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Descrição e análise do acolhimento:

Descrição e análise do
acolhimento: uma
contribuição para o

uma contribuição para o


Programa de Saúde
da Família

programa de saúde da família

DESCRIPTION AND ANALYSIS OF EMBRACEMENT: A CONTRIBUTION TO FAMILY HEALTH PROGRAM

DESCRIPCIÓN Y ANALISIS DEL ACOGIMIENTO: UNA CONTRIBUICIÓN PARA EL PROGRAMA


DE SALUD DE LA FAMILIA

Lislaine Aparecida Fracolli1, Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli2

RESUMO ABSTRACT RESUMEN 1 Enfermeira. Doutora


O Programa de Saúde da The humanist and efficient El Programa de Salud de la em Enfermagem.
Professora do
Família prevê ações de saúde healthcare required by the Familia requiere atención Departamento de
humanizadas, tecnicamente Family Health Program humanizada y técnicamente Enfermagem em
competentes e intersetorial- makes the “embracement” competente, lo que hace Saúde Coletiva da
Escola de Enfermagem
mente articuladas, tornando essential. This study aimed to fundamental “acoger”. Este da USP(EEUSP).
fundamental “acolher”. Este identify how the estudio tuvo como objetivo lislaine@usp.br
estudo objetivou identificar 2 Enfermeira. Mestre
“embracement” was identificar el proceso de em Saúde Pública e
como se processa o “acolhi- developed at Family “acogimiento” en Unidades Bioética. Professora
mento” em Unidades de Healthcare Services in Sao de Salud de la Familia en São do Departamento de
Saúde da Família, em São Enfermagem em Saúde
Paulo, SP. Brazil. The authors Paulo, SP, Brasil. Los sujetos Coletiva da EEUSP.
Paulo. Os sujeitos foram observed several fueron profesionales que elma@usp.br
profissionais de saúde que “embracement” links and hacen el “acogimiento” y los
realizavam “acolhimento” e interviewed healthcare datos fueron recolectados por
os dados foram coletados professionals. The results medio de observaciones y
através de observações e pointed out the clinical and entrevistas. Los resultados
entrevistas. Os resultados biological focuses of the mostraron que el
apontaram que o “acolhi- “embracement”. They also “acogimiento” realiza
mento” realiza uma escuta showed that “embracement” escucha clínica enfocada en la
clínica, focalizada na queixa, resolution is limited and does queja, con intervención
com uma intervenção pontual, not entail bounding. To make limitada, poco resolutiva y que
pouco resolutiva e não cons- the healthcare services more no construye vínculos. Es
trutora de vínculo. É neces- accessible, according to the necesario repensar el
sário repensar o “acolhi- proposal of the National “acogimiento”, en sus
mento”, nos seus aspectos Health System, the theoretical aspectos teóricos y prácticos,
teóricos e práticos, para que and practical perspectives of para viabilizar el modelo de
este possa efetivamente se the “embracement” must be “puertas abiertas” como
constituir em uma prática reviewed. proponen las directrices del
capaz de instaurar um Sistema Único de Salud.
modelo de saúde de “porta
aberta” consoante com as
diretrizes do SUS.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS PALABRAS CLAVE


Saúde da família. Family health. Salud de la familia.
Saúde pública. Public health. Salud pública.
Tecnologia biomédica. Biomedical technology. Tecnología biomédica.

