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Este capitulo discute a interdependéncia entre o edificio e o ambiente urbano € como um afeta 0 outro, ou seja, mostra que nao hé como pensar o edificio ambiental fora do seu contexto urbano e climatico, Além disso, nessa intera- 40, nao ha como pensar o edificio sozinho inserido em um ambiente urbano, ‘mas, sim, refltir sobre um grupo de edificios, no minimo em uma escala de nove quadeas, para considerar o que acontece no entorno imediato de uma determinada quadra (de referéncia), entendida aqui como a unidade minima de projeto (Fig. 6. © principal motivo para se considerar o clima urbano é a criagéo de ambi- entes constrnidos que interajam com a atmosfera gerando microclimas nos quais as pessoas se sintam confortaveis (Browns Gillespie, 1995). Se o espago néo oferece condigbes de conforto, nao atraias pessoas, Se tver alternativa,o usuario vai buscar ‘um espaco mais confortavel do ponto de vista térmico, luminoso, acistico, til ec. Com o objetivo principal de melhorara qualidade ambiental das cidades, é preciso aprimorar as condigies que favorecam uso dos espagos piblicos onde as pessoas circulama pé, de transporte piiblico ou por outros meios nao motorizados de trans- porte, Para que as pessoas passem mais tempo nos espacos piblicos, essa vivencia precisa ser prazerosa (Robinson; Bruse, 2011). Um segundo objetivo é minimizar 0 consumo de energia em edificios (Brown; Gillespie, 1995). Para atingir esses dois objetivos, & importante conhecer os elementos do microclima que mais afetam 0 conforto humano, o consumo de energia das cidades e dos edificios e reconhecer aqueles que podem ser alterados pelo planejamento ¢ pelo desenho urbano, Denise Duakre Fig. 6.1 Quadra de referencia como uniade minima de projetoe mais oto quadras no ‘enor imediato; (A) una versio simplifcada docontexto cistente em um bairo no centro da dade de io Paulo para estudos paramévicos (8) ‘exemplo de um caso real no diswto da Replica, am Sto Paulo Fonte: Labaute LabHab (201). 156. Eoiricio AmBicnTAL (© microclima urbano é incrivelmente complexo e esté sempre mudando. Na escala microclimatica, & possivel observar os efeitos locais do clima urbano, em sua distribuigdo espacial e temporal: i) a iha urbana de calor, em suas varias mani festacies; il) as modificages no balanco de energia em comparago com os sitios naturais do entorno ¢ iii) @ interacdo com as mudangas globais aumentando os riscos sociais e ambientais em eventos extremos (Assis, informago verbal, 2010), As variaveis ambientais podem, até certo ponto, ser controladas pela atv dade de planejamento e projeto, tanto na escala urbana quanto na do edificio, por ‘melo das legislagdes de uso ¢ ocupacao do solo e cédigos de edificagées, de modo que ha, & principio, potencial para agregar objetivamente informacées da climato- logis ao planejamento e gestéo das cidades, por meio de um planejamento urbano climaticamente responsével, pelo desenho urbano e pelo entendimento do papel dos edificios na estratégia de climatizagao das cidades. Entretanto, embora se reconheca a importancia da consideragio do clima no planejamento urbano, constata-se que muito pouco do conhecimento disponivel da climatologia urbana é usado no planejamento das cidades. Na década de 1980, Oke (1984) apontava que parte do problema estava na natureza da pesquisa em Climatologia Urbana, essencialmente descritiva, e na sua diiculdade em traduzir seus resultados em subsidios e ferramentas iteis para aplicagao em planejamento, De fato, Taesler (1986) observa que, do pont de vista da Climatologia, o principal objetivo reside em estudar o impacto da érea urbana sobre a atmosfera, mas que para o planejador urbano e para o projeto de edificagdes, ao contrério, o interesse esta em avaliar os impactos do clima sobre as fungées, a economia c a segurana do ambiente construido, bem como sobre a satide e bem-estar da popuilacao, de modo a tomar decisdes para a preservacio da qualidade desse ambiente. Obviamente, o processo de tomada de decisio em planejamento e projeto no pode estar baseado em critérios puramente qualitativos e em principios gerais: € necessério desenvolver metodologias para a andlise quantitativa e integrada de atributos da forma urbana e do clima, em suas varias escalas (Assis, 1997), baseadas em critérios de conforto ambiental ¢ efciéncia no uso de recursos energéticos e de materiais, de mancira a diminuir a presséo das areas urbanas sobre os recursos naturais e a contribuir para a sustentabilidade do ambiente construido, Monteiro (1986) e Assis (2005) ja chamavam a atengéo para a necessidade do desenvolv ‘mento de modelagem para a simulag30, com base em situagées observadas, forta- lecendo as bases de previsio para subsidiar o planejamento urbano, Nos ltimos anos, ocenairio esta mudando, pois jé ha recursos de modelagem numérica que permitem estudos preditivos declima