respeito aos demais ganho ambiental ao não usar solvente, reduz-se o custo
que não produzem moléculas ou matérias-primas ainda. também com os solubilizantes, que no caso do bisfenol,
Pode ser que às menores percam um pouco de mercado. também não é um produto biodegradável.
Porém, essas matérias-primas ainda não têm o mesmo Outro tema ambiental e que também vem sendo en-
custo das matérias-primas de petróleo. Isso deve man- dereçado pelas indústrias de fragrâncias diz respeito à
ter um espaço importante para as casas menores que redução no uso de água no processo de produção, um
operam num segmento onde a maior parte dos clientes, tema para o qual todas as empresas estão olhando. “Vai
longe da escala das gigantes multinacionais, tem o custo requerer investimento e inovação para oferecer produ-
como ponto central. “Tudo isso é parte de um processo, tos no mercado que permitam o mínimo desperdício de
logicamente. Mas como tudo, com o tempo o próprio água”, pontua Ulhoa, da Cramer.
mercado tende a se regular e os ingredientes de fonte Em meio a todas as discussões que no final vão im-
renovável chegarão a todo o mercado”, acredita Ulhoa. pactar no portfólio de matérias-primas para a produção
A faixa de mercado no qual concorrem as casas lo- de fragrâncias, um reflexo esperado por Josiane, da IFF,
cais, formada principalmente por pequenos e médios nesse processo e que pode ser estendido para o mercado
clientes das áreas de higiene pessoal, cosméticos e sane- de forma mais abrangente, é que o número de ingredien-
antes, é orientada primeiro por preço, segundo por pre- tes deve ser reduzido. “Não sei dizer se isso é bom ou
ço e terceiro por disponibilidade e serviço rápido. Ques- ruim. Mas, falamos tanto em minimalismo, que menos
tionamentos sobre rastreabilidade e cadeia de custódia é mais, que talvez esse seja um bom caminho”, acredita.
não costumam ser feitos por esses clientes. “Temos uma
demanda um pouco maior por informações desse tipo FRAGRÂNCIAS QUE ENTREGAM MAIS
quando acessamos os grandes clientes, que buscam isso Mesmo com todo impacto das questões ambientais (e
cada vez mais. Mas, no geral, no máximo perguntam o sociais) afetando o portfólio de ingredientes utilizados,
nome do produtor e de que país vem à matéria-prima”, e mesmo com todas as restrições de uso e de custo para
explica Matoso, da Kaapi. “Alguns clientes maiores se criação, o olfato ainda é o que move a indústria de fra-
preocupam um pouco com isso, mas a grande maioria grâncias em sua relação com a indústria de higiene e
não. É guerra de preço, por custos e a parte de meio am- beleza. Mas se criar uma fragrâncias que conquiste as
biente fica de lado, muitas vezes mais no marketing”, pessoas pelo seu cheiro segue sendo a parte mais im-
corrobora Mendes, da Vollmens. Na Ginger, Grou diz portante do negócio (embora, como já foi dito, levando

ATUALIDADE COSMÉTICA 44 # 175 | AGOSTO 2021


ESPECIAL Casas de Fragrâncias

Foto: Symrise/Divulgação
PALETA DE INGREDIENTES DE PERFUMARIA: em meio a tantas transformações e novas restrições, é provável
que a paleta de ingredientes à disposição dos criativos e técnicos das casas diminua num futuro próximo.

em consideração mais camadas de restrições), é de se olfativo. A própria aromaterapia, que comprovadamen-


esperar que junto com a transformação no portfólio de te funciona, não abriu muito o leque de ingredientes uti-
ingredientes, abram-se novas possibilidades para que lizados, são sempre os mesmos.
as fragrâncias ofereçam junto com um odor agradável, Para além dos preceitos da aromaterapia, existe
benefícios funcionais com uma maior comprovação muito mais que pode ser feito em termos de agregar
científica. Não se trata de colocar esses benefícios acima funcionalidade às fragrâncias. Algo novo, já que há 15
do cheiro. Eles são secundários no caso de uma fragrân- anos, quando começou a falar disso, Matoso, da Kaapi,
cia. Mas é algo que pode lhe dar um algo a mais. Na lembra ter sido rechaçado. Segundo ele, existe a possi-
Symrise, o desenvolvimento de fragrâncias com benefí- bilidade de se usar componentes sintéticos e naturais
cios é um dos pilares estratégicos, segundo Ramos, que para permitir que a fragrância atue como promotora de
antes de assumir o posto atual, esteve à frente da divi- permeação cutânea, facilitando a difusão de ativos cos-
são de ingredientes cosméticos da companhia, o que lhe méticos na barreira lipídica da pele. A questão aí é que
trouxe uma visão mais técnica em relação ao processo a base vai chegar para o perfumista e ele não vai querer.
de desenvolvimento de produtos. Entre esses benefícios “Eles não querem bases que venham com cheiro de algo
secundários estão, por exemplo, fragrâncias que pos- ativo”, pontua Eduardo Matoso.
sam ajudar na proteção antibacteriana; ou que atuam Campo dos mais promissores, a neurociência vem
de forma efetiva para mudar a sensação e o humor dos também como dos mais antigos, com vários estudos e
consumidores, proposta da coleção Act Mood, lançada trabalhos sendo conduzidos há tempos junto a hospi-
recentemente pela empresa. tais e instituições de saúde. O presidente da Kaapi vê
“Acho que estamos no meio do caminho (em relação espaço para avançar mais nesse sentido, estudando e
à efetividade dos ingredientes). Tem muita discussão e desenvolvendo a ação de algum ingrediente que quan-
todo um debate da parte regulatória dentro de algumas do o consumidor inspira, ativa a liberação de serotonina.
regiões, mas essa é a tendência”, corrobora a diretora Esse é um caso que vai funcionar para seres humanos e
da IFF. Até porque, as fragrâncias já trazem, de fato, deve ser mais explorado nos próximos anos. “A indús-
um fator emocional. O desafio é conseguir explicar me- tria precisa de grandezas mensuráveis. Uma coisa é ter
lhor isso e falar em benefícios de outra natureza. Como uma medida subjetiva. Agora, se conseguirmos medir o
exemplo, cita a linha ‘Cuide-se Bem Boa Noite’, que por efeito neurológico de uma fragrância, medir a liberação
meio de pesquisas, conseguiu ter o feedback do consu- de neuroquímicos no sangue por uma parcela grande da
midor de que a fragrância do produto relaxa e ajuda população, aí sim teremos uma super ferramenta, uma
a dormir. Mas ela mesma chama a atenção para o fato ciência fisiológica”, acredita o empresário.
de que, mesmo com mais estudos e falando com mais Na Cramer, começa a ganhar espaço as pesquisas
clareza sobre as funcionalidades da fragrância, ainda por novos tipos de produtos que possam ajudar a po-
não é nada que se possa cravar, como um hard claim. tencializar ou sinergizar os ingredientes da composição
Mas, com o avanço desses estudos, poderíamos ver as dos produtos. “Hoje, o cliente está buscando, mais que
fragrâncias como garantidoras de claims relacionados tudo, por propriedades que possam ajudar na eficá-
com a eficácia? “É tentador, mas entramos numa outra cia do produto além do cheiro em si”, lembra Michel
seara”, reconhece Josiane, para quem além do custo Ulhoa. O foco de inovação da companhia chilena segue
muito alto envolvido, isso restringiria muito o potencial sendo o de inovar no mercado por meio de parcerias