Recebido: 05/12/2002
143
Rev Esc Enferm USP
Aprovado: 05/01/2004 2004; 38(2):143-51.
INTRODUÇÃO O acolhimento é mais do que um fenôme-
Lislaine Aparecida Fracolli
Elma Lourdes C.P. Zoboli no lingüístico, do discurso verbal, deve tra-
A estratégia do Programa de Saúde da Fa- duzir-se em intencionalidade de ações. Ele
mília (PSF) está estruturada na lógica de aten- possibilita a captação das necessidades de
ção básica à saúde, gerando novas práticas saúde manifestadas pelo usuário e dispara
setoriais e afirmando a indissociabilidade entre imediatamente na instituição um processo de
os trabalhos clínicos e a promoção da saúde. trabalho concretizado em ações que respon-
dam à necessidades captadas (2).
Para tanto, o PSF e os profissionais que
nele atuam, necessitam desenvolver proces- Entendido dessa maneira, o acolhimen-
sos de trabalho que estabeleçam uma nova to tem a potencialidade de inverter a lógi-
relação entre os profissionais de saúde e a ca de organização e funcionamento do ser-
comunidade e se traduzam, em termos de viço de saúde, partindo dos seguintes
desenvolvimento de ações humanizadas, princípios:
tecnicamente competentes, intersetorialmente
articuladas e socialmente apropriadas. Ape- • Atender a todas as pessoas que procu-
nas com ações desse tipo, o PSF conseguirá ram os serviços de saúde, garantindo a aces-
atingir os determinantes e condicionantes das sibilidade universal. Assim, o serviço
condições de saúde-doença da população de saúde assume sua função precípua, de
sob sua responsabilidade. acolher, escutar e dar uma resposta positiva,
capaz de resolver os problemas de saúde da
Isso exige dos trabalhadores e profissio- população.
nais de saúde inseridos no PSF a incorpora-
ção de contínuas discussões acerca do seu • Reorganizar o processo de trabalho,
processo de trabalho e da relação que travam de forma que este desloque seu eixo cen-
com os usuários dos serviços de saúde, pois tral do médico para uma equipe
no encontro entre trabalhador e usuário multiprofissional – equipe de Acolhimen-
to, que se encarrega da escuta do usuá-
operam processos tecnológicos (traba- rio,– comprometendo-se a resolver seu
lho vivo em ato) que visam a produção de
problema de saúde. A consulta médica é
relações de escutas e responsabili-
requisitada só para os casos em que ela se
zações, que se articulam com a constitui-
ção de vínculos e dos compromissos em
justifica. Desta forma, todos os profis-
projetos de intervenção, que objetivam sionais de nível superior e ainda os auxilia-
atuar sobre problemas/necessidades de res e técnicos de enfermagem participam
saúde, em busca da produção de ‘algo’ da assistência direta ao usuário, aumentan-
que possa representar a conquista do do enormemente o potencial de serviço da
controle do sofrimento (enquanto doen- Unidade.
ça) e/ou a produção da saúde(1).
• Qualificar a relação trabalhador-usuá-
Sem acolher e vincular não se concretiza rio, que deve se pautar em parâmetros
a responsabilização e tampouco a otimização humanitários, de solidariedade e de cidada-
tecnológica das resolubilidades que efetiva- nia. Essa é a argamassa capaz de unir solida-
mente impactam os processos sociais de pro- mente os trabalhadores e usuários em torno
dução da saúde e da doença. A partir dessa de interesses comuns: a constituição de um
afirmação os serviços de saúde, e mais espe- serviço de saúde de qualidade, com atenção
cificamente o PSF, optaram por instituir espa- integral que atenda a todos e esteja sob o
ços de acolhimento no seu processo de controle da comunidade(1).
trabalho.
A partir dessas considerações pode-se
O acolhimento, nos serviços de saúde, afirmar que o acolhimento se constitui em
tem sido considerado como um processo, instrumento potente para a reorganização
especificamente de relações humanas; um da Atenção à saúde no PSF. Por ser uma
processo, pois deve ser realizado por todos tecnologia, tradicionalmente, pouco utili-
os trabalhadores de saúde e em todos os se- zada nos serviços de saúde, o presente