urbano na camada a0 nivel das coberturas (Urban Canopy Model, UCM), ainda que bastante complexos, Também comecam a acontecer acoplamentos entre modelos de diferentes escalas (Robinson etal, 2011), Nos estudos microclimsticos urbanos em Arquitetura e Urbanismo, 0 mais utilizado é 0 ENVT-met (), criado por Michael Bruse eequipe. Esse software gratuito oferece um modelo microclimético tridimen- sional para simular as interagdes entre 0 solo, a superficie (vegetacio, érea urbana) a atmosfera na microescala urbana (Bruse; Fleer, 1998). Para isso, ele se baseia nos principios da Mecanica dos Fluidos enas eis fundamentais da Termodinamica (© modelo considera as carateristicas dos processos da macro e mesoescalas para fornecer dados da microescala,¢0 seu uso exige conhecimentos de Micrometeoro: logia, que ndo sao abordados na formacio de arquitetos e urbanistas, o que o torna bastante complexo para aplicagdes na érea. Esse & um dos poucos modelos em microescala que tentam descrever a maior parte dos processos climaticos que acontecem no meio urbano, incluindo turbulén- cia, transporte de calor sensivel e latent, fluxos de radiacao em estruturas urbanas a influéncia da vegetacao (Jansson, 2006). Ele considera nao apenas o efeito de sombreamento das arvores, mas também o proceso fisiol6gico de fotossintese e «a abertura dos estmatos (Bruse; Fleer, 1998), 0 que ¢ fundamental para o correto entendimento do impacto da vegetacdo no clima, A fim de se avaliar os beneficios a vegetagao, 0 modelo considera os principais processos relacionados a ela: trans- piragao, evaporagdo, fluxo de calor sensive, fhuxos turbulentos de calor e vapor; balango de energia da folha e balango de agua do sistema solo-vegetacio. Também determina as temperaturas de superficie (pisos e envoltéria dos edificios), as tro- cas de égua e calor no solo e um indice de conforto, o PMV adaptado de Fanger (1972) por Jendritzky e Nabler (1981) para uso em espacos externos, além do BO pedestrian agent (Bruse, 2007) Outro ponto a ser incluido & 0 desempenho ambiental dos edificios no rio de mudangas climaticas. Isso porque alteracOes nos padroes de clima tém sido verificadas nos iltimos anos, eo desempenho dos edificios depende, assim como o conforto dos usuarios, do clima ao qual eles esto expostos, agora e nos cenarios de rmudanca climética. Um impacto adicional no clima das cidades & 0 efeito da ilha urbana de calor (Wilde; Coley, 2012s Unep, 2007), em suas diversas menifestagoee, ‘Novas condigoes climéticas impdem novos impactos aos edificiose cidades, assim como aos seus usuérios. Na constatagdo da ocorréncia de mudangas climéticas, ‘virios estudos apontam que elas so ocasionadas por atividades humanas, princi palmente com a emissio de gases de efeito estufa para consumo energético, ¢ os edificios sao responsiveis por boa parte desse consumo. Nesse contexto, existe um importante trabalho de adaptago e mitigagio a ser realizado, incluindo diversos setores, inclusive o da construsao civil, da arquitetura e do urbanismo, Nesses setores, adaptacio diz respeito aos estudos dos impactos das mmudancas climsticas e da previsio de suas provaveis consequéncias para as reas urbanas, para 08 edificios e para as pessoas que neles habitam. Ela se refere a0 desempenho das construgses frente as alteragdes dos principais parametros climaticos ¢ teducio da sua vulnerabilidade a essas mudangas. Por outro lado, a mitigacdo das causas das mudangas climaticas, decorrentes das emissdes de gases de efeito estufa, implica a redugio dessas emissdes pela diminuicéo do consumo de energia ‘Ainda que exista certo grau de incerteza quanto as projegbes das alteracbes, grande parte dos pesquisadores aceita sua relago com o aumento de emissoes de gases de efeito estufa (Guan, 2012), resultante do modelo de ocupagao humana Os edificios, responséveis por parte do consumo energético e de matéria-prima, contribuem, desse modo, com uma parcela dessas emiss6es. 6.1 CLIMA URBANO: ABORDAGENS, ESCALAS E BALANGO DE ENERGIA EM AREAS URBANIZADAS Os estudos de clima urbano se fundamentam na Climatologia ¢ na Meteo: rologia, com duas abordagens distintas: a geogrifica e a meteorolégica. A 5 Oclima urbane. o ambiente conser 158 Eoiricio Aueiewrat abordagem geogratica, segundo Monteiro (1976), tem uma perspectiva huma- nista ¢ se baseia nos canais de percepeio humana do clima, com subdivisoes nos subsisternas termodinamico (canal do conforto térmico), fisico-quimico (canal da qualidade do ar) ¢ hidrometeérico (canal de impacto metebrico) ssa abordagem dé énfase 2 dimensdo espacial horizontal, porém, as escalas vertical e temporal dos fendmenos nao sio bem definidas, 0 que constitui @ principal fragilidade do modelo. A anzlise feta com base na identificacao da inamica do clima local, desde a escala sinética, aplicando técnicas da anslise ritmica (sucessdo de estados atmostféricos) A abordagem meteorolégica