ATUALIDADE COSMÉTICA 46 # 175 | AGOSTO 2021


ESPECIAL Casas de Fragrâncias

com empresas de matérias-primas para oferecer produ-


tos que sejam sinergizados. O executivo diz que, ao me-
nos no curto prazo, não faz parte dos planos da empresa
estabelecer a sua própria área de matérias-primas para
a indústria de beleza.

CRIANDO COM MENOS IMPACTO


O processo de criação olfativa de uma fragrância hoje
é muito mais complexo e engloba conhecimentos mul-
tidisciplinares tanto técnicos quanto de mercado, mas
até bem pouco tempo, as restrições eram de ordem de
custos (o target para o preço da composição) e das listas
restritivas, com as quais já vinham lidando.
Agora, os “narizes”, ainda o coração da criação per-
fumística, também têm que lidar com as restrições para
a pegada de carbono e a biodegradabilidade dos ingre-
dientes, dentro dos limites estabelecidos em cada brie-
fing, por cada cliente. “A forma de criação das fragrân-
CYNTHIA CRESPO, DA ROBERTET: empresas globais,
cias passa por um processo de inovação onde não só o mas também nacionais estão preocupadas em oferecer
contexto sensorial é importante como também (e às ve- ao consumidor produtos responsáveis.
zes até mais) os valores ambientais e sociais da composi-
ção perfumística”, acredita Cynthia Crespo. Ela acredita
que aí reside a importância de se ter um portfólio rico em A ajuda da tecnologia será fundamental para otimi-
ingredientes voltado aos naturais, onde se permite unir zar o trabalho criativo nesse novo contexto, porque a
bons perfumes a valores inestimáveis da atualidade. demanda dos clientes por criações que respeitem parâ-
A maior disponibilidade de dados e o uso de tecno- metros ambientais, como nível de biodegradabilidade
logias de big data, machine learning e inteligência arti- das fragrâncias, pegada de carbono ou nível de ingre-
ficial ajudam bastante a tornar a tarefa operacionalmen- dientes de fontes renováveis na composição é cada vez
te menos braçal. Assim como a IFF tem as informações mais forte. Algumas empresas estão inclusive reven-
relativas a fontes de fornecimento e pegada de carbono do seus portfólios para tentar melhorar o perfil de ao
nos ingredientes, a Symrise desenvolveu um exclusivo menos parte do seu portfólio olfativo sob esses novos
scorecard criativo, que já faz uma análise do impacto critérios, o que gera um impacto tremendo, até por-
ambiental da composição criada pelo perfumista. “Ele que já existe muito trabalho sendo feito para adequar
já vê, no próprio processo criativo, qual o percentual de fragrâncias às novas regras impostas pela IFRA. E não
fontes renováveis, a biodegradabilidade e a pegada de se pode esquecer que a troca de um mero componente
carbono da sua criação”, conta Eder Ramos. Com isso, pode alterar a fragrância num nível que, a depender da
é possível que os perfumistas mantenham o controle so- categoria de produto no qual a fragrância será aplicada,
bre o que eles acreditam ser os melhores caminhos para o consumidor sentirá a diferença na hora. Felizmente a
aquele briefing, já respeitando esses critérios. Apesar de maior parte das empresas tem optado por determinar
parecer, o presidente da Symrise não vê essas novas “im- que os novos parâmetros valham daqui para frente, o
posições” como um limitador para a criatividade dos que pode ser menos complexo, mas é igualmente de-
perfumistas da casa. “Quando começaram as restrições safiador. É preciso delimitar com cada cliente qual o
de ingredientes, muito se falou que seria o fim da perfu- percentual almejado em cada casa, para cada item e em
maria e, 20 anos depois, cá estamos. Foi importante para quanto tempo. Eder Ramos, da Symrise, diz que alguns
o futuro do mercado o que aconteceu lá atrás e é impor- clientes já estão exigindo da empresa que 100% da fra-
tante para o futuro do negócio e do planeta o que está grância seja biodegradável, por exemplo. Para Josiane,
acontecendo agora”, garante. Agora é a mesma coisa, re- metas ousadas nesse patamar, hoje, são muito difíceis
força o perfumista da Luandy. “Vamos ter de aprender a de serem alcançadas, ainda que o próprio portfólio da
criar sem alguns ativos por conta de preocupações com o IFF hoje, já seja cerca de 90% biodegradável.
meio ambiente. É algo que ainda está bem no início, mas Juntando tudo, a expectativa é de que os próximos
que precisamos estar muito atentos”, diz Fabiano Ramos anos terão tudo para estabelecer novos padrões de per-
Robôs também foram incorporados à missão de agi- fumação. Até porque, com todo esse volume de informa-
lizar o processo criativo já compreendendo essas novas ção adicional que está sendo agregado a cada ingredien-
camadas e dimensões de informações. Na IFF, um siste- te do portfólio, será possível ir mais a fundo no enten-
ma robótico faz as predições de possíveis combinações dimento das moléculas, abrindo novas oportunidades
já considerando todo o conjunto de informações sobre de combinações que podem resultar em fragrâncias com
cada um deles. São mais de 1200 combinações já criadas mais performance, mais benefícios e menos impacto am-
e prontas para passar pelo crivo dos perfumistas da casa. biental. Já consegue sentir esse cheiro?