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tores do atendimento. Não se limita ao ato de
receber, mas se constitui em uma seqüência
de atos e modos que compõem o processo de
trabalho teve por objetivo descrever como
o acolhimento vem sendo desenvolvido e
concebido nas Unidades de Saúde da Fa-
2004; 38(2): 143-51. trabalho em saúde(2). mília (USF), do município de São Paulo.
METODOLOGIA PSF, nas regiões norte e sudeste do muni-
Descrição e análise do
cípio de São Paulo, no ano de 2000. As acolhimento: uma
O estudo utilizou o materialismo histórico USF, nas quais o estudo foi realizado, es- contribuição para o
e dialético como referencial teórico e Programa de Saúde
tavam sob a responsabilidade do governo da Família
metodológico para a compreensão da práxis do Estado em parceria com a Fundação
encontrada no acolhimento e esta foi anali- Zerbini.
sada com base nos conceitos de processo de
trabalho e processo de intervenção em saú- O acolhimento, nas unidades de saúde
de coletiva. estudadas, foi operacionalizado sob a forma
de um atendimento específico, direcionado
A compreensão do trabalho em saúde e às pessoas que procuravam a USF e não ti-
suas práticas como práticas sociais traz nham agendamento prévio. Estava organi-
o referencial da categoria trabalho para a zado para possibilitar a escuta dos motivos
saúde(3). Isto possibilita a compreensão de que levaram o indivíduo a procurar o servi-
que estas práticas são determinadas pela fi- ço de saúde naquele momento e dar uma
nalidade social do trabalho e se referem a um resposta à sua necessidade. Era realizado em
projeto de ação que traduz uma dada con- uma sala ou um local específico e os profis-
cepção de processo saúde-doença e cuida- sionais de saúde tinham uma escala para se
do, ou seja, de uma perspectiva biológica e revezarem no desenvolvimento dessa
multicausal a finalidade do processo de tra- atividade.
balho em saúde será a normalização da ativi-
dade biomédica e da perspectiva da multidi- Os sujeitos do estudo foram os profis-
mensionalidade psicossocial, cultural, e bio- sionais de saúde (médicos, enfermeiros, auxi-
lógica, portanto coletiva, a finalidade será a liares de enfermagem e agentes comunitários
promoção da saúde e a emancipação dos de saúde), que atuavam na realização do
sujeitos. acolhimento nessas USF no período em que
a pesquisa foi realizada.
As intervenções em saúde coletiva con-
sideram que a assistência à saúde é uma in- Os instrumentos para a coleta de
terferência consciente no processo saúde- dados foram: um roteiro de observação
doença de uma dada coletividade pelo con- (que visava descrever as ações reali-
junto dos profissionais de saúde com a po- zadas pelo trabalhador ao realizar o
pulação; objetivando o desenvolvimento de acolhimento e descrever o ambiente
uma consciência crítica por parte dos usuá- físico e social do acolhimento)e em
rios, para que estes se tornem sujeitos de um roteiro de entrevista semi-estruturada
suas próprias transformações. Essa consci- (que procurava capturar as concepções
ência crítica é possível na medida em que que os trabalhadores tinham sobre o
são expostas as contradições da realidade, acolhimento).
considerando também os pontos de
vulnerabilidade e os momentos e formas de Para a coleta de dados o pesquisador
intervenção(4). ficava dentro da sala onde se realizava o
acolhimento e observava as ações desen-
O Programa de Saúde da Família na sua volvidas, durante um período de quatro (4)
concepção teórica traz dentro de si as horas; a seguir realizava-se a entrevista com
potencialidades para se transformar em uma o trabalhador que havia sido observado.
proposta de intervenção em saúde que bus- Os dados coletados foram organizados e ana-
ca essa atuação mais emancipadora e lisados através do método de Discurso do
transformadora dos sujeitos, e ao optar pela Sujeito Coletivo (DSC)(5) e do Fluxograma
instituição do acolhimento, como um pro- Analisadores(6).
cesso de trabalho nas Unidades de Saúde
da Família, incrementa essa potencialidade O projeto de pesquisa foi aprovado
inicial. pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Es-
cola de Enfermagem da USP, em outubro
Cenário de estudo, sujeitos e de 2000. As observações e entrevistas
procedimentos de pesquisa
A pesquisa foi realizada em dez (10)