traz uma perspectiva fisica, fenomenolégica e estatistica do comportamento das variéveis do clima, tendo como base 0s fluxos de energia ¢ massa ¢ seus balangos na interagao da atmosfera com a superficie. A abordagem meteorolégica € quadridimensional (espago e tempo) e integra as esca las de cima para baixo (downscaling). A preocupacao é preditiva com relacao ao comportamento co clima endo necessariamente gera subsidios ao planejamento e desenho urbanos (Assis, informagao verbal, 2010). ‘A Climatologia traz uma visio geral do que acontece dentro do sistema, jé a abordagem meteorolégica é mais fenomenoligica, mais preditiva do comporta- ‘mento das varidveis do clima e, em tltima instancia, mais util para o projeto. Tanto nna abordagem geografica quanto na meteorolégica, a definicio das escalas do fend- meno em estudo é fundamental para identificar as bases de dados necessérias, 0 tamanho da drea de estudo e 0s meios, métodos e técnicas observacionais mais, adequados. Nao se pode perder de vista a hierarquia de escalas, tipica da aborda- gem ecologica e fundamental para que se possaidentificar adequadamente as bases de dados, 0 tamanho da area de estudo, e os métodos ¢ téenicas mais adequados (Assis, informagao verbal, 2010) ‘A melhor maneira de entender 0 microclima urbano & pelo balango de ener- gia, O tecido urbano altera 0 balanco de energia introduzindo um termo de calor antropogenico e diminuindo o termo de calor latente. A forma como a energia & particionada afeta fortemente o microclima: a radiagao solar pode ser usada para aquecer 0 solo ou evaporar a égua, pode ser reirradiada para a atmosfera, eo seu saldo € usado aquecer o ar. A proporcio de energia usada em cada uma dessas fangdes iréafetar 0 microclima: por exemplo, se o local é seco, a energia néo vai ser uusada para evaporar a dgua, portanto, mais energia esta disponivel para aquecer su- perficies e, consequentemente, o ar. Temperatura e umidade do ar geralmente no sto significativamente afetadas pelo desenho, mas radigao e vento, sim (Browns Gillespie, 1995), (© mesmo conceito de balango aplica-se a uma pessoa ou a um edificio. O uso de energia em um edificio pode ser estimado considerando-se todos 0s fluxos de energia para e a partir do edificio (balanco de energia). Dependendo da tipo- logia dos edificios (forma, orientagdo sola, envoliria ete), eles reagem de forma diferente ao microclima (Brown: Gillespie, 1995). O controle da radiagao solar é ‘6 mecanismo mais importante para determinar os ganhos de calor pelo edificio, daja importancia da forma, da orientagio solar e da protecio da envoltéria onde necessirio. ‘Toda matéria emite energia radiante. Algumas superficies se aquecem mais sob a radiagao solar direta do que outras, porque elas interagem com a radiagao demaneira diferente. A fragio da radiagao solar que ¢ refletida por uma superfi- ie € chamada de albedo dessa superficie. Quanto maior o albedo, mais energia € refletida e menos ¢ absorvida. A transferéncia de energia do Sol para a Terra é uma transferéncia de calor radiante de ondas eurtas;igualmente importante, po- rém menos intuitiva, &a perda de energia radiante de onda longa da Terra para o spag0, caso contririo, 0 calor acumulado faria a temperatura da Terra aumentar continuamente, se ele ndo fosse removido. A temperatura resultante ¢influenciada Por um arranjo complexo de fatores como vento, evaporacio e precipitagao, além. do calor emitido por outras fontes antropogénicas (Sas, sd.) Tanto as éreas rurais quanto as reas urbanas recebem energia solar por pro cess0s radiativos, ganhando energia de onda curta do Sol e perdendo energia de onda longa para a atmosfera. A superficie da Terra se aquece durante o dia e se resfria durante a noite principalmente por esses processos. As variéveis climati- cas resultam diferentes por causa dos diferentes albedos entre o ambiente rural © urbano, por causa da perda de calor por evapotranspiragio, geralmente maior ros ambientes ruras, pela presenga de vegetacao e solo permeavel, pelasfontes de calor antropogenico nas cidades etc, tudo isso resultando em mais ou menos calor estocado no sistema (solo, pavimentos, edificios etc.) (Sass, sd.) ‘Tendo cm menteas tracas de calor envolvidas no balango, as formas possiveis de se amenizar as condigées microclimaticas urbanas em climas tropicais incluem: -manter os corredores de vento onde necessério para favorecer as trocas convectivas, aumentar o albedo das superficies urbanas para reduzit o calor estocado, incluir 8 vegetagio € 0 solo permedvel em locais estratégicas para aumentar as perdas por otranspiracio, minimizar a geracio de calor antropogénico nos transportes, ‘nas induistrias, nos sistemas de ar-condicionado etc. 6.1.1 Interages entre o clima urbano e o ambiente construido A eficigncia energética em cidades nio pode ser aleangada ignorando-se as

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