ATUALIDADE COSMÉTICA 48 # 175 | AGOSTO 2021


Apresentado por:

Muito além da
sustentabilidade
COM UMA ABORDAGEM HOLÍSTICA, A SYMRISE VEM CRIANDO UM PORTFÓLIO
DE INGREDIENTES NATURAIS E BOTÂNICOS QUE OLHA PARA A SUSTENTABILIDADE
SEM ABRIR MÃO DOS OUTROS PILARES DO BIOCOMÉRCIO ÉTICO E OLHANDO PARA
CUSTO, EFICÁCIA E OS ANSEIOS E DEMANDAS DOS CONSUMIDORES

O
s ingredientes botânicos são parte da his- Cristiane de Moraes, gerente global da Symrise Amazon,
tória da criação e do desenvolvimento da a operação da empresa no Pará dedicada a produção de
indústria cosmética. Matérias-primas que ativos da biodiversidade local, e responsável para América
remontam a rituais e tradições, muitas Latina pelo negócio de Botanical da companhia.
ancestrais e que não raro remetem a sen- Para além dos benefícios gerados pelas suas proprie-
sação de conforto. Quem é que já não tomou um chazi- dades físico-químicas, essas novas matérias-primas bo-
nho pra relaxar, se esquentar ou tentar aplacar alguma tânicas obtidas da biodiversidade, permitem às marcas
condição que nos derruba? contarem histórias bonitas e reais sobre os ingredientes
Isso é sem duvida um dos motivos que ajuda a ex- presentes na fórmula. “Junto com a eficácia, olhamos
plicar porque a busca dos consumidores por esse tipo cada vez mais para os aspectos sociais e culturais que se
de ingrediente durante a pandemia cresceu tanto. relacionam com aquele ingrediente e a região no qual ele
A longa história do uso desses ingredientes pela in- está inserido”, assegura a executiva.
dústria dá a eles uma boa posição no mercado em ter- Com mais de duas décadas de vivência nos temas de
mos de aplicabilidade, custo, segurança e eficácia. Mas, biodiversidade e sustentabilidade, Cristiane reforça um
para manter-se relevante para o consumidor de beleza aspecto importante, nem sempre compreendido pelas pes-
de hoje e de amanhã, que continua demandando sem- soas: a biodiversidade não é intocável. “Desde o ano 2000
pre novidades e respondendo a modismos, é preciso todo meu trabalho vem nesse sentido de trabalhar com
ter condições de apresentar sempre algo de novo. Só comunidades extrativistas, fortalecendo aspectos como o
que esse mesmo consumidor é, também, cada vez mais biocomércio ético, rastreabilidade, qualidade de produtos
consciente em relação aos impactos que as suas ações e a própria relação com os povos locais”, diz a executiva.
de consumo geram e, por isso, exige cada vez mais ver- A executiva, que por anos esteve à frente da operação
dade e transparência das marcas que consomem. latino-americana da UEBT (Union for Ethical BioTrade),
Isso obriga os fabricantes de ingredientes botânicos entidade não governamental que promove e certifica o
a ir além, muito além, para tornar esses ingredientes fornecimento sustentável de ingredientes da biodiversida-
uma opção cada vez mais relevante e central na concep- de – aponta que o trabalho com a biodiversidade mudou
ção, formulação e comunicação das marcas de beleza. realidades de comunidades inteiras no Brasil e na África.
A multinacional Symrise, uma das líderes globais no “Veja quanta coisa se construiu ao longo desse trajeto. Co-
segmento de ingredientes cosméticos, é dona de um dos meçamos a observar que existem formas de se fazer ne-
mais extensos portfólios de ingredientes botânicos do mer- gócio mantendo a floresta em pé. Hoje, posso dizer que
cado, com itens de diferentes biodiversidades do mundo e usamos a biodiversidade como fonte de matérias-primas e
que atendem aos diferentes segmentos do mercado, incluin- conseguimos fazer o uso sustentável dela”, conta.
do uma oferta de novos botânicos original e inovadora.
Ao longo dos últimos dois anos, a Symrise vem ajudan- SUSTENTABILIDADE NÃO É SÓ AMBIENTAL
do o mercado a estabelecer um novo olhar e se reposicio- Na abordagem 360º da empresa para os ingredientes bo-
nar em relação ao uso dos ingredientes botânicos em suas tânicos, a sustentabilidade é um dos vértices para o suces-
formulações graças a uma nova abordagem 360º. “Nossa so e deve ser compreendida além da questão ambiental. É
visão é a de ajudar as marcas a desenvolverem produtos preciso equilíbrio entre o ambiental, o econômico, o social
e conceitos que se apoiem na biodiversidade, não só a e o cultural. “Se ferimos um desses pilares ou algum deles
brasileira, mas de diferentes regiões do mundo”, explica estiver prevalecendo é por que alguma coisa está errada e

SYMRISE.COM
Fotoi: Symrise

SALA DE AULA EM COMUNIDADE PRODUTORA DE MADAGÁSCAR: empresas devem se preocupar com os aspectos ambientais e de qualidades
e rastreabilidade dos ingredienres. Mas é preciso contribuir tambpem com evolução e o bem estar das pessoas que forma a comunidade

o negócio não se sustentará ao longo do tempo”, reforça. seria sustentável), assim como os aspectos humanos, se
Mas não só. A Symrise agrega outros interesses do todas as pessoas e organizações envolvidas nesse sistema
negócio para permitir que cada novo ingrediente botâni- produtivo estão sendo ouvidas e consideradas.
co possa gerar valor e novos valores para as marcas. “As A abordagem 360º contempla, por exemplo, como
propriedades físico-químicas desses ingredientes são im- aquele ingrediente botânico se insere num contexto de
portantes e eles são comprovadamente eficazes, tem toda mercado e consumo, além de questões como garantia de
uma documentação científica e publica a respeito”, lem- qualidade e abastecimento contínuos, evitando que ao
bra Cristiane. Mas tudo o que pode ser contado sobre esse invés de solução, a escolha pelo ingrediente se converta
ingrediente para o consumidor, a história, a cultura é tão numa potencial dor de cabeça. “É preciso que realmente
valioso para as marcas quanto o produto em si, particular- haja um engajamento de todos os atores para conseguir
mente nos dias de hoje, não se pode contar uma história produzir isso ao longo do tempo. Sem rastreabilidade
sem que ela esteja calcada na realidade. Daí que é impor- e sem conhecer a população que me ajuda a fazer isso
tante o envolvimento da fabricante de ingredientes com a eu não posso garantir a sustentabilidade do negócio”,
população que a ajudou a fazer. afirma a executiva.
Pelos preceitos do biocomércio ético, todo o trabalho
desde o desenvolvimento até a colocação do produto no OBSERVANDO PARA CRIAR
mercado, deve observar aspectos relacionados tanto aos Quando o assunto é trabalhar com a biodiversidade, o
critérios ambientais, como elaborar os planos de manejo ponto de partida para encontrar ingredientes que po-
de um determinado ingrediente corretamente para não dem gerar novas soluções e inovação é a observação da
impactar o desenvolvimento de outras espécies (o que não própria biodiversidade.