eram realizadas após consentimento livre
e esclarecido dos trabalhadores e usuári-
os, assegurando-se a liberdade de partici-
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USF,pertencentes ao Projeto QUALIS/ pação e recusa. 2004; 38(2):143-51.
RESULTADOS E DISCUSSÕES por exemplo: a falta de privacidade para a re-
Lislaine Aparecida Fracolli
Elma Lourdes C.P. Zoboli alização do acolhimento constitui uma práti-
ca que pode diminuir a potencialidade do
Descrição da organização do
mesmo, pois assegurar a privacidade é um
acolhimento nas unidades
dos elementos basilares da construção da
de saúde estudadas
relação de confiança entre o usuário e o tra-
Nas Unidades de Saúde da Família (USF) balhador e esta relação de confiança é a base
estudadas, eram realizados, por dia, em do acolhimento(7).
média 40 acolhimentos, os quais duravam de
Os dados mostram ainda que o acolhi-
três (3) a 15 minutos cada um. Estes eram rea-
mento, para ser realizado, prescinde de um
lizados em salas arejadas e com mobiliário tipo
ambiente físico que seja característico de uma
consultório (cadeiras, mesa, maca) contudo,
intervenção clínica, isto é, salas com macas,
em algumas USF, a sala não era privativa para
aparelhos de aferição de sinais vitais, mesas
a atividade de acolhimento. A relação entre o
ginecológicas, etc. Assim, este poderia ser
trabalhador de saúde e o usuário do serviço,
realizado em espaços físicos que lembrem
que se estabelecia no acolhimento, era
mais um ambiente informal de recepção, onde
marcada pela tensão, pois os usuários che-
as pessoas possam se sentir acolhidas, não
gavam ansiosos e os trabalhadores busca-
apenas através de suas queixas clíni-
vam atendê-los, de forma a acalmá-los, escu-
cas,(mensuráveis por aparelhos de aferição
tando-os com atenção. Entretanto, alguns tra-
de Pressão Arterial, termômetros, Glico-
balhadores, talvez premidos pela demanda,
símetros, etc.), mas através de suas necessi-
atendiam de maneira ágil, objetiva e pouco
dades de saúde (para as quais os trabalhado-
comunicativa.
res de saúde parecem ainda não dispor de
Com relação aos profissionais que reali- instrumentos específicos). A sala onde o aco-
zavam o acolhimento, encontrou-se que, de lhimento é realizado poderia trazer fotos das
um modo geral, esta atividade fica a cargo diversas atividades desenvolvidas pelos gru-
das enfermeiras e das auxiliares de enferma- pos de usuários que acontecem na USF, aju-
gem, com a retaguarda do profissional médi- dando no estabelecimento de uma dinâmica
co. Em algumas unidades, é o agente comuni- relacional diferenciada, baseada em um tem-
tário de saúde se responsabilizava pelo aco- po maior para ouvir o usuário.
lhimento. Outro aspecto importante é o número de
acolhimentos realizados. Entende-se que o
Com relação às formas de registro do
acolhimento é uma forma de ampliar o acesso
acolhimento, observou-se que a maioria dos
da população ao serviço contudo, as deman-
profissionais, das diferentes unidades, regis-
das atendidas deveriam ser objeto de discus-
trava o acolhimento como um atendimento,
são das equipes e da gerência das USF, para
no prontuário do usuário. De forma geral, os
que as mesmas possam, a partir da demanda,
registros enfocam o atendimento clínico.
repensar a oferta de serviços, os programas
Alguns profissionais, além dessas fontes de
prioritários e a organização do trabalho das
registro, adotam um livro ou planilha próprio
Equipes de Saúde da Família (ESF).
para o registro dos acolhimentos que reali-
zam. Não foi identificado uso de protocolos Entendendo que o acolhimento se cons-
como guias para o atendimento no acolhi- titui em uma prática ESF, seria adequado que
mento nas USF estudadas. todos os profissionais da ESF o realizem,
pois acolher, embora incorpore a dimensão
Os resultados revelaram que as USF estu- clínica, não se restringe a ela. Assim, traba-
dadas consideram o acolhimento como uma lhadores que não operam, no cotidiano de
estratégia para ampliar o acesso da seu trabalho, com o saber clínico podem
população ao serviço de saúde. Poderiam ter reaalizar acolhimento, ainda que para essa
dado qualquer outro nome para essa ação atuação precise de algumas discussões, na
(recepção, triagem, etc), contudo ao denomi- equipe, dos casos acolhidos. Neste sentido,
nar acolhimento mostram que gostariam de

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a inserção do profissional médico nessa
operar sob uma lógica diferente junto ao usu- atividade não deve limitar-se á retaguarda.
ário. Embora exista essa perspectiva transfor-
madora, o modo como o acolhimento vem Com relação ao registro do acolhimento,
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2004; 38(2): 143-51. sendo realizado precisa sofrer modificações, esta é uma parte importante, uma vez que é a
partir dele que a equipe pode compartilhar zadas pelos profissionais são eminentemen-
Descrição e análise do
informações sobre o usuário, identificar te clínicas, não existindo uma avaliação das acolhimento: uma
aspectos familiares que possam estar inter- queixas dos usuários, segundo categorias contribuição para o
Programa de Saúde
vindo no seu processo saúde-doença e pos- sociais ou programáticas; o momento da da Família
sibilitar a continuidade e o acompanhamento anamnese opera com um conjunto de ações
da atenção prestada. Assim, observa-se que que tem por objetivo a identificação dos limi-
o instrumento de registro precisa ser amplia- tes para a prática de quem implementa o aco-
do no sentido de retratar para além das lhimento, ou seja, o que da queixa pode ser
características biológicas e individuais da resolvido pelo trabalhador naquele momento
queixa. Além do mais, não se pode esquecer e o que deve ser encaminhado, porém não
que um prontuário completo configura um fica claro como esses limites são definidos
dos direitos dos usuários. uma vez que não existem protocolos formali-
zados; falta uma abordagem da família.
O Processo de trabalho desenvolvido
no “acolhimento” A organização do trabalho, ainda está
centrada na consulta médica, operando com
As ações que compõe o processo de tra- o conhecimento clínico-biológico de cunho
balho desenvolvido no acolhimento foram: fisio-patológico, no qual as tecnologias leve,
identificar o problema do usuário e propor ou seja as tecnologias de relações, assumem
uma resposta para o que ele está sentindo; um papel secundário em relação às
realizar encaminhamento dos usuários para tecnologias leve-dura, ou seja os saberes ins-
outros serviços, como pronto socorro, con- tituídos. O uso de tecnologias leve, por parte
sulta médica, etc.; realizar anamnese dirigida dos trabalhadores no acolhimento, quando
para a queixa; realizar triagem para encami- ocorre, é de forma limitada, ou seja, não in-
nhamento imediato ou mediato, segundo va- corpora uma intervenção sobre os
gas preestabelecidas e gravidade da queixa; determinantes e condicionantes do proble-
realizar exame físico e verificar os sinais vi- ma, que os fez procurar o serviço de saúde. O
tais, com enfoque na queixa; supervisionar o trabalhador, que realiza o acolhimento, tem
auxiliar de enfermagem quando este realiza o dificuldades para lidar com problemas e ne-
acolhimento; supervisionar a porta de entra- cessidades no âmbito da saúde mental, isto
da do posto; distribuir senhas para atendi- é, apesar da importância atribuída às
mento; realizar consulta médica ou de enfer- tecnologias leve-dura, há um despreparo nes-
magem; trocar prescrições de medicamentos; se aspecto com relação á área temática de
realizar orientações sobre saúde; realizar cu- saúde mental.
rativos; administrar medicamentos; realizar
escuta humanizada do usuário para atender Da forma como está sendo implementado,
sua necessidade; dar apoio às pessoas que o acolhimento não se constitui em um instru-
procuram o serviço. mento para autonomizar o usuário a enfrentar
seu processo saúde-doença como protago-
A análise dessas ações e sua articulação nista e co-responsável (em parceria com o
ao processo de trabalho desenvolvido, atra- trabalhador de saúde) do mesmo.
vés do fluxograma analisador(6), permite rea-
lizar as seguintes afirmações: a terminalidade O acolhimento se apresentou, nesse es-
dos acolhimentos é a consulta médica (ime- tudo, como um modelo clínico-biomédico, no
diata ou mediata); o momento de escuta do qual o atendimento é realizado com base no
usuário se caracteriza pela busca de informa- modelo queixa-conduta e como uma forma de
ções eminentemente clínicas, quando se iden- triagem apoiada em práticas conflitantes (nor-
tificam informações de outras dimensões (so- malização administrativa versus gravidade/
cial, cultural ou psicológica), estas não são risco biológico). As ações de encaminhamen-
utilizadas e, muitas vezes, nem mesmo consi- to não utilizam a potencialidade de “outras”
deradas; as queixas apresentadas pelos usu- intervenções oferecidas pelo PSF, como gru-