PORTFÓLIO DE HISTÓRIAS E EFICÁCIA


O
portfólio de botânicos da Symrise é di- eficácia, com inúmeros testes que ajudam as paço durante a pandemia, justamente porque
vidido em três grandes categorias. Os marcas que os aplicam em suas formulações os consumidores buscaram mais o “conforto”
óleos puros e blends de óleos botâni- a sustentar seus claims. Já os Extrapones são dos botânicos, mas também estão exigindo
cos da empresa têm resultados comprovados extratos de apelo mais emotivo, que ajudam a mais eficácia desses produtos. “Sabemos que
por meio de testes de eficácia em aplicações trazer elementos para ajudar os formuladores essa curva de crescimento vai se estabilizar
de hair e skincare e ajudam as marcas na per- e “fecharem” as pontas do produto com a sua em algum momento. Mas entendo que o que
formance das suas formulações e numa abor- concepção e história. Embora os Extrapones se ganhou de espaço para os botânicos mais
dagem natural e verdadeira ao mercado. Os representem um grupo de ingredientes mais sofisticados nesse período, também não será
Actipones são extratos sofisticados e da alta comuns, os Actipones ganharam muito es- perdido”, acredita Cristiane.

SYMRISE.COM
Apresentado por:

UPCYCLING.
Um bom exemplo de como a Symrise aborda o pro-
cesso de criação vem da África. O Tamanu é uma planta

DESPERDÍCIO ZERO
que forma um paredão verde na costa de Madagascar,
diminuindo a velocidade dos ventos que atingem a ilha.
Mas essa planta tem uma frutinha e um pesquisador da

M
Symrise, em visita à região, viu que esse fruto era uma ole-
esmo dentro da fábrica, a observação permanece
aginosa. Dessa observação inicial, levada aos laboratórios
sendo importante para agregar valor no que talvez
para entender o potencial daquele fruto, a empresa desen-
hoje gere um resíduo. A Diana, empresa dedicada
volveu um óleo. Agora, além de proteger a ilha, o fruto do
Tamanu gera renda para 300 famílias da região. a nutrição animal e humana que é parte da Symrise, produz
Cristiane explica que hoje, a Symrise emprega seus antioxidantes para nutrição derivada do cranberry. Ao fim do
esforços em várias cadeias. “Existe uma potencialidade processo de extração, restam polpa, casca, semente e uma
muito grande da Symrise nisso tudo. Novos produtos, água que é riquíssima em alfa-ácidos. Mas isso era tratado
novos conceitos, tendências para o mercado”, diz. Mais como resíduo, o que levou o time de Cosmetics Ingredients
do que uma fonte de ingredientes, a Symrise trabalha da Symrise a questionar a como usar aquela frutinha que saiu
dentro de diferentes regiões do mundo em vários pro- do pé na totalidade. “Conseguimos transformar todo resíduo
gramas de integração com as comunidades locais dando industrial em matérias-primas riquíssimas para a indústria cos-
a empresa uma vivência e agregando ao portfólio diver- mética, três produtos fantásticos para o mercado e com eficá-
sidade cultural também, não só de espécies.
cia comprovada para uso em pele e cabelos: o Actipone Alfa
Existe também a abertura e a disposição da Symrise
Cranberry; o Óleo de Cranberry; e o extrato em pó Neoactipone
para criar novas opções para viabilizar óleos que já estão
Cranberry”, comemora. Nesse processo, deixamos de gerar
no portfólio, gerando volumes ainda mais interessantes.
A partir dos estudos das propriedades de diferentes óle- resíduo como grupo, agregamos valor para o fornecedor, que
os da coleção africana, a empresa desenvolveu um blend conseguiu atribuir mais valor ao produto dele.
para cabelos cacheados e ondulados. “Se você pensa em
sustentabilidade, em biocomércio ético, não se pode sim-
plesmente tirar de linha algum item de volume baixo. Isso facilitar a secagem das sementes. Tenho que poder promo-
geraria implicações pela cadeia, nas comunidades. É preci- ver que toda a cadeia esteja feliz e equilibrada”, afirma.
so ser criativo e observar as oportunidades”, acredita. Des- Se há 20 anos, apenas algumas poucas empresas en-
se desafio, a Symrise desenvolveu um blend com a melhor dereçavam essas questões de forma efetiva em suas es-
composição para atender as necessidades das consumido- tratégias de negócios, hoje, os clientes estão mais abertos
ras cacheadas e onduladas, um mercado gigantesco. “De para olhar as proposta que a Symrise oferece em termos
quebra, as marcas levam um produto que tem uma história de sustentabilidade e biocomércio ético. “Hoje temos mais
verdadeira por trás”, comemora Cristiane. empresas grandes fazendo esse movimento e vemos mui-
Aliás, sobre o preço de ingredientes, a executiva da tas pequenas empresas interessadas”, comemora.
Symrise diz que a realidade do mercado impõe a neces-
sidade de um preço que o próprio mercado considere DESENVOLVENDO VALOR PARA TODOS
aceitável. Mas ela também é enfática ao dizer que um Com um portfólio extenso, a Symrise tem um grande de-
ingrediente botânico sustentável não é mais caro. O que safio em ter cada um dos seus ingredientes botânicos sob
acontece muitas vezes, segundo ela, é que é provável os princípios do biocomércio ético. Mas a forma como a
que se esteja comparando esses ingredientes com outros empresa opera vai sempre ao sentido de estabelecer um
que talvez tenham problemas para serem resolvidos nas legado. O próprio estandar da UEBT estabelece critérios
suas cadeias produtivas. “Eu não posso deixar de remu- mínimos que devem ser atendidos ao longo da cadeia
nerar as comunidades produtoras para vender mais ba- produtiva, além disso planos de trabalho são estabele-
rato. Eu preciso melhorar a minha operação e otimizar cidos para cada ingrediente, seguindo uma prioridade.
os processos envolvidos em toda a cadeia”, diz Cristia- A vai se certificar sobre onde e como esse material é
ne. Isso passa por atuar em parceria com os produtores, obtido,se as leis locais de acesso à biodiversidade fo-
clientes e com órgãos governamentais. ram respeitadas, assim como sobre o uso sustentável da
Na Amazônia, um tema importante é buscar soluções biodiversidade e qual a relação com o produtor local. O
e tecnologias que permitam resolver aspectos relacionados mais importante nesse trabalho é que se busca sempre
à qualidade dos insumos, como por exemplo a secagem melhorar a cadeia produtiva. “Às vezes, não consegui-
das sementes. Como chove muito na região, a secagem das mos a rastreabilidade completa, porque chegamos até a
sementes pode demorar e implicar em aumento de custos, cooperativa, mas não até o pequeno produtor. Nós va-
atrasos, ou pior, mofar as sementes. A Symrise trabalha mos sentar com a cooperativa e desenvolver isso juntos.
para ajudar no desenvolvimento de novas tecnologias Se a qualidade não é tão boa, como podemos melhorar?
para o campo. “Como mitigar esse risco? Trabalhamos O segredo é a transparência. Expor, compartilhar, ouvir
junto com eles, vendo que tipo de equipamento poderia a outra parte”, conclui Cristiane de Moraes.

SYMRISE.COM
SUPPLY CHAIN Sustentabilidade

VETORES DA
TRANSFORMAÇÃO
PRÁTICAS DE NEGÓCIO ATENTAS AO RESPEITO PELA SUSTENTABILIDADE
AMBIENTAL, SOCIAL E CULTURAL SÃO CADA VEZ MAIS COMUNS NA INDÚSTRIA
DA BELEZA >>> CESAR ALVES

N
ão se trata de um movimento novo. Na green washing. A prática consiste em dar um verniz am-
verdade, trata-se de uma realidade que bientalista nos produtos de uma determinada marca que,
vem se desenvolvendo há, pelo menos, muitas vezes, existe no marketing, mas não se confirma
duas décadas. Cada vez mais, ter uma na prática. Por isso, Kehrwald conta que a empresa foi
visão sistêmica de toda a cadeia pro- buscar uma chancela externa em relação ao seu trabalho
dutiva, com respeito às questões ambientais, sociais e na área. “Não queríamos ser confundidos com esse tipo
culturais, torna-se obrigatórias para as práticas de ne- de empresa que só é verde na propaganda”, declara.
gócios dos mais diversos setores. A preocupação com Recentemente a empresa recebeu a Certificação LIFE,
a rastreabilidade das matérias primas e seu impacto criada pelo Instituto LIFE – Lasting Initiative for Earth,
em relação à biosustentabilidade deixam de ser apenas que reconhece a eficácia do sistema de gestão ambiental
uma bandeira de marca para se tornar uma prática ne- e distingue as organizações que incluem uma agenda vo-
cessária para se sustentar no mercado. luntária em prol da conservação da biodiversidade.
Se já havia uma crescente busca do consumidor por Reconhecida pela Convenção da Diversidade Biológi-
produtos naturais e preferência por marcas que utili- ca (CDB) da ONU, a metodologia LIFE vai além do cum-
zassem como matéria prima ingredientes com baixo primento da legislação e busca compensar os impactos
impacto ambiental em embalagens recicláveis, hoje eles residuais das organizações ao definir um desempenho
também levam em conta as origens desse produto a par- mínimo em conservação da biodiversidade, estabelecido
tir de todos os elos da cadeia produtiva. Ou seja, conta de forma proporcional aos impactos ambientais, levan-
também a relação da marca com as comunidades extra- do em conta cinco aspectos em seu cálculo: geração de
tivistas, com os catadores e recicladores, e até mesmo a resíduos, emissão de gases de efeito estufa, consumo de
estrutura da fábrica. água, utilização de energia e ocupação da área.
E para além do comportamento e das exigências dos “Muita gente considera a certificação LIFE a mais
consumidores, o conjunto de boas práticas ambientais, séria do mundo. Eles são referência global no segmen-
sociais e de governança (ESG), tornou-se critério impor- to, devido ao nível criterioso do seu processo”, explica
tante para os investidores. o executivo da C-Pack. Após o mapeamento , o impac-
“Eu acho que a sustentabilidade é uma questão de to gerado pela companhia, numa escala de zero a mil,
compromisso ético e o mercado está ciente disso. Do era de apenas 2,61. “Imagina uma empresa de plásticos
meu ponto de vista, quem não estiver em conformidade com impacto quase zero à biodiversidade”, celebra.
com os compromissos sustentáveis está fora do merca- A ação fundamental para obtenção da certificação
do. E em todos os seguimentos. Desde a fabricação de foi o Projeto C-Pack Conserva, desenvolvido no Par-
camisetas até a geração de energia. Tem que ter sustenta- que Estadual da Serra do Tabuleiro, maior unidade de
bilidade. As empresas, cada vez mais, estão se tornando conservação de Santa Catarina, que atende à estratégia
ESG. A sustentabilidade não é mais apenas ambiental, de restauração e ações de manejo do parque. O foco da
é também social. É um padrão internacional”, declara ação está em manter a biodiversidade do local, buscan-
André Michel Kehrwald, diretor de Inovação e Quali- do a conservação do patrimônio natural. Por meio do
dade da C-Pack Creative Packaging, empresa líder na C-Pack Conserva, a empresa adotou uma área perto de
América Latina na produção de bisnagas plásticas para sua operação, na Serra do Tabuleiro, região sensível à
a indústria de cosméticos. degradação. “Fizemos lá um trabalho de corte de pilos,
Em meio a esse novo cenário, o executivo chama aten- uma espécie invasora que queima muito fácil. Por conta
ção para algo que também não é novo, mas que, infeliz- disso, o parque pegava fogo com frequência. Inclusive,
mente, é uma tendência crescente no seto: a prática do acabando com a vegetação nativa”, conta Kehrwald.