ários, com certa freqüência, são exageradas, pos educativos, grupos de caminhada, entre
já que a entrada na USF só é possível através outros, e se pautam na derivação para con-
de uma queixa clínica (e da gravidade dessa
queixa); as ações desenvolvidas durante o
acolhimento condicionam a volta das pes-
sulta médica. Não relacionam o perfil
epidemiológico para desenvolverem ações
coletivas, que possam impactar nas deman-
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soas a esse atendimento; as avaliações reali- das individuais por saúde. 2004; 38(2):143-51.
As ações elencadas como constitutivas resolução das necessidades e problemas de
Lislaine Aparecida Fracolli
Elma Lourdes C.P. Zoboli do acolhimento apontam para a possibilida- saúde do usuário, deve-se ter cautela na sua
de de caracterizar o acolhimento como uma adoção.
atividade organizadora da porta de entrada
da USF. Dentro desta lógica, o acolhimento Para humanizar a relação entre trabalha-
corre o risco de se transformar em, simples- dor e usuário, nos serviços de saúde, não
mente, mais uma atividade, mais uma basta restringir-se a escuta e ao respeito, é
tecnologia com instrumentos, lugares, agen- preciso ultrapassar essa visão afetuosa do
tes e saberes próprios, enfim mais um serviço relacionamento, a partir da construção de um
oferecido pela USF e não uma forma de mu- processo de gestão do trabalho pautado na
dar as relações entre trabalhadores e usuári- autogestão e na responsabilização do traba-
os e reorganizar o serviço para oferecer mais lhador de saúde com seu objeto de trabalho,
qualidade na atenção à saúde. a vida e o sofrimento das pessoas e da cole-
tividade(1).
Um outro aspecto a ser discutido, refere-
se ao fato de que ao se transformar o acolhi- Outra questão que merece ser discutida
mento em um serviço específico, corre-se o num estudo sobre acolhimento, refere-se à
risco destas USF se tornarem um grande Pron- resolubilidade do mesmo. Para que uma ação
to Atendimento (PA). Não se quer, com isso, seja considerada resolutiva esta, não neces-
anular a validade do PA como um recurso a sariamente, deve se limitar a ter uma conduta
mais para abordar o usuário, mas o que se clínica mas, além disso, coloca a possibili-
deseja é alertar para a não redução da USF a dade de usar toda tecnologia leve e leve-dura
um lugar aonde só se faz PA. que se dispõe para eliminar as causas reais
do problema do usuário. Assim, ações como
O acolhimento deve ser traduzido como consultas médicas ou de enfermagem, curati-
uma relação vos, orientações, dentre outras, baseadas na
clínica, por si só, não são suficientes para dar
humanizada, acolhedora, que os traba- todas as respostas às várias dimensões que
lhadores e o serviço, como um todo, têm compõem os problemas e as necessidades
que estabelecer com os diferentes tipos de saúde das pessoas, sendo essencial tra-
de usuários que a eles aportam(1). balhar com ações coletivas, que evocam a
intersetorialidade e uma rede de referência e
Para tanto é necessário, que os trabalha-
contra-referência eficiente.
dores e os serviços de saúde realizem uma
reflexão sobre as relações que têm estabele-
A percepção dos trabalhadores sobre o
cido com os usuários, especialmente quando
acolhimento
ela se torna mais tensa, como nas portas de
entrada dos serviços de saúde, onde a distri- Partindo do pressuposto que todo pro-
buição de senhas impõe limites administrati- cesso de trabalho tem em si uma intenciona-
vos ao acesso e pode levar a um distan- lidade e uma dada concepção de processo
ciamento entre trabalhador e usuário, que re- saúde-doença, buscou-se nesse estudo iden-
sulta na não produção do que é direito de tificar as concepções e as propostas de ação
todos (usuários e cidadãos): um atendimento dos trabalhadores das ESF ao realizarem o
humanizado, fundamental como parte do pro- acolhimento.
cesso de criação do vínculo e do processo
terapêutico que deve visar a autonomização Os resultados das entrevistas, expressos
do usuário(1). no discurso dos sujeitos coletivos aponta-
ram para uma divergência entre os trabalha-
Com isto, não se pretende invalidar as dores de saúde, que realizavam acolhimento
medidas administrativas que objetivam a or- nas diferentes USF. Assim, um grupo mani-
ganização das USF, mas se quer alertar para festava a necessidade de rever as ações do
o risco de que estas se convertam em pautas acolhimento e outro grupo achava que isso
rígidas a ordenar condutas e impedir o aces- não era importante, considerando que se ha-
so ao sistema de saúde. Antes de imple- via algo que deveria ser modificado eram os