# 175 | AGOSTO 2021 53 ATUALIDADE COSMÉTICA


SUPPLY CHAIN Sustentabilidade

TUDO PARA REDUZIR OS IMPACTOS


A preocupação da C-Pack e dos seus clientes com o im-
pacto de seus produtos no meio-ambiente vem aumen-
tando o uso do plástico verde como matéria prima na
confecção de seus tubos e bisnagas, reduzindo a utiliza-
ção de materiais oriundos do petróleo. A empresa tra-
balha com a matéria-prima desde 2012. Em 2020, 22,5%
da produção foi realizada com PE Verde, o que equivale
a 34 milhões de tubos. Em 2019, só com o uso do PE
verde, a C-Pack capturou 826 toneladas de CO2.
Outra prática de responsabilidade ambiental que
traz bons resultados à gestão da fabricante de tubos e
bisnagas é a logística reversa. A empresa tem disponi-
bilidade de entregar as bisnagas fabricadas em caixas
plásticas retornáveis, fabricadas com aparas de polipro-
pileno da produção das tampas. A logística reversa das
caixas é executada pela C-Log, transportadora do gru-
po. Segundo Kerwhald, por conta desse processo, anu-
almente, cerca de 2,5 mil árvores são poupadas pelo uso ANDRÉ KEHRWALD, DA C-PACK: uso cada vez mais intenso do
de plástico retornável no lugar do papelão. PE verde ajuda na captura de carbono e na redução da pegada
“Dentro desse processo de metodologia, na C-Pack ambiental da empresa de embalagens.
temos metas de que todos os nossos produtos tenham
apelo sustentável. Quando desenvolvemos um produ-
to, pensamos até que ponto ele pode ser mais eficiente, res para garantir rastreabilidade, origem dos produtos
do ponto de vista sustentável. Se não for sustentável o e garantia da qualidade, não apenas do produto em si,
suficiente, ele pode ser reavaliado ao ponto de decidir- mas também a qualidade da relação que é estabelecida
mos se vale ou não a pena apostar nesse produto. Por- com os povos locais.
que eu estou investindo em projetos e quero ficar com Membro da UEBT, a empresa de ingredientes cos-
eles. Então, ele já tem que nascer com essa pegada sus- méticos e fragrâncias Symrise, vem melhorando con-
tentável”, garante o diretor da empresa. tinuamente seus sistemas de gestão e rastreabilidade
Ele afirma que a própria unidade fabril da C-Pack para promover um impacto positivo para pessoas e bio-
em São José (SC) com 32 mil m² foi projetada para ser diversidade ao longo de suas cadeias produtivas.
a mais sustentável da América Latina na produção de Atual responsável global pela operação da Symrise
bisnagas plásticas. O consumo total de água tratada Amazon e pela unidade de negócios da Botanicals da
incluindo o refeitório é inferior ao de 15 famílias; 33% América Latina, Cristiane lembra que se, antigamente
da água consumida é proveniente de captação pluvial; o P&D era uma escola que olhava para eficácia, preço,
clarabóias reduzem em 50% os pontos de lâmpadas elé- qualidade, hoje a rastreabilidade do produto é também
tricas durante o dia; todo o esgoto é tratado por zona parte fundamental do negócio. “Porque sem a rastrea-
de raízes; menos de 10% dos seus resíduos são destina- bilidade e sem conhecer a população que me ajudou na
dos para aterro, o que a classifica como Empresa Lixo base a gerar esse produto, eu não posso garantir a segu-
Zero, pois grande parte dos resíduos do refeitório são rança do meu negócio. Não é só porque é bonito, mas
destinados para compostagem, de modo que o adubo porque eu realmente preciso do engajamento de toda a
resultante desta compostagem retorna para uma horta cadeia produtiva para continuar produzindo esse pro-
interna e é usado no cultivo de verduras consumidas duto ao longo do tempo”.
nas refeições da empresa. Tecnóloga em meio-ambiente, formada pela Unicamp,
Cristiane de Moraes. especializou-se em biocomércio éti-
COMPROMISSO COM AS COMUNIDADES co, vivenciou a transformação de grandes populações não
Se a importância de questões ambientais e sociais hoje é só no Brasil como em outras partes do mundo.
tão relevante quanto a econômica, temas como a rastre- Essa é a principal razão para que a Symrise aposte
abilidade da procedência e as práticas utilizadas para a no conceito de economia circular, por meio da qual é
produção e a negociação de matérias primas se tornam possível utilizar a biodiversidade como fonte de maté-
essenciais. Criada em 2007, por iniciativa da Conferência rias primas, preservando essa biodiversidade por meio
das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, de seu uso sustentável. “Se você fosse à uma comuni-
a UEBT (Union for Ethical Biotrade) é uma organiza- dade ribeirinha antigamente, na história deles havia a
ção sem fins lucrativos que promove, verifica e atesta questão do desmatamento, porque muitas vezes essas
o uso de ingredientes naturais, respeitando as pessoas famílias precisavam cortar uma árvore para ter o sus-
e a biodiversidade durante o processo de extração. A tento familiar. De uns 25 anos para cá essa realidade
organização atua junto de empresas de diferentes seto- vem mudando bastante. Não só no Brasil, mas na África

ATUALIDADE COSMÉTICA 54 # 175 | AGOSTO 2021


ela é utilizada de forma sustentável para que a gente
sempre tenha aquele recurso. Fazer os planos de mane-
jo corretamente, entender sobre aquela espécie que está
sendo retirada da floresta. Como retirá-la sem ofender
ou atrapalhar o desenvolvimento de outras espécies”.
Outro bloco foca na questão humana. Todas as pes-
soas, organizações, comunidades envolvidas no proces-
so de cadeia produtiva precisam ser respeitadas. “É pre-
ciso ter certeza de que elas estão sendo ouvidas, respei-
tadas, se as leis locais estão sendo respeitadas. Se as leis
vigentes são aplicadas ou não. Enfim, o olhar do bio-
comércio ético vai um pouco além do socioambiental.
Assim você garante a rastreabilidade de toda a cadeia
produtiva. E além disso olha para o acesso e repartição
de todos os benefícios que advindos dessa operação.
Assim você acaba gerando um mecanismo econômico
no qual você pode reinjetar dinheiro nessas comunida-
des para que elas possam ser autossustentáveis. Essa é a
CRISTIANE DE MORAES, DA SYMRISE: sem rastreabilidade filosofia do Biocomércio ético. Hoje a Symrise emprega
e conhecimento da população local envolvida na produção, a esses esforços em várias cadeias”, conclui.
segurança do negócio fica comprometida. Também em colaboração com outras empresas,
como a Natura, por exemplo, a Symrise, após rigoroso
mapeamento da área, verificação das comunidades en-
também. Provando que existe forma de se fazer negó- volvidas, cruzados com tudo o que é estabelecido pela
cio mantendo a floresta em pé fazendo o manejo correto standards de biocomércio ético, em auditorias regula-
dessa biodiversidade”. res é possível capacitar essas comunidades; atribuímos
A Symrise a percebeu nisso o potencial para promo- maiores inovações para elas. “A Symrise, por exemplo,
ver novos produtos, conceitos e tendências para o mer- fica responsável por desenvolver novas tecnologias de
cado global a partir da biodiversiade do planeta. E nçao campo. Por exemplo, na Amazônia, sabemos que chove
só ingredientes. O que a empresa passou a oferecer são muito. Então, muitas vezes o processo de secagem des-
histórias. “Quando entregamos um produto, também sas sementes trabalhadas por esses povos pode ser pre-
entregamos a história dessas famílias que produziram judicado. Nosso papel é trabalhar com essas comunida-
isso, a cultura local, todo um arcabouço que não só des a fim de evitar tudo isso. Trabalhamos em função
agrega valor a essas comunidades e pessoas, mas tam- de mitigar esse risco, ver que tipo de equipamento pode
bém às marcas”, conta Cristiane. ser instalado ali para facilitar a secagem das sementes.
A executiva, no entanto, chama atenção para o fato Assim aceleramos o processo e atribuímos mais valor
de que é importante entender que não é porque algo é agregado. Afinal, as comunidades passam a ser mais es-
natural ou vegetal que é sustentável. “Eu já vivenciei pecializadas naquilo que fornecem, adquirindo mais co-
histórias na Amazônia, em que ao chegar numa comu- nhecimento. Disponibilizar tecnologia e também como
nidade e me deparar com a realidade, me levou a pen- envolver os jovens, as mulheres e, assim, promover algo
sar que era preferível ser sintético a estar acontecendo mais diverso dentro da comunidade. Tudo dentro de
daquela maneira. Da minha perspectiva de sustentabi- um trabalho de colaboração”.
lidade ou economia circular, devemos sempre levar em Mas todo esse processo não acaba também inter-
conta os quatro pilares: econômico, social, ambiental e ferindo no preço do produto final? Afinal, embora o
cultural. Sem que nenhum deles seja desconsiderado ou consumidor esteja preocupado com as questões ético-
se sobreponha aos demais”. -ambientais envolvidas na criação do que consome,
principalmente em tempos de crise, ele também busca
BIOCOMÉRCIO ÉTICO por um preço baixo. Como resolver essa equação? “Eu
Outro ponto importante e de fundamental atenção da não posso deixar de remunerar corretamente o meu
atuação da Symrise é o compromisso com os princípios provedor, a minha comunidade, simplesmente porque
do biocomércio ético, que considera pontos específicos eu preciso de um produto mais barato. Eu vou preci-
que devem ser divididos em blocos aos quais se deve sar mexer no meu sistema, na minha logística, diminuir
ter atenção. O primeiro leva em conta a questão da meus consumos, alterar a operação de forma a torná-la
biodiversidade. Todo o trabalho que for desenvolvido mais inteligente e coisas assim. E assim promover que
– desde o desenvolvimento do produto até sua chega- a cadeia permaneça equilibrada. Não se pode penalizar
da no mercado – deve ser observado do ponto de vista um pilar e prejudicar outro. E as empresas começam a
ambiental e em relação à conservação dessa biodiversi- perceber isso, porque enxergam nisso um enorme valor
dade. “Não só no contexto de preservação, mas como agregado”, finaliza Cristiane.

# 175 | AGOSTO 2021 55 ATUALIDADE COSMÉTICA


GENTE Diversidade &Inclusão

O EXEMPLO PRECISA
VIR DE DENTRO
GRANDES EMPRESAS DE BELEZA SE ENGAJAM EM PROJETOS QUE VISAM DAR
MAIS ESPAÇO EM SEUS QUADROS DE FUNCIONÁRIOS A PROFISSIONAIS NEGROS
>>> CESAR ALVES

A
diversidade étnico-racial não é uma nico-racial dentro de seus quadros de funcionários,
pauta exatamente nova para a in- promovendo projetos que visam aumentar de forma
dústria dos cosméticos e beleza no considerável a participação de pessoas negras em
Brasil. Já faz algum tempo que as suas equipes de trabalho, em especial em posições de
marcas vêm se dedicando à pesqui- maior relevo e liderança.
sa e desenvolvimento de produtos A operação local da francesa L’Oréal, por exemplo,
que correspondam às características vem reforçando suas ações de diversidade e inclusão
específicas dos diversos tons de pele que marcam o para valorizar talentos negros e promover mais igual-
Brassil. Embora essa seja uma agenda um tanto quanto dade racial no quadro de colaboradores da companhia.
atrasada, especialmente quando se leva em conta o que As iniciativas, idealizadas ao longo do ano de 2020, fa-
essa população representa em termos de consumo, essa zem parte do programa L’Oréal Plural e envolvem a
agenda começa a andar por aqui. Um exemplo disso é a abertura do banco de talentos para profissionais negros
representatividade retratada nas campanhas de comu- e negras e a reformulação da rede interna de afinidade
nicação das marcas, que hoje tem uma presença maior e de pessoas negras. “Diversidade e inclusão estão no
mais frequente de afrodescendentes. DNA da L’Oréal e são uma prioridade estratégica da
Mas, disponibilizar produtos específicos e promover companhia. Nosso propósito é criar a beleza que move
essa diversidade em campanhas de marketing está lon- o mundo. Não existe um modelo único de beleza, por
ge de ser o suficiente para combater um monstro como isso diversidade e inclusão são tão importantes”, de-
o racismo estrutural, que felizmente, fica cada vez mais clara a diretora de Diversidade & Inclusão da empresa,
escancarado por aqui. Basta olhar para o mundo cor- Renata Dourado. Ela conta que a L’Oréal Brasil tem
porativo para ter certeza disso. A falta de representa- área e recursos dedicados ao tema há alguns anos e,
tividade de pessoas negras em funções de liderança é que como qualquer outro tema prioritário e estratégi-
evidente: apesar de aproximadamente 56% da nossa po- co, D&I é desenvolvido com planejamento, metas rele-
pulação ser composta por pessoas que se autodeclaram vantes, ambiciosas e específicas e um alto senso de res-
negras – de acordo com dados do IBGE –, menos de 5% ponsabilidade de toda a liderança, e não apenas do RH
dos cargos gerenciais são ocupados por negros e negras Um dos programas promovidos pela empresa é o
(Instituto Ethos). que leva o nome L’Oréal Plural, voltado à diversidade
Globalmente, a agenda de diversidade e inclusão e inclusão dentro dos quadros da empresa, está basea-
(D&I) passou a ocupar um lugar central nos discur- do em quatro pilares: equidade de gênero, LGBTQIA+,
sos dos CEO´s, que parecem dispostos a tratar o tema étnico-social e inclusão de pessoas com deficiência.
de forma sistêmica. Como no Brasil, a questão racial Segundo o time que compõe o L’Oréal Plural, a
sempre foi um tabu e, também, um processo de franca empresa acredita que a pluralidade é o caminho para
negação (forjada sob a influência do conceito da mis- construir uma empresa ainda mais disruptiva e inova-
cigenação e da democracia racial). Na prática, o que dora. A diversidade gera vantagens competitivas reais,
se concebeu foi a ideia de que no Brasil pessoas de to- a começar pelo fato de que se a empresa for um espelho
das as raças e credos convivem em paz e harmonia... da sociedade ao qual ela serve, a probabilidade de que
Desde que cada um saiba exatamente qual o papel e demandas dos seus diferentes grupos de consumidores
o lugar que lhe cabe na sociedade: a Casa Grande ou possam ser mais facilmente percebidas, compreendidas
a Senzala. e endereçadoa. O estudo “Diversity Matters: América
Pois bem, nos últimos anos, as empresas do mer- Latina”, produzido pela consultoria McKinsey, aponta
cado de beleza vêm buscando meios para se engajar que times diversos são 152% mais inovadores.
nessa agenda em busca de uma maior equidade ét- Em 2020, a L’Oréal acelerou sua agenda de D&I

ATUALIDADE COSMÉTICA 56 # 175 | AGOSTO 2021


PROGRAMA DE TRAINEE EXCLUSIVO PARA NE-
GROS LANÇADO PELO MAGAZINE LUIZA: para
alcançar suas metas públicas de inclusão,empresas
precisaram de estratégias agressivas de recruta-
mento, formação e promoção.