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mentar tais medidas deve-se perguntar pelo
seu propósito, se este não incluir a melhoria
da capacidade dos trabalhadores na condu-
usuários e o sistema de saúde.

Esses posicionamentos foram classifica-


2004; 38(2): 143-51. ção das questões essenciais envolvidas na dos e expressos a partir dos seguintes temas:
• São necessárias modificações no aco- ção da rede e do processo de trabalho da USF,
Descrição e análise do
lhimento, com relação ao tempo, à proximida- é como se o processo de trabalho dele (traba- acolhimento: uma
de com o usuário e a que profissional compe- lhador) fosse totalmente instituído por essas contribuição para o
Programa de Saúde
te sua realização. instâncias. Tal fato, sugere uma indisponibi- da Família
lidade dos trabalhadores a questionarem
Deveria ficar mais tempo. Deveria estar
(e transformarem) o acolhimento através da
mais próximo, não ficar tanto no consultó-
transformação da sua prática. Por outro lado,
rio, ficar fazendo exame físico e tomando
as providências, a gente deveria ficar
considera-se positiva a visão ampliada na ava-
rodando, ver quem é que está precisan- liação do acolhimento que os trabalhadores
do. Se pudesse quem deveria ficar real- apresentam, identificando sua inter-relação en-
mente atendendo essa necessidade era quanto porta de entrada do sistema de saúde,
a enfermeira. com os diferentes equipamentos sociais e de
saúde, presentes na área de abrangência da USF
• O acolhimento não precisa de modifi- e não se limitando a discutir o acolhimento em
cações, está bem estruturado. si, apenas como uma prática técnica.
Já tem bem fechado a questão do acolhi- Na percepção dos trabalhadores, o aco-
mento. O acolhimento já tem o máximo, não lhimento deveria incorporar mais a realização
tem mais o que propor para melhorar o aco-
de ações de prevenção, de educação, de
lhimento. Ele está bem estruturado como
conscientização e de orientação, o que, na
está, porque consegue atender as neces-
sidades dos pacientes no programa.
opinião dos trabalhadores, é dificultado pelo
excesso de queixas clínicas que aparecem no
• O acolhimento não precisa de modifi- acolhimento.
cações, quem precisa de modificações é a
rede de serviços de saúde. Outra questão que surgiu, na percepção
dos trabalhadores, foi a necessidade de nor-
Não proporia ações para o acolhimento malização do acolhimento, com a delimitação
em si, porque o acolhimento é o que é, é de horário, número de vagas e área de proce-
isso mesmo, escutar o paciente e ver o dência, considerando ainda a urgência/emer-
que você pode fazer né, o que você pode gência clínica da queixa. Alguns entrevista-
dar de resposta. Mas proporia uma reor- dos entendem que precisam de melhorias nas
ganização do atendimento como um todo,
condições de trabalho para realizar o acolhi-
você organizar sua demanda programát-
mento, como mais tempo, menos pessoas para
ica, ter um controle mais eficaz dos seus
hipertensos, diabéticos, porque aí essa
atender e melhor espaço físico.
pessoa não vai tá aparecendo tanto na
A análise das percepções trazidas pelos
unidade de sopetão para você atender de
trabalhadores sobre seu trabalho indica que,
última hora. Teria que ter mais postos,
assim como esses projetos de médico da
ao proporem uma normalização para o
família nas comunidades e diminuir o nú- acolhimento, estes esperam que os usuários
mero de famílias, aí você tem condição de se enquadrem às normas institucionais,
atender de uma forma diferente tudo, in- especialmente as relativas à área de respon-
clusive o acolhimento. sabilidade e horário, sendo compreensivos
com a limitação do número de vagas. Enten-
• O acolhimento não precisa de modifi- de-se que é mais simples normalizar a entrada
cações, o usuário é que deve ser preparado dos usuários na USF com a lógica da delimi-
sobre seus direitos. tação adscrição das áreas, do que propiciar
Essas entidades, postos de saúde, esco-
discussões entre as diferentes equipes que,
la, esses grupos que existem em comuni- levando a uma democratização do conheci-
dades, nos bairros deveriam preparar a mento relativo às necessidades/problemas da
população sobre essas coisas a que ele área de abrangência, facilita a articulação en-
tem direito o que ele não tem. tre totalidade, particularidade e singulari-
dade na intervenção no coletivo. Outra ques-
A análise dos discursos revelou que, mes- tão que se apresenta é a necessidade de
mo quando admite a necessidade de modifica-

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desfocar a atenção da queixa (biológica) para
ções no acolhimento, o trabalhador de saúde se construir uma lógica centrada no usuário.
não consegue apresentar propostas concretas
para essa reformulação, o máximo que ele con- Os resultados permitem visualizar que o
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segue sugerir é a necessidade de reorganiza- acolhimento ainda é uma ação de saúde pou- 2004; 38(2):143-51.
co clara para os trabalhadores das ESF e para a Uma vez que o PSF se propõe a ser a estra-
Lislaine Aparecida Fracolli
Elma Lourdes C.P. Zoboli USF. É possível observar que embora os con- tégia do Ministério da Saúde para a reorgani-
ceitos sobre acolhimento estejam apreendidos, zação da Atenção Básica, é imprescindível que
a sua operacionalização ainda é uma caixa pre- os profissionais de saúde aprendam a reco-
ta para as ESF. Isso pode ser observado quan- nhecer quais são os problemas e as necessi-
do vemos o acolhimento traduzido em ações dades de saúde dos indivíduos e famílias sob
instituídas como triagem, consulta agendada, sua responsabilidade, e ao reconhecer esses
encaminhamento, normas de acesso, etc. De problemas/necessidades, consigam traçar uma
qualquer forma buscar operacionalizar o con- proposta de intervenção para os mesmos, iden-
ceito de acolhimento é uma maneira de produ- tificando que as ações de saúde que estão
zir ruídos no processo de trabalho da USF, na sob sua responsabilidade atendem a uma pe-
direção da construção de uma nova modalida- quena parcela dos problemas/necessidades
de de assistência à saúde. presentes e que a outra parcela precisa ser
atendida, caso contrário, o problema não esta-
CONSIDERAÇÕES FINAIS rá resolvido. É nesse momento que se faz ne-
cessário a articulação intersetorial.
O presente estudo teve como objetivo
descrever o acolhimento, no sentido de iden- As ESF precisam incorporar a idéia de que
tificar a forma como este vem sendo sua responsabilidade não se limita às quatro
implementado pelas ESF no PSF. paredes da USF e que causar impacto nos
problemas significa trazer respostas reais que
Este trabalho pôde identificar alguns as- alteram o quadro de saúde da sua área de
pectos críticos que devem ser pensados e responsabilização.
internalizados, pelos trabalhadores das ESF,
a fim de que o acolhimento possa se inserir Organizar um serviço de saúde significa
como uma prática, que supere o modelo montar algo que altere as condições de saúde do
biológico-hegemônico em direção a uma território, interferindo positivamente no modo de
centralidade do usuário, que é sujeito e fim produção dos riscos e dos sofrimentos. O gran-
do processo assistencial. de desafio é articular os diferentes setores de
produção de uma USF em uma gestão comparti-
Com este estudo foi possível concluir que lhada que responda pelo acesso dos usuários
a escuta que se tem feito do usuário, que com acolhimento, vínculo e resolubilidade.
procura o serviço no acolhimento, é uma es-
cuta clínica, focalizada nas queixas e, portan- Assim, implementar o acolhimento requer
to, a intervenção realizada é pontual, pouco que além de instituir uma USF de porta
resolutiva e não construtora de vínculo, aberta, que responda as demandas da comunida-
contribuindo pouco para a autonomização de, se institua um relacionamento com os outros
do usuário e para a implementação de práti- serviços de saúde da área. A análise dos dados
cas de saúde que extrapolem a abordagem de obtidos com o presente estudo nos permitem con-
natureza clínica e individual. cluir que as ESF ao realizarem o acolhimento en-
tendem que os instrumentos de trabalho que pos-
Pode-se identificar, também, que o aco- suem e a maneira como abordam os problemas de
lhimento tem dificuldades no estabelecimen- saúde são insuficientes para dar assistência de qua-
to de escutas ampliadas, pois estas fazem lidade à população sobre sua responsabilidade.
aflorar problemas e necessidades que não Contudo ao refletirem sobre a forma de superação
podem ser resolvidos apenas no âmbito do desse problema, não conseguem redirecionar sua
serviço de saúde e tornam, assim, imprescin- prática rumo à construção do novo. Operam com
dível que sejam incorporadas ás práticas das concepções de processo saúde-doença pouco ade-
USF uma articulação intersetorial, ou seja, quadas para o trabalho com comunidades e se es-
reconhecer e buscar parcerias externas à quecem, muitas vezes, das propostas do SUS.
unidade e ao setor saúde. Isso significa esta-
belecer um diálogo efetivo com os hospitais, O presente estudo pretendeu dar visibilida-
laboratórios e outros serviços de diagnose e de às práticas que vêm sendo desenvolvidas
terapia, com vistas a estabelecer interações no acolhimento, no sentido de alertar aos pro-

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de referência e contra-referência; além de es-
tabelecer relacionamentos profissionais e de
ajuda com as associações comunitárias; os
fissionais, gestores e pesquisadores sobre a
necessidade de se investir esforços na
implementação dessa proposta nas unidades
2004; 38(2): 143-51. sindicatos e as escolas, dentre outros. de saúde de um modo geral.
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