truir uma organização verdadeiramen-


te diversa e com oportunidades iguais,
garantindo que todos e todas estejam
comprometidos com a promoção de
um ambiente de trabalho e um mundo
mais inclusivo”, celebra a executiva da
L’Oréal.
Especificamente na questão da in-
clusão racial, Renata Dourado destaca
o programa de CoMentoria, cujo obje-
tivo é permitir trocas e acelerar a capa-
citação de líderes negros dentro de seus
quadros. “Nós queremos representar o
país onde estamos. Para isso, traçamos
um plano de ação baseado em quatro
pilares: pessoas, comunicação, inova-
ção e comunidades & cadeia de valor.
Dentro do pilar pessoas, um dos nossos
projetos é o Programa de CoMentoria.
Através dele, fazemos um treinamento
nas duas pontas: colaboradores negros
treinam a nossa alta liderança a respeito
das questões raciais no Brasil e seu pa-
focando em metas por área, fomentando discussões pel na transformação e, por outro lado, também rece-
importantes, empoderando colaboradores, promoven- bem coach de carreira com líderes escolhidos a dedo”,
do letramento e incluindo o tema na prioridade de to- conta a diretora da empresa francesa. Até o momento,
das as áreas da empresa. Também ofereceu aos seus cerca de 400 líderes da empresa já foram treinados.
colaboradores webinars sobre os diferentes temas de
D&I, treinando mais de 2.500 pessoas. Um exemplo COMPROMISSO ANTIRRACISTA
é o treinamento de diversidade e inclusão para todas Outra companhia empenhada em promover ações que
as equipes de Marketing, Comunicação e Pesquisa & visam aumentar a representatividade negra é a Avon,
Inovação, áreas envolvidas diretamente no desenvol- da Natura&Co. A empresa de venda direta acaba de
vimento e estratégia de lançamento dos produtos da lançar seu Compromisso Antirracista no Brasil, um
companhia. “Além disso, lançamos três redes de afi- plano que prevê o aumento da representatividade e
nidades – a de igualdade racial L’OréAfro, a de cola- o empoderamento de pessoas negras dentro e fora da
boradores LGBTQIA+ Prismas e a de Pessoas com De- empresa. A ideia é ampliar de forma considerável a
ficiência Potencialidades. Em 2021, lançamos também empregabilidade de pessoas negras e sua presença em
a de empoderamento feminino Gaia. Mas, acima de cargos de liderança.
tudo, acredito que o orgulho que os nossos colabora- O objetivo da empresa, conforme declaração de
dores sentem de trabalhar em uma empresa que apoia seu presidente, Daniel Silveira, é construir uma Avon
e valoriza a diversidade é o melhor indicador da recep- tão diversa quanto o Brasil, chamando atenção para
tividade do projeto”, acredita Renata. A afirmação faz o desperdício de talentos que a sub-representação de
referência à última pesquisa de clima, realizada pela mulheres e homens negros pode representar. “Sabe-
empresa, que apontou que 93% dos colaboradores des- mos que o caminho é desafiador e reconhecemos nosso
tacaram essa característica como um dos pontos fortes papel frente às transformações sociais. Por isso, explo-
da Companhia. ramos iniciativas que estimulam a diversidade dentro
“Como eu falei, diversidade e inclusão estão entre e fora da Avon” conta Daniella Moura, diretora de Re-
as nossas prioridades estratégicas. Nossa meta é cons- cursos Humanos da empresa.

# 175 | AGOSTO 2021 57 ATUALIDADE COSMÉTICA


GENTE Diversidade &Inclusão

DANIELLA MOURA, DA AVON: meta é alcançar 30%


de muheres negras nos cargos de liderança até 2030.

Em 2016, a Avon estabeleceu a Rede Pela Diver-


sidade, formada por colaboradores voluntários dedi-
RENATA DOURADO, A L’OREAL: negros e negras
cados a debater e promover ações internas e externas ocupam 16% dos cargos de liderança na companhia.
em quatro células - Gênero, Raça, LGBTI+ e PCD. “É Até 2025, objetivo é chegar em 30%.
pela atuação da Rede que nos tornamos, por exemplo,
membros da Aliança Sem Estereótipo da ONU Mu-
lheres, firmamos compromisso com o Selo Pró-Equi-
dade de Gênero e Raça e tivemos reconhecimentos UM LONGO CAMINHO PELA FRENTE
em prêmios de Diversidade & Inclusão”, comemora Apesar dessas iniciativas louváveis, é preciso enten-
Daniella. der que ainda há um longo caminho a ser percorrido
No ano passado, por meio de uma atuação conjun- até que se alcance uma verdadeira representatividade
ta da área de Recursos Humanos, da alta liderança e étnico-racial dentro das empresas do setor. Mas é im-
da Rede Pela Diversidade, a Avon estabeleceu o seu portante sustentar esses processos. Não como buscar
Compromisso Antirracista visa ampliar a equidade uma sociedade mais justa e igualitária que não seja por
étnico-racial. Entre as ações abarcadas, a Avon defi- meio de ações concretas. “Os números são iniciais e
niu como meta contratar 50% de pessoas negras. Para sabemos da longa jornada, mas acreditamos na mu-
as áreas da empresa com a menor representatividade dança e lutaremos por ela, também inspirando outras
negra, foi instituída a obrigatoriedade de, no mínimo, empresas e parceiros. Este é só o começo”, garante Da-
uma pessoa preta ou parda como finalista em proces- niella Moura, da Avon Brasil.
sos seletivos para líderes dessas áreas. Além disso, foi “Sabemos que temos muito a evoluir, mas a nossa jor-
estabelecida a meta de 30% de mulheres negras nos nada de transformação já começou. Hoje temos 15,9%
cargos de liderança até 2030. de negros em cargos de liderança e até 2025 queremos
A empresa afirmou também ter traçado estratégias ter 30%”, declara Renata Dourado da L´Óreal Brasil.
para a inclusão e retenção de talentos negros e, para Ela cita como exemplo dessa aceleração o fato de, no
isso, fará treinamentos de letramento racial de todos primeiro semestre de 2021, a empresa ter crescido
os funcionários até ano que vem. 18,4% na contratação de profissionais negros em rela-
A diretora de RH chama atenção para os avanços ção ao mesmo período de 2020. No ano passado, eram
que a empresa vem conquistando em relação ao tema 24,8% pessoas contra 43,2% das contratações desse
desde 2015, quando lançou seu Programa Diversidade ano. “Além disso, no final do ano de 2020, a L’Oréal se
e Inclusão. “Dobramos a contratação de colaboradores uniu a 12 empresas do setor de bens de consumo para
negros em nosso quadro quando comparado aos anos acelerar a agenda de igualdade racial no Brasil atra-
anteriores. Outro exemplo é nosso programa de está- vés do MOVER. Hoje o movimento soma 46 empresas
gio em 2021, em que as vagas foram preenchidas por e tem como objetivo combater o racismo estrutural e
76% de mulheres, 53% de homens negros e 35% de mu- ajudar na redução da desigualdade racial no país”, ex-
lheres negras”, afirma. plica a diretora de D&I da L’Oréal.

ATUALIDADE COSMÉTICA 58 # 175 | AGOSTO 2021


S I N T A A N AT U R E Z A
Parceria, responsabilidade socioambiental e flexibilidade

w w w. k a a p i f r a g r a n c i a s . c o m . b r
+55 (19) 3288.0502

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